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<p>Maria Cecília P. de Souza-e-Silva Ingedore Villaça Koch Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira SP, Brasil) LINGUÍSTICA Souza-e-Silva, Maria Cecília P. de Linguística aplicada ao português : morfologia / Maria Cecília P. de Souza-e-Silva, Ingedore Villaça Koch. - 18. ed. - São Paulo : Cortez, 2011. APLICADA AO Bibliografia: ISBN 978-85-249-1683-0 PORTUGUÊS: 1. Linguística estrutural 2. Português - Morfologia Koch, Ingedore Grunfeld Villaça. II. Título. morfologia 11-00888 CDD-469.5 Índices para catálogo sistemático: 1. Morfologia : Português : Linguística 469.5 edição CORTEZ EDITORA</p><p>LINGUÍSTICA APLICADA AO morfologia de Cecília para Marcio Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva Ingedore Grunfeld Villaça Koch Capa: aeroestúdio Revisão: Elisabeth Matar Composição: Linea Editora Ltda. Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa das autoras e do editor. by Autoras Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Monte Alegre, 1074 - Perdizes 05014-001 - São Paulo - SP Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 E-mail: cortez@cortezeditora.com.br www.cortezeditora.com.br Impresso no Brasil - abril de 2012 de Inge para Luiz</p><p>CORTEZ 7 EDITORA Sumário Prefácio 11 Nota Introdutória 13 1. Revisão dos princípios básicos do estruturalismo 17 1.1 Língua e fala 18 1.2 Sincronia e diacronia 19 1.3 Sintagma e paradigma 21 1.4 A dupla articulação da linguagem 22 1.5 Descritivo e normativo 24 Notas 25 Exercícios 26 2. Princípios da análise mórfica 33 2.1 O vocábulo formal 33 2.2 Análise mórfica: princípios básicos e auxiliares 35 2.3 Tipos de morfemas 38 Notas 43 Exercícios 45</p><p>8 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA AO PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 9 3. Estrutura e formação de vocábulos 49 5.2.5 Verbos com padrão especial no 3.1 Estrutura 49 particípio 94 3.2 Formação 51 5.2.6 Verbos anômalos 94 - Tipos de derivação 52 Notas 95 Processos de composição 54 Exercícios 97 Outros processos de formação de palavras 56 Bibliografia 103 Notas 58 Exercícios 60 Símbolos e siglas 107 4. A flexão nominal 63 4.1 Flexão de gênero 64 4.2 Flexão de número 69 Notas 72 Exercícios 74 5. A flexão verbal 79 5.1 O padrão geral 83 5.1.1 Alteração do radical 84 5.1.2 Vogal temática 85 5.1.3 Desinências número-pessoais 87 5.1.4 Desinências modo-temporais 88 5.2 O padrão especial 89 5.2.1 Irregularidades flexionais 91 5.2.2 Irregularidades no tema de indicativo perfeito 91 5.2.3 Irregularidades no tema de indicativo presente 92 5.2.4 Irregularidades no futuro 93</p><p>G CORTEZ EDITORA 11 Prefácio Muitas obras linguísticas sobre Português têm sido publicadas nos últimos dez anos, no Brasil e em Portugal, mas a maioria é constituída de pesquisas linguísticas ori- ginais várias teses de mestrado e doutorado - e, por- tanto, de cunho mais científico do que didático. Ao contrário do que ocorre em outros países, essa li- teratura não foi acompanhada, a menos de raras exceções, de um trabalho de divulgação a nível do professor de Português, e muito menos de trabalhos de cunho didático, isto é, de manuais para uso do aluno. Tal tipo de manual é um instrumento introdutório necessário para a leitura de textos de caráter científico, além de constituir-se em instrumento avaliador da poten- cialidade didática das descrições teóricas propostas na literatura. O presente trabalho, das professoras Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva e Ingedore Villaça Koch, insere-se nessa tarefa de processamento pedagógico das linguísticas. Professoras de Morfo-Sintaxe do Po</p><p>CORTEZ 12 SOUZA-E-SILVA KOCH EDITORA 13 na graduação, há muitos anos, estão altamente qualificadas, pela formação linguística que têm e pelo conhecimento próximo do aluno desse nível, a fornecer-lhe um "input" compreensível, sem o qual, sabemos, não há aprendizagem significativa. Ao iniciarem essa tarefa, na área de Morfologia, com base na obra de Mattoso Câmara, para depois prosseguirem Nota introdutória com tratamentos mais recentes, as autoras preocuparam-se não em seguir o "dernier cri", mas em apresentar didati- camente uma descrição que vem resistindo ao teste do tempo, motivo por que a obra de Mattoso Câmara consti- tui hoje um clássico da Linguística portuguesa. De acordo com Mattoso Câmara Jr., cabe à linguística pura ou teórica a descrição das estruturas das diferentes Apesar da fidelidade à obra de Mattoso, as autoras línguas e à linguística aplicada, a adequação dessa descri- não deixaram de contribuir com suas intuições e com suas ção ao ensino. referências e comparações com a gramática tradicional. Como professoras da disciplina Morfo-Sintaxe do Esperamos que trabalhos como este possam multipli- Português, na PUC-SP sentimos desde logo a necessidade car-se para preencher as lacunas bibliográficas de cursos de adequação da descrição teórica ao nível de conhecimen- introdutórios à Linguística do Português. to e às necessidades pedagógicas do aluno recém-ingresso na universidade. Nosso trabalho se concretizou, em um São Paulo, janeiro de 1983 primeiro momento, na elaboração assistemática de alguns Mary A. Kato textos e, finalmente, na produção deste livro didático cujo objetivo fundamental é o de servir de introdução ao estu- do da Morfologia. Daí termos escolhido a obra já clássica de Mattoso Câmara, mais especificamente A estrutura da língua por- tuguesa, como ponto de partida para uma fase de publi- cações de cunho didático. Seguimos também a orientação estruturalista, funda- mental para a aprendizagem das correntes linguísticas</p><p>14 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 15 posteriores e procedemos, ainda, a uma abordagem sin- cialmente diferente, na medida em que, ao contrário do crônica, tomando por base, no entanto, a modalidade es- autor, não estamos pressupondo a existência de algumas crita, com o intuito de obter uma descrição mais uniforme, formas teóricas em que esteja presente a vogal temática. capaz de atingir os estudantes universitários de todo o No Capítulo 5, caracterizamos rapidamente as noções Brasil, sem os percalços oferecidos por uma descrição fun- gramaticais expressas através da flexão verbal e passamos damentada na linguagem oral. à descrição do padrão geral e de seus desvios, os quais, por Embora seguindo de perto as colocações do autor, em apresentarem uma organização imanente, passam a cons- alguns momentos adotamos posições divergentes, suge- tituir um outro padrão denominado especial. rindo novas alternativas na solução de determinadas Cada um dos capítulos é seguido de exercícios diver- questões. Acrescentamos também algumas contribuições sificados, visando à melhor fixação dos assuntos tratados. próprias, como o capítulo referente à estrutura e formação Nesta parte, bem como na leitura crítica da obra, contamos dos vocábulos, assunto que, na obra de Mattoso, encon- com a competente colaboração da colega Laís Furquim de tra-se apenas de modo embrionário; excluímos o capítulo Azevedo, a quem, de público, registramos nosso reconhe- sobre os pronomes, cujo tratamento julgamos mais ade- cimento. quado em uma obra que trate da sintaxe do enunciado e, Linguística Aplicada ao Português: Morfologia pre- especialmente, da sintaxe do discurso. tende, pois, atingir professores e estudantes que atuam no Nosso livro tem, portanto, a seguinte organização: no campo da ciência da linguagem, bem como aqueles que, Capítulo 1, encontra-se uma breve revisão dos princípios sem interesse profissional específico, se interessem por uma básicos da linguística estrutural pertinentes para o desen- informação acessível nesse volvimento dos capítulos posteriores. No Capítulo 2, explicitamos os princípios da análise mórfica e classificamos os diferentes tipos de morfemas existentes em no Capítulo 3, mostramos como se estruturam os vocábulos e como se processam as forma- ções vocabulares. O Capítulo 4 é dedicado à flexão nominal de gênero e número; na parte referente ao gênero, propusemos uma nova classificação com base nos tipos de morfemas. No que diz respeito ao número, adotamos uma posição par-</p><p>C CORTEZ EDITORA 17 1 Revisão dos princípios básicos do estruturalismo Até fins do século XVIII, os estudos linguísticos eram baseados na gramática greco-latina, que partia de princí- pios lógicos e através deles procurava deduzir os fatos da linguagem e estabelecer normas de comportamento lin- guístico. Pressupunha-se uma fixidez da língua; conse- quentemente, as descrições gramaticais tinham um caráter essencialmente normativo e Contra essa concepção estática, os estudiosos da lin- guagem rebelaram-se no século passado, enfatizando então a mudança incessante da língua, através de um processo dinâmico e coerente. Originaram-se, assim, a gramática comparativa e a linguística histórica: a primeira, comparando entre si os elementos de línguas distintas com o objetivo de depreen- der-lhes as origens comuns e de reconstituir a protolíngua de que se originaram e a segunda, procurando explicar a formação e evolução das línguas. As mudanças linguísticas</p><p>LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 19 18 SOUZA-E-SILVA KOCH eram consideradas como fenômenos naturais em contra- A fala é a realização, por parte do indivíduo, das pos- posição à fixidez preconizada pela gramática greco-latina. sibilidades que lhe são oferecidas pela língua. É, portanto, um ato individual e momentâneo em que interferem mui- Ainda no fim do século XIX e começo do século XX, tos fatores extralinguísticos e no qual se fazem sentir a embora dominasse o ponto de vista histórico-comparativo, vontade e a liberdade individuais. Apesar de reconhecer a alguns linguistas já se preocupavam com a ideia de que, interdependência entre língua e fala, Saussure considerava ao lado de um estudo evolutivo da língua, deveria haver também um estudo sincrônico ou descritivo. Quem real- como objeto da linguística a língua (por seu caráter homo- gêneo), procurando entendê-la e descrevê-la do ponto de mente rompeu com a visão historicista e atomista dos fatos vista de sua estrutura interna. linguísticos foi F. de Saussure, ao conceituar a língua como sistema e ao preconizar o estudo descritivo desse sistema. De acordo com A. Martinet (1960), a oposição entre Nasce, assim, o estruturalismo como método linguístico. língua e fala pode também exprimir-se em termos de código e mensagem: o código representa a organização que permi- Saussure foi quem definiu, pela primeira vez, e com te enunciar a mensagem, e a mensagem limita-se a concre- maior clareza, objeto da linguística "stricto sensu", isto tizar a organização do código. é, a língua. Considerando a linguagem como um fenômeno unitário no qual os vários elementos se inter-relacionam, Um dos princípios essenciais propostos por Saussure o autor estabeleceu, do ponto de vista metodológico, dico- é a definição da língua como um sistema de e de leis tomias básicas (língua/fala, sincronia/diacronia, sintag- combinatórias. O autor ilustra essa ideia através de uma em função das quais se criaram escolas e comparação com o jogo de xadrez: se substituirmos as pe- teorias mais recentes. ças de madeira por peças de marfim, a troca é indiferente, mas se diminuirmos ou aumentarmos o número de peças, essa mudança atinge a gramática do jogo... valor respec- tivo das peças depende de sua posição sobre o tabuleiro, 1.1 Língua e fala da mesma forma que, na língua, cada termo tem seu valor por oposição a todos os outros termos (Saussure, 1967). A língua é ao mesmo tempo um sistema de valores que se uns aos outros e um conjunto de convenções necessárias adotadas por uma comunidade linguística para 1.2 Sincronia e diacronia se comunicar. Ela está depositada como produto social na mente de cada falante de uma comunidade, que não pode nem criá-la, nem modificá-la. Assim delimitada, ela é de Embora a linguística histórica do século XIX tenha reconhecido a especificidade dos estudos diacrônicos, natureza homogênea.</p><p>LINGUÍSTICA APLICADA AO PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 21 SOUZA-E-SILVA KOCH 20 Saussure foi o primeiro linguista a estabelecer uma distin- momento dado (Saussure, 1967). Por exemplo, o futuro do presente e do pretérito se constituíram pela combinação ção nítida entre sincronia e diacronia. do infinitivo do verbo principal mais uma modalidade do A fim de melhor salientar a diferença entre os dois indicativo presente e pretérito imperfeito do verbo haver fun- pontos de vista, o autor traçou dois eixos, um horizontal (A cionando como auxiliar. A explicação diacrônica nos dá, B) e outro perpendicular (C D), representando o pri- meiro, o eixo das simultaneidades, ou seja, a sincronia, e o pois, cantar(h)ei, cantar(h)ia. No entanto, do ponto de segundo, o eixo das sucessividades, ou seja, a diacronia. vista sincrônico, essa aglutinação tornou-se obscura me- diante uma nova distribuição de constituintes que nos O eixo das simultaneidades representa relações entre permite descrevê-los como marcados pelas desinências fenômenos existentes, das quais se exclui toda a interven- modo-temporais /-re/ e sem qualquer referência à ção do tempo. A língua é considerada como um conjunto sua evolução. de fatos estáveis, estudados como elementos de um sistema que funciona num determinado momento do tempo. O eixo das sucessividades representa os fenômenos que foram se modificando numa sucessão no tempo; tais fenô- 1.3 Sintagma e paradigma menos não são isolados, mas acarretam modificações no sistema, determinando a passagem de um estado de língua As unidades linguísticas relacionam-se umas às outras a de dois modos distintos. Por um lado, temos as relações Do ponto de vista metodológico, Saussure reivindicou sintagmáticas que ocorrem dentro do enunciado e que são a autonomia para a pesquisa sincrônica, utilizando a ima- diretamente observáveis (relações "in praesentia"). Tais gem já citada do jogo de xadrez. Durante uma partida, a relações decorrem do caráter linear e temporal da lingua- disposição das peças muda a cada lance, mas em cada um gem humana. deles a disposição pode ser inteiramente descrita a partir Por outro lado, temos as relações entre unidades ca- da posição em que se encontra cada peça. Pelo andamento pazes de figurar num mesmo contexto e que, pelo menos do jogo, num momento dado, não é necessário saber quais nesse contexto, se excluem mutuamente. Essas relações foram os lances jogados anteriormente, em que ordem eles decorrem do fato de um elemento poder figurar em lugar se sucederam: estado particular da partida e a disposição de outro, em um dado contexto, mas não simultaneamen- das peças podem ser descritos sincronicamente, isto é, sem te. Denominam-se paradigmáticas e ocorrem com os elemen- nenhuma referência aos lances anteriores. O mesmo ocor- tos que não estão presentes no discurso (relações "in ab- re com as línguas: elas se modificam constantemente, mas sentia"). Os paradigmas consistem em inventários de podemos explicar o estado em que elas se encontram num</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH 22 LINGUÍSTICA APLICADA AO MORFOLOGIA 23 elementos linguísticos, agrupados de acordo com critérios em unidades menores, falávamos decompõe-se preestabelecidos. em quatro morfemas fal va mos. Cada uma dessas Considerando-se a frase: unidades significativas6 pode, no mesmo ambiente, ser "O PMDB propõe coalizão" nós substituída por outras no eixo paradigmático eu ou PDT união vocês PTB junção pode, num ambiente diferente, achar-se combinada no eixo as relações entre propõe e seus vizinhos contextuais PMDB sintagmático: Nós chegamos. Dirigiu-se a nós. Falou sobre e coalizão são sintagmáticas. Nessa mesma frase existem, nós calmamente. em cada ponto, possibilidades de substituição: PDT, PTB, No segundo plano, ou segunda articulação, cada por exemplo, podem figurar no mesmo contexto de PMDB; morfema, por sua vez, se articula em unidades menores o mesmo sucede com os substantivos união e junção, sus- desprovidas de significado: os fonemas, de número limita- cetíveis de aparecer no lugar de coalizão. do em cada língua. Assim, o morfema nós, divide-se em As dicotomias saussureanas têm sido objeto de várias três fonemas /n/ cada um dos quais pode ser interpretações e críticas que são importantes para a com- substituído por outros no mesmo ambiente /v/ plementação desta exposição, mas dispensáveis para a /v/ /á/ ou combinar-se com outros para formar um compreensão da análise descritiva a que nos propomos. morfema diferente: ano, não. A dupla articulação evita sobrecarga da memória e permite economia de esforços na produção e compreensão 1.4 A dupla articulação da linguagem da linguagem verbal; sem ela, seria preciso recorrer a morfemas e fonemas diferentes para designar cada nova experiência. A dupla articulação,4 na hipótese funcionalista de A. A terminologia usada para designar as unidades de Martinet, consiste em uma organização específica da lin- primeira articulação varia muito. A. Martinet designa-as guagem humana, segundo a qual todo enunciado se arti- monemas, distinguindo, ainda, os lexemas, monemas que se em dois planos. No primeiro plano, ou primeira ar- situam no léxico e morfemas, os que se situam na gramática. ticulação, o enunciado divide-se linearmente em unidades Já a linguística norte-americana, de modo geral, denomina significativas: frases vocábulos e morfemas. Assim, o enun- os monemas de morfemas, distinguindo os morfemas le- ciado Nós falávamos bem, articula-se, isto é, divide-se em xicais / dos gramaticais /-a-/ terminologia três vocábulos: nós-falávamos-bem. Enquanto nós e bem são que adotaremos neste texto.</p><p>LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA SOUZA-E-SILVA KOCH 25 24 1.5 Descritivo e normativo Este trabalho visa contribuir no sentido de se atingir tal objetivo, apresentando uma descrição sincrônica da estrutura morfológica do Português em sua modalidade A partir de Saussure, os estudos linguísticos concen- escrita. traram-se no estudo do mecanismo pelo qual uma dada língua funciona como meio de comunicação entre os seus falantes e na descrição da estrutura que a caracteriza. NOTAS A abordagem descritiva fica melhor caracterizada em 1. As gramáticas do Português, seguindo a orientação da oposição à normativa. A primeira explicita, enumera e clas- época, limitavam-se, de modo geral, a apresentar normas para, sifica a estrutura das frases, dos morfemas que constituem bem falar e bem escrever. as frases, dos fonemas que constituem os morfemas e das 2. Entende-se por signo linguístico, conforme Saussure, um regras de combinação dessas diferentes unidades. Trata-se conjunto formado de duas partes: uma perceptível, o significan- de um trabalho de definição, classificação, interpretação e te ou imagem acústica e uma inteligível, o significado. O significan- te é o complexo sonoro audível que encerra o significado ou não de julgamento ou legislação. A última procura pres- conceito. crever as normas, discriminando os padrões linguísticos e Ex.: "cravo" significante: /Kravu/ elegendo um deles como de "bom uso", muitas vezes a significado: a ideia da flor que o complexo partir de critérios de ordem social e não linguística. Ao sonoro desperta no ouvinte e no falante, longo dos anos, as gramáticas normativas foram estabele- quando se produz esta combinação de sons. cendo preceitos avaliativos, isto é, instruções que muitas vezes se resolvem em diga X, não diga y. O signo é o resultado da união entre um significante e um conceito e não entre uma coisa e um nome. Frente a essa distinção, uma questão tem sido coloca- 3. Os critérios para os agrupamentos paradigmáticos podem da com frequência: deve a gramática normativa ser aban- ser morfológicos (por ex. as classes de palavras), sintáticos (por donada? Pensamos, como Mattoso Câmara Jr. (1975), que ex. as funções gramaticais), semânticos (por ex. as sinonímias e a falha não está no fato de as gramáticas serem prescritivas, antonímias) etc. mas sim no de basearem-se em descrições inadequadas e 4. Este item 1.4, referente à dupla articulação, foi calcado em Dubois, Jean (1973, p. 67 e 68). falsas. Cabe à linguística descritiva descrever os padrões 5. Articulação significa, também, em linguística, o ato de em uso nos quais a gramática normativa possa basear-se, produzir os sons da fala através do aparelho fonador. de tal modo que a norma não seja uniforme e rígida, mas 6. O conceito de unidades mínimas significativas apoia-se no se mostre elástica e contingente, adaptando-se às diferen- fato de não serem possíveis outros desmembramentos, sob pena tes situações. de os segmentos não terem significado na estrutura em exame.</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH 26 LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 27 EXERCÍCIOS Bloco 2 Distinga e justifique, nas afirmações a seguir, as noções Bloco 1 linguísticas em jogo (sincronia diacronia; sintagma 1. Imagine uma situação em que haja quatro jogadores, paradigma) e a abordagem (normativa ou descritiva) uti- pedras de seis cores diferentes e as seguintes regras lizada pelo autor: obrigatórias e opcionais: 1. "Na fala popular do Rio de Janeiro, há uma tendência a) combine sempre para a direita as pedras azuis e as para a supressão das semivogais de certos ditongos... amarelas; Consideremos em primeiro lugar os ditongos crescentes. b) pode-se intercalar entre a pedra azul e a amarela, Há um grupo de palavras para as quais é grande a ten- pedras verdes e vermelhas, desde que elas sejam dência à redução do ditongo: colocadas sempre juntas; Padrão Popular c) as pedras verdes e vermelhas podem ser substituídas paciência paciença por cinzas e laranjas. polícia poliça 2. Imagine as seguintes jogadas e verifique quais dos jo- salário salaro gadores seguiram as regras estabelecidas: contrário contraro a) o jogador A não entre a pedra azul e a amarela armário armaro edifício as pedras verdes e vermelhas; edifiço escritório escritóro b) o jogador B uma pedra amarela entre a verde e anúncio anunço" a vermelha; (Lemle, Miriam. Heterogeneidade dialetal: um apelo à c) o jogador C combina pedras azuis com amarelas à pesquisa linguística e ensino do vernáculo. Tempo Bra- esquerda; sileiro, n. d) o jogador D uma pedra amarela ao lado direito 2. "O infinitivo pessoal emprega-se obrigatoriamente num de uma azul, intercalando pedras cinzas e laranjas. só caso: quando tem sujeito próprio, distinto do sujeito 3. Estabeleça agora um paralelo entre o jogo e as noções da oração principal" (Rocha Lima, 1974, p. 429). linguísticas de língua e fala: o que corresponde, na des- 3. O pronome eu é empregado na língua como sujeito de crição acima, à língua? E à fala? um verbo. Em qualquer outra função é substituído por</p><p>LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 29 SOUZA-E-SILVA KOCH 28 me (objeto direto e indireto) não precedido de preposição uma só, embora, sendo adotada sem o mínimo escrúpu- ou por mim, se for precedido de preposição. lo pela linguagem literária. Tornou-se usual acompanhar a forma imperativa de ir e vir dos votos de bom êxito. 4. "Quanto à colocação ou procedência dos pronomes na Esta noção, compreendida no advérbio embora, deslu- frase, é de boa norma, não propriamente gramatical, mas de distinção e elegância, dar prioridade à primeira (eu), ziu-se da consciência hodierna, que confusamente descarrega nele o conceito de afastamento como se os quando se trate de alguma coisa menos agradável, ou verbos não dissessem já a mesma coisa" (Ali, M.S Gra- que importe responsabilidade, ou, ainda, nas manifesta- mática histórica da língua portuguesa. São Paulo, Melho- ções de autoridade e hierarquia; em caso contrário, por modéstia e delicadeza, a primeira pessoa, a que fala, ramentos, 1971). loca-se em último lugar..." (Rocha Lima, 1974, p. 310). 5. "Na linguagem arcaica, era frequente o uso das formas Bloco 3 tônicas do objeto indireto em função objetiva direta" (Rocha Lima, 1974, p. 302). Aplique nos exercícios abaixo, as noções linguísticas 6. "Como é sabido, o plural, em -aeis, -eis (= ees), -is (= iis estudadas neste capítulo: ou fies), -oes e -ues dos nomes terminados em -al, -el, -il, -ol, -ul é devido à queda do / intervocálico; a terminação 1. A palavra estudantes pode ser dividida de duas formas, -files deu, quando tônica, -fies, que passou para -iis e de acordo com o princípio da dupla articulação da lin- depois se reduziu a -is, e, quando átona, -ees, que mais guagem. Quantos segmentos teria, se subdividida em tarde, por dissimilação ou devido ao lugar ocupado pelo unidades de primeira articulação? E em unidades de último e, se tornou em -eis, evolução que igualmente segunda articulação? Responda às mesmas questões a sofreu a (Nunes, J.J. Compêndio de gramá- respeito das palavras: tica histórica portuguesa (fonética e morfologia). Lisboa: a) linguística; Livraria Clássica Editora, 1945. p. 236 e 237). b) indiretamente; 7. "Posto que a instituição dos oráculos e agouros estives- c) possibilidade; se morta desde muito tempo, perdurou na era medieval, d) significativas. e ainda na idade moderna, a crença de que o êxito dos 2. Construa conjuntos de palavras que se agrupem por atos humanos dependia da hora em que eram empreen- paradigmas de acordo com os seguintes critérios: didos. Daí o costume de se acrescentar a frases optativas ou imperativas, por sinceridade, ou mera cortesia, a a) semântico: palavras que indicam ação, estado, sen- timento; locução em boa hora... Fundiu o uso as três palavras em</p><p>LINGUÍSTICA APLICADA AO PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 31 SOUZA-E-SILVA KOCH 30 c) de elementos gramaticais indicadores de oposição b) sintático: termos que exercem as funções de sujeito, ou contraste entre outros elementos pertencentes aos objeto e modificador; diversos paradigmas da língua: c) morfológico: elementos gramaticais que ocorrem "Pequei Senhor: mas não porque hei pecado como: prefixos, sufixos formadores de nomes, sufixos De vossa alta clemência me despido formadores de adjetivos. 3. Determine os critérios que possibilitaram os agrupa- Porque, quanto mais tenho delinguido mentos obtidos nas colunas A e B; em seguida, combine Vos tenho a perdoar mais empenhado" de modo diferente as palavras de cada uma delas, indi- (Guerra, Gregório de Mattos. Obra Sacra cando os critérios utilizados. Jesus Cristo Nosso Senhor. In: A literatura brasileira através de textos. Massaud Moisés. São Paulo: Cultrix, A B automóvel 1971. p. 4). teatro tróleibus cinema testemunha advogado 4. Observando as relações sintagmáticas, construa três frases, utilizando elementos pertencentes às classes gramaticais indicadas: a) dois substantivos, um artigo e um verbo; b) três substantivos, dois artigos, uma preposição e um verbo; c) um substantivo, um artigo, um adjetivo e um verbo. 5. Complete o vazio com outros contextos: sui cida com portar com portar cida com portar cida com portar 6. No texto abaixo, procure detectar os paradigmas se- guintes: a) de palavras relacionadas à religiosidade; b) de termos que exprimam oposição de ideias;</p><p>CORTEZ EDITORA 33 2 Princípios da análise mórfica 2.1 o vocábulo formal Mattoso Câmara Jr., baseando-se em Bloomfield (1933, p. 160), define o vocábulo morfológico ou formal em Por- tuguês, tendo em vista o seu funcionamento a nível de frase. De acordo com o linguista norte-americano, as uni- dades formais de uma língua são livres e presas. As primei- ras constituem uma sequência que pode funcionar isola- damente como comunicação suficiente, conforme livros no enunciado: "O que você vai revender?" As formas presas só funcionam ligadas a outras, como o prefixo re em revender e a marca de plural em livro-s. O vocábulo formal ou morfológico apresenta-se, então, como a unidade a que se chega quando não é possível nova divisão em duas ou mais formas livres. De modo a abranger as partículas proclíticas e enclíticas, em Português (artigos, preposições, pronomes átonos etc.),</p><p>34 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA MORFOLOGIA 35 Mattoso Câmara Jr. introduziu um terceiro conceito, o de maticais, e no vocábulo imprevisível tem-se um morfema formas dependentes, as quais funcionam ligadas às livres, lexical e três morfemas gramaticais. Ainda, o vocábulo as, conforme se observa em: "As notícias da falsificação do citado anteriormente, é composto de dois morfemas gra- jornal espalharam-se rapidamente". Tais formas distin- maticais, um funcionando como forma dependente, outro guem-se das livres e das presas: das primeiras, porque não como forma presa. podem funcionar isoladamente como comunicação sufi- Portanto, não se pode confundir o conceito de formas ciente; das segundas, pelas possibilidades de intercalação livres, dependentes e presas com o de Trata-se de de novas formas e de variação posicional na frase. conceitos estabelecidos a partir de critérios diversos: os Modificando-se parcialmente o enunciado anterior: primeiros, definem-se a nível de frase, isto é, do funciona- "As notícias verdadeiras e chocantes da falsificação do jornal mento das unidades linguísticas no enunciado; os segun- se espalharam rapidamente" e comparando-se as duas dos, a nível de ou melhor, da possibilidade ou versões, verifica-se que dois vocábulos foram intercalados não de sua divisão em menores unidades significativas ou entre notícias e da e que o pronome se passou para a posição de primeira articulação. proclítica. Nesse mesmo enunciado, as formas presas (por Nossa análise consiste justamente a depreensão e ex.: -mente) apresentam-se intimamente ligadas às livres funcionamento dos morfemas lexicais e gramaticais que e às dependentes. constituem o vocábulo formal em Português. Introduzindo a noção de forma dependente, Mattoso Câmara ampliou o conceito de vocábulo formal: é a unidade a que se chega quando não é possível a divisão em duas 2.2 A análise mórfica: princípios básicos e auxiliares ou mais formas livres ou dependentes. Tanto as formas livres como as dependentes ora A análise mórfica consiste na descrição da estrutura apresentam-se (sol, a), ora são passíveis de do vocábulo mórfico, depreendendo suas formas mínimas divisão em unidades menores (in-feliz-mente, im-pre- ou morfemas, de acordo com uma significação e uma fun- -vis-í-vel, a-s) Em infelizmente, a forma livre feliz está ção elementares que lhes são atribuídas dentro da signifi- combinada com formas presas; em imprevisível, a forma cação e da função total do vocábulo. livre compõe-se apenas de formas presas. A significação global de um vocábulo como cantaría- Recordando a distinção estabelecida no Capítulo 1 mos, por exemplo, é de que pessoas entre as quais o entre morfemas lexicais (que se situam no léxico) e mor- falante poderiam, no momento da enunciação linguística, femas gramaticais (que se situam na gramática), no vocá- estar empenhados na emissão vocal peculiar que se entende bulo infelizmente tem-se um morfema lexical e dois gra- pelo morfema lexical ou radical / cant- Depreende-se tal</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA MORFOLOGIA 37 36 morfema utilizando-se o princípio básico da análise mór- Ao lado da comutação, existem dois outros princípios fica, a comutação, que consiste em uma operação contras- da análise mórfica: a alomorfia e a mudança morfofonêmica. tiva por meio de permuta de elementos para a qual são Os diferentes morfemas de uma língua não estão obri- necessárias: a) a segmentação do vocábulo em subconjun- gatoriamente ligados a um segmento fônico imutável: tos e b) a pertinência paradigmática entre os subconjuntos por exemplo, o segmento /-s/ marca, de modo geral, o que vão ser permutados. Visualizemos como opera este plural dos nomes em Português, mas outros segmentos princípio: como /-es/ têm essa mesma função. Do mesmo modo, que marca o futuro do pretérito, tem uma varian- morfema lexical: te Também os morfemas lexicais apresentam cant (a pertinência paradigmática está no variantes: /ordin-/ têm a mesma grit ar fato de cada um dos segmentos carac- significação em ordem, ordenar e ordinário, respectivamen- fal terizarem usos da humana) te. A essa possibilidade de variação de cada forma mínima dá-se o nome de alomorfia.5 vogal temática: A alomorfia pode ser ou não fonologicamente condi- jog a ríamos (o confronto de verbos de conjugações cionada. A não condicionada implica variações livres, que beb e ríamos diferentes possibilita evidenciar a independem de causas fonéticas, como as alternâncias ped i ríamos vogal temática) vocálicas em faz, fez, fiz. A fonologicamente condicionada consiste na aglutinação de fonemas, nas partes finais e marca de modo e tempo: iniciais de constituintes em sequência, acarretando mudan- (depreende-se ria como marca do fu- ças fonéticas. Trata-se, pois, de uma mudança morfofonêmi- joga ría mos turo do pretérito em oposição a va do ca, porque, operando entre fonemas, afeta o plano mórfico jogá va mos pretérito imperfeito, re do futuro do da língua. São exemplos de mudanças morfofonêmicas a joga re mos presente etc.) redução de /in-/ a /i-/ diante de consoante nasal da síla- ba seguinte: incapaz / imutável; o aparecimento de uma marca de número e pessoa: semivogal na forma passeio ao lado de passear; a troca de (depreende-se mos como marca de consoantes em dúvida indubitável. Conforme se pode primeira pessoa do plural em oposição verificar pelos exemplos dados, a mudança morfofonêmi- jogaria mos a S que indica segunda pessoa do sin- ca é fonte constante de alomorfia. jogaria S jogaríe is gular e a is que indica segunda pessoa A consideração da variação dentro do do plural). vocábulo é muito importante na derivação vocabular,</p><p>39 38 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA AO MORFOLOGIA principalmente nas flexões nominais e verbais, porque cria as formas atemáticas, que se circunscrevem às palavras simplifica a descrição gramatical, suprimindo falsas irre- terminadas em consoantes e vogais tônicas. Incorporadas aos morfemas lexicais, as vogais temáticas formam a base gularidades. para a anexação dos morfemas flexionais. Outro fenômeno importante na análise mórfica é o da neutralização, que consiste na perda da oposição entre uni- Os morfemas flexionais "fletem", ou alteram, os mor- femas lexicais, adaptando-os à expressão das categorias dades significativas diferentes. Como a alomorfia, ela pode se dar apenas no plano mórfico ou ser resultante de con- gramaticais que a sua classe admite: (nos nomes, gênero e número; nos verbos, modo e tempo, número e pessoa). São dicionamento fonológico. Como exemplo do primeiro caso, cinco os morfemas flexionais em Português: aditivos, sub- tem-se a neutralização entre a primeira e a terceira pessoas trativos, alternativos, morfema zero, morfema latente gramaticais em vários tempos verbais: cantava cantava; Aditivos: resultam do acréscimo de um ou mais fone- cantaria cantaria etc. Como exemplo do segundo caso, mas ao morfema lexical. Considerando os pares: rapaz tem-se, em alguns tempos verbais, uma neutralização entre a segunda e a terceira conjugação em decorrência da rapazes, professor professora, tem-se os segmentos /-es/ e /-a/ indicando respectivamente as noções gramaticais de perda de tonicidade da vogal temática, isto é, a oposição gênero e número. Há, ainda, um tipo específico de morfe- entre essas conjugações, caracterizada pelas vogais -e e -i, mas que se agrupam nessa classe: os cumulativos, que re- respectivamente, desaparece quando a vogal temática é sultam da acumulação de mais de uma noção gramatical átona final: temes, teme, temem; partes, parte, partem. numa forma linguística Tais morfemas são constantes nos verbos portugueses. Em amáramos, bebêramos e partíramos, por exemplo, nos segmentos /-ra/ e /-mos/ 2.3 Tipos de morfemas a indicação de modo se acumula com a de tempo e a de número com a de pessoa. Os morfemas gramaticais em Português podem ser Subtrativos: resultam da supressão de um segmento enquadrados em quatro tipos: classificatórios, flexionais, fônico do morfema lexical. No conjunto a noção derivacionais e relacionais. de feminino, em vez de aparecer indicada através da adição de um morfema à forma masculina, processo básico de Os morfemas classificatórios são constituídos pelas vogais temáticas cuja função é a de enquadrar os vocábulos formação do gênero em português, decorre da própria em classes de nomes (substantivos e adjetivos) e de ver- subtração dessa forma. bos. Daí a sua subdivisão em nominais /-a, -e, -o/ e verbais Alternativos: resultam da alternância ou permuta de /-i, A ausência de vogal temática em alguns nomes um fonema no interior do vocábulo. Entre os nomes, a</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA AO MORFOLOGIA 41 40 vogal tônica do masculino singular pode alternar com gue-se daquele porque não apresenta morfema gramatical um /-6/ no feminino e no plural, conforme demonstram próprio para indicar qualquer categoria, isto é, não traz em os exemplos a seguir: povo povos; formoso formosa. A al- si mesmo o contraste entre as categorias gramaticais. Os ternância nos nomes é um traço morfológico secundário, vocábulos lápis e artista, por exemplo, funcionam isolados porque ela complementa as flexões de gênero e número. e inalterados para indicar as significações gramaticais de Os exemplos citados, além das marcas /-s/ e /-a/, carre- singular-plural e de masculino-feminino, respectivamente. gam na formação do número e gênero, respectivamente, a A designação latente provém do fato de que essas signifi- alternância vocálica como traço redundante. cações revelam-se indiretamente no contexto. Trata-se dos Em Português é mais adequado considerar-se tais alter- morfemas básicos de plural /-s/ e de feminino /-a/ que nâncias como morfemas redundantes, dada a sua função se realizam algumas vezes como na qualidade de alo- unicamente subsidiária, e enquadrá-los como uma subclas- morfes. Por exemplo: o lápis caiu os lápis caíram; o ar- se dos alternativos, exceção feita ao par avô avó e seus tista chegou - a artista chegou. derivados. Nesse par, a marca sufixal de feminino está ausente e a distinção de gênero é indicada unicamente pela Resta ainda falar acerca de dois outros tipos de mor- alternância que passa, no caso, a ser traço primário, distin- femas: os derivacionais e os relacionais. Os primeiros criam tivo e a ocorrer no fim do vocábulo, constituindo o verda- novas palavras na língua: a partir do morfema lexical deiro morfema alternativo.6 tem-se livr-aria, livr-inho etc. Tais morfemas, ao Morfema zero: resulta da ausência de marca para contrário dos flexionais, não obedecem a uma sistematiza- expressar determinada categoria gramatical. Só ocorre ção obrigatória: assim é que uma derivação pode aparecer quando há oposição, isto é, quando o morfema lexical para um dado vocábulo (de cantar deriva-se cantarolar), e isolado assume uma significação gramatical em virtude da faltar para um vocábulo congênere (não há derivações ausência do morfema que expressa a significação oposta. análogas para falar e gritar). Já os morfemas flexionais estão No morfema lexical mar, a ausência da marca de plural concatenados em paradigmas coesos e com pequena mar- /-es/ indica a noção de singular. Também em professor, a gem de variação; compare-se a série sistemática: cantáva- ausência do morfema /-a/ expressa a noção de masculino. mos, falávamos, gritávamos, que ocorre toda vez que a ativi- Em Português, o mecanismo gramatical de gênero e nú- dade expressa no verbo é atribuída ao locutor e a mais mero baseia-se, essencialmente, em morfemas aditivos que alguém em condições especiais de tempo passado. ficam em oposição a morfemas . Na derivação encontram-se, via de regra, idiossincra- Morfema latente ou alomorfe embora tenha em sias ao lado de regularidades, porque os morfemas deri- comum com o morfema zero a ausência da marca, distin- vacionais não constituem um quadro regular, coerente e</p><p>42 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA AO MORFOLOGIA 43 preciso. Nem todos os verbos portugueses, como se exem- Por se tratar de relações abertas, na derivação, as plificou há pouco, apresentam nomes deles derivados e, idiossincrasias constituem a regra e a não previsibilidade para os derivados existentes, os processos são desconexos é uma constante, enquanto, na flexão, a regra é a previsi- e variados: fala para falar, consolação e consolo para consolar; bilidade e as idiossincrasias constituem a exceção. Além julgamento para julgar, e assim por diante. Também nem disso, as formas derivadas podem assumir extensões de todos os substantivos portugueses têm um diminutivo sentido de tipos variados, enquanto as flexionadas mantêm correspondente e os que existem podem ou não ser utili- o mesmo sentido ou função, de modo que as extensões, zados, numa frase dada, de acordo com a vontade do fa- quando existem, ocorrem em termos globais, para todos lante. Logo, morfemas como: -mento, entre ou- os itens de uma determinada tros, não têm a mesma função em Português que elementos Portanto, apresenta-se como uma das incoerências de como /-s/, ou caracterizadores de número e gê- nossas gramáticas a inclusão dos morfemas caracterizado- nero nos nomes e de modo e tempo nos verbos. Os primei- res de grau, aumentativo e diminutivo, como flexionais. ros formam palavras que enriquecem o léxico, servem como Trata-se, na realidade, de um processo derivacional. base para derivações posteriores e possibilitam ao falante Finalmente, os morfemas relacionais ordenam os ele- a escolha de uma forma vocabular; os segundos são ele- mentos da frase, possibilitando a concatenação dos morfe- mentos de caracterização exclusiva e sistemática impostos mas lexicais entre si, como as preposições, conjunções e pro- pela própria natureza da frase (que nos faz colocar, por nomes relativos. A manipulação desses morfemas pertence exemplo, um substantivo no plural ou um verbo na pri- à sintaxe, motivo pelo qual não serão abordados aqui. meira pessoa do pretérito imperfeito) e não podem servir de base para formações derivacionais posteriores. O resultado da derivação é um novo vocábulo. Entre NOTAS ele e os demais vocábulos derivados similares há esse tipo de relações abertas, que caracteriza o léxico de uma língua em contraste com a sua gramática. Nesta, o que se estabe- 1. Não há sequer coincidência nas classificações. Em lisboeta, por exemplo, encontra-se um morfema lexical que não ocorre lece são relações fechadas, como, por exemplo, a que vigo- como forma livre na língua: Evidentemente, se se conside- ra entre cantávamos e todas as demais formas do verbo ra o grau de autonomia e as regras de combinação dos morfemas, cantar, ou entre lobos ou loba e o nome básico singular lobo. de admitir que os morfemas lexicais têm maior tendên- A flexão caracteriza-se, portanto, pelo alto teor de regula- cia a se constituir em formas livres, enquanto os gramaticais ridade de seus padrões, ainda que estes possam ser de apenas são atualizados como formas livres, quando lexicalizados grande complexidade, conforme veremos ao tratar dos e, portanto, deixando de ser gramaticais. Exemplo: é o -S do verbos chamados "irregulares". plural, trata-se do -inha de casinha.</p><p>44 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA AO MORFOLOGIA 45 2. Parece procedente considerar o termo palavra equivalente adequado considerar morfema o significante mais usual e siste- a vocábulo, tomando por base a classificação das formas em livres mático na língua (forma básica) e os demais como variantes ou e dependentes. Isto porque, se se pedir a diversos falantes que reproduzam lentamente as palavras que compõem o enunciado 5. Em português existe também o fenômeno contrário, isto "O livro da biblioteca", perceber-se-á a existência de quatro é, o da homonímia: uma mesma forma, indicando diferentes sig- pausas correspondentes a quatro palavras diferentes. Se este nificações gramaticais: /-s/ indicando plural nos nomes e a enunciado for transposto para a língua escrita, obter-se-á o mes- pessoa gramatical nos verbos. mo resultado, visto que o princípio usado para se identificar o 6. Além da alternância de fonemas segmentais, também se número de palavras é a existência de espaços em branco entre encontra a de fonemas suprassegmentais. Em Português, há uma as unidades. Ora, tal critério corresponde exatamente àquele oposição entre formas verbais paroxítonas e formas nominais estabelecido por Mattoso Câmara Jr. para definir vocábulo, crité- exército-exercito etc. Nestes rio este que propomos abranja também a noção de palavra. casos, o morfema lexical enquadra-se numa determinada classe Mesmo partindo desse princípio, há casos de análise duvidosa. Em baixo e embaixo correspondem a duas combinações de mor- de palavra, de acordo com a incidência do acento de intensidade femas diferentes ou apenas a duas representações gráficas de na penúltima ou na antepenúltima sílaba. O acento de intensi- uma mesma combinação de morfemas? Trata-se de uma ou de dade também indica uma oposição entre tempos verbais, mais duas palavras? Em co-ocorrência qual o valor do hífen? Equivale especificamente entre o mais-que-perfeito do indicativo e o fu- a um espaço e então há aí duas palavras? Para um entendimen- turo do presente. Por exemplo: cantara, vendera, partira/canta- to maior da questão, consultar: Morfologia da língua portugue- rá, venderá, partirá. sa (In: Revista da Universidade Católica de São Paulo, 1979). Parte 7. Para um maior aprofundamento da questão, consulte-se significativa deste capítulo baseia-se no referido artigo. Margarida Basílio (1981). 3. Adotar-se-ão os termos morfema lexical e radical como equi- valentes; este último, desvinculado da sinonímia com raiz, a fim de evitar interferência entre procedimento sincrônico e diacrô- nico. O radical mais a vogal temática constituem o que se costuma EXERCÍCIOS designar de 4. Alguns linguistas restringem a terminologia morfema ao Bloco 1 nível de língua, considerando-o como valor abstrato da estrutu- ração linguística; em nível de fala estariam os morfes, realização Se você concordar com cada uma das afirmações a dos morfemas. De acordo com esses linguistas, existe, por exem- plo, um morfema correspondente à significação gramatical de seguir, coloque ao lado um exemplo que a comprove; caso plural /PI/ que se atualiza através dos morfes /-es/ etc. contrário, deixe o espaço em branco: Cada um desses morfes é um alomorfe. Do mesmo modo, há um 1. tem-se a alomorfia quando a forma é a mesma, apenas morfema correspondente à significação gramatical do futuro do o significado varia pretérito no indicativo /IdFt2/, que se atualiza através dos mor- fes Do ponto de vista pedagógico, parece mais</p><p>46 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA AO PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 47 2. as partículas enclíticas e proclíticas em Português não O rosto da acusada parecia transfigurado. são vocábulos mórficos Casas extraordinárias! 2. Decomponha as palavras reconsolidar e encruzilhada em 3. em Português há uma grande ocorrência de vocábulos unidades significativas. formados de uma forma livre e uma ou mais formas 3. Para cada palavra abaixo, indique outra que contenha presas alomorfe do morfema lexical: a) felicidade; b) petição; c) dúvida; d) visão; e) bandido. 4. para dividir o vocábulo em cada um dos segmentos que o constituem, baseamo-nos no princípio da comu- tação Bloco 3 5. o morfema lexical, além de funcionar como base de Línguas hipotéticas significado, serve para formar outras palavras do 1. Observe os dados da língua A: ikalveve casa grande petatsosol capacho velho idioma ikalsosol - casa velha petatcin capacho pequeno ikalcin casa pequena ikalmeh casas 6. o morfema gramatical tem a função de enquadrar o petatveve capacho grande petatmeh capachos morfema lexical dentro de categorias da língua a) segmente os b) quais os elementos que significam "grande", "velho", "pequeno"? c) quais os elementos que significam "casa" e "capa- Bloco 2 cho"? 1. Considerando as frases abaixo: d) quais os morfemas indicativos do número e do gê- a) indique o número de vocábulos mórficos e classifi- nero? que-os em formas livres e dependentes; 2. Observe agora os dados da língua B: b) assinale todas as formas presas e, a seguir, indique filkas forte mafilkas fortalecer os morfemas lexicais e gramaticais que constituem kelad fraco mekelad enfraquecer as formas livres: batar - surdo mabatar ensurdecer As cartas estão rasuradas novamente. fusat escuro mufusat - escurecer Não refiz o artigo de linguística. pesal velho mepesal envelhecer</p><p>G CORTEZ 48 SOUZA-E-SILVA KOCH EDITORA 49 a) qual o afixo que aparece nos dados? b) que ideia encerra? c) esse afixo apresenta variantes (alomorfes), como acontece com in-, im-, i- em Português? d) dada a palavra posas (pobre), como você diria empo- brecer? 3 Bloco 4 Estrutura e formação de Classifique os morfemas flexionais encontrados em vocábulos em Português cada par de vocábulos. a) freguês - freguesa b) bisavô - bisavó c) o, a pianista 3.1 Estrutura d) cirurgião - e) sogro - sogra No capítulo anterior, considerou-se a vogal temática f) mão - mãos como morfema classificatório, dado o seu valor gramatical. g) o, os pires Mas, ao lado dela, existem, em Português, certos fonemas h) compraremos - venderemos. que aparecem no interior dos vocábulos sem qualquer valor mórfico. São as vogais e consoantes de ligação, ocorren- tes na junção dos morfemas lexicais e derivacionais e cuja única função consiste em evitar dissonâncias na juntura daqueles conforme os exemplos gasogênio e chaleira entre muitos outros. O primeiro desses vocábulos é formado por dois morfemas lexicais ligados pela vogal sem valor significativo e o segundo é constituído do morfema lexical chá e do sufixo -eira entre os quais aparece a consoante não significativa</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 51 50 Esses elementos de ligação, dado seu caráter pura- 3.3 prefixo(s) + morfema lexical elemento de ligação) mente eufônico, devem ser considerados como constituin- + sufixo(s) (+ vogal temática) (+ morfemas flexionais): in- tes dos morfemas aos quais se ligam. Tem-se, assim, casos felizmente; re-prova-ção; de alomorfia fonologicamente condicionada: o morfema 4. morfema lexical vogal temática) morfemas fle- lexical gás apresenta uma variante gaso- em gasogênio e o xionais) + morfema lexical vogal temática) (+ morfemas morfema derivacional -eira apresenta uma variante -leira, flexionais): couv-e-flor; terç-a-s- em chaleira. feir-a-s; pé-s-de-molequ-e. Considerando-se essas observações iniciais e partin- do-se das delimitações já estabelecidas no capítulo anterior, isto é, a de que a análise mórfica restringe-se à decompo- 3.2 Formação sição dos morfemas em lexicais e gramaticais (flexionais, derivacionais e classificatórios) tem-se condições para determinar a estrutura dos vocábulos em os A partir desses vários tipos de estrutura, torna-se quais podem ser constituídos de: possível determinar os processos de formação dos vocá- 1. apenas um morfema lexical: azul, mar, sol, feliz; bulos em Português. Os vocábulos indicados nos itens 1 e 2. morfema lexical vogal temática) + morfemas fle- 2 são formas simples e primitivas e aqueles contidos no item xionais: alun-a-s; menin-o-s;3 part-í-sse-mos; not-a-ra-m; 3 (com as respectivas subdivisões), constituem vocábulos simples, mas derivados; finalmente, os vocábulos incluídos 3. morfema lexical + morfemas derivacionais (+ morfemas no item 4, os quais contêm mais de um morfema lexical, flexionais): são vocábulos compostos. 3.1 prefixo(s) + morfema lexical (+ vogal temática) morfema flexional): in-feliz; in-apt-o-s; Portanto, para uma análise sincrônica dos mecanismos utilizados na formação de palavras, em conta a 3.2 morfema lexical + sufixo(s) vogal temática) (+ morfemas flexionais): mur-alh-a; cant-eir-o-s; habitu-al; existência de palavras simples e compostas, conforme arrependi-ment-0; menina- zinh-a-s. contenham um ou mais morfemas lexicais. As simples po- dem, pois, ser primitivas e derivadas. As primitivas são as Nas junções especificadas no item acima, cabe ao que não se originam de outras e servem de base para a sufixo marcar a classe gramatical e as flexões do vocábulo formação das derivadas. ao qual se É o que ocorre, por exemplo, em levan- tamento e meninazinhas, nos quais a vogal temática existen- Os principais processos de formação de novas pala- te no vocábulo primitivo levant-a-r e menin-a perde vras, isto é, os de mais alta produtividade são a derivação o valor de morfema ao sofrer o acréscimo do sufixo.5 e a composição.</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA MORFOLOGIA 52 53 Aderivação consiste na formação de palavras por meio A derivação parassintética distingue-se da de afixos agregados a um morfema lexical. Para que haja porque o prefixo e o sufixo são acrescentados a um só derivação, duas condições devem ser preenchidas. A pri- tempo ao morfema lexical, constituindo, portanto, um meira delas consiste na possibilidade de depreensão sin- único morfema gramatical, de caráter Ob- crônica dos morfemas componentes. Considerar derivadas serve-se a diferença entre: feliz infeliz felizmente infe- palavras como submisso, perceber, conduzir, admitir, a partir lizmente e tarde *tardecer *entarde entardecer, no de uma pseudo forma livre -misso-, -ceber-, -duzir-, primeiro conjunto, todos os vocábulos são atualizados em com o acréscimo dos prefixos sub-, per-, con- e ad- repre- Português, enquanto no segundo, o nome *entarde e ver- senta um critério diacrônico válido apenas no estudo his- bo *tardecer não são lexicalizados, portanto, entardecer de- tórico, já que no estágio atual da língua esses morfemas corre de afixação simultânea. lexicais inexistem. Assim, tais vocábulos devem ser trata- A parassíntese consiste, basicamente, em um processo dos como palavras primitivas.6 de formação de verbos, em especial daqueles que expri- A segunda condição implica na possibilidade de o mem mudança de estado, tais como engrossar, afixo, como forma mínima, estar à disposição dos falantes rejuvenescer, mas encontram-se também, na língua, adje- nativos, no sistema, para a formação de novos derivados. tivos formados por parassíntese como desalmado (des + Por sua vez, a maior ou menor do afixo alma + ado). auxilia falante não só a formar ou aceitar determinadas Nos tipos de derivação até aqui verificados, a palavra palavras, rejeitando outras, como também a interpretar nova resulta de acréscimo de afixos aos morfemas lexicais; determinados vocábulos como morfologicamente comple- neles há, pois, uma constante: a palavra derivada amplia XOS ou simples. a primitiva. Preenchidas as condições explicitadas, pode-se falar Existe, no entanto, um processo de criação vocabular na existência de quatro tipos de derivação: a derivação regressiva que é feita justamente ao contrá- a) prefixal: acréscimo de prefixos ao morfema lexical: rio, pela subtração de morfemas. Isto ocorre, por exemplo, reter, ilegal, subtenente, compor; com as palavras caça (de corte (de descanso b) sufixal: acréscimo de sufixos ao morfema lexical: (de descansar) em que a desinência verbal do infinitivo e a saboroso, ponteira, grandalhão, barcaça, vozinha, toquinho;9 vogal temática do verbo são substituídas pelas vogais te- c) prefixal e sufixal: acréscimo tanto de prefixos como máticas nominais -a, -e, -0, formando, por esse processo, de sufixos ao morfema lexical: deslealdade, infelizmente; nomes abstratos de ação, denominados d) parassintética: acréscimo simultâneo de um prefixo e Resta, ainda, referirmo-nos à derivação imprópria, isto um sufixo ao morfema lexical: entardecer, esfarelar. é, ao processo de enriquecimento vocabular ocasionado</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA MORFOLOGIA 55 54 pela mudança da classe de palavras. Por ele explica-se a que o falante nativo não tem consciência da existência passagem de substantivos a adjetivos: manga-rosa, colé- desses dois morfemas, não se pode falar em composição. gio-modelo; de adjetivos a advérbios: ler alto, falar baixo, É o que acontece com palavras como fidalgo (filho de algo), custar caro etc. Trata-se, na realidade, de um processo agrícola (habitante do campo), aqueduto (condutor de água). e não morfológico, motivo pelo qual O que representam hoje, por exemplo, os morfemas lexicais não o incluiremos entre os diferentes tipos de derivação. agri e cola? Quem, senão o estudioso da história da língua, A composição é o processo de formação de palavras que pode descobrir aglutinação nessas palavras? cria novos vocábulos pela combinação de outros já exis- Embora a divisão entre derivação e composição, apre- tentes, dando origem a um novo significado. Através sentada neste texto, seja comum para a maioria dos gra- desse processo combinam-se dois morfemas lexicais, máticos, há divergências que merecem atenção, como a operando-se entre eles uma fusão semântica, que pode ser inclusão da prefixação na composição com base no critério da mais ou menos completa. Assim, por exemplo, em guar- independência vocabular, dado que grande número de da-chuva, o significado de cada elemento persiste com prefixos correspondem a preposições: compor, contradizer, certa nitidez; já em pé de moleque, este significado pratica- decrescer e a advérbios: alentejado. mente desaparece para dar lugar a outro. No entanto, ao lado desses prefixos, existem outros A composição pode dar-se por justaposição ou por aglu- que não são usados como palavras na língua atual ou jamais tinação, conforme a fusão mais ou menos íntima dos elemen- o foram, conforme os exemplos respectivos: ob-ter, re-tomar, tos componentes. Na justaposição, os vocábulos que se ex-portar, in-feliz. Se ob-e ex-já foram formas preposicionais, combinam são colocados lado a lado, mantendo a sua au- no latim, o mesmo não se deu com re- e in- como assinala tonomia fonética, isto é, o acento e todos os fonemas que os Said Ali (s/d.). É fácil afirmar que dis-, re-, in-representam constituem. São grafados ora unidos, ora separados, com partículas inseparáveis que são ou foram advérbios. Nada ou sem passatempo, girassol, anti-herói, amor-per- se sabe da existência de tais vocábulos independentes nem feito, Nossa Senhora. Já na aglutinação, os vocábulos se em latim, nem em outra língua indo-europeia. Por toda a fundem num todo fonético, com um único acento, ocorren- parte ocorrem estes elementos, funcionando sempre como do também a perda ou alteração de algum de seus elemen- prefixos. tos fonéticos (acento tônico, vogais ou consoantes), confor- Desta forma, o argumento baseado na independência me os exemplos planalto, pontiagudo, aguardente etc... vocabular de preposições e advérbios não justifica a exclu- Do ponto de vista sincrônico, só se leva em conta a são da prefixação do âmbito da derivação. Além do mais; aglutinação quando, através da análise mórfica, for possí- a relativa independência verificada entre alguns prefixos vel a depreensão de dois morfemas lexicais. Nos casos em poderia também ser observada em pelo menos um sufixo:</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA MORFOLOGIA 57 56 -mente, típico da formação de advérbios de modo, corres- Trabalhista Brasileiro), PMDB (Partido do Movimento pondente na língua a um substantivo. Democrático Brasileiro). No entanto, uma vez criadas, Embora haja diferenças entre sufixo e prefixo-como passam a ser sentidas como palavras primitivas que pos- por exemplo, o fato de o primeiro, não o segundo, marcar sibilitam a formação de novas palavras: petebista, peeme- debista etc. a classe gramatical do vocábulo ao qual se agrega não se justifica, a partir dos contra-argumentos levantados, a in- Quanto ao hibridismo, combinação de elementos de clusão da prefixação como processo de línguas diversas como autoclave (gr. + lat.), sociologia (lat. + Além da derivação e composição, dois processos básicos gr.), goleiro, futebolista (ingl. + port.), televisão (gr. + port.), de formação de palavras, encontram-se, em Português, monóculo (gr. + lat.) e bicampeão (lat. + port.), não consi- outros recursos para incorporar palavras à língua: a abre- deramos um novo processo de formação vocabular. Tal viação, a reduplicação ou a onomatopeia e as siglas. colocação baseia-se na justificativa de que o falante nativo, A abreviação, ocasionada por economia, isto é, pela lei exceção feita ao estudioso da língua, não consegue depreen- do mínimo esforço, consiste no emprego de uma parte da der sincronicamente a origem da palavra. Mesmo perce- bendo a existência de dois morfemas lexicais diferentes, palavra pelo todo, até limites que não prejudiquem a com- preensão. É o que sucede, por exemplo, com os vocábulos como em auto-clave, ou de um morfema lexical e um sufixo, longos e, em particular, com os compostos greco-latinos como em futebolista, ou, ainda, de um prefixo e um morfe- de criação recente: auto (por automóvel), foto (por fotogra- ma lexical, como em o falante não tem condições fia), moto (por motocicleta), pneu (por pneumático). A forma de determinar a língua de origem. Além do mais, numa abreviada passa a constituir uma nova palavra e, nos di- descrição sincrônica, parece dispensável cogitar-se da cionários, tem um tratamento à parte, quando sofre alte- procedência deste ou daquele morfema; essa distinção será ração de sentido ou adquire matiz especial em relação feita num estudo diacrônico ou num levantamento etimo- àquela de que procede. A reduplicação, também chamada duplicação silábica, Assim, parece mais adequado considerar-se o chama- consiste na repetição de uma sílaba na formação de novas do hibridismo não como um processo à parte, mas enqua- palavras como Juju etc. Quando a reduplicação é drá-lo entre os casos de justaposição, quando resulta da imitativa, isto é, procura reproduzir aproximadamente junção de dois morfemas lexicais, ou entre os de derivação, certos sons ou certos ruídos, tem-se as onomatopeias: ti- quando é formado pela combinação de afixo e morfema lexical. que-taque, zás-trás, zum-zum etc. As siglas consistem na redução de longos títulos às Concluindo, a definição deste ou daquele processo letras iniciais das palavras que as compõem: PTB (Partido como formador de palavras depende da possibilidade de</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA AO PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 59 58 se decompor os vocábulos em menores unidades signifi- 7. Os sufixos -mente, -inho, entre outros, são de grande cativas operantes na língua atual. produtividade, ao passo que -eo, etc., apresentam rendi- mento mais baixo. 8. Para um maior aprofundamento da questão, consulte-se Basílio (1982). NOTAS 9. Incluíram-se na derivação sufixal os afixos caracterizadores do grau aumentativo e diminutivo dado que eles formam pala- 1. Não é conveniente designar de infixos esses elementos vras e possibilitam ao falante a escolha de uma outra forma puramente eufônicos, como oportunamente lembra Mattoso vocabular, conforme se evidenciou no capítulo anterior. Câmara Jr. (1964, p. 197) porque a intercalação não ocorre no 10. Muitas das nossas gramáticas não distinguem entre esses radical e o fonema não tem valor gramatical próprio. dois tipos de derivação. 2. Esta análise limitar-se-á à estrutura e formação das formas 11. A descontinuidade consiste na manifestação de um mes- mo significado gramatical em posições separadas; no caso, en- livres. está anteposto ao morfema lexical e -ecer está posposto, mas 3. Em meninos, o o é vogal temática e em alunas, o a é morfe- ambos indicam parassíntese. ma flexional resultante de uma mudança morfofonêmica: su- 12. Embora nossas gramáticas limitem o processo de forma- pressão da vogal temática átona, quando do acréscimo do ção regressiva a nomes de ação derivados de verbos, Basílio morfema de gênero. Esse ponto será retomado no próximo ca- (1982) evidencia ser ele bem mais produtivo. No entanto, mesmo pítulo. em se tratando de nomes deverbais, parece-nos que a derivação 4. Posição diferente é assumida por Rolim de Freitas (1979, regressiva não fica clara para o falante nativo que, geralmente, p. 99). Segundo o autor "as modalidades temáticas de gênero e é levado a considerar o nome como primitivo, por analogia com de número podem aparecer duas vezes: no núcleo e no elemen- o que ocorre com os nomes compostos, como arma e prego, de to periférico: corpo, corpozinho". Também C. Pedro Luft (1976, que se derivam armar e pregar, respectivamente. p. 135) aceita duas vogais temáticas, mas apenas nas formas 13. Se fosse possível utilizar o hífen como critério, seria mais nominais do verbo, uma do próprio verbo e outra do nome fácil a identificação na linguagem escrita das ocorrências de (partido, partindo, partir justaposição; no entanto, a utilização aleatória deste sinal não 5. Também ocorrem mudanças morfofonêmicas como a su- permite uma identificação segura. pressão da vogal átona do morfema lexical (mur-alha) ou a fusão, 14. Para uma discussão mais detalhada, consulte-se Cintra, quando o sufixo começa pela mesma vogal (desalma + ado). Anna M. M. e Souza-e-Silva, M. Cecília P. de (1979). 6. Rolim de Freitas (1979, p. 104) faz um levantamento dos 15. Para uma discussão mais detalhada, consulte-se Rolim de verdadeiros prefixos existentes na língua portuguesa, delimitan- Freitas (1979), capítulos: "A derivação prefixal e formação erudi- do-se a uma visão sincrônica e procurando reformular os critérios ta" e "Linguagem técnica", em que o autor se posiciona acerca tradicionais das gramáticas que, em extensas relações de exem- do hibridismo e das palavras que provêm de fontes eruditas ou plos, incluem formas que se prefixaram no latim. que pertencem à linguagem técnica das ciências modernas.</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 61 60 d. canil EXERCÍCIOS 1. crueldade e. preferência m. saltitar 1. No texto abaixo, grife os vocábulos formados por deri- f. poeirenta n. refazer vação e/ou composição, explicando o(s) processo(s) g. alimentício o. esperança usado(s): h. orgulhoso "Oswald de Andrade foi um vagamundo que tentou 3. Determine, nas palavras abaixo, as diversas etapas da bandeira-nacionalizar a arte de seu tempo e, tendo derivação, seguindo o modelo: chegado aos sessenta anos, declarou-se um sexappeal- inexistente [in genário. No começo do século, Martins Fontes, poeta pré-vinte e dois, queria construir o brasilirismo. Hoje, + na era da informação, diante do paralá-paracáparlar a. descolorir i. apunhalar Rosa), é preciso ser um anarquiteto como b. proclamação j. deslocamento Augusto de Campos, para se viver efetivamente, com C. ilegalidade k. cooperação a informação adequada, acabar com as formas gastas d. antevisão 1. progressivamente pelo tempo e fazer com que a realidade possa brotar de uma nova forma - como uma constelação de pala- e. empobrecer m. transposição vras-montagem" (Firpo, Júlio. Revista Diners, n. 8, p. f. intrometimento n. imigrante 68, in Soares e Rodrigues, 1975, p. 43). g. revisionismo O. retroceder 2. Determine, conforme o modelo, as regras de derivação h. recrudescer das palavras abaixo, especificando o tipo de morfema 4. No grupo de palavras abaixo, criado pelo escritor Dias e a classe de seus componentes. Use os símbolos: N para Gomes, para as falas do personagem Odorico Paragua- substantivo, V para verbo, Adj. para adjetivo e Adv. para çu, cidadão ignorante mas apreciador de vocabulário advérbio. rebuscado (Sucupira: ame-a ou deixe-a. Civilização Bra- Modelo: sileira, 1982): juramento = [[morf. lex. abstr. 1. dê as formas corretas dos itens utilizados, consultan- + mento], do, se preciso, o dicionário; a. festejar i. eficazmente 2. determine: b. lavagem j. heroísmo 2.1 as formas que violam as regras de derivação, por simbolista k. escorrer modificarem as classes de palavras-base;</p><p>CORTEZ 62 SOUZA-E-SILVA KOCH EDITORA 63 2.2 as formas que não violam as regras de derivação mas que são paralelas a outras formas da língua e por isso impedidas de aparecer (ou bloqueadas): a. de repentemente b. providenciamentos gente excomunguenta 4 d. comprovamento e. valentosa delegada A flexão nominal f. esquerda badernista g. dama de muitas merecendências h. como digo, repito e trepito i. manifestança subversiventa Embora, nas gramáticas do Português, o adjetivo e j. lavagem e enxaguagem substantivo sejam considerados como duas categorias distintas, a flutuação categorial entre eles é Funcionalmente, muitos dos nomes podem ser, con- forme o contexto, substantivos (termos determinados) ou adjetivos (termos determinantes). Assim, no enunciado um diplomata mexicano, o segundo vocábulo é substantivo e terceiro, adjetivo; já em um mexicano diplomata dá-se in- verso. Há, entretanto, alguns nomes que são essencialmen- te adjetivos (triste, grande etc.) e outros que são essencial- mente substantivos (homem, tigre etc.). Mesmo assim, a distinção funcional não é absoluta: um homem tigre designa aquele que tem a ferocidade de um tigre e corresponde a um homem feroz. Formalmente, a diferença entre essas duas classes gramaticais é também muito pequena. Por um lado, tanto os substantivos como os adjetivos são marcados por vogais</p><p>64 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA AO MORFOLOGIA 65 temáticas (criança, mestre, medo, agrícola, verde, cinzento) decorrente do acréscimo do morfema -a: ou por formas atemáticas terminadas em vogais tônicas e = consoantes (filó, gibi, urubu, inspetor, cru, nu, burguês, No entanto, nem todas as palavras são marcadas fle- tentador). Por outro lado, os adjetivos estão quase exclu- xionalmente. Veja-se, por exemplo: casa, livro, cônjuge, sivamente distribuídos nas formas em -e, -0 e em consoantes, criança, em que a vogal final não indica gênero, mas sim- enquanto os substantivos encontram-se distribuídos em plesmente registra a classe gramatical. Embora não mar- todas as formas. cadas flexionalmente, tais palavras admitem a anteposição Flexionalmente, ambos são suscetíveis de flexão de de um artigo: a casa, livro, cônjuge, a criança. Assim, gênero e número, evidentemente apresentando pequenas em Português, cabe ao artigo marcar, explícita ou implici- diferenças. O gênero, que condiciona uma oposição entre tamente, o gênero dos nomes substantivos. Consequente- forma masculina e forma feminina, é caracterizado por mente, a flexão de gênero nos nomes é um traço acessório, redundante. flexão, através do morfema /-a/ (forma marcada) no femi- nino, e do morfema (forma não marcada) no Essa flexão, acessória e redundante, embora se carac- (peru perua). O número, que cria o contraste entre forma terize por um mecanismo simples, apresenta-se como um singular e plural, é também caracterizado por flexão, através dos tópicos mais incoerentes e confusos de nossas gramá- do morfema flexional no plural, e da forma não marcada ticas. Isso se deve, em primeiro lugar, à incompreensão no singular (peru perus). Assim, conforme já se disse, o semântica da natureza do gênero e, em segundo, à ausên- masculino e o singular em português caracterizam-se pela cia de distinção entre processo flexional, de um lado, e ausência de marca, isto é, por um morfema processos lexicais, de outro. Quanto à natureza, a flexão de gênero costuma ser as- sociada intimamente ao sexo dos seres. Contra essa inter- pretação tem-se os seguintes argumentos: a) o gênero 4.1 A flexão de gênero abrange todos os nomes substantivos portugueses, quer se refiram a seres animados, providos de sexo, quer designem Tal flexão opera através do acréscimo do morfema apenas "coisas" como: mesa, ponte, tribo, que são femininos flexional -a átono final à forma masculina. Quando a forma (precedidos do artigo a) ou pente, prego, que são mascu- masculina é atemática, há simplesmente o acréscimo men- linos (precedidos pelo b) o conceito de sexo não está cionado: perua autora; mas, quando tal forma necessariamente ligado ao de gênero: mesmo em substan- termina em vogal temática como pombo, parente, essa vogal tivos referentes a animais e pessoas há algumas vezes dis- é suprimida, através de uma mudança morfofonêmica, crepância entre gênero e sexo. Assim, a testemunha, a cobra</p><p>66 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA MORFOLOGIA 67 são sempre femininos e cônjuge, o tigre, sempre masculinos, Desse modo, não procedem as designações de epiceno, quer se refiram a seres do sexo masculino ou feminino. sobrecomum, comum de dois, usadas pela gramática tradicio- Em razão da ausência de distinção entre processo nal. Ao lado de palavras como a cobra, existem outras como flexional e processo lexical, é comum ler-se em gramáticas a vítima, a criança, indivíduo, algoz, que pertencem respec- do Português que mulher é o feminino de homem, que cabra tivamente aos gêneros feminino e masculino. A importância é o feminino de bode. Trata-se de casos de heteronímia dos do artigo na distinção do gênero é tão importante que só radicais, isto é, de vocábulos lexicalmente distintos, que, através dele, ou de outro determinante ou modificador,4 tradicionalmente, têm sido utilizados para indicar a cate- palavras como artista, colega, estudante, cliente, sem flexão, goria de gênero. Na realidade, a distinção gramatical se têm o gênero determinado: (o, a) artista, (o, a) colega, (o, a) faz através do artigo. Assim, os substantivos mulher e cabra estudante e (o, a) são sempre femininos, porque podem ser precedidos pelo Concluindo, pode-se dizer que, do ponto de vista artigo a; e homem e bode, a eles semanticamente relaciona- flexional, ao lado da regra básica de formação do femi- dos, são do gênero masculino, porque podem ser precedi- nino acréscimo do morfema aditivo -a,6 em oposição dos pelo artigo ao do masculino existem os seguintes casos de alo- Esta interpretação também se estende a outro caso de morfia: heteronímia, àquele em que um sufixo derivacional tem a) subtração da forma masculina: réu-ré; distribuição limitada aos substantivos femininos, conforme mau-má (morfema subtrativo); os exemplos: o diácono a diaconisa, o abade a abadessa, o barão a baronesa etc. Nesse caso, os sufixos derivacionais b) alternância vocálica redundante e não redundante: re- -isa, -essa, esa etc. são formadores de feminino. Há ocor- dundante vogal média posterior tônica fechada rências, embora muito raras, de sufixos que aparecem só / passa a aberta formoso formosa; novo nova na forma masculina: o perdigão a ou em ambas (morfema aditivo e alternativo); não redundante avô as formas: o imperador a imperatriz. avó e seus derivados (morfema alternativo); Não cabe também falar em uma distinção de gênero c) distinção de gêneros diferentes sem flexão: a intérpre- expressa pelas palavras macho e não só porque o te; a mártir (morfema latente). acréscimo não é obrigatório (podemos falar em cobra e tigre sem acrescentar os apostos), mas também porque o gênero Ao lado desses morfemas flexionais (aditivo, subtra- não muda com a indicação precisa de sexo (continua-se a tivo, alternativo e redundante), o gênero é também indica- ter a cobra macho no feminino, como assinala o artigo a e o do pelos morfemas derivacionais femininos: diácono dia- tigre fêmea no masculino, conforme indica o artigo conisa, abade abadessa, duque duquesa.</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA MORFOLOGIA 69 68 No feminino das palavras em -ão, ocorrem ora mor- -(o) homem; (a) mulher; (o) bode; (a) cabra; (o) prín- femas subtrativos, como em irmão irmã, ora morfemas cipe; (a) princesa; (o) sacerdote; (a) sacerdotisa. aditivos. Neste caso, existem sempre mudanças morfofo- Na descrição do gênero, como nas descrições linguís- nêmicas, que se caracterizam ou pela perda da vogal nasal, ticas em geral, é indispensável delimitar o plano gramatical como em leão leoa (leão + = = leoa), ou por uma e o lexical, tendo em vista que a gramática trata dos fatos alteração no sufixo derivacional de aumentativo próprio gerais da língua e o léxico, dos fatos especiais. Assim, a da forma masculina, decorrente do acréscimo do morfema descrição gramatical deve ser completada com as informa- -a, como em valentão valentona. Outras vezes, a flexão ções de um dicionário ou léxico, que seria constituído, se- de gênero é marcada pelo acréscimo de um morfema de- gundo Chomsky (1965), de uma série não ordenada de rivacional de diminutivo à forma feminina, como em galo regras lexicais, englobando todas as propriedades idiossin- galinha. Também entre os morfemas derivacionais estão cráticas de cada um dos itens Caberia, então, a um as formas em -eu, como europeu europeia, nas quais dicionário do Português, registrar as ocorrências de gênero acréscimo do morfema -a ao sufixo derivacional acarreta não explicáveis pelos padrões gerais da uma mudança morfofonêmica que se caracteriza pela su- pressão da vogal assilábica e ditongação: europeu + a = europe(u)a = europea = europeia. 4.2 A flexão de número As gramáticas poderiam ensinar gênero dos subs- tantivos a partir da descrição proposta, baseando-se, em Em se tratando do número, conceito significativo é primeiro lugar, na forma masculina ou feminina do artigo muito mais simples e coerente. Trata-se da oposição entre e considerando, em segundo lugar, a seguinte divisão em um único indivíduo e mais de um indivíduo. Excetuam-se: três grupos: a) a situação especial dos coletivos, em que a forma singular 1. nomes substantivos de dois gêneros com uma flexão envolve uma significação de plural, e b) a de certos nomes redundante: (o) lobo (a) loba; (o) mestre - (a) mestra; em que a forma de plural refere-se a um conceito linguisti- (o) (a) pintora; camente indecomponível. Trata-se, nos dois casos, de uma 2. nomes substantivos de dois gêneros sem flexão peculiaridade da língua. No primeiro, a língua interpreta aparente: (o, a) camarada; (o, a) selvagem; (o, a) mártir; uma série de seres homogêneos como uma unidade superior, 3. nomes substantivos de gênero único: que, como unidade, vem no singular: multidão pressupõe (a) pessoa; (a) testemunha; (o) algoz; (a) mosca; (o) indivíduo cidadão; ramagem indica coleção de ramos. Eviden- besouro; (a) mesa; (a) tábua; (o) disco; (o) livro; temente, tais nomes, quando designam mais de um desses</p><p>70 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 71 conjuntos, também se flexionam: multidões e ramagens. No lidade, em nossa língua, de grupos finais cuja combinação segundo caso, interpreta-se linguisticamente, de um modo seja global, um contínuo de atos ou de partes integradas, os quais Outro caso de alomorfia ocorre com os nomes termi- podem ser entendidos, no mundo extralinguístico, como nados em precedidos de vogal diferente de i, cujo plural uma série ou sequência de partes componentes: óculos, é expresso através da forma is, conforme os exemplos: jogral algemas, exéquias, núpcias. Estes vocábulos não apresen- jograis; coronel coronéis; lençol lençóis; azul azuis. A mu- tam singular mórfico correspondente. dança morfofonêmica é caracterizada pela queda do final Também em relação ao número, à semelhança do que e por jograis; coronel + is (-l) ocorre no gênero, entende-se o mecanismo flexional como coronéis; lençol + azul + is azuis. uma oposição privativa em que o singular não-marcado, Quando os nomes terminados em forem precedidos ou , opõe-se ao plural com marca própria, caracterizado da vogal i, além da queda do 1, ocorrem outras mudanças pelo morfema Esse morfema marca, no plural, os morfofonêmicas dependendo da tonicidade da vogal. Se nomes terminados no singular em: ela for tônica, há crase e se for átona, há dissimilação re- a) vogais orais e nasais: cajá cajás; gressiva (i > e) e ditongação, conforme os exemplos, fuzil b) álbum álbuns;9 fuzis e fóssil fósseis, respectivamente: fuzil + is fu- ziis fossiis fósseis. c) ditongos orais: céu céus; Ainda, entre os casos de alomorfia foneticamente d) ditongos nasais átonos e alguns tônicos: bênção condicionadas estão os nomes terminados em xes, os quais, bençãos; irmão irmãos. quando precedidos de vogal átona, não sofrem variação: tórax, Trata-se de alomorfes , ou morfemas latentes, Fora dessa regra geral, a única complexidade no me- canismo flexional de número está nas mudanças morfo- dado que a oposição singular-plural só é recuperada pelo fonêmicas exigidas por certas estruturas vocabulares, que contexto: (este, estes) tórax, as) cútis. ocasionam diferentes alomorfes. Assim é que os nomes Finalmente, alguns nomes cuja vogal média posterior terminados no singular em (precedido de vogal tônica), tônica é fechado, além do morfema mudam, no plural, -r, -Z e -n formam o plural com o acréscimo do alomorfe o fechado pelo aberto corpo corpos; povo povos. -es: país países; pilar pilares; vez vezes; cânon cânones. A Trata-se de morfemas alternativos; no caso, redundantes, presença da vogal átona e resulta de uma mudança mor- porque plural já é indicado pelo morfema aditivo. fofonêmica fonologicamente condicionada, conforme É preciso lembrar também que, com o acréscimo dos explicação dada no Capítulo 2, decorrente da impossibi- sufixos -zinho e -zito, tanto o substantivo primitivo quanto</p><p>SOUZA-E-SILVA LINGUÍSTICA APLICADA AO MORFOLOGIA 73 72 derivado apresentam marca de plural: = 2. Há outros autores que marcam também o masculino, ad- + zinhos; anelzinho = anéi(s) + zinhos; = mitindo a oposição o/a: gato, gata. Optou-se pelo critério ado- tado por Mattoso Câmara por uma questão de economia e + simplificação da análise linguística: enquanto o feminino e A simplicidade estrutural na descrição de número só plural apresentam marcas específicas -a respectivamente, o é até certo ponto perturbada pela possibilidade de variação, masculino e o singular apresentam diversas possibilidades de sem nenhum condicionamento fonético, dos vocábulos terminação, não constituindo, portanto, formas marcadas. terminados em Certo número deles forma o plural com 3. Em perdigão perdiz, o sufixo aumentativo indica os o acréscimo do morfema -S (todos os e um machos da espécie perdiz, já em galo galinha, a terminação -inha número pequeno de oxítonos: sótão sótãos, cristão cristãos); designa as fêmeas da espécie galo. a maioria (nesse grupo incluem-se os aumentativos), além 4. O adjetivo ora se aproxima do substantivo, quando assu- do acréscimo do apresenta alternância da vogal e da me as mesmas ora se afasta dele, nos casos em que não se flexiona e naqueles em que funciona como modificador, mar- semivogal (balão ladrão ladrões, valentão valen- cando ele próprio a flexão de gênero do substantivo (colega tões); e, finalmente, um número reduzido apresenta, além simpático, colega simpática). uma alternância da semivogal (alemão alemães, 5. O valor morfêmico do artigo amplia-se em vocábulos cuja capelão oposição de gênero acarreta significação diferente, como: Acresce, também, que para alguns desses nomes não cabeça/a cabeça; o guarda/a guarda, conforme Rolim de Freitas há, ainda, uma forma de plural definitivamente fixada; (1979, p. 79). no entanto, como bem afirma Mattoso Câmara (1970), essa 6. Não se flexionam, geralmente, no feminino, os adjetivos terminados em -a, -e e consoantes. variação livre não é tão frequente quanto sugerem longas listas das nossas Muitas das formas aí pre- 7. A constituição do léxico será retomada mais detalhada- mente na obra referente à sintaxe. sentes não existem realmente na língua viva, são formas 8. Caberia a esse dicionário explicar todas as idiossincrasias, "fantasmas", lançadas pelos gramáticos por motivos como: a) os femininos irregulares: judia e cantadeira em oposição a judeu e cantador; b) os nomes de duplo gênero; c) os de gênero vacilante etc. 9. Como, em Português, a ortografia não permite a combi- NOTAS nação ms, os nomes terminados em -m, ao receberem a desinên- cia -S de plural, mudam o m em ns. 1. Trabalho referente ao assunto foi apresentado no VII En- 10. Este é único caso em que a flexão passa parcialmente e contro Nacional de Linguística (PUC-RJ, 1982), por Margarida não totalmente para o sufixo. Basílio: "Substantivação plena e substantivação precária: um 11. Embora, para alguns substantivos terminados em não estudo de classes de palavras em haja ainda uma forma de plural definitivamente fixada, nota-se,</p><p>74 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 75 na linguagem corrente, uma preferência sensível pela formação 3. Compare a descrição a que você chegou com aquela mais comum: proposta pela gramática normativa. Tire suas próprias 12. À semelhança do que se propôs com relação ao gênero, conclusões e justifique-as. caberia ao dicionário elencar as idiossincrasias, entre elas: as palavras terminadas em -ão que assumem diferentes plurais; aquelas que só se empregam no plural; as que se manifestam Bloco 2 com o acento tônico deslocado (caráter - caracteres); aquelas terminadas em -1, cujo plural é es (mal - males) etc. De acordo 1. Agrupe os nomes abaixo, discriminando os morfemas com Basílio (1981), essa alternativa tem inconvenientes. e alomorfes indicativos de número; aponte, também, os pares em que não ocorre morfema réu réus maçã maçãs EXERCÍCIOS café cafés catalão - álcool - álcoois ovos Bloco 1 mulher mulheres matiz - matizes animal animais ônibus 1. Discrimine nos nomes abaixo as ocorrências de morfe- escrivão escrivães barril - barris mas e alomorfes marcadores de gênero, indicando in- réptil répteis jejum jejuns clusive os casos de morfema . órgão - - órgãos mãe mães 2. Distribua-os pelos três grupos apresentados na pági- eleição - eleições ananás - ananases na 68. lápis coração - corações dentista vitrine 2. Compare a descrição a que você chegou com aquela duque - duquesa zangão abelha proposta pela gramática normativa. Tire suas próprias - tataravó marquês - marquesa conclusões e justifique-as. cônjuge genro - nora pastor - pastora baleia Bloco 3 Exercício Síntese solteirão - solteirona abade abadessa cortesão - cortesã charmoso charmosa Examine as colunas abaixo: sapo reitor - reitora A B juiz juíza idoso - idosa elefante - elefanta dólar - dólares herói heroína cliente poeta - poetisa gato gatos garoto garota patrão patroa novo - nova lilás - lilases</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH 76 LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 77 perdigão perdiz a/as fênix 4. Determine quais são os alomorfes e, quando possível, o pigmeu pigmeia corrimão - corrimãos contexto morfofonêmico em que ocorrem. sacerdote sacerdotisa sacristão sacristães álbum álbuns Palavras que Contexto morfofonêmico patrão - patroa Alormorfes apresentam alomorfia em que a alomorfia ocorre alemão alemã europeu - europeus Gênero solteirão - solteirona sol sóis Número frade - freira o/os ônibus gato - gata sótão - sótãos 5. Classifique as palavras restantes das colunas A e B bisavô - bisavó funil - funis quanto ao gênero e ao número. o/a artista capelão - capelães pavão - pavoa fértil férteis campeão - morto - mortos padrinho - madrinha melão - melões tirolês - - tirolesa férias 1. Retire das colunas A e B as palavras que se submetem à regra geral de formação do gênero: acréscimo do mor- fema -a e do número: acréscimo do morfema -S. 2. Especifique o contexto morfofonêmico em que as regras se aplicam. Palavras que se Morfema Contexto morfofonêmico submetem à regra geral básico em que a regra se aplica Gênero -a Número -S 3. Retire das colunas A e B as palavras que formam o gê- nero ou o número através de alomorfia.</p><p>CORTEZ EDITORA 79 5 A flexão verbal Noções gramaticais muito diferentes são expressas através da flexão verbal em Português. De um lado, as de tempo e modo, indicando, respectivamente, o momento em que ocorre o processo verbal e a atitude do falante (de certeza, impossibilidade, solicitação etc.) em relação ao fato que enuncia; de outro lado, a de pessoa, assinalando na forma do verbo, a pessoa gramatical do sujeito, entendido como o termo sobre o qual recai a predicação. Essa segun- da noção, não propriamente verbal, implica também na indicação do número, singular ou plural, desse sujeito. Ao lado das categorias de tempo e modo, coexiste outra complementar: a de aspecto, entendida, comumente, como a propriedade que tem uma forma verbal de indicar a duração do processo. Em nossa língua, como nas demais línguas românicas, a base do agrupamento das formas verbais faz-se, primariamente, em função do tempo, mas, no pretérito, manteve-se a oposição, existente em latim,</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 81 80 entre imperfeito, aspecto inconcluso, e perfeito, aspecto con- optativas. E de rendimento mínimo na linguagem colo- O aspecto, dado seu caráter secundário na morfo- quial; em seu lugar, emprega-se ou o pretérito perfeito ou o logia do Português, será tratado apenas quando das con- mais-que-perfeito composto (formado com o verbo ter no siderações acerca do modo e do imperfeito seguido do particípio passado). O modo indicativo exprime atitude de certeza relati- Acrescente-se à oposição a de futuro va do falante perante o processo que enuncia e aparece (Id Ft). O futuro do presente (Id exprime um processo acumulado com as noções de tempo presente, pretérito ou posterior ao momento em que se fala. Pode ocorrer ainda futuro. com valor de imperativo ou de presente, exprimindo O indicativo presente (Id Pr) exprime um processo si- dúvida ou probabilidade. O futuro do pretérito (Id Ft2) multâneo ao ato de fala ou um fato costumeiro, habitual. exprime um processo posterior a um processo passado, É usado frequentemente com valor de passado (presente indicando, também, hipótese, probabilidade, incerteza, não narrativo ou histórico) ou de futuro. comprometimento do falante. Pode, ainda, ocorrer com valor O pretérito ou passado (Id Pt) exprime um processo de presente, exprimindo modéstia ou cerimônia. anterior ao ato de fala e manifesta-se através do imperfeito O indicativo, em seus vários tempos, exprime um grau do pretérito perfeito (Id Pt2) e do mais-que-perfeito (Id elevado de certeza do falante perante o processo que enun- Pt3). O imperfeito (Id exprime um processo passado cia. Já o subjuntivo, expressa atitude de incerteza, possibili- com duração no tempo, indicando concomitância ou ha- dade ou dúvida, isto é, maior subjetividade do falante pe- bitualidade, sendo usado, também, para indicar fatos rante esse processo. A oposição indicativo/subjuntivo é passados, concebidos como contínuos ou permanentes. mais de modalidade que de tempo. Na realidade, os tempos Muitas vezes é empregado metaforicamente para expressar do subjuntivo não apresentam noção de época tão definida irrealidade. Já o perfeito (Id Pt2) exprime um processo pas- como os do indicativo o fazem. sado totalmente concluído, sem duração no tempo. Outra particularidade do tempo no subjuntivo está na Tanto o perfeito como o imperfeito exprimem um pro- sua estreita correlação com verbo da oração principal. cesso passado; portanto, a oposição entre eles não é pro- Por exemplo, nas substantivas, subjuntivo virá no pre- priamente de tempo, mas de aspecto (passado com duração sente se verbo da principal estiver no presente, e no no tempo, passado concluído, respectivamente). passado, se verbo daquela estiver no passado. Nas ad- O mais-que-perfeito exprime um processo ante- verbiais condicionais, o futuro do subjuntivo acompanha rior a um processo passado. Pode ocorrer com valor de o futuro do presente e imperfeito do subjuntivo acom- imperfeito do subjuntivo, aparecendo, também, em orações panha o futuro do pretérito. Esta regra sofre variações</p><p>82 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 83 conforme o grau de formalidade do enunciado e a situação 5.1 o padrão geral comunicativa. Quanto ao aspecto, este atualiza-se com menor clare- As categorias de modo-tempo e número-pessoa são za no modo subjuntivo, devido ao seu valor hipotético e assinaladas na forma verbal por morfemas gramaticais, subjetivo, ao contrário do que ocorre no indicativo, que daqui por diante denominados desinências flexionais (DF) apresenta as situações como certas ou de dois tipos: modo-temporais (DMT) e Finalmente, o imperativo exprime atitude de ordem, so- (DNP). Essa desinência flexional une-se ao tema (T), cons- licitação ou súplica. É usado, também, no lugar da expressão tituído pelo radical (R), ou morfema que garante a "se + futuro do subjuntivo" para sugerir uma hipótese. significação lexical permanente do verbo, e pela vogal te- Na realidade, as flexões verbais do imperativo marcam mática (VT) da conjugação correspondente. Chega-se, as- essencialmente a modalidade. No que diz respeito ao tempo, sim, à fórmula geral da estrutura do vocábulo verbal em embora seja sempre enunciado no presente, o imperativo Português: tem valor de futuro porque a ação que exprime está para se realizar. Por marcar a modalidade e ter valor de futuro, o imperativo não possui aspecto. É preciso lembrar ainda VT) + DF (DMT + DNP) que a afirmação de grande parte de nossas gramáticas de que certas formas do imperativo constituem manifestações Qualquer dos constituintes indicados na fórmula, do subjuntivo, só tem sentido se se considerar o subjuntivo exceto o radical, pode faltar ou sofrer variações formais. e o imperativo do ponto de vista puramente morfológico. As variações são indicadas por diferentes alomorfes, entre Resta um comentário sobre as formas nominais do eles a ausência do constituinte. verbo, o infinitivo, o gerúndio e o particípio, que têm em Acumulação em um único morfema das noções de comum o fato de não poderem exprimir por si, nem o modo e tempo determina a existência de treze desinências tempo nem modo. Entre elas estabelece-se uma oposição modo-temporais, sendo seis delas no modo indicativo: um aspectual. O infinitivo é a forma mais indefinida do verbo presente (Id Pr); três pretéritos: imperfeito, perfeito, e é aspectualmente neutra por se referir apenas à situação mais-que-perfeito (Id Id Pt2 e Id Pt3) e dois futuros: o do em Apresenta o processo verbal em potencial, exprime presente e o do pretérito (Id Ft, e Id Ft,). No subjuntivo, há a ideia de ação. O marca o aspecto inacabado,6 o um presente, um pretérito e um futuro (Sb Pr, Sb Pt e Sb Ft). processo verbal em curso e o particípio marca o aspecto A esses morfemas deve-se acrescentar o do imperativo (Ip) concluído, acabado. O infinitivo equivale a um substantivo, e os indicadores das formas nominais do verbo: e o gerúndio e o particípio a adjetivos e advérbios. (Gr), infinitivo (If) e particípio (Pa). O infinitivo apresenta</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 85 84 duas formas: uma não flexionada outra flexionada Em CI, as vogais e aberto (é) e o aberto (ó) marcam as (If,) (suas desinências número-pessoais são homônimas às formas rizotônicas, isto é, aquelas cujo acento cai na vogal do futuro do subjuntivo), enquanto o gerúndio é invariável do radical: Id Pre Sb levo, levas, leva, levam e o particípio não se flexiona em pessoa. / leve, leves, leve, levem / leva; choro, choras, chora / Do mesmo modo, a cumulação das desinências nú- chore, chores, chore, chorem / chora. mero-pessoais determina a existência de seis morfemas Já as vogais e fechado e o fechado marcam as gramaticais, resultantes da oposição entre emissor e recep- formas arrizotônicas, aquelas cujo acento incide ou na vogal tor, e entre eles e uma terceira pessoa. Tais morfemas serão temática (levamos, levais; choramos, chorais etc.) ou na indicados por (as três pessoas do singular) e vogal do sufixo flexional (levarei, chorarei etc.). (as três pessoas do plural). Alguns verbos terminados em -ear (passear) ou -iar Tanto as desinências número-pessoais quanto as (incendiar), nas formas rizotônicas de Id Pr, Sb Pr e Ip modo-temporais, que constituem as desinências flexionais, sofrem uma ditongação: passeio, passeias, passeia, pas- prendem-se a um tema verbal, ou seja, a um radical am- seiam / passeie, passeies, passeie, passeiem / passeia. pliado por uma das vogais temáticas -a, -e, -0. A vogal te- Em CII, com as mesmas vogais, há alternância quan- mática no verbo é mais nítida e de aparecimento mais do a vogal do radical é tônica, opondo o Id Pr P, sistemático que no nome, daí a praxe tradicional de clas- (bebes, bebe, bebem; corres, corre, correm) e Ip P, (bebe; sificar morficamente os verbos portugueses em três conju- corre) ao Id Pr (bebo; corro) e ao Sb (beba, bebas, gações (CI, CII, CIII), caracterizadas, respectivamente, por beba, bebam; corra, corras, corra, corram). uma das vogais temáticas. Em CIII há alternância exatamente nas mesmas cir- cunstâncias de CII, só que agora entre e / e além das já citadas, conforme os exemplos: Id Pr feres, fere, ferem; 5.1.1 Alteração do radical dormes, dorme, dormem; Ip fere; dorme em oposição a firo; durmo e Sb Pr fira, firas, fira, firam; durma, durmas, durmam. Nos verbos regulares, cabe apenas às desinências flexionais a identificação das diversas formas verbais, porque o radical é invariável, sofrendo somente, em cir- cunstâncias bem determinadas, uma alternância da vogal 5.1.2 Vogal temática que o constitui, quando tônica. Essa alternância, no entan- to, manifesta-se em condições previsíveis e é considerada Após os comentários a respeito da vogal do radical, regular. pode-se passar à vogal temática. Considerando-se que ela</p><p>LINGUÍSTICA APLICADA MORFOLOGIA 87 86 SOUZA-E-SILVA KOCH fica melhor determinada quando tônica, tornou-se hábito etc.). Justifica-se alomorfe -0 em vez de -a marcando identificar-se a conjugação do verbo pelo infinitivo; a rigor, nesse caso a primeira conjugação, porque nos verbos por- porém, poderia ser escolhida outra forma nas mesmas tugueses não há vogal temática -0; justifica-se, também, o condições, como o Id Pt3 e o Sb Pt (cantara, temera, partira; alomorfe -e porque, justamente nessa forma, Id Pt2 a cantasse, temesse, partisse). Apenas em alguns tempos e vogal -e deixa de marcar a segunda conjugação, que conflui com a terceira, assumindo a forma i. pessoas a vogal temática perde a tonicidade: a) no Id que ela é pretônica (cantarei, cantaria etc.) e b) no e IP P2 em que ela é átona final (cantas; canta, cantam; canta). Nesse último caso, em CII e CIII, neutrali- 5.1.3 Desinências número-pessoais za-se a oposição entre /e/ e /i/, conforme os exemplos: vendes, vende, vendem e partes, parte, partem. Retomando-se, agora, a fórmula do vocábulo verbal, Além de ser átona em algumas circunstâncias, a vogal passa-se a aplicá-la às desinências flexionais do Id temática também pode ser marcada por um alomorfe canta (cant + a) + ra isto ocorre em Id Pr e em todas as pessoas do Sb Pr. O P2 canta (cant + a) + ras (ra + s) alomorfe resulta, nos dois casos, da regra morfofonêmi- (ra + ca segundo a qual o acréscimo de um novo constituinte P3 canta (cant + a) + ra vocálico (a desinência número-pessoal em Id Pr P1 e a P4 cantá (cant + a) + ramos (ra + mos) desinência modo-temporal e no Sb Pr) leva ao apagamen- cantá (cant + a) + reis to da vogal átona final, conforme os exemplos, respectiva- P6 canta (cant + a) + ram mente: canta + o = canto; teme + o = temo; parte + o = parto; canta + e, es, e, emos, eis, em = cante, cantes, cante, Considerando-se primeiro as desinências número-pes- cantemos, canteis, cantem; teme + a, as, a, amos, ais, am = soais, a saber, para -S para -mos para P4, -is tema, temas, tema, temamos, temais, temam; parte + a, as, utilizando-se o método da comutação, a, amos, ais, am = parta, partas, parta, partamos, partais, pode-se depreender que essas mesmas desinências apare- partam. cem em todos os modos e tempos, à exceção de alguns A vogal temática apresenta alomorfes na primeira casos de variações, que são poucos e previsíveis: a) a DNP conjugação no Id Pt2 em cantei, cantou (esta última de é e os alomorfes são: -0 átono final no Id Pr (canto, em oposição a temeu, partiu), e encontra-se neutralizada, parto); -i semivocálico no Id Pt2 e Id Ft, (cantei, temi, parti, por sua vez, na segunda e terceira conjugações no Id cantarei, temerei, partirei; b) a DNP de é -S e os alomor- (bebi parti) e no Id Pt, (bebia, bebias etc. e partia, partias fes são: no Ip (canta, teme, parte) e -ste no Id (can-</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH 88 LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 89 taste, temeste, partiste; c) a DNP de P3 é , com um único marca os verbos em CI (cantava etc.) e -ia em CII (temia alomorfe: -u assilábico no Id Pt2 (cantou, temeu, partiu; d) etc.) e CIII (partia etc.). A forma -ia funde-se com a vogal a DNP de P4 é sempre -mos; e) a DNP de P5 é -is e os alo- temática, também -i neutralizada, nas duas conjugações morfes são: -stes no Id Pt2 (cantastes, temestes, partistes), (tem + i + part + i + ia). -des no Sb Ft (cantardes, temerdes, partirdes) e-i assilábico Os casos de alomorfia estão indicados nos pares a no Ip (cantai, temei, parti); f) a DNP de P6 é -m com um seguir, nos quais o primeiro elemento indica o morfema único alomorfe: o -0 semivocálico em Id Ft, (cantarão, te- que marca a desinência modo-temporal e o segundo, o merão, preciso acrescentar que -i assilábico no Id em CII e CIII funde-se alomorfe correspondente: a) Id Pt1 em CI e com a vogal temática, também i nas duas conjugações, em em CII e CIII; b) Id Pt2 c) Pt3 d) Id Ft1 decorrência da regra segundo a qual duas -re~-ra e) Id Ft2 f) Sb vogais iguais fundem-se em uma só. Apresentados os casos de alomorfia da vogal temáti- ca e das desinências flexionais, é importante lembrar que qualquer desses elementos pode ser , conforme os exem- plos: a) DNP = (am + a em oposição a am + á 5.1.4 Desinências modo-temporais + va + mos); b) DMT = (am + a + + mos em oposição a am + + va + mos); c) DF = (am opo- Analisando-se, agora, as desinências modo-temporais sição a am d) VT = do Id Pt3 (-ra e alomorfe -re em e utilizando-se o méto- oposição a (am + a + ria + s). do da comutação, tem-se condições para a depreensão das demais desinências, a saber, -re para o Id Ft1 (cantarei, te- merei, partirei), -ria para o Id Ft2 (cantaria etc.), -sse para o 5.2 o padrão especial Sb Pt (cantasse etc.), para o Id Pr (canto etc.) e Ip P2 (can- ta etc.), -r para o Sb Ft e If (cantar etc.) e -ndo e -do para o Ao lado dos chamados verbos regulares, que seguem gerúndio (cantando etc.) e particípio (cantado etc.), respec- o padrão geral, as gramáticas do Português costumam tivamente. Essas formas são comuns para as três conjuga- elencar, em ordem alfabética, separados apenas pela con- ções. Apenas em duas circunstâncias as desinências mo- jugação a que pertencem, os verbos ditos irregulares. A ir- do-temporais de CI são diferentes daquelas de CII e CIII: regularidade é entendida, portanto, como um desvio do a) no Sb Pr em que o morfema -e marca os verbos de CI padrão morfológico geral, impredizível em face dos pa- (cante etc.) e morfema -a marca os verbos de CII (tema drões regulares. Ocorre, porém, que também estes desvios etc.) e CIII (parta etc.) e b) no Id Pt, em que o morfema -va podem ser, de certa forma, padronizados, de modo a</p><p>APLICADA AO MORFOLOGIA 91 SOUZA-E-SILVA KOCH 90 nas formas rizotônicas de certos verbos, como passear, chegar-se a pequenos grupos de verbos que apresentam etc., não devem ser consideradas como irregularidades no padrões comuns, perfeitamente explicitáveis. plano morfológico, mas, simplesmente, como alterações Para o estudo das irregularidades que ocorrem nos fonologicamente condicionadas. agora, ao verbos portugueses, faz-se importante lembrar os tempos exame dos principais tipos de irregularidades encontradas: ou formas primitivas, isto é, aquelas das quais se originam na flexão, no radical de Id Pt,, no radical de Id Pr, no futu- as demais. São formas primitivas: a) P2 de Id Pt, (segunda ro; acrescente-se, ainda, verbos com padrão especial no pessoa do pretérito perfeito), da qual se derivam o mais- particípio e verbos anômalos. -que-perfeito do indicativo (Id P3), o imperfeito do subjuntivo e o futuro do subjuntivo (Sb b) de Id Pr (primei- ra pessoa do presente do indicativo), que dá origem ao 5.2.1 Irregularidades flexionais subjuntivo presente (Sb Pr) e, em decorrência, às formas imperativas deste derivadas; c) P2 de Id Pr, das quais se a) radicais monossilábicos terminados em -e, em CII, forma P2 e P5 de imperativo afirmativo com supressão e em -i em CIII, apresentam em Id Pr a DNP -des (e, da DNP d) (infinitivo não flexionado) de que são deri- consequentemente, em Ip, -de): credes, ledes, vedes, rides. vados o imperfeito (Id o futuro do presente (Id o O mesmo acontece com os verbos de radical monossilábi- futuro do pretérito o infinitivo flexionado (If,), o CO terminado em nasal: tendes, vindes, pondes etc.; dio (Gr) e o particípio Havendo qualquer tipo de irre- b) no verbo dar, a vogal temática -a de CI passa a -e gularidade numa das formas primitivas, todas as suas (aberto) em Id Pt, e em todas as formas desta derivadas: derivadas manterão a mesma irregularidade. deste, dera, desse, der, em e por sua vez, o permane- É de se salientar, também, que o "desvio" pode con- ce fechado: dei, Já a vogal temática -e de CII passa a sistir numa variação do morfema flexional (em sua totalida- -i, em alguns verbos como ver, viste, quiseste, donde: de ou em um de seus constituintes) ou numa variação do vira, visse, vir, quisera, quisesse, quiser. radical, a qual passa a contribuir, como ressalta Mattoso Câmara, para a expressão das noções gramaticais de tempo, 5.2.2 Irregularidades no tema de indicativo perfeito modo e pessoa. É este tipo de irregularidade que permite distinguir "padrões" morfológicos desviantes, já que os a) radicais terminados em -r ou não apresentam verbos regulares se caracterizam, justamente, pela imuta- vogal temática em P3 Id Pr: querer quer, fazer faz, dizer bilidade do radical. diz, produzir produz; Convém recordar, ainda, que as alternâncias vocálicas b) os verbos com e P3 de Id Pt, rizotônicas, sem no radical de Id Pr nas formas rizotônicas de CII e CIII, ou sufixo flexional, podem apresentar uma alternância vocá- a ditongação do radical, nesse mesmo tempo, que ocorre</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA MORFOLOGIA 93 92 lica na raiz, com vogal alta (-i) ou (-u) na pessoa e vogal b) alargamento da vogal do radical: com ditongação média fechada correspondente (-e) ou (-0) na Nesses de e (aberto) para requerer requeiro; e com ditongação casos, e P3 se em Id pelo vocalismo radical: de a para ai: caber O verbo querer, embora não tive teve, estive esteve, pus pôs, fui foi, pude pôde. sofra a ditongação em Id apresenta-a em Sb Pr (queira); Não ocorrendo a alternância indicada no item anterior, P1 o mesmo se dá com o verbo saber (saiba), apesar de, em Id e P3 ficam indiferenciadas apresentando ou não um -e Pr, apresentar em a forma sei que, sincronicamente, é átono final só contrastando, em conjunto, com as demais explicada por Mattoso Câmara como uma redução do ra- formas arrizotônicas: quis e P3) quiseste, quisemos, dical saib- e uma alternância quiseram etc.; disse, coube, houve, trouxe, c) acréscimo de uma consoante final ao radical: ver c) há verbos com radical de Id em ou em oposição vejo, haver haja. Segundo Câmara, também se encaixa aí a de If: coubeste, soubeste, trouxeste, houveste; nesses casos, o verbo haver, cujo radical é hav- e cujas formas rizotônicas o ou se estende às formas derivadas (ex.: coubera, coubes- no Id Pr, por serem atemáticas, perdem o j final: há, hás, se, couber). Há, ainda, prouve, verbo unipessoal, só usado Já (hei), pode ser explicado da mesma maneira que sei, isto é, como uma forma radical haj-, com a vocalização do d) verbo vir, com de Id Pt2 atemático e com vogal j final e também com uma alternância final tônica nasal (vim) perde a nasal nas formas d) radicais monossilábicos atemáticos terminados em nicas, diante da vogal temática e (aberto): vieste, viemos, vogal tônica nasal, clara em P2 de Id Pr (tens, vens, viestes, vieram; e em P3 veio, há alternância de i para e (fe- apresentam uma variação mais complexa, embora única chado), seguido de (irregular em face à DNP assilábica), para todos; em a nasal final transforma-se em nasal que sofre ditongação: veio. palatal: tenho, venho, ponho (donde: tenha, venha, ponha). Estes verbos mantêm a nasal palatal em Id Pt,: tinha, vinha, punha, perdendo a nasalidade no infinitivo e em Id e Id 5.2.3 Irregularidades no tema de indicativo presente Ft2 (ter, terei, teria; vir, virei, viria; pôr, porei, poria) e conser- vando-a no gerúndio (tendo, vendo, pondo). a) mudança da consoante final do radical em valer valho, perder perco, pedir peço, medir meço, ouvir ouço, fazer faço, trazer trago, dizer digo, poder 5.2.4 Irregularidades no futuro posso (peço e meço com alternância vocálica). Em decor- rência, a mesma irregularidade aparecerá em Sb Pr e nas Os verbos dizer, fazer e trazer, por exceção, apresentam formas de Ip dele derivadas; irregularidades em Id e Id Ft2 (já que os tempos deriva-</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH 94 LINGUÍSTICA APLICADA AO MORFOLOGIA 95 dos de P2 de Id Pr são, na grande maioria, regulares). No verbo ser, um radical básico e- (aberto), alterna com Nestes há uma síncope da sílaba final do tema, antes do outro O primeiro aparece nas formas atemáticas de P2 acréscimo das desinências modo-temporal e número-pes- e P3 em Id Pr (és, com uma variante er- em Id (era, soal: di(ze)rei, fa(ze)rei e tra(ze)rei; di(ze)ria, fa(ze)ria e eras etc.); o segundo é encontrado em If, Id Id (ser, tra(ze)ria. serei, seria), com uma variante sej-, em Sb Pr, outra so-, ate- mática (somos sois) e outra sa-, atemática (são). No verbo ir, um radical básico i- alterna com O 5.2.5 Verbos com padrão especial no particípio primeiro, em If, Id Id Ft2, Gr, Id Pr e Id (ir, irei, iria, indo, ides, ia[s] etc.); o segundo, em Id Pr Sb Dividem-se em dois grupos: aqueles em que só existe Pr, Ip (vais, vai, vamos, vão, vá[s] etc.; vai, com a variante padrão especial e aqueles que possuem duplo particípio. vo- em de Id Pr (vou). Os padrões especiais podem ocorrer na base do radical de Pode-se concluir que na flexão encontra-se, geralmen- If (sempre em verbos que pertencem a CI) ou na base de te, uma situação em que, ao lado de padrões gerais, existem um alomorfe do radical de If. Dentre os primeiros, podem-se padrões especiais nos quais há, no entanto, uma organiza- citar: aceito, entregue, expulso, gasto, pago, salvo, solto; dentre ção imanente, possível de ser os últimos, dito, feito, posto, visto, tido, eleito, enxuto, frito, impresso, preso, suspenso, morto (de matar e de morrer). NOTAS 5.2.6 Verbos anômalos 1. Travaglia (1981), a partir de uma resenha sobre o assunto, reformula e amplia o conceito de aspecto, indicando as várias formas através das quais essa categoria se manifesta. Referindo-se São aqueles que, além de apresentarem irregularida- no Capítulo 7, especificamente, à manifestação através das flexões des no radical, possuem radicais supletivos; isto é, as formas verbais, estabelece uma correlação entre os diferentes tempos e derivadas do If ou do Id Pr não apresentam um radical os vários aspectos que eles marcam e evidencia as restrições que permanente. É que ocorre com os verbos e ser, em a modalidade e o futuro exercem na atualização do aspecto. Português. O radical de perfeito fo/fu embora idên- 2. Aceita-se a opinião de Mattoso Câmara (1970), que cor- robora a de Jakobson, quanto à importância de se fazer um tico para ambos (e para as formas derivadas de Id estudo da significação das formas concomitantemente ao das corresponde, assim, a dois verbos mórfica e semanticamen- suas flexões. te diferentes, diferença, porém, que só se explicita nos 3. Travaglia, op. cit. (cap. 7), discute a afirmação de que o demais radicais. pretérito imperfeito expressa sempre o imperfectivo e o pretérito</p><p>SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 96 97 perfeito sempre o perfectivo. Também H. Weinrich, na obra Le EXERCÍCIOS Temps, tradução francesa do original alemão, editada em 1970 pela Editora du Seuil, mostra que há casos muito comuns de Bloco 1 perfeito com ideia de duração, e de imperfeito com ideia de ação acabada, concluída. Considerando os verbos regulares de CI, CII e CIII: 4. Travaglia, op. cit., cap. 7. 1. Indique nos quadros em branco a VT, as DMT e as 5. Travaglia, op. cit., cap. 7. DNP 6. Travaglia discorda dessa afirmação, dizendo que: "Na 2. Faça uma relação de todos os casos de alomorfia da verdade, o aspecto expresso pelo gerúndio parece depender do DMT e da VT. tipo da oração desenvolvida, a que a reduzida de gerúndio cor- responde e do tempo flexional em que está o verbo principal" 3. Faça uma relação dos alomorfes da DNP, considerando que os morfemas são os seguintes: 7. O radical pode estar acrescido de sufixos derivacionais: beb-eric-ar. 8. P5 tem rendimento mínimo em Português, pois está cir- cunscrita a registros especiais da linguagem escrita e a situações 4. Aponte todas as ocorrências de neutralização. específicas altamente formais da linguagem oral (oratória, por ex.). VERBO AMAR 9. Embora de pouco rendimento em Português, por também VT DMT DNP VT DMT DNP VT DMT DNP estar, como circunscrita a registros especiais da linguagem Id Pr Id Pt, escrita, escolheu-se esta forma como exemplo, dada a sua gran- Amo Amava Amei Amas Amavas Amaste de transparência morfológica. Ama Amava Amou 10. Ao acrescentar-se o -0 semivocálico à DMT, origina-se a Amamos Amávamos Amamos Amais Amáveis Amastes forma ao, que, em Português, só existe enquanto hiato (caos, Amam Amavam Amaram aorta). Para evitar-se a hiatização, torna-se obrigatória a nasali- Amara Amarei Amaria zação do /a/, de acordo com as regras fonológicas da língua. Amaras Amarás Amarias Amara Amará 11. Note-se que o Sb Pr do verbo dar é dê, dês, de etc., fugindo, Amaria Amáramos Amaremos Amaríamos portanto, à regra geral. Amareis Amaríeis Amaram Amarão Amariam 12. Em dizer, ocorre, ainda, em Id Pt2, ensurdecimento da consoante do radical; em pôr, passagem do r a (sonoro) Ame Amasse Amar Ames Amasses Amares 13. Caberia ao dicionário do Português registrar: a) as formas Ame Amasse Amar Amarmos primitivas do verbo e cada um dos tempos delas derivados; b) Ameis Amasseis Amardes Amem os desvios do padrão geral, em cada uma dessas formas. Amassern Amarem</p><p>LINGUÍSTICA APLICADA AO PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 99 SOUZA-E-SILVA KOCH 98 Bloco 2 VERBO RECEBER VT DMT DNP VT DMT DNP VT DMT DNP Id Pr Id 1. Identifique as formas primitivas das quais se derivam Recebo Recebia Recebi os tempos verbais: Recebes Recebias Recebeste Recebe Recebia Recebeu Recebemos Recebíamos Recebemos a) Paulo toca muito bem piano. Recebeis Recebíeis Recebestes Recebem Recebiam Receberam b) Se você quisesse, passaria de ano. Id Ft, Receberei Receberia c) Lúcia estudava quando Mário telefonou. Recebera Receberas Receberás Receberias Recebera Receberá Receberia d) Maria casara cedo, constituindo logo família. Recebêramos Recebereis Recebêreis Recebereis e) Quando você escrever a carta, mande lembranças a Receberam Receberão Receberiam Sb Ft Receba Recebesse Receber Recebas Receberes f) Ficarei aborrecido, caso não me telefones. Recebesses Receba Recebesse Receber Recebamos Recebêssemos Recebermos g) Assustado com os assaltos, Marcos não sai de casa. Recebais Recebêsseis Receberdes Recebam Receberem h) Viver é muito perigoso. i) Procura teus amigos. VERBO DIVIDIR j) Poderás participar do curso, se fizeres a reserva. VT DMT DNP VT DMT DNP VT DMT DNP 2. Preencha os espaços vazios, colocando os verbos indi- Id Pr Id Pt, cados no tempo e modo exigidos pela estrutura da Divido Dividia Dividi Divides Dividias Dividiste frase (apresente todas as alternativas possíveis, segun- Divide Dividia Dividiu Dividimos Dividíamos Dividimos do o uso padrão): Dividis Dividíeis Dividistes Dividem Dividiam Dividiram a) Duvido de que todos dispostos a colaborar. Dividira Dividirei Dividiria (estar) Dividiras Dividirás Dividirias Dividira Dividirá Dividiria b) Esperava que você que perdeu. (reaver) Dividíramos Dividiremos Dividiríamos Dividíreis Dividireis c) Se você e a proposta bem recebi- Dividiram Dividirão Dividiriam Sb da, hoje livres dessa obrigação. (intervir, Divida Dividisse Dividir ser, estar) Dividas Dividisses Dividires Divida Dividisse Dividir Dividamos Dividíssemos Dividirmos d) Se a palavra, mais respeitados. Dividais Dividísseis Dividirdes Dividam Dividissem Dividirem (manter, ser)</p><p>100 SOUZA-E-SILVA KOCH LINGUÍSTICA APLICADA PORTUGUÊS: MORFOLOGIA 101 e) Comonão outra alternativa, a polícia d) Quando você o rever, dize-lhe que lhe mando um os manifestantes. (haver, conter) abraço. f) Se você de tempo e os originais, e) Felizmente, meu amigo reaveu os documentos per- eles irão ao prelo ainda hoje. (dispor, rever) didos. g) Se alguém se a criticar-me, deverá saber f) A polícia deteu o assaltante. argumentar. (predispor) g) Ele freiou bruscamente o carro. h) Diante de tantos obstáculos, perguntei se não h) Quem possui muitos bens pode ceiar fartamente. a pena voltar. (valer) i) Paulo e seu melhor amigo desaviram-se por questões coragem de fazer tal políticas. i) Não acredito que ela coisa. (ter) j) Não nos importaríamos com o trabalho, se dele pro- vissem os necessários frutos. j) O Exército já as armas, quando o inimigo 4. Identifique e explique as irregularidades que ocorrem em massa. (depor, atacar) nos tempos verbais: k) Se nos nesse assunto, muito a) Luísa quer independência. tempo. (deter, perder) b) A mim me coube a sua indiferença. 1) Enquanto ninguém algo de novo, c) O choro reduz sofrimento. a proposta estabelecida inicialmente. (propor, con- d) Tu previste esse fato. servar) e) Eu fiz o trabalho que você não fez. m) Se ele ao menos a confusão que iria dar! f) Despeço-me Mas não teve tempo para refletir: não se e g) Irás comigo ou you sozinho? na briga. (prever, conter, intervir). h) Tu me deste o anel. 3. Conjugue de acordo com o uso padrão, as formas verbais i) Aponde vossa assinatura ao contrato. a ele inadequadas: j) Recomponha os fatos. a) Quando ele nos propor novamente a venda, só acei- k) Trarei os livros para você. taremos se ele manter o preço anterior. 1) Saiba Vossa Senhoria que... b) Quando você repor os objetos nos seus devidos lu- m) Ele foi aceito na corporação. gares, avise-me. n) Veja estas pinturas. c) Se ele se entretesse durante o exame, não o) Seja feita a tua vontade. ria a nenhuma questão.</p>

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