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<p>AULA 4</p><p>FUNÇÕES</p><p>NEUROPSICOLÓGICAS</p><p>COGNITIVAS – COGNIÇÃO E</p><p>APRENDIZAGEM</p><p>Profª Michelle Müller</p><p>2</p><p>TEMA 1 – O QUE SÃO FUNÇÕES EXECUTIVAS</p><p>Conforme vimos nos módulos anteriores, toda aprendizagem depende do</p><p>desenvolvimento do sistema sensório-motor, que acontece por meio da</p><p>interação com o ambiente e dos processos neurobiológicos de amadurecimento.</p><p>Os raciocínios lógico, verbal e social são paulatinamente construídos e</p><p>direcionados pelas relações sociais. A aprendizagem também depende dos</p><p>vários tipos de memória e da capacidade de sustentar a atenção — relacionada</p><p>ao controle inibitório — e de fatores tanto emocionais quanto físicos.</p><p>No topo estão as chamadas competências superiores, sobre as quais</p><p>iremos aprender nesta aula. Elas não se restringem à aprendizagem de</p><p>determinados conhecimentos e habilidades — como a leitura, a memorização de</p><p>fatos e a compreensão da linguagem e dos números —, mas envolvem a</p><p>seleção, a análise e a manipulação das informações de maneiras novas.</p><p>Essas capacidades são desenvolvidas ao longo da infância e da</p><p>adolescência e mostram-se determinantes para o sucesso do indivíduo na esfera</p><p>pessoal e profissional. Elas ocorrem no córtex pré-frontal, a terceira unidade de</p><p>Luria, área do cérebro que representa aquilo que nos faz humanos. É a região</p><p>que nos permite o autocontrole, a regulação do comportamento, a conduta</p><p>social, o planejamento, a resolução de problemas, o trabalho colaborativo, o</p><p>respeito ao outro, a projeção de situações futuras, a elaboração de histórias, a</p><p>criação e o uso de ferramentas, a criatividade, a responsabilidade, a flexibilidade</p><p>cognitiva, o pensamento crítico. É onde se constrói nossa identidade e que nos</p><p>permite formar sociedades, construir culturas.</p><p>Logicamente, dizer que o córtex pré-frontal assume todas essas funções</p><p>não significa que responde sozinho por elas. Os processos mentais são</p><p>complexos e nunca estão localizados em uma única área. Mas uma lesão nessa</p><p>região comprometeria todas essas habilidades superiores, além de aquilo que</p><p>conhecemos como personalidade. Ou seja, com um problema no córtex pré-</p><p>frontal, você manteria suas funções mentais básicas, inclusive sensoriais e</p><p>motoras, mas não seria mais você mesmo.</p><p>As funções executivas são as últimas a se desenvolverem e as primeiras</p><p>a falharem como consequência de disfunções neurológicas e do envelhecimento</p><p>do cérebro. São resultado da parte mais recente desse órgão na linha evolutiva</p><p>e, também, a mais vulnerável.</p><p>3</p><p>Não existe uma definição estabelecida no que diz respeito às funções</p><p>executivas. Sabemos que envolvem capacidades cognitivas superiores, mas</p><p>diferentes autores podem dar ênfase a diferentes conjuntos de funções.</p><p>Além disso, é quase impossível falar de funções executivas sem citar o</p><p>controle inibitório: competência desenvolvida ao longo da infância e da</p><p>adolescência que permite suprimir os impulsos e pensar antes de reagir ou de</p><p>falar.</p><p>A pesquisadora e neurocientista cognitiva Adele Diamond (2013),</p><p>especialista no estudo de funções executivas, cita ainda como funções básicas</p><p>o controle de interferência, que inclui domínio sobre a atenção e inibição</p><p>cognitiva (que envolve o controle e seleção de informações e pensamentos), a</p><p>memória de trabalho (fortemente correlacionada à atenção) e a flexibilidade</p><p>cognitiva (capacidade de mudar de estratégia e adaptar-se a novas situações).</p><p>Mas existem especialistas que incluem no conjunto a formação de</p><p>padrões (capacidade de identificar padrões nas informações para inferir o que</p><p>irá acontecer na sequência) e a categorização (capacidade de formar</p><p>categorias de informações, formando uma base cognitiva para que se possa</p><p>aplicar habilidades superiores, como analisar e avaliar tais informações).</p><p>As funções executivas, segundo Adele Diamond (2013), são cruciais para</p><p>a saúde mental e física, para o sucesso nos estudos, bem como na vida e no</p><p>desenvolvimento social, psicológico e cognitivo.</p><p>Não apenas se constroem como consequência de processos biológicos</p><p>do amadurecimento cerebral, como a mielinização, mas também são moldadas</p><p>pelo ambiente, especialmente pelas relações sociais. Essas funções superiores</p><p>podem ser estimuladas por uma série de práticas, como jogos, atividades</p><p>esportivas, meditação e atividades cooperativas, além da repetição.</p><p>E por que a repetição? Todas as tarefas que colocam o córtex pré-frontal</p><p>para trabalhar, exercitando as funções executivas, exigem esforço e são,</p><p>portanto, realizadas de forma lenta e dispendiosa.</p><p>No entanto, à medida que ganhamos mais domínio sobre determinada</p><p>habilidade, o córtex pré-frontal passa a ser menos acionado e, a partir de então,</p><p>são as estruturas subcorticais que assumem a tarefa, realizada, dessa forma,</p><p>com menos esforço, de maneira automática e inconsciente. Isso vale para</p><p>qualquer conhecimento, desde as habilidades motoras até as condutas sociais.</p><p>4</p><p>Para que a aprendizagem seja consolidada, a ação e a repetição da ação são</p><p>fundamentais. Somos o que fazemos repetidamente.</p><p>Todas as funções executivas são dependentes do direcionamento</p><p>consciente da atenção, uma das nossas capacidades mais vulneráveis e,</p><p>portanto, facilmente afetadas por problemas ou por desequilíbrios tanto</p><p>emocionais quanto físicos.</p><p>Dessa forma, o trabalho de desenvolvimento dessas funções superiores</p><p>é mais eficaz quando o ambiente proporciona segurança e apoio emocional. O</p><p>sono, os exercícios físicos e fatores como hidratação e alimentação também</p><p>estão diretamente relacionados ao desempenho cognitivo.</p><p>Então, ajudar estudantes a alcançar melhor desempenho significa ir muito</p><p>além dos conteúdos programados. Importante investir em atividades</p><p>consideradas não acadêmicas, mas que trabalham todas as funções executivas,</p><p>além dos âmbitos social, emocional e físico. Artes, dança, música, esportes,</p><p>artes marciais, narração de estórias, meditação e jogos são algumas das práticas</p><p>que conciliam todas essas necessidades e que, infelizmente, não são a</p><p>prioridade na maior parte das instituições de ensino.</p><p>TEMA 2 – O CONTROLE INIBITÓRIO</p><p>A capacidade de pensar antes de agir está relacionada ao controle</p><p>inibitório. Tal função, diretamente relacionada a tantas outras — como atenção</p><p>concentrada e memória de trabalho —, será o foco desta aula.</p><p>O controle inibitório se refere desde ao controle das reações às emoções</p><p>até as respostas aos estímulos. Assim, podemos dizer que está relacionado</p><p>tanto à conduta social quanto a habilidades cognitivas básicas, como o domínio</p><p>da atenção diante de estímulos concorrentes.</p><p>Responde o mencionado controle por todas as situações que requerem o</p><p>autocontrole e a resistência a tentações, como comidas, jogos, compras e outros</p><p>vícios. Ou seja, é a função da disciplina, é o que nos permite focar em uma tarefa</p><p>até que seja concluída, apesar da vontade de ceder às distrações. Impede-nos</p><p>de, apesar da vontade, enviar uma mensagem grosseira a alguém que nos</p><p>provocou. É uma função que oferece gratificação tardia: esforçar-se agora para</p><p>ser recompensado depois.</p><p>5</p><p>A capacidade de inibir a resposta a um sentimento, de não ceder aos</p><p>impulsos governados por emoções muitas vezes desconhecidas ou</p><p>desorganizadas é fortemente dependente do meio social para se desenvolver.</p><p>Como o córtex pré-frontal, envolvido nessa função, é a região que mais demora</p><p>a amadurecer, a dificuldade em controlar certos impulsos ou reações</p><p>exageradas a algumas emoções pode parecer incompatível com outras</p><p>habilidades cognitivas já tão desenvolvidas.</p><p>2.1 Controle inibitório e inteligência emocional</p><p>O controle das reações às emoções é uma dos principais — se não for a</p><p>mais importante — competências que formam um tipo de inteligência que hoje</p><p>conhecemos por inteligência emocional. Muitos chegam à idade adulta sem ter</p><p>exercitado suficientemente o controle</p><p>inibitório, o que leva a muitos problemas</p><p>de relacionamento. Erros relacionados à falta de capacidade de esperar e de</p><p>ponderar para agir são percebidos nas diversas formas de relações, inclusive</p><p>nas redes sociais.</p><p>Há fortes indicativos de que a capacidade de inibição dos impulsos na</p><p>infância pode ser considerada um confiável preditor de saúde, de sucesso e de</p><p>segurança na idade adulta.</p><p>Um grupo de pesquisadores de diversas universidades, liderados por</p><p>Terrie Moffitt (2011), acompanhou a vida de cerca de mil pessoas durante 30</p><p>anos. Concluiu que as crianças — com 3 a 11 anos de idade — que</p><p>apresentaram um melhor desempenho em tarefas que dependem do controle</p><p>inibitório tinham, também, maior probabilidade de se manter na escola durante a</p><p>adolescência, além de apresentarem menor chance de fazer escolhas arriscadas</p><p>ou consumir substâncias ilícitas. Além disso, o grupo percebeu que, quando</p><p>adultos, os sujeitos estudados apresentaram melhores condições de saúde e</p><p>maior remuneração. O controle da impulsividade mostrou-se, portanto, mais</p><p>relevante do que outros fatores analisados, tais como o chamado quociente de</p><p>inteligência (QI), classe social, circunstâncias familiares e gênero.</p><p>2.2 O início do desenvolvimento do controle inibitório</p><p>O controle inibitório começa a ser desenvolvido muito cedo, quando</p><p>crianças pequenas precisam ter controle dos esfíncteres ou saber esperar.</p><p>6</p><p>Bebês de menos de um ano de idade podem permanecer focados em atividades</p><p>sensório-motoras que prendem seu interesse, como blocos e peças de encaixar.</p><p>No entanto, nos primeiros anos, o controle sobre a atenção é bastante imaturo,</p><p>e a tendência é que crianças se distraiam facilmente e deixem estímulos</p><p>externos interromperem a atividade na qual estão engajadas. Por isso, recursos</p><p>que as ajudem a desenvolver tal função cognitiva devem fazer parte do processo</p><p>de educação infantil.</p><p>Entre esses recursos estão o cuidado na seleção dos estímulos</p><p>oferecidos nos ambientes em que haja interação com crianças. Jogos e</p><p>brincadeiras que envolvem o controle do impulso são extremamente importantes</p><p>para o desenvolvimento infantil. Muitas vezes, a educação se precipita em</p><p>alfabetizar crianças em idade pré-escolar ou em repassar certa quantidade de</p><p>conteúdo acadêmico, sendo que atividades lúdicas e esportivas — que</p><p>trabalham o controle dos impulsos e que ensinam a esperar antes de responder</p><p>ou agir — poderão trazer resultados mais significativos para o desenvolvimento</p><p>cognitivo e até mesmo para o desempenho acadêmico das crianças.</p><p>De acordo com Adele Diamond, há evidências (Lakes; Hoyt, 2004) de que</p><p>as artes marciais trazem ótimos resultados no trabalho do autocontrole, pois,</p><p>além dos movimentos, regras e objetivos, envolvem questionamentos que levam</p><p>à reflexão sobre o próprio comportamento e sobre a importância da disciplina e</p><p>do planejamento, mas sem desconsiderar o presente.</p><p>TEMA 3 – MEMÓRIA DE TRABALHO</p><p>Conforme vimos anteriormente, existem vários tipos de memória. A que</p><p>envolve mais o córtex pré-frontal — e, por isso, é considerada uma função</p><p>executiva — é a memória de trabalho. Essa capacidade é a que vamos abordar</p><p>nesta aula.</p><p>Entre os vários tipos de memória, existe aquela que utilizamos para</p><p>compreender e manipular a informação — como, por exemplo, manter em mente</p><p>as informações do início de um parágrafo para conseguir entender a sequência</p><p>ou, também, compreender números envolvidos em uma operação mental. Essas</p><p>informações podem ser verbais ou visuoespaciais. Chamamos tal habilidade de</p><p>memória de trabalho.</p><p>7</p><p>A memória de curto prazo está mais relacionada à armazenagem de</p><p>informações por um período de tempo. Já a memória de trabalho envolve não</p><p>apenas a retenção, mas também a manipulação das informações, que se</p><p>desenvolve mais lentamente e depende do córtex pré-frontal dorsolateral.</p><p>A manipulação das informações não depende somente da sua retenção</p><p>temporária na mente, mas também da capacidade de manter o foco na tarefa e,</p><p>assim, ignorar os estímulos irrelevantes, bem como inibir o impulso de desviar a</p><p>atenção. Portanto, a memória de trabalho e o controle inibitório trabalham</p><p>semprem em comunhão.</p><p>Imagem 1 – Córtex pré-frontal dorsolateral</p><p>Fonte: OLYGON/SHUTTERSTOCK</p><p>Para uma criança com dificuldade em controlar a atenção e ignorar os</p><p>estímulos concorrentes, é mais difícil manter, por exemplo, uma sequência de</p><p>comandos na mente e cumpri-la. Por causa dessa conexão, para alguns</p><p>pesquisadores, a supressão de estímulos faz parte da memória de trabalho e</p><p>não seria uma habilidade separada.</p><p>A capacidade de suprimir impulso de desviar a atenção e a de, ao</p><p>contrário, conseguir manter um objetivo definido em mente durante uma tarefa</p><p>fazem parte desse conjunto de habilidades.</p><p>3.1 A atenção e a memória de trabalho</p><p>Em pessoas com memória de trabalho fraca ou ainda não totalmente</p><p>desenvolvida, tarefas como organizar mentalmente uma lista de coisas a fazer</p><p>ou seguir uma série de instruções costumam ser mais difíceis. Por exemplo, você</p><p>diz à criança uma sequência de tarefas que ela precisa cumprir. Ela tem que</p><p>ignorar os estímulos que aparecem no caminho e manter em mente o seu</p><p>8</p><p>objetivo, que é a execução das tarefas na ordem em que foram apresentadas.</p><p>Entretanto, a criança do nosso caso hipotético realiza somente a primeira tarefa</p><p>e vai fazer outra atividade. Esse tipo de comportamento é muito comum em</p><p>crianças com dificuldades atencionais, haja vista a relação estabelecida entre</p><p>atenção e memória de trabalho.</p><p>Outra situação bastante comum é quando são dados a uma criança dois</p><p>ou três comandos diferentes em um mesmo enunciado de exercício. Espera-se</p><p>que ela manipule as informações ao mesmo tempo em que sustenta na mente</p><p>mais de um comando, o que pode ser desafiador para muitas crianças, razão</p><p>pela qual respondem às questões pela metade. Esse tipo de dificuldade é</p><p>bastante comum, uma vez que a memória de trabalho, assim como outras</p><p>funções executivas, depende da região do cérebro que é a última a se</p><p>desenvolver. Assim, a série de comandos pode ser ótima forma de exercitar a</p><p>memória de trabalho, mas não de avaliar o conhecimento da criança, como</p><p>acontece em muitas provas.</p><p>Jogos de linguagem — como aqueles em que a criança precisa cumprir</p><p>uma sequência cada vez mais longa de comandos — são ótimos estímulos ao</p><p>desenvolvimento da memória de trabalho. Tal como as outras funções</p><p>executivas, essa habilidade tende a declinar com o envelhecimento do cérebro.</p><p>TEMA 4 – FLEXIBILIDADE COGNITIVA</p><p>Nesta aula vamos aprender sobre a função fundamentalmente humana e</p><p>cada vez mais valorizada pelo mercado de trabalho, além de necessária para</p><p>lidarmos com as inúmeras e constantes transformações do mundo: a</p><p>flexibilidade cognitiva.</p><p>A flexibilidade cognitiva é totalmente dependente de outras funções</p><p>executivas básicas, como a memória de trabalho e o controle inibitório. É um dos</p><p>grandes diferenciais humanos com relação às máquinas e aos animais. É crucial</p><p>para a resolução de problemas complexos, para a inovação em qualquer área</p><p>do conhecimento e também, em nível mais básico, para o sucesso nos</p><p>relacionamentos interpessoais.</p><p>Graças à flexibilidade cognitiva podemos reestruturar as informações na</p><p>mente e trocar de perspectiva — capacidades essenciais para a busca de</p><p>9</p><p>soluções pouco óbvias e também para entender o ponto de vista de outra</p><p>pessoa.</p><p>A flexibilidade cognitiva nos permite mudar de ideia, rever nossos</p><p>conceitos, mudar de hábitos, aproveitar oportunidades inesperadas e também</p><p>nos adaptarmos às mudanças — o que se faz cada vez mais necessário em um</p><p>mundo de rápidas transformações. É a função que nos permite aproveitar as</p><p>oportunidades que surgem de forma inesperada.</p><p>Flexibilidade mental está diretamente associada à criatividade. Não existe</p><p>trabalho criativo sem uma mente flexível por trás. Desde</p><p>um projeto de escola</p><p>que exige geração de ideias e criação autônoma até um negócio inovador, todas</p><p>as novas soluções foram fruto da capacidade de buscar informações fora dos</p><p>caminhos mais comuns e de associá-las de uma forma inédita — ações que</p><p>exigem mudança de perspectiva, típicas do pensamento elástico.</p><p>Crianças pequenas tendem a ser extremamente adaptáveis a novas</p><p>circunstâncias, mas têm dificuldade de mudar de perspectiva. Em experiências</p><p>com figuras ambíguas, por exemplo, crianças de menos de cinco anos de idade</p><p>não conseguem perceber a figura alternativa mesmo quando é mostrada a elas</p><p>(Gopnik; Rosati, 2001).</p><p>Ademais, outros testes que exigem capacidade de mudança de foco e</p><p>mudança de tarefas indicam que apenas entre os sete e nove anos de idade as</p><p>crianças estão prontas para essa habilidade (Gupta; Kar; Srinivasan, 2009).</p><p>Tal qual acontece com os músculos, a mente pode ser flexível ou rígida.</p><p>Assim, da mesma forma que fazemos com o físico, podemos exercitar a</p><p>flexibilidade mental. Atividades em que as regras são constantemente invertidas</p><p>são indicadas para o treino dessa habilidade. Mas não apenas testes e</p><p>exercícios garantem o desenvolvimento da flexibilidade: a capacidade de</p><p>mudança e adaptação é desenvolvida em ambientes em que a</p><p>interdisciplinaridade, a criatividade e o pensamento crítico são estimulados,</p><p>conforme oportunamente veremos. Aprender novas habilidades e adquirir</p><p>conhecimentos em diversas áreas mantêm a mente flexível e aberta.</p><p>TEMA 5 – PENSAMENTO CRÍTICO E TAXONOMIA DE BLOOM</p><p>Em um mundo tão complexo e diversificado, a capacidade de selecionar,</p><p>avaliar, interpretar e aplicar as informações nunca se fez tão necessária. Essas</p><p>10</p><p>capacidades, juntamente com várias outras que veremos nesta aula, fazem parte</p><p>daquilo que chamamos de pensamento crítico. Envolvem diretamente todas as</p><p>funções executivas que acabamos de aprender.</p><p>Não importa o que cobrimos, mas o que descobrimos. Ser</p><p>verdadeiramente educado significa investigar e criar a partir dos</p><p>recursos que estão disponíveis e que se consegue compreender; saber</p><p>onde procurar, como formular questões relevantes, saber questionar</p><p>doutrinas padrão. Mais importante que ter informações guardadas é</p><p>saber onde procurar, o que procurar e como procurar. (Noam</p><p>Chomsky..., 2015)</p><p>Apesar de estarem fortemente relacionadas a qualidade de vida, saúde e</p><p>realização profissional e pessoal, as funções executivas não estão no alvo do</p><p>sistema educacional de uma forma geral — ao menos não diretamente. A</p><p>educação tem o objetivo de repassar aos estudantes uma grande quantidade de</p><p>conteúdo, desconsiderando que o cérebro humano não foi projetado para</p><p>memorizar detalhes, mas sim para utilizar da melhor forma as poucas</p><p>informações de que precisa. Desse modo, o que precisa ser desenvolvido não é</p><p>a capacidade de armazenamento, mas sim de associação das informações.</p><p>Hoje, com a tecnologia usada como extensão da nossa memória, há mais</p><p>espaço para uma educação que privilegia aquilo que o cérebro humano faz de</p><p>melhor: pensar e criar.</p><p>O pensamento crítico e a criatividade dependem da capacidade de</p><p>armazenar, compreender, selecionar, analisar e utilizar as informações,</p><p>combinando-as e apresentando-se de formas novas.</p><p>Para isso, é preciso desenvolver competências, tais como o controle</p><p>sobre a atenção e sobre os impulsos, a manipulação e reestruturação das</p><p>informações retidas na mente, bem como a mudança de perspectiva e de foco</p><p>quando necessário. O pensamento crítico e a criatividade, portanto, passam pelo</p><p>desenvolvimento das funções executivas.</p><p>De acordo com Adams (2015), etapas que levam ao pensamento crítico</p><p>foram organizadas na década de 1950 por especialistas de diversas</p><p>universidades estadunidenses, liderados pelo psicólogo Benjamin Bloom. O</p><p>resultado: um modelo hierárquico de objetivos educacionais, também conhecido</p><p>como Taxonomia de Bloom.</p><p>No estudo em questão, a aprendizagem foi dividida em três domínios:</p><p>cognitivo, afetivo e psicomotor. Esse modelo sugere que as habilidades</p><p>superiores de pensamento — análise, síntese e avaliação, nesta ordem — são</p><p>11</p><p>construídas tendo como base os domínios mais básicos de conhecimento,</p><p>compreensão e aplicações.</p><p>A estrutura de Bloom sugere, segundo Adams (2015), que primeiramente</p><p>é necessário possuir o conhecimento, que significa a retenção, na memória, de</p><p>informações e fatos. É o que usamos ao memorizar uma lista de nomes ou a</p><p>ordem dos planetas, por exemplo. Grande parte da educação é baseada nessa</p><p>habilidade, posicionada na base da estrutura hierárquica de Bloom.</p><p>Uma etapa adiante está a compreensão dos fatos memorizados. Nesse</p><p>estágio, espera-se que a criança seja capaz de inferir informações que estão</p><p>sugeridas e não expostas de forma explícita, de fazer comparações entre fatos,</p><p>de associa-los a outros, de fazer categorização de itens em grupos e de explicar</p><p>ou contar, de forma clara, os fatos que aprendeu. Essa etapa é crucial para todo</p><p>o desenvolvimento acadêmico, uma vez que logo que as crianças ganham</p><p>fluência na leitura, o volume de conteúdo que depende da compreensão da</p><p>linguagem para ser assimilado começa a crescer de forma substancial.</p><p>Crianças que não conseguem compreender um texto adequadamente</p><p>precisam trabalhar as habilidades relacionadas a esse estágio da taxonomia</p><p>para que possam alcançar domínios avançados do pensamento. Em tal etapa,</p><p>as funções executivas cumprem importante papel, pois competências como a</p><p>mudança de perspectiva, formação de categorias, identificação de padrões,</p><p>memória de trabalho, atenção sustentada e reorganização das informações na</p><p>mente são fundamentais para o êxito da compreensão. Uma educação voltada</p><p>ao desenvolvimento dessas habilidades garante que os alunos saibam não</p><p>apenas o quê, mas o porquê de aprenderem o que lhes ensinam.</p><p>Dessa forma, poderão passar à etapa seguinte, que envolve a aplicação</p><p>do conhecimento compreendido em situações e contextos diferentes — uma</p><p>habilidade que requer o domínio da flexibilidade cognitiva, entre outras funções</p><p>executivas.</p><p>Passando para níveis mais altos de domínio cognitivo, em que se</p><p>encontram as habilidades mais estritamente relacionadas ao que conhecemos</p><p>como pensamento crítico, chega-se à capacidade de análise. Para apresentar</p><p>esse atributo, é necessário saber distinguir entre fato e opinião, saber identificar</p><p>o propósito de um discurso e com que base foram construídos os argumentos</p><p>expostos. Nessa etapa também entra a capacidade de comparações críticas.</p><p>12</p><p>Em seguida, passa-se para a síntese, que é a capacidade de combinar</p><p>informações compreendidas em uma nova ideia. Essa é a etapa da criatividade,</p><p>também fortemente relacionada à flexibilidade cognitiva e à memória de trabalho.</p><p>Recentemente, uma versão atualizada da Taxonomia de Bloom transformou a</p><p>síntese em criação ou criatividade e transferiu a habilidade para o topo da</p><p>estrutura.</p><p>Finalmente, a última etapa da hierarquia original compreende as</p><p>capacidades relacionadas à avaliação, como o julgamento, a comparação de</p><p>ideias e de teorias. Espera-se que os estudantes dominem com propriedade tal</p><p>etapa, que depende de todas as outras durante a fase universitária. É quando</p><p>deverão fazer o julgamento crítico de ideias com base em informações muitas</p><p>vezes conflitantes e de diversas áreas.</p><p>A Taxonomia de Bloom (Adams, 2015) passou por uma revisão recente,</p><p>em que foram alteradas a nomenclatura e a ordem das habilidades. Todos os</p><p>objetivos passaram a ser expressos por meio de verbos e o criar passou para o</p><p>topo da estrutura, que ficou nesta ordem: lembrar, compreender, aplicar,</p><p>analisar, avaliar e criar.</p><p>Apesar de ser a mais conhecida, a hierarquização dos objetivos</p><p>educacionais não é o único domínio contemplado pela Taxonomia de Bloom.</p><p>Existem outros dois, também fundamentais para o desenvolvimento humano e</p><p>diretamente relacionados ao</p><p>desenvolvimento cognitivo: o domínio psicomotor e</p><p>o afetivo. Neste último, são organizadas, também de forma hierárquica, as</p><p>habilidades relacionadas à consciência das atitudes e dos sentimentos em um</p><p>ambiente educacional. No próximo módulo, iremos abordar a relação das</p><p>emoções com a aprendizagem.</p><p>Imagem 2 – Taxonomia de Bloom (original e revisada)</p><p>13</p><p>14</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ADAMS, N. Bloom’s Taxonomy of Cognitive Learning Objectives. Journal of The</p><p>Medical Library Association, v. 103, n. 3, p. 152-153, 2015. Disponível em:</p><p><https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4511057/>. Acesso em: 29 ago.</p><p>2018.</p><p>DIAMOND, A. Executive Functions. Annual Review of Psychology, v. 64,</p><p>p. 135-168, 2013. Disponível em:</p><p><https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23020641>. Acesso em: 29 ago. 2018.</p><p>DIAMOND, A. The Science of Attention. On Being, 7 ago. 2014. Entrevista.</p><p>Disponível em: <https://onbeing.org/programs/adele-diamond-the-science-of-</p><p>attention/>. Acesso em: 29 ago. 2018.</p><p>FONSECA, V. da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto</p><p>Alegre: Artmed, 2008.</p><p>GOPNIK, A.; ROSATI, A. Duck or Rabbit? 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Acesso em: 29 ago. 2018.</p>