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<p>Brasília-DF.</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da</p><p>digestão e metaBolismo animal</p><p>Elaboração</p><p>Iracema Gomes de Araujo</p><p>Produção</p><p>Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração</p><p>Sumário</p><p>APrESEntAção ................................................................................................................................. 4</p><p>orgAnizAção do CAdErno dE EStudoS E PESquiSA .................................................................... 5</p><p>introdução.................................................................................................................................... 7</p><p>unidAdE i</p><p>PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL ............................................................................................. 9</p><p>CAPítulo 1</p><p>ANATOMIA COMPARADA DO TRATO GASTROINTESTINAL ............................................................ 9</p><p>CAPítulo 2</p><p>VARIAçÃO NA COMPOSIçÃO DA DIETA IMPuLSIONA A DIVERSIfICAçÃO DOS SISTEMAS</p><p>DIGESTIVOS ............................................................................................................................ 19</p><p>CAPítulo 3</p><p>BREVE REVISÃO SOBRE ASPECTOS BáSICOS DA DIGESTÃO EM ANIMAIS ................................... 22</p><p>unidAdE ii</p><p>REVISÃO SOBRE OS PROCESSOS DE DIGESTÃO E ABSORçÃO .............................................................. 26</p><p>CAPítulo 1</p><p>PROCESSOS DE DIGESTÃO NO TRATO GASTROINTESTINAL ....................................................... 26</p><p>CAPítulo 2</p><p>PROCESSOS DE ABSORçÃO NO TRATO GASTROINTESTINAL ..................................................... 47</p><p>CAPítulo 3</p><p>PROCESSOS DE DIGESTÃO E ABSORçÃO EM AVES ................................................................. 65</p><p>unidAdE iii</p><p>fISIOLOGIA E BIOquÍMICA COMPARADA DA DIGESTÃO I ..................................................................... 72</p><p>CAPítulo 1</p><p>ASPECTOS COMPARATIVOS DA DIGESTÃO EM ANIMAIS ........................................................... 72</p><p>CAPítulo 2</p><p>MICROBIOTA DO TRATO GASTROINTESTINAL E A DIGESTÃO fERMENTATIVA ............................... 82</p><p>CAPítulo 3</p><p>SIMILARIDADE ENTRE OS PROCESSOS DIGESTIVOS NOS ANIMAIS ............................................. 90</p><p>unidAdE iV</p><p>fISIOLOGIA E BIOquÍMICA COMPARADA DA DIGESTÃO II ................................................................... 95</p><p>CAPítulo 1</p><p>RELAçÃO ENTRE A COMPOSIçÃO DA DIETA E O SISTEMA BIOquÍMICO DO TRATO</p><p>GASTROINTESTINAL ................................................................................................................. 95</p><p>CAPítulo 2</p><p>ADAPTAçõES DO SISTEMA DIGESTIVO EM hERBÍVOROS NÃO RuMINANTES ............................ 105</p><p>CAPítulo 3</p><p>ASPECTOS COMPARATIVOS NA DIGESTÃO DE AVES E MAMÍfEROS ........................................ 111</p><p>rEfErênCiAS ................................................................................................................................ 128</p><p>5</p><p>Apresentação</p><p>Caro aluno</p><p>A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se</p><p>entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.</p><p>Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela</p><p>interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da</p><p>Educação a Distância – EaD.</p><p>Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade</p><p>dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos</p><p>específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém</p><p>ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a</p><p>evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.</p><p>Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo</p><p>a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na</p><p>profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.</p><p>Conselho Editorial</p><p>6</p><p>organização do Caderno</p><p>de Estudos e Pesquisa</p><p>Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em</p><p>capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos</p><p>básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar</p><p>sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para</p><p>aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.</p><p>A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos</p><p>Cadernos de Estudos e Pesquisa.</p><p>Provocação</p><p>Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes</p><p>mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor</p><p>conteudista.</p><p>Para refletir</p><p>Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita</p><p>sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante</p><p>que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As</p><p>reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.</p><p>Sugestão de estudo complementar</p><p>Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,</p><p>discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.</p><p>Atenção</p><p>Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a</p><p>síntese/conclusão do assunto abordado.</p><p>7</p><p>Saiba mais</p><p>Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões</p><p>sobre o assunto abordado.</p><p>Sintetizando</p><p>Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o</p><p>entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.</p><p>Para (não) finalizar</p><p>Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem</p><p>ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.</p><p>8</p><p>introdução</p><p>Os estudos envolvendo os processos de obtenção de energia a partir da nossa dieta</p><p>tiveram um grande avanço com as descobertas do médico e pesquisador William</p><p>Beaumont (1785-1853) a partir de avaliações intragástricas propiciadas por uma fístula</p><p>induzida por arma de fogo em Alexis St. Martin (1974-1880). Dentre outras coisas,</p><p>tais estudos elucidaram a importância dos processos químicos para a digestão dos</p><p>macronutrientes (através do suco gástrico para a digestão proteica, com a combinação</p><p>com o ácido clorídrico e outro fator, que hoje sabemos ser a pepsina) bem como</p><p>trouxeram evidências sobre os processos de motilidade gástrica.</p><p>Todos os vertebrados precisam atingir o mesmo ponto final, que é converter</p><p>alimentos em moléculas constituintes (isto é, ácidos graxos livres, monossacarídeos,</p><p>aminoácidos etc.) que podem ser absorvidos para serem utilizados como moléculas</p><p>estruturais e substratos energéticos e para absorver outros componentes essenciais,</p><p>tais como vitaminas e íons. Como cada espécie atinge este ponto final e as maneiras</p><p>em que eles alistam microbiota para ajudar as tarefas diferentes. As diferenças na</p><p>fisiologia digestiva são importantes para determinar, a dieta apropriada para uma</p><p>determinada espécie, a amplitude de uma variedade de alimentos que um animal</p><p>pode comer, a eficiência da conversão e tolerâncias alimentares. Mesmo dentro de</p><p>uma espécie, a dieta adequada depende do estádio de vida e da condição animal (por</p><p>exemplo, diferindo entre a pré-parição e a lactação em bovinos leiteiros). A eficiência</p><p>de conversão é uma consideração importante para a agricultura, em que a alimentação</p><p>animal é um custo de insumos.</p><p>No desenvolvimento de estratégias nutricionais para melhorar a eficiência da conversão,</p><p>tem sido dada maior atenção ao metabolismo de animais de fazenda e aos processos</p><p>que ocorrem dentro do lúmen do trato digestivo. O principal interesse era otimizar</p><p>o processo puramente digestivo sem considerar o intestino como um órgão-alvo per</p><p>se. Com o recente progresso das tecnologias e subsequentes novos conhecimentos</p><p>gerados pelas ciências biológicas, há um crescente interesse nos processos fisiológicos</p><p>que ocorrem no trato</p><p>hidrólise dos ésteres</p><p>de colesterol, tendo como produtos colesterol e ácidos graxos de cadeia longa. Por fim,</p><p>os fosfolipídeos são clivados pela ação da fosfolipase A2 ao nível da ligação éster do</p><p>carbono 2, originando lisofosfolipídeos e ácidos graxos de cadeia longa.</p><p>figura 16. Ação da fosfolipase A2 sobre uma molécula de fosfolipídeo.</p><p>fonte: Leningher, Principles of Biochemistry; 2002.</p><p>42</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>Adicionalmente, os sais biliares arranjam-se em estruturas denominadas micelas</p><p>(semelhantes às gotas de emulsão, porém com diâmetro menor, de aproximadamente</p><p>2,5 µm) em decorrência de suas propriedades anfipáticas. Tal organização é de extrema</p><p>importância, pois os produtos da hidrólise lipídica, como os monoacilgliceróis e ácidos</p><p>graxos, são incorporados às micelas, removendo o acúmulo de produtos na vizinhança</p><p>das gotículas de gordura, além de favorecer o transporte desses produtos para a borda</p><p>em escova dos enterócitos, onde serão absorvidos.</p><p>reações catalíticas através de enzimas</p><p>intrínsecas</p><p>Existe grande variação entre os alimentos em ambos os tipos e quantidades de</p><p>substratos nutricionais principais (por exemplo, carboidratos simples, complexos,</p><p>proteínas e gorduras), e também variação na composição dentro de cada tipo de</p><p>substrato (por exemplo, ligações de ligação específicas e diferenças de comprimento de</p><p>cadeia). Diferentes tipos de substrato requerem diferentes complementos particulares</p><p>de secreções e enzimas para a sua decomposição e mecanismos particulares para a</p><p>absorção dos seus produtos de degradação. Diversas revisões fornecem muitos detalhes</p><p>da estrutura das enzimas, dependência do pH, função e distribuição entre táxons</p><p>de vertebrados e invertebrados. Muitos avanços têm contado com novas técnicas</p><p>moleculares. Por exemplo, as serina proteases semelhantes à quimotripsina (SPs) são</p><p>importantes na digestão de proteínas em insetos, mas também podem desempenhar</p><p>papéis na resposta imunitária e na muda. As enzimas importantes para a digestão</p><p>podem ser clarificadas com base na sequência de DNAc (por exemplo, motivos</p><p>catalíticos particulares), localização de tecidos (por hibridação fluorescente in situ de</p><p>RNAm e imuno-histoquímica de proteína) e expressão de desenvolvimento e induzida</p><p>(por exemplo, durante fases de alimentação. As relações estrutura-função e as relações</p><p>evolutivas entre as isoformas enzimáticas também podem ser discernidas.</p><p>Correlações dietéticas e filogenéticas da</p><p>atividade enzimática catalítica</p><p>Com base em argumentos da economia da natureza (acima), uma série de padrões são</p><p>previstos para os animais adaptados a determinadas características da dieta. Para os</p><p>componentes dietéticos, tais como carboidratos não estruturais (por exemplo, açúcares</p><p>e amido), proteínas e lipídios, prevê-se uma relação positiva entre o seu nível na dieta</p><p>natural e a presença ou quantidade de enzimas e transportadores necessários para a</p><p>sua repartição e absorção.</p><p>43</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>A revisão anterior de dezenas de investigações em muitos táxons identificou padrões que</p><p>eram consistentes com essas previsões. Por exemplo, muitas das enzimas degradantes</p><p>de carboidratos estão correlacionadas positivamente com o nível de carboidratos na</p><p>dieta em peixes, aves e mamíferos, crustáceos, oligoquetos e possivelmente insetos.</p><p>Embora no total estes estudos sejam consistentes com as hipóteses de adaptação, uma</p><p>série de características dos estudos na década passada reforça a análise, e iremos nos</p><p>concentrar nesses estudos nos parágrafos que se seguem.</p><p>O conhecimento sobre dietas e sistemas digestivos aumenta continuamente com a</p><p>inclusão de informações sobre novos táxons de animais, especialmente invertebrados,</p><p>comendo uma variedade sempre crescente de dietas. Os ácaros que consomem</p><p>materiais vegetais têm níveis mais elevados de glicosidases do que aqueles que vivem</p><p>em secreções de animais ou sangue, que é um padrão análogo à correlação postulada</p><p>acima entre enzimas digestoras de carboidratos e carboidratos na dieta. Outros ácaros</p><p>que comem e crescem em bactérias têm níveis mais altos de atividade de lisozima, que</p><p>quebra as paredes das células bacterianas.</p><p>Uma segunda característica que reforça a análise é um maior número de espécies</p><p>medido por metodologia uniforme e submetido a análises estatísticas filogeneticamente</p><p>informadas. Trata-se de uma grande melhora em relação aos estudos mais antigos, que</p><p>às vezes eram comparações de duas espécies, que sofrem várias dificuldades quanto</p><p>à inferência sobre a evolução correlata da dieta e os traços fisiológicos. A inclusão de</p><p>considerações filogenéticas (ex.: por contrastes filogeneticamente independentes) pode</p><p>melhorar as análises porque as espécies estreitamente relacionadas por descendência</p><p>evolutiva não podem ser estatisticamente independentes, o que pode levar à</p><p>pseudoreplicação. Além disso, pesquisadores sobre sistemas digestivos de insetos e</p><p>peixes enfatizaram que, a menos que as relações filogenéticas sejam levadas em conta</p><p>em estudos comparativos, informações biológicas importantes podem ser ignoradas</p><p>(por exemplo, “sinais” filogenéticos e restrições) ou o (s) padrão (s) filogenético (s) nos</p><p>dados podem obscurecer o(s) padrão(s) de especialização dietética.</p><p>Estudos recentes com peixes, aves e mamíferos exemplificam essas melhorias: uma</p><p>filogenia para morcegos do Novo Mundo (família Phyllostomidae) foi utilizada para</p><p>analisar a correlação entre dieta e enzimas digestivas em 14 espécies (Eles usaram o</p><p>nível 15N do sangue dos morcegos para caracterizar suas dietas, que eram compostas</p><p>de insetos, néctar, frutas ou sangue, porque a abundância natural de 15N aumenta com</p><p>o nível trófico. Foram confirmadas vinte predições a priori sobre padrões em sacarase,</p><p>trealase, maltase e aminopeptidase N. Por exemplo, uma mudança de insetívoro</p><p>para carnívoro foi acompanhada por uma diminuição de dez vezes para 15 vezes na</p><p>atividade da trealase. Um deslocamento do insectivory ao nectarivory ou ao frugivory</p><p>44</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>(adição de açúcares da planta à dieta) foi acompanhado por um aumento significativo</p><p>na atividade do sucrase e da maltase, uma diminuição na atividade do trehalase, e</p><p>nenhuma mudança no aminopeptidase, porque os morcegos em todos os grupos da</p><p>dieta digerem a proteína. A probabilidade de tal alta concordância com as previsões é</p><p>tão infinitamente baixa que os autores concluíram que mudanças evolutivas na dieta</p><p>em bastões phyllostomid foram realmente acompanhadas por mudanças adaptativas</p><p>em enzimas digestivas.</p><p>Numa outra análise filogenética, estudiosos construíram uma filogenia para dez</p><p>espécies de peixes (Cyprinidae), que incorporaram em seus testes de sistema digestivo</p><p>correspondem a dietas compostas de quantidades variadas de material animal, algas,</p><p>diatomáceas e detríticas. Os táxons herbáceos apresentaram traços digestivos mais</p><p>longos e maior atividade das carbohidrasas amilase e laminarinase em suas entranhas,</p><p>enquanto as espécies insetívoras apresentaram maior atividade de quitinase. O último</p><p>padrão não foi evidente em pesquisas anteriores de espécies de peixes, mas essas</p><p>pesquisas não se concentraram em espécies estreitamente relacionadas que não</p><p>apresentam grandes diferenças no tamanho do intestino e processamento mecânico</p><p>predigestivo que podem confundir a análise.</p><p>As análises filogenéticas informadas de enzimas digestivas em aves revelaram</p><p>influências dietéticas e filogenéticas. Os piscos de peito-boi americanos e outras</p><p>espécies estreitamente relacionadas, tais como estorninhos e gafanhotos cinzentos,</p><p>todos os membros da grande (≈ 600 espécies) e monofilético sturnid-muscicapid</p><p>linhagem falta intestinal sucrase atividade. Entre outras aves passeriformes que</p><p>expressam a sacarase-isomaltase, a atividade da sacarase é dez vezes maior na linhagem</p><p>do beija-flor (Trochilidae), mesmo quando comparada com outras</p><p>aves passeriformes</p><p>que consomem néctar. Mas, beija-flores não são notáveis em relação a outras atividades</p><p>enzimáticas, como maltase e aminopeptidase-N. A atividade da maltase parece estar</p><p>fortemente correlacionada com a dieta entre as espécies de aves. As espécies nectarívoras</p><p>e omnívoras apresentam maior atividade de maltase em relação às espécies insetívoras</p><p>e, em análises filogeneticamente informadas, a atividade da maltase correlacionou-se</p><p>positivamente com o nível de amido ou sementes. A amilase pancreática também foi</p><p>significativamente correlacionada com o nível de amido dietético em uma comparação</p><p>filogenticamente informada entre seis espécies passeriformes que consomem dietas</p><p>com diferentes quantidades de amido.</p><p>Melhorias na informação molecular permitiram uma melhor caracterização das alterações</p><p>nos genes e proteínas particulares responsáveis pelas diferenças na capacidade digestiva.</p><p>Estes avanços têm sido especialmente marcados em estudos de alterações de carboidratos</p><p>coincidentes com a inclusão de alimentos amiláceos e produtos lácteos na dieta humana.</p><p>45</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>No caso dos alimentos ricos em amido, o foco tem sido a amilase salivar. O gene amilase</p><p>salivar Amy1 está intimamente relacionado com o gene amilase pancreático Amy2 do qual</p><p>se originou por duplicação (8). Sua função pode ser (i) aumentar a atividade da amilase</p><p>pancreática (a amilase salivar persiste no estômago após a deglutição), ou iniciar a degradação</p><p>do amido na boca e assim (ii) acelerar a absorção de glicose ou (iii) liberar açúcares para</p><p>degustação e assim ajudar na identificação de alimentos nutritivos (amiláceos). Entre os</p><p>seres humanos amostrados por Perry et al. (s/d) houve uma correlação positiva entre o</p><p>número de genes de cópia AMY1 (intervalo de 2 a 14 cópias) e mg de proteína AMY1 / mg</p><p>de saliva (intervalo <0,2 até cerca de 6). Eles compararam o número de cópias entre três</p><p>populações de “alto teor de amido” e quatro populações de “baixo amido” e descobriram</p><p>que o número de cópias era significativamente maior nas populações com alto teor de</p><p>amido. As populações foram geograficamente amplamente distribuídas e a variação</p><p>interpopulação no número de cópias foi mais fortemente relacionado com a dieta e não com</p><p>a proximidade geográfica. Além disso, o número de cópias de AMY1 e os níveis de proteína</p><p>amilase salivar em seres humanos são geralmente pelo menos três vezes mais elevados do</p><p>que em chimpanzés e bonobos, cujas dietas são compostas predominantemente de frutos</p><p>e folhas que contêm menos amido do que as dietas da maioria das populações humanas.</p><p>A imagem que emerge é uma da evolução correlacionada da dieta e da amilase coincidente</p><p>com a mudança dietética no início da história evolutiva da hominina em relação aos órgãos</p><p>de armazenamento subterrâneos de plantas ricas em amido tais como bulbos, cormos e</p><p>tubérculos e mais tarde a grãos.</p><p>Os polimorfismos de um único nucleotídeo (SNPs) parecem explicar as diferenças entre</p><p>as populações humanas na capacidade de digerir a lactose no leite. O leite é produzido</p><p>apenas por mamíferos, e seu carboidrato primário é a lactose na maioria das espécies.</p><p>A lactose é hidrolisada pela enzima intestinal ligada à membrana lactase-florizina</p><p>hidrolase (ou lactase, por simplicidade), que é codificada pelo gene da lactase</p><p>(LCT). Na maioria dos mamíferos, a atividade da lactase é alta no nascimento e</p><p>declina acentuadamente ao desmame. A ingestão de grandes quantidades de lactose</p><p>pós-desmame normalmente resulta no escape de lactose não digerida para o trato</p><p>gastrointestinal distal onde é fermentado, levando à produção de gases (CO2, H2 e</p><p>metano) e, às vezes, diarreia osmótica. A maioria dos seres humanos são intolerantes à</p><p>lactose, mas os membros de um pequeno número de populações que têm sido associados</p><p>historicamente com ungulados domésticos (vacas, ovelhas e cabras) são tolerantes à</p><p>lactose. A primeira evidência de SNPs como fatores causais na intolerância à lactose</p><p>veio de um estudo de famílias finlandesas onde uma variante de DNA (C/T-13910)</p><p>localizada no elemento potenciador a montante da LCT associada à intolerância à</p><p>lactose. Verificou-se que o alelo que transporta a variante T-13910 correlaciona-se</p><p>com muitas populações globais com tolerância à lactose e uma variedade de estudos</p><p>46</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>funcionais revelaram alguns dos passos moleculares pelos quais o alelo controla a</p><p>expressão da lactase nas células intestinais. Mas, havia mais na história porque algumas</p><p>populações (por exemplo, na África subsaariana e na Arábia Saudita) que não tinham</p><p>a variante T-13910 tinham, no entanto, uma alta prevalência de tolerância à lactose.</p><p>Posteriormente, foram identificados outros SNP correlacionados com a tolerância à</p><p>lactose, e as análises parecem indicar que a evolução convergente do fenótipo ocorreu</p><p>várias vezes em locais diferentes. Com base em padrões genéticos e análise de esqueletos</p><p>humanos neolíticos, parece que a condição humana ancestral é a intolerância à lactose,</p><p>mas em um número de locais (ou seja, culturas) consumo humano de produtos lácteos</p><p>criou uma forte pressão de seleção para a evolução dos genes que suportam digestão</p><p>da lactose.</p><p>Variantes genéticas da amilase foram descritas em alguns invertebrados, tais como</p><p>moluscos e várias espécies de insetos. A investigação sobre estes sistemas indica que</p><p>os polimorfismos do gene da enzima podem ser não neutros e podem proporcionar</p><p>vantagens importantes para as dietas de processamento e, por sua vez, recompensas</p><p>benéficas para o crescimento e/ou reprodução para indivíduos portadores de certos</p><p>genótipos, embora os pormenores destes cenários não estejam tão bem estabelecidos</p><p>como nos exemplos acima mencionados com base na pesquisa em seres humanos.</p><p>Praticamente não existem experiências de seleção destinadas a testar a adaptação de</p><p>enzimas digestivas. Os besouros da farinha (Tribolium castaneum), que foram criados</p><p>em uma variedade de dietas, cujos teores de carboidratos variaram provavelmente, mas</p><p>não foram medidos, mostraram alguma variação significativa na atividade da amilase</p><p>juntamente com diferenças significativas nas taxas de crescimento e sobrevida.</p><p>Enzimas catalíticas e microbiota</p><p>Alguns dos substratos alimentares são degradados principalmente ou inteiramente por</p><p>enzimas da microbiota GI, mas as enzimas catalíticas intrínsecas do hospedeiro podem,</p><p>no entanto, desempenhar um papel crítico na gestão dessa relação simbiótica e na</p><p>colheita de produtos úteis a partir dele. As descobertas recentes sobre o fosfato alcalino</p><p>intestinal (IAP) proporcionaram novos insights sobre a função anterior, e lisozima</p><p>intestinal e ribonuclease pancreática são componentes-chave desta última função.</p><p>A fosfatase alcalina é encontrada amplamente entre os taxa de vertebrados e</p><p>invertebrados e em muitos órgãos dentro dos mamíferos, incluindo o intestino. É uma</p><p>enzima de borda de escova que hidrolisa ésteres de monofosfato, mas seu papel</p><p>fisiológico na digestão não foi bem compreendido. Por exemplo, ratinhos deficientes</p><p>em IAP não têm défices de digestão aparentes. Por muitos anos, seu substrato natural</p><p>não era conhecido, mas sua presença era amplamente utilizada em estudos intestinais</p><p>47</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>como marcador da borda pincelada apical e como marcador para diferenciação cripta-</p><p>vilosidade. Em 1997, pesquisadores mostraram que lipopolissacarídeo (LPS), um</p><p>componente principal da membrana externa bacteriana, atua como um substrato a</p><p>pH fisiologicamente relevante. Ao desfosforilar o LPS bacteriano, o IAP reduz a sua</p><p>toxicidade. Em estudos subsequentes verificou-se que os murganhos deficientes em IAP</p><p>e o peixe-zebra são hipersensíveis à toxicidade de LPS em comparação com animais de</p><p>tipo selvagem. A desfosforilação do LPS parece inibir a sua ligação a receptores que</p><p>iniciam a regulação positiva</p><p>dos genes relacionados com a inflamação que conduzem</p><p>à inflamação e ao aumento da passagem transmucosa bacteriana. Assim, o IAP ajuda</p><p>a manter em cheque os mecanismos defensivos do intestino contra bactérias, e desta</p><p>forma, participa na tolerância intestinal de bactérias comensais. Curiosamente, a</p><p>colonização bacteriana induz a síntese de IAP, enquanto que os níveis de IAP são baixos</p><p>em animais sem germes.</p><p>A lisozima é outra enzima antimicrobiana encontrada amplamente em táxons de</p><p>vertebrados e invertebrados em muitos tipos de tecidos incluindo o intestino de</p><p>vertebrado. Nesse tecido, a lisozima e outras proteínas bactericidas chamadas defensinas</p><p>são segregadas pelas células Paneth localizadas na base das criptas intestinais.</p><p>A lisozima hidrolisa as paredes das células bacterianas e as defensinas inserem-se nas</p><p>membranas onde interagem entre si para formar poros que interrompem a função da</p><p>membrana e conduzem à morte da célula bacteriana. Mas, outro aspecto fascinante</p><p>das lisozimas é que elas foram recrutadas como enzimas digestivas ao longo do tempo</p><p>evolutivo em vários táxons de vertebrados e invertebrados, incluindo mamíferos e aves</p><p>trato digestivo superior, insetos e aracnídeos (Acari).</p><p>A digestão de micróbios requer primeiro quebrar as paredes celulares bacterianas e,</p><p>em seguida, hidrolisar e absorver o conteúdo da célula bacteriana. As paredes celulares</p><p>bacterianas são feitas principalmente de peptidoglicano, que é hidrolisado pela enzima</p><p>lisozima. A maioria dos animais que assimilam seus micróbios intestinais tem um</p><p>compartimento do intestino para cultivar os micróbios e outro para digeri-los. Em pelo</p><p>menos duas linhagens de mamíferos e uma espécie aviária, esta pode ser um local de</p><p>secreção de lisozima.</p><p>Ruminantes e macacos evoluíram independentemente uma lisozima que funciona</p><p>como uma enzima digestiva. Esta lisozima digestiva tem muitas características que a</p><p>distinguem da lisozima bacteriostática que é expressa em lágrimas, leite, células Paneth</p><p>do intestino delgado e nos brancos de ovos de aves. A lisozima digestiva é expressa no</p><p>compartimento ácido do intestino anterior, tem um pH ácido óptimo e é relativamente</p><p>resistente à degradação por pepsina (revista por referência). As lisozimas de macacos</p><p>colobos e ruminantes convergiram nas sequências de aminoácidos que conferem a estas</p><p>48</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>enzimas a sua resistência às pepsinas. A maioria dos mamíferos e aves tem uma única</p><p>cópia genética que codifica a lisozima. Ruminantes, em contraste, têm muitas cópias.</p><p>Em ruminantes, a produção em larga escala de lisozima digestiva implicou tanto a</p><p>duplicação de genes como alterações na estrutura molecular da proteína.</p><p>Uma explicação comum para a origem de múltiplas cópias genéticas é que estas</p><p>permitem fazer mais produto proteico. De fato, a lisozima representa 10% da proteína</p><p>da mucosa gástrica total e RNA mensageiro em ruminantes. A atividade da lisozima no</p><p>estômago dos fermentadores do trato digestivo superior a três ordens de magnitude</p><p>superior à encontrada em animais sem fermentação no trato digestivo superior.</p><p>As ribonucleases, segregadas pelo pâncreas exócrino no lúmen do intestino delgado,</p><p>digerem os abundantes RNAs de bactérias em rápido crescimento. Embora não tenha</p><p>havido uma boa análise filogenética, evidências disponíveis sugerem que o teor de</p><p>ribonuclease do pâncreas é maior em fermentadores do trato digestivo superior e em</p><p>alguns fermentadores cecais que praticam coprofagia do que em omnívoros e herbívoros</p><p>não coprófagos. Além disso, em ruminantes e macacos colobos o gene para ribonuclease</p><p>duplicou, e uma das cópias tornou-se especializada para a digestão eficiente de ARN</p><p>bacteriano no intestino delgado.</p><p>Os animais cuja fermentação ocorre no trato digestivo inferior também podem digerir</p><p>bactérias quando reingerem as suas fezes (coprofagia/cecotrofia). A este respeito,</p><p>é interessante que os coelhos secretem lisozima no cólon distal sob um calendário</p><p>circadiano que segue fortemente o da produção de cecotróficos, que são os grânulos</p><p>especiais excretados do ceco. Assim, os cecotróficos que atingem o estômago contêm</p><p>grandes quantidades de lisozima e, presumivelmente, de bactérias com paredes</p><p>celulares parcialmente hidrolisadas prontas para serem digeridas. Uma característica</p><p>curiosa da lisozima de coelho é que o seu pH óptimo é muito diferente do de outras</p><p>lisozimas expressas em coelhos. É ácido em vez de neutro. Esta observação sugere que</p><p>em coelhos uma das lisozimas foi cooptada do seu papel antibacteriano original para o</p><p>papel de uma enzima digestiva.</p><p>A assimilação de proteína bacteriana por aves herbívoras é desconcertante porque as</p><p>aves não parecem ter separação espacial de cultura e digestão de micróbios. Também, até</p><p>onde sabemos, ninguém ainda mediu a atividade da lisozima no trato GI das aves. Há</p><p>muito a ser aprendido sobre os mecanismos que os fermentadores do trato digestivo</p><p>inferior vertebrados usam para tirar proveito de seus microrganismos do TGI.</p><p>49</p><p>CAPítulo 2</p><p>Processos de absorção no trato</p><p>gastrointestinal</p><p>Aspectos gerais dos processos de absorção</p><p>O intestino delgado é órgão responsável pela intensa absorção dos produtos da</p><p>hidrólise dos macronutrientes, vitaminas, eletrólitos e água, que compreende cerca</p><p>de 75% do comprimento total do trato gastrointestinal. Através desse processo, os</p><p>substratos da luz intestinal apresentam um fluxo resultante em direção aos enterócitos,</p><p>e consequentemente, ao sangue e/ou linfa. Por outro lado, o fluxo não é unidirecional</p><p>visto que, em determinadas condições osmóticas da luz intestinal, o intestino pode</p><p>ainda secretar substratos.</p><p>Peculiaridades gerais da mucosa absortiva e</p><p>irrigação sanguínea e linfática</p><p>Como podemos observar a seguir, a mucosa do intestino delgado não é uniforme quando</p><p>comparamos às superfícies luminais das outras porções do trato gastrointestinal. Tal</p><p>conformação da mucosa intestinal amplifica a sua superfície e, consequentemente,</p><p>aumenta a área absortiva das três porções deste órgão (duodeno [cerca de 0,25 m],</p><p>jejuno [cerca de 2,5 m] e íleo [cerca de 3,5 m])</p><p>figura 17. Diferenças morfológicas na mucosa dos diferentes segmentos do trato gastrointestinal.</p><p>fonte: Modificado de SILVERThORN, Dee unglaub. fisiologia humana: uma abordagem integrada, 2010.</p><p>50</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>O aumento da área da superfície da mucosa intestinal se dá em decorrência de três</p><p>alterações anatômicas:</p><p>I. Dobras de Kerckring (ou dobras circulares ou valvulae conniventes),</p><p>verdadeiras evaginações da mucosa e da submucosa que se projetam</p><p>para a luz intestinal, tendo comprimento variando entre 3 a 10 cm</p><p>dependendo da região do intestino de forma que, apresentam amplitude</p><p>maior bem como são mais numerosas no duodeno e jejuno proximal</p><p>quando comparado às porções mais distais.</p><p>II. Vilosidades, dobras da mucosa em formato digitiforme, cujo</p><p>comprimento varia entre 0,5 a 1,5 mm e sua densidade reduz no sentido</p><p>cefalocaudal. Diferentemente das dobras de Kercking, a forma das</p><p>vilosidades é modificada de acordo com a distensão do intestino. Nas</p><p>bases das vilosidades, ainda encontramos as criptas de Lieberkuhn, cujas</p><p>células indiferenciadas secretoras de águas e íons migram para o ápice</p><p>das vilosidades, diferenciando-se em células absortivas e digestivas.</p><p>III. Microvilosidades, presente em cada enterócito absortivo de cada vilo,</p><p>são projeções microscópicas das superfícies luminais dos enterócitos,</p><p>formando a borda – em – escova do epitélio intestinal. Cada célula absortiva</p><p>intestinal apresenta cerca de 3000 microvilos (aproximadamente 200</p><p>milhões por mm2).</p><p>figura 18. Representação esquemática das vilosidades e microvilosidades do trato gastrointestinal.</p><p>fonte: Modificado de <http://atlasvirtualuneb.blogspot.com.br/2017/05/cc10-doenca-celiaca.html> (acessado em 24 de</p><p>agosto de 2017).</p><p>51</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade</p><p>ii</p><p>Dessa forma, a combinação das dobras de Kerckring, das vilosidades e da borda –</p><p>em – escova (que aumentam a área absortiva em 3, 10 e 20 vezes, respectivamente),</p><p>aumentam a superfície absortiva do delgado em 600 vezes, equivalendo a uma área</p><p>de absorção de 200 a 250 m2, amplificando dessa forma, a capacidade absortiva</p><p>do intestino.</p><p>figura 19. fotomicrografia da superfície luminal da célula epitelial, evidenciando a borda em escova.</p><p>fonte: Modificado de Guyton e hall. Textbook of Medical Physiology, 2010.</p><p>Por outro lado, apesar de os produtos da digestão e demais componentes (eletrólitos,</p><p>vitaminas e água) necessitarem atravessar verdadeiras barreiras até atingirem a</p><p>circulação (camada de água não agitada da borda em escova, glicocálix, membrana</p><p>luminal, citosol [absorção transcelular] ou tight-junctions [absorção intercelular],</p><p>membrana basolateral e endotélio capilar), tal processo é favorecido pela organização</p><p>dos capilares sanguíneos e linfáticos dispostos ao longo dos vilos). Grande parte</p><p>dos produtos da hidrólise lipídica é absorvida pelo capilar lácteo (ramificação de</p><p>arteríolas linfáticas) enquanto que os demais nutrientes são absorvidos diretamente</p><p>pelos capilares sanguíneos. A drenagem venosa a partir do intestino (delgado e</p><p>grosso) bem como proveniente do pâncreas e de porções do estômago não desemboca</p><p>diretamente na veia cava; antes, são direcionadas ao fígado via veia porta-hepática.</p><p>Tal distribuição é importante do ponto de vista de proteção do próprio organismo</p><p>visto que todos os compostos absorvidos pela mucosa intestinal através dos capilares</p><p>sanguíneos, inclusive substâncias com potencial tóxico, podem ser metabolizadas</p><p>no fígado antes de atingirem a circulação sistêmica.</p><p>52</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>figura 20. Cortes representativos das vilosidades intestinais, evidenciando a capilarização sanguínea e linfática.</p><p>fonte: Silverthorn, Dee unglaub. fisiologia humana: uma abordagem integrada, 2010.</p><p>Eletrofisiologia do epitélio intestinal</p><p>A água e os íons podem ser absorvidos pelo epitélio absortivo intestinal através de</p><p>duas vias: a via transepitelial (através da membrana luminal e basolateral) ou pela</p><p>via intercelular (através das tight-junctions). Sabe-se que as tight-junctions (também</p><p>conhecidas como junções de oclusão) são verdadeiras adesões entre as células vizinhas,</p><p>formando uma “barreira” seletiva entre as células adjacentes. Do ponto de vista</p><p>eletrofisiológico, as tight-junctions funcionam como uma via shunt, ou de curto-circuito</p><p>ao transporte transcelular de íons ou solutos carregados eletricamente, de forma que</p><p>quanto maior a sua resistência, menor será o curto- circuito e, consequentemente,</p><p>maior será a DPtrans. Devido aos transportes de solutos através das células, os epitélios</p><p>absortivos apresentam uma diferença de potencial elétrico transepitelial (DPtrans),</p><p>que nada mais é do que a diferença entre o potencial da membrana luminal (DPML) e</p><p>o da membrana basolateral (DPMBL), sendo o compartimento luminal negativo quando</p><p>comparado ao intersticial.</p><p>Então, sabendo que a resistência das tight-junctions aumenta no sentido cefalocaudal</p><p>(a resistência da membrana no intestino delgado é cerca de 20 vezes maior do que</p><p>a das tight-junctions enquanto que, no cólon, a tanto a membrana celular quanto as</p><p>53</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>tight-junctions apresentam resistências semelhantes) podemos concluir que, no mesmo</p><p>sentido, ocorre aumento da resistência elétrica intercelular (reduzindo a condutividade</p><p>iônica por essa via) e, consequentemente, a DPtrans tende a aumentar. Dessa forma, a</p><p>via intercelular é muito condutiva no intestino delgado enquanto que, no intestino grosso,</p><p>tal condutância é menor, ou seja, o fluxo intercelular de absorção de água e eletrólitos</p><p>diminui ao longo do intestino.</p><p>figura 21. Microvilo na superfície das células epiteliais.</p><p>Lúmem intestinal</p><p>Microvilos</p><p>Tight</p><p>junctions</p><p>fonte: Vander et al. human Physiology: The mechanism of body, 2010.</p><p>Absorção de eletrólitos</p><p>Absorção de sódio (na+)</p><p>O sódio é o principal eletrólito do fluido extracelular e, devido sua importância, o trato</p><p>gastrointestinal absorve esses íons com elevada competência. Em verdade, sabe-se que</p><p>diariamente é lançado na luz do trato cerca de 30 a 35 gramas de NaCl (aproximadamente</p><p>5 a 10 gramas provenientes da dieta e, o restante, secretado na luz juntamente com as</p><p>secreções glandulares), sendo excretados nas fezes apenas 9 a 40 mEq, por dia.</p><p>54</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>A absorção de sódio é facilitada pelo gradiente eletroquímico gerado pela atividade</p><p>do contratransportador Na+/K+-ATPase (ou bomba de Na+/K+-ATPase), localizado</p><p>na membrana basolateral dos enterócitos. A cada ciclo, esse transportador ativo, que</p><p>induz o efluxo de 3 íons sódio e o influxo de 2 íons potássio, gera não somente um</p><p>déficit de sódio no meio intracelular (aproximadamente 50 mEq/L) como também gera</p><p>déficit de uma carga negativa no meio intracelular por ciclo. Dessa forma, a atividade da</p><p>Na+/K+-ATPase gera um gradiente eletroquímico favorável ao influxo de sódio. Tal fato</p><p>é de extrema importância visto que o conteúdo do intestino delgado é isotônico e possui</p><p>concentração de Na+ semelhante ao compartimento intersticial-vascular (cerca de 140</p><p>mEq/L); dessa forma, a atividade da Na+/K+-ATPase gera um gradiente que favorece a</p><p>absorção de Na+ mesmo na ausência de um potencial eletroquímico significativo entre</p><p>o conteúdo luminal e o compartimento intersticial-vascular. Esse mecanismo favorece</p><p>intensamente a absorção de produtos da digestão de alguns macronutrientes, que</p><p>ocorrem principalmente por meio do gradiente eletroquímico para o íon Na+ através de</p><p>transporte ativo secundário.</p><p>Além disso, da mesma forma que a taxa de absorção de íon Na+ é maior nas porções</p><p>proximais do intestino delgado, tal fato também ocorre quando comparamos os primeiros</p><p>segmentos em relação ao segmento grosso do intestino. Tal fato está diretamente</p><p>relacionado com:</p><p>I. maior área de superfície absortiva no intestino delgado em relação ao</p><p>grosso;</p><p>II. maior permeabilidade iônica intercelular nas porções proximais do</p><p>intestino em relação às porções distais (as junções tight-junctions</p><p>apresentam aumento de sua resistência no sentido cefalocaudal);</p><p>III. absorção de sódio é levemente estimulada pelos açúcares e aminoácidos,</p><p>produtos da digestão; e</p><p>IV. com o decréscimo das concentrações de sódio no conteúdo luminal no</p><p>sentido cefalocaudal a medida que o quimo aproxima-se das porções mais</p><p>distais do intestino, a absorção de íons sódio ocorre contra gradientes</p><p>eletroquímicos cada vez menores em relação ao compartimento</p><p>interstício-plasma.</p><p>Nesse contexto, além de o sódio ser absorvido pela membrana luminal dos enterócitos</p><p>através de proteínas integrais de membranas que são verdadeiros canais, permitindo</p><p>55</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>o fluxo iônico livremente, também pode ocorrer acoplado a substratos orgânicos</p><p>(aminoácidos e monossacarídeos) e inorgânicos.</p><p>Por meio transporte acoplado, o sódio pode ser absorvido através do cotransportadores</p><p>Na+:Cl- (principalmente no jejuno e íleo, sendo negativamente modulado pela</p><p>serotonina e AMPcíclico) e 2 Na+:SO4</p><p>-2 / 2 Na+:PO2</p><p>-2 (predominantemente no íleo).</p><p>Por outro lado, o sódio ainda pode ser transportado através da membrana luminal</p><p>mediado por contratransportadores, como o trocador Na+/H+, cuja localização</p><p>preferencial ocorre no jejuno. No íleo e na porção proximal do cólon, o trocador</p><p>Na+/H+ trabalha em paralelo com o trocador Cl-/HCO3</p><p>-, com a formação de íon</p><p>bicarbonato (HCO3</p><p>-) a partir da ação da anidrase carbônica citosólica catalisando a</p><p>reação entre moléculas de água e gás carbônico.</p><p>No cólon, a absorção de sódio pode ocorrer através de canais de vazamento localizados</p><p>na membrana luminal</p><p>mediada pelo canal ENaC (epithelial Na+ channel). Tais canais</p><p>são sensíveis à aldosterona, um hormônio mineralocorticoide importante nos processos</p><p>de reabsorção de sódio. Sobre as células colônicas, a aldosterona age aumentando</p><p>o gradiente eletroquímico para o influxo de sódio no citoplasma dos enterócitos, ao</p><p>estimular a atividade da Na+/K+-ATPase basolateral. Além disso, ainda pode promover</p><p>abertura de canais ENaC previamente inseridos na membrana luminal, promover a</p><p>incorporação nesta membrana de canais ENaC previamente sintetizados ou ainda,</p><p>estimular a síntese de novos canais ENaC bem como da Na+/K+-ATPase para posterior</p><p>inserção na membrana luminal.</p><p>Em todos os transportes mencionados, o sódio citosólico será transportado para fora da</p><p>célula através da ação da Na+/K+-ATPase basolateral.</p><p>Absorção de outros eletrólitos</p><p>Cloreto</p><p>O íon cloreto pode ser absorvido através da via intercelular nas porções proximais do</p><p>intestino. Ainda no intestino delgado (principalmente no jejuno e íleo) a absorção de</p><p>íons cloreto (Cl-) ocorre através da membrana luminal por meio do cotransportador</p><p>Na+:Cl- e, na membrana basolateral, o cloreto é transportado passivamente, a favor do</p><p>gradiente eletroquímico. Já na porção distal do intestino delgado (íleo) e nos segmentos</p><p>iniciais do cólon, a absorção de cloreto ocorre através do trocador Cl-: HCO3</p><p>- acoplado</p><p>em paralelo, ou não, com o trocador Na+/H+. Por sua vez, esse cloreto será transportado</p><p>pata o interstício via cotransportador K+:Cl-.</p><p>56</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>Bicarbonato</p><p>A absorção de íon bicarbonato HCO3</p><p>- ocorre no jejuno, sendo um processo importante</p><p>para a remoção do excesso desse íon secretado no duodeno através do suco pancreático.</p><p>Em verdade, a absorção de HCO3</p><p>- ocorre de forma parcialmente dependente do íon</p><p>Na+, quando o equilíbrio da reação de dissociação do ácido carbônico é deslocado</p><p>favorecendo a formação de CO2 na luz intestinal. Uma vez sintetizado no lúmen</p><p>gastrointestinal, o CO2 atravessa a membrana luminal por difusão simples e, o</p><p>aumento de suas concentrações no citosol, desloca o equilíbrio da reação favorecendo</p><p>a síntese de ácido carbônico mediado pela enzima anidrase carbônica citosólica.</p><p>Como tal ácido dissocia-se facilmente, o ânion bicarbonato será transportado,</p><p>através da membrana luminal, por um cotransportador Na+: HCO3</p><p>-, tendo o</p><p>NaHCO3 como produto predominante dessa absorção transepitelial. O íleo e o cólon</p><p>apresentam mecanismos de secreção de HCO3</p><p>-, favorecendo a excreção deste ânion</p><p>nas fezes.</p><p>Potássio</p><p>A absorção do íon potássio (K+) no duodeno ocorre através da via intercelular,</p><p>secundária à absorção de água. Além disso, à medida que a água vai sendo absorvida ao</p><p>longo do intestino delgado, a concentração luminal de K+ tende a aumentar, gerando</p><p>gradiente eletroquímico a favor de sua absorção, que ocorre até o segmento inicial</p><p>do cólon. No cólon distal, por sua vez, existe um contratransportador H+/K+, que é</p><p>responsável pela absorção de potássio através de transporte ativo primário; entretanto,</p><p>a forma como o potássio deixa a célula através da membrana basolateral ainda não</p><p>é esclarecida.</p><p>Cálcio</p><p>O íon cálcio (Ca++) pode ser absorvido pelo epitélio intestinal (principalmente ao nível</p><p>de duodeno e jejuno) através de duas vias:</p><p>I. passivamente, através da via intercelular em decorrência do aumento do</p><p>seu gradiente eletroquímico em virtude da absorção de água; e</p><p>II. através da via transcelular, por meio de transporte ativo.</p><p>57</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>figura 22. Representação esquemática dos processos de absorção do íon cálcio.</p><p>fonte: Modificado de Boron e Boulpaep: Medical Physiology, 2002.</p><p>No processo transcelular o cálcio, uma vez no citosol, pode ser ativamente transportado</p><p>para o interior de organelas, como o retículo endoplasmático ou ligar-se a uma proteína</p><p>intestinal fixadora de cálcio (calbindina), essencial para a absorção intestinal de cálcio.</p><p>A calbindina apresenta elevada afinidade por dois íons Ca++ e, o complexo formado</p><p>(Ca++ - calbindina) se desfaz nas proximidades da membrana basolateral. Uma vez livre,</p><p>os íons Ca++ são transportados ativamente para fora da célula, através de um transporte</p><p>ativo primário (Ca++ - ATPase) ou secundário (contratransportador 3 Na+/ Ca++), sendo</p><p>este último mais eficiente quando as concentrações citosólicas de Ca++ estão elevadas.</p><p>A vitamina D apresenta um papel essencial na absorção intestinal de Ca++. O colecalciferol</p><p>(ou vitamina D3) é formado na pele pela ação ultravioleta sobre o 7-diidrocolesterol</p><p>que, após sucessivas conversões ao nível hepático e renal, origina um composto</p><p>denominado 1,25 – diidrocolecalciferol, cuja produção é modulada positivamente</p><p>pelo paratormônio (PTH). Essa forma ativa da vitamina D3 penetra nos enterócitos e,</p><p>agindo ao nível nuclear, induz a síntese de RNAm para os transportadores ativos de</p><p>Ca++ bem como para a calbindina, favorecendo a absorção intestinal deste íon.</p><p>ferro</p><p>Recomenda-se a ingestão de aproximadamente 0 a 15 mg de ferro diariamente, sendo</p><p>absorvido cerca de 10 a 15% do ingerido, apenas. O ferro encontra-se, principalmente,</p><p>ligado aos radicais prostéticos das porfirinas dos grupamentos heme das moléculas</p><p>de hemoglobina (cerca de 65%) e mioglobina (cerca de 5%), ligado à enzimas (cerca</p><p>58</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>de 1%) e, o restante, é encontrado nas formas de ferritina e hemosiderina no fígado.</p><p>Adicionalmente, cerca de 15% do ferro heme, de origem animal, também é absorvido.</p><p>A absorção de ferro ocorre preferencialmente nas porções proximais do intestino delgado,</p><p>reduzindo progressivamente em direção ao íleo. Apesar de os processos absortivos de</p><p>ferro ainda não serem completamente esclarecidos, atualmente sabe-se que:</p><p>I. uma vez no citosol, o grupamento heme sofre a ação da enzima heme</p><p>oxigenase, liberando o íon ferroso (Fe++) que pode ser oxidado a íon férrico</p><p>(Fe+++) e posteriormente reduzido sob a ação da enzima ferro redutase;</p><p>II. o íon ferroso pode ser transportado através da membrana luminal por</p><p>endocitose, a partir da sua interação com a transferrina e seu receptor e,</p><p>uma vez endocitado, o Fe++ é liberado do complexo transferrina-receptor,</p><p>que é reincorporado à membrana luminal;</p><p>III. o íon ferroso pode ser absorvido para o citosol através do cotransportador</p><p>H+:Fe++.</p><p>Uma vez no citosol, o ferro interage com a proteína citoplasmática mobilferrina (que além</p><p>de facilitar a difusão do íon, previne a citotoxidade do ferro) e, através de mecanismos pouco</p><p>conhecidos, atravessa a membrana basolateral dos enterócitos. O íon ferroso é oxidado no</p><p>plasma e este, por sua vez, interage com uma transferrina plasmática para ser transportado</p><p>aos tecidos; no fígado, entretanto, se complexa com a ferritina.</p><p>Absorção de carboidratos</p><p>O duodeno e a porção proximal do jejuno são os principais sítios de absorção dos</p><p>monossacarídeos resultantes dos processos da digestão dos carboidratos, que são a</p><p>glicose, a frutose e a galactose. Entretanto, a bicamada lipídica não permite a passagem</p><p>desses monossacarídeos facilmente, sendo necessária a presença de carreadores</p><p>específicos. Na membrana luminal dos enterócitos, existem dois carreadores que são</p><p>os responsáveis pela absorção dos monossacarídeos para o seu citoplasma: o SGL-T1</p><p>(do inglês, sodium – glucose transporter) responsável pela absorção de glicose e</p><p>galactose, e o GLUT5 (do inglês, glucose transporter) que absorve a frutose a partir da</p><p>luz intestinal.</p><p>O SGL-T1 é um cotransportador de 2 mols de íons sódio para cada 1 mol de glicose</p><p>ou galactose; sua força motriz é gerada a partir do gradiente eletroquímico do íon</p><p>Na+ gerado a partir da Na+/K+-ATPase basolateral caracterizando-o, portanto, como</p><p>um transportador ativo secundário. Dessa forma, alterações na atividade da bomba</p><p>59</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │</p><p>UNidade ii</p><p>Na+/K+-ATPase, bem como alterações no conteúdo luminal de íons sódio influenciam</p><p>fortemente a absorção desses monossacarídeos.</p><p>Adicionalmente, o influxo de frutose é mediado pela proteína carreadora GLUT5,</p><p>através de mecanismo de difusão facilitada, sem acoplamento com íons sódio. O GLUT5</p><p>encontra-se inserida apenas na membrana plasmática da borda em escova dos</p><p>enterócitos maduros.</p><p>Por outro lado, o efluxo dos três monossacarídeos é mediado por outra proteína</p><p>carreadora, a GLUT2, inserida na membrana basolateral dos enterócitos, e que também</p><p>está presente no fígado, rim e nas células das ilhotas pancreáticas. A absorção das</p><p>hexoses é rápida, e se completam totalmente até a porção proximal do jejuno.</p><p>figura 23. Representação esquemática dos processos absortivos de monossacarídeos.</p><p>fonte: hansen e Koepen. Netter ’s Atlas of Physiology, 2002.</p><p>Absorção de proteínas</p><p>Os principais sítios de absorção dos produtos da digestão proteica (aminoácidos livres,</p><p>di – e tripeptídeos) correspondem às porções distais do intestino delgado, o jejuno e</p><p>íleo sendo este mais eficiente na captação de aminoácidos livre e, o jejuno, absorve</p><p>melhor os oligopeptídeos.</p><p>Nesse contexto, a absorção de aminoácidos pela borda em escova dos enterócitos</p><p>ileais é mediada por um grupo contendo 7 transportadores específicos para células</p><p>epiteliais. Dentre esses, 5 medeiam a absorção dos aminoácidos através de transporte</p><p>ativo secundário ao gradiente eletroquímico dos íons sódio enquanto que, os outros</p><p>60</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>dois, através de transporte ativo secundário. Dentre esses sistemas de transporte de</p><p>aminoácidos através da membrana basolateral, temos:</p><p>» Independem do gradiente eletroquímico do Na+; difusão facilitada:</p><p>› Sistema Y+: aminoácidos básicos ou catiônicos;</p><p>› Sistema b0,+: aminoácidos neutros, básicos e de cisteína.</p><p>» Dependentes do gradiente eletroquímico do Na+; transporte ativo</p><p>secundário:</p><p>› Sistema B: aminoácidos neutros, predominante;</p><p>› Sistema B0,+: aminoácidos neutros, básicos e de cisteína;</p><p>› Sistema IMINO: iminoácidos (prolina e hidroxiprolina), por</p><p>cotransporte com Na+ e Cl-;</p><p>› Sistema β: β – aminoácidos, betaína, ácido gama aminobutírico</p><p>(GABA) e taurina, por cotransporte com Na+ e Cl-;</p><p>› Sistema X–AG: aminoácidos ácidos ou aniônicos, em acoplamento com</p><p>o Na+ (sentido absortivo) e o K+ (sentido secretor).</p><p>Adicionalmente, a absorção dos pequenos oligopeptídeos através da membrana luminal</p><p>ocorre, simplesmente, por meio do cotransportador Pep – T1 (2 H+:oligopeptídeo),</p><p>utilizando o potencial eletroquímico do H+ gerado a partir do contratransporte ativo</p><p>secundário Na+/H+. Uma vez no citosol, os pequenos oligopeptídeos são hidrolisados a</p><p>aminoácidos livres catalisados por peptidases citoplasmáticas. Uma questão importante</p><p>é relativa à vantagem cinética da absorção de oligopeptídeos em relação ao influxo de</p><p>aminoácidos livres através da membrana luminal. Tais produtos são mais rapidamente</p><p>absorvidos, além de a absorção sob a forma oligomérica ser mais vantajosa do ponto de</p><p>vista energético do que a absorção de monômeros.</p><p>Por outro lado, apenas aminoácidos livres são transportados através da membrana</p><p>basolateral e, tal transporte ocorre tanto no sentido absortivo quando no sentido</p><p>do compartimento vascular, dependendo do sistema de transporte. Dessa forma, os</p><p>aminoácidos que são captados pelos enterócitos (via transporte ativo secundário) são</p><p>utilizados para a síntese proteica das células epiteliais, como fonte energética. Dessa</p><p>forma, os transportadores da membrana basolateral são:</p><p>» Influxo de aminoácidos:</p><p>› Sistema A: aminoácidos neutros, aminoácidos e glutamina;</p><p>61</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>› Sistema ASC: aminoácidos neutros, alanina, serina e cisteína.</p><p>» Absorção de aminoácidos:</p><p>› Sistema asc: alanina, serina e cisteína;</p><p>› Sistema L: cisteína, glutamina, aminoácidos neutros e hidrofóbicos;</p><p>› Sistema Y+: aminoácidos básicos, lisina, arginina, ornitina e histidina.</p><p>Até os seis primeiros meses de vida e, eventualmente em adultos, ocorre absorção</p><p>de proteínas intactas, as imunoglobulinas, por mecanismos de endocitose através</p><p>da membrana luminal. Particularmente em adultos, ocorre absorção de proteínas</p><p>imunologicamente importantes bem como de polipeptídeos, mas os mecanismos que</p><p>medeiam tais processos não são estabelecidos.</p><p>Absorção de lipídios</p><p>Produtos lipídicos transportados através da</p><p>membrana luminal</p><p>Os principais sítios de absorção dos produtos da digestão lipídica são o duodeno e,</p><p>principalmente, o jejuno. As micelas (contendo sais biliares e produtos da digestão</p><p>lipídica) são de extrema importância para a absorção dos produtos da hidrólise dos</p><p>lipídeos bem como de outras moléculas lipossolúveis, como as vitaminas A, D, E</p><p>e K, visto que o seu reduzido tamanho permite que elas se difundam por entre as</p><p>microvilosidades da borda em escova intestinal.</p><p>Até alcançarem a membrana luminal, as micelas necessitam atravessar uma camada</p><p>mucosa, formada principalmente por água (95%) chamada camada não-agitada de</p><p>água que recobre a superfície epitelial desta região. Atualmente sabe-se que a sua</p><p>espessura (40 µm) não representa uma barreira efetiva para a absorção dos produtos</p><p>da digestão lipídica. Os ácidos graxos livres de cadeias curtas e médias são solúveis em</p><p>água e, consequentemente, a atravessam facilmente; entretanto, o aumento da cadeia</p><p>carbônica de ácidos graxos reduz a sua solubilidade em água e, consequentemente,</p><p>na camada não agitada que recobre o epitélio, aumentando a sua solubilização nas</p><p>micelas. Portanto, atualmente acredita – se que a difusão micelar seja o mecanismo</p><p>mais provável para a difusão dos ácidos graxos de cadeia longa através da camada não</p><p>agitada de água.</p><p>O pH da camada não agitada de água é ácido; dessa forma, sugere-se que os ácidos</p><p>graxos de cadeia longa, uma vez dissociados da micela, sejam protonados e, desta</p><p>62</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>forma, absorvidos pela membrana luminal dos enterócitos através de difusão simples.</p><p>Por outro lado, postula-se ainda que os próprios movimentos intestinais favoreçam</p><p>tal absorção, através da incorporação desses ácidos graxos na membrana luminal</p><p>por meio de colisões. Os demais produtos da hidrólise lipídica (lisofosfolipídeos, 2</p><p>– monoacilgliceróis e o colesterol) parecem ser absorvidos pela membrana luminal</p><p>através de difusão simples, apesar de estudos apontarem uma possível presença de</p><p>proteínas integrais transportadoras desses produtos através dessa membrana.</p><p>figura 24. Absorção de lipídeos no intestino delgado.</p><p>Camada não agita de água (40</p><p>micrômetros)</p><p>Borda em</p><p>escova Microvilosidades Citosol</p><p>Difusão</p><p>Na camada não</p><p>agitada de água</p><p>Monoacilglicerol</p><p>Micelas</p><p>mistas</p><p>AG</p><p>FL</p><p>fonte: Modificado de: Berne e Levy. fisiologia, 2009.</p><p>reesterificação nos enterócitos e formação</p><p>dos quilomícrons</p><p>Uma vez no citosol, os produtos da digestão lipídica interagem com proteínas ligadoras</p><p>de ácidos graxos (FABP) específicas; os ácidos graxos de cadeia longa se complexam</p><p>com a I-FABP enquanto que, o colesterol, os monoacilgliceróis e os lisofosfolipídeos</p><p>interagem com a L-FABP. Tais proteínas transportam esses compostos até o retículo</p><p>endoplasmático liso onde serão reesterificados, além de inibir a citotoxidade dos ácidos</p><p>graxos de cadeia longa. Por outro lado, duas isoformas de proteínas carreadoras de</p><p>esteróis, SCP-1 e SCP-2, também estão presentes no citosol das células epiteliais e fixam</p><p>o colesterol e outros esteróis.</p><p>No retículo endoplasmático liso, os produtos da hidrólise lipídica são reesterificados:</p><p>os 2 – monoacilgliceróis são reesterificados com ácidos graxos nos carbonos 1 e 3, para</p><p>novamente formarem triacilgliceróis através da via de acilação do monoacilglicerol.</p><p>63</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>Os lisofosfolipídeos e o colesterol também</p><p>são reesterificados originando, respectivamente,</p><p>fosfolipídeos e ésteres de colesterol embora, este último, também seja encontrado na</p><p>forma livre.</p><p>Por fim, os produtos lipídicos já reesterificados acumulam-se no retículo endoplasmático</p><p>liso e, os fosfolipídeos com seu caráter anfipático, tendem a cobrir as superfícies externas</p><p>dessas gotas. Tais aglomerados são, então, transferidos para o aparelho de Golgi</p><p>das células dos enterócitos, e são exocitadas das células epiteliais. Tais aglomerados</p><p>lipídicos são, portanto, chamados de quilomícrons.</p><p>Os quilomícrons são estruturas relativamente grandes, de forma que não conseguem</p><p>atravessar as fenestras dos capilares sanguíneos. Entretanto, conseguem penetrar</p><p>os capilares linfáticos das vilosidades intestinais, que possuem fenestrações maiores</p><p>quando comparados aos sanguíneos. A partir daí, a linfa flui através do ducto torácico,</p><p>desembocando na circulação sistêmica via veia subclávia esquerda.</p><p>recirculação dos sais biliares</p><p>A partir da absorção dos produtos da hidrólise lipídica através da membrana luminal</p><p>dos enterócitos, os sais biliares retornam à luz intestinal e serão absorvidos pela</p><p>membrana luminal principalmente no íleo, acoplado ao influxo de íons sódio através</p><p>de transporte ativo secundário. Uma vez absorvidos, retornarão ao fígado através</p><p>da circulação entero-hepática promovendo efeitos coleréticos (ou seja, estimulando</p><p>a secreção de bile). Tal recirculação ocorre até o término do processo de digestão</p><p>e absorção.</p><p>Absorção de vitaminas</p><p>As vitaminas são micronutrientes essenciais visto que apresentam funções catalíticas,</p><p>atuando como enzimas ou radicais prostéticos de enzimas envolvidas em reações</p><p>metabólicas intracelulares vitais. Dessa forma, são denominados nutrientes reguladores</p><p>que são obtidos, exclusivamente, através da dieta.</p><p>De acordo com a solubilidade em solventes orgânicos ou água, as vitaminas são</p><p>classificadas em hidrossolúveis (vitamina C e as do complexo B) ou lipossolúveis (A, D,</p><p>E e K). As lipossolúveis podem ser armazenadas no fígado, podendo ser mobilizadas em</p><p>períodos de privação; já a maioria das vitaminas hidrossolúveis não são eficientemente</p><p>armazenadas no organismo, de forma que os sintomas provenientes de sua carência são</p><p>rapidamente evidenciados.</p><p>64</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>Absorção das vitaminas lipossolúveis</p><p>Devido a sua solubilidade, as vitaminas D, E e K se solubilizam nas micelas mistas dos</p><p>sais biliares e penetram nos enterócitos através da membrana luminal por processos de</p><p>difusão simples e, juntamente com os produtos da digestão lipídica, tais vitaminas são</p><p>transportadas para a circulação linfática através dos quilomícrons.</p><p>A absorção da vitamina A, por outro lado, é mais complexa. O termo vitamina A é</p><p>utilizado para um grupo de compostos com atividade biológica semelhante, sendo eles</p><p>o retinol e seus derivados, o retinal e o ácido retinoico. No intestino delgado, os ésteres</p><p>de retinol são hidrolisados sob a ação de enzimas pancreáticas bem como por enzima</p><p>da borda em escova (a retinil-éster-hidrolase), gerando retinol que será solubilizado em</p><p>micelas de sais biliares e transportado através da membrana luminal dos enterócitos.</p><p>Por sua vez, os carotenoides (precursores das diferentes formas de vitamina A) são</p><p>emulsificados no estômago e absorvidos pela borda em escova dos enterócitos através</p><p>de difusão simples.</p><p>Uma vez no citosol, i) o retinol é reesterificado; e, ii) os carotenoides são oxidados</p><p>gerando retinal (que pode ser reduzido a retinol, ou oxidado a ácido retinoico) e</p><p>apocarotenoides. Por fim, as moléculas de retinol reesterificadas, os carotenoides intactos</p><p>e os apocarotenoides são absorvidos pela circulação linfática com os quilomícrons, e</p><p>pode ser armazenado no fígado (sob a forma de ésteres) ou permanecer na circulação</p><p>sanguínea ligado à proteína RBP (do inglês, retinol binding protein).</p><p>Absorção das vitaminas hidrossolúveis</p><p>As vitaminas do complexo B assim como a vitamina C são hidrossolúveis. Especificamente,</p><p>a absorção da vitamina B12 (cobalamina) e B9 (ácido fólico) são de extrema importância</p><p>clínica visto que ambas são importantes na fisiopatologia da anemia megaloblástica (ou</p><p>perniciosa). A cobalamina age como cofator de reações enzimáticas para a formação</p><p>de metionina, aminoácido essencial que transfere radical metila em diversas reações</p><p>enzimáticas. Entretanto, caso o indivíduo apresente deficiência de vitamina B12 e de</p><p>metionina, a formação deste aminoácido se dará a partir do ácido fólico, promovendo</p><p>uma redução em suas concentrações. Em verdade, o ácido fólico é essencial para síntese</p><p>de DNA, pois age como cofator para as reações enzimáticas para a formação de suas</p><p>bases nitrogenadas, timinas e purinas comprometendo, dessa forma, a síntese de DNA</p><p>e as divisões celulares, mais evidentes em células com elevada capacidade mitogênica,</p><p>como as da medula óssea e intestino. Dessa forma, a redução em sua ingestão ou</p><p>um aumento no seu consumo a partir de reações enzimáticas, pode gerar a anemia</p><p>megaloblástica, devido às alterações na maturação das hemácias em consequência do</p><p>comprometimento da síntese de DNA.</p><p>65</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>A vitamina B12 é ingerida associada à proteína que, sob a ação do suco gástrico, será</p><p>liberada para em seguida, associar-se com outra proteína secretada pelas glândulas</p><p>salivares e gástricas, a haptocorrina (proteína do tipo R) cuja interação protege a</p><p>cobalamina contra ação da pepsina e da acidez gástrica. No duodeno, a afinidade entre</p><p>a haptocorrina e a vitamina B12 diminui ao passo que, uma vez dissociada, a cobalamina</p><p>irá interagir com outra molécula: o fator intrínseco, secretado pelas células parietais</p><p>gástricas e que medeia a absorção ileal de cobalamina em virtude de suas células</p><p>possuírem uma proteína carreadora que reconhece o complexo cobalamina-fator</p><p>intrínseco, absorvendo-o por endocitose.</p><p>No citoplasma das células intestinais, a vitamina B12 se dissocia do fator intrínseco e do</p><p>seu receptor (que serão degradados pelos lisossomos) e associa-se a outra proteína, a</p><p>transcobalamina II, responsável pelo transporte da cobalamina ao longo do citoplasma</p><p>em direção à membrana basolateral. Apesar de ainda não serem conhecidos os</p><p>mecanismos de transporte da vitamina B12 através da membrana basolateral, sabe-se</p><p>que, através da circulação porta, ela chega ao fígado onde será armazenada em</p><p>quantidades relativamente altas.</p><p>Absorção de água</p><p>A ingestão diária de água, na forma líquida ou contida nos alimentos, é de aproximadamente</p><p>2 litros. Adicionalmente, as secreções gastrointestinais contribuem com cerca de</p><p>7 litros de água diariamente, perfazendo um total aproximado de 9 litros de água</p><p>contida no trato gastrointestinal, por dia. Entretanto, o intestino é responsável pela</p><p>eficiência na absorção de água tendo em vista os tanto o delgado quanto o grosso</p><p>apresentam uma elevada reserva funcional absortiva (até 20 litros e até 4 a 6 litros por</p><p>dia, respectivamente), sendo tal propriedade de elevada importância para proteger o</p><p>organismo contra perdas excessivas de água.</p><p>A absorção de água ocorre através de duas vias: a via transcelular (através da inserção</p><p>de aquaporinas nas membranas luminal e basolateral) ou pela via intercelular, através</p><p>das tight- junctions. Em verdade, o epitélio do delgado é mais permeável à água, pois</p><p>apresenta intensa inserção das aquaporinas em suas membranas, bem como suas</p><p>tight-junctions apresentam reduzida resistência, sendo considerado um epitélio</p><p>“leaky”, ou seja, “que permite o vazamento”. Como vimos anteriormente, a resistência</p><p>intercelular aumenta no sentido cefalocaudal de forma que, no próprio intestino</p><p>delgado, observamos diferenças quanto à permeabilidade paracelular: o epitélio do</p><p>duodeno é mais permeável por esta via em relação ao do jejuno e este, por sua vez, mais</p><p>permeável em relação ao íleo. Por outro lado, o quimo chega ao duodeno hipertônico,</p><p>por beija-flores e passereis é o néctar.</p><p>Nos ensaios de alimentação, verificou-se que os beija-flores preferem sacarose sobre</p><p>glicose, frutose ou uma mistura de glicose e frutose. Embora todos os três açúcares</p><p>sejam altamente assimilados por beija-flores (superior a 97%), a glicose foi assimilada</p><p>mais lentamente (as aves descansaram mais entre os ataques de alimentação), tornando</p><p>a dieta de glicose menos eficiente. Os colibris têm taxas muito elevadas de hidrólise</p><p>intestinal de sacarose e transporte de glicose. Uma comparação das atividades intestinais</p><p>de sacarase e maltase entre três espécies de beija-flores e nove espécies de paserizantes</p><p>com frutos que tiveram atividade de sacarose intestinal significativa indicaram que a</p><p>sucrase intestinal estava entre duas vezes e 118 vezes maior em colibris. Assim, estas</p><p>aves são altamente adaptadas a dietas específicas de carboidratos. Pesquisadores</p><p>descobriram que o néctar segregado por flores preferidas pelos beija-flores é rico em</p><p>sacarose, enquanto que o néctar segregado por flores preferidas por passereis contém</p><p>uma mistura de glicose e frutose.</p><p>frutos</p><p>Uma terceira dieta rica em carboidratos e comida por muitas espécies é frutas.</p><p>A maioria dos pássaros que consomem frutas consomem quantidades consideráveis</p><p>diariamente, absorvem os açúcares e desfazem a polpa, obtendo pouco valor nutritivo.</p><p>As ceras de cedro (Bombycilla cedorum) com frutos artificiais (ágar em forma de</p><p>esfera, vermelhidão com 150g de glicose e um talão de plástico como “semente”) foram</p><p>observadas radiograficamente. Tipicamente, duas ou três “frutas” foram alimentadas</p><p>de uma só vez e passadas na moela em 3 minutos (na dissecção, esta espécie não</p><p>70</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>parece ter uma cultura, mas as sementes foram mantidas no esôfago superior). A polpa</p><p>e as sementes foram separadas em segundos por contrações do estômago muscular</p><p>e a polpa foi esvaziada no intestino em cerca de 8 min. As sementes permaneceram</p><p>no estômago Musclar por cerca de 30min; no entanto, uma vez que foram passadas</p><p>do estômago, eles se moveram pelo intestino delgado em menos de 10 min. A polpa</p><p>parecia ser “empurrada” através do intestino pelas sementes. Tanto a polpa quanto as</p><p>sementes permaneceram no reto por vários minutos. Isto presumivelmente permitiu</p><p>a absorção de nutrientes não absorvidos na pequena intestina antes da defecação da</p><p>polpa. A absorção ativa de D-glucose foi alta no reto.</p><p>Em estudos anteriores, verificou-se que a absorção de glicose em média foi de 92%</p><p>nesta dieta, de modo que o processamento e a absorção são muito eficientes. A absorção</p><p>de uma grande proporção de açúcares ingeridos é típica da maioria dos frugívoros.</p><p>A digestão é complicada pelas mudanças sazonais na dieta em algumas aves. Os robins</p><p>americanos (Turdus migratorius) passam de comer frutas no outono para insetos na</p><p>primavera. Esta mudança é acompanhada por alterações nas secreções de enzimas</p><p>digestivas do epitélio intestinal e parece ser induzida sazonalmente (provavelmente</p><p>por fotoperíodo) em vez de em resposta à dieta. Em alguns casos, mudanças sazonais</p><p>da dieta envolvem mudanças no volume consumido devido à maior parte da nova dieta</p><p>ou devido a comer mais em resposta a uma menor temperatura ambiental. Assim, a</p><p>estrutura intestinal, tamanho e função podem mudar de forma sazonal.</p><p>quitina</p><p>Um último tipo de carboidrato comido por muitos pássaros é a quitina, um dos</p><p>biopolímeros mais abundantes da Terra. Em ensaios de alimentação com seis espécies</p><p>de aves marinhas, albatrozes de fuligem (Phoebetria fusca), petreles de mentina</p><p>branca (Procellaria aequinotialis), petreles de tempestade de Leach, pinguins de</p><p>peregrinos (Eudyptes chlysocome), pinguins de gentoo (Pygoscelis papua) e pinguins</p><p>do rei (Aptenodytes patagonicus) digestibilidades de 35 a 84% foram observados</p><p>(média de 50,6%).</p><p>digestão das proteínas</p><p>Uma vez que a quitina fornece o exoesqueleto de todos os artrópodes, as aves que comem</p><p>a quitina também são propensas a comer proteína dos músculos, órgãos internos etc.</p><p>dos artrópodes. A proteína é essencial para o crescimento e o desenvolvimento em todas</p><p>as aves jovens e para manutenção e reposição em aves adultas. Assim, todos os pássaros</p><p>são capazes de digerir algumas proteínas; no entanto, a proteína faz a maior parte da</p><p>71</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>dieta em aves carnívoras. As aves que comem dietas ricas em proteínas geralmente</p><p>têm sistemas digestivos menos complicados do que os que consomem carboidratos</p><p>complexos. O estômago muscular de aves de rapina e aves comendo peixes (por exemplo,</p><p>garças e pinguins é simples, sem os pares de músculos finos e grossos). Embora os</p><p>falcões tenham uma cultura pouco desenvolvida, ele funciona no armazenamento de</p><p>alimentos pós-prandialmente. As corujas não têm colheita tão engolida que o alimento</p><p>passa imediatamente para o estômago glandular.</p><p>digestão gástrica</p><p>Quatro fases de digestão gástrica podem ser observadas em corujas de chifres grandes:</p><p>1. enchimento do estômago caracterizada por altas contrações de alta</p><p>amplitude e moderadamente de alta frequência (1- 1,5 por minuto);</p><p>2. digestão química que é um período longo (4-8h) de contrações de baixa</p><p>frequência de baixa amplitude (0-1 por min);</p><p>3. evacuação de fluido que ocorre durante um período de 1-2h durante o qual</p><p>a atividade contrátil aumenta lentamente para cerca de 1,5 contrações</p><p>por minuto;</p><p>4. a ingestão de pelota que envolve contrações de alta amplitude e alta</p><p>frequência (2 por minuto) durante 4-10 minutos, seguido de ingestão</p><p>de pelota, durante as quais o antiperistestâneo esofágico vigoroso move</p><p>o sedimento do estômago para a boca em cerca de 8 -12s. Durante</p><p>a digestão gástrica, o pH do conteúdo gástrico variou em média 1.6</p><p>(intervalo 1-3-1.8) em amostras orais de cinco espécies de falconiformes e</p><p>2.35 (intervalo 2.2-2.5) em amostras de duas espécies de corujas (DUKE</p><p>et al., 197% ). Os pellets de falconiformes não contêm praticamente</p><p>nenhum osso de sua presa, enquanto os de corujas contêm quase todos</p><p>os ossos da sua presa. Usando ossos de purificados de carcaças de ratos</p><p>por besouros dermastados, verificou-se que uma solução de HC1 a pH</p><p>1,6 a 40 “dissolveu inteiramente os ossos durante a noite. A atividade</p><p>proteolítica gástrica foi encontrada entre as duas ordens de aves rápidas.</p><p>60% em corujas grandes que comeram uma dieta de ratos.</p><p>Efeito de pellets</p><p>O evento gastrointestinal mais singular que ocorre em aves de rapina e muitos outros</p><p>carnívoros aviários é a ingestão de pelota. Pellets são formados no estômago a partir dos</p><p>72</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>restos de cabelo (falconiformes) não digeridos ou cabelo e ossos (corujas). Esta ingestão</p><p>oral evita ter que digerir ossos e cabelos e passar por todo o trato gastrointestinal.</p><p>O mecanismo fisiológico da ingestão de pelota difere da vomição em mamíferos com</p><p>estômago simples e de regurgitação em ruminantes. Os transdutores de strain-gauge</p><p>implantados ou os eletrodos bipolares no esôfago, no estômago muscular e nos músculos</p><p>abdominais indicaram que, em cerca de 12 min antes da ingestão, as contrações gástricas</p><p>vigorosas formaram o sedimento e o empurraram para o esôfago inferior. Apenas uma</p><p>contração gástrica precede a vomição e a regurgitação do cud. O sedimento foi movido</p><p>oralmente pelo antiperistaltismo esofágico, que ocorre durante a regurgitação do cud,</p><p>mas não no vômito. Este movimento oralmente dirigido da pelota requeria 8-10s para</p><p>mover o sedimento para a boca. Não houve contração do músculo abdominal nas</p><p>corujas como ocorrem durante o vômito.</p><p>Nas corujas, os intervalos refeição-a-pellet variam entre as espécies e com o tamanho</p><p>da refeição. O intervalo refeição-a-pellet é menor para corujas menores e para refeições</p><p>relativamente menores em todas as espécies. Em contraste, os falconiformes tendem a</p><p>pellets iguais ao amanhecer, a menos</p><p>que as refeições sejam consumidas no final do dia</p><p>anterior. As corujas Great-homed e a maioria das outras corujas podem caçar durante</p><p>a luz do dia e a escuridão, enquanto os falconiformes caçam estritamente durante a luz</p><p>do dia. Assim, a hora do amanhecer seria vantajosa porque, ao esvaziar o estômago no</p><p>início do dia, uma nova refeição pode ser ingerida logo que possa ser capturada. Se a</p><p>primeira refeição for pequena, uma ou mais refeições adicionais podem ser consumidas</p><p>antes da escuridão.</p><p>digestão de gordura</p><p>A maioria dos animais que comem carne estão, com frequência, comendo gordura;</p><p>da mesma forma, os frugivores consomem muitas frutas que contêm lipídios. Muitas</p><p>espécies de aves procuram periodicamente dietas com alto teor de gordura, a fim</p><p>de aumentar seus níveis de gordura corporal em preparação para a migração ou em</p><p>antecipação à escassez de alimentos. No entanto, alguns pássaros comem dietas ricas</p><p>em gordura. Os melhores exemplos são aves marinhas. As aves marinhas são capazes de</p><p>assimilar os ésteres de cera com eficiências superiores a 90%; A eficiência nos mamíferos</p><p>é inferior a 50%. Os alimentos marinhos disponíveis para aves marinhas têm um alto</p><p>teor de lipídios como uma loja de energia, para flutuabilidade ou para isolamento em</p><p>mamíferos marinhos (comido como carrion). Esta alta eficiência é realizada por:</p><p>1. uma concentração comparativamente muito alta de sal da bile intestinal</p><p>para auxiliar a digestão lipídica; e</p><p>73</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>2. refluxos intestinais regulares que expõem repetidamente ingesta em</p><p>lipases pancreáticas e duodenais e bile.</p><p>Estudos radiográficos que revelaram a alta frequência de refluxos (cerca de 8/h) também</p><p>permitiram a observação de como a farinha com alto teor de gordura foi processada no</p><p>trato gastrointestinal de pintos de petrel de tempestade de Leach. Ingesta acumulada</p><p>no estômago glandular e eventualmente separada em duas fases, uma fase lipídica</p><p>flutuando em uma fase aquosa. A última fase, presumivelmente contendo aminoácidos</p><p>(de proteína digerida) e pequenas quantidades de lipídios, regularmente esvaziadas do</p><p>estômago para o duodeno. Três espécies terrestres também são eficientes na digestão</p><p>de lipídios e consomem dietas com alto teor de lipídios. O menor guia de mel (indicador</p><p>menor) que consome ésteres de cera em favo e joalharias (Dendroicu coronata) e</p><p>andorinhas de árvore (Tuchycinetu bicolor) que comem frutas com revestimento ceroso.</p><p>Praticamente toda a matéria orgânica na terra (e alguns íons inorgânicos) serve como</p><p>alimento para algumas espécies de animais. Ao se encaixar em uma miríade de nichos,</p><p>os pássaros aproveitaram essa matéria orgânica para atender às suas necessidades de</p><p>energia e proteína. Os mecanismos de alimentação e digestão que eles usam são apenas</p><p>parte do que os tornam interessantes para o homem.</p><p>74</p><p>unidAdE iii</p><p>fiSiologiA E</p><p>BioquíMiCA</p><p>CoMPArAdA dA</p><p>digEStão i</p><p>CAPítulo 1</p><p>Aspectos comparativos da digestão</p><p>em animais</p><p>Apesar da diversidade de soluções para os problemas de assimilação de nutrientes,</p><p>nenhum mamífero evoluiu para ser um digestor universal. Isso se deve às variações</p><p>substanciais na anatomia do aparelho digestivo. Para simplificar a discussão, dividimos</p><p>as espécies em:</p><p>I. ruminantes fermentadores na porção anterior do trato gastrointestinal</p><p>(como bovinos e ovinos);</p><p>II. não ruminantes fermentadores na porção anterior do trato gastrointestinal</p><p>(como cangurus);</p><p>III. fermentadores da porção posterior do trato gastrointestinal (como</p><p>o cavalo) e digestores predominantemente autoenzimáticos (porcos</p><p>e humanos). Animais como os suínos que dependem principalmente</p><p>da degradação enzimática não bacteriana dos alimentos no intestino</p><p>anterior também possuem aproveitamento da fermentação no intestino</p><p>grosso.</p><p>Aproveitar as bactérias hospedeiras para a fermentação é apenas uma forma de</p><p>aproveitamento parcial tendo em vista que as próprias bactérias utilizam componentes</p><p>do alimento, assim como protozoários e fungos no lúmen do intestino também podem</p><p>contribuir como nutrientes para as espécies hospedeiras. De um modo geral, os animais</p><p>evoluíram de modo a ter uma capacidade digestiva de reserva limitada e, ao mesmo</p><p>tempo, ter uma plasticidade significativa do sistema digestivo que permite aos animais</p><p>adaptarem-se a diferentes tipos e quantidades de alimentos.</p><p>75</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão i │ uNidade iii</p><p>ruminantes fermentadores na porção anterior</p><p>do trato gastrointestinal</p><p>Ruminantes são eficientes digestores porque os movimentos ruminais são capazes de</p><p>estratificar alimentos em componentes fluidos, partículas e gasosos: os ruminantes retém</p><p>o alimento para ser digerido no rúmen e retículo, sendo o material encaminhando para</p><p>omaso, abomaso e por fim ao intestino; além disso, o alimento compartimentalizado</p><p>no rúmem e retículo pode ser regurgitado para a boca para intensificar a mastigação e</p><p>exposição à enzima salivar.</p><p>Os ruminantes perdem eficiência digestiva quando comparado a outros grupos já</p><p>que a maioria dos carboidratos ingeridos é fermentada por bactérias do rúmen e, em</p><p>uma dieta natural, pouca glicose atinge o intestino delgado. A maior parte da glicose é</p><p>sintetizada a partir de ácido propiônico produzido por bactérias ou da gliconeogênese</p><p>a partir de aminoácidos, enquanto que espécies como o porco e os humanos convertem</p><p>os carboidratos em glicose por degradação enzimática. Assim, os ruminantes são mais</p><p>propensos que outros grupos a entrarem em balanço energético negativo, por exemplo,</p><p>durante a lactação pós-parto.</p><p>Ruminantes cuja fermentação ocorre nas porções anteriores do trato gastrointestinal</p><p>também são favorecidos por serem capazes de utilizar prontamente as vitaminas</p><p>produzidas por bactérias, particularmente as vitaminas do complexo B e, por essa</p><p>razão, os ruminantes não necessitam de vitaminas B em sua dieta (a coprofagia por</p><p>animais cuja fermentação ocorre no intestino, tais como coelhos, proporciona o acesso</p><p>a tais vitaminas). A fermentação na porção proximal do trato gastrointestinal também</p><p>contribui para a desintoxicação, enquanto que o animais cuja fermentação ocorre no</p><p>intestino grosso e, principalmente, os digestores enzimáticos dependem principalmente</p><p>do fígado para tal desintoxicação.</p><p>O rúmen possui grandes populações de bactérias celulolíticas e xilanolíticas, bem como</p><p>bactérias pectinolíticas, que são adaptadas à degradação das células vegetais. É notável</p><p>que todos os mamíferos carecem de celulases e que em animais com apenas fermentação</p><p>do intestino posterior ou com intestino grosso de pequena extensão, tais como gatos,</p><p>as paredes das células vegetais são essencialmente indigestíveis, exceto através de</p><p>uma fermentação microbiana limitada. As bactérias ruminais são quase inteiramente</p><p>anaeróbias, que utilizam a glicose e produzem ácidos graxos de cadeia curta (acetato,</p><p>propionato e butirato) além de etanol, hidrogênio, metano e gás carbônico.</p><p>A proteína ingerida pelos ruminantes é hidrolisada também por bactérias em</p><p>peptídeos, aminoácidos e amônia, sendo a amônia a principal fonte de nitrogênio</p><p>para a produção de proteínas bacterianas. Além disso, as bactérias também reciclam</p><p>76</p><p>UNIDADE III │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão I</p><p>ureia a partir da desintegração de proteínas em outras partes do corpo. Assim, a</p><p>maioria das proteínas que entram no intestino delgado é de origem bacteriana.</p><p>As bactérias ruminais também incorporam o nitrogênio a partir de ácidos nucleicos</p><p>que são hidrolisados no intestino delgado pelas enzimas DNAses e RNases, sendo</p><p>as tais enzimas provenientes principalmente do pâncreas, que em ruminantes estão</p><p>em concentrações consideravelmente maiores em comparação com em espécies</p><p>não ruminantes.</p><p>Além do manejo ruminal de nutrientes, os intestinos delgado e grosso têm papéis</p><p>importantes. Em particular, em bovinos alimentados com dietas com alto teor de</p><p>concentrado, grandes quantidades de amido dietético</p><p>digestivo. O intestino é agora considerado um órgão sensorial</p><p>inteligente que controla funções fisiológicas de importância zootécnica. Sem dúvida,</p><p>o conhecimento e o progresso são mais rápidos em outros campos da biologia em</p><p>comparação com a alimentação animal. O progresso relativamente lento revigora a</p><p>busca por um melhor conhecimento da digestão e absorção em animais e também para</p><p>uma melhor compreensão dos aspectos comparativos entre as espécies.</p><p>9</p><p>objetivos</p><p>» Estudar anatomia e histologia do trato gastrointestinal.</p><p>» Avaliar as principais diferenças estruturais no trato gastrointestinal dos</p><p>principais grupos de animais, de acordo com a sua alimentação.</p><p>» Realizar uma breve revisão sobre a fisiologia e bioquímica básicas do</p><p>processo de digestão.</p><p>» Estudar conteúdos comparados da fisiologia e bioquímica do processo de</p><p>digestão e absorção de nutrientes.</p><p>» Avaliar de que forma alterações na composição da dieta influenciam tanto</p><p>a morfologia quanto a atividade bioquímica no trato gastrointestinal de</p><p>animais.</p><p>10</p><p>11</p><p>unidAdE iPrinCíPioS gErAiS dA</p><p>digEStão AniMAl</p><p>CAPítulo 1</p><p>Anatomia comparada do trato</p><p>gastrointestinal</p><p>Existem basicamente dois tipos de animais na natureza, os herbívoros e os carnívoros.</p><p>Os herbívoros são os animais que se alimentam de plantas, sendo capazes de</p><p>digerir e usar a celulose (componente da parede celular das células vegetais) como</p><p>alimento, enquanto que os carnívoros são aqueles que se alimentam de carne, sendo</p><p>a sua digestão incapaz de quebrar as paredes das células vegetais. No que tange aos</p><p>animais, abordaremos as diferenças no trato digestório de dois animais de tamanho</p><p>aproximadamente igual, que são familiares a todos nós: uma ovelha (herbívoro) e um</p><p>cão (carnívoro).</p><p>o trato digestório de um carnívoro: o cão</p><p>A primeira coisa a notar sobre o sistema digestivo de todos os carnívoros é que eles</p><p>são notavelmente semelhantes e todos eles funcionam exatamente da mesma maneira.</p><p>Embora sejam de tamanhos diferentes, porque os animais carnívoros são de tamanhos</p><p>diferentes, o comprimento total dos tratos digestivos dos carnívoros é bastante longo:</p><p>cerca de seis vezes o comprimento do corpo do animal. A digestão de alimentos em</p><p>um carnívoro é realizada por enzimas produzidas por glândulas no próprio corpo do</p><p>animal e toda a absorção de nutrientes é feita através da parede do intestino delgado.</p><p>Esta é uma consideração importante quando comparamos mais tarde com a digestão</p><p>de um herbívoro.</p><p>Abordaremos de forma sucinta cada componente do trato digestório dos carnívoros,</p><p>tendo o cão como exemplo (Figura 1).</p><p>12</p><p>UNIDADE I │ PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL</p><p>figura 1. Representação esquemática do trato digestório dos carnívoros.</p><p>fonte: <https://sites.google.com/site/paulatfarol/osistemadigestivoeoregimealimentardosanimais> (acessado em 29/04/2017).</p><p>Boca</p><p>A mandíbula do cão contém incisivos, caninos e dentes molares em ambas as mandíbulas.</p><p>O fato de a mandíbula se mover de cima para baixo aliado à ondulação dos molares indica</p><p>que eles são usados para rasgar ou esmagar o alimento, ou seja, a comida é raramente</p><p>mastigada/triturada na cavidade oral em pequenas porções. As glândulas salivares nos</p><p>cães servem apenas para lubrificar, e não têm uma função digestiva importante.</p><p>figura 2. Representação esquemática das glândulas salivares.</p><p>fonte: Modificado de horst e hans. Anatomia dos animais domésticos. 4 edição, 2011.</p><p>Estômago</p><p>O estômago do cão é a única protuberância no seu tubo digestivo e, por seu tamanho</p><p>pequeno, dá uma boa estimativa da quantidade de alimento que o animal pode consumir</p><p>a qualquer momento.</p><p>13</p><p>PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL │ UNIDADE I</p><p>O estômago tem três funções principais:</p><p>I. atua como um reservatório que, embora relativamente pequeno,</p><p>contém o tamanho necessário para este animal tendo em vista que a sua</p><p>alimentação é basicamente constituída por carne e gordura, nutrientes</p><p>densos que permitem que uma pequena refeição seja suficiente para</p><p>muitas horas;</p><p>II. atua como um triturador, reduzindo o tamanho do alimento a partículas</p><p>cada vez menores a fim de aumentar a sua superfície de contato; e</p><p>III. submeter o alimento ao suco gástrico para o início do processo de digestão</p><p>dos componentes do alimento (somente o alimento que é digerido poderá</p><p>ser absorvido).</p><p>O suco gástrico atua, principalmente, na digestão de proteínas; aqueles componentes</p><p>que não podem ser digeridos – matéria-prima vegetal, celulose e osso – passam</p><p>inalterados pelo trato gastrointestinal do animal enquanto que, aqueles para passar</p><p>para o intestino delgado são expelidos através dos mecanismos eméticos. O estômago</p><p>do cão, se preenchido com seu alimento normal (carne e gordura) vai ser esvaziado em</p><p>cerca de três horas e, em seguida, o estômago fica em estado de repouso até o início</p><p>da próxima refeição. Vale ressaltar que até a chegada do alimento ao estômago, os</p><p>processos digestivos são mínimos, de forma que no carnívoro, o estômago não é um</p><p>órgão essencial.</p><p>o intestino delgado</p><p>O intestino delgado é de vital importância no cão: sem ele, nenhuma digestão poderia</p><p>ocorrer e o animal não poderia sobreviver. O alimento dissolvido (quimo) deixa o</p><p>estômago em uma série de jatos controlados pelo esfíncter piloro, entrando assim</p><p>no intestino delgado. É no intestino delgado que o alimento é digerido e os seus</p><p>componentes básicos são absorvidos para a corrente sanguínea, através da mucosa</p><p>intestinal.</p><p>Depois de alguns centímetros do início do intestino delgado, dois ductos (pancreático</p><p>e biliar) desembocam no intestino delgado. Estes dois ductos transportam a bile e o</p><p>suco pancreático (com componentes necessários para digerir as gorduras e proteínas</p><p>em seus componentes ácidos graxos e aminoácidos, respectivamente) para o intestino</p><p>delgado, que são de vital importância para o carnívoro.</p><p>14</p><p>UNIDADE I │ PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL</p><p>figura 3. Representação esquemática da sintopia do ducto pancreático e biliar com o fígado, pâncreas e</p><p>duodeno.</p><p>fonte: <http://explorarasciencias.yolasite.com/sistemadigestivo.php> (acessado em 29/04/2017).</p><p>Os componentes do suco pancreático hidrolisam o quimo em seus componentes básicos</p><p>e continuar a fazer isso durante a passagem do mesmo ao longo do intestino delgado.</p><p>Por outro lado, como o quimo é uma mistura aquosa, os componentes lipídicos da</p><p>alimentação não irão ser adsorvidos pela solução, requerendo assim algum tratamento</p><p>especial, que é exercido pela bile (sintetizada no fígado e armazenado na vesícula biliar).</p><p>Quando a gordura é detectada no intestino delgado, isso desencadeia a liberação da bile</p><p>armazenada, que é secretada no intestino através do ducto biliar. A bile age como um</p><p>detergente que emulsifica a gordura para torná-la solúvel em água, e consequentemente</p><p>suscetível à digestão pelas enzimas digestivas.</p><p>No carnívoro, grandes quantidades de gordura na dieta é ocasional e, como bile é de</p><p>extrema importância para o metabolismo dos componentes lipídicos, o seu desperdício</p><p>não é interessante. Assim, o excesso de bile é desviado para a vesícula biliar para</p><p>ser salvo e concentrado até que seja necessário em uma para a próxima refeição:</p><p>quando a gordura está novamente no intestino delgado para ser digerida, o hormônio</p><p>colecistoquinina estimula a contração da vesícula biliar, ejetando o seu material no</p><p>intestino para desempenhar sua função.</p><p>A digestão de proteína e gordura no intestino do carnívoro, com pouco ou nenhum</p><p>carboidrato, é notavelmente eficiente. Experimentos que mensuraram a quantidade de</p><p>vários nutrientes consumidos e compararam com o conteúdo da excreta mostraram</p><p>15</p><p>PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL │ UNIDADE I</p><p>que um animal saudável não perde mais do que 4% do conteúdo gorduroso ingerido e,</p><p>apenas um vestígio de proteína consumida.</p><p>Como carnívoros não há enzimas capazes de digerir a celulose, todo e qualquer</p><p>material de origem vegetal (paredes celulares) não será digerido por esses</p><p>atingem o intestino delgado, onde</p><p>alguns são digeridos por amilases pancreáticas e dissacaridases da borda em escova.</p><p>Contudo, a capacidade digestiva do intestino delgado é limitada e, com o consumo de</p><p>amido elevado, o excesso passa para o intestino grosso, onde é utilizado como substrato</p><p>para a fermentação. Ainda, o intestino delgado de ruminantes também tem um papel</p><p>importante na digestão de proteínas derivadas de bactérias.</p><p>digestores autoenzimáticos</p><p>(carnívoros e onívoros)</p><p>Digestores autoenzimáticos (humanos, porcos e praticamente todos os carnívoros e</p><p>roedores) referem-se àquelas espécies que possuem uma considerável dependência da</p><p>digestão com enzimas que eles mesmos sintetizam, ao nível do trato gastrointestinal</p><p>anterior e duodeno, não dependendo assim das enzimas bacterianas.</p><p>Tais espécies iniciam o processo digestivo por mastigação na presença de enzimas</p><p>salivares, principalmente amilases e, em pouca concentração, a lipase. Ainda, animais</p><p>desses grupos possuem estômagos simples que sujeitam o alimento mastigado à</p><p>hidrólise ácida e à exposição a enzimas, principalmente proteases.</p><p>A acidez e as proteases gástricas também matam a maioria das bactérias</p><p>presentes no alimento, com uma exceção da Helicobacter pylori.</p><p>Tal como nos ruminantes, o estômago tem função de reservatório e, talvez com menos</p><p>eficiência do que em ruminantes, separa os alimentos digeridos dos não digeridos</p><p>pela trituração. Nos seres humanos, as contrações antrais massageiam e empurram</p><p>o conteúdo em direção ao esfíncter pilórico, e conteúdos triturados contendo apenas</p><p>pequenas partículas (menos de 1 mm de diâmetro), são propelidas para o duodeno.</p><p>77</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão i │ uNidade iii</p><p>A digestão autoenzimática adicional ocorre no intestino delgado, utilizando enzimas</p><p>secretadas pelo pâncreas exócrino e pela parede do intestino, especialmente no glicocálix</p><p>dos enterócitos. As enzimas pancreáticas e intestinais incluem uma gama de proteases</p><p>(tripsinas, quimotripsinas, carboxipeptidases), carboidrasas (amilases, dissacaridases)</p><p>e lipases (a eficácia das lipases é aumentada pela emulsificação de gorduras feita pelos</p><p>sais biliares). Nenhuma dessas enzimas é capaz de digerir a parede ou componentes da</p><p>parede celular de células vegetais, tais como pectina e celulose, já que as pectinases e</p><p>celulases estão ausentes no suco digestivo gástrico, pancreático e intestinal. Entretanto,</p><p>os carboidratos não digeridos das plantas podem influenciar a digestão de outros</p><p>componentes dietéticos: a pectina liga-se ao colesterol, tendendo a reduzir o colesterol</p><p>plasmático e podendo retardar a absorção de glicose ao capturar carboidratos.</p><p>A maioria dos carnívoros tem pouca necessidade e capacidade reduzida para</p><p>digerir carboidratos.</p><p>O intestino grosso dos digestores autoenzimáticos difere consideravelmente dentre os</p><p>onívoros, nos quais o intestino grosso pode ser grande (como no porco) e pode incluir</p><p>um ceco significativo (como no rato). As populações de colônias bacterianas do intestino</p><p>posterior expressam enzimas digestivas semelhantes às encontradas no rúmen.</p><p>Os carnívoros têm intestino grosso relativamente curtos, que são frequentemente</p><p>contínuos com o intestino delgado e são semelhantes em características externas</p><p>e diâmetro com a porção mediana do trato (jejuno, íleo, cólon ascendente e 2/3 do</p><p>cólon transverso).</p><p>figura 25.</p><p>fonte: hansen e Koepen. Netter ’s Atlas of Physiology, 2002.</p><p>Humanos</p><p>Os seres humanos têm consumido alimentos cozidos por cerca de 300.000 a 400.000</p><p>anos. Cozinhar muda a palatabilidade, digestibilidade e textura dos alimentos e remove</p><p>78</p><p>UNIDADE III │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão I</p><p>as toxinas. Assim, um ser humano pode ser classificado como um cucinívoro ao invés</p><p>de um onívoro.</p><p>Os seres humanos também iniciam a degradação do alimento através do armazenamento,</p><p>através de secagem, marinação prolongada, ou batendo e moendo. Tal fato pode ter</p><p>influenciado os seres humanos para ter tratos alimentares que são bastante diferentes</p><p>do que se espera de um primata antropoide: nos seres humanos, o cólon representa</p><p>apenas 20% do volume total do trato digestivo, enquanto nos macacos representa cerca</p><p>de 50%. Os cólons de tamanho considerável da maioria dos primatas de corpo grande</p><p>permitem a fermentação de fibras de plantas de baixa qualidade, permitindo a extração</p><p>de energia sob a forma de ácidos graxos de cadeia curta. Assim, os seres humanos são</p><p>relativamente pobres na digestão de fibras vegetais não cozidas, dentre os onívoros</p><p>dependentes de autoenzimas.</p><p>O intestino grosso humano encontra-se entre o do porco (um onívoro semelhante) e</p><p>o do cão (um carnívoro capaz de consumir uma dieta onívora, e que tem possui ceco</p><p>reduzido e cólon curto). Tal tendência pode ser evidenciada pela absorção de ácidos</p><p>graxos de cadeia curta pelo intestino grosso: tal absorção representa 2% da energia de</p><p>manutenção para cães, 6% a 9% para humanos e 10% a 31% para suínos (em cavalos</p><p>a absorção de ácidos graxos de cadeia curta pelo intestino grosso fornece 46% dos</p><p>requisitos de energia de manutenção).</p><p>Uma adaptação adicional aos alimentos mais macios são os molares menores e a força</p><p>reduzida da mordida em seres humanos comparados com outros primatas. O trato</p><p>gastrointestinal menor dos humanos requer cavidades abdominais e pélvicas menores,</p><p>o que pode ser uma vantagem para um mamífero que fica ereto.</p><p>O coala é um mamífero arbóreo que come exclusivamente uma dieta de folhas</p><p>de eucalipto, e possui uma série de adaptações anatômicas e fisiológicas, além</p><p>de hospedeiros microbianos, sendo o seu principal órgão digestivo é o intestino</p><p>posterior.</p><p>O ceco do coala é o maior quando comparado a outros mamíferos (em relação</p><p>ao tamanho do corpo), e seu tempo médio de retenção gastrointestinal é o</p><p>mais longo conhecido entre os mamíferos. As folhas de eucalipto contêm altos</p><p>níveis de taninos e a dieta pura de folhas de eucalipto seria tóxica para outros</p><p>mamíferos. No entanto, o intestino grosso do coala é colonizado por bactérias</p><p>digestoras de taninos, incluindo Lonepinella koalarum, que foi descoberta no</p><p>coala e que talvez seja única para esta espécie. Nesse contexto, observa-se que</p><p>mães coalas alimentam seus jovens com uma pasta fecal que é, presumivelmente,</p><p>um mecanismo para garantir a colonização com as bactérias apropriadas.</p><p>79</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão i │ uNidade iii</p><p>Alterações no sistema nutricional durante</p><p>a ontogenia</p><p>Ontogenia é o estudo do desenvolvimento de um indivíduo, desde a concepção</p><p>até atingir a maturidade, passando pelos diferentes estágios do desenvolvimento.</p><p>Grandes alterações nas enzimas e nos transportadores do trato gastrointestinal ocorrem</p><p>durante o desenvolvimento em muitos animais. Em alguns grupos, como mamíferos</p><p>ruminantes, insetos, anfíbios e peixes, essas alterações também são acompanhadas por</p><p>mudanças drásticas na estrutura do trato gastrointestinal.</p><p>Padrões em mamíferos</p><p>Durante a fase gestacional, os órgãos experimentam maturação morfológica e muitas</p><p>proteínas necessárias para a digestão e absorção dos componentes do leite são expressas</p><p>(por exemplo, transportadores de aminoácidos e o transportador de glicose SLGT1).</p><p>A segunda principal fase de alterações ocorre no início do desmame (15 dias pós-natal,</p><p>em ratos), quando o trato gastrointestinal adquire as proteínas necessárias para a</p><p>digestão e absorção de alimentos sólidos que contenham substratos não contidos no</p><p>leite, como frutose e amido.</p><p>Até o desmame, o estômago do neonato não é ácido e quantidades substanciais de</p><p>proteases gástricas e pancreáticas não são expressas. Consequentemente, o intestino</p><p>delgado tem uma elevada capacidade para a absorção de proteína intacta por pinocitose</p><p>e desagregação intracelular por proteinases lisossômicas. A capacidade de captação por</p><p>pinocitose diminui com o desmame, embora detalhes moleculares desta não tenham</p><p>sido elucidados.</p><p>Grandes alterações</p><p>ocorrem em proteínas importantes para o processamento de</p><p>carboidratos, que é o componente da dieta que muda mais dramaticamente após</p><p>o desmame (de lactose para sacarose e amido). A atividade da sacarase-isomaltase,</p><p>maltase-glicoamilase, trealase e do transportador de frutose GLUT-5 aumenta</p><p>acentuadamente e, na maioria dos casos, é acompanhado por aumentos na expressão</p><p>dos seus respectivos genes. A atividade da lactase diminui neste momento, associada a</p><p>alterações na sua transcrição, tradução e síntese proteica.</p><p>Se um jovem mamífero é autorizado a prolongar o aleitamento ou é alimentado com</p><p>uma dieta contendo lactose após o desmame, o início da diminuição da atividade da</p><p>lactase é atrasado, mas apenas ligeiramente. Muitos desses padrões são aparentes</p><p>80</p><p>UNIDADE III │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão I</p><p>em pelo menos uma dúzia de outras espécies de mamíferos que foram estudadas,</p><p>embora em espécies como mamíferos carnívoros marinhos e ruminantes a atividade</p><p>da sacarase permaneça baixa e, nos ruminantes, mudanças drásticas ocorrem na</p><p>estrutura do trato gastrointestinal pós-natal coordenado com mudanças na expressão</p><p>gênica. Além disso, em algumas espécies (por exemplo, porcos e seres humanos) os</p><p>padrões de desenvolvimento enzimático pós-natal ocorrem mais cedo do que no rato.</p><p>Estudos usando intestino de ratos, camundongos e fetos humanos enxertados em</p><p>hospedeiros adultos, ou usando dietas alteradas, mostraram que muitas dessas</p><p>mudanças ocorrem na ausência de sinais ontogenéticos específicos do lúmen ou da</p><p>circulação. Além disso, níveis circulantes de hormônios, como glicocorticoides e fator</p><p>de crescimento epidérmico, estão envolvidos na maturação e no crescimento.</p><p>Uma interessante ilustração de algumas variações nos padrões de desenvolvimento</p><p>vem de uma comparação de padrões para dois grandes transportadores de açúcar,</p><p>SGLT1 e GLUT5. Em ratos, o SGLT1 (transportador de D-glucose primário) é expresso</p><p>antes do nascimento, enquanto o GLUT5 (transportador de frutose) é primeiro</p><p>expressado apenas durante ou após o desmame. O aumento da atividade de transporte</p><p>de frutose coincide com uma maior abundância de RNAm e proteína GLUT5.</p><p>Isto não é necessariamente o caso para o aumento da atividade de transporte de</p><p>glicose, o que pode ocorrer sem um grande aumento coincidente no RNAm de SGLT1</p><p>em ratos e no intestino de cordeiro. Os grandes aumentos ontogenéticos no transporte</p><p>de glicose e frutose em ratos podem ocorrer na ausência de qualquer sinal dietético,</p><p>mas a introdução precoce de frutose durante o desmame em ratos induzirá a expressão</p><p>mais precoce de RNAm de GLUT5, e transporte de frutose. Em ratos recém-nascidos,</p><p>o carboidrato luminal ou dietético não induz o transporte de glicose (o que é contrário</p><p>à situação em ratos adultos), enquanto que em borregos é necessária glucose dietética</p><p>para a indução de atividade de transporte de glucose. Uma diferença notável final é que</p><p>a frutose luminal é especificamente requerida para a indução de GLUT5, enquanto que</p><p>a atividade de transporte de glucose pode ser induzida com glucose e um certo número</p><p>de outros açúcares e mesmo análogos de açúcar não metabolizáveis.</p><p>À medida que o crescimento continua após o desmame, as atividades enzimáticas</p><p>intestinais específicas dos tecidos e as taxas de transporte tendem a ser relativamente</p><p>constantes ou a diminuir, mas a capacidade total aumenta devido ao aumento da massa</p><p>intestinal. Estudos em gatos e ratos deram alguma evidência de mudanças particulares</p><p>na atividade específica do transportador ou massa intestinal coincidindo com picos de</p><p>taxa de crescimento de todo o organismo. Mas, na maior parte, o crescimento do intestino</p><p>corresponde ao aumento da massa corporal ou massa metabólica (massa corporal 3/4)</p><p>do mamífero e mantém uma capacidade digestiva e absortiva que corresponde ou</p><p>excede ligeiramente as exigências estabelecidas pelo aumento da ingestão alimentar.</p><p>81</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão i │ uNidade iii</p><p>Padrões em aves</p><p>Mudanças no desenvolvimento da função gastrointestinal durante os períodos pré e</p><p>pós-natal também ocorrem em aves, pois os pintos acomodam a transição de uma dieta</p><p>de gema rica em lipídeos dentro do ovo para uma dieta baseada em carboidratos e</p><p>proteínas. Pelo menos seis espécies aviárias foram estudadas: frango, aves da selva e</p><p>pato, peru, e pardal de casa, e passarinho zebra. Algumas espécies (e. G., Aves e patos)</p><p>são pré-coicias em desenvolvimento, possuindo propriedades locomotoras avançadas e</p><p>termorreguladoras na eclosão em comparação com outras espécies que são altríticas (por</p><p>exemplo, aves perching ou passerine). Com base no perfil de expressão e nas medidas</p><p>de atividade, as espécies em ambos os grupos têm na eclosão o conjunto completo</p><p>de atividades enzimáticas, pancreáticas e intestinais para digerir gordura, carboidrato</p><p>e proteína.</p><p>Pesquisadores estudaram a base molecular para alterações ontogênicas na digestão e</p><p>absorção de carboidratos em frangos durante a semana anterior e após a eclosão. O gene</p><p>da sacarase-isomaltase (SI) foi expresso 6 dias antes da eclosão, mas a expressão do</p><p>RNAm de SGLT1 não foi detectada até 2 dias antes da eclosão. Os aumentos na atividade</p><p>de SI e no transporte de glucose ocorreram 2 dias antes da eclosão e no dia da eclosão.</p><p>A proteína cdxA, que foi mostrada num ensaio de mudança de mobilidade eletroforética</p><p>para se ligar à região promotora de SI em pintos (como ocorre em mamíferos), também</p><p>aumentou durante estes poucos dias, sugerindo que pode ter iniciado transcrição de</p><p>SI (A expressão de SGLT1 não foi encontrada influenciada pelo cdx em mamíferos).</p><p>Mudanças na atividade SI também parecia estar correlacionada com mudanças no RNAm</p><p>para SI, sugerindo que a expressão de SI é controlado transcricionalmente. Alguma</p><p>regulação da atividade de transporte de glicose por mecanismos pós-transcricionais</p><p>é sugerida pelo fato de que o transporte não se alterou significativamente durante a</p><p>semana pós-tratamento enquanto o RNAm de SGLT1 aumentou significativamente. Da</p><p>mesma forma, quando o transporte de hexose em vesículas de membrana de borda</p><p>de escova jejunal declinou com a idade em pintos mais velhos, a densidade de sítio de</p><p>SGLT1 diminuiu em paralelo, mas o RNAm de SGLT1 não se alterou significativamente.</p><p>Tanto em frangos jovens como em pardais de casa, os aumentos na atividade de</p><p>maltase são controlados por mecanismos reguladores intrínsecos, mas a atividade de</p><p>maltase também pode ser duplicada pelo aumento de carboidrato na dieta, e isso está</p><p>correlacionado com uma duplicação da transcrição de RNAm de maltase-glicoamilase</p><p>em os pardais de casa.</p><p>As grandes mudanças ocorrem após o aparecimento do tamanho do intestino e</p><p>da capacidade digestiva à medida que as aves crescem. Por exemplo, em pardais a</p><p>bioquímica digestiva foi dinâmica ao longo de seu período de 2 semanas de incubação</p><p>82</p><p>UNIDADE III │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão I</p><p>para “fledging” do ninho. As atividades específicas de tecido de algumas enzimas</p><p>intestinais aumentaram mais de 10 vezes (por exemplo, sacarase e maltase) e a atividade</p><p>total de amilase pancreática aumentou 100 vezes entre a eclosão e a penetração através</p><p>de uma combinação de aumentos na atividade específica de tecido e massa de pâncreas.</p><p>Em três espécies pré-cotidianas, as taxas de transporte foram constantes ou diminuíram</p><p>com a idade, mas aumentou a capacidade digestiva e absortiva global, juntamente com</p><p>a massa intestinal, em proporção direta à massa corporal metabólica, que foi o padrão</p><p>descrito para mamíferos.</p><p>Padrões em peixes e anfíbios</p><p>Um grande número de estudos sobre o desenvolvimento de GI em pelo menos uma</p><p>dúzia de espécies de peixes foram publicados na última década devido à sua importância</p><p>na aquicultura, e muitos estudos incluem novas abordagens moleculares e de expressão</p><p>gênica. Como nas aves, uma grande mudança ontogênica no peixe é que a fonte de</p><p>nutrientes e energia necessária para</p><p>continuar o desenvolvimento larval muda das</p><p>reservas de gema para o alimento ingerido, que é principalmente proteína e gordura</p><p>em carnívoros, mas maior em carboidratos em onívoros e herbívoros. Inicialmente,</p><p>uma região gástrica funcional pode estar ausente e, como descrito para mamíferos, a</p><p>pinocitose e a digestão intracelular podem funcionar como um mecanismo principal de</p><p>absorção de nutrientes (bomba de prótons e pepsinogênio para a digestão de proteínas).</p><p>Saele et al. descrevem alterações de desenvolvimento na expressão e atividade de</p><p>lipases em um carnívoro, o bacalhau do Atlântico (Gadus morhua). A principal lipase</p><p>pancreática neutra é a lipase ativada pela bile, e o bacalhau também tem uma proteína</p><p>relacionada à lipase pancreática não funcional, mas a expressão apenas da primeira</p><p>aumenta durante o desenvolvimento. A atividade da lipase neutra não aumentou</p><p>paralelamente à expressão gênica. A incompatibilidade entre as medidas de atividade</p><p>e expressão gênica foi parcialmente explicada por um método analítico inespecífico,</p><p>pois o corpo inteiro é analisado (o intestino de larvas muito pequenas não é isolado)</p><p>e alguns tecidos de peixes fora do trato GI podem ter atividade lipase. Além disso, no</p><p>bacalhau e noutros peixes a atividade de lipase neutra em presas (isto é, em digesta)</p><p>pode ser considerável. Curiosamente, o genoma do bacalhau do Atlântico não parece</p><p>conter colipase que é tipicamente essencial para a atividade da lipase pancreática.</p><p>As amilases de peixe e os transportadores de glicose parecem estar molecularmente</p><p>estreitamente relacionados com os dos mamíferos e ter características comparáveis.</p><p>A atividade da maltase é encontrada mesmo no intestino de peixes carnívoros, como</p><p>a truta, e aparentemente pode ser induzida, talvez permanentemente, por alimentar</p><p>alta dextrina (25% -60%) dieta no início da vida. Os peixes de Prickleback, que incluem</p><p>as espécies que mudam durante o desenvolvimento do carnívoro ao herbívoro assim</p><p>83</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão i │ uNidade iii</p><p>como as espécies que permanecem carnívoras, forneceram exemplos de mudanças</p><p>intrínsecas contra o dietético induzido na estrutura e na função do GI, mas o retrato</p><p>é um complicado em que mudanças intrínsecas, dieta e filogenia todos desempenham</p><p>um papel na determinação padrões de desenvolvimento. Por exemplo, mesmo</p><p>quando mantidas em uma dieta de tipo carnívoro (55% de proteína, 10% de lipídeo</p><p>e <4% de carboidrato), duas espécies que mudam naturalmente de dieta durante</p><p>o desenvolvimento (Cebidichthys violaceus e Xiphister mucosus) aumentaram a</p><p>atividade de α-amilase e maltase, o que indica um programa de desenvolvimento</p><p>genético intrínseco combinado bem com a sua mudança de dieta natural. Mas, um</p><p>dos carnívoros congêneres (Xiphister atropurpureus), aumentou α-amilase sem uma</p><p>mudança de dieta, o que sugeriu que a filogenia desempenha um papel importante.</p><p>A troca de dieta em C. violaceus aumentou a atividade de transporte de glicose mediada,</p><p>mesmo que cresceu, mas sem uma mudança de acompanhamento para uma maior</p><p>dieta de carboidratos, proporcionando outro exemplo de uma aparente geneticamente</p><p>programada mudança de desenvolvimento.</p><p>84</p><p>CAPítulo 2</p><p>Microbiota do trato gastrointestinal e a</p><p>digestão fermentativa</p><p>O trato gastrointestinal de animais saudáveis é colonizado por populações residentes</p><p>de microrganismos. Em alguns animais, a microbiota intestinal contribui diretamente</p><p>para a nutrição, através da degradação fermentativa de polissacarídeos da parede</p><p>celular de plantas. Os recentes avanços nas tecnologias de sequenciamento estão</p><p>transformando nossa capacidade de estudar a diversidade e função da microbiota</p><p>intestinal. O principal propósito de se estudar a microbiota de cães e gatos é</p><p>compreender melhor a dinâmica e função das comunidades microbianas, além de sua</p><p>relação com o hospedeiro e com doenças e a influência de fatores como dieta, uso de</p><p>medicamentos e ambiente.</p><p>O intestino de cães e gatos apresenta padrão de colonização microbiano semelhante</p><p>ao de outros mamíferos. Ao nascimento o tubo digestível é estéril, sendo rapidamente</p><p>colonizado por bactérias presentes no ambiente, principalmente obtidas pelo contato</p><p>materno. O processo de colonização ocorre com mudanças sucessivas na composição</p><p>das populações, de acordo com a idade, estado de saúde, dieta e ambiente. A microbiota</p><p>intestinal autóctone cumpre papel importante no processo de digestão e metabolismo</p><p>do hospedeiro e representa mecanismo de defesa natural contra os patógenos invasores,</p><p>por meio da competição por nutrientes, controle das concentrações de oxigênio, pH e</p><p>produção de substâncias antimicrobianas</p><p>A composição taxonômica da microbiota no trato gastrointestinal animal varia de</p><p>acordo com a posição filogenética e a dieta do animal, bem como com a localização</p><p>no trato gastrointestinal, existindo entre elas alta complexidade de interações para</p><p>manutenção de seu ecossistema. Pesquisas recentes sobre a diversidade da microbiota</p><p>no trato gastrointestinal foram dominadas por análises moleculares da diversidade</p><p>bacteriana nas fezes de humanos e roedores, com base no pressuposto de que a</p><p>diversidade fecal é representativa da comunidade microbiana in situ. O complexo</p><p>bacteriano em mamíferos é dominado por dois filos, Bacteroidetes e Firmicutes,</p><p>cada um dos quais é representado por dezenas de centenas de táxons. Entre os seres</p><p>humanos, a composição varia muito entre os indivíduos e é influenciada pela idade,</p><p>dieta e condição médica, incluindo histórico de tratamento antibiótico administrado</p><p>por via oral.</p><p>85</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão i │ uNidade iii</p><p>figura 26. Microbiota em diferentes segmentos do trato gastrointestinal de cães adultos e saudáveis.</p><p>100%</p><p>90%</p><p>80%</p><p>70%</p><p>60%</p><p>50%</p><p>40%</p><p>30%</p><p>20%</p><p>10%</p><p>0%</p><p>Duodeno Íleo Cólon Reto</p><p>Fusobacteriales</p><p>Actinomycetales</p><p>Bifidobacteriales</p><p>Coriobacteriales</p><p>Flavobacteriales</p><p>Bacteroidales</p><p>Pseudomonadales</p><p>Myxococcales</p><p>Outras Betaprocteobacteria</p><p>Neisseriales</p><p>Rickettsiales</p><p>Rhizobiales</p><p>Pasteurellales</p><p>Campylobacterales</p><p>Burkholderiales</p><p>Enterobacteriales</p><p>Aeromonadales</p><p>Outras Firmicutes</p><p>Gemellales</p><p>Outras Bacilli</p><p>Bacillales</p><p>Erysipelotrichales</p><p>Lactobacillales</p><p>Turicibacterales</p><p>Clostridiales</p><p>fonte: Modificado de honneffer et al., 2017.</p><p>No trato gastrointestinal, as bactérias predominantes em cães e gatos são do filo Firmicutes</p><p>(abundância média de 92%), seguidas do filo Bacteroidetes com abundância de 2,3%. Já</p><p>na microbiota fúngica, o gênero predominante em cães foi o Nakaseomyces, enquanto</p><p>os gêneros Saccharomyces, Aspergillus e Penicillium foram predominantes em gatos</p><p>(HANDL et al., 2011). Honneffer et al. (2017) observaram em cães uma prevalência geral</p><p>de Firmicutes, Fusobacteria, Bacteroidetes, Proteobacteria e Actinobacteria, e também</p><p>avaliaram as diferenças de filos nos diferentes segmentos do trato gastrointestinal.</p><p>A função predominante das sequências de bactérias no trato gastrointestinal de cães, foi</p><p>nas categorias carboidratos (12- 13%), metabolismo de proteínas (8-9%), metabolismo</p><p>de DNA (7%), parede e cápsula celular (7-8%), aminoácidos e derivados (7%), virulência</p><p>(6-7%) e cofatores, vitaminas e pigmentos (6%). Em gatos, os resultados encontrados por</p><p>Barry et al., (2012) para as funções das bactérias gastrointestinais foram semelhantes</p><p>aos encontrados em cães: carboidratos (15% das sequências), subsistemas baseados em</p><p>clusters (14%), metabolismo proteico (8%), parede e cápsula celular (7%), metabolismo</p><p>de DNA (7%) e virulência (6%).</p><p>86</p><p>UNIDADE III │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão I</p><p>As análises fecais de uma variedade de mamíferos revelam que a dieta é um importante</p><p>determinante da composição taxonômica e da capacidade genética para o metabolismo,</p><p>de modo que a microbiota de mamíferos se agrupa de acordo com o hospedeiro</p><p>(carnívoro, omnívoro ou herbívoro), independentemente da posição filogenética do</p><p>mamífero. Neste contexto,</p><p>os pandas são interessantes, pois embora neste conjunto de</p><p>dados são os pandas que, embora folívoros (herbívoro especializado em comer folhas),</p><p>têm uma microbiota que se agrupa se assemelha com a dos carnívoros. Provavelmente,</p><p>este resultado é uma consequência da recente transição evolutiva nestas espécies do</p><p>carnívoro para herbívoro, e está correlacionado com o seu intestino anatomicamente</p><p>simples, tipo “carnívoro”. Em seres humanos e outros mamíferos, todas as regiões do</p><p>trato gastrointestinal são colonizadas, incluindo o estômago que, por ser altamente</p><p>ácido, tem uma comunidade diversificada de bactérias e alguns fungos.</p><p>A fonte principal de nutrientes para a mucosa intestinal são os compostos absorvidos</p><p>do lúmen, o fornecimento sanguíneo de nutrientes assume menor importância no</p><p>cumprimento dessa função (TESHIMA, 2003). Estes compostos absorvidos do lúmen</p><p>advêm dos ingredientes da dieta ou são produzidos e liberados pela microbiota intestinal.</p><p>Diversos produtos produzidos a partir do metabolismo bacteriano da matéria orgânica,</p><p>como as vitaminas, aminas e ácidos graxos de cadeia curta, possuem importante função</p><p>para as células intestinais (MIDDELBOS et al., 2007).</p><p>Evidências em animais germ-free ou de animais criados em ambiente estéril,</p><p>demonstram o importante papel da microbiota do TGI na fisiologia do</p><p>hospedeiro. Por exemplo, porcos-da-índia, galinhas, camundongos e ratos</p><p>germ-free, em comparação com os animais convencionais foram descritos</p><p>como tendo necessidades aumentadas de energia e vitaminas do complexo B</p><p>e K, possuírem alterações na estrutura e morfologia intestinal, demonstrarem</p><p>reduzida motilidade 25 gástrica e aptidão imune, o que indica que a microbiota</p><p>autóctone é um componente essencial ao desenvolvimento normal e funcional</p><p>do TGI.</p><p>Estudos mostram que cães germ-free apresentam taxas de crescimento</p><p>semelhantes aos cães criados de forma convencional, porém apresentam sistema</p><p>linfoide subdesenvolvido e reduzidas concentrações de imunoglobulinas. No</p><p>entanto, cães com criação germ-free são capazes de apresentar resposta imune</p><p>adequada à estimulação antigênica. A cicatrização de feridas e os mecanismos</p><p>de coagulação do sangue de cães germ-free também são semelhantes aos dos</p><p>animais não germ-free.</p><p>O intestino dos cães germ-free se caracteriza por apresentar vilosidades mais</p><p>finas e redução tanto da lâmina própria como da área de superfície da mucosa.</p><p>87</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão i │ uNidade iii</p><p>O sistema imune do trato gastrintestinal é capaz de diferenciar entre os vários</p><p>tipos de bactérias que representam ameaça ou que devem ser toleradas,</p><p>contribuindo dessa forma para a seleção do conjunto de bactérias comensais.</p><p>Este é o culminar da coevolução entre as bactérias residentes e os componentes</p><p>inatos e adaptativos do sistema imune do trato digestório. Reações excessivas e</p><p>aberrantes do sistema imune para com as bactérias comensais e outros antígenos</p><p>presentes no TGI provocam inflamação e têm sido associadas com a ocorrência</p><p>de várias doenças, incluindo enterocolite necrotizante em recém-nascidos</p><p>prematuros e doença inflamatória intestinal, doença celíaca, e diversas alergias</p><p>alimentares em crianças e adultos. Por outro lado, o inadequado reconhecimento</p><p>ou resposta a patógenos presentes no tubo digestivo apresentam risco óbvio</p><p>à saúde.</p><p>Tabela 1. Algumas funções da microbiota intestinal no trato digestório.</p><p>Atividade microbiana Produto Representantes</p><p>Descarboxilação e desaminação de</p><p>aminoácidos</p><p>Amônia</p><p>Clostridium spp., Peptostreptococcus spp.,</p><p>Peptococcus spp.</p><p>Desconjugação e desidroxilação de</p><p>ácidos biliares</p><p>Ácidos biliares secundários (colato/desoxicolato) Clostridium hiranonis, Lactobacillus spp.</p><p>Síntese de vitaminas Vitamina K2, B12, biotina e ácido fólico</p><p>Enterococcus spp., Pseudomonas spp.,</p><p>Sphingomonas spp., Lactobacillus spp.</p><p>Fermentação de carboidratos Ácidos lático, propiônico, acético e butírico</p><p>Clostridium cluster XIVa, Prevotella spp.,</p><p>Faecalibacterium spp., Bifidobacterium spp.</p><p>Fermentação de aminoácidos</p><p>Hidrogênio, metano, aminas, fenóis, amônia, ácidos</p><p>orgânicos e sulfito de hidrogênio</p><p>Bactérias redutoras de sulfato, Desulfovibrio spp.,</p><p>Clostridium spp., Peptostreptococcus spp.</p><p>Degradação de oxalato Metanoato e CO</p><p>2</p><p>Oxalobacter formigenes</p><p>Degradação de inulina e amido Ácido lático Bifidobacterium spp.</p><p>Metabolismo de H2, álcoois e ácido</p><p>acético</p><p>Metano e CO2 Metanobactérias</p><p>fonte: Modificado de honneffer et al., 2017.</p><p>As interações entre as bactérias que colonizam o tubo digestivo do recém-</p><p>nascido e o desenvolvimento das funções imunes do TGI têm tanto</p><p>consequências imediatas e como em longo prazo sobre a saúde do hospedeiro.</p><p>A combinação de bactérias comensais, alimentos e antígenos ambientais</p><p>ativam o sistema imune do TGI imaturo do recém-nascido, desencadeando</p><p>rápida maturação, proliferação e migração dos componentes celulares da</p><p>divisão imune adaptativa. As interações durante a infância são críticas para o</p><p>desenvolvimento de tolerância e para se evitar futuramente o risco de alergias</p><p>a alimentos e outros antígenos ambientais, sendo também fator-chave para</p><p>redução do risco de desenvolvimento de atopia. As interações entre as bactérias</p><p>e as células epiteliais gastrintestinais também influenciam a resposta imune</p><p>88</p><p>UNIDADE III │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão I</p><p>inata, tais como a secreção de muco e peptídeos antimicrobianos. Estes aspectos</p><p>têm sido predominantemente estudados em neonatos, mas como e se ocorrem</p><p>na senectude, bem como suas possíveis implicações não têm sido investigados.</p><p>Além da função da microbiota no fenótipo e funcionalidade do próprio TGI,</p><p>estudos recentes apontam que diferenças na composição microbiana podem</p><p>afetar alguns fenótipos metabólicos do hospedeiro, tais como obesidade,</p><p>diabetes e esteato-hepatite e não alcoólica. Embora os mecanismos pelos quais</p><p>a microbiota promove tais mudanças fisiológicas ainda não sejam claramente</p><p>definidos, a atividade metabólica microbiana e seus metabólitos (por exemplo,</p><p>os ácidos graxos de cadeia curta) têm sido apontados como mediadores</p><p>potenciais destas alterações.</p><p>transformação microbiana de constituintes</p><p>alimentares indigeríveis para compostos que</p><p>são prontamente utilizados pelo animal</p><p>Os microrganismos do trato gastrointestinal de muitos animais têm uma grande</p><p>diversidade de glicohidrolases ativas contra polissacáridos de plantas complexas.</p><p>Por exemplo, as análises metagenômicas (análise de genoma coletivo da microbiota total</p><p>presente em um habitat) identificaram mais de 700 genes candidatos à glicohidrolases</p><p>de origem bacteriana na porção posterior do trato digestivo de Nasutitermes termites</p><p>(cupim arborícola), a maioria dos quais possuem capacidade prevista de degradar</p><p>celulose e xilanos. Nesse contexto, um notável número de 27.755 genes supostamente</p><p>ativos contra carboidratos foram detectados no metagenoma do conteúdo ruminal da</p><p>vaca, a maioria dos quais de origem bacteriana que têm menos de 75% de identidade</p><p>com sequência dos genes anteriormente descritos, e muitos dos quais são provavelmente</p><p>ativos contra a celulose.</p><p>As bactérias residentes no trato gastrointestinal dos seres humanos também têm</p><p>uma capacidade considerável para utilizar carboidratos, incluindo polissacarídeos de</p><p>plantas complexas. O genoma de Bacteroides thetaiotaomicron, um simbionte comum</p><p>de intestino humano, contém um total de 261 glicosidases e polissacaridases. Uma</p><p>análise metagenômica de amostras fecais de 18 indivíduos humanos revelou uma matriz</p><p>muito diversificada de genes bacterianos ativos contra carboidratos, representando</p><p>coletivamente 2,6% das sequências genômicas estudadas; a variação interindividual</p><p>particularmente alta no complemento dos genes da glicosidases, mesmo entre membros</p><p>da mesma família, foi atribuída a fatores dietéticos.</p><p>A relação entre as capacidades de degradação das bactérias no trato gastrointestinal</p><p>com dieta tornou-se ainda mais clara a partir da descoberta em indivíduos japoneses</p><p>89</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão i │ uNidade iii</p><p>de genes para porfiranases e agarases na bactéria intestinal Bacteroides plebeius, mas</p><p>não norte-americanos. Essas enzimas são ativas contra os polissacarídeos sulfatados</p><p>em algas do gênero Porphyra que formam uma parte regular da dieta típica japonesa,</p><p>mas não da dieta norte-americana. Além disso, existe evidência filogenética de que</p><p>os genes para estas atividades de glicosidases foram transferidos horizontalmente de</p><p>bactérias marinhas associadas com Porphyra para as bactérias intestinais de seres</p><p>humanos. Os tratos gastrointestinais de animais, incluindo mamíferos herbívoros e</p><p>insetos alimentadores de madeira, são reconhecidos como ambientes ricos em celulose</p><p>que estão atualmente sendo direcionados em projetos de descoberta de genes para o</p><p>desenvolvimento de biocombustíveis e outros fins industriais.</p><p>A decomposição microbiana de carboidratos complexos pode ser nutricionalmente</p><p>significativa para o hospedeiro animal, onde o habitat intestinal é deficiente em oxigênio,</p><p>de tal forma que o metabolismo microbiano seja estritamente fermentativo e não aeróbio.</p><p>Especificamente, os polissacáridos complexos são hidrolisados em açúcares simples e,</p><p>em seguida, sujeitos a fermentação bacteriana com a liberação líquida de resíduos de</p><p>fermentação, incluindo acetato, butirato e propionato (ácidos graxos de cadeia curta).</p><p>Esses produtos finais difundem-se através da parede do intestino do animal e são</p><p>utilizados como substratos para respiração aeróbia, gliconeogênese e lipogênese animal.</p><p>O conjunto de reações responsáveis pela transformação de carboidratos complexos em</p><p>ácidos graxos de cadeia curta é mediado pela associação de múltiplas bactérias com</p><p>capacidades complementares, com alimentação cruzada de metabólitos intermediários</p><p>entre bactérias com diferentes capacidades. Por exemplo, no cólon humano, as espécies</p><p>de Bacteroides degradam polissacarídeos complexos em açúcares; os açúcares são</p><p>utilizados por bactérias anaeróbias convertendo-o a lactato; e o lactato, por sua vez, é</p><p>fermentado por outras bactérias produzindo butirato. O butirato, que é um resíduo do</p><p>metabolismo da comunidade microbiana, é o principal substrato respiratório utilizado</p><p>pelas células epiteliais do intestino. Deste modo, pelo menos 50% de celulose ingerida</p><p>e 80% de polissacáridos não celulósicos são degradados por microrganismos no cólon</p><p>humano, contribuindo com pelo menos 10% das necessidades energéticas humanas.</p><p>Além das capacidades bioquímicas da microbiota, vários fatores determinam o</p><p>significado nutricional da fermentação microbiana para um animal. De particular</p><p>importância são:</p><p>a. a capacidade intrínseca do animal para degradar polissacarídeos complexos;</p><p>b. a composição da dieta. Todos os vertebrados aparentemente não</p><p>possuem a capacidade de degradar a celulose e polissacáridos complexos</p><p>relacionados às paredes das células da planta. Por conseguinte, a</p><p>quantidade de decomposição no trato gastrointestinal de vertebrados é</p><p>90</p><p>UNIDADE III │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão I</p><p>ditada pela escala de fermentação microbiana, que varia de insignificante</p><p>(por exemplo, em pandas) a extenso, como por exemplo em ungulados e</p><p>muitos roedores.</p><p>Voltando à relação entre dieta e fermentação microbiana, diversos estudos sugerem que</p><p>a composição taxonômica e os traços metabólicos da microbiota intestinal podem ser</p><p>influenciados pela dieta, potencialmente com efeitos sobre a função digestiva do trato</p><p>gastrointestinal. Por exemplo, a microbiota ruminal diferiu significativamente entre os</p><p>bovinos criados com feno de (68% fibra) daqueles criados com pastagem de trigo (44%</p><p>fibra). As indicações de que as alterações microbianas podem ser muito rápidas provêm</p><p>de uma análise em ratos de laboratório, com trato gastrointestinal colonizado pela</p><p>microbiota de amostras fecais humanas. Notavelmente, a composição da microbiota e</p><p>do perfil de expressão genética foi alterada num único dia de transferência dos ratos de</p><p>uma dieta com baixo teor de gordura e elevado teor de polissacáridos de plantas para</p><p>uma dieta rica em gordura e em açúcar.</p><p>Apesar de todo o comprimento do trato gastrointestinal ser colonizado por</p><p>microrganismos na maioria dos animais, as maiores densidades e abundância</p><p>microbiana tendem a estar em regiões pós-gástricas, por exemplo, o intestino grosso</p><p>de mamíferos, sendo este o local habitual das câmaras de fermentação microbiana.</p><p>Do ponto de vista do animal, o principal benefício de uma câmara de fermentação</p><p>pós-gástrica é que os substratos disponíveis para os microrganismos são aqueles que</p><p>são não sofrem a ação digestiva do suco gástrico. Este fato minimiza a competição entre</p><p>os animais e os microrganismos residentes pelos nutrientes ingeridos, que podem ser</p><p>processados prontamente pelo animal. Já as câmaras de fermentação pré-gástrica</p><p>evoluíram pouco e aparentemente estão restritas principalmente aos mamíferos, com</p><p>cinco origens evolutivas independentes (nos artiodátilos – mamíferos ungulados como</p><p>os ruminantes, camelos e hipopótamos), nos macacos colobos e nos macropodídeos</p><p>(marsupiais, como os cangurus)].</p><p>Os méritos relativos à fermentação pré e pós-gástrica têm sido discutidos extensivamente.</p><p>A principal desvantagem da fermentação pré-gástrica para o animal é que o alimento</p><p>ingerido está disponível para o metabolismo microbiano antes da digestão pelo</p><p>animal, podendo resultar em ganho nutricional reduzido a partir de alimentos de</p><p>alta qualidade. Por exemplo, um animal deriva mais energia de açúcares simples por</p><p>digestão e assimilação gástrica do que por fermentação microbiana, enquanto que deriva</p><p>mais nitrogênio da proteína pelo processamento gástrico do que pelo metabolismo</p><p>microbiano.</p><p>A vantagem adaptativa da fermentação pré-gástrica para uma desintegração mais</p><p>eficiente dos polissacarídeos vegetais é aumentada pela ruminação (ou seja, regurgitação</p><p>91</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão i │ uNidade iii</p><p>de ingesta parcialmente fermentada para a boca, onde é mastigada e depois resfriada)</p><p>porque este comportamento permite que o material vegetal seja submetido a ciclos</p><p>múltiplos e repetidos de ruptura mecânica e fermentação, resultando numa degradação</p><p>muito eficiente dos polissacáridos da planta. Tem-se argumentado que as câmaras de</p><p>fermentação pré-gástrica podem ter evoluído em relação a outras funções que não a</p><p>degradação da celulose, por exemplo para facilitar a desintoxicação microbiana por</p><p>aleloquímicos em alimentos vegetais ingeridos e, só posteriormente, se tornaram</p><p>importantes na digestão de material vegetal.</p><p>Alguns animais possuem uma substancial microbiota fermentativa que produz ácidos</p><p>graxos de cadeia curta sem uma câmara de fermentação morfologicamente distinta.</p><p>Isto é particularmente evidente entre peixes herbívoros, incluindo vários perciformes</p><p>tropicais. Em uma análise detalhada de três espécies de peixes temperados</p><p>alimentando-se de algas marinhas, a taxa de produção de um ácido graxo de cadeia</p><p>curta (o acetato), foi semelhante àquelas nas produzidas no trato gastrointestinal</p><p>de répteis e mamíferos herbívoros, mesmo na ausência de câmaras fermentativas</p><p>morfologicamente distintas nos peixes. São necessárias mais pesquisas para</p><p>determinar os mecanismos subjacentes à fermentação desses peixes e a importância</p><p>nutricional dos ácidos graxos de cadeia curta produzidos por esses animais.</p><p>92</p><p>CAPítulo 3</p><p>Similaridade entre os processos</p><p>digestivos nos animais</p><p>A utilização ótima dos nutrientes requer uma resposta integrada do trato gastrointestinal</p><p>aos alimentos ingeridos. Todos os mamíferos são sensibilizados pelos componentes do</p><p>alimento através do olfato e do paladar e, também, através de receptores especializados</p><p>no estômago e intestinos. A detecção de componentes alimentares leva à liberação de</p><p>hormônios intestinais e ativação de neurônios, que</p>de 66 UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção forma que a elevada permeabilidade do duodeno à água favorece o ajuste da tonicidade deste conteúdo ao plasma, através de um fluxo resultante para secreção de água para a luz intestinal. Tal fato, aliado à secreção pancreática isotônica, permite ao quimo chegar ao duodeno isotônico em relação ao plasma, o que não favoreceria um fluxo resultante a favor da absorção de água por essa porção intestinal. Por outro lado, esse segmento é o principal sítio de absorção, acoplado ao íon Na+, dos produtos da digestão de carboidratos e proteínas o que gera gradiente osmótico suficiente para a intensa absorção de água nessa região. De fato, o duodeno corresponde ao principal sítio de absorção de água ao nível intestinal e, juntamente com o duodeno e íleo, absorve cerca de 7,5 litros de água por dia. Por outro lado, o intestino grosso também apresenta uma elevada capacidade absortiva, já que cerca de 93% da água que atinge esta porção intestinal é absorvida, sendo excretado apenas 0,1 litro de água. A via predominante de absorção de água pelo epitélio colônico é a transcelular, tendo em vista a reduzida condutância da via paracelular através das tight-junctions. Tal característica gera gradiente osmótico e iônico transepitelial no cólon, de forma que o transporte de íons, e consequentemente de água, ocorre contra esse gradiente. Adicionalmente, a absorção colônia de fluido hipertônico gera, por sua vez, uma hipotonicidade do conteúdo luminal em relação ao plasma. Para fazer uma revisão sobre a regulação hormonal do trato gastrointestinal e da homeostase energética, leia os seguintes artigos: MURPHY, K.; BLOOM S. Gut hormones and the regulation of energy homeostasis. Nature. Vol, 444, no 712, pp. 1854-9. 67 CAPítulo 3 Processos de digestão e absorção em aves A atividade contrátil gastrointestinal aviária, isto é, a motilidade, nas espécies com músculos finos e espessos é única em relação aos mamíferos. Os músculos finos e grossos se contraem alternadamente. Em primeiro lugar, o par de músculos finos se contrai para empurrar a ingesta no centro do estômago muscular, então o par de músculos espessos se contrai para moer a ingesta. Esta ação é análoga às bochechas e mandíbulas dos mamíferos. A motilidade gástrica nas espécies aviárias sem os músculos finos e grossos é semelhante à dos mamíferos com estômago simples, ou seja, uma contração começa no piloro e prossegue em torno da maior curvatura para misturar o conteúdo gástrico (DUKE, 1989). refluxo do intestino delgado em aves A motilidade do intestino delgado é semelhante à dos mamíferos, com exceção da ocorrência de refluxo intestinal pequeno. Este é um padrão contrátil que é totalmente exclusivo para as aves e envolve um peristaltismo reverso periódico que move praticamente todos os conteúdos do íleo superior e do duodeno de volta ao estômago muscular. O último órgão é simultaneamente relaxado para permitir a entrada do conteúdo duodenal. Estes refluxos foram observados através de radiologia de intensificação de imagem em todas as espécies até agora examinadas, mas ocorrem em diferentes frequências entre espécies. Os filhotes de painho-de-cauda-furcada (Oceanodroma leuchorhoa) que comeram dietas muito ricas em gordura tiveram aproximadamente oito refluxos pós-prandiais por hora. Já as aves de rapina, apresentaram um a dois refluxos por hora, quando em uma dieta de camundongos. Os perus em rações de aves de capoeira padrão tipicamente tinham dois a três refluxes por hora. Apenas um refluxo intestinal pequeno foi observado em picoteiro americano (Bombycilla cedorum) durante aproximadamente 25 horas de observação. Da mesma forma, apenas um foi visto em avestruzes (Struthio camelus) durante 12 horas de observação. Essas observações nos levam a questionar o que estimulou o desenvolvimento evolutivo do refluxo do intestino delgado em aves. Uma vez que as aves têm altas taxas metabólicas, elas devem encontrar, digerir e metabolizar mais nutrientes por dia para manter a atividade normal, a reprodução etc. quando comparados com outros vertebrados. 68 UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção Uma maneira de alcançar esse aumento da capacidade digestiva seria aumentar o tamanho do trato gastrointestinal, uma desvantagem para um animal voador devido ao aumento do peso. Uma segunda maneira seria aumentar o tempo de busca. O aumento do esforço em forrageamento, no entanto, expõe as aves ao aumento do potencial de predação. Para reduzir a exposição ao último risco e também para reduzir o volume do trato gastrointestinal requerido para digerir maiores quantidades de alimentos, o uso da mesma parte do trato gastrointestinal mais de uma vez na digestão de uma refeição seria evolutivamente sábio resposta. Uma alta densidade de nutrientes (como em rações preparadas para aves de capoeira) ou uma dieta com alto teor de gordura (comidas por petreles) seria mais difícil de digerir do que dietas mais simples e mais provável que leve ao desenvolvimento evolutivo da atividade do refluxo do intestino delgado, ou seja, quanto maior a frequência de refluxo intestinal pequeno, maior seria a digestibilidade. digestão de carboidrato As estratégias digestivas para o manejo das três classes de nutrientes variam. Mais o que se sabe sobre a digestão de carboidratos e mais fontes de carboidratos (folhas, sementes, frutas etc.) foram testados do que alimentos ricos em gordura ou proteína. fibra Muitas espécies comem principalmente dietas de carboidratos, mas empregam diferentes estratégias digestivas. Mesmo em espécies similares com dietas similares, diferentes estratégias podem ser vistas. Se comparamos dentro da família Ratite, avestruzes têm ceco relativamente grande e um cólon muito longo, ambos envolvidos na fermentação de fibras vegetais. Eles também são coprofágicos. Através desta combinação de estratégias, eles conseguem aproximadamente 40-60% de digestibilidade de sua dieta de gramíneas, folhas e insetos ou lagartos ocasionais. Os emus (Dromius novaehollandiae), a maior ave nativa australiana e, depois do avestruz, a segunda maior ave que vive hoje, possuem ceco e cólon relativamente muito mais curtos, mas eles têm um intestino delgado muito longo. Sua principal dieta de hidratos de carbono de rebentos, sementes, frutas e insetos são ricos em nutrientes e prontamente digeríveis no intestino delgado. O Jacu-cigano (Opisthocomus hoazin), ave nativa de áreas pantanosas e alagadas do norte da América do Sul, é folorrente, mas usa fermentação intestinal. A cultura é ampliada e o esôfago é alongado; juntos representam 77% da capacidade total do intestino. Ambos os órgãos são bastante musculosos e ocorrem maceração e fermentação. Aproximadamente 60-80% de digestibilidade é obtida a partir de uma dieta muito pobre e grosseira. Os pássaros 69 Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii galináceos, como galinhas, perus e faisões anulares (Phasianus colchicus), tendem a comer mais sementes e menos folhagens do que as ratites ou o hoatzin, e acham 60-70% de digestibilidade. A fermentação nas porções posteriores do intestino grossonestas espécies pode adicionar 4-1 1% extra na digestibilidade da dieta. As aves de capoeira geralmente não são consideradas capazes de “digerir” a fibra. No entanto, se eles são pré-condicionados a uma dieta rica em fibras antes da digestibilidade ser testada, suas digestibilidades melhoram. As perus domésticas alimentadas com 28 ou 161 g de mosca de aveia em dietas isoenergéticas marcadas com celulose marcada com 14C só conseguiram digerir 2,3% (conforme determinado pela coleta de 14C02 em ar expirado) quando alimentados com a dieta contendo 28 g de celulose por 6 semanas, mas digeriu 10,4 96 da celulose (em média) depois de comer a dieta contendo 161 g de celulose (DUKE et al., 1984). néctar Outra fonte de carboidratos usada principalmente<p>96</p><p>UNIDADE III │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão I</p><p>» MAIOR, A.S. Regulação hormonal da ingestão alimentar: um breve</p><p>relato. Medicina (Ribeirão Preto). Vol. 45, no 3, pp. 303-9, 2012.</p><p>» STEINER, et al. Secretion of gastrointestinal hormones and eating</p><p>control. J. Anim. Sci. vol.91, pp. 1963–1973, 2013.</p><p>97</p><p>unidAdE iV</p><p>fiSiologiA E</p><p>BioquíMiCA</p><p>CoMPArAdA dA</p><p>digEStão ii</p><p>CAPítulo 1</p><p>relação entre a composição da</p><p>dieta e o sistema bioquímico do trato</p><p>gastrointestinal</p><p>Existe uma evidência esmagadora de que a função digestiva e absortiva do trato</p><p>gastrointestinal dos animais pode variar de acordo com a composição da dieta.</p><p>Essa flexibilidade é exibida em dois níveis: tanto anatômico, incluindo o tamanho</p><p>global e a arquitetura do trato gastrointestinal (como visto anteriormente), quanto</p><p>bioquímico, especialmente sobre a atividade de enzimas digestivas e transportadores.</p><p>A flexibilidade bioquímica é geralmente considerada para tanto maximizar a</p><p>aquisição de carbono para produção de energia e nutrientes essenciais para</p><p>manutenção e crescimento, quanto para proteger contra a aquisição de quantidades</p><p>excessivas de certos constituintes dietéticos potencialmente tóxicos (como o ferro).</p><p>Qualquer desequilíbrio nutricional que possa surgir dessa estratégia é fortemente</p><p>considerado para ser corrigido após a absorção, de modo que a retenção e o uso de</p><p>certos nutrientes são otimizados, enquanto que os metabolitos excedentes possam</p><p>ser eliminados.</p><p>flexibilidade no ajuste das enzimas digestivas</p><p>em face às alterações na dieta</p><p>Muitos estudos com vertebrados demonstraram que a produção de enzimas digestivas</p><p>aumenta de acordo com a disponibilidade de substrato no lúmen intestinal. Tal</p><p>efeito foi confirmado em roedores para principais enzimas pancreáticas (amilase,</p><p>lipase e proteases) e enzimas da borda em escova intestinal (sacarase-isomaltase,</p><p>maltase-glicoamilase e aminopeptidase-N), e estudados em uma variedade de</p><p>mamíferos, aves, répteis e peixes. Esse modo de regulação maximiza a digestibilidade</p><p>98</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>dos substratos e minimiza o custo de sintetizar enzima em excesso quando o substrato</p><p>está em níveis baixos. A base mecanicista do impacto da dieta sobre a atividade das</p><p>enzimas digestivas não foi investigada na maioria das espécies, mas, quando estudado,</p><p>há evidências persuasivas de que a atividade enzimática diferencial é sustentada por</p><p>mudanças na expressão gênica.</p><p>A variação adaptativa na atividade das enzimas digestivas de acordo com a composição</p><p>da dieta é crucial para o estilo de vida de muitos animais. Por exemplo, as fêmeas dos</p><p>mosquitos Aedes aegypti se alimentam de néctar (rico em açúcar) e de sangue de</p><p>vertebrado (rico em proteínas). A atividade da protease intestinal é indetectável em</p><p>indivíduos alimentados com uma refeição de açúcar, mas poucas horas após o repasto</p><p>sanguíneo, a atividade de protease digestiva no intestino aumenta rapidamente,</p><p>atingindo o seu máximo após cerca de 2 dias. Mosquitos Aedes aegypti tem três genes</p><p>de tripsina expressos no intestino médio, de forma que a síntese de duas tripsinas,</p><p>conhecidas como as tripsinas tardias, é regulada pelo teor de proteína na dieta: a</p><p>síntese inicial (dentro de 3 após a alimentação) é a partir de um RNAm pré-formado</p><p>em resposta à proteína no sangue, enquanto que uma produção subsequente (8 a 10</p><p>horas após a alimentação) é induzida por produtos da digestão de proteínas no sangue</p><p>(aminoácidos) mediado pela tripsina de proteínas do sangue. A outra isoforma de</p><p>tripsina intestinal desses invertebrados, conhecida como tripsina precoce, é sintetizada</p><p>constitutivamente no intestino.</p><p>No entanto, alguns estudos descobriram que a secreção de enzimas digestivas não</p><p>varia de forma diretamente proporcional com a concentração do substrato. Para alguns</p><p>insetos que se alimentam de uma dieta desequilibrada, onde um componente dietético</p><p>está em excesso, as enzimas que medeiam a degradação deste componente dietético</p><p>podem ser infrarreguladas. Por exemplo, os gafanhotos Locusta migratoria alimentados</p><p>com dieta com excesso de proteína ou carboidrato apresentam atividade reduzida de</p><p>α-quimotripsina digestiva e α-amilase, respectivamente, sugerindo que um inseto tem</p><p>a capacidade de regular as enzimas digestivas de forma homeostática, de modo que as</p><p>enzimas que produzem nutrientes em excesso sejam segregadas a taxas mais baixas do</p><p>que as enzimas que geram nutrientes em déficit.</p><p>Assim, a produção de algumas enzimas digestivas parece ser regulada pela detecção</p><p>integrada de ambos os nutrientes disponíveis no intestino e as necessidades nutricionais</p><p>do animal. Essa complexidade pode não ser revelada nas dietas adequadas do ponto</p><p>de vista nutricional que são comumente utilizadas para a manutenção laboratorial</p><p>de animais, mas pode ser importante para animais no campo com acesso a dietas de</p><p>composição variável e muitas vezes abaixo da composição requerida.</p><p>99</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>Ajustes reversíveis dos transportadores frente a</p><p>alterações na dieta</p><p>A compreensão atual da correlação da função do transportador com a composição da</p><p>dieta deriva em grande parte de um trabalho conduzido em preparações intestinais</p><p>isoladas de camundongos. O transporte dos nutrientes que são metabolizados para a</p><p>produção de energia aumenta de acordo com o aumento da oferta alimentar; por outro</p><p>lado, aqueles que medeiam a absorção de nutrientes essenciais, mas que não produzem</p><p>energia, tendem a ter o seu transporte diminuído com o aumento da oferta dietética.</p><p>Assim, a atividade transportadora de açúcares (como a glicose e frutose), aminoácidos</p><p>e peptídeos (não essenciais e essenciais) aumentam de acordo com o seu conteúdo na</p><p>dieta, ao passo que o transporte da maioria das vitaminas e minerais diminui com o</p><p>aumento do conteúdo dietético. Curiosamente, a absorção de aminoácidos essenciais</p><p>(como histidina, lisina, leucina e metionina) tende a aumentar ligeiramente a níveis</p><p>dietéticos baixos (o inverso da resposta aos aminoácidos não essenciais), indicando o</p><p>papel central dos aminoácidos essenciais presentes na dieta para a síntese proteica e</p><p>a utilização de aminoácidos não essenciais como substrato respiratório. A forma como</p><p>essa resposta diferencial a aminoácidos essenciais versus não essenciais é conseguida,</p><p>apesar das especificidades de substrato sobrepostas dos vários transportadores de</p><p>aminoácidos, não é totalmente compreendida.</p><p>As análises cinéticas da absorção de nutrientes indicam que a variação na atividade</p><p>do transportador de açúcar e aminoácidos dependente da dieta, é mediada</p><p>predominantemente por alterações na densidade dos transportadores na membrana</p><p>apical. Dois processos podem mediar o aumento da função transportadora: i)</p><p>mobilização de proteínas transportadoras preexistentes no citoplasma para a membrana</p><p>(como ocorre para o GLUT2 em resposta à glicose na dieta) e, ii) elevação da expressão</p><p>gênica (a maioria das pesquisas tem sido concentrada na resposta gênica aos nutrientes</p><p>dietéticos). Por exemplo, em resposta ao elevado fornecimento dietético de açúcares,</p><p>a expressão de genes que codificam os transportadores SGLT1 (para glicose) e GLUT5</p><p>(para frutose) é aumentada: i) a expressão de GLUT5 é elevada em preparações isoladas</p><p>de intestino de rato perfundidos com frutose; ii) cavalos alimentados com dietas com</p><p>altos níveis de carboidrato digestível exibem elevada expressão de SGLT1 tanto no</p><p>duodeno quanto no íleo; e, iii) leitões exibem elevada expressão de SGLT1 quando</p><p>alimentados com dietas com mais de 50% de carboidrato digestível.</p><p>A atividade do transportador peptídico Pept-1 no intestino é elevada por uma alta</p><p>concentração de proteína na dieta. No intestino de rato, o RNAm para Pept-1 dobra no</p><p>intestino de ratos alimentados com uma dieta rica em proteínas (50% de proteína) em</p><p>relação aos alimentados com dieta com baixo teor proteico (4%).</p><p>100</p><p>UNIDADE</p><p>IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>A expressão de vários genes transportadores é regulada em antecipação aos alimentos:</p><p>os ratos adultos (hábitos noturnos) exibem variação diurna na expressão de</p><p>transportadores de açúcar no intestino, com indução de GLUT2, GLUT5 e expressão</p><p>de Pept-1, 3 a 4 h antes do início do pico de alimentação pelo animal. A variação</p><p>diurna de GLUT2 e Pept-1 é regulada pelo nervo vago enquanto que, de GLUT5, por</p><p>sinais parácrinos e endócrinos no intestino. Além disso, os reservatórios preexistentes</p><p>de proteínas transportadoras, provavelmente localizados no citosol, só podem ser</p><p>mobilizados para a membrana, favorecendo mudanças mais rápidas na atividade do</p><p>transportador quando comparado às mudanças na expressão génica.</p><p>O papel central dos transportadores na modulação da absorção de acordo com</p><p>variações na dieta levanta questões importantes sobre a capacidade de um</p><p>animal regular a absorção de nutrientes que apresentem níveis significativos de</p><p>absorção passiva. Para estes nutrientes, prevê-se que a absorção aumenta de</p><p>forma diretamente proporcional com a concentração no lúmen do intestino. A</p><p>absorção de ácido pantotênico, ácido ascórbico e colina é predominantemente</p><p>passiva e, ao contrário de outros nutrientes essenciais, não é suprarregulada</p><p>resposta à baixa oferta alimentar. Os nutrientes que são absorvidos pela via</p><p>paracelular também não devem ser rigorosamente regulados. Este efeito é</p><p>importante, por exemplo, em aves passeriformes, onde a absorção paracelular</p><p>é significativa.</p><p>fisiologia digestiva e toxinas de</p><p>ocorrência natural</p><p>Os metabolitos secundários (MS) são compostos produzidos e/ou seccionados</p><p>por plantas e animais que não parecem desempenhar um papel importante no seu</p><p>metabolismo nutricional ou regulador primário. Suas funções incluem comunicação,</p><p>atração ou defesa contra herbívoros, predadores, patógenos e competidores. Os MSs são</p><p>tão penetrantes que é quase uma certeza que qualquer análise completa de um alimento</p><p>vegetal, e talvez até mesmo muitos alimentos de origem animal, irá identificar alguns</p><p>MSs. Alguns são pensados para desempenhar um papel importante na saúde humana,</p><p>atuando diversas vezes como antioxidantes ou antimicrobianos, modificando títulos</p><p>de hormônio, e interferindo com a síntese de DNA. Outros MSs danificam diretamente</p><p>a mucosa GIT, como as lectinas, as proantocianidinas e os taninos hidrolisáveis.</p><p>Os inibidores da protease podem permeabilizar a membrana peritrófica das lagartas.</p><p>Nas seções a seguir, destacamos numerosos exemplos de processos digestivos</p><p>importantes que são influenciados por compostos dos principais grupos de MSs. Mas,</p><p>também, considerando a diversidade estrutural e funcional dos tratos digestivos entre</p><p>101</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>os animais, não deve surpreender que os impactos dos MSs não sejam necessariamente</p><p>gerais, mas dependem de características digestivas e talvez até de contrarrespostas</p><p>adaptativas dos consumidores.</p><p>Metabólitos secundários e tempo de trânsito</p><p>Existe uma longa história de utilização por parte dos seres humanos de produtos</p><p>naturais como laxantes. Uma consequência importante do trânsito digestivo rápido</p><p>pode ser má absorção, como ocorre mesmo para animais com tempo de trânsito rápido</p><p>ingerindo compostos passivamente absorvidos. Por exemplo, o tempo de digestão (e</p><p>absorção de glicose) foi reduzido quando as aves diurnas ingeriram néctar de plantas de</p><p>tabaco que contêm alcaloides particulares. Em contraste, a antraquinona, a emodina,</p><p>que tende a acelerar a digesta através do intestino dos seres humanos, parece ter o</p><p>efeito oposto sobre o pássaro frugívoro, e aumenta a eficiência digestiva aparente do</p><p>pássaro em frutos contendo emodina.</p><p>Metabolitos secundários e atividade</p><p>enzimática endógena</p><p>Os produtos químicos de muitos dos principais agrupamentos de MSs (por exemplo,</p><p>alcaloides, fenólicos e terpenoides) inibem os mecanismos intrínsecos dos animais de</p><p>desagregação de carboidratos, gorduras e proteínas. Em muitos casos, verificou-se que os</p><p>compostos inibem a degradação enzimática in vitro e os efeitos também se manifestam a</p><p>nível animal completo na digestibilidade e/ou taxa de crescimento reduzida dos nutrientes.</p><p>Os mecanismos variam, incluindo inibição enzimática competitiva e não competitiva,</p><p>bem como interrupções do processo de emulsificação importantes na digestão de gordura.</p><p>Um dos grupos químicos mais estudados são os inibidores da protease ou proteinase</p><p>(IPs), que se ligam às proteínas digestivas e reduzem a eficiência digestiva e, portanto,</p><p>a taxa de crescimento. Muitos insetos, mamíferos e aves respondem aumentando</p><p>a secreção de enzimas proteolíticas e, nos vertebrados, aumentando o tamanho do</p><p>pâncreas, que sintetiza muitas das enzimas, muitas vezes com o efeito líquido de</p><p>restaurar a eficiência digestiva e a taxa de crescimento. Uma hipótese concorrente sobre</p><p>a resposta dos animais é que a superprodução de proteínas digestivas é em detrimento</p><p>de outras proteínas essenciais no corpo, e que, portanto, a taxa de crescimento não se</p><p>recupera. A pesquisa sugere coevolução antagônica entre plantas e herbívoros em que</p><p>as plantas produzem uma variedade de PIs com ação específica contra diferentes tipos</p><p>de proteases e os animais produzem variantes de enzimas digestivas que são bastante</p><p>insensíveis aos PIs. O inibidor de tripsina em extrato de folha de feijão de mamona inibiu</p><p>a atividade de tripsina no minador de folhas de café (Leucoptera coffeella), mas não de</p><p>102</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>tripsina bovina. Identificaram-se larvas de Helicoverpa cuja atividade de quimotripsina</p><p>é resistente a uma serina PI de Nicotiana alata, enquanto outras larvas de Helicoverpa</p><p>possuem uma variante enzimática susceptível. Seus respectivos cDNAs foram isolados</p><p>e foram identificados resíduos críticos que conferiram resistência. Verificou-se também</p><p>que as larvas de Helicoverpa produzem proteases do intestino médio ou isoformas de</p><p>tripsina que eram sensíveis ou insensíveis à inibição pelo inibidor da tripsina de soja</p><p>(IST). As isoformas de tripsina sensíveis a STI foram produzidas constitutivamente,</p><p>mas a produção das formas insensíveis a STI induzidas foi regulada transcricionalmente</p><p>após a ingestão de ITS.</p><p>Um cenário um tanto análogo está emergindo dos estudos de inibidores de carboidratos.</p><p>As folhas de amoreira produzem alcaloides imitadores de açúcar que inibem a atividade de</p><p>sucrase e trealase. No entanto, as atividades em bichos-da-seda domesticados (Bombyx</p><p>mori), que são especialistas em amoreira, não são afetadas, enquanto que as atividades em</p><p>Eri (Samia ricini), herbívoros insetívoros, foram inibidas por baixíssimas concentrações</p><p>de alcaloides. Em outro exemplo, quando as larvas de grãos de feijão (Zabrotes</p><p>subfasciatus) foram alimentadas com sementes de Phaseolus vulgaris, segregaram</p><p>isoformas induzíveis de alfa-amilases que eram insensíveis ao inibidor de alfa-amilase</p><p>que se encontra na planta, enquanto que a sua alfa-amilase constitutivamente produzida</p><p>foi inibida por MSs na planta. Todo o tópico de coevolução de enzimas digestivas e plantas</p><p>MSs não é apenas interessante, mas também muito importante, porque os biólogos de</p><p>plantas estão agora manipulando experimentalmente em plantas de colheita os genes</p><p>que regulam MSs inibitórios para aumentar a resistência a pragas de culturas.</p><p>Os taninos são compostos polifenólicos solúveis em água com um peso molecular entre</p><p>300 e 3000 Da, e têm a função putativa como possíveis redutores de digestibilidade.</p><p>Eles podem interagir com proteínas e outras macromoléculas in vitro através de</p><p>ligações de hidrogênio e ligações hidrofóbicas, e assim ligar as enzimas e seus substratos</p><p>nutrientes. Vários estudos documentam a sua inibição de muitas atividades enzimáticas</p><p>in vitro: proteases, lipase, alfa-amilase, maltase, sucrase e lactase. Estes dados levam a</p><p>uma expectativa</p><p>de que eles irão reduzir a digestibilidade da dieta.</p><p>Mesmo se as enzimas digestivas são inibidas in vitro, os efeitos podem, em princípio, ser</p><p>prevenidos ou invertidos in vivo por alteração no pH ou por surfactantes (detergentes)</p><p>tais como ácidos biliares ou outro material de ligação de tanino no intestino tal como</p><p>muco. Alguns mamíferos que geralmente consomem taninos secretam prolina-ricos</p><p>(20%-40% prolina) proteínas na sua saliva que parecem preferencialmente se ligar a</p><p>taninos. Os taninos complexados podem escapar da degradação enzimática e microbiana</p><p>e podem ser excretados nas fezes, protegendo assim o animal de danos ao epitélio</p><p>intestinal, redução da digestibilidade verdadeira ou toxicidade. Mas esta resposta leva</p><p>103</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>ao aumento da perda fecal da energia e do nitrogênio no complexo de proteína tanina</p><p>e, portanto, a um declínio na eficiência digestiva aparente, embora não a verdadeira</p><p>eficiência digestiva per se. Em algumas espécies, a relação entre o teor de taninos na</p><p>dieta e a redução da digestibilidade aparente pode ser utilizada para aumentar a precisão</p><p>das equações preditivas de digestibilidade alimentar com base na composição química</p><p>dos alimentos. Assim, com os taninos, os efeitos sobre os animais não são gerais, mas</p><p>dependem da estrutura de taninos em particular, da concentração e das particularidades</p><p>do consumidor. Devido a isso, tem sido argumentado que eles não são tipicamente</p><p>inibidores de processos de destruição intrínseca em insetos ou mamíferos monogástricos.</p><p>Enzimas intestinais podem ativar certas toxinas</p><p>Alguns MSs são sintetizados e armazenados em plantas como glicosídeos, isto é,</p><p>essencialmente ligados a uma molécula de glicose, que podem fornecer à planta uma</p><p>medida de autoproteção contra o aglicone mais tóxico. Estes MSs são assim armazenados</p><p>numa forma inativa até serem ativados por uma enzima glicidrolase (por exemplo,</p><p>p-glucosidase). A enzima pode ser armazenada na planta, caso em que a maceração</p><p>por um consumidor provoca a libertação da toxina aglicona, ou a enzima pode ser um</p><p>componente dos processos fisiológicos do consumidor, tais como enzimas digestivas</p><p>intrínsecas ou enzimas microbianas.</p><p>As β-glicosidases são um importante grupo de glicohidrolases encontradas no tecido</p><p>do intestino delgado de mamíferos, sendo a lactase com a membrana apical ligada à</p><p>florilina hidrolase e a β-glucosidase citosólica de especificidade ampla sendo as mais</p><p>estudadas, incluindo em humanos, ratos e cobaias. A atividade de p-glicosidase também</p><p>foi medida em intestinos de numerosos invertebrados. A atividade da p-glicosidase é</p><p>reduzida em alguns insetos que foram selecionados para tolerância aos glicosídeos de</p><p>plantas ou habituados a dietas com níveis mais elevados de glicosídeos. Não se sabe</p><p>se essa resposta adaptativa genética ou fenotípica aos glicosídeos da dieta ocorre em</p><p>espécies de vertebrados. Embora as aves possam ter um homólogo do gene da lactase,</p><p>não é certo se as aves são capazes de hidrolisar os glicosídeos das plantas, o que pode</p><p>torná-los relativamente imunes a essas toxinas vegetais em comparação com outros</p><p>animais. Os níveis de atividade da lactase são traços ou incomensuravelmente baixos</p><p>em frangos e em pardais domésticos.</p><p>Metabólitos secundários e microbiota</p><p>Sabe-se que MSs de grupos principais, como fenólicos e terpenoides, têm atividade</p><p>antimicrobiana. Os compostos terpenoides, incluindo óleos essenciais e saponinas</p><p>(glicosídeos de terpenos e esteroides), parecem ter os maiores efeitos negativos,</p><p>104</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>com base em uma metanálise de 185 tratamentos em ruminantes em 36 estudos.</p><p>Por exemplo, a magnitude da inibição da digestibilidade da parede celular das plantas foi</p><p>de 23% para óleos essenciais, 11% para saponinas e 3% para taninos (todos em relação</p><p>aos controles). Escores de óleos essenciais específicos foram testados e descobriu-se que</p><p>são inibitórios contra muitos gêneros bacterianos, e na meta-análise, eles e saponinas</p><p>também pareciam inibir o crescimento protozoário. Além de inibir a fermentação, os</p><p>óleos essenciais podem diminuir a taxa de desaminação bacteriana da proteína no lúmen.</p><p>A descoberta de bactérias denominadas Eubacterium rangiferina ajudam a explicar</p><p>descobertas anteriores de que a microbiota ruminal de renas obteve melhores resultados</p><p>na digestão in vitro quando o ácido úrico foi adicionado, enquanto a adição de ácido</p><p>úrico à microbiota ruminal de ovinos deprimiu a digestão. Outro exemplo famoso é a</p><p>bactéria Synergistes jonesii, que é capaz de degradar metabólitos de mimosina e confere</p><p>resistência a mimosina no ruminante hospedeiro, permitindo-lhe comer Leucaena spp.</p><p>Finalmente, alguns microrganismos GI podem aparentemente tolerar altas concentrações</p><p>de taninos, e as espécies bacterianas tolerantes a taninos ou que degradam taninos foram</p><p>isoladas de uma variedade de mamíferos selvagens em todo o mundo, especialmente</p><p>aquelas que consomem dietas ricas em conteúdo de tanino. Algumas das características</p><p>que podem conferir tolerância microbiana aos taninos são a secreção de polissacarídeo</p><p>extracelular que separa a parede celular microbiana do tanino e as enzimas microbianas</p><p>tais como a galatodescarboxilase e tanino acil hidrolase.</p><p>Metabólitos secundários e absorção</p><p>A maioria dos relatos de impactos de MSs na absorção refere-se a compostos polifenólicos,</p><p>dos quais existem pelo menos dez classes de compostos caracterizados por possuir vários</p><p>grupos hidroxilo em anéis aromáticos. Martel et al. fornecem uma revisão recente dos</p><p>impactos de polifenóis sobre a absorção intestinal de cátions orgânicos, tiamina, ácido</p><p>fólico e glicose.</p><p>Muitos estudos indicam que uma variedade de polifenóis (principalmente flavonoides)</p><p>inibem a captação de glicose mediada por SGLT1 e / ou GLUT2, com base em experiências</p><p>usando intestino in situ, tecido e células isolados, vesículas de membrana de borda</p><p>de escova e oócitos de Xenopus laevis expressando as proteínas transportadoras,</p><p>e um estudo descobriu que os polifenóis deprimiam a expressão do gene SGLT1.</p><p>Estes compostos ocorrem em alimentos vegetais tipicamente como glicosídeos. A floretina</p><p>(uma aglicona) e a floridzina (seu glicósido), membros das chalconas da subclasse</p><p>flavonoides, são utilizadas como inibidores de GLUT-2 e SGLT-1, respectivamente,</p><p>em estudos de absorção de glicose. Mas, estudos mostraram que uma variedade de</p><p>flavonoides de múltiplas subclasses inibem o transporte de glicose. Os mecanismos</p><p>105</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>propostos para os flavonoides que inibem a absorção de glucose incluem a inibição</p><p>competitiva e não competitiva. Apenas o mecanismo para a inibição de Floridzina de</p><p>SGLT-1 foi rigorosamente comprovado como sendo a inibição competitiva por ligação</p><p>de f-loridina a SGLT-1 diretamente.</p><p>Estudos previam que a floridzina inibiria a absorção de glicose em todo o nível animal</p><p>quando administrada em concentrações ecológicas (usavam 10 mmol/L), e que os</p><p>efeitos seriam mais acentuados em mamíferos não fiáveis que dependem da via mediada</p><p>para a absorção de glicose do que as aves que dependem mais de uma via paracelular</p><p>não mediada. Eles descobriram que a phloridzin inibiu a eficiência de absorção de</p><p>glicose de todo o animal em mais de 36% em ratos de laboratório, ao passo que não</p><p>diminuiu significativamente a absorção de glicose em piscos de peito-rei americanos.</p><p>Outro flavonoide, a isoquercetrina, também diminuiu significativamente a absorção de</p><p>glicose em ratos, mas não em piolhos. Não atribuíram a diferença a nenhuma diferença</p><p>principal entre o rato e o pisco de peito vermelho nos tipos de transportadores intestinais</p><p>da glicose, porque os pássaros e os mamíferos parecem compartilhar do grupo similar</p><p>de transportadores intestinais do açúcar. Em vez disso, eles atribuíram a diferença</p><p>na inibição por estes MSs plantas de absorção de glicose</p><p>para os ratos muito maior</p><p>dependência de transportadores de glicose para absorção de glicose intestinal. Como as</p><p>toxinas de plantas medeiam tantas interações entre mamíferos e aves e seus recursos</p><p>vegetais (por exemplo, seleção de folhas, frutas e sementes e dispersão de sementes e</p><p>pólen), as diferenças fisiológicas entre mamíferos e aves em suas respostas às toxinas</p><p>deveriam ter muitas ramificações ecológicas.</p><p>Existem evidências de que alguns glicosídeos flavonoides podem ser transportados por</p><p>SGLT-1, o que poderia potencialmente levar à inibição competitiva do transporte de</p><p>glicose. Entretanto, estudos que usaram oócitos de Xenopus expressando SGLT1 em</p><p>uma técnica de pinça de tensão de dois eletrodos para testar 27 flavonoides contendo</p><p>resíduos de glicose em posições diferentes, bem como suas agliconas. Nenhum deles</p><p>gerou correntes de transporte significativas, o que parece ser uma boa evidência</p><p>direta da falta de transporte acoplado ao Na + via SGLT1. Mas, como foi demonstrado</p><p>muitas vezes, alguns flavonoides glicosilados e não glicosilados mostraram uma</p><p>inibição dependente da estrutura do transporte de glucose. A inibição competitiva pelo</p><p>transporte flavonoide não parece ser o mecanismo.</p><p>Relatos de impactos de MSs na absorção de outros substratos são escassos. O ácido</p><p>fenólico, tânico, inibiu inespecíficamente a absorção de D-glicose e L-prolina pelo</p><p>intestino isolado do rato, possivelmente pela redução do gradiente de Na+ para a</p><p>absorção de nutrientes acoplados a Na+ através da membrana apical. Outro conjunto</p><p>de fenóis, as catequinas, que são flavonoides monoméricos, são relatados para inibir</p><p>106</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>a absorção de colesterol, talvez reduzindo a solubilidade micelar e precipitando</p><p>colesterol, e eles são relatados para interagir com bicamadas lipídicas, o que poderia</p><p>levar a alterações no transporte.</p><p>É de se esperar que as toxinas solúveis em água que não sejam demasiado grandes</p><p>em tamanho molecular terão também acesso à via paracelular. Algumas das principais</p><p>classes de toxinas naturais nas plantas, tais como alcaloides e fenólicos, incluem muitos</p><p>compostos hidrossolúveis na faixa de tamanho molecular que poderia acessar o espaço</p><p>paracelular. A nicotina, por exemplo, tem um peso molecular de 162 Da, as suas formas</p><p>catiônicas são solúveis em água e descobriu-se que era absorvida pela via paracelular</p><p>em cultura celular (células TR146).</p><p>Espera-se também que as toxinas lipofílicas permeiem passivamente as membranas</p><p>a taxas positivamente relacionadas aos seus coeficientes de partição octanol ou</p><p>óleo: água, o que se verificou no caso de um levantamento de 36 flavonoides usando</p><p>monocamadas de células Caco-2. Neste modelo experimental, as taxas podem</p><p>ser diminuídas pela presença de proteínas salivares que formam complexos com</p><p>polifenóis. Outras barreiras físicas propostas para limitar difusões passivas de MSs são</p><p>o envelope peritrófico de insetos e surfactantes. A descoberta de transportadores de</p><p>efluxo ao longo dos últimos 2 a 3 décadas através de muitos filos animal revelou outro</p><p>processo pelo qual a absorção passiva de SM lipofílico pode ser limitado. Estes incluem</p><p>os transportadores ABC tais como proteínas de resistência a múltiplos fármacos e</p><p>glicoproteína de permeabilidade.</p><p>107</p><p>CAPítulo 2</p><p>Adaptações do sistema digestivo em</p><p>herbívoros não ruminantes</p><p>No início da evolução dos mamíferos, algumas linhagens desviaram-se do pequeno</p><p>tamanho do corpo e insensíveis, o que caracterizou os primeiros mamíferos, tornando-se</p><p>maiores e herbívoros. Uma vez que a matéria vegetal é muito mais difícil de digerir</p><p>do que a matéria animal, devido ao alto teor de carboidratos estruturais, esses</p><p>animais devem ser maiores para acomodar o trato gastrointestinal mais elaborado</p><p>necessário para a digestão (inicialmente por fermentação bacteriana) de tais alimentos.</p><p>Tais adaptações valem a pena devido à grande abundância de potenciais alimentos</p><p>vegetais, especialmente as partes vegetativas das plantas (folhas de diferentes estádios</p><p>de desenvolvimento e partes associadas, como caules). Enquanto algumas ordens de</p><p>mamíferos têm mantido o hábito insetívoro, como o Insectivora, Pholidota e Edentata,</p><p>e outros se tornaram mais especializados para faunivory, como o Carnivora (feloids</p><p>e cynoids), Pinnipedia e Cetacea, mantendo pequeno tamanho do corpo ou simples</p><p>trato gastrointestinal , ou ambos, muitas ordens de mamíferos evoluíram para grande</p><p>tamanho corporal e folivorias, tais como Perissodactyla (hippomorphs e ceratomorphs),</p><p>Artiodactyla (suinas, tylopods e pecorans), Proboscidea e Sirenia. Isso envolveu o</p><p>aumento dramático do ceco e início do cólon ou, mais recentemente, à medida que a</p><p>qualidade da folhagem melhorou, do estômago, geralmente com algum aumento de</p><p>ceco-cólicas. Alguns folivorianos, como o Rodentia, Lagomorpha e Hyracoidea,</p><p>mantiveram maioritariamente tamanho corporal pequeno com problemas de</p><p>acompanhamento para a digestão, como a necessidade de coprofagia (caecotrofia).</p><p>Muito mais raro tem sido a ocupação do “meio termo” ecológico, em termos de</p><p>abundância e digestibilidade, offrugivory. Entre os mamíferos, apenas os primatas e</p><p>alguns morcegos competiram com os consumidores aviários bem sucedidos de partes</p><p>reprodutivas de plantas, flores e frutas. O sucesso dos primatas parece estar em sua</p><p>relativa falta de especialização e, enquanto a maioria são frugívoros, os menores são</p><p>faunívoros e os maiores são folívoros (com estômago ou aumento do cecocólico).</p><p>Nenhum são frugívoros exclusivos, uma vez que certos aminoácidos não ocorrem nos</p><p>frutos; As espécies menores suplementam frutos com matéria animal, os maiores com</p><p>folhagem, em todos os casos mostrando convergência anatômica sobre os especialistas</p><p>em outras ordens.</p><p>Uma vez que nenhum primata, ou outro mamífero (ao nosso conhecimento atual)</p><p>consome quantidades significativas de matéria animal e folhagem (por causa da</p><p>incompatibilidade anatômica e fisiológica), e uma vez que os mamíferos com uma dieta</p><p>108</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>variável baseada em frutos não formam uma categoria distinta, utilizado conceito de</p><p>“omnivory” é singularmente inadequado com nossas abordagens mais detalhadas e</p><p>conhecimento. Por exemplo, as dietas variadas de ursos e suínos são baseadas em frutos,</p><p>como refletido pela morfologia dentária, no caso deste último, incluindo os órgãos de</p><p>armazenamento de plantas abaixo do solo, como tubérculos, bulbos e raízes. Aqui</p><p>consideramos as adaptações gastrointestinais de herbívoros não ruminantes; ou seja,</p><p>principalmente as adaptações de folívoros não ruminantes, mas com alguma referência</p><p>a frugívoros e os inevitáveis contrastes com os folívoros de ruminantes. Embora haja um</p><p>tema herbívoro unificador em suas dietas, e muitas espécies (especialmente primatas)</p><p>comem frutas e folhagens, as complexidades de frugívoros e folívoros são suficientes</p><p>para substituir o valor da “herbivoria”. Entre os folívoros, estamos preocupados</p><p>principalmente com os contrastes entre os mamíferos que degradam a celulose por</p><p>fermentação microbiana em um ante-estômago expandido, e aqueles que o fazem</p><p>em cólon e cólon expandido (cólon direito ascendente ou primitivo). Deve-se notar</p><p>que esta parte do intestino grosso está voltada para o final do anel fetal do intestino</p><p>médio, que difere da última parte do cólon no fornecimento de sangue, drenagem</p><p>venosa e inervação, bem como no desenvolvimento. Assim, o termo “fermentação do</p><p>intestino posterior”, tão amplamente utilizado na literatura, é impreciso. A expansão</p><p>cecocólica de roedores, lagomorfos, hyraxes, elefantes, sirenianos, cavalos e alguns</p><p>primatas strepsirhine (como alguns galagos, indriids e lemurs esportivos) parece</p><p>ter evoluído mais cedo, em relação à folhagem de má qualidade. Entre os primatas</p><p>de haplorhine, espécies como o gorila mostram adaptações comparáveis mas mais</p><p>recentes. Ao alongar e alargar um “tubo” a área</p><p>animais.</p><p>o intestino grosso</p><p>O intestino delgado não se continua no intestino grosso em uma linha reta, mas em</p><p>um ângulo reto, onde se encontra um pequeno apêndice, e dois ou três centímetros</p><p>de comprimento, chamado de ceco. Embora o ceco não tenha uso funcional em um</p><p>carnívoro, deve ser levado em consideração de forma comparativa, já que é uma das</p><p>principais diferenças entre um carnívoro e um herbívoro.</p><p>No momento em que o quimo passou pelo intestino delgado do animal, o processo de</p><p>digestão e absorção dos nutrientes do alimento está praticamente completo. Assim,</p><p>o intestino grosso tem apenas uma função primordial a realizar: a absorção de água.</p><p>Seria um desperdício deixar a água escapar e assim o cólon extrai a água e compacta</p><p>o restante do material residual do que é deixado do quimo em uma pequena massa</p><p>compacta, que fica armazenado no reto até que seja finalmente expelido através do</p><p>ânus. Assim, o cólon em um carnívoro não é essencial, apenas uma conveniência.</p><p>A flora intestinal</p><p>Praticamente todo o trato gastrointestinal de um carnívoro é estéril. O ácido clorídrico</p><p>no estômago garante que a maioria das bactérias e outros microrganismos presentes nos</p><p>alimentos ingeridos sejam mortos e, aqueles que escapam do estômago, são raramente</p><p>capazes de sobreviver aos processos digestivos já que, afinal, são feitos de proteína.</p><p>No entanto, o cólon é a exceção: já que nesta porção não ocorrem mais processos digestivos,</p><p>o intestino grosso tende a abrigar uma variedade de organismos que sintetizam vitaminas</p><p>tais como piridoxina, vitamina B-12, biotina, vitamina K e ácido fólico.</p><p>o intestino de um herbívoro</p><p>Embora todos os tratos digestivos dos carnívoros sejam semelhantes, os sistemas</p><p>digestivos dos herbívoros variam muito, existindo dois tipos básicos de herbívoros:</p><p>» Aqueles com estômagos simples: cavalo, coelho, gorila.</p><p>» Aqueles com estômagos complexos: vaca, cabra, camelo e ovelha.</p><p>16</p><p>UNIDADE I │ PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL</p><p>Os herbívoros com estômago complexo são chamados de ruminantes, possuindo um</p><p>estômago dividido em quatro câmaras. Já os herbívoros com estômagos mais simples</p><p>têm um ceco relativamente maior para ajudar na digestão. O comprimento total do trato</p><p>digestivo da ovelha é cerca de vinte e sete vezes o comprimento do corpo do animal,</p><p>sendo que esta dimensão é comum a todos os herbívoros.</p><p>figura 4. Representação esquemática do trato digestório de ruminantes.</p><p>fonte: <http://brasilescola.uol.com.br/biologia/digestao-dos-ruminantes.htm> (acessado em 17/09/2017).</p><p>A primeira grande diferença entre o herbívoro e o carnívoro é a enorme quantidade de</p><p>alimento que o herbívoro necessita comer: enquanto um carnívoro geralmente pode</p><p>gerenciar com uma pequena refeição por dia, o herbívoro deve comer tanto que seu</p><p>estômago nunca está vazio.</p><p>A boca</p><p>Uma ovelha não tem incisivos ou dentes caninos em sua mandíbula superior, de forma</p><p>que não mordem a grama, mas sim rasga as mesmas. Os molares de ovelha são planos</p><p>e seus movimentos de mandíbula são rotativos, projetados para moer em vez de para</p><p>esmagar ou rasgar.</p><p>As glândulas salivares das ovelhas são muito importantes, já que sintetizam e secretam</p><p>quantidades suficientes de saliva necessária para permear completamente o alimento</p><p>durante a ruminação. Embora a mastigação seja de pouca importância para o cão, ela é</p><p>vital para as ovelhas.</p><p>o rúmen</p><p>Ao deglutir o material vegetal, a grama passa diretamente para a primeira câmara do</p><p>estômago, o rúmen, que possui uma capacidade de cerca de quatro litros. Quando o</p><p>17</p><p>PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL │ UNIDADE I</p><p>rúmen está cheio, movimentos antiperistálticos fazem com que pequenas parcelas do</p><p>alimento ingerido sejam regurgitadas de volta à boca, com a finalidade de intensificar a</p><p>maceração e a sua mistura à saliva.</p><p>A saliva de uma ovelha não contém a enzima amilase salivar, necessária para</p><p>digerir o amido, por isso essa remastigação deve ser meramente para arejar,</p><p>macerar e misturar a saliva mais profundamente para ajudar a digestão da grama.</p><p>Apesar de o rúmen não conter qualquer suco digestivo, ele contém bilhões de bactérias</p><p>e protozoários que começam o processo de lise da parede celular das células vegetais</p><p>para iniciar o processo de digestão, processo este que é totalmente ausente do sistema</p><p>digestivo de um carnívoro (cerca de 60% da celulose é absorvida diretamente na</p><p>corrente sanguínea do rúmen). Alguns carboidratos são convertidos em ácidos graxos</p><p>e outros são absorvidos por bactérias e outros microrganismos para serem convertidos</p><p>em outras substâncias.</p><p>o retículo</p><p>A próxima câmara após o rúmen é o retículo, com uma capacidade de armazenamento</p><p>muito menor que o compartimento anterior. É aqui que pequenas parcelas de alimentos</p><p>são compactadas para regurgitação à boca para ruminações, que então retornam ao</p><p>rúmen para a fermentação bacteriana.</p><p>o omaso</p><p>Com o tempo, o conteúdo do rúmen e do retículo passa para a terceira câmara, o omaso.</p><p>Novamente, o alimento é sujeito à degradação por bactérias e outros microrganismos.</p><p>Em conjunto, todas estas três câmaras estão unicamente preocupadas com a degradação</p><p>e liquefação do alimento de tal forma que ele possa ser digerido quando submetido a</p><p>enzimas digestivas.</p><p>o abomaso</p><p>A quarta e última câmara do estômago da ovelha, o abomaso, tem cerca de dois litros</p><p>de capacidade é considerado o estômago verdadeiro dos ruminantes com estômago</p><p>complexo. O abomaso tem glândulas que secretam ácido clorídrico, pepsina e lipase</p><p>gástrica (com pouca atuação sobre a digestão de lipídios). Todas estas enzimas são</p><p>muito mais fracas (em concentração) quando comparadas àquelas encontradas no</p><p>sistema digestivo do cão.</p><p>18</p><p>UNIDADE I │ PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL</p><p>Essas enzimas digerem as proteínas vegetais e gorduras e, muito mais importante,</p><p>eles matam e absorvem os bilhões de bactérias e outros microrganismos que têm feito</p><p>todo o trabalho até agora. Desta forma, a proteína vegetal é transformada em proteína</p><p>animal dentro do trato digestivo herbívoro, tornando possível, assim, a sobrevivência</p><p>de herbívoros sem mesmo vestígios de proteínas animais em sua dieta.</p><p>intestino</p><p>A partir da chegada do alimento ao intestino, a digestão ocorre de forma semelhante</p><p>à que acontece no cão. A diferença é a lise bacteriana das paredes celulares das células</p><p>vegetais nas primeiras três câmaras do estômago das ovelhas, que não tem paralelo no</p><p>cão carnívoro. Adicionalmente, ao contrário do cão, o sistema digestivo dos herbívoros</p><p>desperdiça muitos nutrientes, de forma que mais de cinquenta por cento do alimento</p><p>consumido é excretado.</p><p>trato gastrointestinal de aves</p><p>O sistema digestivo aviário demonstra claramente adaptações evolutivas que reduzem</p><p>a massa corporal para melhorar a eficiência do voo. Os dentes, os músculos e os ossos</p><p>pesados dos maxilares vistos em mamíferos e répteis foram substituídos por bicos,</p><p>ossos da mandíbula e os músculos do maxilar muito mais leves. A massa principal de</p><p>pássaros, que são os músculos do peito e as vísceras, são “suspensas” sob as asas para</p><p>a eficiência do voo.</p><p>Como os pássaros não mastigam seus alimentos, o esôfago é de grande diâmetro para</p><p>acomodar itens grandes. Por sua vez, o estômago musculoso e pesado (moela) assume</p><p>a função dos dentes na digestão mecânica da ingesta.</p><p>A cavidade oral</p><p>A língua e o bico das aves são usados para manipulação de alimentos e exibem muitas</p><p>adaptações interessantes em aves. Não há palato mole na maioria das aves e o palato</p><p>duro se conecta com as cavidades nasais através de uma fenda mediana.</p><p>A alimentação estimula a secreção salivar. As glândulas salivares são pouco desenvolvidas</p><p>em espécies que ingerem alimentos aquáticos e, por outro lado, bem desenvolvidas</p><p>naquelas espécies que ingerem alimentos secos. As glândulas de algumas espécies,</p><p>como o pardal doméstico (Passer domesticus) por exemplo, contêm quantidades</p><p>apreciáveis de amilase salivar, enquanto que as galinhas e os perus não possuem.</p><p>de superfície para absorção aumenta</p><p>em relação ao volume para fermentação. Por outro lado, a expansão do ante-estômago</p><p>mais esférico de macropídeos marsupiais, preguiças, pecaris, hipopótamos, camelos</p><p>e macacos colobinos, bem como de ruminantes, uma posterior adaptação coincidente</p><p>com a radiação de melhor angiosperma foliar no mioceno, É problemática em termos</p><p>de superfície inadequada em relação ao volume de um “saco” expandido. Um ponto</p><p>final a ser considerado é o tempo de passagem, se ele se relaciona com a qualidade dos</p><p>alimentos ou o tamanho do intestino. Enquanto os fermentadores cecocólicos dependem</p><p>da passagem rápida da digesta, os fermentadores do ante-estômago retêm os alimentos</p><p>de melhor qualidade por muito mais tempo, mas, ao contrário dos fermentadores</p><p>cecocólicos, eles são menos capazes de alterar o tempo de retenção (LANGER, 1987).</p><p>Anatomia gastrointestinal</p><p>Os tratos gastrointestinais de cerca de 200 indivíduos de oitenta espécies de mamíferos</p><p>(quarenta e duas espécies de primatas) foram medidos e analisados quantitativamente</p><p>em relação ao tamanho do corpo. As áreas superficiais do estômago, intestino</p><p>109</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>delgado e ceco e cólon foram medidas, em relação à capacidade de absorção. A partir</p><p>destas medições foram calculados os volumes de cada compartimento intestinal,</p><p>em relação à capacidade fermentativa de ante-estômago ou ceco e cólon, ou ambos.</p><p>Cada compartimento foi pesado, dando uma indicação de diferenças na atividade</p><p>muscular associada à digestão. A área de superfície do intestino delgado foi encontrada</p><p>em escala com o tamanho do corpo metabólico, mas os faunívoros maiores tiveram</p><p>menor área de absorção do que o esperado e os folívoros maiores tiveram mais,</p><p>especialmente os fermentadores do ante-estômago.</p><p>Melhor resolução foi obtida pela adição de metade das áreas do estômago, ceco e cólon</p><p>para a área do intestino delgado como um indicador mais preciso da capacidade de</p><p>absorção. Da mesma forma, os volumes de estômago, ceco e cólon, as câmaras de</p><p>fermentação potencial, foram encontrados em escala com tamanho real do corpo, de</p><p>perto para faunívoros sem fermentação ocorrendo; Os frugívoros maiores tiveram</p><p>câmaras mais volumosas do que o esperado, e os fermentadores cecocólicos maiores</p><p>ainda mais, mas os fermentadores de ante-estômago maiores tiveram câmaras</p><p>menores do que o esperado. O último pode ser explicado pela ineficiência absortiva</p><p>de estômagos maiores, e assim animais maiores têm volumes relativamente reduzidos</p><p>apesar da elaboração de dobras e papilas para aumentar a área de superfície. As análises</p><p>alométricas foram levadas posteriormente, utilizando as áreas de superfície para cada</p><p>compartimento. Tendo-se confirmado que esses achados estavam de acordo com a Lei</p><p>de Kleiber (1961), escalando o tamanho do corpo metabólico (uma inclinação de 0,75),</p><p>os quocientes compartimentos foram calculados de acordo com desvios do esperado.</p><p>Cada espécie e submetidos à análise multivariada.</p><p>Verificou-se que os dendogramas eram demasiado lábeis, com a adição ou subtração de</p><p>valores e, embora os fermentadores cecocólicos e de ante-estômago fossem claramente</p><p>separados, o resto (frugívoros e faunívoros) não. Em contraste, o dimensionamento</p><p>multidimensional foi considerado suficientemente robusto e informativo. As espécies de</p><p>mamíferos se separaram em um aglomerado central de frugívoros, com grupos periféricos</p><p>de fermentadores cecocólicos e de ante-estômago (ambos com alguns compartimentos</p><p>maiores do que o esperado) e de faunívoros (com alguns compartimentos menores do</p><p>que o esperado). Tendo eliminado os efeitos do tamanho corporal, pode-se demonstrar</p><p>que os graus de similaridade entre as espécies refletem a adaptação dietética e não a</p><p>filogenia. Enquanto o cavalo é o fermentador cecocólico mais distinto, e os ruminantes</p><p>mostram a mais extrema elaboração do ante-estômago, os primatas caem em ambos os</p><p>grupos e, através dos seres humanos, macacos esquilos e capuchinhos, também entre os</p><p>faunívoros. Caso contrário, os primatas formam a maior parte do aglomerado frugívoro,</p><p>com posições contrastantes em relação à periferia de acordo com as proporções de</p><p>folhagem ou suplementos de matéria animal na dieta.</p><p>110</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>Herbívoros não ruminantes</p><p>Assim, temos uma base estrutural quantitativa a partir da qual se pode discutir a</p><p>herbivoria em mamíferos. Podem-se fazer distinções (mas nem sempre fáceis) entre</p><p>frugívoros e folívoros e, neste último, entre os fermentadores de ante-estômago</p><p>(principalmente ruminantes) e de cecocólicas ao distinguir entre primatas frugívoros</p><p>e folivorosos e referindo-se à gradação entre eles, compara folívoros anatômicos</p><p>e comportamentais. A relativa falta de especialização intestinal, entre os primatas</p><p>em particular, confere a capacidade de comer frutas, especialmente sementes, com</p><p>um intestino mais elaborado, e comer folhas, principalmente jovens, com um trato</p><p>menos elaborado.</p><p>Assim, esses primatas podem responder de forma muito eficaz às flutuações ambientais,</p><p>especialmente as menos previsíveis. A flexibilidade alimentar de primatas contrasta</p><p>com outros herbívoros, especialmente os folívoros. Além dos ungulados, o estômago</p><p>é elaborado em roedores (por exemplo, cricetids, sciurids e alguns caviomorphs),</p><p>preguiças, lagomorphs, alguns marsupiais, sirenians e proboscids e, na maioria</p><p>dos casos, o ceco e cólon ainda mais; A árvore hyrax (Dendrohyrux), além de ter um</p><p>estômago muito alongado, tem um par de caça extra 200 mm ao longo do cólon a partir</p><p>do principal.</p><p>São os ungulados, no entanto, que mostram as adaptações mais distintivas, juntamente</p><p>com um aumento acentuado no tamanho do corpo. Sua evolução está bem documentada</p><p>em termos de aumento ou diminuição do número de espécies em cada período de</p><p>tempo para cada continente. Isso revela que Perissodactyla (fermentadores cecocólicos)</p><p>atingiu o pico no Eoceno e Oligoceno fora da África, com um grande pico secundário</p><p>no Mioceno na América do Norte e uma aparência tardia e discreta na África. Entre</p><p>os Artiodactyla, os fermentadores cecocólicos floresceram no Eoceno e Oligoceno da</p><p>Europa e da América do Norte, mas depois desapareceram, aumentando um pouco na</p><p>Ásia e na África desde o Mioceno.</p><p>Por outro lado, fermentadores de estômago anterior, floresceram em todos os</p><p>continentes do Mioceno (muito mais tarde na África). Atualmente, os ruminantes estão</p><p>se expandindo em toda parte, exceto na América do Norte, enquanto os artiodáctilos</p><p>de fermentação cecocólica estão se contraindo na Europa, expandindo-se na África</p><p>e se equilibrando na Ásia (possivelmente em expansão) e na América do Norte</p><p>(possivelmente contratando). Os perissodáctilos de fermentação cecocólica estão</p><p>se expandindo em África, em equilíbrio na América do Norte (e na Europa), mas se</p><p>contraem na Ásia. Apesar de suas especializações, existem variações distintas dentro e</p><p>entre as espécies, principalmente no que se refere ao tempo de retenção de alimentos</p><p>111</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>em relação à qualidade dos alimentos e ao tamanho do corpo, bem como na anatomia.</p><p>Os ruminantes, por exemplo, são subdivididos em:</p><p>1. navegadores, necessariamente do seu pequeno tamanho corporal, que</p><p>procuram alimentos de qualidade superior (até frutas, algumas espécies</p><p>exclusivamente assim),</p><p>2. alimentadores intermediários;</p><p>3. folívoros exclusivos de grande porte corporal e alta biomassa, buscando</p><p>quantidade de alimento em vez de qualidade.</p><p>Um fator limitante importante é que a passagem da digesta através do estômago</p><p>dos ruminantes não pode ser regulada da mesma forma que pode ser através do</p><p>intestino grosso de não ruminantes. A fermentação no ceco e no cólon dos ruminantes</p><p>provavelmente será uma adaptação secundária, mas representa até 20% dos ácidos</p><p>graxos voláteis absorvidos em algumas espécies.</p><p>Apesar de serem ecologicamente</p><p>semelhantes (talvez não tão semelhantes quando estudados</p><p>em pormenor), a evolução independente dos artiodáctilos e perissodáctilos baseia-se na</p><p>passagem de alimentos de alta qualidade lentamente, e estes passam rapidamente alimentos</p><p>de baixa qualidade através do trato gastrointestinal. Estudos mostram que, em relação</p><p>ao seu tamanho corporal, enquanto a passagem da digesta é rápida através do intestino</p><p>delgado do porco, diminuindo acentuadamente no ceco e cólon, na passagem do cavalo</p><p>é mais lenta do que o esperado pelo estômago, mas não é particularmente lento no ceco.</p><p>Em contraste, nos ruminantes, depois de uma longa permanência no estômago (não muito</p><p>tempo em ovelhas) e rápido trânsito pelo intestino delgado, a passagem é na taxa esperada</p><p>através do intestino grosso do gado (mais lento em ovelhas).</p><p>Em contraste entre pequenos e grandes ungulados fermentadores cecocólicos com</p><p>pequenas e grandes fermentações de ante-estômago, ainda que (1) o tempo de retenção</p><p>é menor em espécies menores, especialmente em não ruminantes, (2) tempo de retenção</p><p>no intestino inteiro é proporcionalmente mais longo nos ruminantes e (3) o tempo de</p><p>retenção na câmara de fermentação é mais longo nos ruminantes. Além disso, os não</p><p>ruminantes geralmente não conseguem fazer uso digestivo de metabólitos e células</p><p>microbianas, dependendo de sua nutrição na absorção de produtos de fermentação.</p><p>Autores referem-se ao ciclo da ureia em ruminantes, que aumenta, em termos de</p><p>crescimento e reprodução, a população microbiana, em contraste com a menor taxa</p><p>de uso de ureia em não ruminantes, especialmente os maiores que não são coprófagos.</p><p>Em conclusão, os folívoros menores comem uma dieta de maior qualidade porque</p><p>precisam de mais nutrientes de peso corporal por dia; os fermentadores de estômago,</p><p>112</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>especialmente os menores. O volume de fermentação é proporcional ao peso corporal,</p><p>e área de absorção ao tamanho do corpo metabólico, mas o tempo de passagem varia</p><p>de acordo com a estrutura do intestino. Por exemplo, a taenia, a haustra e as dobras do</p><p>intestino grosso de fermentadores cecocólicos mantêm a digesta e variam o equilíbrio</p><p>entre retenção e passagem.</p><p>Antiperístases é comum no intestino grosso, mas raro no intestino delgado, daí a rápida</p><p>passagem através do intestino delgado de todas as espécies. A digestão e a absorção são</p><p>muito mais profundas no estômago anterior do que nos fermentadores cecocólicos. A</p><p>fermentação de cólico-cólicas (ou folívoros não ruminantes) tem sido relacionada aos</p><p>esforços evolutivos anteriores para explorar folhagem de baixa qualidade. É talvez um</p><p>reflexo da versatilidade do sistema, apesar de sua menor eficiência em alguns aspectos,</p><p>que folívoros não ruminantes, com uma base taxonômica muito mais ampla, não foram</p><p>eclipsados pelos ruminantes.</p><p>113</p><p>CAPítulo 3</p><p>Aspectos comparativos na digestão de</p><p>aves e mamíferos</p><p>O intestino dos vertebrados tem múltiplas funções na digestão e osmorregulação.</p><p>Cada uma dessas funções é realmente o resultado de inúmeros processos realizados por</p><p>diferentes tipos de células e tecidos. Mesmo outros organismos podem estar envolvidos:</p><p>a digestão autoenzimática é realizada com enzimas sintetizadas pelo próprio animal,</p><p>mas a digestão aloenzimática (fermentativa) é realizada com a ajuda de micróbios</p><p>simbióticos. Embora grandes avanços tenham sido feitos estudando esses componentes</p><p>isoladamente e até um nível molecular, nosso foco em vertebrados como modelos</p><p>para estudar doenças humanas, ou para uso como alimento, ou para a conservação da</p><p>biodiversidade também é aguçado pelo estudo dos componentes e funções em contextos</p><p>mais amplos e integrativos. Estes contextos incluem a forma como estas diferentes</p><p>funções podem interagir para apoiar ou restringir umas às outras, as formas como</p><p>suportam o funcionamento de todo o animal no seu ambiente natural e as formas que</p><p>as mudanças evolutivas necessárias no apoio de uma função podem ter servido como</p><p>restrições na evolução de outras funções. Por várias razões, as aves fornecem excelentes</p><p>modelos de vertebrados para estudar as características de desempenho e integração</p><p>de muitas funções do trato gastrointestinal (IGI). Esta revisão de quatro grandes</p><p>processos e funções do intestino em aves (colapso químico de alimentos, absorção de</p><p>monômeros, absorção de água, simbioses nutricionais microbiologicamente mediadas)</p><p>está no espírito desta integração em contextos mecanicista, ecológico e evolutivo.</p><p>As aves têm necessidades relativamente</p><p>elevadas de combustível</p><p>A frase “comer como um pássaro” sugere erroneamente que as aves têm apetite</p><p>relativamente pequeno, enquanto que na verdade o pássaro selvagem típico come</p><p>cerca de um terço mais de matéria seca por dia do que o mamífero típico. Na maioria</p><p>dos representantes de ambos a taxa é endotérmica, o que significa que eles têm cinco</p><p>a dez vezes maiores taxas endógenas de produção de calor e, portanto, exigências</p><p>alimentares do que ectotérmicos, como a maioria dos répteis, anfíbios e peixes. Pode-se</p><p>pensar que as despesas de energia extra das aves se relacionam com as exigências de</p><p>energia relativamente alta para o voo, em comparação com corrida ou natação, mas</p><p>mesmo taxa de aves de energia gasto medido enquanto jejum e descansando em</p><p>neutralidade térmica (chamada basal ou padrão Metabólica, BMR ou SMR) tende a ser</p><p>114</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>mais elevada do que nos mamíferos, correlacionada com as suas temperaturas corporais</p><p>mais elevadas.</p><p>Todas essas generalidades referem-se, naturalmente, a comparações em algum tamanho</p><p>corporal especificado, porque a taxa metabólica e as necessidades alimentares geralmente</p><p>variam de acordo com a massa corporal aumentada para aproximadamente 3/4 de</p><p>potência as aves reprodutoras podem ser uma exceção, (FMR) das escamas de aves</p><p>incubadoras com um expoente muito menor de cerca de ½. Modelos matemáticos de</p><p>digestão ótima derivada da teoria do reator químico destacam possíveis consequências</p><p>ou compensações para as taxas de alimentação relativamente altas das aves, em</p><p>comparação com os mamíferos. Por exemplo, um tamanho de intestino maior (isto é,</p><p>maior área de superfície total e, portanto, capacidade de absorção) em aves em relação</p><p>aos mamíferos permitiria manter o tempo de retenção da digesta e a eficiência digestiva</p><p>a níveis comparáveis apesar de taxas de alimentação relativamente mais elevadas.</p><p>Alternativamente, tamanhos iguais de intestinos entre aves e mamíferos levariam a</p><p>tempos de retenção de digesta relativamente menores e menor eficiência digestiva em</p><p>aves devido ao menor tempo de contato entre digesta e enzimas e transportadores.</p><p>Uma terceira alternativa, dada a igualdade do tamanho dos intestinos, é que os níveis</p><p>mais elevados de enzimas digestivas específicas do tecido ou a atividade de transporte</p><p>de nutrientes permitiriam às aves manter uma eficiência digestiva comparável, mesmo</p><p>se o tempo de retenção da digesta fosse menor. Nas seções a seguir, comparamos cada</p><p>uma dessas características em aves e mamíferos – tamanho relativo do intestino, tempo</p><p>de retenção da digesta e eficiência digestiva total.</p><p>As aves podem ter relativamente menos</p><p>máquinas para extrair o combustível</p><p>dos alimentos</p><p>A área superficial do intestino, onde ocorre a decomposição dos substratos e a absorção</p><p>de seus monômeros, é escalonada com massa corporal para aproximadamente 3/4</p><p>de potência. A alometria da área do intestino tem sido investigada intensamente em</p><p>mamíferos e, até certo ponto, em outros vertebrados. Os estudos comparativos mostram</p><p>que a área de superfície intestinal está relacionada com a potência de 0,6 a 0,8 da massa</p><p>corporal e que, em uma dada massa, os mamíferos endotérmicos têm áreas superficiais</p><p>que excedem as de répteis ectérmicos e peixes.</p><p>Estas observações são, naturalmente, o que seria de esperar de um órgão que fornece</p><p>nutrientes para combustível taxa metabólica.</p><p>Todos esses estudos foram baseados no</p><p>que foi chamado de superfície nominal, a área de superfície do intestino como um tubo</p><p>liso. É interessante notar que as áreas de superfície nominal do intestino delgado das</p><p>115</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>aves tendem a ser inferiores às dos mamíferos, assim como o comprimento do intestino</p><p>delgado, o volume do intestino delgado, uma função direta do comprimento e área do</p><p>tubo e, consequentemente, a massa potencial da digesta transportada, é, portanto,</p><p>relativamente menor em aves. Existem diferenças entre os pássaros dependendo</p><p>da dieta (por exemplo, os herbívoros tendem a ter as maiores áreas de superfície do</p><p>intestino delgado e os nectarívoros, os menores), mas as diferenças globais entre aves e</p><p>mamíferos sustentadas numa análise mais ampla de mais de 400 espécies de mamíferos</p><p>e aves que tanto dietas diferentes e filogenia foram levados em conta.</p><p>A descoberta de menor área do intestino delgado em aves pode realmente ser uma</p><p>subestimação da diferença de mamíferos na área de absorção para abastecer demandas</p><p>metabólicas. Comumente em mamíferos, mas raramente em aves pequenas, há área de</p><p>superfície adicional no ceco ou cólon, onde produtos de fermentação microbiana, como</p><p>ácidos graxos de cadeia curta, podem ser absorvidos e representam até um terço da</p><p>demanda energética do hospedeiro. Porém, é bem conhecido que a área de superfície do</p><p>intestino dos vertebrados é grandemente elaborada por extensões semelhantes a folhas</p><p>e dedos, chamadas vilosidades e microvilosidades que aumentam a área de superfície</p><p>da membrana de células intestinais individuais mostraram recentemente que as aves</p><p>têm amplificação significativamente maior das vilosidades da superfície do intestino</p><p>delgado do que os mamíferos, sem efeito do tamanho do corpo ou dieta. Não foi possível</p><p>encontrar medidas publicadas de amplificação de microvilos no intestino delgado de</p><p>aves. Independentemente das diferenças potenciais na amplificação de microvilos, isto</p><p>sugere que as aves podem ter uma área de superfície da mucosa maior por unidade de</p><p>área de superfície nominal do intestino delgado.</p><p>Contudo, as medições da absorção de nutrientes e da atividade enzimática no intestino</p><p>delgado não são significativamente diferentes entre aves e mamíferos quando</p><p>padronizadas por unidade de área ou massa intestinal nominal. Tais padronizações</p><p>levam em consideração, inerentemente, diferenças potenciais na área superficial das</p><p>vilosidades ou dos microvilos; assim, mesmo se as aves tiverem uma área de superfície</p><p>mucosa maior, uma maior capacidade digestiva catalítica não é necessariamente uma</p><p>consequência. Assim, nas aves estudadas até agora, as taxas de reação aumentadas (de</p><p>transporte mediado ou atividade enzimática) não são um mecanismo compensatório</p><p>plausível para aves com intestino delgado reduzido em relação aos mamíferos.</p><p>As diferenças na área superficial da mucosa podem de fato fornecer uma possível</p><p>explicação mecanicista para a maior absorção de nutrientes paracelulares encontrada</p><p>em aves pequenas: maior área de vilosidades por unidade de área superficial nominal</p><p>intestinal pode estar associada a mais junções celulares através das quais ocorre o</p><p>transporte paracelular. Talvez tenha havido seleção natural em aves para intestinos</p><p>relativamente menores para minimizar a massa corporal e assim diminuir os requisitos</p><p>116</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>de potência para o voo, ou talvez para maximizar o espaço volumétrico disponível</p><p>para o sistema extensivo de aves de sacos aéreos e pulmões. Seja qual for o caso,</p><p>as aves parecem estar confrontadas com a necessidade de satisfazer necessidades</p><p>energéticas relativamente elevadas com uma superfície relativamente baixa absorvente.</p><p>Considerando a ingestão relativamente alta de alimentos, mas corpos menores, podemos</p><p>esperar tempos de retenção de digesta relativamente mais curtos em aves.</p><p>As aves podem ter relativamente menos tempo</p><p>para extrair o combustível dos alimentos</p><p>Para a digestão autoenzimática e fermentativa, a quantidade de energia extraída de</p><p>uma refeição é uma função positiva das taxas de degradação e absorção que ocorrem</p><p>nas câmaras de digestão e o tempo de retenção dos alimentos nessas câmaras. As aves</p><p>parecem estar em desvantagem em relação aos mamíferos, porque seus tempos de</p><p>retenção de digesta são relativamente curtos, de acordo com análises recentes. O tempo</p><p>de retenção de digesta no nível de animal inteiro foi medido em muitas espécies</p><p>alimentando animais com marcadores indigestos e medindo a excreção de marcadores</p><p>do trato digestivo em função do tempo desde a alimentação.</p><p>A maioria dos marcadores é solutos pensados para permanecer em solução por todo</p><p>o intestino, marcadores de partículas insolúveis em todo o intestino ou marcadores de</p><p>partículas que se tornam física ou quimicamente associados com partículas de alimentos.</p><p>Entre as 71 medidas de tempo de retenção analisadas (35 em aves, 36 em mamíferos</p><p>excluindo os fermentadores do trato digestivo superior), maioritariamente retiradas de</p><p>duas revisões, não houve diferença significativa no tempo médio de retenção de fluido</p><p>e marcadores de partículas. Entre os pássaros e mamíferos, o tempo médio de retenção</p><p>aumentou com a ¼ de potência esperada da massa corporal.</p><p>Embora o tempo de retenção possa variar de acordo com a dieta, que não foi incluída como</p><p>fator nesta análise, as aves tiveram tempos de retenção significativamente mais curtos</p><p>do que os mamíferos. Descobriu recentemente que as aves tiveram significativamente</p><p>menores tempos de retenção de ambos os fluidos e partículas do que os mamíferos</p><p>(em média cerca de 75% menor), confirmando os nossos achados. A dieta não foi um</p><p>fator significativo nessa análise, e as inclinações para massa corporal versus tempo de</p><p>retenção em aves e mamíferos também não foram estatisticamente diferentes. O fato</p><p>de que muitos mamíferos exibem fermentação do intestino, enquanto os pássaros não</p><p>o fazem, é uma ressalva importante a essas análises. Mas, esta observação sublinha</p><p>que as aves não compensam a sua maior taxa de alimentação com mais intestino</p><p>ou mais tempo de digestão. O menor tempo de contato entre digesta e superfícies</p><p>digestivas/absortivas resulta em eficiência digestiva relativamente baixa?</p><p>117</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>Apesar das suas deficiências digestivas relativas, as</p><p>aves são eficientes na extração de combustível de</p><p>alguns alimentos</p><p>Embora tomem relativamente mais alimento por dia e o processem com relativamente</p><p>menos intestino e em tempo relativamente mais curto, as aves não parecem exibir</p><p>uma eficiência digestiva dramaticamente menor quando comparadas com mamíferos</p><p>e vertebrados ectotérmicos. Não temos conhecimento de comparações sistemáticas da</p><p>eficiência digestiva entre as maiores taxa de vertebrados usando os mesmos alimentos</p><p>e, portanto, como uma primeira passagem em uma análise, comparamos as eficiências</p><p>médias de utilização relatadas em revisões específicas com a eficiência média de</p><p>utilização 95% de confiança em intervalos relatados para aves em uma revisão muito</p><p>grande de centenas de determinações experimentais de alimentação. As eficiências de</p><p>utilização foram calculadas como 1 - [produção de energia urinária fecal]/(ingestão</p><p>de energia alimentar)] para répteis e aves para as quais a urina e os resíduos fecais</p><p>não são separados; para mamíferos foi utilizada uma correção pequena média para a</p><p>perda de urina quando apenas a perda de energia fecal mas a urina não foi relatada.</p><p>As comparações foram feitas por tipo de alimento, pois alimentos com relativamente</p><p>mais material refratário à digestão, como material de parede celular na vegetação, são</p><p>utilizados com menor eficiência do que alimentos com menos material refratário, como</p><p>sementes e invertebrados e presas de vertebrados. As eficiências de utilização de aves que</p><p>consomem invertebrados (insetos)</p><p>e presas de vertebrados, e possivelmente sementes,</p><p>são semelhantes às dos lagartos e mamíferos. Esta descoberta levanta a questão de se</p><p>as aves têm característica (s) de sua digestão autoenzimática que compensar as suas</p><p>entranhas menores e menores tempos de retenção em relação aos mamíferos.</p><p>As aves diferem dos mamíferos no aprovisionamento</p><p>nutricional dos seus simbiontes gastrointestinais</p><p>Nossa comparação das eficiências de utilização em alimentos silvestres sugere que as</p><p>aves podem ser menos eficientes do que os mamíferos nas sementes e na vegetação. Esta</p><p>menor eficiência das aves em matéria vegetal permanece mesmo quando as espécies</p><p>que comem dietas similares à base de alfalfa são comparadas. Cinco espécies aviárias</p><p>de aves aquáticas tinham uma média de S.E.M. A eficiência de utilização de 0,37 ̂ 0,05,</p><p>significativamente menor que a média (0,57 ^ 0,03; P <0,005) para sete espécies de</p><p>roedores e lebreiros Lepus californicus.</p><p>Pesquisadores também apontaram, que um ganso extrai 30% menos energia metabolizável</p><p>de cada grama de alfafa do que um coelho. Além do tempo de retenção da digesta</p><p>relativamente mais curto, que outras diferenças existem entre aves e mamíferos que</p><p>possam influenciar a fermentação mediada microbialmente, o que é tão importante</p><p>118</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>para a digestão eficiente da matéria vegetal? Apenas uma espécie aviária, o hoatzin</p><p>(Opisthocomus hoazin), é conhecida por ter verdadeira fermentação no trato digestivo</p><p>superior semelhante à encontrada em vários grupos de herbívoros de mamíferos.</p><p>Muitos dos menores granívoros aviários, como os passariformes, carecem de um ceco</p><p>expandido que pode atuar como câmara de fermentação, enquanto que a maioria dos</p><p>pequenos granívoros de mamíferos, como roedores e pequenos marsupiais, possui esta</p><p>câmara digestiva que possivelmente pode fermentar resíduo não digerido que escapa</p><p>do intestino delgado. Passerinas do gênero Phytotoma (cortadores de plantas) estão</p><p>entre os menores vertebrados herbívoros terrestres. Eles pesam apenas cerca de 45</p><p>g e alimentam quase exclusivamente em folhas jovens. Cortadores de plantas têm</p><p>uma conta robusta serrilhada que eles usam para “mastigar” folhas que, em seguida,</p><p>processam em um intestino largo curto que é caracterizada por taxas anormalmente</p><p>altas de hidrólise.</p><p>Outros comedores de sementes e plantas avícolas podem ter cárie, mas há algumas</p><p>diferenças estruturais de cárie de mamífero que discutiremos posteriormente.</p><p>Existem outras diferenças notáveis de mamíferos que são relevantes para considerações</p><p>sobre a digestão fermentativa. Em todos os pássaros, os ureteres renais transmitem</p><p>a urina para a cloaca, onde é frequentemente refluxada para o cólon e os côncavos,</p><p>e o produto excretor primário nitrogenado é ácido úrico em vez de ureia, como na</p><p>maioria dos casos, mamíferos. Assim, os micróbios no intestino posterior das aves</p><p>são abastecidos com material completamente diferente daqueles nos traseiros dos</p><p>mamíferos, que recebem principalmente resíduos não digeridos de alimentos e ureia</p><p>que difunde do sangue para o GIT. Essas diferenças levam a questionar se os processos</p><p>no intestino posterior das aves, incluindo os mediados pelos micróbios, são acentuados</p><p>nas aves em relação aos mamíferos.</p><p>os pássaros dispõem dos seus solutos absorvidos,</p><p>mas não catalisados de forma diferente dos</p><p>mamíferos</p><p>No estado estacionário, o consumo de alimentos está associado à absorção de</p><p>numerosos iões que devem ser eliminados. Metabolitos da desaminação de proteínas,</p><p>principalmente ureia em mamíferos e ácido úrico (uratos) em aves, também devem ser</p><p>eliminados, juntamente com compostos orgânicos não nutritivos biotransformados</p><p>ou não transformados, tais como fitoquímicos e toxinas. A grande maioria dos</p><p>resíduos orgânicos entra no GIT aviário através do fígado ou rim que ambos esvaziam</p><p>no GIT, enquanto que nos mamíferos uma grande proporção pode nunca entrar no</p><p>GIT porque a urina é transportada pelos ureteres para a bexiga e daí para o exterior</p><p>pela uretra.</p><p>119</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>Os mamíferos excretam a maioria dos iões dissolvidos em água, possivelmente em</p><p>concentrações mais elevadas do que o plasma, devido a um mecanismo de multiplicação</p><p>de contracorrente nos ciclos de Henl e de nefrons renais. O rim mamífero é o órgão</p><p>osmorregulador primário, embora a permanência da urina na bexiga possa permitir</p><p>alguma modificação pós-renal e o papel do cólon na desidratação de fezes é certamente</p><p>importante. Em contraste, muitas aves carecem de loops de Henl e não podem excretar</p><p>urina hiperosmótica, embora certamente regulam a concentração de urina. As aves</p><p>excretam íons em uma lama com ácido úrico que contém uma alta proporção de soluto</p><p>para água, eles não têm uma bexiga, e os intestinos da maioria das aves desempenham</p><p>potencialmente papéis importantes na osmorregulação, juntamente com as glândulas</p><p>salinas das espécies que as possuem. O papel aparentemente mais proeminente do</p><p>intestino aviário na osmorregulação levanta a questão de se alguns mecanismos</p><p>osmorreguladores GIT são acentuados em aves em relação aos mamíferos e como as</p><p>demandas da função osmorregulatória restringem ou suportam funções digestivas.</p><p>As aves naturalmente desconstroem e reconstroem</p><p>o seu trato gastrointestinal</p><p>Estudos sobre a modulação da estrutura e da função do GIT têm desempenhado um</p><p>grande papel na nossa maior compreensão da flexibilidade fenotípica e da evolução do</p><p>design organizacional, e as aves provaram ser excelentes modelos. Por exemplo, o ajuste</p><p>digestivo primário das aves à taxa de alimentação cronicamente aumentada quando</p><p>aclimatado a temperaturas frias é um intestino aumentado. As aves não são únicas a</p><p>este respeito, pois ocorrem mudanças semelhantes em mamíferos, mas em pássaros</p><p>sabemos agora por captações de campo no verão e no inverno que essas mudanças</p><p>determinadas experimentalmente ocorrem em animais freeliving. Numa descoberta</p><p>um tanto surpreendente, há uma diminuição no tamanho do intestino em muitas aves</p><p>migratórias que talvez ocorra para reduzir o gasto de energia de voo, que depende da</p><p>massa do corpo e do tamanho de tecidos intensivos em energia, como o intestino, mas</p><p>também pode ser o resultado do catabolismo de proteínas musculares para a energia.</p><p>Em ambas estas situações a massa do GIT muda em até 50%. Temos alguma compreensão</p><p>das implicações nutricionais dessas mudanças. Por exemplo, a hipertrofia intestinal</p><p>observada ao aclimatar-se ao frio aumenta efetivamente tanto o volume do intestino</p><p>como a capacidade total de desagregação e absorção de nutrientes, permitindo</p><p>que as aves abasteçam seus custos maiores de termorregulação. Em migrantes, o</p><p>tamanho reduzido do intestino retarda sua capacidade de recuperar rapidamente</p><p>a massa corporal quando param para reabastecer durante a migração. Temos pouca</p><p>compreensão das implicações não nutricionais dessas mudanças. Tendo reconhecido</p><p>o duplo papel do intestino na digestão e osmorregulação em aves, podemos perguntar</p><p>120</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>como essas mudanças no intestino influenciam as capacidades osmorreguladoras.</p><p>Além disso, o tecido linfático associado ao intestino (GALT) constitui uma parte crítica</p><p>do sistema imunológico, mas uma questão raramente explorada é se e como a regulação</p><p>da estrutura e fisiologia do intestino é um compromisso entre a digestão e a proteção.</p><p>As mudanças bem documentadas no GIT resultantes de vários estados nutricionais,</p><p>como hiperfagia ou restrição alimentar, afetam a função imune intestinal?</p><p>Absorção paracelular de compostos solúveis</p><p>de água</p><p>Os produtos da degradação química de alimentos que são absorvidos incluem muitos</p><p>nutrientes solúveis em água, como monossacarídeos, peptídeos e aminoácidos de</p><p>proteínas, ácidos graxos de cadeia curta não protonados (SCFAs) de fermentação</p><p>microbiana, bem como uma variedade de vitaminas (por</p><p>exemplo, vitaminas B solúveis</p><p>em água) e minerais. Como a difusão de moléculas através da membrana de bicamada</p><p>de fosfolipídios dos enterócitos intestinais está correlacionada com seu coeficiente de</p><p>partição lipídico-água, esta membrana é limitante de absorção para essas moléculas</p><p>solúveis em água.</p><p>Sua absorção transcelular é principalmente mediada por proteínas transportadoras</p><p>de membrana que as levam do lúmen intestinal ao enterócito através da membrana</p><p>apical e aceleram a saída do enterócito para o sangue através da membrana basolateral.</p><p>A absorção paracelular envolve o movimento de solutos através das junções apertadas</p><p>adjacentes às células por difusão ou pelo processo de arrastar solvente. A principal</p><p>estrutura física que define as propriedades de permeabilidade da barreira paracelular é a</p><p>junção apertada (ANDERSON, 2001; BALLARD; HUNTER; TAYLOR, 1995). As junções</p><p>apertadas formam contatos intercelulares circunferenciais contínuos entre as células,</p><p>e a barreira é criada onde as partículas de proteína (fibrilas ou “madeixas”) nas</p><p>membranas plasmáticas das células adjacentes se encontram no espaço paracelular.</p><p>Considera-se que os poros aquosos existem nas cordas claudinas emparelhadas, e este</p><p>é o caminho putativo para compostos solúveis em água. Outros processos de absorção</p><p>ocorrem, como a insorção e a persorção, mas provavelmente não são de importância</p><p>nutricional em vertebrados adultos.</p><p>Principais características da absorção</p><p>paracelular</p><p>Vários estudos mediram a absorção aparente através do espaço paracelular intestinal</p><p>usando uma série de sondas hidrossolúveis não eletrolitadas que diferem em dimensões</p><p>moleculares, como carboidratos inertes, dextrans ou polietileno glicol (PEG) de pesos</p><p>121</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>moleculares variáveis. A abordagem organizacional envolve a propagação oral ou a</p><p>alimentação de sondas que não são metabolizáveis e carecem de afinidade para a absorção</p><p>mediada de mecanismos. Em estudos com pardais domésticos (Passer domesticus),</p><p>sondas de carboidratos (L-arabinose, L-ramnose, perseitol, lactulose, massa molecular</p><p>150.1-342.3 Da) foram administradas em aves não saudáveis ou injetadas no peitoral</p><p>e medidas em série no plasma. A absorção fracional foi calculada como f ¼ [AUC by</p><p>gavage)] / [AUC por injeção] onde a AUC é a área sob a curva da concentração da sonda</p><p>plasmática versus tempo. Este método farmacocinético simples não requer suposições</p><p>sobre tamanhos de agrupamento (por exemplo, um ou dois pools) ou cinética (por</p><p>exemplo, primeira ordem). Os pardais são uma boa espécie modelo porque o seu GIT é</p><p>muito simples, composto de estômago, intestino delgado (presumivelmente onde ocorre</p><p>a maior parte da absorção) e um coprodeu curto. Em consonância com as previsões,</p><p>f diminuiu significativamente (P <0,001) com o tamanho da sonda em 75% da mais</p><p>pequena até a maior sonda, e foi significativamente (P <0,001) maior nos pardais do</p><p>que nos ratos laboratoriais.</p><p>A seletividade de carga da via paracelular foi estudada medindo a absorção de compostos</p><p>carregados incluindo peptídeos e fármacos relativamente inertes. Comparamos nos</p><p>pardais domésticos a absorção fraccionada de dois peptídeos relativamente inertes</p><p>compostos de D-aminoácidos e com diferentes cargas, Ser-Lys (233 Da, carga líquida)</p><p>e Ser-Asp (220 Da, carga líquida), usando a mesma metodologia descrita acima.</p><p>A média ^ S.E.M. A absorção fracionada foi significativamente maior (ANOVA de</p><p>medidas repetidas em valores transformados com arcsin, F1,7 ¼ 6.86, P ¼ 0.031) para</p><p>o dispéptico carregado positivamente de carga negativa (f¼0.3 ^ 0.05 versus f¼ 0.17</p><p>^ 0.03). Esses achados são consistentes com a seletividade catiônica da via paracelular</p><p>na absorção de solutos hidrossolúveis no intestino delgado em aves. Pesquisadores</p><p>alegaram que a absorção através da via paracelular poderia ser modulada. Vários estudos</p><p>documentaram mudanças relativamente rápidas na permeabilidade paracelular,</p><p>aparentemente desencadeadas por agentes endógenos como cAMP, citocinas e</p><p>leucócitos e agentes exógenos que incluem constituintes alimentares, como glicose e</p><p>aminoácidos, ácidos gordos de cadeia média e toxinas naturais como toxina de zonula</p><p>occludens de vibrio cholerae, capsianoside, um glucósido de diterpeno de pimenta</p><p>doce e a alcaloide teofilina.</p><p>Em consonância com o efeito de nutrientes, a absorção fracional de sondas de</p><p>carboidratos inertes por pardais de casa e ratos de laboratório aumentou em média 40%</p><p>(ANOVA de medidas repetidas, P ¼ 0,014) e 36% (P <0,001), respectivamente, quando</p><p>as sondas foram administradas na presença de glicose luminal. Na maioria dos casos</p><p>de modulação aparente da absorção paracelular, o(s) mecanismo(s) são desconhecidos,</p><p>mas podem estar relacionados a mudanças no arrasto do solvente devido à pressão</p><p>122</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>osmótica alterada no espaço basolateral e/ou contrações do citoesqueleto ou alterações</p><p>na cadeia proteica que alteram a junção apertada efetiva no tamanho de poro. No jejuno</p><p>humano, a regulação dependente do cotransporte de Na-glucose da permeabilidade</p><p>paracelular está associada à fosforilação da cadeia leve regulatória da Miosina II</p><p>(MLC) dentro do anel de actomiosina perijuncional. Em resumo, uma variedade de</p><p>evidências apoia a noção de uma via paracelular notável para a absorção de compostos</p><p>hidrossolúveis. Compostos pelo menos até 342 Da e 0,45 nm de raio são absorvidos e</p><p>podem ser visualizados no espaço paracelular, e a seletividade de cátions é aparente.</p><p>A absorção diminui com o aumento do tamanho molecular, como previsto para uma</p><p>peneira, e é maior na presença de nutrientes luminal e outros agentes. O conhecimento</p><p>está aumentando rapidamente em relação aos eventos moleculares envolvidos na</p><p>modulação da permeabilidade paracelular. Uma questão contenciosa foi se esta via é</p><p>fisiologicamente ou nutricionalmente significativa.</p><p>regulação do equilíbrio da água do lado da oferta</p><p>em aves alimentadoras de néctar</p><p>Para alimentar suas exigências de energia metabólica excepcionalmente altas em</p><p>massa, as aves alimentadoras de néctares geralmente experimentam fluxos de água</p><p>mais próximos daqueles experimentados por anfíbios e peixe de água doce, de outros</p><p>microvertebrados. Beija-flores e pássaros de sol podem consumir 3 a 6 vezes a massa</p><p>corporal no néctar por dia sob condições energéticas. Pesquisadores levantaram a</p><p>hipótese de que, quando os beija-flores estão ingerindo grandes volumes de néctar</p><p>diluído, talvez apenas uma pequena fração da água seja absorvida na maior parte do</p><p>tempo, deixando o resto passar rapidamente pelo trato intestinal.</p><p>Esta hipótese foi uma explicação atraente para a capacidade dessas aves para processar</p><p>tão grandes volumes de água rapidamente, mas apresentou certos desafios digestivos:</p><p>requer a rápida absorção de açúcares e eletrólitos e regulação rigorosa do fluxo de água</p><p>transepitelial. Se a água ingerida for amplamente absorvida pelo intestino, como parece</p><p>ser o caso na maioria dos vertebrados, as aves alimentadoras de néctar enfrentarão</p><p>desafios renais significativos para a eliminação de água e a recuperação de glicose e</p><p>eletrólitos quando se alimentarem de néctares diluídos (embora, como discutido abaixo,</p><p>o GIT distal também desempenha um papel importante).</p><p>Pesquisadores utilizaram técnicas de farmacocinética para estimar a absorção fracionada</p><p>de água ingerida através do GIT de aves (isto é, a proporção que contribui para o volume</p><p>de negócios da água corporal). Eles testaram e rejeitaram a hipótese de Beuchat et</p><p>al. (1990) em colibris alargados (Selasphorus platycercus): aproximadamente 80% da</p><p>água ingerida contribuiu para o volume de negócios da reserva de água do corpo e a</p><p>123</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>absorção fracionada não foi correlacionada com a ingestão de alimentos ou água ou</p><p>com a densidade de energia da dieta. Hartman Bakken e</p><p>Sabat (2006) confirmaram</p><p>que os beija-flores absorvem a maioria das águas dietéticas (90% para esta espécie).</p><p>Pesquisadores examinaram as relações entre a ingestão de néctar, a absorção de água</p><p>e o volume de negócios de água no pássaro de sol da Palestina (Nectarinia osea),</p><p>um membro de um taxon considerado como uma das outras grandes radiações de</p><p>alimentação de néctar em aves (Nectariniidae). Eles descobriram que esses pássaros</p><p>de sol fazem algo muito diferente dos beija-flores: eles modulam a absorção de água</p><p>em seu intestino. A absorção de água fracionada diminuiu assintomaticamente de 1 (ou</p><p>100%) quando as aves estavam alimentando soluções concentradas de sacarose (baixa</p><p>ingestão de água) a cerca de 0,36 quando alimentavam soluções diluídas (alta ingestão</p><p>de água). Esses resultados sugerem que os pássaros de sol da Palestina evitam absorver,</p><p>e assim ter que eliminar, até 64% da água ingerida quando as taxas de ingestão são altas.</p><p>O volume de água absorvida por massa de sacarose assimilada diminuiu com o aumento</p><p>da concentração de sacarose no néctar, sugerindo que os pássaros de sol podem regular</p><p>o fluxo de água transepitelial independentemente da absorção de açúcar. Para o nosso</p><p>conhecimento, esta é a primeira documentação da aparente regulação adaptativa da</p><p>absorção de água ingerida através do GIT para o corpo em um vertebrado.</p><p>A modulação da absorção de água intestinal requer a rápida absorção de açúcares</p><p>dissolvidos e extração eficiente de eletrólitos e aminoácidos presentes a baixos níveis no</p><p>néctar ingerido. Também requer que a permeabilidade do intestino ao fluxo transepitelial</p><p>de água seja regulada. Como os pássaros de sol regulam o fluxo de água, enquanto</p><p>absorvem rapidamente açúcares e eletrólitos osmoticamente ativos, enquanto os</p><p>beija-flores não? As diferenças nos mecanismos de absorção de açúcar e as taxas</p><p>metabólicas específicas de massa entre beija-flores e pássaros de sol podem explicar a</p><p>capacidade aparente de pássaros de sol para modular a absorção de água. Os mecanismos</p><p>de absorção de água intestinal em aves alimentadoras de néctar são desconhecidos,</p><p>mas provavelmente são facilitados pela absorção de açúcar. Os colibris exibem a</p><p>maior taxa de absorção de glicose mediada por veículo medido em um vertebrado e o</p><p>cotransportador de Na+/glicose (SGLT1) podem mover volumes significativos de água</p><p>(até 4,8 l de água por mole de glicose: LOO et al., 1996). Pesquisadores estimaram que</p><p>a quantidade de água que potencialmente acompanha a absorção de glicose mediada</p><p>em colibris de cola larga excedeu o teor de água do néctar consumido em 1,7 a 5,5 vezes,</p><p>dependendo da concentração de sacarose.</p><p>Pesquisadores estimaram de forma semelhante que o volume de água que potencialmente</p><p>acompanha a absorção de glicose mediada em aves de sol da Palestina excedeu a</p><p>ingestão de água (com base apenas na eficiência conhecida de assimilação de glicose</p><p>e assumindo que toda a absorção de glicose é mediada). Esta comparação é perplexa</p><p>124</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>porque os pássaros de sol parecem ser capazes de regular a absorção de água, enquanto</p><p>os beija-flores não. Talvez a permeabilidade dos intestinos dos pássaros de sol ao fluxo</p><p>de água transepitelial aumenta com a concentração de açúcar.</p><p>Por exemplo, os pássaros de sol podem ter uma baixa capacidade de captação de glicose</p><p>mediada em relação aos beija-flores e, portanto, podem confiar mais na absorção</p><p>paracelular passiva de nutrientes em altas concentrações de açúcar. A absorção passiva é</p><p>uma via importante para a absorção de nutrientes em algumas aves passereis e psittacinas,</p><p>bem como em beija-flores e pássaros de sol, mas os mecanismos pelos quais ele está</p><p>regulamentado são mal compreendidos. Seria instrutivo medir a capacidade de absorção</p><p>de glicose mediada em aves solares e determinar se as contribuições relativas da absorção</p><p>passiva de glicose e permeabilidade epitelial variam com a ingestão de água, com a</p><p>ingestão constante de energia, de forma diferente dos beija-flores. Também é importante</p><p>notar que as estimativas da capacidade de absorção de água através de cotransport de</p><p>Na+-glucose mediada em aves alimentadoras de néctar descritas acima foram baseadas</p><p>em medidas na SGLT1 de mamífero expressas no oócito de Xenopus laevis. Suas medidas</p><p>procuraram isolar o transporte de água por esse cotransportador e representam apenas</p><p>um elemento em um sistema de membrana complexo. Os estudos descritos acima foram</p><p>feitos em duas espécies de beija-flores e uma espécie de aves de sol. Resta saber se a</p><p>regulação adaptativa da absorção de água na dieta é um padrão geral em pássaros de</p><p>sol ou mesmo todos os nectarívoros de passerine especializados e se a falta dela é um</p><p>padrão geral em beija-flores. Atualmente, os vínculos entre a absorção de nutrientes e a</p><p>regulação do fluxo de água transepitelial continuam sendo um mistério.</p><p>o hindgut aviário está envolvido na regulação</p><p>de água e sal</p><p>Apesar de uma capacidade de concentração de urina renal relativamente menor do que</p><p>nos mamíferos, as aves são tão eficazes na conservação de água e sal. A osmorregulação</p><p>nas aves é realizada em parte por mecanismos renais, incluindo sua capacidade de</p><p>modular a filtração renal (taxa de filtração glomerular, GFR) e reabsorção de água</p><p>tubular. A excreção de resíduos azotados principalmente como ácido úrico (ou sais de</p><p>urato) também fornece um meio de conservação de água (BRAUN, 2003). Além disso, a</p><p>osmorregulação em aves depende de outros órgãos que regulam as perdas de sal e água.</p><p>Quando os sistemas urinário e digestivo compartilham uma abertura comum, a cloaca</p><p>(encontrada em aves e alguns anfíbios e répteis), a conservação de água e íons pode</p><p>ser conseguida através do refluxo de urina da cloaca ao longo do intestino posterior.</p><p>Conforme discutido acima, esse movimento retrógrado de urina no cólon (reto) e</p><p>caecae digestivo (quando presente) também pode ser importante para o equilíbrio</p><p>125</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>de nitrogênio e energia, o primeiro especialmente em aves com dietas de baixo teor</p><p>de N, como beija-flores, lagartas rochosas, lagópode-branco e tetraz-grande de regiões</p><p>árticas. Nesta seção, focamos o papel do intestino inferior na regulação de água e sal.</p><p>O intestino posterior (coprodeu, cólon, ceco) de aves é capaz de reabsorção de sódio ativo</p><p>e absorção de água ligada a soluto e, portanto, pode modificar a composição e volume de</p><p>urina a refluxo. Pelo menos algumas águas podem ser removidas da urina hiperosmótica</p><p>em aves. Os detalhes desta absorção foram estudados principalmente no coprodeu, reto</p><p>e ceco de aves (principalmente aves domésticas, presumivelmente os mecanismos são</p><p>semelhantes em espécies selvagens). Em todas as espécies aviárias examinadas até à</p><p>data, o epitélio do intestino inferior reabsorva NaCl e água de soluções de perfusão salina</p><p>isotônica por mecanismos semelhantes aos identificados em mamíferos.</p><p>Note-se que o controle rigoroso do sal e do equilíbrio hídrico no intestino inferior</p><p>aviário não entra em conflito com a descoberta de absorção de nutrientes paracelulares</p><p>significativa (que implica uma permeabilidade epitelial relativamente maior) no</p><p>pequeno intestino. A permeabilidade epitelial diminui ao longo do intestino, o cólon</p><p>distal dos mamíferos e o coprodeu de aves sendo as regiões menos permeáveis. Nas</p><p>aves domésticas, a área de superfície nominal (serosal) do ceco é de igual magnitude</p><p>que a do coprodeu e do cólon, mas Na] e as taxas de transporte de água por unidade de</p><p>massa corporal são aproximadamente três vezes maiores. A capacidade de transporte</p><p>cecal para NaCl e água do quimio e urina a refluxo é, portanto, provavelmente grande,</p><p>talvez maior que a do cólon mais coprodeu. Mas a importância relativa do ceco não é</p><p>sempre aparente, porque a ligação do ceco em aves hidratadas parece ter um pequeno</p><p>efeito geral na osmorregulação. Possivelmente, isto é devido à compensação</p><p>por outros</p><p>órgãos, e a contribuição osmorregulatória do ceco pode, portanto, tornar-se essencial</p><p>apenas durante os estresses combinados de alimentos, água e sal. O transporte de</p><p>sal e água através do hindgut aviário parece ser regulado hormonalmente; Tanto os</p><p>mineralocorticoides quanto os glucocorticoides foram implicados. Em particular, a</p><p>atividade do canal Na eletrogênico parece ser modulada pelos níveis plasmáticos de</p><p>aldosterona. As experiências em que as soluções salinas foram infundidas na cloaca</p><p>ou na artéria carótida das aves domésticas sugeriram que a composição da urina é</p><p>detectada dentro da cloaca, o que implica controle local da ação de refluxo. Este sistema</p><p>evitaria a perda de fluido extracelular para o cólon se o conteúdo se concentrar demais.</p><p>Variação no funcionamento integrado do rim</p><p>e do intestino de aves</p><p>As regiões do trato digestivo inferior das aves desempenham papéis variados na água</p><p>e no equilíbrio salino dependendo de fatores ecológicos (ambiente, dieta) e fatores</p><p>126</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>fisiológicos (Na) e equilíbrio hídrico. Embora os mecanismos para o transporte de água</p><p>e sal possam ser amplamente semelhantes dentro do GIT e entre as espécies, o que</p><p>difere dramaticamente entre as espécies é o grau em que essas regiões são importantes</p><p>no nível de todo o animal. Este último é uma função de suas áreas de superfície e as taxas</p><p>de fluxo e composição do fluido através deles. Isto é ilustrado em várias comparações de</p><p>como espécies aviárias relativamente próximas podem lidar com os desafios da água e</p><p>do sódio sob e sobre abundância de forma muito diferente.</p><p>resposta à desidratação</p><p>Considere, por exemplo, quatro espécies que habitam ambientes áridos ou semiáridos:</p><p>avestruz, perdizes de areia, codorna de Gambel e emu. As duas primeiras espécies</p><p>produzem urina hiperosmótica e exibem pouco movimento retrógrado de urina quando</p><p>desidratadas. Em contraste, o emu (ratite, como o avestruz) produz urina fracamente</p><p>concentrada, mas compensa com uma capacidade muito maior de reabsorção pós-renal</p><p>no intestino inferior; A área superficial do seu reto é grande e o tecido apresenta uma</p><p>elevada taxa de absorção de íon Na+. As codornas de Gambel diferem da perdiz de</p><p>areia (ambas são fasianidas) ao exibirem modificação pós-renal considerável da urina</p><p>ureteral no coprodeu, reto e, possivelmente, ceco. Nestes exemplos, o papel do trato</p><p>digestivo inferior na osmorregulação não é de acordo com a afiliação taxonômica, mas</p><p>de acordo com os papéis de outros componentes do sistema renal-GI integrado.</p><p>resposta a cargas elevadas de sal</p><p>Outro exemplo refere-se à resposta de espécies de patos a níveis de Na em excesso,</p><p>que podem ser ingeridos quando se alimenta e bebe em ambientes marinhos.</p><p>Pesquisadores postularam que o intestino posterior seria particularmente importante</p><p>para a osmorregulação em aves com glândulas salinas expostas a cargas elevadas de sal:</p><p>a urina ureteral pode ser refluxada, o NaCl reabsorvido e reciclado para as glândulas</p><p>salinas e a água conservada. Na gaivota de asa glaucosa, uma verdadeira ave marinha,</p><p>o refluxo e a modificação da urina ureteral já hiperosmótica parecem relativamente</p><p>insignificantes na osmorregulação geral em patos carregados de NaCl, que também</p><p>possuem glândulas salinas e excretam urina ureteral hiperosmótica, também não é clara</p><p>a extensão da reciclagem de ureia ureteral. A importância do intestino posterior para a</p><p>regulação de Na entre espécies de patos provavelmente depende de associações de dieta</p><p>e habitat. Descobriram recentemente que a função renal (GFR e recuperação de água</p><p>fraccional e Na+ em três espécies de patos foi pouco afetada pela aclimatação salina</p><p>ou por carga salina aguda. Eles descobriram que o Bucephala islandica de Barrow,</p><p>uma espécie marinha adaptada, era capaz de excretar completamente uma carga de</p><p>127</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>Na infundido via glândulas salinas, enquanto o pato selvagem (Anas platyrhynchos),</p><p>usualmente usou uma combinação de glândulas salinas e diminuiu renal (ou pós-renal),</p><p>associada à perda adicional de água urinária para eliminar a carga de Na infundido.</p><p>Em contrapartida, Aythya valisineria era incapaz de eliminar completamente uma</p><p>carga de Na infundida, contudo tolerava maiores salinidades de água potável do</p><p>que o pato-real. Isto sugere que, nas costas, a regulação da água e da Na é realizada</p><p>por outros órgãos que não os rins e as glândulas salinas e, portanto, que o intestino</p><p>posterior desempenha um papel osmorregulatório relativamente mais importante.</p><p>Para os pássaros sem glândulas salinas, mas ainda expostos a altas cargas salinas, foi</p><p>argumentado que o intestino inferior não seria muito útil para a conservação da água</p><p>porque a água não pode ser recuperada sem absorver NaCl. De fato, pesquisadores</p><p>descobriram recentemente que os colibris rufosos nectarívoros (Selasphorus rufus) são</p><p>capazes de tolerar apenas concentrações de eletrólitos dietéticos muito baixas. Usando</p><p>a terminologia médica, esses beija-flores parecem ser sensíveis ao sal. Eles mantiveram</p><p>quantidades crescentes de Na+ e Cl- à medida que sua concentração de NaCl na dieta</p><p>aumentou acima de 35 mmol l [1. Lotz e Martínez del Rio (2004) concluíram que esta</p><p>sensibilidade ao sal deve ser causada pela fraca capacidade de seus rins e menor (distal)</p><p>GIT para concentrar a urina, provavelmente um resultado da adaptação evolutiva (final)</p><p>a um aquoso e eletrólito-dieta pobre.</p><p>resposta à baixa carga de sal</p><p>Em uma dieta com baixo teor de NaCl, a região mais interna da cloaca de aves domésticas</p><p>é capaz de absorver Na+ a uma taxa muito elevada, cerca de 100 meq (kg de massa</p><p>corporal) a cada hora. O transporte por essa porção mais interna da cloaca pode ser</p><p>completamente suprimido pela carga de NaCl, uma vez que não foi observado qualquer</p><p>transporte de nutrientes (glicose, aminoácidos) além de não ter sido detectado um</p><p>fluxo de água ligado a soluto in vivo ou in vitro. O cólon de aves (galinha doméstica</p><p>e galá Cacatua roseicapilla) mantido em uma dieta de baixo teor de NaCl tem uma</p><p>capacidade de absorção de Na semelhante à da cloaca, particularmente uma ausência</p><p>de estimulação do transporte de Na induzida por hexoses ou aminoácidos.</p><p>Em vez de ser suprimida, a absorção de Na+ continua a cerca de metade da taxa observada</p><p>no cloaca durante a limitação do NaCl, mas somente quando a glicose e os aminoácidos</p><p>estão presentes no lúmen). Este transporte não é afetado pelo bloqueador dos canais</p><p>apicais de Na+ amilorida, o que suprime totalmente a absorção de Na+ tanto na cloaca</p><p>quanto no cólon de aves. A carga de sal parece induzir uma transição no cólon aviário de</p><p>um canal Na+ para Na+ / cotransporte de nutrientes. Embora haja menos estudos sobre</p><p>o caça aviário, as evidências disponíveis sugerem semelhanças qualitativas amplas entre</p><p>as espécies examinadas. Na galinha doméstica, existem muitas semelhanças qualitativas</p><p>128</p><p>UNIDADE IV │ FIsIologIA E BIoqUímIcA compArADA DA DIgEstão II</p><p>entre a função retocrodeal e a função cecal: (1) importância primária da absorção de Na+</p><p>ativa, (2) ocorrência de componentes ligados a Na+ de água e secreção de Cl [absorção</p><p>e K] e (3) respostas semelhantes aos níveis de Na+ alimentar, glicose e aldosterona</p><p>exógena. Os efeitos da privação de NaCl sobre o sal do intestino grosso e os fluxos de</p><p>água foram estudados de forma mais intensiva na galinha doméstica. A depleção de NaCl</p><p>provoca aumentos no transporte de Na+ sensível a amilorida na porção mais interna</p><p>da cloaca, com um intervalo de aclimatação de 2-4 dias. No pato doméstico, a depleção</p><p>de NaCl também provoca aumentos no transporte de Na+ sensível a amilorida, embora</p><p>em relação às taxas de frango sejam menores. As mudanças climáticas na capacidade de</p><p>transporte podem estar associadas ao movimento e à ativação dos canais no citoplasma</p><p>e na membrana apical. Assim, a privação de Na+ resulta em aumentos potencialmente</p><p>homeostáticos na capacidade de transporte de Na de todo o intestino posterior. Embora</p><p>a privação esteja associada a níveis elevados de aldosterona endógena, a aldosterona</p><p>exógena reproduz apenas alguns dos efeitos das dietas de baixo teor de Na+ na função</p><p>retocrodeal ou cecal.</p><p>um exemplo de respostas integradas</p><p>Começamos esta seção sobre o papel do trato digestivo inferior na osmorregulação</p><p>com um discurso sobre os nectarívoros, e também vamos fechar com eles porque eles</p><p>exemplificam as respostas integradas tão bem. A dieta única destes animais requer uma</p><p>resposta integrada aos desafios simultâneos tanto nos orçamentos de água como de</p><p>Na, e as respostas são uma integração de processos no intestino e no rim. As aves de</p><p>alimentação de néctar são incomuns entre os animais terrestres, na medida em que muitas</p><p>vezes ingerem e excretam volumes de água prodigiosos para obter energia adequada.</p><p>Suas dietas de néctar também são pobres em eletrólitos assim eles enfrentam o desafio</p><p>incomum de ter que conservar eletrólitos. Pesquisadores estudaram a capacidade de</p><p>colibris rufous para conservar eletrólitos quando alimentados com dietas pobres em</p><p>eletrólitos. Eles descobriram que os rins desses beija-flores tinham uma capacidade</p><p>notável de produzir urina diluída, mas que eles eram capazes de excretar fluido ainda</p><p>mais Na-diluído do que a urina ureteral. Quando alimentados com dietas isentas de</p><p>eletrólitos, os beija-flores rufos poderiam produzir excrementos contendo apenas</p><p>0,4 e 0,2 mmol l [1 respectivamente de Na+ e K+. Isto foi presumivelmente devido à</p><p>reabsorção de Na+ no intestino posterior. Comparando as saídas de Na+ urinária e</p><p>excretada, esses autores estimaram que uma fração significativa da perda renal diária</p><p>de Na (38%) foi aparentemente recuperada pelo intestino posterior. Apesar de excretar</p><p>grandes volumes de fluidos (o dobro de sua massa corporal diariamente), os beija-flores</p><p>alimentados com dietas isentas de eletrólitos perderam eletrólitos a taxas muito baixas.</p><p>Da mesma forma, descobriram taxas de excreção de Na+ na urina superiores às taxas</p><p>129</p><p>Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV</p><p>de ingestão de aves vermelhas nectarívoras (Anthochaera carunculata), sugerindo</p><p>reabsorção substancial de Na+ pós-renal no intestino inferior. Os pássaros de sol da</p><p>Palestina parecem depender do funcionamento integrado de dois sistemas de órgãos</p><p>para manter o equilíbrio hídrico, apesar das taxas de ingestão de água altamente</p><p>variáveis e muitas vezes extremamente elevadas:</p><p>1. a absorção fracionada de água na dieta é modulada no GIT;</p><p>2. a taxa de filtração renal (GFR) é baixa e relativamente insensível à carga</p><p>de água, mas a recuperação da água é modulada pelo rim.</p><p>Pesquisadores descobriram que os pássaros de sol da Palestina excretaram fluido</p><p>que apresentava menores concentrações osmóticas e de glicose total do que a urina</p><p>ureteral. Embora esses autores concluam que este foi provavelmente o resultado da</p><p>diluição de urina com água dietética não absorvida que é desviada através do intestino</p><p>nesta espécie, é também provável que alguma recuperação de eletrólitos e glicose</p><p>ocorreu na parte inferior GIT. As notáveis capacidades combinadas de conservação</p><p>eletrolítica renal e gastrointestinal de aves que alimentam o néctar desempenham um</p><p>papel importante ao permitir que elas lidem com dietas aquosas e pobres em eletrólitos</p><p>e são provavelmente o resultado da adaptação evolutiva a essas dietas.</p><p>130</p><p>referências</p><p>AIRES, M. M. Fisiologia. São Paulo: Guanabara Koogan, 2012.</p><p>BORON, W. F.; BOULPAEP, E. L. Medical physiology. Amsterdam, 2012.</p><p>DENG, P.; SWANSON, K. S. Gut microbiota of humans, dogs and cats: current</p><p>knowledge and future opportunities and challenges. British Journal of Nutrition,</p><p>v. 113, pp. S6-S17, 2014.</p><p>HALL, J. E.; GUYTON, A. C. Textbook of medical physiology. Philadelphia:</p><p>Saunders, 2010.</p><p>HANSEN, J. T.; KOEPEN, B.M. Netter’s atlas of physiology. Philadelphia:</p><p>Saunders, 2002.</p><p>HONNEFFER, J. B. et al. Variation of the microbiota and metabolome along the canine</p><p>gastrointestinal tract. Metabolomics, v.13, i. 26, 2017.</p><p>HORST, E. K.; HANS. G. L. Anatomia dos animais domésticos. Porto Alegre:</p><p>Artmed, 2016.</p><p>KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Fisiologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.</p><p>NELSON, D. L.; COX, M. Princípios de bioquímica de Lehninger. Porto Alegre:</p><p>Artmed, 2014.</p><p>REECE, W. O. Dukes: fisiologia dos animais domésticos. São Paulo: Guanabara</p><p>Koogan, 2007.</p><p>SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. Porto Alegre:</p><p>Artmed, 2010.</p><p>SWANSON, K. S. et al. Phylogenetic and gene-centric metagenomics of the canine</p><p>intestinal microbiome reveals similarities with humans and mice. The ISME Journal,</p><p>v. 5, pp. 639-649, 2011.</p><p>VANDER, A. J.; SHERMAN, J. H.; LUCIANO, D. S. Human physiology: the</p><p>mechanism of body. Nova Iorque: McGraw Hill, 2010.</p><p>131</p><p>RefeRências</p><p>Sites</p><p><https://sites.google.com/site/paulatfarol/osistemadigestivoeoregimealimentar</p><p>dosanimais></p><p><http://explorarasciencias.yolasite.com/sistemadigestivo.php> <http://brasilescola.</p><p>uol.com.br/biologia/digestao-dos-ruminantes.htm></p><p><http://slideplayer.com.br/slide/1470443/></p><p><http://atlasvirtualuneb.blogspot.com.br/2017/05/cc10-doenca-celiaca.html></p><p><http://alunosonline.uol.com.br/biologia/sistema-digestorio-das-aves.html></p><p>As aves</p><p>têm paladar e sua localização e densidade varia entre as espécies.</p><p>19</p><p>PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL │ UNIDADE I</p><p>figura 5. Representação esquemática do trato gastrointestinal de aves.</p><p>fonte: <http://alunosonline.uol.com.br/biologia/sistema-digestorio-das-aves.html> (acessado em 09/10/2017).</p><p>Esôfago e estômago das aves</p><p>As aves têm pescoços relativamente longos tendo em vista que o bico deve ter a função</p><p>de mãos ou patas na coleta de alimentos, e outras ações. Como consequência, o esôfago</p><p>das aves também é relativamente longo, possuindo inúmeras glândulas mucosas para</p><p>ajudar a lubrificar a passagem de alimentos.</p><p>O papo é uma dilatação do esôfago e serve para armazenar alimentos para a sua</p><p>subsequente passagem para o estômago (tendo uma função semelhante à região da</p><p>cárdia no estômago de mamífero). O tamanho e a forma do papo variam entre as</p><p>espécies: os pombos têm duas grandes bolsas laterais, os pássaros galináceos têm uma</p><p>única bolsa, os falcões têm um aumento do esôfago em forma de fuso e as corujas não</p><p>têm papo.</p><p>O estômago glandular (proventrículo) também varia em tamanho entre as espécies,</p><p>sendo relativamente pequeno em granívoros, mas geralmente bastante grande e</p><p>distensível em carnívoros que ingerem grandes alimentos e em avestruzes, que o</p><p>20</p><p>UNIDADE I │ PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL</p><p>utilizam para armazenamento de água. Na maioria das espécies, no entanto, o alimento</p><p>passa rapidamente através do estômago glandular e é mantido no estômago muscular</p><p>(moela), onde ocorrem as ações das secreções gástricas (pepsina, HCl e muco).</p><p>O estômago muscular (moela) é complexo na maioria das espécies e consiste em dois pares</p><p>de músculos opostos (fino: 1- 3 mm e espesso: 6-9 mm de espessura, respectivamente)</p><p>que consistem inteiramente em musculatura lisa. Um estômago muscular mais simples</p><p>é encontrado em aves de rapina e espécies semelhantes a garças. Existem variações</p><p>neste esquema anatômico geral para o estômago, sendo mais notável uma terceira</p><p>câmara abaixo do estômago muscular chamado estômago pilórico encontrado em</p><p>muitas espécies aquáticas.</p><p>intestino das aves</p><p>O intestino delgado é o principal local de digestão química, utilizando enzimas de</p><p>origem intestinal e pancreática. É também o principal site de absorção de nutrientes.</p><p>Histologicamente, o intestino delgado aviário é dividido apenas em duodeno e íleo.</p><p>O intestino delgado tende a ser mais longo em herbívoros e granívoros do que nos</p><p>carnívoros, provavelmente porque os vegetais são mais difíceis de digerir do que os</p><p>tecidos animais.</p><p>Em relação ao intestino grosso, cerca de metade de todas as espécies aviárias têm ceco,</p><p>estando ausentes em falcões e papagaios, por exemplo. O ceco nada mais é do que uma</p><p>bolsa de fundo cego, originado na junção do intestino grosso e delgado. Várias funções</p><p>são atribuídas ao ceco, mas o mais importante parece ser a sua participação no balanço</p><p>hídrico, na reciclagem de resíduos azotados (ureia e ácido úrico) para síntese de</p><p>aminoácidos, bem como a fermentação de fibras. O reto, por sua vez, é relativamente curto</p><p>na maioria das espécies e está principalmente envolvido na absorção de água do material</p><p>não digerido bem como da urina, que passa oralmente pelos ureteres (terminando na</p><p>cloaca) e na eliminação do material não digerido.</p><p>21</p><p>CAPítulo 2</p><p>Variação na composição da dieta</p><p>impulsiona a diversificação dos</p><p>sistemas digestivos</p><p>As características químicas dos alimentos conduzem, em última instância, a diversificação</p><p>da morfologia, fisiologia e bioquímica do sistema digestivo, e explicam grande parte</p><p>da variação entre os animais na eficiência da digestão (proporção retida/consumida).</p><p>Embora dentro de qualquer categoria de um mesmo tipo de alimento único possa haver</p><p>uma tremenda variação, algumas generalidades surgem. Os alimentos para animais</p><p>tendem a ter baixas quantidades de materiais refratários (por exemplo, pelos, penas,</p><p>osso e cutícula), níveis intermediários de sementes e frutos, e elevados níveis de forragem</p><p>(folhas maduras e partes estruturais). Como se observa em todos os táxons animais,</p><p>verifica-se que, embora não existam dados para cada tipo de alimento em cada táxon, a</p><p>eficiência digestiva média para cada tipo de alimento é inversamente proporcional com</p><p>a quantidade relativa de material refratário nos alimentos.</p><p>Entre os animais que consomem alimentos com baixa quantidade de material refratário</p><p>(e, consequentemente, com maior eficiência digestiva), uma característica chave do trato</p><p>digestório para a sua eficiência é a sua capacidade hidrolítica e absortiva combinada com</p><p>as quantidades relativas de carboidratos, proteínas e gorduras em suas dietas. Entre os</p><p>animais que consomem alimentos refratários existem várias estratégias: dentro de</p><p>muitos grupos taxonômicos pode-se identificar espécies que assimilam o conteúdo</p><p>celular ou outros materiais não refratários enquanto que o material refratário passa ao</p><p>longo do trato digestório sem ser digerido, enquanto que há animais que conseguem</p><p>extrair o máximo de energia dos alimentos refratários. Entre os mamíferos herbívoros,</p><p>estes dois extremos são bem exemplificados pelas pandas gigantes, que digerem</p><p>menos de 10% de celulose e hemicelulose do bambu ingerido, enquanto que os gorilas</p><p>conseguem digerir 45% a 70% de material vegetal de sua dieta herbívora.</p><p>A celulose, um polímero de glicose ligado por ligações beta 1-4, é o hidrato de carbono mais</p><p>abundante em ecossistemas terrestres, porém de difícil utilização como fonte energética</p><p>já que é degradado muito lentamente por hidrólise enzimática, muitas vezes levando</p><p>muitas horas. A produção de celulases intrínsecas é vastamente conhecida em artrópodes,</p><p>crustáceos e nematoides, mas aparentemente ausente em todos os vertebrados. Assim,</p><p>as simbioses fermentativas com bactérias e fungos são de grande importância para a</p><p>degradação da celulose em animais. A microbiota decompõe a celulose e outros materiais</p><p>da parede celular de maneira relativamente lenta, de forma que se os herbívoros retêm</p><p>22</p><p>UNIDADE I │ PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL</p><p>o material em seu intestino por menos de 4 a 8 horas, a extensão da digestão da parede</p><p>celular dos alimentos é relativamente baixa. Assim, as principais adaptações digestivas</p><p>da maioria dos herbívoros [além do(s) compartimento(s) especial(is) para manter uma</p><p>microbiota] são ajustes no tamanho do compartimento digestivo e posse de outras</p><p>estruturas gastrointestinais que retardam o fluxo da digesta através do trato, como por</p><p>exemplo as válvulas cecais, que retardam a passagem de alimentos e garantem uma</p><p>câmara de fermentação.</p><p>desenhos básicos de tratos digestivos</p><p>Uma característica da concepção global do trato gastrointestinal refere-se aos processos</p><p>de recuperação de materiais a partir da microbiota intestinal. Os ácidos graxos de cadeia</p><p>curta (ácidos graxos voláteis), como o ácido acético, ácido propiônico e ácido butírico,</p><p>que são gerados durante a fermentação, podem ser absorvidos em muitas regiões</p><p>do intestino por difusão transcelular. No entanto, microrganismos potencialmente</p><p>fornecem a seus anfitriões mais do que os próprios produtos de fermentação ricos</p><p>em energia, sintetizando também nutrientes, incluindo aminoácidos essenciais, que</p><p>podem ser liberados de células vivas ou quando as células microbianas são digeridas</p><p>pelo hospedeiro.</p><p>Uma maneira poderosa de estudar estes processos de recuperação é rastreando</p><p>compostos isotopicamente marcados: após a ureia contendo o isótopo de</p><p>nitrogênio-15 ser administrada oralmente a vacas, lisina contendo esse mesmo</p><p>isótopo é encontrada em proteínas dentro dos tecidos desses animais; como as</p><p>vacas não conseguem sintetizar a lisina, os microrganismos no rúmen devem</p><p>ter convertido a ureia marcada em lisina, que é então incorporada na proteína</p><p>microbiana. Quando os microrganismos são movidos com a digesta do rúmen</p><p>para a parte ácida do estômago da vaca e depois para o intestino, as enzimas</p><p>da vaca digerem</p><p>a proteína, permitindo que os animais absorvam a lisina de</p><p>nitrogênio-15.</p><p>O sistema digestivo pode ser visto como um sistema econômico, conseguindo uma</p><p>boa correspondência à ingestão de alimentos. Numa combinação não econômica, as</p><p>capacidades enzimática e de absorção seriam superiores em relação ao conteúdo típico</p><p>(isto é, a taxa de fluxo do nutriente primário) e/ou o tempo de retenção poderia ser</p><p>maior em relação às taxas de reação. Porém, o tempo de retenção excessivo poderia</p><p>limitar a taxa de ingestão de alimentos e/ou impor um aumento dispendioso no tamanho</p><p>do trato gastrointestinal, e isso poderia ser seletivamente negativo contra os animais,</p><p>maximizando o seu crescimento ou taxa de reprodução. Neste contexto, estima-se que</p><p>o trato digestivo e o fígado de um vertebrado representam 20% a 25% do metabolismo</p><p>23</p><p>PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL │ UNIDADE I</p><p>basal do animal e, dentro das espécies, o aumento do tamanho dos órgãos alimentares</p><p>está associado a aumentos na taxa metabólica basal. Provavelmente, devido a esses</p><p>custos, tem havido a seleção para o tamanho e desempenho do sistema digestivo ser</p><p>combinado com a ingestão e qualidade dos alimentos.</p><p>figura 6.</p><p>fonte: Modificado de Dukes – fisiologia dos animais domésticos, 2007.</p><p>Existem muitos exemplos de uma aparente economia do ponto de vista digestivo.</p><p>Em animais com alimentação intermitente, tais como mamíferos sazonalmente inativos,</p><p>répteis, peixes e invertebrados, a massa do sistema digestivo é reversivelmente diminuída</p><p>quando a ingestão diminui e mais tarde retorna a níveis mais altos. Um padrão semelhante</p><p>ocorre para algumas cobras ao longo de dias a semanas entre as refeições, e para aves</p><p>migratórias que podem jejuar durante os voos e posteriormente alimentar-se durante</p><p>as paradas migratórias. Isso parece coerente tendo em vista que a capacidade máxima</p><p>do trato desperdiçaria energia e material com a síntese de proteínas pouco usadas, e o</p><p>espaço disponível para proteínas ligadas à membrana poderia ser limitado. Em outro</p><p>exemplo, as aves onívoras mantidas em dietas com frutas e depois mudadas para</p><p>dietas com alto teor de gordura parecem inicialmente pouco adaptadas, como refletido</p><p>em baixas taxas de eficiência de extração lipídica, até que ajustes compensatórios</p><p>ocorram com o aumento da retenção digestiva e na atividade da lipase pancreática.</p><p>Tais mudanças são preditas pelo modelo integrativo, o que pressupõe que a eficiência de</p><p>conversão/extração diminuirá quando a concentração de reagente aumentar, a</p><p>menos que ocorram alterações compensatórias no tempo de retenção e/ou na taxa de</p><p>hidrólise/absorção.</p><p>24</p><p>CAPítulo 3</p><p>Breve revisão sobre aspectos básicos da</p><p>digestão em animais</p><p>Macro e micronutrientes: necessidades diárias</p><p>Uma alimentação adequada fornece ao organismo nutrientes suficientes para suprir</p><p>suas demandas metabólicas. Dessa forma, quantidades adequadas de carboidratos,</p><p>proteínas, lipídios, eletrólitos, vitaminas e água são essenciais para a homeostase do</p><p>indivíduo, além das fibras vegetais não digeríveis que favorecem o trânsito do conteúdo</p><p>alimentar ao longo do TGI. Assim, com base nas necessidades diárias, podemos dividir</p><p>os nutrientes em duas grandes classes: os macronutrientes e os micronutrientes.</p><p>Os macronutrientes são todos aqueles necessários em quantidade relativamente grande</p><p>para o bom desempenho do organismo. Esse grupo, que para animais engloba os</p><p>carboidratos, as proteínas, e os lipídeos necessita ser submetido aos processos de</p><p>digestão visto que são formados por moléculas grandes que necessitam ser reduzidas</p><p>para os processos absortivos visto que seu tamanho original não permite tal processo.</p><p>Por outro lado, as vitaminas e os eletrólitos, são considerados micronutrientes porque,</p><p>apesar de serem de extrema importância para a homeostase, são requeridos em</p><p>quantidades menores. Juntamente com a água, os micronutrientes são absorvidos em</p><p>sua forma íntegra, não sendo submetidos às reações enzimáticas.</p><p>trato gastrointestinal e órgãos anexos</p><p>O sistema gastrointestinal compreende o trato gastrointestinal (TGI) e os órgãos anexos.</p><p>Especificamente, o TGI consiste em órgãos ocos em continuidade, de forma que ambas</p><p>as extremidades se comunicam com o meio externo, enquanto que os órgãos anexos</p><p>nada mais são do que as glândulas cujas secreções são despejadas no TGI. Dessa forma,</p><p>as superfícies internas desses órgãos constituem superfícies de separação entre o meio</p><p>ambiente e o meio interno do indivíduo.</p><p>De forma geral, o trato gastrointestinal é formado pelos seguintes órgãos (respeitando</p><p>as particularidades de cada espécie), no sentido craniocaudal:</p><p>» Cavidade oral: verdadeiro receptor dos alimentos e o primeiro ponto da</p><p>digestão, com processos de solubilização do alimento por meio da secreção</p><p>salivar. Movimentos voluntários direcionam o bolo alimentar através do</p><p>processo de deglutição.</p><p>25</p><p>PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL │ UNIDADE I</p><p>» Faringe: porção que se estende da boca ao esôfago e onde se iniciam os</p><p>processos involuntários de deglutição do bolo alimentar.</p><p>» Esôfago: órgão cilíndrico de condução do bolo alimentar; é delimitado</p><p>cefálica e caudalmente pelos esfíncteres esofágicos superior e inferior,</p><p>respectivamente, desembocando no estômago.</p><p>» Estômago: o primeiro sítio da digestão química, sendo também</p><p>responsável pelos processos de armazenamento (aproximadamente</p><p>60 minutos), mistura e trituração do alimento, propulsão peristáltica e</p><p>regulação da velocidade de esvaziamento gástrico em direção ao intestino</p><p>delgado. Sua delimitação caudal se dá através do esfíncter pilórico.</p><p>» Intestino delgado: principal sítio de digestão e absorção dos nutrientes.</p><p>Subdividido em duodeno, jejuno e íleo, apresentam modificações em seu</p><p>epitélio de revestimento interno favorecendo a plenitude dos processos</p><p>absortivos.</p><p>» Intestino grosso: onde ocorrem as fases finais de absorção de água e</p><p>eletrólitos, originando as fezes.</p><p>» Ânus: abertura caudal do TGI, por onde os resíduos dos alimentos são</p><p>expelidos.</p><p>Por sua vez, há quatro órgãos e/ou glândulas anexas ao TGI, sendo elas: glândulas</p><p>salivares, pâncreas, fígado e a vesícula biliar, que armazena a bile secretada pelo fígado.</p><p>Seus produtos são secretados na luz do TGI, na cavidade oral (secreção salivar) e</p><p>intestino delgado (secreção pancreática e biliar), sendo as responsáveis pela digestão</p><p>química dos alimentos.</p><p>Visão geral da morfologia da parede do</p><p>trato gastrointestinal</p><p>A estrutura do trato gastrointestinal apresenta intensa variação entre os diferentes</p><p>segmentos do trato gastrointestinal existindo, entretanto, características comuns a todos</p><p>os segmentos.</p><p>A primeira estrutura comum corresponde à mucosa, que consiste na camada que</p><p>recobre internamente todo o trato gastrointestinal, e é subdividida em:</p><p>I. Epitélio monoestratificado: consiste na primeira camada no sentido</p><p>luz para serosa e recobre toda a face do trato digestivo voltada para a</p><p>luz. É formada por diferentes tipos celulares ao longo do TGI, tais como</p><p>26</p><p>UNIDADE I │ PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL</p><p>células caliciformes (que secretam mucina), células absortivas especiais</p><p>(encontradas no intestino delgado e cólon, são responsáveis pela absorção</p><p>de água, íons e produtos da hidrólise dos macronutrientes), células das</p><p>criptas (localizadas nas vilosidades e dobras do intestino delgado e cólon,</p><p>respectivamente, são responsáveis pela secreção de água e eletrólitos),</p><p>células que sintetizam enzimas da borda em escova (no intestino</p><p>delgado), células endócrinas (responsáveis pela secreção de hormônios e</p><p>parácrinos), células do sistema imunológico e células nervosas.</p><p>II. Lâmina própria: essencialmente, é um tecido conjuntivo frouxo ricamente</p><p>vascularizado, contendo fibras elásticas e colágenas responsáveis pela</p><p>sustentação do epitélio. Inseridas nesse tecido, encontramos ainda</p><p>células do sistema imunológico e nodos linfáticos, além de glândulas e</p><p>tecido neuroendócrino.</p><p>III. Muscular da</p><p>mucosa (ou externa): caracteriza-se em uma fina camada</p><p>de musculatura lisa, ao se contraírem, formam dobras na mucosa e</p><p>submucosa, aumentando a superfície de contato.</p><p>A próxima camada comum aos segmentos do trato gastrointestinal é a submucosa,</p><p>formada por tecido conjuntivo frouxo contendo fibras elásticas e colágenas. Nessa região,</p><p>importante para a sustentação da mucosa, encontramos ainda tecidos glandulares e</p><p>células endócrinas, além de vasos sanguíneos calibrosos e o plexo nervoso submucoso</p><p>(ou de Meissner).</p><p>A seguir encontramos a muscular externa que, em verdade, consiste em duas camadas</p><p>de fibras musculares lisas: a interior, composta por fibras dispostas de forma circular,</p><p>reduz o calibre da luz do segmento intestinal enquanto que a mais externa, formada</p><p>por fibras dispostas longitudinalmente, encurtam o comprimento do segmento.</p><p>Dessa forma, a contração da muscular externa promove mistura e movimentação do</p><p>conteúdo ao longo dos segmentos. Adicionalmente, entre as duas camadas musculares,</p><p>encontramos o plexo nervoso mioentérico (ou de Auerbach). Por fim, a camada mais</p><p>externa do trato gastrointestinal consiste na serosa ou adventícia, que nada mais é do</p><p>que uma continuação da membrana pleural/peritoneal que reveste, respectivamente, a</p><p>cavidade torácica e abdominal.</p><p>Por fim, é importante ressaltar a presença dos plexos nervosos submucoso e mioentérico</p><p>ao longo do trato gastrointestinal. Tais plexos nervosos (também chamados de</p><p>intramurais) contêm densa rede de corpos celulares de neurônios motores e sensoriais,</p><p>além de fibras axônicas amielínicas, interneurônios e sinapses entre fibras sensoriais</p><p>aferentes e fibras motoras e secretoras eferentes. Juntamente com outros neurônios do</p><p>27</p><p>PRINCÍPIOS GERAIS DA DIGESTÃO ANIMAL │ UNIDADE I</p><p>tubo gastrointestinal, os plexos intramurais formam o sistema nervoso entérico, capaz</p><p>de regular as funções motoras, secretoras e endócrinas do sistema gastrointestinal,</p><p>mesmo na ausência do sistema nervoso autônomo extrínseco.</p><p>figura 7. Secção longitudinal da parede do trato gastrointestinal.</p><p>fonte: Silverthorn, Dee unglaub. fisiologia humana: uma abordagem integrada, 2010.</p><p>Processos básicos do sistema gastrointestinal</p><p>A motilidade, a secreção, a digestão, a absorção e a excreção consistem nos processos</p><p>básicos do sistema gastrointestinal. A motilidade consiste no movimento do conteúdo</p><p>alimentar ao longo de todo o trato gastrointestinal no sentido cefalocaudal, favorecendo</p><p>os processos de trituração, mistura às secreções, excreção do material digerido e não</p><p>absorvido. Por sua vez, o processo de secreção é caracterizado tanto pela transferência</p><p>de água e eletrólitos do fluido extracelular (FEC) para a luz do trato, bem como da</p><p>liberação dos sucos sintetizados pelas glândulas anexas, ricos em enzimas e íons, que</p><p>favorecem a hidrólise das macromoléculas assim como geram um ambiente adequado</p><p>(principalmente em relação ao pH) para as ações destas hidrolases.</p><p>Adicionalmente, podemos definir a Digestão como a hidrólise dos nutrientes orgânicos</p><p>em moléculas menores, de forma que seus tamanhos permitam sua passagem através</p><p>da mucosa de revestimento do trato gastrointestinal. Particularmente, essa passagem</p><p>através da mucosa do TGI a partir da sua luz em direção ao citosol dos enterócitos e,</p><p>consequentemente, ao interstício e circulação sistêmica denomina-se Absorção.</p><p>28</p><p>unidAdE ii</p><p>rEViSão SoBrE</p><p>oS ProCESSoS dE</p><p>digEStão E ABSorção</p><p>CAPítulo 1</p><p>Processos de digestão no trato</p><p>gastrointestinal</p><p>Visão geral das secreções enzimáticas do</p><p>sistema gastrointestinal</p><p>Todas as reações catalíticas tendo como substrato os macronutrientes da dieta</p><p>(carboidratos, proteínas e lipídeos) observadas ao longo dos processos digestivos são</p><p>mediadas pelas hidrolases. Tais enzimas catalisam as reações exergônicas de hidrólise,</p><p>isto é, clivagem das macromoléculas acompanhada pela incorporação dos elementos da</p><p>água, liberando moléculas menores e absorvíveis.</p><p>Grande parte das enzimas é secretada em sua forma ativa pelas glândulas anexas ao</p><p>trato gastrointestinal; por outro lado, aquelas relacionadas à digestão proteica são</p><p>sintetizadas e mantidas sob a forma de um precursos inativo (denominado zimogênio)</p><p>sendo clivado em sua forma ativa em condições apropriadas de pH.</p><p>Secreção salivar</p><p>Os três pares de glândulas salivares (parótidas, submandibulares e sublinguais)</p><p>sintetizam a secretam a enzima α-amilase salivar (ou ptialina), que inicia a digestão</p><p>do amido, e uma secreção mucosa rica em mucina que, além de proteger e lubrificar</p><p>as mucosas do trato digestivo lubrifica o bolo alimentar promovendo a sua diluição e</p><p>solubilização. Como componentes da saliva, ainda encontramos íons (principalmente</p><p>sódio, cloreto, potássio e bicarbonato), e outros componentes proteicos tendo, como</p><p>destaque, a enzima lípase lingual secretada pelas glândulas de Von Ebner da língua,</p><p>responsável pela hidrólise de triacilgliceróis, porém, com pouca expressividade sobre a</p><p>digestão lipídica.</p><p>29</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>Secreção gástrica</p><p>Diferentes tipos celulares ao longo do estômago relacionam-se à complexa riqueza</p><p>de compostos que formam o suco gástrico. Além de encontrarmos células secretoras</p><p>de muco, na lâmina própria das regiões do corpo e fundo estomacais encontramos as</p><p>glândulas oxínticas, que apresentam tipos celulares que diferem em relação à localização,</p><p>conteúdo secretado e localização glandular:</p><p>» Células mucosas (superficiais e do pescoço) – responsáveis pela secreção</p><p>de muco e íons HCO3</p><p>-, com intensa importância protetora sobre a mucosa</p><p>gástrica assim como sobre a lubrificação dos alimentos.</p><p>» Células parietais ou oxínticas – secretam fator intrínseco e ácido clorídrico.</p><p>» Células principais ou zimogênicas – responsáveis pela secreção de</p><p>pepsinogênio e lipase gástrica.</p><p>» Células enterocromafins – responsáveis pela secreção de histamina,</p><p>agente parácrino que estimula diretamente as células parietais.</p><p>» Células endócrinas – secretam os hormônios gastrina e somatostatina</p><p>que, dentre outras coisas, regulam positiva ou negativamente a secreção</p><p>de ácido clorídrico pelas células parietais, respectivamente.</p><p>Secreção exócrina pancreática</p><p>O pâncreas desempenha função secretória tanto endócrina (a partir das ilhotas de</p><p>Langerhans) quanto exócrina (a partir das células acinosas; com função digestiva).</p><p>O suco exócrino é constituído por um componente aquoso (rico em bicarbonato cuja</p><p>função primordial é neutralizar o quimo ácido proveniente do estômago) e por um</p><p>componente proteico, constituídos por enzimas essenciais para a digestão das principais</p><p>classes de alimentos (carboidratos, proteínas e lipídios).</p><p>O componente proteico (ou enzimático) é formado tanto por enzimas em sua</p><p>forma ativa quanto inativa. O tipsinogênio, quimiotripsinogênio, pró-elastase e as</p><p>pró-carboxipeptidases A e B, são as formas inativas da tripsina (cuja conversão é mediada</p><p>pela enteropeptidase), quimiotripsina, elastase e carboxipeptidases A e B (cujas conversões</p><p>são catalisadas pela própria tripsina), respectivamente. Por outro lado, enzimas já em sua</p><p>forma ativa também são secretadas no intestino delgado: α-amilase pancreática, lípase</p><p>pancreática (triacil-glicerol-éster-hidrolase), colesterol-éster-hidrolase, fosfolipase A2,</p><p>desoxirribonuclease (DNAase), ribonuclease (RNAase). Adicionalmente, proteínas sem</p><p>função enzimática também são secretadas pelas células acinosas pancreáticas, como a</p><p>30</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>colipase (cofator para a ação da lipase pancreática) e a proteína inibidora tripsina (que</p><p>previne a ativação da tripsina e, consequentemente, das outras enzimas proteolíticas</p><p>dentro do tecido pancreático).</p><p>Secreção hepática/biliar</p><p>Dentre as funções do fígado (como síntese proteica e função metabólica), o fígado possui</p><p>função digestiva, a partir da síntese e secreção da bile que é um componente essencial na</p><p>digestão e absorção dos lipídios.</p><p>A bile é produzida pelos hepatócitos e contém os ácidos</p><p>biliares (que corresponde a aproximadamente 67% de sua composição), que formam os</p><p>sais biliares a partir da ligação peptídica entre o grupo carboxila de um ácido biliar não</p><p>conjugado e o grupamento amino dos aminoácidos glicina ou taurina. Tal conjugação</p><p>favorece a solubilização dos ácidos biliares visto que sofrem ionização mais completa no</p><p>meio alcalino do duodeno. Além disso, ainda contém água, eletrólitos (sódio, potássio,</p><p>magnésio, bicarbonato, cálcio e cloreto) além de outros componentes orgânicos, como</p><p>fosfolipídios (22%), colesterol (4%), bilirrubina (0,3%; pigmento biliar, resultado da</p><p>degradação da hemoglobina) e proteínas (4,5%). Uma vez secretada pelos hepatócitos,</p><p>a bile é conduzida à vesícula biliar que será secretada para o duodeno através do ducto</p><p>colédoco (ou ducto bilífero comum), a partir da ação da colecistoquinina, responsável</p><p>pela contração da vesícula bem como pelo relaxamento do esfíncter de Oddi.</p><p>Secreção intestinal</p><p>Nos microvilos dos enterócitos (a borda em escova, descrita adiante) são encontrados</p><p>dois tipos enzimáticos cuja origem ainda não foi esclarecida; as oligossacaridases</p><p>(maltase, isomaltase, sacarase e lactase) e oligopeptidases (amino-oligopeptidase,</p><p>aminopeptidases e dipeptidases) que hidrolisam os oligossacarídeos e oligopeptídeos</p><p>formados por pequeno número de monômeros, possibilitando assim a sua absorção.</p><p>Adicionalmente, outras enzimas são encontradas na luz do intestino delgado</p><p>provenientes, provavelmente, da borda em escova (protease semelhante à pepsina,</p><p>diferentes tipos de peptidases, enteroquinase, amilase intestinal, fosforilase alcalina,</p><p>nucleofosfatase e nucleosidase).</p><p>Aspectos gerais dos processos de digestão</p><p>digestão de carboidratos</p><p>O principal carboidrato da dieta é o amido, associação de monômeros de glicose</p><p>proveniente de grãos e cereais, que corresponde à aproximadamente 50% da nossa</p><p>31</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>ingestão diária de carboidratos. Basicamente, o amido é formado por dois tipos de</p><p>polímero de glicose:</p><p>I. a amilose, que consiste em longas cadeias não ramificadas de resíduos</p><p>de glicose (variando entre 25 a 2000 monômeros) associadas entre si</p><p>através de ligações glicosídicas α [1,4]) e corresponde a aproximadamente</p><p>20% da molécula de amido; e</p><p>II. a amilopectina que corresponde a cerca de 80% da molécula de amido</p><p>e, ao contrário da amilose, é altamente ramificada de forma que, a cada</p><p>24 a 30 resíduos de glicose dispostos linearmente (através das ligações</p><p>α [1,4]), ocorrem ramificações em sua molécula através das ligações</p><p>glicosídicas α (1,6), podendo perfazer um total de 6000 monômeros de</p><p>glicose, ou mais.</p><p>figura 8. Amilose (a) e amilopectina (b), os polissacarídeos formadores do amido.</p><p>fonte: Leningher, Principles of Biochemistry, 2002.</p><p>A sacarose, a lactose e a maltose que contribuem, respectivamente com cerca de 30, 10</p><p>e 2% na ingestão humana de carboidratos, são dissacarídeos ligados covalentemente</p><p>através de ligações glicosídicas α ou β (1,4).</p><p>32</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>figura 9. Principais dissacarídeos da dieta.</p><p>fonte: Leningher, Principles of Biochemistry, 2002.</p><p>Por sua vez, o glicogênio é o principal polissacarídeo de reserva de origem animal, cujos</p><p>valores de ingestão são variáveis entre as várias culturas. Tal polímero é semelhante</p><p>à amilopectina, possuindo um número maior de ramificações e de monômeros de</p><p>glicose, variando entre 1700 e 22000, ou mais. Outros polissacarídeos como a celulose,</p><p>hemicelulose e as pectinas, de origem vegetal, não são hidrolisados no sistema</p><p>gastrointestinal de humanos, formando as chamadas fibras, de grande importância</p><p>para o trânsito gastrointestinal.</p><p>Sítios de digestão: boca, estômago e intestino delgado</p><p>A digestão do amido inicia-se na boca, a partir da ação da enzima α-amilase salivar</p><p>(também conhecida como ptialina), uma endoamilase que hidrolisa ligações glicosídicas</p><p>α (1,4) internas das moléculas de polissacarídeos não gerando, dessa forma, monômeros.</p><p>A α-amilase salivar atua em uma ampla faixa de pH (entre 4 e 11, sendo 6,9 seu pH</p><p>ótimo) e possui o íon cloreto como cofator. Devido ao alimento permanecer pouco</p><p>tempo na boca, a ação da ptialina não é efetiva nessa região de forma que apenas cerca</p><p>de 3 a 5% dos carboidratos são hidrolisados na cavidade oral.</p><p>Por outro lado, ao chegar ao estômago, o bolo alimentar passa por um período de</p><p>armazenamento gástrico (aproximadamente 1 hora) antes de ser submetido à ação das</p><p>peristalses e mistura ao ácido clorídrico, sendo nesta fase que a ptialina atua de forma</p><p>efetiva na digestão do amido, hidrolisando aproximadamente 75% do amido ingerido.</p><p>A ação da α-amilase salivar cessa em valores de pH menores de 4, mediado pela adição</p><p>de ácido clorídrico ao conteúdo gástrico.</p><p>Além disso, apesar de a hidrólise pré-duodenal mediada pela ptialina ser tão efetiva</p><p>(cerca de 75% do amido ingerido) a digestão do amido em oligossacarídeos se completa</p><p>33</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>no intestino delgado, através da ação da enzima α-amilase pancreática. Tal enzima</p><p>possui características muito semelhantes à ptialina, porém, possui uma atividade</p><p>catalítica muito maior do que a salivar (1 mL de suco duodenal é capaz de hidrolisar</p><p>cerca de 9 gramas de amido por hora). Dessa forma, 10 minutos após a chegada do</p><p>quimo ao duodeno (onde a α-amilase pancreática está mais concentrada) o amido</p><p>ingerido está completamente hidrolisado.</p><p>Os produtos das α-amilases (salivar e pancreática) são a maltose, maltotriose e a alfa –</p><p>limite dextrina, os menores oligossacarídeos com ligações glicosídicas α (1,6) contendo</p><p>entre 6 a 9 monômeros de glicose.</p><p>A hidrólise final dos oligossacarídeos intermediários, bem como da sacarose e lactose,</p><p>é realizada pelas enzimas oligossacaridases localizadas na membrana da borda em</p><p>escova do epitélio do duodeno e jejuno, e cuja atividade reduz ao longo dos demais</p><p>segmentos do intestino. Em linhas gerais, a hidrólise dos dissacarídeos lactose, trealose</p><p>e sacarose ocorrem, única e exclusivamente, sob a ação de enzimas específicas, da</p><p>seguinte forma:</p><p>» lactase: responsável pela hidrólise da lactose nos monômeros glicose e</p><p>galactose;</p><p>» trealase: catalisa a hidrólise da trealose em dois monômeros de glicose;</p><p>» sacarase: catalisa a hidrólise da sacarose nos monômeros glicose e frutose.</p><p>Apenas a lactase e a trealase apresentam especificidade quanto aos seus substratos;</p><p>as demais enzimas da borda em escova não apresentam especificidade. Dessa forma</p><p>a maltose, a maltotriose e a α-limite dextrina podem ser digeridas da seguinte forma:</p><p>» maltose: sua hidrólise é catalisada pela maltase;</p><p>» maltotriose: pode ter sua hidrólise catalisada tanto pela α-dextrinase,</p><p>como pela maltase e sacarase;</p><p>» α-limite dextrinas: são quase completamente hidrolisadas pela ação</p><p>da α-dextrinase (única oligossacaridase que quebra as ligações α (1,6)</p><p>glicosídicas); dessa forma, os resíduos contendo ligações α (1,4) podem</p><p>ser hidrolisados pela maltase.</p><p>Dessa forma, os produtos finais da digestão dos carboidratos pela ação das α- amilases</p><p>(enzimas luminais) e das oligossacaridases (da borda em escova) são: a glicose (70 a</p><p>80%), a frutose (15%) e a galactose (5%).</p><p>34</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>figura 10. Produtos da hidrólise de polissacarídeos catalisada pelas α-amilases (salivar e pancreática).</p><p>Maltose</p><p>Oligossacarídeo</p><p>Isomaltose</p><p>Parte de uma molécula de glicogênio</p><p>Ligações α 1,4</p><p>Ligações α 1,6</p><p>α – amilase</p><p>fonte: <http://slideplayer.com.br/slide/1470443/>.</p><p>Peculiaridades: flatulência e intolerância à lactose</p><p>A deficiência de uma ou mais oligossacaridases da borda em escova intestinal pode</p><p>causar diarreia, distensão abdominal e flatulências após a ingestão de carboidratos.</p><p>A diarreia relaciona-se a um aumento no conteúdo de componentes</p><p>osmoticamente</p><p>ativos, como os oligossacarídeos, que não são absorvidos permanecendo assim na</p><p>luz intestinal e promovendo a secreção de água em direção ao lúmen. Já a distensão</p><p>abdominal e a flatulência estão relacionadas à produção de gases a partir do metabolismo</p><p>bacteriano, principalmente no cólon, que utilizam como substratos os oligossacarídeos.</p><p>Particularmente, a lactase merece atenção visto que indivíduos apresentam naturalmente</p><p>uma redução em sua atividade a partir do nascimento ou então pode ser congênita,</p><p>acometendo recém-nascidos. Os reduzidos níveis de lactase levam a uma patologia</p><p>denominada intolerância à lactose que, não sendo a lactose hidrolisada, ela</p><p>permanece na luz do intestino e, da mesma forma como dito anteriormente promove</p><p>diarreia osmótica, distensão abdominal e cólica, e flatulências. Interessantemente, a</p><p>maioria dos europeus e seus descendentes americanos permanecem com atividade</p><p>de lactase quando adultos; a incidência de intolerância à lactose em europeus é de,</p><p>aproximadamente, 15%. Por outro lado, tal patologia é predominante na população</p><p>negra, indígena americana, oriental e mediterrânea. Administração de preparações</p><p>comerciais contendo lactase podem melhorar a condição do indivíduo, assim como o</p><p>consumo de iogurtes, visto que são mais tolerados em relação ao leite por possuírem</p><p>lactase bacteriana.</p><p>35</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>digestão de proteínas</p><p>As proteínas são polímeros de aminoácidos unidos através de ligações peptídicas,</p><p>formadas a partir de reações de condensação, com a liberação de 1 molécula de água.</p><p>figura 11. formação de uma ligação peptídica.</p><p>fonte: Leningher, Principles of Biochemistry, 2002.</p><p>Sítio de digestão: estômago</p><p>A fase gástrica da digestão proteica é caracterizada pela secreção de ácido clorídrico (HCl)</p><p>e, consequentemente, pela ativação da enzima pepsina. Particularmente, o estímulo para</p><p>a secreção gástrica se dá a partir de controle cefálico (mecanismos reflexos condicionados</p><p>e estimulação de quimio e mecanorreceptores das mucosas orais e faríngeas), gástrico</p><p>(distensão gástrica e peptídeos e aminoácidos contidos na luz gástrica) e intestinal</p><p>(distensão duodenal e produtos da digestão proteica).</p><p>As principais funções do HCl são:</p><p>I. estimular a secreção de pepsinogênio pelas células principais da glândula</p><p>gástrica, e</p><p>II. reduzir o pH do conteúdo estomacal a valores que propiciem a atividade</p><p>da enzima pepsina. Além disso, ainda desnatura proteínas globulares</p><p>facilitando a ação da peptidase gástrica, e possui ação bactericida.</p><p>Por sua vez, o pepsinogênio é o precursor da enzima ativa pepsina, cuja conversão é</p><p>dependente de um pH ácido do conteúdo gástrico (entre 3 e 5, sendo a reação de conversão</p><p>mais rápida no pH menores que 3). A ativação da pepsina se dá a partir de um processo</p><p>de autoativação da molécula de pepsinogênio (peso molecular de 42.500 dáltons) na</p><p>ligação peptídica existente entre os aminoácidos 44 e 45 da porção amino-terminal</p><p>da molécula precursora, gerando dois produtos: a pepsina (35.000 dáltons) e um resíduo</p><p>(7200 dáltons), que corresponde ao peptídeo inativador da pepsina que encobre o sítio</p><p>de ação da pepsina ativa. A ligação entre essas duas moléculas será completamente</p><p>clivada, expondo o sítio de ação da enzima pepsina, em valores de pH menores que</p><p>36</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>2, através de mecanismo de autocatálise. Dessa forma, em valores de pH favoráveis,</p><p>o pepsinogênio é convertido em pepsina através de autoativação e autocatálise, numa</p><p>progressão exponencial.</p><p>A enzima pepsina é uma endopeptidase, hidrolases que clivam as ligações peptídicas</p><p>internas das moléculas proteicas gerando, dessa forma, apenas oligopeptídeos.</p><p>As clivagens ocorrem nas ligações peptídicas formadas por aminoácidos com grupamentos</p><p>aromáticos, como a fenilalanina, tirosina e o triptofano. A pepsina ainda hidrolisa o</p><p>colágeno, facilitando a ação de outras enzimas nos tecidos a serem digeridos.</p><p>figura 12. Representação da reação de hidrólise de um oligopeptídeo catalisada por uma endopeptidase.</p><p>fonte: Leningher, Principles of Biochemistry, 2002.</p><p>Além disso, apesar de sua ação sobre a digestão proteica, a pepsina gástrica reduz apenas</p><p>10 – 15% do conteúdo proteico gástrico não sendo, portanto, sua ação imprescindível</p><p>para a hidrólise proteica. Por outro lado, os oligossacarídeos derivados da hidrólise das</p><p>proteínas mediada pela pepsina influenciam a secreção dos hormônios gastrina (pelo</p><p>estômago) e colecistocinina (CCK, pelo duodeno), que estimulam a secreção enzimática</p><p>do pâncreas bem como a manutenção da secreção de ácido clorídrico pelas células</p><p>parietais gástricas (mediado pela gastrina).</p><p>Sítio da digestão: intestino delgado</p><p>Como dito anteriormente, a chegada de produtos da hidrólise proteica assim como</p><p>do quimo ácido propriamente dito ao duodeno, estimulam a secreção dos hormônios</p><p>gastrina, CCK e, também de secretina. Enquanto os dois primeiros estimulam as</p><p>células acinares pancreáticas a secretarem seu conteúdo enzimático no duodeno, a</p><p>secretina atua sobre as células dos ductos pancreáticos estimulando a secreção aquosa</p><p>alcalina que será lançada no duodeno a fim de neutralizar a acidez induzida pelo</p><p>37</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>suco gástrico, além de atuar sobre as células parietais gástricas inibindo a secreção</p><p>de HCl. A secreção de secretina inicia-se quando o pH do conteúdo duodenal atinge</p><p>valores menores que 5, sendo a sua secreção máxima quando o pH é 3. Dessa forma,</p><p>a secretina é a responsável por gerar o pH alcalino no intestino delgado, fundamental</p><p>para a ação das enzimas pancreáticas.</p><p>As enzimas proteolíticas pancreáticas são sintetizadas em sua forma inativa, sendo</p><p>armazenadas nos grânulos de zimogênio. A ativação dessas enzimas apenas ao nível</p><p>duodenal é de extrema importância para a manutenção da integridade do tecido</p><p>pancreático, evitando assim a sua degradação pela ação de suas próprias enzimas. Dentre as</p><p>pró-enzimas secretadas temos o tripsinogênio, quimiotripsinigênio, pró-elastase e</p><p>pró-carboxipeptidase A e B.</p><p>A enzima chave para a ativação das proteases pancreáticas é a enteroquinase (ou</p><p>endopeptidase), uma endopeptidase da borda em escova secretada pela mucosa do</p><p>duodeno e jejuno responsável por catalisar a conversão de tripsinogênio em tripsina,</p><p>que se dá através da clivagem de um hexapeptídeo da molécula inativa.</p><p>A tripsina, por sua vez, além de ter ação autocatalítica sobre o próprio tripsinogênio</p><p>(assim como a pepsina), é responsável pela ativação dos demais pró-hormônios</p><p>pancreáticos. Dessa forma, hidrolisa o quimiotripsinogênio, a pró-elastase e as</p><p>pró-carboxipeptidades A e B em, respectivamente, quimiotripsina, elastase e</p><p>carboxipeptidases A e B.</p><p>Assim como a pepsina e a tripsina, as enzimas ativas quimiotripsina e elastase são</p><p>endopeptidases e, portanto, suas reações não geram aminoácidos livres. Além disso,</p><p>apresentam elevada especificidade pelo seu substrato de forma que:</p><p>I. a tripsina hidrolisa ligações peptídicas cujo grupo carbonila seja fornecido</p><p>pelos aminoácidos arginina e lisina;</p><p>II. a quimiotripsina catalisa a hidrólise de ligações peptídicas envolvendo</p><p>aminoácidos fenilalanina, tirosina, triptofano e metionina; e</p><p>III. a elastase é responsável pela hidrólise de ligações peptídicas da elastina,</p><p>proteína fibrosa do tecido conjuntivo.</p><p>Por outro lado, as carboxipeptidases são exopeptidases que removem, sucessivamente,</p><p>os aminoácidos das terminações carboxílicas. Dessa forma, os produtos finais das</p><p>proteases luminais (ao nível gástrico e intestinal) correspondem a cerca de 70% de</p><p>oligopeptídeos e 30% de aminoácidos livres.</p><p>38</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>figura 13. Representação da reação de hidrólise de um oligopeptídeo catalisada por uma exopeptidase.</p><p>fonte: Leningher, Principles of Biochemistry, 2002.</p><p>Entretanto, apenas aminoácidos, di</p><p>e tripeptídeos são absorvidos pela membrana</p><p>luminal dos enterócitos necessitando, dessa forma, de novas hidrólises sobre as</p><p>moléculas de oligopeptídeos. Essas novas reações são catalisadas por exopeptidases da</p><p>borda em escova das células intestinais (principalmente na porção proximal do jejuno),</p><p>proteínas integrais da membrana cujos sítios catalíticos encontram-se voltados para</p><p>a luz intestinal. As peptidases da borda em escova são: aminooligopeptidases (que</p><p>hidrolisam peptídeos formados por 3 a 8 resíduos de aminoácidos), aminopeptidases</p><p>(responsáveis pela hidrólise de di- e tripeptídeos) e, dipeptilaminopeptidases (também</p><p>hidrolisam di- e tripeptídeos, porém contendo resíduos de prolina e alanina).</p><p>Dessa forma, os produtos da digestão proteica, realizadas pelas enzimas luminais ou</p><p>da borda em escova, são aminoácidos e pequenos peptídeos (contendo dois ou três</p><p>resíduos de aminoácidos) sendo que, estes últimos, são produzidos em proporção maior</p><p>em relação aos aminoácidos.</p><p>digestão de lipídeos</p><p>Principais lipídeos</p><p>Em uma dieta balanceada, os triacilgliceróis os maiores contribuintes calóricos da</p><p>dieta (aproximadamente 80%). Tais componentes, também conhecidos como gorduras</p><p>neutras, são resultados da reação de esterificação entre uma molécula de glicerol e três</p><p>cadeias de ácidos graxos de cadeia longa, sendo os principais formados por três cadeias</p><p>dos seguintes ácidos graxos: ácido oleico (trioleína), ácido palmítico (tripalmitina)</p><p>e ácido esteárico (triestearina). Devido às hidroxilas polares estarem ligadas aos</p><p>grupamentos carboxila dos ácidos graxos através de ligações ésteres, os triacilgliceróis</p><p>são apolares e, consequentemente, hidrofóbicos.</p><p>39</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>figura 14. Principais lipídeos encontrados na dieta.</p><p>fonte: Silverthorn, Dee unglaub. fisiologia humana: uma abordagem integrada, 2010.</p><p>O colesterol, os ésteres de colesterol e os fosfolipídios também são quantitativamente</p><p>importantes na dieta. Os fosfolipídeos são os principais componentes das membranas</p><p>celulares, sendo a fosfatidiletalonamina (cefalina) e a fosfatidilcolina (lecitina) os</p><p>mais abundantes. Diferem dos triacilgliceróis, pois um dos grupamentos hidroxila do</p><p>glicerol é esterificado pelo ácido fosfórico, permanecendo os outros dois por ácidos</p><p>graxos de cadeia longa. O colesterol, principal esteroide animal, é uma molécula</p><p>anfipática formada por um corpo hidrocarbônico apolar (anel esteroídico e uma cadeia</p><p>hidrocarbônica) e por uma região polar (hidroxila na posição 3). Adicionalmente, ainda</p><p>pode ser esterificado por ácidos graxos de dimensões variáveis, formando os ésteres</p><p>de colesterol. Por fim, há ainda os lipídeos endógenos do TGI que provêm da bile</p><p>(fosfolipídeo e colesterol não esterificado), de células descamadas e bactérias mortas.</p><p>Emulsificação e sua importância nos processos digestivos</p><p>dos lipídeos</p><p>Os lipídeos são pouco solúveis em água, formando verdadeiros glóbulos de gordura</p><p>que se estabilizam em suspensão no meio aquoso ao longo do trato gastrointestinal.</p><p>Entretanto, tal condição é desfavorável para a ação das enzimas lipolíticas visto que,</p><p>por serem hidrossolúveis, agem apenas na interface lipídeo – água. Assim, seria</p><p>interessante aumentar a superfície de contato das gotas de gordura a fim de permitir a</p><p>ação das lipases de forma mais efetiva. Tal condição é possibilitada através de processos</p><p>de emulsificação, que quebram as gotas de gordura em gotículas, aumentando a relação</p><p>área superficial/volume e, consequentemente, aumentando a área disponível para o</p><p>acesso das enzimas hidrossolúveis aos seus substratos.</p><p>A emulsificação não é um processo espontâneo do ponto de vista termodinâmico,</p><p>de forma que é necessário gasto de energia para a quebra das gotas de lipídio bem</p><p>como para a estabilidade dessas gotículas. Uma emulsificação mecânica tem início</p><p>40</p><p>UNIDADE II │ REvIsão sobRE os pRocEssos DE DIgEstão E AbsoRção</p><p>já durante o preparo do alimento, e prossegue durante os processos de mastigação.</p><p>A motilidade gástrica e duodenal também favorece a cisão das gotas de gordura bem como</p><p>a sua estabilização não permitindo, portanto, a coalescência. Os produtos da digestão</p><p>polissacarídea, proteica e lipídica também são estabilizadores das gotículas de gordura,</p><p>juntamente com os fosfolipídeos e o colesterol que, devido sua natureza anfipática,</p><p>formam monocamadas mantendo em seu interior gotículas de lipídeos. Entretanto, a</p><p>emulsificação mais efetiva ocorre no duodeno, com a participação da secreção biliar.</p><p>A bile, produzida pelos hepatócitos, contêm ácidos biliares, colesterol, fosfolipídeos</p><p>(principalmente a lecitina), proteínas e pigmentos biliares, além de componentes</p><p>inorgânicos. As moléculas anfipáticas (sais biliares, colesterol e os fosfolipídeos)</p><p>agrupam-se em solução aquosa formando gotas de emulsão, de forma que seus grupos</p><p>polares interajam com as moléculas de água e, os apolares orientem-se hidrofobicamente</p><p>para o interior das micelas. Dessa forma, as porções lipossolúveis da gota de emulsão</p><p>se dissolvem na camada superficial do glóbulo de gordura enquanto que, as porções</p><p>polares, permanecem formando a interface água – lipídeo, favorecendo a solubilização</p><p>das gotas de gordura. Portanto, os componentes anfipáticos da bile (principalmente</p><p>os sais biliares e a lecitina) se incorporam nas gotas de gordura, diminuindo a sua</p><p>tensão superficial e, dessa forma, tornando-os facilmente fragmentáveis sob a ação da</p><p>movimentação intestinal e favorecendo a sua estabilização.</p><p>Sítios de digestão: boca e estômago</p><p>Além dos processos de emulsificação mecânica, glândulas de von Ebner da língua e as</p><p>células principais gástricas, sintetizam e secretam, respectivamente, as lípases lingual e</p><p>gástrica. Entretanto, tais enzimas (também chamadas de pré-duodenais) não possuem</p><p>participação satisfatória nos processos de digestão lipídica.</p><p>figura 15. Emulsificação da gordura pelos sais biliares e fosfolipídeos.</p><p>Sais biliares</p><p>Grupo</p><p>carboxila</p><p>Grupo hidroxila</p><p>Ligação</p><p>peptídica</p><p>Grânulos de</p><p>emulsão</p><p>Sais</p><p>biliares</p><p>Fosfolipídeo</p><p>Emulsificação</p><p>fonte: Modificado de Vander et al.: human Physiology:The mechanism of body, 2006.</p><p>41</p><p>Revisão sobRe os pRocessos de digestão e absoRção │ UNidade ii</p><p>Sítios de digestão: intestino delgado</p><p>Como visto anteriormente, a chegada do quimo ácido estimula a secreção de CCK, que</p><p>estimulará secreção das enzimas pancreáticas no duodeno além de possuir efeito colagogo,</p><p>ou seja, promove a contração da musculatura da vesícula biliar além de relaxar o esfíncter</p><p>de Oddi, permitindo a secreção do conteúdo biliar neste mesmo segmento intestinal.</p><p>As enzimas lipolíticas pancreáticas são:</p><p>I. lipase pancreática;</p><p>II. colesterol – éster – hidrolase; e</p><p>III. pró-fosfolipases A2. Juntamente com o conteúdo enzimático, uma proteína</p><p>inativa, a pró-colipase é secretada no duodeno sendo sua ativação (assim</p><p>como da pró- fosfolipase A2) mediada pela ação da tripsina.</p><p>A lípase pancreática (também chamada de glicerol – éster – hidrolase) hidrolisa as</p><p>ligações ésteres dos triacilgliceróis nos carbonos 1 e 3, originando 2 – monoacilglicerol</p><p>e ácidos graxos livres de cadeia longa. Entretanto, a ação da lípase pancreática é efetiva</p><p>apenas quando interage com a proteína colipase responsável por, através de alterações</p><p>conformacionais na molécula da enzima, expor definitivamente o sítio de ação da lípase</p><p>que, anteriormente, encontrava-se parcialmente coberta. Adicionalmente, a colipase</p><p>ainda medeia diretamente os processos de hidrólise dos triacilgliceróis: a presença</p><p>dos agentes emulsificadores envolvendo a superfície das gotículas dificulta a interação</p><p>entre a lípase e o seu substrato. Para tanto, acredita-se que a colipase atue como uma</p><p>âncora para a ligação da lipase ligando-se à interface, ou então forme um complexo</p><p>lipase – colipase, que se liga à interface favorecendo a ação lipolítica da enzima.</p><p>Por sua vez, a colesterol – éster – hidrolase catalisa as reações de</p>homeostáticos na capacidade de transporte de Na de todo o intestino posterior. Embora a privação esteja associada a níveis elevados de aldosterona endógena, a aldosterona exógena reproduz apenas alguns dos efeitos das dietas de baixo teor de Na+ na função retocrodeal ou cecal. um exemplo de respostas integradas Começamos esta seção sobre o papel do trato digestivo inferior na osmorregulação com um discurso sobre os nectarívoros, e também vamos fechar com eles porque eles exemplificam as respostas integradas tão bem. A dieta única destes animais requer uma resposta integrada aos desafios simultâneos tanto nos orçamentos de água como de Na, e as respostas são uma integração de processos no intestino e no rim. As aves de alimentação de néctar são incomuns entre os animais terrestres, na medida em que muitas vezes ingerem e excretam volumes de água prodigiosos para obter energia adequada. Suas dietas de néctar também são pobres em eletrólitos assim eles enfrentam o desafio incomum de ter que conservar eletrólitos. Pesquisadores estudaram a capacidade de colibris rufous para conservar eletrólitos quando alimentados com dietas pobres em eletrólitos. Eles descobriram que os rins desses beija-flores tinham uma capacidade notável de produzir urina diluída, mas que eles eram capazes de excretar fluido ainda mais Na-diluído do que a urina ureteral. Quando alimentados com dietas isentas de eletrólitos, os beija-flores rufos poderiam produzir excrementos contendo apenas 0,4 e 0,2 mmol l [1 respectivamente de Na+ e K+. Isto foi presumivelmente devido à reabsorção de Na+ no intestino posterior. Comparando as saídas de Na+ urinária e excretada, esses autores estimaram que uma fração significativa da perda renal diária de Na (38%) foi aparentemente recuperada pelo intestino posterior. Apesar de excretar grandes volumes de fluidos (o dobro de sua massa corporal diariamente), os beija-flores alimentados com dietas isentas de eletrólitos perderam eletrólitos a taxas muito baixas. Da mesma forma, descobriram taxas de excreção de Na+ na urina superiores às taxas 129 Fisiologia e Bioquímica comparada da digestão ii │ uNidade iV de ingestão de aves vermelhas nectarívoras (Anthochaera carunculata), sugerindo reabsorção substancial de Na+ pós-renal no intestino inferior. Os pássaros de sol da Palestina parecem depender do funcionamento integrado de dois sistemas de órgãos para manter o equilíbrio hídrico, apesar das taxas de ingestão de água altamente variáveis e muitas vezes extremamente elevadas: 1. a absorção fracionada de água na dieta é modulada no GIT; 2. a taxa de filtração renal (GFR) é baixa e relativamente insensível à carga de água, mas a recuperação da água é modulada pelo rim. Pesquisadores descobriram que os pássaros de sol da Palestina excretaram fluido que apresentava menores concentrações osmóticas e de glicose total do que a urina ureteral. Embora esses autores concluam que este foi provavelmente o resultado da diluição de urina com água dietética não absorvida que é desviada através do intestino nesta espécie, é também provável que alguma recuperação de eletrólitos e glicose ocorreu na parte inferior GIT. As notáveis capacidades combinadas de conservação eletrolítica renal e gastrointestinal de aves que alimentam o néctar desempenham um papel importante ao permitir que elas lidem com dietas aquosas e pobres em eletrólitos e são provavelmente o resultado da adaptação evolutiva a essas dietas. 130 referências AIRES, M. M. Fisiologia. São Paulo: Guanabara Koogan, 2012. BORON, W. F.; BOULPAEP, E. L. Medical physiology. Amsterdam, 2012. DENG, P.; SWANSON, K. S. Gut microbiota of humans, dogs and cats: current knowledge and future opportunities and challenges. British Journal of Nutrition, v. 113, pp. S6-S17, 2014. HALL, J. E.; GUYTON, A. C. Textbook of medical physiology. Philadelphia: Saunders, 2010. HANSEN, J. T.; KOEPEN, B.M. Netter’s atlas of physiology. Philadelphia: Saunders, 2002. HONNEFFER, J. B. et al. Variation of the microbiota and metabolome along the canine gastrointestinal tract. Metabolomics, v.13, i. 26, 2017. HORST, E. K.; HANS. G. L. Anatomia dos animais domésticos. 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