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<p>Copyright © 2022 by Paco Editorial</p><p>Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada</p><p>e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja</p><p>eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.</p><p>Revisão: Renata Moreno</p><p>Capa: Vinicius Torquato</p><p>Diagramação: Larissa Codogno</p><p>Edição em Versão Impressa: 2022</p><p>Edição em Versão Digital: 2022</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>D165f Damian, Terezinha</p><p>Família e filiação socioafetiva / Terezinha Damian. - 1. ed. - eBook - Jundiaí, SP:</p><p>Paco Editorial, 2022.</p><p>Recurso digital</p><p>Formato: ePub</p><p>Requisitos do sistema: Multiplataforma</p><p>ISBN 978-65-5840-929-8</p><p>1. Direito de família - Brasil. 4. Filiação socioafetividade. I. Título</p><p>22-77586</p><p>CCDU: 347.63(81)</p><p>Gabriela Faray Ferreira Lopes - Bibliotecária - CRB-7/6643</p><p>Conselho Editorial</p><p>Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)</p><p>Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)</p><p>Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)</p><p>Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes)</p><p>Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes)</p><p>http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4771296D1</p><p>http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=S219507</p><p>http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=N133032</p><p>http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4784829U9</p><p>http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4703614A6</p><p>Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes)</p><p>Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes)</p><p>Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes)</p><p>Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes)</p><p>Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes)</p><p>Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes)</p><p>Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes)</p><p>Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes)</p><p>Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes)</p><p>Paco Editorial</p><p>Av. Carlos Salles Bloch, 658</p><p>Ed. 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EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA</p><p>1. Família: do direito antigo ao direito contemporâneo</p><p>2. A família no ordenamento jurídico brasileiro</p><p>CAPÍTULO 2. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO</p><p>DIREITO DE FAMÍLIA</p><p>1. Princípio da afetividade nas relações familiares</p><p>2. Princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade</p><p>responsável</p><p>3. Princípio da igualdade entre cônjuges, filhos e entidades familiares</p><p>4. Princípio da liberdade e do pluralismo de arranjos familiares</p><p>5. Princípio da solidariedade familiar</p><p>6. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente</p><p>CAPÍTULO 3. OS MODELOS DE FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA</p><p>NO BRASIL</p><p>1. Família matrimonial</p><p>2. Família informal ou união estável</p><p>3. Família monoparental</p><p>4. Família anaparental</p><p>5. Família eudemonista ou solidária</p><p>6. Família homoafetiva</p><p>7. Família paralela ou simultânea</p><p>8. Família pluriparental, recomposta ou mosaico</p><p>9. Família poliafetiva</p><p>CAPÍTULO 4. O RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO</p><p>SOCIOAFETIVA</p><p>1. Evolução do instituto da filiação</p><p>2. Filiação e suas espécies</p><p>3. A configuração da posse de estado de filho</p><p>4. Reconhecimento da filiação socioafetiva e seus efeitos jurídicos</p><p>CAPÍTULO 5. O RECONHECIMENTO DA</p><p>MULTIPARENTALIDADE</p><p>1. Conceito e configuração da multiparentalidade</p><p>2. Reconhecimento da multiparentalidade e seus efeitos jurídicos</p><p>3. A figura do padrasto e da madrasta na multiparentalidade</p><p>4. Reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva e da</p><p>multiparentalidade</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>PÁGINA FINAL</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>No Brasil, a Constituição Federal/1988 e o Código Civil/2002, ao</p><p>estabelecerem o parentesco por consanguinidade ou outra origem,</p><p>elevaram o afeto a um valor humano indissociável da organização</p><p>familiar. Dessa forma, o princípio da afetividade veio desembaraçar e</p><p>atender as expectativas do homem. Constitui a mola propulsora dos laços</p><p>familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo</p><p>amor; não se justifica a família contemporânea sem a existência do afeto,</p><p>pois este é elemento formador e estruturador da entidade familiar, que</p><p>tem a proteção do Estado. Nessa linha, o princípio da afetividade é o</p><p>princípio que fundamenta o Direito de família na estabilidade das</p><p>relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as</p><p>considerações de caráter patrimonial ou biológico. Dessa forma, esta</p><p>obra, intitulada: Família e Filiação Socioafetiva, apresenta cinco capítulos.</p><p>O primeiro capítulo – “A evolução do conceito de família” – apresenta</p><p>a evolução do conceito de família, destacando suas principais</p><p>características na Antiguidade, na Idade Média, na Idade Moderna e no</p><p>Direito Contemporâneo, mostrando que a família passou de um núcleo</p><p>econômico e de reprodução, patriarcal e patrimonialista, constituída pelo</p><p>casamento indissolúvel, para um novo conceito baseado nos laços de</p><p>afeto, identificando-se e admitindo-se novos arranjos familiares. Do</p><p>mesmo modo, o conceito de família evoluiu no ordenamento jurídico</p><p>brasileiro, moldando-se ao longo do tempo, assim como aconteceu na</p><p>Grécia Antiga, no Império Romano e na Idade Média, cujas mudanças</p><p>culminaram em grandes alterações nas leis. Nessas transformações, a</p><p>Constituição Federal/1988 teve grande influência e papel nas novas</p><p>configurações de família. Nessa perspectiva, a entidade familiar passou a</p><p>integrar indivíduos que compartilham interesses de vida, prevalecendo</p><p>laços de afetividade e de solidariedade que se tornaram fundamentais</p><p>para a constituição da família, de modo que o vínculo conjugal cedeu</p><p>espaço ao afeto, possibilitando que a sociedade passasse de um modelo</p><p>único e hierárquico de família para um modelo plural e democrático.</p><p>O segundo capítulo – “Princípios constitucionais do Direito de</p><p>família” – destaca os princípios norteadores do direito de família,</p><p>especificamente, o princípio da afetividade nas relações familiares; o</p><p>princípio da dignidade da pessoa humana; o princípio da igualdade entre</p><p>cônjuges, filhos e entidades familiares; o princípio da liberdade e do</p><p>pluralismo de arranjos familiares; o princípio da paternidade responsável;</p><p>o princípio da solidariedade familiar; e o princípio do melhor interesse da</p><p>criança e do adolescente. Esses princípios, sejam expressos ou não, têm</p><p>reconstruído o Direito de família, que tem sido o ramo do Direito em que</p><p>mais se fazem refletir os princípios da Constituição Federal/1988,</p><p>sincronizados com as possibilidades de múltiplas facetas que pode</p><p>adquirir a entidade familiar contemporânea.</p><p>O terceiro capítulo – “Os novos modelos de família” – mostra a</p><p>pluralidade de arranjos familiares, alguns previstos na Constituição</p><p>Federal/1998, tais como, a família matrimonial, a família informal ou</p><p>união estável, e a família monoparental; outros reconhecidos pela</p><p>doutrina e pela</p><p>que passou a valorizar os laços afetivos de carinho e amor</p><p>dessas relações. Por outro lado, uma vez cessado o afeto, a dissolução do</p><p>vínculo é o único modo de garantir dignidade da pessoa (Dias, 2020).</p><p>CAPÍTULO�2��OS�PRINCÍPIOS</p><p>CONSTITUCIONAIS�DO�DIREITO�DE</p><p>FAMÍLIA</p><p>Princípio é um pressuposto lógico imprescindível da norma legislativa</p><p>que constitui o espírito da legislação, mesmo quando não expresso em</p><p>seu corpo, sendo utilizado para preencher as lacunas da lei; trata-se de</p><p>um ponto de partida; designa as primeiras verdades; referencial geral</p><p>para o intérprete, como um farol que ilumina os caminhos a serem</p><p>percorridos. Os princípios são proposições básicas, fundamentais, típicas</p><p>que condicionam todas as estruturações subsequentes; são os</p><p>fundamentos da ciência; são premissas de todo um sistema que se</p><p>desenvolve mais geométrico; são mecanismos que permitem a aplicação</p><p>da lei ao caso concreto de maneira modificativa, sendo considerados leis</p><p>das leis, os primeiros a serem invocados em qualquer processo</p><p>hermenêutico; constitui o fio condutor da hermenêutica jurídica, que</p><p>dirige o trabalho do intérprete em consonância com os valores e</p><p>interesses por eles abrigados. Desse modo, entende-se que ordenamento</p><p>jurídico positivo se compõe de regras e princípios, que estão acima das</p><p>regras, incorporando as exigências de justiça e de valores éticos que</p><p>constituem o suporte axiológico, conferindo coerência interna e</p><p>estrutura harmônica ao Direito (Dias, 2020; Freitas, 2016; Sarmento,</p><p>2003).</p><p>Os princípios ligados ao Direito contemporâneo implicam na quebra e</p><p>mudança de uma concepção jurídica estagnada, pois se entende que cada</p><p>espécie normativa desempenha funções diferentes e complementares.</p><p>Ademais, existem princípios gerais que se aplicam a todos os ramos do</p><p>direito, assim como os que cabem em situações específicas, como</p><p>aqueles próprios das relações familiares, que servem de norte para a</p><p>apreciação das questões no Direito de família. Os princípios</p><p>constitucionais foram convertidos em alicerce normativo sobre o qual</p><p>assenta todo o edifício jurídico do sistema constitucional; são pilares do</p><p>ordenamento jurídico brasileiro. Por isso, são utilizados para aclarar ou</p><p>adequar a interpretação da norma. Por serem abstratos, aplicam-se aos</p><p>mais diversos casos concretos, exigindo um esforço muito maior do que</p><p>aquele desprendido para a mera aplicação de um dispositivo legal (Lenza,</p><p>2016).</p><p>O Direito de família, especificamente, tem sido reconstruído à luz dos</p><p>princípios constitucionais, sejam expressos ou não. É o ramo do Direito</p><p>em que mais se fazem refletir os princípios da Constituição Federal/1988,</p><p>que sedimentou em seu texto os valores dominantes na sociedade</p><p>brasileira. Os princípios que regem o Direito de família devem estar</p><p>sincronizados com as possibilidades de múltiplas facetas que pode</p><p>adquirir a entidade familiar contemporânea, pois a família, que é o âmago</p><p>da sociedade, vem passando por grandes transformações, não há mais o</p><p>arrimo na dependência econômica, política e religiosa, pelo qual o</p><p>homem era o responsável pelo sustento familiar. Desse modo, os</p><p>princípios basilares do Direito de Família estão definidos na Constituição</p><p>Federal/1988, de modo expresso ou implícito, podendo derivar da</p><p>interpretação do sistema constitucional ou da interpretação</p><p>harmonizadora de normas constitucionais específicas, possibilitando a</p><p>compreensão dos fatores que levaram a realidade plural contemporânea</p><p>das famílias (Dias, 2020; Lôbo, 2017; Pereira, 2017; Sarmento, 2003).</p><p>Existem vários princípios constitucionais que norteiam o Direito de</p><p>Família. Dentre eles, destacam-se: princípio da afetividade nas relações</p><p>familiares; princípio da dignidade da pessoa humana; princípio da</p><p>igualdade entre cônjuges, filhos e entidades familiares; princípio da</p><p>liberdade e do pluralismo dos arranjos familiares; princípio da</p><p>paternidade responsável; princípio da solidariedade familiar; e princípio</p><p>do melhor interesse da criança e do adolescente; como se passa a expor.</p><p>1. Princípio da afetividade nas relações familiares</p><p>Afeto é uma expressão que se refere aos sentimentos, às emoções,</p><p>aos estados de alma e ao amor; também descreve qualquer estado</p><p>afetivo, agradável ou desagradável; assim como significa uma ligação</p><p>carinhosa em relação a alguém ou a algo, relacionando-se aos</p><p>sentimentos e emoções das pessoas em relação umas às outras; é o</p><p>termo perfeito para representar a ligação especial que existe entre duas</p><p>pessoas. O afeto é importante em todas as relações entre indivíduos,</p><p>devendo permear as ações do dia a dia na relação familiar, de maneira</p><p>que se exterioriza pelo cuidado e zelo, pelas demonstrações espontâneas</p><p>de carinho e cuidado, pois impulsiona as relações entre homem e mulher</p><p>e entre pais e filhos. Assim constitui a mola propulsora dos laços</p><p>familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo</p><p>amor; sustenta as estruturas familiares, pois sem afeto não há família;</p><p>não se justifica a família contemporânea sem a existência do afeto, pois</p><p>este é elemento formador e estruturador da entidade familiar, que tem a</p><p>proteção do Estado; a família só tem sentido enquanto unida pelos laços</p><p>de respeito, consideração, amor e afetividade. Ademais, o afeto é</p><p>elemento essencial de outros princípios constitucionais explícitos, em</p><p>especial, o da dignidade da pessoa humana, ao qual está intrinsecamente</p><p>relacionado. Dessa maneira, renovou-se o entendimento de família; a</p><p>sociedade passou a ser mais tolerante com a forma de convívio das</p><p>pessoas, que estão mais livres para buscar a realização dos seus sonhos,</p><p>sem precisar ficarem sujeitas a permanecer em estruturas</p><p>preestabelecidas (Calderón, 2011; Dias, 2020; Leite e Murta, 2017;</p><p>Lôbo, 2017; Maluf, 2012; Póvoas, 2012).</p><p>Desse modo, o afeto passou a ser reconhecido como valor jurídico</p><p>balizador da organização jurídica da família, a partir do momento em que</p><p>as famílias deixaram de ser essencialmente um núcleo econômico e</p><p>reprodutivo, e vem permeando as relações familiares. Entende-se que o</p><p>afeto busca o bem-estar de cada indivíduo que compõe a estrutura</p><p>familiar e, independente de quem a compõe, isto é, se o grupo familiar é</p><p>formado apenas pelo pai e filho, apenas irmãos ou formado pela mãe e</p><p>seu novo companheiro com os filhos de ambos. Assim, a família</p><p>contemporânea não se justifica sem o afeto, pois é o elemento formador</p><p>das entidades familiares, pois os laços de afeto e de solidariedade</p><p>derivam da convivência familiar, não do sangue. Destaca-se que o afeto</p><p>pode ser compreendido como um aspecto abstrato e intrínseco ao ser</p><p>humano e, embora seja evidente sua importância no direito de família,</p><p>especialmente na atualidade, não está expresso no ordenamento jurídico,</p><p>mas pode ser considerado como um direito personalíssimo que merece</p><p>proteção legal; não se trata de qualquer afeto, mas de um sentimento de</p><p>duas pessoas que se afeiçoam pelo convívio diuturno, em virtude de uma</p><p>origem ou razão de um destino comum (Barros, 2012; Cunha, 2009;</p><p>Lôbo, 2017).</p><p>Por sua vez, o princípio da afetividade deriva do afeto. Esse princípio</p><p>fundamenta o direito das famílias na estabilidade das relações</p><p>socioafetivas e na comunhão de vida, legitimando todas as formas de</p><p>família. A afetividade passou a constituir pressuposto jurídico</p><p>fundamental para o Direito de Família contemporâneo, representando a</p><p>expressão que vincula a autonomia da vontade de cada pessoa para</p><p>formar uma entidade familiar, gerando por consequência todos os efeitos</p><p>vinculantes decorrentes; é o princípio da afetividade que embasa o</p><p>reconhecimento das relações paterno-filiais, capaz de gerar os efeitos</p><p>jurídicos decorrentes da filiação. Enquanto o afeto compreende o</p><p>sentimento de afeição por alguém, o princípio da afetividade constitui o</p><p>cuidado em relação ao próximo, a demonstração de amor e carinho, não</p><p>apenas no sentido material, mas também no sentido emocional. Sendo</p><p>assim, a afetividade deve estar presente nos vínculos de parentesco</p><p>e de</p><p>filiação, variando na sua intensidade e nas especificidades do caso</p><p>concreto; entretanto, os vínculos consanguíneos não se sobrepõem aos</p><p>laços afetivos, podendo, em alguns casos, esses prevalecerem sobre</p><p>aqueles (Calderón, 2011; Dias, 2020; Madaleno, 2019; Pereira, 2017).</p><p>Nessa perspectiva, os valores acolhidos pelo texto constitucional</p><p>permitiram perceber a afetividade implícita em suas disposições, sendo</p><p>possível sustentar o reconhecimento jurídico da afetividade, a partir do</p><p>disposto na Carta Magna/1988, que prevê a isonomia entre os filhos</p><p>havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, determinando</p><p>que todos os filhos têm os mesmos direitos e qualificações, sendo</p><p>proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (art.</p><p>227, § 6º, CF); e o reconhecimento da união estável e comunidade</p><p>formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226 §§ 3º e 4º,</p><p>CF). Na mesma linha, o Código Civil/2002 (art. 1.593, CC) estabelece</p><p>que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade</p><p>ou outra origem, o que dá margem ao reconhecimento da parentalidade</p><p>socioafetiva. Por sua vez, o Enunciado nº 103 do Conselho da Justiça</p><p>Federal acolheu a noção de que há também parentesco civil no vínculo</p><p>parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida</p><p>heteróloga relativamente ao pai/ou mãe que não contribuiu com seu</p><p>material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse</p><p>do estado de filho. No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do</p><p>Adolescente (art. 25 § único, ECA), ao definir a família extensa ou</p><p>ampliada, estabelece, expressamente, que essa é formada por parentes</p><p>próximos com os quais a criança ou o adolescente convive e mantém</p><p>vínculos de afinidade e afetividade. Por sua vez, o Enunciado nº 519, da V</p><p>Jornada de Direito Civil, define que o reconhecimento judicial do vínculo</p><p>de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da</p><p>relação entre pais e filhos, com base na posse do estado de filhos, para</p><p>que produza efeitos pessoais e patrimoniais. Ademais, a Lei 11.340/2006</p><p>(art. 5º, III) determina que incide a proteção contra a violência doméstica</p><p>e familiar contra a mulher em qualquer relação íntima de afeto. Nessas</p><p>disposições esparsas, o princípio da afetividade se destaca, uma vez que</p><p>parentalidade socioafetiva não está prevista expressamente em nosso</p><p>ordenamento jurídico (Brasil, 1988; Brasil, 1990; Brasil, 2002; Brasil,</p><p>2006; Conselho da Justiça Federal, 2012; Lôbo, 2017).</p><p>Destaca-se que é sabido que o Direito está aquém das constantes</p><p>transformações sociais, resultando em diversas situações apresentadas</p><p>ao Judiciário que não estão previstas no ordenamento jurídico brasileiro,</p><p>cabendo ao juiz ponderar no caso concreto, sempre em observância aos</p><p>princípios que norteiam o sistema e a sociedade como um todo. Nesse</p><p>cenário, diferentes formas de constituição familiares surgiram (e</p><p>continuarão surgindo), para além da matrimonial e biológica, como a</p><p>união estável, a família monoparental, anaparental, mosaico, homoafetiva</p><p>e até mesmo famílias simultâneas. Assim, o critério afetivo que figurava</p><p>como coadjuvante no período da família clássica foi alçado a protagonista</p><p>na família contemporânea, tanto para as suas relações de conjugalidade</p><p>como para as suas relações de parentalidade. Desse modo, ainda que o</p><p>vínculo biológico ou registral não se faça presente na relação de</p><p>parentalidade, não constitui óbice ao reconhecimento jurídico da</p><p>paternidade ou maternidade socioafetiva, e os direitos e deveres dela</p><p>decorrentes, predominando o laço afetivo. A verdade sociológica da</p><p>filiação se constrói, revelando-se não apenas na descendência, mas no</p><p>comportamento de quem expende cuidados, carinho no tratamento, quer</p><p>em público, quer na intimidade do lar, com afeto verdadeiramente</p><p>paternal, construindo vínculo que extrapola o laço biológico, compondo a</p><p>base da paternidade (Calderón, 2017; Fachin, 2012).</p><p>Nesse seguimento, o princípio da afetividade sustenta a relação</p><p>familiar, sendo utilizado para criar ou declarar consequências e relações</p><p>jurídicas baseadas tanto em laços de sangue como em lações afetivos.</p><p>Desse modo, atualmente, o afeto é a razão da própria existência da</p><p>família, sendo responsável para formar, viabilizar e dar continuidade aos</p><p>grupos familiares, sendo, para tanto, um ato de liberdade, pautado na</p><p>reciprocidade dos integrantes. Desse modo, a afetividade tem se tornado</p><p>princípio fundamental na constituição das relações paterno-filiais</p><p>contemporâneas, gerando efeitos jurídicos práticos, em relação à</p><p>parentalidade e à convivência familiar, dentre outras consequências</p><p>jurídicas. O princípio da afetividade faz despontar a igualdade entre</p><p>irmãos biológicos e socioafetivos e o respeito a seus direitos</p><p>fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca, que</p><p>não pode ser, entretanto, perturbada pelo prevalecimento de interesses</p><p>patrimoniais exclusivos (Lôbo, 2017; Nogueira, 2001; Paiano, 2017).</p><p>O princípio da afetividade e o reconhecimento da parentalidade: o</p><p>parentesco civil não está restrito à consanguinidade (vínculos biológicos)</p><p>ou à afinidade (aqueles que decorrem do casamento/união estável),</p><p>podendo resultar somente de vínculo afetivo. Nessa linha, a</p><p>socioafetividade significa a relação exercida entre duas ou mais pessoas</p><p>caracterizadas pelo vínculo afetivo e pelo exercício de funções e lugares</p><p>definidos de pai, filho ou irmãos. A configuração da paternidade ou</p><p>maternidade socioafetiva depende da comprovação da existência de</p><p>fortes e sólidos laços de afetividade e convivência duradoura. Entende-se</p><p>que a reciprocidade não deve constituir elemento essencial à</p><p>configuração da parentalidade socioafetiva, pois diante dessa</p><p>possibilidade, umas das partes poderia simplesmente refutar o vínculo</p><p>afetivo existente para que este não produzisse efeitos jurídicos. Nesse</p><p>sentido, dispõe o Enunciado nº 339, do Conselho da Justiça Federal, que</p><p>a paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser</p><p>rompida em detrimento do melhor interesse do filho. Assim, o</p><p>reconhecimento da parentalidade socioafetiva não é direito somente dos</p><p>filhos, mas também dos pais (Cassettari, 2017; Conselho da Justiça</p><p>Federal, 2012; Pereira, 2017).</p><p>Destaca-se que o reconhecimento do direito à identidade genética não</p><p>implica, necessariamente, gerar uma relação de parentesco e,</p><p>consequentemente, seus efeitos jurídicos morais e patrimoniais, mas dar</p><p>a quem investiga a possibilidade de conhecer mais sobre si, adequando</p><p>sua realidade à sua verdade, e, dessa forma, manter uma convivência</p><p>plena com o meio social que o cerca. Nesse sentido, deve ser garantido o</p><p>direito ao conhecimento de suas origens, sem que essa identificação</p><p>importe na desconstituição da paternidade e/ou maternidade da filiação</p><p>jurídica ou socioafetiva, ou seja, não cause quaisquer efeitos sobre a</p><p>relação de parentesco, pois não deve haver valoração da identidade</p><p>biológica sobre os laços afetivos presentes na relação paterno-filial.</p><p>Nessa linha, a origem genética não é suficiente para fundamentar a</p><p>filiação, uma vez que a verdade biológica nem sempre é adequada,</p><p>quando já estiver construída uma convivência duradoura, sólida e afetiva</p><p>entre pais e filhos socioafetivos. Dessa forma, a parentalidade traduz-se</p><p>na relação de parentesco estabelecida entre pessoas da mesma família,</p><p>seja por laços consanguíneos ou socioafetivos ou decorrentes do</p><p>matrimônio ou união estável. Assim, da parentalidade socioafetiva, que é</p><p>gênero, decorrem as espécies de paternidade e maternidade</p><p>socioafetivas. Aplicando-se o princípio da afetividade, é possível</p><p>reconhecer a relação paterno-filial entre pessoas que convivem como se</p><p>pai e filho fossem, ainda que não estejam presentes laços sanguíneos, o</p><p>que não torna o critério afetivo superior ao biológico, necessitando</p><p>avaliação das circunstâncias e elementos de prova para se definir, no caso</p><p>concreto, o vínculo paterno-filial (Cassettari,</p><p>2017; Farias e Rosenvald,</p><p>2017; Lôbo, 2017; Pereira, 2017).</p><p>Nessa linha de pensamento, destaca-se o entendimento do Superior</p><p>Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº REsp: 1674849 RS</p><p>2016/0221386-0, esclarecendo que havendo conflito entre paternidade</p><p>socioafetiva e paternidade biológica, prevalece aquela, considerando-se o</p><p>princípio da paternidade responsável e o melhor interesse da criança,</p><p>principalmente quando se discute, de um lado, o direito ao</p><p>estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito à manutenção</p><p>dos vínculos que se estabeleceram a partir de uma relação de cuidado e</p><p>afeto, representada pela posse do estado de filho. Destacou também que</p><p>o requerimento da inclusão do nome do pai biológico no registro civil de</p><p>nascimento, no atingimento da maioridade da criança, constitui direito</p><p>personalíssimo, indisponível e imprescritível, quando essa poderá avaliar,</p><p>de forma independente e autônoma, a conveniência do ato, como segue:</p><p>Recurso especial. Ação de investigação de paternidade c/c retificação de</p><p>registro de nascimento. Filho havido de relação extraconjugal. Conflito entre</p><p>paternidade socioafetiva e biológica. Multiplicidade de vínculos parentais.</p><p>Reconhecimento concomitante. Possibilidade quando atender ao melhor</p><p>interesse da criança. Aplicação da ratio essendi do precedente do Supremo</p><p>Tribunal Federal julgado com repercussão geral. Sobreposição do interesse da</p><p>genitora sobre o da menor. Recurso desprovido. 1. O propósito recursal diz</p><p>respeito à possibilidade de concomitância das paternidades socioafetiva e</p><p>biológica (multiparentalidade). 2. O reconhecimento dos mais variados</p><p>modelos de família veda a hierarquia ou a diferença de qualidade jurídica entre</p><p>as formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico (ADI</p><p>nº 4.277/DF). 3. Da interpretação não reducionista do conceito de família</p><p>surge o debate relacionado à multiparentalidade, rompendo com o modelo</p><p>binário de família, haja vista a complexidade da vida moderna, sobre a qual o</p><p>Direito ainda não conseguiu lidar satisfatoriamente. 4. Apreciando o tema e</p><p>reconhecendo a repercussão geral, o Plenário do STF, no julgamento do RE</p><p>898.060/SC, Relator Ministro Luiz Fux, publicado no DJe de 24/08/2017, fixou</p><p>a seguinte tese: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro</p><p>público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante</p><p>baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e</p><p>extrapatrimoniais.” 5. O reconhecimento de vínculos concomitante de</p><p>parentalidade é uma casuística, e não uma regra, pois, como bem salientado</p><p>pelo STF naquele julgado, deve-se observar o princípio da paternidade</p><p>responsável e primar pela busca do melhor interessa da criança</p><p>principalmente um processo em que se discute, de um lado, o direito ao</p><p>estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito à manutenção os</p><p>vínculos que se estabeleceram, cotidianamente, a partir de uma relação de</p><p>cuidado e afeto, representada pela posse do estado de filho. 6. As instâncias</p><p>ordinárias afastaram a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade</p><p>na hipótese em questão, pois, de acordo com as provas carradas aos autos,</p><p>notadamente o estudo social, o pai biológico não demonstra nenhum interesse</p><p>em formar vínculo afetivo com a menor, e, em contrapartida, o pai socioafetivo</p><p>assiste (e pretende continuar assistindo) à filha afetiva e materialmente. Ficou</p><p>comprovado, ainda que a ação tenha sido ajuizada exclusivamente no interessa</p><p>da genitora, que se vale da criança para conseguir atingir suas pretensões. 7.</p><p>Ressalva-se, contudo, o direito personalíssimo, indisponível e imprescritível,</p><p>da menor pleitear a inclusão do nome do pai biológico em seu registro civil ao</p><p>atingir a maioridade, momento em que poderá avaliar, de forma independente</p><p>e autônoma, a conveniência do ato. 8. Recurso especial desprovido. (STJ –</p><p>REsp: 1674849 RS 2016/0221386-0. Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze.</p><p>Data de julgamento: 17/04/2018, T3 – Terceira Turma, Data de publicação:</p><p>DJe 23/04/2018) (Brasil, 2018)</p><p>Desse modo, o princípio jurídico da afetividade fundamenta as</p><p>relações interpessoais e o Direito de família. Todavia, sua aplicação deve</p><p>ser ponderada em consonância com os demais princípios do Direito de</p><p>família e em minuciosa análise do caso concreto, dado o subjetivismo da</p><p>afetividade, devendo ainda se pautar nos princípios da dignidade da</p><p>pessoa humana, na paternidade responsável e no melhor interesse dos</p><p>filhos (Lôbo, 2017).</p><p>O princípio da afetividade e o reconhecimento da multiparentalidade:</p><p>com a aceitação do critério afetivo para a caracterização da relação de</p><p>parentesco e considerando que o parentesco biológico não deixa de</p><p>existir ainda que reconhecida a paternidade e/ou maternidade</p><p>socioafetiva, abriu-se precedentes para o reconhecimento jurídico de</p><p>mais de dois pais ou duas mães, nos casos em que todos têm</p><p>relacionamento afetivo com o filho.</p><p>Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso</p><p>Extraordinário nº RE: 898.060 de 21/09/2016, manifestou entendimento</p><p>reconhecendo a possibilidade de cumulação entre uma paternidade</p><p>socioafetiva, concomitantemente, com uma paternidade/maternidade</p><p>biológica, no caso em que ambas se mantêm faticamente, admitindo a</p><p>existência jurídica de dois pais ou duas mães. Destacou a necessidade de</p><p>se amparar as mais diversas formas de constituição de família, que, à luz</p><p>dos preceitos constitucionais da Carta Magna/1988, afastou a distinção</p><p>entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos, para acolher a filiação</p><p>decorrente de laços biológicos e socioafetivos, e a multiparentalidade no</p><p>caso concreto. Ressaltou ainda que esses novos arranjos familiares e a</p><p>pluriparentalidade, sem previsão legal, não podem restar ao desabrigo da</p><p>proteção; assim, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica</p><p>merecem a tutela jurídica, concomitante, para todos os fins de direito,</p><p>para se prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos</p><p>envolvidos, ante aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa</p><p>humana e da paternidade responsável. Ainda, fixou a Tese Jurídica de</p><p>Repercussão Geral nº 622, para aplicação a casos semelhantes, pela qual:</p><p>“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede</p><p>o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem</p><p>biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (Brasil, 2016, p. 01)</p><p>Como segue:</p><p>Recurso Extraordinário. Repercussão Geral reconhecida. Direito Civil e</p><p>Constitucional. Conflito entre paternidades socioafetiva e biológica.</p><p>Paradigma do casamento. Superação pela Constituição de 1988. Eixo central</p><p>do Direito de Família: deslocamento para o plano constitucional. Sobre</p><p>princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB). Superação de óbices</p><p>legais ao pleno desenvolvimento das famílias. Direito à busca da felicidade.</p><p>Princípio constitucional implícito. Indivíduo como centro do ordenamento</p><p>jurídico-político. Impossibilidade de redução das realidades familiares a</p><p>modelos pré-concebidos. Atipicidade constitucional do conceito de entidades</p><p>familiares. União estável (art. 226, § 3º, CRFB) e família monoparental (art.</p><p>226, § 4º, CRFB). Vedação à discriminação e hierarquização entre espécies de</p><p>filiação (art. 227, § 6º, CRFB). Parentalidade presuntiva, biológica ou afetiva.</p><p>Necessidade de tutela jurídica ampla. Multiplicidade de vínculos parentais.</p><p>Reconhecimento concomitante. Possibilidade. Pluriparentalidade. Princípio da</p><p>paternidade responsável (art. 226, § 7º, CRFB). Recurso a que se nega</p><p>provimento. Fixação de tese para aplicação a casos semelhantes. 1. O</p><p>prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias inferiores</p><p>abordam a matéria jurídica invocada no Recurso Extraordinário na</p><p>fundamentação do julgado recorrido, tanto mais que a Súmula n. 279 desta</p><p>Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve ser apreciado à luz das</p><p>assertivas fáticas estabelecidas na origem. 2. A família, à luz</p><p>dos preceitos</p><p>constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente</p><p>da vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que</p><p>informava o sistema do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de</p><p>filiação, por adotar presunção baseada na centralidade do casamento,</p><p>desconsiderava tanto o critério biológico quanto o afetivo. 3. A família, objeto</p><p>do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano</p><p>constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos</p><p>parentais à luz do sobre princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB)</p><p>e da busca da felicidade. 4. A dignidade humana compreende o ser humano</p><p>como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se</p><p>em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida</p><p>tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais</p><p>definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori</p><p>pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE</p><p>45, 187). 5. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das</p><p>famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios</p><p>indivíduos é corolário do sobre princípio da dignidade humana. 6. O direito à</p><p>busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que</p><p>eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece</p><p>as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de</p><p>escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios</p><p>eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares.</p><p>Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste</p><p>Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de</p><p>Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de</p><p>14/10/2011. 7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de</p><p>consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da</p><p>felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar</p><p>a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. 8. A Constituição</p><p>de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos</p><p>modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art.</p><p>226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus</p><p>descendentes, cognominada “família monoparental” (art. 226, § 4º), além de</p><p>enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais</p><p>merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e,</p><p>portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º). 9. As uniões</p><p>estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como</p><p>entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação não-</p><p>reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por</p><p>vias distintas do casamento civil (ADI nº. 4277, Relator(a): Min. AYRES</p><p>BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). 10. A compreensão jurídica</p><p>cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as</p><p>formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela</p><p>presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela</p><p>descendência biológica ou (iii) pela afetividade. 11. A evolução científica</p><p>responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de</p><p>importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para</p><p>concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural</p><p>emanação do direito de personalidade de um ser. 12. A afetividade enquanto</p><p>critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde</p><p>o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça,</p><p>reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo</p><p>parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse</p><p>tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua</p><p>condição de descendente pela comunidade (reputatio). 13. A paternidade</p><p>responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na</p><p>perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o</p><p>acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela</p><p>relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da</p><p>ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro</p><p>vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento</p><p>jurídico de ambos. 14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser</p><p>exemplificada pelo conceito de “dupla paternidade” (dual paternity),</p><p>construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década</p><p>de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao</p><p>direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina. 15. Os arranjos</p><p>familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao</p><p>desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que</p><p>merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os</p><p>vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais</p><p>completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios</p><p>constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade</p><p>responsável (art. 226, § 7º). 16. Recurso Extraordinário a que se nega</p><p>provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos</p><p>semelhantes: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro</p><p>público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante</p><p>baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (RE 898060,</p><p>Relator(a): Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, Processo</p><p>Eletrônico DJe-187. Divulgação: 23/08/2017. Publicação: 24/08/2017) (Brasil,</p><p>2016)</p><p>Contudo, ainda que a parentalidade biológica exista sem afeto entre</p><p>pais e filhos, essa não prevalece sobre a parentalidade socioafetiva ou</p><p>essa sobre aquela; ambas devem coexistir em razão de serem distintas,</p><p>para que não se permitam injustiças e para que as pessoas não usem a</p><p>evolução doutrinária e jurisprudencial brasileira sobre o assunto de</p><p>maneira equivocada (Cassettari, 2017; Calderón, 2017; Gonçalves, 2018;</p><p>Tartuce, 2018).</p><p>O princípio da afetividade e a convivência familiar, a concessão de</p><p>guarda e do direito de visitas aos pais genitores, aos pais socioafetivos, aos</p><p>avós e demais pessoas ligadas pelo vínculo afetivo à criança e ao</p><p>adolescente: a Constituição Federal/1988 (art. 227) prevê o direito à</p><p>convivência familiar, à criança e ao adolescente, sendo dever da família,</p><p>da sociedade e do Estado assegurar-lhes referido direito. Contudo o</p><p>direito à convivência familiar, a acompanhar os filhos em suas atividades,</p><p>a participar de sua rotina e de seu cotidiano, não pertence somente a</p><p>quem detém a guarda da criança ou do adolescente, pois o poder familiar</p><p>permanece com o pai ou a mãe não guardiões. Desse modo, nos casos de</p><p>pais separados, ao determinar com quem ficará a guarda dos filhos, deve</p><p>o juiz primar pela guarda compartilhada, se esta atender ao melhor</p><p>interesse da criança e do adolescente e, ainda, atentando-se ao vínculo</p><p>afetivo, ao carinho e cuidado mútuos, dando aos pais que porventura não</p><p>detiverem a guarda, o direito a participar ativamente da vida dos filhos.</p><p>Nesse sentido, a guarda compartilhada, assim entendida como aquela em</p><p>que duas ou mais pessoas exercem concomitantemente as funções</p><p>maternas e paternas no cotidiano da criança ou adolescente, passou a ser</p><p>a regra geral, considerando-se o critério afetivo que se tornou um dos</p><p>principais orientadores do julgador no momento de definir com qual dos</p><p>pais ficará a guarda (Brasil, 1988; Calderón, 2017; Pereira, 2017).</p><p>Seguindo esse entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado da</p><p>Bahia, em Agravo de Instrumento nº 0018212-69.2014.8.05.0000, de</p><p>Salvador, reconheceu que a convivência entre pais e filhos</p><p>não é somente</p><p>um direito assegurado aos genitores, mas, principalmente, um direito da</p><p>criança ou do adolescente de se relacionar de forma saudável com eles e</p><p>de reforçar os vínculos familiares, não devendo, por isso, ser diminuído o</p><p>tempo de visitação do pai que não possui a guarda física do filho, sem</p><p>motivo justificável, em atenção à preservação dos laços de afetividade</p><p>dentro do seio familiar, como segue:</p><p>Agravo de instrumento. Direito de família. Guarda compartilhada.</p><p>Regulamentação do direito de visita. Inexistência de motivos a restringir o</p><p>direito do genitor. Primazia do melhor interesse do menor. Preservação dos</p><p>laços afetivos entre pai e filho. Prevalência do bem-estar da criança. Agravo a</p><p>que se dá provimento. 1. A guarda compartilhada garante que a criança</p><p>desfrute da companhia paterna e materna de forma expressiva e abundante</p><p>sem que se perca, entretanto, a referência de residência e moradia. Para</p><p>tanto, o regime de visitação entre o infante e o genitor que não detenha sua</p><p>“guarda física” deve ser o mais amplo possível. 2. No que toca ao direito de</p><p>visita entre pais separados e seus descendentes, os interesses juridicamente</p><p>protegidos e os absolutamente determinantes serão sempre os dos infantes,</p><p>prevalentes sobre quaisquer outros. 3. A convivência entre pais e filhos não é</p><p>somente um direito assegurado aos genitores, mas, sobremaneira, um direito</p><p>da criança de com eles se relacionar de forma saudável, reforçando-se os</p><p>vínculos familiares. 4. Inexistindo, in casu, qualquer motivo a justificar a</p><p>redução do tempo de visitação do agravante a sua prole, deve-se preservar os</p><p>laços de afetividade dentro do seio familiar, garantindo-se ao infante o pleno</p><p>desenvolvimento físico e psíquico e prestigiando suas necessidades</p><p>essenciais. 5. Agravo a que se dá provimento. (Classe: Agravo de</p><p>Instrumento, Número do Processo: 0018212-69.2014.8.05.0000, Relator(a):</p><p>Dinalva Gomes Laranjeira Pimentel, Publicado em: 27/01/2016) (Bahia, 2016)</p><p>Ademais, o direito de convivência familiar não compete somente aos</p><p>genitores biológicos, mas também aos pais socioafetivos, ainda que não</p><p>registrais, visto que podem pleitear o reconhecimento da parentalidade</p><p>socioafetiva e, consequentemente, os direitos daí decorrentes, como</p><p>também aos avós e outras pessoas com as quais a criança ou o</p><p>adolescente mantenham vínculos afetivos, visando, nesses casos, o</p><p>atendimento ao seu melhor interesse, conforme estabelece o Enunciado</p><p>nº 333, da IV Jornada de Direito Civil. Da mesma forma, o Código</p><p>Civil/2002 (art. 1.584, § 5º) determina que a guarda do filho, se não</p><p>permanecer com os pais, deve ficar com o parente mais próximo que</p><p>com ele mantenha relação de afetividade. Destaca-se que o deferimento</p><p>da guarda e do direito de visita se baseia nos princípios da afetividade e</p><p>do melhor interesse da criança e do adolescente, na medida em que visa</p><p>preservar o convívio desses com aqueles com quem já possuem um forte</p><p>vínculo afetivo e são capazes de prover-lhe a subsistência. Contudo, para</p><p>romper o liame natural existente entre pais e filhos, com o deferimento</p><p>da guarda a terceiro, é necessário que existam motivos graves que</p><p>autorizem a medida e atribuam maior vantagem aos filhos (Brasil, 2002;</p><p>Conselho da Justiça Federal, 2012; Gonçalves, 2018).</p><p>Desse modo, as relações familiares, formais ou informais, indígenas</p><p>ou exóticas, simples ou complexas, nutrem-se de afeto, perdão,</p><p>solidariedade, paciência, devotamento, transigência, sentimentos que</p><p>possibilitam o viver em comum. Assim, o princípio da afetividade é</p><p>fundador da família contemporânea, que faz parte de uma construção</p><p>social, composta por regras culturais, jurídicas e sociais e que está</p><p>alicerçada em laços de afeto, buscando por meio do amor a construção e</p><p>permanência de uma união de vida plena entre as pessoas, de forma</p><p>pública, contínua e duradoura. Contudo, o princípio da afetividade não se</p><p>confunde com o afeto enquanto valor psíquico, pois a afetividade é dever</p><p>imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles,</p><p>mesmo que não haja amor e afeição entre eles; esse dever deixará de</p><p>incidir somente pelo falecimento de um dos entes envolvidos ou com a</p><p>perda do poder familiar; já quanto à relação entre os cônjuges e</p><p>companheiros, referido dever existe enquanto houver afetividade real,</p><p>pois esta é pressuposto da convivência. Assim, a afetividade enseja no</p><p>dever de cuidado, sendo distinto do amor; tanto que existem ações de</p><p>indenização pela ausência de afetividade, de cuidado e presença na vida</p><p>dos filhos, não somente pela falta de suporte financeiro. É essa</p><p>assistência e respeito mútuos que fazem com que as novas famílias</p><p>sejam criadas e permaneçam na sociedade; a função essencial da família</p><p>é assegurar a felicidade dos seus membros (Azevedo, 2013; Lôbo, 2017;</p><p>Pessanha, 2019).</p><p>2. Princípio da dignidade da pessoa humana e da</p><p>paternidade responsável</p><p>A dignidade humana compreende o ser humano como um ser</p><p>intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em</p><p>liberdade, podendo escolher os próprios objetivos de vida com</p><p>preferência absoluta em relação a eventuais determinações legais</p><p>estabelecedoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados</p><p>predefinidos pelo legislador. Desse modo, pelo fato de existir, toda</p><p>pessoa, independentemente de sua condição social, traz na sua</p><p>superioridade racional a dignidade de todo ser. Trata-se do condão de</p><p>qualquer ser humano; é um alicerce da ordem jurídica democrática; é a</p><p>essência de todo ser humano, que consagra os seus valores mais</p><p>importantes; é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que</p><p>o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e</p><p>da comunidade; é o núcleo existencial que é essencialmente comum a</p><p>todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero humano,</p><p>impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade. A</p><p>dignidade da pessoa humana pode ser considerada o epicentro do qual</p><p>decorrem outras proteções constitucionais à família; isso porque mais do</p><p>que garantir a sobrevivência; é o núcleo existencial que é</p><p>essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros</p><p>iguais do gênero humano, impondo-se um dever geral de respeito,</p><p>proteção e intocabilidade; constitui valor espiritual e moral, inerente à</p><p>pessoa e, independentemente de qualquer tipo de condição, todas as</p><p>pessoas, enquanto seres humanos merecem ser respeitadas como pessoa</p><p>(Brasil, 1988; Dias, 2020; Gagliano e Pamplona Filho, 2017; Lôbo, 2017;</p><p>Madaleno, 2019; Sarmento, 2003).</p><p>O princípio da dignidade da pessoa humana está enunciado na</p><p>Constituição Federal/1988 (art. 1º, III), constituindo um dos fundamentos</p><p>da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito,</p><p>representando o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando</p><p>efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos</p><p>estatais, mas toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no</p><p>seio da sociedade. É considerado o princípio maior, um superprincípio, do</p><p>qual se derivam todos os demais; é o núcleo da ordem constitucional; é</p><p>um dos pilares de sustentação dos ordenamentos jurídicos modernos; é a</p><p>proteção inatingível do ser humano; conduz a ideia de que cada indivíduo</p><p>merece respeito, igualdade e liberdade, tendo todos os aspectos da sua</p><p>existência protegidos à luz do Estado Democrático de Direito. A</p><p>atribuição conferida a referido princípio é fundamentada através da sua</p><p>capacidade de obter uma melhor interpretação dos direitos e garantias,</p><p>conferidos a seus jurisdicionados. Contudo, sua essência é difícil de ser</p><p>capturada em palavras, mas incide sobre uma infinidade de situações que</p><p>dificilmente se consegue elencar de antemão; e não significa a</p><p>impossibilidade de serem estabelecidas restrições aos direitos e</p><p>garantias fundamentais, porém, não pode ultrapassar a linha intocável</p><p>atribuída pela dignidade da pessoa humana, merecendo o respeito por</p><p>parte do Estado e da sociedade,</p><p>para evitar discriminação e prejuízos ao</p><p>indivíduo (Aragão, 2013; Sarlet, 2005; Sarmento, 2003; Tartuce e Simão,</p><p>2016).</p><p>Nessa perspectiva, o direito de família, considerado o mais humano</p><p>de todos os ramos do ordenamento jurídico, através da Constituição</p><p>Federal/1988, encontra-se alicerçado pela dignidade da pessoa humana,</p><p>que resguarda a igual dignidade a todos os tipos de família e de filiação.</p><p>Em função disso, originaram-se diversos arranjos familiares, que visam</p><p>preservar e desenvolver as qualidades que realmente sejam essenciais</p><p>para a construção de uma relação estável e feliz, consolidada pelo afeto,</p><p>solidariedade, união, respeito, confiança, amor e projeto de vida comum,</p><p>permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de seus</p><p>integrantes. Além disso, a Carta Magna descreve que o planejamento</p><p>familiar está assentado no princípio da dignidade da pessoa humana e da</p><p>paternidade responsável, além de prever que é dever da família, da</p><p>sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente os direitos</p><p>fundamentais, considerados garantias e fundamentos mínimos de uma</p><p>vida tutelada, carecendo de especial proteção pelo fato de a criança ou o</p><p>adolescente estar formando a sua personalidade durante o estágio de seu</p><p>crescimento e desenvolvimento físico e mental. Trata-se de garantia</p><p>constitucional no sentido de que os direitos da pessoa serão respeitados</p><p>pelo Estado e por todos ao seu redor, assegurando o bem-estar e a moral</p><p>do indivíduo; constitui a fundamentação de que o país tem a obrigação de</p><p>atender as necessidades básicas e fundamentais de seus cidadãos para</p><p>ter uma vida digna (Dias, 2020; Madaleno, 2019).</p><p>Nessa linha de pensamento, o princípio da dignidade da pessoa</p><p>humana pode ser identificado como o princípio norteador de toda a base</p><p>do Direito de família. A partir dessa premissa, o desafio do intérprete é</p><p>delimitar o sentido e o alcance da dignidade da pessoa humana, à luz do</p><p>caso concreto, visando garantir a vida digna e o respeito mútuo aos</p><p>membros de qualquer modelo de entidade familiar, sem deixar de</p><p>considerar o princípio da intervenção mínima do Estado. Por isso, o</p><p>princípio da dignidade da pessoa humana possui grande relevância para a</p><p>solução das novas demandas da sociedade, no campo das relações</p><p>familiares, assim como possibilita assegurar a dignidade para todas as</p><p>entidades familiares, vedando tratamento diferenciado às várias formas</p><p>de filiação ou aos vários tipos de constituição de família; é o que se</p><p>consegue visualizar na dimensão do espectro desse princípio, que tem</p><p>contornos cada vez mais amplos. Por isso, no Direito de família, esse</p><p>princípio encontra o solo apropriado para florescer e uma base adequada</p><p>para se desenvolver, pois é onde se lida diretamente com os sentimentos</p><p>dos indivíduos (Dias, 2020; Soares, 2010).</p><p>Ademais, esse princípio tem relação com o planejamento familiar,</p><p>segundo o que determina a Carta Magna (art. 226 § 7º), pela qual o</p><p>planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado</p><p>propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse</p><p>direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições</p><p>oficiais ou privadas. Desse modo, é de responsabilidade do Estado</p><p>fornecer as garantias necessárias para que tal princípio seja aplicado de</p><p>modo a assegurar a dignidade da família e de seus membros. Assim, o</p><p>princípio da dignidade da pessoa humana não representa apenas um</p><p>limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para a sua</p><p>ação positiva. O Estado não tem apenas o dever de abster-se de praticar</p><p>atos que atentem contra a dignidade humana, mas também deve</p><p>promover essa dignidade através de condutas ativas e políticas públicas,</p><p>garantindo o mínimo existencial para cada ser humano na sua esfera</p><p>territorial (Brasil, 1988; Sarmento, 2003).</p><p>O princípio da paternidade responsável significa responsabilidade</p><p>familiar que deve ser observada tanto na formação como na manutenção</p><p>da família; aplica-se ao pai e à mãe, desde a concepção dos filhos e se</p><p>estende durante a criação deles, não devendo recair somente sobre um</p><p>dos genitores. Tem por objetivo assegurar um planejamento familiar</p><p>racional e independente, para que os seus membros possam se</p><p>desenvolver naturalmente. Esse princípio é garantido expressamente na</p><p>Constituição Federal (art. 226, § 7º), pela qual, fundado nos princípios da</p><p>dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o</p><p>planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado</p><p>propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse</p><p>direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições</p><p>oficiais ou privadas. Por sua vez, a Lei nº 9263/96 (art. 2º) estabelece que</p><p>o planejamento familiar consiste no conjunto de ações de regulação da</p><p>fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou</p><p>aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. Ainda, o</p><p>princípio da paternidade responsável está implícito no Código Civil/2002</p><p>(art. 1.597, V), ao tratar das técnicas de reprodução assistida; e na Lei nº</p><p>8.069/90 (art. 27), ao dispor que o reconhecimento do estado de filiação é</p><p>direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser</p><p>exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição,</p><p>observado o segredo de Justiça. Nessa linha, a Lei nº 8.560/92 determina</p><p>que o reconhecimento da filiação é irrevogável, assegurando maior</p><p>efetividade ao exercício do direito de filiação, bem como maior</p><p>obrigatoriedade ao princípio da paternidade responsável. Ainda, o</p><p>Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário RE nº 898.080, de</p><p>21/09/2016 manifestou entendimento afirmando que a paternidade</p><p>responsável, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela</p><p>felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de</p><p>filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto</p><p>daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário</p><p>decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do</p><p>descendente for o reconhecimento jurídico de ambos (Brasil, 1988;</p><p>Brasil, 1990; Brasil, 1992; Brasil, 1996a; Brasil, 2002; Brasil, 2016; Pires,</p><p>2013).</p><p>3. Princípio da igualdade entre cônjuges, filhos e entidades</p><p>familiares</p><p>O princípio constitucional da igualdade formal e substancial é um dos</p><p>fundamentos jurídicos da dignidade humana, o que impede a ocorrência</p><p>de qualquer tratamento discriminatório entre os gêneros, entre os filhos</p><p>e entre as entidades familiares, embora persistam as diferenças sociais,</p><p>econômicas e psicológicas. Esse princípio constitucional (art. 5º, CF)</p><p>estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer</p><p>natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no</p><p>país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à</p><p>segurança e à propriedade. Esse princípio representa grande avanço na</p><p>sociedade como um todo, pois constitui um paradigma distante das</p><p>imposições até então vigentes. A aplicação desse princípio significa dar</p><p>tratamento isonômico às partes, tratando igualmente os iguais e</p><p>desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.</p><p>Este princípio diz respeito à proporcionalidade de tratamento entre as</p><p>pessoas, com a finalidade de não haver privilégio uns sobre os outros.</p><p>Isso porque procura colocar em igualdade aqueles que são desiguais,</p><p>respeitando-os na medida de sua desigualdade. Trata-se de princípio que</p><p>tem uma ligação direta com o conceito de justiça e moral, e que deve</p><p>iluminar o caminho do legislador na elaboração das leis e ao operador do</p><p>direito, para que se chegue a uma decisão justa e acertada, ou seja, que</p><p>trate todos os indivíduos não apenas como sujeitos de direitos, igualdade</p><p>formal, mas que estes mesmos sujeitos podem ser diferentes entre si e</p><p>merecem tratamento diferenciado por este motivo, igualdade material.</p><p>Desse modo, o princípio da igualdade deve ser aplicado para assegurar</p><p>direitos a quem a</p><p>lei ignora; sendo assim, o juiz não deve aplicar a lei de</p><p>modo a gerar desigualdades (Brasil, 1988; Dellani, 2013; Dias, 2020).</p><p>No Direito de Família, o princípio da igualdade abrange três</p><p>elementos de uma relação familiar: os cônjuges, os filhos e as entidades</p><p>familiares. Na relação entre os cônjuges, esse princípio retirou o caráter</p><p>autoritário da prevalência da função masculina na entidade familiar,</p><p>eliminando a relação de subordinação da mulher, que antes ficava restrita</p><p>aos cuidados da casa e dos filhos, dependendo da autorização marital em</p><p>diversas situações; ao extinguir o modelo patriarcal de família, esse</p><p>princípio substituiu o poder marital e a autocracia do chefe de família por</p><p>um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo</p><p>entre conviventes ou entre marido e mulher, pois os tempos atuais</p><p>requerem que marido e mulher tenham os mesmos direitos e deveres</p><p>referentes à sociedade conjugal; o patriarcalismo não mais se coaduna</p><p>com a época atual, nem atende aos anseios da sociedade; por isso,</p><p>juridicamente, o poder familiar é substituído pela autoridade conjunta e</p><p>indivisiva, não mais se justificando a submissão legal da mulher,</p><p>passando a existir uma equivalência de papéis, de forma que a</p><p>responsabilidade pela família passou a ser dividida igualmente entre o</p><p>casal. Por isso, a Carta Magna afirma que homens e mulheres são iguais</p><p>em direitos e obrigações (CF 5º, I), assim como define a igualdade de</p><p>direitos e deveres de ambos em relação à sociedade conjugal (art. 226 §</p><p>5º, CF). Ademais, o Código Civil (art. 1.511, CC) determina que o</p><p>casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de</p><p>direitos e deveres dos cônjuges, como também define que a direção da</p><p>sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela</p><p>mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos (art. 1.567, CC); e,</p><p>ainda, dispõe que a mútua assistência constitui um dos deveres de ambos</p><p>os cônjuges (art. 1.566, CC). Desse modo, foi instituída a isonomia no</p><p>Direito das famílias e banida a desigualdade de gêneros, depois de longo</p><p>tempo de tratamento discriminatório entre homens e mulheres. Assim, o</p><p>princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros estabelece</p><p>que ambos têm os mesmos direitos e deveres. Sendo assim, esse</p><p>princípio visa igualar a mulher numa sociedade tradicionalmente</p><p>machista, onde a mulher sempre foi vista como sexo frágil, sem os</p><p>mesmos direitos atribuídos ao homem (Brasil, 1988; Brasil, 2002; Dias,</p><p>2020; Diniz, 2012; Madaleno, 2019; Silva, 2006).</p><p>O princípio da igualdade alcança também os vínculos de filiação, ao</p><p>proibir qualquer designação discriminatória com relação aos filhos</p><p>havidos ou não da relação de casamento ou por adoção (art. 227 § 6.º,</p><p>CF). A igualdade entre os filhos é um princípio decorrente do Direito de</p><p>Família, previsto na Carta Magna, consolidando a dignidade da pessoa</p><p>humana. Dessa forma, não pode existir tratamento desigual aos filhos</p><p>cabendo ao ordenamento jurídico impedir qualquer forma de distinção</p><p>entre eles, pois todos os filhos são iguais, independentemente, de serem</p><p>do sexo masculino ou feminino, fruto de um casamento/união estável, ou</p><p>não, havendo ou não laços de sangue, adotivos ou socioafetivos, ou</p><p>concebidos por inseminação artificial heteróloga; todos têm o mesmo</p><p>Direito, e os pais têm deveres com todos, de igual forma, sem quaisquer</p><p>designações discriminatórias relativas (art. 227, § 6º, CF; art. 20, ECA;</p><p>art. 1.596, CC). Por isso, foram extintos nomes discriminatórios, como</p><p>filhos ilegítimos, bastardos, espúrios, adotivos, adulterinos, legitimados e</p><p>incestuosos; perante a lei, todos são iguais, inclusive recaindo a estes os</p><p>mesmos direitos morais e patrimoniais. Hoje, têm-se apenas filhos e</p><p>todos os direitos e deveres inerentes aos filhos deverão ser respondidos</p><p>e representados de maneira igualitária. Desse modo, destaca-se que esse</p><p>princípio tem grande importância no Direito de família, sendo mais do</p><p>que uma norma constitucional, e sim um princípio basilar, que representa</p><p>grande avanço no âmbito jurídico brasileiro ao colocar no mesmo</p><p>patamar, os filhos que uma vez foram discriminados em legítimos e</p><p>ilegítimos, e não só no direito ao reconhecimento da filiação, mas</p><p>também ao definir todos os direitos e garantias decorrentes. Sendo</p><p>assim, uma vez existente o vínculo jurídico paterno-filial, todos os filhos</p><p>do mesmo pai ou da mesma mãe têm, estritamente, os mesmos direitos</p><p>reconhecidos no ordenamento jurídico brasileiro, sem possibilidade de</p><p>qualquer diferenciação, e, independentemente do vínculo de filiação</p><p>(Brasil, 1988; Brasil, 1990; Dias, 2020; Gama, 2008; Paiano, 2017).</p><p>Ademais, o princípio da igualdade também alcança aplicação entre</p><p>todos os tipos de entidades familiares, rompendo definitivamente com as</p><p>bases legais discriminatórias que sustentavam a família matrimonial</p><p>como único modelo tradicional de família, possibilitando o atual sistema</p><p>plural de formação do núcleo familiar. Dessa forma, o direito de família</p><p>visa garantir, através do princípio da igualdade, tratamento igualitário aos</p><p>diversos arranjos familiares e aos indivíduos que integram os diversos</p><p>tipos de família. Dessa forma, não cabe admitir a desigualdade nas</p><p>relações familiares, seja em relação aos filhos, aos companheiros, ao sexo</p><p>ou ao poder familiar (Maluf, 2016).</p><p>4. Princípio da liberdade e do pluralismo de arranjos</p><p>familiares</p><p>O princípio da liberdade constitui garantia fundamental de qualquer</p><p>cidadão (art. 5º, CF); é também denominado como princípio da não</p><p>intervenção na comunhão de vida instituída pela família (art. 1.513, CC).</p><p>Desse modo, é possível a constituição de uma família, seja pelo</p><p>casamento ou pela união estável, sem qualquer forma de discriminação</p><p>ou interferência de pessoa jurídica de direito público ou privado. Assim,</p><p>todos são livres para escolher o seu par ou seus pares, companheiros,</p><p>seja do sexo que for, bem como o tipo de união que deseja para constituir</p><p>uma família, sendo livres também para destituí-las e recompor novas</p><p>relações de convívio, juntamente com o princípio da igualdade. Este</p><p>princípio permite a isonomia de tratamento jurídico entre homem e</p><p>mulher, independente do papel que desempenham na sociedade conjugal,</p><p>cabendo ao Direito garantir que todos possam ter sua liberdade</p><p>individual preservada. Esse princípio se refere à não intervenção do</p><p>Estado, abrangendo o direito ao livre planejamento familiar, o qual</p><p>compreende a livre aquisição e administração de seus bens; a livre</p><p>escolha do regime de bens; a autonomia de escolha pelo modelo de</p><p>formação de sua família; assim como a livre conduta; desde de que</p><p>respeitada a integridade física, psíquica e moral de seus integrantes,</p><p>cabendo ao Estado intervir apenas para fornecer os recursos necessários</p><p>previstos para exercício desses direitos (Brasil, 1988; Brasil, 2002; Dias,</p><p>2020; Gonçalves, 2018).</p><p>Destaca-se que a Constituição Federal/1988 (art. 226) dispõe sobre a</p><p>família matrimonial, a união estável e a família monoparental; segundo a</p><p>doutrina e a jurisprudência, trata-se de um rol exemplificativo,</p><p>possibilitando-se a liberdade de escolha de outros arranjos familiares,</p><p>podendo-se destacar, segundo a doutrina e a jurisprudência, outras</p><p>entidades familiares, tais como a família anaparental, a família</p><p>homoafetiva, a família paralela, a família recomposta, dentre outras</p><p>configurações. Entende-se que, o Estado não impõe um modelo dito</p><p>como correto, pois não há restrições, o que não torna o casamento a</p><p>única forma de constituição de família, que, por sua vez, deixou de ser</p><p>formada apenas de pai, mãe e filho, para admitir outros arranjos</p><p>familiares, sem deixar de ser considerada uma estruturação psíquica em</p><p>que cada um dos seus membros ocupa um lugar sem estarem</p><p>necessariamente ligados biologicamente. Nessa perspectiva, o princípio</p><p>do pluralismo familiar decorre das transformações sociais e do Direito de</p><p>família, sendo que, após a Constituição Federal/1988, esse</p><p>princípio</p><p>recebeu efetivo amparo legal, admitindo-se, além dos modelos</p><p>constitucionais de família, outras entidades familiares reconhecidas pela</p><p>doutrina e pela jurisprudência. Essas novas configurações familiares são</p><p>baseadas na afetividade e no dever de cuidado de seus membros,</p><p>deixando de se reconhecer a família matrimonial como único modelo de</p><p>entidade familiar. Por sua vez, o Direito de família buscou se adequar às</p><p>transformações da sociedade, amparando-se nos princípios</p><p>constitucionais, interpretando-os da melhor maneira, de forma singular,</p><p>em cada caso (Dias, 2020; Pereira, 2017).</p><p>5. Princípio da solidariedade familiar</p><p>O princípio da solidariedade familiar está ligado a um dever, que cada</p><p>membro da família tem com o outro, de ajudar sempre que for</p><p>necessário; origina-se do dever de cuidado, da assistência recíproca e da</p><p>cooperação mútua entre os membros de uma família. A solidariedade</p><p>familiar está prevista na Constituição Federal/1988 (art. 3º, I, CF),</p><p>considerando-se como objetivo fundamental, pois tem a pretensão de</p><p>construir uma sociedade livre, justa e solidária, incidindo, dessa forma,</p><p>sobre os relacionamentos familiares, devendo ser observada em todos os</p><p>tipos de relações pessoais. Trata-se de um vínculo que se sustenta e se</p><p>desenvolve em ambiente recíproco de compreensão, cooperação e ajuda</p><p>mútua; é o que cada um deve ao outro. Ser solidário significa responder</p><p>pelo outro, preocupar-se com a outra pessoa; observar a outra pessoa;</p><p>respeitar seus conceitos e opiniões; ter o bom senso de ajudá-las quando</p><p>necessário; assim, a solidariedade familiar deve ser tida em sentindo</p><p>amplo, tendo caráter afetivo, social, moral, patrimonial, espiritual e</p><p>sexual. Por sua vez, a reciprocidade é um dos pilares da família, pois</p><p>onde há afeto ela está presente, seja entre os cônjuges, seja entre pais e</p><p>filhos. Desse modo, o princípio da solidariedade familiar tem origem nos</p><p>vínculos afetivos e apresenta acentuado conteúdo ético, pois contém em</p><p>suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que</p><p>compreende a fraternidade e a reciprocidade entre os membros da</p><p>família. Ademais, a solidariedade está ligada aos deveres recíprocos entre</p><p>os integrantes do grupo familiar, o que os torna responsáveis pela</p><p>assistência moral, patrimonial e afetiva mútua, entre cônjuges e</p><p>companheiros, entre pais e filhos; destacando-se a educação dos filhos, o</p><p>amparo às pessoas idosas, o respeito e a convivência familiar e</p><p>comunitária, dentre outros, sedimentando a responsabilidade social</p><p>dentro do núcleo familiar (Dias, 2020; Lôbo, 2017; Madaleno, 2019;</p><p>Pereira, 2017).</p><p>Esse princípio está relacionado ao Direito de Família, pois a</p><p>solidariedade familiar é fato e direito; realidade e norma; no plano fático,</p><p>as pessoas convivem, no ambiente familiar, não por submissão a um</p><p>poder incontrariável, mas porque compartilham afetos e</p><p>responsabilidades; no plano jurídico, os deveres de cada um para com os</p><p>outros impuseram a definição de novos direitos e deveres jurídicos.</p><p>Desse modo, o princípio da solidariedade influencia as relações</p><p>familiares, principalmente, no que tange ao dever de assistência entre os</p><p>familiares, entre pais e filhos e entre filhos e pais, dependendo de quem</p><p>necessita e na medida das possibilidades de quem deve arcar com a</p><p>assistência. Desse modo, a solidariedade familiar deve ser recíproca aos</p><p>cônjuges e companheiros relativos à assistência moral e material. Com</p><p>relação aos filhos, a solidariedade diz respeito ao direito de a pessoa ser</p><p>cuidada até atingir a idade adulta (Dias, 2020; Lôbo, 2017).</p><p>Com base nesse princípio e no que ele representa, o Estado também</p><p>possui o dever de garantir, com absoluta prioridade, os direitos inerentes</p><p>aos cidadãos em formação, conforme dispõe a Constituição Federal/1988</p><p>(art. 227, CF), pela qual é dever da família, da sociedade e do Estado</p><p>assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade,</p><p>o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à</p><p>profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à</p><p>convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda</p><p>forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e</p><p>opressão. Todavia, ao produzir deveres recíprocos entre os membros da</p><p>entidade familiar, afasta-se do Estado o compromisso de providenciar</p><p>todos os direitos que são assegurados de forma constitucional a cada</p><p>cidadão, porque, em se tratando de crianças e adolescentes, é outorgado</p><p>primeiro à família, depois à sociedade e logo após ao Estado o dever de</p><p>garantir os direitos inerentes ao cidadão em formação. Dessa forma, tem-</p><p>se o princípio da solidariedade familiar como um instituto que versa não</p><p>só no direito patrimonial, mas também no âmbito afetivo e psicológico,</p><p>implicando em respeito e consideração entre cada um dos membros</p><p>familiares. Nesse sentido, a Constituição Federal/1988 (art.229, CF)</p><p>dispõe sobre a solidariedade no Direito de família, ao estabelecer a</p><p>obrigação dos pais em assistir os filhos menores e dos filhos maiores em</p><p>amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (Brasil, 1988;</p><p>Paiano, 2017).</p><p>6. Princípio do melhor interesse da criança e do</p><p>adolescente</p><p>O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente parte da</p><p>premissa de que a criança e o adolescente são seres vulneráveis que</p><p>estão em constante desenvolvimento, incumbindo ao legislador</p><p>fortalecer a proteção de seus direitos de todas as formas possíveis. Esse</p><p>princípio visa proteger a criança e o adolescente; uma vez que, por</p><p>estarem em crescimento e não serem adultos, estão em desvantagem</p><p>em relação à sociedade e à família, necessitando de uma maior proteção e</p><p>um tratamento especial. Nesse sentido, o ordenamento jurídico impõe</p><p>aos pais a responsabilidade com seus filhos, desde a concepção até a</p><p>chegada na fase adulta. Não se trata de uma recomendação ética, mas</p><p>constitui diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente</p><p>com seus pais, sua família, a sociedade, e o Estado. Esse princípio visa o</p><p>bem-estar da criança e do adolescente, servindo para que estes tenham</p><p>seus interesses centralizados em qualquer discussão familiar,</p><p>sobrepondo-se a quaisquer outros, ou seja, devem ter seus interesses</p><p>tratados com prioridade pelo Estado, pela sociedade e pela família.</p><p>Ademais, está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa</p><p>humana, na medida em que ambos garantem condições mínimas de</p><p>existência para uma vida digna (Dias, 2020; Lôbo, 2017).</p><p>Com base nesse princípio, a criança e o adolescente são considerados</p><p>sujeitos em desenvolvimento, tendo um lugar especial na ordem jurídica;</p><p>deixando de rotulados como objetos dentro das relações familiares e</p><p>sociais, e passando a ser elencados como protagonistas. Dessa forma,</p><p>esse princípio representa uma mudança no eixo das relações paterno-</p><p>filiais, pois os filhos deixam de ser considerados objetos para se</p><p>tornarem sujeitos de direito, com absoluta prioridade, comparativamente</p><p>aos demais integrantes da família que ele participa. Esse princípio visa</p><p>reparar um grave equívoco na história da civilização humana em que a</p><p>criança e o adolescente eram delegados a um plano inferior, sem poder</p><p>titularizar ou exercer qualquer função na família e na sociedade, ao</p><p>menos para o direito. Desse modo, quando houver um choque de</p><p>princípios, será utilizado o melhor interesse da criança ou do adolescente</p><p>para resolver determinadas questões conflitantes. Nesta perspectiva, o</p><p>princípio é basilar e tem aplicação na prática de maneira superior, no</p><p>sentido de que o Estado vai protegê-los, uma vez que não conseguem se</p><p>representar sozinhos, vendo de que forma esses podem ser privilegiados</p><p>em determinada situação (Gama, 2008; Lôbo, 2017; Pereira, 2017).</p><p>Embora não esteja expressamente previsto no ordenamento jurídico</p><p>brasileiro, deve ser reconhecido como pilar fundamental do Direito de</p><p>família contemporâneo. Encontra assento na Constituição Federal/1988</p><p>(art. 227, CF), e, igualmente, no Estatuto da Criança e do Adolescente</p><p>(art. 4º, ECA) e no Código Civil/2002 (arts. 1.583 e 1.584, CC); referida</p><p>cláusula normativa determina que é dever da família, da sociedade e do</p><p>Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o</p><p>direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à</p><p>profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à</p><p>convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a</p><p>forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e</p><p>opressão (Brasil, 1988; Brasil, 1990; Brasil, 2002).</p><p>Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90),</p><p>considera-se como criança, a pessoa com idade entre zero e doze anos</p><p>incompletos; como adolescente, aquele que tem entre 12 (doze) e 18</p><p>(dezoito) anos de idade. Esse estatuto tem como objetivo principal a</p><p>proteção integral e guarda dos direitos e garantias fundamentais da</p><p>criança e do adolescente, enfatizando e especificando o texto</p><p>constitucional. E, além do princípio do melhor interesse da criança e do</p><p>adolescente, o ECA rege-se pelo princípio da proteção integral da criança</p><p>e do adolescente (art. 3º, ECA), visando conduzi-los à maioridade de</p><p>forma responsável, como sujeito da própria vida, para que possam gozar</p><p>de forma plena seus direitos fundamentais. Referido estatuto estabelece</p><p>as formas de implementação dos direitos e garantias assegurados pela</p><p>legislação, que, por sua vez, constitui um microssistema com normas de</p><p>conteúdo material e processual, de natureza civil e penal, que reconhece</p><p>crianças e adolescentes como sujeitos de direito. Assim, a garantia de</p><p>prioridade prevista no citado estatuto (art. 4º, § único, ECA) compreende</p><p>a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; a</p><p>precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância</p><p>pública; a preferência na formulação e na execução das políticas sociais</p><p>públicas; e a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas</p><p>relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Ademais, o estatuto</p><p>cuida dos conflitos que envolvem os infantes e os jovens, considerando o</p><p>que for melhor para a criança e o adolescente, devendo seus direitos e</p><p>interesses se sobreporem aos dos adultos, o que acarretará na boa</p><p>formação moral, social, racional e mental dos mesmos (Brasil, 1990;</p><p>Dias, 2020).</p><p>Destaca-se que a doutrina jurídica da proteção integral, vigente a</p><p>partir da Constituição Federal/1988, defende que a população infanto-</p><p>juvenil, em qualquer situação, deve ser protegida e ter suas</p><p>prerrogativas asseguradas; pois as crianças e os adolescentes são</p><p>sujeitos de direitos universalmente conhecidos e que devem ser</p><p>efetivados pela família, pela sociedade e pelo Estado. Direitos estes,</p><p>tanto no tocante à sua condição específica de pessoas em</p><p>desenvolvimento, quanto outros que possuem em comum com os</p><p>adultos. Desse modo, a criança e o adolescente devem ter seus</p><p>interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela</p><p>família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos seus direitos,</p><p>visando assegurar seu desenvolvimento com liberdade e dignidade.</p><p>Contudo, esse princípio não possui um conceito definido pela doutrina,</p><p>cabendo ao magistrado sopesar, no caso concreto, o que melhor atende</p><p>os interesses da criança e do adolescente, no que diz respeito à garantia</p><p>dos seus direitos e recursos de ordem material, moral e emocional</p><p>(Lôbo, 2017; Pereira, 2017).</p><p>CAPÍTULO�3��OS�MODELOS�DE�FAMÍLIA</p><p>CONTEMPORÂNEA�NO�BRASIL</p><p>A Constituição Federal/1988 quebrou paradigmas adicionando ao</p><p>ordenamento jurídico brasileiro famílias que não decorrem</p><p>exclusivamente do casamento, adotando, desse modo, um sistema aberto</p><p>e não discriminatório. Nesse sentido, reconhece, expressamente, as</p><p>entidades familiares oriundas do casamento (art. 226 §§ 1º e 2º), da união</p><p>estável (art. 226 § 3º) e do núcleo monoparental (art. 226 § 4º),</p><p>denominadas famílias constitucionais. Contudo, a doutrina e a</p><p>jurisprudência vêm manifestando entendimentos a respeito de outros</p><p>arranjos familiares baseados no afeto, denominados famílias não</p><p>constitucionais, destacando-se a familia anaparental, a família</p><p>eudemonista ou solidária, a família homoafetiva, a família paralela ou</p><p>simultânea, a família poliafetiva e a família recomposta. Ressalta-se que,</p><p>em função dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa, a</p><p>legislação não pode conferir hierarquia em relação à proteção conferida</p><p>pelo Estado entre as entidades familiares constitucionais. Por outro lado,</p><p>aquelas não constitucionais não podem ficar à margem do Direito, pois</p><p>embora não estejam previstas na Carta Magna, são igualmente entidades</p><p>familiares, cujos membros estão unidos pelo afeto, carecendo de amparo</p><p>legal. Desse modo, a insuficiência legislativa e as demandas complexas</p><p>típicas das sociedades contemporâneas, delinearam a construção da</p><p>categoria jurídica da afetividade. Nessa linha, as estruturas familiares</p><p>passaram a ser cada vez mais pluralizadas, e gerando consequências</p><p>jurídicas das mais variadas. Assim, aos poucos, vão se desfazendo os</p><p>preconceitos morais, religiosos e sociais que represam a livre</p><p>manifestação do pensamento e do exercício da opção pessoal pela forma</p><p>de vida, pois a sociedade atual é complexa, pluralista e fragmentada, não</p><p>cabendo espaço para modelos jurídicos tradicionais, que já se mostraram</p><p>insuficientes, impondo-se à ciência do direito a construção de novas e</p><p>adequadas estruturas jurídicas de resposta, capazes de assegurar a</p><p>realização da justiça e da segurança, em uma sociedade em rápido</p><p>processo de mudança (Amaral Neto, 2003; Brasil, 1988; Calderón, 2017;</p><p>Medeiros, 2015; Nader, (2016).</p><p>Nessa perspectiva, ao longo da história, a família assumiu conceitos</p><p>variados a partir da evolução religiosa, política, econômica e procracional;</p><p>e, na sociedade contemporânea, ao contrário da família do passado, é</p><p>considerada família plural, isonômica e eudemonista, em contraposição</p><p>àquela singular, hierárquica e transpessoal. A família não está mais</p><p>centrada apenas no casamento, uma vez que pode decorrer de diversos</p><p>núcleos familiares; a família se realiza no seu grupo, dentro do qual, na</p><p>convivência solidária e no afeto, cada um de seus membros encontra o</p><p>valor social e jurídico que a família exerce no desenvolvimento da</p><p>sociedade e do Estado. A família adquiriu função instrumental para a</p><p>melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus</p><p>membros; é distinguida pela presença do vínculo afetivo que une as</p><p>pessoas com objetivos em comum, afastando-se, cada vez mais, da</p><p>estrutura matrimonial. A família contemporânea é socioafetiva, em razão</p><p>de ser um grupo social considerado base da sociedade e unida na</p><p>convivência afetiva. A família é uma instituição social, cujo conceito vem</p><p>sofrendo transformações ao longo da história, passando de um modelo</p><p>hierarquizado e autoritário, para modelos baseados na afetividade; o</p><p>elemento distintivo da família é a identificação de um vínculo afetivo, a</p><p>unir as pessoas, gerando comprometimento mútuo, solidariedade,</p><p>identidade de projetos de vida e propósitos comuns (Dias, 2020; Gama,</p><p>2003; Lôbo, 2017; Madaleno, 2019).</p><p>Sendo assim, cada um pode escolher o modelo de família mais</p><p>adequado ao seu modo de vida, cabendo ao Estado proteger a entidade</p><p>familiar, independentemente da forma de sua constituição. Dessa forma,</p><p>a estrutura da família contemporânea se constrói em torno da</p><p>afetividade, o que independe do vínculo jurídico ou biológico entre seus</p><p>membros. As famílias contemporâneas não possuem mais a ideologia</p><p>patriarcal, formada pela concepção de monogamia parental, que tinha</p><p>como seu núcleo a imagem paterna e patrimonial. Por isso, o</p><p>ordenamento jurídico brasileiro vem reconhecendo diversos arranjos</p><p>familiares, em virtude da concepção de família socioafetiva, baseada nos</p><p>laços afetivos e na solidariedade entre os seus componentes. Assim, a</p><p>formação</p><p>da família não é mais singular ou unitária, ela é plural,</p><p>resultando de modelos diversos que não se restringem aos estabelecidos</p><p>na Constituição Federal/1988, mas que se expandem conforme os</p><p>costumes adquiridos pela sociedade contemporânea, pautados nos</p><p>princípios constitucionais da liberdade e da dignidade humana,</p><p>principalmente, que asseguram à pessoa a possibilidade de se relacionar</p><p>de forma livre, visando a sua felicidade (Pereira, 2017; Tartuce, 2017;</p><p>Teixeira e Rodrigues, 2010).</p><p>Dessa maneira, esses novos arranjos familiares são formados a partir</p><p>dos vínculos afetivos que unem seus membros, constituindo núcleos de</p><p>família, que, embora sem previsão legal, atravessem os limites fixados</p><p>pela Constituição Federal/1988, incorporam princípios constitucionais,</p><p>como: a convivência familiar e comunitária, a igualdade dos filhos, a</p><p>corresponsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar, a</p><p>pluralidade das entidades familiares, a consideração e respeito mútuos, a</p><p>lealdade e a isonomia de sexos. Têm o afeto como fundamento jurídico,</p><p>pois a afetividade vai além de um conceito, é o pilar que molda as</p><p>relações familiares no mundo moderno; é o princípio que penetra a</p><p>ciência jurídica, transcendendo aos aspectos exclusivamente psicológico</p><p>e sociológico. Desse modo, implicitamente, também a legislação admite</p><p>as diversas configurações familiares (Pereira, 2017).</p><p>A seguir, destacam-se as características e efeitos jurídicos morais e</p><p>patrimoniais decorrentes de cada uma das estruturas familiares</p><p>existentes no Brasil; iniciando-se pelas famílias constitucionais</p><p>(matrimonial, união estável e monoparental) e em seguida, as demais</p><p>reconhecidas na doutrina e na jurisprudência.</p><p>1. Família matrimonial</p><p>A família matrimonial foi difundida pela Igreja católica, primeiro na</p><p>Europa, depois no restante do mundo, sendo composta por duas pessoas</p><p>que decidiam se unir, para formar um núcleo familiar, passando pela</p><p>solenidade do casamento monogâmico, meio assegurador da família e dos</p><p>futuros filhos, não importando o afeto nas relações entre os cônjuges.</p><p>Durante séculos, a família matrimonial se posicionou como o único</p><p>modelo padrão de entidade familiar reconhecido, sendo o casamento o</p><p>seu principal e tradicional instrumento de formalização civil e religioso.</p><p>Trata-se da modalidade originária e mais antiga que deu margem aos</p><p>novos arranjos familiares. Na Idade Média, principalmente, nas classes</p><p>mais nobres, o casamento não tinha vínculos afetivos, pois a instituição</p><p>do casamento sagrado era um dogma da religião doméstica, sendo que</p><p>em muitas civilizações, estimulava-se o casamento da viúva, sem filhos,</p><p>com o parente mais próximo de seu marido, e o filho dessa união era</p><p>considerado filho do falecido; assim como incumbia ao filho primogênito</p><p>manter unido o patrimônio da unidade familiar. Nesse tipo de família há</p><p>interferência do Estado, e está vinculada à lei e à Igreja, pois requer o</p><p>atendimento de todas as solenidades previstas na legislação civil para ter</p><p>validade e surtir os efeitos jurídicos decorrentes (Dias, 2020; Gonçalves,</p><p>2018; Pereira, 2017; Venosa, 2016).</p><p>No Brasil, no início do século passado, a única relação afetiva que</p><p>teve a sua juridicidade reconhecida foi a decorrente do casamento entre</p><p>pessoas de sexo diverso, objetivando a constituição de uma família,</p><p>sendo que as únicas relações afetivas aceitas são as decorrentes do</p><p>casamento entre um homem e uma mulher, em face do interesse na</p><p>procriação. E, para manter a ordem social, o Estado e a Igreja sempre</p><p>interferiram na vida das pessoas, motivo pelo qual a igreja consagrava a</p><p>união entre homem e mulher como sacramento indissolúvel, até que a</p><p>morte os separe. Nessa linha, o Código Civil/1916, ante à conservadora</p><p>cultura da época, previu o casamento como única forma de constituição</p><p>da família considerada patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e</p><p>heterossexual. O homem era o único que possuía o poder familiar e que</p><p>chefiava a sociedade conjugal. A consagração do casamento gerava como</p><p>efeitos a sua indissolubilidade, e o obrigatório reconhecimento da família</p><p>pelo nome do homem, que era o único membro identificador do núcleo</p><p>familiar. O regime de bens admitido era o de comunhão universal de</p><p>bens, não sendo possível optar-se por outro, reconhecendo-se que o</p><p>homem seria o provedor financeiro, o cabeça do casal, exercendo a chefia</p><p>do casamento. A mulher não tinha direito de trabalhar e nem de</p><p>administrar seus próprios bens, ficando restrita aos cuidados dos filhos e</p><p>da casa. O casamento podia ser anulado por erro essencial relativo à</p><p>identidade ou à personalidade do cônjuge, ou rompido por meio do</p><p>desquite, que não dissolvia o vínculo matrimonial, apenas afastava os</p><p>deveres matrimoniais, mas não permitia novo matrimônio (Brasil, 1916;</p><p>Dias, 2020; Lima, 2018; Madaleno, 2019).</p><p>O casamento constitui um contrato solene, pelo qual duas pessoas</p><p>capazes se unem com o intuito de conviver durante toda a existência,</p><p>legalizando por ele as relações sexuais, a título de indissolubilidade de</p><p>vínculo; o regime de bens do casal, à sua escolha ou por imposição legal;</p><p>e o compromisso de criar e educar a prole que de ambos nascer. Nesse</p><p>sentido, o casamento é um instituto civil sob o qual, respeitadas e</p><p>atendidas todas as solenidades legais, estabelece união entre duas</p><p>pessoas, com o objetivo de formar uma família e satisfazer os interesses</p><p>mútuos em uma plena comunhão de vida, formando um vínculo jurídico,</p><p>com fundamentos na igualdade de direitos e deveres, tornando os</p><p>cônjuges responsáveis de forma igual com os deveres e encargos da</p><p>família. Trata-se de negócio jurídico que abrange aspectos patrimoniais e</p><p>extrapatrimoniais que refletem sobre os cônjuges e seus parentes,</p><p>podendo ser desfeito por morte e nas demais causas previstas na</p><p>legislação civil. Afigura-se como uma das formas jurídicas de constituir</p><p>família, por ato solene de vontade de duas pessoas, por tempo</p><p>indeterminado, podendo ou não resultar em prole, o que leva a se</p><p>considerar a monogamia como imperativo legal. O casamento é o vínculo</p><p>jurídico entre o homem e a mulher que tem por objetivo o auxílio mútuo</p><p>material e espiritual, visando uma integração fisiopsíquica e a</p><p>constituição de família, estabelecendo uma comunhão plena de vida (art.</p><p>1.511, CC), impulsionada pelo amor e afeição existente entre o casal e</p><p>baseada na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges e na mútua</p><p>assistência. O casamento tem sido visto como um fato social, pois tem o</p><p>objetivo de constituir família e não uma relação jurídica; em decorrência</p><p>deste fato social decorrem os fatos jurídicos que só aumentam quando</p><p>surgem os filhos, englobando, desse modo, os objetivos de felicidades</p><p>dos nubentes em relação ao viver como casal, bem como os direitos</p><p>patrimoniais envolvidos, visando a prosperidade da família com eventuais</p><p>bens e prole (Diniz, 2012; Gonçalves, 2018; Jatobá, 2014; Lisboa, 2013;</p><p>Pereira, 2017).</p><p>Entretanto, a noção conceitual de casamento não é imutável, pois as</p><p>transformações da sociedade vêm modificando seu conceito. Nesse</p><p>sentido, atualmente, é relativizada a ideia de casamento sustentado no</p><p>vínculo eterno ou na convivência por toda a vida, pois o divórcio e as leis</p><p>que protegem a liberdade do indivíduo de querer ou não permanecer no</p><p>casamento contribuíram para essa mudança de pensamento da sociedade</p><p>em geral. Na contemporaneidade, apenas algumas vertentes religiosas</p><p>mantêm o casamento como vínculo eterno; em muitas religiões, o</p><p>divórcio é tratado com naturalidade, até religiões tradicionalmente</p><p>contrárias ao divórcio, como é o caso da Igreja Católica, começa a abrir</p><p>suas portas, tendo discursos de inclusão e aceitação proferidos pelo seu</p><p>principal representante. Nesse seguimento, o Superior Tribunal de</p><p>Justiça manifestou entendimento sobre a inexistência de qualquer óbice</p><p>ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, afirmando que não há</p><p>proibição expressa nem implícita para tanto, na legislação civil, assim</p><p>como</p><p>jurisprudência, dentre os quais se destacam: família</p><p>anaparental, família eudemonista ou solidária, família homoafetiva,</p><p>família mosaico, pluriparental ou recomposta, família paralela ou</p><p>simultânea, e a família poliafetiva. Desse modo, na sociedade</p><p>contemporânea, destacam-se modelos de família que configuram a</p><p>família plural, isonômica e eudemonista, em contraposição à família do</p><p>passado, singular, hierárquica e transpessoal; a família se realiza no seu</p><p>grupo, dentro do qual, na convivência solidária e no afeto, cada um de</p><p>seus membros encontra o valor social e jurídico que a família exerce no</p><p>desenvolvimento da sociedade e do Estado. Nessa perspectiva, cada um</p><p>pode escolher o modelo de família mais adequado ao seu modo de vida,</p><p>afastando-se, cada vez mais, da estrutura matrimonial, cabendo ao</p><p>Estado proteger a entidade familiar, independentemente da forma de sua</p><p>constituição.</p><p>O quarto capítulo – “O reconhecimento da filiação socioafetiva” –</p><p>trata do instituto da filiação, ressaltando-se a filiação decorrente dos</p><p>laços afetivos. Destaca-se que o instituto da filiação é um dos mais</p><p>antigos agrupamentos e representa a continuação da humanidade; é a</p><p>relação mais próxima de parentesco, que une os filhos e seus</p><p>progenitores. Entretanto, o tratamento dispensado aos filhos pelo</p><p>ordenamento jurídico brasileiro nem sempre foi o mesmo, pois o</p><p>instituto da filiação passou por mudanças que acompanharam as</p><p>transformações da sociedade, refletindo-se no reconhecimento dos novos</p><p>vínculos de parentalidade. Estendeu-se o conceito de paternidade,</p><p>compreendendo o parentesco psicológico ou socioafetivo, que prevalece</p><p>sobre a verdade biológica e a realidade legal. Dessa forma, a</p><p>desbiologização da paternidade identifica pais e filhos não biológicos, que</p><p>não possuem um vínculo sanguíneo, mas que criaram uma filiação</p><p>psicológica, baseada na posse de estado de filho.</p><p>O quinto capítulo – “O reconhecimento da multiparentalidade” –</p><p>evidencia a questão da multiparentalidade e seus efeitos jurídicos.</p><p>Ressalta-se que o fenômeno da multiparentalidade ocorre quando uma</p><p>pessoa tem reconhecida sua filiação socioafetiva aliada à manutenção de</p><p>sua filiação biológica, ou o inverso, representando uma alternativa nos</p><p>casos em que a exclusão de um dos vínculos parentais cause prejuízos</p><p>irreparáveis para as partes envolvidas. Dessa forma, uma vez</p><p>reconhecida a parentalidade socioafetiva, é possível a coexistência da</p><p>filiação biológica e da filiação construída pelo afeto, admitindo-se,</p><p>consequentemente, a multiparentalidade, pela qual a pessoa pode ter</p><p>mais de dois pais ou duas mães. Nessa situação, os pais biológicos e</p><p>socioafetivos devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar,</p><p>produzindo-se todos os efeitos jurídicos de ordem moral e patrimonial,</p><p>segundo a Tese de Repercussão Geral nº 622, do Supremo Tribunal</p><p>Federal, fixada no Recurso Extraordinário (RE) 898.060/2016. Segundo</p><p>referida tese, a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro</p><p>público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação</p><p>concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos</p><p>próprios. Ainda, aborda-se a possibilidade de reconhecimento</p><p>extrajudicial da paternidade socioafetiva e da multiparentalidade, com</p><p>base no Provimento 63/2017, com as alterações do Provimento 83/2019,</p><p>do Conselho Nacional de Justiça.</p><p>Desse modo, espera-se que esta obra seja mais uma fonte de estudos</p><p>e pesquisa na área de Direito de Família Contemporâneo, e que possa</p><p>esclarecer questões sociais e jurídicas atuais ligadas à família e à</p><p>parentalidade socioafetiva, assim como contribuir para o enriquecimento</p><p>cultural dos estudantes, professores e profissionais da área, como</p><p>também os demais leitores.</p><p>Janeiro/2021</p><p>Terezinha Damian Antonio</p><p>PREFÁCIO</p><p>Falta fôlego ao direito para acompanhar os fatos. Ouvi esta frase</p><p>acompanhando um julgamento do Supremo Tribunal Federal. Esta</p><p>constatação intriga os estudantes de direito. O direito de família</p><p>concretiza esta afirmação. Não há outro ramo do direito onde a</p><p>velocidade das relações sociais ultrapasse a limitação conceitual da lei</p><p>em tão curto espaço de tempo. Vinte séculos de valores cristãos</p><p>introjetados fazem nascer a sensação de que o vínculo biológico sempre</p><p>foi o liame de constituição da família. Por certo, o tempo nos fez</p><p>esquecer que, na Roma antiga, o conceito de família passava por aqueles</p><p>que estavam sob a mesma potestas, sob as determinações do pater</p><p>familias, cujo vínculo se dava pela religião doméstica, de adoração aos</p><p>ancestrais. A transformação dos vínculos familiares de religiosos,</p><p>sanguíneos, até o reconhecimento dos vínculos afetivos como liame</p><p>principal do elo familiar demostra quão profundas podem ser as</p><p>transformações sociais e como elas se projetam à frente dos conceitos</p><p>legais petrificados na letra da lei. A Constituição Federal de 1988 foi uma</p><p>legislação extremamente avançada para a época em que foi promulgada.</p><p>Em uma primeira vista, foi tímida ao prever a proteção às famílias</p><p>formadas pelas uniões de fato e por prever expressamente apenas as</p><p>famílias monoparentais. Contudo, ao estabelecer a dignidade da pessoa</p><p>humana como princípio fundante da república, espécie de princípio</p><p>normogenético que subordina os demais direitos fundamentais, abriu-se</p><p>a infinita possibilidade de acomodação destes diretos pela perspectiva</p><p>individual e social. Nos idos de 1996, quando me formei, o positivismo</p><p>jurídico era traço formativo comum. A letra da lei trazia muita segurança.</p><p>Nessa época advoguei em um litígio de herança. Minha cliente tinha</p><p>revelado que seu irmão não era seu irmão “legítimo”. Havia sido adotado</p><p>de forma irregular, por meio da famosa adoção à brasileira. Sua certidão</p><p>de nascimento abrigava uma declaração falsa, fruto do crime previsto no</p><p>artigo 242 do Código Penal. Com um nível altíssimo de conflito por anos</p><p>de relações conturbadas, a solução legal mais provável era a exclusão</p><p>deste filho, considerando que a certidão que lhe dava as condições legais</p><p>para figurar no espólio era nula, por conter objeto ilícito. O processo de</p><p>anulação da certidão teve seu curso, com instrução dificílima. A tese</p><p>contrária se baseava na prescrição, o que sabidamente não se aplica para</p><p>nulidade absoluta. Finda a instrução, o juiz da causa inusitadamente</p><p>chama os advogados ao seu gabinete, e pergunta: afinal, é filho ou não é</p><p>filho? Convicto dos fatos afirmei: não é filho! Meu colega afirmou: a</p><p>pretensão está prescrita!! Saí do gabinete com convicção intima de que a</p><p>sentença seria procedente. Publicada, a sentença começa com a</p><p>afirmação de que o amor incondicional da mãe e pai suplanta as relações</p><p>biológicas. E conclui: quem ama alguém como filho e exerce por uma</p><p>vida este papel de amor e abnegação, cria, por seus vínculos afetivos, a</p><p>relação filial. Na época, confesso, não fui capaz de entender a grandeza</p><p>desta sentença. Mas com certeza, ela abriu os caminhos para horizontes</p><p>interpretativos muito mais ampliados e que hoje se solidificam no mundo</p><p>jurídico. Para o bem e para o mal, a interpretação principiológica dos</p><p>direitos abrigou e acomodou inúmeras situações que careciam</p><p>urgentemente de uma solução justa e adequada. Por intermédio desta</p><p>forma interpretativa, verificou-se nos julgados do STF que os modelos</p><p>de família não comportam hierarquia ou diferença de qualidade jurídica</p><p>entre as formas de constituição de um núcleo doméstico. Inclusive, desta</p><p>interpretação não reducionista e ampliada do conceito de família surgiu o</p><p>debate relacionado à multiparentalidade, fruto da complexidade da vida</p><p>moderna, com que, como reconheceu o Ministro Luiz Fux, o direito não</p><p>consegue lidar satisfatoriamente. Temos hoje fundamentado o direito à</p><p>busca pela felicidade. Esta expressão causava arrepios aos positivistas,</p><p>uma vez que a felicidade é um estado mental subjetivo, impossível de se</p><p>obter pela via jurídica. Em seu conceito jurídico ampliado, tal direito à</p><p>felicidade se constitui da busca pela concretização</p><p>não há menção ao sexo dos cônjuges na Constituição Federal/1988,</p><p>o que é possível com fundamento nos princípios constitucionais, da</p><p>igualdade, da não discriminação, da dignidade da pessoa humana e do</p><p>pluralismo e livre planejamento familiar. Sendo assim, o conceito da</p><p>família patriarcal, na qual o homem era a figura central, tendo a esposa ao</p><p>lado apenas para reprodução da espécie, modificou-se. E, além da</p><p>diminuição do número de seus componentes, houve também a troca de</p><p>papéis, podendo-se citar a emancipação feminina e o ingresso da mulher</p><p>no mercado de trabalho. Desse modo, ampliou-se o conceito de família,</p><p>adequando-se aos moldes atuais das famílias brasileiras, passando a se</p><p>ter uma visão mais pluralista, que abrange os mais diversos arranjos</p><p>familiares, devendo-se buscar o elemento que permite enlaçar no</p><p>conceito de entidade familiar a todos os relacionamentos que têm origem</p><p>em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação (Dias,</p><p>2020; Madaleno, 2019; Pereira, 2017; Rocha, 2009).</p><p>A doutrina e a jurisprudência divergem quanto à natureza jurídica do</p><p>casamento, ou seja, à compreensão do que é e o que significa o</p><p>matrimônio para o Direito no Brasil, pois não há definição na legislação, o</p><p>que ficou a cargo da doutrina. Desse modo, há controvérsia quanto à área</p><p>no Direito a que pertence o instituto do casamento, se é de Direito</p><p>privado ou de Direito público, destacando-se três correntes: pela</p><p>doutrina individualista, influenciada pelo Direito Canônico, o casamento</p><p>constitui contrato de vontades convergentes para obtenção de fins</p><p>jurídicos; já a corrente institucional destaca o conjunto de normas</p><p>imperativas a quem aderem os nubentes; por sua vez, a corrente eclética</p><p>vê o casamento como ato complexo, um contrato quando de sua formação</p><p>e uma instituição no que diz respeito ao seu conteúdo. Todavia,</p><p>independente da corrente doutrinária, o afeto é o aspecto mais</p><p>importante, pois é o elemento capaz de gerar o desejo de constituição de</p><p>família, onde cada um pode alcançar a felicidade. Ademais, entende-se</p><p>que o casamento é ato complexo, que depende da vontade dos nubentes,</p><p>manifestada perante o juiz, de aderirem a determinadas regras</p><p>preestabelecidas a vigorar a partir da celebração do casamento (Dias,</p><p>2020).</p><p>A família matrimonial está prevista na Constituição Federal/1988 (art.</p><p>226, §§ 1º e 2º), pela qual a família é base da sociedade e tem especial</p><p>proteção do Estado; é constituída pelo casamento civil e gratuito; o</p><p>casamento religioso tem efeito civil. Contudo, verificam-se modificações</p><p>em relação às disposições anteriores. A partir da Carta Magna, esse tipo</p><p>de família deixou de ser a única entidade familiar reconhecida, pela</p><p>instituição de outros modelos. Ao contrário do que ocorria, nessa</p><p>entidade família evidencia-se a igualdade entre homem e mulher,</p><p>devendo ambos cooperar de forma igual na administração da família,</p><p>sustento e educação de sua prole; podendo ser constituída tanto entre</p><p>casais hétero como homoafetivos, como dissolvida a sociedade e o</p><p>vínculo conjugal pelo divórcio, de acordo com a Lei 6.515/77. Ademais, o</p><p>marido pode usar o sobrenome da esposa; pode-se alterar o regime de</p><p>bens após o casamento; e o pátrio poder, previsto na legislação civilista</p><p>anterior, passou a ser denominado poder familiar, pelo qual não só o pai</p><p>responde civilmente pelos seus filhos, como também a mãe. Por sua vez,</p><p>o Código Civil (art. 1.513) proíbe a interferência na vida da família, de</p><p>qualquer pessoa de direito público ou privado (Brasil, 1988; Brasil, 1977;</p><p>Brasil, 2002; Dias, 2020).</p><p>Capacidade e impedimentos para o casamento: a capacidade para o</p><p>casamento está prevista no Código Civil, pelo qual as pessoas podem</p><p>casar e escolher o regime de bens que mais lhes agrada, a partir da</p><p>maioridade (18 anos). Também é permitido o casamento antes da</p><p>maioridade civil, a partir dos 16 anos, chamada idade núbil, desde que</p><p>haja a autorização dos pais, porém essa autorização não se faz necessária</p><p>se o filho for emancipado. A autorização precisa ser dada por ambos os</p><p>pais, se um deles não anuir, pode haver o suprimento judicial; nesse caso</p><p>a lei impõe o regime de separação legal de bens. Os impedimentos para o</p><p>casamento são considerados absolutos, quando ligados à legitimação.</p><p>Desse modo, embora sejam capazes para o casamento e, portanto,</p><p>podendo casar com outras pessoas, não estão autorizados por lei a casar</p><p>com os parentes próximos: ascendentes com descendentes, quer o</p><p>parentesco seja natural ou civil; os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e</p><p>demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; o adotante com quem foi</p><p>cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; o adotado</p><p>com o filho do adotante; as pessoas casadas; e o cônjuge sobrevivente</p><p>com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu</p><p>consorte. Esses impedimentos são verificados quando uma pessoa não</p><p>pode se casar com outra específica (art. 1.521, CC), podendo, em</p><p>determinado caso, incorrer no crime de bigamia (Brasil, 2002).</p><p>Causas suspensivas do casamento: são hipóteses em que o casamento</p><p>não é proibido, mas a lei recomenda que não o faça, em função das penas</p><p>que os contraentes podem sofrer na esfera patrimonial; referidas causas</p><p>não geram nulidade absoluta ou mesmo relativa do casamento, apenas</p><p>visam evitar a confusão patrimonial e a dubiedade com relação à filiação</p><p>(art. 1.523, CC). Por isso, não devem se casar: o viúvo ou a viúva que</p><p>tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do</p><p>casal e der partilha aos herdeiros; a viúva, ou a mulher cujo casamento</p><p>se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do</p><p>começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; o divorciado,</p><p>enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do</p><p>casal; e o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes,</p><p>irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada,</p><p>enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as</p><p>respectivas contas. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não</p><p>lhes sejam aplicadas determinadas causas suspensivas, quando provada a</p><p>inexistência de prejuízos aos envolvidos. Destaca-se que referidas causas</p><p>podem ser arguidas pelos parentes em linha reta de um dos nubentes, e</p><p>pelos colaterais em segundo grau, sejam consanguíneos ou afins (art.</p><p>1.524) (Brasil, 2002).</p><p>Habilitação do casamento: a habilitação ao casamento consiste no</p><p>procedimento pelo qual é verificado o cumprimento das exigências legais</p><p>para a celebração do casamento. O Código Civil/2002 regula o processo</p><p>de habilitação do casamento, estabelecendo os procedimentos e</p><p>documentação necessária. Os noivos devem apresentar perante o</p><p>Cartório de Registro Civil: certidão de nascimento ou documento</p><p>equivalente; se menores de 18 anos, autorização dos pais ou</p><p>representantes legais, ou o alvará judicial que comprove o suprimento;</p><p>declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem</p><p>conhecer os noivos e afirmem não existir impedimento; memorial</p><p>(documento de declaração do estado civil), domicílio e residência dos</p><p>contraentes e de seus pais; havendo casamento anterior, certidão do</p><p>trânsito em julgado da sentença de anulação do casamento anterior ou do</p><p>registro da sentença de divórcio ou certidão de óbito do cônjuge falecido;</p><p>e juntar o pacto antenupcial ou o termo de opção pelo regime de</p><p>comunhão parcial (art. 1.525, I a V, CC). O processo de habilitação deve</p><p>ser iniciado no cartório do Registro Civil do domicílio de um ou de ambos</p><p>os nubentes; o protocolo pode ser pedido em qualquer deles, embora a</p><p>publicação dos proclamas se dê em ambos, publicados no jornal local.</p><p>Decorridos quinze dias, ouvido o Ministério Público e não havendo</p><p>impugnação desse órgão ou de terceiros, o oficial do Registro Civil</p><p>extrairá certificado de habilitação com validade de 90 dias, com o qual</p><p>poderão os nubentes celebrar o casamento; no caso de haver oposição ou</p><p>impugnação, a questão será decidida pelo juiz competente (Brasil, 2002;</p><p>Dias, 2020).</p><p>Celebração do casamento: a celebração do casamento consiste em uma</p><p>solenidade legal, exigida para que o casamento se perfectibilize. O local</p><p>correto e mais comum para celebrar o casamento é a sede do cartório, no</p><p>chamado casamento civil, mas pode ser feito em outro local, desde que o</p><p>celebrante queira ir; ele só está obrigado a sair do cartório se um dos</p><p>nubentes estiver impedido de se locomover (doente); se não for esse o</p><p>caso, o celebrante só vai por vontade própria. Para que seja garantida a</p><p>formalidade da celebração do casamento são necessários os seguintes</p><p>requisitos: registro do requerimento junto à autoridade competente para</p><p>designar data, hora e local da celebração do matrimônio; presença real e</p><p>simultânea dos noivos ou de procurador especial, em casos excepcionais;</p><p>do oficial do registro e do juiz de casamento; das testemunhas, que</p><p>devem ser no mínimo duas, mas se casamento for fora do cartório, ou se</p><p>um dos nubentes não souber ou puder escrever, são necessárias quatro</p><p>testemunhas para se garantir a lisura do ato; publicidade do ato nupcial,</p><p>portas abertas durante a cerimônia (art. 1.534 e § único, CC); declaração</p><p>dos noivos de que o casamento é por livre e espontânea vontade, sob</p><p>pena de a cerimônia ser suspensa; coparticipação do celebrante que</p><p>pronuncia o rito sacramental; havendo qualquer manifestação de dúvida</p><p>dos nubentes durante a cerimônia, o celebrante pode suspender o</p><p>casamento; a retratação só poderá se dar no dia seguinte; lavratura do</p><p>matrimônio no livro de registro (Brasil, 2002; Reche, 2017).</p><p>Celebração especial do casamento: a celebração especial do casamento</p><p>pode ocorrer em determinados casos previstos na legislação civil. Desse</p><p>modo, poderá ocorrer de forma espacial, quando um dos nubentes for</p><p>portador de moléstia grave (art. 1.539, CC); quando algum dos</p><p>contraentes estiver em iminente risco de vida (casamento nuncupativo)</p><p>(art. 1.540, CC); quando for celebrado por procuração; quando for</p><p>celebrado perante autoridade diplomática ou consular; ou quando for</p><p>celebrado no religioso (arts. 1.515 e 1.516, CC). O casamento, em caso</p><p>de moléstia grave, configura uma situação de celebração especial, pois</p><p>todo o processo de habilitação foi feito, mas em razão da moléstia grave,</p><p>não foi possível chegar ao local do casamento; por esse motivo ocorre a</p><p>solicitação para que a autoridade competente vá ao local onde se</p><p>encontra o portador da moléstia grave, para celebrar o matrimônio (art.</p><p>1.539, CC). O casamento nuncupativo ou in extremis é uma forma</p><p>excepcional de celebração do casamento possibilitada ao nubente que se</p><p>encontra perto da morte, ou seja, em iminente risco de vida; ante a</p><p>urgência do caso, não é necessário cumprir as formalidades legais (art.</p><p>1.533, CC), de modo que o oficial do Registro, mediante autorização da</p><p>autoridade competente, à vista dos documentos legais exigidos (art.</p><p>1.525, CC), independentemente de edital, dará certidão de habilitação.</p><p>Também é possível a dispensa da autoridade competente, se impossível</p><p>sua presença e a de seu substituto; nesse caso, os próprios nubentes</p><p>figurarão como celebrantes, declarando que querem receber por marido</p><p>e mulher, perante seis testemunhas, que com eles não tenham</p><p>parentesco em linha reta ou colateral em 2º grau (art. 1.540, CC); nesse</p><p>caso, o casamento vai necessitar uma habilitação posterior e</p><p>homologação judicial. O casamento por procuração ocorre quando um dos</p><p>contraentes não pode estar presente na cerimônia nupcial, havendo a</p><p>necessidade de o nubente outorgar poderes especiais a alguém para lhe</p><p>representar comparecendo em seu lugar e recebendo, em seu nome, o</p><p>outro contraente, indicando o nome deste de modo preciso, mencionando</p><p>o regime de bens (art. 1.542, CC). O casamento perante autoridade</p><p>diplomática ou consular é aquele celebrado fora do país, por uma</p><p>autoridade diplomática brasileira, quando o brasileiro se encontra em</p><p>território estrangeiro e deseja contrair núpcias, seja com uma pessoa</p><p>brasileira ou estrangeira; é celebrado segundo a lei do local do domicílio</p><p>do casal, que definirá as regras de validade, existência e eficácia do</p><p>casamento e adoção do regime de bens, sendo necessária a presença de</p><p>todos os requisitos legais, para que se tenha a validade do ato em</p><p>território brasileiro, devendo ser registrado no Cartório do respectivo</p><p>domicílio, ou na falta desse, no 1º Ofício da capital do Estado que</p><p>decidirem residir, em cento e oitenta dias, contados da volta de um ou de</p><p>ambos os cônjuges ao Brasil, devendo ser autenticado no Consulado</p><p>brasileiro, e posteriormente, traduzido por tradutor juramentado ou</p><p>designado pelo Juiz, para ser registrado no Brasil. O casamento religioso</p><p>com efeitos civis é aquele celebrado fora das dependências do Cartório,</p><p>sendo que o presidente do ato é a autoridade religiosa (pastor, padre,</p><p>rabino), observadas algumas regras do casamento em Cartório, pois este</p><p>deve ser realizado de forma pública, a portas abertas durante todo o ato;</p><p>após a realização da cerimônia, os noivos recebem um Termo de</p><p>Casamento, ao invés de uma certidão; esse termo precisa ser levado ao</p><p>Cartório, no prazo de 90 dias, para registrar o casamento; se isso não</p><p>ocorrer, os noivos permanecem solteiros perante o Estado (Brasil, 2002;</p><p>Gagliano e Pamplona Filho, 2012; Lôbo, 2017).</p><p>Prova e eficácia do casamento: a prova do casamento realizado no</p><p>Brasil é a certidão do registro, feito ao tempo de sua celebração (art.</p><p>1543, CC); já a prova supletória só é admitida quando preliminarmente</p><p>se justifica no caso da falta ou perda do documento, sendo admitidas</p><p>provas como depoimento de testemunhas, fotografias, certidão de</p><p>proclamas, ou outros documentos pessoais que comprovem o casamento.</p><p>A eficácia jurídica do casamento é alcançada a partir do cumprimento das</p><p>regras estabelecidas na legislação (art. 1.566, CC), que são: fidelidade</p><p>recíproca; vida em comum no domicílio conjugal; mútua assistência;</p><p>sustento, guarda e educação dos filhos; e respeito e consideração</p><p>mútuos; pelo casamento homem e mulher assumem mutuamente a</p><p>condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da</p><p>família; em todos os aspectos, os cônjuges têm direitos e deveres iguais,</p><p>tanto na parte de prover o sustento para a família quanto em relação aos</p><p>deveres com os filhos. Desse modo, os nubentes, quando celebram o</p><p>casamento, têm a intensão ou o sonho de viver ao lado de seu cônjuge</p><p>até o fim da vida de um dos dois; porém nem sempre isso ocorre; caso</p><p>inexista interesse por um ou pelos dois cônjuges em manter a vida em</p><p>comum, resta-lhes romper o vínculo matrimonial, possibilitando assim</p><p>que haja a dissolução da sociedade e o rompimento dos direitos e</p><p>deveres do casamento, com ou sem partilha de bens (Brasil, 2002).</p><p>Invalidade do casamento: o casamento pode ser nulo ou anulável. A</p><p>nulidade se verifica quando o casamento é celebrado nos seguintes</p><p>casos: pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos</p><p>da vida civil; ou por infringência de impedimento. Já a anulabilidade</p><p>decorre de vício da vontade, se houver erro essencial por parte de um</p><p>dos nubentes, ao consentir, essencial a pessoa do outro. Considera-se</p><p>erro essencial o que diz respeito à sua identidade, boa fama e honra; esse</p><p>erro tem que ser tal que o seu conhecimento anterior torne insuportável</p><p>a vida em comum ao cônjuge enganado, podendo se destacar: a</p><p>ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne</p><p>insuportável a vida conjugal; a ignorância, anterior ao casamento, de</p><p>defeito físico irremediável; moléstia grave e transmissível, pelo contágio</p><p>ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua</p><p>descendência; a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental</p><p>grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao</p><p>cônjuge enganado (Farias e Rosenvald, 2017).</p><p>Dissolução do casamento: está prevista no Código Civil (art. 1.571,</p><p>I a</p><p>IV), podendo ocorrer nos seguintes casos: morte, nulidade ou anulação</p><p>do casamento; separação judicial ou divórcio. Com a morte de um dos</p><p>cônjuges, por óbvio, o casamento se dá por acabado. A separação judicial</p><p>também põe fim à sociedade conjugal; refere-se ao ato judicial que</p><p>extingue a sociedade conjugal, no entanto considera íntegro o vínculo,</p><p>pois não dissolve o casamento, que só se interrompe com a morte ou o</p><p>divórcio; põe fim aos deveres (recíprocos e específicos) de coabitação e</p><p>fidelidade, bem como resolve o regime de bens adotado com as núpcias.</p><p>Essa separação pode ser consensual ou litigiosa; na primeira, há acordo</p><p>de vontade dos cônjuges em relação ao fim da relação conjugal; já na</p><p>segunda, um dos cônjuges busca a tutela jurisdicional atribuindo ao outro</p><p>a responsabilidade do rompimento, por violação dos deveres</p><p>matrimoniais. Por sua vez, o divórcio é a forma mais comum de se pôr</p><p>fim à sociedade conjugal, segundo a Lei nº 6.515/1977. Por sua vez, a Lei</p><p>nº 11.441/2007 possibilitou a realização da separação e divórcio</p><p>consensuais por via administrativa, perante um Ofício de Registro Civil,</p><p>desde que os cônjuges estejam acompanhados de advogado e não tenham</p><p>filhos menores. O efeito mais importante do divórcio é pôr termo ao</p><p>casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso, dissolvendo a</p><p>sociedade e o vínculo conjugal, o impedimento legal desaparece e os</p><p>cônjuges estão livres para casar-se novamente (Brasil, 1977; Brasil,</p><p>2002).</p><p>2. Família informal ou união estável</p><p>Família informal ou união estável é a entidade familiar formada por</p><p>casais heterossexuais ou homoafetivos, configurada na convivência</p><p>pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de</p><p>constituição de família. Trata-se da união de pessoas, convivendo como</p><p>se casadas fossem, contudo sem a formalidade prevista para o casamento</p><p>efetivo, ou seja, consiste na relação afetivo-amorosa entre duas pessoas,</p><p>considerada não adulterina e não incestuosa, caracterizada pela</p><p>estabilidade e durabilidade da convivência, sob o mesmo teto ou não,</p><p>com o objetivo de constituir família sem o vínculo do casamento civil</p><p>(Pereira, 2017).</p><p>Antes da vigência da Constituição Federal/1988, a união estável era</p><p>conhecida como concubinato, constituída, geralmente, por casais</p><p>separados judicialmente ou desquitados que não podiam contrair novo</p><p>casamento; era considerada como sociedade de fato, deixando</p><p>desprotegidos os indivíduos que viviam sem o vínculo do casamento.</p><p>Com o passar do tempo, a mulher concubina foi equiparada à empregada</p><p>doméstica, passando a ter direito a uma indenização por serviços</p><p>prestados, assim como à divisão de bens, no caso de aquisição conjunta,</p><p>provada a sociedade de fato. Todavia, a Carta Magna (art. 226 § 3°)</p><p>reconheceu a dignidade dos concubinos, admitindo a união estável como</p><p>entidade familiar e sua conversão em casamento, estabelecendo que para</p><p>efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o</p><p>homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua</p><p>conversão em casamento. Por sua vez, a Lei nº 9.278/1996 regulamentou</p><p>esse dispositivo constitucional, estabelecendo os direitos e os deveres</p><p>dos conviventes e as relações patrimoniais e regime de bens pertinentes</p><p>à união. Nessa mesma linha, o Código Civil/2002 dispõe sobre o instituto</p><p>da união estável, estabelecendo que essa relação, reconhecida entre</p><p>solteiros, viúvos, divorciados e separados judicialmente ou de fato, seja</p><p>afetiva, pública, contínua e duradoura, sendo indispensável entre os</p><p>companheiros o ânimo de constituir família (art. 1.723, CC). Trata-se de</p><p>um fato-ato-jurídico, caracterizado no plano fático, na posse do estado de</p><p>casado ou na aparência de casamento, embora possa ter um contrato</p><p>estabelecendo o regime de bens a ser adotado, sendo que, na sua falta,</p><p>prevalece o da comunhão parcial de bens, para efeitos patrimoniais.</p><p>Desse modo, a partir da Constituição Federal/1988 e do Código</p><p>Civil/2002, a união estável deixou de ser uma simples sociedade de fato</p><p>para se tornar uma entidade familiar que possui proteção do Estado,</p><p>promovendo segurança jurídica aos companheiros e aos membros desse</p><p>tipo de família (Brasil, 1988; Brasil, 1996; Brasil, 2002; Madaleno, 2019).</p><p>Contudo, a convivência pública, contínua e duradoura estabelecida</p><p>com o objetivo de constituir família configurada na união estável não</p><p>exige que o casal more junto, não há a necessidade de coabitação, mas</p><p>que haja comunhão de vidas com estabilidade, podendo ocorrer em</p><p>domicílios diversos, assim como não há definição na legislação civilista a</p><p>respeito do prazo mínimo de duração da convivência, pois será</p><p>considerada união estável se restar comprovada a relação conjugal, não</p><p>podendo se restringir a encontros casuais. Outrossim, as relações não</p><p>eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar-se, constituem</p><p>concubinato (art. 1.727, CC). Assim, não se considera união estável a</p><p>relação mascarada, simulada, fraudulenta, encoberta ou clandestina; deve</p><p>haver publicidade da relação. Dessa forma, a união estável se configura a</p><p>partir de requisitos subjetivos e objetivos, tais como, a vontade de ambos</p><p>de viver como se casados fossem e a vontade de constituir família; a</p><p>convivência more uxório, que revela a intenção de viverem como se</p><p>casados fossem; o tratamento respeitoso, afetuoso e carinhoso; e a</p><p>exteriorização da intenção de constituir família, que possibilita que a</p><p>relação seja publica, conhecida por todos aqueles que estão em volta.</p><p>Destaca-se que a affectio maritalis representa a intenção dos</p><p>companheiros de formar e manter uma família com sentimentos nobres,</p><p>como amor, afeto e respeito, capaz de constituir a base sólida para a</p><p>formação e manutenção da família; engloba tanto o elemento anímico,</p><p>constituído pelo conjunto de sentimentos nobres que são publicamente</p><p>recíprocos, como também o objetivo de constituir uma família. Ademais,</p><p>a união estável constitui situação de fato, ao contrário do casamento que</p><p>se inicia por meio de ato solene; sendo reconhecida no mundo jurídico</p><p>quando da sua dissolução, através de ação de reconhecimento e</p><p>dissolução de união estável. Contudo, como um fato social, a união</p><p>estável é tão exposta ao público como o casamento, pois os conviventes</p><p>vivem como se casados fossem, são conhecidos como um casal no lugar</p><p>onde vivem e na comunidade, junto aos fornecedores de produtos e</p><p>serviços, apresentado uma convivência contínua; seus conviventes</p><p>participam um da vida do outro, sem termo marcado para se separarem.</p><p>Pode-se provar a união estável através da aquisição de imóveis para a</p><p>moradia ou de móveis para guarnecerem esse lar, contrato de aluguel do</p><p>imóvel para ambos, pagamento das contas do casal, testemunho de</p><p>amigos, vizinhos e correspondência recebida no endereço comum. Por</p><p>outro lado, a dispensa das formalidades obrigatórias do casamento</p><p>implica no ônus aos conviventes de apresentar prova idônea do</p><p>preenchimento de todos os requisitos legais para o reconhecimento da</p><p>união estável e todos os efeitos dela decorrentes (Brasil, 2002; Dias,</p><p>2020; Lôbo, 2017; Nader, 2016; Tartuce, 2018).</p><p>Ressalta-se que a legislação infraconstitucional regulou a união</p><p>estável como família, copiando o modelo oficial do casamento e impondo</p><p>requisitos para o seu reconhecimento, gerando deveres e direitos aos</p><p>conviventes. Dentre os requisitos exigidos para o reconhecimento da</p><p>união estável estabelecidos no Código Civil (art. 1.723, §§ 1º e 2º, CC),</p><p>destaca-se a impossibilidade de constituição da união estável entre os</p><p>ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; os</p><p>afins em linha reta; o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o</p><p>adotado com quem o foi adotante; os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e</p><p>demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; o adotado com o filho do</p><p>adotante; entre pessoas casadas que não estejam separadas de fato ou</p><p>judicialmente; o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou</p><p>tentativa</p><p>de homicídio contra o seu consorte (art. 1.521, I a VII, CC). Por</p><p>outro lado, as causas suspensivas previstas na legislação civil (art. 1.523,</p><p>CC) não impedem a caracterização da união estável, que pode ser</p><p>convertida em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e</p><p>assento no Registro Civil. As relações pessoais entre os companheiros</p><p>devem obedecer aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de</p><p>guarda, sustento e educação dos filhos (art. 1.724, CC). O</p><p>descumprimento tanto do dever de lealdade, quanto o de respeito mútuo,</p><p>provocam injúrias graves. Já a assistência recíproca engloba a assistência</p><p>no âmbito do patrimônio, especialmente os alimentos e a assistência</p><p>moral. Por sua vez, a guarda, sustento e educação dos filhos são deveres</p><p>de pai e mãe independente de qualquer modelo, união estável ou</p><p>casamento; correspondem aos alimentos indispensáveis à alimentação, à</p><p>saúde, à cultura, ao lazer, ao vestuário, à segurança e à educação (Brasil,</p><p>2002).</p><p>Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros,</p><p>aplica-se o regime da comunhão parcial de bens às relações patrimoniais.</p><p>Verifica-se que a administração do patrimônio comum compete a</p><p>qualquer dos cônjuges, sendo que as dívidas contraídas no exercício da</p><p>administração obrigam os bens comuns e particulares do companheiro</p><p>que os administra, e os do outro na razão do proveito que houver</p><p>auferido. Outrossim, é necessária a anuência de ambos os cônjuges para</p><p>os atos, a título gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens</p><p>comuns. Todavia, no caso de malversação dos bens, o juiz poderá atribuir</p><p>a administração a apenas um dos cônjuges (arts. 1.725 c/c 1.663 §§ 1º a</p><p>3º, CC). Nessa mesma linha, a Lei nº 9.278/1996 (art. 5º e § 2º)</p><p>estabelece que os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por</p><p>ambos os conviventes, durante a união estável e a título oneroso, são</p><p>considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a</p><p>pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo definição</p><p>contrária em contrato escrito. Desse modo, apesar de o regime da</p><p>comunhão parcial de bens ser o regime legal, pode haver contrato entre</p><p>as partes sobre os bens dos companheiros com a mesma flexibilidade</p><p>admitida no pacto antenupcial. Da dissolução da união estável, destacam-</p><p>se alguns efeitos patrimoniais decorrentes do rompimento da relação:</p><p>direito à meação; direito aos alimentos; direito à herança; direito real de</p><p>habitação; direito ao benefício previdenciário; legitimidade para</p><p>embargos de terceiros; e possibilidade do exercício de inventariança;</p><p>algumas dessas consequências jurídicas decorrem da dissolução em</p><p>razão da morte, enquanto outras nas demais hipóteses (Brasil, 1996;</p><p>Brasil, 2002; Dias, 2020; Gonçalves, 2018; Lôbo, 2017).</p><p>3. Família monoparental</p><p>Família monoparental é aquela formada por qualquer um dos pais e</p><p>seus descendentes, segundo disposição constitucional (art. 226 § 4º,</p><p>CF), apresentando a presença de somente um dos pais na titularidade do</p><p>vínculo familiar com seus filhos, sejam eles biológicos ou adotivos, sendo</p><p>mais comum a formação desse tipo de família pela mãe e os filhos, ou,</p><p>mais raramente, do pai com os filhos; nada impedindo que tal modalidade</p><p>familiar seja constituída por qualquer de seus avôs e seus netos, por</p><p>estes serem descendentes daqueles. Sendo assim, entende-se que a</p><p>família monoparental ou unilinear rompeu com o modelo clássico</p><p>biparental de família, pois se desvinculou da ideia de um casal e seus</p><p>filhos, pois estes vivem apenas com um dos seus genitores (Brasil, 1988;</p><p>Brauner, 2004; Dias, 2020; Diniz, 2012).</p><p>Assim, para configurar uma família monoparental, o poder familiar</p><p>deve pertencer a um só genitor, podendo advir da paternidade ou</p><p>maternidade biológica, adotiva, natural ou socioafetiva e unilateral, em</p><p>razão da separação legal ou de fato, da ruptura de uma união estável, da</p><p>nulidade ou anulação do casamento, do abandono, não reconhecimento de</p><p>sua filiação pelo outro genitor; do divórcio, da morte de um dos pais, da</p><p>vontade das partes, ou por opção de vida, como também em decorrência</p><p>de natalidade de mães solteiras, técnicas de inseminação artificial</p><p>heteróloga ou homóloga, ou relação conjugal não oriunda casamento.</p><p>Geralmente, esse tipo de família costuma decorrer das situações em que</p><p>um dos pais fica com a guarda dos filhos, ou quando os filhos ficam sem</p><p>os pais. Destaca-se que nas situações em que um casal rompe a</p><p>convivência, ainda que os filhos fiquem com um dos pais, não se</p><p>configura a família monoparental, se a responsabilidade pelo exercício do</p><p>poder familiar continuar com ambos os genitores. Sendo assim, a família</p><p>monoparental é aquela em que o pai ou a mãe convive e é</p><p>exclusivamente responsável por seus filhos, sejam biológicos ou</p><p>adotivos, naturais ou socioafetivos, ainda que o outro genitor esteja vivo,</p><p>tenha falecido ou seja desconhecido. Nessa perspectiva, no âmbito da</p><p>especial proteção do Estado, afasta-se a conotação de natureza sexual do</p><p>conceito de família, pois o intuito constitucional é assegurar os</p><p>interesses da entidade familiar existente entre a mãe solteira e sua prole,</p><p>o pai solteiro e a sua prole, e o avô ou avó e seu neto ou neta,</p><p>considerando-se o elevado número dessa espécie familiar no Brasil, que</p><p>rompeu o poder hierarquizado do pátrio poder (Dias, 2020; Lisboa, 2013;</p><p>Madaleno, 2019; Nogueira, 2001; Rizzardo, 2019).</p><p>Todavia, apesar da previsão constitucional, esse tipo de família não</p><p>possui legislação infraconstitucional que a regule, de modo a confirmar a</p><p>composição e a delimitação dos seus direitos e obrigações. Entende-se</p><p>que não adianta o reconhecimento da família monoparental, se o Estado</p><p>não contribui para a manutenção desses núcleos sem o mínimo respaldo</p><p>de garantia de dignidade. E, enquanto o Direito Civil não reconhecer a</p><p>família monoparental como sujeito de direito, o Estado não se obriga a</p><p>prestar-lhe auxílio, o que agrava seu caráter discriminatório no meio</p><p>social. Por isso, dada a ausência de regulamentação, as divergências que</p><p>envolvem esse tipo de entidade familiar vêm sendo dirimidas pelos</p><p>entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, assim como pelo Direito</p><p>comparado, uma vez que as normas de outros países têm se mostrado</p><p>significativas na solução dos conflitos verificados no Brasil. Contudo, no</p><p>tocante aos direitos e obrigações gerados dos vínculos monoparentais,</p><p>apesar da omissão legislativa, têm se aplicado os efeitos jurídicos que</p><p>possuem previsão legal e que decorrem das práticas da viuvez, separação</p><p>ou ausência de convivência dos pais, e de suas responsabilidades legais</p><p>decorrentes do poder familiar, próprio do vínculo de filiação (Leite, 2003;</p><p>Madaleno, 2019; Santos, 2014).</p><p>4. Família anaparental</p><p>O termo anaparental foi criado por Sérgio Resende de Barros e</p><p>significa família sem pais. Sendo assim, a designação é apropriada, pois a</p><p>expressão ana é prefixo de origem grega que indica falta ou privação.</p><p>Desse modo, a família anaparental é aquela que não conta com os pais; é</p><p>aquela formada a partir da convivência entre pessoas ou parentes</p><p>consanguíneos ou não, que objetivam constituir família, sem que se</p><p>vislumbre qualquer conotação amorosa ou sexual, estando somente</p><p>presente o elemento afetivo; não apresenta relação vertical de</p><p>ascendência ou descendência entre seus membros, podendo reunir</p><p>pessoas sem qualquer vínculo de parentesco, desde que haja identidade</p><p>de propósitos; é constituída por pessoas sem diversidade de gerações</p><p>contendo um vínculo horizontal entre eles. Constitui-se por irmãos,</p><p>primos, tios, irmãos que perderam os pais ou que tenham sido</p><p>abandonados por eles, duas irmãs que conjugam esforços para a formação</p><p>do acervo patrimonial, ou mesmo por pessoas sem grau de parentesco,</p><p>como também por filhos órfãos que têm seus avós como tutores, por</p><p>amigos que decidem compartilhar a vida juntos ou duas amigas viúvas ou</p><p>aposentadas que resolvem viver juntas no mesmo lar para o resto da</p><p>vida. Essas pessoas estabelecem</p><p>uma convivência duradoura, de forma</p><p>mútua, que se caracteriza pela ajuda material, emocional e pelo</p><p>sentimento sincero de amizade, sem conotação sexual. As pessoas não</p><p>estão unidas por algum tipo de relação íntima, mas por vínculos</p><p>subjetivos de afeto, dedicação, carinho e ajuda recíproca, que é a base</p><p>dessa configuração familiar, onde as pessoas convivem umas com as</p><p>outras como se uma família fossem (Barros, 2002; Dias, 2020; Godinho,</p><p>2018; Madaleno, 2019).</p><p>Desse modo, é imprescindível a existência do animus de constituir</p><p>família, uma vez que não é qualquer agrupamento de pessoas que pode</p><p>ser considerado uma família anaparental ou parental. Deve haver,</p><p>obrigatoriamente, três características, quais sejam, a afetividade, como</p><p>fundamento e finalidade, com desconsideração do móvel econômico;</p><p>estabilidade, excluindo-se os relacionamentos casuais, episódicos ou</p><p>descomprometidos, sem comunhão de vida; e ostensibilidade, o que</p><p>pressupõe uma unidade familiar que assim se apresente publicamente.</p><p>Nessa linha de entendimento, a família anaparental ou parental é regida,</p><p>principalmente, pelo viés afetivo juntamente com a vontade mútua de</p><p>formar uma família, sem a presença dos pais, sujeitando seus integrantes</p><p>aos deveres inerentes a esta, para que possam desfrutar dos direitos que</p><p>somente a família proporciona (Lôbo, 2017).</p><p>Esse tipo de família não tem previsão constitucional; contudo vem</p><p>sendo reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência. Desse modo,</p><p>embora não tenha a proteção do Estado, por ausência de legislação, é</p><p>possível se aplicar os efeitos jurídicos da sociedade de fato, se</p><p>comprovada a aquisição de bens pelo esforço comum, na constância do</p><p>vínculo familiar. Entretanto, essa comprovação é difícil, pois não se pode</p><p>presumir o esforço comum somente pelo tempo de convivência entre as</p><p>partes. Ademais, também é possível se buscar o direito à prestação</p><p>alimentar, com base no Código Civil, que reconhece essa obrigação entre</p><p>os parentes e irmãos, que são credores e devedores de alimentos, por</p><p>serem irmãos, e não por constituírem uma relação familiar anaparental.</p><p>Contudo, esse tipo de família merece a proteção do Estado, como as</p><p>demais configurações familiares, ressaltando-se que a mera</p><p>parentalidade não possui as mesmas garantias e direitos dispensados às</p><p>entidades familiares. Nessa perspectiva, a convivência entre parentes ou</p><p>entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com</p><p>identidade de propósito, impõe o reconhecimento da família anaparental</p><p>ou parental (Barros, 2002; Dias, 2020; Madaleno, 2019).</p><p>Entende-se que se trata de espécie diferente da concepção habitual</p><p>de família, devendo se aplicar as disposições que tratam do casamento e</p><p>da união estável. Desse modo, destaca-se que no caso de uma família</p><p>desse tipo formada por dois irmãos ou duas irmãs que conjugaram</p><p>esforços para a formação do acervo patrimonial, durante uma convivência</p><p>duradoura, em que ocorrendo o falecimento de um de seus membros,</p><p>seria injusto dividir os bens igualitariamente entre todos os irmãos,</p><p>como herdeiros colaterais, em nome da ordem de vocação hereditária; ou</p><p>reconhecer mera sociedade de fato e invocar a Súmula 380, para</p><p>conceder somente a metade dos bens à sobrevivente. A solução que se</p><p>aproxima de um resultado justo é conceder à irmã, com quem a falecida</p><p>convivia, a integralidade do patrimônio, pois ela, em razão da parceria de</p><p>vidas, antecede aos demais irmãos na ordem de vocação hereditária.</p><p>Ainda que inexista qualquer conotação de ordem sexual, a convivência</p><p>identifica comunhão de esforços, cabendo aplicar, por analogia, as</p><p>disposições que tratam do casamento e da união estável (Dias, 2020).</p><p>5. Família eudemonista ou solidária</p><p>O termo eudemonista é de origem grega e vem da palavra</p><p>eudaimonia, que significa felicidade. O eudemonismo enfatiza o sentido</p><p>da busca da felicidade pelo indivíduo, e a absorção desse princípio torna o</p><p>conceito de família mais inovador. Assim, a família eudemonista é aquela</p><p>entidade socioafetiva, que se baseia na busca da felicidade individual,</p><p>através da emancipação de seus membros. Desse modo, a constituição da</p><p>família eudemonista visa alcançar a felicidade individual da pessoa</p><p>através do vínculo afetivo familiar; refere-se à estrutura familiar baseada</p><p>no convívio de pessoas que têm em comum laços afetivos e</p><p>solidariedade, não dependendo de vínculo biológico; é o modelo de</p><p>família que possibilita ao indivíduo buscar novas formas de realização</p><p>pessoal e gratificação profissional; trata-se de uma forma de as pessoas</p><p>se converterem em seres socialmente úteis. Esse modelo de família se</p><p>identifica pela comunhão de vida, de amor e de afeto no plano da</p><p>igualdade, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíproca;</p><p>trata-se do arranjo familiar apoiado na busca da felicidade, na supremacia</p><p>do amor, na vitória da solidariedade, no reconhecimento do afeto como</p><p>único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. Nesse</p><p>caso, as relações afetivas são elementos constitutivos dos vínculos</p><p>interpessoais; é a família formada por laços afetivos e solidariedade</p><p>mútua, dispensando o vínculo biológico (Welter, 2003; Dias, 2020).</p><p>Destaca-se que, a partir da Constituição Federal/1988, prevalece a</p><p>busca e o direito pela conquista da felicidade a partir da afetividade. Por</p><p>isso, a felicidade está na plenitude do indivíduo e a família é um meio</p><p>para se atingir esse fim. Na concepção eudemonista, a família existe para</p><p>o desenvolvimento da pessoa, concretizando seus interesses afetivos e</p><p>existenciais, como apoio indispensável para sua formação e estabilidade</p><p>na vida social. Desse modo, quanto maior a intensidade dos sentimentos</p><p>familiares, maiores os progressos da vida privada, da intensidade</p><p>doméstica, da identidade dos membros que se unem pelo sentimento,</p><p>pelo costume e gênero de vida, pois essa entidade familiar se baseia na</p><p>comunhão de vida, no afeto, no carinho, na liberdade, na solidariedade e</p><p>na responsabilidade recíprocas. Sendo assim, o afeto é condição essencial</p><p>para caracterização da família eudemonista, juntamente com a felicidade,</p><p>não sendo necessários os vínculos consanguíneos entre integrantes da</p><p>família, bastando a relação de afeto entre seus membros (Dias, 2020;</p><p>Lôbo, 2004).</p><p>Nessa linha de pensamento, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa</p><p>Catarina, em Agravo de Instrumento AI 4004720-35.2019.8.24.0000, de</p><p>Sombrio, reconheceu que a família eudemonista é aquela formada por</p><p>vínculo afetivo, esclarecendo que não é a consanguinidade por si só que</p><p>constitui uma família, mas o sentimento mútuo, a convivência, a união, o</p><p>bem-querer; é muito mais afetividade e afinidade do que parentesco puro</p><p>e simples. E desse modo, em processos nos quais se discute a proteção</p><p>da criança e/ou do adolescente, o Poder Judiciário deve buscar solução</p><p>adequada à satisfação do melhor interesse do infante, não sendo possível</p><p>o acolhimento institucional ou familiar, em detrimento da manutenção da</p><p>criança no lar que tem como seu, ainda que seja constituído por</p><p>terceiros, como segue:</p><p>Agravo de instrumento. Ação de guarda. Decisão que indeferiu a guarda</p><p>provisória do infante aos padrinhos e determinou o acolhimento institucional</p><p>deste. Indícios de adoção ilegal. Recurso dos terceiros interessados.</p><p>Abrigamento do infante. Medida de última ratio. Manifesta família</p><p>eudemonista. Menino que convive com os terceiros há mais de 4 (quatro)</p><p>anos. Residência adaptada às necessidades do pequeno. Ausente prova de</p><p>colocação do menino em situação de risco. Prevalência do melhor interesse da</p><p>criança em relação ao cadastro de adoção. Precedentes. Imediato</p><p>desacolhimento do pequeno que se mostra necessário. “1. – Em processos</p><p>nos quais se discute a proteção da criança ou adolescente o Poder Judiciário</p><p>deve buscar solução adequada à satisfação do melhor interesse desses seres</p><p>em formação. Essa determinação não decorre tão-somente da letra expressa</p><p>da Constituição Federal (artigo 227) ou</p><p>do Estatuto da Criança e do</p><p>Adolescente (artigo 4º), mas advém igualmente de imperativo da razão, haja</p><p>vista que a pacificação social (um dos escopos da atividade jurídica estatal) não</p><p>está alicerçada unicamente na legalidade estrita, mas na aplicação racional do</p><p>arcabouço normativo e supra normativo. A promoção da dignidade humana,</p><p>desde a formação de cada cidadão, deve ser o escopo primordial da ação</p><p>estatal. 2 – No mesmo sentido, compactua o Superior Tribunal de Justiça:</p><p>“Salvo no caso de evidente risco físico ou psíquico ao menor, não se pode</p><p>conceber que o acolhimento institucional ou acolhimento familiar temporário,</p><p>em detrimento da manutenção da criança no lar que tem como seu, traduza-se</p><p>como melhor interesse do infante. (AgRg na MC 18329/SC. Relatora Ministra</p><p>Nancy Andrighi, julgado em 20/09/2011) (AI nº 2013.021539-5. Relatora</p><p>Desembargadora Denise Volpato, Sexta Câmara de Direito Civil, julgado em</p><p>10/06/2014)”. Recurso provido. (TJSC – AI: 40047203520198240000, Sombrio</p><p>4004720-35.2019.8.24.0000. Relator: Ricardo Fontes, Data de julgamento:</p><p>27/08/2019, Quinta Câmara de Direito Civil).(Santa Catarina, 2019)</p><p>Nesse sentido, a família eudemonista ou solidária é aquela que busca</p><p>a realização individual, o melhor para cada um de seus membros, não</p><p>sendo importante o vínculo biológico, pois o que importa é o respeito</p><p>mútuo, o afeto, a comunhão e o carinho recíproco. É a família unida por</p><p>laços de afetividade, não formada por vínculos biológicos ou por vínculos</p><p>de qualquer outra natureza, simplesmente na comunhão plena de vida,</p><p>no amor, na responsabilidade entre os integrantes dessa entidade</p><p>familiar, na busca da felicidade individual. Trata-se da entidade familiar</p><p>decorrente da convivência entre pessoas por laços afetivos e</p><p>solidariedade mútua, como é o caso de amigos que vivem juntos no</p><p>mesmo lar, rateando despesas, compartilhando alegrias e tristezas, como</p><p>se fossem irmãos formando um núcleo familiar (Andrade, 2012;</p><p>Madaleno, 2019).</p><p>6. Família homoafetiva</p><p>Família homoafetiva é aquela configurada por relações homossexuais,</p><p>podendo ocorrer entre homens ou mulheres, que se unem com base no</p><p>afeto para formar uma família. Ainda que os textos legais se refiram</p><p>sempre a homem e mulher, deixando à margem as relações</p><p>homoafetivas, não há nenhuma lei que vede a união de pessoas do</p><p>mesmo sexo. É considerada uma entidade familiar quando estão</p><p>presentes os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade</p><p>juntamente com o animus de constituir família. Destaca-se que a</p><p>homossexualidade é uma realidade que merece especial tutela jurídica,</p><p>sendo repudiado qualquer tipo de discriminação fundado na orientação</p><p>sexual que desrespeite a dignidade da pessoa humana. Trata-se de uma</p><p>escolha sexual, outra forma de viver, diferente da considerada comum</p><p>por todos, mas que não merece diferenciação, pois não se conhece a</p><p>origem da homossexualidade, e também não interessa muito saber sua</p><p>causa, pois, quando se busca causas, é como se buscassem remédios, e</p><p>sabe-se que não se trata de mal algum para que se busque algum</p><p>tratamento (Dias, 2009; Dias, 2020; Lôbo, 2017; Rios, 1998).</p><p>Entende-se que a natureza do vínculo homoafetivo em nada o</p><p>diferencia das uniões heterossexuais, merecendo ser identificado como</p><p>união estável, sendo indispensável uma visão plural das estruturas</p><p>familiares e a inserção dos vínculos afetivos no conceito de família, para</p><p>se reconhecer que, independentemente da exclusividade do</p><p>relacionamento ou da identidade sexual do par, as uniões de afeto devem</p><p>ser identificadas como entidade familiar, gerando direitos e obrigações</p><p>aos seus membros. Dessa maneira, o que passa a identificar a família é</p><p>vínculo afetivo que tem por objetivo unir pessoas com o mesmo desejo</p><p>de vida. Dessa forma, não é impedimento para a existência desse tipo de</p><p>família a falta de legislação que a regulamente, pois as regras da</p><p>Constituição Federal/1988 (art. 226, CF) são autoaplicáveis,</p><p>independentemente de regulamentação, por analogia (art. 4º, LICC), em</p><p>virtude de ser a entidade familiar com maior aproximação de estrutura à</p><p>união estável. Entende-se, assim, que a família homoafetiva é</p><p>caracterizada pelas relações íntimas entre pessoas do mesmo sexo que</p><p>possuem afeição semelhante, ainda que com orientação sexual diversa</p><p>(Dias, 2020; Lisboa, 2013; Lôbo, 2017).</p><p>Ressalta-se que, em função das decisões favoráveis ao</p><p>reconhecimento da união homoafetiva, foram propostas: a Ação de</p><p>Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132/2008 e a Ação Direta</p><p>de Inconstitucionalidade nº 4.277/2009, requerendo a validade das</p><p>decisões acerca do reconhecimento da união homoafetiva como entidade</p><p>familiar e sua equiparação à união estável, o que resultou na sentença</p><p>favorável do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial – REsp. nº</p><p>1.085.646/RS, de 11/05/2011, que regularizou a união homoafetiva como</p><p>entidade familiar, atribuindo-lhe todos os efeitos jurídicos, impondo</p><p>efeito vinculante e declarando a obrigatoriedade do reconhecimento</p><p>como entidade familiar da união entre pessoas do mesmo sexo,</p><p>conquanto atendidos os mesmos pressupostos exigidos para a</p><p>constituição da união entre o homem e a mulher, além de estender com</p><p>idêntica eficácia vinculante os mesmos direitos e deveres aos</p><p>companheiros do mesmo sexo, como segue:</p><p>Direito civil. Ação de reconhecimento e dissolução de união afetiva entre</p><p>pessoas do mesmo sexo cumulada com partilha de bens e pedido de</p><p>alimentos. Presunção de esforço comum. 1. Despida de normatividade, a</p><p>união afetiva constituída entre pessoas de mesmo sexo tem batido às portas</p><p>do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela. Essa circunstância não pode</p><p>ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, os quis devem estar</p><p>preparados para regular as relações contextualizadas em uma sociedade pós-</p><p>moderna, com estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de</p><p>albergar, na esfera de entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais.</p><p>2. Os princípios da igualdade e da dignidade humana, que têm como função</p><p>principal a promoção da autodeterminação e impõem tratamento igualitário</p><p>entre as diferentes estruturas de convívio sob o âmbito do direito de família,</p><p>justificam o reconhecimento das parcerias afetivas entre homossexuais com</p><p>mais uma das várias modalidades de entidade familiar. 3. O art. 4º da LICC</p><p>permite a equidade na busca da Justiça. O manejo da analogia frente à lacuna</p><p>da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidades familiares, a</p><p>uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Para ensejar o</p><p>reconhecimento, como entidades familiares, é de rigor a demonstração</p><p>inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização de entidade</p><p>familiar diversa e que serve, na hipótese, como parâmetro diante do vazio</p><p>legal – a de união estável – com a evidente exceção da diversidade de sexos.</p><p>4. Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública,</p><p>contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família,</p><p>sem a ocorrência dos impedimentos do art. 1.521 do CC/02, com a exceção do</p><p>inc. VI quanto à pessoa casada separada de fato ou judicialmente, haverá, por</p><p>consequência, o reconhecimento dessa parceria como entidade familiar, com a</p><p>respectiva atribuição de efeitos jurídicos dela advindos. 5. Comprovada a</p><p>existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer</p><p>o direito do companheiro à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao</p><p>longo do relacionamento, mesmo que registrados unicamente em nome de</p><p>um dos parceiros, sem que se exija, para tanto, a prova do esforço comum,</p><p>que nesses casos é presumida. 6. Recurso especial não provido. (STJ – REsp:</p><p>1085646 RS 2008/0192762-5. Relator Ministra Nancy Andrighi, data de</p><p>julgamento: 11/05/2011, S2 – Segunda seção. Data de publicação: DJe</p><p>26/09/2011). (Brasil, 2011)</p><p>Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão na Ação</p><p>Direta de Inconstitucionalidade nº ADI 4.277/DF, interpretando</p><p>o que</p><p>estabelece o Código Civil (art. 1.723) com o que dispõe a Constituição</p><p>Federal/1988, para reconhecer a união contínua, pública e duradoura</p><p>entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, enfatizando que a</p><p>Constituição Federal/1988 proíbe, expressamente, o preconceito em</p><p>razão do sexo ou diferença natural entre a mulher e o homem, como</p><p>segue:</p><p>Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Perda parcial</p><p>de objeto. Recebimento, na parte remanescente, como ação direta de</p><p>inconstitucionalidade. União homoafetiva e seu reconhecimento como</p><p>instituto jurídico. Convergência de objetos entre ações de natureza abstrata.</p><p>Julgamento conjunto. [...] Proibição de discriminação das pessoas em razão do</p><p>sexo, seja no plano da dicotomia homem/mulher (gênero), seja no plano da</p><p>orientação sexual de cada qual deles. [...] Homenagem ao pluralismo como</p><p>valor sociopolítico-cultural. Liberdade para dispor da própria sexualidade,</p><p>inserida na categoria dos direitos fundamentais do indivíduo, expressão que é</p><p>da autonomia de vontade. Direito à intimidade e à vida privada. Cláusula</p><p>pétrea. [...] O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou</p><p>implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação</p><p>jurídica. [...] Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do</p><p>sexo dos indivíduos como norma geral negativa, segundo a qual o que não</p><p>estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido.</p><p>Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do</p><p>princípio da dignidade da pessoa humana; direito a autoestima no mais</p><p>elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade[...] A</p><p>Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão família, não limita sua</p><p>formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração</p><p>civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que</p><p>voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a</p><p>sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o</p><p>principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a</p><p>própria Constituição designa por intimidade e vida privada (inciso X do art.</p><p>5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente</p><p>ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à</p><p>formação de uma autonomizada família. [...] A Constituição não interdita a</p><p>formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que</p><p>não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de</p><p>um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na</p><p>hipótese sub judice. [...] Ante a possibilidade de interpretação em sentido</p><p>preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel</p><p>à luz dele próprio faz-se necessária a utilização da técnica de interpretação</p><p>conforme à Constituição. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer</p><p>significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e</p><p>duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é</p><p>de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da</p><p>união estável heteroafetiva. (STF – ADI: 4277. Relator: Ministro Ayres Britto,</p><p>Data de julgamento: 05/05/2011, Tribunal pleno, Data de publicação: DJE –</p><p>198. Divulgação: 13/10/2011, publicação 14/10/2011 ementa vol. – 02607-03 p-</p><p>00341). (Brasil, 2011b)</p><p>Assim, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que são aplicáveis</p><p>por analogia à união homoafetiva todas as regras relativas à união estável</p><p>nos moldes do art. 1.723 do Código Civil/2002, que estabelece como</p><p>entidade familiar a união entre um homem e uma mulher, reconhecendo</p><p>a inexistência de óbice ao casamento de pessoas do mesmo sexo, pois a</p><p>legislação não faz qualquer menção à vedação ao casamento homoafetivo,</p><p>admitindo-se a possibilidade da conversão da união estável em</p><p>casamento entre casais do mesmo sexo, podendo essa habilitação ser</p><p>realizada diretamente junto ao Registro Civil, sem a necessidade de</p><p>formalização da união estável antes da transformação para casamento.</p><p>Sendo assim, o posicionamento favorável à união homoafetiva tem se</p><p>firmado no Direito de Família, em razão da eficácia erga omnes gerada</p><p>pela decisão do Supremo Tribunal Federal, porém, espera-se a previsão</p><p>de preceitos que regulamentem, sem deixar nenhuma dúvida, o</p><p>reconhecimento da união homoafetiva. Partindo-se dessa decisão, são</p><p>assegurados aos companheiros homoafetivos a plêiade dos direitos</p><p>elencados no Direito de Família e no Código Civil, tais como: alimentos</p><p>(art. 1.724, CC); sucessão hereditária (art. 1.790, CC); direito à adoção</p><p>pelos pares homoafetivos (ECA); exercício do poder familiar (arts. 1.631</p><p>e 1.724, CC); exercício da curatela (art. 1.775, CC); uso do nome do</p><p>companheiro (art. 57, §§ 2° a 6°, LRP); impenhorabilidade do bem de</p><p>família (art. 1°, Lei n. 8.009/1990); direito à sub-rogação da locação de</p><p>imóvel urbano quando da união estável na sua dissolução (art. 11, da Lei</p><p>n. 8.245/1991); direitos possessórios dos companheiros sobre os bens</p><p>adquiridos conjuntamente durante a união, como a manutenção de posse</p><p>e a ação de reintegração de posse (arts. 560 e ss., CPC); embargos de</p><p>terceiro contra apreensão judicial (art. 674, CPC); conversão da união</p><p>estável em casamento se não evidenciados os impedimentos para o</p><p>matrimônio (arts. 1.521 e 1.726, CC). Desse modo, destaca-se que a</p><p>família homoafetiva foi incluída no ordenamento jurídico brasileiro</p><p>através da decisão do Supremo Tribunal Federal, em 05/05/2011, ADI nº</p><p>4277 e a ADPF nº 132, transformada na Resolução 175/2013 (art. 1º) do</p><p>Conselho Nacional de Justiça, pela qual é vedada às autoridades</p><p>competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de</p><p>conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo</p><p>(Conselho Nacional de Justiça, 2013).</p><p>Esse posicionamento se baseia no princípio da dignidade da pessoa</p><p>humana e da não discriminação, pelos quais se ventilar a possibilidade de</p><p>desrespeito ou prejuízo a um ser humano, em função de sua orientação</p><p>sexual, significa dispensar tratamento indigno a esse, ignorando-se sua</p><p>condição pessoal, pois a Constituição Federal/1988 estabelece como</p><p>regra maior o respeito à dignidade humana, tratada como compromisso</p><p>do Estado para com o cidadão, sustentado no primado da igualdade e da</p><p>liberdade. Ademais, a Lei Maria da Penha (arts. 2º e 5º, § único, Lei</p><p>11.340/2006) definiu família como relação íntima de afeto, destacando a</p><p>orientação sexual e quem se sujeita a violência doméstica, albergando,</p><p>expressamente, a união homoafetiva, no seu conceito. Desse modo, a</p><p>nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar</p><p>de conferir status de família merecedora de proteção do Estado. Nesse</p><p>sentido, considerando-se, ainda, o princípio da felicidade por meio do</p><p>afeto, a união de pessoas do mesmo sexo configura uma entidade familiar</p><p>constitucionalmente protegida, sendo equiparada às entidades familiares</p><p>equivalentes ao casamento e à união estável heterossexual (Dias, 2020;</p><p>Tartuce, 2017).</p><p>7. Família paralela ou simultânea</p><p>Família paralela diz respeito ao cônjuge que mantém vínculo familiar</p><p>com mais de uma família, seja por meio de casamento ou união estável,</p><p>fazendo parte de famílias simultâneas, situação em que esses cônjuges</p><p>ou companheiros se dividem entre duas casas, mantendo duas mulheres</p><p>e filhos com ambas, em vínculos familiares concomitantes. É o modelo</p><p>de família que se enquadra nos casos em que o indivíduo mantém duas</p><p>relações ao mesmo tempo, seja um casamento e uma união estável, ou</p><p>duas uniões estáveis. Caracteriza-se, basicamente, pela união,</p><p>geralmente, do homem que possui mais de uma união, relacionando-se</p><p>com mais de uma pessoa de maneira contínua e duradoura, atuando como</p><p>integrante de dois núcleos diversos entre si e ao mesmo tempo, de</p><p>forma ostensiva e estável; participa, paralelamente, de duas ou</p><p>mais</p><p>famílias, também como cônjuge e/ou companheiro. Configura-se pela</p><p>preexistência de vínculo matrimonial ou de diversa união estável paralela</p><p>com a estadia do cônjuge ou do companheiro no lar conjugal, que gera</p><p>um ambiente de abstração à definição de estável relação (Dias, 2020;</p><p>Freire, 2016; Madaleno, 2019; Pereira, 2017; Ruzyk, 2005).</p><p>Nessa perspectiva, destaca-se que a pessoa casada só pode se unir</p><p>em novo casamento se promover o divórcio; já no caso da união estável,</p><p>basta a separação de fato, judicial ou extrajudicial. Contudo, não se</p><p>admite a coexistência de um casamento paralelo a uma união estável,</p><p>situação em que se mantém uma relação adulterina. Essas relações não</p><p>eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar-se (art. 1.521,</p><p>CC) ou de firmarem a união estável (art. 1.723, § 1º, CC), paralelas ao</p><p>casamento ou à outra união estável, constituem concubinato (art. 1.727,</p><p>CC). Destaca-se que o concubinato é o gênero que engloba duas espécies</p><p>de relação, uma lícita e outra ilícita: concubinato puro ou união estável e</p><p>concubinato impuro. O concubinato puro nada mais é do que a união</p><p>estável; é a relação lícita entre duas pessoas, que vivem com aparência</p><p>de casados com intenção de constituir família, que apenas não se casaram</p><p>por opção particular ou por algum impedimento momentâneo. Por sua</p><p>vez, o concubinato impuro é a união entre duas pessoas, impedidas de se</p><p>casar ou de serem companheiros, por ser ilícita esta relação, como</p><p>ocorre nos relacionamentos desleais, incestuosos, extramatrimoniais;</p><p>nesses casos, pode existir uma sociedade de fato ou não. Ao concubinato</p><p>puro ou união estável estão assegurados efeitos pessoais, patrimoniais e</p><p>sociais, o que não ocorre no concubinato impuro, salvo quando restar</p><p>provada a existência de uma sociedade de fato entre concubinos (art.</p><p>1.727, CC); nessa situação, os aquestos deverão ser partilhados, na</p><p>medida do esforço de cada um na sua aquisição, sob pena de um se</p><p>locupletar com o trabalho do outro (Brasil, 2002; Diniz, 2012).</p><p>Na união paralela ou simultânea, não cabe a aplicação do concubinato</p><p>putativo, em que o ordenamento jurídico assegura os direitos</p><p>patrimoniais decorridos da relação. Esse caso se trata de uma situação</p><p>reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência, pois nas uniões estáveis</p><p>paralelas putativas, as famílias não têm ideia da existência da outra, elas</p><p>estão unidas e convivem de boa-fé, não tendo ideia de que seu parceiro</p><p>era impedido ou que constituía uma relação paralela à sua convivência,</p><p>possuindo duas vidas, duas famílias, ou seja, um dos conviventes foi</p><p>laqueado em sua crença quanto à realidade dos fatos. Sendo assim, há</p><p>divergência na doutrina e na jurisprudência sobre a existência da família</p><p>paralela ou simultânea, destacando-se três posicionamentos: o primeiro,</p><p>que reconhece as uniões paralelas desde que sejam consideradas</p><p>putativas; o segundo, mais conservador, que não admite a família</p><p>paralela, por acreditar que ofende os princípios da monogamia, da</p><p>lealdade e da fidelidade; e o terceiro, mais liberal, que aceita todos os</p><p>tipos de relações paralelas e luta pelo seu reconhecimento e pela</p><p>aquisição da proteção do Estado. Os entendimentos doutrinários e</p><p>jurisprudenciais que não reconhecem a família paralela ou simultânea</p><p>defendem os princípios da monogamia, da lealdade e da fidelidade. Esse</p><p>tipo de família, caracterizado pela existência de uma situação em que um</p><p>dos cônjuges faz parte como cônjuge de outra(s) família(s),</p><p>paralelamente à sua primeira família, configura poligamia, em oposição</p><p>ao princípio constitucional da monogamia. Ademais, a união estável e o</p><p>casamento agregam a ideia e tradição da monogamia, sendo relações</p><p>aceitas no consenso da moralidade conjugal brasileira. Por isso, a</p><p>constituição de múltiplos casamentos ou uniões estáveis é repudiada,</p><p>assim como as relações paralelas, porque não se adequam à ideia,</p><p>agregada na cultura brasileira, de uma união monogâmica. Desse modo,</p><p>esse tipo de família não possui a chancela do Direito, pois não configura</p><p>união estável, haja vista que fere o princípio da monogamia, que rege as</p><p>entidades familiares, apesar de em determinados casos, gerar efeitos</p><p>jurídicos (Dias, 2020; Laragnoit, 2014; Madaleno, 2019).</p><p>Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça, manifestou entendimento</p><p>em Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº AgInt no AREsp</p><p>999189 MS 2016/027001-5, destacando que predomina o entendimento</p><p>do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal no</p><p>sentido de não reconhecer como união estável a relação concubinária não</p><p>eventual, simultânea ao casamento, quando não estiver provada a</p><p>separação de fato ou de direito do parceiro casado. Desse modo, a</p><p>existência de impedimento para o casamento (art. 1.521, CC) invalida a</p><p>constituição de união estável e, por consequência, afasta o direito ao</p><p>recebimento de pensão por morte, salvo quando comprovada a separação</p><p>de fato dos casados, como segue:</p><p>Agravo interno no agravo em recurso especial: AgInt no AREsp 999189 MS</p><p>2016/027001-5. Ementa: civil. Processual civil. Família. Agravo interno no</p><p>agravo em recurso especial. União estável não reconhecida. Homem casado.</p><p>Separação de fato não comprovada. Reexame do conjunto fático-probatório</p><p>dos autos. Inadmissibilidade. Incidência da súmula nº 7/STJ. Decisão mantida.</p><p>1. “A jurisprudência do STJ e do STF é sólida em não reconhecer união</p><p>estável a relação concubinária não eventual, simultânea ao casamento, quando</p><p>não estiver provada a separação de fato ou de direito do parceiro casado”</p><p>(AgRg no AREsp 748.452, relator Ministro Raul Araújo, quarta Turma,</p><p>julgado em 23/02/2016, DJe 7/3/2016) 2. O recurso especial não comporta o</p><p>exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório</p><p>dos autos (Súmula nº 7 do STJ). 3. No caso concreto, o Tribunal de origem</p><p>concluiu pela ausência de comprovação a separação e fato. Alterar esse</p><p>entendimento demandaria o reexame das provas produzidas nos autos, o que</p><p>é vedado em recurso especial. 4. Agravo interno a que se nega provimento.</p><p>(STJ – AgInt no AREsp: 999189 MS 2016/0270011-5, relator Ministro</p><p>Antonio Carlos Ferreira, data de julgamento: 16/05/2017, T4 – Quarta Turma,</p><p>data de publicação: DJe 23/05/2017). (Brasil, 2017)</p><p>Sendo assim, embora o ordenamento jurídico brasileiro,</p><p>principalmente o Direito de família, esteja em constantes mudanças para</p><p>abarcar as transformações da sociedade, a legislação vigente não ampara</p><p>as famílias paralelas, deixando-as à margem da sociedade, pois há uma</p><p>certa resistência em relação ao que possa colocar em risco o princípio da</p><p>monogamia. Em países africanos e no oriente, essas famílias são</p><p>admitidas já há muito tempo, mas no Brasil, a poligamia é repudiada no</p><p>ordenamento jurídico brasileiro, sendo tipificada como crime (art. 235,</p><p>Código Penal). Por outro lado, os entendimentos acerca da família</p><p>paralela vêm sofrendo alterações nos últimos anos. Acompanhando a</p><p>evolução da sociedade, a doutrina e a jurisprudência, mais liberal,</p><p>embora de forma incipiente, têm reconhecido a existência de famílias</p><p>paralelas. Alguns tribunais têm concedido a esses casais os direitos</p><p>pertinentes ao casamento, como se fosse possível manter dois</p><p>casamentos ao mesmo tempo, para conferir com sua ruptura a divisão do</p><p>patrimônio conjugal entre três pessoas, à razão de um terço dos bens</p><p>para cada partícipe dessa relação tríade (Carvalho, 2017; Madaleno,</p><p>2019).</p><p>Nessa linha de entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio</p><p>Grande do Sul, em Apelação Cível nº 70022775605, de Santa Vitória do</p><p>Palmar, reconheceu a família paralela, determinando que os bens</p><p>adquiridos na constância da união dúplice fossem partilhados entre três</p><p>partes (esposa, companheira e o de cujus), passando a meação para</p><p>triação pela duplicidade de uniões, como segue:</p><p>Apelação cível. Reconhecimento de união estável paralela ao casamento e</p><p>outra união estável. União dúplice. Possibilidade. Partilha de bens. Meação.</p><p>“Triação”.</p><p>Alimentos. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a</p><p>existência de união estável entre a autora e o réu em período concomitante ao</p><p>seu casamento e, posteriormente, concomitante a uma segunda união estável</p><p>que se iniciou após o término do casamento. Caso em que se reconhece a</p><p>união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância</p><p>da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o réu.</p><p>Meação que se transmuda em “triação”, pela duplicidade de uniões. Verifica-</p><p>se o mesmo em relação aos bens adquiridos na constância da segunda união</p><p>estável. Eventual período em que o réu tiver se relacionado somente com a</p><p>apelante, o patrimônio adquirido nesse período será partilhado à metade.</p><p>Assentado o vínculo familiar e comprovado nos autos que durante a união o</p><p>varão sustentava a apelante, resta demonstrado os pressupostos da obrigação</p><p>alimentar, quais sejam, as necessidades de quem postula o pensionamento e</p><p>as possibilidades de quem o supre. Caso em que se determina o pagamento de</p><p>alimentos em favor da ex-companheira. Apelação Parcialmente</p><p>Provida. (TJRS – Apelação Cível nº 70022775605 – Santa Vitória do Palmar –</p><p>8ª Câmara Cível – Rel. Des. Rui Portanova – DJ. 19.08.2008). (Rio Grande do</p><p>Sul, 2008)</p><p>No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em</p><p>Apelação Civil nº 0004441-16.2010.8.26.0053 SP, de São Paulo,</p><p>reconheceu a família paralela, concedendo o direito ao recebimento da</p><p>pensão alimentícia na ordem de 50% para cada uma das mulheres</p><p>(cônjuge e companheira) do segurado falecido, que mantinha</p><p>relacionamento com ambas, concomitantemente, como segue:</p><p>Apelação e remessa necessária. Ação de rito ordinário. Pensão por morte de</p><p>servidor municipal. Pleito de recebimento da pensão pela companheira do</p><p>servidor falecido, em concorrência com a cônjuge do servidor, na ordem de</p><p>50%. Sentença que julga procedente a ação. Manutenção. Comprovada, por</p><p>meio de prova testemunhal, a vida em comum e a relação de dependência</p><p>econômica entre a autora e o segurado. Manutenção de famílias paralelas pelo</p><p>segurado. Família paralela que deve ser reconhecida como entidade familiar,</p><p>para todos os efeitos, de acordo com a melhor doutrina. Precedentes.</p><p>Dependência econômica, de qualquer modo, comprovada, o que já viabilizaria</p><p>o direito à pensão. Inteligência dos arts. 194 e 201, V, da CR. Preenchimento</p><p>dos requisitos dos arts. 8º, II e § 5º e 14, VI da LM nº 10.828/90. [...] (TJ-SP</p><p>00044411620108260053 SP 0004441-16.2010.8.26.0053, Relator: Marcelo</p><p>Semer, Data de Julgamento: 04/09/2017, 10ª Câmara de Direito Público, Data</p><p>de Publicação: 06/09/2017). (São Paulo, 2017)</p><p>Nessa perspectiva, considera-se que a relação adulterina é um fato</p><p>social que não tem categoria de fato jurídico no Direito de Família, como</p><p>entidade familiar, mas pode gerar consequências a partir das disposições</p><p>do Direito das obrigações. Destaca-se que o reconhecimento das famílias</p><p>paralelas e seus efeitos jurídicos têm por objetivo evitar a</p><p>irresponsabilidade e o enriquecimento ilícito. Desse modo, embora a</p><p>simultaneidade dessas famílias seja motivo de repúdio por muitos, visto</p><p>que se trata de uma questão polêmica, por contrariar o princípio da</p><p>monogamia, os efeitos jurídicos que acometem essa modalidade não</p><p>podem ser negligenciados, pois não se pode negar a existência de</p><p>famílias paralelas, que repercutem no mundo jurídico, não podendo ficar</p><p>à margem do Direito. Desse modo, ao analisar as lides que apresentam</p><p>paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas</p><p>apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa</p><p>humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na</p><p>liberdade, na igualdade, bem assim, com atenção ao primado da</p><p>monogamia e no princípio da eticidade. Todavia, emprestar aos novos</p><p>arranjos familiares, de uma forma linear, os efeitos jurídicos inerentes à</p><p>união estável, implicaria julgar contra a disposição do Código Civil (art.</p><p>1.727, CC) a respeito das relações afetivas não eventuais em que se</p><p>fazem presentes impedimentos para se casar, de forma que só podem</p><p>constituir concubinato os relacionamentos paralelos a casamento ou</p><p>união estável concomitantes (Dias, 2020; Gonçalves, 2018; Madaleno,</p><p>2019; Tartuce, 2018).</p><p>8. Família pluriparental, recomposta ou mosaico</p><p>A família pluriparental, recomposta ou mosaico é caracterizada pela</p><p>multiplicidade de vínculos, imprecisão das funções dos novos casais e</p><p>forte grau de interdependência, não importando em restrições aos</p><p>direitos e deveres dos pais em relação aos seus filhos (art. 1.579 § único,</p><p>CC). Trata-se de um novo arranjo familiar gerado a partir de um novo</p><p>casamento ou união estável entre pessoas que vêm de famílias desfeitas</p><p>ou em decorrência do rompimento das relações afetivas pretéritas.</p><p>Refere-se à reconstrução de famílias ou à constituição de novos núcleos</p><p>familiares formados por pessoas que fizeram parte de núcleos conjugais</p><p>anteriores, em que um deles ou ambos os integrantes têm filhos</p><p>provenientes dessa união precedente, e que decidem juntar-se e</p><p>conviver harmoniosamente, com a consequente diversidade de vínculos,</p><p>geralmente, preponderando o vínculo afetivo ao biológico. Esse tipo de</p><p>família resulta da pluralidade das relações parentais, em que os parceiros,</p><p>um ou ambos, trazem para a nova família filhos de outros</p><p>relacionamentos, e, em certos casos, os filhos em comum, formando</p><p>famílias pluriparentais. Desse modo, constitui-se por mães, pais, filhos,</p><p>madrasta, padrasto, enteados e enteadas, em que se verificam diferentes</p><p>graus de parentesco na estrutura familiar, principalmente ocasionada</p><p>pelo divórcio, dissolução de união estável, separação, viuvez,</p><p>recasamento ou outras desuniões de famílias não matrimoniais. Por isso,</p><p>originando-se do desfazimento de relações anteriores, esse tipo de</p><p>família constitui novos relacionamentos baseados em vínculos afetivos,</p><p>circunstância que tem como condição que um ou ambos de seus</p><p>integrantes possuam filhos oriundos de um casamento ou uma relação</p><p>passada e que desempenham funções parentais, configurando-se a</p><p>pluralidade de vínculos. Por isso, é essencial a presença do vínculo</p><p>afetivo entre seus membros, tendo em vista que são resultantes de uma</p><p>pluralidade de relações parentais (Dias, 2020; Diniz, 2012; Freire, 2016;</p><p>Grisard Filho, 2010; Pereira, 2017; Valadares, 2013).</p><p>Origina-se dos sentimentos de afeto entre seus membros, que</p><p>buscam a realização pessoal nesse novo arranjo familiar, fazendo surgir a</p><p>paternidade e/ou a maternidade socioafetiva, geralmente representada na</p><p>figura do padrasto e da madrasta, do enteado e da enteada, que passam a</p><p>desempenhar o papel de pai e mãe, de filho e filha, e do meio-irmão e</p><p>meia-irmã, que, separados da convivência familiar anterior, passam a</p><p>integrar uma nova entidade familiar, resultante dos vínculos afetivos que</p><p>se constituem entre um dos membros do casal e os filhos do outro.</p><p>Nesse caso, o poder familiar ainda é exercido pelos pais, sem qualquer</p><p>direito de interferência por parte do padrasto ou madrasta, conforme</p><p>dispõe o Código Civil (art. 1.636, CC), segundo o qual o pai ou a mãe que</p><p>contrai novas núpcias ou estabelece união estável, não perde, quanto aos</p><p>filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar,</p><p>exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou</p><p>companheiro. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do</p><p>outro pelo vínculo da afinidade, sendo que o parentesco por afinidade se</p><p>limita aos ascendentes, descendentes e irmãos do cônjuge ou</p><p>companheiro, reconhecendo e assegurando os deveres e direitos entre</p><p>os parentes por afinidade (art. 1.595, CC) (Brasil, 2002; Madaleno, 2019).</p><p>Contudo, a multiplicidade de vínculos, a ambiguidade dos</p><p>compromissos e a interdependência deste tipo de entidade família não</p><p>está expressamente prevista na legislação, portanto, não estão</p><p>assegurados os direitos e deveres previstos no Direito de família. No</p><p>entanto, a tutela da família</p><p>mosaico, pluriparental ou recomposta pode</p><p>ter fundamento nos princípios constitucionais, considerando que a</p><p>relação entre padrasto ou madrasta e enteado(a) configura vínculo de</p><p>parentalidade socioafetiva, sendo possível a partilha do exercício do</p><p>poder familiar do cônjuge ou companheiro sobre o filho (a) e/ou</p><p>enteado(a) com o padrasto ou madrasta, pois a condução da família é</p><p>conjunta dos cônjuges ou companheiros, em relação às crianças e</p><p>adolescentes que a integram. Nessa perspectiva, verificam-se dois</p><p>vínculos de parentalidade na relação pluriparental, em face do(a) filho(a)</p><p>do cônjuge ou do companheiro: um, do pai originário separado, sendo</p><p>garantido o direito de contato ou de visita com o filho; e outro, do</p><p>padrasto, de convivência com o enteado(a). Nesse sentido, entende-se</p><p>que ao padrasto devem ser reconhecidas determinadas decisões ou</p><p>situações no interesse do filho/enteado, em matéria educacional, direito</p><p>de visita em caso de divórcio, cuidados com a saúde, atividades sociais e</p><p>de lazer, corresponsabilidade civil por danos cometidos pelo enteado,</p><p>nomeação do enteado como beneficiário de seguros e planos de saúde,</p><p>sem que haja redução do poder familiar do pai originário. Destaca-se que</p><p>o(a) enteado(a) pode agregar o nome do padrasto ou da madrasta no</p><p>registro civil de nascimento, havendo motivo ponderável, desde que haja</p><p>expressa concordância destes, sem que haja a exclusão do poder familiar</p><p>e do nome do genitor biológico ou registral (art. 57 § 8º, Lei 6.015/73)</p><p>(Brasil, 1973; Dias, 2020; Lôbo, 2017).</p><p>9. Família poliafetiva</p><p>A família poliafetiva, poliamor ou poli amorosa é aquela na qual não se</p><p>identificam infiéis, pois homens e mulheres convivem abertamente</p><p>relações apaixonadas envolvendo mais de duas pessoas, distinguindo-se</p><p>da família paralela ou simultânea, pois são arranjos familiares formados</p><p>por mais de duas pessoas que vivem conjugalmente umas com as outras.</p><p>Trata-se de uma relação múltipla de poliamor, na busca do justo</p><p>equilíbrio, vivendo todos em notória ponderação de princípios, cujo</p><p>somatório se distancia da monogamia e busca a tutela de seu grupo</p><p>familiar escorado no elo do afeto. É o núcleo familiar constituído pela</p><p>relação afetiva de mais de duas pessoas, vivendo todas sob o mesmo</p><p>teto, em convivência consentida, dispensada da exigência cultural de</p><p>uma união de exclusividade apenas entre um homem e uma mulher, ou</p><p>entre duas pessoas do mesmo sexo, mas sim de mais pessoas em união</p><p>sem as correntes de uma vida conjugal convencional. Distingue-se da</p><p>família paralela ou simultânea, pois nos relacionamentos paralelos, uma</p><p>pessoa mantém dois ou mais parceiros, enquanto nos relacionamentos</p><p>poliafetivos, forma-se um só núcleo familiar, com mais de duas pessoas</p><p>que se relacionam, todas morando sob o mesmo teto (Madaleno, 2019;</p><p>Santiago, 2014).</p><p>Na doutrina e na jurisprudência, os entendimentos sobre a existência</p><p>da família poliafetiva são divergentes. O posicionamento que reconhece a</p><p>existência da família poliafetiva apoia-se nos princípios da dignidade</p><p>humana, da autonomia de vontade, da liberdade sexual, no direito à</p><p>intimidade, na pluralidade familiar e no afeto como dever jurídico</p><p>presente na constituição das novas relações familiares. Esse</p><p>entendimento defende que não pode haver um modelo legal taxativo de</p><p>entidade familiar, pois essa deve ser constituída a partir dos vínculos</p><p>afetivos, da estabilidade e da estruturação psíquica, em que cada</p><p>integrante familiar ocupa um lugar e identifica sua função, sendo o amor</p><p>o elemento formador de família. Ademais, a biologia e a genética não</p><p>sustentam que a monogamia seja padrão dominante entre as espécies,</p><p>podendo também homens e mulheres amarem mais de uma pessoa,</p><p>concomitantemente. Desse modo, as uniões poliafetivas que preenchem</p><p>referidos requisitos devem ser constitucionalmente protegidas, pois cabe</p><p>ao Estado acompanhar as transformações da sociedade, e, se não fizer,</p><p>provocará exclusões que ofendem os valores estabelecidos em uma</p><p>democracia. Nessa perspectiva, mediante decisão judicial, pode-se</p><p>reconhecer os efeitos jurídicos decorrentes dessas relações, no que se</p><p>refere à partilha de bens, ao direito a alimentos ou à previdência social,</p><p>no caso de dissolução da união. Por outro lado, parte da doutrina e da</p><p>jurisprudência que não reconhece a família poliafetiva, na sua maioria,</p><p>entende que se trata de relação poligâmica, restando sem amparo jurídico</p><p>e à margem da sociedade, pois o Direito de família nega sua existência</p><p>como núcleo familiar e sua equiparação à união estável, o que</p><p>impossibilita aos parceiros reivindicarem direitos e deveres (Gagliano e</p><p>Pamplona Filho, 2017; Madaleno, 2019).</p><p>Nessa perspectiva, o Conselho Nacional de Justiça proibiu o registro</p><p>de escritura pública de uniões poliafetivas, por meio do pedido de</p><p>providências nº 0001459-08.2016.2.00.0000, originado a partir dos</p><p>registros de escritura pública de união poliafetiva, realizados pelos</p><p>Tabelionatos de Notas de São Paulo e do Rio de Janeiro, com o objetivo</p><p>de estabelecer direitos familiares, sucessórios e previdenciários entre os</p><p>membros desse tipo de relação. A respeito do registro de referidas</p><p>escrituras, os conselheiros manifestaram entendimento, predominante,</p><p>no sentido de que há ofensa ao ordenamento jurídico brasileiro, no que</p><p>tange ao princípio da monogamia, ao dever de fidelidade, aos valores</p><p>familiares básicos, à moral e aos bons costumes, à dignidade da pessoa</p><p>humana e às demais regras constitucionais e leis civis, como também</p><p>advertiram que a poligamia constitui infração penal no Direito brasileiro.</p><p>Ressalta-se que alguns conselheiros admitiram a possibilidade de se</p><p>registrar escritura que declare somente a existência do relacionamento</p><p>poliafetivo, sem definição de direitos familiares, sucessórios e</p><p>previdenciários. Nesse caso, os parceiros estariam declarando uma</p><p>situação de fato, não proibida por lei, o que não caracteriza a ilicitude na</p><p>união, pois não se pode falar em bigamia, pois não é um indivíduo casado</p><p>que contrai novo casamento, tampouco em poligamia, pois essa</p><p>pressupõe casamento com diversos cônjuges ao mesmo tempo, sendo</p><p>que o que na relação poliafetiva ocorre o consentimento de vida em</p><p>conjunto entre mais de duas pessoas. Desse modo, segundo o</p><p>entendimento do Conselho Nacional de Justiça, a união poliafetiva não</p><p>pode ser reconhecida como família, pois as normas que disciplinam as</p><p>uniões monogâmicas não servem para regulamentar os relacionamentos</p><p>poliafetivos, dada a complexidade da relação e a multiplicidade de</p><p>vínculos. Ademais, a declaração de comprometimento dos conviventes,</p><p>perante o tabelião, não pode constituir uma entidade familiar com</p><p>direitos e deveres, como se fossem expressamente definidos no Direito</p><p>de família, podendo o relacionamento poliafetivo ser compatível com a</p><p>sociedade de fato, para dispor acerca dos direitos e deveres patrimoniais.</p><p>Por outro lado, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)</p><p>manifestou entendimento contrário à decisão do Conselho Nacional de</p><p>Justiça, defendendo que a Constituição Federal/1988 não apresenta rol</p><p>taxativo de modelos de família, cabendo ao Estado proteger todos os</p><p>arranjos familiares, sem cláusula de exclusão de hierarquia, assegurando</p><p>a diversidade das conformações sociais e das múltiplas entidades</p><p>familiares. Por outro lado, a escritura pública de união poliafetiva que</p><p>constitui relacionamento poligâmico não tem eficácia jurídica, pois a</p><p>Constituição Federal (art. 226 § 3º) prevê, expressamente, que a união</p><p>estável é monogâmica. Por sua vez, o direito à liberdade tem limites que</p><p>se relacionam com os princípios e normas consolidadas na sociedade.</p><p>Dessa forma, as pessoas podem se unir em relações poligâmicas, mas</p><p>não podem esperar que o registro da escritura pública dessa união seja</p><p>capaz de lhes assegurar os direitos e deveres concernentes ao Direito de</p><p>família (Conselho Nacional de Justiça, 2018; Silva e Monteiro, 2016).</p><p>CAPÍTULO�4��O�RECONHECIMENTO�DA</p><p>do conjunto de direitos</p><p>indissociáveis da condição humana, todos formadores da dignidade da</p><p>pessoa. O livro da professora Terezinha Damian nos brinda com todos</p><p>estes conceitos. Nos traz as atualizações inerentes ao direito de família,</p><p>pelo enfrentamento destas questões hodiernas que tanto nos afligem e</p><p>que merecem aprofundado estudo. De leitura fácil e objetiva,</p><p>característica da autora, convido os leitores a se entregar à leitura e dar</p><p>este mergulho no direito de família e na dignidade da pessoa humana.</p><p>Boa Leitura!!!!</p><p>Maio/2021</p><p>Prof. Mauricio Daniel Monçons Zanotelli</p><p>1</p><p>Notas</p><p>1. MSc, Advogado em Direito de Família, coordenador do curso de Direito, Unisul, SC.</p><p>CAPÍTULO�1��EVOLUÇÃO�DO�CONCEITO</p><p>DE�FAMÍLIA</p><p>O termo famulus se refere, originalmente, ao grupo de pessoas</p><p>reunidas sob a autoridade do pater familias, destacado entre as tribos</p><p>latinas, para trabalhar na agricultura ou ser escravo doméstico legalizado.</p><p>A família é o lugar comum do ser humano, onde todos são inseridos sem</p><p>saber, sem poder opinar, sem poder escolher. Desde antes do surgimento</p><p>do Estado, da sociedade organizada, já havia família, antes mesmo de</p><p>haver o Direito, pois não foi a sociedade organizada ou o Direito que</p><p>criou a família, mas foi da família que surgiu a sociedade organizada, o</p><p>Estado e o Direito. Por muito tempo, predominou a família patriarcal</p><p>constituída pelo casamento e na qual toda a autoridade era exercida pelo</p><p>pater familias. Esse detinha direito de vida e morte sobre os filhos e a</p><p>quem a mulher era submissa; atuava como chefe político, juiz e</p><p>sacerdote. Geralmente, as casas eram habitadas por muitas pessoas, não</p><p>havendo espaço privado e estímulo à dimensão pessoal, pois tudo</p><p>priorizava o coletivo, o grupo ou o sagrado, com forte influência da Igreja</p><p>(Calderón, 2017; Pereira, 2017; Rocha, 2009).</p><p>Dentre os fatores que contribuíram para as mudanças no conceito de</p><p>família, destaca-se a Revolução Francesa, na medida em que buscava a</p><p>liberdade e a igualdade do povo, bem como a separação entre Estado e</p><p>Igreja. Nesse cenário, cresceu o movimento feminista, sobretudo com a</p><p>inserção da mulher no mercado de trabalho. Também, as duas Grandes</p><p>Guerras Mundiais influenciaram no modo de organização da família, pois</p><p>como a maioria dos homens foi para a frente de batalha, coube à mulher</p><p>chefiar e sustentar o lar e amparar crianças e idosos. Ademais, a</p><p>revolução sexual, com o advento da pílula anticoncepcional, aflorou uma</p><p>sociedade menos repressiva e mais liberal, trazendo novos hábitos. Por</p><p>sua vez, o divórcio passou a ser permitido, o casamento deixou de ser</p><p>visto como obrigatório, entre outros fatores sociais que levaram a</p><p>diminuição do núcleo familiar. Dessa forma, apareceram os novos</p><p>modelos de família baseados nos laços afetivos (Almeida e Jesus, 2016;</p><p>Nader, 2016).</p><p>1. Família: do direito antigo ao direito contemporâneo</p><p>O conceito de família sofreu modificações ao longo do tempo, em</p><p>função das transformações da sociedade. Desse modo, destacam-se as</p><p>principais características da família e sua evolução a partir do Direito</p><p>antigo ao Direito contemporâneo, como se passa a expor.</p><p>Conceito de família Antiguidade: na Antiguidade, a família era</p><p>centrada na figura do homem, o pater familias; a mulher e os filhos se</p><p>submetiam à sua autoridade. Desse modo, a família constituía o menor</p><p>núcleo social e o pater familias detinha a autoridade máxima. A família</p><p>tinha sua justiça, seus costumes, suas tradições e o próprio culto que era</p><p>escolhido pelo pater família; como também visava a geração de filhos,</p><p>para que seus descendentes cultuassem seus ancestrais, pois a vida</p><p>familiar consistia em cultos religiosos aos antepassados. Por sua vez, o</p><p>casamento consistia em um ato público, formal, pelo qual a sociedade</p><p>reconhecia que a partir daquele momento aquelas duas pessoas estavam</p><p>unidas, devendo respeitar a fidelidade e a exclusividade das relações</p><p>sexuais, como forma de garantir a certeza ao homem da paternidade dos</p><p>filhos gerados, pois a mulher casada com determinado homem não se</p><p>relacionaria com outro. Ademais, a mulher deveria ser virgem e, se não</p><p>pudesse gerar filhos, poderia ser devolvida (Siqueira, 2010).</p><p>Na civilização grega, o casamento não era uma instituição bem aceita,</p><p>mas era necessário, pois permitia a perpetuação da espécie, da linhagem</p><p>paterna e do prolongamento dos rituais e festejos familiares. Essa</p><p>civilização é um dos pilares de toda a cultura ocidental, inclusive muito</p><p>dos moldes das famílias atuais se deve à sua influência. Nesse sentido, o</p><p>casamento na Grécia não era uma instituição bem vista e sim</p><p>determinada jurídica e socialmente, como uma forma de possibilitar a</p><p>perpetuação da espécie e da linhagem paterna, bem como o</p><p>prolongamento dos rituais e festejos familiares. Conforme as regras</p><p>estabelecidas para as funções do casamento, ao homem cabia ser o chefe</p><p>da família, provendo o sustento da esposa, dos filhos e dos escravos; à</p><p>mulher ficava a concepção da prole e a realização de algumas atividades</p><p>domésticas, e o dever de obediência e respeito ao esposo. Essa forma de</p><p>família ficou conhecida em todo o mundo conhecido. Na Grécia antiga, o</p><p>concubinato era admitido no sistema poligâmico; com a instituição da</p><p>monogamia, as mulheres concubinas tornaram-se uma classe à parte. A</p><p>força da Grécia no mundo antigo ajudou a difundir e perpetuar sua</p><p>cultura ao longo dos séculos. Com o declínio de Atenas, Esparta e de</p><p>outras cidades-estados gregas, abriu espaço para o surgimento e</p><p>expansão do Império Romano, que influenciou ainda mais a história das</p><p>famílias, consolidando o modelo paternalista grego, e difundindo um</p><p>modelo novo (Graeff, 2012; Lucena, 2014).</p><p>Nos primórdios do Direito Romano, a família era organizada e</p><p>regulada pelo princípio da autoridade patriarcal, exercida pela pater</p><p>familias, constituindo-se em uma unidade econômica, religiosa, política e</p><p>jurisdicional. O homem exercia a autoridade sobre todos os seus</p><p>descendentes não emancipados, sobre a sua esposa e sobre as mulheres</p><p>casadas com os seus descendentes, sendo que o ascendente comum vivo</p><p>mais velho era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz. Já a</p><p>mulher, também era submetida absolutamente à sua autoridade em todos</p><p>os aspectos, podendo, a qualquer tempo, ser repudiada por ato unilateral</p><p>do marido. Desse modo, a família era patriarcal, sendo que toda a</p><p>autoridade era delegada ao homem, chefe da família, que desempenhava</p><p>todas as funções religiosas, econômicas e morais que fossem</p><p>necessárias, e a quem pertenciam todos os bens materiais, conservando-</p><p>se nesse período, boa parte da cultura grega. Já a mulher romana não</p><p>tinha o papel de senhora do lar, pois era considerada parte integrante do</p><p>homem; sendo casada seguia todas as determinações de boa conduta e</p><p>tinha certa liberdade para conviver socialmente (Maluf, 2010; Gonçalves,</p><p>2018).</p><p>O casamento romano tinha base consensual, que se devia sempre</p><p>renovar e permanecer, extinguindo-se quando cessasse o acordo. O</p><p>divórcio decorria da natureza consensual do matrimônio e exigia</p><p>igualmente o firme propósito de separação definitiva. Contudo, esse</p><p>acordo não era de caráter absoluto, pois impedia-se o casamento de</p><p>patrícios e plebeus. Por isso, nesse caso, ocorria a união de fato, cuja</p><p>coabitação carecia do affectio maritalis, característica sem a qual não</p><p>configurava o casamento. Para os romanos, apesar de ter a afeição cunho</p><p>subjetivo, face à imposição impeditiva de misturas de castas, esta possuía</p><p>também caráter objetivo. Desse modo, o conceito de família vinculava-se</p><p>à ideia da contração das núpcias justas. Ademais, em Roma, o casamento</p><p>era monogâmico e definido como a união entre o homem e a mulher com</p><p>o objetivo de firmar uma comunhão de vida íntima e duradoura.</p><p>Juridicamente, tratava-se de um estado de fato que não surgia da troca</p><p>inicial de consentimentos, mas da permanência da união baseada na</p><p>convivência e na intenção de ser marido e mulher. Assim, a colocação da</p><p>mulher à disposição</p><p>FILIAÇÃO�SOCIOAFETIVA</p><p>A família é reunião de parentes de uma pessoa. Por sua vez, o</p><p>parentesco é o vínculo jurídico que se estabelece entre as pessoas que</p><p>descendem umas das outras ou de um mesmo tronco; entre um cônjuge</p><p>ou companheiro e os seus parentes; entre adotante e adotado; e entre</p><p>pai, mãe e filho(a) socioafetivos. Desse modo, o parentesco pode ser</p><p>natural ou consanguíneo, afim ou civil. O parentesco natural ou</p><p>consanguíneo é o vínculo entre as pessoas descendentes de um mesmo</p><p>tronco ancestral, ligadas, umas às outras, pelo mesmo sangue, existindo</p><p>tanto na linha reta como na colateral até o quarto grau; será matrimonial</p><p>se oriundo de casamento, e extramatrimonial se proveniente de união</p><p>estável, relações sexuais eventuais ou concubinárias. Já o parentesco por</p><p>afinidade é o que se estabelece, por determinação legal (art. 1.595, CC),</p><p>entre cônjuge e companheiro e os parentes consanguíneos, ou civis, do</p><p>outro, desde que decorra de matrimônio válido e união estável. Por sua</p><p>vez, o parentesco civil é aquele que decorre de outra origem (art. 1.593,</p><p>CC); entende-se que o termo outra origem é uma cláusula aberta, que</p><p>possibilita a inclusão nesse conceito da filiação estabelecida por</p><p>presunção legal (art. 1.597, I a V, CC); da filiação decorrente da adoção</p><p>judicial, que cria o liame entre o adotante e o adotado, estendendo os</p><p>vínculos aos parentes de um e de outro; e do reconhecimento da filiação</p><p>socioafetiva, configurada pela convivência familiar, caracterizada pelos</p><p>laços de afetividade tão importantes quanto o vínculo consanguíneo</p><p>(Diniz, 2012).</p><p>Ressalta-se que a grande maioria dos doutrinadores, que enquadra a</p><p>parentalidade socioafetiva como forma de parentesco de outra origem,</p><p>classifica como espécie de parentesco socioafetivo as seguintes formas</p><p>de estabelecimento da relação paterno-filial: a adoção à brasileira,</p><p>configurada quando uma pessoa registra de forma espontânea outra como</p><p>se fosse seu filho, quando comprovados os elementos da posse de estado</p><p>de filho; a relação de parentalidade configurada pelos vínculos entre</p><p>padrastos e madrastas, enteados e enteadas, em que aqueles criam,</p><p>amam e consideram como filhos a prole de seus consortes, verificando-</p><p>se situações de convivência familiar; a parentalidade socioafetiva</p><p>decorrente da configuração da posse de estado de filho; e a reprodução</p><p>assistida, em que se exclui o parentesco biológico, prevalecendo o</p><p>vínculo afetivo (Carvalho, 2012; Diniz, 2012; Tartuce, 2012).</p><p>1. Evolução do instituto da filiação</p><p>O termo filiação deriva do latim filiatio, que significa procedência,</p><p>dependência, enlace, laço de parentesco que une os filhos aos pais.</p><p>Filiação é um conceito relacional, pois se refere à relação de parentesco</p><p>estabelecida entre duas pessoas e que atribui reciprocamente direitos e</p><p>deveres. O instituto da filiação é um dos mais antigos agrupamentos e</p><p>representa a continuação da humanidade; é a relação mais próxima de</p><p>parentesco, que une os filhos e seus progenitores; refere-se à</p><p>descendência e à linhagem de pais a filhos; representa a ligação existente</p><p>entre pessoas descendentes uma da outra; ou, ainda é a relação de</p><p>parentesco estabelecida entre duas pessoas, uma das quais nascida da</p><p>outra, ou adotada, ou vinculada com base na posse de estado de filiação</p><p>ou por concepção derivada de inseminação artificial (Dias, 2020; Diniz,</p><p>2012; Lôbo, 2017).</p><p>O tratamento dispensado aos filhos pelo ordenamento jurídico</p><p>brasileiro nem sempre foi o mesmo, pois o instituto da filiação passou</p><p>por mudanças que acompanharam as transformações da sociedade. As</p><p>relações familiares e o conceito de filiação foram rotulados através de</p><p>diretrizes discriminatórias por muito tempo, e essa realidade</p><p>predominou de maneira incontestável durante o século passado, em</p><p>especial, durante a vigência do Código Civil/1916 e das constituições</p><p>brasileiras anteriores. As organizações familiares eram baseadas no</p><p>patriarcado, mulheres e filhos sujeitos ao poder extremo do pai. Tratava-</p><p>se de um grupo voltado à manutenção da paz doméstica, consagrado pela</p><p>lei, baseado em um modelo conservador, matrimonial, patriarcal,</p><p>patrimonial, indissolúvel, hierarquizado e heterossexual. As mulheres</p><p>casadas eram consideradas relativamente incapazes, não podiam exercer</p><p>profissão se não houvesse aval do marido, e seus direitos e deveres se</p><p>relacionavam à sua condição de companheira e a seu encargo na família.</p><p>Apenas o homem era capaz de direitos e obrigações na ordem civil.</p><p>Desse modo, as disposições do Código Civil/1916 consideravam a família</p><p>tradicional focada no matrimônio, ao homem, o poder sobre os filhos e</p><p>mulher, a autoridade legítima, detentor de todos os direitos impostos</p><p>pela ordem jurídica. Assim, no Direito clássico brasileiro, marcado pelo</p><p>Código Civil/1916, a filiação era fundamentada no matrimônio,</p><p>estabelecendo-se discriminação quanto aos filhos. Desse modo, somente</p><p>eram reconhecidas as famílias constituídas pelo casamento, que à época,</p><p>era indissolúvel; isto é, apenas os filhos oriundos da relação matrimonial</p><p>eram considerados legítimos, e tinham direito a ter a filiação</p><p>reconhecida, com a garantia de todos os direitos a ela inerentes (Dias,</p><p>2020; Gonçalves, 2018; Queiroga, 2004; Silva; Thibau, 2013).</p><p>Nessa perspectiva, nas disposições do Código Civil/1916, a filiação</p><p>era classificada quanto à origem dos filhos em: filiação legítima, ilegítima,</p><p>legitimada e adotiva. Desse modo, a filiação legítima em relação ao</p><p>parentesco com seus pais era constituída pelos filhos nascidos na</p><p>constância do casamento plenamente reconhecido ou originários das</p><p>justas núpcias, com a presunção do pater is est, relativamente aos filhos</p><p>nascidos 180 dias depois de estabelecida a convivência conjugal, e aos</p><p>nascidos dentro dos 300 dias depois da dissolução da sociedade conjugal,</p><p>por morte, desquite ou anulação, sendo que a certidão de nascimento era</p><p>a prova da filiação, inscrita no Registro Civil. Por sua vez, a filiação</p><p>ilegítima era constituída pelos filhos resultantes de uniões</p><p>extramatrimoniais, sendo subdividida em filiação espúria e filiação</p><p>natural. Destaca-se que os filhos espúrios podiam ser classificados em</p><p>adulterinos (quando os pais eram casados com terceiros) ou incestuosos</p><p>(quando o impedimento do casamento decorria de parentesco entre os</p><p>pais). Já os filhos naturais eram aqueles cujos pais, apesar de não serem</p><p>unidos pelo matrimônio, não eram casados com terceiros e não possuíam</p><p>impedimentos para contrair núpcias; podiam ser legitimados pelo</p><p>matrimônio posterior dos pais e ter a filiação reconhecida e a garantia</p><p>dos mesmos direitos e qualificações de um filho legítimo (arts. 352 e 355,</p><p>CC/16); esse reconhecimento poderia ser efetuado de forma conjunta ou</p><p>separadamente pelos genitores; assim, a prole legitimada era equiparada</p><p>à legítima. Desse modo, a filiação legitimada era aquela resultante do</p><p>casamento dos pais, já sendo o filho concebido, ou depois de havido o</p><p>filho, este era equiparado ao legítimo. Assim sendo, somente os filhos</p><p>ilegítimos naturais poderiam ter sua paternidade admitida, pois a</p><p>legislação civil vigente vedava expressamente o reconhecimento dos</p><p>filhos incestuosos e adulterinos (art. 358, CC/16). Assim, os filhos que</p><p>não eram legítimos ou legitimados ficavam à margem, pois não tinham</p><p>quaisquer direitos, o que beneficiava o genitor e prejudicava o filho,</p><p>sendo punido pela postura do pai, que se safava do ônus do poder</p><p>familiar. A filiação ilegítima era a que não provinha do casamento entre os</p><p>pais, não eram reconhecidos pelos pais voluntariamente, ao passo que</p><p>apenas os filhos naturais poderiam ser reconhecidos deste modo. Por sua</p><p>vez, a filiação adotiva era instituída mediante escritura pública,</p><p>limitando-se o parentesco ao adotante e o adotado, cujos direitos e</p><p>deveres do parentesco biológico se estendiam aos de parentesco adotivo.</p><p>Verifica-se que nessa configuração da filiação, a consanguinidade não se</p><p>fazia fator determinante para definição do liame</p><p>de filiação como relação</p><p>jurídica de parentesco (Brasil, 1916; Cysne, 2008; Dias, 2020; Fujita,</p><p>2011; Lôbo, 2004; Queiroga, 2004; Zeni, 2009).</p><p>Desse modo, marcados por segregações, os filhos havidos fora do</p><p>casamento não tinham direitos em relação ao genitor, pois o Código</p><p>Civil/1916 (arts. 337, 340, 353, 358) fazia distinções quanto à origem dos</p><p>filhos. Nesse sentido, o Estado direcionava seu amparo legal apenas às</p><p>denominadas famílias legítimas, constituídas exclusivamente pelo</p><p>casamento, decorrendo deste a paternidade jurídica em que se presumia</p><p>como pai aquele que era esposo da mãe. Essa presunção incontestável de</p><p>que o filho era oriundo do matrimônio entre os progenitores, muitas</p><p>vezes entrava em conflito com a verdade biológica, que, ao contrário, era</p><p>rejeitada independentemente da verdade real, mantida para preservar a</p><p>indissolubilidade da família e do patrimônio. Contudo, evidenciando-se a</p><p>evolução do instituto da filiação, destaca-se que o Decreto Lei nº</p><p>4.737/1942 possibilitou o reconhecimento voluntário ou forçado do filho</p><p>adulterino, nascido fora do casamento, após o desquite de seus pais; a</p><p>Lei nº 883/1949, que revogou citado Decreto, tornou possível o</p><p>reconhecimento da filiação após a dissolução da sociedade conjugal, por</p><p>qualquer modo e a propositura de ação declaratória de filiação e ingresso</p><p>de ação específica para requerer o direito à herança e aos alimentos; a</p><p>Lei nº 4.655/1965 legitimou a adoção, sendo que o legitimado adotivo</p><p>detinha os mesmos direitos e deveres do filho legítimo; a Lei nº</p><p>6.515/1977 permitiu o reconhecimento de paternidade do filho gerado</p><p>fora do casamento, mesmo que na constância do casamento, desde que</p><p>por testamento cerrado; e, por sua vez, a Lei nº 7.250/1984, que revogou</p><p>a Lei nº 883/1949, autorizou o reconhecimento do filho ilegítimo pelo</p><p>cônjuge separado de fato há mais de cinco anos, com sentença transitada</p><p>em julgado (Brasil, 1916; Brasil, 1942; Brasil, 1949; Brasil, 1965; Brasil,</p><p>1977; Brasil 1984; Dias, 2020; Queiroga, 2004; Zeni, 2009).</p><p>Entretanto, foi a partir da Constituição Federal/1988, que ocorreram</p><p>alterações significativas no Direito de família e mais adequadas para</p><p>regular as relações familiares. Nessa perspectiva, a Carta Magna</p><p>modificou o conceito de família, admitindo a constituição de novos</p><p>arranjos familiares, estabelecendo, além da família formada pelo</p><p>casamento, a entidade monoparental, formada por um dos pais e a</p><p>decorrente da união estável entre homens e mulheres, assim como</p><p>reconheceu o concubinato puro, não adulterino nem incestuoso, como</p><p>forma de constituição de família. Desse modo, o modelo de família</p><p>patriarcal entrou em declínio, passando a vigorar o modelo</p><p>contemporâneo, que se diferencia dos modelos de família e filiação</p><p>anteriores em razão de sua feição pessoal e igualitária, mais focados na</p><p>felicidade e nos interesses individuais dos seus membros. Essas</p><p>mudanças fundam-se nos princípios constitucionais da dignidade da</p><p>pessoa humana, da solidariedade, da afetividade e da igualdade entre</p><p>filhos e entre os cônjuges, introduzindo novos valores paterno-filiais.</p><p>Nesse seguimento, a Constituição Federal/1988 estabeleceu que é dever</p><p>da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e</p><p>ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à</p><p>alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à</p><p>dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,</p><p>além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,</p><p>exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, CF). (Brasil, 1988).</p><p>Nesse sentido, a Carta Magna representa grande marco para o</p><p>instituto da filiação no Direito de família, pois passou a garantir o direito</p><p>à igualdade entre os filhos e os cônjuges, sendo o Estado o protetor do</p><p>bem de todos, sem distinção de pessoas. Sendo assim, o princípio</p><p>constitucional da igualdade na filiação proibiu quaisquer discriminações</p><p>entre os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,</p><p>determinando que todos têm os mesmos direitos e qualificações (art. 227</p><p>§ 6º, CF). E, nessa linha, a previsão constitucional do tratamento jurídico</p><p>igualitário entre os filhos corresponde ao término de um longo processo</p><p>de descriminação que marcou a legislação brasileira. Por sua vez, o</p><p>Estatuto da Criança e do Adolescente/1990 passou a considerar o estado</p><p>de filiação como direito personalíssimo e indisponível e seu</p><p>reconhecimento imprescritível, impossibilitando ao genitor dele dispor</p><p>ou abrir mão. Ademais, a Lei nº 8.560/1992, que regula a investigação de</p><p>paternidade dos filhos havidos fora do casamento, também contribuiu</p><p>para a evolução do instituto da filiação, ao revogar expressamente os</p><p>artigos do Código Civil/1916 (arts. 332, 337 e 347), que dispunham sobre</p><p>a classificação da filiação e suas discriminações quanto aos direitos e</p><p>qualificações. Por sua vez, o Código Civil/2002 consolidou a proteção</p><p>dada pela Carta Magna e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,</p><p>melhorando as relações de parentesco e reafirmando o princípio</p><p>constitucional de igualdade entre os filhos; estabeleceu que o parentesco</p><p>pode resultar da consanguinidade ou de outra origem; dispôs sobre a</p><p>paternidade presumida, em determinados casos; e afastou o tratamento</p><p>diferenciado entre os filhos nascidos em diferentes circunstâncias, ou</p><p>mesmo os que fossem adotados, passando a reconhecer que a filiação é</p><p>um instituto de direito personalíssimo, indisponível e imprescritível,</p><p>independente de origem (Brasil, 1988; Brasil, 1990; Brasil, 1992; Brasil,</p><p>2002; Dias, 2020; Digiácomo e Digiágomo, 2017; Farias e Rosenvald;</p><p>2017; Madaleno, 2019; Scaglion, 2018).</p><p>Nessa linha de pensamento, verifica-se que há o lugar de pai, de mãe</p><p>e de filhos na família, sem que haja, necessariamente, o vínculo biológico,</p><p>pois a afetividade ganhou dimensão de princípio e norma jurídica,</p><p>mitigando o endeusamento ao biologismo nas relações de filiação e</p><p>exsurgindo a dimensão socioafetiva da família. Nessa linha de</p><p>pensamento, os dogmas para casamento, sexo e procriação perderam</p><p>força, dando lugar a novas formas de constituição de família. Nesse</p><p>contexto, a filiação não possui mais como pressuposto o vínculo</p><p>sanguíneo ou presunção legal, pois com os avanços nas relações</p><p>familiares, o estado de filiação progrediu significativamente, desligando-</p><p>se da origem biológica, para assumir dimensão mais ampla que inclui</p><p>outra origem; nesse sentido, o estado de filiação é gênero do qual são</p><p>espécies a filiação biológica e a filiação de outra origem, não biológica;</p><p>trata-se de um vínculo de parentesco entre duas pessoas, em que de um</p><p>lado se encontra o titular da autoridade parental (pai ou mãe) e do outro</p><p>aquele que se vincula pela origem genética ou socioafetiva. Dessa forma,</p><p>percebe-se que o legislador teve o cuidado de proteger a família,</p><p>especialmente os filhos, tratando-os de forma igualitária, deixando de</p><p>priorizar o instituto do casamento, baseando-se especialmente no</p><p>princípio da igualdade da pessoa humana e no princípio da afetividade.</p><p>Nesse seguimento, verifica-se que a valorização do afeto como forma de</p><p>filiação é uma inovação no mundo jurídico que está ganhando atenção</p><p>especial na doutrina e na jurisprudência, com o objetivo maior de</p><p>proteger os interesses da criança, do adolescente e dos jovens. São</p><p>reconhecidos outros tipos de filiação, não mais reservada à filiação</p><p>biológica e à civil, podendo se originar da fecundação natural, de técnicas</p><p>de reprodução assistida, da adoção ou de uma relação pautada no afeto,</p><p>que resulta da posse do estado de filho. Assim, verifica-se que o instituto</p><p>da filiação passou por mudanças ao longo da história, sendo que hoje os</p><p>filhos havidos ou não na constância do casamento, os filhos adotivos e os</p><p>filhos surgidos da relação paterno-filial baseada no afeto possuem os</p><p>mesmos direitos e qualificações, sendo proibidas quaisquer designações</p><p>discriminatórias relativas à filiação</p><p>(Albuquerque, 2010; Dias, 2020;</p><p>Lôbo, 2017; Nogueira, 2001; Pereira, 2017).</p><p>2. Filiação e suas espécies</p><p>A filiação consiste na relação jurídica que resulta do parentesco por</p><p>consanguinidade ou outra origem, definida entre os ascendentes e</p><p>descendentes de primeiro grau, configurando vínculo entre pais e filhos,</p><p>capaz de gerar o estado de filho em função do vínculo consanguíneo, civil</p><p>ou socioafetivo e seus reflexos jurídicos. Caracteriza-se como a relação</p><p>de parentesco em linha reta, de primeiro grau, entre uma pessoa e</p><p>aqueles que lhe conceberam ou a receberam como se a tivesse gerado,</p><p>podendo decorrer de concepção natural ou inseminação artificial</p><p>homóloga ou heteróloga, adoção judicial ou posse de estado de filho.</p><p>Dessa forma, os filhos podem decorrer de origem genética conhecida ou</p><p>desconhecida, por meio de doadores anônimos de gametas masculinos ou</p><p>femininos, de escolha afetiva, do casamento, de união estável, de</p><p>entidade monoparental ou outra entidade familiar implicitamente</p><p>constitucionalizada. Trata-se da relação de parentesco entre os pais e os</p><p>filhos. Considera-se filiação propriamente dita quando visualizada pelo</p><p>lado do filho; já, em sentido inverso, ou seja, pelo lado dos genitores em</p><p>relação ao filho, o vínculo se denomina paternidade e maternidade; ou</p><p>seja, chama-se paternidade, quando a relação é considerada em face do</p><p>pai; maternidade, quando em face da mãe; e todo filho é simplesmente</p><p>filho, seja qual for à natureza do relacionamento dos seus pais. Ante o</p><p>exposto, essa relação entre pais e filhos constitui vínculo de parentesco</p><p>em linha reta, podendo ser estabelecida a partir de três critérios: filiação</p><p>biológica, constituída no vínculo genético; filiação legal, imposta pelo</p><p>legislador; e filiação afetiva, constituída em laços de afeto (Dias, 2020;</p><p>Diniz, 2012; Gonçalves, 2018; Lôbo, 2017; Rizzardo, 2019; Rodrigues,</p><p>2004; Tartuce e Simão, 2016).</p><p>Filiação biológica: é a relação de parentesco consanguíneo, em</p><p>primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àqueles que a</p><p>geraram. É estabelecida por um vínculo consanguíneo pelo qual pais e</p><p>filhos fazem parte do mesmo tronco ancestral em linha reta, segundo o</p><p>que dispõe o Código Civil (art. 1.591, CC), pelo qual são parentes em</p><p>linha reta, as pessoas que estão umas para as outras na relação de</p><p>ascendentes e descendentes, não havendo limitação do número de</p><p>pessoas. Destaca-se que a linha reta consiste no ascendente ou</p><p>descendente conforme se encare o parentesco, subindo-se da pessoa a</p><p>seu antepassado ou descendo-se, sem qualquer limitação; por mais</p><p>afastadas que estejam as gerações, serão sempre parentes entre si</p><p>pessoas que descendem umas das outras. Desse modo, os ascendentes</p><p>em linha reta são os pais, os avôs, os bisavôs etc.; e os descendentes em</p><p>linha reta são os filhos, os netos, os bisnetos etc., sendo que além da</p><p>divisão entre ascendente e descendente, há também a divisão entre eles,</p><p>em linha materna e paterna. Pelo sistema da filiação biológica, filho é</p><p>aquele oriundo da combinação genética do pai e da mãe. Trata-se do tipo</p><p>de filiação que une pessoas descendentes de um mesmo tronco familiar,</p><p>estabelecendo que os filhos decorrem do mesmo tronco familiar; é</p><p>aquela advinda do sangue, que define o parentesco criado pela natureza,</p><p>ou seja, é o vínculo biológico que determina a paternidade e a</p><p>maternidade. É denominada biológica ou consanguínea, pois decorre das</p><p>relações sexuais dos pais, ou seja, o vínculo biológico nasce do exercício</p><p>dos direitos sexuais e reprodutivos dos genitores, os quais, em conjunto</p><p>dão origem a uma nova vida humana; incluindo-se os filhos nascidos por</p><p>inseminação artificial homóloga, método artificial, científico ou técnico</p><p>utilizado pelos casais com dificuldades na fecundação natural. Esse tipo</p><p>de reprodução assistida chama-se filiação biológica não natural, na qual</p><p>os gametas são fornecidos pelos contratantes do serviço, quais sejam, o</p><p>pai e a mãe que desejam ser pais, não sendo possível o modo natural.</p><p>Contudo, independentemente de ser natural ou fertilização assistida</p><p>homóloga, o filho portará a herança genética dos pais. Assim, a filiação</p><p>biológica é a relação que se estabelece, por laços de sangue, entre uma</p><p>pessoa e seu descendente em linha reta do primeiro grau, traduzindo-se</p><p>na herança de material genético dos genitores, levado pelos filhos, não</p><p>acarretando diferença se a transição ocorreu por meio natural ou</p><p>artificial. Esse vínculo de consanguinidade é demonstrado através de</p><p>exames de engenharia genética, denominado DNA (Ácido</p><p>Desoxirribonucleico, molécula encontrada no núcleo das células, que</p><p>carrega a informação genética dos seres vivos), exame inquestionável,</p><p>que afasta a incerteza acerca da paternidade, dada a segurança de seus</p><p>resultados; sendo que em ação investigatória, a recusa do suposto pai a</p><p>submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de</p><p>paternidade, conforme a Sumula 301 do Supremo Tribunal Federal.</p><p>Nesse tipo de filiação, a verdade biológica tem relevância, pois,</p><p>independentemente da convivência familiar, a consanguinidade presume</p><p>o estado de filiação; porém, verifica-se que esse modelo é insuficiente</p><p>para identificar a paternidade, pois existem outros elementos baseados</p><p>na afetividade que podem configurar a paternidade. Desse modo, é</p><p>importante se considerar a existência das duas verdades desse vínculo: a</p><p>verdade biológica determinada através do exame de DNA e o estado de</p><p>filiação advindo do vínculo afetivo da convivência familiar. Destaca-se</p><p>que, no Direito Romano clássico, o vínculo consanguíneo não era</p><p>considerado determinante para classificar o parentesco; o que</p><p>classificava a família biológica era o liame civil e religioso. Se os</p><p>integrantes do mesmo núcleo familiar não cultuassem os mesmos</p><p>deuses, estariam submetidos a conviver sem uma família, ou seja, eram</p><p>excluídos dos núcleos familiares. Dessa forma, naquela época, não</p><p>bastava apenas os laços de sangue entre os membros da família, era</p><p>necessário o vínculo de culto. Somente com a codificação de Justiniano, o</p><p>filho natural passou a ter direitos de ordem sucessória, ainda que</p><p>limitados (Brasil, 2004; Diniz, 2012; Fiuza, 2009; Fujita, 2011; Gonçalves,</p><p>2018; Nogueira, 2001; Pereira, 2017; Rizzardo, 2019; Venosa, 2016).</p><p>Filiação jurídica ou civil: é a relação de parentesco estabelecida pela</p><p>lei, cabendo ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos</p><p>nascidos de sua mulher (art. 1.601, CC) através de ação negatória de</p><p>paternidade, sendo esta imprescritível, conforme dispõe a legislação civil</p><p>(art. 1.601). É oriunda da necessidade da preservação do bem-estar e da</p><p>integridade econômica e social da entidade familiar. Desse modo,</p><p>conforme dispõe o Código Civil (art. 1.597, I a V), presumem-se</p><p>concebidos na constância do casamento ou de qualquer outra entidade</p><p>familiar, os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de</p><p>estabelecida a convivência conjugal, ou nos trezentos dias subsequentes</p><p>à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial,</p><p>nulidade e anulação do casamento; como também os havidos por</p><p>fecundação artificial homóloga ou heteróloga, desde que tenha prévia</p><p>autorização do marido. Entende-se que a presunção de paternidade</p><p>decorrente do casamento é uma irrealidade jurídica, surgida da ficção da</p><p>exclusividade sexual ou da fidelidade conjugal. Ademais, ressalta-se que</p><p>as expressões fecundação artificial, concepção artificial e inseminação</p><p>artificial são técnicas de reprodução assistida, utilizadas em substituição</p><p>à concepção natural, quando há dificuldade ou impossibilidade do casal</p><p>em gerar um filho (Brasil, 2002; Cordeiro, 2013; Dias, 2020; Diniz, 2012;</p><p>Gonçalves, 2018; Lôbo, 2017; Madaleno, 2019).</p><p>Outrossim, considera-se que a filiação jurídica ou civil pode também</p><p>decorrer de ato judicial pelo qual, observados os requisitos legais,</p><p>estabelece-se o parentesco independentemente de laços consanguíneos</p><p>ou afins, trazendo para sua família, na condição</p><p>de filho, pessoa estranha.</p><p>Dessa forma, a adoção judicial se constitui como um vínculo de</p><p>parentesco civil, em linha reta, determinado entre adotante e adotado,</p><p>que define uma relação legal de paternidade e filiação civil. Esse tipo de</p><p>filiação é definitivo e irrevogável, desligando do adotado os laços com os</p><p>pais de sangue e criando verdadeiros laços de parentesco com a nova</p><p>família, ou seja, o adotado e a família do adotante. Trata-se de processo</p><p>judicial que importa a substituição da filiação de uma pessoa (adotado),</p><p>tornando-a filha de outro homem, mulher ou casal (adotantes), conforme</p><p>as disposições da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente</p><p>– ECA), que estabelece os requisitos do processo regular de adoção no</p><p>Brasil (Coelho, 2012; Diniz, 2012).</p><p>Filiação socioafetiva: refere-se à relação de afeto construída entre um</p><p>adulto e uma criança ou um adolescente que se assemelha à de pai ou</p><p>mãe e seu filho sob os aspectos sociais e emocionais. Trata-se da</p><p>situação fática na qual uma pessoa desfruta do status de filho em relação</p><p>à outra, sem correspondência à realidade legal. Está diretamente ligada à</p><p>verdade construída pela convivência, no afeto, garantindo, assim, o</p><p>direito à filiação, pois é pai aquele que cria, dá amor, condição econômica</p><p>e educação. Caracteriza-se pela relação de afeto entre o pai ou a mãe e o</p><p>filho de criação. É o tipo de filiação sem origem genética, construída pelo</p><p>afeto, pela convivência, pelo nascimento emocional e psicológico do filho</p><p>que enxerga naqueles com quem convive e recebe afeto seus</p><p>verdadeiros pais; prevalecendo a verdade afetiva, que origina o livre</p><p>desejo de convivência; o amor e o carinho recíprocos entre os membros</p><p>suplantam qualquer grau genético, biológico ou social. Pode ser</p><p>entendida como aquela em que inexiste o vínculo sanguíneo entre pai e</p><p>ou mãe e filho, mas há uma relação paterno-filial baseada no afeto,</p><p>construída no dia a dia, com cuidado, amor, carinho, proteção e todas as</p><p>formas de afeição existentes. Pode decorrer de uma afeição entre um</p><p>padrasto ou uma madrasta e o(a) enteado(a), ou de pessoas aleatórias</p><p>que encontram no outro afeto, carinho e amor, que desejam ser pai ou</p><p>mãe destes escolhidos, de modo a desempenhar importante papel, na</p><p>vida do filho, como se pai e/ou mãe do(a) filho(a) fossem constituindo</p><p>uma entidade familiar. Caracteriza uma paternidade e/ou maternidade</p><p>que existe não pelo fato biológico ou por presunção legal, mas sim pela</p><p>convivência afetiva; não decorre do nascimento, mas do ato voluntário ou</p><p>involuntário de pessoas que se unem em família através do vínculo</p><p>afetivo que pode se sobrepor e ser tão estável quanto à verdade</p><p>biológica; configurando-se, como se fosse uma espécie de adoção de fato,</p><p>pois esses pais se comprometem a dar abrigo, carinho, educação, amor e</p><p>proteção aos seus filhos afetivos (Boeira, 2004; Coelho, 2012; Dias, 2020;</p><p>Lôbo, 2017; Madaleno, 2019; Tartuce, 2012; Venosa, 2016).</p><p>3. A configuração da posse de estado de filho</p><p>As mudanças ocorridas no contexto das famílias se refletiram no</p><p>reconhecimento dos novos vínculos de parentalidade, o que levou ao</p><p>aparecimento de novos arranjos de famílias, assim como em novos</p><p>vínculos paterno-filiais. Estendeu-se o conceito de paternidade e</p><p>maternidade, para incluir o parentesco psicológico, em que prevalece o</p><p>vínculo afetivo sobre a verdade biológicae a realidade legal. Surgiu a</p><p>parentalidade socioafetiva, gênero do qual decorrem as espécies</p><p>paternidade e maternidade socioafetivas. Nessa perspectiva, a</p><p>desbiologização da paternidade e da maternidade identifica pais, mães e</p><p>filhos sem laços de sangue ligados por laços de afeto que caracterizam a</p><p>filiação psicológica. Entende-se que a origem genética não é suficiente</p><p>para fundamentar a filiação, pois a verdade biológica nem sempre é</p><p>adequada, quando já estiver construída uma convivência duradoura,</p><p>sólida e afetiva entre pais e filhos socioafetivos. Desse modo, o</p><p>reconhecimento do afeto nas relações familiares, como dever jurídico,</p><p>veio através das transformações sociais que modificaram o Direito de</p><p>Família, fazendo com que novos conceitos nas relações de parentesco</p><p>fossem criados, retratando o atual cenário, como é o caso do parentesco</p><p>socioafetivo ou psicológico; da paternidade e da maternidade</p><p>socioafetiva; da filiação socioafetiva ou posse do estado de filho, todas</p><p>caracterizando o vínculo afetivo existente na relação paterno-filial.</p><p>Contudo, o critério afetivo não suplanta o biológico, pois somente no</p><p>caso concreto, consideradas as mais diferentes circunstâncias e</p><p>elementos de prova, é possível definir o critério mais adequado para se</p><p>estabelecer a filiação, podendo prevalecer o critério biológico ou afetivo,</p><p>ou ainda ambos concomitantemente, a depender da (in)existência de</p><p>vínculo afetivo do filho com o pai (biológico e não biológico) (Cassettari,</p><p>2017; Dias, 2020; Farias e Rosenvald, 2017; Gagliano e Pamplona, 2017;</p><p>Lôbo, 2017; Póvoas, 2012).</p><p>Contudo, esse tipo de filiação não encontra regulamentação na</p><p>legislação brasileira, mas a doutrina e a jurisprudência reconhecem-na</p><p>por ser de ato voluntário das partes e por visar o laço de afeto que se cria</p><p>entre os envolvidos. O Código Civil/2002 (art. 1.593) estabelece que o</p><p>parentesco pode decorrer da consanguinidade ou de outra origem, o que</p><p>permitiu a recepção do instituto da socioafetividade no ordenamento</p><p>jurídico brasileiro, podendo ser utilizado para abarcar a filiação</p><p>socioafetiva. E, assim, a verdade socioafetiva não é menos importante</p><p>que a verdade biológica, pois a realidade jurídica da filiação não se baseia</p><p>somente no vínculo biológico, mas também no vínculo afetivo, em que o</p><p>afeto une pais e filhos. Entende-se que a ideia de paternidade e de</p><p>maternidade está assentada muito mais nas relações de amor do que nos</p><p>determinismos biológicos, abrangendo a filiação não biológica ou de outra</p><p>origem, que pode decorrer do processo de adoção, da reprodução</p><p>assistida, do contrato de geração de filhos ou da posse de estado de filho.</p><p>Nesse sentido, a paternidade passou a ser entendida como uma relação</p><p>psicoafetiva, existente na convivência duradoura e presente no ambiente</p><p>social, capaz de assegurar ao filho não só um nome de família, mas,</p><p>sobretudo afeto, amor, dedicação e abrigo assistencial. Nesse sentido, a</p><p>filiação socioafetiva é aquela que decorre do vínculo do afeto,</p><p>constituindo-se por uma das modalidades de parentesco civil denominada</p><p>outra origem, consolidada pelo vínculo materno ou paterno filial através</p><p>da posse de estado de filho, que consiste na crença da condição de filho</p><p>fundada em laços de afeto. Dessa forma, a constância da relação entre</p><p>pais e filhos caracteriza uma paternidade e uma maternidade que existe</p><p>não pelo simples fato biológico ou por força da presunção legal, mas em</p><p>decorrência de uma convivência afetiva, o que pressupõe a</p><p>desbiologização da paternidade e da maternidade e a possibilidade de</p><p>identificação de pais e filhos não biológicos e não consanguíneos, que</p><p>construíram uma filiação psicológica. Configura gênero, do qual são</p><p>espécies a filiação biológica e a não biológica, decorrente da comprovação</p><p>da posse de estado de filho, que, por sua vez é alicerçada na</p><p>reciprocidade de afeto entre pai e filho. Entretanto, essa verdade, para</p><p>ser reconhecida, deve se sujeitar a pressupostos que o sistema jurídico</p><p>impõe em toda e qualquer relação. Desse modo, a existência duradoura</p><p>do vínculo socioafetivo entre pais e filhos deve ser demonstrada para que</p><p>se reconheça a filiação socioafetiva (Brasil, 2002; Boeira, 2004; Coelho,</p><p>2012; Damian, 2019; Dias, 2020; Fachin, 2004; Gonçalves, 2018; Leite,</p><p>2005; Lôbo, 2017; Peluso, 2015).</p><p>Nessa linha de entendimento, o Superior Tribunal de Justiça, no</p><p>Agravo em Recurso Especial nº 1245046/MG, manifestou entendimento</p><p>dando prevalência ao critério socioafetivo para reconhecer a relação</p><p>paterno-filial, pois embora ausente o vínculo biológico, o recorrente</p><p>manteve vínculo de afetividade</p><p>com a infante, caracterizando-se</p><p>paternidade socioafetiva. Esclareceu que a parentalidade socioafetiva</p><p>consiste no vínculo afetivo e sentimental criado entre pessoas sem</p><p>vinculação biológica, pelo ato de convivência, de vontade e de amor, o</p><p>que configura outra forma de parentesco, que uma vez comprovada a</p><p>paternidade socioafetiva, revela-se inviável a negatória de paternidade e,</p><p>por via de consequência, a invalidação do registro civil de nascimento,</p><p>como segue:</p><p>Agravo em recurso especial nº 1.245.046 – MG (2018/0028200-1) relator:</p><p>Ministro Lázaro Guimarães (desembargador convocado do TRF 5ª região) [...]</p><p>Apelação civil. Ação negatória de paternidade. Estudo social. Paternidade</p><p>socioafetiva presente. Pretensão inviável. Recurso não provido. 1. O art.</p><p>1.593, do Código Civil dispõe que o parentesco é natural ou civil, conforme</p><p>resulte de consanguinidade ou outra origem. Assim, há possibilidade na lei de</p><p>outras formas de parentesco civil, além da adoção, tal como paternidade</p><p>socioafetiva. 2. A parentalidade socioafetiva consiste no vínculo afetivo e</p><p>sentimental criado entre pessoas sem vinculação biológica, pelo ato de</p><p>convivência, de vontade e de amor e prepondera em relação à biológica. 3.</p><p>Comprovada a paternidade socioafetiva, revela-se inviável a negatória de</p><p>paternidade e, por via de consequência, a invalidação do registro civil de</p><p>nascimento. [...] Neste caso existe muito mais que uma questão jurídica.</p><p>Trata-se da nobreza de sentimentos que eleva o amor muito além do interesse</p><p>material. Pai é quem distribui afeto, quem realmente se faz presente, cuida e</p><p>zela pelo desenvolvimento saudável daquele que tem como filho. [...] Decidiu</p><p>o Tribunal a quo, em consonância com a jurisprudência deste Sodalício, o qual</p><p>entende que se o recorrente reconheceu a paternidade da menor pela falsa</p><p>impressão de que esta era fruto de seu relacionamento com sua companheira,</p><p>e tal suposição foi afastada, mediante o resultado do exame de DNA, mas</p><p>mesmo após a ciência da verdade dos fatos, qual seja, ausência de vínculo</p><p>biológico, o recorrente manteve vínculo de afetividade com a infante, está</p><p>caracterizada a paternidade socioafetiva. [...] (STJ. AREsp 1245046/MG.</p><p>Relator: Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª</p><p>Região). Data de publicação: DJ 26/04/2018 (Brasil, 2018)</p><p>Destaca-se que a posse de estado é o exercício de fato representado</p><p>pela aparência de uma situação, da qual se presume sua existência, de tal</p><p>forma que ela permite provar a filiação de afeto. A ideia de posse do</p><p>estado de filho é muito remota, pois antes que os países civilizados</p><p>organizassem o sistema de registro de nascimentos, os fatos que</p><p>demonstravam o tratamento dispensado por um adulto a uma criança ou</p><p>adolescente, os cuidados com o sustento e o afeto serviam para</p><p>considerar a existência de um laço de filiação entre ambos. A posse do</p><p>estado de filho constituía o reconhecimento espontâneo de filiação com</p><p>base no relacionamento fático que deixava transparecer a vinculação</p><p>biológica. No caso da filiação socioafetiva, a posse do estado de filho</p><p>abrange os atos das famílias que deixam evidente a existência do vínculo</p><p>de filiação entre o filho, o pai e a mãe, configurando a relação de afeto</p><p>entre o adulto e a criança ou o adolescente, através de um conjunto de</p><p>fatos que estabelecem, por presunção, o reconhecimento da filiação do</p><p>filho pela família à qual pretende pertencer. Nesse sentido, a posse do</p><p>estado de filho é o um elemento decisivo para suplantar um sistema que,</p><p>baseando-se na presunção da paternidade, através da pura aplicação da</p><p>pater in est, impõe a muitas situações fáticas uma mentira jurídica em</p><p>favor de um fingimento hipócrita para a manutenção da paz da família</p><p>matrimonializada. Assim, consiste no desfrute público, por parte de</p><p>alguém, de determinada situação referente ao filho, que se refere ao uso</p><p>do nome de família, o tratamento como filho pelos pretensos pais, aliado</p><p>à persuasão geral de ser a pessoa efetivamente filho. Desse modo, o</p><p>reconhecimento da filiação socioafetiva se fundamenta em elementos</p><p>externos que traduzem os elementos internos, conhecidos por meio dos</p><p>requisitos nome, trato e fama, que configuram a posse de estado de filho.</p><p>Sendo assim, a posse do estado de filho constitui-se quando alguém</p><p>assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os</p><p>papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais, tendo ou não entre si</p><p>vínculos biológicos. A aparência do estado de filiação revela-se pela</p><p>convivência familiar, pelo efetivo cumprimento dos pais dos deveres de</p><p>guarda, educação e sustento do filho, pelo relacionamento afetivo, e</p><p>outros comportamentos adotados por pais e filhos na comunidade onde</p><p>vivem. Independente da realidade legal, constitui uma situação fática na</p><p>qual uma pessoa assume a condição de filho em relação a outra,</p><p>convalidando-se no tempo e não podendo ser afastada por investigação da</p><p>paternidade genética. Decorre do afeto entre pai e filho que, mesmo sem</p><p>laços de consanguinidade, convivem espontânea e publicamente como</p><p>família e como se parentes fossem ligados pelo vínculo afetivo,</p><p>obedecendo aos direitos e obrigações resultantes da relação paterno-</p><p>filial. Nesse sentido, constitui a exteriorização contínua da convivência</p><p>familiar e da afetividade, caracterizada por três elementos essenciais:</p><p>nome – quando o nome da família é passado à criança; trato – quando o</p><p>filho é tratado como tal, criado, educado e apresentado como filho ante a</p><p>sociedade; e fama – quando há notoriedade acerca da filiação, ou seja, a</p><p>fama de filho (Brauner, 2004; Gonçalves, 2018; Lôbo, 2017; Nogueira,</p><p>2001; Paiano, 2017; Rodrigues, 2004).</p><p>O nome é o elemento que se comprova quando o filho tem o</p><p>sobrenome dos pais, sendo conhecido também como patronímico ou</p><p>apelido de família, indicando que o alguém, ou seja, o filho, é de fato filho</p><p>de determinada pessoa e que faz parte da família a qual possui</p><p>determinado nome, o que é importante para o reconhecimento das</p><p>pessoas, vinculando a referência paterna ou materna e pelo qual se</p><p>verifica a procedência familiar. Todavia, entende-se que referido</p><p>elemento pode ser dispensável, quando os demais, trato e fama,</p><p>estiverem presentes, pois, ainda que o filho nunca tenha usado o nome</p><p>dos pais, a socioafetividade não se desconfigura, ou seja, o fato de o filho</p><p>nunca ter usado o patrocínio do pai, não enfraquece a posse de estado de</p><p>filho, se o trato e a fama confirmarem a verdadeira paternidade. Por sua</p><p>vez, o trato é o elemento que surge quando alguém é criado e educado</p><p>como se filho fosse pelo pai e pela mãe, recebendo afeto e respeito, e a</p><p>quem essa pessoa deve obediência. Refere-se a uma realidade objetiva</p><p>construída por um conjunto de manifestações, de atos voluntários do</p><p>pretenso pai ou mãe, de natureza moral, econômica e social, em face do</p><p>pretenso filho. O tratamento é o elemento clássico de maior relevância,</p><p>porquanto reflete a conduta que é dispensada ao filho, garantindo-lhe o</p><p>indispensável à sobrevivência, como a manutenção, educação, instrução</p><p>e formação dele como ser humano. Sendo assim, o elemento trato diz</p><p>respeito à forma como os pais tratam os filhos com relação à segurança,</p><p>educação, manutenção, saúde, sustento, lazer e como eles contribuem</p><p>afetivamente para a formação do filho como ser humano. Esse elemento</p><p>demonstra força para caracterizar a posse de estado de filho. Ademais, a</p><p>fama é o elemento que comprova o reconhecimento público do filho em</p><p>relação à família e à sociedade. Origina-se do fato de o pai ou a mãe</p><p>apresentarem a pessoa como filho e este apresentar o adulto como pai ou</p><p>mãe. Trata-se da reputação de quem goza a condição de filho, em relação</p><p>à generalidade das pessoas que o conhecem ou que pelo menos sabem da</p><p>sua existência de ter por pai determinada pessoa investigada. Desse</p><p>modo, a fama consiste na exteriorização da filiação socioafetiva perante a</p><p>sociedade, através da qual terceiros consideram o indivíduo como filho</p><p>de determinada</p><p>pessoa, com base em fatos que se apresentam de forma</p><p>contínua, pois não servem de prova os fatos intermitentes, avulsos, sem</p><p>concatenação e sequência lógica (Carvalho, 2012; Damian, 2019; Fujita,</p><p>2011; Welter, 2003).</p><p>Nesse sentido, destaca-se o entendimento do Tribunal de Justiça do</p><p>Estado do Rio Grande do Sul, em Apelação Civil nº 70053663449/RS, de</p><p>Porto Alegre, que reconheceu a paternidade socioafetiva com base na</p><p>posse de estado de filho, caracterizada pela presença dos elementos:</p><p>nome, trato e fama, por ao menos 10 anos, devendo tal vínculo ser</p><p>prestigiado em detrimento da verdade biológica, como segue:</p><p>Apelação cível. Ação anulatória de reconhecimento de paternidade. Alegação</p><p>de indução em erro ao declarar-se pai. Inocorrência. Reconhecimento</p><p>voluntário de paternidade e isento de qualquer vício. Irrevogabilidade.</p><p>Inteligência do art. 1.609 do ccb. Posse de estado de filiação ostentada por</p><p>mais de 10 anos. 1. O reconhecimento voluntário de paternidade é ato</p><p>irrevogável, nos termos do art. 1.609 do CCB, somente podendo ser</p><p>desconstituído mediante comprovação de vício (erro, dolo ou coação) na sua</p><p>origem. Nesse contexto, evidenciado que o reconhecimento operado pelo</p><p>autor decorreu de ato unilateral de vontade praticado de forma livre e</p><p>consciente, não cabe sua anulação. 2. Outrossim, indubitavelmente</p><p>consolidou-se vínculo parental socioafetivo entre os agora litigantes, pela</p><p>posse de estado de filiação - caracterizada pela ostentação dos elementos</p><p>nome, tratamento e fama -, por ao menos 10 anos, devendo ser prestigiado tal</p><p>vínculo em detrimento da verdade biológica. 3. À míngua de prova de</p><p>qualquer vício de consentimento que viesse a macular o reconhecimento</p><p>voluntário de paternidade operado, bem como diante da evidente posse de</p><p>estado de filiação consolidada, não merece reparos a sentença de</p><p>improcedência. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível nº</p><p>70053663449, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz</p><p>Felipe Brasil Santos, Julgado em 02/05/2013). (Rio Grande do Sul, 2013)</p><p>Igualmente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios,</p><p>em Apelação Civil nº 07312812020178070016, manifestou entendimento</p><p>reconhecendo a parentalidade socioafetiva post mortem, mesmo sem a</p><p>manifestação dos pais socioafetivos, em face da comprovação da posse do</p><p>estado de filho, caracterizada pela convivência familiar evidenciada pela</p><p>afetividade, estabilidade e ostentação da relação paterno-filial entre os</p><p>envolvidos perante a sociedade; não havendo impedimento para a</p><p>manutenção da parentalidade biológica no registro civil, concomitante à</p><p>socioafetiva, como segue:</p><p>Apelação cível. Direito de família. Reconhecimento de filiação socioafetiva</p><p>post mortem. Posse do estado de filho. Manifestação expressa de vontade.</p><p>Desnecessidade. Multiparentalidade. Possibilidade. Sentença reformada. 1. A</p><p>doutrina e a jurisprudência reconhecem a parentalidade socioafetiva quando</p><p>demonstrada a posse do estado de filho, caracterizada pela convivência</p><p>familiar evidenciada pela afetividade e pela ostentação da condição de filho</p><p>perante a sociedade. 2. No pedido de reconhecimento de paternidade</p><p>socioafetiva post mortem, a ausência de manifestação dos pais socioafetivos</p><p>não é suficiente para afastar a intenção deles de reconhecer o autor como</p><p>filho, visto que restou demonstrado que o autor goza da posse de estado de</p><p>filho, pois presentes a afetividade, estabilidade e ostentabilidade da relação</p><p>entre os envolvidos. 3. Não há impedimento para a manutenção da</p><p>parentalidade biológica no registro civil, pois a o STF já reconheceu a</p><p>possibilidade de reconhecimento concomitante das filiações biológica e</p><p>socioafetiva, em sede de repercussão geral (tema 622). 4. Recurso conhecido</p><p>e provido (TJDF – AC: 07312812020178070016 - Segredo de Justiça 0731281-</p><p>20.2017.8.07.0016, Relator: Leila Arlanch. Data de Julgamento: 28/08/2019, 7ª</p><p>Turma Cível). Data de Publicação: Publicado no PJe: 30/08/2019 (Distrito</p><p>Federal, 2019)</p><p>Nessa linha de entendimento, destacam-se alguns enunciados</p><p>construídos nas Jornadas de Direito Civil (I, III, IV e V), a respeito da</p><p>filiação socioafetiva: a) Enunciado nº 103 (I Jornada de Direito Civil, 11 a</p><p>13/09/2002) – art. 1.593, CC: o Código Civil reconhece, no art. 1.593,</p><p>outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção,</p><p>acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo</p><p>parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida</p><p>heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu</p><p>material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse</p><p>do estado de filho; b) Enunciado nº 108 (I Jornada de Direito Civil, 11 a</p><p>13/09/2002) – art. 1.603, CC: no fato jurídico do nascimento, mencionado</p><p>no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação</p><p>consanguínea e a socioafetiva; c) Enunciado 256 (III Jornada de Direito</p><p>Civil, 1 a 3/12/2004) – art. 1.593, CC: A posse do estado de filho</p><p>(parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil; d)</p><p>Enunciado 339 (IV Jornada de Direito Civil, 25 a 27/10/2006 – A</p><p>paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida</p><p>em detrimento do melhor interesse do filho; e) Enunciado 519 (V</p><p>Jornada de Direito Civil, 9 a 11/11/2011) – art. 1.593, CC: O</p><p>reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de</p><p>socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai(s) e filho(s),</p><p>com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e</p><p>patrimoniais (Conselho de Justiça Federal, 2012).</p><p>Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios,</p><p>em Apelação Civil nº 20150111157545DF, não reconheceu o vínculo da</p><p>paternidade socioafetiva, entre enteada e padrasto falecido, em função da</p><p>existência da relação paterno-filial satisfatoriamente estabelecida e</p><p>estabilizada com o pai biológico e registral, não se justificando a</p><p>pretensão de ver reconhecida a existência de uma dupla paternidade</p><p>entre o pai originário e o padrasto. Esclareceu que não é qualquer</p><p>tratamento afetuoso que caracteriza a posse do estado de filho, como</p><p>também não ficou demonstrada a intenção do de cujus de assumir</p><p>juridicamente referida paternidade em vida, como segue:</p><p>Direito de família. Processual civil. Investigação de paternidade. Dupla</p><p>paternidade. Reconhecimento de um segundo vínculo socioafetivo. Condições</p><p>da ação. Verificação. Teoria da asserção. Impossibilidade jurídica do pedido.</p><p>Questões que se confundem com o mérito. Paternidade anterior que</p><p>sobressai biológica, socioafetiva e registral. Estado de filiação estabilizado.</p><p>Posse do estado de filho em relação ao pai registral. Configuração. Registro</p><p>civil. Imutabilidade. Declaração de paternidade socioafetiva de pessoa falecida.</p><p>Ausência de demonstração da intenção do padrasto de assumir juridicamente</p><p>a filiação quando em vida. Existência de mera relação afetuosa entre padrasto</p><p>e enteada. Princípio da dignidade da pessoa humana e de tratamento</p><p>igualitário entre irmãos. Artigo 227, § 6º, da cf. Inexistência de violação.</p><p>Sentença mantida. [..] Nesse contexto, entendo que a relação parental</p><p>regularmente estabelecida entre a autora e seu pai registral, biológico e</p><p>socioafetivo deve se perpetuar sem qualquer interferência superveniente,</p><p>asseverando-se ainda que resta demonstrado nos autos que ela tão somente</p><p>estabeleceu uma relação natural e harmoniosa com o seu padrasto, o que por</p><p>si só não indica que este, quando vivo, teria apresentado a intenção de</p><p>assumir juridicamente a paternidade dela, requerida somente após a morte</p><p>daquele, circunstância que também informa a inexistência de paternidade</p><p>socioafetiva na hipótese. 7. Logo, considerando que autora já tivera um pai</p><p>biológico, com o qual guardara relação de afeto, de modo a restar</p><p>satisfatoriamente estabelecida e estabilizada a relação paterno-filial entre</p><p>eles, a pretensão autoral de ver reconhecida a existência de uma dupla</p><p>paternidade</p><p>entre seu pai originário e seu padrasto não se justifica. 8. De</p><p>qualquer sorte, pelas provas produzidas no feito, a pretensão também não é</p><p>procedente porque não sobressaiu suficientemente demonstrada a intenção</p><p>do de cujus de assumir juridicamente a aduzida paternidade socioafetiva em</p><p>face da autora quando ainda era vivo, evidenciando-se, ao menos no que diz</p><p>respeito ao padrasto, que ele nutria apenas um esperado afeto e carinho pela</p><p>enteada, num mero relacionamento familiar harmonioso. (TJ-DF, APC:</p><p>20150111157545, Relator: Alfeu Machado, 1ª Turma Cível. Data de</p><p>julgamento: 16/3/2016. Data de publicação: DJE: 6/4/2016. p.: 210). (Distrito</p><p>Federal, 2016)</p><p>Assim sendo, a posse de estado de filho é elemento importante para</p><p>estabelecer a paternidade, visto que o verdadeiro pai é aquele que cria,</p><p>demonstrando no dia a dia a convivência harmoniosa entre a família, pela</p><p>relação afetiva dos pais com os filhos e vice-versa, pelo exercício dos</p><p>direitos e deveres que caracterizam o poder familiar para assegurar,</p><p>proteger e zelar os filhos. Portanto, a noção que deve prevalecer nos</p><p>casos de conflito de paternidade, quando a presunção jurídica não é</p><p>suficiente para o convencimento ou quando os laços biológicos não</p><p>demonstram com exatidão a verdadeira relação entre pais e filhos, visto</p><p>que não há relação afetuosa entre esses, deve-se aplicar a posse do</p><p>estado de filho, fundada nos laços de afeto, da demonstração de</p><p>tratamento diário de cuidados, alimentação, educação, proteção e amor, o</p><p>que será primordial para resolução do conflito. Desse modo, a posse do</p><p>estado de filho está vinculada à filiação socioafetiva, em que o pai, a mãe</p><p>ou terceiro terá uma relação paterno-filial como se, de fato, pai ou mãe e</p><p>filhos o fossem gerando os efeitos jurídicos decorrentes. É uma situação</p><p>de fato que supre a ausência do registro de nascimento como prova da</p><p>filiação, pois a relação entre pai e filho é como se registral fosse. Não se</p><p>trata apenas da longa convivência familiar, mas também da publicidade,</p><p>da continuidade e da ausência de equívoco, ou seja, da vontade livre e</p><p>consciente das partes em viverem como pai e filho. Pode se conceituar</p><p>como sendo uma espécie de adoção de fato, em que estão presentes o</p><p>carinho e amor inerentes a uma relação paterno-filial. Ademais, o estado</p><p>de filiação compreende um conjunto de circunstâncias que solidificam a</p><p>presunção da existência de relação entre pais, ou pai e mãe, e filho, capaz</p><p>de suprir a ausência do registro do nascimento, comprovando-se pela</p><p>situação de fato, ou ainda, trata-se de conferir à aparência os efeitos de</p><p>verossimilhança, que o direito considera satisfatória (Dias, 2020; Lôbo,</p><p>2017; Pereira, 2017).</p><p>4. Reconhecimento da filiação socioafetiva e seus efeitos</p><p>jurídicos</p><p>O reconhecimento da filiação, seja de forma voluntária ou forçada,</p><p>produz efeitos de natureza moral (relação de parentesco, registro civil,</p><p>direito de uso do nome de família, direito de guarda e visitas,</p><p>estabelecimento do poder familiar) e patrimonial (direito aos alimentos e</p><p>direitos sucessórios), com validade erga omnes, ou seja, uma vez</p><p>reconhecida a filiação e constada no Registro Civil, os efeitos jurídicos</p><p>incidem aos interessados diretos e aos parentes.</p><p>Desse modo, reconhecida a filiação, o principal efeito jurídico é o</p><p>estabelecimento da relação jurídica de parentesco entre pai e filho, que</p><p>se refere à condição de parente em linha reta entre ambos.</p><p>Dentre os efeitos jurídicos morais decorrentes da filiação, destacam-</p><p>se: o registro civil, que se trata de obrigação que a lei impõe a todo</p><p>indivíduo, para assegurar a toda pessoa a faculdade de se identificar pelo</p><p>seu próprio nome, ou seja, independentemente da espécie de filiação, o</p><p>filho terá direitos inerentes ao nome dos pais, através do</p><p>reconhecimento automático, voluntário ou judicial no registro do</p><p>nascimento; o direito de uso do nome de família, ato que estabelece o</p><p>vínculo entre pai/mãe e filho, capaz de assegurar os demais direitos,</p><p>possibilitando que o filho ingresse na família do genitor e passe a usar o</p><p>nome deste, ou seja, permite a inserção do sobrenome do pai e/ou mãe</p><p>ao nome do filho; o direito de guarda, instituto que se refere ao poder-</p><p>dever submetido a um regime jurídico-legal, que visa possibilitar, a quem</p><p>de direito, prerrogativas para o exercício da proteção e amparo daqueles</p><p>que a lei considera nessa condição, regularizando a posse de fato e</p><p>permitindo prestar assistência material, moral e educacional à criança e</p><p>ao adolescente, exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela</p><p>mãe, a quem cabe igualmente a autoridade parental sobre os filhos,</p><p>podendo ser unilateral ou compartilhada; o direito de visita, instituto que</p><p>se aplica ao genitor que não possui a guarda da criança e do adolescente,</p><p>para que esse possa controlar sua educação, formação e assistir</p><p>materialmente e moralmente seu filho, não o privando de ter um contato</p><p>afetuoso com seu pai/mãe, estendendo-se às pessoas que possuem</p><p>envolvimento com a criança e o adolescente, e guardam carinho e afeto</p><p>para com este, como é o caso dos parentes (avós, tios, padrinhos de</p><p>batismo, pai/mãe de criação e outros); e o estabelecimento do poder</p><p>familiar, que se refere a um conjunto de direitos e obrigações, quanto à</p><p>pessoa e bens do filho menor não emancipado, compreendido como um</p><p>poder de proteção, com fundamento no princípio constitucional da</p><p>proteção integral à criança e ao adolescente (art. 227, caput, CF; e art. 3º,</p><p>ECA), exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que</p><p>possam desempenhar os encargos impostos pela legislação, tendo em</p><p>vista o melhor interesse e a proteção integral do filho. Essas</p><p>responsabilidades parentais atribuem as decisões importantes da vida da</p><p>criança e do adolescente, tais como, educação religiosa, formação escolar,</p><p>atividades extracurriculares, e as decisões da vida quotidiana à pessoa</p><p>com quem os filhos residem ou estão no momento (Cassettari, 2017;</p><p>Dias, 2020; Diniz, 2012; Gonçalves, 2018; Madaleno, 2019; Pereira,</p><p>2017; Rizzardo, 2019; Venosa, 2016).</p><p>Como efeitos patrimoniais, destacam-se o dever personalíssimo de</p><p>alimentos, dos pais em relação aos filhos menores, de acordo com o</p><p>trinômio necessidade x possibilidade x proporcionalidade, em</p><p>decorrência do dever de sustento, e aos demais parentes de acordo com</p><p>o princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, em</p><p>razão do parentesco, do vínculo conjugal ou convencional que liga o</p><p>alimentante ao alimentando, ou seja, é um direito dos pais para com os</p><p>filhos na juventude, e dos filhos para com os pais na velhice, pois se trata</p><p>de uma forma de assistência recíproca, sendo que, na falta de</p><p>ascendentes, o direito alimentício se estenderá aos descendentes,</p><p>respeitando a ordem de sucessão, e, faltando estes, os irmãos, sejam eles</p><p>germanos ou unilaterais, e, ainda, se o parente que dever alimentos não</p><p>tiver condições de sozinho fornecê-los, concorrerão com este, os de grau</p><p>imediato, sendo, portanto, uma responsabilidade solidária, pela qual cabe</p><p>aos parentes amparar quem de seus familiares, seja pelo laço</p><p>consanguíneo ou civil, passe por dificuldades, devendo cumprir tal papel,</p><p>por vezes, mediante a prestação de alimentos, que compreendem o que é</p><p>essencial à vida; e os direitos sucessórios que são recíprocos entre pais e</p><p>filhos, sendo que na existência de herdeiros necessários, o testador só</p><p>poderá dispor de 50% (cinquenta por cento) do seu patrimônio, e, na</p><p>ordem de vocação hereditária, primeiro se chamam os parentes mais</p><p>próximos (filhos), depois se chamam os parentes em linha reta,</p><p>ascendentes (pais); em seguida o cônjuge, que receberá a herança por</p><p>direito próprio se não existir descendentes ou ascendentes; e, por fim, os</p><p>colaterais, que herdam se inexistirem outros herdeiros que antecedem</p><p>na ordem de vocação hereditária (Carvalho; Yunes, 2014; Diniz, 2012;</p><p>Strenger, 2006; Trindade, 2018).</p><p>Esses efeitos são considerados irrevogáveis, indivisíveis,</p><p>incondicionais e retroativos (ex tunc) à data do nascimento ou concepção</p><p>do filho, pelo princípio básico de ser impossível declarar a filiação a</p><p>contar de certo momento. Quem é filho, o é desde a concepção, sendo</p><p>inconcebível estabelecer um vácuo que vai da concepção à sentença</p><p>declaratória, não havendo espaço para arrependimento ou desistência por</p><p>parte daqueles que o fizeram, porque o reconhecimento é irrevogável</p><p>exceto se vier maculado de vícios.</p><p>Nessa perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso</p><p>Especial nº 1229044 SC 2010/0224824-2, manifestou entendimento</p><p>afirmando que o reconhecimento espontâneo da paternidade somente</p><p>pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, pois não</p><p>há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da</p><p>vontade, em que o próprio pai manifestou que sabia perfeitamente não</p><p>haver vínculo biológico entre ele e a criança, como segue:</p><p>Direito civil. Recurso especial. Família. Criança e adolescente. Ação de</p><p>anulação de registro de nascimento. Interesse maior da criança. Ausência de</p><p>vício de consentimento. Improcedência do pedido. 1. A prevalência dos</p><p>interesses da criança é o sentimento que deve nortear a condução do</p><p>processo em que se discute de um lado o direito do pai de negar a paternidade</p><p>em razão do estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito da</p><p>criança de ter preservado seu estado de filiação. 2. O reconhecimento</p><p>espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado</p><p>vício de consentimento; não há como desfazer um ato levado a efeito com</p><p>perfeita demonstração da vontade, em que o próprio pai manifestou que sabia</p><p>perfeitamente não haver vínculo biológico entre ele e o menor e, mesmo</p><p>assim, reconheceu-o como seu filho. 3. As alegações do recorrido de que foi</p><p>convencido pela mãe do menino a registrá-lo como se seu filho fosse e de que</p><p>o fez por apreço a ela não configuram erro ou qualquer outro vício do</p><p>consentimento, e, portanto, não são por si sós, motivos hábeis a justificar a</p><p>anulação do assento de nascimento, levado a efeito por ele, quatro anos antes,</p><p>quando, em juízo, voluntariamente reconheceu ser o pai da criança, embora</p><p>sabendo não ser. 4. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - REsp:</p><p>1229044 SC 2010/0224824-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de</p><p>Julgamento: 04/06/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe</p><p>13/06/2013). (Brasil, 2013)</p><p>Na mesma linha, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do</p><p>Sul, em Apelação Civil nº 70063645790 RS, de Uruguaiana, esclareceu</p><p>que para anular o registro civil de nascimento, cuja paternidade foi</p><p>reconhecida, é necessária prova no sentido de que o pai registral foi</p><p>induzido a erro ou coagido a tanto, como segue.</p><p>Apelação cível. Família. Ação negatória de paternidade julgamento de</p><p>improcedência. Sentença mantida. O reconhecimento espontâneo da</p><p>paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de</p><p>consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de</p><p>nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova no</p><p>sentido de que o “pai registral” foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou</p><p>ainda, que tenha sido coagido a tanto. Parentalidade socioafetiva configurada</p><p>nos autos RECURSO DESPROVIDO (Apelação Cível nº 70063645790,</p><p>Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino</p><p>Robles Ribeiro, Julgado em 25/03/2015). (Rio Grande do Sul, 2015)</p><p>No caso da parentalidade socioafetiva, a configuração da paternidade</p><p>e/ou maternidade, através da posse do estado de filiação, implica no</p><p>reconhecimento dos efeitos jurídicos morais e patrimoniais, inerentes à</p><p>filiação biológica ou civil, efetivada pelo princípio constitucional da</p><p>igualdade entre os filhos. Nesse sentido, o Enunciado 06 do IBDFAM</p><p>destaca que o reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva confere aos</p><p>pais e filhos todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental.</p><p>Havendo conflito entre as duas paternidades (biológica e afetiva), e estas</p><p>não puderem ser completadas ou harmonizadas, a paternidade</p><p>socioafetiva deve se sobrepor a outra, em função da relevância e</p><p>imprescindibilidade do afeto (IBDFAM, 2021).</p><p>Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em</p><p>Apelação Civil nº 293967 SC 2007.029396-7, de Itajaí, ressaltou que o</p><p>reconhecimento voluntário da filiação através de registro civil,</p><p>sedimentado por elos de afetividade também caracteriza a relação</p><p>paterna-filial socioafetiva em ato irrevogável, quando ausentes quaisquer</p><p>vícios formais ou materiais maculando a higidez do ato. Esclareceu que o</p><p>reconhecimento espontâneo da paternidade, que se dá com o registro</p><p>civil do nascimento, caracteriza a vontade de formar o vínculo familiar;</p><p>aquele que se comporta como pai, o faz de forma voluntária, apenas por</p><p>vontade e amor, sendo que no conflito entre paternidade socioafetiva e</p><p>biológica, prevalece aquela, fulcrado no princípio constitucional da</p><p>dignidade humana, como segue:</p><p>Direito civil. Família. Negatória de paternidade c/c anula-ção de registro civil.</p><p>Extinção do processo por impossibilidade jurídica do pedido. Inconformismo.</p><p>Cerceamento de defesa. Julgamento antecipado da lide. Inocorrência. Provas</p><p>suficientes. Inexistência de filiação biológica. Fato incontroverso. Alegação</p><p>acolhida. Vínculo genético inexistente. Anulação do registro civil fundado em</p><p>vício de consentimento. Afastamento. Reconhecimento voluntário. Ato</p><p>irrevogável. Filiação socioafetiva que exclui a biológica. Recurso parcialmente</p><p>provido. Não há cerceamento de defesa no julgamento antecipado do feito,</p><p>quando presentes nos autos os elementos indispensáveis ao julgamento da</p><p>lide. A inexistência de vínculo genético entre o pai registral e a filha adotiva</p><p>não exclui a paternidade socioafetiva demonstrada. O reconhecimento</p><p>voluntário da filiação através de registro civil, sedimentado por elos de</p><p>afetividade caracteriza relação paterna-filial socioafetiva em ato irrevogável,</p><p>mormente quando ausentes quaisquer vícios formais ou materiais maculando</p><p>a higi-dez do ato. No conflito entre paternidade socioafetiva e biológica,</p><p>prevalece aquela, fulcrado no princípio constitucional da dignidade humana.</p><p>(TJSC – AC: 293967 SC 2007.029396-7, Relator: Monteiro Rocha, Data de</p><p>julgamento: 22/04/2009, Quarta Câmara de Direito Civil, Data de publicação:</p><p>Apelação cívil n., de Itajaí). (Santa Catarina, 2009)</p><p>Em outra decisão, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina,</p><p>em Apelação Civil nº 20120487096 SC 2012.048709-6, de Lages,</p><p>entendeu que o reconhecimento voluntário da filiação somente pode ser</p><p>contestado se for comprovado vício na manifestação de vontade, senão o</p><p>ato é irrevogável (art. 1.610, CC), devendo prevalecer o vínculo afetivo</p><p>sobre o vínculo genético, em prol do melhor interesse da criança e do</p><p>adolescente, gerando, por consequência, todos os direitos e deveres</p><p>referentes à autoridade parental, como segue:</p><p>Apelação cível. Ação negatória de paternidade. Pretensão de retificação do</p><p>registro civil de nascimento. Exame de DNA excludente do vínculo genético</p><p>entre as partes. Filho advindo na constância do matrimônio. Dúvida, desde o</p><p>princípio, acerca do liame consanguíneo. Ausência de vício na manifestação de</p><p>vontade. Reconhecimento voluntário da filiação. Ato irrevogável. Inteligência</p><p>do art. 1.610 do código civil. Paternidade socioafetiva plenamente configurada.</p><p>Prevalência, no caso concreto, do laço afetivo ao biológico. Recurso conhecido</p><p>e desprovido. O reconhecimento voluntário da filiação somente pode ser</p><p>contestado acaso comprovado vício na manifestação de vontade. Caso</p><p>contrário, o ato é irrevogável (CC/2002, art. 1.610), mormente em se tendo</p><p>formado a paternidade socioafetiva, a qual, na espécie, deve prevalecer sobre</p><p>o vínculo genético, em prol dos interesses do menor envolvido. TJSC – AC:</p><p>20120487096 SC 2012.048709-6, Acórdão, Relator: Stanley da Silva Braga,</p><p>Data de julgamento: 05/09/2012, Sexta Câmara</p><p>de Direito Civil julgado).</p><p>(Santa Catarina, 2012)</p><p>Desse modo, o reconhecimento da parentalidade socioafetiva é capaz</p><p>de gerar os efeitos jurídicos patrimoniais e extrapatrimoniais pertinentes</p><p>à perfilhação, pois não há qualquer grau de hierarquia ou subordinação</p><p>entre as formas de estabelecimento da filiação, devendo todos os filhos</p><p>serem tratados sem quaisquer discriminações, de acordo com o princípio</p><p>constitucional da igualdade entre os filhos (art. 227 § 6º, CF). Assim,</p><p>cada caso deve ser analisado individualmente, para que não ocorram</p><p>injustiças ou benefícios. Desse modo, o reconhecimento deve ser para</p><p>aqueles que realmente efetivam a relação paterna ou materna, para que</p><p>nesse sentido sejam consolidados os direitos e deveres condizentes aos</p><p>participantes dessa relação, sendo que, nesse caso, o reconhecimento</p><p>não pode gerar condição distinta ao filho socioafetivo, pois ele é</p><p>equiparado integralmente aos demais. Assim, entende-se que presentes</p><p>os elementos da posse de estado de filho e reconhecida a filiação</p><p>socioafetiva, surgem efeitos jurídicos de ordem patrimonial e moral,</p><p>referentes ao estado de filiação, sendo que, esse reconhecimento é</p><p>irrevogável, admitindo-se ação anulatória do registro de nascimento, nos</p><p>casos de erro ou falsidade (art. 1.604, CC). Esses efeitos jurídicos</p><p>decorrentes do parentesco socioafetivo são análogos à adoção (arts. 39 a</p><p>52, ECA), e não fogem ao que é estabelecido e regrado na paternidade</p><p>biológica, tais como: declaração do estado de filho afetivo; elaboração ou</p><p>alteração do registro civil de nascimento; acolhimento do sobrenome dos</p><p>pais afetivos; mesmas relações de parentesco com os parentes dos pais</p><p>afetivos; irrevogabilidade da paternidade e da maternidade sociológicos;</p><p>poder familiar; guarda e direito de visitas; sustento do filho ou</p><p>pagamento de alimentos; herança entre pais, filhos e parentes</p><p>sociológicos; dentre outros, atendendo aos princípios constitucionais da</p><p>dignidade da pessoa humana e do maior interesse da criança e do</p><p>adolescente (Brasil, 1988; Brasil, 1990; Brasil, 2002; Cassettari, 2017;</p><p>Lima, 2011; Lôbo, 2017).</p><p>Declaração do estado de filiação e direito ao nome de família: o estado</p><p>de filiação é considerado como sendo o mais importante dos efeitos</p><p>jurídicos morais, pois se estende aos demais parentes, originando o</p><p>estado de família, o que gera direitos e deveres de ordem moral e</p><p>patrimonial. Dessa forma, o reconhecimento da filiação socioafetiva gera</p><p>a extensão da parentalidade, uma vez que o filho passa a ter novos</p><p>ascendentes e colaterais. Assim, quando um pai ou uma mãe reconhece</p><p>uma paternidade ou maternidade socioafetiva, esse filho passará a ter</p><p>vínculo de parentesco com seus outros parentes, fazendo surgir avós,</p><p>bisavós, trisavós, tataravós, irmãos, tios, primos, tios-avôs socioafetivos,</p><p>decorrendo todos os direitos dessa parentalidade. Ademais, o</p><p>reconhecimento do status de família concede ao filho socioafetivo direito</p><p>ao nome; assim, o filho poderá acrescentar o nome dos pais ao seu nome,</p><p>inclusive poderá excluir o nome da família biológica; como também os</p><p>nomes dos pais e avós biológicos; incluindo-se os nomes dos pais e avós</p><p>socioafetivos, como também usar concomitantemente os nomes das duas</p><p>famílias, biológica e socioafetiva (Cassettari, 2017; Dias, 2020).</p><p>Guarda dos filhos menores: com relação à guarda dos filhos menores,</p><p>entende-se que esse direito é assegurado tanto aos pais biológicos, como</p><p>também aos pais socioafetivos, ainda que não registrais, visto que podem</p><p>pleitear o reconhecimento da parentalidade socioafetiva. Assim, ambos</p><p>os genitores socioafetivos têm direito à guarda dos filhos, não havendo</p><p>preferência para o exercício do direito, seja de forma unilateral ou</p><p>compartilhada, seja na parentalidade biológica ou afetiva, pois o que deve</p><p>ser atendido é o melhor interesse da criança ou do adolescente. Dessa</p><p>forma, ao determinar com quem ficará a guarda dos filhos, deve o juiz</p><p>primar pela guarda compartilhada, se esta atender ao melhor interesse</p><p>da criança e do adolescente e, ainda, verificar a existência do vínculo</p><p>afetivo e cuidado mútuos, dando aos pais que porventura não detiverem a</p><p>guarda o direito a participar ativamente da vida dos filhos; se não for</p><p>possível, a guarda pode ficar com o parente mais próximo, que mantenha</p><p>relação de afeto com a criança ou o adolescente (art. 1.584, § 5º, CC)</p><p>(Brasil, 2002; Cassettari, 2017).</p><p>Nessa linha de entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado de</p><p>Santa Catarina, em Apelação Civil (processo pela internet) com disputa</p><p>de guarda entre pais biológicos e socioafetivos, reconheceu o direito aos</p><p>pais socioafetivos, com base no princípio do melhor interesse da criança,</p><p>pois dada a conduta de inércia dos pais biológicos, a retirada da infante do</p><p>seio de seu lar e dos cuidados dos pais socioafetivos, com quem</p><p>consolidou laços afetivos e quem considera seus pais, compromete sua</p><p>integridade psicológica, como segue:</p><p>Apelação civil. Ação de investigação de paternidade c/c anulação de registro</p><p>c/c guarda. Menor entregue pela mãe biológica ao suposto pai. Registro em</p><p>nome de ambos. Autor que avoca para si a paternidade. Exame de DNA</p><p>conclusivo acerca de sua paternidade. Caso peculiar. Menor que já conta com</p><p>mais de três anos. Inércia do pai biológico na tomada de medidas de urgência</p><p>para tomada da criança. Contribuição decisiva para consolidação dos laços</p><p>afetivos. Estudo social indicando as dificuldades que modificação da situação</p><p>acarretará à menor. Paternidade socioafetiva – princípios da proporcionalidade</p><p>e da razoabilidade – mantença da guarda com o casal que vem criando a menor</p><p>– artigos 6º e 33 do ECA – pedido inicial parcialmente procedente – ônus</p><p>sucumbenciais modificados – recurso provido. Tendo como foco a paternidade</p><p>socioafetiva, bem como os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e</p><p>do melhor interesse do menor, cabe inquirir qual bem jurídico merece ser</p><p>protegido em detrimento do outro: o direito do pai biológico que pugna pela</p><p>guarda da filha, cuja conduta, durante mais de três anos, foi de inércia, ou a</p><p>integridade psicológica da menor, para quem a retirada do seio de seu lar, dos</p><p>cuidados de quem ela considera pais, equivaleria à morte deles. Não se busca</p><p>legitimar a reprovável conduta daqueles que, mesmo justificados por</p><p>sentimentos nobres como o amor, perpetram inverdades, nem se quer</p><p>menosprezar a vontade do pai biológico em ver sob sua guarda criança cujo</p><p>sangue é composto também do seu. Mas, tendo como prisma a integridade</p><p>psicológica da menor, não se pode entender como justa e razoável sua retirada</p><p>de lugar que considera seu lar e com pessoas que considera seus pais, lá</p><p>criada desde os primeiros dias de vida, como medida protetiva ao direito</p><p>daquele que, nada obstante tenha emprestado à criança seus dados genéticos,</p><p>contribuiu decisivamente para a consolidação dos laços afetivos supra</p><p>referidos. (TJSC: 0 e Processos pela internet, 11/09/2009. Relator Sérgio</p><p>Izidoro Heil. Data de julgamento: 01/06/2006. Terceira Câmara de Direito</p><p>Civil) (Santa Catarina, 2006)</p><p>Outrossim, em outra decisão, o Tribunal de Justiça do Estado de</p><p>Santa Catarina, em Apelação Civil nº 2012.02850-0/SC, da Capital,</p><p>manifestou entendimento concedendo a guarda à avó biológica materna,</p><p>estendendo o direito ao seu companheiro, visto que ambos exerciam a</p><p>guarda de fato do adolescente por anos, apresentando as condições</p><p>necessárias à subsistência do menor, com quem criaram laços de</p><p>afetividade, como segue:</p><p>Apelação cível. Ação de guarda e responsabilidade. Autores que são genitores</p><p>e avó materna da criança, bem como companheiro desta última. Sentença de</p><p>parcial procedência. Guarda deferida tão somente à avó materna, com o</p><p>direito de visitas assegurado aos pais. Insurgência recursal almejando seja a</p><p>concessão da guarda estendida ao companheiro da avó materna. Subsistência.</p><p>Recorrentes que convivem em união estável há mais de dezessete anos e</p><p>exercem a guarda de fato do adolescente</p><p>há cerca de doze anos. Formação de</p><p>laços de afetividade. Apelantes que proporcionam, de maneira conjunta, as</p><p>condições necessárias à subsistência do menor. Guarda que deve ser</p><p>concedida preferencialmente a pessoas com grau de parentesco. Inexistência</p><p>de óbice ao deferimento da guarda ao companheiro da avó materna em análise</p><p>às circunstâncias do caso concreto. Exegese do art. 1.584, §5º, do CC. Guarda</p><p>estendida ao companheiro da avó materna. Sentença parcialmente reformada.</p><p>Recurso conhecido e provido. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.028950-0, da</p><p>Capital, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, Quarta Câmara de Direito Civil, j.</p><p>12-09-2013). (Santa Catarina, 2013)</p><p>Na mesma linha, em outro julgado, o Tribunal de Justiça do Estado de</p><p>Santa Catarina, em Apelação Civil nº 0300095-56.2014.8.24.0087/SC, de</p><p>Orleans, manteve a guarda do adolescente com o padrasto, que exercia a</p><p>paternidade socioafetiva do menor desde a tenra idade, conforme restou</p><p>comprovado no estudo social. Considerou que o padrasto dispunha de</p><p>melhores condições de exercer a guarda, já desempenhada de forma</p><p>unilateral há cinco anos, o que não se justificava sua alteração em favor</p><p>da mãe biológica, como segue:</p><p>Apelação cível. Ação de modificação de guarda ajuizada pela genitora. Acordo</p><p>original que fixou a guarda do adolescente com o padrasto. Sentença de</p><p>improcedência. Recurso da genitora. Pleito de fixação da guarda unilateral em</p><p>seu favor. Pedido de reforma da sentença ao argumento de que a função recai</p><p>legalmente sobre o detentor do poder familiar, em detrimento da guarda</p><p>fixada a terceiro. Alegação da apelante de que reúne condições necessárias</p><p>para cuidar do seu filho. Insubsistência. Requerido que exerce a paternidade</p><p>socioafetiva do menor desde a tenra idade. Vínculo socioafetivo com o</p><p>padrasto atestado no estudo social. Conjunto probatório que demonstra dispor</p><p>o apelado de melhores condições de exercer a guarda, já desempenhada de</p><p>forma unilateral há cinco anos. Modificação da guarda que configura medida</p><p>excepcional. Adolescente que conta, atualmente, com 17 (dezessete) anos.</p><p>Manifestação inequívoca da vontade do adolescente em permanecer com o pai</p><p>afetivo, o qual detém também a guarda do irmão, filho biológico de ambas as</p><p>partes. Ausência de motivos para desrespeitar a escolha do menor.</p><p>Necessidade de se resguardar o melhor interesse do adolescente. Sentença</p><p>mantida. Honorários recursais. Majoração da verba honorária, ex vi do artigo</p><p>85, § 11, do Código de Processo Civil. Recurso conhecido e desprovido.</p><p>(TJSC. AC: 03000955620248240087 Orleans 0300095-56.2014.8.24.0087.</p><p>Relator: Denise Volpato. Data de julgamento: 12/03/2019. Sexta Câmara de</p><p>Direito Civil). (Santa Catarina, 2019c)</p><p>Ante o exposto, entende-se que a concessão do direito de guardados</p><p>filhos menores aos pais socioafetivos se baseia no vínculo de paternidade</p><p>e/ou maternidade estabelecido a partir da constância social da relação</p><p>entre pais e filhos, configurando uma relação paterno-filial que existe em</p><p>decorrência da convivência afetiva e não por aspecto biológico ou por</p><p>força de presunção legal, pois o pai e a mãe afetivos são aqueles que</p><p>ocupam o lugar ou a função de pai e de mãe na vida do filho. Desse modo,</p><p>entende-se que para romper o liame natural existente entre pais e filhos,</p><p>com o deferimento da guarda a terceiro, é necessário que existam</p><p>motivos que autorizem a medida e atribuam maior vantagem aos filhos.</p><p>Direito de visitas: aos pais socioafetivos que não têm a guarda dos</p><p>filhos, é assegurado o direito de visitas. Entende-se que o direito de</p><p>visita não decorre única e exclusivamente do poder familiar e não está</p><p>associado apenas aos parentes, uma vez que existem situações</p><p>específicas em que indivíduos sem relação de parentesco biológico ou</p><p>civil, que mediante convivência familiar, têm o direito de manter os laços</p><p>afetivos desenvolvidos ao longo do tempo, devendo se assegurar a esses</p><p>o direito de visitar aquele com quem mantinha vínculos sentimentais.</p><p>Desse modo, na ausência de legislação específica para regular a</p><p>manutenção da convivência de pessoas que não estão vinculadas pelo</p><p>poder familiar, mas que compartilham sentimentos, emoções, amor e</p><p>carinho, deve-se recorrer aos princípios gerais do direito, reconhecendo-</p><p>se um direito da personalidade ainda não positivado nas leis, mas que</p><p>pode ser assegurado por sentença judicial (Boschi, 2005).</p><p>Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em</p><p>Agravo de Instrumento nº 10115120014515001/MG, entendeu que não</p><p>existe mais um conceito fechado de família, mas sim um modelo pautado</p><p>na afetividade e na felicidade de cada um dos seus membros, e que</p><p>assim, a regulamentação de visitas, em razão de sua própria natureza,</p><p>por envolver direito familiar, sentimentos pessoais e, em especial, o</p><p>interesse do infante, deve ser apreciado com cautela, levando-se em</p><p>conta a realidade fática vivenciada pela criança ou adolescente. Destacou</p><p>que o parentesco pode ser derivado do laço sanguíneo, do vínculo adotivo</p><p>ou de outra origem, como a relação socioafetiva, reconhecendo, assim, o</p><p>direito de visita aos pais socioafetivos, esclarecendo que esse direito</p><p>deve ser garantido visando o bem-estar e o regular desenvolvimento</p><p>físico, social e psicológico da criança e do adolescente, como segue:</p><p>Agravo de instrumento. Novos contornos da concepção de família, sob a égide</p><p>da Constituição de 1988. Paternidade socioafetiva. Direito de visitas. Ausência</p><p>de elementos que desabonem a conduta do pai. Bem-estar da criança. Após o</p><p>advento da Constituição Federal de 1988, surgiu um novo paradigma para as</p><p>entidades familiares, não existindo mais um conceito fechado de família, mas,</p><p>sim, um conceito eudemonista socioafetivo, moldado pela afetividade e pelo</p><p>projeto de felicidade de cada indivíduo. Assim, a nova roupagem assumida</p><p>pela família liberta-se das amarras biológicas, transpondo-se para as relações</p><p>de afeto, de amor e de companheirismo. - A melhor doutrina e a atual</p><p>jurisprudência, inclusive deste próprio Tribunal, estão assentadas no sentido</p><p>de que, em se tratando de guarda de menor, “o bem-estar da criança e a sua</p><p>segurança econômica e emocional devem ser a busca para a solução do litígio”</p><p>(Agravo nº 234.555-1, acórdão unânime da 2ª Câmara Cível, TJMG, Relator</p><p>Des. Francisco Figueiredo, pub. 15/03/2002). - Também na regulamentação de</p><p>visitas, deve ser considerado o bem-estar da criança, prevalecendo aquilo que</p><p>vai incentivar seu desenvolvimento físico, social e psíquico da melhor</p><p>maneira possível, garantindo, sempre, seus direitos e sua proteção. - O artigo</p><p>1.593 do Código Civil, muito embora não disponha expressamente sobre a</p><p>paternidade socioafetiva, reza que “o parentesco é natural ou civil, conforme</p><p>resulte da consanguinidade ou outra origem”. Nesse contexto, a interpretação</p><p>extensiva e teleológica desse dispositivo legal é no sentido de que o</p><p>parentesco pode derivar-se do laço de sangue, do vínculo adotivo ou de outra</p><p>origem, como a relação socioafetiva. Recurso desprovido. (TJ-MG - AI:</p><p>10115120014515001 MG, Relator: Eduardo Andrade, Data de Julgamento:</p><p>07/05/2013, Câmaras Cíveis / 1ª Câmara Cível, Data de Publicação:</p><p>16/05/2013). (Minas Gerais, 2013)</p><p>Por sua vez, no mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do</p><p>Rio Grande do Sul, em Apelação Civil nº 70057350092 RS, de Porto</p><p>Alegre, entendeu que o direito de visita não é abrigado só em razão de</p><p>vínculo parental biológico, mas também do inequívoco vínculo</p><p>socioafetivo, que estabelece a relação paterno-filial entre os envolvidos,</p><p>como segue:</p><p>Apelação cível. Ação de cumprimento de acordo. Obrigação de fazer. Mãe</p><p>socioafetiva. Cumprimento das visitas. Menor. Manutenção. O direito de</p><p>visitação não pode ser abrigado só em razão do acordo judicial, pois decorre,</p><p>em verdade, não de vínculo parental biológico, mas do (inequívoco) vínculo</p><p>parental socioafetivo entre a autora e a criança, já reconhecido, aliás, no</p><p>agrado de instrumento que fixou as visitas, antes do pacto judicial.</p><p>de seu marido era indispensável, sendo a entrada da</p><p>mulher na casa de seu marido a melhor prova. Destaca-se que a</p><p>indissolubilidade do casamento e a monogamia foram impostas pela</p><p>Igreja. Essa situação em relação à família perdurou durante o apogeu do</p><p>império, quando ele começou a declinar; já dividido entre império do</p><p>oriente e império do ocidente, surgiu um novo elemento, que influenciou</p><p>o conceito de família, o cristianismo, que gerou uma diminuição do poder</p><p>do pater familias sobre seus membros, permitindo que a mulher e os</p><p>filhos se tornassem mais independentes e menos subordinados. A partir</p><p>dessa nova concepção os romanos passaram a entender que o afeto se</p><p>fazia necessário não só no momento de celebração do casamento, como</p><p>também durante toda a sua existência. Todavia, além das regras oriundas</p><p>do poder Imperial a concretização do casamento passou a ser</p><p>influenciado pela igreja, que atribuiu ao ato o caráter de sacramento,</p><p>sendo Deus o responsável pela união entre homem e mulher, dando</p><p>origem ao Direito Canônico (Gonçalves, 2018; Siqueira, 2010).</p><p>Nesse seguimento, emergiram novos modos de formação da família,</p><p>abrindo espaço ao concubinato. No Direito Romano, o concubinato</p><p>representava uma das quatro formas de união entre pessoas de sexo</p><p>diferente, sendo, todavia, embora comum e frequente, tratado com</p><p>inferioridade em relação ao casamento, pois não havia a affectio maritalis</p><p>e a honor matrimonii. Embora não fosse proibido e nem atentatório à</p><p>moral, não era reconhecido como instituto jurídico, ficando restrito a um</p><p>fato social. No período clássico, o concubinato não gerava efeitos</p><p>jurídicos, admitindo-se apenas doações à concubina e a legitimação dos</p><p>filhos naturais no direito justinianeu. Tais concessões feitas pelo direito</p><p>romano, ainda que dissipadas com o tempo, fizeram com que o</p><p>concubinato recebesse tratamento mais dignificante, não sendo mais</p><p>vinculado à devassidão e à prostituição. Por sua vez, no baixo Império, o</p><p>concubinato tornou-se verdadeiro casamento inferior, embora lícito. Já</p><p>com os imperadores cristãos começou a receber o reconhecimento</p><p>jurídico. Em Roma, o concubinato consistia na convivência more uxório,</p><p>não incestuosa nem adulterina, de um homem e uma mulher não unidos</p><p>pelo vínculo do matrimônio; era legalmente reconhecido, desde que as</p><p>partes não fossem casadas e não tivessem outros concubinos. Ademais,</p><p>nos últimos anos do Império romano do ocidente, ou seja, nos primeiros</p><p>séculos do cristianismo, o direito canônico não desconhecia totalmente o</p><p>concubinato como instituição legal, tendo o Concílio de Toledo, realizado</p><p>no ano 400, autorizado o concubinato de caráter perpétuo. A Igreja</p><p>Católica dos primeiros tempos foi tolerante com o concubinato, tendo o</p><p>Direito Canônico atribuindo-lhe determinados efeitos limitados, sem,</p><p>todavia, institucionalizá-lo (Graeff, 2012; Siqueira, 2010).</p><p>Conceito de família na Idade Média: na Idade Média, o conceito de</p><p>família passou pela forte determinação e influência da Igreja. Assim, as</p><p>relações familiares foram regidas à luz do Direito Canônico,</p><p>compreendido como sendo o ordenamento jurídico da Igreja Católica</p><p>Apostólica Romana. Dessa forma, a família passou a ser constituída</p><p>exclusivamente pelo casamento religioso, sob a concepção de</p><p>sacramento, consolidada na livre e espontânea vontade dos nubentes.</p><p>Esse novo conceito de família decorreu da queda do Império Romano,</p><p>dividindo o poder do pater familias do Direito Romano com a mulher, a</p><p>quem coube a responsabilidade pela administração doméstica e pela</p><p>educação dos filhos. Como o Cristianismo era reconhecido como</p><p>religião oficial de quase todos os povos civilizados, o culto familiar</p><p>deslocou-se para as capelas, deixando o pater familias de ser o seu</p><p>sacerdote, perdendo a família parte de suas funções. No início, a Igreja</p><p>Católica não se opunha às outras formas de constituição da família que</p><p>não o casamento (Russo, 2005; Wald, 2002).</p><p>Contudo, a partir da Idade Média, todas as regras para a família</p><p>passaram a emanar da Igreja, autoridade máxima na Europa medieval,</p><p>pois era a única que interpretava a vontade de Deus. Por ter o controle</p><p>do certo e do errado, por ser a voz de Deus na terra, o poder da Igreja</p><p>não conhecia fronteiras, só ela coroava reis e rainhas. Com tanto poder</p><p>não demorou para suas doutrinas e dogmas se difundirem por toda</p><p>Europa. A fé cristã e o poder da Igreja estavam cimentados nos principais</p><p>reinos europeus; o papado detinha o maior poder no continente, pois</p><p>tinha os reis e seus exércitos nas mãos. O Cristianismo, então</p><p>representado com exclusividade pela Igreja de Roma, reconheceu na</p><p>família uma entidade religiosa, transformando o casamento, para os</p><p>católicos, num sacramento, impondo a forma pública de celebração,</p><p>criando o dogma do matrimônio/sacramento. A família foi convertida em</p><p>célula-mãe da Igreja, hierarquizada e organizada a partir da figura</p><p>masculina. Nessa época, eram reconhecidas somente as famílias oriundas</p><p>do sagrado casamento, indissolúvel, entre homem e mulher. A concepção</p><p>canônica de família determinou o tratamento jurídico da matéria e sua</p><p>influência se estendeu ao período posterior à instituição do Estado laico.</p><p>Contudo, destaca-se que, apesar de a Igreja Católica defender o</p><p>casamento, admitia-se o concubinato em determinadas situações (Rocha,</p><p>2009; Siqueira, 2010).</p><p>Outrossim, nesse período da história, a família era a única garantia de</p><p>assistência recíproca e amparo entre seus membros doentes, inválidos e</p><p>impossibilitados de prover o próprio sustento, uma vez que produzia</p><p>todos os bens necessários à sobrevivência, incluindo-se alimentos, peças</p><p>do vestuário, armas e ajuda moral e psicológica aos seus membros.</p><p>Nessa época, o Estado era representado pelos senhores feudais que se</p><p>fechavam em seus feudos, vivendo da exploração de camponeses que</p><p>dependiam de suas terras para a sobrevivência. Desse modo, enquanto</p><p>instituição legítima, a família se destinava à reprodução, sendo que o</p><p>sexo dentro do casamento tinha dois objetivos: a geração de filhos e a</p><p>satisfação do desejo masculino, pois a mulher era considerada incapaz de</p><p>sentir prazer. Além do Direito Canônico e das influências do Direito</p><p>Romano, já na Idade Média, o conceito de família passou por</p><p>transformações em decorrência do Direito Bárbaro, considerado atrasado</p><p>em relação ao Direito Romano. Por sua vez, o Direito Bárbaro seguia</p><p>mais a linha ideológica do Direito Canônico, pois os povos bárbaros</p><p>adotaram o Cristianismo como religião. Dentre os povos bárbaros, o</p><p>Direito Germânico merece destaque pelas influências nas relações</p><p>familiares. Dessa forma, a família germânica baseava-se no pátrio poder,</p><p>sendo que o homem exercia o poder, mas dividia as atribuições com a</p><p>mulher. Ressalta-se que a principal mudança de paradigmas da</p><p>Antiguidade para a Idade Média foi a influência social da Igreja Católica</p><p>nas relações sociais na Europa Ocidental e nas organizações familiares</p><p>(Gama, 2001).</p><p>Conceito de família na Idade Moderna: a partir do crescimento da fé</p><p>islâmica e do surgimento de pensamentos e revoluções que afrontavam a</p><p>autoridade da Igreja, o papado começou a perder força. Como a Igreja</p><p>Católica se mostrava incomodada com essa situação, procurou patrocinar</p><p>a corrida dos reinos da Europa por novos territórios e novas rotas de</p><p>comércio, como forma de se fortalecer e expandir sua influência. Desse</p><p>modo, o catolicismo acompanhou os colonizadores e se espalhou, agora,</p><p>não só em um continente, mas por todo o globo, levando consigo, seus</p><p>dogmas, ritos e o direito canônico. Com isso, nativos dos mais variados</p><p>continentes foram doutrinados, convertidos à fé cristã e ensinados que a</p><p>família só poderia vir do santo casamento. E assim, o Direito Canônico se</p><p>enraizou praticamente no mundo todo, tanto é verdade que é possível</p><p>perceber essa influência, ainda hoje, em quase todos os ordenamentos</p><p>jurídicos, mesmo a maioria deles sendo laico. Sob a visão do Direito</p><p>Canônico, a família passou a ser percebida</p><p>Ademais,</p><p>não há, nos autos, comprovação de que o convívio entre o infante e a autora</p><p>possa trazer prejuízo ao menor, pois, embora determinada a avaliação</p><p>psicológica, e nomeada profissional, a demandada deixou de efetuar o</p><p>pagamento. Nesse contexto, não havendo, no feito, comprovação de</p><p>resistência do menor quanto ao convívio com a autora, e nem mesmo que este</p><p>convívio possa trazer prejuízo ao infante, e apenas resistência da mãe</p><p>biológica, após a separação da companheira, em manter a visitação ao infante,</p><p>não há como ser obstaculizada a visitação avençada (TJRS. AC nº</p><p>70057350092 RS. Sétima Câmara Cível. Relator: Liselena Schifino Robles</p><p>Ribeiro. Julgado em: 11/06/2014). (Rio Grande do Sul, 2014)</p><p>Outrossim, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, em Apelação</p><p>Civil nº 00014059820158140028/PA, de Belém, reconheceu o direito de</p><p>visita ao pai socioafetivo, pois restou demonstrado que ele assumiu a</p><p>função de pai e aos olhos daquele filho foi verdadeiramente seu pai,</p><p>esclarecendo que a paternidade é um elo afetivo que não pode ser</p><p>apagado, devendo manter-se a convivência entre pais e filhos</p><p>socioafetivos, pois o afeto tem valor jurídico. Esclareceu que o</p><p>reconhecimento da paternidade socioafetiva, não obsta o direito da</p><p>criança de ter reconhecida também sua filiação biológica, e estar sujeita</p><p>as consequências legais de tal reconhecimento, como segue:</p><p>Civil e processo civil. Apelação. Ação de oferecimento de alimentos c/c direito</p><p>de visita. Sentença de procedência. Insurgência recursal da genitora alegando</p><p>que o alimentante não é pai biológico da criança. Paternidade socioafetiva</p><p>reconhecida. Direito da criança e do genitor socioafetivo de convivência.</p><p>Proteção. Recurso conhecido e desprovido. 1 - In casu, que mesmo que a</p><p>certeza científica aponte para a ausência de paternidade biológica,</p><p>demonstrada está a paternidade socioafetiva, corroborada pelo que consta na</p><p>peça vestibular do autor, que deixou claro que manteve uma relação de afeto</p><p>com a mãe da criança por três anos, e que ama o menor como filho, porém, a</p><p>genitora não permite a sua convivência com a criança. Afirmou ainda, já em</p><p>sede de contrarrazões que mesmo não sendo o pai biológico, não tem a</p><p>intenção de modificar e retirar a filiação do seu assento de nascimento, versão</p><p>que foi corroborada pelo Relatório do Conselho Tutelar anexado à fl. 26. 2 -</p><p>Convém esclarecer a recorrente que a paternidade não é algo passageiro, que</p><p>a pessoa usufrui por determinado tempo e, quando já não mais lhe convém,</p><p>deixa de lado, ou pior, tenta fazer desaparecer o que se constituiu. A</p><p>paternidade é um elo afetivo que jamais poderá ser apagado, pelo que entendo</p><p>inadmissível que a genitora apelante queira negar o direito do apelado de</p><p>prestar alimentos e conviver com uma criança que amou, cuidou, assumiu a</p><p>função de pai e aos olhos daquele filho foi verdadeiramente seu pai. Portanto,</p><p>a filiação se estabeleceu justamente pelo afeto durante a convivência, e, aqui,</p><p>o afeto tem valor jurídico. 3 - Impende ainda destacar que caso seja negado a</p><p>paternidade afetiva, a criança restará sem nenhuma referência paterna ao</p><p>longo de sua formação, já não poderá ter convívio com seu pai biológico, que</p><p>faleceu no ano do seu nascimento, bem como não privará dos laços paternos</p><p>construídos nos seus primeiros anos de vida com o recorrido, que apesar de</p><p>saber que não possui vínculo genético com a criança, o registrou e lhe</p><p>devotou amor, carinho e atenção, atitude digna de nota. 4 - Destarte, em prol</p><p>dos interesses do menor envolvido, a paternidade em questão deve</p><p>permanecer ileso, eis que a filiação socioafetiva existente entre eles se</p><p>sobrepõe à vontade unilateral da genitora em excluir a paternidade. 5 - De</p><p>outra banda, impende destacar a recorrente que o reconhecimento da</p><p>paternidade socioafetiva conforme consignado na sentença guerreada não</p><p>obsta o direito da criança de ter reconhecida também sua filiação biológica, e</p><p>estar sujeito as consequências legais de tal reconhecimento, inclusive dos</p><p>direitos sucessórios. 6 - Recurso conhecido e desprovido. [...] (TJ-PA - AC:</p><p>00014059820158140028 BELÉM, Relator: Edinea Oliveira Tavares, Data de</p><p>Julgamento: 06/11/2018, 2ª Turma de Direito Privado, Data de Publicação:</p><p>06/11/2018). (Pará, 2018)</p><p>Ressalta-se que o direito de visita se estende aos avós, biológicos e</p><p>socioafetivos, de modo a garantir o direito de convivência com os netos,</p><p>podendo visitá-los regularmente. Ademais, o Enunciado nº 333, da IV</p><p>Jornada de Direito Civil, estabelece que o direito de visita pode ser</p><p>estendido aos avós e a pessoas com as quais a criança ou o adolescente</p><p>mantenha vínculo afetivo, atendendo ao seu melhor interesse (Conselho</p><p>de Justiça Federal, 2012).</p><p>Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios,</p><p>em Agravo de Instrumento nº AGI: 20150020140642/DF, reconheceu</p><p>que a convivência e o resgate de vínculo afetivo com avó é direito da</p><p>criança, como segue:</p><p>Agravo de instrumento. Direito constitucional. Direito de família. Visitação</p><p>avoengo. Ação de regulamentação de visitas. Avó socioafetiva. Cabimento.</p><p>Rotina. Restabelecer vínculo com o menor. Necessário alterar regime de</p><p>visitação. Recurso conhecido e provido. Decisão reformada. 1. A convivência</p><p>e resgate de vínculo afetivo com avó é direito da criança. Entretanto,</p><p>primeiramente, se faz necessária análise das circunstâncias concretas. 2. A</p><p>redução dos dias e dos horários da visitação merece amparo, pois, de fato,</p><p>passar seis horas durante todos os finais de semana em ambientes como</p><p>shopping Center, configura-se demasiadamente desgastante. 3. Utilizando os</p><p>critérios de necessidade e conveniência e diante ao caso concreto, é preciso a</p><p>redução do horário de visitação avoenga, eis que imprescindível o</p><p>restabelecimento do vínculo entre o menor e avó socioafetiva. Para isso, faz-</p><p>se necessário um retorno gradual da convivência, devendo haver uma</p><p>assiduidade mínima. 4. Recursos conhecidos e parcialmente providos. Decisão</p><p>reformada. (TJ-DF - AGI: 20150020140642, Relator: Romulo de Araújo</p><p>Mendes, Data de Julgamento: 21/10/2015, 1ª Turma Cível, Data de</p><p>Publicação: Publicado no DJE: 06/11/2015. Pág.: 209). (Distrito Federal, 2015)</p><p>Nesse sentido, verifica-se que o direito de visitas está fundamentado</p><p>nos princípios de afetividade e do melhor interesse da criança e do</p><p>adolescente, uma vez que se trata de instituto que visa preservar o</p><p>convívio da criança e do adolescente com aqueles com quem possuem</p><p>vínculo afetivo. Entende-se que o real valor jurídico está na verdade</p><p>afetiva e não na verdade biológica, porque essa, quando desligada do</p><p>afeto e da convivência, representa um efeito da natureza, que pode ser</p><p>fruto do acaso e ponto de rejeição (Gonçalves, 2018; Madaleno, 2019).</p><p>Dever de sustento e obrigação alimentar: o dever dos pais de alimentar</p><p>e o direito dos filhos de receber alimentos, independe da origem desses,</p><p>pois conforme o Código Civil (art. 1.695) os alimentos são devidos</p><p>quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover,</p><p>pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam,</p><p>pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. Ademais,</p><p>se a parentalidade socioafetiva se estende a ponto de dar novos</p><p>ascendentes, descendentes e colaterais aos envolvidos, entende-se que</p><p>haverá mais pessoas a prestar alimentos, uma vez que os parentes</p><p>podem pleitear o direito uns aos outros (art. 1.694, CC). Nesse sentido, a</p><p>tendência é reconhecer a concorrência da obrigação alimentar do pai</p><p>registral, do biológico e do pai socioafetivo, podendo-se reivindicar</p><p>alimentos do genitor biológico, diante da impossibilidade econômico-</p><p>financeira do pai socioafetivo, que tem amor, mas não tem dinheiro;</p><p>assim como é possível que esse encargo seja exercido pelo pai</p><p>socioafetivo, ou, ainda, dependendo da situação, poderá haver a</p><p>necessidade de complementação da verba alimentar por um deles. Nesse</p><p>sentido, a finalidade dos alimentos é assegurar o direito à vida, sendo que</p><p>as pessoas necessitadas, que não têm parentes, ficam protegidas pelo</p><p>Estado. Dessa forma, torna-se indiferente a comprovação da paternidade</p><p>biológica, visto não ser fator considerável para esquivar-se do dever de</p><p>sustento para com o filho, assim como, na paternidade socioafetiva, a</p><p>obrigação alimentar deriva do reconhecimento, voluntário ou não (Brasil,</p><p>2002; Cassettari, 2017; Dias, 2020; Lima, 2011; Lôbo, 2017; Wald, 2002).</p><p>Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em</p><p>Agravo de Instrumento nº 4012978-05.2017.8.24.0000/SC, de Balneário</p><p>Camboriú, manifestou entendimento esclarecendo que a ausência de</p><p>vínculo biológico não exonera, de pleno direito, o pai socioafetivo, quando</p><p>evidenciada a paternidade socioafetiva, da obrigação alimentar, pois o</p><p>dever de prestar alimentos independe da existência ou não de vínculo</p><p>biológico, como segue:</p><p>Agravo de instrumento. Ação negatória de paternidade c/c retificação de</p><p>registro civil e exoneração de alimentos. Pedido de suspensão da exigibilidade</p><p>da verba alimentar e do decreto de prisão proferido em ação de execução de</p><p>alimentos até resultado do exame de DNA. Tutela indeferida. Irresignação do</p><p>autor. Resultado do exame que, muito embora possa afastar o vínculo</p><p>biológico, não derrui, de pleno direito, o vínculo socioafetivo. Recurso</p><p>conhecido e desprovido. A inexistência de vínculo biológico não exonera o</p><p>Agravante, de pleno direito, da obrigação alimentar, que prevalecerá caso seja</p><p>evidenciada a paternidade socioafetiva. Destarte, a suspensão da exigibilidade</p><p>da verba alimentar e, consequentemente do decreto de prisão em caso de</p><p>inadimplemento, neste momento processual, não é de ser declarada,</p><p>mantendo-se ileso, portanto, a decisão agravada. (TJSC, Agravo de</p><p>Instrumento n. 4012978-05.2017.8.24.0000, de Balneário Camboriú, rel. Des.</p><p>Joel Figueira Júnior, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 15-02-2018). (Santa</p><p>Catarina, 2018)</p><p>Desse modo, verifica-se que não é suficiente se basear na previsão</p><p>legal dos alimentos, assim como não é possível condicionar a imposição</p><p>do encargo à presença de uma situação adequada a paradigmas pré-</p><p>estabelecidos, mas é necessário identificar a presença do vínculo afetivo</p><p>para solucionar o conflito. Dessa forma, a filiação baseada no afeto,</p><p>quando presentes os requisitos que caracterizam o seu reconhecimento,</p><p>não pode ficar desprotegida da lei, devendo-se garantir a possibilidade de</p><p>o filho afetivo receber prestação alimentícia, sendo que a prevalência do</p><p>vínculo afetivo sobre o biológico e o civil deve se refletir no dever de</p><p>prestar alimentos. Nesse sentido, estabelece o Enunciado 341, da IV</p><p>Jornada de Direito Civil, pelo qual: 341 – art. 1.696: Para os fins do art.</p><p>1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação</p><p>alimentar (Conselho da Justiça Federal, 2012; Dias, 2020; Conselho da</p><p>Justiça Federal, 2012).</p><p>Direitos sucessórios: a desbiologização do parentesco em prol de</p><p>vínculos socioafetivos não deve se situar, exclusivamente, no plano</p><p>teórico e na afirmação de princípios, mas produzir efeitos práticos no</p><p>ordenamento jurídico como um todo, repercutindo, inclusive, nos direitos</p><p>sucessórios. A atribuição ao filho socioafetivo do direito sucessório</p><p>consiste na capacidade por ele adquirida para herdar ab intestato do pai e</p><p>da mãe e os parentes deste. Entretanto, embora a filiação socioafetiva</p><p>pressuponha uma relação de parentesco edificada sobre a caracterização</p><p>do estado de posse de filho, não têm previsão legal, cabendo ao Juiz</p><p>aplicar o posicionamento mais adequado ao caso concreto, havendo</p><p>divergências nas decisões dos juízes em todo o Brasil, quanto aos efeitos</p><p>patrimoniais. Contudo, o que já se faz consolidado, é a improcedência do</p><p>pedido, quando o objetivo da busca pelo reconhecimento da parentalidade</p><p>socioafetiva estiver relacionado, exclusivamente, com a pretensão</p><p>patrimonial (ação argentária – o que ocorre nas ações investigatórias post</p><p>mortem, em que o filho busca o reconhecimento do parentesco biológico,</p><p>exclusivamente, para receber herança do pai falecido). Por outro lado,</p><p>quando essa situação não se configura, outorga-se o direito à sucessão,</p><p>uma vez que a filiação socioafetiva gera efeitos jurídicos por si só, desde</p><p>que estejam presentes na relação os pressupostos que caracterizam a</p><p>posse de estado de filho. Nesse caso, ainda que não haja o</p><p>reconhecimento por via judicial, e sobrevenha o falecimento do pretenso</p><p>pai ou mãe, cabe ao Juiz julgar o caso de modo a proteger a relação</p><p>paterno-filial. Dessa forma, o filho socioafetivo, ao lado dos demais</p><p>descendentes, quando da morte de seu pai, será considerado herdeiro</p><p>necessário, ocupando o primeiro lugar na ordem de vocação hereditária</p><p>(arts. 1.845 e 1.829, I, CC), pois tanto os filhos consanguíneos como os</p><p>socioafetivos possuem os mesmos direitos e os mesmos deveres;</p><p>possuem a mesma capacidade sucessória e ocupam a mesma posição de</p><p>herdeiros necessários. Assim, a garantia do direito sucessório aos filhos</p><p>socioafetivos está fundamentada no princípio constitucional da igualdade</p><p>dos filhos, sendo vedada qualquer discriminação em relação à</p><p>paternidade ou maternidade, seja ela biológica ou por outra origem,</p><p>incluindo-se a filiação socioafetiva (Brasil, 2002; Bastos, 2016;</p><p>Cassettari, 2017; Dias, 2020; Lima, 2011; Nader, 2016; Pereira, 2017).</p><p>Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em</p><p>Agravo de Instrumento nº 10024143396489001/MG, de Belo Horizonte,</p><p>manifestou entendimento explicando que a filiação socioafetiva constitui</p><p>umas das modalidades de parentesco civil (art. 1.583, CC), sendo</p><p>proibida qualquer espécie de discriminação decorrente desta relação (art.</p><p>1.582, CC), uma vez que a parentalidade socioafetiva abrange</p><p>responsabilidades, de ordem moral e patrimonial, devendo ser</p><p>assegurados os direitos hereditários decorrentes da comprovação da</p><p>posse de estado de filho, como segue:</p><p>Agravo de instrumento. Direito de família. Direito sucessório. Ação</p><p>declaratória de filiação/ paternidade socioafetiva post mortem.</p><p>Reconhecimento da filiação socioafetiva. Vedação de discriminação moral ou</p><p>patrimonial. Asseguração dos direitos hereditários decorrentes da eventual</p><p>comprovação do estado de filiação. Regra geral: reserva do quinhão</p><p>hereditário. Exceção: modificação substancial na forma de partilha de bens.</p><p>Respeito à ordem de vocação hereditária. De acordo com a legislação civil, a</p><p>filiação socioafetiva constitui umas das modalidades de parentesco civil (artigo</p><p>1.583 do CC/02), sendo vedado qualquer tipo de discriminação decorrente</p><p>desta relação (artigo 1.582 do CC/02), sejam eles de caráter moral ou</p><p>patrimonial. Conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a</p><p>paternidade engloba diversas responsabilidades, de ordem moral ou</p><p>patrimonial, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da</p><p>comprovação do estado de filiação (REsp, 1618230/RS, Rel. Ministro Ricardo</p><p>Villas Boas Cueva, Terceira Turma, julgado em 28/03/2017, DJe 10/05/2017).</p><p>Em regra, a determinação de reserva de quinhão se mostra medida</p><p>suficientemente apta a resguardar os interesses dos pretensos herdeiros até a</p><p>resolução definitiva da ação na qual se discute o reconhecimento dos estado</p><p>de filiação (2º, do artigo 628 do CPC/15). Nas hipóteses em que,</p><p>excepcionalmente, o reconhecimento da filiação socioafetiva implicar, por</p><p>força da ordem de vocação hereditária (artigo, 1.829 do CC/02), substancial</p><p>modificação na forma da partilha dos bens, é recomendada a suspensão do</p><p>inventário em curso (alínea a, do inciso V, do artigo 313 do CPC/15). No caso,</p><p>com o eventual acolhimento da pretensão deduzida pelo pretenso filho</p><p>socioafetivo, a ordem de vocação hereditária será substancialmente alterada,</p><p>irradiando afeitos sobre o desfecho patrimonial do inventário, já que o autor</p><p>da herança o teria como único herdeiro (inciso I, do artigo 1.829, do CC/02), o</p><p>que autoriza a suspensão do processo de inventário (TJMG- Agravo de</p><p>Instrumento</p><p>nº 10024143396489001. Relator: Ana Paula Caixeta. Julgado em:</p><p>10/04/2018). (Minas Gerais, 2018)</p><p>Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em</p><p>Apelação Civil nº 03004210320158240080/SC, de Xanxerê, reconheceu a</p><p>paternidade socioafetiva entre os envolvidos, post mortem, uma vez que</p><p>restou configurada a posse de estado de filho, pela comprovação dos</p><p>requisitos concernentes ao nome, ao trato e à fama, com todas as suas</p><p>consequências patrimoniais e extrapatrimoniais, incluindo-se a sua</p><p>condição de herdeiro necessário do falecido, para fins de repartição da</p><p>herança. Esclareceu que o estabelecimento da igualdade entre os filhos,</p><p>biológicos ou adotivos, calcada na afeição e na dignidade humana,</p><p>soterrou definitivamente a ideia da filiação genética como modelo único</p><p>de paternidade ou maternidade, impondo-se o acolhimento, no espectro</p><p>legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre</p><p>os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem</p><p>que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor</p><p>interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos, como</p><p>segue:</p><p>Apelação cível. Ação declaratória de paternidade socioafetiva. Autores que,</p><p>desde a tenra idade, foram criados pelo padrasto, que casado com a mãe</p><p>biológica deles manteve-se até vir a óbito. Relação que perdurou por quase</p><p>trinta anos, durante os quais as partes dispensaram-se recíproco tratamento</p><p>paterno-filial. Relação havida entre os litigantes que evidencia inegável posse</p><p>de estado de filho pelos autores. Existência da paternidade biológica</p><p>devidamente registrada que não é óbice ao reconhecimento concomitante da</p><p>filiação socioafetiva. Tese n. 622 do STF em julgamento com reconhecida</p><p>repercussão geral. Apelo conhecido e provido. (STF, RE n. 898.060. Rel. Min.</p><p>Luiz Fux, j. 21.9.2016). O estabelecimento da igualdade entre os filhos,</p><p>biológicos ou adotivos, calcada justamente na afeição que orienta as noções</p><p>mais comezinhas de dignidade humana, soterrou definitivamente a ideia da</p><p>filiação genética como modelo único que ainda insistia em repulsar a</p><p>paternidade ou maternidade originadas unicamente do sentimento de amor</p><p>sincero nutrido por alguém que chama outrem de filho e ao mesmo tempo</p><p>aceita ser chamado de pai ou de mãe. Uma relação afetiva íntima e duradoura,</p><p>remarcada pela ostensiva demonstração pública da relação paterno-filial,</p><p>merece a respectiva proteção legal, resguardando direitos que não podem ser</p><p>afrontados por conta da cupidez oriunda de disputa hereditária. “A paternidade</p><p>responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na</p><p>perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o</p><p>acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela</p><p>relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da</p><p>ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro</p><p>vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento</p><p>jurídico de ambos” (STF, RE n. 898.060. Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.9.2016). (TJ-</p><p>SC - AC: 03004210320158240080 Xanxerê 0300421-03.2015.8.24.0080,</p><p>Relator: Jorge Luis Costa Beber, Data de Julgamento: 07/02/2019, Primeira</p><p>Câmara de Direito Civil). (Santa Catarina, 2019a)</p><p>Por outro lado, em outra decisão, o Tribunal de Justiça do Estado de</p><p>Santa Catarina, em Apelação Civil nº 0302459-47.2014.8.24.0007, de</p><p>Biguaçu, não reconheceu a paternidade socioafetiva post mortem, por</p><p>considerar que não ficou caracterizada a posse de estado de filho, como</p><p>também pela ausência de qualquer ato em vida por parte dos falecidos</p><p>indicando o reconhecimento da filiação, não podendo se admitir o</p><p>propósito de obtenção de vantagem patrimonial, quando esse for o</p><p>objetivo exclusivo da pretensão ao reconhecimento da parentalidade</p><p>socioafetiva, como segue:</p><p>Direito de família. Ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva post</p><p>mortem. Sentença de procedência. Apelo dos réus, espólios dos supostos</p><p>genitores socioafetivos. Vínculo de socioafetividade não demonstrado. Acervo</p><p>probatório insuficiente para comprovar a existência da posse do estado de</p><p>filho. Declarações unilaterais de terceiros sem eficácia probatória, já que não</p><p>submetidas ao contraditório. Apresentação de fotografias que não</p><p>demonstram grande proximidade entre as partes. Depoimentos das</p><p>testemunhas, por sua vez, conflitantes. Vizinhos que indicaram que o autor</p><p>era tido pelo casal como filho. Depoimentos de pessoas próximas ao casal,</p><p>contudo, que atestaram que o autor era apenas um funcionário do casal, o qual</p><p>nunca esteve presente em momentos de confraternização. Inexistência,</p><p>finalmente, de qualquer ato em vida por parte dos falecidos indicando o</p><p>reconhecimento da filiação. Encargo probatório não suficientemente</p><p>desempenhado. Aplicação do art. 373, i, do cpc. Inversão do ônus</p><p>sucumbenciais e fixação de honorários recursais. Sentença reformada.</p><p>Recursos providos. (Santa Catarina, Superior Tribunal de Justiça. Apelação</p><p>cível n° 0302459-47.2014.8.24.0007, Relator: Desembargador Marcus Tulio</p><p>Sartorato. Data de julgamento: 19/03/2019. Terceira Câmara de Direito Civil).</p><p>(Santa Catarina, 2019d)</p><p>Dessa forma, a afetividade ganhou contornos sociais e jurídicos que</p><p>lhe conferem importância na construção da identidade da família e seu</p><p>reconhecimento como entidade. Sendo assim, as constantes</p><p>transformações da sociedade impõem que novas diretrizes para o Direito</p><p>de família sejam criadas para se responder os questionamentos acerca</p><p>dos efeitos jurídicos que serão gerados em função dos novos arranjos</p><p>familiares, que decorrerem de origens diversas. Desse modo, se as</p><p>famílias se encontram em mudanças contínuas, é necessário se</p><p>acompanhar a realidade, pois o Direito não pode ficar à margem da</p><p>sociedade. Nesse sentido, é no direito das sucessões que os reflexos dos</p><p>novos conceitos se agigantam, pois, uma vez reconhecida a filiação</p><p>socioafetiva decorrem todos os direitos inerentes, inclusive o direito à</p><p>condição de herdeiro, ainda que post mortem (Dias, 2020; Tartuce, 2012).</p><p>CAPÍTULO�5��O�RECONHECIMENTO�DA</p><p>MULTIPARENTALIDADE</p><p>A sociedade contemporânea é composta por diversos tipos de famílias</p><p>e o ordenamento jurídico brasileiro assegura a livre (des)constituição</p><p>familiar. Dentre essa pluralidade familiar, encontram-se as famílias</p><p>reconstruídas, onde se verificam múltiplos vínculos parentais, biológicos</p><p>e afetivos, que unem pais e mães, filhos e enteados, advindos de relações</p><p>anteriores e os presentes nas famílias recompostas. Destaca-se que o</p><p>vínculo afetivo é critério admitido pela doutrina e pela jurisprudência</p><p>para estabelecer a relação de parentesco entre partes que convivem com</p><p>afeto, carinho e respeito mútuo, numa verdadeira relação paterno-filial</p><p>que se apresenta no mundo dos fatos; e, considerando que o parentesco</p><p>biológico não deixa de existir ainda que reconhecida a paternidade ou</p><p>maternidade socioafetiva, é possível a inclusão de mais de dois pais e/ou</p><p>mães no registro civil de nascimento dos filhos, o que configura a</p><p>multiparentalidade, que se consubstancia na existência de mais de uma</p><p>pessoa nos polos materno e paterno, sendo que a figura que o pai e a mãe</p><p>representam não necessariamente sejam os próprios genitores. A</p><p>multiparentalidade configura-se como um novo modo de preservar os</p><p>laços construídos entre familiares afetivos, sem que seja necessária a</p><p>desvinculação do vínculo biológico, constituindo o instituto que</p><p>reconhece a coexistência de vínculos parentais biológicos e afetivos com</p><p>relação a um mesmo filho, podendo a entidade familiar ser composta de</p><p>dois pais e uma mãe, ou um pai e duas mães, ou ainda dois pais e duas</p><p>mães, simultaneamente produzindo efeitos jurídicos e sociais em relação</p><p>a todos eles. Nessa linha, a multiparentalidade representa a consonância</p><p>entre a filiação biológica e afetiva, fazendo com que uma pessoa possa ter</p><p>mais de um pai ou uma mãe, ou ambos, considerando-se a possibilidade</p><p>de ter pai e/ou mãe biológicos e pai e/ou mãe socioafetivos, sendo que</p><p>um vínculo não sobrepuja o outro, possibilitando a inclusão de ambos os</p><p>pais no registro civil dos filhos (Cassettari, 2017; Dias, 2020; Farias e</p><p>Rosenvald, 2017; Gonçalves, 2018; Reis, 2015; Rodrigues e Teixeira,</p><p>2010; Zamataro, 2013).</p><p>Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em Apelação</p><p>Civil nº 70029363918/RS, de Santa Maria, manifestou entendimento</p><p>esclarecendo que não deve haver prevalência entre a paternidade</p><p>socioafetiva e a paternidade biológica, pois ambas são iguais e fazem</p><p>parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e</p><p>ontológica, como segue:</p><p>Apelação cível. Ação de investigação de paternidade. Presença da relação de</p><p>socioafetividade. Determinação do pai biológico através do exame de DNA.</p><p>Manutenção do registro com a declaração da paternidade biológica.</p><p>Possibilidade. Teoria tridimensional. Mesmo havendo pai registral, o filho tem</p><p>o direito constitucional de buscar sua filiação biológica (CF, § 6º do art. 227),</p><p>pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O estado de filiação é a</p><p>qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece</p><p>um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-</p><p>se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, e 227</p><p>da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da</p><p>convivência familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade</p><p>biológica podem se sobrepor uma à outra. Ambas as paternidades são iguais,</p><p>não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem parte da condição</p><p>humana tridimensional, que é genética, afetiva e ontológica. Apelo Provido.</p><p>(TJRS; Apelação Cível 70029363918; Oitava Câmara Cível; Rel. Des. Claudir</p><p>Fidélis Faccenda; J. 7.5.2009).(Rio Grande do Sul, 2009)</p><p>Nesse sentido, entende-se que se o ordenamento jurídico brasileiro</p><p>admite a existência de arranjos familiares distintos da concepção</p><p>tradicional de família, não cabe decidir entre a filiação biológica e a</p><p>socioafetiva, se o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos</p><p>constituir o melhor interesse da criança ou do adolescente. Desse modo,</p><p>a multiparentalidade consiste na soma de filiações, pela qual um</p><p>indivíduo pode ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe no registro civil</p><p>de nascimento, a depender do reconhecimento jurídico, sem que haja</p><p>hierarquia entre eles, quer em relação aos pais socioafetivos ou os</p><p>biológicos, legitimando a paternidade e/ou a maternidade estabelecida</p><p>por ambos os critérios: biológico ou afetivo. Esse instituto se tornou uma</p><p>realidade no ordenamento jurídico brasileiro, a partir da compreensão de</p><p>que paternidade e maternidade são funções exercidas sem a necessidade</p><p>da presença do vínculo biológico, pois pode se basear na socioafetividade,</p><p>visando o melhor interesse da criança, do adolescente e dos pais,</p><p>estabelecendo o equilíbrio da relação existente entre os pais biológicos e</p><p>os pais socioafetivos. A multiparentalidade pode advir de famílias</p><p>recompostas, em que se verificam relações entre pais e mães, padrastos</p><p>e madrastas, filhos e enteados, convivendo em harmonia como membros</p><p>de uma família; ou pai biológico que não tem conhecimento do filho, que,</p><p>por sua vez, é reconhecido por outra pessoa (Cassettari, 2017; Pereira,</p><p>2017; Teixeira e Rodrigues, 2010).</p><p>1. Conceito e configuração da multiparentalidade</p><p>A multiparentalidade consiste na possibilidade de uma pessoa ter</p><p>reconhecida sua filiação afetiva aliada à manutenção de sua filiação</p><p>biológica, ou o inverso, representando uma alternativa nos casos em que</p><p>a exclusão de um dos vínculos parentais cause prejuízos irreparáveis</p><p>para as partes envolvidas. Esse fenômeno ocorre quando há essa relação</p><p>socioafetiva entre o indivíduo e o suposto pai, e em conjunto com a</p><p>filiação biológica entre o filho e seu genitor consanguíneo. Trata-se da</p><p>possibilidade de tanto o filho quanto o genitor, seja este biológico ou</p><p>afetivo, valerem-se dos princípios da dignidade da pessoa humana e da</p><p>afetividade para estabelecer ou manter vínculos parentais. É uma forma</p><p>de cumular, também, os direitos jurídicos morais e patrimoniais daquele</p><p>indivíduo em relação aos pais biológicos e afetivos, tendo em vista de</p><p>que, ao se reconhecer a multiparentalidade, um tipo de parentesco não</p><p>pode excluir o outro. Trata-se do reconhecimento e legitimação da</p><p>paternidade e/ou maternidade, da figura que cria o filho como se seu</p><p>fosse, sem que haja a desconsideração da filiação biológica, havendo,</p><p>então, a coexistência das duas formas de filiação, sem que haja prejuízo a</p><p>nenhuma delas, pois gera benefícios ao indivíduo que é amparado por</p><p>dois pais ou duas mães, recebendo cuidados, carinho e amor em dobro. A</p><p>multiparentalidade é uma alternativa de tutela jurídica para o fenômeno</p><p>da liberdade de desconstituição familiar e formação de famílias</p><p>reconstituídas, pois se os vínculos de parentalidade biológicos ou afetivos</p><p>forem rompidos, a pessoa, principalmente a criança e o adolescente têm</p><p>mecanismos para garantir seus direitos fundamentais, preservando seu</p><p>desenvolvimento pleno, gerando os mesmos efeitos do parentesco</p><p>biológico ou civil (Dias, 2020; Madaleno, 2019; Póvoas, 2012).</p><p>Dessa forma, entende-se que a multiparentalidade é uma forma de</p><p>reconhecimento das relações familiares que já existem na prática, sem</p><p>desconsiderar a biológica, pois o reconhecimento da multiparentalidade</p><p>possibilita a coexistência da filiação biológica e da filiação construída pelo</p><p>afeto. O reconhecimento da multiparentalidade decorre da presença dos</p><p>vínculos biológico e socioafetivos, originando as responsabilidades,</p><p>direitos e deveres dos pais em relação aos filhos e desses em face a seus</p><p>pais, pelo estabelecimento do poder familiar, coexistindo duas famílias</p><p>para o mesmo filho, sem haver prevalência de uma sobre a outra. Desse</p><p>modo, os direitos e garantias constitucionais inerentes a ambas as</p><p>famílias devem persistir em detrimento de quaisquer conflitos que</p><p>possam haver, não sendo recomendado submeter a criança ou o</p><p>adolescente à escolha entre as duas famílias, para se evitar prejuízos a</p><p>eles nessa relação, considerando-se comportamento irresponsável e</p><p>inconstitucional a tentativa de fazer prevalecer a parentalidade biológica</p><p>em detrimento da socioafetiva. Sendo assim, justifica-se o</p><p>reconhecimento da multiparentalidade em função da necessidade de se</p><p>estabelecer a igualdade entre a filiação biológica e socioafetiva, devendo</p><p>ambas coexistirem por serem distintas em sua origem de parentesco,</p><p>pois o instituto da multiparentalidade é sinônimo de legitimação de</p><p>paternidade e/ou maternidade de uma pessoa que possui afeição por</p><p>outra, tendo por objetivo a inclusão dos nomes dos pais e ou mães</p><p>socioafetivos no registro civil de nascimento dos filhos sem a exclusão</p><p>dos nomes dos biológicos. O reconhecimento da paternidade e da</p><p>maternidade genética ou socioafetiva é direito da personalidade,</p><p>indisponível, imprescritível, intangível e fundamental à existência</p><p>humana. A certidão de nascimento é o documento que demonstra a</p><p>multiparentalidade, pois inclui os nomes dos pais biológicos e dos pais</p><p>socioafetivos no registro civil do filho. Desse modo, não se deve buscar</p><p>compreender o ser humano com base no direito registral, que prevê a</p><p>existência de um pai e uma mãe, mas na realidade da vida de quem tem,</p><p>simultaneamente, pais biológicos e socioafetivos, atendendo-se aos</p><p>princípios fundamentais da cidadania, da afetividade, da convivência em</p><p>família genética e afetiva e da dignidade humana, que estão</p><p>compreendidos na condição humana tridimensional (Cassettari, 2017;</p><p>Dias, 2020; Farias e Rosenvald, 2017; Leite; Murta, 2017; Póvoas, 2012;</p><p>Reis, 2015; Teixeira e Rodrigues, 2010).</p><p>Destaca-se que o reconhecimento da multiparentalidade passou a ser</p><p>possível a partir da Constituição Federal/1988 (art. 227 § 6º), ao instituir</p><p>o princípio da igualdade entre os filhos, vedando quaisquer</p><p>discriminações entre eles, independentemente da origem da filiação, em</p><p>consonância com o Código Civil/2002 (art. 1.593), pelo qual o parentesco</p><p>é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.</p><p>Por isso, o reconhecimento judicial da multiparentalidade não consiste</p><p>necessariamente em uma ação judicial específica, pois não há legislação</p><p>específica nem expressa permissão legal no atual Código Civil, somente</p><p>a construção doutrinária e jurisprudencial. Entretanto, a falta de lei não</p><p>pode prejudicar a proteção integral a quem tem garantido</p><p>constitucionalmente o direito à convivência familiar. Desse modo, quando</p><p>a lei for omissa, o juiz deve decidir o caso conforme a analogia, os</p><p>costumes e os princípios gerais de direito (art. 4º, LINDB/1942), não</p><p>podendo o juiz se eximir de julgar a lide sob a alegação de lacuna ou</p><p>obscuridade do ordenamento jurídico brasileiro (art. 140, CC). Nessa</p><p>perspectiva, ainda que não haja previsão legal expressa, o</p><p>reconhecimento da multiparentalidade decorre da aplicação dos</p><p>princípios constitucionais basilares do Direito de família: da dignidade da</p><p>pessoa humana, da afetividade, da igualdade entre os filhos,</p><p>considerando-se o indivíduo, tanto em sua dimensão material, quanto</p><p>existencial, e, principalmente, o princípio do melhor interesse da criança</p><p>e do adolescente, quando se trata de conflito entre pais registrais,</p><p>biológicos e socioafetivos. Ademais, destaca-se que o Supremo Tribunal</p><p>Federal, no Recurso Especial nº 898.060/2016, reconheceu a</p><p>possibilidade jurídica de inclusão de dois pais e/ou duas mães no registro</p><p>civil de nascimento do filho (Brasil, 1942; Brasil, 1988; Brasil 2002;</p><p>Brasil, 2016; Dias, 2020; Gonçalves, 2018; Leite e Murta, 2017; Teixeira;</p><p>Rodrigues, 2010).</p><p>Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em</p><p>Apelação Civil nº 0006422-26.2011.8.26.0286/2012/SP, de São Paulo,</p><p>reconheceu a multiparentalidade, ao preservar a maternidade biológica e</p><p>admitir a maternidade socioafetiva, decorrente da comprovação da posse</p><p>do estado de filho, baseada em longa e estável convivência, aliada ao</p><p>afeto e considerações mútuos e sua manifestação pública, como também</p><p>considerando que a família moderna não-consanguínea tem sua base na</p><p>afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da</p><p>solidariedade, como segue:</p><p>Maternidade Socioafetiva – Preservação da Maternidade Biológica – Respeito</p><p>à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família</p><p>– Enteado criado como filho desde dois anos de idade – Filiação socioafetiva</p><p>que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de</p><p>filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações</p><p>mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não</p><p>conhece, de que se trata de parentes – A formação da família moderna não-</p><p>consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da</p><p>pessoa humana e da solidariedade – Recurso provido (TJSP – Apelação Cível</p><p>0006422-26.2011.8.26.0286, Relator Alcides Leopoldo, 1ª Câmara de Direito</p><p>Privado, j. 14/08/2012, DJe 14/08/2012). (São Paulo, 2012)</p><p>Ressalta-se que o reconhecimento da multiparentalidade constitui ato</p><p>irretratável, irrevogável e indisponível de forma voluntária, uma vez que</p><p>essas relações familiares se envolvem de segurança jurídica. Por isso,</p><p>existem alguns critérios relacionados à legitimidade, aos laços biológico</p><p>e afetivo e à demonstração do vínculo de afetividade, que devem ser</p><p>analisados. Desse modo, a legitimidade para requerer o direito de</p><p>perseguir o conhecimento da verdade familiar biológica ou afetiva é do</p><p>filho, embora haja entendimentos jurisprudenciais consolidados no</p><p>sentido de permitir o pleito por todos os envolvidos na relação. Já o</p><p>segundo critério baseia-se na presença de laços biológicos ou afetivos,</p><p>uma vez que para a realização do primeiro registro civil de nascimento do</p><p>indivíduo é dispensável a comprovação de vínculo, pois, geralmente,</p><p>decorre de presunção legal; o mesmo não ocorre no segundo registro</p><p>que requer a comprovação do laço afetivo ou biológico entre as partes,</p><p>conforme o caso. Por sua vez, o terceiro critério se refere à</p><p>demonstração do vínculo de afetividade entre pais e filhos, sejam eles</p><p>biológicos ou socioafetivos, em consonância com os princípios e</p><p>garantias estabelecidos pela Constituição Federal/1988, de modo a evitar</p><p>abuso de direito, verificado por pessoas que buscam o reconhecimento</p><p>de parentalidades concomitantes visando, exclusivamente, ganhos</p><p>patrimoniais, sobretudo quando o ajuizamento da demanda se dá após a</p><p>morte do genitor (Cassettari, 2017; Leite; Murta, 2017; Madaleno, 2019;</p><p>Schwerz, 2015).</p><p>Por outro lado, o reconhecimento da multiparentalidade impede que o</p><p>pai biológico se esquive de seus deveres para com o filho, alegando que</p><p>este mantém relação paterno-filial com terceiro, ou ao contrário, que o</p><p>pai socioafetivo se utilize da existência da paternidade biológica para não</p><p>configurar juridicamente (ou se desfaça) a parentalidade socioafetiva.</p><p>Assim, nos casos em que o filho mantém relação paterno-filial com</p><p>ambos os pais, não se pode condicionar o registro da paternidade</p><p>socioafetiva com a desconstituição da paternidade biológica. Entende-se</p><p>que o momento é de superação da lógica binária de exclusão, que admite</p><p>somente uma espécie de filiação no caso concreto, para adotar-se uma</p><p>lógica que possa ser plural em alguns casos (Calderón, 2017; Gonçalves,</p><p>2018; Tartuce, 2018).</p><p>Nessa linha de entendimento, o Superior Tribunal de Justiça, em</p><p>Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº AgInt no AREsp:</p><p>962969 RJ 2016/0206069-3, reconheceu a possibilidade de ajuizamento</p><p>de ação de investigação de paternidade, mesmo na existência da</p><p>paternidade socioafetiva, pois essa não tem o condão de afastar a busca</p><p>pela verdade biológica do indivíduo, devendo se efetuar o registro civil do</p><p>pai biológico sem exclusão do pai socioafetivo, produzindo-se todos os</p><p>efeitos jurídicos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes do vínculo</p><p>de filiação, concomitantes nesse caso, como segue:</p><p>Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de</p><p>investigação de paternidade. Vínculo biológico. Coexistência. Paternidade</p><p>socioafetiva. Reconhecimento de filiação. Consequências patrimoniais e</p><p>extrapatrimoniais. Agravo interno não provido. 1. O Tribunal local</p><p>manifestou-se em consonância ao entendimento desta Corte Superior de</p><p>Justiça no sentido de ser possível o ajuizamento de ação de investigação de</p><p>paternidade, mesmo na hipótese de existência de vínculo socioafetivo, haja</p><p>vista que o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo,</p><p>indisponível e imprescritível, assentado no princípio da dignidade da pessoa</p><p>humana, podendo ser exercitado sem qualquer restrição em face dos pais, não</p><p>se havendo falar que a existência de paternidade socioafetiva tenha o condão</p><p>de obstar a busca pela verdade biológica da pessoa. 2. O registro efetuado pelo</p><p>pai afetivo não impede a busca pelo reconhecimento registral também do pai</p><p>biológico, cujo reconhecimento do vínculo de filiação com todas as</p><p>consequências patrimoniais e extrapatrimoniais, é seu consectário lógico. 3.</p><p>Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt no AREsp: 962969 RJ</p><p>2016/0206069-3. Relator: Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador</p><p>convocado do TRF 5ª Região). Data de julgamento: 18/09/2018, T4 – Quarta</p><p>Turma, data de publicação: DJE 24/09/2018). (Brasil, 2018a)</p><p>Nessa linha de entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado de</p><p>Santa Catarina, em Apelação Civil nº 0051262-24.2006.8.24.0005/SC, de</p><p>Balneário Camboriú, reconheceu o instituto da multiparentalidade, com</p><p>todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais,</p><p>esclarecendo que a paternidade socioafetiva não obsta a inclusão do</p><p>nome do pai biológico, no registro de nascimento do filho, onde consta o</p><p>nome do pai socioafetivo, uma vez que a identificação da</p><p>origem familiar,</p><p>por meio do patronímico, visa proteger os vínculos de parentesco e</p><p>ancestralidade, como segue:</p><p>Apelação cível e recurso adesivo. Ação anulatória c/c investigação de</p><p>paternidade e retificação de registro civil, regulamentação de visitas e oferta</p><p>de alimentos. Pai biológico que vindica retificação do registro para inserir seu</p><p>nome e excluir o pai afetivo da certidão de nascimento da filha. Sentença de</p><p>parcial procedência reconhecendo a possibilidade de manutenção de ambos os</p><p>pais (biológico e afetivo) na certidão da adolescente. Irresignação de ambas as</p><p>partes. (i) recurso principal interposto pelo réu. Filha nascida de</p><p>relacionamento amoroso extraconjugal mantido entre a genitora e o</p><p>requerente, enquanto esta vivia em união estável com o pai registral da</p><p>criança. Exame de DNA conclusivo. Vínculos afetivo e biológico confirmados.</p><p>Inclusão da filiação biológica com a manutenção da paternidade registral.</p><p>Possibilidade. Família multiparental. Atenção ao melhor interesse da</p><p>adolescente. “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro</p><p>público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante</p><p>baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e</p><p>extrapatrimoniais.” (RE n. 898.060/SC, rel. Min. Luiz Fux, j. em 24/8/2017).</p><p>Pedido de redistribuição do ônus de sucumbência. Inviabilidade. Encargo na</p><p>proporção de 70% para o réu e 30% para o autor. Manutenção devida.</p><p>Exegese do art. 21, caput, do CPC/15. (ii) apelo adesivo do autor. Pleito de</p><p>inclusão do sobrenome paterno biológico junto ao nome da filha. Acolhimento.</p><p>Direito à preservação das origens familiares. Motivo suficiente a autorizar o</p><p>acréscimo do sobrenome. “A identificação da origem familiar, por meio do</p><p>patronímico, visa proteger os vínculos de parentesco e de ancestralidade”</p><p>[...] TJSC – AC: 00512622420068240005, Balneário Camboriú,</p><p>0051262.24.2006.8.24.0005, Relator: José Agenor de Aragão, data de</p><p>julgamento: 04/04/2019. Quarta Câmara de Direito Civil. (Santa Catarina,</p><p>2019b)</p><p>Sendo assim, entende-se que devem ser considerados três critérios</p><p>para o reconhecimento da multiparentalidade:</p><p>- Legitimidade para requerer o reconhecimento da</p><p>multiparentalidade: qualquer um dos envolvidos diretamente na relação</p><p>parental, seja o pai/mãe biológico(a) ou socioafetivo(a) ou o filho, tem</p><p>legitimidade para pleitear a multiparentalidade, pois o reconhecimento</p><p>do estado de filiação não é direito apenas do filho, uma vez que a filiação</p><p>representa uma relação bilateral que possibilita aos pais também</p><p>requerê-lo, embora seja direito personalíssimo.</p><p>- Presença do critério biológico e/ou socioafetivo e o tipo de filiação</p><p>que se deseja reconhecer: deve-se demonstrar a existência de vínculo</p><p>biológico e/ou socioafetivo entre os que buscam o reconhecimento da</p><p>segunda ou consequente parentalidade, mas não basta apenas a</p><p>comprovação de que o elo biológico e/ou socioafetivo existe para se</p><p>conceder a multiparentalidade.</p><p>- Efetivação das garantias e dos princípios constitucionais: o</p><p>reconhecimento da multiparentalidade encontra fundamento nos</p><p>princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade</p><p>entre os filhos e pluralidade das entidades familiares; ou seja, a</p><p>declaração da multiparentalidade deve ocorrer para assegurar maior</p><p>efetividade às garantias e aos princípios constitucionais das pessoas</p><p>envolvidas; especialmente porque não se pode excluir, diante da</p><p>diversidade de modelos de família contemporânea, um tipo de</p><p>parentalidade em detrimento do outro, quando se verifica poder decorrer</p><p>de vínculos biológicos, jurídicos ou socioafetivos (Schwerz, 2015).</p><p>2. Reconhecimento da multiparentalidade e seus efeitos</p><p>jurídicos</p><p>O reconhecimento da multiparentalidade significa a legitimação da</p><p>parentalidade socioafetiva, em conjunto com a biológica e registral,</p><p>gerando efeitos jurídicos de ordem moral e patrimonial, segundo a</p><p>doutrina e a jurisprudência. Nesse sentido, destaca-se a tese de</p><p>Repercussão Geral nº 622/2016 aprovada pelo Supremo Tribunal Federal</p><p>e fixada no Recurso Extraordinário (RE) 898.060/2016, pela qual a</p><p>paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não</p><p>impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na</p><p>origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. Por sua vez, o</p><p>Enunciado nº 09/2013, do Instituto Brasileiro de Direito de Família,</p><p>estabelece que a multiparentalidade gera efeitos jurídicos. Ademais, por</p><p>força do princípio constitucional da igualdade entre filhos e entidades</p><p>familiares (art. 5º, CF), que veda a hierarquização entre as variadas</p><p>formas de família e tipos de parentesco, os efeitos decorrentes da</p><p>multiparentalidade devem se efetivar da mesma forma e extensão em</p><p>que se operam nos casos de entidades familiares biparentais, tanto no</p><p>âmbito pessoal quanto patrimonial, como também, em razão do princípio</p><p>da solidariedade, veda-se a diferenciação das consequências da</p><p>procedência da multiparentalidade ante as demais formas de perfilhação</p><p>(Brasil, 1988; Brasil, 2016; IBDFAM, 2021).</p><p>Assim sendo, o parentesco socioafetivo produz todos e os mesmos</p><p>efeitos do parentesco biológico, sendo que as obrigações e</p><p>responsabilidades advindas da relação de parentesco consolidada devem</p><p>ser de ambos os pais e/ou mães; e os filhos têm os mesmos direitos em</p><p>face de todos, sejam morais ou patrimoniais. Ademais, entende-se que o</p><p>reconhecimento da paternidade socioafetiva representa uma verdadeira</p><p>relação jurídica, que tem por fundamento o vínculo afetivo, capaz de</p><p>possibilitar à criança e ao adolescente, com amparo no princípio</p><p>constitucional da igualdade entre os filhos, a realização dos direitos</p><p>fundamentais da pessoa humana e daqueles que lhes são próprios, tais</p><p>como: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao</p><p>lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade</p><p>e à convivência familiar e comunitária, o que lhes garante o pleno</p><p>desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições</p><p>de liberdade e dignidade (Dias, 2020; Teixeira; Rodrigues, 2010).</p><p>Nesse seguimento, destacam-se os seguintes efeitos jurídicos em</p><p>face do reconhecimento da multiparentalidade: extensão do parentesco,</p><p>registro civil, guarda e direito de visitas (efeitos de ordem moral);</p><p>direitos (deveres) a alimentos e direito sucessório (efeitos de ordem</p><p>patrimonial).</p><p>Parentesco e registro civil do nome na multiparentalidade: o efeito da</p><p>multiparentalidade no estabelecimento do parentesco ocorre tanto em</p><p>relação aos pais biológicos e socioafetivos, como também em relação a</p><p>todos os parentes destes, em linha reta e colateral até o quarto grau,</p><p>possibilitando a adoção do nome das famílias e todos os efeitos</p><p>decorrentes. Desse modo, os efeitos impeditivos existentes na filiação</p><p>biológica também serão aplicados na multiparentalidade, como no caso de</p><p>casamento entre pais e filhos socioafetivos e entre parentes até o</p><p>terceiro grau, não distinção entre parentesco biológico e socioafetivo.</p><p>Sendo assim, é possível ter dois pais e/ou duas mães no registro civil,</p><p>sem exclusão do nome dos pais biológicos, pois não se pode negar que</p><p>não reconhecer a relação paterno-filial por inexistência do liame</p><p>biológico, fere a dignidade da mãe ou do pai socioafetivo, violando o</p><p>princípio da afetividade (Póvoas, 2012).</p><p>Nessa linha de entendimento, o Tribunal de Justiça do Distrito</p><p>Federal e Territórios, em Apelação Cível nº 0003593-</p><p>61.2016.8.07.0016/DF, reconheceu a possibilidade da coexistência dos</p><p>vínculos com os pais socioafetivos e com a mãe biológica, esclarecendo</p><p>que o reconhecimento da multiparentalidade é medida que se impõe,</p><p>uma vez que também não restava qualquer oposição de nenhuma das</p><p>partes, obtendo-se, assim, a dupla maternidade, com a inclusão de duas</p><p>mães no registro civil de nascimento do filho, como segue:</p><p>Constitucional e família. Ação de reconhecimento de filiação socioafetiva com</p><p>registro de multiparentalidade. Vínculo</p><p>biológico preexistente.</p><p>Reconhecimento simultâneo do vínculo socioafetivo. Dupla maternidade.</p><p>Possibilidade. Tese fixada pelo STF com repercussão geral. Sentença</p><p>reformada. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao conceder repercussão geral ao</p><p>tema n. 622, no leading case do RE 898060/SC, entendeu que a paternidade</p><p>socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o</p><p>reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem</p><p>biológica, com efeitos jurídicos próprios. 2. Consoante se infere do referido</p><p>julgado, houve uma mudança no entendimento sobre o tema da</p><p>multiparentalidade, em virtude da constante evolução do conceito de família,</p><p>que reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à</p><p>luz do sobre princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca</p><p>da felicidade. 3. In casu, constatada a coexistência de dois vínculos afetivos;</p><p>quais sejam, com os pais socioafetivos e com a mãe biológica, não havendo</p><p>qualquer oposição de nenhuma das partes sobre o reconhecimento da</p><p>multiparentalidade, o seu reconhecimento é uma medida que se impõe. 4.</p><p>Recurso provido. Sentença reformada. (TJDF 20160110175077 – Segredo de</p><p>Justiça 0003593-61.2016.8.07.0016. Relator: Josapha Francisco do Santos,</p><p>Data de Julgamento: 25/10/2017, 5ª Turma Cível. Data de publicação:</p><p>Publicado no DJE: 14/11/2017, p. 521/525). (Distrito Federal, 2017)</p><p>Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina,</p><p>em Apelação Civil nº 0300248-18.2015.8.24.0067/SC, de São Miguel do</p><p>Oeste, reconheceu a multiparentalidade destacando o entendimento do</p><p>Supremo Tribunal Federal no RE nº 898.060/2016, pelo qual a</p><p>paternidade responsável, enunciada expressamente na Constituição</p><p>Federal (art. 226 § 7º), na perspectiva constitucional da dignidade</p><p>humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro</p><p>legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre</p><p>os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem</p><p>que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor</p><p>interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos, como</p><p>segue:</p><p>Apelação cível. Família. Ação de investigação de paternidade c/c alimentos. -</p><p>procedência na origem. Recurso do réu. Exame genético. Laudo positivo. Pai</p><p>registral. Paternidade socioafetiva. Vínculo diverso. Concomitância.</p><p>Irrelevância. Multiparentalidade. Melhor interesse da criança e do</p><p>adolescente. Paternidade responsável. STF. Repercussão geral. - “A</p><p>paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da</p><p>Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade,</p><p>impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação</p><p>construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles</p><p>originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um</p><p>ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o</p><p>reconhecimento jurídico de ambos”. (STF, RE n. 898.060, rel. Min. Luiz Fux.</p><p>j. em 21/09/2016) Sentença Mantida. Recurso Desprovido (Apelação Cível nº</p><p>0300248-18.2015.8.24.0067, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça de SC,</p><p>Relator: Desembargador Henry Petry Junior. Julgado em 20/02/2017). (Santa</p><p>Catarina, 2017)</p><p>Nesse sentido, a multiparentalidade ou pluriparentalidade é a</p><p>possibilidade de concomitância ou simultaneidade na determinação da</p><p>filiação de uma mesma pessoa, ou seja, trata-se da possibilidade de uma</p><p>pessoa ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe simultaneamente,</p><p>gerando efeitos jurídicos e sociais em relação a todos eles a um só</p><p>tempo, pois a filiação socioafetiva não pode excluir a filiação biológica</p><p>porque se tratam de critérios diferentes, admitindo-se o duplo vínculo de</p><p>paternidade ou maternidade, especialmente quando um deles for</p><p>socioafetivo e o outro biológico ou civil. Dessa forma, o reconhecimento</p><p>jurídico da multiparentalidade se exterioriza a partir da alteração do</p><p>registro civil de nascimento, sendo que essa consequência confere</p><p>segurança jurídica às relações familiares. Destaca-se que a Lei de</p><p>Registros Públicos dispõe sobre a inclusão do nome do padrasto no</p><p>assento de nascimento do enteado, sem modificação do poder familiar do</p><p>pai biológico. Desta forma, podem ser adotadas as seguintes formas de</p><p>registro de nascimento, independentemente da mudança no direito</p><p>registral: a) o filho poderá acrescer ao seu o nome dos pais genéticos e</p><p>afetivos; b) caberá ao filho o direito de adotar a ordem do nome dos pais</p><p>genéticos ou afetivos; c) fazer constar do registro de nascimento o nome</p><p>dos pais e avós genéticos e afetivos; d) fazer constar da certidão de</p><p>nascimento apenas o nome dos pais com que o filho é conhecido no meio</p><p>social, fazendo-se o registro da paternidade genética ou afetiva não na</p><p>certidão de nascimento, e sim no Cartório de Registro Civil (Dias, 2020;</p><p>Farias e Rosenvald, 2017).</p><p>Guarda e visita na multiparentalidade: considera-se o princípio do</p><p>melhor interesse da criança e do adolescente e o princípio da afetividade</p><p>para se estabelecer a guarda e o direito de visita na multiparentalidade.</p><p>Por isso, a criança ou o adolescente deve permanecer com aquele(a)</p><p>pai/mãe, biológico ou socioafetivo, com quem possui relacionamento</p><p>mais harmonioso, podendo ser estabelecida a guarda unilateral ou</p><p>compartilhada (Povoas, 2012).</p><p>Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em Agravo</p><p>de Instrumento nº AI: 70068699842/RS, de Rosário do Sul, manifestou</p><p>entendimento esclarecendo que a guarda da infante deveria ser provida</p><p>pelos pais socioafetivos, ainda que provisória, em função do princípio do</p><p>melhor interesse, estabelecido na Constituição Federal e no Estatuto da</p><p>Criança e do Adolescente, tendo em vista que ela se encontrava em</p><p>ambiente familiar e social mais bem adaptado com os seus pais</p><p>socioafetivos, o que lhe proporcionava maior segurança e tranquilidade,</p><p>como segue:</p><p>Agravo de instrumento. Guarda provisória. Pais socioafetivos. Manutenção. 1.</p><p>A genitora pretende a reversão da decisão liminar que concedeu a guarda</p><p>provisória do infante a terceiros, que exercem o papel de pais socioafetivos</p><p>deste há mais de 3 (três) anos. 2. Em decorrência do princípio do melhor</p><p>interesse do menor, insculpido na Constituição Federal e no ECA, urge a</p><p>necessidade de se preservar o máximo possível a estabilidade psíquica e</p><p>emocional do infante, diante de uma sucessão de eventos graves e</p><p>traumáticos, como a separação dos genitores, a morte violenta do pai e a</p><p>modificação abrupta de guarda por 2 (duas) vezes consecutivas. 3. Por essa</p><p>razão, tem-se como melhor para o infante a manutenção da decisão liminar</p><p>que concedeu a sua guarda provisória aos seus pais socioafetivos, com os</p><p>quais o menor parece ter um ambiente familiar e social ao qual se encontra</p><p>melhor adaptado e que lhe proporciona maior segurança e tranquilidade.</p><p>Negaram provimento. Unânime. (TJRS – AI: 70068699842 RS. Relator: Luiz</p><p>Felipe Brasil Santos, julgado em 07/07/2016, Oitava Câmara Civil, data de</p><p>publicação: Diário da Justiça do dia 13/07/2016). (Rio Grande do Sul, 2016)</p><p>Por sua vez, o direito de visitas é protegido constitucional e</p><p>infraconstitucionalmente, sendo deferido na multiparentalidade do</p><p>mesmo modo que nos casos de biparentalidade, quando a guarda</p><p>compartilhada não é a opção adotada. Esse direito assegura que o pai ou</p><p>a mãe, biológico ou socioafetivo, em cuja guarda não estejam os filhos,</p><p>possa visitá-los e tê-los em sua companhia, garantindo o direito à</p><p>convivência familiar entre pais e filhos, podendo se estender aos avós,</p><p>irmãos, padrastos e demais parentes, biológicos ou socioafetivos, o que</p><p>possibilita desfrutar do afeto positivo existente entre eles, fundamental e</p><p>necessário para que possam viver e desenvolver-se em todos os</p><p>aspectos, principalmente no que diz respeito à capacidade de lidar com</p><p>os próprios sentimentos e emoções. Além disso, o direito de visita</p><p>permite àquele que não está com a guarda dos filhos fiscalizar</p><p>sua</p><p>manutenção e educação. Desse modo, o estabelecimento da guarda e do</p><p>direito de visita na multiparentalidade deve considerar o princípio do</p><p>melhor interesse da criança conjuntamente com o princípio da</p><p>afetividade, os quais devem ser analisados minuciosamente para que</p><p>esses direitos sejam assegurados a todos os envolvidos na relação</p><p>familiar, possibilitando que pais e filhos estabeleçam elos de convivência</p><p>com todos os envolvidos (Bosch, 2005; Diniz, 2012; Lôbo, 2017; Povoas,</p><p>2012).</p><p>Direito/dever a alimentos na multiparentalidade: a prestação alimentar</p><p>tem característica de ordem pública, em razão de sua importância e de</p><p>seu objetivo de perpetuar a vida e a saúde, sendo devida,</p><p>independentemente se os genitores os são por afetividade ou</p><p>consanguinidade e não sendo relevante o caráter bi ou multiparental.</p><p>Entende-se que a obrigação alimentar decorrente da multiparentalidade</p><p>não se difere daquela estabelecida a partir da relação da biparentalidade</p><p>ou de outras das espécies de paternidade ou maternidade afetiva</p><p>reconhecidas judicialmente, pois é consequência do parentesco. Desse</p><p>modo, tanto com relação ao pai biológico quanto ao pai afetivo, o direito à</p><p>prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a</p><p>todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau,</p><p>uns em falta de outros, conforme preceitua o Código Civil (art. 1.696).</p><p>Nessa linha, o Enunciado nº 341 do Conselho de Justiça Federal</p><p>estabeleceu que para fins do artigo 1.696, a relação socioafetiva pode ser</p><p>elemento gerador de obrigação alimentar. Sendo assim, mesmo não</p><p>havendo previsão legal, a prestação alimentar é necessária para uma vida</p><p>digna; uma vez criado o vínculo de parentalidade, cabe aos pais, sejam</p><p>biológicos ou afetivos, o dever de prestar alimentos aos filhos, e a esses,</p><p>a seus pais. Entende-se que na multiparentalidade o filho pode requerer</p><p>alimentos de qualquer um dos pais, atendendo o princípio do melhor</p><p>interesse, presente no Estatuto da Criança e do Adolescente, o que tem</p><p>o liame de contribuir para o desenvolvimento da criança ou do</p><p>adolescente e não o seu prejuízo. Ademais, essa obrigação é recíproca,</p><p>desde que haja a necessidade alimentar de um lado e de outro a</p><p>possibilidade de fornecer. Neste sentido, caso os pais biológicos e/ou</p><p>afetivos necessitem de auxílio alimentar, cabe ao filho ofertá-los, dentro</p><p>de suas capacidades, para ambos (Brasil, 2002; Conselho de Justiça</p><p>Federal, 2012; Mendes e Queiroz, 2015; Póvoas, 2012).</p><p>Nessa perspectiva, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina,</p><p>em Apelação Civil nº 03026749320158240037/SC, de Joaçaba, manifestou</p><p>entendimento reconhecendo a multiparentalidade, esclarecendo que se</p><p>produzem os efeitos jurídicos quanto ao nome, à herança, à guarda, à</p><p>visitação e aos alimentos, em face de todos os pais (biológicos e</p><p>socioafetivos) concomitantemente, permitindo-se que a criança exerça</p><p>seus direitos em relação a todos. Esclareceu que a fixação de alimentos</p><p>para o pai socioafetivo é medida possível, pois não se exclui sua</p><p>responsabilidade mesmo que a criança seja registrada também com o</p><p>nome do pai biológico; destacando que o reconhecimento da</p><p>multiparentalidade caracteriza-se pela inclusão do pai e/ou mãe</p><p>biológicos e socioafetivos no registro civil de nascimento do filho, com</p><p>todas as consequências decorrentes destas parentalidades, incluindo-se o</p><p>direito aos alimentos, como segue:</p><p>Apelação civil. Ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos.</p><p>Demanda ajuizada contra a genitora e o pai socioafetivo. Prova pericial (exame</p><p>de DNA). Paternidade biológica do autor comprovada. Sentença de</p><p>improcedência. Magistrado que entendeu pela prevalência da paternidade</p><p>socioafetiva. Recurso do demandante. Pleito de reconhecimento da</p><p>multiparentalidade. Viabilidade. Reconhecimento neste grau de jurisdição da</p><p>dupla parentalidade. Determinação de retificação do registro civil para constar</p><p>o nome do pai biológico com a manutenção do pai socioafetivo. Vínculo</p><p>socioafetivo que não exclui o biológico. Possibilidade de coexistência de</p><p>ambos. Prevalência interesse da criança. Tese firmada em repercussão geral.</p><p>Fixação de alimentos a pedido do autor. Recurso conhecido e provido. “A</p><p>paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da</p><p>Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade,</p><p>impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação</p><p>construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles</p><p>originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um</p><p>ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o</p><p>reconhecimento jurídico de ambos” (STF, RE n. 898.060. Rel. Min. Luiz Fux,</p><p>j. 21.9.2016). (TJSC – AC: 03026749320158240037 Joaçaba 0302674-</p><p>93.2015.8.24.0037. Relator: Saul Steil. Data de julgamento: 17/04/2018.</p><p>Terceira Câmara de Direito Civil). (Santa Catarina, 2018)</p><p>Desse modo, é possível que o dever de alimentos seja atribuído tanto</p><p>ao pai biológico quanto ao pai socioafetivo, assim como dos pais em</p><p>relação ao filho biológico ou socioafetivo, estendendo-se a obrigação</p><p>alimentar aos parentes socioafetivos.</p><p>Direitos sucessórios na multiparentalidade: a multiparentalidade trata</p><p>das situações em que o indivíduo possui mais de uma mãe ou mais de um</p><p>pai, formando três linhas parentais. Desse modo, reconhecido os</p><p>múltiplos vínculos familiares, passam a ser parentes em linha reta,</p><p>descendente e ascendente, assegurados pela lei como herdeiros</p><p>legítimos e necessários, capazes de participar da ordem hereditária na</p><p>sucessão, uma vez que o direito sucessório é uma das decorrências da</p><p>filiação (seja qual for) e, como tal, é inerente à filiação socioafetiva. Com</p><p>isso, deverão ser aplicadas todas as regras sucessórias existentes na</p><p>legislação, equiparando os pais socioafetivos aos biológicos. Nesse</p><p>sentido, o reconhecimento da multiparentalidade implica em uma nova</p><p>relação de parentesco estabelecida entre o pai e/ou a mãe e o filho, que</p><p>produz efeitos sucessórios. Desse modo, no momento da transmissão da</p><p>herança cria-se uma linha de sucessão para cada pai ou mãe que o filho</p><p>tiver, figurando como herdeiro necessário de todos os pais e ou mães.</p><p>Quanto à sucessão dos ascendentes, na ausência de descendentes, todos</p><p>aqueles que figurarem como pais do mesmo filho são considerados</p><p>herdeiros no mesmo nível de igualdade, concorrendo com eventual</p><p>cônjuge ou companheiro sobrevivente. Desse modo, o filho tem direito à</p><p>herança de quantos pais e/ou mães tiver, sem nenhum tipo de empecilho</p><p>ou impedimento que o diferencie de outros filhos em razão da origem de</p><p>sua relação. O reconhecimento dos direitos de sucessão ocorre em</p><p>consonância com a ordem de vocação hereditária (arts. 1829 a 1847, CC).</p><p>No caso de haver divergências dos pais/mães em relação aos direitos de</p><p>sucessão devem ser aplicadas as mesmas disposições estabelecidas para</p><p>as relações hétero e homossexuais convencionais, ou seja, os conflitos</p><p>devem ser resolvidos por via judicial, sem distinção ou hierarquização</p><p>entre os genitores biológicos e socioafetivos. Destaca-se que o filho</p><p>socioafetivo tem o direito de pleitear o reconhecimento judicial de tal</p><p>filiação a qualquer tempo, seja vivo ou já falecido o pai ou a mãe;</p><p>entretanto, algumas decisões não são favoráveis, sob o argumento de que</p><p>a ação objetiva somente o interesse patrimonial, ou seja, visa somente a</p><p>quota do direito hereditário. Sendo assim, considerando-se o princípio do</p><p>melhor interesse da criança e do adolescente, na multiparentalidade</p><p>todos os pais são herdeiros do filho, e o filho é herdeiro de todos os pais;</p><p>da mesma forma se estabelece entre o filho e os ascendentes e com os</p><p>parentes colaterais até o quarto grau. Destaca-se que, embora figurem</p><p>dois pais e uma mãe ou duas mães e um pai, as sucessões destes não se</p><p>comunicam entre si, salvo àqueles que já são cônjuges ou companheiros,</p><p>conforme ocorre na sucessão comumente (Cassettari, 2017;</p><p>Goulart,</p><p>2013; Mendes e Queiroz, 2015; Póvoas, 2012; Pretto, 2014).</p><p>Nessa perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso</p><p>Especial nº REsp:1618230 RS 2016/0204124-4, reconheceu a</p><p>multiparentalidade, esclarecendo que a existência de vínculo com o pai</p><p>registral não é obstáculo ao exercício do direito de busca da origem</p><p>genética; o reconhecimento do estado de filiação configura direito</p><p>personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado</p><p>sem restrição, contra os pais ou seus herdeiros. Ainda, ressaltou que</p><p>diversas responsabilidades de ordem moral ou patrimonial são inerentes</p><p>à paternidade, devendo ser assegurados os direitos hereditários</p><p>decorrentes da comprovação do estado de filiação. Nessa perspectiva, a</p><p>Corte reconheceu o direito do filho a receber a herança do pai biológico,</p><p>através de uma ação de reconhecimento de paternidade biológica, sendo</p><p>que já havia recebido o patrimônio de seu pai socioafetivo, destacando</p><p>que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº</p><p>898.060, com repercussão geral reconhecida, admitiu a coexistência</p><p>entre as parentalidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer</p><p>interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos, como segue:</p><p>Recurso especial. Direito de família. Filiação. Igualdade entre filhos. Art. 227,</p><p>§ 6º, da CF/1988. Ação de investigação de paternidade. Paternidade</p><p>socioafetiva. Vínculo biológico. Coexistência. Descoberta posterior. Exame de</p><p>DNA. Ancestralidade. Direitos sucessórios. Garantia. Repercussão geral. STF.</p><p>1. No que se refere ao Direito de Família, a Carta Constitucional de 1988</p><p>inovou ao permitir a igualdade de filiação, afastando a odiosa distinção até</p><p>então existente entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos (art. 227, § 6º,</p><p>da Constituição Federal). 2. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso</p><p>Extraordinário nº 898.060, com repercussão geral reconhecida, admitiu a</p><p>coexistência entre as paternidades biológica e a socioafetiva, afastando</p><p>qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos. 3. A</p><p>existência de vínculo com o pai registral não é obstáculo ao exercício do</p><p>direito de busca da origem genética ou de reconhecimento de paternidade</p><p>biológica. Os direitos à ancestralidade, à origem genética e ao afeto são,</p><p>portanto, compatíveis. 4. O reconhecimento do estado de filiação configura</p><p>direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado,</p><p>portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros. 5.</p><p>Diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, são inerentes à</p><p>paternidade, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da</p><p>comprovação do estado de filiação. 6. Recurso especial provido. (STJ-</p><p>REsp:1618230 RS 2016/0204124-4, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas</p><p>Cueva, Data de Julgamento: 28/03/2017, T3 – Terceira Turma, Data de</p><p>Publicação: DJE 10/05/2017). (Brasil, 2017)</p><p>No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina,</p><p>em Apelação Civil nº 0020475-50.2009.8.24.0023/SC, da Capital, proferiu</p><p>decisão reconhecendo o direito patrimonial ao filho, que buscou</p><p>investigação de paternidade post mortem do pai biológico, mantendo</p><p>também a filiação socioafetiva já existente, sob o argumento de que a</p><p>jurisprudência moderna aponta pela viabilidade de reconhecer ambos os</p><p>vínculos de filiação concomitantemente, como segue:</p><p>Apelações cíveis. Ação de investigação de paternidade post mortem. Sentença</p><p>de procedência. Irresignação dos réus. Pedido de desistência atinente a um</p><p>dos recursos. Possibilidade, conforme previsão do artigo 998 do novo Código</p><p>de Processo Civil. Não conhecimento do reclamo que se impõe. Interposição</p><p>de recurso pelo espólio do falecido. Ilegitimidade passiva. Recurso não</p><p>conhecido em relação a este apelante. Mérito. Prevalência da paternidade</p><p>socioafetiva sobre o vínculo biológico. Impossibilidade. Jurisprudência</p><p>moderna que aponta pela viabilidade de reconhecer ambos os vínculos de</p><p>filiação concomitantemente. Precedente do stf em sede de repercussão geral</p><p>consagrando a tese da multiparentalidade. Atribuição dos efeitos patrimoniais,</p><p>ademais, que constitui consequência do reconhecimento da paternidade.</p><p>Sentença mantida. Recurso conhecido, com exceção do interposto pelo</p><p>espólio, e desprovido. (TJSC, Apelação Cível n. 0020475-50.2009.8.24.0023,</p><p>da Capital, rel. Des. Eduardo Mattos Gallo Júnior, Primeira Câmara de Direito</p><p>Civil, j. 14-09-2017). (Santa Catarina, 2017a)</p><p>Destaca-se que, no caso de multiparentalidade superveniente,</p><p>situação em que novas relações familiares são admitidas às já existentes,</p><p>há divergências quanto à possibilidade desses novos herdeiros</p><p>receberem a herança, se ocorrer o reconhecimento post mortem dos laços</p><p>afetivos. Entretanto, o fato de um filho poder herdar de vários</p><p>ascendentes não significa uma inconstitucionalidade; assim,</p><p>independentemente da origem do vínculo familiar, na multiparentalidade,</p><p>o filho é herdeiro necessário e legítimo de ambos os pais (biológicos e</p><p>socioafetivos), o que não caracteriza ofensa à norma jurídica, mas</p><p>garantia do princípio da igualdade entre os filhos. Dessa forma, podem</p><p>haver o ajuizamento de ações de investigação de paternidade, com vistas</p><p>aos efeitos sucessórios, cabendo ao magistrado verificar a existência ou</p><p>não do abuso de direito e as atitudes antagônicas à boa-fé objetiva. Dessa</p><p>forma, a garantia do reconhecimento da paternidade biológica ou</p><p>socioafetiva, com a ocorrência dos efeitos patrimoniais, não se constitui</p><p>como direito absoluto, pois se sujeita às ponderações, quanto a outros</p><p>direitos tutelados pela Constituição Federal, cabendo ao julgador avaliar</p><p>o caso concreto, não se podendo presumir tratar-se de interesse</p><p>meramente patrimonial, pois o direito à herança é garantido aos pais e</p><p>filhos biológicos e socioafetivos. Assim, se reconhecida judicialmente a</p><p>filiação socioafetiva em coexistência com a biológica, gerando a</p><p>multiparentalidade, o direito sucessório deverá ser aplicado conforme a</p><p>lei prevê, beneficiando a relação socioafetiva da mesma forma que a</p><p>biológica (Morais, 2016; Pereira, 2017; Schreiber, 2016).</p><p>Direitos dos pais multiparentais na sucessão dos seus filhos: o</p><p>reconhecimento da filiação socioafetiva cria laços de parentesco com toda</p><p>a família dos pais socioafetivos, passando a ter avós, irmãos, tios e</p><p>primos; esse filho assume o parentesco tanto em linha reta quanto</p><p>colateral; a nova relação criada entre pais e filhos socioafetivos produz</p><p>vínculos de parentesco iguais aos existentes na esfera biológica, aptos a</p><p>gerar as mesmas consequências sucessórias destinadas a todas as figuras</p><p>dessa relação, seja entre avó e neto, pai e filho, filho e irmão.</p><p>Desta forma, na hipótese de falecimento de um dos pais do filho</p><p>multiparental, esse tem direito à herança, como filho, como um membro</p><p>da prole; da mesma forma deve ocorrer de modo inverso. Nessa</p><p>perspectiva, quando falece um filho multilateral, sem descendentes,</p><p>devem os pais socioafetivos e biológicos ter o direito à herança,</p><p>conforme o que determina o Código Civil em relação a esses últimos. Do</p><p>mesmo modo, determina-se a relação entre o filho e os ascendentes,</p><p>bem como aos parentes colaterais até o quarto grau. Destaca-se que</p><p>apesar de figurarem dois pais e uma mãe ou duas mães e um pai as</p><p>sucessões destes não se comunicam entre si, salvo àqueles que já são</p><p>cônjuges ou companheiros, conforme ocorre na sucessão comumente</p><p>(Mendes e Queiroz, 2015; Pretto, 2013).</p><p>Sendo assim, na linha reta ascendente, haverá mais de duas linhas</p><p>entre as quais a herança deverá ser partilhada; na hipótese de o falecido</p><p>ter dois pais e uma mãe e não ter descendentes, nem cônjuge, a herança</p><p>deve ser partilhada em três partes iguais, cada qual destinada a uma</p><p>linha. No caso de falecimento do filho multiparental que não deixa</p><p>descendente, mas deixa pai, mãe e cônjuge sobreviventes, o Código Civil</p><p>(art. 1.837, CC) prevê 1/3 da herança para cada parte: cônjuge,</p><p>pai e mãe.</p><p>Já no caso do falecimento do autor da herança que deixa dois pais e uma</p><p>mãe, ou duas mães e um pai e o cônjuge, cabe a cada um a quarta-parte</p><p>do montante a ser partilhado; se já falecido um dos pais, fica o cônjuge</p><p>com a terça parte, e se falecidos os dois, a metade, ou seja, a solução</p><p>estabelecida na legislação civil se consubstancia na repartição da herança</p><p>em partes idênticas (art. 1.837, CC) (Kirch; Copatti, 2013; Pretto, 2013).</p><p>E, no caso de falecimento do filho que deixa somente avós de três</p><p>linhas de parentesco vivos, pode-se partilhar a herança por linhas, e não</p><p>por cabeça, segundo o qual a igualdade de grau e de linhas assegura</p><p>metade da herança aos ascendentes da linha paterna e metade aos</p><p>ascendentes da linha materna, não importando se uma delas se compõe</p><p>de um ou dois ascendentes (art. 1.836 §§ 1º e 2º, CC). Nesse sentido, é</p><p>que o instituto da multiparentalidade no Direito sucessório apresenta</p><p>diferença no caso do falecimento do filho multiparental que não deixa</p><p>descendente, pois todos os pais são herdeiros do filho, e o filho é</p><p>herdeiro de todos os pais (Morais, 2016; Pereira, 2017; Nader; 2016;</p><p>Schreiber, 2016).</p><p>3. A figura do padrasto e da madrasta na</p><p>multiparentalidade</p><p>As relações conjugais que se formam pelo desfazimento de outras são</p><p>cada vez mais comuns, incorporando a essas famílias recompostas a</p><p>figura do padrasto ou da madrasta, que assumem, cada um, da sua forma,</p><p>o papel de companheiro dos pais biológicos e o de pais socioafetivos</p><p>substitutos dos filhos advindos das relações anteriores. Em algumas</p><p>vezes, essa substituição é para suprir a falta dos pais biológicos,</p><p>ocasionada por morte ou pelo desencadeamento de nova relação com</p><p>outrem; já em outras, o simples fato da falta de convivência passa a</p><p>deixar espaço para que outra pessoa ocupe o seu lugar, mas não o</p><p>substituindo, e sim complementando essa função. Essas novas</p><p>formações familiares são denominadas famílias recompostas,</p><p>reconstruídas ou mosaico, que se conceituam como entidades familiares</p><p>decorrentes de uma reconstituição afetiva, nas quais, pelo menos um dos</p><p>partícipes, traz filhos ou mesmo situações jurídicas derivados de um</p><p>relacionamento familiar anterior, ensejando a figura do padrasto ou da</p><p>madrasta de filho biológico ou socioafetivo do companheiro(a). Nesses</p><p>eixos familiares recompostos, novas e variadas relações são</p><p>estabelecidas, sendo que os cônjuges, companheiros ou parceiros passam</p><p>a ter novos parentes por afinidade, filhos passam a ter novos irmãos,</p><p>novas relações de convívio são formadas, principalmente, em relação aos</p><p>filhos de uma parte com o novo cônjuge, gerando direitos e obrigações</p><p>distintos, modelados a partir de um clima ideológico desfavorável.</p><p>Entretanto, o novo âmbito do afeto nas relações familiares</p><p>contemporâneas e o reconhecimento da diversidade de entidades</p><p>familiares demonstram um novo momento de inclusão da pessoa</p><p>humana, rompendo a frieza e a indiferença dos antigos conceitos de</p><p>madrasta, como uma vilã cruel, e de enteados como filhos de segunda</p><p>classe, que tinham sido impostos pela sociedade e até com influência dos</p><p>contos infantis. Com a interação dessas famílias e a ascendência da</p><p>afetividade, as pessoas inseridas em núcleos familiares passaram a ter</p><p>especial proteção do Estado, consoante a expressa previsão</p><p>constitucional (Farias e Rosenvald, 2017).</p><p>Nessa perspectiva, o padrasto ou a madrasta é a pessoa que assume</p><p>as responsabilidades paternas ou maternas em face do filho da pessoa</p><p>com quem passa a conviver, substituindo e desempenhando a função de</p><p>pai ou de mãe e auxiliando na formação social e psicológica e no sustento</p><p>do seu enteado. O(a) enteado(a) é o(a) filho(a) biológico(a) de um dos</p><p>cônjuges ou companheiros, geralmente fruto de um relacionamento</p><p>anterior ou de uma produção independente, podendo ser filho de pai</p><p>biológico registral que não tem relacionamento amoroso com sua mãe</p><p>biológica; ou que não tenha um pai reconhecido, ou que seja filho de pai</p><p>registral falecido. Destaca-se que o verdadeiro pai, não precisa ser</p><p>biológico, porque é aquele que dá sua vida por outra, cujo coração</p><p>caminha por caminhos fora de seu corpo, pulsando secretamente no</p><p>corpo do seu filho. É por isso que existe um déficit no que se chama de</p><p>paternidade responsável, o que tem por consequência o abandono</p><p>afetivo, matéria de muitas discussões judiciais, analisando-se sobre a</p><p>possibilidade da responsabilização civil do pai que efetivamente recusa</p><p>afeto ao filho, seja ele biológico ou não. Nesse sentido, é que faz</p><p>evidenciar a afetividade, sentimento este que é visto como</p><p>preponderante nas relações familiares. Sendo assim, o padrasto e a</p><p>madrasta são importantes peças na reconstrução de uma família, pois é a</p><p>partir da sua presença que serão construídos laços entre as partes</p><p>envolvidas, caracterizando verdadeira relação de parentesco (Alves,</p><p>2002; Kirch; Copatti, 2013).</p><p>Todavia, nem sempre o padrasto ou a madrasta assumem as</p><p>responsabilidades de pai ou de mãe substitutos, como ocorre no caso em</p><p>que não convivem diretamente com o(a) enteado(a), não desenvolvendo</p><p>laços afetivos e tão pouco uma relação sólida e harmoniosa, baseada no</p><p>amor e no afeto, por falta de convivência. No entanto, quando se verifica</p><p>a legitimação da paternidade do padrasto ou da maternidade da madrasta</p><p>que ama, cria e cuida de seu enteado como se fosse seu filho, ao mesmo</p><p>tempo em que o enteado(a) o considera como seu pai ou como sua mãe,</p><p>torna-se importante a aplicação do instituto da multiparentalidade, para</p><p>que se preserve a relação socioafetiva entre padrasto, madrasta e</p><p>enteado(a) sem exclusão do nome do pai ou mãe biológicos da certidão</p><p>de nascimento do pretenso(a) filho(a), visando o melhor interesse da</p><p>criança e do adolescente. Nesse sentido, quando um dos genitores se</p><p>afasta e outra pessoa se aproxima criando laços afetivos paterno-filiais</p><p>entre eles, o reconhecimento da paternidade socioafetiva e,</p><p>consequentemente, a multiparentalidade possibilita a inclusão dos nomes</p><p>dos pais socioafetivos (padrasto e/ou madrasta) no registro civil do(a)</p><p>filho(a) (enteado e/ou enteada) sem a retirada dos nomes dos pais</p><p>biológicos, produzindo-se todos os efeitos jurídicos morais e patrimoniais</p><p>em relação ao padrasto e a madrasta e os pais biológicos/registrais</p><p>(Santos, 2016; Tartuce e Simão, 2016).</p><p>De acordo com a Lei nº 6.015/1973 (art. 57, § 8º), é possível o</p><p>enteado ou a enteada adotar o nome da família do padrasto ou da</p><p>madrasta, podendo requerer ao juiz competente que, no registro de</p><p>nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua</p><p>madrasta, desde que haja expressa concordância desses, sem prejuízo de</p><p>seus apelidos de família. Desse modo, configura-se a multiparentalidade</p><p>como uma forma alternativa de concretizar o princípio da dignidade</p><p>humana e da afetividade, proporcionando o reconhecimento de</p><p>elementos subjetivos, como amor, afeto e cuidado. No entanto, esse</p><p>reconhecimento da paternidade socioafetiva não se trata de um ato</p><p>unilateral, pois não há a substituição de nenhum dos pais biológicos, mas</p><p>apenas o reconhecimento de pai e/ou de mãe socioafetivos, prevalecendo</p><p>e reconhecendo o vínculo construído pelas partes (padrasto, madrasta,</p><p>enteado, enteada), conjuntamente com a relação que criaram ao</p><p>recompor uma família. Desse modo, a multiparentalidade produz todos os</p><p>efeitos jurídicos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes da filiação</p><p>biológica ou civil (Abreu, 2014; Alves, 2016; Brasil, 1973).</p><p>Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em Agravo</p><p>de Instrumento nº 70055413462/RS, de Porto Alegre, manifestou</p><p>entendimento reconhecendo a possibilidade de inclusão do nome do</p><p>padrasto ao registro civil de nascimento da enteada, contando com a</p><p>concordância expressa daqueles e a inexistência de prejuízo aos nomes</p><p>da família do requerente, como segue:</p><p>Agravo de instrumento. Alteração do registro de nascimento. Inclusão do</p><p>sobrenome do padrasto ao nome da enteada.</p><p>como aquela em que o homem</p><p>deixa a sua família de origem e se une com a mulher para formar uma</p><p>nova família com objetivo de procriação; restringindo-se,</p><p>progressivamente, a autoridade do pater familias, para dar maior</p><p>autonomia à mulher e aos filhos (Dantas e Lima, 2016; Gama, 2001;</p><p>Rocha, 2009).</p><p>Todavia, a Igreja Católica deixou de ser representante exclusiva dos</p><p>preceitos cristãos, a partir da Reforma protestante. Desse modo, para os</p><p>católicos, caberia somente à Igreja disciplinar o casamento; para os não</p><p>católicos, caberia ao Estado a regulamentação dos atos nupciais. Diante</p><p>desse contexto, a Igreja Católica, através do Concílio de Trento (1545 e</p><p>1563) realizado na Itália, reafirmou alguns dogmas, dentre eles o do</p><p>casamento, enquanto sacramento gerador da entidade familiar, impondo a</p><p>excomunhão aos concubinos que não se separassem após a terceira</p><p>advertência, segundo as encíclicas 990 a 992. Além disso, os</p><p>matrimônios clandestinos realizados com o consentimento livre dos</p><p>contraentes seriam válidos e verdadeiros enquanto a Igreja não os</p><p>declarasse nulos; a união de duas pessoas, mesmo sem impedimentos à</p><p>contração do matrimônio stricto sensu caracterizaria uma situação de</p><p>pecado perpétuo, em não sendo atendida a advertência imposta pela</p><p>Igreja. Ainda, na Idade Moderna, o sistema feudal foi substituído pela</p><p>ideia de Estado Nacional, tirando da família outras de suas funções, entre</p><p>as quais a de defesa e de assistência, pois os cidadãos passaram a contar</p><p>com a proteção do Estado. Com a Revolução Industrial, a família deixou</p><p>de ser uma unidade de produção, sob o comando de seu chefe e cada</p><p>membro passou a trabalhar dentro das fábricas, auferindo o seu sustento</p><p>da produção, quer como proprietária ou como proletária. Com o tempo,</p><p>passou-se a defender que o poder dos governantes não vinha de Deus,</p><p>mas sim do próprio povo, que por meio de um contrato social podia</p><p>repassar parte de seu poder aos governantes. Essa ideologia</p><p>contratualista resultou na Revolução Francesa, que depôs a monarquia e</p><p>o clero, possibilitando que o povo assumisse o poder regulamentado por</p><p>uma Assembleia Constituinte. Por sua vez, os preceitos de liberdade,</p><p>igualdade e fraternidade no mundo ocidental, modificaram os paradigmas</p><p>até então absolutos, permitindo a existência de novos modelos de</p><p>família. Com a ruptura entre o Estado e a Igreja, o casamento passou de</p><p>ato religioso para civil, exigindo legislação que o regulamentasse. Para o</p><p>Code Civile francês/1804, o casamento, como instituição monogâmica,</p><p>era o pilar base da família legítima regulamentada pelo Direito Civil,</p><p>tendo o homem como chefe de família e a fidelidade como um dos seus</p><p>deveres, consequentemente, a presunção de paternidade em relação aos</p><p>filhos nascidos de sua esposa. Até o início do século XX, a sociedade</p><p>ocidental tinha a família patriarcal como sendo o único modelo de</p><p>entidade familiar (Siqueira, 2010).</p><p>Conceito de família no Direito Contemporâneo: apesar das influências</p><p>do Direito romano, do Direito canônico e do Direito germânico, a família</p><p>foi se adaptando às transformações da sociedade até chegar ao conceito</p><p>da atualidade. Essas modificações da sociedade foram deixando as</p><p>questões patrimoniais para segundo plano. No século XX,</p><p>simultaneamente ao distanciamento do Estado em relação à Igreja,</p><p>chamada laicização, novos fenômenos surgiram. A liberação dos</p><p>costumes, a independência feminina, fruto do movimento feminista e do</p><p>aparecimento dos métodos contraceptivos, a evolução da genética, que</p><p>possibilitou novas formas de reprodução, a possibilidade de dissolução do</p><p>vínculo conjugal e o rompimento material do casamento civil com o</p><p>religioso, foram fatores que contribuíram para redimensionar o conceito</p><p>de família. Desse modo, o casamento foi se tornando cada vez menos um</p><p>negócio para constituição de família e transmissão de patrimônio e mais</p><p>uma opção dos contraentes à busca da realização individual baseada na</p><p>relação afetiva, dando surgimento a outras configurações familiares.</p><p>Dessa forma, à luz do direito contemporâneo, baseado em princípios</p><p>democráticos de aperfeiçoamento e de dignidade da pessoa, consagrados</p><p>na maior parte das constituições modernas, não mais se pode considerar</p><p>como família apenas a relação entre um homem e uma mulher, unidos</p><p>pelo casamento. Assim, uma vez rompidos os paradigmas identificadores</p><p>da família, que antes se assentavam na tríade</p><p>casamento/sexo/reprodução, busca-se um novo conceito de família,</p><p>identificando-se e admitindo-se novos arranjos familiares (Siqueira,</p><p>2010).</p><p>2. A família no ordenamento jurídico brasileiro</p><p>O conceito de família no Direito brasileiro acompanhou as</p><p>transformações da sociedade, moldando-se ao longo do tempo, assim</p><p>como aconteceu na Grécia Antiga, no Império Romano e na Idade Média,</p><p>cujas mudanças culminaram em grandes alterações nas leis. Assim, nos</p><p>primórdios, a legislação civil brasileira tomou como modelo a família</p><p>patriarcal, que sobreviveu ao período Colonial, ao Império e durante a</p><p>maior parte do século XX. Esse modelo patriarcal e conservador de</p><p>família no Brasil foi influenciado pela colonização portuguesa, e perdurou</p><p>até a consolidação dos valores introduzidos pela Constituição</p><p>Federal/1988. As cidades, as novas profissões, a abolição da escravidão,</p><p>os imigrantes, o fortalecimento do Estado, as lojas comerciais</p><p>ameaçaram o patriarca, que, forçado a ampliar seus negócios nos centros</p><p>urbanos para não perder seu patrimônio, precisou investir em outras</p><p>atividades, além da fazenda. Por isso, deixou a casa grande e se mudou</p><p>com a família para os centros urbanos, sendo possível levar junto um</p><p>parente ou outro, ficando os agregados na fazenda. Sendo assim, o</p><p>império do patriarca se reduziu e mudou de natureza; o patriarca</p><p>fazendeiro passou a ser também um industrial, um capitalista, um</p><p>banqueiro, um negociante ou um burguês. Desse modo, nascia a família</p><p>nuclear burguesa, reduzida ao pai, mãe e filhos vivendo sós em uma</p><p>mesma casa, e que, diferentemente da família tradicional, caracteriza-se</p><p>por ser uma unidade de consumo e não de produção. Nesse modelo, o</p><p>homem continuava a exercer sua autoridade ante todos os membros da</p><p>família, como no modelo patriarcal; já a mulher era considerada a rainha</p><p>do lar e seu instinto natural de mãe era responsável pela proteção de</p><p>seus filhos; somente com a inclusão do processo industrial no Brasil a</p><p>mulher ingressou no mercado de trabalho (Bonini, 2009).</p><p>E, ao longo da história, outros fatores socioeconômicos vêm</p><p>influenciando o conceito de família, destacando-se: a revolução sexual</p><p>dos anos 60, que desvinculou sexo de procriação; o advento da pílula</p><p>anticoncepcional; os movimentos sociais; o aumento no número de</p><p>pessoas que optam por viver sozinhas; o aumento frequente da taxa de</p><p>coabitações; o aumento do número de famílias chefiadas por uma só</p><p>pessoa; a redução da taxa de fecundidade, devido ao acesso a métodos de</p><p>esterilização e contraceptivos; o envelhecimento da população; a queda</p><p>no número de casamentos; e a dissolução dos vínculos matrimoniais.</p><p>Dessa forma, essas transformações da sociedade ao longo do tempo</p><p>influenciaram na evolução do conceito de família no Brasil, passando</p><p>daquele previsto no Código Civil/1916, pelo qual a família era constituída</p><p>pelo casamento indissolúvel e os filhos havidos fora do casamento não</p><p>eram reconhecidos, para um conceito mais amplo, em que se passa a</p><p>considerar não só o vínculo consanguíneo, mas também os laços afetivos,</p><p>como ocorreu a partir da Constituição Federal/1988, da doutrina e da</p><p>jurisprudência. Assim, no século XX, o Estado procurou expandir sua</p><p>tutela constitucional resguardando de modo explícito as diversas formas</p><p>de relações familiares, ampliando o âmbito dos interesses protegidos e</p><p>definindo novos padrões (Bonini, 2009; Lôbo, 2017).</p><p>Nessa perspectiva, as questões patrimoniais deixaram de ser</p><p>prioritárias e o casamento foi se tornando cada vez menos um negócio</p><p>para constituição de família e transmissão</p><p>Anuência do genitor.</p><p>Desnecessidade. Ausência de prejuízo. O acréscimo do patronímico do</p><p>padrasto ou da madrasta encontra previsão legal no artigo 57, § 8º, da Lei n.º</p><p>6.015/73, fazendo-se possível quando houver concordância expressa daqueles</p><p>e não implicar prejuízo aos apelidos da família do requerente. Recurso</p><p>Provido. (Agravo de instrumento nº 70055413462, Sétima Câmara Cível,</p><p>Tribunal de Justiça do RS. Relator: Liselena Shifino Robles Ribeiro. Julgado</p><p>em 04/07/2-13) (TJ -RS – AI: 70055413462 RS, Relator: Liselena Schifino</p><p>Robles Ribeiro. Data de Julgamento: 04/07/2013, Sétima Câmara Cível, Data</p><p>de publicação: Diário da Justiça do dia 08/07/2013). (Rio Grande do Sul,</p><p>2013a)</p><p>Nessa perspectiva, a aplicação da multiparentalidade e seus efeitos no</p><p>padrastio representa a possibilidade de efetivação dos direitos e deveres</p><p>dele e da madrasta, como se pai ou mãe fossem permitindo a solução de</p><p>questões simples, casuais e cotidianas que se apresentam na vida da</p><p>criança e do adolescente, que convivem em uma família na posição de</p><p>enteado ou enteada. Por isso, a multiparentalidade pode ser um caminho</p><p>a permitir ao padrasto e à madrasta o exercício do poder familiar, de</p><p>modo a conceder apoio à formação adequada dos(as) enteados(as).</p><p>Destaca-se que na multiparentalidade inclui-se o nome do padrasto e da</p><p>madrasta, mantendo-se os nomes dos pais biológicos registrais. A</p><p>exclusão desses nomes só pode ocorrer se houver a destituição do poder</p><p>familiar ou o caso do reconhecimento da paternidade socioafetiva, se</p><p>comprovada a posse de estado de filho em relação ao padrasto/madrasta e</p><p>o(a) enteado(a), configurando-se a relação paterno-filial (Teixeira;</p><p>Rodrigues, 2013).</p><p>Ademais, o padrasto e a madrasta são figuras que compõem as</p><p>famílias há muito tempo, e fazem parte de forma intensa na</p><p>recomposição familiar, tem papel importante na reorganização de vida de</p><p>adultos, adolescentes e crianças. É por esse motivo que, uma vez</p><p>desvinculada, a função parental da ascendência biológica, por ter a</p><p>paternidade o real objetivo de desenvolvimento dos filhos, a realidade</p><p>social brasileira demonstra que esse papel pode ser desempenhado por</p><p>mais de um pai e/ou mãe de forma harmônica e conjunta. Contudo,</p><p>entende-se que deveria ser criado um estatuto jurídico para relacionar e</p><p>entrelaçar todos os níveis de relações do padrastio, analisando-se as</p><p>situações casuais e de convivências, que são corriqueiras, e para declarar</p><p>e definir responsabilidades parentais e socioafetivas subjacentes,</p><p>jurídicas e sociais (Alves, 2016).</p><p>4. Reconhecimento extrajudicial da parentalidade</p><p>socioafetiva e da multiparentalidade</p><p>O reconhecimento da parentalidade socioafetiva pode ocorrer de</p><p>forma judicial ou extrajudicial. Judicialmente, a pretensão pode ser</p><p>alcançada por meio de ação declaratória de paternidade e maternidade</p><p>socioafetiva ou ação investigatória de paternidade ou maternidade</p><p>socioafetiva, com amplitude contraditória, que mesmo desprovida de</p><p>prova técnica, é apta para firmar decisão reconhecendo a filiação paterno-</p><p>filial socioafetiva, atendendo aos princípios constitucionais da dignidade</p><p>da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente.</p><p>Extrajudicialmente, o reconhecimento da parentalidade socioafetiva</p><p>ocorre perante os oficiais do cartório de Registro Civil de Pessoas</p><p>Naturais, desde que observadas as disposições do Provimento 63/2017</p><p>(arts. 10 a 15), com as alterações do Provimento 83/2019, do Conselho</p><p>Nacional de Justiça (Gagliano e Pamplona Filho, 2017; Rizzardo, 2019).</p><p>Reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva e da</p><p>multiparentalidade: a partir de 2013, alguns Estados brasileiros passaram</p><p>a admitir o reconhecimento extrajudicial da paternidade e maternidade</p><p>socioafetiva de forma extrajudicial, diretamente nos cartórios de registro</p><p>de pessoas naturais. Por isso, o Instituto Brasileiro de Direito de Família</p><p>(IBDFAM) elaborou um pedido de providências ao Conselho Nacional de</p><p>Justiça, visando uniformizar o procedimento de reconhecimento</p><p>extrajudicial da filiação socioafetiva em todos os ofícios do país, do qual</p><p>resultou na publicação do Provimento 63/2017, que estabeleceu os</p><p>requisitos para tanto. Posteriormente, referido provimento foi alterado, a</p><p>partir de sugestões apresentadas à Corregedoria Nacional, editando-se o</p><p>Provimento nº 83/2019, pelo Conselho Nacional de Justiça (Calderón;</p><p>Toazza, 2019; Tartuce, 2019).</p><p>Desse modo, o reconhecimento extrajudicial da paternidade e da</p><p>maternidade socioafetiva e da multiparentalidade de pessoa de qualquer</p><p>idade por pessoa maior de dezoito anos, independentemente do estado</p><p>civil é considerado ato irrevogável autorizado perante os oficiais de</p><p>registro civil das pessoas naturais, podendo ser desconstituído somente</p><p>pela via judicial, em decorrência de vício de vontade, fraude ou</p><p>simulação. O pretenso pai ou mãe não pode ser irmão ou ascendente,</p><p>devendo ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser</p><p>reconhecido. Se o filho tiver idade superior a 12 (doze) deve manifestar o</p><p>seu consentimento. A coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do</p><p>filho maior de doze anos deve ser feita pessoalmente perante o oficial de</p><p>registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado (arts. 10 §§</p><p>1º a 4º e 11 §§ 4º e 5º, Provimento 63/17) (Conselho Nacional de Justiça,</p><p>2017).</p><p>O reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva ocorre</p><p>somente nos casos em que os vínculos afetivos estão consagrados e são</p><p>incontroversos, envolvendo relação paterno filial resultante de muitos</p><p>anos de convivência socioafetiva. A discussão judicial sobre o</p><p>reconhecimento da paternidade ou de procedimento de adoção obstará o</p><p>reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, devendo o</p><p>requerente declarar o desconhecimento da existência de processo</p><p>judicial em que se discuta a filiação do reconhecendo, sob pena de</p><p>incorrer em ilícito civil e penal. O reconhecimento da paternidade ou</p><p>maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma</p><p>unilateral, ou seja, somente é permitida a inclusão de um ascendente</p><p>socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno, não implicando o</p><p>registro de mais de dois pais ou de duas mães no campo filiação no</p><p>assento de nascimento; no caso de inclusão de mais de um ascendente</p><p>socioafetivo, o pedido deve tramitar pela via judicial. O reconhecimento</p><p>espontâneo da paternidade ou maternidade socioafetiva não obstaculizará</p><p>a discussão judicial sobre a verdade biológica (arts. 13, 14 e 15,</p><p>Provimento 67/17). Sendo assim, independentemente da forma de</p><p>reconhecimento, não há que se falar em distinção dos efeitos jurídicos da</p><p>filiação, seja ela biológica ou socioafetiva, visto que interessa unicamente</p><p>o estado de filho (Calderón; Toazza, 2019; Conselho Nacional de Justiça,</p><p>2017; Tartuce, 2019).</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ABREU, Karina Azevedo Simões de. Multiparentalidade: conceito e</p><p>consequências jurídicas de seu reconhecimento. Jus Brasil, São Paulo.</p><p>2014. Disponível em: https://bit.ly/2TKPodO. Acesso em: 20 jan. 2021.</p><p>ALMEIDA, Isis Furtado; JESUS, Cassiano Celestino de. O Movimento</p><p>Feminista e as Redefinições da Mulher na Sociedade após a Segunda</p><p>Guerra Mundial. Boletim Historiar, n. 14, 30/04/2016. Disponível</p><p>em: https://bit.ly/3mIDygh29. Acesso em: jan. 2021.</p><p>ALVES, Jones Figueiredo. Consolidado, padrastio [sic] agora precisa de</p><p>um estatuto jurídico. Revista Consultor Jurídico, 22 maio 2016.</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3bL21ve. Acesso em: 29 jan. 2021.</p><p>AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Direito civil: introdução. 5.</p><p>ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.</p><p>ANDRADE, Denise de Paula. Filiação Socioafetiva e o Princípio da</p><p>Dignidade da Pessoa Humana. 2012. Dissertação (Mestrado em</p><p>Direito) - UNIFIEO, Osasco. Disponível em: https://bit.ly/3q1QQqu.</p><p>Acesso em: 29 jan. 2021.</p><p>ARAGÃO, Sylvera Salles de Santana. Aplicabilidade do princípio da</p><p>dignidade humana frente ao cometimento de atos concretos</p><p>condenáveis. Revista de EJUSE n. 18, 2013. p. 312-319.</p><p>de patrimônio e mais uma</p><p>opção dos nubentes à busca da realização individual baseada na relação</p><p>afetiva. E nessas mudanças, a independência feminina foi importante,</p><p>pois as mulheres saíram do seio doméstico para o trabalho externo,</p><p>deixando de ser subordinadas ao marido e à educação dos filhos; a</p><p>mudança na divisão de tarefas do casal provocou a redução da prole; o</p><p>desapego à Igreja atingiu o casamento na segunda metade do século XX,</p><p>culminando na admissibilidade do divórcio, a partir de 1977, como causa</p><p>de dissolução do vínculo conjugal, assim como o rompimento material do</p><p>casamento civil com o religioso aliado ao reconhecimento e proteção</p><p>constitucional, a partir de 1988, a outras configurações de família. Dessa</p><p>forma, o tratamento legal-constitucional dispensado à família estendeu a</p><p>proteção do Estado às novas configurações familiares, embora, por muito</p><p>tempo, a sociedade ocidental tenha admitido a família patriarcal como</p><p>sendo o único modelo de entidade familiar, fundado no casamento solene,</p><p>indissolúvel e sacralizado, predominante até o início do século XX. Sendo</p><p>assim, pode-se dividir a evolução do conceito de família em três períodos</p><p>sob o ponto de vista do ordenamento jurídico brasileiro: Direito de</p><p>família canônico; Direito de família laico e Direito de família igualitário e</p><p>solidário (Lôbo, 2017).</p><p>O Direito Canônico ocorreu no período entre a Colônia e o Império,</p><p>nos anos de 1500 a 1889, prevalecendo o modelo de família patriarcal</p><p>disciplinado pelas Ordenações Filipinas. Durante esse período, os</p><p>direitos das famílias se submetiam ao controle da Igreja Católica, que,</p><p>como religião oficial, regulava a vida das pessoas desde o nascimento até</p><p>a morte, dificultando a separação entre direito privado e direito público;</p><p>não ficando claro o reconhecimento de normas dirigidas à família em si.</p><p>O modelo de família patriarcal baseava-se na autoridade do homem sobre</p><p>os membros da família; o pater familias era o chefe e o responsável por</p><p>administrar a economia e a influência social que a família possuía. Eram</p><p>famílias formadas por interesses econômicos, baseados em aquisição de</p><p>patrimônio, não havendo preocupações com o lado do afeto e da</p><p>felicidade (Madaleno, 2019).</p><p>Por sua vez, o Direito de família laico foi estabelecido com a</p><p>Proclamação da República, em 1889, permanecendo até a Constituição de</p><p>1988, período em que ocorreu uma redução progressiva do modelo</p><p>patriarcal de família. Com a Proclamação da República houve mudança</p><p>nas relações familiares, especialmente no tocante ao casamento</p><p>religioso, que se tornou laico, sendo assim a retirada do efeito civil do</p><p>religioso substituiu a competência canônica nas relações familiares. O</p><p>Decreto nº 181/1890 definiu a competência das autoridades civis para a</p><p>realização do casamento civil, retirando a atribuição da Igreja; essa</p><p>disposição vigorou até a promulgação do Código Civil/1916, que manteve</p><p>o patriarcalismo. Destaca-se que a desigualdade que havia no âmbito</p><p>familiar no primeiro período foi gradativamente reduzindo,</p><p>desestabilizando a família patriarcal. Essa mudança se deve à criação de</p><p>diversas leis, entre elas a Lei nº 883/1949, que concedeu direitos aos</p><p>filhos ilegítimos; a Lei nº 4.121/1962, que garantiu direitos à mulher</p><p>casada; e a Lei nº 6.515, que instituiu o divórcio (Diniz, 2012).</p><p>O Direito de família igualitário e solidário surgiu com a Constituição</p><p>Federal/1988, que estabeleceu como família aquela decorrente de</p><p>vínculos sanguíneos e afetivos e definiu a igualdade de direitos entre</p><p>homens e mulheres na sociedade conjugal e entre os filhos,</p><p>independentemente da origem, seja ela biológica ou não, sendo</p><p>matrimoniais ou não. Destaca-se que o rol retratado pela Constituição é</p><p>exemplificativo, estendendo-se aos vários tipos de famílias reconhecidos</p><p>pelo ordenamento jurídico, o que modificou o modelo tradicional de</p><p>família. Nesse sentido, a formação e as características da família</p><p>contemporânea ampliaram seu conceito, diferenciando-se da família</p><p>constituída pelo casamento, pelo qual a entidade familiar era formada por</p><p>duas pessoas de sexo oposto com a intenção de procriar. Atualmente, a</p><p>família é constituída por um grupo de pessoas com os mesmos</p><p>interesses morais e materiais, composto pelos pais, de sexo oposto ou do</p><p>mesmo sexo, que, através de casamento ou outra forma de união, com</p><p>descendentes biológicos ou não, com laço sanguíneo entre si ou não,</p><p>encontram-se ligados pelo afeto. Desse modo, a família patriarcal e</p><p>matrimonial, fundada em preceitos ético-religiosos, cedeu lugar à</p><p>liberdade e pluralidade de entidades familiares, sendo que, por sua vez, o</p><p>direito de família, ao invés de delimitar as entidades familiares</p><p>constitucionalmente amparadas, oportunizou aos cidadãos a liberdade de</p><p>opção. Na atual concepção de família, destacam os seguintes arranjos</p><p>familiares: família matrimonial, família monoparental e união estável,</p><p>expressamente previstas na Carta Magna; e, ainda, família homoafetiva,</p><p>reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal; e as famílias anaparental,</p><p>pluriparental; paralela e solidária eudemonista, defendidas pela doutrina,</p><p>a partir dos princípios constitucionais e das disposições do Código</p><p>Civil/2002 (Grisard Filho, 2010; Rizzardo, 2011).</p><p>Conceito de família nas Constituições do Brasil de 1824 e 1891:</p><p>destaca-se que o direito canônico influenciou o Direito de família no</p><p>Brasil. Já em 1564, Portugal tornou obrigatórias em todas as suas terras,</p><p>incluindo as colônias, as Normas do Concílio de Trento relativas ao</p><p>casamento, introduzidas no Brasil através das Ordenações Filipinas que</p><p>vigoraram até a promulgação do Código Civil/1916. Por sua vez, a</p><p>primeira Constituição brasileira, elaborada por um conselho a pedido e</p><p>outorgada por Dom Pedro I, denominada Constituição Política do Império</p><p>do Brasil/1824, fortemente influenciada pelo liberalismo, limitava-se a</p><p>regulamentar a formação do Estado e os direitos fundamentais</p><p>individuais e políticos, não tratando da família de modo geral. Entretanto,</p><p>a citada Carta Magna fazia menção específica à família imperial pois essa</p><p>era importante para a organização da monarquia hereditária, que era a</p><p>forma de governo do país. Essa Constituição instituiu a religião católica</p><p>apostólica romana como religião oficial do Brasil, cabendo, então, ao</p><p>Direito Canônico disciplinar os conflitos relativos ao casamento e suas</p><p>consequências. Contudo, com o aumento dos cidadãos não católicos e</p><p>com as influências dos países protestantes e de seus imigrantes em</p><p>terras brasileiras, algumas mudanças começaram a ocorrer neste campo.</p><p>A partir da Lei n. 1.144/1861, o casamento religioso realizado por</p><p>religiões não católicas passou a ter efeitos civis. Por sua vez, o Decreto</p><p>3.069/1863, que regulamentou citada Lei, permitiu outras formas de</p><p>celebração do casamento além do realizado pela Igreja Católica, o que fez</p><p>com que a Igreja perdesse parte de seu poder e, ao mesmo tempo, abriu</p><p>caminho para o surgimento do casamento civil. Já no ano de 1890, com a</p><p>Proclamação da República, foram separados os poderes religiosos e</p><p>estatais e, a partir do Decreto nº 181/1890, o casamento civil foi</p><p>introduzido no Brasil, retirando-se do casamento exclusivamente</p><p>religioso qualquer valor jurídico (Siqueira, 2010).</p><p>A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil/1891 foi a</p><p>segunda constituição brasileira e a primeira no sistema republicano de</p><p>governo, marcando a transição da monarquia para a República. A</p><p>mudança na situação política do país exigiu novas regras, pois as</p><p>disposições legais do Império não serviam para essa nova ordem. Entre</p><p>as principais alterações, destaca-se a implantação do federalismo; do</p><p>presidencialismo; e do sistema de tripartição dos poderes. A nova</p><p>Constituição buscava a extinção dos vínculos com o Império; a</p><p>destituição de títulos de nobreza; e a separação expressa do Estado com</p><p>a Igreja. Referida Carta Magna reconhecia o casamento civil e admitia</p><p>outras formas de celebração, já que o Estado, mesmo</p><p>adotando a religião</p><p>Católica como oficial, garantia a liberdade de culto privado de outras</p><p>religiões. Mencionada Constituição reconhecia somente as uniões</p><p>decorrentes do casamento civil, o que gerou descontentamento na</p><p>sociedade, pois a Igreja, mesmo estando desligada do Estado, era</p><p>formadora de opinião e havia disseminado entre os seus seguidores a</p><p>ideia de que a união civil era uma heresia (Siqueira, 2010).</p><p>Conceito de família no Código Civil/1916: o Código Civil/1916 passou</p><p>a regulamentar as questões familiares da época, pois à Carta Magna</p><p>incumbia disciplinar a atuação do Estado e as suas limitações perante os</p><p>direitos individuais dos cidadãos; e à legislação ordinária cabia regular os</p><p>demais direitos e deveres. Embora tenha havido o rompimento formal</p><p>com o catolicismo, esse Código manteve os princípios e fundamentos do</p><p>direito canônico em relação ao casamento. Com base nesse Código, o</p><p>conceito de família era guiado por diretrizes que espelhavam a sociedade</p><p>da época. Dessa forma, referida legislação disciplinou o instituto do</p><p>casamento, consolidando a importância deste ato para a legitimação da</p><p>família, sem fazer qualquer alusão ao casamento religioso e à união de</p><p>fato de pessoas de sexos diferentes; esse tipo de união não era</p><p>reconhecido pelo direito de família, gerando apenas efeitos obrigacionais.</p><p>Assim, a família era transpessoal, hierarquizada e patriarcal; formada</p><p>pelo casamento indissolúvel, nos moldes do Direito Canônico, sendo</p><p>aplicado o regime de comunhão universal de bens e a filiação legítima</p><p>decorrente do matrimônio; não sendo admitido o divórcio (Moraes, 2014;</p><p>Siqueira, 2010).</p><p>Ademais, essencialmente patrimonialista, referida legislação civilista</p><p>reconhecia a família como entidade formada exclusivamente pelo</p><p>casamento civil, estabelecendo diferenciação entre os filhos havidos</p><p>durante esse, os chamados filhos legítimos, e os havidos fora do</p><p>matrimônio, os filhos ilegítimos ou adotivos; ainda, o filho ilegítimo,</p><p>reconhecido por um dos cônjuges, não podia residir no lar conjugal sem o</p><p>consentimento do outro cônjuge. Essa distinção entre filhos legítimos e</p><p>ilegítimos produzia efeitos pessoais e patrimoniais distintos, segundo a</p><p>legislação civilista em comento (Arts. 337 a 367). Os filhos ilegítimos</p><p>podiam ser divididos em: naturais, os havidos de relações entre pessoas</p><p>livres sem impedimento para se casar; adulterinos, os havidos de</p><p>relações extraconjugais entre pessoas casadas; e os incestuosos, os</p><p>havidos entre pessoas impedidas por parentesco. As disposições do</p><p>Código Civil/1916 (Arts. 233 a 255) consideravam a família como sendo</p><p>patriarcal, pois não havia igualdade entre os cônjuges. Por sua vez, o</p><p>homem era o cabeça do casal; incumbia-lhe a chefia da sociedade</p><p>conjugal. Por isso, ele tomava todas as decisões relacionadas à entidade</p><p>familiar, cabendo-lhe a representação legal da família e a administração</p><p>dos bens comuns e dos particulares da esposa, podendo exigir obediência</p><p>da mulher, que deveria se moldar à sua vontade. Já a mulher e os filhos</p><p>eram subordinados ao comando do pater familias; a autonomia feminina</p><p>era mínima; essa tinha a função de colaborar no exercício dos encargos</p><p>da família, velando pela direção material e moral da família; considerada</p><p>relativamente incapaz, vivia sob o comando do homem, podendo se casar</p><p>a partir dos dezesseis anos e adquirir a capacidade civil aos 21 anos.</p><p>Contudo, durante a vigência da sociedade conjugal, segundo o Código</p><p>Civil/1916 (Arts. 233; 235; 242; 243; 248; 251; 263, II, III, VIII; 269; 275;</p><p>310), a mulher casada constituía-se em estado de incapacidade relativa,</p><p>não podendo, sem autorização do marido, por instrumento público ou</p><p>particular previamente autenticado: exercer profissão remunerada;</p><p>alienar ou gravar de ônus real, os imóveis de seu domínio particular,</p><p>qualquer que seja o regime dos bens; aceitar ou repudiar herança ou</p><p>legado; aceitar tutela, curatela ou outro múnus público; litigiar em juízo</p><p>civil ou comercial, salvo nas situações previstas na legislação civilista; ou</p><p>contrair obrigações, que importassem em alheação de bens do casal,</p><p>dentre outras proibições (Brasil, 1916).</p><p>Em uma sociedade em que predominava a agricultura, o casamento</p><p>era combinado entre os patriarcas de cada família, geralmente sem a</p><p>escolha afetiva por parte dos nubentes, pois visava a transmissão de</p><p>propriedade e a procriação, devendo o pai da noiva ofertar um dote ao</p><p>noivo. O dote ou regime matrimonial dotal existia desde o Brasil Colônia;</p><p>foi mantido pelo Código Civil/1916 (Arts. 278 a 311) e excluído pelo</p><p>Código Civil/2002. E assim, o casamento civil era reconhecido como</p><p>sendo o único meio de formação da família legítima, o que perdurou até a</p><p>Constituição do Brasil/1937, que passou a admitir o casamento religioso</p><p>com efeitos civis, norma que foi mantida na Constituição do Brasil/1946.</p><p>Algumas leis ordinárias foram editadas para amparar situações de fato</p><p>que acarretavam algumas injustiças, diminuindo aos poucos a rigidez das</p><p>disposições do Código Civil/1916. Nesse sentido, destacam-se: o Decreto</p><p>Lei nº 4.737/1942 (art. 1º) e a Lei 883/1949 (art. 1º), que estabeleceram a</p><p>possibilidade de reconhecimento dos filhos naturais havidos fora do</p><p>casamento, por qualquer dos cônjuges, depois de dissolvida a sociedade</p><p>conjugal, ou pelo filho por meio de ação para que se lhe declare a filiação</p><p>(Brasil, 1942; Brasil, 1949).</p><p>Conceito de família nas Constituições de 1934, 1937 e 1946: a</p><p>Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil/1934 marcou a</p><p>transformação do Estado liberal para o Estado social no Brasil, tendo</p><p>como marco importante a Revolução de 1930, liderada por Getúlio</p><p>Vargas e as influências da Constituição de Weimar. Essa situação ocorreu</p><p>porque o constitucionalismo liberal foi perdendo sua força com o passar</p><p>do tempo; o Estado modificou sua atuação e começou a intervir nas</p><p>relações entre os particulares, passando a garantir os direitos individuais,</p><p>políticos e sociais, dentre os quais, destaca-se o direito à proteção da</p><p>família, o que configurou o Estado Social. Nesse sentido, a citada</p><p>Constituição estabeleceu regras de proteção à família, determinando a</p><p>indissolubilidade do casamento civil; os casos de separação conjugal e de</p><p>anulação do casamento; a possibilidade de apresentação de provas de</p><p>sanidade física e mental pelos nubentes; e a penalidade para a</p><p>transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do casamento.</p><p>Ademais, a celebração civil gratuita do casamento podia ser realizada</p><p>perante ministro de qualquer confissão religiosa, produzindo-se os</p><p>mesmos efeitos que o casamento civil, desde que o rito não contrariasse</p><p>a ordem pública, a moral e os bons costumes; e que fossem observados</p><p>os requisitos da legislação civil, em relação à: documentação necessária,</p><p>autoridade civil, habilitação dos nubentes, verificação dos impedimentos,</p><p>processo da oposição, inscrição do ato no Registro Civil. Ademais, a</p><p>Carta Magna determinou que os filhos legítimos eram os havidos na</p><p>constância do casamento e que a herança devida aos filhos naturais era</p><p>sujeita a impostos iguais aos que recaíam sobre a dos filhos legítimos;</p><p>também definiu a igualdade de direitos entre homes e mulheres,</p><p>concedendo direitos políticos à mulher, como o direito ao voto eleitoral, o</p><p>que refletiu na estrutura familiar, embora continuasse prevalecendo o</p><p>patriarcado. Já a Constituição dos Estados Unidos do Brasil/1937 entrou</p><p>em vigor após o golpe de Estado de Getúlio Vargas, quando foi instituído</p><p>o Estado Novo. As principais alterações foram nos conceitos políticos e</p><p>administrativos da organização do Estado e a redução de alguns dos</p><p>direitos individuais e políticos, mantendo-se os direitos sociais e a</p><p>proteção à família, com pequenas alterações (Brasil, 1934; Brasil, 1937).</p><p>A Constituição dos Estados Unidos do Brasil/1946 foi decretada pela</p><p>Assembleia Constituinte, imediatamente ao período pós-guerra, com a</p><p>queda dos regimes totalitários, em que os países, entre</p><p>os quais o Brasil</p><p>buscava a consolidação e o resgate da democracia, através da ampliação</p><p>da garantia dos direitos individuais e dos direitos sociais. Referida Carta</p><p>Magna estabeleceu a proteção especial do Estado à família, quando</p><p>constituída pelo casamento indissolúvel e civil; sendo sua celebração</p><p>gratuita. O casamento religioso equivalia ao civil quando fossem</p><p>observados os impedimentos, as prescrições de lei e a exigência da</p><p>inscrição do ato no registro público; se não fossem cumpridas referidas</p><p>formalidades, teria os efeitos civis se o casal requeresse a inscrição do</p><p>casamento no registro público, mediante prévia habilitação perante a</p><p>autoridade competente. Ademais, referida Carta Magna determinou que</p><p>em todo o território nacional é obrigatória a assistência à maternidade, à</p><p>infância e à adolescência, devendo a legislação instituir amparo às</p><p>famílias de prole numerosa (Brasil, 1946).</p><p>Posteriormente à Constituição Federal/1946, foi editado o Estatuto da</p><p>Mulher Casada, a Lei nº 4.121/1962. Essa legislação tinha por objetivo</p><p>conferir maior independência à mulher casada, em relação à capacidade</p><p>civil, revogando a norma do Código Civil/1916. Referido Estatuto</p><p>manteve o marido como chefe da família; todavia, excluiu a mulher</p><p>casada do rol dos relativamente incapazes, concedendo-lhe capacidade</p><p>jurídica, para torná-la economicamente ativa; ter direito sobre os seus</p><p>filhos; poder compartilhar o poder familiar; e não precisar da autorização</p><p>do marido para a prática de determinados atos. Ademais, reconheceu a</p><p>união de fato, apesar da expressa menção constitucional ao matrimônio, o</p><p>que tornou os relacionamentos informais menos rejeitados pela</p><p>sociedade, pois mesmo sem regulamentação legal, passaram a ser</p><p>reconhecidos pela Jurisprudência, como sociedade de fato, pois havia</p><p>impedimento constitucional para o reconhecimento como família.</p><p>Ademais, destacam-se: a Lei nº 4.069/1962 (art. 5º § 3º), que dispôs</p><p>sobre a possibilidade de o servidor civil, militar ou autárquico, solteiro,</p><p>desquitado ou viúvo, destinar a pensão à pessoa que estivesse vivendo</p><p>sob sua dependência econômica no mínimo há cinco anos, e desde que</p><p>haja subsistido impedimento legal para o casamento, caso não tivesse</p><p>filhos capazes para receber o benefício; a Súmula 380, do Supremo</p><p>Tribunal Federal, publicada em 11/05/1964, pela qual, comprovada a</p><p>existência de sociedade de fato entre os concubinos é cabível a sua</p><p>dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço</p><p>comum; o Decreto nº 73.617/1974 (art. 2º), que passou a considerar a</p><p>companheira dependente do trabalhador rural; e a Lei nº 7.087/1982 (art.</p><p>28), que definiu a companheira como dependente do segurado perante o</p><p>Instituto de Previdência dos Congressistas (Brasil, 1962; Brasil, 1962a;</p><p>Brasil, 1964; Brasil, 1974; Brasil, 1982).</p><p>Conceito de família na Constituição Federal/1967 e na Lei 6.515/1977:</p><p>a Constituição da República Federativa do Brasil/1967 manteve a</p><p>proteção à família matrimonial; preservou a indissolubilidade do</p><p>casamento civil de celebração gratuita e as determinações quanto à</p><p>realização do casamento religioso e sua equiparação ao casamento civil,</p><p>quando do cumprimento ou não dos impedimentos e prescrições de lei;</p><p>regulou a assistência à maternidade, à infância e à adolescência; e</p><p>disciplinou a educação de pessoas com deficiência. Já a Emenda</p><p>Constitucional nº 9/1977 (arts. 1º e 2º), constitucionalizou possibilidade</p><p>de dissolução do vínculo conjugal por meio do divórcio, estabelecendo</p><p>que o casamento somente poderia ser dissolvido, nos casos expressos</p><p>em lei. Após a publicação dessa Emenda, foi editada a Lei nº 6.515/1977</p><p>(Lei do Divórcio) que regulamentava as causas, os prazos e os</p><p>procedimentos para a dissolução da sociedade conjugal e do vínculo</p><p>matrimonial. Dessa forma, o divórcio só poderia ocorrer depois de dois</p><p>anos do casamento e se fosse comprovada uma das causas estabelecidas</p><p>na legislação, como conduta desonrosa por parte de um dos cônjuges em</p><p>relação ao outro; doença grave; separação de fato por mais de cinco anos;</p><p>ou separação judicial por mais de três anos. Desse modo, a dissolução do</p><p>casamento não dependia somente da vontade das partes, pois havia</p><p>prazos e motivos a serem apreciados pelo Estado por meio do Poder</p><p>Judiciário. Ademais, a Lei n. 6.515/77 (art. 51) alterou a Lei 883/1949</p><p>estabelecendo o reconhecimento dos filhos ilegítimos durante a vigência</p><p>do casamento por qualquer dos cônjuges, desde que em testamento</p><p>cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho, constituindo-</p><p>se ato irrevogável, além de permitir a ação de alimentos pelos mesmos,</p><p>garantindo seu direito à herança, ainda que de forma limitada (Brasil,</p><p>1977).</p><p>Conceito de família na Constituição Federal/1988: até a Constituição</p><p>da República Federativa do Brasil/1988, o casamento era reconhecido</p><p>como sendo a única forma de constituição da família, negando-se efeitos</p><p>jurídicos às uniões formadas sem o matrimônio. Contudo, referida Carta</p><p>Magna alterou os paradigmas da ordem jurídica anterior, visando a</p><p>construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do</p><p>desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e das desigualdades</p><p>sociais; e a promoção do bem-estar de todos sem preconceitos de</p><p>origem, raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação;</p><p>assegurando direitos e garantias fundamentais, além de especificar os</p><p>direitos e deveres individuais e coletivos. Essas mudanças incluem a</p><p>proteção à família, à criança, ao adolescente e ao idoso; e seguindo a</p><p>tendência de democratização, igualdade, dignidade, pluralismo, abertura</p><p>e ausência de discriminação, a atual Constituição Federal (art. 226)</p><p>mudou o perfil da entidade familiar constitucionalmente protegida. Desta</p><p>forma, a Constituição Federal/1988 desfez a ideologia da família</p><p>patriarcal, tradicional, hierarquizada, constituída exclusivamente pelo</p><p>casamento; afastou a família monogâmica, parental, centralizada na</p><p>figura paterna e patrimonial, derrubando preconceitos e quebrando</p><p>paradigmas históricos, para resguardar os interesses da família informal,</p><p>fundada pelo afeto e respeito à dignidade de cada indivíduo. Desse modo,</p><p>instituiu a família plural, com várias formas de constituição, casamento,</p><p>união estável e a monoparentalidade familiar; estabeleceu o princípio da</p><p>igualdade entre homens e mulheres e entre filhos, proibindo as</p><p>discriminações entre os filhos havidos ou não do casamento ou adotivos.</p><p>Desse modo, a família passou a constituir a base da sociedade que</p><p>merece proteção do Estado; e, dentre outras disposições constitucionais,</p><p>destacam-se: o casamento é civil e a celebração é gratuita, podendo ser</p><p>dissolvido pelo divórcio; o casamento religioso tem os efeitos civis, nos</p><p>termos da lei; os direitos e os deveres referentes à sociedade conjugal</p><p>são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher; e o planejamento</p><p>familiar é de livre decisão do casal, com base nos princípios da dignidade</p><p>da pessoa humana e da paternidade responsável, competindo ao Estado</p><p>propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse</p><p>direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições</p><p>oficiais ou privadas (Madaleno, 2019).</p><p>Dessa forma, a partir da Constituição Federal/1988, a família deixou</p><p>de ser vista somente como aquela constituída pelo matrimônio e</p><p>considerar, apenas, os laços de sangue para se dar valor aos laços</p><p>afetivos, passando a reconhecer como família: a comunidade formada por</p><p>qualquer dos pais e seus descendentes; e a união estável entre o homem</p><p>e a mulher, o que demonstra que a Carta Magna passou a admitir e</p><p>proteger novas configurações familiares não resultantes do matrimônio.</p><p>Também foram excluídos os dispositivos do Código Civil/1916, de índole</p><p>patriarcal, que previam a desigualdade entre os cônjuges na</p><p>administração da sociedade conjugal e os que diferenciavam o exercício</p><p>do poder familiar e estabeleciam diferenças em relação aos direitos entre</p><p>os cônjuges.</p><p>Assim, a atual Carta Magna (art. 227) passou a garantir a</p><p>assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando</p><p>mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações, dispondo</p><p>sobre o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à</p><p>criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à</p><p>vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à</p><p>cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e</p><p>comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,</p><p>discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Houve uma</p><p>mudança de enfoque em relação à posição familiar da criança e do</p><p>adolescente em relação aos pais, pois deixaram de ser objeto de direito</p><p>para se tornarem sujeitos de direitos. Os filhos, havidos ou não da</p><p>relação do casamento ou por adoção, passaram a ter os mesmos direitos</p><p>e qualificações, sendo proibidas quaisquer discriminações relativas à</p><p>filiação, pois os filhos de todas as origens são equiparados e amparados</p><p>igualmente, não havendo mais que se fazer a distinção entre legítimos e</p><p>ilegítimos, naturais, adulterinos ou adotivos (art. 227, § 6º, CF). Além</p><p>disso, a nova ordem reconhece o divórcio e estabelece a igualdade de</p><p>tratamento jurídico entre homens e mulheres e a capacidade civil da</p><p>mulher (Moraes, 2014).</p><p>Ressalta-se que a nova concepção de família, proposta pela atual</p><p>Carta Magna, é aberta e inclusiva, pois deixa ao intérprete a tarefa de</p><p>concretização conforme a vivência social; os critérios para inclusão</p><p>familiar estão na avaliação do caso concreto, o que vai permitir identificar</p><p>a configuração familiar que deve ser protegida constitucionalmente.</p><p>Nesse seguimento, o núcleo familiar se transformou em um recinto onde</p><p>seus integrantes passaram a compartilhar interesses de vida, onde os</p><p>laços da afetividade e da solidariedade se tornaram fundamentais para a</p><p>constituição da família. Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana</p><p>e o princípio da afetividade passaram a figurar como pilares de todas as</p><p>relações familiares, de modo que o vínculo conjugal cedeu espaço ao</p><p>afeto, possibilitando que a sociedade passasse de um modelo único e</p><p>hierárquico de família para um modelo plural e democrático (Leitão,</p><p>2017).</p><p>Assim, no contexto atual, o casamento deixou de ser o bem jurídico</p><p>maior a ser tutelado, pois o Estado passou a ter o dever de assegurar</p><p>proteção à família, independentemente de sua forma de constituição.</p><p>Não houve equiparação entre casamento e união estável, mas afastou-se</p><p>esta última do direito das obrigações. Posteriormente à</p><p>Constituição/1988, foram editadas a Lei nº 8.971/1994, que dispõe sobre</p><p>o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão; a Lei nº</p><p>9.278/1996, que reconhece como entidade familiar a união estável entre</p><p>homem e mulher, estabelecida com o fim de constituir família; essas</p><p>disposições refletem o princípio da igualdade entre homem e mulher; e a</p><p>Lei nº 8213/1991 (art. 16, I) (com redação dada pela Lei nº 9.032/1995,</p><p>regulamentada pelo Decreto nº 3048/1999) que possibilitou a inclusão da</p><p>companheira ou do companheiro na categoria de beneficiários do Regime</p><p>Geral da Previdência Social, com tratamento idêntico ao do cônjuge,</p><p>ainda quando o(a) companheiro(a) não esteja inscrito como beneficiário</p><p>(a) (Brasil, 1991; Brasil, 1994; Brasil, 1995; Brasil, 1996; Brasil, 1999).</p><p>Conceito de família no Código Civil/2002: o Código Civil/2002 passou</p><p>a amparar o direito de família com base nos princípios da dignidade da</p><p>pessoa humana, da igualdade jurídica entre os cônjuges e da igualdade</p><p>entre todos os filhos, dispondo também sobre o pluralismo familiar, a</p><p>liberdade de construir uma comunhão de vida, a consagração do poder</p><p>familiar, o superior interesse da criança e do adolescente, a afetividade e</p><p>a solidariedade familiar. Nesse sentido, estabelece que a família pode ser</p><p>constituída a partir do casamento, união estável ou comunidade de</p><p>qualquer genitor e descendente. Conforme referida legislação, o</p><p>casamento constitui a comunhão plena de vida, com direitos iguais para</p><p>os cônjuges, segundo a regra constitucional que estabelece a igualdade</p><p>do exercício dos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal ao</p><p>homem e à mulher. Ademais, o casamento válido pode se dissolver pela</p><p>morte de um dos cônjuges, pelo divórcio e, ainda, quando um deles se</p><p>tornar permanentemente ausente; o marido pode usar o sobrenome da</p><p>esposa, pode-se alterar o regime de bens após o casamento. Assim, o</p><p>citado Código aproximou os efeitos da união estável aos do casamento,</p><p>reconhecendo como entidade familiar a união estável entre o homem e a</p><p>mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e</p><p>estabelecida com o objetivo de constituição de família (art. 1.723, CC).</p><p>Referida união não pode ser constituída se presentes os mesmos</p><p>impedimentos previstos para o casamento (arts. 1.521; 1.723 § 1º, CC),</p><p>entretanto, as causas suspensivas estabelecidas na legislação civilista</p><p>(art. 1.523, CC) para a realização do matrimônio não impossibilitam a</p><p>caracterização da união estável, sendo permitido que pessoas casadas</p><p>juridicamente, mas separadas de fato, ou seja, que não mais convivem,</p><p>podem formar uma união estável reconhecida, pois, segundo Faria (2015)</p><p>a separação de fato, devidamente comprovada, implica no fim do dever de</p><p>fidelidade, pois o novo relacionamento do separado de fato pode ser</p><p>reconhecido como união estável. Ademais, as relações pessoais entre os</p><p>companheiros devem obedecer aos deveres de lealdade, respeito e</p><p>assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos (art. 1.724, CC)</p><p>(Brasil, 2002).</p><p>Outrossim, o pátrio poder, agora denominado poder familiar, passa a</p><p>ser exercido igualmente pelos genitores; o homem deixa de ser o chefe</p><p>da família, que é dirigida pelo casal, com iguais poderes para o homem e</p><p>para a mulher, podendo as divergências entre ambos ser resolvida por</p><p>demanda ao judiciário. Em relação aos efeitos patrimoniais, pode-se</p><p>considerar que a união estável se equipara ao casamento, pois a</p><p>legislação civilista (art. 1.525) dispõe que os nubentes podem escolher o</p><p>regime de bens de sua preferência e, no silêncio dos companheiros,</p><p>adota-se o regime de comunhão parcial de bens, não sendo comprovado</p><p>esforço comum no caso da partilha de bens por separação conjugal. A</p><p>união estável também gera parentesco por afinidade com os parentes do</p><p>companheiro com os ascendentes, descendentes e irmãos do outro, da</p><p>mesma forma que o casamento (art. 1.525, CC). Ainda, há equivalência</p><p>entre os direitos dos cônjuges entre si e dos companheiros no caso da</p><p>prestação alimentar. Entretanto, em relação ao direito sucessório, existe</p><p>diferença de tratamento hereditário na legislação civilista (arts. 1.790 e</p><p>1.829, CC) em relação ao cônjuge e ao companheiro, o que vem sendo</p><p>considerado como regra discriminatória em face do companheiro(a)</p><p>(Brasil, 2002).</p><p>Ademais, o Código Civil/2002 não dispôs sobre a família</p><p>monoparental. De qualquer forma, independente dos reflexos da</p><p>mudança constitucional na legislação civilista, deve-se reconhecer a</p><p>evolução do conceito de família na ordem constitucional e sua influência</p><p>na ordem civil. Desse modo, o desafio atual se encontra em reconhecer</p><p>os limites interpretativos do texto constitucional ante a realidade</p><p>jurídico-social brasileira, para que se definir o conceito de família e se</p><p>identificar as novas configurações familiares que podem ser objeto de</p><p>amparo legal. Diante dessa nova perspectiva tem-se a extinção da família</p><p>patriarcal, que pouco a pouco foi cedendo espaço aos laços afetivos, que</p><p>contribuíram para a existência de um modelo de família fundado no</p><p>companheirismo e na igualdade entre seus membros, em busca da</p><p>felicidade individual ou coletiva. Desse modo, acabou a prevalência do</p><p>caráter produtivo e reprodutivo da família, que migrou para as cidades e</p><p>passou a conviver em espaços menores, o que aproximou os integrantes</p><p>da família,</p>