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<p>dezembro 2012 l correio APPOA .1</p><p>editorial.</p><p>O fim do mundo, entre fantasia e profecias, reúne os textos da seção</p><p>temática deste Correio de fim de 2012, que talvez fosse o derradeiro. Os</p><p>rumores de que o mundo acabará em 21 de dezembro de 2012 tem ins-</p><p>piração no calendário Maia (já revisto) e movimentam até produções</p><p>hollywoodianas de cenário apocalíptico.</p><p>Dialogando sobre o final dos tempos, a Confraria do Fim do Mundo</p><p>nos convida a ler sobre suas trocas descontraídas a partir do trabalho de</p><p>cartel, que reflete sobre a amizade e a angústia existencial, tão presente</p><p>hoje. Mais do que debater e trabalhar, o grupo que compõe a Confraria cria</p><p>“com amizade, utopia e muito bom gosto”.</p><p>Em seu texto, Luciano Mattuella adentra a fantasia do fim do mundo e</p><p>aponta que a cultura contemporânea sofre de uma patologia do tempo.</p><p>Como o neurótico que revive sempre o mesmo passado, seguimos pro-</p><p>gressistas como na Modernidade e habitamos um posfácio – somos os</p><p>autointitulados pós: pós-modernos, pós-históricos... O paradoxo se apre-</p><p>senta quando nos damos conta de que, alienados ao ideal de progresso,</p><p>não conseguimos ir adiante.</p><p>Moysés Pinto Neto aborda o Fim do Mundo na filosofia contem-</p><p>porânea. O que hoje se coloca em xeque para esses filósofos é o mundo</p><p>correio APPOA l dezembro 20122.</p><p>editorial.</p><p>enquanto suporte concreto, ressaltando a relação do humano com o mun-</p><p>do. Assim, Meillassoux – usando a teoria dos conjuntos de Cantor – vai</p><p>mostrar a realidade como intotalizável e verificar matematicamente a</p><p>contingência dessa mesma realidade. Já Ray Brassier, outro filósofo do</p><p>chamado realismo especulativo, postula, ao contrário, nossa consciência</p><p>absoluta da extinção. O que o diálogo implica é numa revisão da matriz</p><p>antropocêntrica para interrogar o drama existencial humano diante de</p><p>uma crise ambiental. Moysés Pinto Neto considera que a psicanálise tem</p><p>a teoria do trauma para pensar a crise. Ainda, segundo o antropólogo</p><p>Eduardo Viveiros de Castro, trata-se de parar de fazer a prosa do mundo</p><p>para fazer a poesia do mundo, ou seja, de reduzir o que até aqui tem</p><p>estado na economia do excesso.</p><p>Na seção Debates, publicamos o texto de Maria Rosane Pinto sobre</p><p>feminilidade a partir do texto freudiano Algumas consequências psíqui-</p><p>cas das diferenças anatômicas entre os sexos, excerto do apresentado no</p><p>Relendo Freud deste ano. Nele, a autora aborda a clínica contemporânea e</p><p>a obra literária O amante de M. Duras, situando a “ambivalência na rela-</p><p>ção mãe-filha” na passagem pelo complexo edipiano, como problematizador</p><p>do que virá a se constituir como posição feminina.</p><p>Ainda, Marieta Madeira escreveu uma resenha (antes publicada na</p><p>Coluna Appoa do Jornal virtual Sul 21) sobre o livro de Paul Auster, Sunset</p><p>Park (Cia das Letras, 2012). Para ela, o livro fala de casas, entre outros</p><p>assuntos, mas sobre casas e lugares – de moradia existencial ou ocupação</p><p>psíquica. Lembra-nos desses lugares que habitamos, com mais ou menos</p><p>incômodo, por mais ou menos tempo, e de que, até certo ponto, também</p><p>somos todos um tanto homeless.</p><p>Boa leitura, até 2013!</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .3</p><p>notícias.</p><p>Festa de fim de ano</p><p>Dia: 15/12, sábado,</p><p>Horário: 21h</p><p>Local: Sede da APPOA</p><p>A vida boemia das grandes metrópoles sempre se desenvolveu em tor-</p><p>no de um tipo de ponto de encontro específico. Em Paris são os bistrôs; em</p><p>Londres, os pubs; em Nova York, os bares; no Rio, os botequins.</p><p>Na APPOA, teremos o Boteco 258.</p><p>Venha comemorar nossa festa de final de ano degustando comidinhas</p><p>e bebidas de boteco e, MAIS AINDA, embaladas por muito chorinho, mas</p><p>tudo na maior alegria.</p><p>Convites na secretaria:</p><p>R$80,00 até dia 07/12 e R$90,00 após.</p><p>correio APPOA l dezembro 20124.</p><p>notícias.</p><p>Eventos 2013</p><p>– 06 de abril: JORNADA DE ABERTURA</p><p>Plaza São Rafael, Porto Alegre, RS</p><p>– 18 de maio: JORNADA DO PERCURSO</p><p>Sede da APPOA, Porto Alegre, RS</p><p>– 14 , 15 e 16 de junho: RELENDO FREUD</p><p>Hotel Laje de Pedra, Canela, RS</p><p>– 23 e 24 de agosto: JORNADA DO INSTITUTO APPOA</p><p>Hotel Continental, Porto Alegre, RS</p><p>– 26 e 27 de outubro: JORNADA CLÍNICA</p><p>Plaza São Rafael, Porto Alegre, RS</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .5</p><p>temática.</p><p>O final dos tempos</p><p>Confraria do Fim do Mundo1</p><p>A possibilidade de se falar sobre o fim do mundo levou um grupo</p><p>heterogêneo de amigos a se reunir em uma Confraria, disposta a olhar de</p><p>uma maneira descontraída e bem humorada, mas ao mesmo tempo crítica e</p><p>preocupada, os diversos anúncios correntes sobre o final dos tempos.</p><p>A intensa divulgação do calendário maia, que numa leitura possível</p><p>profetizava a data de 21 de dezembro de 2012 como dia fatídico; as manifes-</p><p>tações que, desde antes do ano 2000, prevêem para o mundo um Apocalipse,</p><p>ou um Armagedon; o risco de uma destruição cataclísmica do universo;</p><p>tudo isso fez com que o assunto tomasse corações e mentes. Os membros</p><p>desta confraria, apesar de suas leituras críticas, tomaram a decisão de exa-</p><p>minar profundamente as diversas intervenções que, nas mais variadas cul-</p><p>1 A Confraria (em ordem alfabética): Deborah Sereno: psicanalista, Emília Estivalet Broide: psicanalista, Ivone Gomes de Souza:</p><p>arquiteta,Jorge Broide: psicanalista, Marcos Cartum: arquiteto, Ricardo Maranhão: historiador da gastronomia,Thiago Estivalet</p><p>Braga: estudante de psicologia (participação especial na construção do texto).</p><p>correio APPOA l dezembro 20126.</p><p>temática.</p><p>turas, se referiam a este final. Recusamo-nos a ficar numa atitude de ceticis-</p><p>mo ímpio, alienado, diante de milhões de vozes que, certas ou erradas,</p><p>clamam por uma resposta que lhes dê rumo. A perspectiva do final dos</p><p>tempos nos levou à aguda percepção da urgência de mobilização; nos pro-</p><p>pusemos ao encontro transdisciplinar da beleza da história, da psicanálise,</p><p>da arquitetura, da gastronomia, especialidades dos membros da confraria,</p><p>dentro de um diálogo interativo e aberto.</p><p>Um elemento demarcador desse diálogo é o do caráter utópico do objeto.</p><p>A proximidade do fim do mundo permite colocar a ideia da utopia sob uma</p><p>perspectiva peculiar: se a realidade da finitude do mundo se concretiza</p><p>como algo tangível, a dimensão do possível é recalibrada, tornando realizá-</p><p>vel, mesmo que provisoriamente, no plano do imediato, aquilo que antes</p><p>era longínquo e remoto. A urgência de atingir o que se idealiza ganha assim</p><p>uma materialidade motriz, como se o futuro fosse trazido para o “aqui/</p><p>agora”. Vale lembrar a imagem do alpinista que lança o gancho para um</p><p>lugar não visível, buscando um ponto de apoio possível para o movimento</p><p>ascendente. A metáfora traz também a reflexão sobre o conceito de projeto/</p><p>desígnio, tão caro ao ofício do arquiteto. O conceito perdido na palavra</p><p>desenho na língua portuguesa, conserva-se no termo equivalente em inglês</p><p>– no design a noção do desígnio está preservada, como uma intervenção no</p><p>presente que antecipa o devir. A partir desse olhar, utopia é o próprio ato</p><p>que transforma o mundo, o desígnio tomado nas mãos pelo sujeito que</p><p>assume a vida – individual e coletiva – como espaço de seu projeto.</p><p>Interessante perceber que, ao entender a importância da fala aberta e</p><p>da utopia, nos consideramos funcionando na dinâmica de um “cartel”. O</p><p>fim do mundo como latência deste encontro, com muita reflexão, muitas</p><p>palavras, amizade e humor. Sem perder de vista uma possível e espantosa</p><p>tragédia, pois como bem dizia Freud, não é possível falar da vida sem</p><p>falar da morte.</p><p>Encontros sistemáticos, quase mensais, regados à melhor bebida, me-</p><p>lhor comida, as melhores piadas históricas, judaicas, da musica ídiche da</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .7</p><p>Fim do mundo.</p><p>vitrola do avô ao sambão do Borba, constituem a base da nossa confraria.</p><p>Nela, uma intensa troca de informações, leituras, sinais e intuições sobre</p><p>nosso tema. O fato de sermos uma confraria cartel transdisciplinar nos</p><p>remete às profundezas da história, ao encontro das fontes da ideia</p><p>transcendental do fim do mundo.</p><p>Fontes do final</p><p>A fonte</p><p>mais citada atualmente para a ideia do final de tudo é o calen-</p><p>dário maia. Esse instrumento de informação tem uma importante peculia-</p><p>ridade: dotados de profundo conhecimento dos astros, os maias desen-</p><p>volveram conjuntamente na verdade 3 (três) calendários: o solar, voltado à</p><p>orientação das práticas agrícolas, o lunar, para os negócios, e o venusiano,</p><p>para os rituais religiosos. Tão complexo, proveniente de uma civilização</p><p>tão brilhante quanto misteriosa em seu desaparecimento, o calendário con-</p><p>junto deixa a pergunta: porque ele termina no dia 21 de dezembro de 2012,</p><p>se não para indicar o fim dos tempos?</p><p>Outra fonte importante, que marcou muitos pensadores do fim do</p><p>mundo numa vertente cristã, é o livro da Bíblia o Apocalipse, de São João.</p><p>Acima de tudo é um livro básico de doutrina, mas tem uma previsão muito</p><p>clara no versículo 11:18</p><p>O senhor destruirá os que destroem a terra e dará a vida eterna a</p><p>seus fiéis.</p><p>A partir daí, cristãos de várias tendências manifestam o temor de um</p><p>final apocalíptico. Uma das vertentes, comum tanto a católicos quanto a</p><p>algumas correntes protestantes e pentecostais, afirma o seguinte: após um</p><p>crescimento brutal do Pecado, negociado pelo Demônio, chegará o momen-</p><p>to apocalíptico de redenção: precedido por terríveis terremotos, incêndios</p><p>descomunais e enchentes amazônicas, o apocalipse eliminará a maioria dos</p><p>seres humanos, restando apenas os que seguiram rigorosamente a fé em</p><p>correio APPOA l dezembro 20128.</p><p>temática.</p><p>Cristo. Chegará então o momento do Juízo Final, em que os mortos ressus-</p><p>citarão e todos prestarão conta de seus erros num julgamento perante o</p><p>Deus vivo. Os que forem condenados serão lançados num mar de fogo por</p><p>toda a eternidade, e os absolvidos viverão eternamente em paz junto a Deus.</p><p>Outra vertente, defendida por correntes evangélicas como a Igreja Uni-</p><p>versal, afirma que o final de tudo, ou Armagedon, virá no bojo de terríveis</p><p>guerras que destruirão grande parte da humanidade, antes do Juízo Final.</p><p>Outro pensamento muito citado (e temido) é o do livro de São Cipriano,</p><p>o Capa Preta. São Cipriano nasceu em 250 em Antióquia, antiga cidade</p><p>helenística na atual Turquia; viveu e correu mundo como bruxo, até se</p><p>tornar cristão e ser torturado e morto pelo imperador romano Diocleciano.</p><p>Segundo o livro, a destruição final virá assim: “o nosso planeta deve en-</p><p>contrar-se com a estrela M. da constelação de Hércules, mas somente hão</p><p>de se chocar massas gaseiformes”. Seis meses antes do choque, já ambos os</p><p>astros sentirão esse efeito. Logo no primeiro mês, o gênero humano, os</p><p>animais e as plantas deixam de existir. Depois a água toda dos rios e ocea-</p><p>nos se evapora, as pedras se desagregam, os metais se diluem e tudo acaba</p><p>virando uma massa gasosa, que se fundirá com a massa da estrela M. Ocor-</p><p>re que, numa leitura possível de São Cipriano, esse cataclisma geral só se</p><p>dará no ano de 2268, embora ao longo dos séculos muitos homens tenham-</p><p>no previsto para antes.</p><p>Na tradição do judaísmo, também existe a perspectiva do fim dos dias,</p><p>acharit hayamim. Eventos tumultuosos abalarão a velha rotina do mundo,</p><p>criando uma nova ordem na qual Deus é universalmente reconhecido como</p><p>a nova lei que organiza tudo e todos. Uma das sagas do Talmude diz “Deixe</p><p>o fim dos dias chegar, mas eu não devo estar vivo para presenciá-lo”, por-</p><p>que os vivos na ocasião serão submetidos a conflitos e sofrimentos. Quanto</p><p>à data, no Avodah Zarah, página 9A, o Talmude estabelece que “o mundo</p><p>como o conhecemos somente irá existir por seis mil anos”.</p><p>Fazendo as devidas calibrações entre o calendário lunar e solar (ambos</p><p>presentes no judaico), o ano de 2012 equivale, assim, a 5772 anos desde a</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .9</p><p>Fim do mundo.</p><p>Criação. Portanto, de acordo com o cálculo, o fim do mundo, pelos precei-</p><p>tos judaicos, ocorrerá em 30 de setembro de 2239.</p><p>Amizade e finitude</p><p>Outra reflexão que nos ocupa é a relativa à amizade, essencial em uma</p><p>verdadeira confraria. Só sabemos a importância da amizade depois de ter</p><p>vivido momentos muitos difíceis na vida. A amizade é um ato político,</p><p>como disse um grande amigo. Reencontramos a ideia em Giorgio Agambem</p><p>(O que é o contemporâneo e outros ensaios), citando Aristóteles:</p><p>Os amigos não condividem algo (um nascimento, uma lei, um lugar,</p><p>um gosto): eles são com-divididos pela experiência da amizade. A</p><p>amizade é a condivisão que precede toda a divisão, porque aquilo</p><p>que há para repartir é o próprio fato de existir, a própria vida. E é</p><p>essa partilha sem objeto, esse com-sentir originário que constitui a</p><p>política.</p><p>Na produção intelectual da nossa confraria/cartel os elementos da ami-</p><p>zade convivem com o espanto e até o temor da consciência do fim próximo.</p><p>Como não fruir ao máximo dos prazeres mundanos se daqui a pouco nem</p><p>mesmo pensar sobre eles será possível? Ao procurar mais informações e ao</p><p>produzir textos sobre o assunto, não estamos nos limitando a fazer uma pe-</p><p>quena e modesta antropologia e história do fim do mundo: estamos tentan-</p><p>do refletir uma angústia existencial extremamente presente na contempo-</p><p>raneidade, manifestada de muitas outras formas, mas que tem a ver com a</p><p>própria angústia do ser diante de uma inevitável finitude (sintomas ditos</p><p>na atualidade: síndromes do pânico, depressões, fobias, entre outras).</p><p>A percepção de uma finitude como algo universal, e, portanto coletiva,</p><p>é algo que abre uma nova perspectiva: fica completamente em xeque a fan-</p><p>tasia individual da imortalidade, da transmissão das heranças e da conti-</p><p>nuidade através dos filhos, dos bens, da obra, da cultura. Superada a visão</p><p>individualista, isto nos aponta a possibilidade do encontro.</p><p>correio APPOA l dezembro 201210.</p><p>temática.</p><p>Esse encontro, estratégico para uma reflexão, ocorre num momento</p><p>histórico em que cresce a consciência de que o homem está destruindo o</p><p>planeta. Cada vez mais, cada cidadão tem alguém lhe apontando um dedo,</p><p>imputando-lhe culpa. Tudo que se propõe para evitar esse final catastró-</p><p>fico, só faz crescer a angústia das dificuldades inelutáveis desse caminho.</p><p>Precisamos salvar o planeta; entretanto, é de se perguntar se a expectativa</p><p>de um fim do mundo imediato, não seria apenas uma metáfora para essa</p><p>destruição sistemática do meio ambiente.</p><p>Isso nos remete novamente à nossa fragilidade. Entretanto, estando</p><p>imersos numa reflexão coletiva, temos a força de saber que precisamos vi-</p><p>ver, que temos que aproveitar cada bom momento que podemos criar. Com</p><p>amizade, utopia e muito bom gosto.</p><p>Por isso mesmo, a Confraria convida todos para a grande festa do Fim</p><p>do Mundo, uma semana antes da data mais próxima prevista: 14 de dezem-</p><p>bro de 2012.</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .11</p><p>temática.</p><p>Não com uma explosão,</p><p>mas com um suspiro</p><p>Luciano Mattuella</p><p>This is the way the world ends</p><p>This is the way the world ends</p><p>This is the way the world ends</p><p>Not with a bang but a whimper.</p><p>T. S. Eliot</p><p>T. S. Eliot precisou anunciar três vezes o fim do mundo (This is the</p><p>way the world ends) antes de constatar, com uma boa dose de doída resig-</p><p>nação, que ali onde se esperava um grande evento acabou-se por encontrar</p><p>um lamento desistido. O final do poema de Eliot deixa a sensação de algo</p><p>em suspenso - é fácil imaginar que aquela não-vida dos homens ocos con-</p><p>tinuará, mesmo que o mundo já tenha acabado, em uma espécie de mundo</p><p>pós-mundo, um lugar habitado pelo vazio da palavra, um presente que</p><p>correio APPOA l dezembro 201212.</p><p>temática.</p><p>nunca vai adiante, uma história que esqueceu de seu caráter ficcional, tão</p><p>apaixonada pelo seu próprio fim.</p><p>Inicialmente, portanto, uma dúvida: Eliot anuncia três vezes o mesmo</p><p>fim do mundo ou, antes, é o mundo que acaba três vezes e – no fim das</p><p>contas – isso não faz diferença? Pensando em nosso contexto atual: ainda</p><p>somos realmente sensíveis ao fim do mundo? Ou será que esta fantasia de</p><p>fim do mundo já está tão assimilada pela Cultura a ponto de não nos causar</p><p>mais impacto, está tão revestida pelo</p><p>cinismo – “não há nada mais a ser</p><p>feito...” – que gozamos dela para abster-nos de pensarmos seriamente sobre</p><p>nosso tempo? Tanto na filosofia (Hegel e sua história da Razão), na</p><p>historiografia (o fim da história, de Fukuyama), quanto na cultura pop de</p><p>hoje em dia (blockbusters apocalípticos, para citar apenas um exemplo),</p><p>vemos uma evidente fascinação pelo fim.</p><p>A bem da verdade, entretanto, parece interessante perceber que esta</p><p>fantasia está sustentada fundamentalmente em uma impossibilidade, afi-</p><p>nal, para que o fim do mundo possa ser imaginado, é preciso que pelo</p><p>menos uma pessoa esteja presente como espectadora – é impossível pensar</p><p>no fim de tudo sem colocar a si mesmo na cena, como um resto. Portanto,</p><p>tudo leva a crer que a fantasia de fim do mundo está amplamente sustenta-</p><p>da por esse espectador que, esvaziado subjetivamente, transforma-se em</p><p>um ponto infinito do olhar; é uma fantasia francamente escópica, por assim</p><p>dizer. O próprio Freud fala sobre a fantasia de fim do mundo, como pode-</p><p>mos ver no seguinte trecho do caso Schreber:</p><p>Ele [Schreber] não podia duvidar que o mundo acabara durante a</p><p>sua doença, e o que via então já não era o mesmo mundo! (...) O</p><p>doente retirou das pessoas de seu ambiente e do mundo exterior o</p><p>investimento libidinal que até então lhes dirigira; com isso, tudo</p><p>para ele tornou-se indiferente e sem relação, e tem de ser explica-</p><p>do, numa racionalização secundária, como “produzido por milagre,</p><p>feito às pressas”. O fim do mundo é a projeção dessa catástrofe</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .13</p><p>Fim do mundo.</p><p>interior; seu mundo subjetivo acabou, depois que retirou dele o seu</p><p>amor (Freud, 2010, p. 92).</p><p>Em um contexto cultural que cada vez mais toma a todos nós como</p><p>espectadores, como suporte para o desfile sem fim de imagens que se jul-</p><p>gam substitutas da pergunta pelo desejo, não seríamos todos convocados à</p><p>projeção de nossa catástrofe interior? Uma época em que cada um busca</p><p>sua sustentação subjetiva no brilho suscitado no olhar do Outro está de</p><p>certa forma tomada pela falsa crença de que a existência está relacionada</p><p>com algo do registro narcísico. A catástrofe, na verdade, parece ser a ten-</p><p>dência de hoje em dia de não mais nos vermos contados pelos significantes</p><p>que nos foram legados, mas sim pela imagem que a Cultura nos devolve de</p><p>nós mesmos. Trata-se já, levando esta reflexão ao extremo, de um mundo</p><p>acabado, pois ignorante de sua própria tessitura narrativa fundamental.</p><p>E este estado das coisas é cada vez mais evidente na mídia e nas pro-</p><p>duções cinematográficas. Recentemente vimos pela televisão os estragos</p><p>causados em Nova York pelo furacão Sandy. Acreditamos que tenha im-</p><p>pressionado a todos as galerias dos metrôs sendo invadidas pela água, as</p><p>árvores voando por todos os lados, as pessoas esvaziando prateleiras das</p><p>lojas para se preparem para o... o fim do mundo? Relendo estas últimas</p><p>frases de forma descontextualizada, talvez venha à mente do leitor o roteiro</p><p>de um filme-catástrofe típico de Hollywood, talvez O dia depois de amanhã</p><p>(2004) ou mesmo Cloverfield (2008). É impressionante como, hoje em dia,</p><p>somos capazes de sintetizar o fim do mundo através de efeitos especiais e</p><p>narrativas engenhosas, de forma que as imagens reais que no último mês</p><p>acompanhamos pela televisão poderiam facilmente ser confundidas com</p><p>aquelas produzidas por um setting de filmagem - o furacão Sandy poderia</p><p>muito bem ter sido um dos desígnios de um deus-Spielberg, por assim</p><p>dizer. E é justamente este o ponto: esta narrativa de fim do mundo está de</p><p>tal forma alicerçada no imaginário cultural contemporâneo que acaba se</p><p>repetindo insistentemente em filmes e manifestações artísticas, uma repe-</p><p>correio APPOA l dezembro 201214.</p><p>temática.</p><p>tição que, se não for escutada e interpretada, manterá a sua potência</p><p>alienante.</p><p>Deste modo, propomos que um dos traços característicos da nossa</p><p>época é esta relação com o fim de todas as coisas, seja pela via de uma –</p><p>em geral ineficaz, porque hipócrita – preocupação com a sustentabilidade</p><p>do meio ambiente, seja pela fertilização de um cinismo cruel e ressentido,</p><p>nostálgico de uma outra época – mesmo que tenha sido justamente esta</p><p>época que tenha nos legado boa parte das questão com as quais agora</p><p>temos que nos haver.</p><p>Ora, ser sensível ao fim do mundo implica poder narrar uma história</p><p>que antecede a nós mesmos, suportar que a palavra com a qual contamos</p><p>nossas vidas é ancestral – assim, pensar seriamente o fim do mundo é</p><p>poder deslocar o olhar de um ponto narcísico, vislumbrar o para-além da</p><p>imagem de si mesmo. Deste modo, esta pregnância da fantasia de fim de</p><p>mundo coloca em jogo também uma outra questão: qual é – se ainda julga-</p><p>mos ter – a nossa responsabilidade com relação ao passado? Aceitarmos</p><p>que vivemos em uma espécie de pós-mundo implica dar a história passada</p><p>como encerrada, virar a última esquina da metrópole do tempo. Entretanto,</p><p>assumirmos como nossas as injúrias de outras épocas, nos empenharmos</p><p>no intuito de não deixarmos que uma palavra sôfrega caduque, é fazer jus-</p><p>tiça e procurar resgatar ainda algo de vivo mesmo no mais agonizante</p><p>antepassado. Neste sentido, a fantasia de fim de mundo, apesar de seu</p><p>conteúdo mórbido, é também uma formação de compromisso entre o pre-</p><p>sente e o passado – e, como toda a formação de compromisso, encontra-se</p><p>com seu conteúdo esquecido ali onde menos espera: no caso de nossos</p><p>tempos, no desamparo daquele que se percebe subitamente solitário frente</p><p>a uma vida cada vez mais nua e esvaziada de sentido.</p><p>Partimos da premissa, portanto, de que a cultura contemporânea, antes</p><p>de qualquer outra coisa, sofre de uma patologia do tempo. Como o neuróti-</p><p>co que não cessa de reviver o mesmo passado a todo o momento – fixidez</p><p>dos significantes em uma cadeia enrijecida e alienante –, os homens ocos</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .15</p><p>Fim do mundo.</p><p>mantêm vivo um passado que, na verdade, não mais lhes pertence. Não</p><p>fomos além dos ideais modernos, pelo contrário, não conseguimos realizar</p><p>este luto: em vez de transformá-la em um capítulo de nosso passado, nos</p><p>apegamos de tal modo à Modernidade que continuamos com seus ideais</p><p>sob as solas de nossos sapatos. Seguimos caminhando para frente, segui-</p><p>mos a marcha do progresso. Em determinado sentido, habitamos mesmo</p><p>como que o posfácio do mundo, na medida em que fixamos o fim em algum</p><p>ponto do passado (somos os autointitulados pós-históricos, pós-modernos...).</p><p>Freud descreve de forma bastante pungente esta relação entre progresso e</p><p>fim: “Os seres humanos conseguiram levar tão longe a dominação das for-</p><p>ças da natureza que seria fácil, com o auxílio delas, exterminarem-se mu-</p><p>tuamente até o último homem” (Freud, 2010, p. 184, grifo nosso). Esse</p><p>último homem que sustenta, rarefeito em olhar, a cena de uma catástrofe</p><p>anunciada.</p><p>É como se o homem contemporâneo não tivesse conseguido ainda se</p><p>tornar propriamente filho legítimo do homem moderno. Não herdamos os</p><p>traços da Modernidade para através deles nos fazermos autores de nosso</p><p>próprio destino – encarnamos sintomaticamente estes próprios ideais. Esta</p><p>talvez seja a narrativa implícita em todas concepções atuais de um mundo</p><p>pós-humano: tanto a humanidade tentou elaborar máquinas cada vez mais</p><p>produtivas e bem resolvidas que, no final, ela mesma está em vias de se</p><p>tornar maquínica – seja metaforicamente, com toda a burocratização da vida,</p><p>seja concretamente, com a fabricação de próteses sofisticadas e órgãos sin-</p><p>téticos. É a “instrumentação desmemoriada da ciência”, como tão lucida-</p><p>mente escrevem Adorno e Horkheimer (1985, p. 12). Até algum tempo atrás,</p><p>procurava-se fazer máquinas que desempenhassem tarefas como os homens;</p><p>hoje em dia, tentamos fabricar um homem dotado da precisão e da rapidez</p><p>da máquina. Inversão de um vetor que aponta, mais uma vez, para uma</p><p>espécie de melancolização da cultura: como Freud, há mais de cem anos, já</p><p>havia escrito, quando não conseguimos fazer o luto dos ideais, acabamos</p><p>correio APPOA l dezembro 201216.</p><p>temática.</p><p>por nos moldarmos como caricaturas destes ideais, em uma tentativa de-</p><p>sesperada de fazê-los desaparecer por incorporação. Hoje em dia vivemos</p><p>este paradoxo: estamos alienados à ideia de progresso, mas não consegui-</p><p>mos seguir adiante.</p><p>Assim, um viajante do tempo do século XVIII – o exemplo é inusitado,</p><p>mas ajuda-nos a tornar nossa argumentação mais clara – que porventura</p><p>aparecesse em nosso mundo atual talvez não ficasse tão espantado com a</p><p>estranheza de nossos tempos, mas sim com o quanto de nossa vida cotidi-</p><p>ana lhe pareceria excessivamente familiar: afinal, não haveria algum fio in-</p><p>visível ligando o Homem Vitruviano de Da Vinci (uma obra já antiga mesmo</p><p>para o nosso amigo viajante) às pesquisas genéticas que realizamos hoje em</p><p>dia? No fundo não seria a mesma questão: mensuração do humano,</p><p>matematização da vida? O espantoso talvez lhe seria a capacidade que hoje</p><p>temos de tornar abstratas as questões de outros tempos. Neste sentido, o</p><p>viajante do século XVIII estaria, em uma um tanto fantasiosa árvore</p><p>genealógica, no mesmo grau de filiação que nós, como um irmão mais velho</p><p>ou um primo distante. Mas ele talvez, pelo menos, se espantaria com os</p><p>nossos apocalipses protéticos.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.</p><p>FREUD, Sigmund. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia (“Caso Schreber”), artigos</p><p>sobre técnica e outros textos (1911-1913). Tradução e notas de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.</p><p>___________. O mal-estar na cultura (1930). Tradução de Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM,</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .17</p><p>temática.</p><p>O fim do mundo na filosofia</p><p>contemporânea</p><p>Moysés Pinto Neto1</p><p>Quand un traumatisme survient, c’est toute la potentialité</p><p>affective qui se voit touchée, la tristesse n’est même plus possible.</p><p>(Catherine Malabou, Ontologie de l’accident:</p><p>essai sur la plasticité destructrice)</p><p>1. Em seu livro O Aberto, Giorgio Agamben noticia a discussão de ins-</p><p>piração hegeliana entre Georges Bataille e Alexandre Kojève acerca do que</p><p>faria o ser humano depois do fim da história. Segundo Agamben, enquanto</p><p>para Kojève inicialmente o homem deviria animal, mas perdendo a parcela</p><p>da negatividade (nisso incluída, inclusive, a filosofia), para Bataille isso</p><p>seria inadmissível, apostando, contra seu professor, na negatividade sem</p><p>1 Doutorando em Filosofia (PUCRS), bolsista CAPES.</p><p>temática.</p><p>correio APPOA l dezembro 201218.</p><p>emprego, como resto em forma de erotismo, risco, alegria diante da morte.</p><p>Mais tarde, em 1959, Kojève, impressionado com uma viagem ao Japão e já</p><p>respondendo ao seu discípulo, identifica a forma de vida pós-histórica a</p><p>partir do snobismo, espécie de forma de vida totalmente humana, gratuita,</p><p>esvaziada de conteúdo “histórico” e cujo corpo animal seria mero suporte</p><p>(Agamben, 2007, p. 15-28). Esse debate traduz bem um espírito – que pode-</p><p>ríamos nomear com alguma cautela de espírito antropocêntrico – na confi-</p><p>guração do pensamento. É exatamente ele que a possibilidade real do fim</p><p>do mundo (que significa dizer, não do fim do mundo enquanto horizonte</p><p>de sentido, mas do mundo material e concreto) coloca em xeque e desen-</p><p>cadeia uma recente virada da filosofia contemporânea, provisoriamente</p><p>chamada de virada ontológica.</p><p>O que caracteriza a virada ontológica, retroativamente inaugurada em</p><p>um encontro na Goldsmiths College entre Quentin Meillassoux, Graham</p><p>Harman, Ray Brassier e Ian Hamilton Grant (Bryant, Srnicek & Harman,</p><p>2011) é sua oposição à virada linguística (atualmente hegemônica tanto no</p><p>campo da filosofia analítica quanto na de tradição fenomenológica,</p><p>hermenêutica e na teoria crítica), que poderíamos definir como o paradigma</p><p>filosófico que concebe a linguagem como início e fim da especulação filosó-</p><p>fica. O espaço de indagação filosófica que Immanuel Kant delimita como</p><p>lógica transcendental, isto é, as condições pelas quais recebemos a experi-</p><p>ência, é o ponto de referência para entendermos o que significa o papel</p><p>hegemônico da linguagem. O que podemos observar na maioria dos filóso-</p><p>fos de destaque no século XX (por exemplo: Husserl, Heidegger, Frege,</p><p>Wittgenstein, Apel, Rorty, Habermas, Agamben, Gadamer etc.) é que a lin-</p><p>guagem – mesmo não sendo transcendental (como a linguagem ordinária,</p><p>p.ex.) ou a priori (historicizada, portanto) – ocupa o espaço que Kant reser-</p><p>vava como próprio à filosofia em relação à dimensão empírica, que seria</p><p>própria das ciências. Ela funciona como casulo do propriamente filosófico</p><p>e não por acaso remete exatamente ao humano (o logos).</p><p>Fim do mundo.</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .19</p><p>2. É exatamente isso que é posto em questão por Quentin Meillassoux</p><p>no seu polêmico livro Après la finitude (Meillassoux, 2006, p. 13-38): trata-</p><p>se de romper o casulo linguístico auto-imposto pelo trabalho filosófico do</p><p>século XX – sobretudo a partir de Martin Heidegger e Ludwig Wittgenstein</p><p>– para então retornar ao projeto do pensamento absoluto. Para tanto,</p><p>Meillassoux volta-se exatamente ao ponto de partida de toda tradição</p><p>linguística: Kant. Meillassoux nomeia correlacionismo as correntes filo-</p><p>sóficas que reduzem a experiência filosófica àquela viável por meio da</p><p>correlação entre humano e mundo. O que as caracteriza é a primazia da</p><p>correlação sobre o em si da própria coisa, abandonando-se a pretensão do</p><p>pensamento absoluto. Mesmo que essa correlação não se baseie na relação</p><p>sujeito/objeto, permanece a primazia da relação entre homem e ser.</p><p>Contra essa tradição, Meillassoux apresenta o caso do arquifóssil.</p><p>Baseando-se na medição da radioatividade do urânio, é possível saber a</p><p>época de existência de fósseis milhares de anos anteriores ao surgimento</p><p>do humano. Esse seria o problema da ancestralidade: como explicar isso</p><p>com o correlacionismo? Para um correlacionismo metafísico, a correlação</p><p>seria eternizada, hipostasiada (testemunho ancestral de um Deus atento).</p><p>Para o correlacionismo estrito, contudo, a solução anterior é inadmissível,</p><p>mas também o enunciado fora de nós mesmos (antes do aparecimento do</p><p>humano) torna-se ilegítimo. Por isso, ele não rejeitaria o arquifóssil e o</p><p>enunciado ancestral, mas acrescentaria ao final: para o homem. O realismo</p><p>científico, portanto, o correlacionista não pode aceitar. O que nós faríamos aí,</p><p>na realidade, é uma reprojeção do passado no presente. Meillassoux, no en-</p><p>tanto, pontua que o enunciado ancestral não tem significado que não o</p><p>literal. No problema ancestral o correlacionismo (idealismo transcendental)</p><p>converge com o idealismo subjetivo (e com o criacionismo!).</p><p>O postulado ontológico dos modernos seria o seguinte: ser é ser um</p><p>correlato – e ele tem que ser rompido. A ciência, por outro lado, permitiria</p><p>acessar o absoluto. Teríamos que retomar a diferença cartesiana entre qua-</p><p>lidades primárias e secundárias sem o fundamento da prova ontológica de</p><p>correio APPOA l dezembro 201220.</p><p>temática.</p><p>Deus, que Kant teria refutado. Meillassoux diferencia a metafísica (dogmática)</p><p>do especulativo. O filósofo não pretende abdicar da desabsolutização da</p><p>metafísica do pensamento contemporâneo pós-kantiano, mas encontrar uma</p><p>necessidade absoluta que não corresponda a um ente. O correlacionismo</p><p>partiria do princípio da faticidade para rechaçar a metafísica dogmática e</p><p>sua estrutura ordenada do real a partir de formas a priori necessárias, mas,</p><p>de outra parte, reconheceria limites para a racionalidade, impossibilitando</p><p>a transgressão de fronteiras que o pensamento – enquanto finito – teria que</p><p>conviver. Com isso, acabaria cúmplice do fundamentalismo religioso (por</p><p>não poder o refutar), figurando como espécie de cético-fideísmo (Meillassoux,</p><p>2006, p. 39-88).</p><p>Assim, Meillassoux propõe um salto especulativo sobre o correlacio-</p><p>nismo postulando que a ignorância da razão não constitui um fato nega-</p><p>tivo, um limite,</p><p>mas um saber positivo, a afirmar que a irrazão é a única</p><p>regra da realidade. A ausência de razão última nas coisas é uma proprieda-</p><p>de real de todo ente – a título de poder sem razão devir totalmente outro</p><p>(contingência). A irrazão, portanto, é uma propriedade ontológica absoluta,</p><p>e não a marca da finitude do nosso saber. Isso seria um conhecimento</p><p>absoluto, não correlacional, da realidade. A partir disso, Meillassoux passa</p><p>a traçar sua ontologia da necessidade da contingência, isto é, que a única</p><p>coisa necessária é precisamente a possibilidade de que tudo pode ser outro</p><p>em relação ao que é (Meillassoux, 2006, p. 108). Meillassoux utiliza a teoria</p><p>dos conjuntos de Cantor – inspirado em Alain Badiou – para provar que a</p><p>realidade é intotalizável e elaborar uma espécie de prova matemática da</p><p>contingência da realidade. Com isso, o filósofo francês de certo modo radi-</p><p>caliza as teorias da alteridade a partir de um referencial matemático, fazen-</p><p>do uma fundamentação ultra-racionalista do totalmente outro.</p><p>3. Mais radical que Meillassoux é Ray Brassier, que em seu livro Nihil</p><p>unbound: enlightenment and extintion inverte o argumento do arquifóssil</p><p>e, em vez de postular a prova da ancestralidade, postula exatamente o con-</p><p>trário, isto é, nossa consciência absoluta da extinção. Pela extinção inevitá-</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .21</p><p>Fim do mundo.</p><p>vel seria possível ao humano alcançar um ponto do conhecimento acima de</p><p>qualquer faticidade determinada ou da correlação, coincidindo com isso o</p><p>desencantamento próprio da consciência iluminista que avança sempre na</p><p>direção do nonsense das coisas. Contra Jacobi (o primeiro crítico de Kant),</p><p>propõe que o niilismo não seria uma exacerbação do subjetivismo, mas o</p><p>contrário: supremo realismo, o corolário inevitável de uma realidade inde-</p><p>pendente da nossa mente. Assim, Brassier propõe que não consideremos o</p><p>niilismo como algo a ser corrigido ou refutado, mas, destruindo nossa</p><p>autoimagem tradicional, que observemos como a gradual força da razão que</p><p>corresponde ao desencantamento nos encaminha ao fundo vazio do uni-</p><p>verso ao nosso redor (Brassier, 2010, p. 21).</p><p>4. Esses dois filósofos do chamado realismo especulativo, efetivamente</p><p>os quadros mais sombrios da virada ontológica, poderiam traduzir para a</p><p>filosofia o retorno do recalcado desde a cesura kantiana entre o mundo da</p><p>liberdade, esfera propriamente humana, e o mundo da necessidade, na-</p><p>tureza de inspiração newtoniana. De certa forma, a atitude de buscar o</p><p>pensamento absoluto – abstraída a polêmica necessária em torno do des-</p><p>cabimento de retornar a um fundacionismo e não falibilismo e da própria</p><p>legitimidade do rótulo correlacionismo2 – está ligada mais ao drama exis-</p><p>tencial humano de um mundo que, colocado entre parêntesis na reflexão</p><p>dialógica intersubjetiva típica do século XX – retorna a partir de uma crise</p><p>ambiental cujas possibilidades catastróficas exigem efetivamente uma outra</p><p>matriz que não a antropocêntrica para ser pensada. Como mostra a película</p><p>Melancholia, de Lars Von Trier, não faz muita diferença estar conversando</p><p>ou não quando o mundo está prestes a acabar.</p><p>O sonho narcísico da conquista da natureza – que pode talvez ser</p><p>traduzido pela identificação entre sujeito e substância de Hegel no saber</p><p>absoluto – vê-se interrompido por uma vingança do ecossistema em rela-</p><p>2 Por exemplo, conferir GABRIEL, Markus.Transcendental Ontologies: essays on German idealism. London/New York: Continuum,</p><p>2011, pp. vii-xxxii; NUNES, Rodrigo. What are post-critical ontologies? Disponível em <http://materialismos.wordpress.com>.</p><p>Acesso em 27-10-2012.</p><p>correio APPOA l dezembro 201222.</p><p>temática.</p><p>ção àquele personagem que pode ultrapassar os limites termodinâmicos</p><p>para sua sobrevivência no Planeta. Não o fim da história, com os sujeitos</p><p>humanos tomando chá em postura blasé diante da completude do pensa-</p><p>mento, mas o fim do mundo, isto é, das condições materiais estruturantes</p><p>para que o pensamento possa existir enquanto propriedade de seres finitos.</p><p>Também por isso a virada ontológica é predominantemente materialista, o</p><p>que significa dizer que reconhece a finitude da matéria existente e, por-</p><p>tanto, reage à metafísica infinitista do consumo ilimitado. As ciências natu-</p><p>rais, alvos do ataque permanente na filosofia de tradição kantiana, agora</p><p>aparecem como matrizes calculadoras necessárias para estimar a possibili-</p><p>dade de sobrevivência da Terra (ou no mínimo do ser humano na Terra,</p><p>caso ela resolva livrar-se de nós)3.</p><p>A psicanálise já tem um belo arcabouço teórico para lidar com essas</p><p>situações de crise em que se introduz no cenário um outro insuportável</p><p>que perturba todo quadro instituído: trata-se simplesmente do pensamento</p><p>do trauma4, que exige um trabalho de memória permanente a fim de torná-</p><p>lo suportável. Atualmente, vivemos o trauma da reemergência da natureza,</p><p>o que significa dizer que o retorno do recalcado dessa ligadura problemá-</p><p>tica entre humano e natureza, negada narcisicamente por Francis Bacon e</p><p>suspendida por Immanuel Kant, hoje demanda um trabalho necessário para</p><p>que possamos lidar com o problema ecológico de modo realmente sério,</p><p>isto é, para que não permitamos o fim do mundo por efeitos antrópicos. O</p><p>desequilíbrio que esse trauma produz nos nossos quadros intelectuais</p><p>antropocêntricos demanda uma ruptura com o humanismo, matriz ético-</p><p>política estruturante da civilização ocidental, e com o desenvolvimentismo,</p><p>matriz econômico-tecnológica do capitalismo. O trabalho da contração</p><p>civilizacional deve começar, substituindo, como afirma Eduardo Viveiros</p><p>3 Sobre o tema, conferir DANOWSKI, Deborah.O hiperrealismo das mudanças climáticas e as várias faces do negacionismo. Sopro</p><p>70, Abril/2012. Disponível em < http://culturaebarbarie.org/sopro>. Acesso em 27-10-12.</p><p>4 O próprio Ray Brassier invoca, na conclusão do seu Nihil Unbound, a questão do trauma como um “excesso sem ligação” (p. 238).</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .23</p><p>Fim do mundo.</p><p>de Castro, a necessidade extensiva pela suficiência intensiva – exemplifi-</p><p>cada pelo perspectivismo multinaturalista ameríndio (Viveiros de Castro,</p><p>2011). Como sintetiza o antropólogo em outro lugar, trata-se de parar de</p><p>escrever a prosa do mundo para, reforçando a capacidade sintética do</p><p>nosso etograma, fazer a poesia do mundo (Viveiros de Castro, 2012). A</p><p>economia do excesso, da potência, da desterritorialização e do dispêndio,</p><p>tida como contraponto ao utilitarismo vazio de experiência da cultura</p><p>burguesa, hoje é o quadro dominante do próprio capitalismo, tendo sido</p><p>apropriada pelo frenesi do consumo que faz uso da perversão como seu</p><p>modo de existência fundamental. Em resposta a ela e ultrapassando o</p><p>horizonte das filosofias do diálogo intersubjetivo, é preciso começar a</p><p>pensar esse movimento de contração que identificaríamos finalmente –</p><p>levando em consideração a tríplice dimensão que Félix Guattari observou</p><p>em As Três Ecologias – com a emergência de uma ecologia do cuidado</p><p>(Guattari, 2012).</p><p>Referências bibliográficas</p><p>AGAMBEN, Giorgio. Lo Abierto: el hombre y el animal. Trad. Flavia Costa e Edgardo Castro. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2007</p><p>BRASSIER, Ray. Nihil unbound: enlightement and extinction. Hampshire: Palgrave, 2007.</p><p>BRYANT, Levy, SRNICEK, Nick e HARMAN, Graham. Towards a speculative philosophy. In: The Speculative Turn: continental</p><p>materialism and realism. Melbourne: re.press, 2011.</p><p>GUATTARI, Félix. RaSTROS, Economia da potência, ecologia do cuidado. n. - 1. Disponível em < http://culturaebarbarie.org/</p><p>rastros/>. Acesso em 27-10-12.</p><p>MEILLASSOUX, Quentin. Après la finitude: essai sur la nécessité de la continenge. Paris: Éditions du seuil, 2006.</p><p>VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Desenvolvimento econômico e reenvolvimento cosmopolítico: da necessidade extensiva à sufi-</p><p>ciência intensiva. Sopro 51, Maio/2011. Disponível em <http://culturaebarbarie.org/sopro/outros/transformacoes.html>.</p><p>VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Mal-Estar na Natureza. Disponível</p><p>em < http://culturaebarbarie.org/atoa/2012/06/atoa-na-terraterra-</p><p>audios.html>. Acesso em 27-10-12.</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .25</p><p>debates.</p><p>Ambivalência do feminino:</p><p>uma consequência freudiana</p><p>na obra de Marguerite Duras1</p><p>Maria Rosane Pereira</p><p>Seule l’écriture est plus forte que la mère.2</p><p>Meu propósito de refletir aqui sobre a obra de Marguerite Duras, privi-</p><p>legiando seu romance O amante, de 1984, vem do fato de me parecer que</p><p>ela nos permite atualizar, sob o viés da ambivalência das relações mãe-filha,</p><p>algumas proposições de Freud em seu texto sobre as Consequências psí-</p><p>quicas da diferença anatômica entre os sexos. E também, porque a leitura</p><p>1 Texto extraído da intervenção no encontro Relendo Freud, em Gramado, em 25.08.2012, na qual foram apresentadas e propostas</p><p>ao debate considerações teóricas sobre o texto de Freud, objeto do encontro, bem como vinhetas clínicas que poderiam ser</p><p>debatidas a partir das considerações aqui colocadas.</p><p>2 Somente a escrita é mais forte do que a mãe. Marguerite Duras, em entrevista concedida à Bernard Pivot no programa Apostrophe,</p><p>na emissora francesa Antenne 2 de Lyon-Fr., na edição de 28.09.1984.</p><p>correio APPOA l dezembro 201226.</p><p>temática.</p><p>assim atualizada desse texto de Freud nos permite pensar em vários inter-</p><p>rogantes sobre a feminilidade, tal qual ela nos aparece hoje na clínica.</p><p>A título de introdução, cabe lembrar que nos anos oitenta, líamos</p><p>muito O deslumbramento de Lol V. Stein, influenciados pela homenagem</p><p>que Lacan fez a Duras em 1965 por esta obra, e onde ele faz questão de</p><p>dizer: “Ela sabe, sem mim, o que eu ensino” (Lacan, 2001). Por sua vez,</p><p>Duras vai comentar esse texto de Lacan, dizendo: “Ele me fez repensar o</p><p>que eu escrevo, pois do que ele disse a respeito de minha obra, eu nada</p><p>sabia. Lacan me faz pensar que realmente uma mulher nunca sabe o que</p><p>diz” (Duras, 1993).</p><p>Depois de Lacan, vários analistas se interessaram pela obra de Duras,</p><p>escreveram sobre ela. Entre esses autores, encontra-se Julia Kristéva, que</p><p>reservou o último capítulo de seu livro Sol Negro – Depressão e Melancolia</p><p>para falar de Marguerite Duras: A doença da dor e da morte (A dor, foi um</p><p>dos grandes romances de Duras, e A doença da Morte um poema em prosa</p><p>que marcou época nos anos oitenta).</p><p>O que extraí dessa leitura, é que a obra de Duras caminha na direção</p><p>inversa à da clínica, já que é uma literatura que em nada se propõe a ser</p><p>catártica para nós leitores. Forma e fundo concorrem pra isso. A narrativa é</p><p>angustiante, mesmo desajeitada, completamente avessa à qualquer parâ-</p><p>metro dos cânones literários. A leitura dela nos toma em cativeiro, ficamos</p><p>deslumbrados, como Lacan diz ter ficado, com a dor e a morte que ali se</p><p>encerram. Ainda assim, podemos dizer também que ela anda lado a lado</p><p>com a clínica, pois nos coloca de maneira radical diante dos impasses da</p><p>experiência humana com relação ao desejo.</p><p>Nas suas tramas, a relação mãe-filha é particularmente violenta, passio-</p><p>nal e perversa. O que ocupa o lugar da feminilidade perdida ou denegada</p><p>da mãe – de ser desprovida de falo – é a infelicidade, o luto, a solidão.</p><p>Talvez por isso, um traço comum entre várias personagens de Duras</p><p>seja o da apatia, da inacessibilidade ao desejo e o sofrimento. Elas circulam</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .27</p><p>Fim do mundo.</p><p>entre os homens, entre as coisas, entre as palavras, como signos. Suicidas,</p><p>autodestrutivas, indiferentes, loucas e malditas.</p><p>É assim com a mãe louca e onipotente de Barragem contra o pacífico,</p><p>com a Elisa de Détruire-dit-elle, com Anne Desbarredes de Moderato</p><p>Cantabile, etc.</p><p>E em nosso deslumbramento de leitores, segundo Julia Kristéva,</p><p>Uma sombria e ao mesmo tempo leve porque distraída, cumpli-</p><p>cidade com a doença da dor e da morte se desprende da escritura</p><p>de M. duras. Ela nos leva a radiografar nossas loucuras, a borda</p><p>perigosa onde desmorona a identidade do sentido, da pessoa e da</p><p>vida. Com Duras, temos a loucura em plena luz: ‘Fiquei louca em</p><p>plena razão’. (Duras, 1984, p. 105-106).</p><p>Estamos presentes no nada do sentido e dos sentimentos cuja extin-</p><p>ção a lucidez acompanha, e assistimos a nossos próprios desamparos</p><p>neutralizados, sem tragédia nem entusiasmo, claramente, na insignificân-</p><p>cia frígida de uma letargia psíquica, sinal mínimo, mas também último, da</p><p>dor e do deslumbramento.</p><p>“(...) Com essa sede de dor que vai até a loucura, Duras nos revela a</p><p>graça de nossos desesperos mais tenazes, os mais rebeldes à fé, os mais</p><p>atuais’’ (Kristéva, 1987, p. 236-244).</p><p>Com efeito, a mãe da adolescente de O amante escancara sua loucura</p><p>de maneira espetacular, adquirindo quase um valor de arquétipo das mu-</p><p>lheres loucas que povoam o universo literário de Duras. “Eu vejo que mi-</p><p>nha mãe é claramente louca (...) De nascimento. No sangue. Ela não estava</p><p>doente de sua loucura, ela a vivia como a saúde’’ (Duras, 1984, p. 40).</p><p>A jovem sem nome de O amante é uma das personagens mais ambi-</p><p>valentes da obra de Duras. Adolescente de menos de dezesseis anos, ela</p><p>sai de casa para tomar seu barco e ir ao liceu de Saigon com os sapatos de</p><p>baile e o vestido usado, transparente e decotado da mãe, com o cinto de seu</p><p>correio APPOA l dezembro 201228.</p><p>temática.</p><p>irmão e um chapéu masculino – presente da própria mãe. É vista por todos</p><p>como “a jovem prostituta branca do porto de Sadac’’.</p><p>Podemos dizer que nesta trama, a morte do pai arrasta a família a uma</p><p>decadência econômica, social e moral. O irmão mais velho, drogado de</p><p>ópium, com dívidas que não consegue pagar e sem trabalho, a mãe viven-</p><p>do da parca renda de professora primária, o irmão mais novo ainda sem</p><p>idade nem vitalidade física ou psíquica para trabalhar.</p><p>Isso não impede que o encontro, no porto de Sadac, da jovem com o</p><p>amante chinês – que tem o dobro de sua idade, pertence à classe dos ricos</p><p>comerciantes e com quem ela vai se prostituir – provoque uma espécie de</p><p>vendaval devastador na relação dela com sua mãe e seus irmãos. É neste</p><p>ponto onde a ambivalência da mãe vai tomar um relevo particular, é na sua</p><p>atitude com relação à prostituição da filha com o homem chinês onde ela</p><p>mais se manifesta, promovendo uma espécie de reciprocidade de gozo das</p><p>duas. À fúria desencadeada da mãe, responde a filha odiosa e amorosa,</p><p>maravilhada: “Nas crises minha mãe se joga sobre mim, me tranca no quar-</p><p>to, me dá socos, me esbofeteia, me tira a roupa, ela se aproxima de mim, ela</p><p>cheira meu corpo, minha lingerie, ela diz que sente o cheiro do homem</p><p>chinês’’ (Duras, 1984, p. 68).</p><p>Ao mesmo tempo, a mãe lhe compra acessórios e lhe dá seus vestidos</p><p>de mulher para vestir. E ainda vai dizer, a respeito de sua filha e das</p><p>dificuldades pelas quais a família passa: “Tem essa menina que está cres-</p><p>cendo e que logo vai saber como é que se traz dinheiro para casa” (Duras,</p><p>1984, p. 63).</p><p>E também, ela não vai hesitar em ir ao pensionato do liceu convencer a</p><p>diretora a autorizar sua filha a dormir fora quantas noites queira, alegando</p><p>seu espírito independente. Nas calorosas discussões animadas pelo irmão</p><p>mais velho, quando a mãe a insulta e a chama de prostituta dizendo que vai</p><p>colocá-la para fora de casa, que uma cadela é mais decente do que ela, a</p><p>jovem – como que assumindo uma certa dose de sua própria ambivalên-</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .29</p><p>Fim do mundo.</p><p>cia – nega veementemente qualquer contato sexual com seu amante chi-</p><p>nês, reconhecendo nele apenas um amigo.</p><p>Além de dessexualizar, junto a sua família, seus encontros com o</p><p>amante chinês, quando está com ele ela não tem nenhum interesse pelo</p><p>amor que ele sente por ela, chegando mesmo a lhe dizer: “Eu preferia que</p><p>você não me amasse” (Duras, 1984, p. 116). Ou ainda : “gosto de pensar</p><p>que você tem muitas mulheres, que eu sou uma entre elas” (Duras, 1984,</p><p>118). E a narradora não tem a menor dificuldade em dizer que “ele estava</p><p>tomado por um abominável amor” (Duras, 1984, p. 119).</p><p>Em vários momentos de suas conversas poderíamos dizer que ela o</p><p>feminiza. Ela</p><p>mesma diz dele, ao vê-lo em sua amargura e tristeza pro-</p><p>fundas: “... ele estava fraco, curvado, sem nenhuma virilidade’’. E há</p><p>ainda o cuidado materno que ele toma gosto em exercer com ela. Depois</p><p>do amor, ele a coloca na bacia e a lava com o jarro d’água, parte por parte</p><p>de seu corpo. Em seguida, a leva em seus braços para a cama, tal qual uma</p><p>mãe o faria para enxugar seu bebê. Então ela lhe fala de sua tristeza, de</p><p>suas desventuras em família, de seu desejo de escrever, rechaçado e con-</p><p>siderado derisório pela mãe. Ele lhe pergunta sobre o que ela gostaria de</p><p>escrever, ela lhe responde que sobre sua mãe, sobre a tristeza de sua mãe</p><p>e a de seu irmão menor, sobre a canalhice de seu irmão mais velho, sobre</p><p>a saga dessa família que era a sua.</p><p>Porém, à parte esses momentos de imensa ternura entre os dois, ela</p><p>reafirma sua recusa ao amor dele, sua posição obstinada. Bancar a prosti-</p><p>tuta e bancar o homem parecem andar de par, no projeto feminino dessa</p><p>adolescente sobre a qual inevitavelmente nos perguntaremos se ela estaria,</p><p>com isso, reintegrando a mãe, encarnando a mãe para quem sabe ressus-</p><p>citar dela a feminilidade perdida.</p><p>No romance dessa família sem lei, fora da lei, a paixão incestuosa pode</p><p>ter lugar – a exemplo da mãe com o irmão mais velho, da jovem com sua</p><p>mãe, com seu irmão mais novo e mesmo dela com seu amante chinês, pois</p><p>correio APPOA l dezembro 201230.</p><p>temática.</p><p>ela diz: ‘’é com sua filha que ele faz amor toda noite. Ele a toma como ele</p><p>tomaria sua filha. Ele brinca com o corpo de sua filha.’’ (Duras, 1984, p.</p><p>108). Neste contexto, a morte se instala como desejo. Ela tem desejo de</p><p>matar o irmão mais velho, que a mãe ama apaixonadamente, para punir a</p><p>mãe por seu desamor por ela. A vida cotidiana é marcada por esse desejo</p><p>de morte: “Cada dia tentamos nos matar. Matar” (Duras, 1984, p. 123).</p><p>A morte acaba por se impor à possibilidade do amor. Entre a jovem e</p><p>seu amante chinês, acontece uma desconcertante disparidade de sentimen-</p><p>tos. Diante da interdição colocada pelo pai do amante em função das tra-</p><p>dições chinesas, ele fica arrasado, aniquilado. Mas é a impossibilidade e a</p><p>impassibilidade amorosa da jovem o que mais o destrói. Ela vai ao ponto</p><p>de dizer-lhe que pensa como o pai dele. Pouco antes da separação, ela</p><p>identifica nele a dor dessa impossibilidade de ser amado por ela, de vive-</p><p>rem juntos. Ela diz: “Ele não falava dessa dor, ele jamais havia dito algo</p><p>dela. (...) Daria para dizer que ele amava essa dor, que ele a amava como ele</p><p>me havia amado, com muita força, talvez ao ponto de morrer, e que agora</p><p>ele a preferia a mim’’ (Duras, 1984, p. 128).</p><p>Durante a travessia de retorno à França, dentro do navio, ela ouve de</p><p>repente, uma valsa de Chopin que ela passara a infância tentando aprender</p><p>a tocar sem jamais conseguir. Então, subitamente, ela se deixa tocar por um</p><p>possível sentimento de amor pelo amante chinês. Penetrada pela música</p><p>que parece invadir todos os espaços, ela finalmente chora a perda deste</p><p>homem que ela talvez tenha amado mais do que ela supunha.</p><p>O romance se termina com os anos passados, a guerra, divórcios,</p><p>crianças, e os livros que ela escreveu. Um dia ele telefona, ele sabe que ela</p><p>é uma escritora. Ele diz que sempre a amou, que jamais deixou de amá-la,</p><p>que vai amá-la até o dia de sua morte.</p><p>A narrativa deixa entrever que naquela travessia de navio para a Fran-</p><p>ça, naquela dor, se colocou a escrita como algo impossível de não ser feito</p><p>– algo do desejo dela parece ter se articulado com a perda dele, com um</p><p>luto – e esse parece ser o caminho de acesso à feminilidade da personagem,</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .31</p><p>Fim do mundo.</p><p>que vemos passar da valsa de Chopin a toda uma vida de perdas, ganhos e</p><p>livros escritos. Pois escrever, afinal, não deixa de ser uma posição de ser</p><p>penetrável pelo olhar e pela subjetividade do outro.</p><p>E mesmo se nada no texto de Duras nos diz que haveria, na possibili-</p><p>dade da escrita, uma solução para a doença da dor e da morte, podemos</p><p>pelo menos entrever alguma brecha, alguma trégua neste sofrimento. Escre-</p><p>ver é, em alguma medida, sair da ambiguidade, se deixar “envelhecer”,</p><p>como diz a narradora nas primeiras linhas do romance. Se do ponto de</p><p>vista clínico, isso não indicaria necessariamente alguma saída para o sujei-</p><p>to em sofrimento, do ponto de vista literário pode significar uma barragem</p><p>contra a dor da qual emanaria um gozo mortífero.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>DURAS, Marguerite. Destruir, diz ela. Lisboa: Livros do Brasil, 1988.</p><p>_________. Détruire, dit-elle. Paris: Ed. de Minuit, 1969.</p><p>_________. Écrire. Paris: Éd. Gallimard, 1993.</p><p>_________. L´Amant. Paris: Éd. De Minuit, 1984.</p><p>_________. Moderato Cantabile. Rio de Janeiro: Ed. José Olímpio, 1985.</p><p>_________. Moderato cantábile. Paris: Ed. de Minuit, 1958.</p><p>_________. Uma barragem contra o Pacífico. Rio de Janeiro: Ed. Siciliano, 2008.</p><p>_________. Un barrage contre le Pacifique. Paris: Ed. Gallimard, 1950.</p><p>FREUD, Sigmund. Algumas conseqüências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos (1925). In: Obras psicológicas com-</p><p>pletas. Rio de Janeiro: Ed. Standard, Imago, vol. XIX, 1996.</p><p>KRISTÉVA, Júlia, Sol negro – depressão e melancolia. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1989.</p><p>_________. Soleil Noir – dépression et mélancolie. Paris: Gallimard, 1987.</p><p>LACAN, Jacques. Hommage à Marguerite Duras par Le ravissement de Lol V. Stein, (1965). Autres écrits. Paris: Éd. Du Seuil, 2001.</p><p>_________. Homenagem à Marguerite Duras pelo Deslumbramento de Lol V. Stein. Outros escritos. Rio de Janeiro: Ed. Jorge</p><p>Zahar, 2002.</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .33</p><p>resenha.</p><p>Casas</p><p>Sunset Park</p><p>Auster, Paul</p><p>Companhia das Letras, 2012, 280 p.</p><p>Sunset Park de Paul Auster é um livro sobre casas (entre outros temas).</p><p>O mote da história é o encontro circunstancial de quatro pessoas que se</p><p>mudam para uma casa abandonada em Sunset Park, bairro pobre do</p><p>Brooklyn. O que une estes personagens é a falta de grana e seus problemas</p><p>para encontrar onde morar. A história se passa em 2008, ano de crise norte-</p><p>americana, quando colapsa o crédito imobiliário.</p><p>O personagem central, Miles Heller, mora na Flórida e executa um</p><p>trabalho peculiar: faz parte de uma equipe que tem por função esvaziar as</p><p>casas que foram penhoradas. Seus ex-moradores foram obrigados a deixar</p><p>as casas subitamente e a contragosto. Assim, as casas restam cheias de</p><p>objetos, com ou sem valor. Cabe à equipe recolher estes restos, em casas</p><p>onde não raro são encontrados dejetos deixados no meio da sala, comida</p><p>correio APPOA l dezembro 201234.</p><p>resenha.</p><p>podre na cozinha, objetos estragados de propósito, efeitos de violenta rea-</p><p>ção ao despejo forçado. Mas Miles não só recolhe os restos, lhe interessa</p><p>registrá-los: fotografa o que foi deixado pra trás, o que foi abandonado.</p><p>É que Miles penhorou sua própria vida: acredita-se culpado pela</p><p>morte de seu irmão “postiço”, filho da segunda esposa de seu pai. Depois</p><p>dessa morte, a convivência com o pai e a madrasta torna-se insuportável,</p><p>e então ele parte para uma vida itinerante pelos Estados Unidos, abando-</p><p>nando sua casa e deixando tão somente um bilhete de despedida. Miles</p><p>fotografa os restos do abandono dos outros, busca fazer registro do que ele</p><p>mesmo deixou pra trás. Em função de algumas circunstâncias (não vou me</p><p>estender aqui) ele volta a sua cidade, indo morar na casa de Sunset Park,</p><p>ocupando ilegalmente o território que era seu. Nesse momento constrói a</p><p>possibilidade de reaproximar-se, depois de sete anos sem qualquer contato</p><p>com o pai.</p><p>O livro de Paul Auster me ajudou a pensar sobre o tema das casas. Elas</p><p>sempre me interessaram, pelo que nos fazem saber de seus moradores. Ao</p><p>habitar uma casa imprimimos nela um jeito de viver que diz sobre como</p><p>somos, casas são espécimes arquitetônicos de nós mesmos. Conhecer uma</p><p>casa é como conhecer o outro além do que ele pode dizer de si: ao visitá-la</p><p>podemos adivinhar trajetos que o sujeito ali traça, vislumbrar lembranças,</p><p>descobrir</p><p>preferências. À noite, tempo de parar, seguido me pego olhando</p><p>edifícios e casas à minha volta, e penso o que acontece por detrás de cada</p><p>janela: voyeurismo? Talvez. Era de se esperar, em se tratando de alguém</p><p>que ouve histórias durante todo o dia, histórias várias. Os psicanalistas</p><p>participam, a seu modo, dos bastidores das vidas de seus analisantes.</p><p>Se a casa é a tentativa de configurar um lugar físico, ela nos serve para</p><p>pensar o trabalho de estabelecer um lugar psíquico. Em casa nos fazemos</p><p>senhores de um pequeno reino, tentando diariamente ali estabelecer um</p><p>lugar para estar. Pois Sunset Park faz pensar também no lugar que habita-</p><p>mos psiquicamente, lugar além da casa. O pai de Miles Heller sofre com a</p><p>ausência do filho, e sua mulher sente-se magoada com Miles, pelo abando-</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .35</p><p>Fim do mundo.</p><p>no e sofrimento que promove com sua ausência. Ela vê na atitude dele um</p><p>gesto de desconsideração a ela e ao marido, e recusa-se a compreendê-lo. E</p><p>eis que Miles retorna, reaproxima-se do pai, e ela segue sem querer vê-lo,</p><p>sem querer saber dele. Ao deparar-se com essa situação, o pai de Miles se</p><p>vê entre o filho e a mulher, sendo evidente pra ele que não pode deixar nem</p><p>um nem outro. São as pessoas que mais ama na vida, e ele se vê tendo de</p><p>habituar-se a viver em lugar nenhum.</p><p>Habitamos um lugar psíquico. Lugar, essa palavra que nós psicana-</p><p>listas usamos com tanta frequência, tenta situar uma posição, um endereço</p><p>a partir do qual falamos, a partir do qual nos posicionamos, nossas coor-</p><p>denadas. O pai de Miles se vê sem lugar nenhum, tendo que oscilar entre</p><p>seus dois amores para poder, em cada um desses lugares – o de pai e o de</p><p>marido – ser.</p><p>São vários os lugares que podemos habitar, e ao mesmo tempo somos</p><p>todos homeless. Somos um e somos muitos, por mais desconfortável que</p><p>isso possa nos parecer. Um é o marido, outro é o pai, outro é o amigo, outro</p><p>ainda é o profissional, e mais outro é o cidadão no balcão da lavanderia.</p><p>Ainda bem que não estamos sempre expostos em nossa intimidade, e que</p><p>podemos poupar os outros de nós mesmos! E de nada adianta tentarmos</p><p>ser um só, habitar uma única casa – o tempo do único lugar ficou pra trás,</p><p>na primeira casa, o corpo da mãe.</p><p>Resta conformar-se ao incômodo de nossas várias faces, considerar as</p><p>circunstâncias e procurar encontrar, de quando em vez, um lugar onde se</p><p>acomodar, um lugar a partir do qual possamos nos situar e falar. Nosso</p><p>abrigo pode ser em casa, mas também pode estar em outros tantos lugares,</p><p>como nas histórias que lemos, ouvimos, contamos e escrevemos, como no</p><p>corpo daquele que amamos, ou simplesmente sós, como no silêncio da</p><p>noite, olhando casas alheias, sonhando com as histórias que elas não nos</p><p>deixam entrever.</p><p>Marieta Madeira</p><p>dezembro 2012 l correio APPOA .37</p><p>agenda.</p><p>agenda</p><p>dia hora atividade</p><p>próximo número</p><p>07 e 21 14h Reunião da Comissão da Revista</p><p>07 16h30min Reunião da Comissão de Aperiódicos</p><p>03 e 17 20h30min Reunião da Comissão do Correio</p><p>06, 13 e 20 19h30min Reunião da Comissão de Eventos</p><p>06 21h Reunião da Mesa Diretiva</p><p>06 20h Reunião da Comissão da Biblioteca</p><p>01 10h Comissão do Serviço de Atendimento Clínico</p><p>dezembrodezembrodezembrodezembrodezembro . 20122012201220122012</p><p>eventos do ano</p><p>data evento local</p><p>06 de abril Jornada de abertura Plaza São Rafael – Porto Alegre – RS</p><p>18 de maio Jornada do percurso Sede da APPOA – Porto Alegre – RS</p><p>14, 15 e 16 de junho Relendo Freud Hotel Laje de Pedra – Canela – RS</p><p>23 e 24 de agosto Jornada do Instituto</p><p>APPOA Hotel Continental – Porto Alegre – RS</p><p>26 e 27 de outubro Jornada clínica Plaza São Rafael – Porto Alegre – RS</p><p>20132013201320132013</p><p>Psicanálise e Educação</p><p>normas editoriais do Correio da APPOA</p><p>O Correio da APPOA é uma publicação mensal, o que pressupõe um</p><p>trabalho de seleção temática – orientado tanto pelos eventos promovidos pela</p><p>Associação, como pelas questões que constantemente se apresentam na clí-</p><p>nica –, bem como de obtenção dos textos a serem publicados, além da tarefa</p><p>de programação editorial.</p><p>Tem sido nosso objetivo apresentar a cada mês um Correio mais elabo-</p><p>rado, quer seja pela apresentação de textos que proporcionem uma leitura</p><p>interessante e possibilitem uma interlocução; quer pela preocupação com os</p><p>aspectos editoriais, como a remessa no início do mês e a composição visual.</p><p>Frente à necessidade de uma programação editorial, solicitamos que se-</p><p>jam respeitadas as seguintes normas:</p><p>1) os textos para publicação na Seção Temática, Seção Debates, Seção</p><p>Ensaio e Resenha deverão ser enviados por e-mail para a secretaria da</p><p>APPOA (appoa@appoa.com.br);</p><p>2) a formatação dos textos deverá obedecer às seguintes medidas:</p><p>– Fonte Times New Roman, tamanho 12</p><p>– O texto deve conter, em média, 12.000 caracteres com espaço</p><p>– Notas de rodapé em fonte tamanho 10</p><p>3) as notas deverão ser incluídas sempre como notas de rodapé;</p><p>4) as referências bibliográficas deverão informar o(s) autor(es), título da</p><p>obra, autor(es) e título do capítulo (se for o caso), cidade, editora, ano, volume</p><p>(se for o caso);</p><p>5) as aspas serão utilizadas para identificar citações diretas;</p><p>6) citações diretas com mais de 3 linhas devem vir separadas do corpo do</p><p>texto, com recuo de 4 cm em relação à margem, utilizando fonte tamanho 10;</p><p>7) o itálico deverá ser utilizado para expressões que se queira grifar, para</p><p>palavras estrangeiras que não sejam de uso corrente ou títulos de livros;</p><p>8) não utilizar negrito (bold) ou sublinhado (underline);</p><p>9) a data máxima de entrega de matéria (textos ou notícias) é o dia 05,</p><p>para publicação no mês seguinte;</p><p>10) o autor, não associado a appoa, deverá informar em uma linha como</p><p>deve ser apresentado. A Comissão do Correio se reserva o direito de sugerir</p><p>alterações ao(s) autor(es) e de efetuar as correções gramaticais que forem neces-</p><p>sárias para a clareza do texto, bem como se responsabilizará pela revisão das</p><p>provas gráficas;</p><p>11) a inclusão de matérias está sujeita à apreciação da Comissão do</p><p>Correio e à disponibilidade de espaço para publicação.</p><p>Faça já suas assinaturas Correio da APPOA</p><p>3 11 edições temáticas por ano.</p><p>3 Notícias.</p><p>3 Agenda dos eventos do mês.</p><p>e Revista da APPOA</p><p>3 2 edições por ano</p><p>Para receber a Revista e (ou) o Correio da APPOA, preencha o cupom</p><p>abaixo e remeta-o para:</p><p>ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE</p><p>Rua Faria Santos, 258 – Bairro Petrópolis</p><p>90670-150 – Porto Alegre RS</p><p>Tel.: 3333 2140 Fax: 3333 7922 E-mail: appoa@appoa.com.br</p><p>NOME:________________________________________________________</p><p>ENDEREÇO: _________________________________________________</p><p>CEP:________________ CIDADE: __________________ UF: __________</p><p>FONE: ______________________FAX:_____________________________</p><p>E-MAIL:______________________________________________________</p><p>INSTITUIÇÃO: _________________________________________________</p><p>Sim, quero receber as publicações da APPOA, nas condições abaixo:</p><p>( ) Assinatura em conjunto:</p><p>Revista (2 exemplares) e Correio da APPOA (11 exemplares) R$ 150,00</p><p>( ) Assinatura anual da Revista da APPOA (4 exemplares) R$ 120,00</p><p>( ) Assinatura anual do Correio da APPOA (11 exemplares) R$ 100,00</p><p>Promoção especial!</p><p>Assinando uma das propostas você receberá como cortesia o livro</p><p>“Narrativas do Brasil - Cultura e psicanálise” - Várias autores (294p.)</p><p>Data: ______/_____/2012</p><p>* O pagamento pode ser feito via depósito bancário no Banco Itaú, Bco. 341, Ag.</p><p>0604, C/C 32910-2. O comprovante deve ser enviado por fax, juntamente com o</p><p>cupom, ou via correio, com cheque nominal à APPOA.</p>

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