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<p>Volume 4</p><p>Número 2</p><p>Jul/Dez 2014</p><p>Doc. 9</p><p>Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>©FGV-EAESP / RAE 2014</p><p>Todos os direitos reservados. Permitidas a citação e a reprodução parcial ou total, desde que identificada a fonte. Em</p><p>caso de dúvidas, consulte a Redação: gvcasos.redacao@fgv.br; (11) 3799-3717</p><p>CONTA PRA ELA!</p><p>CAIO HENRIQUE COSTA BELLO – caio_bello_@hotmail.com</p><p>Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – São Paulo, SP,</p><p>Brasil</p><p>ISADORA MATSUDA SANCHEZ DE ROJAS – isadorarojas@hotmail.com</p><p>Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – São Paulo, SP,</p><p>Brasil</p><p>PEDRO ZANNI – pedro.zanni@fgv.br</p><p>Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – São Paulo, SP,</p><p>Brasil</p><p>Submetido em 30/06/2014, aceito para publicação em 18/08/2014</p><p>DOI: 10.12660/gvcasosv4n2c9</p><p>_______________________________________________________________________________________________</p><p>Em julho de 2010, Gisele Camargos abriu a ContaPraEla, uma loja de calçados femininos</p><p>especializada em tamanhos grandes (do 39 ao 44). O que Gisele não sabia, no entanto, era que seus</p><p>produtos atrairiam grupos de consumidores inesperados, entre eles as drags queens, os crossdressers,</p><p>as transexuais e as travestis. Como consequência, conflitos surgiram sobre como conciliar</p><p>consumidores com perfis e hábitos de consumo tão diferentes.</p><p>Trajetória</p><p>Durante seis anos, Gisele Camargos trabalhou como analista de sistemas em uma empresa,</p><p>até que, em julho de 2010, se demitiu, devido a desentendimentos com sua gestora.</p><p>Proveniente de uma família empreendedora, Gisele, pouco tempo depois de sair de seu</p><p>emprego, percebeu uma oportunidade de negócio. Com dois filhos pequenos e desempregada, ela se</p><p>interessou pelo setor calçadista ao assistir a uma propaganda da maior feira de calçados da América</p><p>Latina, a Francal. Gisele tinha uma atração por esse segmento e, como consumidora, sabia da</p><p>dificuldade em encontrar sapatos modernos e de bom gosto em tamanhos grandes, uma vez que ela</p><p>mesma calça 41. Assim, percebeu que havia um grupo de consumidores que não estava sendo bem</p><p>atendido e que, portanto, existia uma oportunidade nesse mercado.</p><p>Curiosa e com interesse em conhecer melhor o negócio de calçados, Gisele decidiu participar</p><p>da feira, onde encontrou seu primeiro obstáculo.</p><p>Para participar da Francal, era necessário ser do meio calçadista, ou seja, era necessário</p><p>possuir um CNPJ do setor ou ser convidado por alguma loja. Gisele, mesmo sem nenhum convite,</p><p>compareceu à porta da feira e observou, por alguns minutos, como funcionava a entrada dos</p><p>convidados e o preenchimento dos convites na recepção. Depois dessa pequena análise, Gisele</p><p>esperou próximo à recepção e fingiu ter esquecido o número do CNPJ da empresa. Percebendo a</p><p>inquietação de Gisele, um rapaz que também participaria do evento se prontificou a ajudá-la e, após</p><p>uma breve conversa, ele forneceu o seu CNPJ para que ela pudesse preencher o formulário. Dessa</p><p>forma, Gisele conseguiu acesso à feira que abriria os horizontes para o seu novo negócio.</p><p>CONTA PRA ELA!</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>©FGV-EAESP / RAE 2014 www.fgv.br/gvcasos 2</p><p>De maneira improvisada, ela montou alguns cartões de contato em folhas de papel sulfite e os</p><p>distribuiu para os poucos fabricantes que poderiam atender sua demanda. No total, entre os mil</p><p>expositores, existiam 14 fabricantes de calçados grandes e apenas dois que faziam produtos que</p><p>atendiam as necessidades da empreendedora. Ao perceber a oportunidade de abrir seu negócio,</p><p>Gisele, mesmo sem conhecimentos prévios, estilizou alguns modelos dos fornecedores, escolhendo o</p><p>tecido, modelos e cores dos sapatos (Anexo 1). Assim, Gisele deixou a feira com quatro pré-pedidos</p><p>e dois problemas: não possuía CNPJ calçadista, o que fez com que os fornecedores exigissem os</p><p>pagamentos à vista, e não tinha lugar para vender seus produtos.</p><p>Com o auxílio do Sebrae, por meio do programa de ajuda a microempreendedores individuais</p><p>(MEI), Gisele conseguiu seu CNJP no setor calçadista e, dessa forma, após dois dias de feira,</p><p>confirmou seus pedidos. O pagamento deles foi feito com parte de uma herança que havia</p><p>coincidentemente recebido no mesmo mês.</p><p>Devido ao grande custo de abrir um espaço físico para vender seus produtos e com seus</p><p>conhecimentos na parte de informática, Gisele montou um e-commerce para iniciar as vendas, que</p><p>entrou no ar sete dias após a feira (Anexo 2). Eram os primeiros passos da loja que Gisele</p><p>denominou ContaPraEla.</p><p>Durante certo tempo, Gisele encontrou grandes dificuldades para vender seus sapatos. Ao</p><p>mesmo tempo que praticamente não tinha clientes, os poucos que havia sentiam falta de um local</p><p>físico onde pudessem experimentar os sapatos. Como alternativa, Gisele montou, em pareceria com</p><p>uma amiga, uma pequena vitrine dentro de um salão de cabeleireiro em um centro comercial</p><p>localizado na Lapa, ao qual apenas os funcionários tinham acesso. Mas o que parecia uma solução</p><p>provisória para o espaço físico se tornou um problema. Na noite em que montou a vitrine, sem ao</p><p>menos ter um contrato formal sobre a mercadoria deixada na loja, uma forte chuva causou uma</p><p>enchente, inundando o salão e destruindo grande parte de seus sapatos. Devido a esse e outros</p><p>problemas, Gisele retirou seus produtos desse espaço após alguns meses.</p><p>O momento após a enchente foi o mais crítico de toda a trajetória da empresa, que mal</p><p>começava a caminhar. Com a perda de estoque, Gisele teve grande prejuízo e não conseguiu pagar</p><p>seus fornecedores, o que a levou a ter 67 títulos protestados em cartório. Sem saber ao certo como</p><p>conquistar clientes, Gisele começou a promover sua marca em redes sociais e pequenas feiras dentro</p><p>de seu condomínio residencial.</p><p>Mesmo sabendo da dificuldade de encontrar clientes dentro do condomínio em que morava,</p><p>Gisele acreditava que o marketing boca a boca a ajudaria a promover a marca e capitalizar novos</p><p>clientes. Nesse momento, o tom de brincadeira do nome (ContaPraEla), que inicialmente era uma</p><p>provocação à antiga gestora1, estimulava as pessoas a gravarem o nome e contarem sobre a marca a</p><p>outras potenciais clientes que usassem numeração especial.</p><p>Ainda com dificuldades para conquistar clientes, Gisele encontrou novamente uma solução</p><p>com a ajuda do Sebrae. Buscando uma maior divulgação da sua marca, em maio de 2011, Gisele</p><p>participou da feira Economia Solidária, que acontecia no calçadão de Osasco, o centro comercial</p><p>mais importante da região. Nessa feira, Gisele pôde expor seus sapatos e panfletar sobre a</p><p>ContaPraEla, sempre procurando na multidão mulheres que poderiam ser suas clientes, ou seja,</p><p>aquelas mais altas ou que claramente tinham pés grandes. Na feira, por exemplo, Gisele criava</p><p>pequenas frases que cativavam e prendiam o público, como “Olha, eu acho que, assim como eu, você</p><p>deve ter dificuldades para comprar sapatos bonitos, não é?” ou “Acho que esse produto pode te</p><p>interessar”. Contudo, apesar de conquistar a atenção de potenciais clientes, a pressão para que Gisele</p><p>tivesse um espaço físico onde as mulheres pudessem provar os sapatos e retornarem para comprarem</p><p>novos modelos foi muito forte.</p><p>Assim, Gisele saiu determinada a encontrar um espaço físico próprio e, na semana seguinte à</p><p>1 O tom de provocação do nome surgiu em resposta à antiga gestora de Gisele, que afirmou que ela não teria mais</p><p>sucesso profissional. Dessa forma, Gisele resolveu aproveitar</p><p>o nome da marca de modo a incentivar seus colegas a</p><p>contarem à gestora sobre o seu novo empreendimento.</p><p>CONTA PRA ELA!</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>©FGV-EAESP / RAE 2014 www.fgv.br/gvcasos 3</p><p>feira Economia Solidária, enquanto resolvia problemas pessoais próximo a um shopping, avistou</p><p>uma loja fechada. Após resolver seus problemas, procurou a administração do local e descobriu que</p><p>a loja acabava de ser desocupada. Instantaneamente, reservou o aluguel e pediu apenas um dia para</p><p>assinar o cheque que confirmaria a transação.</p><p>Voltando para casa, Gisele se encontrava em um grande dilema. Ela ainda tinha diversos</p><p>títulos protestados em cartório, havia utilizado toda a herança que recebeu, as vendas on-line não</p><p>estavam indo bem (vendia em média 10 sapatos por mês) e tinha como única renda o salário de</p><p>professora, emprego que ela havia conseguido provisoriamente para que conseguisse pagar suas</p><p>contas. Para o pagamento do aluguel, Gisele comprometeria todo o seu salário, o que não deixaria</p><p>margem para qualquer imprevisto. Mesmo com todos esses problemas, Gisele seguiu em frente e</p><p>alugou o espaço. Com a pouca verba restante, empenhou-se em abrir a loja de 30 m2 (que possuía</p><p>um estoque em forma de mezanino de 15 m2, mais um depósito de 30 m2) e, com apenas dois mil</p><p>reais e ajuda de amigos, Gisele conseguiu finalmente montar a loja física da ContaPraEla (Anexo 3).</p><p>O setor calçadista</p><p>Segundo estudos do BNDES, registrou-se, nas últimas décadas, aumento relativo da</p><p>importância da qualidade, do design e dos prazos de entrega como determinantes da competitividade</p><p>do setor calçadista. Além disso, como o calçado é um produto sujeito às variações da moda, a</p><p>diferenciação e a capacidade das empresas em captar os sinais de mercado são atributos que têm</p><p>assumido papel cada vez mais importante na determinação da competitividade desse setor.</p><p>Transformações no setor nos últimos anos provocaram uma queda na quantidade de pares de</p><p>sapatos exportados pelo Brasil, devido à entrada de novos e mais aptos concorrentes no mercado de</p><p>calçados, entre eles a China, a Indonésia e o Vietnã. Os concorrentes passaram a atuar com maior</p><p>agilidade para se adaptarem às novas demandas do mercado e conseguiram fazer isso com preços</p><p>mais baixos que os brasileiros, o que pressionou os fabricantes nacionais a se modernizarem.</p><p>Como alternativa à pressão dos concorrentes, o setor calçadista passou a diversificar seus</p><p>destinos de exportação, além de diferenciar seus produtos a fim de agregar-lhes maior valor. Um</p><p>dado que confirma a estratégia utilizada é a variação do número de países de destino: de 78, em 1990,</p><p>a 146, em 2007, o que resultou em um aumento de 40% no valor médio do par de sapatos no mesmo</p><p>período. Esse aumento foi responsável por manter o valor das exportações positivas mesmo com a</p><p>redução do número de pares total exportado (Anexos 4 e 5).</p><p>As exportações, entretanto, representam apenas uma fatia da produção nacional, sendo o</p><p>consumo interno extremamente relevante para a sustentação desse setor, absorvendo em média 80%</p><p>da produção brasileira de calçados (Anexo 6). O aumento de 7,89% no consumo per capita de</p><p>calçados no Brasil entre os anos de 2003 e 2012 e a ascensão da classe C aqueceram o mercado</p><p>interno.</p><p>Outro fator que fortaleceu o consumo interno do setor foi a presença de lojas independentes</p><p>(lojas tradicionais, multimarcas ou não organizadas em rede), que aumentaram em 15,5% a</p><p>quantidade de pares vendidos entre 2008 e 2012. Além disso, houve aumento da participação de</p><p>mercado relativa e do volume de pares vendidos por parte das lojas de redes especializadas, em 5,5%</p><p>e 23%, respectivamente, segundo dados do Instituto de Estudos e Marketing Industrial.</p><p>Consequentemente, o mercado projetava para 2013 que cada cidadão gastaria em média</p><p>245,68 reais com calçados, valor que, somado, ultrapassa a casa dos 40 bilhões de reais ou 834</p><p>milhões de pares, segundo dados do Pyxis Consumo (2013). Dessa produção, 50,53% serão</p><p>absorvidos pela Região Sudeste, seguida pelo Nordeste, com 18,2% e das regiões Sul, Centro-Oeste</p><p>e Norte, que juntas somam 31,27%.</p><p>Consumidores inesperados</p><p>Desde a abertura do site da ContaPraEla, Gisele, a fim de mostrar seus produtos aos clientes,</p><p>fazia atendimentos em domicílio. Em uma dessas visitas, Gisele se deparou com um cliente</p><p>CONTA PRA ELA!</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>©FGV-EAESP / RAE 2014 www.fgv.br/gvcasos 4</p><p>inesperado. Ao entrar no apartamento de um bairro nobre de São Paulo, a venda ocorreu</p><p>normalmente: a pessoa observou e provou alguns pares e comprou os que mais lhe agradavam.</p><p>Entretanto, nessa compra, dois aspectos se diferenciavam consideravelmente. Em primeiro lugar, a</p><p>pessoa comprou seis pares de uma só vez, o que era bem acima da média. O segundo ponto que</p><p>chamou a atenção de Gisele é que o cliente era um homem, e comprava para seu próprio uso.</p><p>Ainda mais curioso é que, na semana seguinte, o mesmo rapaz ligou para Gisele agendando</p><p>uma nova visita, o que levou a mais uma venda de seis pares de sapatos. Dada a discrição de Gisele,</p><p>o cliente se sentiu a vontade e contou sobre seu hobbie: ele era crossdresser. A partir daquele</p><p>momento, Gisele percebeu que o público-alvo para sapatos tamanho grande era maior do que o</p><p>esperado, contemplando não só mulheres, mas também:</p><p>� Crossdressers: são os indivíduos que se vestem e agem como o sexo oposto ao seu. Neste</p><p>caso, são homens que esporadicamente usam roupas femininas por motivos relacionados com</p><p>sua libido ou pulsões sexuais. Em sua rotina diária, têm uma vida social masculina e por isso</p><p>não fazem cirurgias corretivas em seu corpo (como colocar silicone) nem fazem uso de</p><p>hormônios. Inexiste vínculo entre sua personalidade e suas eventuais opções sexuais, isto é,</p><p>um crossdresser pode ser heterossexual (principal grupo de clientes da ContaPraEla),</p><p>homossexual, bissexual ou assexual.</p><p>� Drag queens: são profissionais/artistas que, por meio de roupas, se transvestem em</p><p>personagens extravagantes, espalhafatosos e cômicos.</p><p>� Transgêneros: são pessoas que têm identidade de gênero diferente das definições</p><p>convencionais de sexualidade, isto é, são pessoas que se percebem como mulheres (gênero</p><p>feminino) quando o sexo biológico é o masculino. Esse grupo é subdividido em travestis e</p><p>transexuais. As travestis, na grande maioria, modificam seus corpos por meio de</p><p>hormonioterapia, aplicações de silicone e/ou cirurgias plásticas e diferem-se das transexuais</p><p>por não desejarem se submeter a cirurgia de redesignação sexual (mudança de órgão genital).</p><p>Ambas podem ser heterossexuais, homossexuais, bissexuais ou assexuais.</p><p>O mercado LGBT – Pink Money</p><p>Diferentemente do que ocorre em países europeus e nos Estados Unidos, o mercado de</p><p>Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGTB) ainda é pouco explorado no Brasil.</p><p>Apenas algumas informações do comportamento de consumo desse grupo são conhecidas. Segundo</p><p>dados do IBGE, aproximadamente 10% da população brasileira é homossexual, o que significa um</p><p>nicho de mais de 18 milhões de consumidores.</p><p>O típico consumidor LGBT apresenta algumas características peculiares, tais como: são de</p><p>classe alta (classe A ou B); possuem cartão de crédito; têm ensino superior completo; e gastam, em</p><p>média, 30% a mais em bens de consumo do que uma pessoa hétero da mesma classe. Dados colhidos</p><p>na Parada Gay de 2012 concluíram que os Dinks (double income, no kids, receita em dobro, sem</p><p>filhos, na tradução livre), como são conhecidos os casais homossexuais, costumam destinar grande</p><p>parte de seus ganhos a bens de consumo semiduráveis, lazer e viagens, sendo que, quando viajam,</p><p>costumam</p><p>ficar em hotéis com 4 ou 5 estrelas e gastam diariamente uma média de 353 reais, o que</p><p>representa 30% mais que os gastos de um turista tradicional, segundo Marta Dalla Chiesa, presidente</p><p>da Abrat GLS.</p><p>Além disso, sabe-se que o poder de compra do público LGBT americano foi de 835 bilhões</p><p>de dólares apenas em 2011, enquanto na Inglaterra esse gasto atingiu os 135 bilhões. Baseando-se</p><p>nesses números, empresas ao redor do mundo têm adotado uma postura proativa na tentativa de</p><p>conquistar esse mercado. Com uma estratégia gay-friendly2, diversas empresas têm alocado equipes</p><p>2 Gay-friendly se refere a lugares, politicas, pessoas ou instituições que estão abertas aos gays (incluindo todos os</p><p>membros da comunidade LGBT) para criar um ambiente que os suporte e crie uma relação respeitosa, tratando todos</p><p>com qualidade e sem julgamentos.</p><p>CONTA PRA ELA!</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>©FGV-EAESP / RAE 2014 www.fgv.br/gvcasos 5</p><p>para entender o que esses consumidores buscam, como querem ser tratados e como direcionar seus</p><p>produtos a essa comunidade. Diversas empresas com atuação no Brasil já assumiram essa posição,</p><p>como a Nike, Microsoft e Starbucks.</p><p>O conflito</p><p>Apesar de o aumento do tamanho do público-alvo parecer uma ótima notícia para qualquer</p><p>empresa, quando se trata dos segmentos acima descritos, não é assim tão simples. Os quatro públicos</p><p>que a ContaPraEla procura atingir (mulheres, crossdressers, drag queens e transgêneros) possuem</p><p>características muito diferentes e difíceis de conciliar.</p><p>As características desses grupos variam desde hábitos de compra até possíveis preconceitos</p><p>entre eles. As mulheres, em sua grande maioria, não consomem em lojas voltadas “exclusivamente”</p><p>para o público gay, pois não gostam de consumir produtos que as vinculem a esse grupo. Dessa</p><p>forma, quando uma mulher nota a presença de um gay em uma loja feminina, procura evitar</p><p>consumir os mesmo produtos. A presença de drag queens, crossdressers travestidos ou transgêneros</p><p>as incomoda, mas por enquanto não isso tem impedido as mulheres de comprar na ContaPraEla,</p><p>principalmente por ser um mercado com uma oferta ainda bastante restrita. É importante ressaltar</p><p>que, apesar dos novos grupos de consumidores, o público feminino representa a maior parte dos</p><p>clientes da loja de Gisele.</p><p>Os transgêneros não demonstram muitos problemas de conciliação com os demais grupos e,</p><p>além de serem clientes extremamente fiéis, costumam gastar bastante com a própria aparência.</p><p>Contudo, eles prezam pela exclusividade, e isso faz com que eles não indiquem a loja. Caso</p><p>consumam na mesma loja, procuram sapatos diferentes dos do seu grupo de amigos, o que exige da</p><p>loja uma quantidade considerável de modelos e estilos. Outro ponto a ser analisado é que os</p><p>transgêneros têm a percepção de que lojas voltadas exclusivamente para eles cobram um preço</p><p>abusivo, o que faz com que muitas vezes procurem lojas não especializadas.</p><p>Os crossdressers podem ser subdivididos em dois grupos: os que assumem publicamente sua</p><p>identidade e aqueles que se transvestem em momentos mais íntimos. No primeiro caso, os indivíduos</p><p>vestem roupas femininas em diversos (ou todos) momentos do seu dia. Assim, esse grupo de</p><p>consumidores não tem grandes empecilhos para consumir na loja, nem problemas com os demais</p><p>consumidores. Entretanto, como os integrantes do segundo grupo não assumem publicamente uma</p><p>identidade social feminina (mantendo isso como segredo), eles se transvestem somente em</p><p>momentos que estão sozinhos ou reunidos em grupos de crossdressers. Isso faz com que esse grupo</p><p>de consumidores seja o mais delicado, pois não consomem na loja física e, se o fazem, fingem estar</p><p>comprando um presente ou procuram uma área reservada onde possam provar os sapatos sem ser</p><p>identificados. Devido a isso, a maioria dos crossdressers compra por meio do site ou busca</p><p>atendimento domiciliar. Apesar dessas especificações de consumo, esse grupo possui o maior ticket</p><p>médio (alguns chegam a consumir 10 pares por mês).</p><p>Já as drag queens, por serem profissionais artísticas, não apresentam empecilhos para se</p><p>conciliar com os demais grupos de consumidores. O único fator adversativo é que buscam por</p><p>sapatos extremamente altos e chamativos, diferentemente das mulheres, que, apesar de buscarem por</p><p>modelos que estejam na moda, buscam também sapatos discretos, mais baixos e que não chamem</p><p>demasiada atenção.</p><p>Um retrato atual da ContaPraEla</p><p>Após três anos de funcionamento, a ContaPraEla cresceu significantemente, vendendo uma</p><p>média de 250 pares de sapatos por mês ao preço médio de 150 reais. A loja conta com três pessoas,</p><p>sendo uma delas a própria Gisele, que, além de cuidar da área administrativa, da escolha dos</p><p>produtos e do acompanhamento das tendências do mercado, é a principal atendente da loja.</p><p>Com relação ao número de clientes, Gisele procura aumentar suas vendas investindo nos</p><p>mais diversos meios de chegar a seu público-alvo. A sua mais recente “campanha publicitária” foi a</p><p>CONTA PRA ELA!</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>©FGV-EAESP / RAE 2014 www.fgv.br/gvcasos 6</p><p>participação na feira da Parada Gay de 2014, que trouxe novos clientes para a loja, principalmente</p><p>drag queens e travestis.</p><p>Entretanto, apesar do aumento no número de clientes da loja, essas novas investidas</p><p>promocionais vêm intensificando o conflito entre os diferentes consumidores, o que reforça a</p><p>urgência de a empreendedora ter definições claras em relação ao posicionamento da empresa.</p><p>Tomada de decisão</p><p>A difícil conciliação entre os públicos-alvos almejados pela ContaPraEla colocou a loja em</p><p>um momento estratégico crítico. Gisele deve tomar providências para que potenciais vendas não</p><p>sejam perdidas, mas a especificidade de cada público torna a escolha ainda mais difícil. Caso Gisele</p><p>opte por trocar radicalmente o posicionamento da ContaPraEla e torná-la uma loja voltada para o</p><p>publico LGBT , poderá perder uma parte importante da sua fatia de mercado do público feminino. Se</p><p>mantiver a loja com o atual posicionamento – com foco na venda para mulheres –, pode ter</p><p>dificuldades de se consolidar no promissor potencial de vendas Pink Money, e ainda corre riscos de</p><p>perder clientes (mulheres, principalmente) caso a presença de transgêneros, crossdressers e drag</p><p>queens se torne um fator restritivo à escolha da marca.</p><p>Sabendo da dificuldade e da necessidade em posicionar sua marca, Gisele percebe que não</p><p>pode demorar muito tempo para tomar decisões que serão cruciais para o futuro da sua empresa.</p><p>� Até que ponto será possível conciliar as expectativas de clientes tão diferentes em uma</p><p>mesma loja/marca?</p><p>� Como posicionar a marca para maximizar as vendas em todos os públicos potenciais?</p><p>� Quais as alternativas estratégicas disponíveis? Quais as vantagens e riscos de cada uma?</p><p>� Deve criar uma marca direcionada ao público LGBTS ou abrir uma loja especializada nesse</p><p>público?</p><p>CONTA PRA ELA!</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>©FGV-EAESP / RAE 2014 www.fgv.br/gvcasos 7</p><p>ANEXOS</p><p>Anexo 1</p><p>Alguns modelos vendidos na ContaPraEla</p><p>(Ambos os sapatos nas imagens acima são do mesmo modelo, entretanto estilizados de</p><p>maneiras diferentes pela Gisele)</p><p>Anexo 1</p><p>Site da ContaPraEla: www.contapraela.megafashion.com.br</p><p>CONTA PRA ELA!</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>©FGV-EAESP / RAE 2014 www.fgv.br/gvcasos 8</p><p>Anexo 3</p><p>Fachada da loja ContaPraEla</p><p>Na fachada lê-se: Sapatos femininos numeração especial 33 a 44.</p><p>Anexo 4</p><p>Exportações brasileiras de calçados - anual</p><p>Fonte: MDIC/Secex; elaborado pela Abicalçados</p><p>CONTA PRA ELA!</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________________________________________</p><p>©FGV-EAESP / RAE 2014 www.fgv.br/gvcasos 9</p><p>Anexo 5</p><p>Histórico das exportações brasileiras em USD e preço médio</p><p>Fonte: elaborado por Alexandre F. Ribas (2013) com base na Abicalçados (2009).</p><p>Anexo 6</p><p>Produção brasileira de calçados (de 2003 a 2008)</p><p>Fonte: Abicalçados (2009)</p>