Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

<p>ESTÉTICA E SEMIÓTICA</p><p>APLICADA AO DESIGN</p><p>AULA 1</p><p>Prof. Humberto Costa</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>O mundo é linguagem e pensamos com linguagens. Aprender a</p><p>operacionalizar as linguagens nos conduzirá ao pensamento educado, claro e</p><p>lúcido acerca dos fenômenos no mundo. O pensamento educado é aquele capaz</p><p>de organizar, selecionando e combinando, o percurso das ideias, formalizando</p><p>raciocínios objetivos e eficientes que exponham significados adequados às</p><p>intenções de emissão e recepção de mensagens. Assim, é necessário que</p><p>lancemos um olhar não automatizado para as coisas, mas para isso precisamos</p><p>nos limpar dos preconceitos e automatismos que a sociedade lança</p><p>continuamente sobre nós. Ora, os meios de comunicação, especialmente os</p><p>meios de comunicação de massa, tentam incansavelmente nos dizer o que</p><p>pensar, falar, gostar, desejar, como nos comportar etc., e aqui está o nosso</p><p>grande desafio: pensar por nossa própria cabeça.</p><p>De início, vamos desfazer uma grande confusão, referente aos termos</p><p>língua e linguagem. A linguagem pode ser definida como qualquer meio</p><p>sistemático de comunicar ideias ou sentimentos por meio de sinais</p><p>convencionais, sonoros, gráficos, gestuais etc. Como exemplo, podemos citar a</p><p>dança, o cinema, as artes plásticas, o design etc. A linguagem é a base de toda</p><p>e qualquer forma de comunicação e é dividida em verbal e não verbal. As</p><p>linguagens verbais são compostas essencialmente por palavras. Já as</p><p>linguagens não verbais são aquelas em que fazemos o uso de outros meios que</p><p>não as palavras, como as placas de trânsito, as cores na sinalização etc. Há</p><p>também as linguagens híbridas (ou sincréticas), que utilizam elementos verbais</p><p>e não verbais, como as histórias em quadrinhos. Para facilitar, podemos dizer</p><p>que a linguagem é um sistema mais amplo e a língua, um recorte desse sistema.</p><p>Por exemplo, o desenho é uma linguagem e cada habilitação do desenho (por</p><p>exemplo, o desenho geométrico, artístico, charge etc.), com suas regras</p><p>particulares, a língua. A fotografia é a linguagem e a fotografia jornalística, a</p><p>língua.</p><p>CONTEXTUALIZANDO</p><p>A linguagem é nossa faculdade de representar e, portanto, o mais alto</p><p>grau de realidade está nas linguagens. O que não representamos não existe e</p><p>3</p><p>representar refere-se à nossa capacidade de substituir uma coisa pela outra.</p><p>Aquilo que primariamente não passar pelos nossos órgãos dos sentidos, ou seja,</p><p>aquilo que não conseguimos ver, ouvir, cheirar, tocar, sentir e, por consequência,</p><p>não conseguimos construir, desconstruir, comutar, separar, encaixar... não</p><p>existe! Tais saberes existem no mundo externo, mas só se realizam como</p><p>linguagem e propriedade de comunicação quando nós tivermos aprendido e</p><p>apreendido os processos de representação (substituição).</p><p>Para nos auxiliar na compreensão do mundo, ampliando a nossa</p><p>capacidade de leitura e produção de mensagens, sejam elas verbais ou não</p><p>verbais, eis que podemos lançar mão de um poderoso instrumento: a semiótica.</p><p>Assim, temos por objetivo compreender: como as linguagens constituem a</p><p>realidade da representação; como operacionalizamos com as linguagens e qual</p><p>a importância do pensamento educado. Para atingirmos tal objetivo, veremos o</p><p>que é a semiótica, suas correntes e a questão dos fenômenos, e abordaremos a</p><p>relação entre semiótica e design.</p><p>TEMA 1 – O QUE É A SEMIÓTICA?</p><p>A semiótica não é uma ótica pela metade, brincadeiras à parte. Seu nome</p><p>vem da raiz grega semeion, que significa signo. Signo é alguma coisa que</p><p>representa algo a alguém em determinado contexto, tal como uma frase, um</p><p>desenho, um som etc. O homem, para conhecer e se conhecer, se faz signo e</p><p>só interpreta esses signos traduzindo-os em outros signos. Eis o processo da</p><p>representação. A semiótica é, então, a ciência de todas as linguagens possíveis</p><p>e tem por objetivo se debruçar sobre os modos de constituição de todo e</p><p>qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e de sentido</p><p>(Santaella, 2003).</p><p>A semiótica nos fornece um percurso metodológico-analítico que intenta</p><p>dar conta das questões relativas às diferentes naturezas que as mensagens</p><p>podem ter: verbal, imagética, sonora, audiovisual etc. Sendo assim, é</p><p>indispensável que, para empreendermos uma análise afinada sobre um</p><p>determinado fenômeno, dialoguemos com teorias mais específicas dos</p><p>processos de signos que estão sendo examinados. Por exemplo, para</p><p>analisarmos um filme, temos de ter conhecimento sobre cinema. Para</p><p>analisarmos adequadamente uma fotografia, é importante que detenhamos</p><p>4</p><p>conhecimento sobre fotografia. Ora, a semiótica por si só não é capaz de nos</p><p>ajudar a produzir uma análise mais aprofundada sobre determinada linguagem,</p><p>pois cada linguagem tem as suas especificidades.</p><p>Figura 1 – O signo rosa</p><p>Crédito: Jee_baraluka/Shutterstock.</p><p>Com base na Figura 1, a imagem de uma rosa vermelha significa que uma</p><p>fotografia foi tirada. Podemos inferir que a rosa vermelha está representando o</p><p>amor. As letras organizadas — R-O-S-A — estão no lugar do som da palavra</p><p>que está no lugar da rosa vermelha em questão. Se a imagem anterior fosse de</p><p>uma rosa branca, a leitura seria um pouco diferente.</p><p>Imaginemos uma situação comunicativa que está presente na Figura 2.</p><p>Alguém pergunta ao seu interlocutor o que poderia ser usado para tapar um</p><p>buraco e ele responde: “uma pedra!”.</p><p>Figura 2 – Proferindo a palavra pedra</p><p>Quando o interlocutor profere a palavra pedra, este signo (fala, palavra)</p><p>está representando a coisa pedra. Tal substituição impede, por exemplo, que o</p><p>interlocutor tenha que ir buscar e mostrar uma pedra para que a sua mensagem</p><p>Uma pedra!</p><p>5</p><p>seja compreendida. Note que outros signos poderiam ser usados nessa</p><p>situação, como um desenho de uma pedra, uma fotografia de uma pedra, um</p><p>vídeo mostrando uma pedra, o som de pedras rolando etc.</p><p>O exemplo acima pode até parecer banal, mas foquemos na grandeza do</p><p>signo. Esse poder que o signo tem de substituir uma coisa torna a vida do homem</p><p>extremamente fácil e prática (ou não, dependendo do propósito).</p><p>A manifestação de realidade da linguagem está naquilo que chamamos</p><p>de repertório, que é o banco de dados onde armazenamos nosso conjunto de</p><p>saberes e realizações. Em outras palavras, o repertório guarda o conjunto das</p><p>linguagens que um indivíduo tem a capacidade de operacionalizar e ele constitui</p><p>nosso patrimônio de conhecimento e nossa identidade (Turim, 2007). Nosso</p><p>repertório é o que detemos como linguagem. A linguagem é o nosso saber e é</p><p>este saber que nos permite compreender a realidade do mundo. Com isso, fica</p><p>fácil de perceber que o poder de representação de um indivíduo é proporcional</p><p>ao seu repertório, tanto em termos de qualidade quanto de quantidade.</p><p>Saber transformar o real em realidade depende da nossa capacidade de</p><p>linguagem. Saber significar, concretizar, transformar num ato, numa linguagem,</p><p>num som, numa música, num quadro, num desenho, numa palavra, num texto,</p><p>uma escolha diferenciada e produtiva (Turim, 2007). Só assim fugiremos da</p><p>reprodução automática e teremos um pensamento educado e claro, que traduz</p><p>o real em linguagem produtiva.</p><p>Nosso desafio é o de buscar estímulos para a nossa capacidade</p><p>associativa, visando descobrir e compreender as relações existentes. Nessa</p><p>busca, a experiência é importante. A vivência atenta a tudo o que está ocorrendo</p><p>ao redor, a observação dos detalhes visando o todo e a desconstrução do todo,</p><p>visando os detalhes (Turim, 2007).</p><p>TEMA 2 – AS CORRENTES SEMIÓTICAS</p><p>O estudo das linguagens e dos signos é muito antigo. Embora a semiótica</p><p>só tenha ficado conhecida como uma ciência dos signos, da significação e da</p><p>cultura no século XX, a preocupação com os problemas da linguagem já</p><p>começou no mundo grego (Santaella, 2003).</p><p>São várias as correntes da semiótica moderna. Para citar algumas, temos</p><p>a semiótica greimasiana,</p><p>que estuda o discurso, tendo por base a ideia de que</p><p>6</p><p>uma estrutura narrativa se manifesta em qualquer tipo de texto (Matte; Lara,</p><p>2009); a semiótica saussureana, que se volta à compreensão das leis que regem</p><p>os signos pelo viés da linguística (Barros; Café, 2009); a semiótica da cultura (ou</p><p>semiótica russa), que busca compreender o lugar da cultura na natureza como</p><p>uma das formas de se apreender as ações transformadoras (até mesmo de</p><p>padrões) em processo (Machado, 2010). O interesse dessa corrente semiótica</p><p>recai sobre a linguagem, a literatura e outros fenômenos culturais, tais como os</p><p>mitos e a religião. A semiótica de Peirce se volta para as relações de sentido</p><p>presente nas linguagens verbais e não verbais, tendo como pano de fundo a</p><p>lógica.</p><p>O ponto em comum das diferentes correntes semióticas está centrado no</p><p>modo como o signo e a linguagem representam o objeto. O que diferencia cada</p><p>uma dessas correntes é a concepção e a delimitação de seu campo de estudo.</p><p>No entanto, independentemente do ponto de partida, o resultado será sempre</p><p>muito parecido. Para atingir os objetivos elencados, tomaremos por base a</p><p>semiótica desenvolvida por Peirce, uma vez que ela se mostra mais adequada</p><p>ao estudo dos fenômenos verbais e não verbais, tão presentes no universo do</p><p>design.</p><p>Charles Sanders Peirce foi um estudioso americano, nascido em 1839.</p><p>Seus interesses abrangiam a química, a matemática, a física, a astronomia. Seu</p><p>espírito de cientista o permitiu nos legar contribuições importantes em diferentes</p><p>áreas do saber humano, tais como a geodésia, a metrologia, a espectroscopia,</p><p>a biologia, a geologia, a zoologia, a linguística, a filologia, a história e a psicologia</p><p>(Santaella, 2003). Na base de toda a sua atuação e contribuição, estava a lógica.</p><p>Para Peirce, compreender a lógica das ciências era entender seus métodos de</p><p>raciocínio.</p><p>A semiótica peirceana é um dos membros da tríade das ciências</p><p>normativas. Tais ciências são assim chamadas porque buscam compreender os</p><p>fins, as normas e as ideais que guiam o sentimento, a conduta e o pensamento</p><p>humano (Santaella, 2003). São três as ciências normativas: estética, ética e</p><p>semiótica (ou lógica). Em rápidas palavras, podemos dizer que cabe à estética</p><p>descobrir o que deve ser o ideal supremo da vida humana; à ética cabe justificar</p><p>as razões pelas quais certo e errado são concepções éticas; já a semiótica ou</p><p>lógica é a ciência das leis necessárias do pensamento e das condições</p><p>7</p><p>necessárias para se atingir a verdade (Santaella, 2003). A semiótica, por ocupar-</p><p>se do estudo acerca do raciocínio correto, nos fornece os meios para agirmos</p><p>razoavelmente, especialmente através do autocontrole crítico que o pensamento</p><p>lógico nos ajuda a desenvolver. A semiótica é uma disciplina com um caráter</p><p>geral e abstrato, e aqui reside a sua beleza, pois ela pode ser utilizada no</p><p>entendimento das mais diferentes linguagens. O mesmo não pode ser dito</p><p>acerca das ciências especiais ou especializadas, uma vez que elas têm um</p><p>objeto de estudo delimitado e de cujas teorias podem ser extraídas ferramentas</p><p>empíricas para serem utilizadas em pesquisas aplicadas, como a biologia, a</p><p>física, a economia, a antropologia, a química etc. (Santaella, 2003), embora</p><p>possamos ampliar o escopo dessas ciências especializadas quando usamos a</p><p>semiótica para aprofundar os estudos e pesquisas.</p><p>A semiótica peirceana tem três ramos:</p><p>1) a gramática especulativa, que cuida de estudar os mais variados tipos de</p><p>signos;</p><p>2) a lógica crítica, que estuda os tipos de inferências, raciocínios ou</p><p>argumentos: a abdução, a indução e a dedução;</p><p>3) retórica especulativa, que analisa os métodos a que cada um dos tipos de</p><p>raciocínio dá origem.</p><p>De acordo com os nossos propósitos, nos concentraremos no primeiro</p><p>ramo: a gramática especulativa.</p><p>TEMA 3 – A FENOMENOLOGIA E A SEMIÓTICA</p><p>Um fenômeno (do grego, phaneron) diz respeito a tudo aquilo que apareça</p><p>à percepção e à mente. Absolutamente tudo, desde algo simples, como um</p><p>cheiro ou um som, a algo mais complexo, como uma teoria, um conceito abstrato</p><p>etc.</p><p>Em seus estudos, Peirce concluiu que há três elementos formais e</p><p>universais e que estão presentes em todos os fenômenos que se apresentam à</p><p>percepção e à mente. São eles: primeiridade, secundidade e terceiridade.</p><p>A primeiridade diz respeito a tudo que estiver relacionado com o acaso,</p><p>com a possibilidade, com a qualidade, com o sentimento, com a originalidade,</p><p>com a liberdade. A secundidade está ligada às ideias de dependência, de ação</p><p>8</p><p>e reação, conflito, surpresa. Já a terceiridade circunscreve a generalidade, a</p><p>continuidade, o crescimento, a inteligência (Santaella, 2001).</p><p>Figura 3 – Exemplificando primeiridade, secundidade e terceiridade</p><p>Crédito: Aldi anwar/Shutterstock.</p><p>Pense na cor presente na Figura 3. Não traga à mente a ideia da cor, nem</p><p>onde ela está. Atente somente para a qualidade da cor tal como ela se apresenta,</p><p>para o brilho (ou a falta dele), as variações tonais, a pura aparência da cor. Nisso,</p><p>estamos nos detendo nos aspectos de primeiridade. Essas sensações primeiras</p><p>não têm nome ainda, pois são apenas sensações primárias, qualidades que</p><p>estão presentes nos signos, mas que nos permitem constituir o significado em</p><p>conjunto com a segunda categoria. Perceber as diferenças entre as tonalidades</p><p>da cor vermelha, presente na Figura 3, nos leva a considerar as singularidades</p><p>que as diferenciam. Quando juntamos as qualidades identificadas, formamos as</p><p>singularidades e entramos no âmbito da secundidade (ação e reação). Se</p><p>pensarmos que a parede é vermelha, já estamos no âmbito da terceiridade. Eis</p><p>um exercício complexo, pois somos ensinados a interpretar imediatamente. Em</p><p>uma leitura semiótica, a interpretação é o último estágio. Veremos isso adiante.</p><p>Vimos anteriormente que signo é algo que representa alguma coisa a</p><p>alguém. Peirce apresentou várias definições para o termo signo e para facilitar</p><p>nosso entendimento, eis uma definição mais concisa: um signo é qualquer coisa,</p><p>de qualquer espécie (tal como uma palavra, um livro, um casal dançando, uma</p><p>música, uma pintura, um edifício etc.) que representa (substitui) uma outra coisa</p><p>(chamada de objeto do signo) e que produz um efeito interpretativo na mente do</p><p>9</p><p>intérprete (esse efeito é chamado de interpretante do signo). O signo só pode</p><p>funcionar como signo se carregar esse poder de representar, de substituir um</p><p>outro signo diferente dele. Assim, o signo não é a coisa representada, uma vez</p><p>que ele só está em seu lugar.</p><p>Na semiótica peirceana, o signo é formado por três elementos:</p><p>fundamento (ou representâmen), objeto e interpretante. A Figura 4 nos ajuda a</p><p>entender tal definição.</p><p>Figura 4 – O signo segundo a semiótica de Peirce</p><p>Atentemos que quando falamos em signo, os três elementos estão</p><p>sempre presentes. O signo não pode funcionar sem o objeto e sem o</p><p>interpretante, pois aquilo que constitui o signo é a relação triádica entre os três</p><p>elementos. O elemento objeto não é sinônimo de coisa, muito embora aquilo que</p><p>chamamos de coisa possa ser o objeto do signo. Interpretante não é sinônimo</p><p>de intérprete (quem percebe o signo) nem de interpretação (o processo de leitura</p><p>do signo). Interpretante é o efeito que o signo produz no intérprete. O processo</p><p>de interpretação do signo é chamado de semiose.</p><p>Resumindo, qualquer som, palavra, gesto, gosto, cheiro ou pensamento,</p><p>por exemplo, tenta materializar uma realidade, sendo tal realidade considerada</p><p>enquanto objeto. O objeto seria essa tal realidade que é representada pelo signo.</p><p>Nós entendemos uma coisa (para a semiótica) como sendo algo desprovido de</p><p>sentido. Uma vez que conhecemos, lemos, interpretamos essa coisa, passamos</p><p>a tratá-la como objeto, e este será representado pelo signo.</p><p>10</p><p>Para facilitar nosso entendimento, pensemos em como podemos traduzir</p><p>o conceito do objeto céu. A Figura 5 apresenta uma possibilidade.</p><p>Figura 5 – Algumas traduções do conceito do objeto céu</p><p>CÉU</p><p>A palavra céu O desenho do céu O som da palavra céu A cor do céu</p><p>Vamos a outro exercício. Vejamos o termômetro presente na Figura 6.</p><p>Figura 6 – Termômetro</p><p>Crédito: Dzmitry Sokalau 1/Shutterstock.</p><p>O termômetro presente na Figura 6 pode ser interpretado como sendo um</p><p>signo da temperatura ambiente. O processo de interpretarmos o termômetro</p><p>como signo da temperatura ambiente é a ação do signo, ou seja, a semiose.</p><p>Todavia, podemos olhar para o mesmo termômetro e interpretá-lo como sendo</p><p>resultado de um determinado período industrial ou, ainda, como signo da idade</p><p>da construção de onde ele está fixado. Imaginemos que o termômetro seja de</p><p>ouro e, então, ele poderia ser signo da situação financeira do dono desse</p><p>termômetro. Em todos esses exemplos, o que mudou foi o fundamento que</p><p>utilizamos em nossa leitura. Por exemplo, o fundamento que selecionamos para</p><p>Céu!</p><p>11</p><p>decidir sobre a idade da construção onde o termômetro está fixado não é o</p><p>mesmo fundamento que foi selecionado para interpretá-lo como sendo resultante</p><p>de um determinado período industrial. O Quadro 1 aclara esses conceitos.</p><p>Quadro 1 – Fundamento e objeto do signo</p><p>Fundamento do signo Objeto do signo</p><p>Termômetro como signo da</p><p>temperatura ambiente.</p><p>Temperatura ambiente.</p><p>Termômetro como signo de</p><p>determinado período industrial.</p><p>O período industrial.</p><p>Termômetro como signo da idade da</p><p>construção.</p><p>A idade da construção.</p><p>Termômetro como signo da situação</p><p>financeira dos donos da construção.</p><p>A situação financeira dos donos da</p><p>construção.</p><p>Eis um outro exemplo de signo:</p><p>Tomemos um grito, por exemplo. Devido a propriedades ou qualidades</p><p>que lhe são próprias (um grito não é um murmúrio), ele representa algo</p><p>que não é o próprio grito, isto é, indica que aquele que grita está,</p><p>naquele exato momento, em apuros ou sofre alguma dor ou regozija-</p><p>se na alegria (essas diferenças dependem da qualidade específica do</p><p>grito). Isso que é representado pelo signo, quer dizer, ao que ele se</p><p>refere, é chamado de seu objeto. Ora, dependendo do tipo de</p><p>referência do signo, se ele se refere ao apuro, ou ao sofrimento ou à</p><p>alegria de alguém, provocará em um receptor um certo efeito</p><p>interpretativo: correr para ajudar, ignorar, gritar junto etc. Esse efeito é</p><p>o interpretante. (Santaella, 2005, p. 8)</p><p>O signo tem uma materialidade e esta pode ser percebida por um ou mais</p><p>de nossos órgãos dos sentidos. Tal como coloca Santaella (2001), podemos ver</p><p>um signo (por exemplo, uma cor, um gesto etc.), ouvi-lo (por exemplo, uma</p><p>música, um ruído etc.) e/ou senti-lo pelo paladar, pelo tato, pelo olfato. Aquilo</p><p>que foi percebido está no lugar (está substituindo) de outra coisa. Eis a</p><p>particularidade do signo: tornar presente algo que não está ali para designar ou</p><p>significar outra coisa que está ausente.</p><p>Saiba mais</p><p>Para reforçar o que tratamos aqui, sugerimos assistir ao vídeo Semiótica</p><p>no design: o conceito de signo. Disponível em: <https://vimeo.com/113075830>.</p><p>Acesso em: 11 jun. 2020.</p><p>12</p><p>TEMA 4 – SEMIÓTICA E DESIGN</p><p>A semiótica apresenta subsídios indispensáveis tanto para a análise,</p><p>quanto para a produção de signos no design. Na atualidade, o design perpassa</p><p>diferentes áreas do saber e do fazer humano. Hoje, temos uma gama variada de</p><p>habilitações e abordagens em que o design está inserido, como o design de</p><p>produto, o design visual, o design de moda, o service design (ou design de</p><p>serviços), o UX design, o webdesign, o design digital, o design de jogos (ou game</p><p>design), o design thinking, o experience design, o design de joias etc. Assim,</p><p>quando se fala em produto do design, é adequado que se entenda, na maioria</p><p>dos casos, que se fala em um resultado de um projeto de design, oriundo dessas</p><p>diferentes habilitações e/ou abordagens que foram citadas.</p><p>Um produto do design é resultante e é expressão de um cenário</p><p>econômico, político, social e cultural que abarca as dimensões histórica e</p><p>geográfica (Niemeyer, 2003). Ao se realizar no mundo, o resultado do design</p><p>sofre várias interferências, que são determinadas pelas circunstâncias do</p><p>sistema em ele está imerso. Tal resultado, ao interagir com o homem, sofre a</p><p>ação de diferentes filtros, tais como os filtros fisiológicos, filtros culturais e filtros</p><p>emocionais (Niemeyer, 2003). O modo como o resultado do design for sentido</p><p>pelo indivíduo decorre do julgamento de percepção que seja submetido. Frente</p><p>à sua estrutura mental, o homem responde a esse resultado do design. Esse</p><p>processo interativo é objeto de estudo de várias áreas do saber humano, tais</p><p>como a semiótica, a estética, a ética, a sociologia, o marketing, a economia, a</p><p>psicologia etc.</p><p>Disso, podemos dizer que a semiótica aclara o processo no qual se dá a</p><p>construção de um sistema de significação (Niemeyer, 2003). Com base nesse</p><p>quadro teórico, podemos identificar as diversas variáveis que intervêm nessa</p><p>dinâmica (como o propósito comunicacional, o canal, o nível de informação, o</p><p>nível de ruído) e, por esta via, um resultado do design passa a ser tratado como</p><p>portador de representações, participante de um processo de comunicação.</p><p>Quando se projeta uma vestimenta, ela pode ser lida como signo de</p><p>proteção do corpo. No entanto, dependendo do contexto, a mesma vestimenta</p><p>pode ser signo de ostentação, de união, de morte e sofrimento, de estado civil,</p><p>de trabalho, de condição social e assim por diante.</p><p>13</p><p>Figura 7 – O iPhone da Apple</p><p>Crédito: Hand Robot/Shutterstock.</p><p>Na Figura 7, vemos um resultado do design de produto: um smartphone</p><p>da Apple. Tal resultado pode ser lido como signo de avanço tecnológico, de</p><p>poder aquisitivo, de status social, de sofisticação (ou da falta dela), e assim por</p><p>diante. No entanto, se esquecermos o produto e focarmos nos serviços que</p><p>estão nele embarcados (como, por exemplo, o iCloud), a leitura e os significados</p><p>são ampliados. Em dias atuais, muitos dos produtos passaram a ser um avatar</p><p>do serviço que ele representa. Por exemplo, se desconsiderarmos os serviços</p><p>que um smartphone representa, o produto em si teria pouca serventia.</p><p>No âmbito do service design, também vemos o mesmo acontecer.</p><p>Tomamos como exemplo um aplicativo de streaming de áudio ou de vídeo. Ele</p><p>pode ser signo de praticidade, de organização, de experiência de uso, de</p><p>diferenciador social (um indivíduo, em uma festa, que disponibiliza sua playlist</p><p>repleta de músicas dançantes e alegres, será interpretado como um “sujeito</p><p>descolado”). Aliás, muitos dos serviços que fazem sucesso entre o público são</p><p>fruto de um olhar refinado que conseguiu traduzir necessidades em</p><p>oportunidade. Nem mesmo os usuários imaginavam a possibilidade de tais</p><p>serviços. Podemos citar como exemplos Airbnb, Uber, Netflix, Spotify, aplicativos</p><p>de carona solidária, iFood, Trivago, PicPay etc.</p><p>14</p><p>TEMA 5 – PARA QUE SERVE A SEMIÓTICA NO DESIGN?</p><p>Na atualidade, o design lida com os desafios e as possibilidades de</p><p>compreensão do ser humano e de seu ambiente circundante. Eis uma tarefa</p><p>árdua, especialmente quando consideramos a complexidade das idiossincrasias,</p><p>tanto no âmbito do material quanto do imaterial. No passado, o design estava</p><p>centrado em áreas especializadas, tais como design de produto e design gráfico.</p><p>Paulatinamente, adentrou em outras áreas, tais como o design de moda e o</p><p>webdesign. Na contemporaneidade, o design principiou a criar políticas e a se</p><p>envolver no desenvolvimento de estratégias e filosofias adequadas ao seu</p><p>universo e está sendo reconhecido como um direcionador de negócios e deve</p><p>estar à frente de uma criação (Verganti, 2009). Hoje, entendemos que, no</p><p>decurso de uma criação, é importante que o design esteja envolvido, como</p><p>mostra a Figura 8, desde o ponto mais global até o mais específico (Costa, 2020).</p><p>Figura 8 – Níveis de atuação do design</p><p>Fonte: Costa, 2020.</p><p>Um retrospecto mostra que os designers se centravam na criação. Na</p><p>sequência, passaram a pensar acerca daquilo que os usuários poderiam estar</p><p>querendo ou necessitando. Posteriormente, os designers passaram a fazer</p><p>15</p><p>contato com as pessoas, seja para representá-las, seja para experimentá-las ou</p><p>um misto das duas alternativas. Atualmente, há uma nova forma de se projetar,</p><p>e ela insere as pessoas, de forma colaborativa, em todos os processos de design</p><p>(Costa, 2020). A Figura 9 ilustra o que foi dito.</p><p>Figura 9 – Níveis de atuação do design</p><p>Fonte: Costa, 2020.</p><p>O design ultrapassou a barreira da materialidade, a partir do momento em</p><p>que profissionais e estudiosos, usando métodos e técnicas já existentes,</p><p>adentraram na seara do imaterial. O intuito foi o de contribuir, visando dar voz e</p><p>expressão às diversas sensibilidades e subjetividades diferenciadas (tanto do</p><p>designer quanto do usuário). Para tanto, novos métodos foram criados e outros</p><p>foram alterados, com o propósito de destacar o papel da autoria individual ou</p><p>coletiva, expandir percepções e abarcar diversidades.</p><p>A World Design Organization (2015) parte do princípio de que a profissão</p><p>de designer é transdisciplinar e o designer utiliza a criatividade para resolver</p><p>problemas e criar soluções com a intenção de melhorar produtos, sistemas,</p><p>serviços, experiências ou negócios. Normalmente, o designer tem capacidade</p><p>para oferecer maneiras mais otimistas de olhar para o futuro; aborda e reformula</p><p>problemas contemporâneos, visando a melhores oportunidades. Portanto, o</p><p>designer deve comungar inovação, tecnologia, pesquisa, negócios e clientes</p><p>com vistas a agregar valor e vantagem competitiva à criação, nas esferas</p><p>econômica, social e ambiental (WDO, 2015).</p><p>Diante dessa complexidade, a semiótica apresenta-se como uma</p><p>ferramenta indispensável ao profissional que necessita comportar-se de forma</p><p>sensível às oscilações do momento. Ao instrumentalizar o designer a ler o mundo</p><p>16</p><p>com olhos apurados, ao mesmo tempo que educa seu pensamento, tal</p><p>ferramenta permite que se produza com agilidade, visando adiantar-se às</p><p>constantes mudanças que acontecem no mundo da vida.</p><p>O designer dotado de um olhar semiótico apurado consegue</p><p>operacionalizar a dimensão cultural, aliando-a à sua competência técnica.</p><p>Ademais, cabe ao designer enriquecer a sua prática profissional e investigação</p><p>científica com os contributos advindos de outras áreas que tratam de questões</p><p>aplicáveis ao design. Sabendo operacionalizar as linguagens, tais tarefas ficam</p><p>mais fáceis.</p><p>Essa evolução do design, ampliação de seu papel e seu caráter</p><p>estratégico são pontos cada vez mais reforçados (Niemeyer, 2003). A semiótica</p><p>aplicada ao design contribui na resolução de questões decorrentes da</p><p>preocupação da comunicação dos resultados do design. Vimos que a semiótica</p><p>oferece as bases teóricas para os designers enfrentarem as questões</p><p>comunicacionais e de significação e tratar do processo de geração de sentido</p><p>referente a suas criações.</p><p>TROCANDO IDEIAS</p><p>Para reter o conhecimento adquirido nesta aula, propomos que você</p><p>identifique o objeto dos seguintes signos:</p><p>1) Um grito de dor;</p><p>2) Um e-mail dirigido a um amigo;</p><p>3) Um vídeo sobre design e semiótica.</p><p>A seguir, você deve comparar suas respostas com as respostas dos</p><p>colegas via fórum do ambiente virtual. Com base nessa atividade interativa, se</p><p>for necessário, reelabore suas respostas. Em caso de dúvida, questione os seus</p><p>colegas. Caso persista alguma dúvida, recorra ao tutor.</p><p>17</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Nesta atividade, você deve analisar cada um dos elementos abaixo e</p><p>identificar o signo e seu objeto.</p><p>Uma maçã:</p><p>Crédito: Bagyo Uplu/Shutterstock.</p><p>Signo</p><p>Objeto</p><p>O coração presente na maçã:</p><p>Crédito: Robert90210/Shutterstock.</p><p>Signo</p><p>Objeto</p><p>18</p><p>O desenho que você está vendo nesta imagem:</p><p>Crédito: Crystal Eye Studio/Shutterstock.</p><p>Signo</p><p>Objeto</p><p>FINALIZANDO</p><p>Nesta aula, apresentamos a semiótica e como ela contribui para ampliar</p><p>o universo do design, bem como o universo do profissional de design. Embora</p><p>haja várias correntes semióticas, a semiótica peirceana, por ter a lógica como</p><p>pano de fundo, se liga ao design na medida em que este lida com os aspectos</p><p>verbais e não verbais das linguagens e da comunicação. Somente quando</p><p>operacionalizamos com as linguagens, chegamos ao pensamento educado.</p><p>Este, por sua vez, é capaz de organizar o percurso das ideias e gerar raciocínios</p><p>objetivos e eficientes, que exponham significados adequados às intenções de</p><p>emissão e recepção de mensagens.</p><p>Neste momento, é importante reter o que é linguagem e como ela se</p><p>diferencia da língua, compreender a importância do pensamento educado, bem</p><p>como estar ciente da noção de signo. O designer, por lidar com uma gama</p><p>variada de signos, tem por desafio buscar estímulos para a sua capacidade</p><p>associativa, visando descobrir e compreender as relações existentes entre as</p><p>19</p><p>linguagens. O designer dotado de um olhar semiótico apurado consegue</p><p>operacionalizar a dimensão cultural, aliando-a a sua competência técnica. Isso</p><p>permite que seu repertório seja ampliado, refletindo em todas as suas criações,</p><p>independentemente do âmbito a que elas se destinam. Paulatinamente, iremos</p><p>descortinar um horizonte rico que mudará para sempre a nossa maneira de ver</p><p>o mundo.</p><p>20</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BARROS, C. M. de; CAFE, L. M. A. Estudos da semiótica na ciência da</p><p>informação: relatos de interdisciplinaridades. 2012. Disponível em:</p><p><http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141399362012000300</p><p>003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 5 nov. 2019.</p><p>COSTA, H. Design para serviços e consistência estética: proposição de um</p><p>protocolo de avaliação estética em serviços. 462 f. Tese (Doutorado em Design)</p><p>– Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2017.</p><p>_____. Relação entre estética, educação e design: a educação estética nos</p><p>cursos superiores de design. Rev. Atos de Pesquisa em Educação, 2020.</p><p>MACHADO, I. Cultura em campo semiótico. SOFIA, Vitória, v. 2, n. 2, ago. 2013.</p><p>Disponível em:</p><p><http://www3.eca.usp.br/sites/default/files/form/biblioteca/acervo/producao-</p><p>academica/002424004.pdf>. Acesso em: 5 nov. 2019.</p><p>MATTE, A. C. F.; LARA, G. M. P. Um panorama da semiótica greimasiana. Alfa,</p><p>v. 53, n. 2, 2009. Disponível em:</p><p><https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/2119/1737>. Acesso em: 5</p><p>nov. 2019.</p><p>MORITZ, S. Service Design. Faculty of Cultural Science. Cologne: Köln</p><p>International School of Design, University of Applied Sciences Cologne. 2005.</p><p>NIEMEYER, L. Elementos de semiótica aplicados ao design. Rio de Janeiro:</p><p>2AB, 2003.</p><p>SANTAELLA, L. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora, visual, verbal.</p><p>São Paulo: Iluminuras, 2001.</p><p>_____. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2003.</p><p>_____. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.</p><p>TURIN, R. N. Aulas: introdução ao estudo das linguagens. São Paulo:</p><p>Annablume, 2007.</p><p>VERGANTI, R. Design-driven Innovation. Boston: Harvard Business Press,</p><p>2009.</p><p>21</p><p>WDO – World Design Organization. Definition of Industrial Design. 2015.</p><p>Disponível em: <https://wdo.org/about/definition/>. Acesso em: 24 set. 2019.</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>CONTEXTUALIZANDO</p><p>TEMA 1 – O QUE É A SEMIÓTICA?</p><p>TEMA 2 – AS CORRENTES SEMIÓTICAS</p><p>TEMA 3 – A FENOMENOLOGIA E A SEMIÓTICA</p><p>TEMA 4 – SEMIÓTICA E DESIGN</p><p>TEMA 5 – PARA QUE SERVE A SEMIÓTICA NO DESIGN?</p><p>TROCANDO IDEIAS</p><p>NA PRÁTICA</p><p>FINALIZANDO</p><p>REFERÊNCIAS</p>