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<p>Indaial – 2022</p><p>Brasileiro</p><p>Prof. Leomar Peruzzo</p><p>1a Edição</p><p>TeaTro</p><p>Elaboração:</p><p>Prof. Leomar Peruzzo</p><p>Copyright © UNIASSELVI 2022</p><p>Revisão, Diagramação e Produção:</p><p>Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech</p><p>Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI</p><p>Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI</p><p>Impresso por:</p><p>P471t</p><p>Peruzzo, Leomar</p><p>Teatro brasileiro. / Leomar Peruzzo – Indaial: UNIASSELVI, 2022</p><p>258 p.; il.</p><p>ISBN 978-85-515-0519-9</p><p>ISBN Digital 978-85-515-0515-1</p><p>1. Evolução teatral em terras brasileiras. - Brasil. II. Centro Universitário</p><p>Leonardo da Vinci.</p><p>CDD B869.2</p><p>Olá, acadêmico! Bem-vindo à disciplina de Teatro Brasileiro! O material que</p><p>você está prestes a conhecer foi desenvolvido com a agrupamento de temas que</p><p>estão conectados ao desenvolvimento do teatro brasileiro. O Livro Didático busca</p><p>dialogar com os fundamentos do Teatro Brasileiro desde a instauração do império até</p><p>a contemporaneidade. Os diálogos estabelecidos entre os diversos temas incitam a</p><p>reflexão em torno das origens do teatro brasileiro e os aspectos que a evolução teatral</p><p>em terras brasileiras apresentou.</p><p>O teatro brasileiro instalou-se em terras brasileiras com a chegada dos</p><p>colonizadores e a necessidade de catequização dos povos originários. Esse fato inaugura</p><p>a invasão de signos e significados da religião e dos dogmas tradicionalmente impostos</p><p>pela doutrina cristã. Em terras brasileiras, os povos que aqui residiam provavelmente</p><p>praticavam rituais com intuito religioso ou rituais que conectavam corpo e natureza. Em</p><p>termos de arte dramática, os padrões clássicos europeus desembarcaram no Brasil com</p><p>a vinda dos portugueses; e o desenvolvimento de centros urbanos trouxe a necessidade</p><p>de implementar a produção de espetáculos de teatro.</p><p>Na Unidade 1, abordaremos aspectos do teatro no Brasil Colônia e os aspectos</p><p>que definiram as primeiras manifestações teatrais eurocêntricas e com fundamentos</p><p>na doutrinação religiosa. Nesse período, a arte dramática era recurso eficiente para</p><p>introduzir os dogmas religiosos e desenvolver a instauração dos padrões religiosos da</p><p>época. Os conteúdos selecionados dialogam com uma perspectiva contemporânea na</p><p>discussão e apresentação dos principais aspectos do teatro no Brasil.</p><p>Em seguida, na Unidade 2, estudaremos o teatro pré-moderno e seus aspectos</p><p>que, posteriormente, desencadearam a arte dramática brasileira na modernidade. Os</p><p>processos criativos e os modos de criar desenvolveram espetáculos de teatro em um</p><p>tempo de profundas transformações sociais – fossem elas no Brasil ou em dimensões</p><p>globais. Foi no período modernista que o teatro brasileiro solidificou suas bases e criou</p><p>metodologias específicas para o desenvolvimento de modalidades teatrais originais.</p><p>Esse período precedeu a era de ouro do teatro nacional e revelou grandes dramaturgos,</p><p>encenadores e produtores de teatro.</p><p>Por fim, na Unidade 3, aprenderemos o teatro brasileiro na contemporaneidade,</p><p>seus hibridismos e o desenvolvimento de grupos de pesquisa em arte dramática. Este</p><p>período foi marcado por conflitos sociais, ditadura militar, retrocessos em incentivos</p><p>para a produção, mas rico em propostas de resistência populares, em diversidade de</p><p>propostas teatrais e implementação de cursos superiores em arte dramática. Por fim,</p><p>convidamos você, acadêmico, para mergulhar no universo da arte dramática brasileira</p><p>e construir seu conhecimento em torno dos aspectos que são importantes para a</p><p>definição de um teatro dito brasileiro.</p><p>Bons estudos!</p><p>Prof. Leomar Peruzzo</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e</p><p>dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes</p><p>completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você</p><p>acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar</p><p>essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só</p><p>aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos.</p><p>GIO</p><p>QR CODE</p><p>Olá, eu sou a Gio!</p><p>No livro didático, você encontrará blocos com informações</p><p>adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento</p><p>acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender</p><p>melhor o que são essas informações adicionais e por que você</p><p>poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações</p><p>durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais</p><p>e outras fontes de conhecimento que complementam o</p><p>assunto estudado em questão.</p><p>Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos</p><p>os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.</p><p>A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um</p><p>novo visual – com um formato mais prático, que cabe na</p><p>bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada</p><p>também digital, em que você pode acompanhar os recursos</p><p>adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo</p><p>deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura</p><p>interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no</p><p>texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que</p><p>também contribui para diminuir a extração de árvores para</p><p>produção de folhas de papel, por exemplo.</p><p>Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,</p><p>apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,</p><p>acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com</p><p>versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.</p><p>Preparamos também um novo layout. Diante disso, você</p><p>verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses</p><p>ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos</p><p>nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,</p><p>para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os</p><p>seus estudos com um material atualizado e de qualidade.</p><p>ENADE</p><p>LEMBRETE</p><p>Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma</p><p>disciplina e com ela um novo conhecimento.</p><p>Com o objetivo de enriquecer seu conheci-</p><p>mento, construímos, além do livro que está em</p><p>suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,</p><p>por meio dela você terá contato com o vídeo</p><p>da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-</p><p>res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de</p><p>auxiliar seu crescimento.</p><p>Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que</p><p>preparamos para seu estudo.</p><p>Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!</p><p>Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um</p><p>dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de</p><p>educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar</p><p>do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem</p><p>avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo</p><p>para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confi ra,</p><p>acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!</p><p>SUMÁRIO</p><p>UNIDADE 1 - ORIGENS E FUNDAMENTOS DO TEATRO BRASILEIRO .................................. 1</p><p>TÓPICO 1 - O TEATRO NO BRASIL COLÔNIA .........................................................................3</p><p>1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3</p><p>2 RAÍZES DO TEATRO BRASILEIRO ......................................................................................4</p><p>3 OS JESUÍTAS E O TEATRO DE CATEQUESE ......................................................................6</p><p>4 O TEATRO E AS INFLUÊNCIAS EUROPEIAS E AFRICANAS ..............................................9</p><p>5 OS ESPAÇOS DO TEATRO NO BRASIL COLÔNIA ............................................................. 13</p><p>6 INDUMENTÁRIA E ASPECTOS VISUAIS .......................................................................... 16</p><p>RESUMO DO TÓPICO 1 ......................................................................................................... 19</p><p>AUTOATIVIDADE .................................................................................................................</p><p>necessitam ser reconhecidos pela nítida definição de seus papéis. “Quem é mau, é mau</p><p>mesmo; quem é bom, é bom mesmo. Inexiste possibilidade de meio termo” (PRADO,</p><p>2012, p. 73). Neste sentido, os crimes cometidos eram de certa gravidade, acusações</p><p>infundadas, golpes de bens ou títulos, assassinatos e atos com certo requinte de</p><p>perversidade. Crimes comuns, cometidos nas ruas apareciam nas tramas.</p><p>Nesse contexto, dois acontecimentos marcaram o teatro neste período como</p><p>fatos fundamentais para este período. A encenação da tragédia Antônio José ou</p><p>O Poeta e a Inquisição, de Gonçalves de Magalhães, e da comédia O Juiz de Paz da</p><p>Roça de Martins Pena. Esse acontecimento ocorreu em 1938 e marca o nascimento</p><p>oficial da dramaturgia brasileira. Neste sentido, além dos fatos mencionados, duas</p><p>crônicas românticas marcaram o drama brasileiro romântico: “A Órfã ou A Assembleia</p><p>28</p><p>dos Condes Livres e Camões, do escritor franco-brasileiro Luís Antônio Burgain, e as</p><p>primeiras comédias, O Triunfo da Imprensa e Um dos Muitos de Joaquim José Teixeira</p><p>(mal escondido sob as iniciais J. J. T)” (KIST, 2012, p. 75, grifos nossos). A Figura 13 traz</p><p>uma ideia de indumentária do Romantismo e seus valores voltados para a burguesia.</p><p>FIGURA 13 – INDUMENTÁRIA DO PERÍODO DO ROMANTISMO E PROPOSTA DE CARACTERIZAÇÃO PARA</p><p>TEATRO DA ÉPOCA</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3DkBmCo>. Acesso em: 21 jan. 2022.</p><p>Os principais aspectos que o romantismo proporcionou para o teatro no Brasil</p><p>foi a possibilidade de instaurar um teatro genuinamente brasileiro que se aproximavam</p><p>das primeiras peças de Victor Hugo e Alexandre Dumas como as mais românticas,</p><p>que rompiam com o classicismo em níveis literários, sociais, estéticos, metafísicos e</p><p>morais. O drama romântico “[...] onde o herói ou a heroína trazem dentro de si, a um só</p><p>tempo, o bem e o mal, o anjo e o demônio, na linguagem poética da época, embebida de</p><p>cristianismo” (PRADO, 2012, p. 73). Estes aspectos geram transgressões operadas pelos</p><p>personagens como reis, rainhas ou por aqueles que deveriam ser exemplos da moral e</p><p>boa conduta. Tais transgressões podem ser crimes como estupros, incestos, parricídio e</p><p>outros atos que reforçam a resolução de uma trama do período romântico.</p><p>A questão central do teatro romântico circunda termos populares como</p><p>o romanesco e mágico, as mágicas teatrais e surreais; o romanesco e o incrível, o</p><p>fantástico, aventuras incríveis, prodigiosas, histórias amorosas, histórias fantasiosas e</p><p>narrativas que exaltavam o envolvimento amoroso impossível. Personagens homens</p><p>solteiros submetidos a leis sociais e ao amor e que se envolviam com mulheres casadas.</p><p>Libidinagem, desejos proibidos, luxúria, amor ingênuo capaz de sacrifícios como de</p><p>oferecer a própria virgindade ou a vida. Em Alexandre Dumas, a mulher submissa ao</p><p>homem, sentimentalmente e sexualmente, encontra-se envolvida em atmosferas de</p><p>dependência emocional à figura masculina e que se realiza no casamento (PRADO,</p><p>29</p><p>2012). O período do Romantismo foi rico por estabelecer o nascimento de uma</p><p>dramaturgia original brasileira, tanto no aspecto da encenação romântica, quanto da</p><p>estética fantasiosa.</p><p>A seguir, apresentamos um fragmento do texto do dramaturgo Martins Pena</p><p>(Luís Carlos Martins Pena). O renomado dramaturgo nasceu no Rio de Janeiro,</p><p>em 5 de novembro de 1815, e faleceu em Lisboa, Portugal, em 7 de dezembro</p><p>de 1848. Dentre suas mais notáveis obras está a peça O Juiz de Paz na Roça. O</p><p>texto apresenta características do período do romantismo, mas está localizado</p><p>na comédia de costumes que estudaremos a diante. Acesse o texto na íntegra,</p><p>em: http://www.bdteatro.ufu.br/bitstream/123456789/120/1/TT00149.pdf.</p><p>ESTUDOS FUTUROS</p><p>O JUIZ DE PAZ NA ROÇA</p><p>Texto dramatúrgico em um ato do dramaturgo.</p><p>Martins Pena</p><p>ATO ÚNICO</p><p>CENA 1</p><p>Sala com uma porta no fundo. No meio uma mesa, junto à qual coserão MARIA</p><p>ROSA E ANINHA</p><p>MARIA ROSA – Teu pai hoje tarda muito.</p><p>ANINHA – Ele disse que tinha hoje muito que fazer.</p><p>MARIA ROSA – Pobre homem! Mata-se com tanto trabalho! É quase meio-dia e</p><p>ainda não voltou. Desde as quatro horas da manhã que saiu; está só com uma</p><p>xícara de café.</p><p>ANINHA – Meu pai quando principia um trabalho não gosta de o largar, e minha mãe</p><p>bem sabe que êle tem só a Agostinho.</p><p>MARIA ROSA – É verdade. Os meias-caras agora estão tão caros! Quando havia</p><p>valongo eram mais baratos.</p><p>ANINHA – Meu pai disse que quando desmanchar o mandiocal grande há-de</p><p>comprar uma negrinha para mim.</p><p>MARIA ROSA – Também já me disse.</p><p>ANINHA – Minha mãe, já preparou a jacuba para meu pai?</p><p>MARIA ROSA – É verdade! De que me ia esquecendo! Vai aí fora e traz dous limões.</p><p>30</p><p>(ANINHA SAI) Se o Manoel João viesse e não achasse a jacuba pronta, tínhamos</p><p>campanha velha. Do que me tinha esquecido! (ENTRA ANINHA)</p><p>ANINHA – Aqui estão os limões.</p><p>MARIA ROSA – Fica tomando conta aqui, enquanto eu vou lá dentro (SAI)</p><p>ANINHA – (SÓ) – Minha mãe já se ia demorando muito. Pensava que já não poderia</p><p>falar com senhor José, que está esperando-me debaixo dos cafêzeiros. Mas como</p><p>minha mãe está lá dentro, e meu pai não entra nesta meia hora, posso fazê-lo</p><p>entrar aqui (CHEGA À PORTA E ACENA COM O LENÇO). Ele aí vem.</p><p>FONTE: <https://www.curso-objetivo.br/vestibular/obras_literarias/Martins_Pena/o_juiz_de_paz_da_</p><p>roca.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2022.</p><p>3 A TRAGÉDIA E MELODRAMA BRASILEIROS</p><p>As definições clássicas de Tragédia transitam por territórios da cultura grega e</p><p>reverberou uma estética teatral conectada com os ideais da Grécia Antiga. A tragédia</p><p>surgiu conectada ou em termos opostos à comédia. Como gênero dramático, a tragédia</p><p>estava inserida como ritual de celebração e para cultuar o deus da fertilidade. A tragédia</p><p>possuía certo apelo para o didatismo e tentava mostrar como os espectadores deveriam</p><p>lidar com os sentimentos e emoções como o ódio, vingança, amores, traições, ciúmes.</p><p>Em contraponto ou em complementaridade, a comédia tratava de situações cotidianas</p><p>que pudessem promover o riso ou o deboche. Esses referenciais não foram abandonados</p><p>ou extintos na tragédia ou melodramas brasileiros.</p><p>De acordo com os referenciais gregos, uma tragédia grega deveria conter um</p><p>prólogo, episódio e êxodo. O prólogo funciona como cenas que introduzem a trama com</p><p>o coro anunciando, por meio de canto e outros recursos, ao espectador o que está</p><p>por vir ou onde a história localiza-se. Os episódios possuem a função de apresentar os</p><p>diálogos que ocorrem entre os devidos personagens e entre o coro e as personagens. Os</p><p>episódios possuíam a função de mostrar o modo como o personagem central opera na</p><p>trama. O êxodo é a finalização do espetáculo teatral grego onde o personagem heroico</p><p>reconhece que errou e é contemplado com o castigo divino.</p><p>Neste sentido, o melodrama brasileiro apresentou certa conexão com as</p><p>raízes gregas e “[...] a sentimentalidade, a variedade de tom, a mensagem positiva e a</p><p>exuberância formal marcam o estilo melodramático. Ao acentuar a distinção face aos</p><p>gêneros clássicos, os autores de melodramas demarcam as fronteiras de um estilo com</p><p>personalidade própria” (KIST, 2012, p. 78). A Figura 14 apresenta uma cena da tragédia</p><p>clássica Édipo Rei de Sófocles.</p><p>31</p><p>FIGURA 14 – CENA DA TRAGÉDIA GREGA ÉDIPO REI. ALEGORIA ILUSTRATIVA</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3Ha2EfV>. Acesso em: 28 set. de 2021.</p><p>Os sentidos da tragédia clássica permaneceram em conexão com o melodrama</p><p>brasileiro pois os personagens que aportavam neste estilo facilmente poderiam ser</p><p>confundidos com os heróis trágicos que aparentemente possuem uma vida de origem</p><p>nobre e respeitados em seu cotidiano. Uma vez que o objetivo da tragédia era retratar</p><p>questões existenciais, apontar as consequências de suas escolhas e reforçar os efeitos</p><p>de uma escolha má. Um fator que influenciou o teatro brasileiro e foi as tendências</p><p>europeias, portuguesas e francesas que permitiram o desenvolvimento de um gosto</p><p>popular pelo teatro da época. Neste sentido o que estava em ascensão era o melodrama</p><p>que explorava temática</p><p>fundada em aspectos sentimentais (PRADO, 2012).</p><p>Ao aportarem no Brasil as companhias teatrais buscavam estabelecer-se em</p><p>cidades com certa fervura cultural para que pudessem garantir o público necessário</p><p>para obter sucesso em suas produções. “A diferença do ponto de vista entre drama e</p><p>melodrama fica patentemente clara quando se confronta o desfecho de duas dessas</p><p>peças, ambas colocando em cena a relação pais-filhos, tão encarecida pelo cristianismo”</p><p>(PRADO, 2012, p. 73). A influência dessas companhias no teatro brasileiro na definição</p><p>de um padrão artístico e estético foi tamanha que permitiu delinear aspectos como</p><p>protocolos de espetáculos, a estética de uma noite de apresentações teatrais e até os</p><p>modos que os atores desenvolviam seus papéis em cena. A indumentária, aspectos</p><p>visuais e a composição da cenografia faziam parte da herança que aportou com as</p><p>companhias estrangeiras.</p><p>32</p><p>FIGURA 15 – INDUMENTÁRIA DE ESPETÁCULOS DO ROMANTISMO</p><p>FONTE <https://bit.ly/36EU1gj>. Acesso em: 21 jan. 2022.</p><p>O repertório das companhias era selecionado para que obtivessem aceitação</p><p>imediata, o que facilitou a popularização do estilo melodramático. Uma noite de</p><p>espetáculos nos moldes melodramáticos contavam com três partes distintas, mas que</p><p>se interconectavam.</p><p>O início era marcado por um número dito sério, esse número poderia aparecer</p><p>tanto no drama romântico, no melodrama ou em uma tragédia. Para finalizar a noite</p><p>de espetáculos eram exibidos dois números ditos mais leves: uma comédia, farsa ou</p><p>bailado. “Sendo tragédia, a peça seguia o padrão neoclássico, acentuando a contenção</p><p>em termos de ação, de espaço e de tempo, além de ostentar notável virtuosismo formal.</p><p>O drama, por sua vez, era de caráter histórico ou, então, simplesmente contava uma</p><p>história sentimental” (KIST, 2012, p. 76).</p><p>Em ternos de aceitação de estilo as que agradava o grande público,</p><p>[...] as peças seguiam um estilo melodramático que facilmente agradava</p><p>o grande público. Isso acontecia na França, onde o melodrama tinha se</p><p>desenvolvido, e em Portugal, que acatara a moda. No Brasil, o processo</p><p>é semelhante, acrescido de uma particularidade: o melodrama toma</p><p>o espaço dos gêneros tradicionais, como é o caso da tragédia, com</p><p>velocidade muito maior do que naqueles países. Provavelmente são</p><p>duas as razões implicadas: o nível de exigência da plateia, responsável</p><p>pela tendência para preferir diversões menos sofisticadas e a fórmula</p><p>intrinsecamente otimista do melodrama, que encoraja heróis e</p><p>heroínas a lutar por uma sorte melhor (KIST, 2012, p. 76).</p><p>O estilo melodrama está ligado ao escritor francês Charles Guilbert de Pixérécourt,</p><p>que escreveu uma centena de textos dramatúrgicos, que, evidentemente, foram</p><p>encenados inúmeras vezes, levando ao seu sucesso garantido junto ao seu público. “O</p><p>33</p><p>melodrama entrelaça vários gêneros. Contém elementos da epopeia, da tragédia, das</p><p>narrativas de terror e da comédia [...], e apresenta quatro figuras características: o herói,</p><p>o traidor, a vítima e o bobo, através de numerosas variações” (KIST, 2012, p. 77).</p><p>Esse estilo de encenação – ou propriamente dito, um gênero teatral – pode</p><p>adaptar-se às necessidades de ser acessível ao público em que será exibido. Se</p><p>pensarmos em aspectos que o definem há esferas ou pontos que podemos destacar</p><p>que podemos citar em ordem de três: o primeiro ponto está em valorizar o espetáculo</p><p>em contraponto a acabamento retórico.</p><p>O segundo ponto circunda a felicidade do par central do enredo ou o par que</p><p>está conectado por um relacionamento amoroso e o terceiro ponto deste gênero</p><p>está a mensagem que buscavam edificar o espectador, ou seja, tentam lançar uma</p><p>mensagem instrutiva. A preocupação com a recepção e a tentativa de agradar a plateia</p><p>desencadearam uma nova concepção de verossimilhança no teatro.</p><p>O melodrama é uma composição movimentada que reúne muitos</p><p>personagens e se desenvolve em torno de emoções intensas. Ele é</p><p>capaz de aproximar uma soma notável de elementos díspares e até</p><p>antagónicos, porque desafia conceitos de verossimilhança vigentes</p><p>em outros gêneros dramáticos. Ao misturar epopeia, tragédia,</p><p>narrativas de terror e comédia no espaço de uma única peça, vê-se</p><p>obrigado a encontrar solução nova para administrar um conjunto tão</p><p>opulento (KIST, 2012, p. 77).</p><p>FONTE 16 – LIVRO DE MARTINS PENA QUE RETRATA O ESTILO DO TEXTO DRAMATÚRGICO DO ROMANTISMO</p><p>FONTE: <https://static.preparaenem.com/2021/02/o-novico.jpg>. Acesso em: 28 set. de 2021.</p><p>A trama melodramática poderia apresentar ainda como convenções como um</p><p>final feliz, o bem é recompensado e o mal recebe punição exemplar. Este aspecto foi</p><p>devidamente explorado e em iniciativas de romper com esse padrão, ou de pensar em</p><p>uma nova concepção de verossimilhança, os dramaturgos apostaram em enredos que</p><p>buscavam apresentar múltiplos enredos que de modo entrelaçado oferece conclusões</p><p>desencontradas para os diversos personagens.</p><p>34</p><p>FONTE 17 – PINTURA ALMEIDA JÚNIOR (1850-1899): MOÇA COM LIVRO</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3o6fu7v>. Acesso em: 29 set. 2021.</p><p>A pintura de Almeida Júnior (1850-1899) retrata a atmosfera do período do</p><p>romantismo brasileiro. Os personagens que era alvo das tramas do romantismo eras</p><p>geralmente femininas e idealizavam o amor perfeito. Consequentemente, o estilo</p><p>respingou nos gêneros que surgiram depois como o melodrama e a comédia de</p><p>costumes. O melodrama pode parecer um modo de teatro que busca apresentar certa</p><p>simplicidade ou desprovido de efeitos grandiosos. No entanto, no quesito manter a</p><p>atenção do espectador, este estilo apresenta certa engenhosidade.</p><p>Contrapõe personagens representativas de valores opostos: vício</p><p>e virtude; patriotismo e traição; amor e ódio. Alterna momentos de</p><p>extrema desolação com outros de euforia, fazendo as mudanças</p><p>ocorrer em alta velocidade. Em geral, no andamento da peça o mal</p><p>se mostra mais vigoroso, mas, no fim, depois de batalhas, duelos,</p><p>explosões e de muitas lágrimas, a situação muda e a virtude são</p><p>devidamente reconhecidas (KIST, 2012, p. 77).</p><p>Quanto ao desfecho de uma peça melodramática obedece a uma ordem</p><p>específica como apresentar uma ordem que deve manter-se para sempre. Assim como</p><p>a felicidade do par que desempenha o papel de enamorados que sustentam o amor</p><p>romântico e perfeito. Para este feito, o andamento da trama apresenta o afastamento</p><p>de qualquer impedimento que poderia afastar o par romântico. “A ideia de que o</p><p>binômio felicidade-casamento é indissociável está fortemente vinculada à tradição do</p><p>melodrama. Pode haver casos de peças que não fazem do casamento a sua culminância,</p><p>porém a mensagem edificante está invariavelmente presente” (KIST, 2012, p. 78).</p><p>Neste âmbito de pensarmos nas características do melodrama, podemos afirmar</p><p>a que a retórica elegante, rebuscamento e textos sofisticados ficam em plano secundário.</p><p>Esse fato se dá pela característica da plateia brasileira da época estar receptiva a recursos</p><p>complexos de linguagem. Uma plateia que prefere viver emoções intensas era comum na</p><p>época que presenciar discursos rebuscados. Assim podemos afirmar que o melodrama se</p><p>desenvolveu conectado com a recepção, com a aceitação do público ou com a tentativa</p><p>de ajustar os espetáculos de acordo com o que a reação da plateia.</p><p>35</p><p>As condições da recepção desempenharam importante papel na popularização</p><p>do melodrama. Desta forma, o público experimentava na mesma encenação a alternância</p><p>de “[...] momentos de tensão máxima com outros de riso e de descontração. O espectador</p><p>atravessava sucessivos estados, ria e chorava, e no final saia recompensado. Se não</p><p>testemunha sempre a felicidade dos jovens apaixonados, encontra a certeza de que o</p><p>crime não compensa” (KIST, 2012, p. 78).</p><p>Para exemplificar estes aspectos, trazemos um trecho do texto Trinta Anos ou A</p><p>Vida de um Jogador, de autoria de Victor Ducange e Dinaux e datado de 1831. Neste texto</p><p>uma passagem retrata alguns dos aspectos com o pai salvando na última hora o filho que</p><p>tentara matar, sem saber</p><p>quem ele era, para morrer pateticamente em seu lugar:</p><p>Os universos dramáticos em oposição atravessados por uma dose de metafísica.</p><p>Dois aspectos dramáticos apresentam esferas e atmosferas de ação que operam em</p><p>intensas conexões: um em contestação, confusão e de moventes deslocamentos. Outra</p><p>esfera de reafirmação dos valores moralmente corretos e religiosos. “O crime está no</p><p>centro de ambos, mas movendo-se em direções contrárias” (PRADO, 2012, p. 74).</p><p>Os folhetins da época reforçavam as características do melodrama brasileiros</p><p>trazendo enredos novelescos que poderiam oscilar do melodrama par ao drama de</p><p>modo que os dois estilos fossem facilmente confundidos. Em alguns casos poderiam ser</p><p>considerados pejorativamente, em termos populares do meio teatral, como dramalhão.</p><p>Algum tempo depois Artur Azevedo vai empregar este termo em seus escritos sobre</p><p>a arte teatral. Um certo apelo medieval poderia aparecer, o adultério feminino, a</p><p>prevaricação de uma condessa enquanto seu esposo encontra-se em viagem ou em</p><p>missão de conquista. O final da trama poderia ser marcado com uma impiedosa ação</p><p>radical conectada com algo romântico (PRADO, 2012).</p><p>O soneto de Artur Azevedo retrata esse aspecto dramalhão da época e demonstra</p><p>alguns aspectos apresentados anteriormente. Confira a seguir o soneto (GUINSBURG;</p><p>FARIA; LIMA, 2006, p. 119):</p><p>GEORGES (sem alento): Infelizes, de quem eu tenho causado a desgraça!... Meu filho,</p><p>detesta o jogo... Bem vês os seus furores e os seus crimes!... Cara esposa... A morte</p><p>já se apresenta ante os meus olhos... Oxalá que as tuas virtudes obtenham a sua</p><p>justa recompensa e a graça e o perdão do delinquente!</p><p>Que dramalhão! Um intrigante ousado,</p><p>Vendo chegar da Palestina o conde,</p><p>Diz-lhe que a pobre condessa esconde</p><p>No seio o fruto de um amor culpado.</p><p>36</p><p>O melodrama com sua extraordinária capacidade de arranjar finais felizes,</p><p>distribuir castigos por má condutas e recompensas para que merecer ou por mérito</p><p>de cada personagem. Ao melodrama podemos atribuir a função de provar por todas as</p><p>conexões e resoluções que Deus escreve direito por linhas tortas, ou seja, a divindade é a</p><p>mantenedora de todos os seres e acontecimentos. Neste sentido “[...] o público deleita-se</p><p>com o espetáculo da vilania, porque sabe que no fim sairá reconfortado em seu otimismo</p><p>moral. Apesar das aparências, o mundo é bom, a justiça, que tarda, mas não falha, acaba</p><p>por realizar-se aqui mesmo na terra, perante os nossos olhos” (PRADO, 2012, p. 73).</p><p>A radicalidade do melodrama estava em estabelecer relações entre dois grupos</p><p>básicos de protagonistas e antagonistas que podem ser reconhecidos nitidamente pelas</p><p>características que operam em cada esfera de ações dramáticas. Personagem mau</p><p>é extremamente mau e personagem bom, benevolamente bom. A moderação é algo</p><p>que não está presente e o meio termo oferece espaço para extremismos. “Quanto aos</p><p>crimes cometidos, graves, sem dúvida, acusações falsas, usurpação de bens e títulos</p><p>sociais, assassínios, são, de certo modo, de ordem primária, não possuindo requintes</p><p>intelectuais de perversidade. Sem prejuízo da malignidade, são crimes comuns, desses</p><p>que correm as ruas” (PRADO, 2012, p. 73).</p><p>FIGURA 18 – OS DRAMATURGOS ARTUR AZEVEDO E GONÇALVES DE MAGALHÃES</p><p>FONTES: <https://bit.ly/3ACmSfS>. Acesso em: 21 jan. 2022.</p><p>Naturalmente o conde fica irado:</p><p>- O pai quem é? – pergunta. Eu! Lhe reponde</p><p>Um pajem que entra – Um duelo – Sim! Quando? Onde?</p><p>No encontro morre o amante desgraçado.</p><p>Folga o intrigante... Porém surge um mano,</p><p>E, vendo morto o irmão, perde a cabeça;</p><p>Crava um punhal no peito do tirano!</p><p>É preso o mano, mata-se a condessa,</p><p>Endoidece o marido... E cai o pano</p><p>Antes que outra desgraça aconteça.</p><p>Artur Azevedo</p><p>37</p><p>FIGURA 19 – GONÇALVES DE MAGALHÃES</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3G6riNg>. Acesso em: 21 jan. 2022.</p><p>Em um cenário em que a estrutura da tragédia clássica e neoclássica e do drama</p><p>romântico marcaram presença, o melodrama representa uma proposta híbrida que</p><p>conseguiu estabelecer-se em meio caminho para atender a um público interessado nas</p><p>tramas melodramáticas e suas peripécias. Mesmo com camadas sociais intelectualizadas</p><p>preferindo assistir espetáculos que se aproximavam dos valores morais da tragédia</p><p>clássica, no Brasil o gênero melodramático obteve sua consolidação. O gênero</p><p>melodramático sucedeu o Romantismo que obteve com o dramaturgo Gonçalves de</p><p>Magalhães e seu texto icônico Antônio José ou O Poeta e a Inquisição (KIST, 2012). Para</p><p>complementar este tema sugerimos acessar o texto que mencionamos anteriormente</p><p>que poderá oferecer novas conexões com o movimento do Romantismo e reconhecer</p><p>possíveis características do gênero melodramático.</p><p>Acesse o texto que foi o principal pontapé para o surgimento do romantismo</p><p>com o dramaturgo Domingos José Gonçalves de Magalhães e seu texto Antônio</p><p>José ou O Poeta e a Inquisição. Neste texto, você poderá conferir as características</p><p>de um texto dramatúrgico do romantismo e desenhar, associar ou conectar</p><p>seus aspectos com o gênero melodramático. Bons estudos! Disponível em:</p><p>https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4161.</p><p>ESTUDOS FUTUROS</p><p>4 O DRAMA E A DRAMATURGIA</p><p>Neste subtópico, abordaremos o Drama e a Dramaturgia no período em que o</p><p>teatro firmou duas raízes no Brasil e outras discussões que se conectam com o tema</p><p>enfatizando as possibilidades de conhecermos as definições destes dois termos. O Drama</p><p>como gênero, estilo ou possiblidade do ser humano produzir enredos que podem retratar</p><p>38</p><p>determinadas situações reais ou fictícias. Dramatização corresponde a capacidade do ser</p><p>humano de criar ação corporal assumindo as características de um personagem. Já a</p><p>dramaturgia corresponde aos textos criados para serem encenados, para serem postos</p><p>em cena por diferentes atores, companhias ou diversas adaptações possíveis.</p><p>Neste sentido, o ato de contar histórias está presente desde os tempos primitivos</p><p>quando os habitantes das cavernas supostamente costumavam relatar suas caçadas ou</p><p>acontecimentos para seus pares usando recursos dramáticos. Desde tempos antigos,</p><p>o hábito de relatar por meio da oralidade, suas histórias envolvendo seres fantásticos,</p><p>deuses ou feitos heroicos esteve presente. Neste sentido, o recurso da oralidade e a</p><p>capacidade de contar histórias fantásticas também foi um recurso utilizado nessa época.</p><p>Como vimos anteriormente, o teatro brasileiro nasceu em ações religiosas de</p><p>padres jesuítas para catequisar povos nativos. Essas narrativas eram baseadas em</p><p>biografias de santos, passagens bíblicas ou outras criações dramatúrgicas criadas</p><p>pelos padres jesuítas. Este início da construção de uma tradição artística teatral foi</p><p>aperfeiçoada e foi importante para a presença, em séculos mais tarde, de um teatro</p><p>original brasileiro. O período de implementação das primeiras comunidades e os séculos</p><p>posteriores foi marcado pela presença de encenações a serviço da catequização.</p><p>O teatro servia como instrumento de evangelização. Mais tarde, a presença</p><p>de espetáculos teatrais com objetivos de entretenimento e arte foram desenvolvidos</p><p>conectados com a vinda da família real e a modernização das cidades. Esse fato permitiu</p><p>a construção de casas de espetáculos em diversas cidades do país e a constituição de</p><p>uma arte teatral centrada nas possibilidades de experienciar esteticamente o fenômeno</p><p>teatral, afastando-se de abordagens submetidas a outras finalidades a não ser a</p><p>apreciação estética.</p><p>A estrutura clássica de uma dramaturgia circundava os seguintes elementos: o</p><p>prólogo, o desenvolvimento, resolução, final e êxodo. A presença do coro era fundamental</p><p>para que a trama pudesse ser desenvolvida. O coro consistia em um grupo de atores</p><p>que marcavam a presença nas cenas com cantos, textos pronunciados coletivamente e</p><p>outras movimentações que pudessem ser importantes para o espetáculo.</p><p>FIGURA 20 – CORO AOS MOLDES GREGOS EM ENCENAÇÃO CONTEMPORÂNEA</p><p>FONTE: < https://bit.ly/3qMjmvQ >. Acesso em: 28 set. 2021</p><p>39</p><p>De acordo com as discussões anteriores</p><p>a dramaturgia brasileira estabeleceu-</p><p>se recebendo influências de movimentos artísticos que ocorreram com intensidade no</p><p>continente europeu e ressoou em outras localidades. As companhias teatrais que vinham</p><p>de Portugal ou de outro país europeu, trouxeram vivacidade para o desenvolvimento</p><p>teatral no Brasil.</p><p>A inevitável miscigenação de culturas ocorreu com a vinda do povo africano e</p><p>da permanência da cultura nativa em diversos aspectos da cultura artística nacional.</p><p>Vimos também anteriormente as manifestações culturais que temos na atualidade que</p><p>apresentam características dos povos africanos ou dos povos originários. Em alguns</p><p>casos, temos a presença da cultura açoriana, espanhola ou de outro país europeu que</p><p>colonizou o Brasil.</p><p>Posteriormente à vinda da família real para o Brasil, as produções passaram a certa</p><p>intensificação para atender a um público crescente. O romantismo europeu desenvolveu</p><p>suas ramificações que sucedeu o melodrama e a comédia de costumes. A estrutura</p><p>dramática passou a romper com padrões clássicos para inserir novas possibilidades</p><p>criativas. O Romantismo cresceu imensamente na literatura e a dramaturgia recebeu</p><p>suas ressonâncias. Os exageros do romantismo foram incorporados no melodrama</p><p>que passou a ser estilo central de encenação de uma época em que o teatro brasileiro</p><p>passou a fortalecer suas bases.</p><p>Em tempos que o teatro se adaptava de acordo com a recepção, ou seja, o</p><p>público influenciava diretamente nos modos de criar teatro quando aceitava um</p><p>estilo calorosamente e a expectativa popular era de retornar para o teatro e encontrar</p><p>encenações com o mesmo formato e configuração. A retórica rebuscada que outrora era</p><p>presente em textos do romantismo, abre espaço para uma linguagem simplificada para</p><p>que pudesse ser acessível diante de um espectador que apresentava pouca aderência</p><p>a textos longos complexos e rebuscados (KIST, 2012).</p><p>O público da época optava por encenações que pudessem oferecem emoções</p><p>arrebatadoras fazendo do espetáculo momento de certa descontração. As encenações</p><p>melodramáticas buscavam prender a atenção do público com a alternância de</p><p>momentos tensos para logo após apresentar momentos de risos. Era comum uma</p><p>trama melodramática apresentar recursos para fazer o público chorar, rir, tensionar e ser</p><p>testemunha da felicidade do casal protagonista apaixonado. Na trama melodramática, a</p><p>certeza de que o crime não compensa e de final feliz eram certos (KIST, 2012).</p><p>Quando autores passam a romper com os padrões dos gêneros clássicos da</p><p>dramaturgia, rompem com textos versados e estabelecem novos modos de escrita,</p><p>passam a provocar os encenadores a criarem modos outros de encenação. As fronteiras</p><p>entre o drama clássico e o melodrama foram rompidas para permitir o nascimento de</p><p>personalidade própria. A estrutura da dramaturgia melodramática passa a ser o exagero,</p><p>busca por ideais amorosos, certa simplicidade em comparação aos textos anteriores,</p><p>final feliz e certo exagero em representar o amor romântico e perfeito (KIST, 2012).</p><p>40</p><p>A dramaturgia melodramática busca entrelaçar diversos gêneros, podendo</p><p>conter a epopeia, a tragédia, narrativas de terror, a comédia entre outros modos de</p><p>criar textos e encenações para um espectador que adorava ser surpreendido. Este</p><p>aspecto pode ter desenvolvido a base para que a dramaturgia brasileira pudesse ter sua</p><p>consolidação artística. Geralmente, as tramas apresentavam personagens característicos</p><p>como o herói, o traidor, a vítima e o bobo. Estes personagens estabeleciam suas ações</p><p>valorizando o espetáculo, ante aos discursos retóricos clássicos, destacando a busca</p><p>e concretização da felicidade do par romântico e uma mensagem final que buscava</p><p>reforçar ideais um tanto religiosos (KIST, 2012).</p><p>Ao desafiar os fundamentos e conceitos da verossimilhança vigente na época, o</p><p>melodrama apresenta elementos díspares e até antagônicos, que parecem contraditórios.</p><p>Ao misturar etilos de narrativas em um único texto o dramaturgo encontra a tarefa difícil</p><p>de encontrar encadeamentos coerentes e desfechos aceitáveis ou imprevisíveis. É</p><p>comum encontrarmos soluções divinas ou casos de milagres para reafirmar a predileção</p><p>do público por uma história com final feliz, o bem recompensado e o mal sofrendo as</p><p>punições de acordo com o feito maléfico. Em certo sentido, podemos considerar o</p><p>melodrama como um gênero de teatro singelo. Suas tramas são engenhosas ao buscar</p><p>recursos para prender a atenção do espectador. Ao contrapor personagens com valores</p><p>opostos como vícios e virtudes, patriotismo e traição; amor e ódio os dramaturgos criam</p><p>momentos extremos de euforia, operando mudanças bruscas, velocidades outras e</p><p>atmosferas. “Em geral, no andamento da peça o mal se mostra mais vigoroso, mas, no</p><p>fim, depois de batalhas, duelos, explosões e de muitas lágrimas, a situação muda e a</p><p>virtude são devidamente reconhecidas” (KIST, 2012, p. 77).</p><p>Os modos de apresentar o desfecho das encenações melodramáticas definido</p><p>pelo apelo ao que permanece para sempre, a felicidade que perdura acentuando o</p><p>casamento feliz em contraponto com a traição que pode destruir a perfeição do casal</p><p>de enamorados. já o drama histórico está estruturado em feitos reais que podem ter</p><p>acontecido em outros países e que apresenta a possibilidade de entrelaçar os fatos</p><p>narrados com uma história amorosa fictícia. A narrativa amorosa pode entrelaçar os</p><p>acontecimentos em conflitos políticos que não concordam com a união amorosa até</p><p>apresentar elementos que resolvem a trama (KIST, 2012).</p><p>As dramaturgias deste período, tanto o melodrama quanto o drama histórico se</p><p>distanciaram das canônicas regras da tragédia para dar espaço a histórias permeadas</p><p>de elementos surpresa. O descolamento dos esquemas da tragédia clássica permitiu</p><p>abandonar as noções de espaço e tempo, “[...] a ação concentrada no tempo e no espaço,</p><p>envolvendo um número pequeno de personagens, pouca ação física e linguagem</p><p>versificada” (KIST, 2012, p. 78)</p><p>Outros elementos eram utilizados para retratar em cena o que os textos</p><p>dramatúrgicos deste período retrataram, do drama e melodrama, apresentavam um</p><p>certo deslocamento por diferentes espaços e atmosferas para traduzir por meio da cena,</p><p>os sentimentos que envolvem os personagens. “[...] iluminação, movimento, figurinos e</p><p>41</p><p>múltiplos elementos plásticos são convocados para compor cenários impressionantes.</p><p>Tal dispersão vai igualmente afetar a unidade de tempo” (KIST, 2012, p. 78). As peripécias</p><p>em continuidade são recurso importante, bem como avanços temporais, regressões ao</p><p>passado ou outro movimento memorial para decifrar segredos ou resolver tramas.</p><p>As dramaturgias dessa época eram cheias de elementos que deixavam o enredo</p><p>repleto de reviravoltas, confusões de identidade, cartas que se perderam e não chegaram</p><p>ao destinatário, disfarces para tramar emboscadas, desencontros que culminavam em</p><p>acontecimentos e a presença de envenenamento ou de punhaladas suicidas. Estes</p><p>aspectos aparecem tanto em dramaturgias do romantismo quando no melodrama. “O</p><p>romantismo elege temas que a sociedade concebe como tabus. Amor impossível, adultério,</p><p>incesto, estupro, parricídio e regicídio são os principais dentre eles” (AZEVEDO, 2012, p.</p><p>95). O que difere os dois gêneros está no fato de o melodrama estar envolvido em deixar</p><p>evidente a lição de moral com finais felizes e punições para maus versus recompensas</p><p>para os bons. “Já o drama romântico quer trazer ao palco figuras que estão em conflito</p><p>com os valores da sociedade, que se recusam a aceitar as regras estabelecidas e que,</p><p>muitas vezes, se dilaceram internamente por causa disso” (AZEVEDO, 2012, p. 95).</p><p>Considerando o contexto histórico da época do Brasil colônia, o teatro</p><p>desenvolveu-se de forma original e com expressiva contribuição para a arte brasileira.</p><p>Este período aponta para a tentativa de desenvolver uma dramaturgia que seja original</p><p>brasileira e que possa retratar a aproximação com o espectador da época. As companhias</p><p>teatrais que aqui</p><p>aportaram encontraram campo fértil para o desenvolvimento de um</p><p>teatro que pudesse atender as necessidades da burguesia, mas que se aproximou do</p><p>espectador popular. A seguir trataremos de outro gênero de arte dramática amplamente</p><p>desenvolvida no Brasil e que se popularizou tanto quanto o melodrama.</p><p>5 COMÉDIA DE COSTUMES</p><p>A comédia de costumes é centrada no retrato de determinado grupo social em</p><p>que o dramaturgo está inserido. A abordagem é de aspectos dos hábitos e costumes de</p><p>um grupo social e nunca sobre um indivíduo. A crítica satírica envolvendo os tipos sociais</p><p>mesmo com a estilização cômica. Este gênero prioriza o retrato de uma sociedade com</p><p>hábitos e costumes que podem provocar o riso. Em terras brasileiras a comédia de costumes</p><p>apoiou-se em na comicidade, na intriga e tipos sociais. Com Martins Pena, considerado o</p><p>Mollière brasileiro, o gênero nasceu e desenvolveu-se (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006)</p><p>No período do romantismo brasileiro surgiu além do melodrama as comédias</p><p>românticas. Essa modalidade desenvolveu-se amplamente com as produções do</p><p>comediógrafo Martins Pena. Com habilidade para escrever textos dramatúrgicos</p><p>era fiel aos temas nacionalistas o autor impressionava com a inserção de meandros</p><p>dos costumes que faziam rir (AZEVEDO, 2012). Um fato histórico que impulsionou o</p><p>desenvolvimento cultural foi a vinda da missão francesa em 1816.</p><p>42</p><p>Mesmo com a presença de artistas e intelectuais vindos da Europa, a crítica da</p><p>imprensa da época anunciava a precariedade da arte brasileira e convocava os artistas</p><p>ou companhias a buscarem no contexto europeu a qualidade idealizada. “A inauguração</p><p>do Real Teatro de São João em 1813, depois rebatizado ao compasso das conjunturas</p><p>políticas, animou a criação de aproximadamente 23 casas de espetáculo em diversos</p><p>pontos do reinado na primeira metade do século XIX” (ARÊAS, 2012, p. 121).</p><p>FIGURA 21 – PRAÇA DO TEATRO REAL SÃO JOÃO – RIO DE JANEIRO. PINTURA DE JEAN BAPTISTE DEBRET</p><p>(APROX. 1834)</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3tRfvzi>. Acesso em: 28 set. 2021.</p><p>O gênero que mais floresceu em terras brasileiras foi a comédia que rompeu</p><p>com padrões, em meio a instabilidade cultural e crises de sentido. Há discussões sobre</p><p>quem obteve os créditos em torno da criação da comédia brasileira. Alguns estudiosos</p><p>afirmam que o criador da comédia nacional foi a obra de Araújo Porto Alegre. Outros</p><p>estudiosos afirmam que a criação da comédia nacional se deu com a obra de Martins</p><p>Pena e Joaquim Manuel de Macedo (ARÊAS, 2012).</p><p>Luís Carlos Martins Pena (1815-1848) foi dramaturgo, poeta e personagem que</p><p>praticou a escrita de textos para serem encenados reunindo aspectos da comédia de</p><p>costumes. Sua infância foi difícil, órfão de pai e mãe aos dez anos não tinha acesso aos</p><p>intelectuais da época. Sem revelar sua vocação, foi enviado por um grupo de tutores</p><p>comerciantes a fazer aulas de economia. Nesse tempo, teve acesso a aula de música</p><p>e possuía uma admirada voz de tenor. Estudou línguas, como inglês, francês e italiano.</p><p>“Essa formação variada e não ortodoxa certamente facilitou-lhe o desenvolvimento do</p><p>gosto artístico, aguçando o ouvido e o olhar de observador, qualidades prescindíveis a</p><p>quem alimente pretensões teatrais” (ARÊAS, 2012, p. 124).</p><p>O ano de 1838 foi decisivo para o teatro brasileiro e para Martins Pena por estrear</p><p>em pouco tempo com um sucesso estrondoso dois espetáculos que encenaram seus</p><p>textos dramatúrgicos. A peça Antônio José e a primeira comédia com O Juiz de Paz da</p><p>Roça. A obra de Martins Pena está apoiada na “[...] política do favor como mola social, a</p><p>corrupção em todos os níveis, a precariedade e atraso do aparelho judicial, a exploração</p><p>43</p><p>exercida por estrangeiros e a má assimilação da cultura europeia importada [...]” (ARÊAS,</p><p>2012, p. 125). As obras de Martins Pena eram geralmente protagonizadas pelo ator João</p><p>Caetano. “Acrescentem-se a esse rolo contrabando de escravos, os mecanismos da</p><p>contravenção, a servidão por dívida, comportamentos sexuais e familiares etc. Esses e</p><p>outros aspectos que percorriam a sociedade brasileira de alto a baixo são exibidos no</p><p>palco” (ARÊAS, 2012, p. 125).</p><p>Um jogo de palavras que desmentiam realidades da cena e das personagens.</p><p>Contextos escravistas aparecem para estabelecer certa incompatibilidade entre que</p><p>está sendo dito e o que executam em movimentos que constroem certa ironia dramática</p><p>de uma encenação.</p><p>Entre as personagens encontramos funcionários públicos e toda uma</p><p>gama de empregados de repartições, representantes da elaboração</p><p>lenta e difícil de uma camada social intermediária no Brasil. A eles</p><p>acrescentam-se caixeiros, classe politicamente avançada na, sacristãos,</p><p>soldados, artesãos, floristas e costureiras, essas últimas tidas como</p><p>profissões prostituídas de moças pobres (ARÊAS, 2012, p. 127).</p><p>Outros elementos que aparecem na dramaturgia de Martins Pena em</p><p>apresentações de rua com engenhosidade, presença de animais adestrados, pirotecnia</p><p>com fogos, recursos sustentados por armações e emboscadas. Atores “[...] executando</p><p>piruetas no alto de mastros, bufões ‘irresistíveis’ e até mesmo números da Commedia</p><p>dell'Arte” (ARÊAS, 2012, p. 127, grifo nosso).</p><p>Em 1844 o texto O Namorado ou A Noite de São João o autor presenta-se</p><p>extremamente inovador conjugando três fios condutores: o primeiro consiste em uma</p><p>trama amorosa característica da comédia de costumes; mesmo que ele nunca tenha</p><p>dedicado seu tempo a escrever comédias de amor.</p><p>O segundo fio condutor está firmado na farsa rústica portuguesa, personagens</p><p>submetidos a dívidas. A farsa com personagens rústicos, palavras coloquiais e</p><p>pancadaria sobrepõe-se em uma revolta por uma relação exploratória trabalhista. E o</p><p>terceiro fio condutor da comédia de Martins Pena transita em elementos próprios da</p><p>farsa com personagens característicos: personagem idoso com desejos sexuais por</p><p>uma moçoila que possui um marido e o sobrinho do idoso interessados em possuí-la.</p><p>Para finalizar a trama a convergência destes três fios ocorre com uma fogueira em noite</p><p>de São João como metáfora do amor e do que será resolvido (ARÊAS, 2012).</p><p>A comédia de costumes de Martins Pena há tramas amorosas e sexuais que</p><p>rompem com padrões sociais e até com barreiras entre classes: “[...] entre jovens da</p><p>mesma condição econômica, outros mais pobres, entre velhos casados e ricos, entre</p><p>serviçais, entre patrão (moço ou velho) com empregadas, entre moço rico e vários tipos</p><p>de mulher: velha, moça, bonita, feia, branca, cabocla, escrava” (ARÊAS, 2012, p. 129).</p><p>Os ditos pressupostos teatrais atravessavam a comédia, oferecendo para a resolução</p><p>da trama entrelaçadamente uma versão que remete facilmente aos modelos clássicos.</p><p>44</p><p>Neste sentido, a inovação inventiva de Pena foi a introdução na “[...] simetria da tradição</p><p>cômica (velhos versus jovens, serviçais versus amos, nacionais versus estrangeiros</p><p>etc.) uma assimetria básica: a presença dos escravos, que se deslocam no palco sem</p><p>correspondência de pares” (ARÊAS, 2012, p. 30).</p><p>Para encerrar a trama inovadora de Pena, a presença de escravizados eram</p><p>frequente e eles sem protagonismo, agiam como suas funções sociais exercendo papéis</p><p>e submissão sem a devida razão, desprovidos de capacidade de pronunciamento,</p><p>trabalham incessantemente aos berros e chicoteamentos de seus senhores. Eram</p><p>frequentemente enganados, forçados a compor a narrativa à margem da trama</p><p>central divertida e velozmente construída ou contemplada pelo espectador. O tema</p><p>da escravização de pessoas africanas seguia a tradição da época e marcava presença</p><p>como suporte para as peripécias centrais (ARÊAS, 2012).</p><p>A produção de comédias de Martins Pena estava de consonância com as</p><p>necessidades de oferecer ao espectador obras teatrais que provocassem o riso com</p><p>cenas baseadas nos hábitos e costumes de uma sociedade brasileira baseada nas</p><p>relações de exploração do trabalho, da burguesia em conchavos tenebrosos e a</p><p>presença de uma corte real que operava politicamente em território nacional. Diante</p><p>da</p><p>precariedade de espaços, recursos e possibilidades cênicas, o legado de Martins Pena</p><p>perdurou até os tempos atuais em que iniciativas populares de comédias e humoristas</p><p>nacionais promovem a criação de releituras e adaptações de estilos conectados a</p><p>comédia de costumes. Dramaturgias televisivas e programas de humor apresentam</p><p>traços de uma comédia com suas raízes nos costumes, condições sociais, sátiras</p><p>com questões de classes e diálogos com personagens tipo. No subtópico a seguir,</p><p>abordaremos o ator, sua arte de atuar em espetáculos da época abordada neste tópico.</p><p>Seguimos com nossos estudos.</p><p>6 O ATOR, A ARTE DE ATUAR E O ESPETÁCULO</p><p>Ao abordarmos o termo ator podemos buscar referências ao ato profissional</p><p>de atuar em espetáculos cênicos. Em uma ação temporal, espacial e geograficamente</p><p>localizada em uma cena teatralizada, o ator busca corporificar as mais variadas histórias</p><p>e apresentá-las a um público. O ator exerce em sua arte de atuar uma criação ficcional</p><p>que envolve seu corpo como um todo. Seja pelo estes os sujeitos que executam uma</p><p>cena teatral, o ator e a atriz, são peças fundamentais para que o fenômeno artístico</p><p>teatral possa ocorrer (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).</p><p>Considerando o trabalho de atuação em espetáculos teatrais do período colonial</p><p>brasileiro foi amplamente afetado pela vinda de D. João VI ao Brasil, em 1808. O Príncipe</p><p>Regente da Coroa portuguesa adota política de incentivo à cultura e desenvolvimento</p><p>das artes cênicas. Nesse sentido, busca incentivar as artes cênicas com o princípio de</p><p>que o teatro é um instrumento civilizador. Com este objetivo, o Príncipe providencia o</p><p>45</p><p>convite de companhias teatrais portuguesas para instalarem-se em terras brasileiras,</p><p>no teatro Real São João, para produzir espetáculos teatrais. Neste período o ator João</p><p>Caetano dos Santos considerado o primeiro ator brasileiro reconhecido. Este importante</p><p>personagem definiu os modos de atuação da época e influenciou outros artistas da</p><p>cena. Ele propunha que o ator é responsável pela criação de um papel e ele necessita</p><p>conhecer profundamente a sociedade em que está inserido e estudas outros modos de</p><p>vida e cabe ao ator representar papéis com credibilidade em qualquer estilo, seja em</p><p>encenações românticas ou em comédias (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).</p><p>FIGURA 22 – O ATOR JOÃO CAETANO (1808-1863)</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3IJF0qI>. Acesso em: 29 set. 2021.</p><p>O ator João Caetano é peça central para compreender a formação do teatro</p><p>brasileiro na perspectiva de um desenvolvimento específico nacional. O ator marcou</p><p>os palcos do teatro brasileiro com sua genialidade, vivacidade e intensa produção. O</p><p>ator foi exceção da época por ter desenvolvido o setor cultural de tal forma que outros</p><p>profissionais ligados as artes cênicas não atingiram. “Somente ele, na sua dupla função</p><p>de ator e de empresário, sustentou durante três decênios a continuidade de nossa vida</p><p>teatral, em condições sempre adversas e em nível surpreendentemente alto (RAMOS,</p><p>2012, p. 137).</p><p>O período de desenvolvimento do teatro romântico ocorreu entre 1833 e 1863,</p><p>coincidindo com a atuação e sucesso do ator João Caetano. No ano de 1933 o ator</p><p>cria na cidade de Niterói a primeira companhia teatral do Brasil. “Trinta anos na vida do</p><p>maior ator romântico compreendem todas as manifestações dramáticas e cênicas do</p><p>romantismo teatral e tangenciam, inclusive, as fases identificadas como anterior e de</p><p>ruptura com o romantismo” (RAMOS, 2012, p. 138).</p><p>46</p><p>João Caetano foi o ator que mais encenou textos dramatúrgicos de Martins</p><p>Pena no Imperial Theatro São Pedro. Esse Teatro recebeu o nome de Real Teatro São</p><p>João e posteriormente alterou o nome para Imperial Theatro São Pedro. O período de</p><p>encenações que iniciou com a “[...] estreia de O Juiz de Paz da Roça no Teatro S. Pedro,</p><p>em outubro de 1838, poucos meses depois da encenação de António José ou o Poeta</p><p>e a Inquisição, de Gonçalves de Magalhães (1811-1882), até o fim da colaboração de</p><p>Pena como folhetinista do Jornal do Comércio, em outubro de 1847” (RAMOS, 2012, p.</p><p>138). Neste sentido, o ator contribuiu amplamente como artista teatral consolidando os</p><p>percursos e processos de encenação no Brasil.</p><p>O ator João Caetano agia como empresário, produtor, ator, adaptador teatral</p><p>e fomentador incansável das artes da cena. Suas atuações eram virtuosas e como</p><p>produtor atuou intensamente até 1857, ano da inauguração do Teatro São Pedro, que</p><p>manteve até sua morte como uma referência das artes cênicas no Brasil. “Também é</p><p>inegável que no estilo de interpretação de João Caetano já havia um passo no caminho</p><p>do realismo, na medida em que se rompia com o modelo neoclássico de interpretação</p><p>e avançava-se rumo a uma interpretação menos hierática e mais sanguínea” (RAMOS,</p><p>2012, p. 138).</p><p>O trabalho de atuação de João Caetano buscava compreender o corpo humano</p><p>seu funcionamento, pontos de equilíbrio e esquemas de movimentos. Explorava</p><p>oposições entre membros superiores e inferiores, movimentos de braços e antebraços</p><p>para captar a atenção do público.</p><p>Ao compreender o funcionamento dos músculos faciais para que pudessem estar</p><p>prontos para qualquer ação cênica, o ator buscava o condicionamento necessário para</p><p>uma atuação prodigiosa. Além disso, João Caetano procurou estudar profundamente</p><p>seu instrumento de trabalho (seu corpo) para que se tornasse potencialmente criativo,</p><p>artístico e com capacidade para transformar-se de acordo com cada encenação</p><p>(RAMOS, 2012).</p><p>O ator traduziu em suas encenações o sentimento romântico com certa inovação</p><p>ao adotar novos modos de encenação que se afastavam dos moldes versados e diálogos</p><p>rebuscados. O ator desempenhou importante papel ao estrelar faras, melodramas,</p><p>tragédias e óperas ou produzir encenações de enorme sucesso na época. A tecnologia</p><p>cênica foi amplamente desenvolvida nessa época ao montar espetáculos com bases</p><p>românticas que reverberaram no surgimento de um teatro dito realista. As comédias</p><p>de costumes, as operetas, de encenações mágicas, materialidades conectadas com o</p><p>cotidiano fundaram o teatro que floresceria em décadas seguintes. Nesse sentido, “[...]</p><p>além do papel central de João Caetano em todo o processo, sobressai a participação de</p><p>Martins Pena como dramaturgo, encenador e crítico. É ele que, mais do que o consagrado</p><p>ator; emerge como o grande pioneiro no processo de aquisição de uma tecnologia de</p><p>encenação europeia” “(RAMOS, 2012, p. 139).</p><p>47</p><p>As noites de espetáculos eram eventos importantes que poderiam agregar</p><p>operas aos moldes europeus, comédias, dramas românticos e melodramas. Essa</p><p>variedade buscava fomentar e desenvolver o gosto ou o hábito de fruir espetáculos de</p><p>arte teatral. A presença de elementos diversos em encenações marcavam a variedade</p><p>dos espetáculos. Nesse sentido, a</p><p>[...] participação combinada de membros dos corpos estáveis –</p><p>músicos, atores e bailarinos – e artistas convidados. Esse ecletismo,</p><p>que combinava a ópera e a farsa, o melodrama e o concerto de</p><p>câmara reflete, na verdade, o papel central que uma instituição como</p><p>o S. Pedro desempenhou na difusão cultural e no entretenimento</p><p>da população da corte nas três primeiras décadas depois da</p><p>independência (RAMOS, 2012, p. 142)</p><p>Nesta perspectiva, o ator João Caetano “[...], foi um ator extraordinário, que</p><p>se notabilizou como protagonista de tragédias neoclássicas, dramas românticos e</p><p>melodramas, que consagraram seu estilo de interpretação grandioso e grandiloquente”</p><p>(RAMOS, 2012, p. 148). Para finalizar este tópico de estudos reforçamos a necessidade de</p><p>conhecermos as raízes do teatro brasileiro e como a atualidade apresenta a diversidade</p><p>cultural e cênica possibilitando experimentações conectadas a diversas áreas da arte.</p><p>48</p><p>RESUMO DO TÓPICO 2</p><p>Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:</p><p>• O romantismo foi um movimento literário, artístico que perpassou as mais diversas</p><p>áreas da arte, e, com o teatro não foi diferente, permitindo florescer um estilo</p><p>dramatúrgico originariamente</p><p>brasileiro.</p><p>• As características do romantismo incluíam exaltação de ideais amorosos, certa</p><p>liberdade de expressão, tendência ao nacionalismo, sustentação da religiosidade,</p><p>valorização da emoção diante da razão, egocentrismo acentuado e individualismo.</p><p>• O melodrama recebeu influências do romantismo e do teatro vindo da Europa. No</p><p>melodrama o texto era elaborado considerando a recepção de um público que não</p><p>aderia a textos rebuscados. No melodrama, a plateia vibrava com intensas emoções</p><p>e termos populares nas tramas.</p><p>• Os textos dramatúrgicos do melodrama entrelaçavam diversos gêneros para que</p><p>o espetáculo pudesse oferecer o máximo de surpresa, emoção e imprevisibilidade.</p><p>Esse aspecto ofereceu significativo avanço para a dramaturgia original do país.</p><p>• A comédia de costumes era baseada em textos que pudessem causar o riso na plateia</p><p>e fundada em hábitos cotidianos de uma sociedade. Poderiam aparecer peripécias</p><p>envolvendo tramas amorosas, personagens envolvidos em dívidas e os universos</p><p>eram coletivos e raramente individuais.</p><p>• O maior dramaturgo da comédia de costumes no Brasil foi o escritor Martins Pena que</p><p>era considerado o Mollière brasileiro.</p><p>• O ator João Caetano foi importante para o teatro brasileiro por ter múltiplas habilidades</p><p>além de ser um exímio ator. Ele era empresário, produtor, ator e encenador que</p><p>revolucionou os modos de produzir artes cênicas no Brasil.</p><p>49</p><p>1 O movimento literário brasileiro chamado de “Romantismo” ocorreu na literatura, na</p><p>arte dramática e na pintura. O florescimento do Romantismo deu-se com influências</p><p>do período romântico europeu e agregou elementos de um teatro brasileiro em</p><p>desenvolvimento para posteriormente consolidar uma arte dramática essencialmente</p><p>brasileira. Diante desse pressuposto, assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) O romantismo era baseado em enredos surreais, narrativas fantásticas, e adoção</p><p>de recursos clássicos tradicionalmente ancorados no teatro antigo.</p><p>b) ( ) A estética do romantismo está ancorada no teatro de catequese e na proposta</p><p>de inserir textos bíblicos intencionando a doutrinação da plateia.</p><p>c) ( ) O período romântico foi marcado pela liberdade de criação teatral e com</p><p>certo desapego aos moldes teatrais europeus para fazer nascer um teatro</p><p>especificamente conectado com ideais do governo argentino.</p><p>d) ( ) As características do Romantismo eram conectadas com ideais amorosos, certa</p><p>liberdade de expressão, tendência ao nacionalismo, sustentação da religiosidade</p><p>entre outras.</p><p>2 O melodrama surgiu com a reunião de estilos, gêneros e elementos teatrais e</p><p>da necessidade de inovar os modos de fazer teatro no Brasil. O público de teatro</p><p>melodramático preferia encontrar nos espetáculos fortes emoções e refutar textos</p><p>rebuscados ou versados. Com base nas definições dos do teatro melodramático,</p><p>analise as sentenças a seguir:</p><p>I- No melodrama o texto era elaborado considerando a recepção de um público que</p><p>não aderia a textos rebuscados.</p><p>II- Emoções fortes, elementos surpresa e mistura de gêneros eram elementos</p><p>presentes em uma encenação melodramática.</p><p>III- O melodrama era baseado em conceitos da filosofia grega e estava estruturado nos</p><p>moldes tradicionais do teatro antigo.</p><p>Assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.</p><p>b) ( ) Somente a sentença II está correta.</p><p>c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.</p><p>d) ( ) As sentenças II e III estão corretas.</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>50</p><p>3 O dramaturgo Martins Pena foi um dos escritores de notável destaque no cenário</p><p>da dramaturgia nacional. Ele foi considerado o Mollière brasileiro pelo seu estilo</p><p>de composição de textos dramatúrgicos que agradavam o público e por adotar</p><p>elementos ou recursos teatrais que remetem aos textos escritos pelo dramaturgo</p><p>francês Mollière. De acordo com os seus princípios, classifique V para as sentenças</p><p>verdadeiras e F para as falsas:</p><p>( ) A dramaturgia de Martins Pena estava conectada com os costumes sociais e</p><p>enfatizava aspectos de cada contexto social.</p><p>( ) A dramaturgia de Martins Pena estava conectada com o gênero comédia de</p><p>costumes e buscou inspiração nos textos de dramaturgos europeus como Mollière.</p><p>( ) A dramaturgia de Martins Pena não foi bem aceita pelo público da época e esse fato</p><p>forçou o autor a modificar seu estilo de escrita para retornar aos padrões europeus.</p><p>Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:</p><p>a) ( ) V – F – F.</p><p>b) ( ) V – V – F.</p><p>c) ( ) F – V – F.</p><p>d) ( ) F – F – V.</p><p>4 A comédia de costumes é um gênero teatral que envolve tramas contendo situações</p><p>que provocam o riso. São personagens tipo que agem para desenvolver uma</p><p>dramaturgia baseada em textos baseados em hábitos cotidianos de uma sociedade.</p><p>Poderiam aparecer peripécias, envolvendo tramas amorosas, personagens envolvidos</p><p>em dívidas e os universos eram coletivos e raramente individuais. Diante destes</p><p>pressupostos, disserte sobre a comédia de costumes.</p><p>5 O ator de teatro João Caetano foi personagem central no desenvolvimento do teatro</p><p>Brasileiro. Ele com suas múltiplas habilidades, o ator encenou inúmeros textos de</p><p>Martins Pena e agiu como produtor, encenador e agente das artes cênicas. O ator</p><p>João Caetano foi mantenedor de espaços teatrais de companhias e produtor de</p><p>milhares de espetáculos relacionados as artes cênicas. De acordo com a genialidade</p><p>de João Caetano, disserte sobre sua proposta de atuação ou trabalho de ator.</p><p>51</p><p>TÓPICO 3 -</p><p>TEATRO NATURALISTA E REALISTA</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>Neste tópico, você encontrará conhecimentos importantes sobre estilos e</p><p>abordagens conectados com o teatro realista, naturalista e seus representantes. A</p><p>dramaturgia brasileira de um período em desenvolvimento das cidades brasileiras passou</p><p>por profundas transformações. A configuração da sociedade brasileira e as influências</p><p>externas como de companhias de teatro europeias influenciaram o desenvolvimento de</p><p>estilos inovadores. O realismo no teatro nasceu em meio a efervescência social e cultural</p><p>e de uma ascensão de uma burguesia brasileira com suas características próprias.</p><p>O Realismo e Naturalismo no teatro brasileiro podem ser facilmente confundidos</p><p>se pensarmos nas definições gerais a serem discutidas. Os ismos em termos de</p><p>movimentos artísticos indicam o desenvolvimento de iniciativas que promovem</p><p>inovações, estilos próprios ou atitudes coletivas que podem definir os modos de</p><p>estabelecer relações com a arte e o conhecimento que pode surgir dela.</p><p>O Realismo busca ressaltar em suas propostas de encenação certa feição</p><p>ao moralismo, descreve os costumes justapostos à prescrição de valores fundados</p><p>eticamente no trabalho, na honestidade, no casamento como algo sagrado, apresenta</p><p>uma burguesia boa em oposição a burguesia má. Os personagens circundam as</p><p>atmosferas de heróis com comportamento exemplar, pais e mães de família ou jovens</p><p>moços que possuem comportamento aos moldes considerados moralmente aceitos.</p><p>No naturalismo, o objetivo da cena estava fundado na ação de recortar uma fração de</p><p>realidade e tentar reproduzir esse recorte de modo que seja idêntico ao real (GUINSBURG;</p><p>FARIA; LIMA, 2006; FARIA, 2012).</p><p>Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos aspectos que poderão definir ou</p><p>aprofundar as definições em torno destes estilos da cena brasileira, conhecer os</p><p>principais dramaturgos que influenciaram a elaboração de um teatro que marcou uma</p><p>época de intensas modificações culturais. Aproveite para realizar pesquisas pontuais</p><p>para conhecer o estilo dos textos dramatúrgicos e identificar os diferentes estilos de</p><p>dramaturgia que estudaremos neste tópico.</p><p>UNIDADE 1</p><p>52</p><p>2 A DRAMATURGIA REALISTA</p><p>Para entendermos o teatro realista necessitamos cessar certos conceitos que</p><p>são elementares para a analisar as características que compõem a estética realista. Neste</p><p>estilo, como uma reação ao teatro romântico, as iniciativas realistas disputavam espaços</p><p>com as propostas teatrais do Romantismo. O Realismo como um modelo dramatúrgico</p><p>que marcou história</p><p>na obra de Alexandre Dumas e Émile Augier, foi composto com certo</p><p>distanciamento das paixões e exageros, das tramas que idealizavam amores ou de tensões</p><p>dramáticas. “Estes autores trazem para as tramas certa naturalidade como princípio</p><p>que norteia os diálogos das cenas. Este fato traz para a cena uma descrição próxima ao</p><p>verdadeiro dos costumes da burguesia” (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 266).</p><p>As dramaturgias Realistas além de estarem conectadas com aspectos da vida</p><p>real, buscavam conectar-se com certa feição moralizadora ao descrever os costumes</p><p>justapostos a prescrição de valores considerados éticos como o trabalho, a honestidade</p><p>e o casamento de um enredo que se presta ao debate de questões sociais e que opõem</p><p>bons e maus burgueses. Há, no realismo, uma tentativa de idealizar a sociedade e de</p><p>exaltar a burguesia e seus valores ditos como morais e corretos.</p><p>Os personagens maus burgueses eram caçadores, especuladores, preguiçosos</p><p>e desonestos. “Já os heróis eram os papéis como: pais e mães de família ou moços e</p><p>moças que tem a cabeça no lugar; e o amor que vale não é mais a paixão ardente, mas</p><p>o amor conjugal, que deve ser calmo e sereno” (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 266).</p><p>Como resultante desta trama posta em cena apresenta certa relatividade quanto aos</p><p>fatos e busca uma melhora da sociedade inserindo tendências a atitudes moralizantes.</p><p>Neste estilo de encenação, valorizava-se o que era considerado a maior instituição da</p><p>época: a família.</p><p>No ano de 1885 o Teatro Ginásio Dramático iniciou a montagem de dramaturgias</p><p>francesas da chamada “escola realista”. Essas dramaturgias tratavam dos costumes e</p><p>problemáticas que circundavam o universo da burguesia da época. Os autores Alexandre</p><p>Dumas Filho, Émile Augier, Theodore Barriêre e Octave Feuillet (entre outros). Este fato</p><p>impulsionou a produção de encenações realistas em outros países. No Brasil as peças</p><p>realistas francesas começaram a ser encenadas no Rio de Janeiro, considerado um</p><p>centro de forte movimentação cultural, o público e os intelectuais da época foram</p><p>tomados por certo entusiasmo. Esse fato ocorreu não somente por ser uma novidade</p><p>vinda dos palcos franceses, mas por ser uma oportunidade de educar o espectador</p><p>da época. Este novo modo de encenação, “[...] por suas características formais e pelos</p><p>assuntos que discutia em cena, podia ter um enorme alcance social, no sentido de</p><p>educar a plateia, mostrando-lhe a superioridade dos valores éticos da burguesia, tais</p><p>como o trabalho, a honestidade, o casamento e a família” (FARIA, 2012, p. 159).</p><p>53</p><p>FIGURA 23 – RETRATO DO PINTOR GUSTAVE COURBET (1819-1877)</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3uGmU3F>. Acesso em: 29 set. 2021.</p><p>A pintura de Gustave Courbet retrata certo Realismo na pintura que buscava</p><p>retratar personagens como suas aparências reais. Temas cotidianos e personagens</p><p>reais com todos os seus detalhes poderiam estar em cenas realistas. Ao reconhecermos</p><p>as diferentes características da cena teatral realista, entendemos este movimento</p><p>como um retrato da vida social burguesa idealizada por valores específicos. Autênticas</p><p>comédias realistas que não só objetivavam provocar o riso, mas retratar costumes de</p><p>uma parcela da sociedade da época. As encenações “[...] evitam exageros na expressão</p><p>dos sentimentos das personagens e nos diálogos que buscam reproduzir a linguagem</p><p>do dia a dia” (FARIA, 2012, p. 160).</p><p>Os espetáculos realistas apresentavam cenas que circundavam os universos da</p><p>burguesia que eram captados por meio da tendência dos dramaturgos da época. Eles</p><p>buscavam criar uma trama em que descrevia os modos de vida e apresentava os valores</p><p>éticos e estéticos na oposição entre os bons e maus burgueses. A sociedade burguesa</p><p>era apresentada com retoques moralizantes e a moralidade presente favorecia um</p><p>padrão de sociedade ideal. A conclusão dos espetáculos realistas era marcada na vitória</p><p>da boa burguesia sobre a má conduta. Era comum a expulsão dos maus do convívio dos</p><p>bons e punições exemplares também poderiam aparecer. Nesse contexto:</p><p>o resultado é sempre o retrato melhorado de uma sociedade moderna,</p><p>civilizada e moralizada. Não há lugar, por exemplo, para as esposas</p><p>adúlteras ou para os jovens impetuosos que colocam a paixão acima</p><p>das convenções sociais nesse universo. Os heróis, ao contrário, são</p><p>comportados pais e mães de família ou moços e moças que têm a</p><p>cabeça no lugar; e o amor que vale não é mais a paixão ardente dos</p><p>tempos românticos, mas o amor conjugal, que deve ser calmo e sereno.</p><p>Igualmente devem ser banidos da boa sociedade os agiotas, os caça-</p><p>dotes que veem no casamento um meio de enriquecimento, os viciados</p><p>no jogo, os golpistas que acumulam dinheiro ilicitamente e, acima</p><p>de tudo, as prostitutas, uma ameaça aos maridos e jovens das boas</p><p>famílias. Apenas o trabalho honesto deve pautar a vida do bom burguês</p><p>e só pelo trabalho é que ele deve enriquecer (FARIA, 2012, p. 160)</p><p>54</p><p>O primeiro dramaturgo que escreveu uma trama realista seguindo os padrões</p><p>franceses foi José de Alencar (1829-1877). O texto estreou em 5 de novembro de 1857, no</p><p>Ginásio Dramático e chamava-se O Demônio Familiar. Essa trama, definida pelo próprio</p><p>Alencar como uma encenação que retrata os costumes da época, como uma pintura</p><p>doméstica, um esboço inacabado das cenas que poderiam se passar em qualquer casa</p><p>da época.</p><p>O texto retratava a família brasileira ideal para uma burguesia em ascensão.</p><p>Neste sentido, a contribuição de Alencar para o desenvolvimento do teatro brasileiro</p><p>deu-se entre 1857 e 1862. Sua obra pode ser analisada sob dois pontos de vista: o</p><p>primeiro era a intenção de privilegiar temas urbanos e abordagens de aspectos que</p><p>apresentavam questões para a compreensão da formação de uma classe em ascensão:</p><p>a burguesia da época.</p><p>Em segundo ponto o “[...] terreno artístico, inaugurou o realismo teatral, servindo</p><p>de exemplo para toda uma geração que consolidou esse movimento na cena brasileira,</p><p>nos anos que se seguiram” (FARIA, 2012, p. 167).</p><p>A cena realista estava repleta de tramas que traziam para a centralidade teatral</p><p>uma burguesia moralizante. Estes aspectos firmaram um movimento coeso, com</p><p>atualização estética, conceitos delineados ligados a dramaturgos de renome e artistas</p><p>prestigiados. O principal cenário onde ocorreram as encenações teatrais realistas foi o</p><p>Ginásio Dramático. Esse espaço passou a ser:</p><p>[...] frequentado por essas novas classes sociais em ascensão,</p><p>formadas por pessoas de bom gosto, educadas, como não se cansaram</p><p>de registrar os folhetinistas. O que viam no palco, de certa forma, era</p><p>um retrato do seu universo doméstico e social, pautado pela defesa</p><p>do trabalho, do casamento, da família, da honra, da honestidade e da</p><p>inteligência. Não é sem motivo, pois, que as personagens principais</p><p>das peças brasileiras sejam médicos, advogados, engenheiros,</p><p>negociantes, jornalistas, ou seja, profissionais liberais e intelectuais</p><p>de mentalidade burguesa. Assim, tanto no palco quanto na plateia</p><p>uma parcela da sociedade brasileira acreditava-se moderna e</p><p>civilizada, porque em sintonia com as tendências das sociedades</p><p>mais avançadas. O que se deve ressaltar, portanto, é que nossos</p><p>(FARIA, 2012, p. 184).</p><p>O teatro realista ainda propunha algumas discussões de cunho social como o</p><p>problema da escravização dos povos africanos. Textos como O Demónio Familiar, Sete</p><p>de Setembro, História de uma Moça Rica e Cancros Sociais, buscaram criticar a estrutura</p><p>social escravocrata herdada das práticas sociais do Brasil colônia que dificuldade de</p><p>entrarmos para um período de modernidade burguesa. Um fato que foi marco divisório</p><p>entre o teatro realista e as outras estéticas teatrais foi o refinamento moral da sociedade.</p><p>Nesse sentido, os dramaturgos da época captaram a valorização à família tradicional no</p><p>universo da burguesia. “E a instituição burguesa por excelência que esteve no centro</p><p>das preocupações dos dramaturgos franceses foi a família. Preservá-la, defendê-la,</p><p>enaltecê-la, eis o que fizeram em</p><p>suas obras” (FARIA, 2012, p. 184).</p><p>55</p><p>FIGURA 24 – PINTURA DE ALMEIDA JUNIOR (1850-1899). O VIOLEIRO, DE 1899.</p><p>FONTE: < https://bit.ly/3IL5EQ0 >. Acesso em: 29 set. 2021.</p><p>A pintura da Figura 22 representa a infl uência da estética Realista na cultura</p><p>brasileira. A cena apresentada na pintura mostra os detalhes de uma cena cotidiana</p><p>com certa dramaticidade do real. Com esses apontamentos, uma inferência podemos</p><p>fazer com relação aos aspectos do teatro realista. Os escritores ou dramaturgos</p><p>brasileiros foram fundamentais para o desenvolvimento de uma consciência burguesa</p><p>brasileira. Eles absorveram elementos do teatro realista francês e conectados com as</p><p>transformações socais atualizaram a estética teatral brasileira.</p><p>Dez anos seguintes, depois de 1865, a estética teatral realista obteve êxito e</p><p>destaque entre inúmeros dramaturgos e críticos teatrais. “Ainda que as peças cômicas e</p><p>musicadas tenham conquistado o favor do público e se tornado hegemônicas em nossos</p><p>palcos, a ideia de que o teatro devia ser uma escola de costumes e um instrumento de</p><p>moralização e civilização continuava a ter adeptos” (FARIA, 2012, p. 184).</p><p>Este estilo, estética ou modo de criar dramaturgias para serem postas em</p><p>cena acompanha os padrões, experimentações ou modos de apreciar arte teatral em</p><p>uma época de profundas modifi cações na cultura brasileira. Da mesma maneira que</p><p>os padres jesuítas apropriaram-se de recursos teatrais para inserir seus ideais cristãos,</p><p>em certa dimensão do teatro realista as tramas traziam a burguesia como idealizada e</p><p>que poderia ser boa ou corrupta, mas que defendia os valores indiscutíveis da família</p><p>tradicional. Alguns autores ousaram discutir a questão da escravidão no Brasil, mas o</p><p>que os registros indicam sobre o assunto é que esse tema foi timidamente desenvolvido</p><p>e a cultura afro-brasileira permaneceu invisibilizada. No próximo assunto, abordaremos</p><p>as propostas de dramaturgias naturalistas.</p><p>Aproveite para conhecer mais aspectos do movimento Naturalista e Realista.</p><p>Acesse o link a seguir e busque estudar as características apresentadas</p><p>conectando com as informações que trazemos neste Livro Didático: https://</p><p>www.todamateria.com.br/naturalismo-movimento-naturalista/.</p><p>ESTUDOS FUTUROS</p><p>56</p><p>3 A DRAMATURGIA NATURALISTA</p><p>A Dramaturgia Naturalista apesar de ser confundida com o realismo, operou em</p><p>bases que estabeleceram características especificas e uma cena que se diferencia pelo</p><p>apelo ao real e tentar recortar situações reais e levá-las para a cena. O crescimento da</p><p>dramaturgia naturalista deu-se em meio a manifestos, outros movimentos artísticos</p><p>e experimentações diversas. O manifesto do dramaturgo Émile Zola quando escreve</p><p>o texto manifesto O Naturalismo no Teatro. Este texto trazia à tona discussões em</p><p>torno do teatro que estava nos palcos e propôs experimentar outras possibilidades</p><p>cênicas conectadas com a realidade ou com a busca por levar para os palcos cenas que</p><p>pudessem ser uma imitação da realidade tal como ela se apresenta.</p><p>Esse aspecto nos leva a pensar em uma cena composta por figurinos,</p><p>interpretação e cenários que remetem a um espaço real e cotidiano. O dramaturgo</p><p>afirmava que a cena naturalista deveria conter personagens de carne e osso, com certa</p><p>realidade natural, sem artifícios ou outros aspectos que levassem o público a navegar</p><p>pela mentira das encenações que eram postas nos palcos da época. O autor afirmava</p><p>ainda que era necessário libertar os personagens de meandros da ficção, de simbologia</p><p>convencional conectadas as virtudes e vícios. A determinação dos personagens seria</p><p>conduzida por uma lógica temperamental do próprio personagem. Zola pretendia banir</p><p>as artificialidades, truques de cena que pareciam mágicos e ou outro truque que não</p><p>remetessem ao natural da vida cotidiana (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).</p><p>Ele criticava os moldes, receitas aplicadas a criação de cenas e as conhecidas</p><p>maneiras de provocar riso fácil ou lágrimas momentâneas. Defendia a construção de</p><p>uma obra teatral baseada nos princípios dramáticos, com investigação sincera do real.</p><p>E nas palavras finais do texto de Zola esperava que o teatro possa avançar em outras</p><p>propostas para além do romantismo e que a arte dramática possa voltar-se para os</p><p>princípios das artes cênicas, da arte moderna conectadas com estudo dos aspectos</p><p>naturais, da anatomia do corpo humano, de traduzir em cena uma espécie de pintura</p><p>viva, originalmente posto em cena como nenhum dramaturgo o fez. Esse vigor buscava</p><p>estabelecer discussões em torno de uma nova estética teatral e sem economias,</p><p>apresentar uma cena teatral de modo a retratar um quadro vivo. O espectador posto</p><p>como observador de um episódio da vida cotidiana (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).</p><p>A Figura 23 apresenta uma cena que remete a estética Naturalista. Com ela</p><p>podemos pensar em um teatro voltado para certo cientificismo, detalhes naturais e</p><p>cenografias compostas por elementos reais.</p><p>57</p><p>FIGURA 25 – PINTURA DO PINTOR PORTUGUÊS COLUMBANO BORDALO PINHEIRO (1857-1929). O GRUPO</p><p>DO LEÃO, DE 1885</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3g4RcWY>. Acesso em: 29 set. 2021.</p><p>As ideias de Zola não formam postas em prática pelos artistas e dramaturgos</p><p>da época. Somente depois de algumas décadas que um jovem autor chamado André</p><p>Antoine, em Paris, pôs em prática no Theâtre Libre um realismo impressionante. Os</p><p>elementos que compõem a cena, como cenários, fi gurinos, interpretações, convergiam</p><p>para a realização espetacular de “[...] criar na mente do espectador a ilusão de que estava</p><p>diante de uma cena real. Antoine esmerou-se na construção do espaço cênico verista e</p><p>radicalizou a ideia da “quarta parede”, fazendo com que os artistas do seu grupo dessem</p><p>a impressão de que estavam vivendo e não apenas representando” (GUINSBURG; FARIA;</p><p>LIMA, 2006, p. 207).</p><p>Em terras europeias, além da França, o estilo naturalista fertilizou com dramaturgos</p><p>como Hauptamann, Ibsen e Strindberg. Outros encenadores na Alemanha, Inglaterra</p><p>e Rússia aderiram ao movimento. E se pensarmos em reverberações desse período do</p><p>teatro mundial, teremos o desenvolvimento do trabalho do grande encenador, dramaturgo</p><p>e estudioso em teatro Constantin Stanislávski como um exemplo de ramifi cação do teatro</p><p>naturalista. Os estudos de Stanislávski desenvolveu método de criação, interpretação e</p><p>trabalho de composição cênica (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).</p><p>O Actors Studio dirigido por Lee Strasberg foi importante para o</p><p>desenvolvimento da estética naturalista. A formação de atores passou a</p><p>ter um enfoque em aspectos específi cos como características psicológicas.</p><p>Acesse o link a seguir e conheça os aspectos do teatro de Stanislávski e faça</p><p>conexões com o teatro naturalista: https://bit.ly/3r25RIR.</p><p>DICA</p><p>58</p><p>Em terras brasileiras, o naturalismo teatral foi pouco aceito e no final do século</p><p>XIX os intelectuais da época combatiam tal estética. Um dos primeiros espetáculos</p><p>teatrais que podemos associar com a estética naturalista aconteceu em julho de 1878 foi</p><p>a adaptação do romance de Eça de Queirós. A peça obteve sucesso razoável e contribuiu</p><p>para o desenvolvimento do Naturalismo. Em 1880 o ator e empresário Furtado Coelho</p><p>pôs em cena a adaptação de Thérèse Raquin, realizada por ele mesmo. Desta vez, o</p><p>espetáculo foi bem-sucedido e teve bom público, principalmente por causa da atuação</p><p>extraordinária de Lucinda Simões, a atriz encarregada de viver em cena o papel da esposa</p><p>que mata o marido para ficar com o amante (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).</p><p>De modo geral, o movimento naturalista causava incômodos na sociedade</p><p>da época por apresentar temas com certa ousadia, pontos de vista específicos de</p><p>sexualidade e tramas que poderiam se tornar um perigo para a estrutura sagrada da</p><p>família tradicional. As montagens permitiram tecer outras críticas como questionar se</p><p>seria possível a existência do Naturalismo na arte dramática sendo que a força maior</p><p>estaria na narração. E como abordar os mais variados temas ousados como assexualidade</p><p>seriam questões</p><p>pertinentes para os artistas da época. Outro questionamento era de</p><p>que o estilo naturalista poderia não ser como era apresentado pois nem mesmo Zola</p><p>concebeu e levou ao público uma obra naturalista (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).</p><p>O teatro musical e a comédia ocupavam espaço dos teatros da época e somente</p><p>alguns dramaturgos ousavam experimentar os princípios naturalistas para as cenas.</p><p>Aluísio de Azevedo tentou em 1884 adaptar o romance O Mulato.</p><p>O espetáculo por mais bem recebido que tenha sido, ficou em cartaz pouco</p><p>tempo. Em 1886, Emílio Rouède e seus parceiros escreveram e encenaram o drama</p><p>O Caboclo em que o personagem central trazia fortes traços naturalistas. Somente</p><p>em 1890, Rouède encenou a comédia Um Caso de Adultério, que foi considerado um</p><p>espetáculo Naturalista.</p><p>A estética Naturalista permaneceu movendo as engrenagens da cena brasileira</p><p>na virada do século XIX para o XX. Esse fato ocorreu pela vinda de companhias de outros</p><p>países trazendo em seus repertórios encenações naturalistas. A estética do Naturalismo</p><p>estava presente nas cenas, textos e no trabalho de atuação. Posteriormente a esta fase,</p><p>início do século XX, o teatro naturalista não vingou nos palcos brasileiros. O Naturalismo</p><p>retomou os palcos, agora suportado pelas efervescências da modernidade e com o</p><p>surgimento das primeiras companhias teatrais. Esse fato deu-se entre 1940 e 1950 e</p><p>permaneceu presente em produções de companhias como “Os comediantes e o Teatro</p><p>Popular de Arte, no Rio de Janeiro; o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e o Teatro de</p><p>Arena, em São Paulo” (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 208).</p><p>O Naturalismo Brasileiro conectado com ideais realistas extremos e não como</p><p>um movimento conectado com uma dimensão de conhecimento específico. As milhares</p><p>de montagens da época passaram a destacar a veracidade em seus cenários e o trabalho</p><p>de atuação baseado nos princípios de Stanislávski. “O mesmo fenômeno ocorreu na</p><p>59</p><p>dramaturgia, que se debruçou sobre a realidade brasileira, como demonstra o repertório</p><p>do Teatro de Arena, pra reproduzi-la em cena com o máximo de verdade” (GUINSBURG;</p><p>FARIA; LIMA, 2006, p. 208).</p><p>Para selarmos o fechamento deste subtópico, há de se pensar nos parâmetros</p><p>que definem cada um dos estilos. É comum exercermos confusões. Como Realismo e</p><p>Naturalismo se confundem, aplica-se o segundo quando um dramaturgo faz um recorte</p><p>da realidade e a reproduz de modo radical.</p><p>4 ENCENADORES DO ESPETÁCULO TEATRAL REALISTA</p><p>Ao abordarmos as primeiras manifestações do teatro realista foram</p><p>protagonizadas pelo escritor José de Alencar escrevendo três obras com a estética</p><p>realista em 1857. São elas: O Demônio Familiar, O Crédito e As Asas e um Anjo. “Estas</p><p>comedias realistas colocavam em cena a burguesia brasileira discutindo problemas</p><p>sociais como a escravidão doméstica, o casamento pro dinheiro, a especulação e a</p><p>prostituição ao mesmo tempo que defende os seus valores e modo de vida” (GUINSBURG;</p><p>FARIA; LIMA, 2006, p. 267).</p><p>Outros autores destacaram-se nesse cenário de desenvolvimento teatral como</p><p>os que estão listados a seguir:</p><p>Quintino Bocaíuva: Onfália e Os Mineiros da Descgraça; Joaquin Manuel</p><p>de Macedo: Luxo e Vaidade e Lusbela; Aquiles Varejão: A Época, A</p><p>Resignação e O Cativeiro Moral; Sizenando Barreto Nabuco de Araújo:</p><p>O Cínico e A Túnica de Nessus; Valentim José da Silveira Lopes: Sete</p><p>de Setembro e Amor e Dinheiro; Pinheiro Guimarães: História de uma</p><p>Moça Rica; Francisco Manuel Álvares de Araújo: De Ladrão a Barão;</p><p>França Júnior: Os Tipos da Atualidade; Constantino do Amaral Tavares:</p><p>Um Casamento da Época e Maria Angélica Ribeiro: Gabriela e Cancros</p><p>Sociais” (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 267, grifos do original).</p><p>No trecho citado anteriormente está em destaque (itálico) os títulos dos textos</p><p>criados pelos respectivos autores. A citação evidencia ainda que foi um período de</p><p>intensa produção que desenvolveu o teatro e a estética realista. Toda essa produção</p><p>dramatúrgica constituía um repertório de nível razoável e algumas encenações</p><p>conquistavam o público, denunciando uma preferência de um período da história</p><p>cultural brasileira. As peças também obtiveram sucesso junto aos críticos teatrais e as</p><p>respectivas produções comumente poderiam indicar em seu título o assunto em que</p><p>se tratava o enredo. Essas produções ainda estabeleciam conexões com o estilo do</p><p>romantismo, sem causar rupturas radicais, mas conviver com elementos romanistas em</p><p>produções classificadas como realistas. Os autores realistas caminhavam para atualizar</p><p>a estética do Romantismo e inserir nas tramas elementos que as tornassem realistas.</p><p>Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) foi importante escritor que</p><p>influenciou o movimento Realista brasileiro e José de Alencar (1829-1877).</p><p>60</p><p>FIGURA 26 – FOTOGRAFIAS DE MACHADO DE ASSIS</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3tS9FxZ>. Acesso em: 29 set. 2021.</p><p>FIGURA 27 – JOSÉ DE ALENCAR</p><p>FONTE: <https://afontegeek.files.wordpress.com/2013/09/josc3a9-de-alencar.jpg>. Acesso em: 21 jan. 2022.</p><p>As produções já retratam os hábitos sociais de uma burguesia aberta a</p><p>princípios liberais e seus valores voltados para padrões tipicamente conservadores.</p><p>Como mencionamos anteriormente, os textos ditos realistas criadas no Brasil eram</p><p>profissionais com certa posição social, considerados de classe emergente da cidade do</p><p>Rio de Janeiro. “Desse modo, os espetadores podiam se reconhecer no palco e aplaudir</p><p>o esforço dos dramaturgos empenhados em pôr em cena a fatia mais moderna da</p><p>sociedade brasileira” (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 267).</p><p>O principal aspecto da dramaturgia realista era permeado por uma tendência em</p><p>criar uma imagem de uma burguesia emergente. Esse esforço recebeu influências das</p><p>transformações sociais ocorridas na França e captou as modificações que ocorriam na</p><p>cultura brasileira. Dessa mescla surgiu um teatro esteticamente voltado para exaltar um</p><p>segmento social. A estética realista permaneceu nos palcos brasileiros como referência</p><p>para críticos por mais ou menos 20 anos seguintes de 1865.</p><p>61</p><p>Outro aspecto que vingou em palcos brasileiros deste período foram espetáculos</p><p>que apresentavas tramas cômicas e elementos musicados, porém as peças ainda</p><p>deveriam ser uma espécie, segundo Faria (2012), de escola de costumes. Quanto aos</p><p>aspectos visuais houve certo aperfeiçoamento da cenografia, mobílias reais postas em</p><p>cena, telas pintadas e obras de arte a todos os artefatos que pudessem criar a sensação</p><p>de estar assistindo a uma cena real da casa de uma família burguesa.</p><p>Os figurinos apresentavam o que as tendências da moda ditavam e “[...] o</p><p>estilo de interpretação tornou-se menos enfático e mais natural, sem o antigo cunho</p><p>melodramático que era comum nos artistas do Teatro S. Pedro de Alcântara” (FARIA,</p><p>2012, p. 191).</p><p>No estilo realista o ensaiador ou encenador orientava a interpretação dos</p><p>personagens. Ele dirigia como deveria ser a interceptação dos artistas, os usos da voz, os</p><p>gestos e movimentos para que remetessem para uma situação real, tentando reproduzir</p><p>mais natural possível cena que estava sendo produzida. Havia um cuidado especial com</p><p>a movimentação e relação estabelecida com os móveis e objetos presentes na cena. Um</p><p>efeito moralizador era comum estar presente nas encenações realistas” (FARIA, 2012).</p><p>Quando mencionamos o termo natural em uma encenação realista estamos</p><p>fazendo uma conexão com a tentativa de trazer para a cena tudo que pudesse fazer</p><p>a encenação parecer uma cena da vida real. A seguir, abordaremos os encenadores do</p><p>espetáculo naturalista.</p><p>5 ENCENADORES DO ESPETÁCULO TEATRAL NATURALISTA</p><p>Para traçar um panorama do teatro naturalista, seus produtos espetaculares e</p><p>os encenadores que levaram para o palco os princípios da estética naturalista pregada</p><p>por Zola, é preciso apresentar alguns aspectos do cenário cultural da Europa. Um feito</p><p>de destaque foi a peça Espectros de Henrik Ibsen que despertou debates intensos sobre</p><p>a estética naturalista. Esta dramaturgia foi encenada</p><p>20</p><p>TÓPICO 2 - O TEATRO E O ROMANTISMO BRASILEIRO .................................................... 23</p><p>1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 23</p><p>2 O ROMANTISMO E SUAS CARACTERÍSTICAS ............................................................... 24</p><p>3 A TRAGÉDIA E MELODRAMA BRASILEIROS .................................................................. 30</p><p>4 O DRAMA E A DRAMATURGIA ..........................................................................................37</p><p>5 COMÉDIA DE COSTUMES ................................................................................................. 41</p><p>6 O ATOR, A ARTE DE ATUAR E O ESPETÁCULO ............................................................... 44</p><p>RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................ 48</p><p>AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 49</p><p>TÓPICO 3 - TEATRO NATURALISTA E REALISTA ............................................................... 51</p><p>1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 51</p><p>2 A DRAMATURGIA REALISTA............................................................................................ 52</p><p>3 A DRAMATURGIA NATURALISTA .................................................................................... 56</p><p>4 ENCENADORES DO ESPETÁCULO TEATRAL REALISTA ................................................59</p><p>5 ENCENADORES DO ESPETÁCULO TEATRAL NATURALISTA ............................................... 61</p><p>6 A COMÉDIA DE COSTUMES, ENCENADORES E EVOLUÇÕES ........................................ 64</p><p>LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................ 68</p><p>RESUMO DO TÓPICO 3 .........................................................................................................73</p><p>AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................74</p><p>REFERÊNCIAS ......................................................................................................................76</p><p>UNIDADE 2 — O TEATRO MODERNO NO BRASIL ................................................................79</p><p>TÓPICO 1 — O TEATRO BRASILEIRO QUE PRECEDE A MODERNIDADE ............................81</p><p>1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................81</p><p>2 MOVIMENTOS CULTURAIS E TEATRAIS ......................................................................... 82</p><p>3 CARACTERÍSTICAS DO TEATRO PRÉ-MODERNO ..........................................................87</p><p>4 ENCENADORES E PROCESSOS CRIATIVOS .................................................................. 94</p><p>5 ASPECTOS VISUAIS DO TEATRO MODERNISTA ............................................................100</p><p>5.1 A CENOGRAFIA MODERNISTA .......................................................................................................103</p><p>RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................106</p><p>AUTOATIVIDADE ................................................................................................................107</p><p>TÓPICO 2 - O MODERNISMO E O TEATRO BRASILEIRO ...................................................109</p><p>1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................109</p><p>2 CARACTERÍSTICAS DO MODERNISMO E O TEATRO BRASILEIRO ...............................109</p><p>3 AS TRANSOFRMAÇÕES DO TEATRO MODERNISTA BRASILEIRO ................................ 113</p><p>4 ENCENADORES MODERNISTAS NO BRASIL ................................................................. 118</p><p>5 PROCESSOS DE CRIAÇÃO TEATRAL ............................................................................123</p><p>RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................125</p><p>AUTOATIVIDADE ................................................................................................................126</p><p>TÓPICO 3 - A CENA MODERNA E A PROFISSIONALIZAÇÃO DO TEATRO MODERNO</p><p>NO BRASIL .........................................................................................................................129</p><p>1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................129</p><p>2 O MODERNISMO E A REFORMULAÇÃO DA AÇÃO CÊNICA ...........................................130</p><p>3 PROCESSOS E CRIAÇÕES DE CENAS MODERNISTAS BRASILEIRAS .........................133</p><p>4 OS MECANISMOS DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ATORES E DAS ATRIZES .............136</p><p>5 ENSAIADORES E ENCENADORES MODERNISTAS BRASILEIROS ...............................138</p><p>6 TRANSIÇÃO PARA A CONTEMPORANEIDADE ..............................................................142</p><p>LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................145</p><p>RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................152</p><p>AUTOATIVIDADE ................................................................................................................153</p><p>REFERÊNCIAS ....................................................................................................................155</p><p>UNIDADE 3 — O TEATRO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO ................................................. 157</p><p>TÓPICO 1 — TEATRO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS ...........................................................159</p><p>1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................159</p><p>2 TEATRO, EXPERIMENTAÇÕES E PESQUISA TEATRAL .................................................160</p><p>3 RESISTÊNCIA E POLITIZAÇÃO POR MEIO DO TEATRO .................................................165</p><p>4 O TEATRO DE AUGUSTO BOAL ....................................................................................... 173</p><p>5 O PENSAMENTO CRÍTICO E ESTÉTICO NO TEATRO BRASILEIRO ............................... 179</p><p>6 CONTRIBUIÇÕES DO TEATRO DE ARENA, TBC E OUTRAS VANGUARDAS ................... 181</p><p>RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................185</p><p>AUTOATIVIDADE ................................................................................................................187</p><p>TÓPICO 2 - TEATRO EXPERIMENTAL ...............................................................................189</p><p>1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................189</p><p>2 TEATRO OFICINA E O PANORAMA TEATRAL DAS DÉCADAS DE 1860 E 1970</p><p>NO BRASIL ..........................................................................................................................190</p><p>2.1 O TEATRO E A DITADURA MILITAR ............................................................................................... 194</p><p>3 TEATRO E PERFORMANCE ARTE .................................................................................. 197</p><p>4 TEATRO, CORPO E A FORMAÇÃO DO ATOR ................................................................. 200</p><p>5 DRAMATURGIA E A CENA CONTEMPORÂNEA ............................................................. 204</p><p>6 GRUPO LUME, GALPÃO E COLETIVOS TEATRAIS ....................................................... 206</p><p>7 OUTRAS POSSIBILIDADES ............................................................................................212</p><p>7.1 CENOGRAFIA E ASPECTOS VISUAIS CONTEMPORÂNEOS ..................................................... 216</p><p>RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................219</p><p>por diversos teatrólogos.</p><p>Em 1889 foi apresentada em Berlin. Em 1890 foi exibida no Thèâtre Zacconi em</p><p>Paris e em 1891 exibida pelo Indepedent Theatre em Londres. Em 1892 Ermette Zacconi</p><p>produziu o espetáculo em Florença e, em 1896, em Barcelona. Stanislávski encenou-a</p><p>em Moscou e, em 1906, Meierhold apresentou-a em São Petersburgo ocasião em que</p><p>ousou apresentá-la como uma versão antinaturalista (BERTHOLD, 2001).</p><p>Este fato firmou o espetáculo como uma encenação com forte apelo naturalista</p><p>e mesmo os encenadores que ousaram quebrar parâmetros ditos como naturalistas,</p><p>continuou remetendo em seus elementos, estruturas que traziam para as discussões o</p><p>naturalismo.</p><p>62</p><p>O naturalismo como instrumento de combate a estética realista não obteve</p><p>sucesso esperado tanto que os estilos ou estéticas teatrais passavam a marcar presença</p><p>em propostas inovadoras que mesclavam elementos diversos. O movimento naturalista</p><p>e suas estéticas apresentava apelos para que em cena aparecesse a face da realidade</p><p>como ela é.</p><p>FIGURA 28 – O DIRETOR ANDRÉ ANTOINE (1858-1943)</p><p>FONTE: <https://images.moviefit.me/p/m/198862-andre-antoine.webp>. Acesso em: 29 set. 2021.</p><p>André Antoaine, importante dramaturgo, encenador e proprietário do Théâtre</p><p>Antoine, buscou observar espetáculos em Bruxelas em 1888 por duas semanas no</p><p>Monnaie Theater. Em Moscou, com Stanislávski procurava observar o cuidado por levar</p><p>a cena aspectos que criavam efeitos naturalistas e coerência lógica da concepção das</p><p>cenas. Antoaine pôs em cena um princípio que remetia a reprodução exata da vida,</p><p>assim como pregava Zola. O cenário apresentava em uma caixa cênica composta por</p><p>portas reais que se abriam e janelas que se escancaravam conforme a necessidade</p><p>da cena. Teto em madeira sustentados por vigas robustas, troncos de árvores reais.</p><p>Certa vez, o encenador ousou compor o cenário com pedaços de carne pendurados em</p><p>ganchos aos moldes de açougueiro (BERTHOLD, 2001).</p><p>Este fato inusitado ocorreu depois de ter problemas com o cenógrafo e como</p><p>uma solução imediata, resolveu partir para inserir elementos radicalmente naturais.</p><p>Pensando nos limites entre cada movimento, o realismo e naturalismo, podemos afirmar</p><p>que as fronteiras são marcadas por estéticas semelhantes, porém os objetivos das</p><p>cenas eras distintos. Enquanto o Naturalismo pregava certo cientificismo, uma cena que</p><p>reproduzia o real, com elementos naturais, com cenários que remetiam a vida natural,</p><p>no realismo a tendência era idealizar hábitos de uma burguesia e retratar moralmente</p><p>os valores como o bom, o mau, a família e um universo de castigo e recompensas.</p><p>Na estética naturalista bosques inteiros, arbustos e outros elementos poderiam ser</p><p>63</p><p>retirados da floresta e inseridos na cena, um certo reforço a quarta parede e apelos</p><p>para uma interpretação que poderia remeter a uma cena cotidiana (BERTHOLD, 2001,</p><p>GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).</p><p>O encenador David Belasco, inseriu na cena naturalista americana o que</p><p>considerava ser cópias idênticas do Oeste selvagem. Eram exploradores de ouro,</p><p>bandidos e mocinhos. Em The Girl from the Golden West ou A Garota do Oeste Dourado</p><p>inseriu uma brilhante composição operística. Em 1910 o palco do New Yorks Metropolitam</p><p>Opera House em um idêntico campo de cabanas da Califórnia com árvores de floresta</p><p>virgem no cenário (BERTHOLD, 2001)</p><p>Outro elemento que Antoine buscava reforçar era um jogo demarcado com a</p><p>quarta parede a tal ponto que a ordem era ignorar a presença do público. Se a cena</p><p>necessitasse ficar de costas para a plateia, assim era feito. Nessa nova estética, a cena</p><p>deixava de assumir a postura predominantemente frontal, para adotar as costas diante</p><p>do público.</p><p>O efeito de estar executar as cenas em posição predominantemente frontal agora</p><p>era deixada em segundo plano. Zola pregava uma estética naturalista que abandonasse</p><p>as estruturas da tragédia clássica. Um dos exemplos didáticos para este novo modelo</p><p>era a recomendação de Zola na adaptação da novela Thérèse Raquin, Thérêse e Laurent</p><p>a inserção de dois corpos reais dissecados. Esse procedimento estava conectado com</p><p>um teatro que biscava certo grau de cientificismo e exagero na composição naturalista</p><p>(BERTHOLD, 2001).</p><p>Como no Brasil, a estética Naturalista chegou ao final do século XIX, e encontrou</p><p>certas resistências para que pudesse vigorar. O teatro da época estava conectado com</p><p>aspirações tradicionais, os espectadores com preferências a emoções fortes, linguagem</p><p>alinhada com a literatura romântica e certa ilusão imaginativa posta em cena não aceitou</p><p>a realidade fria, calma com certa veracidade nos elementos.</p><p>Uma adaptação do romance de Eça de Queiroz foi adaptada por Antônio</p><p>Frederico Cardoso de Meneses para o teatro em 1878 e o encenador Furtado Coelho</p><p>levou ao palco do Teatro Cassino (FARIA, 2012).</p><p>Os princípios da dramaturgia naturalista foram recebidos no Brasil e postos em</p><p>cena buscando atender a ideia de que a peça deveria ser como uma tese social, com</p><p>um andamento vivo, com certa relevância em seus quadros remetendo o real, contendo</p><p>reflexões morais, sátiras refinadas e ao mesmo tempo terríveis ou cortantes como uma</p><p>navalha. Essa trama deveria ser capaz de afetar, mover e desencadear efeitos de vida</p><p>no espírito como um todo. Em terras brasileiras esses princípios foram timidamente</p><p>postos em cena. A verdade da cena naturalista foi rejeitada pelo espectador brasileiro</p><p>(BERTHOLD, 2001, GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).</p><p>64</p><p>O maior representante desta estética no Brasil foi Aluíso de Azevedo. Se com</p><p>Venenos que curam o autor não conseguiu inserir as ideias naturalistas, em O Caboclo, o</p><p>autor chegou próximo aos propósitos do naturalismo. Nesse texto havia espaços sociais</p><p>retratados com certo grau de realidade. “A ação se passa em uma fábrica de cigarros,</p><p>situada num arrabalde do Rio de Janeiro. Não é muito comum que operários sejam</p><p>personagens de peças teatrais no Brasil do século XIX” (FARIA, 2012, p. 314). O autor</p><p>consolida o desafio de uma escrita conectada com os ideais naturalistas inserindo em</p><p>suas tramas cenários naturais e tramas envolvendo camadas populares da cidade do Rio</p><p>de Janeiro, como em O Cortiço. A seguir, abordaremos aspectos da comédia de costumes,</p><p>suas evoluções e encenadores que contribuíram para a estética da comédia brasileira.</p><p>6 A COMÉDIA DE COSTUMES, ENCENADORES E EVOLUÇÕES</p><p>Dos textos cômicos, da comédia de costumes e de efervescência cultural do</p><p>século XIX, surgiram outros modos de criar espetáculos. Com a decadência dos estilos</p><p>românticos e realista, por volta de 1859, e a criação no Rio de Janeiro do teatro Alcazar</p><p>Lyrique pelo empresário Joseph Arnaud novas estéticas puderam ganhar espaço. O</p><p>público masculino em específico foi atraído para o universo de cabaré proposto pelo</p><p>novo teatro. Mesas dispostas diante ao palco, espetáculos com muita música, dança</p><p>e belas atrizes que protagonizavam duetos, pequenos vaudevilles e cenas cômicas</p><p>(BRITO, 2012).</p><p>Esse novo formato de teatro cômico e musicado que era repleto de</p><p>entretenimento e diversão, obteve enorme sucesso ao ponto de causar retração em</p><p>escritores e intelectuais. Este fato causou protestos e manifestações contrárias</p><p>publicadas em jornais e revistas. O repertório era baseado em produções francesas e</p><p>encenadas na língua original dos textos, bem como protagonizadas por atrizes vindas</p><p>diretamente da França. Não tardou para que este novo modelo de diversão se tornasse</p><p>predominante no cenário carioca (BRITO, 2012).</p><p>Outro estilo que surgiu nesse período foi a Opereta ou a ópera bufa. Em fevereiro</p><p>de 1865 o teatro Alcazar Lyrique estreou o espetáculo Orphée aux enfers, uma opereta</p><p>com música de Offenbach e texto de Hector Cremieux e Ludovic Halévy. Este espetáculo</p><p>permaneceu em cartaz por aproximadamente um ano e com sucesso considerável</p><p>abriu caminho para outras iniciativas de operetas inclusive outras propostas compostas</p><p>por Offenbach ou por Charles Lecocq. Nesta onda de entusiasmo, com encenações</p><p>cômicas e burlescas,</p><p>dramaturgos brasileiros passaram a adaptar, operar traduções ou a</p><p>escrever peças no estilo opereta. “Os empresários teatrais exploraram incansavelmente</p><p>a opereta e as outras formas dramáticas cômicas e musicadas, que foram surgindo e</p><p>consolidando o gosto teatral das nossas plateias nos últimos decênios do século XIX.”</p><p>(BRITO, 2012, p. 219).</p><p>65</p><p>A opereta como estilo de encenação ou como gênero teatral burlesco obteve</p><p>sucesso devido ao encenador alemão Jacques Offenbach que em meados dos anos</p><p>de 1850 na cidade de Paris, passou a utilizar o espaço de espetáculos do Théâtre des</p><p>Bouffes-Parisiens. Nesse espaço “[...] apresentava espetáculos compostos por dois ou</p><p>três esquetes de um ato cada, sempre em tons farsescos e satíricos, e entremeados</p><p>por números musicais executados por uma orquestra de dezesseis músicos” (BRITO,</p><p>2012, p. 219). Em 1858, presentou sua obra de maior destaque Orphée aux enfers, que</p><p>era uma releitura do mito grego Orfeu. Esse mito abordava a paixão de um músico</p><p>pela amada e vai até o inferno para tentar reencontrar seu amor. “Pouco tempo depois,</p><p>Offenbach escreveu outras operetas (La Belle HéIene, 1864; La Vie parisienne, 1866;</p><p>Barbe-Bteue, 1867; La Grande-Duchesse de Gérolstein, 1867) que conquistaram Paris e</p><p>todo o território europeu (BRITO, 2012, p. 219).</p><p>Não tardou para que o sucesso das operetas burlescas chegarem ao Brasil e</p><p>pudessem se mesclar com o que acontecia por aqui. Em 1864, Orphée aux enfers foi</p><p>levada aos palcos brasileiros e com grande sucesso, conquistou a crítica da época.</p><p>Muitas das operetas francesas foram adaptadas e encenadas em palcos brasileiros. Os</p><p>moldes mais praticados foram os que Offenbach ou por Lecocq idealizaram em terras</p><p>francesas. Os encenadores brasileiros mantinham partituras originais e trilhas sonoras,</p><p>mas adaptavam as tramas para os costumes e hábitos nacionais. Neste ponto, as</p><p>operetas recebiam elementos nacionais de modo que se mesclavam com o que era</p><p>praticado por aqui (BRITO, 2012).</p><p>Parodiar operetas francesas tornou-se prática em teatros cariocas e, em 1868,</p><p>o ator Francisco Correia Vasques encenou Teatro Fênix Dramática Orfeu na Roça, uma</p><p>paródia de Orfeu no inferno.</p><p>À irreverência do original Vasques acrescentou o tempero brasileiro,</p><p>transformando Orfeu em Zeferino Rabeca, barbeiro do arraial, e Eurídice</p><p>em Dona Brígida, roceira que sonha em morar no Rio de Janeiro. O</p><p>rebaixamento típico da farsa atingiu os demais personagens (Cupido,</p><p>Morfeu e Hércules transformam-se respectivamente em Quinquim</p><p>das Moças. Joaquim Preguiça e Antônio Faquista) e o próprio enredo,</p><p>centrado nas brigas conjugais, nas aventuras e estrepolias do casal</p><p>protagonista. O sucesso obtido por Vasques foi ainda maior do que o</p><p>de Orphée aux enfers. E a consequência disso não tardou a aparecer:</p><p>o público fluminense podia assistir às operetas francesas no Alcazar,</p><p>em Machado de Assis, Do Teatro (BRITO, 2012, p. 220, grifo nosso).</p><p>Com temática escrachada, universos satíricos, resgatavam apelos sentimentais,</p><p>cômicos e até hábitos ou costumes da sociedade da época. Outros elementos que</p><p>comumente apareciam eram apelos populares, efeitos mágicos, dramas com enredos</p><p>fantásticos. Francisco Correia Vasques apostou nas dramaturgias de Artur Azevedo, que</p><p>passou a escrever adaptações de operetas francesas.</p><p>Em 1876, encenou no Teatro Fênix Dramática A Casinha de Fresco, uma releitura</p><p>de La Petitemariée, música de Charles Lecocq e texto de Leterrier e Vanloo. Com</p><p>certo sucesso desta adaptação, Artur Azevedo ousou assinar a coautoria de um texto</p><p>66</p><p>chamado Nova Viagem ti Lua em parceria com Frederico Severo. A encenação obteve</p><p>certo sucesso e impulsionou uma nova produção de Artur Azevedo. Em 1880, estreia</p><p>Os Noivos e A Princesa dos Cajueiros o autor Artur Azevedo atinge a consolidação da</p><p>opereta com características predominantemente nacionais (BRITO, 2012).</p><p>As operetas, assim como os demais gêneros que sucederam esse novo modo</p><p>de encenar, buscavam bases em elementos como a composição musical, coreografias,</p><p>dramaturgias adaptadas, cenografia espetacular e interpretações fantásticas. No</p><p>processo de criação brasileiro, o autor, e nesse caso podemos citar Artur Azevedo,</p><p>buscava conhecer os artistas envolvidos e criava uma proposta de encenação de acordo</p><p>com a necessidade do coletivo ou que pudesse ser melhor postas em cena pelos artistas</p><p>envolvidos. Em tempos que as companhias nem sempre tinham condições de manter</p><p>produções grandiosas ou de contratar grupo de artistas como bailarinos, músicos,</p><p>atores e atrizes, figurinista e outros profissionais que faziam parte das encenações. O</p><p>sucesso das produções significaria o sustento da companhia e a manutenção de novas</p><p>produções com elementos necessários para que a encenação pudesse ser levada aos</p><p>palcos de grandes centros.</p><p>Em tempos em que desafiar as correntes hegemônicas poderia representar</p><p>o fracasso de suas iniciativas, um dramaturgo, poeta e artista da cena produziu</p><p>uma expressiva obra que poderia instaurar reverberações no teatro contemporâneo.</p><p>Estamos falando de Qorpo Santo. Esse ícone da dramaturgia viveu em um tempo de</p><p>enormes transformações e presenciou o desenvolvimento do modernismo brasileiro.</p><p>José Joaquim de Campos Leão, nasceu em 19 de abril de 1829, na Vila Triunfo, município</p><p>de uma província do Rio Grande do Sul. Foi oi um dramaturgo, poeta, jornalista, tipógrafo</p><p>e professor. A Figura 27 ilustra o retrato do dramaturgo.</p><p>FIGURA 29 – O DRAMATURGO QORPO SANTO (1829-1883)</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3NBvNEn>. Acesso em: 12 nov. 2021</p><p>Sua formação profissional passa pelo magistério, em Porto Alegre e ao exercer</p><p>a prática docente, passa a criar textos dramatúrgicos paralelamente a fundação de seu</p><p>grupo dramático em 1852. O artista da cena conhecido como Qorpo Santo escrevia</p><p>comédias contendo situações absurdas, estruturas fragmentadas e personagens que</p><p>67</p><p>apresentavam certas caricaturas o que desafiava os moldes hegemônicos do século</p><p>XIX. A crítica de arte da época refutava amplamente o trabalho deste dramaturgo. Seus</p><p>textos foram compostos depois de 1862, mesma época em que se afastou da docência</p><p>problemas mentais. Seu transtorno mental definido como monomania, quando uma</p><p>espécie de alienação mental parece absorver suas capacidades mentais e fixa em uma</p><p>ideia ou ideias que circundam o mesmo tema. Essa mania por uma ideia, comprometia</p><p>sua convivência social e sua atuação como docente. Depois de seu diagnóstico, o</p><p>artista autodenomina-se Qorpo Santo, como aquele que passa de um homem comum</p><p>para uma certa dimensão divina. Dentre seus textos dramatúrgicos estão:</p><p>O hóspede atrevido ou O brilhante escondido; A impossibilidade da</p><p>santificação ou A santificação transformada; O marinheiro escritor;</p><p>Dois irmãos; Duas páginas em branco; Mateus e Mateusa; As relações</p><p>naturais; Hoje sou um; e amanhã outro; Eu sou vida; eu não sou</p><p>morte; A separação de dois esposos, O marido extremoso; ou o</p><p>pai cuidadoso; Um credor da fazenda nacional; Um assovio; Certa</p><p>Entidade em busca de outra; Lanterna de fogo; Um parto; Uma pitada</p><p>de rapé (incompleta) (GONÇALVES, 2018, p. 171)</p><p>É importante ressaltar a composição dos textos de Qorpo Santo baseada</p><p>em uma espécie de comicidade própria, situações aparentemente sem sentido,</p><p>personagens caricatos, certo apelo para o grotesco, o tom satírico e farsesco, abertura</p><p>para a fragmentação e subversão de princípios dramáticos. “Tais características são</p><p>entrecortadas por situações estranhamente exemplares de orientações morais, que</p><p>trazem um conservadorismo arraigado a preocupações com a ordem político-social,</p><p>manutenção da família e progresso do país” (GONÇALVES, 2018, p. 172).</p><p>Estes aspectos localizam a obra de Qorpo Santo como uma introdução a um teatro</p><p>conectado com as vanguardas e propondo uma certa inovação dramatúrgica. O teatro de</p><p>Qorpo Santo propõe diálogos com o que iria constituir-se no que conhecemos como teatro</p><p>do absurdo. Neste sentido, o autor representa uma proposta de inovação dramatúrgica</p><p>para</p><p>a época e que possivelmente esteve conectado com os princípios de um teatro original</p><p>brasileiro ou com os princípios defendidos pelo movimento modernista brasileiro.</p><p>68</p><p>TEATRO E SOCIEDADE NO BRASIL COLÔNIA: A CENA JESUÍTICA DO AUTO DE</p><p>SÃO LOURENÇO</p><p>Sérgio de Carvalho</p><p>Até o início do século XIX, a modernidade dos fenômenos teatrais na colônia</p><p>passava longe de um sistema aristocrático ou mercantil de entretenimento, com suas</p><p>casas de espetáculos, elencos estáveis, especialização em tipos e definição de repertório</p><p>de acordo com gêneros do palco. Estava, como quase sempre esteve, impossibilitada</p><p>de absorver um conjunto de autores nativos interessados na representação de temática</p><p>nacional através da forma dramática, como ocorreu na Europa pós-Renascimento.</p><p>RECUSA E MANUTENÇÃO DO MODELO DRAMÁTICO</p><p>É significativo que Décio de Almeida Prado (1993), num dos mais importantes</p><p>estudos sobre a história do teatro no Brasil, se veja obrigado a suspender os critérios</p><p>convencionais que balizam a tradição de análise do teatro nacional na era burguesa. No</p><p>primeiro parágrafo do livro comenta sua decisão:</p><p>O teatro chegou ao Brasil tão cedo ou tão tarde quanto se desejar.</p><p>Se por teatro entendermos espetáculos amadores isolados, de fins</p><p>religiosos ou comemorativos, o seu aparecimento coincide com a</p><p>formação da própria nacionalidade, tendo surgido com a catequese</p><p>das tribos indígenas feita pelos missionários da recém fundada</p><p>Companhia de Jesus. Se, no entanto, para conferir ao conceito a</p><p>sua plena expressão, exigirmos que haja uma certa continuidade</p><p>no palco, com escritores, atores e público relativamente estáveis,</p><p>então o teatro só terá nascido alguns anos após a Independência, na</p><p>terceira década do século XIX (PRADO, 1993, p. 15)</p><p>A hesitação em renunciar à “plena expressão” de certo conceito de teatro não</p><p>impede, entretanto, o crítico de se dedicar ao exame da cena jesuítica. E a qualidade de</p><p>seu comentário, um dos melhores sobre a dramaturgia de Anchieta, extrai energias da</p><p>percepção de que os autos jesuíticos só têm sentido quando associados às formas ditas</p><p>parateatrais e a um contexto maior. Conscientemente ou não, Décio segue os passos de</p><p>uma nova historiografia do teatro europeu, que a partir da década de 1970 percebe que</p><p>só poderá conhecer aspectos novos do teatro medieval se adotar um “amplo conceito</p><p>de teatralidade” capaz de incluir atividades do cerimonial eclesiástico e o âmbito das</p><p>celebrações da vida social da corte e da cidade. Enfim, um teatro que “não tem uma</p><p>realização textual própria e que tampouco era habitualmente recolhido por escrito”</p><p>(PÉREZ PRIEGO, 2009, p. 17).</p><p>LEITURA</p><p>COMPLEMENTAR</p><p>69</p><p>Contudo, como compreender a encenação jesuítica que modela textos de</p><p>um autor como Anchieta? A grande maioria dos historiadores do teatro no Brasil que</p><p>trataram do tema recorre à mesma fonte documental, fornecedora de imagens vivas da</p><p>época: os escritos do Padre Fernão Cardim.</p><p>No ano de 1583, Cardim, ainda jovem, chegou ao Brasil na privilegiada condição</p><p>de acompanhante do visitador da Companhia do Jesus, Cristóvão de Gouveia. Sua</p><p>Narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuítica registra as andanças da comitiva</p><p>do visitador por colégios, casas e aldeias mantidas pela Companhia, entre Pernambuco</p><p>e São Paulo. Cardim é de fato um escritor notável, ainda que sua motivação literária</p><p>seja apresentar o bom sucesso da própria viagem de visitação, em sua capacidade de</p><p>dinamizar o processo missionário em curso, em contraste com a matéria humana e</p><p>natural tão refratária e estranha.</p><p>Os mais impressionantes registros da teatralidade jesuítica feitos por ele são,</p><p>portanto, os das festas de recebimento, aquelas em que as aldeias ou a comunidade do</p><p>colégio se organizam para saudar o visitante ilustre, com procissões, coros cantados,</p><p>saudações dialogadas, fogos de artifício e representações com adereços. O mote da</p><p>festa era a doação de alguma relíquia sagrada, sendo que Visitador Gouveia trouxe</p><p>na mala diversos ossos de santos, enviados pelo Papa, para serem distribuídos como</p><p>objeto de culto das igrejas em construção.</p><p>Praticamente todos os historiadores do teatro no Brasil reproduziram trechos</p><p>de Fernão Cardim, um “guia prestimoso nesses assuntos”, na expressão de Galante de</p><p>Sousa, quando se tratava de fornecer alguma imagem cênica complementar aos textos</p><p>de Anchieta. Um desses relatos, também citado parcialmente por Décio de Almeida</p><p>Prado, refere-se a um incrível recebimento ocorrido em fins de novembro de 1584, em</p><p>que os índios encenam uma captura guerreira do Visitador, quando chegaram os padres</p><p>para a festa de Nossa Senhora da Conceição, numa aldeia situada a três léguas de</p><p>Salvador, na Bahia:</p><p>Foi o padre visitante fazer-lhes a festa. Os índios também lhe fizeram</p><p>a sua: porque duas léguas da aldeia em um rio mui largo e formoso</p><p>(por ser o caminho por água) vieram […] com seus tambores, pífaros</p><p>e frautas, providos de mui formosos arcos e frechas mui galantes; e</p><p>faziam a modo de guerra naval muitas ciladas em o rio, arrebentando</p><p>poucos e poucos com grandes gritas, e prepassando pela canoa do</p><p>padre lhe davam o Ereiupe, fingindo que o cercavam e o cativavam.</p><p>Neste tempo um menino, prepassando em uma canoa pelo padre</p><p>Visitador, lhe disse em sua língua: Pay, marápe guarinime nande</p><p>popeçoari? “em tempo de guerra e cerco como estás desarmado?”</p><p>e meteu-lhe um arco e frechas na mão. O padre, assim armado, e</p><p>ele dando suas algazarras e urros, tocando seus tambores, frautas</p><p>e pífanos, levaram o padre até a aldeia, com algumas danças que</p><p>tinham prestes. […] Acabada a missa houve procissão solene</p><p>pela aldeia, com danças dos índios a seu modo e à portuguesa; e</p><p>alguns mancebos honrados também festejaram o dia dançando na</p><p>procissão, e representaram um breve diálogo e devoto sobre cada</p><p>palavra da Ave-Maria, e esta obra dizem compôs o padre Álvaro Lobo</p><p>e até ao Brasil chegam suas obras e caridades (CARDIM, 1980, p. 166)</p><p>70</p><p>Décio de Almeida Prado (1993), inspirado pela citação, sugere alguns princípios</p><p>dessa teatralidade aberta, toda feita de interações entre a cena e a festa, e que</p><p>condiciona a dramaturgia de Anchieta:</p><p>Temos aí, esboçados por Fernão Cardim, alguns dos princípios</p><p>fundamentais da encenação – e, portanto, da dramaturgia – jesuítica:</p><p>o teatro concebido como parte de uma festa maior, que nem por</p><p>ser religiosa deixa de ter lados francamente profanos e divertidos;</p><p>o constante deslocamento no espaço (observável também nas</p><p>festividades indígenas), como suporte de diálogos ocasionais, não</p><p>necessariamente ligados entre si, que faziam a procissão estacionar</p><p>por minutos; as figuras simbólicas, quando não sacras (a Sé, a Cidade,</p><p>o Anjo); o cenário quase sempre natural; os papéis interpretados por</p><p>alunos de vários níveis, sem exclusão de indígenas; o diabo visto como</p><p>fonte de comicidade, à maneira indígena (e portuguesa, se lembrarmos</p><p>de Gil Vicente); a comunicação de natureza sensorial, proporcionada</p><p>pela música e pela dança, com os instrumentos indígenas de sopro</p><p>e percussão sendo equiparados aos correspondentes europeus</p><p>(frauta, tambor); e, antes e acima de tudo, o aspecto lúdico do teatro,</p><p>entendido como jogo, brincadeira, porta imaginária através da qual</p><p>entravam com enorme entusiasmo os índios […] (PRADO, 1993, p. 20)</p><p>Em que pese a ótima enumeração de princípios artísticos não dramáticos, o que</p><p>se vê na sequência do ensaio de Décio de Almeida Prado, entretanto, são comentários</p><p>que pouco incorporam esse conjunto de observações. Ele passa a resenhar os</p><p>principais temas e figuras das peças de Anchieta, com comentários lúcidos em torno</p><p>da questão catequética, interpolados por avaliações que tendem à depreciação formal.</p><p>A dificuldade de estabelecer conexões entre a forma do auto e a teatralidade aberta</p><p>indicada no próprio texto cria um dualismo analítico, que é resolvido com o apelo a</p><p>critérios dramáticos externos à obra e oriundos de uma tradição teatral posterior.</p><p>FORMA HETERÓCLITA DO AUTO DE SÃO LOURENÇO</p><p>Não cabe aqui refletir as razões desse movimento contraditório no ensaio de</p><p>Décio de Almeida Prado. O que interessa é constatar que o resu¬mo das principais</p><p>personagens e características formais de uma peça como Auto de São Lourenço</p><p>– a mais famosa de Anchieta – não é suficiente para que sua teatralidade possa ser</p><p>investigada como fenômeno histórico.</p><p>Algo do sentido real do material escapa à análise do crítico. Ele apresenta bem</p><p>o cortejo inicial da peça, descreve os demônios tupinambás que aparecem no tablado</p><p>para estimular os pecados da aldeia (os vícios da bebedeira, luxúria e violência); indica</p><p>que são esses mesmos índios-demônios que, após a conversão combativa do Anjo,</p><p>se oporão aos antigos imperadores romanos que supliciaram a São Lourenço e São</p><p>Sebastião; e destaca bem a dimensão cômica da peça, aspecto importantíssimo da</p><p>forma e ignorado por muitos.</p><p>A descrição, entretanto, não vai além dos conteúdos mais evidentes e reitera a</p><p>fórmula consagrada do teatro catequético. O crítico chega a sugerir que a confusão da</p><p>71</p><p>peça decorre de uma livre associação feita por Anchieta em torno do tema do orago São</p><p>Lourenço, sendo “a unidade dramática das mais precárias”:</p><p>Já deve ter ficado claro, a esta altura, que a coerência formal, ao</p><p>contrário da religiosa, nunca esteve entre as cogitações ao autor de</p><p>Na Festa de S. Lourenço. […] Buscava-se, como se percebe, um efeito</p><p>cômico acessível ao público, ainda que à custa da lógica e das regras</p><p>habituais da dramaturgia. Importava o “recado” […] religioso, não a</p><p>estruturação e o acabamento artístico. Mas qual seria esse recado, em</p><p>relação à área indígena, a mais especificamente visada? Os jesuítas</p><p>tinham em mira dois fins precisos: substituir uma religião (ou mitologia)</p><p>por outra e um código moral por outro (PRADO, 1993, p. 29).</p><p>Numa versão sintética do mesmo raciocínio, em Prado (1999), o incômodo com</p><p>o caráter caótico e episódico da estrutura, e com a simultaneidade espacial e temporal</p><p>da cena jesuítica, persiste:</p><p>É possível que a dispersão desse heteróclito universo ficcional</p><p>se justificasse, em parte, pelo caráter itinerante do espetáculo,</p><p>desenvolvido muitas vezes em formato de procissão, com paradas</p><p>em diferentes lugares, cada uma dando origem a um episódio</p><p>autônomo, dentro do tema religioso geral (PRADO, 1993, p. 20).</p><p>Sem mediações que permitam compreender o “caráter heteróclito” da</p><p>dramaturgia, o que passaria pelo aprofundamento das conexões sugeridas pelo próprio</p><p>crítico com base em Cardim (quanto à função do teatro: “a cena é parte de uma festa</p><p>maior”; quanto à forma teatral: aberta, processional, alegórica), Décio de Almeida</p><p>Prado combina o juízo de valor particular, amparado em critérios de unidade estética</p><p>e dramática, a uma observação geral sobre a função daquela dramaturgia no nível</p><p>temático: substituir o fundamento reli¬gioso e o código moral da plateia indígena.</p><p>Por trás do argumento, há a ideia de que se trata de um teatro menor por ser</p><p>instrumental, que subordina dimensão estética à eficácia cômico-religiosa. E em um</p><p>segundo nível, não nomeado, o crítico parece rejeitar a própria poética alegorizante</p><p>da peça, ecoando o ponto de vista condenatório do classicismo descrito por Walter</p><p>Benjamin (1984, p. 184): “Denunciar a alegoria vendo nela um modo de ilustração, e não</p><p>uma forma de expressão”.</p><p>No entanto, o processo alegórico contido no Auto de São Lourenço, com seu</p><p>caos metafórico, talvez esteja de fato em um lugar de difícil classificação, intermediário</p><p>entre o didatismo da alegoria medieval cristã, modelada pela forma do auto religioso, e o</p><p>sentido místico-histórico-natural, da alegoria barroca. Assume, na verdade, um lugar sem</p><p>precedentes literários, movido pela pressão de seus temas coloniais imediatos. Nesse</p><p>sentido, o crítico – e o historiador do teatro – terá de se perguntar o que essa “precária</p><p>unidade” (heteróclita e orientada pelo princípio da substituição, como toda alegoria) tem a</p><p>dizer concretamente sobre as relações entre aquele teatro e aquela sociedade?</p><p>72</p><p>Anchieta e a alegoria da aculturação</p><p>Outro caminho analítico também pode ser percorrido por quem procura</p><p>compreender uma peça como Auto de São Lourenço. Aparentemente mais útil à crítica</p><p>literária do que à história do teatro, ele permite, entretanto, pensar na possibilidade de</p><p>uma abordagem interpretativa mais imanente à obra. Nesse sentido, o método do ensaio</p><p>de Alfredo Bosi (1992) seria inverso ao de Décio de Almeida Prado. Bosi procura sondar,</p><p>através da estrutura linguística e rítmica dos versos de Anchieta, um processo maior da</p><p>história da cultura. Para o crítico, o trabalho fundamental do poeta Anchieta começaria</p><p>em moldar, no interior dos códigos tupis, uma “forma bastante próxima das medidas</p><p>trovadorescas em suas variantes populares ibéricas” (BOSI, 1992, p. 64). Examina, a</p><p>partir daí, as dificuldades do sistema de correlações culturais nas aproximações dos</p><p>jesuítas aos índios. Conceitos mais ou menos abstratos para os cristãos, como o “reino</p><p>de Deus” ou o “demônio”, são os que exigem do poeta-missionário um esforço de</p><p>penetração no imaginário do outro e geram uma nova representação do sagrado, que</p><p>não é mais teologia cristã nem crença tupi: surgiria assim uma “terceira esfera simbólica,</p><p>uma espécie de mitologia paralela que só a situação colonial tornou possível” (BOSI,</p><p>1992, p. 65). A partir da procura de homologias, ele levanta a hipótese de que o ponto</p><p>fundamental de convergência cultural:</p><p>[…] não se encontrava nem em liturgias a divindades criadoras, nem</p><p>na lembrança de mitos astrais, mas no culto dos mortos, no conjuro</p><p>dos bons espíritos e no esconjuro dos maus. Eis as funções das</p><p>cerimônias de canto e dança, das beberagens (caiunagens), do fumo</p><p>inspirado e dos transes que cabia ao pajé presidir (BOSI, 1992, p. 69)</p><p>O teatro de Anchieta, portanto, teria sido construído como parte dessa</p><p>substituição catequética das cerimônias tupi-guarani em relação aos mortos por uma</p><p>“liturgia coral e pinturesca que se desdobrava em procissões”. A análise de trecho do Auto</p><p>de São Lourenço feita pelo crítico confirma essa hipótese. A fala do demônio Guaixará</p><p>que descreve suas supostas obras malignas (bebedeiras, dança, preparação pictórica</p><p>do corpo, fumo, sexo livre e antropofagia) surge como uma exposição do sistema ritual</p><p>dos tupis a ser substituído pela visão cristã e talvez, poderíamos acrescentar, pela</p><p>própria ordem ritual da cena.</p><p>A conclusão ideológica, assim, não deixa de ser semelhante à de Décio de Almeida</p><p>Prado. O problema maior estaria na veiculação de uma ideologia estética regressiva</p><p>por parte de um dramaturgo que teria condições de fazer diferente: “A pedagogia da</p><p>conversão apagava os traços progressistas virtuais do Evangelho fazendo-os regredir</p><p>a um substituto para a magia dos tupis” (BOSI, 1992, p. 93). Sua avaliação negativa da</p><p>experiência teatral de Anchieta é apresentada em contraste com considerações positivas</p><p>sobre a poesia lírica do padre. A lírica, ao expressar o sentimento religioso individual, seria</p><p>construída por Anchieta de forma mais moderna, não ilustrativa, enfim simbólica.</p><p>FONTE: <https://doi.org/10.11606/issn.2238-3867.v15i1p6-53 >. Acesso em: 29 set. 2021.</p><p>73</p><p>RESUMO DO TÓPICO 3</p><p>Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:</p><p>• As encenações ditas realistas buscavam estar conectadas com ideais como valores</p><p>considerados éticos como o trabalho, a honestidade e o casamento de um enredo</p><p>que se presta ao debate de questões sociais e que opõem bons e maus burgueses.</p><p>• No realismo há uma tentativa de idealizar a sociedade e de exaltar a burguesia e</p><p>seus valores ditos como morais e corretos para exaltar uma instituição considerada a</p><p>suprema instância social: a família tradicional brasileira.</p><p>• As produções realistas retratavam os hábitos de uma burguesia em ascensão com</p><p>seus padrões conservadores. Os personagens eram apresentados como profissionais</p><p>com certa posição social, considerados de classe emergente da cidade do Rio</p><p>de</p><p>Janeiro.</p><p>• A cena naturalista apresentava elementos naturais e poderia ser confundida</p><p>facilmente como uma cena real do cotidiano. Dessa forma, os elementos de cena</p><p>seguiam esses princípios.</p><p>• Os princípios naturalistas de encenação buscavam inserir em seus espetáculos</p><p>personagens de carne e osso, com certa realidade natural, sem artifícios ou outros</p><p>aspectos que levassem o público a navegar pela mentira das encenações que eram</p><p>postas nos palcos da época.</p><p>• A comédia de costumes era composta por cenas cômicas que apresentavam</p><p>peripécias entre os personagens centrais que evidenciavam ou satirizavam os</p><p>hábitos e costumes da sociedade da época.</p><p>• A opereta trazia para a cena uma mescla entre comédia, musical, cenas burlescas</p><p>e trabalho de bufões que foi aceita com muito sucesso na época, tanto na Europa</p><p>quanto no Brasil.</p><p>74</p><p>1 As dramaturgias Realistas, além de estarem conectadas com aspectos da vida real,</p><p>buscavam conectar-se com certa feição moralizadora ao descrever os costumes</p><p>justapostos a prescrição de valores considerados éticos como o trabalho, a</p><p>honestidade e o casamento de um enredo que se presta ao debate de questões</p><p>sociais e que opõem bons e maus burgueses. No realismo há uma tentativa de</p><p>idealizar a sociedade e de exaltar a burguesia e seus valores ditos como morais e</p><p>corretos. Diante destes indicativos, assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) O Realismo tentava idealizar a sociedade burguesa da época de exaltar seus</p><p>valores ditos como morais e corretos.</p><p>b) ( ) O Realismo traz para a cena a proposta de encenação voltada para princípios</p><p>surreais, interpretação natural e cenários minimalistas.</p><p>c) ( ) O Realismo buscava realizar um teatro, no qual permitia explorar a cultura</p><p>popular e outros elementos encontrados na sociedade da época.</p><p>d) ( ) O Realismo busca exaltar fatores que definem o teatro oriental de modo que em</p><p>meados do século XX, o teatro brasileiro estava em desenvolvimento lento.</p><p>2 O teatro Naturalista foi idealizado pelo dramaturgo Emile Zola em que afirmava a</p><p>urgência em compor uma cena composta por figurinos, interpelação e cenários que</p><p>remetessem ao cotidiano. Esse cotidiano posto em cena deveria ser detalhadamente</p><p>natural como uma cena que ocorre na vida real. Elementos reais como móveis,</p><p>arbustos, árvores e figurinos reais faziam a composição da cena naturalista. Certo</p><p>cientificismo era princípio para a composição de todas as etapas. Com base nesses</p><p>princípios, analise as sentenças a seguir:</p><p>I- O dramaturgo afirmava que a cena naturalista deveria conter personagens de carne</p><p>e osso, com certa realidade natural, sem artifícios ou outros aspectos que levassem o</p><p>público a navegar pela mentira das encenações que eram postas nos palcos da época.</p><p>II- O autor afirmava ainda que era necessário libertar os personagens de meandros da</p><p>ficção, de simbologia convencional conectadas as virtudes e vícios. A determinação dos</p><p>personagens seria conduzida por uma lógica temperamental do próprio personagem.</p><p>III- O dramaturgo Emile Zola estava conectado com a tendência de produções</p><p>espetaculares que apresentavam os musicais como principal característica do</p><p>naturalismo.</p><p>Assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.</p><p>b) ( ) Somente a sentença II está correta.</p><p>c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.</p><p>d) ( ) Somente a sentença III está correta.</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>75</p><p>3 De acordo com os princípios da dramaturgia Realista, o que podemos encontrar nas</p><p>cenas é os hábitos sociais de uma burguesia que buscava inserir seus ideais na trama</p><p>teatral e estabelecer valores morais considerados corretos. Este fato denunciava a</p><p>tendência de conservar os desejos de uma burguesia em ascensão conectada com</p><p>certo conservadorismo. De acordo com os princípios apresentados, classifique V para</p><p>as sentenças verdadeiras e F para as falsas:</p><p>( ) As produções já retratam os hábitos sociais de uma burguesia aberta a princípios</p><p>liberais e seus valores voltados para padrões tipicamente conservadores.</p><p>( ) Os dramaturgos da época esforçavam-se em pôr em cena uma parcela da</p><p>sociedade brasileira considerada moderna.</p><p>( ) Os valores da época eram conectados com a propagação cultural e acesso aos</p><p>produtos teatrais que buscavam encenar temas religiosos e passagens bíblicas</p><p>como princípio realista.</p><p>Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:</p><p>a) ( ) V – F – F.</p><p>b) ( ) V – V– F.</p><p>c) ( ) F – V – F.</p><p>d) ( ) F – F – V.</p><p>4 A opereta como estilo de encenação ou como gênero teatral burlesco obteve sucesso</p><p>devido ao encenador alemão Jacques Offenbach que em meados dos anos de 1850</p><p>na cidade de Paris, passou a utilizar o espaço de espetáculos do Théâtre des Bouffes-</p><p>Parisiens. Neste sentido, disserte sobre a opereta e suas características.</p><p>5 O estilo de dramaturgia e de encenação Naturalista difere-se do estilo Realista</p><p>por abordagens específicas quanto ao conteúdo, procedimentos de encenação e</p><p>princípios que podem se aproximar dependendo da produção teatral. Diante destes</p><p>argumentos, disserte sobre as diferenças entre os dois gêneros de encenação.</p><p>76</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ARÊAS, V. O Teatro romântico: A comédia de costumes. In. GUINSBURG, J.;</p><p>FARIA, J. R. História do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro</p><p>profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva; Edições</p><p>SESCSP, 2012. p. 119 -136.</p><p>AZEVEDO, E. R. O teatro romântico: o drama. In. GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.</p><p>História do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da</p><p>primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva; Edições SESCSP, 2012. p.</p><p>94-118</p><p>BERTHOLD, M. História mundial do teatro. Tradução de Paula V. Zurawski, J.</p><p>Guinsburg, Sérgio Clovis e Clóvis Garcia. São Paulo: Perspectiva, 2001.</p><p>BRITO, R. J. S. O teatro de entretenimento e as tentativas naturalistas: o</p><p>teatro cômico e musicado. In. GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do teatro</p><p>brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da primeira metade do</p><p>século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 219-232.</p><p>CARVALHO, S. de. Teatro e sociedade no Brasil colônia: a cena jesuítica do Auto</p><p>de São Lourenço. Revista Sala Preta, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 6-53, 2015. Acesso</p><p>em: 25 set. 2021.</p><p>FARIA, J. R. O teatro cômico e musicado: o naturalismo: dramaturgia e encenações.</p><p>In. GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do teatro brasileiro, volume I: das</p><p>origens ao teatro profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo:</p><p>Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 296-320.</p><p>FERRETTI, S. F. Mário de Andrade e o Tambor de Crioula do Maranhão. Revista Pós</p><p>Ciências Sociais, São Luís, v. 3, n. 5, jul. p. 93-112, 2006. Acesso em: 25 set. 2021.</p><p>GONÇALVES, M. C. Revisitando a dramaturgia de Qorpo Santo em seu contexto</p><p>original. Revista Sala Preta, São Paulo, v. 18, n. 1, 2018. Disponível em: https://</p><p>doi.org/10.11606/issn.2238-3867.v18i1p168-180. Acesso em: 11 nov. 2021.</p><p>GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.; LIMA, M. A. de L. Dicionário do teatro brasileiro:</p><p>temas, formas e conceitos. São Paulo: Perspectiva; Sesc São Paulo, 2006.</p><p>IPHAN. Roda de capoeira. Iphan, Instituto Patrimônio Histórico e Artístico</p><p>Nacional. Brasília, c2014. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/</p><p>detalhes/66. Acesso em: 25 set. 2021.</p><p>77</p><p>KIST, I. S. O teatro romântico: a tragédia e o melodrama. In. GUINSBURG, J.;</p><p>FARIA, J. R. História do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro</p><p>profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva; Edições</p><p>SESCSP, 2012. p. 75-93.</p><p>PRADO, D. A. As raízes do teatro brasileiro. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História</p><p>do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da primeira</p><p>metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva; Edições SESCSP, 2012. p. 21-52.</p><p>SOUZA, I. C. de; GUASTI, M. C. F. A. Cultura africana e sua influência na cultura</p><p>brasileira. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDANTES DE BIBLIOTECONOMIA,</p><p>DOCUMENTAÇÃO, CIÊNCIA E GESTÃO DA INFORMAÇÃO,</p><p>41., 2018, Rio de</p><p>Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: UFRJ, 2018. Disponível em: https://app.uff.br/</p><p>riuff/bitstream/1/12906/1/510.pdf. Acesso em: 29 set. 2021.</p><p>SOUZA, M. de M. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2014.</p><p>RAMOS, L. F. O teatro romântico: a arte do ator e o espetáculo teatral. In.</p><p>GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do teatro brasileiro, volume I: das origens</p><p>ao teatro profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva;</p><p>Edições SESCSP, 2012. p. 137-158.</p><p>78</p><p>79</p><p>O TEATRO MODERNO NO</p><p>BRASIL</p><p>UNIDADE 2 —</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>PLANO DE ESTUDOS</p><p>A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:</p><p>• identifi car elementos que compuseram o cenário do teatro brasileiro deste período;</p><p>• conhecer os fatos que marcaram o teatro brasileiro no período pré-moderno;</p><p>• sintetizar informações em torno do teatro brasileiro pré-moderno;</p><p>• argumentar sobre o teatro no modernismo brasileiro e formular inferências sobre os</p><p>temas abordados.</p><p>Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará</p><p>autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.</p><p>TÓPICO 1 – O TEATRO BRASILEIRO QUE PRECEDE A MODERNIDADE</p><p>TÓPICO 2 – O MODERNISMO E O TEATRO BRASILEIRO</p><p>TÓPICO 3 – A CENA MODERNA E A PROFISSIONALIZAÇÃO DO TEATRO MODERNO NO</p><p>BRASIL</p><p>Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure</p><p>um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.</p><p>CHAMADA</p><p>80</p><p>CONFIRA</p><p>A TRILHA DA</p><p>UNIDADE 2!</p><p>Acesse o</p><p>QR Code abaixo:</p><p>81</p><p>TÓPICO 1 —</p><p>O TEATRO BRASILEIRO QUE PRECEDE A</p><p>MODERNIDADE</p><p>UNIDADE 2</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>Os movimentos e manifestações culturais que precederam o Romantismo,</p><p>Realismo e Naturalismo intensificaram o desenvolvimento do teatro no Brasil. Se o</p><p>Naturalismo pregava o cientificismo e que em cena os personagens fossem de carne e</p><p>ossos, no período seguinte, a cultura brasileira passou por profundas transformações</p><p>que precederam a modernidade.</p><p>Na primeira década do século XX, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se um</p><p>grande centro cultural, junto a São Paulo. A transformação urbanística que a cidade</p><p>passou, inspirada na reforma ocorrida na cidade de Paris, no século XIX, pretendia</p><p>modernizar os espaços urbanos, privilegiando os espaços para que a classe nobre e</p><p>classe pobre fosse lançada aos morros ou subúrbios da cidade.</p><p>Com o fim do império e a instauração da república, a cidade do Rio de Janeiro</p><p>passou a estar informalmente dividido entre o Rio dito civilizado e o Rio atrasado. Esse</p><p>período de transição também representou a modernização nos modos de produção e</p><p>disseminação de produtos culturais.</p><p>A indústria de entretenimento ganhou força com o fortalecimento dos veículos</p><p>de imprensa e a campanha da abolição das práticas de escravidão; e com a construção</p><p>de novos espaços para diversão impulsionou transformações em setores culturais como</p><p>a produção teatral.</p><p>Com esse panorama, multiplicaram-se o número de casas de espetáculos como</p><p>cafés-concerto, circos, teatros que ofereciam uma variedade de opções de espetáculos</p><p>em artes cênicas o que exigiu a profissionalização de artistas da cena como atores e</p><p>atrizes, cenógrafos, figurinistas, dramaturgos e demais profissionais envolvidos na</p><p>produção teatral brasileira.</p><p>Os aspectos que prevaleciam nesse período eram a ideia de decadência do teatro</p><p>nacional. Entretanto, o que ocorria com os teatros dessa época era uma efervescência</p><p>nos palcos; e a permanência da tradição cômica em produções musicadas populares e o</p><p>desenvolvimento de uma cultura artística era voltada para as massas (REIS; MARQUES,</p><p>2012).</p><p>82</p><p>Neste sentido, esta unidade apresentará os principais elementos que compõem</p><p>o teatro no período de transição pré-moderno e alguns aspectos do modernismo. O</p><p>tópico apresenta o teatro que antecede o advento da modernidade. O período foi de</p><p>intensas experimentações e de protagonismo brasileiro em produções teatrais originais.</p><p>Assim, seguimos nossos estudos para ampliar saberes em torno do Teatro brasileiro.</p><p>Bons estudos!</p><p>2 MOVIMENTOS CULTURAIS E TEATRAIS</p><p>Ao lançarmos para a discussão o termo movimento como algo movente, que</p><p>instaura certo fluxo de deslocamento, podemos conectar com a dinâmica própria</p><p>da cultura. A cultura como algo que mesmo com sua fixidez, está permeada pelos</p><p>deslocamentos produzidos por grupos sociais que permitem criar, recriar e praticar</p><p>realidades. No caso das manifestações artísticas e práticas conectadas com a arte</p><p>teatral no Brasil apresentaram características específicas.</p><p>O início do século XX os espetáculos preferidos do público eram os estilos</p><p>ligados aos musicais. Predominava ainda as comédias musicadas, revistas de ano e</p><p>carnavalescas, operetas, espetáculos parodiados e vaudevilles.</p><p>Pensava-se em desenvolver um teatro que pudesse ser sério ou que pudesse</p><p>reunir características nacionais de modo que seria identificado como teatro nacional.</p><p>As variedades cênicas da época indicavam a confirmação de um teatro voltado</p><p>aos costumes e hábitos da sociedade carioca. Toda essa efervescência criou “[...] um</p><p>rico mercado em que trabalhava um grande número de atores e atrizes, empresários,</p><p>autores, ensaiadores, cenógrafos, assim como diversos outros profissionais relacionados</p><p>às montagens dos espetáculos.” (MARQUES; REIS, 2012, p. 322).</p><p>Nessa intensa movimentação, os palcos eram tomados por novidades; e os</p><p>espetáculos permaneciam pouco tempo em cartaz para que novas produções pudessem</p><p>atrair o público sedento por diversão e arte. O Teatro de Revista era modalidade que</p><p>atraia o público por tratar de temas populares, cenas rápidas, envolvendo música, dança</p><p>e certo apelo ao riso fácil.</p><p>A presença de atrizes-bailarinas, vestidas com figurinos coloridos e exuberantes,</p><p>chamadas vedetes, era comum. Essa modalidade era uma espécie de teatro ligeiro, com</p><p>uma mistura de prosa e versos, com quadros que poderiam ser postos em sequência.</p><p>O cotidiano era inspiração para as cenas, caricaturas da realidade, crítica divertida e</p><p>alegre.</p><p>83</p><p>FIGURA 1 – ESPETÁCULO DE TEATRO DE REVISTA, NÃO SOU DE BRIGA, PRODUÇÃO DE WALTER PINTO</p><p>(TEATRO RECREIO, 1946)</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3CARq2v>. Acesso em: 9 mar. 2022.</p><p>Espetáculo de teatro de revista, Não sou de briga, produção de Walter Pinto</p><p>(Teatro Recreio, 1946). Para a moda e costumes da sociedade, os prazeres e apelos sexuais</p><p>poderiam ser comuns. Eles poderiam até mesmo aparecer nas cenas. O terreno revisteiro</p><p>é o domínio dos costumes, da moda, dos prazeres e, principalmente, da atualidade.</p><p>Algumas características eram comuns em diferentes países: “[...] a sucessão de cenas ou</p><p>quadros bem distintos; atualidade; o espetacular; a intenção cômico-satírica; a malícia; o</p><p>duplo sentido; a rapidez do ritmo [...] o ritmo vertiginoso é condição básica do texto e da</p><p>encenação, indispensável ao seu sucesso” (GUINSBURG et al., 2006, p. 270).</p><p>Em fase de implementação do gênero no Brasil, os espetáculos eram compostos</p><p>por três atos somente. Entre as décadas de 1920 e 1930, revistas de dois atos como</p><p>a revista carnavalesca Pé de Anjo surgiram. Esse gênero teatral popularizou-se no</p><p>Brasil por conter espetáculos que eram compostos por números falados, coreografias,</p><p>canto, cenas rápidas com humor e crítica social. A cidade de Rio de Janeiro foi palco da</p><p>efervescência do Teatro de Revista. A crítica humorada de aspectos sociais e políticos</p><p>conectada com certa sensualidade dos corpos em cena cativou o público da época.</p><p>FIGURA 2 – FOTO DA PEÇA DO TEATRO DE REVISTA NEM TE LIGO, DA COMPANHIA DE TEATRO WALTER</p><p>PINTO, NO TEATRO RECREIO, 1946</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3t2XCx7>. Acesso em: 16 out. 2021.</p><p>84</p><p>A criação das cenas buscava elementos de outras áreas, como a música,</p><p>a dança, o canto e a opereta ou musicais para compor seus quadros. A exuberância</p><p>dos figurinos era marca presente nas cenas; e os textos poderiam ser compostos</p><p>com uma junção de diferentes textos ou de autores diversos. As músicas poderiam</p><p>ser inseridas de acordo com a necessidade e sem o compromisso de ter composições</p><p>originais marcando a sonoridade cênica. Pequenos intervalos entre um ato e outro não</p><p>prejudicavam o andamento do espetáculo.</p><p>Esse gênero de teatro poderia ser classificado facilmente como teatro musicado</p><p>e seguia uma estrutura estabelecida para este gênero. Essa espécie de fórmula</p><p>dependia dos encenadores, atores e atrizes ou do que a companhia estava disposta</p><p>a inserir nas cenas do espetáculo. O Teatro de Revista possuiu função importante na</p><p>história das artes cênicas no período pré-modernidade. Além de estabelecer um estilo</p><p>de teatro conectado com raízes brasileiras, buscou divulgar a cultura e a música popular</p><p>brasileira. Nessas décadas (1920-1930) surgiram dois subgêneros de Teatro de Revista:</p><p>a Revista Carnavalesca e a Revista de Ano. “Revistas como Pé de Anjo e Olelê, Olalá</p><p>são emblemáticas desse período. Luiz Peixoto e Carlos Bittencourt formaram a dupla</p><p>de autores mais importantes dessas décadas em que o teatro e a música eram uma só</p><p>entidade” (GUINSBURG et al. 2006, p. 271, grifo nosso)</p><p>FIGURA 3 – CARTAZ DE DIVULGAÇÃO DE ESPETÁCULO DE REVISTA</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3MGHSaY>. Acesso em: 17 out. 2021.</p><p>A Revista Carnavalesca era composta por elementos que traziam certa</p><p>brasilidade com os tipos, mulatos, malandros, mistura de elementos que compõem o</p><p>ritmo alucinante da música popular. Nessa inserção de aspetos folclóricos regionalistas</p><p>da cena brasileira e de outros aspectos que contribuíram para o surgimento de uma</p><p>variação do Teatro de Revista que se denominou Revista Carnavalesca. Essa variedade</p><p>buscava trazer para a cena uma espécie de mistura do Carnaval popular e a mágica</p><p>cênica que o Teatro de Revista apresentava.</p><p>85</p><p>O retrato de um, aqui e agora, com a espetacularidade do Carnaval figurava a nova</p><p>cena carioca. A conexão entre a festa que se popularizava, o Carnaval, e os espetáculos</p><p>de Teatro de Revista tiveram grande sucesso inserindo músicas carnavalescas e temas</p><p>que buscavam exaltar a festa popular (GUINSBURG et al., 2006).</p><p>A apresentação de Teatro de Revistas Carnavalescas divulgava o cancioneiro</p><p>popular, lançavam novos sucessos carnavalescos que saíam dos palcos para a avenida,</p><p>com toda a expressividade popular que o Carnaval apresentava. A outra variedade a ser</p><p>apresentada nesta discussão é a revista de ano. Esta variedade estava presente antes</p><p>mesmo do desenvolvimento do gênero Teatro de Revista ou da chegada definitiva deste</p><p>gênero no Brasil. A revista de ano estava presente como um espetáculo que traçava</p><p>uma retrospectiva bem-humorada dos acontecimentos daquele ano. Os principais</p><p>acontecimentos políticos, culturais ou sociais eram postos em cena com certo humor em</p><p>quadros que poderiam estar conectados com um tema central para aquela apresentação.</p><p>“A revista de ano caracterizava-se por “passar em revista” os fatos do ano que terminava.</p><p>Tratava-se de uma resenha dos acontecimentos do ano, teatralizada, musicada, cheia de</p><p>humor e crítica. No Brasil, ela aportou em 1859” (GUINSBURG et al., 2006, p. 271).</p><p>A primeira revista de ano a ser encenada na cidade do Rio de Janeiro foi a de</p><p>Figueiredo Novaes, em 1859, e intitulava-se de “As Surpresas do Senhor José da Piedade”.</p><p>Mesmo com certa dificuldade de estabelecer-se como espetáculo teatral, foi no final do</p><p>século XIX, por volta de 1884 que a revista de ano obteve seu sucesso merecido com O</p><p>Mandarim escrito pela dupla de enorme sucesso: Artur Azevedo (1855-1908) e Moreira</p><p>Sampaio (1851-1901). Além de revisar, com um apelo ao humor, os acontecimentos que</p><p>ocorreram no ano que findava, essa modalidade apresentava outras características que</p><p>a definem: “[...] a epicidade, um fio condutor tênue, uma ação de movimento e a figura do</p><p>compére (popularmente conhecido como compadre, personagem misto de apresentador</p><p>e coringa que introduz e dá unidades aos quadros)” (GUINSBURG et al., 2006, p. 271).</p><p>FIGURA 4 – POSTAL DA COMPANHIA DE REVISTAS DE WALTER PINTO, DA ÉPOCA EM QUE SE</p><p>APRESENTAVAM NO TEATRO RECREIO DO RIO DE JANEIRO</p><p>FONTE: <https://bit.ly/37nqfwO>. Acesso em: 26 out. 2021.</p><p>86</p><p>O disparador das cenas revisteiras era a chegada de alguém, em algum local,</p><p>poderia ser uma cidade a ser abordada na encenação, para visitar, percorrer, atravessar</p><p>os obstáculos da trama. Quase um apresentador dos quadros cômicos ou dos episódios</p><p>fantasiosos, o que se pode chamar de condutor da cena, movia as peças necessárias</p><p>para revisar os fatos ocorridos naquele ano.</p><p>Essa busca, sempre constante nas revistas de ano, era o elemento</p><p>que dava ritmo aos espetáculos, havia sempre alguém e alguém que</p><p>escapava por um triz. Havia, portanto, uma pequena história, um</p><p>enredo tênue e ingênuo, mas flexível o bastante para desencadear</p><p>o desfile dos principais fatos e figuras que se destacaram durante o</p><p>ano, mostrados através de quadros de fantasia, esquetes e canções. O</p><p>enredo era desencadeado já no prólogo, que costumeiramente se dava</p><p>numa região extraterrestre ou fora da cidade que seria revisada durante</p><p>o espetáculo. Assim, era comum uma personagem em apuros ir pedir</p><p>inspiração a Apolo ou a qualquer outro deus do Olimpo, que nomeava</p><p>um “enviado” para ajudar o primeiro. “Caídos na Terra, formavam uma</p><p>dupla de compèrs (ou compadres) (GUINSBURG et al. 2006, p. 272).</p><p>Dentre os mais famosos escritores desse gênero, temos Artur Azevedo, que,</p><p>com A Fantasia e O Tribofe, conseguiu aproximar a revista brasileira aos moldes clássicos</p><p>franceses, com forte ação dramática. A revista de ano era composta por três atos com várias</p><p>subdivisões em quadros conectados, como mencionamos anteriormente, pelo compère.</p><p>Alguns fatores influenciaram para que esse gênero pudesse ter enorme</p><p>sucesso, dentre eles está a época de desenvolvimento das cidades, o clima, a música</p><p>em ascensão e acontecimentos sociais ou políticos. A metamorfose deu-se quando</p><p>esse gênero passou a apresentar certo abrasileiramento tornando-se a manifestação</p><p>cênica expressivamente nacional (GUINSBURG et al., 2006).</p><p>A revista de ano evoluiu pouco a pouco e formou-se como produto culturalmente</p><p>brasileiro e passou a ter dois atos, inicialmente possuía três, o compère foi substituído por</p><p>uma espécie de “chefe de quadro” que oferecia para cada quadro sonoridade, frenesi e</p><p>visualidade brasileira. “A revista de ano evoluiu para o formato “Revista”. Após a morte de Artur</p><p>Azevedo, em 1908, o modelo já se transformara, acabando por perder o caráter de resenha</p><p>crítica e satírica dos acontecimentos do ano anterior” (GUINSBURG et al. 2006, p. 272).</p><p>As fases da Revista como gênero teatral passou por várias fases: inicialmente</p><p>como revista-de-teatro, contendo cenas cômicas, belas vedetes até a espetacularidade</p><p>do carnaval. Depois da década de 1950 e equívocos procedimentais, o Teatro de Revista</p><p>chegou em seu declínio. Os encenadores adotaram regras marginais, descuido com as</p><p>montagens de modo que apresentavam obras sem o devido acabamento.</p><p>O público afastou-se e, em pouco tempo, esse gênero declinou até chegar ao</p><p>esquecimento. Esse gênero desenvolveu um modo de criar cenas, através da comicidade</p><p>em um teatro que refletiu as características de uma realidade social em desenvolvimento</p><p>pré-moderno. Esse gênero revelou grandes estrelas ou vedetes como: Luz del Fuego</p><p>(1917-1967), Elvira Pagã (1920 – 2003) e Virgínia Lane (1920-2014).</p><p>87</p><p>FIGURA 5 – A VEDETE VIRGÍNIA LANE</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3Cyul0x>. Acesso em: 9 jan. 2022.</p><p>A seguir, avançaremos aos aspectos que compuseram o cenário do teatro pré-</p><p>moderno.</p><p>3 CARACTERÍSTICAS DO TEATRO PRÉ-MODERNO</p><p>O teatro que antecedeu o período modernista brasileiro esteve mergulhado em</p><p>novas possibilidades criativas com intercâmbio cultural e artístico, preparando um fértil</p><p>território para o que a modernidade representou no cenário artístico cultural brasileiro. As</p><p>primeiras décadas do século XX foram marcadas pela intensa movimentação artística e</p><p>cultural. Tratar dessa época é tratar de um tempo em que “[...]</p><p>diversidade de estilos, línguas,</p><p>tipos e encenações povoava o palco e requeria da plateia constante adequação, dada a</p><p>defasagem estabelecida entre as novas correntes em vigor na Europa e sua chegada ao</p><p>Brasil, por meio das companhias dramáticas estrangeiras” (COSTA, 2012, p. 335).</p><p>Se pensarmos em uma palavra que defina este período podemos trazer a ideia</p><p>de movimento. A revolução industrial impulsionou profundas transformações sociais</p><p>e consequentemente culturais. O cinema oferecia experiências por meio da figura em</p><p>movimento que nenhuma outra manifestação de arte conseguia oferecer. A presença</p><p>das máquinas e os automóveis modificava a dinâmica das cidades de modo que os</p><p>ritmos ou velocidades não seriam os mesmos.</p><p>A instauração da república extinguia o império e os movimentos sociais,</p><p>políticos e artísticos fortaleciam-se. Movimentos como o realismo, naturalismo,</p><p>parnasianismo e simbolismo ocorreriam com certa simultaneidade. O clima que marcou</p><p>a fase pré-modernidade foi composto por contaminações culturais vindas de outros</p><p>países, principalmente da Europa, para estabelecer a busca por uma identidade artística</p><p>nacional (COSTA, 2012).</p><p>88</p><p>FIGURA 6 – GRAÇA ARANHA</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3hZOIdz>. Acesso em: 26 out. 2021.</p><p>Se pensarmos em uma palavra que permita definir este período pré-moderno,</p><p>elencamos a ideia de movimento ou velocidade. A figura em movimento presente</p><p>no cinema figurava as experiências estéticas nas salas de exibições. Movimentos</p><p>feministas, sociais e políticos eclodiam nos centros urbanos. A presença dos carros</p><p>e da industrialização marcaram a modificação das velocidades urbanas. As máquinas</p><p>ritmaram os movimentos desse período e determinaram as acoplagens ou conexões</p><p>dos corpos. O Império finda sua existência para dar espaço ao novo sistema político,</p><p>a República dita Velha. As manifestações artísticas foram impulsionadas por uma</p><p>espécie de simultaneidade de movimentos artísticos como o Realismo, Naturalismo,</p><p>Parnasianismo e Simbolismo (GUINSBURG et al., 2006).</p><p>Outros fatores estavam presentes no cenário nacional da época que podem</p><p>ser considerados importantes. As influências dos padrões artísticos europeus estavam</p><p>presentes, porém em terras brasileiras iniciavam movimentações em direção à criação</p><p>de arte com identidade brasileira. Nas artes da cena figuravam o teatro dito ligeiro</p><p>(cenas rápidas e a presença de músicas coreografadas), que influenciaram amplamente</p><p>o desenvolvimento teatral de modo que novas geografias e cenografias definiam</p><p>os contornos da cena pré-moderna e posteriormente, a modernidade artística. Os</p><p>rebuscamentos textuais deram espaço para a música, coreografias e visualidades em</p><p>um estilo teatral que assume características brasileiras (GUINSBURG et al., 2006).</p><p>As mudanças ocorrem em todos os setores da vida privada e pública do país.</p><p>A economia apoia-se na agricultura cafeeira, com exportação intensa dos produtos</p><p>brasileiros como açúcar e café. Outras mudanças ocorreram em setores como a</p><p>economia, baseada na exploração do café regulada pelo governo, o desenvolvimento</p><p>industrial explorando a mão de obra barata, precarização da vida urbana, crescimento de</p><p>desigualdades e de uma classe burguesa que ostentava novidades artísticas. O poder de</p><p>89</p><p>compra das elites influenciou a produção de arte nacional, bem como a produção teatral</p><p>voltada para a satisfação burguesa e em outra vertente teatral, a crítica e denúncia de</p><p>realidades sociais também poderiam estar presentes. As incoerências sociais também</p><p>eram postas em cena para mostrar as condições sociais da época.</p><p>Neste sentido, as produções teatrais passaram a ser criadas com a</p><p>intencionalidade de ofertar espetáculos tanto para plateias populares quanto ao público</p><p>considerado refinado. A turbulência, rebeldia, avanços e diversidade cultural foram</p><p>elementos que compuseram a cena pré-modernista. Ao percebermos como principal</p><p>representante do teatro dito ligeiro, Artur Azevedo confirmou a continuidade de um</p><p>teatro cômico e musicado na transição do século XIX para o XX. As produções dessa</p><p>época atendiam as expectativas também do espectador de baixa renda ao oferecerem</p><p>baixos preços nas bilheterias.</p><p>O teatro dito ligeiro estava em decadência desde os últimos anos do século</p><p>XIX, pois os ventos sopravam ares de um teatro dito sério. Apesar da intensa produção,</p><p>a tendência da época forçava um retorno aos padrões estéticos franceses ou em uma</p><p>dramaturgia vinda de terras europeias. A inspiração deveria originar-se do conhecimento</p><p>do teatro francês. Nesse período, dramaturgos de sucesso como Edmond Rostand</p><p>(1868-1918), Eugêne Brieux (1858-1932), Henri Bataille (1872-1922), Henry Bernstein</p><p>(1876-1953), Maurice Donnay (1859-1945) eram postos em cena por companhias</p><p>estrangeiras que circulavam em terras brasileiras. Outros dramaturgos faziam sucesso</p><p>em Paris como Ibsen, Maeterlinck, Sudermann, D'Annunzio.</p><p>FIGURA 7 – HENRIK IBSEN (1828-1906)</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3J0aOZg>. Acesso em: 26 out. 2021.</p><p>Com centros urbanos e culturais pontualmente localizados nas capitais do país,</p><p>um Brasil com a produção artística focada em centros em contrapartida de um interior</p><p>brasileiro distante das evoluções industriais, com certo abando, realidade violenta, com</p><p>pouco acesso aos benefícios tecnológicos. Esses fatos denunciam o abandono e atraso</p><p>90</p><p>em que as cidades periféricas ou interioranas foram submetidas. Outros fatos permeavam</p><p>a realidade brasileira em transição com os conflitos armados como: canudos e o contestado.</p><p>Neste contexto, os contrastes apresentavam-se em diferentes esferas de modo que a</p><p>máquina carro contrastava com a carruagem ou o carro de boi com protagonistas ditos</p><p>caipiras de pés descalços. Com essa realidade, os textos dramatúrgicos e a literatura</p><p>brasileira apresentaram personagens que são clássicos da dramaturgia e personagens</p><p>populares como: “Antônio Conselheiro, Jeca Tatu, Policarpo Quaresma, o Barão de Belfort,</p><p>Coelho Neto (o "último heleno") e o dândi João do Rio são uma pequena amostra da</p><p>realidade plural e contraditória do período” (COSTA, 2012, p. 336).</p><p>Assim, o teatro permanece vivo, seja pelas cenas musicadas ou pelos dramas</p><p>e comédias francesas. Com a criação do Teatro Trianon, por volta de 1915, as comédias</p><p>de costumes marcaram a presença no cenário da cultura carioca. O teatro como</p><p>arte da cena interagia profundamente com a realidade, seja pelas temáticas ou pela</p><p>constante busca pela presença do público nos espetáculos teatrais. Embates entre</p><p>estilos, tendências e modos de criar cenas talvez seja o ponto conflitante no período</p><p>pré-modernismo e durante o modernismo brasileiro.</p><p>Esse período foi uma espécie de preparo dos territórios para o que estava por</p><p>vir: uma época de intenso desenvolvimento cultural, artísticos e social. Os produtos</p><p>naturalistas de Zola e Ibsen ainda estavam em vigência no Brasil e ainda se configuravam</p><p>em trabalhos como A Muralha, de Coelho Neto ou a Herança de Júlia Lopes de Almeida.</p><p>Para acessar e conhecer mais textos teatrais desse período, recomendamos</p><p>acessar os endereços eletrônicos a seguir. Neles você poderá baixar textos</p><p>de dramaturgos brasileiros e conhecer outros textos de dramaturgos</p><p>internacionais. Bons estudos.</p><p>• Oficina de Teatro: https://bit.ly/3w6w0ci.</p><p>• Centro de Dramaturgia Contemporânea: https://bit.ly/3t4bs2z.</p><p>DICA</p><p>O Centro de Dramaturgia Contemporânea agrega, além de textos</p><p>dramatúrgicos, outras propostas desenvolvidas pelo Teatro Académico de Gil</p><p>Vicente (TAGV) em parceria com a Universidade de Coimbra, em Portugal.</p><p>INTERESSANTE</p><p>91</p><p>“No chamado "teatro da paixão", de linhagem francesa, cujos</p><p>expoentes são Henri Bataille (1872-1922), Porto Riche (1849-1930)</p><p>e Bernstein (1928-1990) influência Flores de Sombra, de Cláudio de</p><p>Souza (1876-1954), Berenice, de Cláudio de Souza, A Bela Madame</p><p>Vargas, de João do Rio (1881-1921), e Neve ao Sol, de Coelho Neto</p><p>(1864-1934)” (COSTA, 2012, p. 336, grifo nosso).</p><p>Outra vertente teatral nacional buscava na ação</p><p>dramática o tensionamento</p><p>entre a burguesia e as classes populares expunha em trabalhos das artes cênicas o</p><p>apodrecimento das instituições, escancarava a corrupção, o egoísmo hipocrisia, ambição</p><p>e paixões avassaladoras que geravam desespero e desfechos com muita dor. Esse</p><p>cenário sempre apoiado por um pano de fundo internacional de modo que as tendências</p><p>internacionais interferissem diretamente na cultura nacional, o teatro buscou conectar-</p><p>se com elementos da cultura brasileira. No âmbito internacional, a modernidade é</p><p>precedida por movimentos artísticos como o simbolismo e o impressionismo nas artes</p><p>visuais e, no que se refere às artes da cena e as dramaturgias criadas nesse período,</p><p>elas seguiam as propostas de Maeterlinck (1862-1949), Tchékhov (1860-1904), O’Neill e</p><p>outras propostas criadas no intuído da peça bem-feita que discutiam os dentinhos do</p><p>ser humano e demais seres vivos.</p><p>Questões conectadas com a criação teatral e a funcionalidade do diretor teatral</p><p>influenciaram o que chamamos de processo de encenação. Os estudos em torno da</p><p>interpretação teatral de Constantin Stanislavski inauguram novas abordagens. Com</p><p>esse grande expoente, outros nomes despontaram como destaques na invenção de</p><p>um teatro voltado para a criação recriação da própria área. Em uma proposta utópica,</p><p>a mentalidade de uma época de inovação idealizou e realizou montagens de Reinhardt</p><p>e idealizadas por Appia (1862-1928) e Craig (1872-1966). Nomes como Evreinoff (1879-</p><p>1953), Romain Rolland (1866-1944), Copeau (1879-1949), Meierhold (1874-1940),</p><p>Piscator (1893-1966), Brecht (1898-1956) e Artaud (1896-1948), protagonizaram grande</p><p>inventividade no campo teatral (COSTA, 2012; GUINSBURG et al., 2006).</p><p>FIGURA 8 – ANTONIN ARTAUD</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3I7h5ky>. Acesso em: 21 nov. 2021.</p><p>92</p><p>Cada encenador, diretor ou artista da cena buscava desenvolver saberes por</p><p>meio de suas perspectivas de criação teatral e em terras brasileiras as reverberações</p><p>destas propostas permitiram pensar em um teatro renovado e envolto em controversas</p><p>tensões entre a comédia musicada e as novas tendências. Duas tendências destacaram-</p><p>se no cenário moderno brasileiro que merecem destaque: a evolutiva e a ruptura. A</p><p>tendência evolutiva considerava os modelos e procedimentos modernos, mesmo com</p><p>certa dispersão, ao longo da linha histórica iriam sedimentando-se, acumulando-</p><p>se em termos de dramaturgia, quanto na encenação. Essas dimensões assumiam</p><p>interconexões que dificilmente poderiam ser isoladas ou identificar marcos essenciais.</p><p>Renato Vianna (1869-1894), em 1922, apresenta A Última Encenação de Fausto,</p><p>que precedeu a longa etapa de experimentações modernistas. Em 1927 foi a vez de</p><p>Eugênia e Álvaro Moreyra no chamado Teatro de Brinquedo (Rio de Janeiro) de lançar</p><p>duas produções de Adão, Eva e Outros Membros da Família. Flávio de Carvalho com o</p><p>Teatro da Experiência em São Paulo apresenta O Bailado do Deus Morto (1933). O Rei da</p><p>Vela, de Oswald de Andrade (1890-1954) publicado em 1933, foi apresentado no teatro</p><p>mencionado e Amor, texto de Oduvaldo Vianna (1892-1972), que foi encenado em São</p><p>Paulo, em 1933, e no Rio de Janeiro, em 1934, contendo cenários inovadores, múltiplos</p><p>e que impressionavam pela inventividade (GUINSBURG et al., 2006).</p><p>Outra produção que se destacou em 1938 foi Romeu e Julieta, que, na</p><p>concepção de Itália Fausta (1879-1951), no Teatro do Estudante, traduzia as aspirações da</p><p>modernidade teatral somente pelo fato de dar visibilidade ao trabalho de uma encenadora.</p><p>O grupo Os Comediantes trabalhava intensamente para levar aos palcos encenações que</p><p>traduzissem as aspirações modernistas até levar ao palco o texto de Nelson Rodrigues</p><p>em 1943, dirigido por Zbigniew Ziembinski (1908-1978); Vestido de Noiva.</p><p>FIGURA 9 – ZBIGNIEW ZIEMBINSKI</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3MLAJpN>. Acesso em: 26 out. 2021.</p><p>Esta encenação trazia para o palco novos modos de conceber a cena e os planos</p><p>que traduziam realidade ou ficção, sonho e imaginação, simultaneidade de planos e</p><p>iluminação como elemento integrante de uma dramaturgia em transformação. Com a</p><p>implantação da Nova República (1934-1945), o Brasil inicia um intenso movimento para</p><p>93</p><p>firmar um teatro brasileiro e com a originalidade da cultura do país, mesmo adentrando</p><p>um período de repressão militar implantado pela política de repressão aos movimentos</p><p>populares e às manifestações artísticas (GUINSBURG et al., 2006).</p><p>FIGURA 10 – VESTIDO DE NOIVA, 1943, TEXTO DE NELSON RODRIGUES</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3vUZkmh>. Acesso: 9 jan. 2022.</p><p>O texto de Nelson Rodrigues e a encenação de Ziembinski mostram a presença</p><p>de rupturas e avanços no cenário teatral brasileiro. Essa iniciativa firma como principal</p><p>elemento para a encenação modernista a relação entre a tríade autor/encenador/elenco.</p><p>Outro fator que impulsionou a produção teatral foi a fundação do Teatro Brasileiro de</p><p>Comédia, o TBC na cidade de São Paulo, em 1948. O TBC foi importante para o teatro</p><p>moderno em sua grandiosidade e importância na produção teatral na cidade de</p><p>São Paulo. A discussão que seguiremos no próximo trecho apresentará importantes</p><p>encenadores deste período.</p><p>Fundado em 1948 pelo imigrante italiano Franco Zampari, o Teatro Brasileiro</p><p>de Comédia (TBC) inovou na cena cultural paulista adotando modos de criar</p><p>teatro com certo profissionalismo que até então não era comum no Brasil.</p><p>O TBC reuniu uma série de atores brasileiros de enorme talento e diretores,</p><p>cenógrafos, europeus, que deram uma nova marca ao Teatro do Brasil e ares</p><p>de pioneirismo a companhia, que se dedicava a apresentar textos clássicos da</p><p>dramaturgia e textos locais. Para conhecer mais sobre o TBC acesse o artigo</p><p>“O teatro no Brasil e o teatro brasileiro de comédia”, da pesquisadora Elisa</p><p>Maura Pereira Ferreira no endereço eletrônico: https://bit.ly/3tcutjr.</p><p>INTERESSANTE</p><p>94</p><p>4 ENCENADORES E PROCESSOS CRIATIVOS</p><p>Ao abordarmos a temática encenadores e processos criativos da época pré-</p><p>moderna e modernista estamos trazendo para a discussão os modos de abordar a</p><p>produção cênica e os personagens que protagonizaram os principais feitos artísticos</p><p>dessa época de transformações. O teatro exigia criações que atendessem ao mesmo</p><p>tempo o gosto popular e de uma elite emergente. Após a morte de Artur Azevedo (1855-</p><p>1908) e de seu parceiro Moreira Sampaio (1851-1901), principais ícones da cena revisteira,</p><p>outros autores e encenadores receberam estaque nas primeiras décadas do século XX.</p><p>Entre eles estavam Cardoso de Menezes (1878-1958), Carlos Bettencourt (1888-1941),</p><p>Raul Pederneiras (1874-1953) e Luiz Peixoto (1889-1973). Este grupo de artistas da cena</p><p>biscavam manter relações criativas com artistas de outras áreas, como “[...] escritores,</p><p>caricaturistas e compositores, os chamados "humoristas boêmios", artistas e intelectuais</p><p>cariocas que tiveram enorme atuação, por meio do riso, da descontração e da criatividade,</p><p>na crítica da modernidade [...]” (REIS; MARQUES, 2012, p. 323). Essa crítica à modernidade</p><p>estava vinculada a uma tentativa de questionar a imposição a imposição de um projeto</p><p>eurocêntrico centrado em seus próprios modelos estéticos e processos criativos.</p><p>FIGURA 11 – CARTAZ DE O BILONTRA, DE ARTUR AZEVEDO E MOREIRA SAMPAIO</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3IaIVg4>. Acesso em: 26 out. 2021.</p><p>Quando abordamos o tema processos criativos, estamos trazendo para o foco</p><p>de estudo as abordagens criativas para a escrita de textos dramatúrgicos ou para a</p><p>criação de material cênico que será posto no palco com uma determinada edição das</p><p>cenas. Os artistas da cena citados anteriormente, com cartunistas, jornalistas e outros</p><p>profissionais que buscavam outros modos de expressão, integrar-se socialmente, ou</p><p>pelos movimentos que ocupavam as ruas, ou por movimentos literários, ou por artistas</p><p>que se opunham aos moldes estéticos vindos de terras estrangeiras ou com origens</p><p>nas elites que influenciavam nos modos de escrever a história do Rio de Janeiro. Este</p><p>movimento permitia que as produções teatrais</p><p>pudessem ser alternativas para provocar</p><p>discussões em torno de aspectos da sociedade da época.</p><p>95</p><p>Nesta direção, os textos dramatúrgicos que surgiam retratavam com comicidade,</p><p>música e personagens caricatos, a cidade dita moderna, com luzes e amplas avenidas</p><p>promovidas pelas reformas urbanas em contraponto a um Rio de Janeiro destinado ao</p><p>esquecimento. Essa tendência ao abandono de parte da cidade e de construção de uma</p><p>aparência urbana para inaugurar a modernidade retratava a acentuada desigualdade</p><p>social em que a população estava submetida. “Relacionando-se tanto com a cultura</p><p>sofisticada quanto com a cultura popular de sua época, esses aurores retrataram uma série</p><p>de tipos das ruas do Rio, não apenas no teatro musicado, ao qual muitos se dedicaram,</p><p>mas também em conferências humorísticas ilustradas” (REIS, MARQUES, 2012, p. 324).</p><p>FIGURA 12 – RAUL PEDERNEIRAS</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3i0JRc6>. Acesso em: 26 out. 2021.</p><p>Raul Pederneiras (1874-1953), nasceu na cidade do Rio de Janeiro, tendo sua</p><p>formação inicial foi em Direito, e com sua habilidade na escrita, tornou-se colaborador</p><p>de muitos folhetos, periódicos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Como presidente</p><p>da Associação Brasileira de Imprensa e conselheiro da Sociedade de Autores Teatrais</p><p>incentivou a produção de dramaturgias. Delegado de polícia, participou de muitos</p><p>grupos literários e científicos, atuou como caricaturista em periódicos que abordavam</p><p>com humor e temas específicos. A Grande Revista, espetáculo apresentado no Teatro</p><p>Recreio consagrou o autor como um hábil escritor que captou as características do</p><p>Teatro de Revista para uma versão moderna. Nessa agradável vertente, o escritor</p><p>apresenta no Pavilhão Internacional, O Babaquara, que estreou em 1912. Outro trabalho</p><p>de destaque foi a encenação intitulada O Rio Civiliza-se, slogan utilizado pela imprensa</p><p>da época, estreou no Cine-Teatro Rio Branco em 1912 (REIS, MARQUES, 2012).</p><p>Dois espetáculos de autoria de Raul merecem destaque em suas produções</p><p>dramatúrgicas: A Última do Dudu e O Morro da Graça, ambas de 1915. A primeira abordava</p><p>como tema central o azarado ex-presidente Hermes da Fonseca e a segunda brincava</p><p>com o local em que Pinheiro Machado, senador de destaque, recebia seus visitantes</p><p>inusitados. Essa última era embalada por música de Assis Pacheco Percival encenada</p><p>no Teatro República (REIS, MARQUES, 2012).</p><p>96</p><p>FIGURA 13 – FREDERICO CARDOSO E SOUZA</p><p>FONTE: <https://bit.ly/36gixEg>. Acesso em: 25 out. 2021.</p><p>Frederico Cardoso de Menezes e Souza (1878-1958) nasceu no bairro do Catete,</p><p>na cidade do Rio de Janeiro. Cresceu em meio a efervescência carioca e entre artistas,</p><p>intelectuais e outros personagens de destaque no cenário teatral carioca. A casa de seus</p><p>pais era frequentada por inúmeras figuras famosas já que seu pai, Antônio Frederico</p><p>Cardozo de Menezes e Souza era músico, escritor, poeta e encenador conhecido no</p><p>cenário artístico carioca e filho do barão de Paranapiacaba no período de 1875 a 1901.</p><p>Seu pai possuía acesso ao imperador D. Pedro II e sua mãe Judith Ribas Cardozo de</p><p>Menezes e Souza, também era ligada à música. Por ser musicista colaboradora de Artur</p><p>Napoleão que compôs inúmeras partituras na virada do século XIX. Em 1895, tornou-</p><p>se funcionário público, trabalhou no Tesouro Nacional, onde se aposentou. Sua estreia</p><p>como autor de textos teatrais deu-se em 1912 com a peça teatral burleta intitulada</p><p>Comes e Bebes, na Companhia de Teatro São José. Este autor tornou-se um dos mais</p><p>famosos teatrólogos do gênero ligeiro carioca e firmando-se como autor de Revistas</p><p>Carnavalescas (REIS, MARQUES, 2012).</p><p>O autor destacou-se com peças musicadas, sendo escritor de textos teatrais</p><p>em parceria com Carlos Bettencourt por mais de dez anos consecutivos. Com essa feliz</p><p>parceria escreveu mais de 33 peças burletas levadas aos palcos pela Companhia de</p><p>Revistas e Burletas, empresariada por Paschoal Segreto (1868-1920). Esse dramaturgo</p><p>presenciou mais de uma centena de apresentações da peça Gato, Baeta e Carapicú,</p><p>sendo considerada peça de qualidade para o teatro dito ligeiro.</p><p>97</p><p>FIGURA 14 – PASCHOAL SEGRETO</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3vZsq3F>. Acesso em: 9 mar. 2022.</p><p>FIGURA 15 – CARLOS BETTENCOURT</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3tS0Ti2>. Acesso em: 26 out. 2021</p><p>Paschoal Segreto (1868-1920) foi importante para a cultura nacional, pois além</p><p>de incentivador da produção de arte, trouxe o cinema para o Brasil. De origem Italiana,</p><p>encontrou em terras brasileiras sua morada. Quando assumiu a função de Ministro das</p><p>Diversões do Rio de Janeiro implementou salas de cinema para que os filmes pudessem</p><p>ser exibidos. Além destes feitos, Paschoal Segreto foi empresário que investia na</p><p>produção de peças teatrais que fizerem muito sucesso na época. Carlos Bettencourt</p><p>(1888-1941), também nasceu no Rio de Janeiro, filho de médico e por força da família,</p><p>obrigado pelo pai a seguir a mesma carreira, foi estudar medicina, permanecendo apenas</p><p>um ano na faculdade. Ele tornou-se funcionário público no setor da saúde e escrevia</p><p>suas peças nas horas em que não estava em seu trabalho oficial. Em 1909, conseguiu</p><p>emprego na função de repórter no jornal O País com o pseudônimo de Assombro.</p><p>98</p><p>O primeiro sucesso de destaque foi a burleta Forrobodó, com autoria de Luiz</p><p>Peixoto e Cardoso de Menezes. O autor conseguiu a proeza de ter seus textos encenados</p><p>por diversas companhias como: “[...] de João de Deus e Margarida Max, ambas no</p><p>Teatro Recreio; a Companhia Nacional de Operetas e Melodramas do Teatro S. Pedro, da</p><p>Empresa Paschoal Segreto; a Companhia de Antônio de Souza, no Teatro Carlos Gomes”</p><p>(REIS, MARQUES, 2012, p. 325).</p><p>A seguir, conheceremos o artista da cena chamado Luiz Peixoto (1889-1973).</p><p>FIGURA 16 – LUIZ PEIXOTO</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3CDDxkb>. Acesso em: 26 out. 2021.</p><p>Luiz Peixoto (1889-1973) foi considerado um dos maiores autores no período de</p><p>60 anos. Natural de Niterói, nasceu em 1889 e, já em 1912, era consagrado como autor</p><p>de teatro. Mergulhou desde cedo no cenário artístico da época, produzindo trabalhos</p><p>como caricaturista, o que marcou o início de sua carreira, mantinha conexões rotineiras</p><p>com pessoas influentes da imprensa, escritores e autores do dito teatro musicado.</p><p>Nesse círculo de amizades, e ligações artísticas, boemia e criações, encontrou ao autor</p><p>que conhecemos anteriormente:</p><p>Carlos Bettencourt. Esse autor esteve presente na primeira fase</p><p>de sua carreira e com ele escreveu seu primeiro trabalho para o</p><p>teatro chamado Seiscentos e Seis, em 1911. Esse trabalho obteve</p><p>pouca repercussão e tempo depois escreveu Forrobodó, também</p><p>mencionado anteriormente, como um dos maiores sucessos da</p><p>dupla (REIS, MARQUES, 2012, p. 325).</p><p>Sua atuação como autor teatral nas primeiras décadas do século XX, foi na</p><p>produção de burletas com grande senso de humor, um olhar sensível para a realidade</p><p>social brasileira e as desigualdades que se acentuavam. Sua parceria de sucesso com</p><p>Carlos Bettencourt estendeu-se para além da aclamada peça Forrobodó. Em 1916, no</p><p>Teatro São José, estreou Morro da Favela que apresentava como trama inovadora os</p><p>habitantes da favela e seus costumes. A burleta era composta por uma trama do cotidiano</p><p>99</p><p>do Rio de Janeiro e por hábitos costumeiros do povo. Outra produção no mesmo período</p><p>foi a peça Dança de Velho. Esse trabalho possuía cinco atros e apresentava temática</p><p>carnavalesca permanecendo em cartaz por mais de uma centena de apresentações</p><p>(REIS, MARQUES, 2012).</p><p>Com a parceria de Raul Pederneiras, Peixoto produziu O Gaúcho, em 1916 no</p><p>Teatro São José. Em 1917, Peixoto ainda escreveu Três Pancadas, com parceria de Carlos</p><p>Bettencourt e em 1918, com a mesma parceria, estreou a burleta Flor do Catumbi e, com</p><p>parceria de Freire Júnior, escreveu Saco do Alferes. Essa burleta abordava novamente o</p><p>cotidiano das camadas populares de forma que:</p><p>“[...] o dom de observação dos jovens autores captava com um realismo</p><p>lírico, uma certa cumplicidade sentimental, o comportamento de</p><p>cidadãos</p><p>AUTOATIVIDADE ................................................................................................................221</p><p>TÓPICO 3 - TEATRO E A EDUCAÇÃO ................................................................................ 223</p><p>1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 223</p><p>2 PEDAGOGIAS DO TEATRO ............................................................................................. 224</p><p>3 DRAMA COMO MÉTODO DE ENSINO ............................................................................. 226</p><p>4 TEATRO DE RUA E DE BONECOS ................................................................................... 230</p><p>5 TEATRO PARA A INFÂNCIA E JUVENTIDE ................................................................... 234</p><p>6 TEATRO NA ESCOLA E SUAS POSSIBILIDADES .......................................................... 237</p><p>6.1 ENSINO DE HISTÓRIA DO TEATRO NO BRASIL .......................................................................... 241</p><p>6.2 POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS ................................................................................................ 242</p><p>LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................. 245</p><p>RESUMO DO TÓPICO 3 ...................................................................................................... 252</p><p>AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 254</p><p>REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 256</p><p>1</p><p>UNIDADE 1 -</p><p>ORIGENS E FUNDAMENTOS</p><p>DO TEATRO BRASILEIRO</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>PLANO DE ESTUDOS</p><p>A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:</p><p>• identifi car os aspectos das origens e evolução do teatro no Brasil;</p><p>• argumentar em torno dos aspectos do teatro brasileiro nos diversos períodos;</p><p>• sintetizar saberes em torno dos assuntos abordados;</p><p>• conhecer as diferentes manifestações do teatro ao longo da história;</p><p>• identifi car as características do teatro no Brasil colonial;</p><p>• elaborar conhecimentos em torno do romantismo, naturalismo e realismo brasileiro</p><p>Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará</p><p>autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.</p><p>TÓPICO 1 – O TEATRO NO BRASIL COLÔNIA</p><p>TÓPICO 2 – O TEATRO E O ROMANTISMO BRASILEIRO</p><p>TÓPICO 3 – TEATRO NATURALISTA E REALISTA</p><p>Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure</p><p>um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.</p><p>CHAMADA</p><p>2</p><p>CONFIRA</p><p>A TRILHA DA</p><p>UNIDADE 1!</p><p>Acesse o</p><p>QR Code abaixo:</p><p>3</p><p>O TEATRO NO BRASIL COLÔNIA</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>Convidamos você a mergulhar no cenário do Brasil recém-habitado por</p><p>desbravadores europeus com seus ares de superioridade, vestimentas bufantes e</p><p>tradições religiosas específicas. Os padrões europeus de teatro chegaram com a cultura</p><p>dos colonizadores e com a intencionalidade de doutrinar os povos originários que por</p><p>aqui viviam. Se pensarmos em rituais para organizar a experiência religiosa ou para</p><p>cultuar divindades específicas praticadas pelas tribos de povos originários, podemos</p><p>cogitar a presença de ações teatralizadas para fins ritualísticos. A Figura 1 propõe</p><p>retratar, de forma ficcional, a primeiro ritual religioso realizado em terras brasileiras que</p><p>pode ter marcado a presença da cultura branca europeia.</p><p>FIGURA 1 – PINTURA DA PRIMEIRA MISSA REALIZADA NO BRASIL EM 1500, DE VICTOR MEIRELLES (1861)</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3uCi3AK>. Acesso em: 11 nov. 2021</p><p>O teatro como conhecemos na contemporaneidade chegou tardiamente em</p><p>terras brasileiras, enquanto a Europa apreciava grandes produções que precediam a era</p><p>do teatro elizabetano na Inglaterra. Se adotarmos como arte dramática os espetáculos</p><p>amadores, com finalidade religiosa (ou conectadas com comemorações específicas), o</p><p>seu aparecimento ocorreu simultaneamente com a instauração da nação, da fundação</p><p>de vilas e povoados (ou da presença das ações de catequização dos povos originários).</p><p>TÓPICO 1 - UNIDADE 1</p><p>4</p><p>Este tópico explora a arte dramática conectada com a chegada da Companhia</p><p>de Jesus e seus missionários, além de suas práticas para disseminar as tradições,</p><p>pensamento e dogmas relacionados à religião. Os temas que surgem em dramaturgias</p><p>são os bíblicos, que buscavam inserir as crenças religiosas e enclausurar os corpos que</p><p>aqui viviam sua liberdade em tradições religiosas com traços medievais.</p><p>Posteriormente, exploraremos aspectos do teatro brasileiro conectados aos</p><p>movimentos culturais e artísticos que eclodiram no Brasil colônia e reverberaram</p><p>para além dos aspectos religiosos, burgueses ou da família real. O teatro no Brasil</p><p>passou de raízes rígidas e religiosas para firmar-se como arte dramática nacional com</p><p>características próprias, com estilo tropical e com exuberância tal como é a diversidade</p><p>cultural do país.</p><p>2 RAÍZES DO TEATRO BRASILEIRO</p><p>A raiz é a parte de uma planta, árvore ou vegetação que possui a função de fixar</p><p>a arborescência no solo para poder absorver nutrientes para então sobreviver. A ideia de</p><p>buscar as raízes do teatro brasileiro está conectada com a possibilidade de conhecermos</p><p>onde fixou-se as primeiras ações de arte dramática em solo brasileiro para que pudesse</p><p>florescer as manifestações teatrais que sucederam o período colonial brasileiro.</p><p>Este material está estruturado em três esferas centrais que localizam o estudante</p><p>no tempo, espaço e quais personagens históricos agiam no contexto histórico-cultural</p><p>da época abordada. Quem? Como? Quando? São esferas que agregam os principais fatos</p><p>do período abordado e traçam linhas temporais no desenvolvimento do teatro brasileiro.</p><p>Efetivamente, a presença de arte dramática, próxima a arte que conhecemos</p><p>hoje, em terras brasileiras deu-se com a chegada dos jesuítas. Talvez a prática de</p><p>representações dramatizadas e ritualizadas estivesse presente nas práticas dos povos</p><p>originários.</p><p>Os povos europeus introduziram práticas escolarizadas utilizando encenações</p><p>teatrais. Esse fato inaugurou a presença de arte dramática como recurso para o ensino</p><p>de dogmas religiosos.</p><p>Com a criação da Província do Brasil, em 1552, os jesuítas traziam de Portugal</p><p>a inserção da arte dramática, a prática de latim e valores que reafirmavam o ponto de</p><p>vista católico e refutando fortemente os movimentos de contrarreforma (PRADO, 2012).</p><p>Os contextos da época do Brasil colônia exigiram que os responsáveis pela</p><p>Companhia de Jesus adotassem diferentes línguas nas encenações como o português,</p><p>espanhol e tupi-guarani.</p><p>5</p><p>O padre Manoel da Nóbrega (1517-1570) em 1957 escreve um dos primeiros</p><p>diálogos destinados para a encenação. Esse diálogo chamava-se Conversão do Gentio</p><p>e representa um dos primeiros registros da presença de textos dramatúrgicos no</p><p>período provincial. A maior expansão do teatro no período do Brasil província ocorreu</p><p>aproximadamente em 1567 em que o padre José de Anchieta, apoiado pelo padre</p><p>Nóbrega, apresenta em São Paulo de Piratininga uma peça com título de Pregação</p><p>Universal. Desse texto chegou somente duas estrofes aos tempos atuais.</p><p>FIGURA 2 – IGNÁCIO DE LOYOLA (1491-1556), FUNDADOR DA COMPANHIA DE JESUS</p><p>FONTE: <https://bit.ly/370tKcp>. Acesso em: 21 jan. 2022.</p><p>A imagem apresenta o principal personagem que fundou a Companhia de Jesus</p><p>responsável por implementar ações de catequização em terras brasileiras. Uma aura de</p><p>santificação, impostação de mãos e a presença de um livro com escritos aparentemente</p><p>sagrados, compõem a atmosfera do retrato. A Companhia de Jesus pretendia acessar</p><p>os ensinamentos religiosos por meio de diferentes recursos dentre eles a elaboração e</p><p>apresentação de obras teatrais compostas pelos padres Manoel da Nóbrega e posteriormente</p><p>o padre José de Anchieta. As escolas de ‘ler</p><p>marginalizados pela sociedade de massa, urbana, como</p><p>alfaiates, sapateiros remendões, matutas explorados pelas ambições</p><p>eleitorais, solteironas amadas por poetas de terceira ordem e</p><p>preteridas por mulatinhas sestrosas e maxixeiras, e chefetes políticos</p><p>sem eira nem beira” (REIS, MARQUES, 2012, p. 326)</p><p>As festividades do período junino também era tema das cenas da época</p><p>permeadas por trocadilhos da cultura brasileira. A burleta República de Itapiru, de</p><p>1919, escrita em parceria com Luís Edmundo obteve enorme sucesso. Em sequência,</p><p>o sucesso de Seiscentos e Seis, de 1911, citada anteriormente, em parceria com Carlos</p><p>Bettencourt. Escreveu ainda as Revistas Abre Alas, de 1913 e Roda Viva, de 1915,</p><p>produções em parceria com João Rego Barros.</p><p>Em parceria com Raul Pederneiras, produziu em 1912 a revista Morreu o Neves. A</p><p>atuação de Luiz Peixoto estendeu-se por inúmeras companhias e sua ocupação deu-se em</p><p>múltiplas funções como dramaturgo, diretor das companhias teatrais, produziu cenografia,</p><p>figurinos, dirigiu cenas, criou letras de trilhas sonoras e foi ator em trabalhos humorísticos.</p><p>Além dessas contribuições para o teatro nacional, o autor é considerado um</p><p>expoente do teatro nacional ao adotar coro de atrizes e figurinos aos moldes da companhia</p><p>francesa Ba-ta-clan. Esse fato de 1922 ofereceu ao autor enorme prestígio, trazendo</p><p>importantes parcerias para sua carreira. O autor, contribuiu ainda para a fundação do</p><p>Teatro de Brinquedo em 1977 em parceria com Heckel, Álvaro e Eugênia Moreyra.</p><p>Em 1930 foi diretor de arte do Cassino da Urca, levando a casa de shows ao</p><p>sucesso revelando profissionais da música popular brasileira e do teatro dito ligeiro para</p><p>os palcos internacionais. Sendo responsável pelo enorme sucesso da cantora Carmem</p><p>Miranda, saindo dos palcos brasileiros para a Broadway e Hollywood. Para selar seus</p><p>feitos, o autor foi responsável, com outros sócios, pela fundação da Sociedade de</p><p>Autores Teatrais. Dirigiu, na década de 1960, a Escola Dramática Martins Pena.</p><p>Os nomes de importantes dramaturgos citados nesse breve estudo trouxeram</p><p>contribuições valiosas para o teatro em construção no período pré-modernista e para</p><p>o modernismo brasileiro. Os dramaturgos buscaram construir um teatro que, além</p><p>100</p><p>de ter aspectos que remetiam a um teatro caricato, ao apresentar letras de músicas,</p><p>poesias e situações envolvendo personagens tipo da cultura popular excluídos das</p><p>ações de modernização em que a cidade do Rio de Janeiro foi submetida. “Eram</p><p>mulatos pemósticos, tias baianas, prostitutas, valentões da capoeira, portugueses</p><p>ricos ou coronéis do interior enlouquecidos por mulatas que os maltratavam com seus</p><p>requebros” (REIS, MARQUES, 2012, p. 326).</p><p>Quanto aos cenários que geralmente estavam presentes nos espetáculos</p><p>teatrais deste período eram ambientes internos como clubes em que ocorriam festas</p><p>carnavalescas, circos, pensões ou festas populares como quermesses. Os aspectos</p><p>cenográficos deste período exploraremos logo a seguir. Estes autores tiveram papéis</p><p>importantes na construção de um teatro dito nacional. A função desses autores estava</p><p>conectada com a de ser comediógrafos ou dramaturgos que movimentavam as peças</p><p>que constituíram os gêneros que, posteriormente, foram definidos como teatro ligeiro.</p><p>A comum prática de produzir textos de forma colaborativa permitia que a criação</p><p>cênica pudesse ter originalidade e liberdade de expressar o que os autores criavam</p><p>em conjunto. A seguir, estudaremos aspectos visuais do teatro moderno. Este trecho</p><p>estará voltado para os aspectos visuais do teatro pré-moderno e início do modernismo</p><p>brasileiro (REIS, MARQUES, 2012).</p><p>5 ASPECTOS VISUAIS DO TEATRO MODERNISTA</p><p>Ao abordarmos os aspectos que compõem a visualidade presente no teatro pré-</p><p>modernista e início do modernismo há a necessidade de definirmos os componentes</p><p>que constituem cenografia como principal elemento dos aspectos visuais. Há um</p><p>panorama que baseou a presença de um teatro voltado para a comédia, exaltação</p><p>de aspectos populares e inserção de figurinos estravagantes e festivos. A tendência</p><p>naturalista e realista inseriam no palco elementos que pudessem remeter a uma cena</p><p>real, um cenário com elementos naturais ou carregada de móveis de uma sala de estar</p><p>com todos os detalhes possíveis. É importante destacar que há semelhanças entre as</p><p>duas abordagens de estilo cenográfico. Enquanto o Realismo buscava apresentar uma</p><p>cenografia que fosse idêntica a uma cena real, o Naturalismo também poderia apresentar</p><p>certos elementos que eram retirados do cotidiano, porém a abordagem científica era</p><p>parâmetro para definir os aspectos visuais da cena Naturalista.</p><p>No momento pré-moderno do teatro nacional, o clima de transformação e de</p><p>uma certa busca por novas abordagens que atendessem o gosto popular expandiu-</p><p>se. A moldura posta no palco por meio de elementos pictóricos, plásticos e retirados</p><p>do cotidiano deu espaço para elementos com apelo festivo, inovações tecnológicas e</p><p>corpos dançantes cobertos por figurinos carnavalescos. A musicalidade e coreografias</p><p>precisamente ensaiadas também eram fatores que influenciavam os aspectos visuais</p><p>do teatro pré-modernista.</p><p>101</p><p>FIGURA 17 – CENA DO ESPETÁCULO O REI DA VELA DE 1967</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3vWyYjN>. Acesso em: 9 jan. 2022.</p><p>A figura anterior apresenta uma ideia do cenário modernista e é um registro</p><p>do fotógrafo Fredi Kleemann (1927-1974) do espetáculo O Rei da Vela (1967). Essa</p><p>figura compõe o cervo do Idart, do Centro Cultural de São Paulo. O registro apresenta à</p><p>esquerda, no primeiro plano, os atores Edgard Gurgel Aranha (Totó Fruta do Conde); à</p><p>direita, sentados, a atriz Etty Fraser (Dona Cesarina) e Renato Borghi (Abelardo I).</p><p>Ao pensarmos nos termos cenário, cenografia ou aspectos visuais do pré-</p><p>modernismo ou do modernismo teatral brasileiro há a necessidade de discutirmos</p><p>algumas definições para estes termos. A cenografia que compõe os aspectos visuais</p><p>do teatro vincula-se com elementos visuais que compõem as cenas de determinado</p><p>espetáculo de artes cênicas. Para além de uma questão decorativa, com excessos</p><p>ou com elementos essenciais, a cenografia busca ambientar a cena ou localizar os</p><p>acontecimentos do espetáculo no tempo em espaço. Das noções de tela de fundo,</p><p>de tela tempo-espacial, o cenário passa a ter função importante na realização de um</p><p>espetáculo teatral, seja no modernismo ou na contemporaneidade (PAVIS, 2008).</p><p>Da estética naturalista, da ilusão realista, os aspectos visuais ainda podem</p><p>ser considerados como dispositivos cênicos com certa versatilidade e funcionalidade</p><p>de acordo com cada concepção de cena. O cenário como aspecto visual estabelece</p><p>importantes conexões com outros elementos visuais como a iluminação, figurinos</p><p>e elementos textuais. A visualidade presente no teatro pré-modernista e modernista</p><p>buscava acentuar o que os textos orientavam, muitas vezes, com certa redundância.</p><p>Esse aspecto passou a ser questionado na mediada que encenações apresentaram em</p><p>sua sequência de cenas aspectos visuais essenciais para o espetáculo acontecer.</p><p>O cenário e outros elementos que compõem os aspectos visuais do teatro</p><p>buscavam ser uma espécie de ilustração, representação que molda arquitetonicamente</p><p>a cena e estabelece o espaço em que a ação cênica ocorre. Somente em meados do</p><p>século XIX, em plena efervescência cultural que os aspectos visuais ou cenográficos</p><p>102</p><p>passam a apresentar certa liberdade cênica ao sintetizar, simbolizar ou propor uma</p><p>cenografia subordinada a cena, ou ao que a cena necessita para acontecer. Os</p><p>excessos foram eliminados para que a cena modernista pudesse criar estéticas novas</p><p>(GUINSBURG et al., 2006, PAVIS, 2008).</p><p>FIGURA 18 – AS ATRIZES LOLA BRAH E YONÁ MAGALHÃES EM MONTAGEM DE VESTIDO DE NOIVA, 1965</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3wOX4ND>. Acesso: 9 jan. 2022.</p><p>Dos excessos realistas, naturalistas e festividades do teatro de revista, para</p><p>uma relação de plasticidade tridimensional, sem função mimética rígida, passa a ser</p><p>uma</p><p>totalidade geradora da ação dramática. Vazios, movimentações de elementos</p><p>e a mínima presença de elementos cenográficos passa a ser prática constante nas</p><p>produções que sucederam o modernismo. O pré-modernismo funcionou como um</p><p>período de gestação para que posteriormente pudessem nascer propostas ousadas de</p><p>cenografia explorando infinitas possibilidades.</p><p>A maleabilidade cenográfica expande-se para a amplitude da encenação na medida</p><p>em que se conecta com a interpretação dos atores e atrizes, da recepção do espectador</p><p>e outros componentes da cena. Neste sentido, as práticas que surgem desse período é o</p><p>desenvolvimento de novos princípios para os usos da cenografia: “[...] a escolha de uma</p><p>forma ou de um material básico, busca de um tom rítmico ou de um princípio estruturante,</p><p>interpenetração visual dos materiais humanos e plásticos” (PAVIS, 2008, p. 43).</p><p>Os aspectos visuais do teatro deste período buscavam, por meio dos excessos</p><p>revisteiros, das cenas ligeiras e das comédias musicadas traduzir a busca por inovações.</p><p>A figura masculina estava em destaque no que se refere a encenação, produção e</p><p>escrita de dramaturgias.</p><p>As figuras femininas estavam presentes nos palcos exercendo o papel de</p><p>vedetes ou de personagens que exibiam seus corpos em figurinos com cores vívidas</p><p>e extravagante. As coreografias e músicas eram executadas por um grupo de atrizes</p><p>103</p><p>que dançavam e cantavam com todo glamour que a cena da época oferecia. Mesmo</p><p>com todo protagonismo masculino, os figurinos que estavam em destaque eram das</p><p>vedetes que basicamente exerciam o papel de símbolos sexuais, atraindo um público</p><p>dito masculino. A diante discutiremos outros aspectos específicos do cenário e da</p><p>cenografia deste período.</p><p>5.1 A CENOGRAFIA MODERNISTA</p><p>Tempos mais tarde, o surgimento de propostas de cenografia como a estética</p><p>do teatro pobre de Grotowski (1933-1999) e Peter Brook (1925-), em que o não cenário ou</p><p>ausência de cenário como proposta de cenografia oferecia para a cena a eliminação de</p><p>excessos permitindo a exaltação da atuação e de elementos essencialmente necessários</p><p>para a cena. O vazio do palco assumindo a presença de uma cenografia voltada para o</p><p>trabalho de atores e atrizes. A cenografia modernista exercia um papel de fertilização</p><p>criativa para permitir a vinda de um tempo de enormes inovações contemporâneas.</p><p>O que podemos chamar de cenário verbal, dispositivo cênico, máquina teatral</p><p>ou objeto cênico, termos que podemos utilizar para discutir as definições de cenografia,</p><p>são termos que possibilitam a discussão de usos e transformações da cenografia ao</p><p>longo da pré-modernidade e modernidade cultural brasileira. O que limitava a cena</p><p>pelos excessos, o que agia como uma prisão para a cena ou como uma reprodução fiel</p><p>de cenários do cotidiano no palco, agora poderia ser questionado, e, por meio da ação</p><p>do encenador, a presença de cenários funcionais passou a ser prática recorrente nas</p><p>produções brasileiras.</p><p>A cenografia assume duas funções dramatúrgicas, desde a antiguidade até a</p><p>atualidade, e no período modernista não seria diferente. A primeira função dramatúrgica</p><p>do cenário é: Ilustração e figuração de elementos que estão presentes no universo</p><p>dramático. O encenador ou o cenógrafo busca selecionar elementos que o texto traz como</p><p>sugestões e posiciona em cena de modo a fazer parte da cena que ocorrerá. A presença</p><p>estilizada desses elementos ou signos que podem ser atualizados par serem postos</p><p>em cena, variam de uma abordagem naturalista, detalhada e impressionantemente</p><p>correspondente ao real quanto inserir parte dos elementos que a cena exige. Um signo</p><p>central, um objeto que sintetiza a informação da cena ou outro aspecto pode ser posto</p><p>em cena como uma sugestão do espaço e tempo da cena ou outra informação pontual</p><p>(PAVIS, 2008, grifo nosso).</p><p>A segunda função é a construção e modificação que não se restringe ao espaço</p><p>do palco, não há restrições nessa máquina de representar, com seus acoplamentos e</p><p>conexões que representam, sugerem e tentam afastar-se da representação mimética.</p><p>Nessa função a cenografia busca por meio de elementos pontuais, planos, elevados,</p><p>passarelas, andaimes e cenários flexíveis para que os atores e atrizes possam construir</p><p>cenas ou espaços para a ação dramática (PAVIS, 2008, grifo nosso).</p><p>104</p><p>A palavra cenografia, do grego, skêllographia, compreende a arte de adornar</p><p>o teatro com diversos recursos que compõem uma cena teatral. No renascimento, a</p><p>cenografia estava voltada a construção de telas em perspectiva que eram postas no</p><p>fundo da cena. Em termos modernos, a cenografia está conectada com os aspectos</p><p>visuais e permite pensar o espaço da cena teatral, dos elementos que compõem cada</p><p>cena e da localização temporal da narrativa apresentada.</p><p>Os aspectos visuais e a cenografia deixam de ser ornamentos, de figurantes da cena</p><p>teatral, para assumirem proporções tridimensionais, rompendo com a bidimensionalidade</p><p>dos painéis pintados para a tridimensionalidade proposta por concepções arquitetônicas.</p><p>Como uma escultura, com profundidade e certa evolução estética cênica, a cenografia</p><p>transforma-se profundamente nos anos que marcaram a modernidade.</p><p>FIGURA 19 – CENA DO ESPETÁCULO O VESTIDO DE NOIVA DE 1943</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3MIxGPd>. Acesso em: 9 jan. 2022.</p><p>Durante muito tempo, e nos princípios naturalistas/realistas, a verossimilhança</p><p>ideal em que o texto sugeria era essencial estar em cena. Neste sentido, “[...]a</p><p>cenografia consistia em dar ao espectador os meios para localizar e reconhecer um</p><p>lugar neutro (palácio, praça), universal, adaptado a todas as situações e próprio para</p><p>situar abstratamente o homem eterno, sem raízes étnicas e sociais” (PAVIS, 2008, p. 45).</p><p>Depois de todas as transformações, a cenografia passa a exercer um papel importante</p><p>dentre os aspectos visuais da cena teatral.</p><p>A cenografia passa a esclarecer a cena, serve de suporte para o acontecimento</p><p>teatral, anuncia o movimento da cena e oferece dinâmica entre espaço e texto no jogo</p><p>teatral. O que chamamos de dispositivo cênico é o resultado da ação dos artistas da cena</p><p>assumindo a função semiológica da encenação. O jogo de correspondências que estrutura</p><p>as relações entre os aspectos visuais e a cena busca “[...] conciliação dos diferentes</p><p>materiais cênicos, interdependência desses sistemas, em particular da figura e do texto;</p><p>busca da situação de enunciação não "ideal" ou "fiel", porém a mais produtiva possível</p><p>para ler o texto dramático e vinculá-lo a outras práticas do teatro” (PAVIS, 2008, p. 45).</p><p>105</p><p>O artista da cena ou o cenógrafo recebe autonomia para buscar processos</p><p>criativos individuais que ofereça uma dimensão original para a montagem do espetáculo</p><p>teatral de modo que os atores e atrizes recebam o destaque necessário para cada</p><p>cena. Nesta perspectiva, elementos como volumes, cores, elementos como instalação,</p><p>amplitude e profundidade recebem nova valorização. O palco pode ser alterado, as</p><p>noções dos moldes italianos rompidos e ampliação das conexões entre área de cena</p><p>e espectadores. Essas experimentações modernistas permitirão aparecer uma cena</p><p>contemporânea com a valorização dos espaços entre. O encontro entre obra teatral</p><p>e espectadores recebe dimensões ritualísticas o espectador pode subir ao palco e os</p><p>limites entre atores, atrizes e espectadores borrados (PAVIS, 2008).</p><p>Seja com aspectos naturalistas/realistas, com comédias de costumes ou com</p><p>o Teatro de Revista, o teatro brasileiro seguiu seu curso de transformações intensas</p><p>e apresentado originalidade nos aspectos visuais de cada fase citada neste trecho</p><p>de estudos. Seguimos com o resumo do tópico 1, para posteriormente acessar as</p><p>autoatividades.</p><p>Para ampliar os conhecimentos sobre a cenografia, acesse o artigo da Revista</p><p>Tecnologia intitulado: “Novos caminhos para a cenografia diante da evolução</p><p>tecnológica: o teatro e a realidade aumentada”. Nesse artigo, você poderá</p><p>conhecer a cenografia de maneira objetiva com exemplos e reflexões pertinentes.</p><p>Acesse em: https://bit.ly/36gjRqI.</p><p>INTERESSANTE</p><p>106</p><p>RESUMO DO TÓPICO 1</p><p>Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:</p><p>• O período que precede o modernismo artístico no Brasil havia uma vontade de</p><p>desenvolver uma arte teatral que pudesse retratar certa seriedade nos processos e</p><p>procedimentos criativos e com identidade nacional. O teatro da época estava voltado</p><p>para os costumes e hábitos da sociedade carioca criando um rico panorama de</p><p>produção artístico teatral permitindo eu os profissionais da cena pudessem atuar em</p><p>produções de enorme sucesso.</p><p>• As produções da época recebiam influências de um teatro europeu, principalmente</p><p>da França e era adaptado para atender às necessidades da sociedade e da pateia</p><p>carioca. O teatro da época era classificado como teatro musicado, dito ligeiro que</p><p>buscava seguir estrutura definida por poucos atos, cenas curtas contendo tom</p><p>de humor e a presença de coreografias executadas por um elenco de atrizes que</p><p>apresentavam-se com figurinos extravagantes.</p><p>• O gênero Teatro de Revista foi importante para a história do teatro brasileiro por</p><p>apresentar um teatro conectado com as raízes originadas em território nacional e</p><p>buscava divulgar a música popular brasileira. Nessas décadas (1920-1930) surgiram</p><p>dois subgêneros de Teatro de Revista: a Revista Carnavalesca e a revista de ano.</p><p>• A revista de ano buscava apresentar em cenas curtas os principais fatos que</p><p>ocorreram naquele ano. A Revista Carnavalesca apresentava por meio de músicas e</p><p>bailados o universo do Carnaval como as marchinhas e aspectos visuais aos moldes</p><p>do carnaval da época.</p><p>• A época em estudo pode ser definida pelas palavras movimento e velocidade.</p><p>Nesse cenário de inovações e transformações sociais, os aspectos visuais do teatro</p><p>passaram por intensas experimentações que modificariam profundamente os modos</p><p>de conceber as cenas teatrais. O cenário composto por grandes pinturas ou elementos</p><p>naturais/realistas passa a estabelece novas conexões com a cena, espectadores e</p><p>demais elementos da dramaturgia modernista.</p><p>• A cenografia passou a explorar elementos tridimensionais, cores, volumes, planos,</p><p>andaimes e dispositivos cenográficos essenciais para que a cena pudesse acontecer.</p><p>Nessa perspectiva, os atores e atrizes podem desenvolver cenas em que o cenário é</p><p>alterado em uma espécie de construção dos espaços ou visualidades da cena.</p><p>107</p><p>RESUMO DO TÓPICO 1</p><p>1 Os movimentos artísticos que ocorreram no período pré-modernista e modernista</p><p>da cultura brasileira foram decisivos para a construção de uma identidade teatral</p><p>nacional e para o sucesso dos gêneros teatrais que revelaram importantes artistas da</p><p>cena. Neste sentido, assinale a alternativa CORRETA que contém os gêneros teatrais</p><p>que se desenvolveram nesse período:</p><p>a) ( ) Teatro de Revista, Revista de Ano e Revista Carnavalesca.</p><p>b) ( ) Teatro Pobre, Teatro do Negro e Teatro Pobre.</p><p>c) ( ) Teatro Original, Teatro Musical e Ópera.</p><p>d) ( ) Teatro Oficina, Teatro de Bonecos e Teatro de Comédia.</p><p>2 O período que precede o modernismo artístico em terras brasileiras predominava</p><p>a vontade de desenvolver uma arte teatral que pudesse retratar certa seriedade</p><p>nos processos e procedimentos criativos e com identidade nacional, permitindo os</p><p>profissionais da cena pudessem atuar em produções de enorme sucesso. Com base</p><p>nesses pressupostos, analise as sentenças a seguir:</p><p>I- O teatro da época estava voltado para os costumes e hábitos da sociedade carioca</p><p>criando um rico panorama de produção artístico teatral.</p><p>II- O teatro da época era inundado por referências culturais que vinham de países como</p><p>a França e que influenciavam os modos de criar ou compor espetáculos teatrais.</p><p>III- As produções teatrais da época ainda eram desenvolvidas aos moldes do teatro de</p><p>catequese, onde o principal objetivo era catequizar o povo que frequentava o teatro.</p><p>Assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.</p><p>b) ( ) Somente a sentença II está correta.</p><p>c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.</p><p>d) ( ) As sentenças II e III estão corretas.</p><p>3 O gênero Teatro de Revista marcou a história do teatro nacional por apresentar foi</p><p>importante uma abordagem conectada com moldes franceses, mas que buscava as</p><p>raízes originadas do território nacional e divulgava a música popular brasileira. De acordo</p><p>com essa informação, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:</p><p>( ) Nessas décadas (1920 e 1930) surgiram dois subgêneros de Teatro de Revista: a</p><p>Revista Carnavalesca e a Revista de Ano.</p><p>( ) A Revista de Ano buscava apresentar em cenas curtas os principais fatos que</p><p>ocorreram naquele ano.</p><p>( ) A Revista Carnavalesca apresentava por meio de músicas e bailados o universo do</p><p>Carnaval como as marchinhas e aspectos visuais aos moldes do carnaval da época.</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>108</p><p>Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:</p><p>a) ( ) V – F – F.</p><p>b) ( ) V – V – V.</p><p>c) ( ) F – V – F.</p><p>d) ( ) F – F – V.</p><p>4 Os aspectos visuais que compõem a visualidade presente no teatro pré-modernista</p><p>e início do modernismo é definido por componentes que a cenografia como principal</p><p>elemento dos aspectos visuais. Há um panorama que baseou a presença de um teatro</p><p>voltado para a comédia, exaltação de aspectos populares e inserção de figurinos</p><p>estravagantes e festivos. Neste sentido, disserte sobre as funções da cenografia.</p><p>5 O surgimento do gênero Teatro de Revista foi importante para a história do teatro</p><p>brasileiro na medida em que permitiu desenvolver propostas de espetáculos com</p><p>características da sociedade carioca ou paulista. As origens do Teatro de Revista</p><p>são europeias e chegaram ao Brasil por meio de companhias teatrais que por aqui</p><p>aportavam com seus espetáculos. Com base nessas informações, disserte sobre as</p><p>origens do Teatro de Revista e suas contribuições para a história do teatro Nacional.</p><p>109</p><p>O MODERNISMO E O TEATRO BRASILEIRO</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>O período em que o movimento modernista brasileiro apresentou suas propostas,</p><p>o Brasil passava por profundas transformações em diversos setores, e acultura não foi</p><p>diferente. O tópico anterior apresentou alguns aspectos do período que antecedeu o</p><p>movimento modernista brasileiro e ofereceu para você, leitor, um panorama artístico</p><p>cultural brasileiro. Esse panorama evidenciou os anseios de uma época em que o teatro</p><p>também se transformou profundamente, recebendo influências da cultura francesa</p><p>para desenvolver um teatro com características brasileiras.</p><p>É importante ressaltar que neste material de estudo trataremos do modernismo</p><p>enquanto movimento artístico-cultural, de modo que o advento da modernidade ficará</p><p>em segundo plano e pouco discutido. Neste trecho do livro, buscaremos aprofundar</p><p>alguns aspectos lançados anteriormente e trazer outros temas com foco específico no</p><p>movimento modernista, suas características e como definiu a estética teatral de um</p><p>período de buscas por identidade nacional.</p><p>Neste tópico, abordaremos as características do movimento modernista e</p><p>como essa efervescência influenciou a criação, acesso e recepção de obras artísticas</p><p>na área do teatro. Ainda exploraremos os caminhos percorridos por artistas da cena na</p><p>busca de uma expressão teatral que representasse os anseios brasileiros. O Manifesto</p><p>Antropofágico da Semana de Arte Moderna anunciava novas possibilidades estéticas</p><p>que buscavam referências brasileiras para os processos criativos. Oswald de Andrade</p><p>(1976) já anunciava no Manifesto Antropofágico que haveria de ter constante busca</p><p>por síntese, em contraponto aos excessos naturalistas, haveria de ter equilíbrio e</p><p>tecnicidade na finalização dos trabalhos. Diante da cópia de parâmetros internacionais</p><p>para priorizar a surpresa e novas perspectivas nacionais. A seguir adentraremos aos</p><p>temas deste tópico. Bons estudos.</p><p>2 CARACTERÍSTICAS DO MODERNISMO E O TEATRO</p><p>BRASILEIRO</p><p>Para aprofundarmos os aspectos e características do teatro modernista brasileiro,</p><p>há a necessidade e traçar</p><p>um panorama histórico social dos principais fatos que ocorreram</p><p>na época. No tópico 1, apresentamos alguns aspectos do teatro modernista ao trazer para</p><p>a discussão o cenário teatral do final do século XIX e início do século XX.</p><p>UNIDADE 2 TÓPICO 2 -</p><p>110</p><p>Esse período deu-se o que chamamos de pré-modernismo, ou seja, o que</p><p>ocorreu no período que colaborou para que o movimento modernista pudesse ter seu</p><p>marco principal na Semana de Arte Moderna de 1922 e a implementações de parâmetros</p><p>de criação vinculados com os ideais deste movimento (REIS, MARQUES, 2012).</p><p>De 1900 até 1920, companhias dramáticas e artistas da cena de grande fama</p><p>visitaram o país para apresentar seus trabalhos e dessa forma, passaram a influenciar</p><p>a produção teatral deste período. Este é um aspecto que aconteceu com intensidade</p><p>mesmo em meio a efervescência do modernismo. O teatro brasileiro desenvolveu-se de</p><p>maneira tímida e diversificada para mais tarde ostentar enorme prestígio nesse período</p><p>até a implementação do regime militar. Mesmo com toda a truculência e censura do</p><p>regime ditatorial, década de 1960 em diante, o teatro resistiu, permitindo o florescimento</p><p>intenso de propostas artísticas contemporâneas pós-ditadura.</p><p>O período que precede o desenvolvimento do modernismo brasileiro, possui</p><p>conexões com a modernidade. Há de se pensar as diferenças entre a modernidade industrial</p><p>com o movimento modernista brasileiro. Falar na modernidade é falar de um movimento</p><p>de avanços tecnológicos e culturais em esfera macro, pois abarca a transformação dos</p><p>processos de industrialização dos grandes centros, aumento da população citadina e</p><p>avanços tecnológicos que culminariam na contemporaneidade. O movimento modernista</p><p>brasileiro estava conectado com questões micro, no sentido de serem localizadas em</p><p>grandes centros brasileiros e com reverberações em outros centros brasileiros. Desta</p><p>maneira, o modernismo estava ligado com discussões nacionalistas, desenvolvimento de</p><p>arte acessível e que pudesse traduzir as características de um Brasil múltiplo.</p><p>O Brasil independente há apenas 100 anos, ainda estava mergulhado com</p><p>conservadores e escravocratas. Talvez a estrutura escravocrata não tenha sido extinta até</p><p>os dias de hoje, mas em apenas três ou quadro décadas após a abolição da escravatura, a</p><p>cultura brasileira estava conectada com parâmetros estéticos europeus, branco, misógino</p><p>e racista. Esses aspectos pouco foram discutidos durante o advento do modernismo,</p><p>além da presença de personagens femininas em produções artísticas. A figura da mulher</p><p>estava conectada com a ideia de símbolo sexual e objeto erótico masculino.</p><p>Havia um espírito conservador da província que ainda influenciava as iniciativas</p><p>artísticas e padrões estéticos da cena teatral. O Brasil colônia era mantido pelos recursos</p><p>que vinham da exploração da cana de açúcar e da extração do ouro. No Brasil monarquia,</p><p>o cultivo e comercialização do café utilizando trabalho escravo sustentou a prosperidade</p><p>de uma elite brasileira. A aristocracia brasileira cresceu durante o reinado de D. Pedro II,</p><p>que mais tarde juntaram-se a uma burguesia de comerciantes abastados que passaram a</p><p>fomentar o desenvolvimento de uma vida cultural ou de entretenimento no Rio de Janeiro.</p><p>Esse fomento da cultura artística estava conectado com uma elite do Rio de</p><p>Janeiro ou das principais cidades provinciais. Esse desenvolvimento econômico de uma</p><p>parcela da sociedade brasileira conectada com “[...] os ciclos econômicos – cana de</p><p>111</p><p>açúcar, mineração, pecuária, algodão, café, borracha – e a consequente acumulação</p><p>de capital legaram ao país um conjunto arquitetônico de edifícios teatrais que se</p><p>sobressaem pela sua condição monumental” (TORRES; VIERIA, 2012, p. 388).</p><p>As casas monumentais foram destacadas na paisagem urbana por sua</p><p>localização privilegiada e destinadas a uma classe elitizada. As salas de espetáculos, ao</p><p>mesmo tempo que representavam espaços destinados para a exibição de obras artísticas</p><p>ligadas às artes cênicas e música, tornaram-se local de convivência da burguesia</p><p>aristocrática. Esse espaço de socialização passou a ser uma espécie de ambiente que</p><p>desfilavam seu poder aquisitivo nos adereços, vestimentas, pompa, mostravam suas</p><p>esposas, filhas e arranjavam casamentos ou negociavam influências. Entre um ato e</p><p>outro das peças teatrais, a aristocracia definia destinos para suas filhas, seus negócios</p><p>e até mesmo destinos das cidades (TORRES; VIERIA, 2012).</p><p>Em 1900, no Rio de Janeiro, havia onze casas de espetáculos entre pequenos</p><p>palcos e grandes espaços abarcando cerca de 1.300 espectadores. A construção do Teatro</p><p>Municipal acentuou esses aspectos permitindo a circulação de espetáculos vindos de</p><p>países da América do Norte e da Europa. Nas primeiras décadas do século XX, marcaram</p><p>presença as companhias vindas do exterior e circulavam pelas cidades litorâneas do</p><p>país. Destacavam-se grupos teatrais líricos “[...] francesas e italianas; as companhias</p><p>dramáticas e de zarzuelas espanholas; e as companhias lusitanas de vários gêneros. Em</p><p>menor número, registram-se os conjuntos dramáticos e líricos de origem alemã em visita</p><p>às recentes colônias instaladas no sul do país” (TORRES; VIERIA, 2012, p. 391).</p><p>A elite brasileira adorava a cultura europeia, de forma que as companhias</p><p>buscavam anunciar suas produções destacando o gênero do espetáculo ou utilizavam</p><p>o nome de determinado artista de prestígio presente na produção. Os espectadores</p><p>frequentavam as salas de espetáculos estrangeiros interessados no repertório e dos</p><p>artistas da cena de enorme fama. As companhias apresentavam-se utilizando a língua</p><p>de origem, e mesmo as classes desfavorecidas frequentavam as salas e prestigiavam</p><p>produções em línguas de origem francesa ou italiana. Para a classe definida como elite,</p><p>a presença da língua italiana era conectada ao canto lírico ou à ópera; e o francês era</p><p>ligado à tradição da dramaturgia europeia. A presença da cultura europeia conectava-se</p><p>com um gosto das elites cariocas ou de outros centros, pelo padrão estético vindo de</p><p>outros países (TORRES; VIERIA, 2012).</p><p>Outros aspectos influenciavam o gosto da elite brasileira por parâmetros</p><p>culturais artísticos das artes cênicas vindos do exterior, a tentativa de invisibilizar</p><p>um passado conectado ao regime escravocrata, o aumento do fluxo migratório,</p><p>principalmente de cidades italianas, francesas, espanholas e portuguesas foram fatores</p><p>que intensificaram o gosto por produções europeias. Em termos de cultura, três fatores,</p><p>ainda definiram a presença de intensos valores europeus em territórios brasileiros. O</p><p>primeiro foi a prática de adotar a língua francesa como segunda língua. Essa adoção</p><p>do idioma era garantia de “[...] Idioma dos negócios e da diplomacia, verifica-se que por</p><p>112</p><p>detrás do valor simbólico da língua francesa estava uma tradição histórica e cultural,</p><p>a qual os membros dirigentes da então jovem república brasileira procurava assimilar,</p><p>reafirmando cada vez mais os seus laços ao difundi-la.” (TORRES; VIERIA, 2012, p. 391).</p><p>Um segundo fator o que chamamos de espírito latino que estruturava gêneros</p><p>como comédia, desenvolvido amplamente e países da Europa como França, Itália e</p><p>Espanha, chegando ao Brasil por influência portuguesa. O terceiro fator, já mencionado</p><p>anteriormente, é o interesse de encontrar nos palcos artistas da cena como atores</p><p>e atrizes de enorme fama, carisma e que cativavam o público com suas atuações</p><p>brilhantes (TORRES; VIERIA, 2012).</p><p>Após a construção de casas de espetáculos em diversos centros urbanos a</p><p>dificuldade de oferecer produções teatrais favorecia a vinda de companhias estrangeiras.</p><p>Sem companhias nacionais que preenchessem os palcos teatrais, o acolhimento de</p><p>companhias teatrais europeias era comum. “Os gêneros que circulavam por esse período</p><p>eram burletas, operetas, revistas, peças de atualidades. A urgência de desenvolvimento</p><p>de produções nacionais também era um desejo dos movimentos culturais que cresciam</p><p>em meados</p><p>da década de 1920” (TORRES; VIERIA, 2012, p. 397). Mesmo com toda as</p><p>mudanças e a presença de cultura teatral, seja por meio da vinda de companhias do</p><p>exterior ou por meio de produções locais, a proposta de uma cena teatral que pudesse</p><p>ser conceitual ou apresentar elementos que posteriormente foram amplamente</p><p>explorados no teatro contemporâneo, era pouco presente. A cena modernista ainda</p><p>apresentava aspectos que estavam ligados a convenções estabelecidas por gêneros</p><p>teatrais específicos (TORRES; VIERIA, 2012).</p><p>A dramaturgia de um tempo de enormes transformações culturais foi marcada</p><p>por gêneros específicos como a comedia de costumes, o Tetro de Revista, as Burletas,</p><p>Operetas apresentadas por companhias estrangeiras que aportavam nas cidades</p><p>litorâneas para apresentarem suas produções. O movimento modernista e seus</p><p>expoentes propunham a produção de arte com parâmetros nacionalistas. A literatura,</p><p>as artes visuais e a música expressaram amplamente essas aspirações, e a dramaturgia</p><p>modernista manteve parâmetros dos gêneros que estavam em destaque, mas levaram</p><p>para a cena aspectos de um Brasil ainda desconhecido.</p><p>As dramaturgias da época, principalmente a comédia, gênero mais praticado,</p><p>traziam para cena um retrato divertido, crítico e pouco explorado em montagens</p><p>teatrais. O período modernista foi “[...] com um movimento artístico atuante e um</p><p>conjunto de obras que demonstravam a continuidade de uma produção dramatúrgica</p><p>predominantemente cômica, popular, cujo objetivo é a tentativa de decifrar, compreender</p><p>e, sobretudo, explicar o Brasil” (BRAGA, 2012, p. 404).</p><p>O contexto do modernismo e a produção teatral do início do século XX e o que</p><p>sucedeu a Semana de Arte Moderna de 1922 caracterizaram-se pela aceleração das</p><p>mudanças sociais e culturais que refletiam diretamente nas produções teatrais. Assim os</p><p>gêneros dramáticos encenados no Brasil buscavam espelhar as realidades sociais de modo</p><p>113</p><p>que os dramas tratavam dos confl itos que a sociedade apresentava e a comédia alinhada</p><p>com uma afi rmação de valores nacionalistas. Este fato preservou a tradição de um riso</p><p>voltado para a crítica dos costumes revelando grandes dramaturgos que destacaremos</p><p>em trecho a diante. Os dramaturgos deste período apropriaram-se de recursos como a</p><p>ironia, a satirização, o deboche para divertir as plateias e criticar os costumes de uma</p><p>época de intensas modifi cações na estrutura social, e principalmente urbana.</p><p>3 AS TRANSOFRMAÇÕES DO TEATRO MODERNISTA</p><p>BRASILEIRO</p><p>Neste trecho discutiremos diretamente algumas transformações que ocorreram</p><p>no teatro brasileiro durante o período modernista brasileiro. Depois da movimentação</p><p>artístico-cultural que ocorreu durante e depois da Semana de Arte Moderna de 1922.</p><p>Esse marco para o início do Modernismo brasileiro ocorreu durante uma semana,</p><p>de 13 a 18 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo. As manifestações</p><p>artístico-culturais que ocorreram nesse período eram as mais variadas possíveis para a</p><p>época e abarcavam espetáculos de dança, música, recitais de poesia, exposições de artes</p><p>visuais e peças de teatro. Esse evento foi o marco para o Modernismo brasileiro mostrando</p><p>perspectivas inovadoras para a arte brasileira infl uenciada pela vanguarda europeia.</p><p>O termo vanguarda signifi ca, no seu sentido ligado ao exército, a guarda</p><p>que abre a ordem da luta ou batalha. Pode ser a guarda avançada que</p><p>abre a marcha para a batalha. Um pelotão militar à frente. Neste sentido,</p><p>o termo Vanguarda aplicado ao movimento modernista está ligado ao</p><p>que está à frente de seu tempo e provoca instabilidade, tensionamentos</p><p>e discussões.</p><p>IMPORTANTE</p><p>A exposição de obras artísticas que durou cerca de uma semana, foi organizada e</p><p>coordenada pelos escritores Mário de Andrade, Oswald de Andrade e pelo artista plástico</p><p>Di Cavalcanti. O principal objetivo do evento era exibir ao público a arte brasileira de</p><p>diversos artistas em diferentes linguagens. Os dias do evento mostraram obras musicais,</p><p>da literatura, poesia, pintura, dança, teatro, escultura que foi produzida na época. Os</p><p>organizadores pretendiam causar uma revolução na arte brasileira por meio de um certo</p><p>rompimento com o conservadorismo. Para isso, as obras provocavam o público a repensar</p><p>a arte. Os padrões artísticos clássicos europeus eram o alvo principal de críticas.</p><p>114</p><p>Os artistas apresentaram obras que adotavam o uso de linguagem coloquial</p><p>que possibilitava aproximar a arte do modo que a língua é usada no cotidiano. Esse fato</p><p>mostrou a vontade de romper com o rebuscamento dos textos tradicionais. O formalismo</p><p>e os padrões academicistas também foi um ato defendido pelo movimento. A liberdade</p><p>de expressão era defendida com a afirmação de uma identidade estética nacional que</p><p>permitisse produções com temas locais e que retratassem o cotidiano brasileiro. Outro</p><p>fator importante, foi a provocação de experiencias estéticas que chocaram a comunidade</p><p>da época. Essas experiências eram inspiradas nas vanguardas europeias que em</p><p>movimentos como o futurismo, cubismo, dadaísmo, surrealismo. Esses movimentos,</p><p>mesmo sendo originados em terrar europeias, foram importantes para a elaboração de</p><p>novas propostas artísticas ou para propor inovações artístico-culturais.</p><p>FIGURA 20 – CARTAZES DA PRIMEIRA NOITE DA SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3hXGZwL>; <https://bit.ly/3tS2Nzc>. Acesso em: 8 nov. 2021.</p><p>As primeiras décadas do século XX, o cenário político brasileiro passava por</p><p>turbulências que afetavam as esferas sociais e as produções artísticas. O avento</p><p>do capitalismo, a modificação dos processos de produção e trabalho alteraram-se</p><p>profundamente com a implementação de maquinários. Esses fatos inflaram os centros</p><p>urbanos e ampliaram as necessidades de produzir arte para o público que crescia.</p><p>Como abordamos em trechos anteriores, havia a circulação de produções</p><p>teatrais, musicais e de óperas que definiam o gosto popular e influenciavam as produções</p><p>locais. Neste sentido, o movimento intencionava buscar romper com o tradicionalismo</p><p>que estava instaurado no Brasil e propor arte que pudesse ser inovadora. Outro contexto</p><p>importante para pensar as inovações modernistas era a participação de artistas que</p><p>estava conectado com a chamada oligarquia cafeeira. Co recursos para viajar para países</p><p>que as manifestações artísticas eram de vanguarda, os artistas resolveram propor uma</p><p>semana de intensas proposições estéticas que fossem inovadoras.</p><p>115</p><p>Com a intenção de adotar uma visão da arte renovada, ampliada e com maiores</p><p>possibilidades de expressão, a Semana de Arte Moderna não buscava romper com</p><p>os padrões estéticos conservadores europeus, para então adotar uma identidade</p><p>artística brasileira. Isso significava buscar inspiração em vanguardas europeias, porém</p><p>abandonando os padrões tradicionais.</p><p>Os artistas que participaram da Semana de Arte Moderna de maior destaque</p><p>foram: Mário de Andrade (1893-1945), Oswald de Andrade (1890-1954), Graça Aranha</p><p>(1868-1931), Tarsila do Amaral (1886-1973), Victor Brecheret (1894-1955), Plínio Salgado</p><p>(1895-1975), Anita Malfatti (1889-1964), Menotti Del Picchia (1892-1988), Ronald de</p><p>Carvalho (1893-1935), Guilherme de Almeida (1890-1969), Sérgio Milliet (1898-1966), Heitor</p><p>Villa-Lobos (1887-1959), Tácito de Almeida (1889-1940) e Di Cavalcanti (1897- 1976).</p><p>Os acontecimentos da Semana de Arte Moderna de 1922 tiveram valor histórico,</p><p>cultural e artístico para o panorama da produção cultural brasileira. Mesmo concentrada</p><p>em São Paulo, a reverberação dessa movimentação influenciou o desenvolvimento de</p><p>outras possibilidades culturais posteriores como o Tropicalismo, a Lira Paulistana e a</p><p>Bossa Nova.</p><p>Outro movimento nacionalista de intensa repercussão cultural foi o Movimento</p><p>Pau-Brasil que objetiva inverter a lógica de consumo cultural, exterior para o interior do</p><p>país, exportando produções artísticas para outros países. Esse movimento implementado</p><p>por Oswald de Andrade, também buscava criticar o academicismo</p><p>e a burguesia para</p><p>defender uma arte nacionalista. Surgiu outro movimento de destaque formado por</p><p>Menotti del Picchia (1892-1988), Plínio Salgado (1895-1988), Guilherme de Almeida</p><p>(1890-1969) e Cassiano Ricardo (1895-1974) que era chamado de Movimento Verde-</p><p>Amarelo. Esse movimento criticava alguns argumentos adotados pelo Pau-Brasil, como</p><p>o racismo, o ufanismo, (como quem se orgulha de algo com exagero), porém compôs o</p><p>cenário da produção de uma identidade nacionalista (GUINSBURG et al. 2006).</p><p>Mesmo o modernista, com bases ancoradas nos acontecimentos da Semana</p><p>de Arte Moderna 1922, estava encharcado de propostas artísticas conectadas com a</p><p>literatura, a música e as artes plásticas.</p><p>As manifestações na linguagem teatral estavam presentes de maneira tímida</p><p>em São Paulo, pois a maior concentração de produções na área teatral ocorria na</p><p>cidade do Rio de Janeiro. Fatores que antecederam a eclosão cultural da Semana de</p><p>Arte Moderna foram a primeira exposição de Anita Malfatti, em 1917 e a elaboração do</p><p>projeto escultórico do Monumento das Bandeiras de Brecheret em 1920. O apelo por</p><p>uma renovação estética permeava o desejo de abandonar os parâmetros estéticos</p><p>portugueses ou europeus, para fazer nascer uma certa ruptura com o purismo, modos</p><p>tradicionais de expressão artística ou com os códigos impostos pelas relações com os</p><p>colonizadores (GUINSBURG et al. 2006).</p><p>116</p><p>A proposta deste movimento artístico cultural estava centrada na tentativa de</p><p>criar uma espécie de língua própria e legitimar a estética originada no Brasil. Nessa</p><p>proposta de um nacionalismo que pudesse integrar as manifestações culturais, com</p><p>bases na modificação dos valores artísticos, morais, sociais e raciais. Em se tratando</p><p>da linguagem teatral, a Semana de Arte Moderna parece ter ignorado que poderia ter</p><p>sido inclusa no movimento. Prevalecia o teatro de Revista, as comédias musicadas e ao</p><p>circo. As reverberações desse período aconteceram tardiamente e somente em 1926,</p><p>que Antônio de Alcântara Machado ergueu-se em favor da renovação teatral. Suas</p><p>ideias foram ignoradas pelas companhias profissionais (GUINSBURG et al. 2006).</p><p>As provocações estéticas do período em que o modernismo eclodiu na cidade</p><p>de São Paulo e, posteriormente, reverberou nas produções artísticas e movimentos</p><p>das décadas seguintes, seguiram os princípios que foram estabelecidos nas tradições</p><p>cômicas da dramaturgia brasileira. Esse modo de criação espetacular exigia conhecer</p><p>tecnicamente os processos criativos, ter fluência nos diálogos, ser escritor habilidoso para</p><p>construir textos que pudessem ser postos em cena com qualidade, ter certa artesania</p><p>ou carpintaria nas construções teatrais intimidade com a carpintaria necessária para</p><p>manter o formato de encenação que fazia enorme sucesso na época. A tradição cômica</p><p>experimentava diversas maneiras de produzir espetáculos, mas mantendo as ditas</p><p>fórmulas que as consagraram como populares. Dentre estes gêneros estavam o teatro</p><p>musicado, as revistas de ano, as burletas, as operetas e as comédias de costumes.</p><p>O teatro Musicado e As Revistas de ano tiveram em Artur Azevedo</p><p>seu maior representante; “as burletas, iniciadas por Martins Pena</p><p>foram continuadas por Macedo, Alencar e França Júnior, entre outros,</p><p>têm sido, ao longo de toda a nossa história teatral, a trilha por onde</p><p>desfilaram com maior felicidade os tipos característicos de nossa</p><p>sociedade, para as plateias brasileiras de todas as épocas (BRAGA,</p><p>2012, p. 404).</p><p>O TEATRO MUSICADO é aqui entendido como o gênero: teatro alegre ou ligeiro (ou</p><p>Gênero ligeiro). Eram formas teatrais simplificadas, criações não elaboradas, realizadas</p><p>rapidamente, sem propósitos artísticos mais elevados. REVISTAS DE ANO: era</p><p>uma variação do Teatro de Revista em que as produções eram criadas aos</p><p>moldes revisteiros que trouxeram ao Brasil um modo peculiar, extravagante</p><p>e bem-humorado de criar cenas curtas, contendo música e coreografias</p><p>executadas por atrizes vestidas com figurinos extravagantes e festivos. A</p><p>revista de ano era uma apresentação que em sua sequência de cenas</p><p>buscava trazer para o palco os principais fatos que ocorreram naquele</p><p>ano. BURLETAS: eram apresentações cômicas, com certo tom farsesco</p><p>e com cenas rápidas. As OPERETAS: eram pequenas óperas contendo a</p><p>presença de canto em estilo da ópera e com partes recitadas. COMÉDIAS</p><p>DE COSTUMES: é um gênero do teatro brasileiro em que apresenta uma</p><p>sátira da sociedade da época com certo tom de crítica social. É atribuído</p><p>ao escritor francês Molière a criação desse gênero e no Brasil, Martins</p><p>Pena e Arthur Azevedo são pioneiros.</p><p>IMPORTANTE</p><p>117</p><p>A proposta que estava alinhada com os princípios do modernismo no teatro foi</p><p>desenvolvida por Alcântara Machado. Esse artista da cena propunha ao teatro brasileiro</p><p>da época uma estratégia de duas abordagens. A primeira abordagem previa a adoção,</p><p>certa reprodução, uma cópia dos princípios dramatúrgicos internacionais para na</p><p>segunda abordagem, recriar antropofagicamente, um teatro conectado com a cultura</p><p>brasileira. Esse repertório adquirido devorando as práticas internacionais, deveria ser</p><p>base para processos criativos que pudessem trazer para os palcos a cultura brasileira.</p><p>O teatro deste período, ou o teatro profissional manteve-se em seu fluxo,</p><p>sem absorver as inovações que ocorriam pelo mundo afora. Uma das tentativas de</p><p>modernizar deu-se na esfera amadora com o artista da cena Renato Vianna, lançando</p><p>no ano de 1922 uma produção chamada Batalha da Quimera, na cidade do rio de janeiro.</p><p>Essa produção apresentou-se inovadora por apresentar uma composição de cenas com</p><p>certa síntese da ação dramatúrgica, utilizando iluminação associada aos elementos</p><p>e valores dramáticos, valorização de silêncios e oportunizando a presença de planos</p><p>cênicos, com destaques para o trabalho de direção (GUINSBURG et al. 2006).</p><p>Um dos primeiros espetáculos a estrear nesse período foi A Última Encarnação</p><p>de Fausto, também comandado por Renato Vianna. Esse trabalho foi duramente criticado</p><p>e não obteve sucesso com a estreia em São Paulo com um grupo teatral chamado</p><p>“Colméia”. Anos depois deste ferio, na cidade do Rio de Janeiro, o encenador fundou o</p><p>Teatro de Arte, e em tempos depois (1927) com a criação do Teatro de Brinquedo, dirigido</p><p>por Álvaro Moreyra, faziam parte do que chamavam teatro amador.</p><p>Os objetivos dessas iniciativas eram desenvolver um teatro voltado para as elites,</p><p>composto por atores e atrizes que ao mesmo tempo faziam parte de uma elite carioca. Eram</p><p>senhorinhas, escritores, compositores, pintores que não almejavam fazer da prática teatral</p><p>uma profissão, mas oferecer a uma plateia restrita conhecer o repertório de vanguarda</p><p>internacional. Os novos autores eram postos em cena para construir um teatro da elite para</p><p>e elite. Mesmo tentando fugir dos parâmetros do academicismo, não visavam implementar</p><p>grandes modificações nos modos de produzir encenações (GUINSBURG et al. 2006).</p><p>FIGURA 21 – ÁLVARO MOREYRA</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3t3NZhW>. Acesso em: 7 nov. 2021.</p><p>118</p><p>O primeiro espetáculo de Moreyra foi Adão, Eva e Outros Membros da Família que</p><p>obteve pouco sucesso. O paulista Flávio de Carvalho, tentava buscar novas maneiras de</p><p>compor obras dramáticas. Em São Paulo, o Teatro de Experiência que buscava encontrar</p><p>novas maneiras de criar teatro em terras brasileiras. Desafiou-se a criar uma encenação</p><p>em pouco tempo. A peça Bailado do Deus Morto foi montada em apenas três dias e a</p><p>estreia apresentou cenas polêmicas que culminaram na proibição de sua exibição e</p><p>no fechamento do teatro. Este espetáculo ousava apresentar uma caracterização de</p><p>personagens utilizando máscaras de metal (alumínio), camisolas brancas flutuando</p><p>em um cenário de destruição, com recursos cenográficos mínimos e a iluminação com</p><p>cores vibrantes.</p><p>Os relatos deste espetáculo, afirmaram o que poderíamos dizer que se conecta</p><p>com uma abordagem surrealista, original e que dialogava com os movimentos modernistas</p><p>da época. Mesmo com</p><p>tenência a serem iniciativas inovadoras do teatro dito amador,</p><p>quando foram revisitadas por profissionais da cena, não foram adotadas para a criação de</p><p>espetáculos. As iniciativas teatrais modernistas foram tímidas e sustentaram caminhos</p><p>para que mais tarde a cena brasileira pudesse florescer a cena teatral contemporânea</p><p>com ampla inovação e qualidade artística.</p><p>Um Brasil em movimento, um Brasil inventivo, com exuberância natural e</p><p>cultural, estava aberto para novas possibilidades da cena teatral. Uma nova perspectiva</p><p>nascia para refutar os princípios naturalistas, romantistas, contra o academicismo</p><p>técnico e elitizado para abrir um campo de possibilidades, inicialmente na poesia, artes</p><p>visuais e, posteriormente, nas demais linguagens artísticas. O espírito modernista, ainda</p><p>que conectado com certa elite artística e branca da época, deflagou a possibilidade</p><p>de resgatar um Brasil esquecido ou invisibilizado por padrões estéticos hegemônicos</p><p>internacionais. Os elementos da cultura africana, da cultura popular e das classes com</p><p>baixa renda passaram a ter a possibilidade de protagonizar a cena teatral brasileira. A</p><p>seguir abordaremos alguns encenadores do período modernista no Brasil.</p><p>4 ENCENADORES MODERNISTAS NO BRASIL</p><p>Os ventos do modernismo sacudiam as tradicionais comunidades elitizadas da</p><p>época e na área teatral os efeitos modernistas reverberaram timidamente. Na época,</p><p>os objetivos estavam voltados para a descoberta de modos de atrair o público e não</p><p>de reformular profundamente os modos de produzir teatro. Defendia-se deixar o teatro</p><p>como era, e desse modo seria eterno, a humanidade seria a mesma e o teatro sem a</p><p>renovação pregada pelo movimento modernista. Os processos de encenação deveriam</p><p>permanecer os mesmos e a renovação desses processos técnicos seriam possíveis</p><p>desde que ocorresse uma renovação da sociedade. Aparentemente, esses argumentos</p><p>pareciam ser uma espécie de crítica aos novos movimentos criados para satisfazer o</p><p>desejo de alguns grupos de artistas.</p><p>119</p><p>A atitude teatral da época estava conectada com o desprezo de alterações</p><p>no teatro dito profissional. De 1917 até 1922, o teatro passou por poucas modificações</p><p>ou renovação. As propostas que surgiam estava a alinhadas com os moldes que eram</p><p>praticados. Uma pequena renovação em termos de temática, mais tarde culminaria no</p><p>desenvolvimento da comédia de costumes. O marco inicial para este fato foi a estreia</p><p>da peça de Cláudio de Souza (1876-1954), Flores de Sombra, em fevereiro de 1917. Nesta</p><p>movimentação teatral estavam os artistas da cena Viriato Corrêa (1884-1967), Abadie</p><p>Faria Rosa, Gastão Tijeiro (1880-1965) e Armando Gonzaga entre outros. Essa tentativa</p><p>de renovação, mobilizou superficialmente nos processos de criação e fruição do teatro.</p><p>Essa temática propunha uma regionalização teatral que apelou para um nacionalismo</p><p>com certa nostalgia, privilegiando valores rurais em detrimento aos valores urbanos da</p><p>realidade brasileira. A renovação dita como formal, que mobilizasse os modos de conceber</p><p>e executar a dramaturgia, a cena modernista, a produção e interpretação, continuou com</p><p>as bases fundadas no século XIX. O movimento modernista tentou estabelecer certa</p><p>modernização dramatúrgica que ressoou em textos de Mario de Andrade, em 1922. Estes</p><p>textos ficaram engavetados por décadas (GUINSBURG et al. 2006).</p><p>Outros textos dramatúrgicos foram escritos neste período por escritores como</p><p>Menotti Del Picchia e Graça Aranha, que foram participantes ativos do movimento</p><p>modernista. Essas peças chegaram ao palco, mas pouco modificaram o teatro que</p><p>predominava. Uma das propostas dramatúrgicas dessa época foram as três peças</p><p>de Oswald de Andrade: Oswald de Andrade: O Rei da Vela, O Homem e o Cavalo e A</p><p>Morta, datadas da década de 1930, e que foram postas em cena somente depois de três</p><p>décadas. Em 1967, a montagem de O Rei da Vela pelo encenador José Celso Martinez</p><p>Corrêa, o Zé Celso, em que propôs novas maneiras de encenar este texto que traduzia</p><p>os anseios modernistas.</p><p>Em meio a tantas figuras masculinas, as mulheres iniciaram suas investidas como</p><p>personagens e protagonistas de um fazer teatral inovador e descolado da objetificação</p><p>do corpo conectado com os símbolos sexuais. Itália Fausta (1879-1951), importante atriz</p><p>profissional que buscou inovações longe do dito teatro profissional. Este modo de fazer</p><p>teatro evitava inovações ou experimentações. Dessa maneira, sem poder investigar</p><p>novas maneiras de fazer arte, a atriz vincula-se ao teatro amador, primeiramente ao</p><p>Teatro de Brinquedo e as experimentações de Renato Vianna.</p><p>120</p><p>FIGURA 22 – RETRATO DA ARTISTA DA CENA ITÁLIA FAUSTA (1879-1951)</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3qMY01e>.Acesso em: 13 nov. 2021.</p><p>Em 1916, na cidade do Rio de Janeiro a artista da cena citada anteriormente,</p><p>fez parte do chamado Teatro da Natureza que propunha renovar as dramaturgias do</p><p>repertório internacional encenadas ao ar livre. Esta iniciativa teve curta temporada e</p><p>adaptou textos como Oréstia, de Ésquilo e Édipo Rei, de Sófocles; Bodas de Lia, de</p><p>Pedroso Rodrigues; A Cavalaria Rusticana, de Giovani Verga; e O Mártir do Calvário, de</p><p>Eduardo Garrido. Em 1938, a atriz dirigiu Romeu e Julieta, de Shakespeare, encenado pelo</p><p>Teatro do Estudante do Brasil que foi importante grupo para a renovação dramatúrgica</p><p>brasileira. A efetiva renovação na dramaturgia brasileira ocorreu somente a quase duas</p><p>décadas depois da Semana de Arte Moderna de 1922 com a implementação, em 1948,</p><p>com a criação da EAD, Escola de Arte Dramática de Alfredo Mesquita. Essa escola</p><p>foi inovadora na dimensão de implementar novas propostas de interpretação teatral</p><p>(GUINSBURG et al. 2006).</p><p>A criação e do TBC, Teatro Brasileiro de Comédia, de Franco Zampari, definiu a</p><p>implementação da renovação nos processos de criação, estrutura e estética dramática.</p><p>O teatro amador também, como mencionamos anteriormente, foi responsável pela</p><p>experimentação e renovação da cena brasileira. Um dos fatores de o teatro estar à</p><p>margem das inovações propostas pelo movimento modernista foi a produção cênica</p><p>estar concentrada na cidade do Rio de Janeiro. A produção teatral de São Paulo estava</p><p>conectada com as práticas do Rio de Janeiro e por concentrar esferas do poder político</p><p>e cultural, era cidade privilegiada. A cidade de São Paulo estava centrada na renovação</p><p>da estrutura social e no crescimento econômico, um tanto apegada à cultura tradicional</p><p>de modo que o movimento modernista causou ampla polêmica em sua realização.</p><p>O século XX foi marcado pela presença das comédias de costumes e em se</p><p>tratando de buscar originalidade e nacionalismo na produção de espetáculos teatrais.</p><p>A ausência de um sentimento nacionalista, por parte da população brasileira levou o</p><p>movimento modernista no teatro ter dificuldades para disseminar suas aspirações.</p><p>121</p><p>Inúmeras comédias ao longo das décadas de 1920 e 1930 em que Oduvaldo Vianna</p><p>(1892-1972) escreveu e encenou muitas comédias como: Manhãs de Sol (1921), A Vida</p><p>é um Sonho (1922), Última Ilusão (1923), Um Tostãozinho de Felicidade e O Vendedor de</p><p>Ilusões (1931).</p><p>FIGURA 23 – RETRATO DE ODUVALDO VIANNA</p><p>FONTE <https://bit.ly/35ND7Md>. Acesso em: 13 nov. 2021.</p><p>Esse importante profissional da cena foi um autor, diretor, produtor e roteirista</p><p>de teatro e cinema e militante comunista brasileiro que influenciou amplamente a</p><p>produção teatral da época e pretendia competir com o cinema desenvolvendo uma</p><p>espécie de espetáculo curto, em um ato que poderia conter dança, música e elementos</p><p>teatrais da comédia.</p><p>Uma peça teatral de pequena duração que, por meio de elementos musicais</p><p>e da ópera, buscavam o virtuosismo, e que descrevia os costumes da época. Em O</p><p>Castagnaro da Festa (1927), apresentou em suas cenas os tipos de imigrantes de São</p><p>Paulo com seus sotaques e maneiras de comportar-se. Em tempos de desenvolvimento</p><p>do teatro Brasileiro, esse artista da cena foi importante integrante do Teatro de Arena,</p><p>que conheceremos adiante. Ele ainda fundou</p><p>o Centro Popular da UNE e o Grupo</p><p>Opinião. Sua dramaturgia apresenta a realidade brasileira por meio de personagens</p><p>que retratavam pessoas simples e trabalhadoras. A intenção de refutar as influências</p><p>estrangeiras estava presente em suas produções e buscava retratar a cultura popular</p><p>brasileira como maneira de valorizar aspectos que permaneciam excluídos dos palcos</p><p>teatrais” (BRAGA, 2012).</p><p>O empresário comandou diversas companhias teatrais e valorizou imensamente</p><p>o repertório nacional, a comédia de costumes e os anseios de buscar a identidade</p><p>nacional do teatro. Nas décadas de 1920 e 1930, as comédias de costumes continuavam</p><p>a reunir expressivo público e outras preocupações passaram a rondar as intenções dos</p><p>produtores de teatro. O drama histórico e a comédia histórica aparecem nos palcos com</p><p>122</p><p>textos de Joracy Camargo (1898-1973). Com anseios progressistas, Oduvaldo também</p><p>apresenta propostas progressistas ao escrever textos em que exalta a presença da</p><p>mulher como no texto Mas que Mulher! (1932) em que abordava questões ligadas ao</p><p>divórcio. A atriz Dulcina de Moraes (1908-1996).</p><p>FIGURA 24 – FIGURA DE DULCINA DE MORAES</p><p>FONTE: <https://bit.ly/37nsCjb>. Acesso em: 13 nov. 2021.</p><p>A revelação da atriz Dulcina de Moraes importante para que os assuntos</p><p>relacionados ao universo feminino pudessem receber espaço nas produções teatrais</p><p>brasileiras. Assuntos como divórcio e os direitos da mulher passaram a estar nos</p><p>assuntos postos em cena. Apesar de pouco avançar em assuntos de emancipação</p><p>feminina ou de buscar questionar valores machistas e patriarcais, as inciativas abriam</p><p>caminho para questionar as práticas comuns como o casamento como um negócio ou</p><p>a mulher como moeda de troca.</p><p>Oduvaldo ainda inova com seus modos de encenação e a construção estrutural</p><p>da dramaturgia da época. Ele compõe uma comédia em 38 quadros, com cenários</p><p>fragmentados, usando planos verticais e horizontais, definindo o espaço cênico em</p><p>cinco partes que poderiam apresentar cenas lado a lado que ocorreriam em locais</p><p>fictícios diferentes. Outro ato inovador foi o uso da iluminação colorida para definir ações</p><p>dramáticas, atmosferas ou transições temporais. A seguir abordaremos especificamente</p><p>os processos e abordagens na produção obras de arte na área do teatro.</p><p>Para conhecer mais sobre o dramaturgo Oduvaldo Vianna e seus feitos para o</p><p>teatro brasileiro, no link a seguir há uma página da FUNARTE em que apresenta</p><p>brevemente os feitos do artista da cena. Link para estudo: http://portais.</p><p>funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/familia-vianna/oduvaldo-vianna-</p><p>um-inovador-no-teatro-no-radio-e-no-cinema-brasileiros/</p><p>IMPORTANTE</p><p>123</p><p>5 PROCESSOS DE CRIAÇÃO TEATRAL</p><p>No caminho para o desenvolvimento de uma arte dramática voltada para as</p><p>características nacional ou para uma arte original brasileira, autores ousaram romper com os</p><p>procedimentos tradicionais para criar possibilidades de novos modos de criar dramaturgias.</p><p>Martins Pena e França Junior nas décadas de 1910 até 1930 continuaram a criar</p><p>textos para a comédia de costumes e um modo de cenas que desprezavam a elite urbana</p><p>que esperava ver nos palcos os moldes dramatúrgicos europeus. Essa tentativa de refutar</p><p>o estrangeirismo e de estabelece novas maneiras de criar teatro abriu espaço para a</p><p>valorização de produtos característicos de terras brasileiras.</p><p>Neste sentido, as propostas dramatúrgicas encenadas no período modernista</p><p>brasileiro estavam conectadas com a crítica humorada do culto das aparências, das</p><p>falhas e excessos expostos ao ridículo. Nessas comédias de costumes buscavam um</p><p>retrato dos tipos, fatos, valores e modos de vida que eram observados pelos dramaturgos.</p><p>Nas abordagens modernistas, essa prática é posta em segundo plano para</p><p>evidenciar uma tendência nacionalista posta em três dimensões: os tipos do imigrante</p><p>italiano (na dramaturgia da cidade de São Paulo); a linguagem regionalista posta em</p><p>cena por meio das expressões orais, da paisagem sonora e de personagens ligados ao</p><p>universo dito caipira e a terceira dimensão estava a reação nacional urbana em busca</p><p>de novas possiblidades de encenar a vida.</p><p>Um cenário político instável, uma nação culturalmente jovem tentando reafirmar-</p><p>se independente culturalmente de outros países exigia uma prática de arte que pudesse</p><p>nascer em solo nacional. As propostas dramatúrgicas da época apresentam conexões</p><p>diretas ao nacionalismo e criticavam o excesso de estrangeirismos que o vocabulário</p><p>nacional apresentava. Outras produções valorizavam o país com suas riquezas naturais</p><p>e culturais e polêmicas questões apareciam para conflitar a tendência conservadora</p><p>da época. Havia uma um conflito entre a tradição do agronegócio pastoril e os avanços</p><p>que a modernidade ou industrialização promovia no Brasil. As elites urbanas tentavam</p><p>a todo custo manter a conexão com valores e modelos europeus enquanto a população</p><p>em geral não estava preocupada com estes parâmetros.</p><p>Para as elites, a classe popular era desprezada e considerada motivos de atraso</p><p>brasileiro. Esse aspecto ressaltava a desigualdade social e cultural, influenciava os</p><p>processos de criação teatral e reforçava um estigma social ou até certa inferioridade</p><p>cultural ao valorizar modos de produzir e apreciar arte vindos do exterior (BRAGA, 2012)</p><p>Dentre as profundas transformações da época, início do século XX, nas esferas</p><p>econômicas, sociais e políticas reverberaram nos demais âmbitos das organizações</p><p>sociais e consequentemente, na dramaturgia brasileira. O papel da mulher no modelo</p><p>tradicional de família passa a ser questionado, bem como o lugar social da figura</p><p>feminina. Produções como</p><p>124</p><p>A Emancipação das Mulheres (1852), de Antônio de Castro Lopes; ou</p><p>As Doutoras (1887), de França Júnior, continuando a ser explorado</p><p>na República, em peças como A Mulher (1907), de Coelho Neto; A</p><p>Herança (1908), de Júlia Lopes de Almeida; As Sufragistas (1916) de</p><p>Domingos de Castro Lopes; e No Tempo Antigo (1918) de Antônio</p><p>Guimarães (BRAGA, 2012, p. 414).</p><p>Na peça A Emancipação das Mulheres, o desfecho traz uma visão utópica e ridícula</p><p>buscar por emancipação feminina, a peça As Doutoras, o desfecho também segue essa</p><p>ideia, porém as personagens centrais possuem formação acadêmica e diplomadas, uma</p><p>em medicina e a outra em direito. Essas presenças femininas anunciavam as modificações</p><p>que estavam próximas. Os contextos sociais excluíam a mulher da efetiva organização</p><p>social que se apresentava conservadora, patriarcal e misógina. Os espaços sociais</p><p>eram desenhados para privilegiar as figuras masculinas e as dramaturgias buscavam,</p><p>timidamente modificar o papel feminino, porém prevalecia certa ridicularização da mulher,</p><p>seu sentimentalismo ou participação social (BRAGA, 2012).</p><p>A dramaturgia da época buscava acompanhar as modificações da sociedade</p><p>que se encaminhava para firmar a independência cultural e artística. Neste sentido,</p><p>a produção de teatro e espetáculos de artes cênicas buscava encontrar sua própria</p><p>identidade e originalidade dramatúrgica.</p><p>A maior representatividade na dramaturgia brasileira foi a comédia que buscou</p><p>modificar-se ao longo das décadas e movimentos artísticos. Um certo nacionalismo</p><p>fortalecia as modificações na dramaturgia e reverberava nos modos de desenvolver as</p><p>peças da época. Dessa maneira, mesmo que sem grandes modificações ou revoluções</p><p>na cena modernista, a dramaturgia trazia em suas propostas o reflexo crítico de uma</p><p>época conturbada. “A comédia de costumes foi a continuidade de um movimento teatral</p><p>ativo, atraente para as plateias de então, e o degrau onde se puderam apoiar as buscas</p><p>de novas formas e estilos dramáticos nos anos que se seguiram” (BRAGA, 2012, p. 416).</p><p>Os conflitos sociais e as lutas por uma sociedade justa e igualitária estarão</p><p>em constante fortalecimento e a dramaturgia da época em parte estava voltada para</p><p>anseios da vanguarda europeia, parte buscava absorver princípios inspiradores de</p><p>movimentos artísticos estrangeiros para nutrir a tentativa</p><p>de desenvolver a identidade</p><p>teatral brasileira. Outra vertente artística buscava manter os moldes que a elite dos</p><p>grandes centros buscava ver em palcos dos teatros luxuosos da época. Assim, o</p><p>movimento de nacionalização da dramaturgia não seria concretizado antes da década</p><p>de 1950 e interrompido pela instauração do regime militar. O florescimento do teatro</p><p>somente volta a ser realidade com a redemocratização e a queda do regime da censura.</p><p>125</p><p>RESUMO DO TÓPICO 2</p><p>Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:</p><p>• O que chamamos de teatro modernista absorveu as aspirações de uma sociedade</p><p>dividida em movimentos pró-modernização das produções ou pela busca de</p><p>identidade nacional e uma parcela da sociedade que pretendia permanecer conectada</p><p>com os moldes europeus e academicistas.</p><p>• A modernização dos grandes centros urbanos trouxe para as respectivas cidades a</p><p>construção de inúmeros teatros luxuosos, como o Teatro Municipal do Rio de Janeiro</p><p>(1909), o Teatro Municipal de São Paulo (1911) e o Teatro Amazonas (1986). Essas casas</p><p>de espetáculo anunciaram uma nova era na circulação de produções das artes cênicas.</p><p>• Uma elite brasileira estava voltada para as produções que utilizavam artistas famosos</p><p>ou que buscavam destacar o gênero que produziam. O nome de determinado artista</p><p>da cena de enorme fama estava em evidência nas divulgações para atrair um público</p><p>específico.</p><p>• Outro aspecto apreciado pela elite era o uso da língua de origem das companhias. Os</p><p>idiomas que eram comuns em espetáculos era o italiano e o francês. Esses idiomas</p><p>eram facilmente associados ao glamour da ópera e canto lírico.</p><p>• O período pré-moderno, bem como o modernismo brasileiro, trouxe para o Brasil</p><p>profundas transformações e nos gêneros que obtiveram destaque estavam a</p><p>comedia de costumes, o Tetro de Revista, as Burletas, Operetas apresentadas por</p><p>companhias estrangeiras ou por companhias nacionais.</p><p>• O movimento modernista defendia a busca por uma identidade nacional em suas</p><p>produções. A literatura, as artes visuais e a música conseguiram expressar essas</p><p>aspirações, porém, a dramaturgia manteve os modelos de sucesso, absorvendo as</p><p>propostas modernistas somente depois de algumas décadas.</p><p>• A Semana de Arte Moderna de 1922 foi marco para o início do Modernismo brasileiro.</p><p>Durante uma semana, de 13 a 18 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo,</p><p>ocorreram manifestações artístico-culturais inovadoras para a época e abarcavam</p><p>espetáculos de dança, música, recitais de poesia, exposições de artes visuais e peças</p><p>de teatro.</p><p>• As produções dramatúrgicas da época tentaram conectar-se com o nacionalismo e</p><p>criticar os excessos de estrangeirismos utilizados no vocabulário nacional. Algumas</p><p>produções valorizavam o país com suas riquezas naturais e culturais e polêmicas</p><p>questões apareciam para conflitar a tendencia conservadora da época.</p><p>126</p><p>1 O período que antecede o movimento modernista brasileiro está intensamente</p><p>conectado com o advento da modernidade e o desenvolvimento industrial. A</p><p>dramaturgia brasileira passa por transformações lentas, mas significativas. As</p><p>experiências artísticas da modernidade propunham uma arte voltada ao espectador,</p><p>a vida e renovar os processos de criação. Sobre este período, da história do Teatro</p><p>Brasileiro, assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) Mencionar o advento da modernidade, é abordar um movimento de avanços</p><p>tecnológicos e culturais em esfera macro, pois abarca a transformação dos</p><p>processos de industrialização.</p><p>b) ( ) O movimento modernista brasileiro estava conectado com questões</p><p>internacionais de modo que a arte local era constantemente desprezada.</p><p>c) ( ) Questões como a busca por implantar um regime político autoritário e a</p><p>constante desvalorização do produto cultural nacional.</p><p>d) ( ) As questões que envolvem a modernidade não estão conectadas com a</p><p>dramaturgia ou com os modos de criar e apresentar trabalhos das artes cênicas.</p><p>2 A dramaturgia de um tempo de enormes transformações culturais foi marcada por</p><p>gêneros específicos como a comedia de costumes, o Tetro de Revista, as Burletas,</p><p>Operetas apresentadas por companhias estrangeiras que aportavam nas cidades</p><p>litorâneas para apresentarem suas produções. O período modernista foi “[...] com</p><p>um movimento artístico atuante e um conjunto de obras que demonstravam a</p><p>continuidade de uma produção dramatúrgica predominantemente cômica, popular,</p><p>cujo objetivo é a tentativa de decifrar, compreender e, sobretudo, explicar o Brasil”</p><p>(BRAGA, 2012, p. 404). Com base neste panorama do período modernista brasileiro,</p><p>analise as sentenças a seguir:</p><p>FONTE: BRAGA, C. Retomada da comédia de costumes. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do teatro</p><p>brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo:</p><p>Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 403-416.</p><p>I- O movimento modernista e seus expoentes propunham a produção de arte com</p><p>parâmetros nacionalistas e a valorização aspectos internos.</p><p>II- A literatura, as artes visuais e a música expressaram amplamente essas aspirações,</p><p>e a dramaturgia modernista manteve parâmetros dos gêneros que estavam em</p><p>destaque, mas levaram para a cena aspectos de um Brasil ainda desconhecido.</p><p>III- As dramaturgias da época, principalmente a comédia, gênero mais praticado, traziam</p><p>para cena um retrato divertido, crítico e pouco explorado em montagens teatrais.</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>127</p><p>Assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.</p><p>b) ( ) Somente a sentença II está correta.</p><p>c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.</p><p>d) ( ) Somente a sentença III está correta.</p><p>3 As provocações estéticas do período em que o modernismo eclodiu na cidade de São</p><p>Paulo reverberaram nas produções artísticas e movimentos das décadas seguintes.</p><p>As companhias seguiram os princípios que foram estabelecidos nas tradições</p><p>cômicas da dramaturgia brasileira. De acordo com esses princípios, classifique V para</p><p>as sentenças verdadeiras e F para as falsas:</p><p>( ) A criação espetacular exigia conhecer tecnicamente os processos criativos, ter</p><p>fluência nos diálogos, ser escritor habilidoso para construir textos que pudessem</p><p>ser postos em cena com qualidade.</p><p>( ) Outra habilidade importante era ter certa artesania ou carpintaria nas construções</p><p>teatrais, intimidade com a carpintaria necessária para manter o formato de</p><p>encenação que fazia enorme sucesso na época.</p><p>( ) A tradição cômica experimentava diversas maneiras de produzir espetáculos, mas</p><p>mantendo as ditas fórmulas que as consagraram como populares.</p><p>Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:</p><p>a) ( ) V – F – F.</p><p>b) ( ) V – V – V.</p><p>c) ( ) F – V – F.</p><p>d) ( ) F – F – V.</p><p>4 O período modernista e o período anterior, foram marcados por certa tradição cômica</p><p>que experimentava diversas maneiras de produzir espetáculos, mas mantendo as</p><p>ditas fórmulas que as consagraram como populares. Dentre estes gêneros estavam</p><p>o teatro musicado, as revistas de ano, as burletas, as operetas e as comédias de</p><p>costumes. Diante desse pressuposto, disserte sobre essas variedades teatrais e suas</p><p>características.</p><p>5 Apesar da eclosão do Movimento Modernista ter provocado inúmeras inovações no</p><p>campo da arte, a dramaturgia pouco absorveu os princípios renovadores para a criação</p><p>e apreciação de arte. Nesse sentido, a dramaturgia seguiu seu caminho; e, somente</p><p>décadas depois do movimento, ocorreram significativas modificações nos modos de</p><p>criar e acessar arte teatral. Diante desse panorama, disserte sobre os motivos pelos</p><p>quais a dramaturgia da época não aderiu ao movimento modernista.</p><p>128</p><p>129</p><p>TÓPICO 3 -</p><p>A CENA MODERNA E A PROFISSIONALIZAÇÃO</p><p>DO TEATRO MODERNO NO BRASIL</p><p>UNIDADE 2</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>Neste momento, buscaremos trazer para o campo da discussão a cena</p><p>modernista e a profissionalização dos artistas da cena que produziam intensamente</p><p>obras para serem acessadas ao público. O período em que o modernismo ganhou</p><p>força</p><p>como movimento artístico foi de intensas transformações, principalmente nas áreas da</p><p>arte que fizeram parte do movimento. A dramaturgia, como vimos anteriormente, resistiu</p><p>às proposições modernistas para conservar uma produção de espetáculos baseada em</p><p>moldes consolidados.</p><p>Neste sentido, a variedade de espetáculos que surgiam seguia o gosto de</p><p>uma classe elitizada. A escassez de registros e pesquisas sobre esse tema dificultam a</p><p>discussão sobre os modos de criar, acessar e apreciar teatro da época.</p><p>A cena timidamente modernista, seguia em segundo plano até algumas</p><p>décadas posteriores ao movimento modernista. Nesse tempo, as companhias teatrais,</p><p>dramaturgos e profissionais da cena caminharam para um aperfeiçoamento dos</p><p>processos criativos, e do que podemos chamar a profissionalização do teatro brasileiro.</p><p>Quando tratamos de profissionalização, estamos tratando de desenvolver</p><p>atributos, competências e habilidades necessárias para o exercício das variadas</p><p>atividades relacionadas a produção de espetáculos teatrais, de dança, música ou</p><p>musicais. Em uma época marcada pela presença da comédia de costumes, pelo teatro</p><p>de revista, as operetas e as propostas ligadas ao teatro musicado. Ao lançarmos olhares</p><p>para os textos dramatúrgicos que chegaram aos tempos atuais, é perceptível a presença</p><p>de um contorno crítico, cômico e popular, com objetivos de compreender e explicitar</p><p>aspectos de um Brasil ainda em constante transformações.</p><p>Essa vasta produção que marcou as primeiras décadas do século XX apresentou</p><p>vestígios da rápida mudança social que o Brasil passou – e é possível identificar aspectos</p><p>dessa transformação na cena teatral modernista dos diversos gêneros encenados. Cada</p><p>gênero teatral encenado nessa época refletia aspectos de uma sociedade em ebulição.</p><p>Enquanto os dramas mostravam os conflitos sociais que surgiam na época, “‘[...]</p><p>as comédias, paralelamente à afirmação nacionalista, perseveraram na risonha tradição</p><p>da crítica dos costumes iniciada nos primórdios do Império, caracterizando-se como</p><p>o gênero da crítica social por excelência, e tendo, no Brasil, diversos e felizes cultores”</p><p>130</p><p>(BRAGA, 2012, p. 403). Por meio de recursos dramatúrgicos que os autores encenadores</p><p>captaram a preferência popular pelas comédias e o teatro musicado. Assim, veremos</p><p>adiante os aspectos que definiram a cena modernista, a profissionalização e a instauração</p><p>de um teatro nacional com força.</p><p>2 O MODERNISMO E A REFORMULAÇÃO DA AÇÃO CÊNICA</p><p>Se o movimento modernista buscava promover experimentações no campo da</p><p>arte, o teatro preocupava-se em aperfeiçoar os moldes que rendiam enorme prestígio</p><p>aos profissionais da cena. Um dos aspectos que foram reforçados nesse período são</p><p>os aprofundamentos de recursos dramáticos como a ironia, deboche, tipos sociais e os</p><p>costumes. As comédias arrastavam para as plateias espectadores de todas as idades e</p><p>classes sociais. “Conhecimento técnico, fluência nos diálogos, habilidade na construção</p><p>dos textos, intimidade com a carpintaria teatral foram qualidades comuns à maioria</p><p>dos escritores cómicos de nossa dramaturgia [...]” (BRAGA, 2012, p. 403), neste icônico</p><p>período que reverberou até os dias atuais em produções ligadas à comédia.</p><p>Dentre os gêneros que exigiram apurada profissionalização quanto aos processos</p><p>criativos, de montagem e atuação foi a dramaturgia cômica como o “[...] teatro musicado,</p><p>as revistas de ano, as burletas, as operetas; e no teatro declamado as comédias de</p><p>costumes (BRAGA, 2012, p. 403). Os maiores expoentes na produção de dramaturgias</p><p>cômicas nesses gêneros foram Martins Pena (1815-1848), Joaquim Manoel de Macedo</p><p>(1820-1882), Jose de Alencar (1829-1877) e França Júnior (1838-1890). Esses gêneros</p><p>apresentaram em suas cenas os tipos característicos de personagens que retrataram</p><p>uma sociedade em reformulação, em uma época em que a defesa de rir para remediar</p><p>os problemas era uma questão recorrente.</p><p>Um panorama exclusivamente masculino, quando se referia à construção</p><p>textual de dramaturgias, apresentava-se. Esta questão talvez seja importante para</p><p>pesar o papel da mulher nesse contexto social. Evidentemente, esta é uma questão</p><p>para discussões posteriores e, nesse momento, é pertinente pensarmos em torno dos</p><p>motivos que destinavam as mulheres a estarem no palco como dançarinas, vedetes</p><p>ou atrizes que apresentavam enorme beleza corporal e desempenho em executar as</p><p>cenas de um teatro baseado na busca por profissionalização. É nesse contexto que os</p><p>movimentos feministas também plantaram suas sementes para que posteriormente os</p><p>movimentos de redemocratização pudessem emancipar a mulher e abrir caminhos para</p><p>igualdade entre os gêneros.</p><p>A cena teatral brasileira trilhava um caminho de conexão com o riso, pois a</p><p>comédia era o gênero preferido da comunidade carioca e paulista. Os assuntos históricos</p><p>apresentam dados que se originam desses dois centros culturais. O Rio de Janeiro</p><p>como um principal centro e São Paulo como outro centro de importante movimentação</p><p>cultural. Este motivo, define os panoramas que discutiremos neste material de estudo.</p><p>O gênero cômico frequentemente era alvo de críticas por parte de críticos de arte. As</p><p>131</p><p>críticas apontavam o teatro da época como superficial, excessivamente voltado para</p><p>o riso fácil, de apelo popular e objetivava agradar certo público cativo. Assim como o</p><p>pensador Sócrates defendia, em tempos antigos, que as tragédias deveriam apresentar</p><p>tramas que exibissem tramas úteis, reflexivas e até educativas. Os intelectuais</p><p>reforçavam que os gêneros cômicos ou as comédias de costumes não apresentavam</p><p>utilidade, sua produção estava voltada para uma intencionalidade de agradar a plateia</p><p>que buscava uma cena divertida que proporcionasse apenas diversão.</p><p>A ideia de agradar determinada plateia, aparece nas primeiras reflexões</p><p>aristotélicas em torno da arte dramática. E nas comédias do período modernista, a</p><p>relação de agradar ao público aparece como alternativa para manter o sucesso e</p><p>prestígio de muitas encenações. A dimensão da utilidade, nas comédias estava ligada</p><p>aos modos de mostrar os problemas de conduta ou comportamentos de um grupo social</p><p>e de personagens daquele grupo social. Desta forma, quando as comédias buscavam</p><p>apresentar correções para tais problemas de conduta, as propostas de encenação</p><p>deveriam apresentar certa dimensão imitativa da vida ou espelhar os costumes do</p><p>cotidiano para levar a plateia a entender com facilidade os contextos ou discursos.</p><p>Esses parâmetros eram defendidos pelo filosofo Cícero e objetivavam estabelecer uma</p><p>conexão direta com os espectadores.</p><p>Neste sentido, a comédia de costumes no Brasil, buscava atingir o objetivo de</p><p>provocar o riso “[...] de agradar, quanto ao de corrigir, através da exposição ao ridículo,</p><p>diferentes desvios de conduta, também peculiares a grupos ou indivíduos que lhe</p><p>fossem contemporâneos, obedecendo, assim, aos mais tradicionais pressupostos da</p><p>comédia” (BRAGA, 2012, p. 404). Entretanto, um problema foi identificado nos processos</p><p>de encenação de espetáculos teatrais. Esse problema estava ligado com a imitação de</p><p>aspectos que apresentassem a realidade de classes populares ou de classes elitizadas</p><p>por apresentar um Brasil idealizado e utópico que se pretendia encontrar em tempos</p><p>futuros. Um aspecto a ser destacado é o fato de os dramaturgos priorizarem, desde</p><p>Martins Pena, as comédias traziam personagens ligados aos roceiros, os personagens</p><p>populares, pessoas suburbanas, em contraponto aos juízes, advogados, os abastados ou</p><p>pessoas que faziam parte da chamada high society. Desta maneira, verifica-se que as</p><p>críticas desferidas na época estavam conectadas a um plano de fundo preconceituoso,</p><p>para favorecer um modo de produzir arte teatral semelhante ao conservadorismo francês.</p><p>132</p><p>As plateias populares lotavam os espetáculos cômicos em contraponto a</p><p>uma plateia dita chique que preferia frequentar espetáculos que circulavam no Brasil,</p><p>vindos de terras europeias.</p><p>e escrever’ mantidas pela Companhia de Jesus</p><p>promoviam as primeiras ações conectadas à educação no Brasil e, neste contexto, que a</p><p>presença do teatro marcou os fundamentos da arte dramática. As escolas de ler e escrever</p><p>ou os colégios de humanidades estavam presentes em estados como Pernambuco, Bahia,</p><p>Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Vicente e São Paulo (PRADO, 2012).</p><p>Cerca de 25 espetáculos como peças simples e diálogos foram montadas</p><p>nesse período pelos jesuítas. Desse pequeno acervo de textos, somente oito textos</p><p>foram preservados atribuídos ao padre José de Anchieta (1534-1597). Esse cenário</p><p>de desenvolvimento da dominação católica marcou o nascimento de práticas de</p><p>arte dramática conectadas com rituais religiosos de adoração aos personagens</p><p>sagrados adotados pela igreja católica. Além das encenações criadas pelos jesuítas,</p><p>as celebrações católicas e procissões eram baseadas em rituais dramatizados que</p><p>comoviam os espectadores.</p><p>6</p><p>As celebrações continham roteiros que mostravam símbolos e imagens de</p><p>santos, mas também incluíam encenações que abordavam particularidades de cada</p><p>santidade envolvida ou trechos bíblicos. Temas relacionados aos assuntos bíblicos</p><p>e santidades conectadas à instituição religiosa estavam presentes. As estratégias</p><p>para envolver os povos nativos nas celebrações ou doutrinar os que viviam em terras</p><p>brasileiras eram variadas e buscavam nas áreas da Arte para que os objetivos pudessem</p><p>sem atingidos. A música, dança, canto e teatro eram amplamente explorados para</p><p>que os integrantes das escolas de Ler e Escrever, coordenadas pelos padres jesuítas,</p><p>conhecessem a doutrina religiosa e realizar a conversão ao cristianismo (PRADO, 2012). A</p><p>seguir, adentraremos aos aspectos específicos do teatro de catequese e as celebrações</p><p>que marcavam os rituais festivos.</p><p>3 OS JESUÍTAS E O TEATRO DE CATEQUESE</p><p>Os jesuítas desembarcaram onde é o estado da Bahia por volta de 1549 e</p><p>iniciaram seus trabalhos de conversão do povo nativo. Como estratégia de doutrinar</p><p>o povo que aqui vivia e converter o maior número de pessoas possível os integrantes</p><p>da Companhia de Jesus passaram a utilizar recursos originados no campo da arte para</p><p>que a doutrinação ocorresse. Dessa maneira, o que chamamos de Teatro de Catequese</p><p>foi a modalidade teatral em que os religiosos se apropriavam de elementos do teatro</p><p>para realizar suas propostas de evangelização. A linguagem corporal era utilizada como</p><p>importante recurso para que os povos que aqui viviam absorvessem os ensinamentos.</p><p>Os Jesuítas e a Companhia de Jesus, desde sua inauguração e implementação</p><p>das ações de catequização dos povos originários, buscavam por meio da arte os</p><p>instrumentos necessários para que seus ensinamentos pudessem ser disseminados.</p><p>O padre Manoel da Nóbrega vislumbrava atrair para suas pregações os povos nativos</p><p>da américa. Os recursos artísticos eram amplamente explorados para mostrar aos</p><p>espectadores os valores, dogmas e ensinamentos cristãos. Em um cenário brasileiro</p><p>de exuberância natural, a presença de tribos nativas com culturas próprias, o desafio</p><p>dos integrantes da Companhia de Jesus era catequizar o maior número de pessoas e</p><p>convertê-las aos valores cristãos europeus.</p><p>A dramaturgia jesuítica estava conectada com elementos do Brasil Colônia e de</p><p>caráter religioso. As festividades religiosas eram realizadas para cultuar personagens</p><p>religiosos como santos e celebrações abordando passagens bíblicas. A presença de</p><p>elementos da cultura nativa marcava as festividades. Em momentos, a ritualidade</p><p>deslocava-se para a cultura nativa ou era inserida nas procissões promovidas pelos</p><p>integrantes da Companhia de Jesus. Esses aspectos definiam os espaços de encenação,</p><p>os diálogos estabelecidos que poderiam ser conectados entre si ou não. As procissões</p><p>poderiam ter paradas por minutos para exaltar algum momento específico da celebração.</p><p>Era comum ter figuras simbólicas sacras que representavam a Sé, a Cidade, divindade</p><p>ou um anjo, por exemplo (PRADO, 2012).</p><p>7</p><p>FIGURA 3 – NA CABANA DE PINDOBUÇU (1920), DE BENEDITO CALIXTO (1853-1927)</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3qNumch>. Acesso em: 20 jan. 2022.</p><p>A imagem que apresentamos na Figura 3 é uma pintura do artista brasileiro</p><p>Benedito Calixto (1853-1927), em que retrata os missionários jesuítas Anchieta e</p><p>Nóbrega catequizando um grupo de nativos. Os cenários eram compostos por elementos</p><p>naturais e em encenações compostas por estudantes de diferentes níveis. As entidades</p><p>maléficas como o diabo eram retratadas como personagens cômicos aos moldes de</p><p>Gil Vicente (1465-1536), dramaturgo português de destaque. Os recursos utilizados</p><p>para a comunicação durante as encenações eram de natureza sensorial composta por</p><p>danças, músicas, presença de instrumentos de sopro e percussão dos povos nativos</p><p>que poderiam equivaler aos instrumentos europeus “[...] e, antes e acima de tudo, o</p><p>aspecto lúdico do teatro, entendido como jogo, brincadeira, porta imaginária através da</p><p>qual entravam com enorme entusiasmo os índios, simulando ciladas, declarações de</p><p>guerra, combates navais” (PRADO, 2012, p. 24).</p><p>O ritmo da procissão envolvia os espectadores com sermão e momentos para</p><p>adorar as relíquias com beijos e adorações diversas. Danças com meninos nativos de</p><p>até oito anos, com pinturas corporais eram realizadas. Outros adereços eram adotados</p><p>como diademas de penas, colares e braceletes. Dançavam, cantavam e executavam</p><p>ações que remetiam a situações.</p><p>As procissões eram intermináveis e findavam em frente à Santa Casa, que estava</p><p>preparada para receber as relíquias que seguiam com os participantes. Erguiam-se em</p><p>um palco elevado, como os que conhecemos na atualidade, para receber uma encenação.</p><p>Nele as relíquias eram postas em um rico altar; e, posteriormente, apresentava-se</p><p>um diálogo do martírio do santo em que figuras com figurinos ricamente preparados,</p><p>simulavam choros e outras ações que comoviam os observadores. Uma cena comovente</p><p>que causou lágrimas, comoção, alegria aos espectadores foi a apresentação de um ator</p><p>atado a um mastro. A cidade ficou comovida com a grandiosidade da encenação e até</p><p>mulheres compareceram, visto que a presença feminina não era bem-vinda.</p><p>8</p><p>FIGURA 4 – PADRE ANCHIETA, DE CÂNDIDO PORTINARI (1903-1962)</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3qNFIgx>. Acesso em: 20 jan. 2022.</p><p>A pintura do artista brasileiro Cândido Portinari (1903-1962) apresenta certa</p><p>simplicidade e um momento de concentração do padre jesuíta José de Anchieta</p><p>supostamente em praias brasileiras. José de Anchieta foi o padre que atuou como</p><p>missionário e escreveu poemas e dramaturgias nas línguas Tupi, Português e Castelhano.</p><p>As peças e poesias compostas pelo padre José Anchieta possuíam também trechos que</p><p>mesclavam os idiomas para que pudessem ser acessíveis aos espectadores e atender</p><p>aos objetivos de catequização.</p><p>A utilização da cena teatral como instrumento para evangelização pode ser</p><p>considerada uma das primeiras iniciativas de educação por meio da arte em terras</p><p>brasileiras. Os trechos em tupi poderiam sem destinados ao público nativo e os trechos</p><p>em português e castelhano destinados ao público europeu. Peças que são importantes</p><p>pela sua extensão e importância histórica são a Festa de São Lourenço com 1.493 versos</p><p>e a peça Vila de Vitória com 1.674 versos (PRADO, 2012).</p><p>Para ampliar seus conhecimentos em torno do teatro de José de Anchieta,</p><p>você pode acessar o artigo intitulado “José de Anchieta, o teatro e a</p><p>educação dos moços do Colégio de Jesus na Bahia do século XVI”, que</p><p>aborda amplamente os aspectos do teatro praticado na época e poderá</p><p>conferir os versos retirados de textos originais da época do Teatro de</p><p>Catequese, publicado na revista eletrônica HISTEDBR, da Universidade</p><p>Estadual de Campinas. Disponível em: https://bit.ly/3AAZRKe.</p><p>DICAS</p><p>9</p><p>FIGURA 5 – ANTIGO PÁTIO DO COLÉGIO DE SÃO PAULO, BENEDITO CALIXTO (1853-1927)</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3Lm2uDW>. Acesso em: 20 jan. 2022.</p><p>A imagem apresenta a pintura do pátio do colégio que</p><p>Essa fixação por espetáculos europeus era resquício de</p><p>uma valorização exacerbada de produtos estrangeiros e desprezo por produções que</p><p>apresentavam características brasileiras. Aos poucos a cena cômica passou a assumir</p><p>características brasileiras em seus modos de composição de cenas e temas que</p><p>remetiam a personagens típicos de regiões brasileiras (BRAGA, 2012)</p><p>Um Brasil a ser inventado, um preconceito ao que se originava em terras</p><p>tupiniquins e rejeição a composição étnica que a sociedade apresentava. O espírito</p><p>colonial que pairava nas atmosferas sociais e uma valorização exacerbada aos padrões</p><p>estéticos europeus marcavam os tensionamentos da cena modernista.</p><p>De um lado comediógrafos faziam enorme sucesso compondo comédias que</p><p>retratavam, criticavam e estabeleciam importantes conexões com os aspectos sociais da</p><p>época. Evidentemente que a elite da época rejeitava o fato de o Brasil ser majoritariamente</p><p>miscigenado e pouco arianos, colonizados. Uma sociedade marcada pelo sustento de</p><p>ideais europeus de civilização, precisamente franceses, rejeitava elementos que eram</p><p>originados da classe popular, seus personagens e cenários (BRAGA, 2012).</p><p>De um ponto de vista modernista, podemos afirmar que até a década de 1920</p><p>o teatro era composto por uma atmosfera vazia, com público pouco expressivo sem</p><p>contato com novas possibilidade estéticas.</p><p>A dramaturgia brasileira ainda resistia a qualquer revolução estética proposta</p><p>e autores ignorando as propostas revolucionarias da cena moderna como Stanislavski,</p><p>Gordon Craig, Appia e outros estudiosos de teatro. Uma certa má vontade da produção</p><p>teatral da época ou uma resistência aos modos inovadores de criar e apresentar teatro.</p><p>O termo high society está ligado a língua inglesa para significar a alta</p><p>sociedade. Esse termo foi adotado para definir a classe alta brasileira</p><p>do período modernista. Esse grupo era composto por pessoas com alto</p><p>poder financeiro e que almejavam ter status ou se destacar socialmente,</p><p>ostentando riqueza e poder. A alta burguesia brasileira que frequentava</p><p>locais requintados, restritos e elitizados. Na música popular brasileira,</p><p>a cantora Elis Regina gravou uma letra de composta por Rita Carvalho,</p><p>Roberto Zenobio, Affonso De Carvalho, com o título Alô, alô, Marciano.</p><p>Essa letra propõe uma crítica de forma irônica a high society da época. A</p><p>interpretação da cantora é provocativa e estimula o pensamento em torno</p><p>de um grupo social fútil e marcado pelos excessos. Vale a pena conferir nas</p><p>plataformas digitais.</p><p>NOTA</p><p>133</p><p>Outro ponto de vista era de que havia um enorme movimento teatral, não na</p><p>dimensão da literatura ou de outras áreas, mas um movimento ligado a teatralização da</p><p>apresentação e apreciação artística. A seguir, aprofundaremos as discussões em torno</p><p>dos modos de criar e acessar a arte teatral deste período.</p><p>3 PROCESSOS E CRIAÇÕES DE CENAS MODERNISTAS</p><p>BRASILEIRAS</p><p>Quando pensamos em criação, composição e produção de espetáculos de artes</p><p>cênicas estamos habitando o território do trabalho criador de encenadores, diretores,</p><p>atores e atrizes, figurinistas, produtores culturais, iluminadores e profissionais que</p><p>colaboram para a estruturação de espetáculos teatrais.</p><p>Os percursos e processos criativos podem ser diversificados de acordo com</p><p>a variedade e propostas de encenação. As companhias teatrais podem ter diversas</p><p>configurações, desde uma proposta colaborativa, baseada na decisão democrática,</p><p>grupos com propostas mistas, ou grupos que propõem contatações profissionais aos</p><p>moldes de prestação de serviços.</p><p>Em um período que as análises críticas apresentavam avaliações equivocadas</p><p>do teatro como o esvaziamento de aprimoramento da cena, de público ou que não estava</p><p>alinhada a uma vanguarda idealizada, o teatro seguiu seu curso e desenvolveu-se para</p><p>além das avaliações negativadas. Talvez tampouco a Europa absorveu as propostas</p><p>inovadoras da vanguarda modernista.</p><p>Quando analisamos propostas inovadoras da cena teatral europeia, também</p><p>identificamos que tais iniciativas postas em cena foram refutadas quando lançadas</p><p>e somente décadas depois, os feitos inovadores inspiraram outras propostas de</p><p>espetáculos teatrais (BRAGA, 2012).</p><p>Um exemplo desse fato são as inovações propostas pelo suíço Adolphe Appia</p><p>em 1895 e que reverberaram em outras propostas de encenação somente nas décadas</p><p>de 1950 e 1960. Esse movimento de resistência aos novos modos de encenar teatro</p><p>ocorreu também em terras brasileiras. Esse movimento de proposição de inovações e</p><p>de resistência configurou os professos criativos da época o que mais tarde, influenciou</p><p>na caracterização do teatro modernista.</p><p>Na Europa, outras inovações além de Appia foram propostas como as propostas</p><p>de Craig (1872-1966) e Copeau (1879-1849), igualmente rejeitadas e postas em prática</p><p>com êxito tempos depois.</p><p>134</p><p>FIGURA 25 – EDWARD GORDON CRAIG E JACQUES COPEAU</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3I3dVOM>; <https://bit.ly/3IgXizv>. Acesso em: 21 nov. 2021.</p><p>Uma primeira questão para entender os fatores que definiram percursos e</p><p>processos de criação teatral da época é a tendência de produtores das artes cênicas</p><p>rejeitarem as inovações propostas. Fato que ocorreu amplamente no Brasil, mesmo</p><p>depois da Semana de Arte Moderna de 1922. As transformações propostas pelos</p><p>encenadores nas primeiras décadas do século XX, não obtiveram sucesso por resistência</p><p>da própria classe artística e pelo público em geral. Talvez nem a comunidade europeia,</p><p>nem a sociedade brasileira estava preparada para assimilar as inovações modernistas.</p><p>Outro fator que tensionava esses agitos artísticos eram as cobranças, por parte dos</p><p>profissionais da crítica teatral, que artistas e profissionais da cena pusessem em cena</p><p>os ideais modernistas.</p><p>Outra questão, pertinente para pensarmos os fatores que definiram os</p><p>processos criativos da época, foram as características do próprio gênero cômico.</p><p>A crítica aos comportamentos era presente nos espetáculos e direcionava para um</p><p>algo dito por Henri Bergson como geral e não direcionada a aspectos individuais. Isso</p><p>significa que a comédia objetiva apresentar situações que pretendem corrigir desvios</p><p>comportamentais. Para isso, os personagens são geralmente tipos individualizados,</p><p>mas que essas caracterizações sejam identificadas facilmente pelo grupo a que se</p><p>destina. Esse aspecto pretendia alcançar o maior número de pessoas possível por meio</p><p>das características que permitissem identificar o grupo de origem evidenciado os erros</p><p>coletivos e tentar corrigir a conduta do público em geral.</p><p>O autor ainda afirma que se a plateia identificar um defeito que seja ridículo,</p><p>poderia apontar mudanças comportamentais. Nesse sentido a função da comédia</p><p>estaria em provocar no público essa noção de ridículo de modo que pudesse promover</p><p>essa correção defeituosa do comportamento. Nesse sentido, as encenações cômicas</p><p>buscavam apresentar aspectos que imitam os acontecimentos e comportamentos</p><p>135</p><p>humanos, a rigidez de um tipo particular, automatismo e movimentos desconectados</p><p>com a vida. A comicidade da época apontava as imperfeições individuais ou coletivas</p><p>exigindo uma correção imediata.</p><p>Ele acreditava que o riso poderia trazer essa correção do comportamento.</p><p>O riso tratado como certo gesto social que, por sua natureza, poderia reprimir os</p><p>comportamentos ditos desviantes. “Assim, o que se exprimiu em nossos palcos foram</p><p>justamente nossos desvios coletivos, essencialmente cômicos, que suscitavam o riso</p><p>também coletivo – a propósito de características bastante peculiares (e risíveis) de</p><p>nossa sociedade e de determinados tipos que a ela pertenciam” (BRAGA, 2012, p. 405).</p><p>Neste sentido, os processos criativos apontavam para apresentar inúmeros</p><p>desvios da sociedade brasileira, marcada pela colonização europeia. As comédias</p><p>produzidas nas primeiras décadas do século XX, apontavam inúmeros desvios e um</p><p>que recorrentemente aparecia era a dificuldade de identificar um espírito nacionalista.</p><p>Algumas encenações apresentavam</p><p>aspectos direcionados diretamente a</p><p>grupos e situações. Outro aspecto que aparecia era o culto as aparências e a punição</p><p>desses defeitos e desvios “[...] é a punição desses defeitos ou desvios, das extravagâncias</p><p>e excessos com a exposição das falhas ao ridículo. Enfim, nossas comédias de costumes</p><p>retrataram, de fato, os tipos, valores e modos de vida que mereciam ser observados e</p><p>corrigidos, alguns dos quais comentaremos agora” (BRAGA, 2012, p. 408).</p><p>Dentre os autores que propuseram comédias, que inseriam hábitos sociais ou o</p><p>panorama da vida carioca, foi Artur Azevedo. Este autor, em suas revistas de ano retratou</p><p>a vida da sociedade carioca da vidrada do século e em suas comédias de costumes</p><p>apresentavam o retrato de uma sociedade marcada pelos excessos, futilidade e desprezo</p><p>pela classe popular ou o que possui origens em terras tupiniquins. Outro autor que captou</p><p>os ditos desvios sociais foi Coelho Neto. Esse comediógrafo traduziu em suas comédias</p><p>e compôs cenas cômicas punindo ou criando situações ridicularizantes para tais</p><p>comportamentos. Nas décadas de 1910-1930, Gastão Tojeiro, foi um dos comediógrafos</p><p>de grande prestígio da Geração Trianon. Esse dramaturgo destacou-se por sua intensa</p><p>produção de textos, um número superior a cem textos (BRAGA, 2012).</p><p>A seguir abordaremos o processo de profissionalização dos atores e atrizes</p><p>em um período de intensas provocações estéticas e de transição para um período que</p><p>influenciou os modos de conceber, acessar e desenvolver propostas inovadoras. A</p><p>profissionalização ocorreu como uma necessidade da classe artística ou como evolução</p><p>essencial para a dramaturgia brasileira ou para a classe de artistas da cena.</p><p>136</p><p>4 OS MECANISMOS DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOS</p><p>ATORES E DAS ATRIZES</p><p>No trecho anterior, discutimos os tensionamentos entre os fatores que definiram</p><p>as produções teatrais do início e meados do século XX. Nesse momento, abordaremos</p><p>o panorama da produção teatral da época que permitiu a profissionalização de atores</p><p>e atrizes ou de toda um coletivo de artistas da cena, ou seja, os mecanismos que</p><p>definiram o panorama da produção teatral da época. De uma tendência a direcionar</p><p>o espectador a rir de situações em que espelham ironicamente a figura ridícula do</p><p>próprio espectador. Esses aspectos nos direcionam a pensar acerca das competências</p><p>e habilidades necessárias para executar com maestria os espetáculos, seja no teatro</p><p>musicado, operetas, burletas, nos gêneros cômicos ou revistas de ano. Os dramas</p><p>também eram encenados e exigiam dos profissionais habilidades necessárias para</p><p>levar para a cena a profundidade dramática da trama e dos personagens. A época em</p><p>que começaram a surgir os grandes ícones do teatro profissional brasileiro, como o</p><p>ator Procópio Ferreira (que estreou em 1919). Essa produção chamava-se O Simpático</p><p>Jeremias e o protagonista foi interpretado pelo ator Leopoldo Fróes, esse papel o ator</p><p>manteve em seu repertório toda sua trajetória. Nessa trama, o Jeremias é um criado</p><p>que ópera solucionando os conflitos que permeiam as relações das personagens. Essas</p><p>características compuseram o estilo que foi nomeada de Comédia Nova.</p><p>FIGURA 26 – ATOR PROCÓPIO FERREIRA</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3J9pLZ6>. Acesso em: 21 nov. 2021.</p><p>O fato de um criado operar a solução de problemas assemelha-se a um</p><p>personagem conectado com a Commedia dell’Arte, o Arlequin. A arquitetura cômica</p><p>desse texto estava alinhada a peças clássicas do dramaturgo Molière desse autor, o</p><p>personagem Scapin. Outro texto que apresentava um panorama dos costumes da</p><p>época foi o texto Eu Arranjo Tudo, de Cláudio de Souza (1876-1954). Esse texto traz em</p><p>137</p><p>sua narrativa as traquinagens de um personagem chamado Bernardo que é responsável</p><p>por todas as tarefas de seu local de trabalho e passa a confundir as tarefas e acaba</p><p>solucionando as confissões que surgem. Essa comédia estreou em 22 de novembro</p><p>de 1915, no Teatro Trianon. O protagonista desta comédia também conecta a tradição</p><p>cômica brasileira com a Commédia dell’Arte nessa espécie de trapalhão inteligente.</p><p>Diversos costumes da época eram postos em cena nessa trama.</p><p>O Teatro Profissional dos anos de 1920 aos anos de 1950 foi marcado pela maestria</p><p>de profissionais que conseguiram grande prestígio e competições por atuações de</p><p>destaque. Os astros e estrelas surgiram nessa época com suas atuações espetaculares</p><p>que arrastavam multidões. A fama e idolatria de atores da época permeava as condições</p><p>da profissionalização de atores e atrizes. Astro era uma palavra utilizada com frequência</p><p>e possui vários significados, dependendo seus usos e contextos. Os atores e atrizes</p><p>considerados astros ou estrelas de teatro ocupavam lugares de prestígio, com destaque</p><p>para as figuras masculinas e as figuras femininas ainda eram associadas a objetos</p><p>de desejo ou objetos sexuais de uma sociedade estruturalmente preconceituosa</p><p>e machista. De um local de destaque, grandeza, ou tirania a uma acepção de figura</p><p>pejorativa. Em astronomia astro é todo corpo celeste que possui luz própria. Nesse</p><p>sentido, o astro estava associado a aquele ator ou atriz que obtivesse enorme destaque</p><p>em suas atuações artísticas. Os astros e estrelas orbitavam em rotas de enorme fama e</p><p>geralmente, buscavam manter seu sucesso em carreiras longas. A corrida para chegar</p><p>ao destaque ou manter-se no foco da cena modernista com todas as pompas que um</p><p>astro ou estrela idealizavam talvez fosse uma tarefa difícil e um preço alto a pagar.</p><p>Essas duas palavras, estrela e astro, são importantes para pensar a</p><p>profissionalização de artista da cena. Uma constituição de atores e atrizes que reunissem</p><p>habilidades múltiplas, com capacidade de atuar, dançar, cantar e com capacidade para</p><p>atuar em comédias e dramas com versatilidade. Há uma certa subordinação a toda essa</p><p>iluminação atribuída a um profissional da cena. Um artista da cena busca relacionar-</p><p>se com seu público de maneira a cativar popularidade e influenciar gostos. Um astro</p><p>poderia ser associado ao elemento sol, no sistema solar, anuncia metaforicamente</p><p>que o ator ou atriz carrega em sua aura o segredo mágico da atuação e da cena, sua</p><p>personalidade estaria a habilidade de comunicação com seu público, de modo que</p><p>deveria deter importantes elementos geradores de influência.</p><p>A qualificação de um profissional da cena deveria abarcar o domínio técnico e</p><p>maestria em sua arte. O ator e atriz dependia ainda de outros profissionais para que sua</p><p>arte pudesse ser realizada. Escolas de arte dramática ofereciam cursos com apurado</p><p>técnico, mas a maior escola de formação de profissionais da cena era a prática cotidiana,</p><p>o palco habitado pela cena teatral e os processos criativos ou produzir a apresentação</p><p>de determinado espetáculo em determinado espaço. Neste sentido, a prática teatral</p><p>seria ainda uma escola ou espaço para a formação e qualificação dos profissionais da</p><p>cena. Assim, o astro e a estrela eram suportados por uma equipe preparada para que</p><p>a encenação pudesse ocorrer com sucesso. O astro e a estela de teatro “[...] além de</p><p>138</p><p>sujeito da cena e em cena, senhor de uma forma de expressão encantadora que a plateia</p><p>adorava acompanhar, o astro era líder de sua categoria, artífice de sua companhia, mago</p><p>da bilheteria, empres��rio e forjador do próprio ofício” (BRANDÃO, 2012, p. 459).</p><p>O astro e a estrela eram considerados artistas que construíam uma promissora</p><p>carreira e conseguiam viver de sua arte estabelecendo relações entre as obras de arte</p><p>teatrais e seu público. Os principais grandes astros e estrelas desse período foram João</p><p>Caetano, Estela Sezefreda, Gabriela da Cunha, Eugênia Câmara, Adelaide do Amaral,</p><p>Furtado Coelho, Lucinda Simões, Ismênia dos Santos, Vasques, Dias Braga, Martins,</p><p>Rosa Villiot. Estes intérpretes buscavam transpor par o palco toda vivacidade de seus</p><p>personagens e no encontro com a plateia, concretizar o fenômeno teatral. Outros</p><p>expoentes desse período foram Itália Fausta (1880-1951), Leopoldo Fróes (1882-1932),</p><p>Procópio Ferreira</p><p>(1898-1979), Jaime Costa (1897-1967) e Dulcina de Moraes (1908-1996).</p><p>Os artistas da cena profissionalizaram-se nos processos de criação teatral e na</p><p>necessidade de aperfeiçoamento das práticas ligadas “[...] ao teatro de revista ou ligeiro,</p><p>quer dizer, ao palco da opereta, da burleta, da farsa; subgêneros cómicos designados</p><p>como menores por certa tradição”. Nesse período de florescimento de um teatro rico</p><p>em personagens tipo, músicas originais, figurinos carnavalescos destacaram-se outros</p><p>nomes da cena brasileira modernista como “[...] Cinira Polónio, Iracema de Alencar,</p><p>Abigail Maia, Machado Careca, Colás, Lucília Peres, Apolónia Pinto, Alda Garrido,</p><p>Margarida Max, Otília Amorim, Aracy Cortes, Oscarito, Dercy Gonçalves, Grande Otelo e</p><p>Eva Todor” (BRANDÃO, 2012, p. 459).</p><p>O capítulo a seguir, apresentará encenadores modernistas que se destacaram</p><p>no cenário teatral brasileiro e seus feitos para pensarmos em um teatro que passou por</p><p>evoluções específicas e apelos para os gostos das plateias.</p><p>5 ENSAIADORES E ENCENADORES MODERNISTAS</p><p>BRASILEIROS</p><p>A época do modernismo e décadas posteriores, o gênero que predominava</p><p>era a comédia. Outros gêneros eram encenados, porém com menor ênfase. Algumas</p><p>encenações mostravam temas como o vício no jogo, com cenários de cassino, com</p><p>jogadores que buscavam recuperar os valores que perderam em jogo. Em 1913 dois</p><p>espetáculos destacaram-se contendo o enredo citado acima: Deu o Pavão, de João</p><p>Pinho e O Bicheiro, de A. Elias da Silva, encenados no Bijou Salão, casa de espetáculos</p><p>e cinema inaugurada em São Paulo em 1915.</p><p>Armando Gonzaga foi um comediógrafo que escreveu inúmeras peças, dentre elas</p><p>O Ministro do Supremo que estrou no Teatro Trianon em 1921, e A Flor dos Maridos que</p><p>estrou em 1922 no Teatro Recreio. As comédias de Gastão Tojeiro ou as de Armando Gonzaga</p><p>eram estruturadas com um jogo de rapidez entre os diálogos, fluência e intimidade com a</p><p>artesania do teatro ou com o que chamamos de padrão cômico para a época.</p><p>139</p><p>Alguns recursos como a ironia em mostrar comportamentos hipócritas ao trazer</p><p>para a cena os excessos conectados com a ambição. Para exemplifi car essa determinada</p><p>situação, podemos citar uma passagem em que põe em cena um ator, que por sede de</p><p>maiores lucros, busca vender bilhetes que o próprio empresário lhe oferecera.</p><p>Gonzaga escrevia ainda, textos dramatúrgicos que traziam em suas tramas,</p><p>certo culto as aparências mostradas sob uma ótica risível ou cômica. A peça mostrada</p><p>anteriormente, O Ministro do Supremo, foi uma das principais peças de sucesso desse</p><p>autor. Arnaldo Gonzaga foi um dos comediógrafos encenados na década de 1920 em</p><p>diante e Cala a Boca Etelvina (1925) ou em És Tu Malaquias? (1927), ele retrata os</p><p>costumes da época.</p><p>FIGURA 27 – FOTOGRFIA DE ARMANDO GONZAGA E GASTÃO TOJEIRO</p><p>FONTE: <https://bit.ly/34yPRpi>; <https://bit.ly/3vZIin4>. Acesso em: 21 nov. 2021.</p><p>As comédias da época abordavam certa minúcia na crítica e composição dos</p><p>personagens tipo. A trama era tecida por ocorrências da época e questões de um</p><p>tempo de inúmeras modifi cações no âmbito social e cultural. Os textos das comédias</p><p>apresentavam um apelo algo que pudesse remeter a urgência de vida em um cenário</p><p>pós a primeira grande guerra.</p><p>Comediógrafo é o profi ssional que dedica seu tempo a produzir textos</p><p>dramatúrgicos no gênero comédia para serem postos em cena. O</p><p>profi ssional comediógrafo conhece profundamente o gênero teatral cômico</p><p>e os recursos necessários para compor um texto que ao ser encenado possa</p><p>fazer o espectador gargalhar com as situações cômicas exploradas.</p><p>NOTA</p><p>140</p><p>A emoção e profundidade dramática eram refutadas para dar espaço para o</p><p>entretenimento e riso fácil. Essa atmosfera tomou conta das produções teatrais desse</p><p>período e marcou os modos de criar e apreciar arte dramática. As comédias estavam</p><p>conectadas com os tipos sociais como marido galanteador, esposa com ciúmes</p><p>excessivos, empregadas sensuais, as vizinhas fofoqueiras que objetivavam arrancar</p><p>gargalhadas do espectador.</p><p>Esse modo de criar cenas estava voltado para o que foi definido como certo</p><p>descompromisso com a função de desviar a atenção das tragédias, transformações</p><p>e eminente risco de novos conflitos armados em partes do mundo. Esses aspectos</p><p>definiram uma época e os modos de produzir dramaturgias ou de compor cenas para</p><p>determinado público (BRAGA, 2012, p. 409)</p><p>Outro expoente das décadas após 1922 foi Joracy Camargo (1898-1973) que traz</p><p>aos palcos outro modo de encenar por meio do vagabundo filosofante. Esse dramaturgo</p><p>iniciou uma sequência de textos que iniciou com O Bobo do Rei em 1931, Deus lhe</p><p>Pague em 1932, O Neto de Deus, em 1933, Maria Cachumba, e 1940 e O Sindicato dos</p><p>Mendigos de 1942. Essas dramaturgias poderiam ser localizadas no que alguns críticos</p><p>da época definiram como “teatro de comunicação sensível” (WERNECK, 2012, p 419).</p><p>Joracy foi considerado autor de Procópio Ferreira e Ernany Fornari (1899-1964)</p><p>o dramaturgo que escreveu textos para grandes atrizes como Eva Tudor (1919-2017) e</p><p>Dulcina de Moraes (1908-1996).</p><p>Essa tendência de textos escritos para determinado ator ou atriz configurava</p><p>uma composição direcionada, que surge de uma conexão entre autor e atores ou atrizes</p><p>capazes de essa ligação definir os personagens, a trama e as maneiras que os atores</p><p>dariam vida aos respectivos personagens. Assim, os personagens postos no palco</p><p>carregam uma presença dos intérpretes, uma espécie de afinação entre dramaturgo</p><p>e intérprete, de modo que a composição textual favorecia os atores e atrizes ou</p><p>apresentava recursos que potencializavam a comunicação deles (WERNECK, 2012).</p><p>Um fato importante na produção teatral da época, foi o Teatro de Revista, como</p><p>comentamos no Tópico 2. Aqui, um fato que merece ser destacado é o surgimento,</p><p>em 1926 da Companhia Negra De Revista. Essa companhia reunia artistas negros da</p><p>cidade de São Paulo e Rio de Janeiro e pretendia valorizar a cultura africana no Brasil.</p><p>Essa atitude reafirmava a presença da população negra no país e permitia a construção</p><p>de uma identidade cultural negra em produções espetaculares utilizando símbolos</p><p>da cultura negra. Nesse período, em Paris ocorria um movimento semelhante com a</p><p>exaltação do Jazz, que reunia cantores, músicos e vedetes negros em seus elencos</p><p>revelando astros como a americana Josephine Baker (VENEZIANO, 2012).</p><p>141</p><p>FIGURA 28 – FOTOGRAFIA DA PEÇA SORTILÉGIO DE 1957 DO TEATRO EXPERIMENTAL DO NEGRO</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3tM7BGw>. Acesso em: 9 jan. 2022.</p><p>Em terras brasileiras, as coristas negras destacavam-se desde aa década</p><p>de1920. Essas Coristas denominavam-se The Black Girls. Diante das frequentes</p><p>caricaturas racistas ao pintarem atores brancos de preto para representar personagens</p><p>negros, a Companhia Negra de Revistas representou importante passo para repensar</p><p>as questões racistas que a estrutura social e cultural apresentava. Essa companhia</p><p>trouxe para a cena modernista questões que envolvem a presença de artistas negros</p><p>no cenário teatral brasileiro. A revista que estrou os trabalhos da Companhia Negra de</p><p>Revistas chamou-se Tudo Preto. A produção obteve enorme sucesso ao exaltar o orgulho</p><p>da cultura negra em quadros intitulados Cristo Nasceu na Bahia e encerramento com</p><p>quadro Mãe Negra. As vedetes que se destacaram foram Rosa Negra e Jandira Aimoré.</p><p>FIGURA 29 – FOTOGRAFIA DE AS BLACK-GIRLS, CONJUNTO DE VEDETES NEGRAS EM 1926</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3t2d24I>. Acesso em: 9 jan. 2022.</p><p>142</p><p>A Companhia Negra de Revistas permaneceu ativa por somente um ano, de</p><p>1926 até 1927. Com a contratação de Pixinguinha para a regência musical da companhia,</p><p>ela circulou por diversas cidades interioranas do estado de São Paulo. Outra grande</p><p>revelação foi a presença de um ator que se destacaria no cenário do teatro nacional.</p><p>Em 1926, a companhia lançava o ator Sebastião Bernardes de Souza Prata, com o nome</p><p>de Grande Otelo. Adiante, abordaremos os principais aspectos que antecedem o teatro</p><p>contemporâneo.</p><p>6 TRANSIÇÃO PARA A CONTEMPORANEIDADE</p><p>Quando tratamos de períodos de transição instauram certa instabilidade, tensões</p><p>entre o que está em voga e as possíveis propostas de inovações podem ocorrer. Se o</p><p>movimento modernista já apontava para tendências contemporâneas, a modernidade</p><p>como período histórico em que houve uma revolução das máquinas, compreendendo</p><p>até a década de 1789, em que a Revolução Francesa deflagra um novo tempo.</p><p>Após esse advento, as estruturas sociais modificaram-se profundamente. O</p><p>teatro contemporâneo do pós-modernismo, passava por discussões em torno das</p><p>funções de diretor, dos atores e seus processos de criação. O corpo dos atores e atrizes</p><p>assume papel central nas propostas de criação cênica. O papel do diretor do espetáculo,</p><p>que detém o poder de decisão sobre a obra é submetido a propostas colaborativas de</p><p>encenação e o papel passa de diretor para encenador. As companhias privadas, que</p><p>óperavam aos moldes do lucro e funções econômicas, passam a repensar seus propósitos.</p><p>A constituição de um repertório com objetivo estritamente comercial, é</p><p>proposta de companhias teatrais privadas em que seu proprietário produz arte para ser</p><p>comercializada. Outro fator desse período, que a contemporaneidade irá questionar, é a</p><p>valorização excessiva de um astro principal e os demais artistas, condições precarizadas</p><p>de trabalho. Havia uma relação hierárquica entre o diretor e os atores e atrizes.</p><p>Depois da Proclamação da República, amparados pela maior difusão</p><p>dos espetáculos populares, muitos artistas negros buscaram espaço de</p><p>reconhecimento, participando do mercado das partituras, dos primeiros</p><p>filmetes e fonogramas, como Baiano, Cadete, Geraldo Magalhães e tantos</p><p>outros – época em que o célebre Pixinguinha se profissionalizou (no ano</p><p>de 1912). Entretanto, havia – e ainda há – uma enorme resistência dos</p><p>brancos colonizadores aos negros afro-diaspóricos e à sua cultura.</p><p>FONTE: <https://bit.ly/35Qx9dw>. Acesso em: 11 mar. 2022.</p><p>IMPORTANTE</p><p>143</p><p>O sucesso econômico da companhia era perseguido e esse teatro de convenções</p><p>era submetido aos valores artísticos da época. Os personagens tipo eram presentes nas</p><p>tramas e como máscaras da realidade social eram amplamente explorados.</p><p>As características sociais de determinado grupo social e suas relações eram</p><p>fontes para a composição de textos dramáticos. Os tensionamentos entre a escrita</p><p>dramatúrgica e os personagens tipo criava uma zona criadora mediada pelo encenador.</p><p>Um teatro de sistematização do comportamento, que poderia remeter ao teatro de</p><p>máscaras da Grécia antiga ou para a Commédia dell’Arte (TORRES, 2012).</p><p>Os tipos de papéis possuíam uma faixa de idade em que o galã deveria ter de</p><p>20 a 30 anos, o centro de 30 a 50 anos e o vegete de 50 anos em diante. Os outros</p><p>personagens cômicos poderiam ter somente uma identificação com a função social.</p><p>Estes aspectos da estrutura dramatúrgica criada partindo de personagens tipo permeou</p><p>toda uma produção teatral voltada para a comédia de costumes, o teatro musicado e</p><p>o teatro de revista. As propostas contemporâneas irão propor o rompimento com essa</p><p>estrutura para emergir um teatro baseado no trabalho de atuação, do musical e de</p><p>propostas que reinventam a própria estrutura dramatúrgica.</p><p>A contemporaneidade irá propor novos modos de criar cenas e de espaços</p><p>diversificados para a apreciação. Temas como a recepção, cenas mínimas, teatro do</p><p>absurdo, a performance arte e outras abordagens cênicas passam a estar nos palcos</p><p>de cidades brasileiras. A descentralização das produções, até então concentradas nas</p><p>cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, ocorre levando condições de produção para</p><p>outras localidades.</p><p>A seguir apresentaremos um esquema de fácil compreensão para identificar as</p><p>características de cada personagem tipo que eram comuns nesse período da história</p><p>do teatro brasileiro e que servirá de parâmetro para pensar os rompimentos que a</p><p>contemporaneidade irá propor.</p><p>QUADRO 1 – RELAÇÃO ENTRE TIPOS DE PAPÉIS MASCULINOS E CARACTERÍSTICAS</p><p>TIPOS DE PAPEL CARACTERÍSTICAS DO TIPO</p><p>Galã</p><p>Homem jovem de modos viris, variando-se as características dependendo</p><p>do gênero: amoroso, dramático, cínico, cômico-tímido, típico etc.</p><p>Central ou Centro</p><p>Homem de meia-idade ainda fascinante e disposto. As mesmas</p><p>variações descritas para o Galã podem lhe ser atribuídas.</p><p>Vegete ou Vegeto</p><p>Homem já mais velho. Pode ser o Velho Gaiteiro ou Velho Ridículo. Pode</p><p>equivaler-se em termos de idade com a Caricata.</p><p>Baixo Cômico ou</p><p>Característico</p><p>Figura típica, caricatural ou não. Associado aos recursos do baixo</p><p>cômico ou às características de certos tipos sociais. Criados, copeiros,</p><p>cozinheiros, vendedores ambulantes, quitandeiros, carvoeiros, mata-</p><p>mosquito, soldado, marinheiro, fuzileiro, recebedores, motorneiros,</p><p>motoristas, trocadores, olheiros, mulatos pernósticos etc.</p><p>144</p><p>Astro</p><p>Figura masculina de maior destaque na companhia dramática e na</p><p>empresa teatral.</p><p>Utilidade Ator ou atriz que atua em qualquer papel secundário.</p><p>Figurante</p><p>Aquele que fica em cena sem falar, "figurando" apenas tipos masculinos</p><p>e femininos diversos.</p><p>FONTE: Torres (2012, p. 486)</p><p>QUADRO 2 – RELAÇÃO ENTRE TIPOS DE PAPÉIS FEMININOS CARACTERÍSTICAS</p><p>TIPOS DE PAPEL CARACTERÍSTICAS DO TIPO</p><p>Ingênua</p><p>Menina moça, podendo ser tímida, romântica, sonhadora etc. É a jovem</p><p>casadoira.</p><p>Dama Galã ou</p><p>Galante</p><p>Mulher jovem, figura romântica e tentadora que desperta a atenção dos</p><p>homens pela sua beleza e natural sensualidade.</p><p>Dama Central Mulher já madura e distinta. A mãe de família por excelência.</p><p>Caricata</p><p>Mulher de modos ridículo e caricatural, normalmente associada à figura</p><p>da Velha Grisalha.</p><p>Soubrette ou</p><p>Empregada</p><p>Figura graciosa, é a criadinha normalmente faceira, denominada ainda</p><p>de "midinette" galante</p><p>Corista Mulher que atua nos coros em grupo cantando e/ou dançando.</p><p>Estrela</p><p>A figura feminina de maior destaque na companhia, equivalendo-se ao</p><p>astro na tipologia masculina</p><p>Vedete</p><p>Primeira figura feminina no teatro musicado, sobretudo no gênero</p><p>revista. Seus predicados são a graça e a beleza física associadas ao</p><p>domínio vocal.</p><p>FONTE: Torres (2012, p. 487)</p><p>145</p><p>ODE AO TEATRO MUSICADO NACIONAL EM QUATRO ETAPAS, UM PRÓLOGO E UM</p><p>EPÍLOGO</p><p>Larissa de Oliveira Neve</p><p>[...] O presente artigo não visa ser um estudo de caso, de período, de artistas,</p><p>de peças, de gêneros musicados –visa registrar o que já sabemos, mas que ainda não</p><p>localizamos em nenhum estudo específico –uma demonstração histórica de que “tudo</p><p>começou com a opereta” (e com suas irmãs e primas).</p><p>Prólogo ou: antes do teatro popular musicado, o Brasil se fez em teatralidade</p><p>musicada popular</p><p>O teatro brasileiro é tão ambíguo, confuso e bagunçado5quanto sua própria</p><p>história e cultura. País colonizado, cuja cultura foi formada pela combinação e</p><p>transformação de diversas matrizes culturais, o Brasil tornou-se uma nação onde</p><p>podemos encontrar pessoas com expressões culturais semelhantes vivendo em regiões</p><p>muito distantes (em especial ressalto aqui as festas e folguedos presentes em todos os</p><p>estados brasileiros com especificidades próprias em cada região) e, ao mesmo tempo,</p><p>diferenças notáveis entre os modos de vida de habitantes de diferentes estados.</p><p>A interação (não pacífica) entre europeus, indígenas e africanos durante alguns</p><p>séculos deu origem a uma nova cultura – a brasileira (RIBEIRO, 1995; SCHWARCZ;</p><p>STARLING, 2015). Apesar da violência dessa história, ou por causa dessa violência, as</p><p>pessoas conseguiram criar belas festas populares, danças e músicas, que expressam,</p><p>sim, sua alegria de viver e de estar juntos, mas que também são uma forma de sobreviver</p><p>e de lutar. Sobreviver à dura rotina diária de escravidão, manter sua identidade, lutar</p><p>direta e indiretamente contra opressores.</p><p>As festas e folguedos populares do Brasil são arte, alegria e diversão. Não</p><p>menos importante, são uma de nossas formas mais marcantes de resistência não só</p><p>identitária, mas também política (os folguedos serviam como forma de</p><p>comunicação,</p><p>como ocorre por exemplo no jongo, ou de habilidades de luta, como ocorre na capoeira).</p><p>Essas magníficas manifestações artísticas foram por décadas ou consideradas</p><p>sem importância, ou ignoradas, ou repreendidas por instituições governamentais e</p><p>acadêmicas no país. É válido falar sobre teatro musicado brasileiro a partir deste pano</p><p>de fundo, porque nesses espaços se conformaram danças, músicas, corporeidades,</p><p>linguagens cênicas que viriam a servir de mote para o teatro musicado de palco.</p><p>LEITURA</p><p>COMPLEMENTAR</p><p>146</p><p>Por mais delicado que seja abordar o assunto, o Brasil é um país onde os</p><p>escravizadores e os escravizados encontraram alguns lugares comuns na cultura</p><p>popular: o rancho de reis invade a casa do senhor como vemos na peça Uma véspera</p><p>de reis, de Arthur Azevedo (2002). Esse fato torna difícil explicar nossa cultura e como</p><p>funciona a interação entre as pessoas no país. Em alguns estudos mais antigos, do</p><p>começo do século XX, a violência e o preconceito foram de certa maneira minimizados</p><p>por uma falsa ideia de mistura pacífica de culturas (HOLANDA, 2016; FREYRE, 1973).</p><p>A mistura é real, o aspecto pacífico não o é. A forma ao mesmo tempo, diferenças</p><p>notáveis entre os modos de vida de habitantes de diferentes estados. A interação (não</p><p>pacífica) entre europeus, indígenas e africanos durante alguns séculos deu origem a</p><p>uma nova cultura –a brasileira (RIBEIRO, 1995; SCHWARCZ; STARLING, 2015). Apesar da</p><p>violência dessa história, ou por causa dessa violência, as pessoas conseguiram criar belas</p><p>festas populares, danças e músicas, que expressam, sim, sua alegria de viver e de estar</p><p>juntos, mas que também são uma forma de sobreviver e de lutar. Sobreviver à dura rotina</p><p>diária de escravidão, manter sua identidade, lutar direta e indiretamente contra opressores.</p><p>As festas e folguedos populares do Brasil são arte, alegria e diversão. Não</p><p>menos importante, são uma de nossas formas mais marcantes de resistência não só</p><p>identitária, mas também política (os folguedos serviam como forma de comunicação,</p><p>como ocorre por exemplo no jongo, ou de habilidades de luta, como ocorre na capoeira).</p><p>Essas magníficas manifestações artísticas foram por décadas ou consideradas</p><p>sem importância, ou ignoradas, ou repreendidas por instituições governamentais e</p><p>acadêmicas no país. É válido falar sobre teatro musicado brasileiro a partir deste pano</p><p>de fundo, porque nesses espaços se conformaram danças, músicas, corporeidades,</p><p>linguagens cênicas que viriam a servir de mote para o teatro musicado de palco.</p><p>Por mais delicado que seja abordar o assunto, o Brasil é um país onde os</p><p>escravizadores e os escravizados encontraram alguns lugares comuns na cultura</p><p>popular: o rancho de reis invade a casa do senhor, como vemos na peça Uma véspera</p><p>de reis, de Arthur Azevedo (2002). Esse fato torna difícil explicar nossa cultura e como</p><p>funciona a interação entre as pessoas no país.</p><p>Em alguns estudos mais antigos, do começo do século XX, a violência e o</p><p>preconceito foram de certa maneira minimizados por uma falsa ideia de mistura pacífica</p><p>de culturas (HOLANDA, 2016; FREYRE, 1973). A mistura é real, o aspecto pacífico não o</p><p>é. A forma como o povo brasileiro combate as injustiças de seu país é desafiadora de se</p><p>compreender, mas nem por isso menos assertiva.</p><p>O teatro musicado de palco surgiu baseado em formas europeias que, quando</p><p>apresentadas por companhias de teatro estrangeiras no Rio de Janeiro, ganharam</p><p>grande visibilidade entre a classe artística e literária. Quase imediatamente artistas</p><p>brasileiros perspicazes, sendo vários negros e mestiços, ligados ao popular, à rua, e</p><p>também às casas de espetáculo, que então eram redutos elitistas, modificaram as</p><p>estruturas teatrais estrangeiras ao incluir hábitos, expressões e músicas brasileiras em</p><p>147</p><p>traduções e adaptações que se desenvolveram rapidamente, tornando-se cada vez mais</p><p>recheadas de costumes, palavras, canções, danças populares nacionais, a ponto de, no</p><p>início do século XX, serem formas de arte completamente forjadas nas corporeidades e</p><p>musicalidades daqui, cujas estruturas de cena só poderiam ser encontradas no Brasil.</p><p>Os espetáculos eram baseados no dia a dia da cidade, com cenas que se</p><p>referiam aos problemas das pessoas, seus trabalhos, suas formas de se relacionar etc.</p><p>Eles se calcavam também na música, na dança, na temática, nas formas de expressão</p><p>corporal, nas máscaras que fazem parte das festividades populares mais ou menos</p><p>teatrais comuns em várias regiões do país.</p><p>Esse tipo de teatralidade aconteceu (e ainda acontece) nas ruas, em festas</p><p>religiosas, em praças. Mais recentemente apresentam-se também em espaços mais</p><p>regrados, criados especialmente para as festas, como os sambódromos, bumbódromos</p><p>ou quadrilhódromos. As folias não apresentam apenas tipos específicos de música e</p><p>danças brasileiras, mas algumas delas são formas incrivelmente complexas de teatro</p><p>com personagens, enredos, máscaras e improvisação (a exemplos das festas do boi ou</p><p>dos desfiles de carnaval).</p><p>As festas e folguedos eram os espaços de representação teatral formado e</p><p>apresentado no Brasil colônia. São formas de espetáculos que não ganhavam registros</p><p>escritos. Suas poesias, canções, belos textos eram aprendidos, criados e transmitidos</p><p>oralmente. Os atuantes são chamados de "brincantes", porque brincam, se divertem,</p><p>dançam, atuam num tipo de aquisição de saber e de treinamento muito diferente daquele</p><p>mais comum ao do ator e da atriz de teatro. Os folguedos e brincadeiras sempre usam</p><p>a música para conceber suas estruturas de cena. Alguns são inteiramente musicais,</p><p>alguns alternam momentos de fala ou versos com momentos de canto (ANDRADE, 1982;</p><p>CASCUDO, 2002).</p><p>Não houve interesse por parte de uma elite política portuguesa e brasileira em</p><p>instituir um teatro em estilo europeu no Brasil durante quatro séculos, entre 1500 e 1800;</p><p>ou houve pouquíssimo interesse, por parte dos governantes do país, ou da elite letrada</p><p>brasileira (a maioria sendo súditos do imperador de Portugal) em instigar a formação</p><p>de um teatro em estilo “ocidental” nas terras nacionais. Assim, as poucas companhias</p><p>daqui encenavam peças de origem ibérica e as formas mais vibrantes de encenação</p><p>eram as brincadas nas ruas pelas pessoas escravizadas ou as mais pobres, em torno</p><p>das quais, nos dias de feriado, se reuniam também as elites.</p><p>Quando a corte de Dom João VI se estabeleceu no Rio de Janeiro a partir de</p><p>1808, os primeiros teatros grandes passaram a ser construídos. Após a Proclamação da</p><p>Independência, dramaturgos brasileiros começaram a difundir seus textos e a encená-</p><p>los nestes teatros. Urgia diferenciar o país independente do país colonizador. Alguns dos</p><p>primeiros dramaturgos observaram que o Brasil tinha formas espetaculares de teatro</p><p>sendo realizadas em festas e feiras de rua, por isso as projetaram para produzir o tipo de</p><p>teatro que, desde aquele início, se comunicava com a população brasileira.</p><p>148</p><p>Era um teatro popular, com música, dança, hábitos e expressões do povo pobre</p><p>e/ou negro. Embora todos assistissem e apreciassem como público, essas formas mais</p><p>próximas do imaginário popular nacional tiveram recepção duramente criticada em</p><p>áreas literárias, acadêmicas e jornalística, desde os quase contemporâneos daqueles</p><p>autores – vide textos de José de Alencar (1829-1877) sobre Martins Pena (1815-1843)</p><p>(ALENCAR, 1857); ou textos de Coelho Neto (1864-1934) sobre Arthur Azevedo (1855-</p><p>1908) (NEVES, 2006); – até o final do século XX – vide textos mais antigos de Décio de</p><p>Almeida Prado (1917-2000) (PRADO, 1971). Mesmo hoje em dia legitimar essas formas de</p><p>arte como sendo tão preciosas quanto o que podemos chamar de teatro erudito (isto</p><p>é, aquele que se espelha em modelos literários europeus canônicos e reverenciados)</p><p>constitui uma forma de luta dentro das universidades, por exemplo.</p><p>Embora a música tenha feito parte da dramaturgia brasileira que se inspirava</p><p>nas festas populares desde que os primeiros autores apareceram, como Martins</p><p>Pena</p><p>(Costa-Lima Neto, 2014), foi na segunda metade do século XIX que o teatro musicado</p><p>se tornou uma verdadeira febre no Rio de Janeiro e espalhou-se para outras cidades</p><p>importantes do país</p><p>Primeira etapa: a chegada da opereta francesa</p><p>Ironicamente, os gêneros vieram da França, ou seja, da referência cultural</p><p>erudita europeia para os brasileiros do século XIX. Romantismo, realismo, naturalismo...</p><p>a França regia as formas inovadoras de literatura e de teatro e, no Brasil, os autores mais</p><p>famosos, como José de Alencar e Machado de Assis (1839-1908), buscavam espelhar-</p><p>se em tais formas para produzir suas obras.</p><p>O marco da chegada da opereta, como se sabe, foi a inauguração de um cabaré</p><p>francês chamado Alcazar Lirique, ocorrida em 1859 no Rio de Janeiro. Antes disso, o</p><p>teatro lírico francês fora apresentado no Rio de Janeiro por empresas que excursionavam</p><p>pelas Américas (LEVIN, 2014), mas, quando uma empresa francesa se fixou na cidade, o</p><p>sucesso foi extraordinário.</p><p>Eram apresentados, no Alcazar Lirique, os mais recentes sucessos do teatro</p><p>musicado popular de Paris, especialmente as operetas de Jacques Offenbach (1819-</p><p>1880), com artistas franceses. Operetas eram espetáculos teatrais que alternavam</p><p>diálogos cantados e refrões com partes faladas. Na França eram considerados gêneros</p><p>menores, quando comparados à ópera ou à ópera-cômica – visão que se transplantou</p><p>na sociedade elitizada carioca. A agilidade dos enredos esses dois nomes canônico</p><p>obtiveram, em seus romances, originalidade formal que extrapolou a inspiração vinda</p><p>da França. No teatro buscavam mais a fundo alinhar-se ao ideal civilizatório Europeu,</p><p>tanto em relação às peças que escreviam como aos textos críticos (FARIA, 2001).</p><p>As tramas cômicas das operetas francesas geralmente parodiavam temas</p><p>considerados eruditos e importantes, como a Mitologia Grega ou fatos históricos.</p><p>149</p><p>Foram consideradas à época o que havia de mais irreverente, inusitado e desordeiro</p><p>na sociedade parisiense. Eram peças que, apesar de estrangeiras, carregavam em sua</p><p>estrutura e em seu aspecto turbulento e audacioso uma semelhança instigante com as</p><p>linguagens cênicas nacionais vivenciadas nas festas e folguedos.</p><p>As operetas não tinham uma forma rígida, eram maleáveis para se adaptarem</p><p>ao que agradava ao público; eram fragmentadas; tinham uma vivacidade e uma alegria</p><p>oriundas da música e da comédia que as tornavam uma ferramenta política bastante</p><p>importante. Em tais aspectos, o gênero estava próximo ao que as teatralidades de</p><p>rua nacionais, forjadas naqueles quatro séculos de luta por liberdade das classes</p><p>escravizadas ou menos favorecidas apresentavam.</p><p>Não foi à toa, portanto, que as operetas praticamente varreram as outras formas</p><p>europeias de teatro do interesse da população brasileira – quando chegaram não houve</p><p>mais espaço ou interesse dentre o público para assistir a peças sérias, “elevadas”,</p><p>realistas: o que interessou ao brasileiro, seja o pobre, seja o rico, foi a força de ruptura</p><p>e a vivacidade artística daquele gênero musical. As operetas apresentavam muita</p><p>subversão, sendo censuradas, perseguidas e criticadas intensamente no Brasil e na</p><p>França. Nesse aspecto, também lidavam com o permitido e o proibido como acontecia</p><p>com as teatralidades afro-brasileiras.</p><p>Alguns dos maiores sucessos no Brasil (e na França) foram Orfeu no Inferno e</p><p>A bela Helena, ambas com dramaturgia de Ludovic Halévy, Hector Crémieux, música</p><p>de Jaques Offenbach; e A filha de Madame Angot, com dramaturgia de Clairville,</p><p>Victor Koning, Paul Siraudin, música de Charles Lecocq. O número de peças francesas</p><p>apresentadas, porém, passou de 140 (MACIEL; RABETTI, 2010). Orfeu no Inferno</p><p>estreou em 1865 no Alcazar Lirique e se tornou um sucesso extraordinário, com 500</p><p>apresentações consecutivas. O texto foi quase imediatamente publicado no Brasil</p><p>também (LEVIN, 2014).</p><p>O público do Alcazar era formado por pessoas de classe média à alta. Apesar</p><p>das restrições literárias feitas ao gênero da opereta, que eram pontuadas em notícias</p><p>de jornais, havia o lado chique e esnobe de se assistir em francês às mais recentes</p><p>novidades do teatro musicado de Paris. Mas, para além desse lado elitista, o fato é que</p><p>as operetas, com seu caráter de desordem, de rebaixamento, e sua abertura para o</p><p>hibridismo, incluindo a subversão de temas considerados altos e graves, combinavam</p><p>com a sociedade brasileira e todas as suas peculiaridades. Não causa surpresa, portanto,</p><p>quando olhamos para trás, que um gênero de teatro e de música considerado menor na</p><p>França, mas com tal potencial para transmitir alegria e para produzir críticas ao mesmo</p><p>tempo, agradaria tanto ao povo brasileiros.</p><p>150</p><p>Segunda etapa: as adaptações brasileiras</p><p>Essa notável repercussão fez com que um ator e dramaturgo brasileiro percebesse</p><p>que o sucesso das operetas poderia ser trazido para mais perto de todos os habitantes</p><p>caso se comunicasse com a cultura popular, na língua brasileira, não sendo apresentado</p><p>apenas como espetáculo estrangeiro, por artistas franceses. O artista que teve essa ideia</p><p>foi Francisco Correia Vasques (1829-1892). Vasques, comediante que havia trabalhado</p><p>nas mais importantes companhias de teatro brasileiras, com uma perspicácia só possível</p><p>a uma pessoa que transitava entre o popular e o erudito, notou o grande potencial que</p><p>as operetas francesas teriam se fossem abrasileiradas, ou seja, se fossem transformadas</p><p>em peças que projetavam as formas de teatro de rua, com uso de música brasileira. Ele</p><p>percebeu, provavelmente não a partir de uma análise, mas sim a partir de seu saber</p><p>como ator cômico, que a estrutura da opereta facilitava o aproveitamento de hábitos e</p><p>linguagens cênicas de folia da população em sua estrutura dramática.</p><p>Vasques, que agregava em sua prática de atuação as linguagens teatralizadas</p><p>da cultura nacional, notou a proximidade dessas formas de artes cênicas com aquele</p><p>gênero francês que estava encantando e polemizando junto às elites da cidade.</p><p>Apreendeu que toda a loucura e desordem de um gênero quase renegado pela cultura</p><p>erudita e sublime francesa, colocado em um lugar marginal em seu país de origem e</p><p>no Rio de Janeiro, estava em sintonia com a cultura brasileira de uma maneira intensa.</p><p>Então, ele decidiu adaptar a bem-sucedida opereta Orfeu no Inferno aos hábitos</p><p>brasileiros. Sua peça se chamou Orfeu na roça, estreou na recém fundada companhia</p><p>Fênix Dramática em 1868 (PRADO, 1999), e mudou, para sempre, a forma brasileira de</p><p>se fazer teatro de palco.</p><p>A empresa Fênix Dramática, de Jacinto Heller (1834-1909), tornou-se um</p><p>importante espaço de divulgação das peças musicadas até o final do século XIX. É</p><p>interessante constatar que essa companhia se insere no lugar da empresa Ginásio</p><p>Dramático, onde eram encenadas as sérias peças realistas (FERREIRA, 2016).</p><p>O advento dessa companhia, com atores egressos do Ginásio, é quase um</p><p>paradigma da transformação geral que se iniciava naquele momento –nada mais</p><p>de dramas ou comédias “para sorrir”, as empresas passaram a encenar comédias</p><p>escrachadas, com muita música, alegria, diversão – decadência total, na visão daqueles</p><p>literatos; não na nossa, é claro. Para nós, começava, aí, um teatro de palco que de fato</p><p>dialogava com as realidades e a cultura nacional.</p><p>O nome mais conhecido deste período foi o de Arthur Azevedo. Chegando de</p><p>São Luiz do Maranhão, onde nascera, ao Rio de Janeiro, em 1873, com 18 anos de idade,</p><p>Azevedo encantou-se com o teatro musicado e, também, como Vasques, percebeu que</p><p>este era o caminho de um teatro nacional que dialogava com a população de maneira</p><p>firme e intensa. Aliás, ele chegou ao Rio de Janeiro já com uma peça de sucesso que</p><p>151</p><p>alternava momentos falados com momentos cantados, a graciosa e popularíssima</p><p>Amor por anexins, de 1870. Em 1876, adaptou para os costumes nacionais dois grandes</p><p>sucessos do Alcazar: La fille de Madame Angot, que ganhou o título de A filha de Maria</p><p>Angu e La belle Hélène, com título de Abel, Helena. Ambas foram</p><p>encenadas por Jacinto</p><p>Heller. [...]</p><p>FONTE: NEVES, L de o. Ode ao teatro musicado nacional em quatro etapas, um prólogo e um epílogo.</p><p>Urdimento – Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 41, p. 1-25, set. 2021.</p><p>Disponível em: <https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/20378/13396>. Acesso</p><p>em: 21 nov. 2021.</p><p>152</p><p>RESUMO DO TÓPICO 3</p><p>Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:</p><p>• A profissionalização no teatro trata do desenvolvimento de atributos, competências</p><p>e habilidades necessárias para o exercício das variadas atividades relacionadas a</p><p>produção de espetáculos teatrais, de dança, música ou teatro musicado.</p><p>• Em uma época marcada pela presença da comédia de costumes, pelo teatro</p><p>de revista, as operetas e as propostas ligadas ao teatro musicado, as habilidades</p><p>necessitavam ser múltiplas.</p><p>• O movimento modernista promoveu experimentações no campo da arte, porém o</p><p>teatro estafa conectado com o objetivo de aperfeiçoar os moldes de sucesso.</p><p>• O teatro aprofundou os recursos dramáticos que eram comumente usados nas</p><p>produções. Ironia, deboche, tipos sociais e os costumes passaram por renovações,</p><p>mas sem modificar os procedimentos. Os diálogos fluentes, habilidade de dança,</p><p>canto e atuação eram habilidades básicas.</p><p>• O gênero cômico frequentemente era alvo de críticas por parte de críticos de arte. As</p><p>críticas apontavam o teatro da época como superficial, excessivamente voltado para</p><p>o riso fácil, de apelo popular e objetivava agradar certo público cativo.</p><p>• As inovações de Adolphe Appia, em 1895 reverberaram na cena teatral somente</p><p>algumas décadas depois, em terras europeias. Em terras brasileiras as inovações</p><p>também chegaram somente décadas depois.</p><p>• O teatro profissional das décadas de 1920 até 1950 foram décadas de grande prestígio</p><p>nos palcos brasileiros que revelaram grandes astros e estrelas de teatro.</p><p>• Astros e estrelas ocupavam lugar de destaque com destaque para as figuras</p><p>masculinas e as figuras femininas ficavam em segundo plano e até como símbolos</p><p>sexuais.</p><p>• O teatro contemporâneo questionou os modos de criar teatro, questionamentos em</p><p>torno das estruturas dramatúrgicas e implementar modos múltiplos de criar, acessar</p><p>e apreciar teatro. A figura do diretor é ressignificada para dar espaço a uma proposta</p><p>de trabalho criativo desenvolvido democraticamente ou de modo coletivo.</p><p>153</p><p>1 Duas palavras eram importantes para pensar a profissionalização de artista da cena.</p><p>Uma constituição de atores e atrizes que reunissem habilidades múltiplas, com</p><p>capacidade de atuar, dançar, cantar e com capacidade para atuar em comédias e</p><p>dramas com versatilidade. Há uma certa subordinação a toda essa iluminação atribuída</p><p>a um profissional da cena. Sobre as definições, assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) As palavras que o texto menciona são Astro e Estrela, que são utilizadas para</p><p>definir a posição de destaque dos grandes atores e atrizes do teatro desse período.</p><p>b) ( ) As palavras são cinema e história da arte que definiram os processos de criação</p><p>teatral e de busca por novos modos de criar arte.</p><p>c) ( ) As palavras são cenário e figurinos utilizados em montagens de produções</p><p>cinematográficas que surgiram com força nesse período.</p><p>d) ( ) As palavras são controle e composição que definiram a cena modernista. O</p><p>controle da produção de cenas era uma atitude necessária.</p><p>2 Quando pensamos na ideia de astro ou estrela o que pode vir a mente é um elemento</p><p>que possui luz própria que pode ser o centro de um sistema interconectado. Neste</p><p>sentido, esses termos eram utilizados para definir a posição de alguns atores e atrizes</p><p>de destaque. Com base nestes pressupostos, analise as sentenças a seguir:</p><p>I- Um artista da cena busca relacionar-se com seu público de maneira a cativar</p><p>popularidade e influenciar gostos.</p><p>II- Um astro poderia ser associado ao elemento Sol, no sistema solar, anuncia</p><p>metaforicamente que o ator ou atriz carrega em sua aura o segredo mágico da</p><p>atuação e da cena.</p><p>III- A responsabilidade e personalidade estaria na habilidade de comunicação com seu</p><p>público, de modo que deveria deter importantes elementos geradores de influência.</p><p>Assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.</p><p>b) ( ) Somente a sentença II está correta.</p><p>c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.</p><p>d) ( ) Somente a sentença III está correta.</p><p>3 A comédia de costumes no Brasil buscava atender a um modelo específico para</p><p>sustentar seus objetivos. De acordo com os objetivos da comédia de costumes,</p><p>analise as sentenças a seguir e classifique V para as sentenças verdadeiras e F para</p><p>as falsas:</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>154</p><p>( ) A comédia de costumes buscava atingir o objetivo de provocar o riso, agradar de</p><p>agradar, quanto ao ato de corrigir, através da exposição ao ridículo, diferentes</p><p>desvios de conduta.</p><p>( ) A comédia de costumes era baseada em textos que surgiam com cenas</p><p>improvisadas e de propostas inovadoras de criação como a performance.</p><p>( ) A comédia de costumes buscava nos elementos da dança inspiração para criação</p><p>de cenas e tornar os espetáculos atrativos para todos os públicos.</p><p>Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:</p><p>a) ( ) V – V – F.</p><p>b) ( ) V – F – F.</p><p>c) ( ) F – V – F.</p><p>d) ( ) F – F – V.</p><p>4 Diante das frequentes caricaturas racistas ao pintarem atores brancos de preto</p><p>para representar personagens negros, a Companhia Negra de Revistas representou</p><p>importante passo para repensar as questões racistas que a estrutura social e cultural</p><p>apresentava. Disserte sobre esta importante companhia teatral, seus feitos e tempo</p><p>de atuação no cenário teatral brasileiro.</p><p>5 O teatro contemporâneo do pós-modernismo, passava por discussões em torno das</p><p>funções de diretor, dos atores e seus processos de criação. As atenções voltaram-</p><p>se para o trabalho do ator e o corpo tornou-se elemento importante para pensar</p><p>a criação teatral. Neste contexto, disserte sobre as modificações citadas sobre a</p><p>transição para a contemporaneidade.</p><p>155</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ANDRADE, O. de. O manifesto antropófago. In: TELES, G. M. Vanguarda</p><p>europeia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais</p><p>manifestos vanguardistas. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1976. Disponível em: https://</p><p>www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf. Acesso em: 16 mar. 2022.</p><p>BRAGA, C. Retomada da comédia de costumes. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.</p><p>História do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da</p><p>primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p.</p><p>403-416.</p><p>BRANDÃO, T. Os grandes astros. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do</p><p>teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da primeira</p><p>metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 455-478.</p><p>COSTA, M. M. da. Uma dramaturgia eclética. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.</p><p>História do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da</p><p>primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p.</p><p>335-357.</p><p>GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.; LIMA, M. A. de L. Dicionário do teatro brasileiro:</p><p>temas, formas e conceitos. São Paulo: Perspectiva; SESCSP, 2006.</p><p>NEVES, L. de Oliveira. Ode ao teatro musicado nacional em quatro etapas, um</p><p>prólogo e um epílogo. Urdimento – Revista de Estudos em Artes Cênicas,</p><p>Florianópolis, v. 2, n. 41, p. 1-25, set. 2021.</p><p>PAVIS, P. Dicionário de teatro. Trad. sob direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia</p><p>Pereira. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.</p><p>REIS, A. MARQUES, D. A permanência do teatro cómico e musicado. In:</p><p>GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do teatro brasileiro, volume I: das origens</p><p>ao teatro profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva:</p><p>Edições SESCSP, 2012. p. 321-334.</p><p>TORRES, W. L. T. Os ensaiadores e as encenações. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.</p><p>História do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da</p><p>primeira metade do</p><p>século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p.</p><p>479-496.</p><p>TORRES, W. L. T.; VIEIRA, F. J. Artistas e companhias dramáticas estrangeiras no</p><p>Brasil. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do teatro brasileiro, volume I:</p><p>das origens ao teatro profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo:</p><p>Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 388-402.</p><p>156</p><p>VENEZIANO, N. O teatro de revista. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História</p><p>do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da primeira</p><p>metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 436-454.</p><p>WERNECK, M. H. A dramaturgia. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do</p><p>teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da primeira</p><p>metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 417-435.</p><p>157</p><p>O TEATRO CONTEMPORÂNEO</p><p>BRASILEIRO</p><p>UNIDADE 3 —</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>PLANO DE ESTUDOS</p><p>A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:</p><p>• compreender as características do teatro contemporâneo brasileiro;</p><p>• reconhecer elementos e práticas da cena contemporânea;</p><p>• identifi car grupos e propostas do teatro brasileiro contemporâneo;</p><p>• refl etir as práticas de atuação e formação dos profi ssionais da cena.</p><p>Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará</p><p>autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.</p><p>TÓPICO 1 – TEATRO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS</p><p>TÓPICO 2 – TEATRO EXPERIMENTAL</p><p>TÓPICO 3 – TEATRO E A EDUCAÇÃO</p><p>Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure</p><p>um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.</p><p>CHAMADA</p><p>158</p><p>CONFIRA</p><p>A TRILHA DA</p><p>UNIDADE 3!</p><p>Acesse o</p><p>QR Code abaixo:</p><p>159</p><p>TÓPICO 1 —</p><p>TEATRO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS</p><p>UNIDADE 3</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>O Teatro, como arte da cena, do encontro e do ato de contar histórias, pressupõe</p><p>presenças de corpos e narrativas, que podem ser classificadas como comédias, musicais,</p><p>dramas entre outras propostas de encenação. Isso por seu caráter de encontro, de ritual</p><p>da arte, de possibilidade para o exercício de papéis, sejam sociais ou ficcionais. Este fato</p><p>ocorre na possibilidade de estar na posição de espectador ou de profissional da cena.</p><p>O ato de criar espetáculos teatrais move estruturas estéticas, políticas e éticas.</p><p>O teatro pressupõe engajamento de um coletivo de artistas objetivado a produção de</p><p>obras de arte teatrais, para que possam ser apreciadas por um público. Nesse sentido, o</p><p>teatro pressupõe a presença de atores que sustentam ações dramáticas para apresentar</p><p>determinada história.</p><p>Os contextos sociais do período pós-guerra exigiam manifestações artísticas</p><p>que expressassem os anseios de outros modos de vida em coletividade e que o encontro</p><p>pudesse ser potencializado, humanizado e assim intensificar corpos em relação. As</p><p>pesquisas em arte da cena avançaram; e teorias ou práticas em torno do teatro avançaram</p><p>para territórios da construção, resultando as novas possibilidades artísticas. Assim, surgiram</p><p>novas propostas de recepção, ou seja, tornou-se possível estabelecer outras relações entre</p><p>a cena e o espectador, entre atores e plateia, entre artistas da cena e sociedade.</p><p>Na perspectiva do encontro, os artistas da cena não mais representam: eles</p><p>apresentam-se, expõem a ação dramática, criando outros conceitos para a atuação,</p><p>bem como outras práticas. Nasce um teatro do corpo, de um gesto conectado com o</p><p>observador, de uma cena que nasce da relação entre obra e público. A noção de ator</p><p>performer traz para a cena um corpo que está fundamentado na própria estrutura</p><p>sensível e não apenas nos textos dramatúrgicos. Nesse contexto, a Unidade 1 trouxe</p><p>um teatro conectado com mobilizações sociais e o desenvolvimento de propostas que</p><p>buscam pensar a arte e sociedade, seus papéis e modos de organização.</p><p>Tendo como essencial, para que a arte dramática ocorra, o encontro que revela</p><p>a obra para o espectador passou por modificações significativas. Pesquisadores como</p><p>Augusto Boal (1931-2009) surgem com força para propor um teatro que repense as relações</p><p>sociais em ações dramatizadas que tentavam diluir os limites entre obra e espectador,</p><p>entre atores e a plateia, entre a cena e o olhar do observador. Assim, seguiremos os estudos</p><p>pensando em propostas de pesquisa teatral que nasceram em grupos teatrais brasileiros.</p><p>160</p><p>2 TEATRO, EXPERIMENTAÇÕES E PESQUISA TEATRAL</p><p>Com o intenso desenvolvimento do teatro musicado, das comédias e do</p><p>entretenimento, surgiram movimentos que buscavam estabelecer novas propostas na</p><p>criação de arte teatral ou de propor uma cena voltada para princípios da arte vanguardista.</p><p>Em 1953, na cidade de São Paulo, foi fundado por José Renato Pécora (1926-2011), na</p><p>época, diretor teatral recém-formado pela EAD (Escola de Arte Dramática), o Teatro de</p><p>Arena. A proposta era inspirada em modelos norte-americanos com uma estrutura de</p><p>palco sem proscênio, circular e com área de encenação que poderia ser vista por todos</p><p>os lados. Esse modelo assemelhava-se a uma arena e poderia ser adaptado conforme</p><p>as necessidades da encenação.</p><p>O que facilitava o uso dessa proposta era a versatilidade do espaço e a economia</p><p>em criar espetáculos. Outro fator era modernizar o ato de apreciar teatro estando frente</p><p>a frente com a plateia e os modos de criar espetáculos que necessitariam uma estética</p><p>que consideraria espectadores por todos os lados. Essa nova estética da encenação</p><p>brasileira propunha um teatro que acentuava a conexão entre espectador e a obra.</p><p>O Teatro de Arena, provisoriamente sediado no Museu de Arte Moderna, mudou-</p><p>se posteriormente para o endereço que permaneceu definitivamente no bairro da</p><p>Consolação, nas proximidades do cetro de São Paulo (BETTI, 2013a).</p><p>FIGURA 1 – FACHADA DO TEATRO DE ARENA QUE EXISTE AINDA A ATUALIDADE</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3thSW6W>. Acesso em: 11 jan. 2022.</p><p>O Teatro de Arena passou a produzir espetáculos que pudessem ao mesmo</p><p>tempo ter baixo custo de montagem e que pudessem ter sucesso comercial. O desejo</p><p>de encenar textos brasileiros estava presente nas intenções do Teatro de Arena,</p><p>porém esse feito veio com a montagem Judas em Sábado de Aleluia, de Martins</p><p>Pena. A implementação da alternância de produções nacionais e internacionais trouxe</p><p>para o panorama do teatro brasileiro certa versatilidade e apelo para a valorização de</p><p>produtos nacionais. As produções teatrais passaram a circular por espaços até então</p><p>161</p><p>pouco frequentados, como fábricas, clubes, escolas e locais onde a produção pudesse</p><p>ser exibida. Esse feito rompeu com a tradição de exibir espetáculos em espaços</p><p>convencionais e ampliava consideravelmente o acesso ao trabalho artístico do grupo</p><p>em questão, fazendo assim que as peças pudessem estar diretamente em contato com</p><p>diferentes públicos (BETTI, 2013a).</p><p>FIGURA 2 – PALCO DO TEATRO DE ARENA</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3KNYUCb>. Acesso em: 11 jan. 2022.</p><p>Quando o grupo passou a ter uma sede definitiva, a circulação dos espetáculos</p><p>foi menor e outras ações puderam ser implementadas para o acesso e apreciação de</p><p>arte teatral. “Apesar disso, a ideia de atingir públicos de outras classes sociais havia sido</p><p>uma das necessidades sentidas desde o início, e não desapareceria da pauta interna</p><p>de discussões do Arena, mesmo porque o grupo ainda estava longe de chegar a uma</p><p>posição clara a respeito" (BETTI, 2013a, p. 176). A companhia passa a ter popularidade e</p><p>integrantes do Teatro Paulista do Estudante (TPE), em 1955, passam a fazer parte das</p><p>produções do Teatro de Arena e esse fato influencia diretamente na instauração de</p><p>posicionamentos políticos o que passa a parecer em suas produções teatrais. Esse fato</p><p>altera radicalmente a linha de produção do Teatro de Arena intensificando a busca por</p><p>uma discussão ligada a questões políticas.</p><p>O TPE foi importante para a instauração de uma proposta teatral engajada</p><p>com questões coletivas e sociais. Conhecer o TPE é tomar conhecimento das</p><p>ações</p><p>de militância estudantil conectadas por meio do Teatro. Em 1955, foi fundado o TPE</p><p>conectado com a militância estudantil e com o Partido Comunista Brasileiro. Os</p><p>estudantes estavam conectados com a União da Juventude Comunista. Quem estava</p><p>à frente do TPE era por Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha (1936-1974), Vera Gertel,</p><p>Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), Diorandy Vianna, Raymundo Duprat e Pedro Paulo</p><p>162</p><p>Uzeda Moreira. O TPE possuía como objetivo uma ação cultural que utilizasse o teatro</p><p>como meio para provocar discussões ideológicas não pensando em profissionalização</p><p>de seus artistas (BETTI, 2013a)</p><p>FIGURA 3 – RETRATO DE ODUVALDO VIANNA FILHO, O VIANINHA</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3wcthy9>. Acesso em: 11 jan. 2022.</p><p>O crescimento dos movimentos estudantis, como a União Metropolitana</p><p>de Estudantes Secundários e a União da Juventude Comunista a participação de</p><p>integrantes destes movimentos em produções culturais passou a intensificar-se. Desta</p><p>maneira, consolida-se a potência da arte teatral para a luta de melhores condições</p><p>sociais ou pautas conectadas com questões de interesse coletivo. Com a intensificação</p><p>das produções teatrais e as parcerias que o Teatro de Arena buscou firmar, os atores</p><p>perceberam a necessidade de buscar profissionalização para que suas produções</p><p>pudessem alcançar certa qualidade profissional (BETTI, 2013a).</p><p>O texto teatral ainda era considerado como prioridade e apelos emocionais eram</p><p>recursos para estabelecer maior conexão com o espectador. Esse recurso conectado</p><p>com ações precisas de abordar temas pertinentes as discussões coletivas levariam a</p><p>organização de setores da cultura engajarem-se no movimento de modo que em 1960</p><p>organizou-se o Centro Popular de Cultura, o CPC. As transformações nas práticas</p><p>teatrais não foram instantâneas pois resultaram de parcerias, discussões e intensas</p><p>pesquisas de um teatro voltado para discutir questões de ordem social.</p><p>A própria organização do Teatro de Arena era uma espécie de trabalho coletivo</p><p>em que as tarefas eras realizadas de maneira democrática. Este aspecto pode ter</p><p>definido novas propostas de busca por modos de organizar, implementar e gerenciar as</p><p>atividades de um grupo teatral. Os processos de criação e concepção dos espetáculos</p><p>passavam por abordagens inovadoras. Estética da cena modificava-se na medida que os</p><p>encenadores ousavam experimentar possibilidades a parceria com grupos conectados a</p><p>militância promoveu abordagens estéticas diferenciadas na medida que as montagens,</p><p>mesmo de textos estrangeiros, apresentavam variações que traduziam os anseios do</p><p>Teatro de Arena (BETTI, 2013a).</p><p>163</p><p>A peça “Margem da Vida, escrita por Tennessee Williams em 1944 e apresentada</p><p>no Teatro Municipal de São Paulo, em 1947, pelo Grupo Experimental de Teatro, com</p><p>direção de Alfredo Mesquita, teve, no Arena, soluções bastante diferentes” (BETTI, 2013a,</p><p>p. 177, grifo nosso). Isso significa que o Teatro de Arena, além de ser um grupo com uma</p><p>proposta teatral inovadora, permitia que outras montagens pudessem ser exibidas em</p><p>seus espaços. A modificação de destaque na montagem mencionada, foi de que vários</p><p>espaços de cenas foram condensados em único espaço.</p><p>FIGURA 4 – REGISTRO DO ESPETÁCULO ELES NÃO USAM BLACK-TIE, 1958</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3tbLPN7>. Acesso em: 13 dez. 2021.</p><p>O Teatro de Arena estabeleceu certa liberdade tanto para o encenador no que</p><p>se refere a adaptações textuais quanto para o espaço de cena. Outro espetáculo que</p><p>recebeu adaptações foi Escola de Maridos de Molière, exibida em 1955. O espetáculo</p><p>apresentava inovações quanto aos modos de conceber as marcações dos atores</p><p>e interações. Esse espetáculo apresentava recursos como uma marcação de cena</p><p>inspirada em jogo de amarelinha, com todos os atores do elenco no palco em todo o</p><p>espetáculo e participação dos figurantes com falas que interligavam as cenas.</p><p>Outra importante produção do Teatro de Arena que marcou o cenário do novo</p><p>teatro brasileiro da época foi o espetáculo Eles Não Usam Black-Tie, encenado no ano de</p><p>1958. Essa proposta buscava apresentar um universo familiar afetado por movimentos</p><p>revolucionários.</p><p>Com texto de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), direção de José Renato</p><p>e trilha sonora de Adoniram Barbosa e Guerra-Peixe, o espetáculo insere o Teatro de</p><p>Arena no circuito de novas dramaturgias e o destaque e Gianfrancesco Guarnieri serviu</p><p>e inspiração para outros jovens dramaturgos brasileiros. O espetáculo apresentava a</p><p>realidade precária de uma família em que o jovem Tião, representado por Gianfrancesco</p><p>Guarnieri – nesta produção foi autor e ator – descobre que sua namorada está grávida</p><p>e marcam o casamento em meio a turbulências sociais. O pai de Tião, como um líder</p><p>sindical de atuação considerável, participa do movimento revolucionário e acaba preso.</p><p>164</p><p>Tião resolve desistir da greve e responsabiliza a precária situação da família a atitude</p><p>militante de seu pai. O desfecho é dramático, pois Tião entra em conflito com toda a</p><p>família e acaba abandonado pela companheira (BETTI, 2013a).</p><p>FIGURA 5 – RETRATO DO ATOR GIANFRANCESCO GUARNIERI</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3IhUxxM>. Acesso em: 11 jan. 2022.</p><p>Este espetáculo foi transposto para o cinema em anos posteriores (1981),</p><p>com atuação de Gianfrancesco Guarnieri e Fernanda Montenegro, plantou algumas</p><p>sementes de luta popular que, tempos depois, Oduvaldo Vianna Filho viria a comandar</p><p>um movimento cultural para a politização e discussões de melhores condições sociais.</p><p>O Teatro de Arena produziu ainda espetáculos como: Chapetuba Futebol Clube, de</p><p>Oduvaldo Vianna Filho; Quarto de Empregada, de Roberto Freire (1927-2008); Fogo Frio,</p><p>de Benedito Ruy Barbosa.</p><p>Algumas iniciativas da época mesmo no Teatro de Arena buscavam inovar</p><p>e trazer para a cena propostas de montagens cênicas que rompessem com padrões</p><p>hegemônicos. Esse fato foi importante para que outros grupos pudessem buscar</p><p>pesquisar novos modos de encenações e de concepções de espetáculos. Esse fato</p><p>ocorreu com a contínua produção de espetáculos, mesmo parecendo que o Teatro de</p><p>Arena experimentasse uma proposta que o isolava do teatro que estava em alta na</p><p>época. Depois de algum tempo inovações no campo da produção de teatro passou a ser</p><p>uma prática constante e com potência para concretizar essas inovações como propostas</p><p>estéticas que germinaram as propostas do teatro contemporâneo (BETTI, 2013a)</p><p>Adiante, seguiremos com práticas coletivas que buscavam intensificar a</p><p>politização dos movimentos teatrais.</p><p>165</p><p>3 RESISTÊNCIA E POLITIZAÇÃO POR MEIO DO TEATRO</p><p>Uma proposta de que buscava implementar um teatro voltado para ações</p><p>consideradas revolucionárias foi a criação do Centro Popular de Cultura (CPC), em 1962,</p><p>na cidade do Rio de Janeiro. Um grupo de intelectuais ligados a ideologias de esquerda</p><p>e associados com a União Nacional dos Estudantes UNE, criaram o CPC com intenções</p><p>de divulgar uma arte que pudesse ser popular e ao mesmo tempo revolucionária.</p><p>Esse grupo foi importante para propor a criação de espetáculos teatrais que fossem</p><p>preocupados com ideologias políticas progressistas e inovadoras (BETTI, 2013a).</p><p>O CPC era composto por intelectuais como Oduvaldo Viana Filho, pelo cineasta</p><p>Leon Hirszman e pelo sociólogo Carlos Estevam Martins. Por meio de um manifesto, em</p><p>1962, divulgaram os objetivos da criação do CPC e implementaram a montagem de um</p><p>espetáculo cujo texto havia sido escrito por Oduvaldo Viana Filho, em 1960, ao se afastar</p><p>do Teatro de Arena de São Paulo. O título desse texto era A Mais-Valia Vai Acabar, seu</p><p>Edgar. O texto propunha inovações, como a inserção radical de um apelo épico, aquele</p><p>que descarta forte apelo ao emocional ou a identificações emocionais, para conectar-se</p><p>ao espetáculo por meio de situações que simulam um contexto social real.</p><p>FIGURA 6 – CENA DO ESPETÁCULO A MAIS-VALIA VAI ACABAR, SEU EDGAR, 1960 ACERVO CEDOC/FUNARTE</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3KJ2e1m>. Acesso em: 11 jan. 2022.</p><p>Esse modo de criar teatro buscava provocar o</p><p>espectador a sair da zona</p><p>confortável de observador e assumisse uma posição ativa, agente transformador de</p><p>realidades e capaz de construir uma visão crítica em torno do mundo e dos valores</p><p>sociais. No texto mencionado, encenado pelo CPC, tanto a dramaturgia quanto a</p><p>concepção das cenas contavam com recursos como personagens que representavam</p><p>classes sociais e o andamento do espetáculo provocava discussões em torno do sistema</p><p>capitalista, acúmulo de riquezas e da exploração da mão de obra dos trabalhadores.</p><p>Essa abordagem permitia que as cenas apresentadas tivessem o foco central na</p><p>discussão dos motivos que originavam a desigualdade social, a miséria e as estruturas</p><p>que tornavam os problemas sociais uma realidade doentia ou crônica.</p><p>166</p><p>Os recursos utilizados eram considerados radicais e antidramáticos como</p><p>“[...] projeções de slides, cartazes, canções, efeitos de desnaturalização interpretativa</p><p>e cenográfica, humor e técnicas circenses e de teatro de revista), a peça procurava</p><p>superar as contradições detectadas por Vianna no trabalho dramatúrgico produzido</p><p>dentro do Arena” [...] (BETTI, 2013a, p. 185).</p><p>Nesse sentido, o teatro de Brecht influenciou amplamente as abordagens que</p><p>questionava as estruturas sociais e propunha o rompimento da dita quarta parede,</p><p>prática em encenação que considerava o espectador como encenador passivo, sem</p><p>poder interagir, como alguém observando uma pintura em movimento.</p><p>O teatro Épico de Brecht traz para a cena técnicas que estão na dimensão do</p><p>trabalho do ator para causar certo desconforto no espectador. O termo épico está ligado</p><p>aos moldes clássicos em que os textos dramatúrgicos eram divididos em prólogo, texto</p><p>dramatúrgico e epilogo. O drama estava submetido aos atores e seus textos e as demais</p><p>partes executadas pelo ator-narrador, pelo coro ou somente por um narrador Brecht</p><p>traz esse recurso para fazer com que o espectador perceba certo estranhamento, de</p><p>modo que não configura uma distância, mas um modo de mobilizar os espectadores</p><p>a refletirem em torno de condições sociais, ideologias coletivas ou outras questões</p><p>relacionadas a estrutura socioeconômica. Para isso, o ator pode interromper a atuação</p><p>para se comunicar com o público (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).</p><p>O espetáculo teve a direção de Chico de Assis (1933-2015), que buscava instaurar</p><p>um teatro político no Brasil baseado na compreensão das estruturas de exploração pelo</p><p>capitalismo e como superar essa condição. Os ensaios desse trabalho eram realizados</p><p>na Arena da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro e</p><p>permitia que espectadores pudessem acompanhar o processo. Esse processo reuniu</p><p>interessados de diferentes áreas da arte e da academia endossando um movimento de</p><p>politização por meio da cultura e da arte (BETTI, 2013a).</p><p>Esse espetáculo foi um marco nos modos de criar artes cênicas de modo que</p><p>propunha rompimentos com as formas hegemônicas do drama que era produzido nos</p><p>palcos da época em que predominavam conflitos de ordem doméstica e de temas de</p><p>ordem individual. Essa abordagem modificada o foco das produções do micro, para o</p><p>macro, do individual para o coletivo. Para esse enorme feito que anunciava um teatro</p><p>que pudesse romper com modos predominantes com objetivos voltados para a geração</p><p>de proventos financeiros, Vianinha investiu em novas produções, considerando o</p><p>sucesso da produção mencionada.</p><p>A produção seguinte de Vianinha, chamava-se Desgraçado. Essa produção</p><p>reunia humor radiofônico e sátira política para contar a história de um trabalhador que</p><p>investigava as origens dos lucros, as causas de tanta miséria na busca por desvendar</p><p>como ocorria todas as bases de exploração do trabalho e manutenção das relações</p><p>capitalistas. Esse personagem estabelecia uma análise em cena de como ocorriam as</p><p>167</p><p>relações de exploração da força de trabalho e que o produto produzido pelo trabalhador</p><p>possuía alto valor. Essa abordagem estava alicerçada em pressupostos conectados</p><p>com teorias marxistas (BETTI, 2013a).</p><p>Com a repercussão desse feito, Vianinha contatou órgãos nacionais instaurados</p><p>para discutir os projetos de desenvolvimento econômico do Brasil implementados pelo</p><p>presidente Café Filho. O ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) objetivava pensar</p><p>a identidade nacional de um povo considerado sujeito político, ou seja, considerado</p><p>agente histórico e político.</p><p>O autor ligado ao PCB, um partido político, buscava extrapolar certo isolamento</p><p>em que suas produções estavam destinadas e buscar disseminar os ideais que</p><p>defendiam um nacionalismo, democracia e modos de desenvolver uma revolução social</p><p>provocada pela cultura e arte.</p><p>As conexões com o PCB deram suporte para que o autor citado aqui e os</p><p>demais artistas da cena pudessem formular propostas artísticas baseadas em conceitos</p><p>originados das vertentes marxistas, comunistas e que propunham reformular as relações</p><p>sociais. Essa intensa ligação com ideais políticos constituiu o CPC como um projeto que</p><p>fomentou ideias conectadas com sentidos nacionais e populares que também eram</p><p>propósitos de partidos da esquerda.</p><p>Esse projeto agrupava diversos profissionais de diferentes áreas o que produzia uma</p><p>dinâmica flexível nos procedimentos de criação de teatro. Nesse sentido, os profissionais</p><p>que integravam o CPC, também eram membros do PCB o que pode explicar as afinidades</p><p>entre as pautas adotadas por ambas as instituições. As estratégias de luta de uma esfera</p><p>eram também desenvolvidas, por meio do teatro, em outra esfera (BETTI, 2013a).</p><p>Abordar discussões sobre as lutas de classes e seus mecanismos de submissão</p><p>aos esquemas capitalistas foi amplamente explorada nas produções do CPC. Essa</p><p>atitude política pretendia construir uma cultura coletiva que pudesse lutar contra</p><p>uma estrutura do proletariado em um sistema capitalista. Para tanto, Vianinha atacou</p><p>o realismo dramático que era prática do Teatro de Arena, que apenas apresentava</p><p>contradições de um sistema para inserir efetivamente uma abordagem que focavam</p><p>nas causas que geram os aspectos sociais conectados com problemáticas sociais.</p><p>Havia a necessidade de estruturar uma proposta cênica que permitisse aberturas</p><p>na própria linguagem teatral praticada na época rompendo com a representação</p><p>baseada no indivíduo ou em relações domésticas, para avançar em aspectos inerentes a</p><p>coletividade. Neste sentido, o grupo, além das discussões que o PCB gerava, buscou em</p><p>referenciais como o teatro de Brecht, ainda pouco conhecido, para propor uma estética</p><p>teatral tratada como revolucionária. No espetáculo A Mais-valia, rompia efetivamente com</p><p>padrões teatrais ao inserir elementos alegóricos que pulsavam quando postos em cena</p><p>simbolizando forças exteriores que, em suas relações, provocavam análise, pensamento</p><p>crítico e tomada de decisões frente a situações construídas historicamente (BETTI, 2013a).</p><p>168</p><p>Quando Vianna resolve desligar-se do Teatro de Arena estava vislumbrando a</p><p>necessidade de fazer com que seu trabalho pudesse chegar ao público popular ou a maior</p><p>número possível de espectadores. O proletariado e suas relações receberam destaque</p><p>nas produções com textos críticos e reflexivos, abordagem que anteriormente não estava</p><p>presente nas encenações por apresentarem universos individuais de famílias da época.</p><p>Um fator a ser destacado é que as plateias que frequentavam os espetáculos</p><p>eram compostas por estudantes universitários, esse fato permitia maior conexão com</p><p>os temas propostos, gerando discussões significativas. Um desafio que se apresentava</p><p>como algo a ser implementado era acessar as obras produzidas para as classes populares</p><p>ou às camadas da sociedade que estavam representadas nos palcos.</p><p>Depois da saída do Teatro de Arena, Vianinha contribuiu para diversas iniciativas</p><p>conectadas com um teatro engajado, com grupos amadores e principalmente com Chico</p><p>de Assis e a montagem que estava desenvolvendo com o Teatro Jovem. Esse grupo foi</p><p>base para a montagem em 1960, A Mais-Valia</p><p>posteriormente esse</p><p>cenário foi palco da fundação da cidade de São Paulo. Essa construção representa os</p><p>moldes arquitetônicos para as escolas dos jesuítas. Essas construções eram palcos para</p><p>a criação e apresentações teatrais. A seguir, apresentaremos as influências do teatro</p><p>europeu e das ritualidades africanas na construção da identidade do teatro brasileiro.</p><p>4 O TEATRO E AS INFLUÊNCIAS EUROPEIAS E AFRICANAS</p><p>Com certo fracasso em dominar os povos originários, os colonizadores</p><p>buscaram em terras africanas ou em suas colônias na África a população negra que lá</p><p>habitavam para serem escravizados em terras brasileiras. Os povos africanos marcaram</p><p>presença na cultura da época e transformaram profundamente o cotidiano das cidades</p><p>da época. Desde os tempos do Brasil colônia a cultura dos povos africanos contribuíram</p><p>para que pudéssemos ter a diversidade cultural que o Brasil possui em tempos atuais.</p><p>Práticas como danças, musicalidade, religiosidade, práticas gastronômicas e idioma</p><p>estiveram presentes em todo o território nacional em maior escala nos estados de Bahia,</p><p>Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande</p><p>do Sul (SOUZA; GUASTI, 2018).</p><p>Ao pensarmos na cultura africana como fonte de elementos culturais que</p><p>influenciaram a construção de aspectos culturais, artísticos e em termos de idioma,</p><p>encontramos diversos exemplos que podemos citar como: “[...] cochilar, corcunda,</p><p>dengo, fubá, gibi, macaco, maconha, macumba, marimbondo, miçanga, moleque,</p><p>quitanda, quitute, tanga, xingar, banguela, babaca, cafofo, cafundó, cambada,</p><p>muquirana, muvuca, entre inúmeras outras palavras” (SOUZA; GUASTI, 2018, p. 4). Nas</p><p>danças e rituais religiosos encontramos fontes para a construção de dramaturgias afro-</p><p>brasileiras. Onde os rituais originados no candomblé e as narrativas dos orixás marcavam</p><p>presença nas práticas dos grupos escravizados, que se reuniam de modo clandestino, a</p><p>presença das práticas de capoeira enriqueceram a cultura. Os tambores eram utilizados</p><p>para rituais religiosos e mais tarde incorporados em práticas da capoeira. A mescla entre</p><p>10</p><p>arte marcial, esporte, música e cultura popular é presente hoje nas práticas da capoeira.</p><p>No passado, os povos escravizados eram proibidos de praticar a luta originária do sul</p><p>de angola e como ato de revolta reuniam-se em terrenos mata adentro para praticar</p><p>(SOUZA; GUASTI, 2018).</p><p>FIGURA 6 – RODA DE CAPOEIRA COM O MESTRE JOSÉ CARLOS, EM SANTA TEREZA NO RIO DE JANEIRO</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3u9Oisi>. Acesso em: 20 jan. 2022.</p><p>A Figura 6 alguns movimentos de capoeira com participantes observando o jogo</p><p>e apreciando a prática. O escritor José de Alencar, em 1865, propôs o termo capoeira</p><p>como um vocábulo em tupi caa-apuam-era, que significa ilha de mato já cortado onde</p><p>os escravizados praticavam a luta. Souza (2014) define capoeira como uma espécie de</p><p>luta dançada em que dois protagonistas estabelecem uma espécie de jogo dançado com</p><p>golpes de pernas e de cabeça que mobiliza o corpo por inteiro permitindo uso de mãos</p><p>para apoiar-se e estabelecendo uma espécie de ginga para a interação. Geralmente,</p><p>cria-se um círculo de praticantes em torno de dois capoeiristas que jogam permitindo</p><p>a alternância dos participantes de acordo com a necessidade. Destreza, resistência,</p><p>força física e um corpo disponível para a prática são exigências fundamentais para o</p><p>desenvolvimento da capoeira.</p><p>A música e ritmo é fundamental na prática da capoeira e define o estilo do jogo.</p><p>Os instrumentos que compõem uma roda de capoeira são “[...] três berimbaus, dois</p><p>pandeiros e um atabaque, geralmente acompanhados de um bater de palmas” (SOUZA;</p><p>GUASTI, 2018, p. 5). Segundo Souza (2014), os elementos que aparecem na capoeira são</p><p>evidentes como instrumentos musicais, formação circular, o gingado típico, as cantadas</p><p>com letras específicas, bem como os movimentos dançados.</p><p>Outra dança que possui origens na cultura africana é o Tambor de Crioula do</p><p>Maranhão. Essa dança é uma forma de expressão da cultura popular que envolve figurinos</p><p>coloridos e movimentos dança circular. É uma manifestação típica do estado do Maranhão,</p><p>praticada por africanos escravizados em louvor a São Benedito, um dos santos de grande</p><p>popularidade entre a comunidade negra. De acordo com Ferretti (2006), o Tambor de</p><p>Crioula no Maranhão é uma dança pouco estudada e divulgada que, como outras danças,</p><p>11</p><p>de matriz africana, apresenta beleza e referenciais históricos. “É uma dança alegre,</p><p>marcada por muito movimento dos brincantes e muita descontração. É considerado</p><p>Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro desde 2007, pois é uma forma de expressão afro-</p><p>brasileira que envolve dança circular e percussão de tambores” (IPHAN, 2014, s. p.).</p><p>FIGURA 7 – TAMBOR DE CRIOULA DO MARANHÃO</p><p>FONTE: <https://bit.ly/32Ddkol>. Acesso em: 20 jan. 2022.</p><p>Depois de conhecer o Tambor de Crioula, ampliaremos nossos olhares com outra</p><p>manifestação presente na cultura brasileira, que surgiu de manifestações populares</p><p>conectadas à cultura africana. Estamos falando do Frevo, palavra de origem popular</p><p>que significa ferver ou efervescência, agitação ou rebuliço. Na década de 1930, surgiu</p><p>a classificação do Frevo em três modalidades: frevo-de-rua; frevo-canção e frevo-de-</p><p>bloco (SOUZA; GUASTI, 2018). O Frevo nasceu de uma mescla de ritmos dançantes e a</p><p>capoeira. Os movimentos da capoeira foram inseridos nas danças com a utilização de</p><p>acessórios como o guarda-chuva e figurinos com cores vibrantes. O Frevo, seja ela qual</p><p>for a modalidade, foi inscrita no Livro de Registro das Formas de Expressão do IPHAN</p><p>em 2007. É uma forma de expressão musical, coreográfica e poética que está presente</p><p>principalmente no cenário das cidades de Recife e Olinda, no estado de Pernambuco.</p><p>Com data de surgimento aproximada no século XIX, em manifestações carnavalescas,</p><p>passou a fazer parte das festividades populares nas cidades citadas. Em 2012, o Frevo</p><p>foi considerado Patrimônio Imaterial a Humanidade pela Unesco (IPHAN, 2014, s. p.).</p><p>FIGURA 8 – CENA DE FREVO</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3DjtzoA>. Acesso em: 20 jan. 2022.</p><p>12</p><p>O Carimbó é uma manifestação de dança de roda que ocorre no litoral do</p><p>estado do Pará. Na forma tradicional da manifestação, o Carimbó é acompanhado por</p><p>tambores de madeira, geralmente troncos de árvores. A modalidade de dança possui</p><p>origens na cultura indígena, porém mesclou-se com a cultura de matriz africana e na</p><p>atualidade também podemos encontrar a manifestação no nordeste do país. A batida de</p><p>tambores, instrumentos de corda e a presença de chocalhos são sonoridades comuns.</p><p>Os participantes utilizam figurinos com cores vibrantes e com combinações que podem</p><p>remeter à diversidade da biodiversidade nacional.</p><p>FIGURA 9 – GRUPO TRADICIONAL PREPARADO PARA DANÇAR CARIMBÓ</p><p>FONTE: <http://wikidanca.net/wiki/images/8/8a/CARIMB~2.JPG>. Acesso em: 20 jan. 2022.</p><p>Os movimentos soltos e sensuais, com intensos giros em que o personagem</p><p>feminino tenta cobrir o masculino com sua saia. As mulheres geralmente dançam sem</p><p>calçados e vestem saias longas, até os pés, franzidas e rodadas. Estampas de florais,</p><p>blusas brancas, pulseiras e colares de tamanho grande são vestimentas tradicionais. Em</p><p>seus cabelos encontra-se ramos de rosas ou camélias. “Os homens dançam utilizando</p><p>calças, geralmente brancas e simples, comumente com a bainha enrolada, costume</p><p>herdado dos ancestrais negros que utilizavam a bainha da calça desta forma devido</p><p>às atividades exercidas, como, por exemplo, a coleta de caranguejos nos manguezais”</p><p>(SOUZA; GUASTI, 2018, p. 7).</p><p>Existem outras manifestações culturais que podemos conhecer como</p><p>o Maracatu, o Congo entre outras possibilidades de ampliar o repertório cultural</p><p>conectando com as artes cênicas no Brasil. Esses aspectos da cultura popular podem</p><p>ser conectados com a formação da cultura brasileira desde o período da catequização</p><p>jesuíta e traçar possíveis fundamentos do teatro no Brasil.</p><p>As manifestações cênicas contidas nos rituais</p><p>Vai Acabar, Seu Edgar, de Oduvaldo Vianna</p><p>Filho, mencionado anteriormente, e que impulsionou a criação de Centro Popular de</p><p>Cultura. O CPC, em 1962 estaria unificando forças filiando-se à UNE (União Nacional dos</p><p>Estudantes) como importante órgão cultural que compunha o movimento estudantil.</p><p>Os espetáculos com abordagem política, além de configurarem espaços</p><p>inovadores para que a cena teatral ocorresse, buscavam implementar recursos que</p><p>posteriormente seriam tratados como importantes possiblidades da arte contemporânea.</p><p>As propostas encenadas que ocupavam os espaços da Faculdade de Arquitetura da</p><p>Universidade do Brasil buscavam explorar grandes cenários, presença de elementos</p><p>tecnológicos como projeção de filmes e com trilha sonora, que era executada ao vivo</p><p>estabelecendo conexões intensas com o espectador. Quanto à estrutura dramatúrgica,</p><p>os encenadores não abandonaram a experiência de uma tradição do teatro revisteiro e</p><p>adotaram aspectos como as músicas, que embalavam cenas parodiadas de musicais</p><p>norte-americanos cinematográficos. Os episódios eram compostos por esquetes</p><p>permeadas de humor que explicitavam as relações que o capitalismo estabelecia para</p><p>garantir a acumulação de riquezas e definir a mais-valia (BETTI, 2013a).</p><p>O intenso movimento artístico e político que permitiu que os mais diversificados</p><p>espectadores pudessem participar de forma ativa das discussões artísticas, políticas e</p><p>estéticas fortaleceu o Centro Popular de Cultura (CPC) e a União Nacional dos Estudantes</p><p>(UNE), de modo que toda essa articulação definiu as diversas abordagens executadas e</p><p>a organização dos trabalhos por departamentos, de acordo com as linguagens artísticas</p><p>e seus territórios ou abrangências. Os departamentos de teatro e cinema surgiram como</p><p>ação pioneira. Esse departamento fomentou a produção de dramaturgias brasileiras,</p><p>baseadas no teatro épico, e a intensificação do interesse em representar a classe dos</p><p>trabalhadores permaneceram vivos (BETTI, 2013a).</p><p>169</p><p>FIGURA 7 – CENA DO ESPETÁCULO REVOLUÇÃO DA AMÉRICA DO SUL</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3KNPUNr>. Acesso em: 11 jan. 2022.</p><p>A montagem de Revolução da América do Sul do teatrólogo Augusto Boal,</p><p>em 1960, foi consequência de movimentações políticas e artísticas. Assim como</p><p>em A Mais-Valia..., de Vianinha, o personagem José da Silva, como protagonista do</p><p>espetáculo Revolução da América do Sul, passava por situações de exploração pelo</p><p>sistema capitalista e somente o espectador estabelece uma posição reflexiva diante</p><p>da trama. Para o personagem, a situação parece incompreensível. Essa abordagem</p><p>pode ser associada a um texto famoso de Brecht chamado A Alma Boa de Set Suam,</p><p>apresentando um final em aberto que permitia o espectador criar o desfecho que sua</p><p>reflexão ou conclusões, ao apreciar a encenação, pudesse suscitar.</p><p>Quando Augusto Boal escreve a Revolução da América do Sul, alguns dos</p><p>textos de teoria de Bertold Brecht começaram a circular por meio de traduções para</p><p>o espanhol e francês abrindo caminhos para a compreensão dos princípios do teatro</p><p>brechtiano. Os dois textos forma decisivos para avanços nas discussões em torno de</p><p>um teatro político e de engajamento nas iniciativas que politizaram a comunidade da</p><p>época. A Revolução na América do Sul de Augusto Boal e A Mais-Valia Vai Acabar, Seu</p><p>Edgar e Vianinha, tiveram importante papel na inauguração de um teatro experimental</p><p>que pusesse em prática as concepções de teatro épico. Esse fato impulsionou um teatro</p><p>baseado em uma linha política que retratava os ideais de Berthold Brecht (BETTI, 2013a).</p><p>Paralelamente a disseminação do teatro épico de Brecht, as propostas políticas</p><p>de outro expoente do teatro, chamado de Erwin Piscator (1893-1966). O chamado Teatro</p><p>Político de Piscator foram bases para ambas as montagens citadas anteriormente e</p><p>que, tanto o teatro de Brecht quanto de Piscator influenciaram no desenvolvimento</p><p>das propostas do Teatro do Oprimido, que foi amplamente desenvolvido posteriormente.</p><p>Esses fatos construíram um teor político para as produções de modo que não operavam</p><p>somente como temática dos textos dramatúrgicos, mas como fatos que eram construídos</p><p>historicamente sob uma perspectiva capitalista e que os problemas abordados eram</p><p>resultantes de processos históricos e culturais passíveis de modificações (BETTI, 2013a).</p><p>170</p><p>As duas montagens, mencionadas anteriormente, possuíam distinções, mas</p><p>também pontos de convergência. Cenas que apresentavam fatores que perpetuavam a</p><p>miséria e as estratégias de um sistema que garantia a exploração dos envolvidos. Em A</p><p>Mais-Valia... ocorria um processo de desvendamento crítico do processo de exploração,</p><p>de modo que ao mesmo tempo que os personagens exerciam o papel de mobilizador, de</p><p>um modo específico de raciocínio, que proporcionava a transformação dos personagens,</p><p>sugerindo a transformação dos que apreciavam a obra. Esse aspecto poderia ser potente</p><p>no sentido de provocar às multidões de espectadores a se assumirem revolucionários e</p><p>criadores de suas realidades (BETTI, 2013a).</p><p>Outra montagem do Teatro de Arena que deu continuidade ao teatro politizado e</p><p>com discussões sociais foi a estreia, em 1962 de e Os Fuzis da Sra. Carrar, do dramaturgo</p><p>Berthold Brecht, que foi encenada nos palcos do Teatro de Arena. Essa montagem não</p><p>atingiu grande sucesso e impulsionou o grupo a buscar novas possibilidades e a se</p><p>estruturar financeiramente.</p><p>Uma ação foi buscar textos de dramaturgos brasileiros como Guarnieri para</p><p>que pudessem ser encenados. Logo depois a essa fase, a companhia passou a buscar</p><p>nos textos europeus consagrados para continuar a fomentar o caráter popular das</p><p>encenações e temas.</p><p>Essa nova fase do teatro brasileiro contou com montagens como A Mandrágora,</p><p>de Maquiavel, sob a direção de Augusto Boal. Após, esse feito uma peça de Lope de Veja,</p><p>chamada O Melhor Juiz do Rei, foi adaptada por três jovens dramaturgos: Boal, Guarnieri</p><p>e o jovem ator Paulo José. Essas duas produções influenciaram o pensamento de Boal</p><p>quando desenvolveu a proposta do Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas que</p><p>discutiremos a seguir.</p><p>A proposta inovadora destas montagens era adaptar as tramas de dramaturgias</p><p>clássicas consideradas obras eruditas para uma perspectiva popular ou do povo, tratava-</p><p>se de um processo de nacionalizar os textos para que o povo pudesse estabelecer</p><p>conexões intensificadas.</p><p>Essa ação não era somete realizar uma tradução textual ou cênica, mas</p><p>inserir nas tramas questões pertinentes ao contexto social e político. Essa abordagem</p><p>adaptativa mostrou-se eficiente ao combinar a estética clássica e uma elaboração</p><p>cênica que provocasse reflexão crítica no espectador (BETTI, 2013a).</p><p>Em 1964, essa tendência foi interrompida com a montagem de um texto de</p><p>Guarnieri, chamada de O Filho do Cão. Essa montagem retomava a ideia de encenar</p><p>dramaturgias brasileiras permeadas por questões socioculturais. A cenografia concebida</p><p>por Flávio Império era composta por elementos que remetiam ao teatro elizabetano, o</p><p>que oferecia expressividade ao espetáculo.</p><p>171</p><p>Ainda no mesmo ano, Augusto Boal, retoma a iniciativa de montar textos</p><p>dramatúrgicos de autores internacionais que pudessem contribuir para as discussões</p><p>dos contextos sociais. Boal monta O Tartufo de Molière, e essa seria a última montagem</p><p>a apresentar essa abordagem.</p><p>As produções que estrearam nos anos seguintes seguiram uma linha de</p><p>protesto, de crítica aos fatos sociais e de caráter experimental. Esses trabalhos foram</p><p>base para que uma série de trabalhos desenvolvidos em 1965 e 1971 em série intitulados</p><p>de “Arena Conta...”, que buscava a combinação de recursos narrativos e papéis que</p><p>poderiam ser alternados (BETTI, 2013a).</p><p>FIGURA 8 – CENA DO ESPETÁCULO O FILHO DO CÃO</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3Ii1oY3>. Acesso em: 21 jan. 2022.</p><p>As técnicas inovadoras de Boal seguiam um sistema nomeado por ele de sistema</p><p>coringa, que previa uma saída para montar peças com elenco reduzido, rompendo com</p><p>estruturas</p><p>de povos nativos, as propostas</p><p>de evangelização por meio de montagens teatrais ou rituais/procissões católicos e</p><p>posteriormente à presença das manifestações culturais de matriz africana compõem</p><p>as raízes das artes cênicas brasileiras. Os moldes clássicos europeus aportaram em</p><p>terras brasileiras por meio de padres Jesuítas, desenvolveram-se com a colaboração de</p><p>nativos e a comunidade africana.</p><p>13</p><p>A importância de conhecer os aspectos das origens e desenvolvimento do</p><p>Teatro no Brasil está em ampliar o repertório cultural para que se possa utilizar tais</p><p>recursos em possíveis propostas de ensino-aprendizagem das artes cênicas ou em</p><p>produções artísticas.</p><p>Uma manifestação dançada, ritualizada, sagrada, religiosa para uma manifestação</p><p>festiva e popular está um caminho de miscigenação e transformação cultural que vale</p><p>a pena conhecer para que estudos futuros possam apontar a riqueza das artes cênicas</p><p>brasileiras e ampliar as possibilidades de resgatar modos de criar Teatro em tempos</p><p>do Brasil colônia. As manifestações atuais em dança possuem riqueza de elementos</p><p>visuais, musicais, rítmicos, movimentações corporais e expressividade cênica para que</p><p>possamos inserir em nossas produções artísticas. A seguir, estudaremos os espaços do</p><p>teatro no Brasil colônia e os aspectos que perduraram até os dias atuais.</p><p>5 OS ESPAÇOS DO TEATRO NO BRASIL COLÔNIA</p><p>Ao abordarmos os espaços para o teatro no Brasil colônia necessitamos voltar</p><p>nossas atenções para as práticas teatrais destinadas para a catequização dos povos</p><p>nativos. Esse fato incluía a realização de cenas em espaços diversos como locais para</p><p>a celebração religiosa, espaços para o estudo de textos bíblicos, palcos criados para</p><p>receber cenas religiosas e os espaços das ruas, local onde ocorriam as procissões</p><p>religiosas ou festividades. Em textos de dramaturgias do padre José de Anchieta que</p><p>chegaram até aos tempos atuais aparecem personagens que permitem traçar um</p><p>panorama de possíveis espaços utilizados para as cenas do teatro de catequese.</p><p>Na peça Festa de São Lourenço, os personagens que aparecem são variados.</p><p>Os papéis principais são ocupados por Guaixará e Aimberê, chefes tamoios que lutaram</p><p>ao lado dos franceses contra portugueses e jesuítas. Correndo risco de vida estavam</p><p>Nóbrega e Anchieta; Décio e Valeriano como imperadores dos primeiros séculos e ainda</p><p>os santos São Sebastião e São Lourenço – estes como mártires desse período.</p><p>Recomendamos visitar o site eletrônico do Instituto do Patrimônio Histórico</p><p>e Artístico Nacional (IPHAN) – autarquia federal vinculada ao Ministério do</p><p>Turismo que responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro.</p><p>Cabe ao IPHAN proteger e promover os bens culturais do país, assegurando</p><p>sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras. Confi ra o</p><p>endereço eletrônico: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/872.</p><p>ESTUDOS FUTUROS</p><p>14</p><p>O primeiro morto a flechadas o outro queimado em uma espécie de grelha.</p><p>Anjos, o Temor e o Amor de Deus estavam presentes. A encenação era organizada em</p><p>personagens que poderíamos dividir em dois grandes grupos: os aliados e os inimigos</p><p>da Igreja Católica (PRADO, 2012).</p><p>O conflito era estabelecido por São Sebastião (padroeiro do Rio de Janeiro)</p><p>e São Lourenço (que era padroeiro de onde hoje chamamos de Niterói). Guaixará e</p><p>Aimberê como inimigos dos jesuítas eram demônios auxiliados por demônios menores</p><p>que se chamavam Saravaia, Tataurana, Urubu, Jaguaruçu, Caborê.</p><p>A moral era baseada no velho testamento, o qual prega o olho por olho, dente</p><p>por dente. As cenas eras criadas para serem encenadas em espaço específico em que</p><p>poderiam erguer elementos naturais e simbólicos para reforçar os efeitos dramáticos.</p><p>Não havia definição clara de onde iniciava a terra e onde iniciava o céu ou o inferno. Um</p><p>caminhar constante marcava a ação dramática descentralizada (PRADO, 2012).</p><p>Um dos episódios finaliza com a prisão dos demônios pelo Anjo guardião da</p><p>cidade que se assemelhava a um Anjo da guarda concebido para ser guardião das</p><p>pessoas. O Anjo recebia ajuda de São Lourenço e de São Sebastião e representavam</p><p>o Bem agindo para vencer o Mal. Às vezes, apareciam chefes indígenas para proferir</p><p>frases como a seguinte “a taba inteira é pecadora” (PRADO, 2012, p. 27) na intenção</p><p>de mostrar que estavam tomando consciência de que estavam religiosamente errados</p><p>passando a ser submissos e servis ao Anjo ou aos dogmas religiosos.</p><p>A finalidade da inserção dos ensinamentos religiosos no cotidiano das tribos era</p><p>substituir a religião ou as práticas mitológicas dos povos originais pela tradição Cristã.</p><p>Os seres sobrenaturais contidos na crença tupi como o Anhangá poderia ser associado</p><p>ao papel de Satanás e Tupã, divindade do trovão era substituído por Deus.</p><p>Os jesuítas mobilizavam elementos necessários para que as tribos pudessem</p><p>internalizar os valores religiosos da Igreja Católica. Símbolos, narrativas, elementos</p><p>que representavam as divindades, santos e outros elementos eram explorados. Os</p><p>espaços para a encenação estendiam-se desde as igrejas construídas muitas vezes</p><p>precariamente para receber os nativos. As ruas também poderiam ser utilizadas como</p><p>palco de encenações e procissões para celebrar as passagens bíblicas (PRADO, 2012).</p><p>A igreja pregava com todo os seus recursos que os povos deveriam ser europeus</p><p>aos seus moldes e abandonar as maneiras complexas de ser dos povos nativos. Os</p><p>discursos inseriam por todos os lados a promessa de que ao se converterem aos valores</p><p>cristãos, os nativos ganhariam o reino dos céus. Um certo conservadorismo era inserido</p><p>ao afirmarem que tudo existe por uma razão de ser como é e não pode ser modificado.</p><p>Como não há possibilidade de mudança também se extinguiam as noções de justiça ou</p><p>de injustiça social para reinar os valores sustentados pela Igreja Católica (PRADO, 2012).</p><p>15</p><p>FIGURA 10 – ILUSTRAÇÃO DE ESPAÇO CÊNICO DO TEATRO DE CATEQUESE</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3r6kafF>. Acesso em: 20 jan. 2022.</p><p>Na peça Aldeia de Guaraparim, o texto dramatúrgico mais longo na língua tupi,</p><p>voltada para o povo indígena. E a peça Visitação de Santa Isabel era voltada para os</p><p>mistérios cristãos e ao público de fiéis. As peças “[...] assinalam, por assim dizer, os</p><p>pontos extremos da dramaturgia jesuítica: a que se volta para fora, para a catequese, e</p><p>a que se volta para dentro, para o culto religioso. O teatro dos catecúmenos e o teatro</p><p>dos fiéis” (PRADO, 2012, p. 33).</p><p>Esse texto composto por 865 versos inicia de modo tranquilo com a presença de</p><p>demônios, próximos aos que a cultura tradicional religiosa nos apresentou, correspondem</p><p>aos vícios e se preparam para desafiar o poder de Nossa Senhora. “O Inferno acha-</p><p>se representado por nada menos do que quatro diabos, reunidos em conciliábulo – o</p><p>concílio do Mal” (PRADO, 2012, p. 33). Diante de textos dramatúrgicos que abordavam</p><p>passagens bíblicas, seres celestiais, divindades, personagens europeus e seres</p><p>maléficos propunham a utilização de símbolos religiosos que marcavam as cenas e as</p><p>vestimentas acompanhavam os signos de cada personagem. Muitas vezes, o espaço</p><p>para a encenação era o chão das igrejas, o espaço ao ar livre ou em palcos montados</p><p>para receber os espetáculos. As festividades tomavam as ruas e os espetáculos eram</p><p>conectados com a divindade de cada data comemorativa ou passagem bíblica. As</p><p>encenações compunham com as procissões e os espetáculos encerravam-se nas</p><p>proximidades da procissão reconduzindo as relíquias sagradas que protegiam as cidades</p><p>aos locais em que repousavam até a próxima celebração (PRADO, 2012).</p><p>Os espaços públicos eram utilizados para realizar encenações, embora</p><p>a precariedade dos espaços no Brasil colônia destinados para apresentações, os</p><p>espetáculos ocupavam os mais variados espaços conforme a necessidade de acessar</p><p>aos nativos e moradores das províncias a palavra bíblica e os ensinamentos da religião</p><p>católica. Com o desenvolvimento das províncias, os espaços destinados ao teatro</p><p>passaram a</p><p>ter melhores recursos para receber espectadores e espetáculos teatrais.</p><p>16</p><p>6 INDUMENTÁRIA E ASPECTOS VISUAIS</p><p>A indumentária e aspectos visuais correspondem aos elementos utilizados</p><p>em uma encenação que podem ser identificados como visualidades, como figurinos,</p><p>cenários ou outros elementos utilizados para traduzir signos importantes para a</p><p>realização do espetáculo.</p><p>No teatro de catequese ou o teatro como instrumento de evangelização, os</p><p>Padres jesuítas utilizavam recursos disponíveis para que as encenações pudessem ser</p><p>realizadas. Com efeitos cômicos e cessibilidade ao público, mesmo que a dramaturgia</p><p>não atendesse aos componentes clássicos, o objetivo central era levar a palavra do</p><p>evangelho aos nativos. Em muitas produções, o acabamento artístico era precário pela</p><p>escolha de priorizar a narrativa contendo a mensagem central conectada a religião</p><p>católica (PRADO, 2012).</p><p>Ao buscar elementos naturais e simbólicos, os padres encenadores traziam</p><p>para a cena teatral jesuíta certo apelo ao teatro realista e naturalista. Referimo-nos aos</p><p>padres como encenadores pois concebiam além dos textos dramatúrgicos escritos em</p><p>versos, criavam a composição de cenas para a apresentação.</p><p>Na peça Na Festa de São Lourenço elementos naturais marcavam presença</p><p>como o fogo que martirizava o santo e formava uma espécie de núcleo central. Esse</p><p>elemento poderia ter diferentes significados dependendo da situação. Ora o fogo poderia</p><p>ser o fogo do inferno, ora poderia representar o fogo sobrenatural, signo de infinito poder</p><p>punitivo do Divino.</p><p>“É eterno, por ser também espiritual, além de material. Essa espiritualização –</p><p>ou metaforização crescente – completa-se com o fogo que é a negação do anterior, o</p><p>fogo positivo, aquele que sustém o santo em seu martírio, neutralizando as chamas da</p><p>grelha ao abrasar-lhe a alma” (PRADO, 2012, p. 32).</p><p>A Figura 11, do artesão Eduardo Gomes, um painel de azulejos, que retrata uma</p><p>cena de celebração retratando a fundação de uma cidade. Os jesuítas participaram da</p><p>fundação das primeiras cidades do Brasil e em rituais específicos, com indumentárias</p><p>da época, realizaram seus atos celebrativos.</p><p>A obra de azulejos integra o Marco de Fundação da Cidade de Salvador, na praia</p><p>de Porto da Barra, na capital baiana e podemos conferir a indumentária dos líderes</p><p>religiosos e políticos da época.</p><p>17</p><p>FIGURA 11 – PAINEL DE AZULEJOS, DO ARTESÃO EDUARDO GOMES</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3IMfCk1>. Acesso em: 20 jan. 2022.</p><p>Os principais aspectos da indumentária e visualidade do teatro de catequese</p><p>atendiam às necessidades de evangelização do povo nativo. O termo indumentária</p><p>refere-se a roupa que alguém usa para se vestir. Neste caso, estamos abordando os</p><p>usos de roupas para as encenações definidas como teatro de catequese. A indumentária</p><p>também é termo que usamos para definir o estudo do vestuário de determinada época.</p><p>Neste sentido, os padres jesuítas buscavam nas passagens bíblicas, nos recursos</p><p>disponíveis e na vestimenta da época recursos visuais e de figurinos para inserir nas</p><p>encenações. Os padrões clássicos reinavam, principalmente nas unidades dramáticas</p><p>textuais, já que a cena teatral era baseada em finalidades específicas como a doutrinação</p><p>dos povos nativos.</p><p>As dramaturgias europeias, portuguesas e espanholas, influenciaram</p><p>amplamente a produção teatral desse período e as manifestações teatrais que sucederam</p><p>as épocas seguintes. Os aspectos visuais que dispomos na atualidade para a criação de</p><p>cenas é amplamente desenvolvido e as propostas podem ser as mais variadas. Na época,</p><p>apesar da precariedade, os dirigentes da Companhia de jesus buscavam desenvolver</p><p>encenações que retratassem a existência de uma única divindade em detrimento das</p><p>múltiplas divindades dos povos nativos. As noções de céu inferno, Deus e Diabo, bem</p><p>e mal, boa conduta e má conduta, profano e sagrado foram impostos pelas ações dos</p><p>padres jesuítas por meio do Teatro.</p><p>Estes dualismos europeus foram amplamente difundidos pelos colonizadores e</p><p>impostos a toda a população que aqui residia. Com a vinda do povo africano, escravizado,</p><p>a repressão aos costumes e crenças passou a ser constante em terras brasileiras. Mesmo</p><p>com toda a tentativa de reprimir, proibir, censurar e implantar valores cristãos, a cultura</p><p>dos povos nativos e africanos permaneceu viva em milhares de elementos da cultura</p><p>atual brasileira. A corporalidade, fisicalidade e modos de existir, crer e adorar divindades</p><p>múltiplas não desapareceu da cultura brasileira, apesar de termos a predominância de</p><p>religiosidade baseada na tradição do cristianismo.</p><p>18</p><p>Pensar em manifestações teatrais como recurso para desenvolver habilidades</p><p>coletivas ou para a ampliação de repertório cultural ou até para pensar uma possibilidade</p><p>de coletividade pode ser importante no contexto da educação da atualidade. Na época</p><p>da ocupação do território brasileiro pelos povos europeus, o teatro estava a serviço da</p><p>religião e na atualidade. Portanto, o teatro necessita estar a serviço de algo ou alguma</p><p>intencionalidade? Reflita esta questão, acadêmico.</p><p>19</p><p>Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:</p><p>• O teatro de catequese era um recurso importante para a evangelização dos povos</p><p>nativos e disseminou a tradição europeia, religiosa e artística.</p><p>• Podemos afirmar que as primeiras ações de educação por meio da arte teatral foram</p><p>desenvolvidas no período do Brasil Colônia.</p><p>• Os textos dramatúrgicos eram escritos pelos padres que também criavam as</p><p>encenações com os recursos disponíveis.</p><p>• O principal objetivo das encenações era a conversão dos povos nativos para os</p><p>valores religiosos da tradição cristã católica.</p><p>• Os povos africanos influenciaram amplamente a cultura da época e marcaram</p><p>presença com suas tradições religiosas, danças e hábitos incorporados nas</p><p>propostas de encenação.</p><p>• Os espaços para a encenação teatral eram diversos e poderiam ser adaptados</p><p>conforme a necessidade e a ênfase estava nos espaços conectados com as</p><p>celebrações religiosas e procissões.</p><p>• A indumentária e aspectos visuais eram compostos por elementos simbólicos que</p><p>representavam as divindades e os personagens conectados com a vida real usavam</p><p>figurinos que remetiam ao cotidiano.</p><p>• Os aspectos da cenografia acompanhavam as datas comemorativas, celebrações</p><p>dos santos e as passagens bíblicas.</p><p>• Elementos naturais poderiam ser utilizados para as encenações como fogo, ou</p><p>materiais da floresta. Outros elementos eram utilizados como objetos considerados</p><p>sagrados ou relíquias conectadas com os ensinamentos da tradição cristã.</p><p>• O teatro estava a serviço da religiosidade e da doutrinação católica pelos povos</p><p>europeus. Dessa forma, todas as iniciativas teatrais estavam voltadas para esta</p><p>finalidade. Os rituais religiosos ou rituais dos povos que residiam no Brasil foram</p><p>explorados para integrar as encenações.</p><p>RESUMO DO TÓPICO 1</p><p>20</p><p>1 Com base nas discussões em torno do teatro no período do Brasil Colônia, percebemos</p><p>que os textos dramatúrgicos eram compostos por versos baseados em passagens</p><p>bíblicas e ensinamentos da igreja católica. Temas relacionados aos assuntos bíblicos</p><p>e santidades conectadas à instituição religiosa estavam presentes. Sobre esses</p><p>aspectos, assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) A principal função do teatro no período do Brasil Colônia era oferecer a ampliação</p><p>do repertório cultural e transformar a realidade social da época, na intenção de</p><p>inserir a cultura artística em comunidades indígenas.</p><p>b) ( ) A música, dança, canto e teatro eram amplamente explorados para que os</p><p>integrantes das escolas de Ler e Escrever, coordenadas pelos padres jesuítas, a</p><p>doutrina religiosa e realizar a conversão ao cristianismo.</p><p>c) ( ) Temas como as aventuras dos colonizadores e a mitologia grega eram comuns</p><p>no período colonial. Por isso, as encenações eram voltadas para as pessoas que</p><p>chegavam ao Brasil como forma de entretenimento.</p><p>d) ( ) Os padres jesuítas buscavam nos princípios religiosos baseados nos</p><p>livros da</p><p>cultura africana e procuravam exaltar a prática de rituais que buscavam adorar</p><p>diversas divindades ou orixás. Essas divindades estavam conectadas com as</p><p>forças da natureza.</p><p>2 O teatro de catequese era baseado em textos longos que exaltavam as divindades</p><p>da igreja católica e buscavam exaltar a supremacia do monoteísmo em detrimento</p><p>do politeísmo encontrado nas práticas ritualísticas. Com base nas definições dos</p><p>enfoques dados para as manifestações teatrais praticadas pelos padres jesuítas,</p><p>analise as sentenças a seguir:</p><p>I- As áreas da arte eram exploradas para a composição de encenações que pudessem</p><p>atender aos objetivos de doutrinação dos povos nativos que aqui viviam.</p><p>II- A música, danças, canto e outros recursos eram utilizados para que a doutrina</p><p>católica e o cristianismo fossem a única opção para a salvação.</p><p>III- O teatro de catequese permitia o culto aos deuses do povo nativo e posteriormente</p><p>absorveu as divindades do povo africano tornando a prática religiosa como uma</p><p>grande festa da diversidade.</p><p>Assinale a alternativa CORRETA:</p><p>a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.</p><p>b) ( ) Somente a sentença II está correta.</p><p>c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.</p><p>d) ( ) Somente a sentença III está correta.</p><p>AUTOATIVIDADE</p><p>21</p><p>3 A cultura africana marca presença na constituição do povo brasileiro desde que</p><p>o povo escravizado passou a cultuar suas divindades de modo clandestino. Os</p><p>elementos da cultura africana marcam presença no cotidiano brasileiro na língua,</p><p>nos aspectos religiosos e em modos de viver em coletividade. De acordo com as</p><p>influências africanas na constituição da cultura, classifique V para as sentenças</p><p>verdadeiras e F para as falsas:</p><p>( ) Cochilar, corcunda, dengo, fubá, gibi, macaco, maconha, macumba, marimbondo,</p><p>miçanga, moleque, quitanda, quitute, tanga, xingar são exemplos de palavras</p><p>originadas na cultura africana.</p><p>( ) Os rituais religiosos e elementos contidos no candomblé, as narrativas dos orixás e</p><p>a prática de capoeira enriqueceram a cultura.</p><p>( ) O povo africano aportou no Brasil por vontade própria trazendo suas práticas e</p><p>hábitos introduzindo no Brasil a diversidade cultural que encontramos atualmente.</p><p>Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:</p><p>a) ( ) V – F – F.</p><p>b) ( ) V – V – F.</p><p>c) ( ) F – V – F.</p><p>d) ( ) F – F – V.</p><p>4 Os fatos históricos mostram que o povo africano foi arrancado de suas terras</p><p>e escravizado por povos que colonizavam terras da américa. Com a vinda dos</p><p>povos africanos, com suas práticas religiosas e hábitos culturais, o Brasil passou</p><p>a ter enorme diversidade cultural, mesmo que as manifestações culturais fossem</p><p>reprimidas pelos líderes europeus da época. Neste sentido, disserte sobre a influência</p><p>da cultura africana na constituição da cultura brasileira e quais elementos são fontes</p><p>de inspiração para a criação de cenas teatrais.</p><p>5 Ao pensarmos nos aspectos visuais e cenografia da época do Teatro de Catequese,</p><p>podemos encontrar alguns elementos que são recorrentes como os símbolos religiosos</p><p>e as narrativas que exaltavam a importância de adoração a uma única divindade.</p><p>Este fato nos permite pensar em um teatro como instrumento de ensino e imposição</p><p>de aspectos culturais de um povo dominante. Diante desses pressupostos, disserte</p><p>sobre os aspectos visuais e a indumentária presente no Teatro de Catequese.</p><p>22</p><p>23</p><p>O TEATRO E O ROMANTISMO BRASILEIRO</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>O Romantismo, como movimento artístico, possui suas raízes na literatura. Ele</p><p>alastrou-se por outras áreas da arte. Com o Teatro não ocorreu de outra forma, pois</p><p>recebeu as novas discussões e propostas por meio dos textos dramatúrgicos e ampliou</p><p>seus aspectos para a cena. Uma onda revolucionária chega ao Brasil por volta de 1836:</p><p>a onda romântica. Longe de ser algo aos moldes do amor romântico, ou algo inventado</p><p>para representar narrativas amorosas, esse movimento literário e artístico estava</p><p>conectado ao que podemos definir como dramalhão.</p><p>O Romantismo foi um dos movimentos artísticos que marcou o século XIX. O</p><p>seu suposto marco inaugural deu-se com a publicação da obra Suspiros Poéticos e</p><p>Saudades do escritor Gonçalves de Magalhães, em 1836. As principais manifestações</p><p>literárias do Romantismo incluem obras em prosa e em verso. A chegada da família real, a</p><p>reclassificação do território nacional, deixando a dimensão de colônia de exploração para</p><p>tornar-se Reino Unido a Portugal. Dentre os nomes que protagonizaram o Romantismo</p><p>na literatura estão José de Alencar, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de</p><p>Abreu e Castro Alves.</p><p>O contexto histórico brasileiro marcado pela presença da Família Real portuguesa.</p><p>A implantação em terras brasileiras da sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves,</p><p>trouxe inúmeras modificações sociais e a modernização do país. Houve a criação da</p><p>imprensa brasileira, a construção do Museu Nacional, fundação do Banco do Brasil,</p><p>abertura de portos para países com relações amistosas com o Brasil, criação da Marinha,</p><p>o Tesouro Nacional entre outros acontecimentos que impulsionaram a cultura brasileira.</p><p>Com esse pressuposto, caro acadêmico, adentramos ao tema que atravessa este</p><p>tópico. O teatro Romântico ou o Romantismo como proposta estética de encenação marcou</p><p>a produção espetacular do Brasil. Neste sentido, o Tópico 2 busca reunir informações que</p><p>possam enriquecer seu percurso de construção de conhecimento na Arte Dramática. O</p><p>subtítulo Romantismo e suas características apresenta discussões em torno do movimento</p><p>artístico e busca traçar conexões com a constituição do teatro brasileiro.</p><p>O drama e a dramaturgia no período romântico passaram por transformações ao</p><p>refutar os parâmetros clássicos e buscar outros modos de composição textual e de cenas</p><p>que atendessem às necessidades da nova proposta. A tragédia, a comédia de costumes</p><p>e os modos dos atores desenvolverem a arte teatral foi transformada na medida que o</p><p>UNIDADE 1 TÓPICO 2 -</p><p>24</p><p>estilo foi estabelecendo-se em propostas teatrais diversificadas. Recomendamos leitura</p><p>atenta, com pausas para pesquisar e esclarecer as possíveis dúvidas e construir seu</p><p>conhecimento histórico na área das artes cênicas.</p><p>2 O ROMANTISMO E SUAS CARACTERÍSTICAS</p><p>Neste subtópico, apresentamos as principais características do teatro brasileiro</p><p>em que recebe influências de movimentos artísticos e culturais como o romantismo.</p><p>Em meados do século XVIII com o esgotamento das poéticas clássicas, a burguesia</p><p>exigiu novos modos dramatúrgicos que retratassem as mudanças que ocorriam na</p><p>Europa, principalmente na França. Ocorreu a tradução de peças de Shakespeare, o</p><p>fortalecimento de um teatro nacional e o teatro aproximou-se da vida cotidiana, do</p><p>público e da esfera burguesa. A proposta de um Curso de Literatura Dramática, em 1811,</p><p>por Schlegel (1772- 1829) estabeleceu importantes discussões para que as linhas de um</p><p>drama romântico pudessem germinar. Uma nova estética teatral floresceu e engajou</p><p>diversos dramaturgos interessados a produzir uma proposta cênica voltada para os</p><p>valores românticos. O caminho para o drama romântico foi traçado por Victor Hugo e</p><p>Alexandre Dumas na França (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).</p><p>Em terras brasileiras, as discussões do Romantismo chegaram tardiamente. Em</p><p>terras brasileiras o romantismo chega para marcar um período histórico e já vitorioso,</p><p>como um fato consumado, estabelece uma estética específica. O teatro dito romântico</p><p>no Brasil é inaugurado tardiamente em relação aos modos europeus. O primeiro texto</p><p>que aborda o estilo foi proposto em 1832 composto por estudantes de Direito do Largo</p><p>de São Francisco, em São Paulo. O texto era em formato de artigo e possuía o título de</p><p>Ensaio sobre a Tragédia que buscava defender a poética clássica e das tragédias de</p><p>Corneille, Racine e Voltaire. Os autores do texto reafirmavam sua posição contrária ao</p><p>Romantismo, condenavam autores como Shakespeare e outros que não obedeciam às</p><p>regras praticadas no Classicismo (GUINSBURG</p><p>et al. 2006; PRADO, 2012).</p><p>No Brasil, o gênero deixou marcas profundas, iniciando pela literatura e</p><p>alastrando-se por outras áreas da arte. O romance-folhetim uma espécie de rodapé</p><p>literário, crônica leve, fantasiosa protagonizadas por autores como Martins Pena,</p><p>Alencar, Macedo, França Júnior e Machado de Assis (PRADO, 2012). O folhetim deriva da</p><p>língua francesa (feuilleton, que significa “folha de livro”) e possui um formato específico</p><p>sendo que sua publicação é feita em partes com certa frequência em jornais, periódicos</p><p>ou revistas da época.</p><p>Quanto ao seu conteúdo, ele era repleto de narrativas ágeis, de compreensão</p><p>fácil que se popularizou entre a população da época. Essa modalidade surgiu</p><p>primeiramente em terras francesas no início do século XIX e chegou em terras</p><p>americanas posteriormente.</p><p>25</p><p>Sua definição é específica relaciona-se com a seção (geralmente na parte</p><p>inferior) de um jornal, revista ou outro material de circulação periódica. A seção poderia</p><p>conter crítica literária, fragmentos de romances, novelas, contos ou outros escritos que</p><p>retratavam o estilo do romantismo da época. A seguir, a Figura 12 traz um trecho de Os</p><p>Amassadores, de Máximo Gorki, publicado no jornal A Democracia, em 1905. Era comum</p><p>os jornais operários publicarem em formato de folhetins os romances sociais, históricos,</p><p>policiais e outras variações.</p><p>FIGURA 12 – FOLHETIM PUBLICADO NO JORNAL A DEMOCRACIA EM 21 DE MAIO DE 1905</p><p>FONTE: <https://bit.ly/3r6qUKp>. Acesso em: 22 jan. 2022.</p><p>A eclosão do romantismo atravessou o contexto europeu na segunda metade</p><p>do século XVIII. E com o escritor Manoel Figueiredo, que se dedicava ao teatro, encontrou</p><p>o caminho necessário para evoluir do romanesco para o romântico. Ele buscou associar</p><p>seus escritos com formas literárias populares: “[...] o romanesco e o mágico (referia-se às</p><p>"mágicas" teatrais), "o romanesco e o incrível":', pondo em evidência que o vocábulo ainda</p><p>não se desprendera de sua fonte, o romance medieval, cheio de aventuras e prodígios,</p><p>parodiado e supostamente enterrado por Cervantes no Dom Quixote” (PRADO, 2012, p. 68).</p><p>Em termos gerais o movimento literário e artístico que chamamos de Romantismo</p><p>possui características também gerais como: liberdade de criação e de expressão,</p><p>nacionalismo, religiosidade, valorização da natureza, valorização das emoções, individualismo</p><p>e egocentrismo, pessimismo, escapismo, idealismo. Neste sentido, as obras literárias e em</p><p>outras áreas da arte traziam universos individuais, valorizando o eu, o individual, o ponto</p><p>de vista particular e a expressão de sentimentos com liberdade. Este aspecto ofereceu</p><p>liberdade de expressão e criação com certo descolamento das regras externas.</p><p>Acoplado a este aspecto, encontramos a tendência ao nacionalismo e a</p><p>religiosidade. O resgate de feitos heroicos e fatos históricos, valorização da pátria e de</p><p>valores nacionais eram presentes nas obras do romantismo. A religiosidade exaltava o</p><p>cristianismo como suporte para um certo consolo para as frustrações e inspiração para</p><p>ações nobres. O poeta Gonçalves Dias é um exemplo de poeta romântico. A Canção do</p><p>Exílio escrita quando o autor estava em Portugal. Os versos mais famosos são:</p><p>26</p><p>Minha terra tem palmeiras,</p><p>Onde canta o sabiá;</p><p>As aves, que aqui gorjeiam,</p><p>Não gorjeiam como lá.</p><p>Outra característica deste movimento artístico é a valorização da natureza.</p><p>O autor romântico transforma a natureza em protagonista, um personagem que</p><p>apresenta seu eu. Ele é obsessivamente voltado pala natureza e busca nela inspiração</p><p>para descrever as maravilhas que contempla, podendo conectar com emoções e exaltar</p><p>nacionalismo. Outro trecho da Canção do Exílio, confira:</p><p>Nosso céu tem mais estrelas</p><p>Nossas várzeas têm mais flores</p><p>Nossos bosques têm mais vida</p><p>Nossa vida, mais amores.</p><p>O autor romântico valorizava, ainda, as emoções, seu individualismo e o</p><p>egocentrismo. As emoções pessoais era uma das principais fontes de inspiração</p><p>para o Romanismo. Na expressão de seus sentimentos, por meio dos personagens,</p><p>o autor buscava expressar suas situações de vida e aspectos que enfatizavam certo</p><p>individualismo e egocentrismo. Esta característica evidenciava os universos, desejos,</p><p>paixões, e frustrações de um microcosmo individual.</p><p>Outras características que podemos elencar para o Romantismo são o</p><p>pessimismo e o escapismo seguido de um certo idealismo. Na constatação da</p><p>impossibilidade de realizar suas vontades, os autores caíam em certo pessimismo</p><p>demonstrando atmosferas que envolviam angústia, solidão, desespero, tristeza e</p><p>frustração. Essa tendência determinava as atmosferas de narrativas literárias e as cenas</p><p>teatrais românticas. Resoluções de dramaturgias deste período apresentavam como</p><p>resolução dos conflitos a angústia, morte, suicídio. Um bom exemplo para exemplificar</p><p>essa característica é a clássica peça intitulada Romeu e Julieta de Willian Shakespeare</p><p>em que os personagens centrais sofrem um final trágico.</p><p>Para escapar de aspectos da realidade, os autores apelavam para certo escapismo</p><p>e a saída poderia ser por meio da morte ou suicídio. O contexto histórico da época, a</p><p>revolução Francesa e um cenário precário induziam a invenção de certo idealismo. Essa</p><p>visão idealizada do mundo o autor romântico busca idealizar a pátria, a mulher e o amor.</p><p>Pátria retratada com perfeição, a figura da mulher bela, submissa, frágil e virgem e o amor</p><p>abrange uma dimensão espiritual e conquistado com muito sofrimento. Nessa perspectiva,</p><p>o romantismo francês produziu autores como Cormeille, que concebia uma conspiração</p><p>contra a pátria, Racine, reconhecido como um dos mais habilidoso versificador e Voltaire</p><p>considerado o primeiro dos seres pensantes (PRADO, 2012).</p><p>27</p><p>O teatro brasileiro moderno passou a ter visibilidade e constituiu-se quando o</p><p>ator João Caetano apresentou no mesmo ano, em 1838, uma tragédia de Gonçalves</p><p>de Magalhães, uma comédia em um ato de Martins Pena. Esse fato representa a</p><p>composição de uma dramaturgia originalmente brasileira, com dramaturgos e atores</p><p>nacionais. Foi na terceira década do século XIX que a produção teatral se desenvolveu</p><p>no Brasil. Até este período o teatro que aqui era apresentado originava-se de terras</p><p>europeias. Artistas, dramaturgias e empresários eram importados de Portugal para</p><p>posteriormente consolidar a produção teatral, casas de espetáculos e espectadores</p><p>assíduos (PRADO, 2012).</p><p>As raízes do teatro brasileiro estão fixadas no teatro português, que por sua</p><p>vez, recebeu influências de um teatro desenvolvido na França e outros países da</p><p>Europa. Um gosto voltado para o melodrama de temática sentimental chegou em terras</p><p>portuguesas e veio ao Brasil com companhias teatrais que excursionavam pelo país.</p><p>Adiante trataremos do melodrama e as tragédias do teatro brasileiro. Nesse momento,</p><p>concentraremos nossas forças a traçar conexões entre o Romantismo Literário, a</p><p>dramaturgia brasileira e um teatro desenvolvido em terras brasileiras.</p><p>A primeira companhia que aporta em terras brasileiras foi a companhia dramática</p><p>de Mariana Torres, no século XIX, precisamente em 1812. A companhia traz sete atores</p><p>nessa oportunidade e retorna em 1819 para uma longa temporada permanecendo até</p><p>1822. Neste território de desenvolvimento teatral brasileiro, os estilos das encenações</p><p>modificaram-se na medida que as produções se multiplicaram. As dramaturgias</p><p>apresentavam certas sinuosidades em seu enredo nos primeiros atos para eu o</p><p>espectador mantivesse um nível de ansiedade elevado. Quando aparentemente tudo</p><p>parece não ter solução, a intervenção da Divina Providência (PRADO, 2012).</p><p>O público saía dos espetáculos aliviado e reconfortado com a resolução das</p><p>peças que poderiam apresentar certo otimismo moral. Os princípios que reinavam as</p><p>dramaturgias eram aspectos da bondade do mundo, a justiça que é justa e que na terra</p><p>pagamos pelos delitos, como uma lei suprema do retorno do que fazemos na existência.</p><p>Para que essa trama ocorra estes grupos, protagonistas e antagonistas,</p>