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<p>COMENTÁRIOS AOS ART. 5º DA</p><p>CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL</p><p>O Instituto da Prisão Civil na Constituição da República de 1988</p><p>Inciso LXVII - “Não haverá prisão civil por</p><p>divida, salvo responsabilidade pelo</p><p>inadimplemento voluntário e inescusável de</p><p>obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”</p><p>MAGNO GOMES DE OLIVEIRA</p><p>Bacharel em Direito pela UFC</p><p>Especialista em Direito Processual Civil pela UNIFOR</p><p>Especialista em Direito Processual Penal pela ESMEC</p><p>Mestre em Direito pela UFC</p><p>Professor da Fa7 e da ESMEC</p><p>Juiz de Direito – Titular da 3ª Vara Criminal de Caucaia</p><p>Passados quase 25 (vinte e cinco) anos da promulgação da</p><p>Constituição Federal Brasileira, o conteúdo do art. 5º, inciso LXVII permanece o</p><p>mesmo, contudo, sua interpretação jurisprudencial sofreu significativa alteração,</p><p>notadamente no que diz respeito à imposição de prisão civil ao devedor tido como</p><p>depositário infiel.</p><p>O tema ostenta clara relevância na medida em que envolve discussão</p><p>em torno do alcance e precedência dos direitos fundamentais da pessoa humana,</p><p>ainda que esta pessoa humana seja um devedor que tenha assumido e violado os</p><p>deveres inerentes à condição de fiel depositário.</p><p>Destaque-se que o Texto Constitucional proibiu expressamente a</p><p>prisão civil por dívida, mas cuidou em ressalvar duas hipóteses específicas, a saber,</p><p>aquela do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação</p><p>alimentícia e a do depositário infiel. E assim restaram pacíficas tanto a doutrina</p><p>quanto a jurisprudência pátria, chegando mesmo a ampliar a interpretação de quem</p><p>figuraria como depositário sujeito à sanção cominada.</p><p>Sucede que em virtude da incorporação do Pacto de São Jose da</p><p>Costa Rica no ordenamento jurídico brasileiro, que prevê a prisão exclusivamente</p><p>para o devedor de alimentos, foi deflagrada a polêmica especialmente em torno da</p><p>relação hierárquico-normativa entre os tratados internacionais e a Constituição.</p><p>O posicionamento do Colendo Supremo Tribunal Federal sempre foi no</p><p>sentido da admissibilidade da prisão civil do depositário infiel, uma vez que em sua</p><p>maioria entendiam os ministros integrantes da Corte que os tratados ocupavam o</p><p>papel de leis ordinárias, não podendo derrogar a constituição.</p><p>Nesse contexto surgiram duas questões principais, a saber, se a</p><p>legislação infraconstitucional poderia estender a figura do depositário infiel para os</p><p>casos de contratos de depósito atípico, e ainda se seria possível impor prisão civil ao</p><p>depositário infiel a partir de um contrato de depósito puro, propriamente dito,</p><p>conforme permitido excepcionalmente pela CF/88, uma vez que de acordo com o</p><p>Pacto de San José da Costa Rica somente permitia a prisão civil por dívidas do</p><p>inadimplente de obrigação alimentar.</p><p>Naturalmente se faz necessário esclarecer o alcance da expressão</p><p>“depositário infiel”, e no cumprimento desse objetivo se identificam três posições na</p><p>doutrina e jurisprudência, senão vejamos: a) a prisão do depositário infiel decorrente</p><p>dos contratos de depósito, b) a prisão do depositário infiel resultante dos contratos</p><p>de alienação fiduciária, e c) a prisão do depositário infiel judicial.</p><p>Pondere-se que o Texto Constitucional, ao estabelecer como exceção a</p><p>hipótese de prisão do depositário infiel considerou a noção de depósito como a</p><p>tradicionalmente construída, mesmo porque o entendimento em sentido contrário</p><p>extinguiria qualquer natureza garantidora do instituto.</p><p>Ora, se a Carta Magna estipulou duas hipóteses taxativas e exaustivas</p><p>de cabimento da prisão civil não seria possível admitir que a legislação</p><p>infraconstitucional alterasse o alcance dessas exceções.</p><p>Obviamente não se poderia admitir que a mera aposição do nome</p><p>“depósito” a situações que não veiculam o elemento nuclear desse instituto, tivesse</p><p>potencial para conferir-lhe os mesmos mecanismos de tutela excepcional que a</p><p>Carta Magna somente havia estipulado para duas situações excepcionalíssimas,</p><p>mesmo porque o contrato de depósito típico e o conceito de depositário infiel estão</p><p>previstos, respectivamente, nos arts. 627 e 652 do CCB, senão vejamos:</p><p>“Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto</p><p>móvel, para guardar, até que o depositante o reclame.</p><p>Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que</p><p>não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante</p><p>prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.”</p><p>Nesse contexto, depositário é todo aquele que recebe coisa móvel para</p><p>guardá-la e mantê-la assumindo a obrigação de devolvê-la quando isto lhe for</p><p>determinado, e se não a devolve passa a ser considerado infiel. Contudo, o</p><p>embróglio surge quando leis infraconstitucionais qualificam de depósito hipóteses</p><p>que não correspondem perfeitamente aquele núcleo conceitual, e por isso mesmo</p><p>não há outro caminho senão reconhecer a inconstitucionalidade de diplomas legais</p><p>leis que pretendem ampliar o conceito de depositário infiel para burlar os limites que</p><p>a Constituição Federal impôs à prisão civil.</p><p>A título de exemplo, convém trazer à colação a Lei nº 8.866/94, a qual</p><p>previu a figura do depositário de valores pertencentes à Fazenda Pública, e que foi</p><p>alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1055-7, o que gerou a suspensão de</p><p>alguns de seus artigos.</p><p>Por igual, há anos vinha sendo discutida a constitucionalidade da</p><p>prisão civil do devedor no contrato de alienação fiduciária firmado com amparo no</p><p>Decreto-Lei nº 911/69. Com efeito, para sermos fiéis à verdade na alienação</p><p>fiduciária em garantia não se tem um contrato de depósito propriamente dito, pois o</p><p>devedor fiduciante não está na situação jurídica de depositário, e por isso mesmo o</p><p>credor fiduciário não tem o direito de exigir do primeiro a entrega do bem, assim</p><p>como também não pode ostentar o rótulo de proprietário, eis que nem sequer pode</p><p>ficar com a coisa, mas apenas com o produto de sua venda deduzido o montante já</p><p>pago pelo devedor.</p><p>Além disso, há outro aspecto deveras controvertido no Decreto-Lei nº</p><p>911/69, o qual se refere à possibilidade ou não da prisão civil do devedor fiduciário</p><p>quando, convertida a ação de busca e apreensão em depósito, o bem não é</p><p>encontrado ou não se acha sob sua posse.</p><p>De fato, existem incontáveis decisões jurisprudenciais dos tribunais</p><p>estaduais e do próprio STJ no sentido de rechaçar a possibilidade de equiparação</p><p>do devedor fiduciário ao depositário infiel, mesmo porque o autointitulado Tribunal da</p><p>Cidadania há muito tempo já pacificou o entendimento de que não cabe a prisão civil</p><p>do devedor fiduciário por equiparação, sob o fundamento de que as hipóteses de</p><p>depósito atípico não estão inseridas na exceção constitucional restritiva de</p><p>liberdade, inadmitindo-se, dessa forma, a respectiva ampliação. Por consequência, o</p><p>STJ já vinha apregoando em seus julgados que a Lei nº. 4.728/65 e o Decreto-Lei</p><p>nº. 911/69 não foram recepcionados pela CF/88, e por isso mesmo seria</p><p>inadmissível a prisão civil dos inadimplentes alcançados por tais diplomas.</p><p>Contrariamente a tais entendimentos, o Colendo STF vinha declarando</p><p>ser perfeitamente possível a prisão civil do devedor fiduciante, nas condições</p><p>apontadass pelo Decreto-Lei nº 911/69. Com efeito, nossa Corte Constitucional</p><p>entendia que aquele ato constritivo de prisão civil se revestia de plena legitimidade</p><p>constitucional e não afrontava o sistema de proteção de direitos humanos, tendo em</p><p>vista que os tratados internacionais estariam necessariamente subordinados ao</p><p>Texto Constitucional. Por isso mesmo, o Colendo STF sustentava que a despeito da</p><p>vigência do Pacto de San José da Costa Rica seria possível impor a prisão civil do</p><p>depositário decorrente</p><p>do contrato de alienação fiduciária em garantia.</p><p>É certo que o Brasil é um dos signatários do Pacto Internacional dos</p><p>Direitos Civis e Políticos, elaborado em 1966, e que restou aprovado pelo Congresso</p><p>Nacional por meio do Decreto Legislativo nº. 226/91, ratificado por nosso país em 24</p><p>de janeiro de 1992, e adotado na legislação interna pelo Decreto Presidencial nº.</p><p>592/92. Por igual, o Brasil também é signatário da Convenção Americana de Direitos</p><p>Humanos, de 1969, mais conhecida como Pacto de San José da Costa Rica,</p><p>ratificada pelo Brasil sem qualquer reserva, e que foi aprovada pelo Decreto</p><p>Legislativo nº. 27/92, e incorporada pelo Decreto Presidencial nº. 678/92.</p><p>Frise-se que o aludido Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos</p><p>estatuiu em seu art. 11 que “ninguém poderá ser preso apenas por não poder</p><p>cumprir com uma obrigação contratual”. E no mesmo diapasão o Pacto de San José</p><p>da Costa Rica assim dispôs em seu art. 7º, in verbis:</p><p>“Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os</p><p>mandados de autoridade judiciária competente, expedidos em virtude</p><p>de inadimplemento de obrigação alimentar”.</p><p>Perceba-se que o questionado tratado internacional somente</p><p>excepcionou a possibilidade de prisão civil por dívida no caso do devedor de pensão</p><p>alimentícia, inadmitindo outras prisões civis da mesma natureza como, por exemplo,</p><p>do depositário infiel. E a partir de então se passou a questionar possibilidade de</p><p>prisão do depositário infiel, em qualquer hipótese.</p><p>Nesse contexto, e tomando como base os mencionados tratados</p><p>internacionais, não seria cabível sequer a prisão civil do depositário infiel, mesmo</p><p>nas hipóteses de contrato de depósito puro, propriamente dito, ainda que tal</p><p>exceção tenha restado explicitada por opção do legislador constituinte brasileiro. E</p><p>de acordo com o Pacto de San José da Costa Rica somente permaneceria vigente a</p><p>permissão de prender o inadimplente de obrigação alimentar.</p><p>A partir daí estabeleceu-se o embate, porque se a Constituição Federal</p><p>permite a prisão civil do depositário infiel, poderia a Convenção Americana de</p><p>Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) invalidar as disposições</p><p>infraconstitucionais sobre esta prisão?</p><p>Passou-se a discutir então se tais tratados foram incorporados pelo</p><p>ordenamento jurídico brasileiro com eficácia constitucional ou infraconstitucional. A</p><p>doutrina então se dividiu, mais uma vez, no tocante ao status normativo dos tratados</p><p>e convenções internacionais de direitos humanos quando incorporado pelo</p><p>ordenamento jurídico.</p><p>Destaque-se que a discussão surgiu antes do advento da EC 45/04</p><p>que incluiu o § 3º no art. 5° da CF, que assim dispõe, in verbis:</p><p>§ 3º - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos</p><p>que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois</p><p>turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão</p><p>equivalentes às emendas constitucionais”.</p><p>Desde a promulgação da Constituição de 1988 surgiram diversas</p><p>interpretações que consagraram um tratamento diferenciado aos tratados relativos a</p><p>direitos humanos, isto por força do disposto no § 2º do art. 5º, o qual afirma que “os</p><p>direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos</p><p>tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.</p><p>A posição que vinha sendo adotada pelo STF era no sentido de que os</p><p>tratados internacionais de direitos humanos entram no ordenamento jurídico</p><p>brasileiro com status de lei ordinária. Por isso mesmo, o entendimento majoritário</p><p>vinha sendo no sentido de que a prisão civil do depositário infiel era constitucional,</p><p>não tendo sido revogada pelo Pacto de San José da Costa Rica. Destarte, o STF</p><p>sempre sustentou que os tratados internacionais estariam no mesmo nível</p><p>hierárquico e teriam o mesmo grau de eficácia das leis ordinárias, de forma que</p><p>jamais poderiam prevalecer em detrimento da Constituição Federal. Dessa forma,</p><p>nem o Pacto de San Jose da Costa Rica nem o Pacto Internacional de Direitos Civis</p><p>e Políticos poderiam sobrepor-se à CF/88 e revogar o dispositivo que permite a</p><p>prisão civil do depositário infiel e por extensão a do alienante fiduciário a ele</p><p>equiparado.</p><p>Exemplo desse entendimento se encontra materializado no HC nº</p><p>72.131, onde se pode constatar essa posição que outrora seguia dominante no</p><p>âmbito da Suprema Corte Brasileira, ao considerar que tendo o Pacto de San José</p><p>da Costa Rica natureza infraconstitucional, não poderia prevalecer sobre a</p><p>Constituição. O habeas corpus restou denegado, tendo prevalecido a posição do</p><p>Ministro Moreira Alves, a qual foi acompanhada pela maioria do plenário. Frise-se</p><p>que naquela ocasião restaram vencidos os Ministros Marco Aurélio, Francisco</p><p>Rezek, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, os quais se posicionaram pela</p><p>concessão da ordem de habeas corpus com base no Pacto de San José da Costa</p><p>Rica.</p><p>Todavia, em 03 de dezembro de 2008 o STF alterou radicalmente sua</p><p>posição originária sobre o tema. Com efeito, ainda que por maioria, o Plenário do</p><p>Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou o Recurso Extraordinário nº 349703 e, por</p><p>unanimidade, negou provimento ao RE nº 466343, que discutiam a prisão civil de</p><p>alienante fiduciário infiel. O Plenário estendeu a proibição de prisão civil por dívida,</p><p>prevista no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, à hipótese de infidelidade</p><p>no depósito de bens e, por analogia, também à alienação fiduciária, tratada nos dois</p><p>recursos.</p><p>Assim, a jurisprudência da Corte evoluiu no sentido de que a prisão</p><p>civil por dívida somente seria aplicável ao responsável pelo inadimplemento</p><p>voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. O Tribunal entendeu que a</p><p>segunda parte do dispositivo constitucional que versa sobre o assunto é de</p><p>aplicação facultativa quanto ao devedor, excetuado o inadimplente injustificado de</p><p>verba alimentícia.</p><p>Também por maioria, o STF decidiu no mesmo sentido um terceiro</p><p>processo versando sobre o mesmo assunto, o Habeas Corpus nº 87585. Para dar</p><p>conseqüência a esta decisão, revogou a Súmula 619, do STF, segundo a qual “a</p><p>prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se</p><p>constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito”.</p><p>Ao levar o assunto de volta a julgamento, depois de pedir vista em</p><p>março de 2008, o então Ministro Carlos Alberto Menezes Direito defendeu a prisão</p><p>do depositário judicial infiel. Entretanto, como foi voto vencido, advertiu que, neste</p><p>caso, o Tribunal teria de revogar a Súmula 619, o que acabou ocorrendo.</p><p>Nos Recursos Extraordinários, em processos contra clientes, os</p><p>bancos Itaú e Bradesco questionavam decisões que entenderam que o contrato de</p><p>alienação fiduciária em garantia é insuscetível de ser equiparado ao contrato de</p><p>depósito de bem alheio (depositário infiel) para efeito de prisão civil.</p><p>O mesmo tema estava em discussão no HC 87585, em que Alberto de</p><p>Ribamar Costa questionava acórdão do STJ, e sustentava que se fosse mantida a</p><p>decisão que decretou sua prisão, estaria respondendo pela dívida através de sua</p><p>liberdade, o que não poderia ser aceito no moderno Estado Democrático de Direito,</p><p>não havendo razoabilidade e utilidade da pena de prisão para os fins do processo.</p><p>Além disso, o então recorrente fundamentou seu pleito na impossibilidade de</p><p>decretação da prisão de depositário infiel, à luz da redação trazida pela Emenda</p><p>Constitucional 45, de 31 de dezembro de 2004, que tornou os tratados e convenções</p><p>internacionais sobre direitos humanos equivalentes à norma constitucional, a qual</p><p>teria aplicação imediata, referindo-se ao pacto</p><p>de São José da Costa Rica, do qual o</p><p>Brasil é signatário.</p><p>Em toda a discussão sobre o assunto prevaleceu o entendimento de</p><p>que o direito à liberdade é um dos direitos humanos fundamentais priorizados pela</p><p>Constituição Federal e que, por isso mesmo, sua privação somente poderia ocorrer</p><p>em casos excepcionalíssimos. O argumento encontrou acolhida por parte do então</p><p>Ministro Cezar Peluso, o qual argumentou em seu voto, que “A Constituição Federal</p><p>não deve ter receio quanto aos direitos fundamentais”, ao lembrar que os direitos</p><p>humanos são direitos fundamentais com primazia na Constituição. Asseverou</p><p>também que “O corpo humano, em qualquer hipótese (de dívida) é o mesmo. O</p><p>valor e a tutela jurídica que ele merece são os mesmos. A modalidade do depósito é</p><p>irrelevante. A estratégia jurídica para cobrar dívida sobre o corpo humano é um</p><p>retrocesso ao tempo em que o corpo humano era o 'corpus vilis' (corpo vil), sujeito a</p><p>qualquer coisa”.</p><p>Ao proferir seu voto, a Ministra Ellen Gracie afirmou que “o respeito aos</p><p>direitos humanos é virtuoso, no mundo globalizado”. “Só temos a lucrar com sua</p><p>difusão e seu respeito por todas as nações”, acrescentou ela. E no mesmo sentido,</p><p>o Ministro Menezes Direito afirmou que "há uma força teórica para legitimar-se como</p><p>fonte protetora dos direitos humanos, inspirada na ética, de convivência entre os</p><p>Estados com respeito aos direitos humanos".</p><p>Observe-se que o Ministro Menezes Direito filiou-se à tese hoje</p><p>majoritária, no Plenário do STF, a qual confere status supralegal a esses tratados,</p><p>situando-os, no entanto, em nível abaixo da Constituição. Essa corrente, no entanto,</p><p>atribuir aos mesmos status de constitucionalidade, desde que votados pela mesma</p><p>sistemática das emendas constitucionais pelo Congresso Nacional, ou seja: maioria</p><p>de três quintos, em dois turnos de votação, conforme previsto no parágrafo 3º,</p><p>acrescido pela pela Emenda Constitucional nº 45/2004 ao artigo 5º da Constituição</p><p>Federal.</p><p>No voto que proferiu em 12 de março, quando o julgamento foi</p><p>interrompido por pedido de vista do Ministro Menezes Direito, o decano do STF,</p><p>Ministro Celso de Mello lembrou que o Pacto de São José da Costa Rica sobre</p><p>Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil em 1992, proíbe, em seu artigo 7º, parágrafo</p><p>7º, a prisão civil por dívida, excetuado o devedor voluntário de pensão alimentícia. E</p><p>destacou ainda que idêntica vedação restou fixada no art. 11 do Pacto Internacional</p><p>sobre Direitos Civis e Políticos, patrocinado em 1966 pela Organização das Nações</p><p>Unidas (ONU), ao qual o Brasil aderiu em 1990.</p><p>Também a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em</p><p>Viena, capital da Áustria, em 1993, com participação ativa da delegação brasileira,</p><p>então chefiada pelo ex-Ministro da Justiça e membro aposentado do STF, Ministro</p><p>Maurício Corrêa, preconizou o fim da prisão civil por dívida. O ministro lembrou que,</p><p>naquele evento, ficou bem marcada a interdependência entre democracia e o</p><p>respeito dos direitos da pessoa humana, tendência que se vem consolidando em</p><p>todo o mundo.</p><p>O ministro invocou o disposto no artigo 4º, inciso II, da Constituição,</p><p>que preconiza a prevalência dos direitos humanos como princípio nas suas relações</p><p>internacionais, para defender a tese de que os tratados e convenções internacionais</p><p>sobre direitos humanos, mesmo os firmados antes do advento da Constituição de</p><p>1988, devem ter o mesmo status dos dispositivos inscritos na Constituição Federal.</p><p>Ele ponderou, no entanto, que tais tratados e convenções não podem contrariar o</p><p>disposto na Constituição, somente complementá-la.</p><p>A Carta Constitucional já dispunha, em seu parágrafo 2º do artigo 5º,</p><p>que os direitos e garantias nela expressos “não excluem outros decorrentes do</p><p>regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a</p><p>República Federativa do Brasil seja parte”.</p><p>O Ministro Menezes Direito filiou-se à tese defendida pelo então</p><p>presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, que como já desdtacado, conferiu aos</p><p>tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos a que o Brasil aderiu</p><p>um status supralegal, porém admitindo a hipótese do nível constitucional delas,</p><p>quando ratificados pelo Congersso de acordo com a EC 45 (parágrafo 3º do artigo 5º</p><p>da CF).</p><p>Neste contexto, o Ministro Gilmar Mendes advertiu para o que</p><p>considerou um "risco para a segurança jurídica" a equiparação dos textos dos</p><p>tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil é</p><p>signatário ao texto constitucional. Segundo ele, o constituinte agiu com maturidade</p><p>ao acrescentar o parágrafo 3º ao artigo 5º da Carta Magna Brasileira. E no mesmo</p><p>sentido se manifestaram os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e</p><p>Cármen Lúcia. Foram votos vencidos parcialmente, eis que defenderam o status</p><p>constitucional dos tratados sobre direitos humanos, os ministros Celso de Mello,</p><p>Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie.</p><p>No caso da prisão civil do depositário infiel, embora as leis que a</p><p>prevêem estejam de acordo com a CF/88, estão em desalinho com o Pacto de San</p><p>José da Costa Rica, e por isso mesmo as normas que versam sobre prisão civil do</p><p>depositário infiel, embora vigentes no ordenamento, seriam inválidas. Em</p><p>consequência, e por uma questão de coerência o STF revogou a Súmula nº 619 de</p><p>sua jurisprudência, segundo a qual “a prisão do depositário judicial pode ser</p><p>decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente</p><p>da propositura de ação de depósito”.</p><p>Em toda a discussão sobre o assunto prevaleceu o entendimento de</p><p>que o direito à liberdade é um dos direitos humanos fundamentais priorizados pela</p><p>Constituição Federal e que sua privação somente pode ocorrer em casos</p><p>excepcionalíssimos. E, nesse sentido, não se enquadra a prisão civil por dívida.</p><p>Ademais, o tema restou pacificado pelo pleno do Supremo Tribunal</p><p>Federal, com a publicação da Súmula Vinculante n° 25, segundo a qual “é ilícita a</p><p>prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.</p><p>Bibliografia</p><p>ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 15ª edição. São Paulo: RT, 2013.</p><p>BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil.</p><p>Volume III, 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.</p><p>CUSTÓDIO, Antônio Joaquim Ferreira. Constituição Federal Interpretada pelo</p><p>STF. 6ª edição. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001.</p><p>MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Volume III, 5ª edição. São</p><p>Paulo: RT, 2013.</p><p>MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª edição. São Paulo: Atlas S.A,</p><p>2005.</p><p>MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. 3ª edição. São</p><p>Paulo: Atlas, 2003.</p><p>NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 4ª edição.</p><p>São Paulo: Método, 2012.</p><p>PINHO, Humberto Dalla Bernardina de Pinho. Direito Processual Civil</p><p>Contemporâneo. Volume II, São Paulo: Saraiva, 2012.</p><p>STF, RE 466.343/SP, Relator Cezar Peluso.</p>