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<p>METO</p><p>DOLO</p><p>GIA DA</p><p>PESQUISA</p><p>Hercilio de</p><p>Medeiros Sousa</p><p>Márcio</p><p>Coutinho</p><p>João Pessoa, 2018</p><p>CONHECIMENTO:</p><p>NOÇÕES FUNDAMENTAIS</p><p>OBJETIVOS</p><p>DA APRENDIZAGEM</p><p>UNIDADE</p><p>01</p><p>METO</p><p>DOLO</p><p>GIA</p><p>1</p><p>Conhecer as origens da investigação cognitiva e do método;</p><p>Conhecer a noção de ciência;</p><p>Distinguir as formas de conhecimento:</p><p>Senso comum, ciência e filosofia.</p><p>3</p><p>2COMEÇANDO</p><p>A HISTÓRIA</p><p>Normalmente, quando pensamos em</p><p>ciência ou pesquisa, vem à nossa</p><p>mente a figura de um homem reflexivo</p><p>ou com cara de louco. Pelo menos é</p><p>assim que as pessoas que dedicam a</p><p>sua vida ao conhecimento são repre-</p><p>sentadas ou caricaturadas pela socie-</p><p>dade. Quem já não ficou perplexo com</p><p>a careta do Einstein?</p><p>Caro aluno, você observou as imagens acima?</p><p>O mundo da pesquisa e o conceito</p><p>de ciência são mistificados e tor-</p><p>nados distantes da vida cotidiana,</p><p>fazendo com que achemos que</p><p>somente pessoas especiais são</p><p>capazes de se dedicar à pesquisa</p><p>ou que esta só pode ser feita por</p><p>meio de linguagens precisas, como</p><p>a matemática, e de objetos per-</p><p>tencentes às ciências da natureza,</p><p>como a física e a biologia.</p><p>4</p><p>Nesta disciplina, vamos ver que tudo</p><p>isso não passa de mito, que todos po-</p><p>demos construir ciência e que todos os</p><p>tipos de objeto podem se tornar alvo de</p><p>uma pesquisa, desde que possam ser</p><p>adequados a certas condições. Seja as</p><p>ciências exatas, humanas, biológias ou</p><p>da natureza, todos esses temas podem</p><p>e devem ser investigados de modo</p><p>científico, de forma a contribuir para o</p><p>enriquecimento da cultura e para a re-</p><p>solução de problemas humanos. Sob</p><p>esse aspecto, você, caro(a) aluno(a),</p><p>está sendo convidado a se apropriar</p><p>Quando falamos em conhecimento e</p><p>estudamos a sua produção, devemos</p><p>ter em conta que todo ato de conhe-</p><p>cer se dá entre um objeto a ser conhe-</p><p>cido e um sujeito que se esforça para</p><p>conhecer. Conhecimento é aquilo que</p><p>Antes de começarmos essa</p><p>conversa, vamos definir alguns</p><p>termos para facilitar a leitura.</p><p>dos instrumentos da pesquisa para que</p><p>possa contribuir com o desenvolvimen-</p><p>to do conhecimento sobre seu curso.</p><p>Além disso, você precisa se preparar</p><p>para a realização do trabalho final</p><p>do curso. Este é o momento e o lu-</p><p>gar. Vamos começar a trabalhar com</p><p>mais afinco no âmbito das regras</p><p>acadêmicas. Vamos também come-</p><p>çar a pensar sobre em que área você</p><p>gostaria de realizar a sua pesquisa e</p><p>como ela deverá ser feita.</p><p>3TECENDO</p><p>CONHECIMENTO</p><p>resulta dessa relação e pode ser um</p><p>saber ordinário, uma proposição expli-</p><p>cativa, uma tese ou uma teoria. Pode</p><p>ser produzido tanto pela cultura popu-</p><p>lar, oral, quanto pela tradição intelectu-</p><p>al, grafada de algum modo.</p><p>5</p><p>Entendemos por objeto qualquer</p><p>coisa ou fenômeno que desperte</p><p>a atenção de um sujeito pensante</p><p>e que pode ser submetido a algum</p><p>tipo de observação. Já o sujeito cog-</p><p>noscente é qualquer ente de razão</p><p>que detenha sua atenção sobre algo</p><p>com a finalidade de apreender suas</p><p>propriedades e compreendê-lo. Mas</p><p>esse sujeito, para chegar a sua finali-</p><p>dade, deve proceder de certa manei-</p><p>ra, pois não basta ter interesse por</p><p>alguma coisa e torná-la objeto de</p><p>sua reflexão, é preciso saber indagar</p><p>e buscar meios de obter respostas.</p><p>Por isso, a relação entre sujeito e ob-</p><p>jeto, com vistas ao conhecimento, é</p><p>sempre uma investigação e, para ser</p><p>realizada, deve ser orientada, disci-</p><p>plinada e cumprir etapas.</p><p>Outro termo que devemos compre-</p><p>ender é fenômeno. Segundo o filó-</p><p>sofo Immanuel Kant, o objeto princi-</p><p>pal do conhecimento é o fenômeno,</p><p>entendido como aquilo que pode-</p><p>mos perceber sensorialmente no es-</p><p>paço e no tempo (KANT, 1994). Um</p><p>simples objeto ou a relação entre di-</p><p>versos objetos podem constituir um</p><p>fenômeno para o sujeito cognoscen-</p><p>te. Assim, a palavra fenômeno pode</p><p>se referir tanto a uma coisa específi-</p><p>ca, como, por exemplo, uma célula,</p><p>quanto a um conjunto de fatores,</p><p>como a guerra. O que determina o</p><p>uso da palavra fenômeno é o fato de</p><p>um objeto ou uma série de relações</p><p>entre objetos ou fatos estarem em</p><p>observação por um sujeito que pro-</p><p>cura compreendê-lo.</p><p>Cada tipo de conhecimento especí-</p><p>fico tece seus próprios fenômenos,</p><p>por isso ouvimos falar em fenômenos</p><p>físicos, químicos, sociais, históricos,</p><p>linguísticos etc. Isso porque, quando</p><p>observamos uma coisa ou um acon-</p><p>tecimento com a finalidade de co-</p><p>nhecê-lo, fazemos um corte espacial</p><p>e temporal. Se pretendo estudar a</p><p>queda dos raios, meu fenômeno é o</p><p>raio; mas ele pertence a um aconte-</p><p>cimento maior, que é a tempestade.</p><p>Quando foco minha atenção no raio,</p><p>estou circunscrevendo minha obser-</p><p>vação num recorte de espaço e de</p><p>tempo. Nesse sentido, eu isolo racio-</p><p>nalmente o meu objeto para centrar</p><p>toda a atenção nele. O mesmo ocor-</p><p>re se estudo um autor da literatura.</p><p>Sua obra pertence a um movimento</p><p>maior, mas seleciono apenas a sua</p><p>obra, que foi produzida num certo</p><p>espaço de tempo e lugar, e com isso</p><p>posso identificar, de modo mais es-</p><p>pecífico, o seu estilo, suas semelhan-</p><p>ças com outros autores e as diferen-</p><p>ças e contribuições que ele trouxe</p><p>para o período em que produziu.</p><p>Figura 5</p><p>6</p><p>Essas definições foram discernidas</p><p>ao longo da história e fazem parte</p><p>do desenvolvimento da metodolo-</p><p>gia da pesquisa científica. Resulta do</p><p>esforço que ocorreu durante séculos</p><p>para descobrir formas cada vez mais</p><p>eficazes de orientar essa relação.</p><p>Na verdade, o que chamamos hoje</p><p>de metodologia da pesquisa con-</p><p>Você já sabe que a fonte da tradição</p><p>cultural ocidental é a Grécia e mais</p><p>uma vez vamos começar por lá.</p><p>Foi com os pré-socráticos, que se</p><p>iniciou o interesse pela ciência. A</p><p>princípio, o interesse era uma mera</p><p>curiosidade a respeito do funciona-</p><p>mento da natureza, a qual gestou</p><p>uma diversidade de opiniões. Logo</p><p>se tornou necessário distinguir</p><p>uma informação verdadeira de uma</p><p>falsa. Assim, teve início a chamada</p><p>“busca pela verdade”.</p><p>Bem lá no início, os primeiros filóso-</p><p>fos, Thales e Pitágoras, buscavam</p><p>siste num apanhado de definições,</p><p>regras de conduta e formas de refle-</p><p>xão que procuram nortear a relação</p><p>sujeito-objeto para que as perguntas</p><p>e respostas que precisamos fazer e</p><p>encontrar possam contribuir para o</p><p>desenvolvimento do conhecimento</p><p>em geral, da ciência e das práticas</p><p>humanas.</p><p>descobrir o funcionamento do Cos-</p><p>mos. Ambos ficaram conhecidos</p><p>como matemáticos, mas seguiram</p><p>caminhos diferentes: Thales obser-</p><p>vava a natureza e o movimento dos</p><p>astros e sua matemática derivou</p><p>dessas observações; já Pitágoras</p><p>ficava atento a sua própria mente,</p><p>às formas de raciocínio e procurava</p><p>a verdade por meio dos números</p><p>e das figuras geométricas, em es-</p><p>pecial o triângulo. Se, por um lado,</p><p>nasciam a matemática e a física, por</p><p>outro, surgiam as primeiras técnicas</p><p>de pesquisa: a observação e o racio-</p><p>cínio atento.</p><p>3.1O CONHECIMENTO</p><p>E O LEGADO GREGO</p><p>7</p><p>A observação consiste no olhar</p><p>detido ao objeto, procurando suas</p><p>características e comportamentos</p><p>peculiares. Thales supôs que medir</p><p>os objetos ou encontrar a forma de</p><p>medi-los seria o modo mais apropria-</p><p>do de compreendê-los. Já a análise</p><p>do raciocínio permite ao homem co-</p><p>nhecer melhor o funcionamento de</p><p>Mesmo hoje, no nosso mundo tec-</p><p>nológico, essas duas práticas são</p><p>fundamentais para a pesquisa. Ob-</p><p>servar o objeto que estamos investi-</p><p>gando e buscar compreender todas</p><p>as suas características é o primeiro</p><p>passo da investigação científica. É</p><p>com a observação que apreende-</p><p>mos o nosso objeto e obtemos os</p><p>primeiros dados que nos conduzirão</p><p>ao passo seguinte, que é a compre-</p><p>ensão e a resolução de problemas.</p><p>Mas se inicialmente o ato de conhe-</p><p>cer era ingênuo e comprometido</p><p>com a descoberta, logo tudo tornou-</p><p>altura da pirâmide</p><p>sombra da pirâmide</p><p>= altura da estaca</p><p>sombra da estaca</p><p>sua mente e utilizar, de modo mais</p><p>apropriado, seus recursos racionais.</p><p>Para Pitágoras, a mente representa</p><p>as medidas em números, e o estudo</p><p>das maneiras como esses números</p><p>podem ser combinados para expres-</p><p>sar as formas que são encontradas</p><p>na natureza era o melhor meio de</p><p>conhecê-la.</p><p>-se complicado. Isso porque cada</p><p>observador se atém</p><p>a alguns aspec-</p><p>tos de um objeto e forma uma opi-</p><p>nião sobre ele. Consequentemente,</p><p>surgem várias formas de compre-</p><p>ender um mesmo fenômeno. Surgiu</p><p>então a discussão sobre a verdade.</p><p>Para os gregos, a verdade deveria</p><p>ser uma só e eles precisavam encon-</p><p>trar meios de distinguir as opiniões</p><p>e de obter um conhecimento seguro,</p><p>uma certeza a respeito das coisas.</p><p>Como distinguir as opiniões falsas</p><p>das verdadeiras?</p><p>Figura 6</p><p>7</p><p>8</p><p>Para responder a essa questão, inicia-</p><p>ram-se esforços para sistematizar o</p><p>conhecimento. Essa sistematização foi</p><p>chamada de método, do grego meta +</p><p>hodos, que significa “por meio de um</p><p>caminho”. A ideia era a de encontrar</p><p>um meio de tornar segura a investi-</p><p>gação sobre as coisas. Esse caminho</p><p>seria entendido como uma série de</p><p>procedimentos rigorosos ou regras</p><p>que auxiliassem a evitar distorções</p><p>que podem ocorrer nas observações.</p><p>Parmênides e Heráclito foram os pri-</p><p>meiros a dar um passo nessa dire-</p><p>ção. Mas a sua discussão começou</p><p>de uma forma muito abstrata. Eles</p><p>tinham opiniões divergentes sobre</p><p>as características da existência das</p><p>coisas. Heráclito supunha que tudo</p><p>o que existe está em constante mo-</p><p>vimento e por isso as coisas mudam</p><p>o tempo todo. Já para Parmênides,</p><p>a opinião de Heráclito era absurda,</p><p>pois, se tudo mudasse o tempo todo,</p><p>não seria possível encontrar qual-</p><p>quer certeza. Para Parmênides, as</p><p>coisas são estáveis e a mudança é</p><p>apenas um aspecto, uma ilusão que</p><p>nos faz crer que as coisas se alteram.</p><p>Com certeza você deve estar pen-</p><p>sando que Parmênides era esquisi-</p><p>to, pois, quando observamos os fe-</p><p>nômenos da natureza, vemos tudo</p><p>em movimento, mudando o tempo</p><p>todo: as folhas das árvores, os rios,</p><p>nosso caminhar, o passar do dia, o</p><p>envelhecer, a morte e o nascimento.</p><p>É mais fácil concordar com Heráclito!</p><p>Mas Parmênides gestou a origem do</p><p>conceito, que é a matéria-prima da</p><p>teoria e da explicação científica. Ele</p><p>supôs que, apesar dos movimentos</p><p>e das mudanças que as coisas apre-</p><p>sentam, há características que são</p><p>imutáveis e são elas que devem ser</p><p>conhecidas para que encontremos a</p><p>verdade. Vejamos:</p><p>Heráclito proferiu a seguinte frase:</p><p>“não se entra duas vezes num mes-</p><p>mo rio”. Facilmente concordamos</p><p>com essa ideia, pois as águas do</p><p>rio correm o tempo todo e, portan-</p><p>to, quando entramos no mesmo rio</p><p>pela segunda vez, as águas não são</p><p>mais as mesmas e o rio é outro. Por</p><p>outro lado, nós também mudamos,</p><p>ficamos mais velhos a cada minuto</p><p>e não somos os mesmos quando</p><p>entramos no rio pela segunda vez.</p><p>Mas Parmênides perguntaria: ainda</p><p>que as águas não sejam as mesmas,</p><p>não continua sendo o mesmo rio? Do</p><p>mesmo modo, ainda que eu esteja</p><p>mais velho, continuo sendo a mesma</p><p>pessoa. O que faz com que, apesar</p><p>das mudanças, as coisas permane-</p><p>çam as mesmas? É a sua essência:</p><p>uma característica ou conjunto de</p><p>características que permanecem</p><p>sempre iguais. A essência é o que</p><p>confere identidade às coisas e é</p><p>aquilo que nos permite reconhecer</p><p>algo, independentemente do fato de</p><p>que outras características se percam.</p><p>9</p><p>Voltemos ao exemplo do rio de He-</p><p>ráclito: embora as águas corram e</p><p>sejam outras a cada segundo, o que</p><p>define um rio é justamente a ideia</p><p>de água corrente entre duas mar-</p><p>gens. As águas podem ser outras, as</p><p>margens podem mudar de posição,</p><p>mas o rio continua sendo um rio jus-</p><p>tamente porque as águas correm!</p><p>Essa é a essência e a identidade do</p><p>rio. Parmênides não estava preocu-</p><p>pado com um rio num determinado</p><p>momento, mas com a ideia de rio, e</p><p>é ela que precisa ser utilizada como</p><p>parâmetro para a construção do co-</p><p>nhecimento verdadeiro. O conceito</p><p>de rio se aplica a todo e qualquer rio</p><p>e, quando um geógrafo estuda um</p><p>rio, ele precisa desse conceito inicial</p><p>para começar a sua pesquisa.</p><p>Ao definir um objeto, elegemos as</p><p>características que nos permitirão</p><p>reconhecer todo e qualquer outro</p><p>objeto semelhante. Por meio de de-</p><p>finições, construímos o conceito e</p><p>este passa a ser referência para ela-</p><p>borarmos teorias que nos permitam</p><p>compreender os fenômenos. Esse</p><p>conceito é também a identidade das</p><p>coisas: um geógrafo chama de rio</p><p>todo curso de água que segue em</p><p>direção ao mar. Ao encontrar um fe-</p><p>nômeno como esse na natureza, ele</p><p>o identifica e, a partir daí, pode iniciar</p><p>sua pesquisa sobre aquele rio.</p><p>Foi com Platão que o conceito tor-</p><p>nou-se a peça fundamental para o</p><p>desenvolvimento do conhecimento</p><p>teórico. Mas ele pretendia solucionar</p><p>a discordância entre Heráclito e Par-</p><p>mênides a respeito da mudança ou</p><p>permanência das características das</p><p>coisas. Sua solução foi a criação do</p><p>método chamado de dialética.</p><p>O método dialético baseava-se na</p><p>teoria das ideias, pela qual se depre-</p><p>ende que o mundo dos fenômenos</p><p>é o mundo sensível, suscetível às</p><p>mudanças, e os conceitos perten-</p><p>cem ao mundo das ideias, as quais</p><p>são imutáveis. Para Platão, os senti-</p><p>dos e o mundo sensível são engano-</p><p>sos, ou seja, aquilo que percebemos</p><p>por meio dos nossos cinco sentidos</p><p>não corresponde à verdade. Para</p><p>atingi-la, temos que nos libertar das</p><p>ilusões sensoriais e atingir o mundo</p><p>das ideias pelo intelecto. O proble-</p><p>ma do conhecimento é então tratado</p><p>a partir da diferença entre opinião e</p><p>verdade.</p><p>A opinião se forma a partir da primei-</p><p>ra impressão que temos de um fenô-</p><p>meno, oriunda das informações que</p><p>nos fornecem nossa visão, audição,</p><p>tato, olfato ou paladar. As caracterís-</p><p>ticas que apreendemos dos objetos</p><p>que nos cercam por meio dos sen-</p><p>tidos são subjetivas e podem variar</p><p>de pessoa para pessoa, de lugar ou</p><p>no tempo. Quantas vezes você ado-</p><p>çou o café para alguém supondo</p><p>que estava suficientemente doce,</p><p>mas a pessoa a quem você serviu</p><p>o achou muito doce ou muito amar-</p><p>go? O mesmo objeto pode ter uma</p><p>aparência distinta para duas ou mais</p><p>pessoas diferentes. Nesse sentido,</p><p>cada um forma uma opinião sobre o</p><p>mesmo objeto e não é possível sa-</p><p>ber qual é a verdade.</p><p>10</p><p>Mas esse exemplo é um caso muito</p><p>particular e Platão não estava pre-</p><p>ocupado com os sabores das bebi-</p><p>das. Sua intenção era descobrir uma</p><p>forma de ultrapassar o universo das</p><p>opiniões e atingir um conhecimen-</p><p>to verdadeiro. Isso só seria possível</p><p>com o uso metódico da razão, que</p><p>tem a capacidade de distinguir as</p><p>características aparentes das es-</p><p>senciais. A dialética consistia, então,</p><p>num método em que, por meio do di-</p><p>álogo, as opiniões sobre a natureza,</p><p>a sociedade e a ética eram postas à</p><p>prova. Utilizava como critério o prin-</p><p>cípio de não contradição, pelo qual</p><p>não é possível admitir que um mes-</p><p>mo objeto possa ter características</p><p>contrárias ao mesmo tempo.</p><p>Desse modo, pretendia-se chegar ao</p><p>conhecimento verdadeiro. No nosso</p><p>malfadado exemplo do café, pode-</p><p>mos esclarecer que essa bebida ten-</p><p>de a ser levemente amarga e que a</p><p>adição do açúcar para suavizar seu</p><p>sabor dependerá do gosto do indi-</p><p>víduo. Assim, podemos afirmar, com</p><p>certeza, que, independentemente</p><p>das preferências individuais, o café</p><p>tende a ser uma bebida amargosa.</p><p>Esse procedimento dialético foi muito</p><p>importante para o desenvolvimento</p><p>da ciência ao abrir um caminho para</p><p>a descoberta dos conceitos, por meio</p><p>dos quais deixamos de lado as opini-</p><p>ões variáveis e chegamos a explica-</p><p>ções mais próximas da verdade.</p><p>É através das noções de essência,</p><p>identidade e conceito que nasce o sa-</p><p>ber teórico: um saber específico que</p><p>se distingue do saber prático. Segun-</p><p>do Matallo Jr. (2010, apud LAKATOS E</p><p>MARCONI), os gregos foram capazes</p><p>de desenvolver esse tipo de saber</p><p>porque, em certo estágio de sua civi-</p><p>lização, passaram a separar o trabalho</p><p>manual do trabalho intelectual. Esse</p><p>último só foi possível porque uma par-</p><p>cela da população tinha tempo dispo-</p><p>nível para o lazer, o ócio, sendo capa-</p><p>zes de se dedicar ao conhecimento</p><p>contemplativo.</p><p>A importância da contribuição de</p><p>Platão está na distinção entre o co-</p><p>nhecimento comum, derivado das</p><p>experiências cotidianas e calcado</p><p>nas impressões sensoriais, e o co-</p><p>nhecimento elaborado pela razão,</p><p>que busca compreender os objetos</p><p>na sua essência.</p><p>Podemos assim dizer que o conhe-</p><p>cimento é partido em dois níveis: o</p><p>conhecimento prático, adquirido por</p><p>meio das experiências cotidianas, e o</p><p>conhecimento intelectual, o qual de-</p><p>pende do exercício mental e de tem-</p><p>po para se desenvolver. O primeiro é</p><p>adquirido pela experiência, pela re-</p><p>petição e pelos sentidos; já o segun-</p><p>do é submetido a critérios e deve ser</p><p>comprovado para ser admitido.</p><p>10</p><p>11</p><p>3.2TIPOS DE</p><p>CONHECIMENTO</p><p>Há várias formas de conhecer e de expressar</p><p>o conhecimento. Vamos nos debruçar</p><p>sobre as três mais significativas.</p><p>Chamamos de senso comum o co-</p><p>nhecimento oriundo das experiên-</p><p>cias cotidianas e que se manifestam</p><p>no dia a dia na forma de opiniões</p><p>e saberes práticos. Esse tipo de</p><p>conhecimento se propaga pela tra-</p><p>dição cultural e consiste numa sé-</p><p>rie de informações que recebemos</p><p>desde a infância de nossos pais,</p><p>amigos e pessoas de nossa convi-</p><p>vência. Ele é muito importante para</p><p>nos situar no mundo em que nasce-</p><p>mos e nos auxilia a tomar decisões</p><p>práticas. Entretanto, é um conheci-</p><p>Senso comuma)</p><p>mento impreciso, baseado em opini-</p><p>ões e impressões herdadas ou que</p><p>construímos a partir de nossas ob-</p><p>servações particulares.</p><p>Os valores que pertencem a nossa</p><p>cultura, nossos hábitos e práticas</p><p>são regulados pelo senso comum.</p><p>Além disso, certas profissões, que</p><p>são passadas de pai para filhos, e</p><p>práticas de alimentação, automedi-</p><p>cação, magia e juízos acerca de si-</p><p>tuações ou pessoas também podem</p><p>ser classificadas de senso comum.</p><p>12</p><p>Em geral, profissões de ordem prática</p><p>como pedreiros, marceneiros, jardi-</p><p>neiros (principalmente no nosso país,</p><p>em que a educação ainda é precária)</p><p>são atravessadas por conhecimentos</p><p>adquiridos com a prática de quem a</p><p>exerce e a transmite para uma gera-</p><p>ção posterior. Esse conhecimento,</p><p>na maioria das vezes, é alcançado</p><p>pelo número de tentativas que geram</p><p>acertos e erros. Aquele que exerce</p><p>uma prática seleciona os procedi-</p><p>mentos que parecem ser melhores e</p><p>tece recomendações negativas para</p><p>aqueles que não são bem sucedidos.</p><p>Embora desde Platão o conhecimen-</p><p>to comum tenha sido classificado</p><p>como um tipo de saber menor em</p><p>relação ao saber intelectual, é um</p><p>conhecimento que também procede</p><p>de uma ação metódica: consiste prin-</p><p>cipalmente na observação e seleção</p><p>de características e ações.</p><p>Mas, então, por que seria um conhe-</p><p>cimento menos confiável que o saber</p><p>intelectual? Justamente porque se</p><p>apoia em observações, as quais estão</p><p>sujeitas a enganos e pequenos erros.</p><p>Vejamos o caso da automedicação ou</p><p>do curandeirismo: o chá de camomila</p><p>pode funcionar como um excelente</p><p>regulador do sono, conforme a sabe-</p><p>doria popular. Sabemos disso porque</p><p>nossas avós nos passaram suas ob-</p><p>servações, e que, por sua vez, herda-</p><p>ram de seus parentes próximos. Por</p><p>hábito, incorporamos esse saber e,</p><p>sempre que precisamos nos acalmar à</p><p>noite, tomamos esse chá. Mas se um</p><p>indivíduo for alérgico a alguma subs-</p><p>tância nele contida, o efeito pode ser</p><p>bem diferente.</p><p>Há uma dificuldade no conhecimen-</p><p>to do tipo senso comum: conhece-</p><p>mos a utilidade ou aplicação de algu-</p><p>ma coisa pelos seus efeitos, mas não</p><p>sabemos o porquê e como funciona</p><p>o fenômeno por inteiro. Isso quer di-</p><p>zer que aquela pessoa que não rea-</p><p>giu bem ao chá de camomila passará</p><p>a evitar esse chá sem saber ao certo</p><p>o que ou qual substância provocou a</p><p>reação inesperada e estará sujeita a</p><p>ter os mesmos sintomas quando se</p><p>deparar com outro alimento que te-</p><p>nha a mesma composição.</p><p>O conhecimento do senso comum é,</p><p>portanto, limitado, o que não signifi-</p><p>ca que não é válido, mas que é res-</p><p>trito a certas práticas e situações e</p><p>pode levar a erros. Sua principal ca-</p><p>racterística é ser variável de cultura</p><p>para cultura, de pessoa para pessoa,</p><p>ser fundado na opinião ou na prática</p><p>e não determinar a causa dos fenô-</p><p>menos, apenas os seus efeitos sobre</p><p>uma dada realidade.</p><p>13</p><p>Segundo Ander-egg (1978 apud MARCONI</p><p>E LAKATOS, 2003, p. 77), o conhecimento do senso</p><p>comum ou o conhecimento popular apresenta</p><p>as seguintes características:</p><p>Superficial, isto é, conforma-se com a aparência, com aquilo que</p><p>se pode comprovar simplesmente estando junto às coisas: expres-</p><p>sa-se por frases como “porque o vi”, “porque o senti”, “porque o</p><p>disseram”, “porque todo mundo diz”;</p><p>Sensitivo, ou seja, referente a vivências, estado de ânimo ou emo-</p><p>ções da vida diária;</p><p>Subjetivo, pois é o próprio sujeito que organiza suas experiências</p><p>e conhecimentos, tanto os que adquire por vivência própria quan-</p><p>to os “por ouvir dizer”;</p><p>Assistemático, pois esta organização das experiências não visa</p><p>uma sistematização das ideias, nem na forma de adquirilas nem na</p><p>tentativa de validá-las;</p><p>Acrítico, pois verdadeiro ou não, a pretensão de que esses conhe-</p><p>cimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica.</p><p>Como podemos ver na apresentação</p><p>do autor citado, o conhecimento do</p><p>senso comum tem uma fundamenta-</p><p>ção frágil e carece de rigor metódi-</p><p>co. Além disso, e o mais grave, é a</p><p>sua pretensão de verdade, ou seja,</p><p>constitui-se como uma crença que</p><p>não está sujeita a questionamentos,</p><p>revisões e reformulações.</p><p>No campo das ciências humanas, as</p><p>opiniões e valores herdados podem</p><p>gerar problemas críticos para a orga-</p><p>nização social, como o preconceito.</p><p>Crenças religiosas ou mitos acerca</p><p>da cor da pele podem levar à carac-</p><p>terização das pessoas e à discrimi-</p><p>nação, sem que haja qualquer funda-</p><p>mentação para tais práticas.</p><p>14</p><p>O conhecimento científico distingue-</p><p>-se do senso comum por buscar as</p><p>regularidades dos fenômenos e ten-</p><p>tar explicá-los a partir de suas cau-</p><p>sas. Enquanto que um pedreiro sabe</p><p>como colocar uma parede em pé, ali-</p><p>nhada e firme, um físico sabe explicar</p><p>porque ela fica em pé, determinando</p><p>causas como a gravidade, peso, mas-</p><p>sa e força. Aparentemente o conheci-</p><p>mento do pedreiro é mais útil, mas é</p><p>o conhecimento do físico que permite</p><p>ao engenheiro projetar um prédio de</p><p>cinquenta andares, já que para isso</p><p>ele terá que calcular a profundidade</p><p>do aterramento capaz de suportar o</p><p>peso estimado da estrutura que será</p><p>erguida, além de estimar o impacto</p><p>que o vento terá sobre ela. Do mes-</p><p>mo modo, um químico saberá deter-</p><p>minar as substâncias ativas do chá de</p><p>camomila e isolálas para saber quais</p><p>as que têm propriedades calmantes e</p><p>indicar com maior precisão o seu grau</p><p>de efeito sobre os indivíduos.</p><p>A diferença entre o senso comum e o</p><p>senso científico está no método. Além</p><p>da observação, a ciência busca a cau-</p><p>sa de uma ocorrência com base na</p><p>experimentação. Para tanto, a obser-</p><p>vação deve ser cuidadosa e primeira-</p><p>mente é preciso definir o objeto que</p><p>está sendo estudado, ou seja, identi-</p><p>ficar suas características essenciais. O</p><p>conhecimento dessas características é</p><p>que permitirá fazer a associação entre</p><p>a causa e o efeito, levando o observa-</p><p>dor a perceber as relações entre as</p><p>propriedades dos objetos e explicar o</p><p>fenômeno observado.</p><p>À observação alia-se o processo de ex-</p><p>perimentação, no qual os efeitos e as</p><p>causas são testados em situações con-</p><p>dicionadas, específicas e variadas, com</p><p>a finalidade de obter uma regularidade.</p><p>Chamamos esse processo de método</p><p>empírico. Em geral, as experimentações</p><p>geram novos conceitos, os quais não</p><p>podem ser adquiridos por meio de pro-</p><p>cedimentos cotidianos. Ao testar um fe-</p><p>nômeno, é preciso utilizar instrumentos</p><p>adequados que possam medir, pesar,</p><p>contabilizar e estimular os corpos, subs-</p><p>tâncias etc. Uma observação científica</p><p>seguida de experimentação vai além de</p><p>reproduzir uma prática, pois permite vis-</p><p>lumbrar um conhecimento novo.</p><p>O método científico compreende outras</p><p>etapas que ampliam a observação. A</p><p>experimentação científica difere da ex-</p><p>periência ordinária porque, a partir da</p><p>identificação do objeto a ser pesquisa-</p><p>do, o sujeito cognoscente deve formular</p><p>um problema que possa ser respondido</p><p>a partir de conhecimentos já existentes</p><p>e registrados (uma bibliografia ou docu-</p><p>mentação) e, em seguida, com os dados</p><p>já construídos, provenientes das obser-</p><p>vações preliminares e dos registros li-</p><p>dos, formular uma hipótese,</p><p>a qual pode</p><p>ser entendida como uma resposta provi-</p><p>sória para o problema proposto. De pos-</p><p>se de uma hipótese, iniciam-se os testes</p><p>para verificar se a hipótese é válida. Ao</p><p>final dos testes, uma explicação geral</p><p>do fenômeno observado deve ser for-</p><p>mulada. Essa última etapa, também co-</p><p>nhecida como generalização, deve ser</p><p>ampla o suficiente para que, em todos</p><p>os casos semelhantes ao observado, a</p><p>explicação continue válida.</p><p>Científicob)</p><p>15</p><p>1º MOMENTO DO MÉTODO</p><p>2º MOMENTO DO MÉTODO</p><p>Observação:</p><p>coleta de dados</p><p>Elaboração</p><p>do problema:</p><p>questões sobre</p><p>o objeto</p><p>Experimentação</p><p>[formulação da</p><p>hipótese + testes]:</p><p>Explicações</p><p>provisórias que serão</p><p>postas à prova.</p><p>Generalização: explicação geral do fenômeno</p><p>estudado – consiste na redação de todo o processo,</p><p>desde a identificação do objeto, os procedimentos</p><p>de observação e experimentação e as conclusões obtidas.</p><p>O exemplo mais simples que pode-</p><p>mos dar é o da temperatura de ebu-</p><p>lição da água. Veja se você se lem-</p><p>bra: sabendo-se que a água muda</p><p>de estado de acordo com a tempe-</p><p>ratura, podemos questionar: “A que</p><p>temperatura média a água atinge o</p><p>ponto de se tornar gasosa?”. Primei-</p><p>ro deve-se escolher um instrumento</p><p>de medição de temperatura. No caso</p><p>brasileiro, é mais simples utilizarmos</p><p>a escala Celsius, sabendo-se que</p><p>existem pelo menos mais duas es-</p><p>calas para mensurar a temperatura.</p><p>O segundo passo é o de colocar a</p><p>água sob o efeito de temperaturas</p><p>diversas. Observa-se a ebulição em</p><p>torno dos 100 graus Celsius. Com</p><p>isso, pode-se formular a seguinte</p><p>hipótese: a água inicia a passagem</p><p>do estado líquido ao gasoso quando</p><p>exposta a uma temperatura de 100</p><p>graus Celsius. A partir daí, testa-se a</p><p>hipótese, submetendo a água a essa</p><p>temperatura por várias vezes. Se</p><p>o resultado se repete, então temos</p><p>uma regularidade que pode ser ex-</p><p>pressa na forma de uma generaliza-</p><p>ção: “A água inicia sua passagem ao</p><p>estado gasoso numa temperatura de</p><p>100 graus Celsius”. Essa afirmativa</p><p>deve ser válida para toda água que</p><p>for exposta a essa temperatura.</p><p>16</p><p>Figura 7</p><p>Mas, e se a hipótese não funcionar,</p><p>como fica a investigação? Volta-se</p><p>ao ponto inicial de observação para</p><p>verificar se alguma coisa foi deixada</p><p>ao acaso. No nosso exemplo, você</p><p>deve lembrar que a sentença só está</p><p>correta se colocarmos o complemen-</p><p>to “no nível do mar”. Depois de me-</p><p>dir a temperatura ideal de fervura da</p><p>água, ao realizar o mesmo teste em</p><p>lugares mais elevados do planeta,</p><p>descobriu-se que a temperatura de</p><p>fervura é outra. Isso porque a pres-</p><p>são atmosférica interfere no tempo</p><p>de ebulição. Por isso a afirmativa só</p><p>está correta se for enunciada da se-</p><p>guinte maneira: “no nível do mar, a</p><p>água ferve a 100 graus Celsius”.</p><p>Note a importância dos detalhes</p><p>para se conseguir uma afirmação</p><p>correta em termos científicos. Sem</p><p>o condicionante “no nível do mar”</p><p>ou a escala de temperatura correta</p><p>(Celsius), a tese não pode ser acei-</p><p>ta como verdadeira. Outros fatores</p><p>também são importantes, pois um</p><p>estudo mais detalhado demonstra</p><p>que há diferenças entre evaporação,</p><p>ebulição e calefação, fenômenos em</p><p>que a água passa do estado líquido</p><p>ao gasoso em temperaturas diferen-</p><p>tes. Seja curioso e procure a diferen-</p><p>ça entre esses termos.</p><p>17</p><p>Segundo Trujillo (1974 apud MARCO-</p><p>NI E LAKATOS, 2003, p. 80), o co-</p><p>nhecimento científico caracteriza-se</p><p>por ser sistemático, o que significa</p><p>ordenado logicamente, e ser verifi-</p><p>cável, ou seja, é passível de ser com-</p><p>provado. Mas essas características</p><p>não fazem dele um conhecimento in-</p><p>falível, pois pode ser questionado e</p><p>reformulado por novas informações</p><p>ou descobertas. É, portanto, sujeito</p><p>à crítica e isso é entendido como um</p><p>aspecto positivo, já que é por meio</p><p>das críticas que é possível avançar</p><p>ainda mais no seu desenvolvimento.</p><p>Normalmente associamos esse mé-</p><p>todo às ciências da natureza. É mui-</p><p>to comum pensarmos a experiência</p><p>como um fato que ocorre em labora-</p><p>tórios, mas o procedimento empírico</p><p>é aplicado em todas as ciências e</p><p>pode ser realizado em lugares dife-</p><p>rentes. No nosso caso, em que traba-</p><p>lhamos com educação e ensino, por</p><p>exemplo, nosso procedimento empí-</p><p>rico se inicia na observação dos alu-</p><p>nos. Se vamos fazer uma pesquisa</p><p>sobre a indisciplina na sala de aula,</p><p>selecionar a série e a turma que será</p><p>observada é o primeiro passo. De-</p><p>pois devemos identificá-la, fazendo</p><p>o levantamento de suas característi-</p><p>cas principais, como faixa etária, ren-</p><p>dimento escolar, classe social, tipos</p><p>de comportamento etc. Para isso, os</p><p>instrumentos são as entrevistas, le-</p><p>vantamentos estatísticos, análise da</p><p>documentação escolar. Em seguida,</p><p>podemos observar outros grupos</p><p>de alunos da mesma faixa etária e</p><p>série e identificar semelhanças e di-</p><p>ferenças. A experimentação, nesse</p><p>caso, está na capacidade de ana-</p><p>lisar dados e compará-los entre si.</p><p>Se houver grande incidência entre</p><p>mau comportamento e rendimento</p><p>escolar, já encontramos uma cone-</p><p>xão entre causa e efeito. Se formos</p><p>mais adiante e verificarmos a relação</p><p>entre esses dois fatores e a faixa de</p><p>renda familiar ou o meio social, já co-</p><p>meçamos a compreender o proble-</p><p>ma de modo diferente. Mas cuidado,</p><p>pois esse exemplo é muito comum</p><p>e não podemos criar uma hipótese</p><p>preconceituosa, pois nem toda tur-</p><p>ma indisciplinada pertence necessa-</p><p>riamente a grupos sociais de baixa</p><p>renda ou com baixo rendimento es-</p><p>colar. É muito importante que nossas</p><p>conclusões possam ser comprova-</p><p>das pelos dados e não apenas fun-</p><p>dadas nas crenças comuns. No caso</p><p>das ciências humanas, o cuidado</p><p>com o levantamento de dados deve</p><p>ser muito maior e deve-se buscar o</p><p>afastamento das opiniões vulgares</p><p>para não contaminar a pesquisa e os</p><p>resultados.</p><p>18</p><p>Portanto, o que define a ciência é o</p><p>rigor aplicado à investigação e a ca-</p><p>pacidade de explicar os fenômenos</p><p>a partir das relações existentes entre</p><p>suas propriedades. Outra caracterís-</p><p>tica da ciência é que ela é particula-</p><p>rizada, ou seja, seus princípios e pro-</p><p>cedimentos metodológicos variam</p><p>O conhecimento filosófico, fundado</p><p>textualmente na obra de Platão, ca-</p><p>racteriza-se principalmente por ser um</p><p>tipo de conhecimento especulativo,</p><p>essencialmente teórico e que preten-</p><p>de descobrir as causas dos fenôme-</p><p>nos. Além disso, o conhecimento filo-</p><p>sófico se distingue por não se ater a</p><p>um objeto em particular, mas na ten-</p><p>tativa incessante de compreender o</p><p>funcionamento dos fenômenos como</p><p>um todo. Diferentemente do senso co-</p><p>mum, a investigação filosófica não se</p><p>contenta com a observação ordinária</p><p>dos fenômenos e busca compreen-</p><p>dêlos de modo racional. O maior ins-</p><p>trumento da filosofia é o uso da razão</p><p>e para isso as regras lógicas são seu</p><p>apoio. Por não se deter em um obje-</p><p>to particular e não recorrer ao uso da</p><p>empiria, a filosofia difere da ciência, já</p><p>que a base das comprovações filosófi-</p><p>cas são as demonstrações.</p><p>No mundo contemporâneo, a socie-</p><p>dade tende a hostilizar o conheci-</p><p>mento filosófico justamente por cau-</p><p>de acordo com o objeto a que ela</p><p>se aplica. A física, por exemplo, que</p><p>pode ser definida como o estudo do</p><p>movimento dos corpos, desenvolve</p><p>conceitos, instrumentos e técnicas</p><p>específicas para esse fim. Para cada</p><p>fenômeno ou objeto, há uma meto-</p><p>dologia de investigação específica.</p><p>sa do desenvolvimento científico. A</p><p>ciência está mais perto da prática que</p><p>a filosofia. Entretanto, a investigação</p><p>filosófica atinge lugares de questio-</p><p>namento que a ciência não é capaz</p><p>de chegar perto, como a ética, cuja</p><p>necessidade prática não se pode ne-</p><p>gar, mas que não pode ser investiga-</p><p>da de modo empírico e nem ser fun-</p><p>dada em opiniões do senso comum.</p><p>O método filosófico caracteriza-se</p><p>principalmente pelo seu rigor, inician-</p><p>do-se pela preocupação com uma lin-</p><p>guagem precisa, capaz de descrever</p><p>os objetos com o menor grau de erro</p><p>possível. É por meio de conceitos,</p><p>portanto, definições e relações en-</p><p>tre definições que a filosofia constrói</p><p>o conhecimento. Para a maioria dos</p><p>autores que discutem a questão do</p><p>método científico, o rigor lógico e lin-</p><p>guístico</p><p>do método filosófico está na</p><p>origem do método científico e não é</p><p>à toa que o nascimento das ciências</p><p>particulares está sempre associado</p><p>ao nome de um filósofo.</p><p>Filosóficoc)</p><p>19</p><p>Por outro lado, há autores que afir-</p><p>mam que a contribuição da filosofia</p><p>para a construção do conhecimen-</p><p>to está na capacidade de estimular</p><p>a curiosidade e a investigação por</p><p>meio de perguntas fundamentais.</p><p>Nesse caso, a filosofia estimula o</p><p>questionamento, o aprimoramento</p><p>da linguagem e a aquisição do rigor</p><p>necessário para fazer ciência. Mas é</p><p>preciso tomar cuidado com essa defi-</p><p>nição, pois a filosofia não se restringe</p><p>a um mero instrumento da ciência ou</p><p>a uma forma de fomentar a curiosida-</p><p>de científica. Ela tem uma finalidade</p><p>própria, que é a compreensão radical</p><p>da existência. Isso não quer dizer que</p><p>é um tipo de ciência humana, que se</p><p>confunde com a psicologia. Quando</p><p>se fala em compreensão da existên-</p><p>cia, isso não pode ser restrito aos</p><p>conflitos internos dos seres humanos,</p><p>mas alargado no sentido de compre-</p><p>ensão do próprio cosmo.</p><p>Além disso, há campos específicos</p><p>tratados pela filosofia, como a ética,</p><p>que já citamos anteriormente, ou a</p><p>lógica, a política, o próprio conhe-</p><p>cimento. Cabe também à filosofia</p><p>pensar a própria ciência: questionar</p><p>a validade dos métodos, a finalidade,</p><p>seus limites e alcances.</p><p>Enfim, definir o que é filosofia não é</p><p>uma tarefa fácil e por isso existem</p><p>vários livros destinados apenas a</p><p>responder a pergunta: “O que é filo-</p><p>sofia?”. Para nós, neste curso, basta</p><p>compreendermos que é um conhe-</p><p>cimento especulativo, fundado em</p><p>conceitos, que busca, por meio de</p><p>uma argumentação rigorosa, propor</p><p>sistemas explicativos para os mais</p><p>variados objetos e suscitar questões</p><p>válidas para o conhecimento que já</p><p>está estabelecido.</p><p>A religião e a arte são outras formas</p><p>de conhecimento tão importantes</p><p>para a humanidade quanto as três</p><p>que apresentamos acima. Entretanto,</p><p>a forma como elas são produzidas é</p><p>muito diferente do que pretendemos</p><p>neste curso e exigem uma prepara-</p><p>ção especial. No caso da religião, a</p><p>ideia de verdade está associada à</p><p>revelação e é conquistada a partir de</p><p>uma rigorosa iniciação aos preceitos</p><p>da fé que é professada. Dentre as</p><p>características que a definem está</p><p>a de ser inquestionável, justamente</p><p>porque depende da fé.</p><p>Já a arte é um tipo de conhecimento</p><p>que deriva da relação entre o autor</p><p>e o mundo. A sua obra é fruto da for-</p><p>ma como ele percebe o exterior e</p><p>lhe atribui sentido, efetuando um ato</p><p>de criatividade. Mas não pense que</p><p>uma obra de arte nasce sem esforço!</p><p>É preciso muita cultura e estudo para</p><p>dominar técnicas de expressão da</p><p>realidade e criar novas perspectivas.</p><p>A obra de arte pode levar à reflexão</p><p>e à descoberta de novos horizontes.</p><p>20</p><p>4TROCANDO</p><p>EM MIÚDOS</p><p>Nesta aula, aprendemos que o co-</p><p>nhecimento resulta de uma relação</p><p>entre o sujeito que observa e o ob-</p><p>jeto observado. Mas, para que isso</p><p>aconteça, o sujeito da pesquisa deve</p><p>adotar uma série de prescrições que</p><p>norteiem a investigação para poder</p><p>leva-lo a conclusões satisfatórias.</p><p>Ao conjunto de procedimentos que</p><p>conduzem a investigação de um ob-</p><p>jeto ou acontecimento chamamos de</p><p>metodologia da pesquisa científica.</p><p>Essa se constitui de um conjunto de</p><p>definições, procedimentos e regras</p><p>que visam organizar e tornar eficiente</p><p>a produção do conhecimento. Desde</p><p>a antiga Grécia que essas etapas fo-</p><p>ram construídas. A primeira delas é a</p><p>observação e a coleta de dados, que</p><p>nos permite identificar o objeto que</p><p>queremos investigar. Nesse momen-</p><p>to, as definições e conceitos são fun-</p><p>damentais para iniciar a construção</p><p>do conhecimento pretendido.</p><p>Aprendemos também que há várias</p><p>formas de conhecimento. O senso</p><p>comum está fundado em opiniões e</p><p>percepções imprecisas. Já o conhe-</p><p>cimento científico procura aproxi-</p><p>mar-se da explicação mais coerente</p><p>e para isso utiliza-se de instrumen-</p><p>tos e técnicas que auxiliam na es-</p><p>pecificação dos dados. Além disso,</p><p>a ciência se desenvolve através de</p><p>hipóteses e de testes, constituindo-</p><p>-se como um tipo de conhecimento</p><p>comprovado. Já a filosofia é um tipo</p><p>de conhecimento especulativo, que</p><p>busca explicar os fenômenos na sua</p><p>totalidade por meio de raciocínios</p><p>e argumentações que, embora não</p><p>sejam verificáveis com experimenta-</p><p>ção, são lógicos e, portanto, válidos.</p><p>Vale ainda lembrar que a metodolo-</p><p>gia científica se aplica a todo e qual-</p><p>quer objeto de pesquisa, sejam fenô-</p><p>menos naturais, sociais, históricos ou</p><p>intelectuais.</p><p>21</p><p>5AUTOAVALIANDO</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>Após o término desta aula, é necessário refletir sobre o assunto e tentar</p><p>responder ao seguinte questionamento:</p><p>KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,</p><p>2001.</p><p>LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da metodolo-</p><p>gia científica. São Paulo: Atlas, 2003.</p><p>PIMENTA, Olavo C. A distinção kantiana entre aparecimento e fenômeno. In: Kant</p><p>e-prints. Campinas, série 2, v. 1, n. 1, p. 119-126, jan. a jun. de 2006. Disponível em:</p><p><ftp://ftp.cle.unicamp.br/pub/kant-eprints/Distincao%20entre%20 aparecimento%20</p><p>e%20fenomeno.pdf>. Acesso em: 15 de mar. de 2015</p><p>PRODANOV, Cleber Cristiano. Metodologia do trabalho científico [recurso eletrônico]:</p><p>métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. Novo Hamburgo: FEEVALE,</p><p>2013. Disponível em: <http://www.google.com.br/url?sa= t&rct=j&q=&esrc=s&source=we-</p><p>b&cd=2&ved=0CCQQFjAB&url=http%3A%2F% 2Ffiles.metodologiacientifica.com%2F-</p><p>200000005-138251575c%2Fe-book-mtc. pdf&ei=EO0CVZ3pFoOqNqO_gqAI&usg=A-</p><p>FQjCNEgpgsXNneUzBqi018dcVZ58 MFfow>. Acesso em:15 mar. 2015</p><p>Será que já sou capaz de identificar</p><p>o que é conhecimento científico e distinguir</p><p>os diversos tipos de conhecimento?</p><p>21</p><p>/iesp.faculdades</p><p>ead.iesp.edu.br</p><p>coordead@iesp.edu.br</p><p>83 2106-3816</p><p>@iespfaculdades</p>