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<p>2</p><p>PERSPECTIVAS TEÓRICAS (A</p><p>ETERNA BUSCA DA REALIDADE)</p><p>O comportamento humano é, talvez, o objeto mais difícil</p><p>dentre os que já foram alvo dos métodos da ciência…</p><p>(Skinner, 1992, p. 50)</p><p>A psicologia, enquanto ciência, estrutura-se a partir do século XIX; oriundos da</p><p>medicina, surgiram nomes fundamentais, Sigmund Freud e Carl Gustav Jung, entre</p><p>eles. Suas concepções aconteciam paralelamente à visão experimental de cientistas</p><p>igualmente importantes, como Wilhelm Wundt, Ivan Pavlov e John B. Watson.</p><p>Interpretações criativas dos dados clínicos e a aplicação dos métodos científicos</p><p>às experimentações convergiram para gerar o embrião da psicologia moderna, uma</p><p>ciência em franco desenvolvimento, desde o início prestando inegáveis contribuições</p><p>à compreensão do complexo e fascinante comportamento humano.</p><p>Nota:</p><p>Considera-se “atitude” a “predisposição a responder cognitivamente,</p><p>afetivamente e comportamentalmente a um objeto específico de modo particular”</p><p>(HUFFMAN; VERNOY; VERNOY, 2003, p. 616). Ela pode não se consumar em</p><p>“comportamentos”, que correspondem aos seus resultados observáveis.</p><p>Deve-se à contínua e dinâmica evolução da psicologia o aparecimento de</p><p>diversos enfoques e perspectivas, alguns se superpondo, outros se complementando.</p><p>2.1</p><p>Estudiosos buscam teorias gerais a respeito do funcionamento do psiquismo; outros</p><p>mergulham nos detalhes das aplicações específicas; alguns focam o comportamento</p><p>saudável; outros, o transtorno emocional; estuda-se o indivíduo isolado, em grupo ou</p><p>na sociedade, no lar ou no trabalho, da infância à velhice. A eterna busca da realidade</p><p>apaixona e solicita humildade aos peregrinos da investigação.</p><p>Este capítulo restringe-se às perspectivas da psicologia jurídica. Persegue-se a</p><p>temática do comportamento humano. Valoriza-se o manifesto, único material</p><p>relativamente objetivo de que se dispõe, ainda que sob os efeitos da síndrome de</p><p>Pirandello. A apresentação das teorias acompanhou, em parte, a estrutura apresentada</p><p>por Campbell, Hall e Lindzey (2000), com inclusões de Fiorelli (2014) e Fiorelli,</p><p>Fiorelli e Malhadas (2015); não há preocupação com a sequência histórica.</p><p>Um fenômeno notável na psicologia (talvez mais dela do que de qualquer outra</p><p>ciência) é o fato de que as novas visões, os novos conhecimentos e teorias, de fundo</p><p>especulativo ou experimental, agregam-se aos anteriores e contribuem para ampliar as</p><p>concepções dos estudiosos e praticantes, em lugar de simplesmente desalojarem</p><p>conhecimentos adquiridos no passado. As teorias emergentes trazem novos elementos</p><p>que, em grande parte, somam-se aos existentes ou constituem aperfeiçoamentos.</p><p>Talvez se possa acusar a psicologia de falhar na previsão do comportamento</p><p>futuro das pessoas (ainda que este não seja o seu objetivo). Esta crítica deve ser</p><p>realizada com ponderação. O ser humano, quanto mais se liberta de seus cárceres,</p><p>reais ou mentais, tanto mais exerce o notável dom do comportamento casual, da</p><p>escolha entre o prático e o artístico, oscilando entre o real e o imaginário. Sua</p><p>incerteza comportamental reflete a plasticidade que lhe possibilitou dominar a Terra;</p><p>estabelecer prognósticos a respeito do seu comportamento talvez seja mais uma</p><p>pretensão tipicamente humana.</p><p>O PODER DO INCONSCIENTE</p><p>As primeiras grandes linhas de pensamento teórico da psicologia chamam a</p><p>atenção para os mecanismos intrapsíquicos, a relação entre o consciente e o</p><p>inconsciente, impulsionando o comportamento humano.</p><p>2.1.1 A estrutura do psiquismo</p><p>Sigmund Freud (Áustria, 1856 – Inglaterra, 1939), médico, criador da</p><p>psicanálise, conceituou a existência do inconsciente, cujas manifestações estudou</p><p>extensamente. Freud concluiu, brilhantemente, que os processos mentais não</p><p>acontecem ao acaso (FADIMAN; FRAGER, 1986, p. 7); mesmo o comportamento</p><p>mais surpreendente tem suas razões para acontecer.</p><p>Freud percebeu conexões entre todos os eventos mentais (FADIMAN; FRAGER,</p><p>1986, p. 7) e, segundo ele, a maior parte dos processos mentais é absolutamente</p><p>inconsciente (FREUD, 1974, p. 171). O indivíduo pode agir sem perceber o que faz,</p><p>como exemplifica o significativo caso seguinte. No inconsciente não existe o conceito</p><p>de tempo, de certo e errado e não há contradição (FREUD, 1974, p. 237); isso se</p><p>evidencia na ausência de lógica do sonho (seu famoso A interpretação dos sonhos, de</p><p>1900, continua interessante leitura).</p><p>Caso 6 – O ato falho</p><p>A vítima compareceu ao plantão policial para reconhecimento do</p><p>homem que a agrediu e roubou sua bolsa.</p><p>Colocada diante de alguns suspeitos, de pronto identificou</p><p>determinado sujeito.</p><p>Este, entretanto, argumentou para o delegado:</p><p>“Como ela pode ter me reconhecido se eu estava de capuz na hora</p><p>do assalto?”</p><p>Confissão de culpa!</p><p>Ao “escorregão” da fala Freud denominou ato falho ou lapso de linguagem.</p><p>Acontece a qualquer momento, em depoimentos, relatos, queixas, justificativas etc.,</p><p>favorecido pelo estado emocional. O consciente funciona como uma blindagem que a</p><p>emoção rompe e permite vir à luz o conteúdo oculto no inconsciente.</p><p>Freud desenvolveu um modelo de estrutura do aparelho psíquico, composto por</p><p>➢</p><p>➢</p><p>➢</p><p>três elementos:</p><p>Id: a parte mais primitiva e menos acessível da personalidade, constituída</p><p>de conteúdos inconscientes, inatos ou adquiridos, que buscam a contínua</p><p>gratificação (FADIMAN; FRAGER, 1986, p. 10-11). O id não tolera</p><p>acúmulos de energia psíquica. Quando acontecem, o id procura voltar ao</p><p>estado de normalidade – é o princípio do prazer. Nesse sentido, os</p><p>desejos são ilimitados; um desejo reprimido não se extingue, estará</p><p>sempre em busca de satisfação.</p><p>Ego: responsável pelo contato do psiquismo com a realidade externa,</p><p>contém elementos conscientes e inconscientes (FREUD, 1974, p. 11). Ele</p><p>atua, pois, sob o princípio da realidade (FREUD, 1974, p. 39), por meio</p><p>do pensamento realista. O ego não existe sem o id e o superego.</p><p>Superego: atua como um censor do ego. Tem a função de formar os ideais,</p><p>a auto-observação etc. (FREUD, 1974, p. 70-71). Constitui “a força</p><p>moral da personalidade; representa o ideal, mais do que o real, busca a</p><p>perfeição mais do que o prazer” e foi formado pela criança por meio das</p><p>contribuições recebidas dos pais (CAMPBELL; HALL; LINDZEY, 2000,</p><p>p. 55). Quando ocorrem falhas nesse mecanismo intrapsíquico de</p><p>contenção e de convergência com os valores morais da sociedade, esta</p><p>deve atuar, mostrando-se mais impiedosa ou complacente com a conduta</p><p>apresentada. A justiça pode apresentar-se como um “superego externo”,</p><p>ao atuar expondo e exigindo o cumprimento de normas éticas e morais na</p><p>sociedade.</p><p>No caso seguinte, forças do superego encontram-se nos comportamentos de</p><p>Helena. Outras interpretações poderão ser feitas com base em teorias que serão</p><p>adiante apresentadas.</p><p>Caso 7 – Carol, a bem amada</p><p>A plácida reunião de família, com a tradicional troca de amenidades,</p><p>foi interrompida quando Carol, bela nos seus 40 anos bem administrados</p><p>anatomicamente, revira os olhos para o teto e comenta a respeito do</p><p>delicioso encontro com o gerente da padaria, casado e pai de três filhas.</p><p>Os demais, entre invejosos e espantados, embora já acostumados</p><p>com as notícias de suas aventuras amorosas, olham-na calados. De</p><p>repente, sua irmã mais velha, Helena, visivelmente transtornada, atira-se</p><p>sobre ela.</p><p>O caso não chegou a originar Boletim de Ocorrência, embora a</p><p>agressão tenha sido violenta e somente não ocasionou consequências</p><p>maiores pela rápida ação de dois cunhados.</p><p>Helena “não podia se conformar com o desrespeito à memória do</p><p>pai, que, graças a Deus, não estava ali para presenciar aquela sem-</p><p>vergonhice”. O que sobrava a uma faltava à outra, e a rigidez do</p><p>superego se incumbia de escancarar a realidade.</p><p>O id não conhece juízo de valor (bem, moral); ele busca a satisfação imediata,</p><p>como acontece com o protagonista do caso seguinte. Ao id não se aplicam as leis</p><p>lógicas do pensamento. Nele podem habitar conteúdos contrários sem que um anule ou</p><p>diminua o outro (FADIMAN; FRAGER, 1986, p. 11).</p><p>Caso 8 – Guguinha e o id veloz</p><p>Desde cedo, Guguinha experimentou a velocidade. Seu primeiro</p><p>brinquedo, uma miniatura de carro de corrida; ainda não escrevia e já</p><p>experimentava as primeiras emoções de um kart. Forte, inteligente,</p><p>sempre disposto a novas aventuras, colecionou experiências, mais e mais</p><p>radicais.</p><p>A adolescência preocupou a família. Mesmo os menos atentos</p><p>percebiam as deficiências de aprendizagem e temiam pela futura</p><p>participação do jovem nos negócios dos pais. Começaram as cobranças</p><p>por resultados.</p><p>Em uma deliciosa noite de verão, ele e um amigo destroem o</p><p>2.1.2</p><p>➢</p><p>➢</p><p>➢</p><p>Mercedes do pai, em uma conhecida avenida da cidade, participando de</p><p>mais um “racha”, em busca de diversão fácil e estimulante.</p><p>O ego procura unir e conciliar as reivindicações do id e do superego com as do</p><p>mundo externo, harmonizar seus reclamos e exigências, frequentemente incompatíveis</p><p>(FREUD, 1974, p. 99). Ajusta-se às situações, com uma flexibilidade que o id e o</p><p>superego não possuem.</p><p>O indivíduo dominado pelo id ou superego tem o senso de realidade</p><p>prejudicado. Estará mais propenso, por exemplo, a cometer crimes e delitos, para</p><p>autogratificação, ou para autoculpabilidade, ainda que em prejuízo da sociedade.</p><p>Mecanismos de defesa do ego</p><p>Deve-se a Freud o conceito de “mecanismos psicológicos de defesa”,</p><p>empregados pelo psiquismo, de maneira “mais ou menos consciente” (SILLAMY,</p><p>1998, p. 70), para diminuir a angústia nascida dos conflitos interiores. O psiquismo</p><p>os utiliza para enfrentar situações estressantes por meio da distorção da realidade</p><p>(HUFFMAN; VERNOY; VERNOY, 2003, p. 478). Alguns deles:</p><p>recalque: o indivíduo mantém, fora do campo da consciência, “os</p><p>sentimentos, as lembranças e as pulsões penosas, ou em desacordo com a</p><p>pessoa social” (SILLAMY, 1998, p. 199). Os compositores Clésio,</p><p>Clodô e Climério Ferreira proporcionam sensível aplicação desse</p><p>conceito na música “Revelação”, grande sucesso do cantor Fagner.</p><p>Compensa conferir no YouTube!</p><p>deslocamento: a pessoa desvia “sentimentos emocionais de sua fonte</p><p>original a um alvo substituto” (WEITEN, 2002, p. 351); para lidar com</p><p>uma paixão socialmente proibida, a pessoa embriaga-se;</p><p>distração: a atenção migra para outro objeto (SILLAMY, 1998, p. 81); o</p><p>jurado perde a concentração e não ouve a descrição minuciosa de uma</p><p>cena de sexo;</p><p>➢</p><p>➢</p><p>➢</p><p>➢</p><p>➢</p><p>➢</p><p>➢</p><p>fantasia: “a troca do mundo que temos por aquele com o qual sonhamos”</p><p>(VERGARA, 1999, p. 49); o traficante imagina “que poderá deixar o</p><p>negócio assim que tiver ganho o suficiente”;</p><p>identificação: o indivíduo estabelece “uma aliança real ou imaginária com</p><p>alguém ou algum grupo” (WEITEN, 2002, p. 351); o jovem comporta-se</p><p>da maneira que acredita que o líder (da gangue, por exemplo) o faria;</p><p>negação da realidade: recusa-se a reconhecer fatos reais e os substitui por</p><p>imaginários (WEITEN, 2002, p. 162); possivelmente, os pais de</p><p>Guguinha (caso 8) negaram-se a aceitar comentários a respeito da falta</p><p>de limites do filho;</p><p>racionalização: trata-se de “criação de desculpas falsas, mas plausíveis,</p><p>para poder justificar um comportamento inaceitável” (WEITEN, 2002, p.</p><p>351); “sempre fizemos tudo por ele, mas é impossível controlar as más</p><p>influências dos colegas”;</p><p>regressão: “a adoção mais ou menos duradoura de atitudes e</p><p>comportamentos característicos de uma idade anterior” (WEITEN, 2002,</p><p>p. 201); evidencia-se em comportamentos típicos de indivíduos que não</p><p>querem assumir a responsabilidade por seus atos: a “culpada” é a</p><p>sociedade que não lhes deu oportunidades de progredir na vida;</p><p>provavelmente, Guguinha experimenta a regressão quando dirige em alta</p><p>velocidade, uma vez que já deveria ter internalizadas as regras próprias</p><p>do trânsito;</p><p>projeção: o indivíduo atribui a outra pessoa (ou grupo, ou mesmo ao</p><p>mundo) algo dele mesmo; causa comum de certos erros de juízo</p><p>(WEITEN, 2002, p. 185). Muitas denúncias e agressões representam a</p><p>face visível da vingança impossível. Queixa-se do barulho das crianças</p><p>porque não teve filhos; denuncia a falta de pudor porque fracassou em</p><p>obter relacionamento sexual satisfatório;</p><p>idealização: este mecanismo prejudica a compreensão real da situação e de</p><p>➢</p><p>2.1.3</p><p>➢</p><p>➢</p><p>pessoas, ao passo que busca, no objeto, o ideal; enxerga somente aquilo</p><p>que gostaria que o outro fosse. Por exemplo, o homem apaixonado que vê</p><p>em sua companheira a melhor mulher do mundo;</p><p>sublimação: o mecanismo de defesa mais evoluído, modifica o impulso</p><p>original, carregado das influências do id que visam satisfazer o prazer,</p><p>para ser expresso conforme as exigências sociais. Assim, muitos</p><p>esportistas valem-se da sublimação ao descarregar seus impulsos</p><p>agressivos em disputas esportivas.</p><p>Advogados, juízes e promotores devem estar atentos às manifestações dos seus</p><p>próprios mecanismos de defesa, principalmente quando réu ou testemunha desperta</p><p>atração sexual, representa ou simboliza poder, credo, etnia, opção política, ou se trata</p><p>de personalidade pública, constitui alvo preferencial da mídia ou, ainda, apresenta</p><p>comportamentos nitidamente desagradáveis.</p><p>Desenvolvimento psicossexual</p><p>Freud atribuiu à sexualidade e ao desenvolvimento desta a forma como os</p><p>indivíduos lidam com os estímulos internos e externos; propõe que o desenvolvimento</p><p>psicossocial compõe-se das seguintes fases (DAVIDOFF, 719, p. 1983):</p><p>oral, do nascimento até por volta do primeiro ano.</p><p>O prazer centraliza-se em atividades orais; o bebê se conecta ao mundo através</p><p>da boca. Seu correspondente psicossocial é o desenvolvimento da</p><p>confiança/desconfiança em relação ao outro;</p><p>anal, característica do primeiro ao terceiro ano de vida.</p><p>A criança passa, aos poucos, de uma posição predominantemente passiva para</p><p>ativa. O prazer se concentra na porção posterior do trato digestivo. Seu</p><p>correspondente psicossocial é o desenvolvimento da autonomia, vergonha, dúvida e</p><p>➢</p><p>➢</p><p>➢</p><p>controle, envolvendo o domínio do outro. O prazer evoca as funções de eliminação;</p><p>se inexistente, leva à avareza; se extremo, à desordem. Por exemplo, o colecionador</p><p>que compra quadros valiosos e não os exibe, o obsessivo que insiste longo tempo em</p><p>tarefas não completadas;</p><p>fálica, do terceiro ao sexto anos aproximadamente.</p><p>O prazer concentra-se nos órgãos genitais; a criança descobre as diferenças</p><p>sexuais. É o momento em que ocorre o “Complexo de Édipo”, o qual indica que,</p><p>inconscientemente, a criança sente atração pelo progenitor do sexo oposto, sentindo o</p><p>do mesmo sexo como rival. Ao superar esta fase, a criança é capaz de se identificar</p><p>com a figura do mesmo sexo, a qual passa a ser um referencial, para ela, na</p><p>construção de sua identidade sexual. Também é o momento em que o ego (adaptação à</p><p>realidade) e o superego (julgador moral interno) ganham contornos mais definidos.</p><p>Seu correspondente psicossocial gera conceitos como iniciativa e culpabilidade.</p><p>Falhas no desenvolvimento resultarão em dificuldade de identificação sexual e de</p><p>relacionamento com o sexo oposto. A fixação nesta fase manifesta-se, por exemplo,</p><p>pelo comportamento de sedução;</p><p>latência, estende-se dos 6 aos 12 anos aproximadamente.</p><p>Ocorre aparente diminuição do interesse sexual, com a tendência a juntar-se em</p><p>grupos do mesmo sexo e demonstração de maior interesse por questões sociais; o</p><p>desenvolvimento cognitivo vem acompanhado do fortalecimento do ego e superego;</p><p>genital, a fase final (da puberdade à maturidade).</p><p>O indivíduo desloca os interesses sexuais da própria pessoa para outra. Alguns</p><p>crimes sexuais estão ligados à dificuldade no direcionamento satisfatório e</p><p>socializado dos interesses sexuais, como será visto no Capítulo 3 ao tratar das</p><p>parafilias.</p><p>Quando o indivíduo não amadurece normalmente, ocorrem fixações em uma ou</p><p>2.1.4</p><p>mais fases e surgem distorções, disfunções ou inadequações nos comportamentos. O</p><p>indivíduo fixado na fase fálica, por exemplo, estaria propenso à prática de crimes</p><p>sexuais. Quando a fixação ocorre na fase oral, a pessoa pratica a calúnia, a</p><p>difamação, procura a droga, come em excesso etc.. A fixação na fase anal leva ao</p><p>masoquismo, ao sadismo, ao entesouramento doentio etc.</p><p>Primeiras influências sociais</p><p>Deve-se a Carl Gustav Jung (Suíça, 1875-1961) o conceito</p><p>de símbolo: um</p><p>produto natural, espontâneo, que “significa sempre mais do que o seu significado</p><p>imediato e óbvio” (JUNG, 1995, p. 55). Símbolos encontram-se nos objetos,</p><p>vestimentas, adornos e nos próprios corpos de integrantes de grupos policiais e</p><p>criminosos; desempenham, por exemplo, o papel de estimular a coragem e amedrontar</p><p>os inimigos.</p><p>Atos de perversidade podem ser praticados por motivos ligados a simbolismo,</p><p>como os assassinatos ritualísticos (são conhecidos casos de crianças assassinadas</p><p>para que lhes sejam retirados os corações). Nas sociedades ou grupos sociais em que</p><p>a posse de algo (dinheiro, terras, cônjuge, posição, poder) representa um símbolo,</p><p>eclodem graves conflitos por ela, não sendo incomuns os assassinatos.</p><p>Jung atribuía ao psiquismo o papel de economizador de energia psíquica,</p><p>antecipando-se às demonstrações da neurociência. Lapsos de memória, atos falhos e</p><p>mecanismos de defesa, em essência, constituem maneiras que o psiquismo encontra</p><p>para poupar energia; essa concepção encontra correlato no conceito de esquemas de</p><p>pensamento, que será visto adiante.</p><p>Para Jung, a energia psíquica é utilizada, primordialmente, para as atividades</p><p>essenciais à vida e, a que excede, em ações culturais e espirituais, de tal maneira que</p><p>o desenvolvimento psíquico trabalha em busca da autorrealização (CAMPBELL;</p><p>HALL; LINDZEY, 2000, p. 99) e em direção a uma unidade estável. Diversos</p><p>estudiosos retomam esse entendimento.</p><p>Ao estabelecer o conceito de inconsciente coletivo, que compreende “toda a</p><p>vida psíquica dos antepassados desde os seus primórdios” e constitui “um ponto em</p><p>que a psicologia pura se depara com fatores orgânicos […] em uma base</p><p>fisiológica” (JUNG, 1991, p. 48), Jung coloca uma ponte entre o biológico e o social,</p><p>no que é acompanhado por Adler.</p><p>Alfred Adler (Áustria, 1870 – Escócia, 1937) difere de Freud (que vê o</p><p>comportamento motivado por pulsões inatas, em que enfatiza o sexo) e de Jung (que</p><p>valoriza os conteúdos inatos, provenientes do inconsciente coletivo) para estabelecer</p><p>que “os seres humanos são motivados primariamente por impulsos sociais”</p><p>(CAMPBELL; HALL; LINDZEY, 2000, p. 118).</p><p>Influenciado por Charles Darwin, baseava-se na premissa de que “a adaptação</p><p>ao meio ambiente constitui o aspecto mais fundamental da vida” (FADIMAN;</p><p>FRAGER, 1986, p. 73). Para ele, “o interesse social é inato, mas os tipos</p><p>específicos de relacionamentos com pessoas e instituições sociais que se</p><p>desenvolvem são determinados pela natureza da sociedade em que a pessoa nasce”</p><p>(CAMPBELL; HALL; LINDZEY, 2000, p. 118).</p><p>Conceituava como “saudável” o indivíduo que luta construtivamente pela</p><p>superioridade, com forte interesse social e cooperação. Acreditava que a</p><p>“cooperação e o sentimento comunitário são mais importantes do que a luta</p><p>competitiva” (FADIMAN; FRAGER, 1986, p. 73).</p><p>Os maiores obstáculos ao crescimento do indivíduo encontram-se na</p><p>inferioridade orgânica, na superproteção e na rejeição, que se refletem na extrema</p><p>dificuldade que tantas pessoas apresentam para aceitar pequenos sacrifícios.</p><p>Guguinha, certamente, experimentou a superproteção desde o nascimento; isso lhe</p><p>tolheu o amadurecimento psicológico, na visão de Adler.</p><p>A luta pela superioridade seria inata e a essência da vida. As pessoas “normais”</p><p>buscariam metas socialmente adaptadas; as “neuróticas”, metas egoístas.</p><p>Adler assinalou que “os problemas psicológicos e emocionais não podem ser</p><p>tratados como questões isoladas” (FADIMAN; FRAGER, 1986, p. 77), pensamento</p><p>de ampla aceitação nos dias de hoje.</p><p>2.1.5</p><p>➢</p><p>➢</p><p>➢</p><p>➢</p><p>A tipologia de Jung</p><p>Jung não classificou os tipos de comportamentos, mas descreveu as</p><p>potencialidades dos indivíduos, que eles deveriam desenvolver para chegar à</p><p>autorrealização. Produziu um modelo de ampla aceitação, reconhecido como uma</p><p>tipologia e gerador de pesquisas que resultaram em testes de características</p><p>comportamentais (CAMPBELL; HALL; LINDZEY, 2000, p. 109).</p><p>Assim, Jung percebeu as ações das pessoas segundo três orientações básicas e</p><p>independentes, oscilando entre polos opostos; com a adição de uma quarta orientação</p><p>idealizada por Isabel Briggs Myers e Kathleen Briggs (CAMPBELL; HALL;</p><p>LINDZEY, 2000, p. 199), chega-se a dezesseis tipos de personalidades, combinando-</p><p>as entre si. Os polos são os seguintes:</p><p>extroversão (E) e introversão (I);</p><p>pensamento (thinking) (T) e sentimento (feeling) (F);</p><p>sensação (S) e intuição (N);</p><p>julgamento (J) e percepção (P).</p><p>Um indivíduo seria classificável como “ESTJ” caso fosse preponderantemente</p><p>extrovertido, prático, realista, voltado para ações nas quais percebe utilidade. Um</p><p>indivíduo “INPF” seria pouco comunicativo, voltado para a aprendizagem, para</p><p>projetos independentes, pouco preocupado com posses e com tendência à idealização.</p><p>David G. Myers (1999, p. 303), criticando essa classificação, reporta relatório</p><p>do National Research Council dos EUA onde se registra a “desconcertante</p><p>popularidade desse instrumento na ausência de comprovação do seu valor científico”.</p><p>Outras classificações de personalidade o leitor encontra na mesma obra de</p><p>Myers.</p><p>A classificação proposta por Jung e aperfeiçoada posteriormente tem utilidade</p><p>na avaliação de potenciais e deve ser encarada com reservas quando se trata de</p><p>explicar ou prever comportamentos, porque inúmeros fatores concorrem para</p><p>2.2</p><p>2.2.1</p><p>desencadeá-los e tais fatores não podem ser, previamente, previstos quando se avalia</p><p>um indivíduo à luz de uma ou outra classificação.</p><p>Como já comentou um psicólogo bem-humorado, as classificações de</p><p>personalidade são ótimos retrovisores, mas não tão eficientes para as funções de farol</p><p>de milha.</p><p>UMA VISÃO PSICOSSOCIAL DO DESENVOLVIMENTO</p><p>Nesta seção, incluem-se contribuições de dois importantes estudiosos do</p><p>desenvolvimento do psiquismo: Winnicott e Erikson.</p><p>A importância do cuidado materno</p><p>Donald Winnicott (Inglaterra, 1896-1971), pediatra psicanalista, imprime um</p><p>olhar lúdico ao desenvolvimento psíquico, consistente com sua infância feliz em</p><p>Cambridge. Para ele, a dependência é o principal aspecto da infância e o</p><p>desenvolvimento do lactente é facilitado pelo “cuidado materno suficientemente</p><p>bom” (WINNICOTT, 1990, p. 53). Por “mãe”, deve-se entender a mãe biológica ou</p><p>quem lhe faça as vezes. Destaque-se que Winnicott não descarta a importância da</p><p>função paterna.</p><p>A consequência de uma “mãe não suficientemente boa” é a incapacidade de dar</p><p>início à maturação do ego ou fazê-lo de maneira distorcida (WINNICOTT, 1990, p.</p><p>55). Ele considera o “amor” (“há mais para se ganhar do amor do que da</p><p>educação”, WINNICOTT, 1990, p. 94) como uma necessidade da criança em</p><p>desenvolvimento, a qual “precisa ser tratada como criança que é e não como um</p><p>adulto” (WINNICOTT, 1990, p. 69). Reconhece, contudo, a influência do ambiente na</p><p>construção de uma base psicológica sólida. Há o que se pensar a respeito dos</p><p>cuidados maternos recebidos por Guguinha. A falta de tempo e a dedicação da mãe e</p><p>do pai aos negócios não terão facilitado o preenchimento dos requisitos preconizados</p><p>por Winnicott.</p><p>Para ele, há um vínculo entre roubo e privação (WINNICOTT, 1999, p. 4),</p>