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<p>O Esforço Necessário (A luta para educar a</p><p>vontade)</p><p>Caro estudante,</p><p>Neste item você terá acesso a um dos conteúdos da disciplina (texto, vídeo e/ou Imagem).</p><p>Acesse e estude o(s) material(is) aqui disponibilizado(s), que faz(em) parte da disciplina.</p><p>Conte conosco e bons estudos!</p><p>Núcleo de Educação a Distância</p><p>PRECEPTORIA AULA CINCO</p><p>O ESFORÇO NECESSÁRIO (A LUTA PARA EDUCAR A VONTADE)</p><p>“Fiz um curso de leitura rápida e lí Guerra e Paz em vinte</p><p>minutos. Fala da Rússia” (Woody Allen)</p><p>Acredito muito na sorte: quanto mais trabalho, mais sorte tenho</p><p>(Thomas Jefferson)</p><p>Há apenas uma coisa que um bom professor não pode fazer por</p><p>um aluno: estudar por ele (José Antonio de Íscar)</p><p>Nada é fácil na vida. E menos ainda para o homem. Entre outras coisas porque a</p><p>plenitude humana tem pouco que ver com a facilidade, como constata Bécquer:</p><p>“Que bonito é quando se tem sono</p><p>Dormir bem... e roncar como um monge</p><p>E comer... e engordar... e que desgraça</p><p>Que só isso não basta!</p><p>Agradecemos ao hedonismo a rapidez com que nos responde que o importante na</p><p>vida é o prazer, mas é fácil perceber que as coisas não são assim tão simples. Há ações</p><p>agradáveis que passam uma fatura irritante, e muitas condutas profundamente boas</p><p>não estão livres de dores e desassossegos. Pensemos por exemplo na paciente tarefa</p><p>de educar os filhos, de ser aprovado em um curso escolar, entre tantos outros</p><p>trabalhos. Acaso as chamas são um prazer para o bombeiro? E o trabalho é mau por</p><p>não ser agradável? A guerra ensina ao imperador Marco Aurélio que a arte de viver se</p><p>parece mais com a luta que com a dança, mas esta verdade não deixa de ser válida em</p><p>tempos de paz: ninguém nasceria sem a fortaleza da mulher no parto, ninguém</p><p>comeria sem o esforço do que trabalha na terra, ou do que arrisca sua vida no mar.</p><p>A necessidade de se esforçar não perdoa a ninguém. Shakespeare nos diz que</p><p>choramos ao nascer pela tristeza de empreender a estúpida comédia da vida. Para</p><p>José Antônio Marina, a cara amassada do recém-nascido manifesta sua estranheza por</p><p>se encontrar de repente no mundo. Foi expulso de uma bolha confortável, do pequeno</p><p>e morno mar onde flutuou por nove meses, e agora tem que enfrentar um mundo</p><p>duro e sem filtros solares. Para se viram neste mundo, esse ser formosamente incapaz</p><p>necessitará do esforço constante da aprendizagem: muitos meses para começar a</p><p>andar, aprender a se vestir, amarrar os sapatos, e agarrar uma bola no ar. Felizmente</p><p>suas tentativas imprecisas ficarão gravadas em sua memória muscular, e cada novo</p><p>movimento será corrigido e afinado a partir da última posição conquistada. Dez anos</p><p>mais tarde essa criatura desajeitada poderá dominar vários idiomas e ganhar uma</p><p>medalha olímpica em ginástica esportiva.</p><p>As destrezas juvenis são sempre resultado de repetições acumuladas durante anos,</p><p>tanto no esporte quanto no domínio de um idioma ou de um instrumento musical. Em</p><p>sua Teoria da Inteligência Criadora, José Antônio Marina explicou que a corrida de um</p><p>jogador de basquete, o salto, a finta, a suspensão, o giro, a troca da bola de uma mão</p><p>para outra, o lançamento para a cesta, são uma longa frase muscular aprendida</p><p>durante anos. É impossível que o jogador recorde os exercícios realizados em seus</p><p>primeiros treinamentos, mas eles ficaram integrados em sua conduta. E quando o</p><p>futebolista corre para o gol, sua rota é dirigida, mais que pelas pernas, por um</p><p>complexo conjunto de hábitos, isto é, de habilidades lentamente adquiridas. Se não</p><p>fosse assim, para encestar de seis metros, e para acertar perfeitamente no gol bastaria</p><p>simplesmente o querer.</p><p>A repetição de um mesmo ato cristaliza um tipo de conduta estável e fácil que</p><p>chamamos hábito. Graças aos hábitos, o homem não está condenado a repetir seu</p><p>erro constantemente. O hábito conserva a posição conquistada com o suor dos atos</p><p>precedentes, e faz da conduta humana uma descansada tarefa de manutenção.</p><p>Experimentamos os hábitos como uma conquista fantástica. Sem eles, a vida seria</p><p>impossível: gastaríamos nossos dias tentando falar, ler, andar...., e morreríamos por</p><p>esgotamento e fastio. Para valorizar nosso hábito de falar português bastaria</p><p>considerar o esforço que nos seria necessário para aprender agora o chinês, e falá-lo</p><p>com a mesma fluência.</p><p>A aquisição de hábitos tem uma enorme importância educativa. Juntamente com a</p><p>natureza biológica que recebemos na concepção, a educação nos brinda uma segunda</p><p>natureza: à base de repetir ações livres vamos tecendo nosso próprio estilo de</p><p>conduta, nosso modo de ser. Através dos atos que repetimos e esquecemos, se</p><p>decanta em nós uma forma de ser que permanece. Mas a liberdade oferece a</p><p>possibilidade permanente de atingir tanto uma conduta digna do homem como uma</p><p>conduta indigna e patológica. Assim, alguns se fazem justos, e outros injustos, alguns</p><p>trabalhadores e outros preguiçosos, responsáveis ou irresponsáveis, amáveis ou</p><p>violentos, verazes ou mentirosos, reflexivos ou precipitados, constantes ou</p><p>inconstantes. Em consequência, conclui Aristóteles, “adquirir desde jovens tais ou</p><p>quais hábitos não tem pouca ou muita importância: tem uma importância absoluta”.</p><p>Nenhum profissional do ensino desconhece a incidência educativa dos hábitos. Da</p><p>mesma forma que uma andorinha não faz verão, um ato isolado não constitui um</p><p>modo de ser. Mas sua repetição bem pode conseguir isso. Por isso se diz que quem</p><p>semeia atos recolhe hábitos, e quem semeia hábitos recolhe seu próprio caráter.</p><p>Um especialista: Enrique Rojas</p><p>O doutor Rojas, catedrático em Psiquiatria na Universidade Complutense, pertence a</p><p>essa tradição espanhola de médicos humanistas. Seus ensaios, com uma difícil</p><p>combinação de erudição e amenidade, abordam temas como a felicidade e a</p><p>depressão, o equilíbrio psicológico e o amor. Em um deles – A conquista da vontade</p><p>– lemos que educar é enriquecer um ser humano, tornar mais fácil seu equilíbrio e sua</p><p>felicidade, ensinar-lhe a dar o melhor de si mesmo. Mas essa tarefa só se consegue</p><p>com o esforço da vontade, porque com moleza, desídia e abandono só surge o pior de</p><p>si mesmo.</p><p>A vontade, que foi sempre tida em alta conta ao longo dos séculos, é agora</p><p>menosprezada por sua incômoda relação com aspectos desagradáveis da conduta</p><p>humana: a disciplina, as normas, a rigidez, a tirania. Nossa época valoriza a liberdade</p><p>acima de tudo, mas uma liberdade sem vontade, e esse divórcio é perigoso. Qualquer</p><p>educador sabe que, se os hábitos positivos não enraízam logo, a personalidade da</p><p>criança e do jovem fica à mercê da lei do prazer.</p><p>Por uma misteriosa e evidente incoerência, nenhum ser humano é como gostaria de</p><p>ser. “Vejo o melhor e o aprovo” – reconhece o poeta Ovídio – “mas sigo o pior”. É a</p><p>mesma experiencia que todos nós temos, e que São Paulo resume da mesma forma</p><p>que Ovídio: “Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero”. Não se trata de</p><p>falta de liberdade, mas de falta de forças. Quem fuma quando não quer fumar, ou não</p><p>respeita o regime alimentar que havia decidido seguir, sabe que se contradiz</p><p>livremente. Esse querer e não querer não tem outra cura que o esforço por vencer em</p><p>cada caso. Essa debilidade constitutiva torna necessária uma vontade aplicada aos</p><p>aspectos mais cotidianos de nossa vida, porque costumam ser os bens primários os</p><p>que exercem uma pressão desmedida: a comida, a bebida, o sexo, a comodidade ou a</p><p>saúde adquirem com frequência um protagonismo excessivo, da mesma forma que o</p><p>dinheiro, o trabalho, a posição social.</p><p>A vontade supera nossa incoerência interna porque é a correia de transmissão entre</p><p>o que pensamos e o que fazemos, entre nossas intenções e nossas obras. É a força</p><p>que nos permite passar do dito ao feito, e com isso já se vê tudo sobre sua importância.</p><p>Com palavras de Enrique Rojas: “A vontade é determinação, firmeza nos propósitos,</p><p>solidez nos objetivos e ânimo diante das dificuldades”. No fina de seu livro, o autor</p><p>oferece 10 regras</p><p>de ouro para educar a vontade. Vamos resumi-as aqui:</p><p>1- Toda educação da vontade supõe luta, especialmente no início.</p><p>2- A vontade se forja com a repetição de atos que cristaliza nos hábitos. Sem</p><p>hábitos positivos não há vontade;</p><p>3- A conquista da vontade exige negar-se ou vencer-se nos gostos, nos estímulos</p><p>e nas inclinações imediatas. Isto é realmente difícil, mas também o mais</p><p>gratificante.</p><p>4- Qualquer aprendizagem se torna mais fácil à medida que a motivação é maior.</p><p>A motivação da vontade requer um projeto de vida: um esquema e uma</p><p>planificação que planejem o futuro. Os três grandes embasamentos desse</p><p>projeto são o amor, o trabalho e a cultura.</p><p>5- Quando se têm objetivos definidos e estáveis, os resultados positivos estão</p><p>logo alí. Em nossa conduta temos que pretender metas concretas e renunciar</p><p>– na medida do possível – a tudo o que desvie dos objetivos traçados.</p><p>6- Ganhar em força de vontade é ganhar em autodomínio. O domínio de si é um</p><p>dos traços essenciais de uma personalidade madura, e, portanto, um dos</p><p>desafio principais da educação.</p><p>7- Ter vontade é ser constante, ter paciência para não ceder ao cansaço ou à</p><p>rotina, resistência para não se deixar desanimar pelas dificuldades. Cicero disse</p><p>que é indigno do homem render-se a outro homem, aos temores e às</p><p>incertezas da vida.</p><p>8- A vontade necessita da inteligência para adequar os fins e os meios, para</p><p>integrar as aptidões e as limitações. Depois, a vontade deverá tolerar as</p><p>frustrações, assimilar os reveses, ultrapassar as dificuldades, sem perder</p><p>tempo em lamentações.</p><p>9- A vontade é um indicador da personalidade, uma joia que adorna o caráter</p><p>maduro. Pelo contrário, quando é frágil ou não está temperada numa luta</p><p>perseverante, faz do homem um ser débil, mole, volúvel, caprichoso, incapaz</p><p>de traçar objetivos concretos e suplantar as dificuldades.</p><p>10- A educação da vontade não tem fim, porque as circunstâncias da vida nos</p><p>levarão a situações insólitas, inesperadas, difíceis, e nos obrigarão a</p><p>reorganizar nossos projetos. O homem é uma sinfonia sempre inacabada.</p><p>Feitas essas considerações, não será supérfluo acrescentar que a força de vontade é</p><p>necessária para o comum dos mortais e para os gênios. Demóstenes, o mais brilhante</p><p>dos oradores gregos, foi um menino órfão, gago, com voz fraca e ciciante. Beethoven</p><p>compôs a Nona Sinfonia quase surdo. Mozart compôs seu Réquiem no leito de morte,</p><p>atormentado por muitas dores. Dante escreveu a Divina Comédia no desterro e na</p><p>miséria, ao longo de trinta anos. A melhor novela do mundo foi escrita por um homem</p><p>manco, que soube se sobrepor à pobreza e ao cárcere, às humilhações e à infâmia. Os</p><p>exemplos são inumeráveis, e manifestam que o mundo avança arrastado por gente</p><p>que é perseverante em seu empenho.</p>