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<p>1</p><p>CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI</p><p>DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL DE</p><p>GÊNERO</p><p>GUARULHOS – SP</p><p>2</p><p>SUMÁRIO</p><p>1 INTRODUÇÃO ..................................................................................... 4</p><p>2 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL ....................................... 5</p><p>2.1 Desigualdades sociais e raciais na educação brasileira ............... 5</p><p>2.2 Políticas e práticas de superação do racismo e desigualdade racial</p><p>na educação brasileira ......................................................................................... 7</p><p>3 AÇÕES AFIRMATIVAS .................................................................... 10</p><p>4 INCLUSÃO ESCOLAR ...................................................................... 13</p><p>5 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E DIVERSIDADE NO AMBIENTE</p><p>ESCOLAR............................................................................................................... 15</p><p>5.1 As faces do racismo: discriminação e segregação sociorracial .. 15</p><p>5.2 Contribuições culturais na construção histórica do Brasil:</p><p>colonialismo e diversidade ................................................................................. 19</p><p>5.3 A escola e o combate ao racismo na promoção da igualdade .... 21</p><p>6 ETNIA E RAÇA .................................................................................. 23</p><p>6.1 Distinção entre etnia e raça......................................................... 23</p><p>6.2 Questões histórico-sociais dos conceitos de etnia e raça ........... 26</p><p>7 REPENSANDO O PRECONCEITO RACIAL ..................................... 29</p><p>8 RACISMO E FORMAÇÃO DAS IDENTIDADES ÉTNICAS ............... 31</p><p>8.1 Formação da identidade e da autoimagem ................................. 32</p><p>8.2 Identidade étnica: desafios dos grupos minoritários ................... 35</p><p>8.3 O posicionamento do professor frente ao racismo e à injúria</p><p>racial....................................................................................................................39</p><p>9 DISCRIMINAÇÃO .............................................................................. 42</p><p>9.1 Sobre a origem da discriminação ................................................ 42</p><p>3</p><p>9.2 A relação entre discriminação, preconceito e violência ............... 46</p><p>9.3 Consequências da discriminação para a dignidade humana ...... 50</p><p>10 DESIGUALDADES ÉTNICO-RACIAIS ........................................... 53</p><p>10.1 Desigualdades simbólicas e estruturais à luz da sociologia</p><p>brasileira..............................................................................................................53</p><p>10.2 O fator biológico e o fator social no conceito de raça ................. 56</p><p>11 CULTURAS AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA NA SOCIEDADE</p><p>BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA ....................................................................... 60</p><p>11.1 A colonização do Brasil: táticas de resistência cultural ............... 60</p><p>11.2 Os indígenas sob o olhar europeu: entre o bom e o mau</p><p>selvagem.............................................................................................................61</p><p>11.3 Índios e negros na literatura brasileira ........................................ 64</p><p>11.4 Coragem, nobreza e solidariedade: a poesia indianista ............. 64</p><p>12 A ESCRAVIDÃO NO BRASIL: DENÚNCIAS E CRUELDADE ....... 66</p><p>13 POR UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA ...................................... 69</p><p>13.1 Racismo: identificar e combater .................................................. 70</p><p>14 DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL ....................................... 73</p><p>14.1 Diversidade cultural .................................................................... 73</p><p>15 CULTURA, MONOCULTURA, POLICULTURA E</p><p>MULTICULTURALISMO NO BRASIL ................................................................... 77</p><p>16 O ALARGAMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO</p><p>BRASIL...................................................................................................................79</p><p>17 BIBLIOGRAFIA .............................................................................. 83</p><p>4</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>Prezado aluno!</p><p>O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante</p><p>ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um</p><p>aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma</p><p>pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é</p><p>que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a</p><p>resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as</p><p>perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão</p><p>respondidas em tempo hábil.</p><p>Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da</p><p>nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à</p><p>execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da</p><p>semana e a hora que lhe convier para isso.</p><p>A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser</p><p>seguida e prazos definidos para as atividades.</p><p>Bons estudos!</p><p>5</p><p>2 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL</p><p>A inclusão escolar tem sido discutida e fomentada nas últimas décadas no</p><p>Brasil, ao encontro do entendimento de que deve ser garantido a todos os grupos</p><p>culturais o acesso a uma educação igualitária e de qualidade. Como o Brasil</p><p>historicamente produziu muitas diferenças e distanciamentos entre alguns grupos</p><p>étnicos, é necessário o estudo a respeito das relações étnico-raciais dentro e fora</p><p>da escola.</p><p>2.1 Desigualdades sociais e raciais na educação brasileira</p><p>Para estabelecer um histórico a respeito da produção de desigualdades no</p><p>Brasil, devemos abordar os processos de colonização, uma vez que o país foi</p><p>conquistado por Portugal, fazendo parte de todo um planejamento de expansão</p><p>territorial de nações europeias no século XVI. Nessa época, predominava a ideia de</p><p>levar a essas novas colônias um jeito de pensar e viver que se aliasse aos preceitos</p><p>europeus, com a cultura dos povos conquistadores — vista sempre como a de maior</p><p>valor — como o caminho correto e como a norma comportamental a ser seguida.</p><p>Essa imposição dos padrões europeus, que chegou ao Brasil com os portugueses,</p><p>é o primeiro ponto para entendermos como as desigualdades sociais e raciais, em</p><p>um primeiro momento manifestadas contra os índios e negros escravizados da</p><p>África, tiveram lastro para acontecer em nosso País.</p><p>Os mecanismos coloniais estabeleceram uma relação entre cor e raça, a</p><p>qual, além de classificar as populações, também servia para operar a “[...]</p><p>inferiorização de grupos humanos não europeus, do ponto de vista da produção da</p><p>divisão racial do trabalho, do salário, da produção cultural e dos conhecimentos”</p><p>(OLIVEIRA; CANDAU, 2010, documento on-line). Ou seja, a colonização não</p><p>ocorreu somente no território, na materialidade dos recursos e na exploração do</p><p>trabalho do colonizado, mas também na colonização de saberes, impondo novas</p><p>formas de pensar e, consequentemente, agir em sociedade.</p><p>6</p><p>Ao analisarmos a história dos negros no Brasil — principalmente no período</p><p>pós-escravatura, com a Lei Áurea, sancionada em 13 de maio de 1888 — e as suas</p><p>inúmeras dificuldades de inserção na vida social e laboral, Pesavento (1989, p. 83)</p><p>comenta que “[...] os egressos da escravidão, como negros, agregavam a este</p><p>quadro o estigma do qual eram portadores: eram visualizados ideologicamente</p><p>como uma força de trabalho inadequada para o trabalho regular, avessos à nova</p><p>ordem que se impunha”. A marca deixada pela escravidão nas populações negras</p><p>somente foi minimizada, segundo a autora, na segunda metade do século XIX,</p><p>período recente em termos históricos.</p><p>Essa desigualdade, o racismo e a discriminação que se estendem aos que</p><p>se distinguem</p><p>também envolve aspectos</p><p>psíquicos. O indivíduo produz tanto selfs sobre si mesmo quanto sobre todos os</p><p>demais com quem convive, formando o seu autoconceito. Segundo Goñi e</p><p>Fernández (2009, p. 25), “[...] o conceito que uma pessoa tem de seu self surge das</p><p>interações com os outros e reflete as características, expectativas e avaliações dos</p><p>demais [...]”. O autoconceito se relaciona estreitamente com a autoimagem e com</p><p>a autoestima que os sujeitos possuem. Por sua vez, segundo mendes et al. (2012,</p><p>p. 7),</p><p>A autoimagem é uma descrição que a pessoa faz de si, a forma como ela</p><p>se vê, estando esta percepção também relacionada ao modo como os</p><p>outros a percebem. Por seu turno, a autoestima é uma avaliação que o</p><p>sujeito faz de si, estando esta valoração relacionada também com o modo</p><p>como os outros o avaliam [...]</p><p>35</p><p>Como você pode perceber, durante o processo de formação das</p><p>identidades, existe uma estreita relação entre o autoconceito, a autoimagem e a</p><p>autoestima, o que tem importância significativa. Caso o sujeito, ao conviver em seus</p><p>campos sociais, perceba que simbolicamente sua identidade é representada como</p><p>inferior ou excluída em relação às demais, pode ter sérios problemas de autoestima</p><p>e autoimagem. Nesse caso, ele assume para si as representações distorcidas que</p><p>o desvalorizam. É o que acontece, por exemplo, com identidades culturais</p><p>minoritárias que sofrem estigmatizações, preconceitos, racismo e violências</p><p>diversas.</p><p>Bee e Boyd (2011, p. 284), ao analisarem o autoconceito e o ambiente</p><p>escolar, comentam que “A criança em idade escolar também começa a ver suas</p><p>próprias características (e as de outras pessoas) como relativamente estáveis e,</p><p>pela primeira vez, desenvolve um sentido global de seu próprio valor [...]”. É possível</p><p>inferir que, na escola, os mecanismos de produção das identidades encontram</p><p>terreno fértil para que as mais variadas relações e interações necessárias se</p><p>estabeleçam. Cabe ao docente estar atento, percebendo e intervindo sempre que</p><p>esse processo possa ser prejudicado por práticas racistas ou preconceituosas</p><p>durante suas aulas.</p><p>8.2 Identidade étnica: desafios dos grupos minoritários</p><p>Você já viu que a formação das identidades individuais ocorre a partir das</p><p>relações estabelecidas entre os grupos e instituições sociais às quais os sujeitos</p><p>pertencem. Essa formação também envolve os aspectos internos, ligados ao</p><p>desenvolvimento psicológico. É aí que são estabelecidos o autoconceito, a</p><p>autoimagem e a autoestima. Da mesma forma, a cultura tem importância</p><p>fundamental. Por meio dela, os indivíduos aprendem as práticas sociais discursivas</p><p>(o que se diz) e não discursivas (o que se faz) do seu grupo étnico. A cultura, dessa</p><p>forma, envolve todos os simbolismos e representações que foram estabelecidos</p><p>com o passar das experiências históricas do grupo. Ela costuma servir como</p><p>balizador, como norte a guiar as ações futuras daqueles que fazem parte de</p><p>36</p><p>determinada etnia. Assim, as características étnicas contribuem significativamente</p><p>para a formação das identidades.</p><p>Como exemplo, considere algumas alusões a traços ou comportamentos</p><p>culturais de determinadas etnias: “o povo alemão sabe melhor como poupar”, “os</p><p>italianos são mais acolhedores e hospitaleiros”, “os indígenas são mais</p><p>espiritualizados e desapegados dos bens materiais”, etc. Essas afirmações</p><p>procuram essencializar os traços de uma identidade étnica, o que pode ou não ser</p><p>verdadeiro para todos os que compõem a etnia (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 16).</p><p>A formação das identidades culturais e étnicas é um processo histórico e</p><p>social produzido nos embates de poder e força entre as etnias existentes. No</p><p>decorrer da história brasileira, houve, acompanhando as tendências internacionais,</p><p>o favorecimento de algumas etnias. Além disso, ocorreu a construção de</p><p>representações simbólicas que favorecem tais etnias e, ao mesmo tempo,</p><p>desqualificam e inferiorizam todas as demais, produzindo grandes desigualdades</p><p>sociais e raciais.</p><p>Dessa forma, os mecanismos de colonização no Brasil estabeleceram uma</p><p>relação entre cor e raça que serviu para classificar as populações, bem como para</p><p>executar a “[...] inferiorização de grupos humanos não europeus, do ponto de vista</p><p>da produção da divisão racial do trabalho, do salário, da produção cultural e dos</p><p>conhecimentos [...]” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 16). A colonização não se deu</p><p>somente no território físico, na materialidade dos recursos e na exploração da mão</p><p>de obra do colonizado, mas também colonizou os saberes, impôs novas formas de</p><p>pensar e agir socialmente.</p><p>As sociedades ocidentais e, mais particularmente, a sociedade brasileira</p><p>desenvolveram um processo de racialização em que foram cristalizadas algumas</p><p>características essenciais ao sujeito moderno, que serve de referência a todos os</p><p>demais. Louro (2011, p. 65) reforça essa ideia ao argumentar que “[...] no contexto</p><p>da sociedade brasileira, ao longo de sua história, foi sendo produzida uma norma a</p><p>partir do homem branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão [...]”.</p><p>Dessa forma, as minorias sociais são compostas por todos aqueles que por</p><p>quaisquer motivos não se encaixem na norma: as mulheres, os negros, os</p><p>37</p><p>indígenas, os homossexuais, aqueles que possuem outras religiões (como as de</p><p>matriz africana), as pessoas com deficiência, os pobres, etc. Embora, em grande</p><p>parte dos casos, esses grupos apresentem-se quantitativamente maiores do que os</p><p>que servem de referência, são considerados minoritários devido à sua falta de força</p><p>e de poder nas relações sociais.</p><p>O professor, ao desenvolver suas atividades na escola, deve estar atento</p><p>para que as suas aulas não reforcem uma estratificação social que se vale dos</p><p>aspectos étnico-raciais dos sujeitos. Ele não deve ceder espaço a uma pedagogia</p><p>que “[...] educou o olhar deste sujeito branco que julga; ela educou seu modo de</p><p>compreensão sobre a pertença racial. Ela o educou para pensar que ele, branco,</p><p>não tem raça nem cor e, portanto, pode, do alto de seu estatuto de incolor, julgar</p><p>quem são, afinal, os ‘de cor’ [...]” (KAERCHER, 2010, p. 87). Ou seja, o docente,</p><p>seja ele branco, negro ou de qualquer outra cor de pele, deve ter consciência de</p><p>que as características étnicas influenciam e são importantes para a formação da</p><p>identidade e, consequentemente, da autoimagem e da autoestima de seus alunos,</p><p>coibindo práticas racistas e preconceituosas.</p><p>Ao analisar a produção histórica relativa ao conceito de racismo e suas</p><p>modificações com o passar das décadas no Brasil, Guimarães (2004, p. 33)</p><p>comenta que</p><p>[...] o nosso desafio atual, ao formar as novas gerações, é teorizar a</p><p>simultaneidade desses dois fatos aparentemente contraditórios, apontados</p><p>por todos os que nos precederam: a reprodução ampliada das</p><p>desigualdades raciais no Brasil coexiste com a suavização crescente das</p><p>atitudes e dos comportamentos racistas [...].</p><p>O autor faz uma crítica e um alerta ao fato de que no Brasil entende-se que</p><p>não há racismo devido ao mito da democracia racial. O fato de haver miscigenação</p><p>na forma��ão do povo brasileiro não faz com que, naturalmente, as relações sociais</p><p>sejam harmônicas e justas. O mito da democracia racial mascara o grande abismo</p><p>que é produzido desde a época colonial e reproduzido em instituições como a</p><p>escola, colocando alguns grupos étnicos em condição desigual, marginalizada e</p><p>empobrecida.</p><p>38</p><p>Você deve entender que “[...] a identidade étnico-cultural, mesmo quando</p><p>aparece como marginalizada, excluída, não é uma realidade muda, simples objeto</p><p>de interpretação. Ela é fonte de sentido e de construção do real. Os processos</p><p>culturais são processos conflitivos [...]” (KREUTZ, 1999, p. 83). Os conflitos</p><p>normalmente surgem a partir dos movimentos sociais de algumas etnias em busca</p><p>de sua igualdade de direitos políticos, econômicos e sociais, procurando quebrar a</p><p>hegemonia de poder que se instituiu historicamente. Como exemplo, considere o</p><p>movimento negro brasileiro, que, com suas lutas, conseguiu incluir nos currículos</p><p>escolares a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileiras por</p><p>meio da Lei nº. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Além disso, esse movimento teve</p><p>participação decisiva na implantação do sistema de cotas raciais e sociais nas</p><p>universidades públicas e na criação do Estatuto da Igualdade Racial, entre outras</p><p>conquistas que visam a reparar danos históricos causados às etnias</p><p>afrodescendentes.</p><p>A escola, como instituição social que se estende a todos,</p><p>independentemente de sua identidade étnico-cultural, deveria promover cursos que</p><p>“[...] alargassem a compreensão que os/as estudantes possam ter de si mesmos/as</p><p>e de outras pessoas, ao examinar eventos que enfoquem um senso de</p><p>responsabilidade social e moral [...]” (GIROUX, 1995, p. 91). Dessa forma, cabe à</p><p>escola, ao professor, conduzir seus alunos a:</p><p>[...] examinarem criticamente sua própria localização histórica em meio a</p><p>relações de poder, privilégio ou subordinação. [A escola] Pode, também,</p><p>ajudá-los a perceberem as especificidades étnico-culturais próprias,</p><p>distinguindo e reconhecendo as especificidades dos grupos étnicos,</p><p>incentivando-os a um diálogo intercultural (KREUTZ, 1999, p. 93).</p><p>A escola e os professores dispõem de uma gama de possibilidades para</p><p>trabalhar as questões que tanto contribuem para que a formação e a afirmação das</p><p>identidades étnicas ocorram em simetria e equidade. Assim, podem ajudar a</p><p>produzir uma sociedade melhor e mais justa para todos.</p><p>39</p><p>8.3 O posicionamento do professor frente ao racismo e à injúria racial</p><p>O professor deve ser um bom observador. Além disso, deve conhecer as</p><p>características pessoais e culturais de seus alunos. A ideia é que ele atue como um</p><p>mediador entre os mais diversos grupos étnico-culturais que se encontram sob sua</p><p>docência. Dessa forma, ele deve conhecer muito bem os conceitos listados no</p><p>Quadro 1 para que possa tomar as atitudes adequadas.</p><p>Conhecer os conceitos apresentados no Quadro 1 é fundamental. Você</p><p>deve considerar que, na formação de sua identidade étnica e cultural, as pessoas</p><p>podem se apropriar de preconceitos, ideias distorcidas e/ou crenças equivocadas a</p><p>respeito de outras etnias e suas características. Isso pode levar a comportamentos</p><p>discriminatórios e, inclusive, culminar em crimes de racismo e injúria racial. Essas</p><p>situações não são admissíveis em nenhum segmento da sociedade e</p><p>especialmente na escola, por ser um espaço privilegiado de formação das</p><p>identidades étnicas e culturais. Como as crianças entram precocemente na escola,</p><p>a partir dos 4 anos de idade, já na educação infantil o professor pode observar e</p><p>desconstruir tais preconceitos. A ideia é que ele ajude os alunos a desenvolver uma</p><p>conduta intercultural que reconheça e respeite a todos sem distinção (BES, 2019).</p><p>40</p><p>Como exemplo, considere o caso de um professor que atua com uma turma</p><p>de alunos do 5º ano do ensino fundamental de uma escola de periferia. Tal escola</p><p>recebe crianças e jovens em condições de vulnerabilidade social. Na turma em que</p><p>o professor trabalha, existem dois grupos étnicos com uma rivalidade muito grande,</p><p>que se manifesta tanto entre os meninos quanto entre as meninas. Um grupo é de</p><p>alunos afrodescendentes e o outro é de alunos que se consideram “brancos”.</p><p>O professor decide analisar o contexto dos alunos, conhecer sua vida social,</p><p>as particularidades de sua rotina diária. Assim, ele percebe muitas semelhanças</p><p>entre eles. Com base nisso, resolve confrontar ambos os grupos e provocá-los a</p><p>pensar sobre a sua condição social. Para iniciar a discussão, o tema escolhido é a</p><p>situação de pobreza em que se inserem, as perspectivas e planos que têm para o</p><p>futuro, suas angústias e desafios cotidianos, seus problemas familiares, entre outras</p><p>situações. No decorrer das aulas, o professor realiza algumas dinâmicas de grupo</p><p>e abre o canal de comunicação para que todos se manifestem sempre que acharem</p><p>oportuno.</p><p>As trocas de experiências entre os estudantes negros, brancos e todos os</p><p>demais que não se identificam com esses dois grupos são muito produtivas e</p><p>significativas. Muitos percebem semelhanças em suas relações na sociedade, nas</p><p>mazelas que lhes afligem socialmente, na carência dos bens materiais, nos</p><p>sofrimentos sentidos durante a infância, nas frustrações, decepções e mágoas</p><p>familiares, nos planos para o futuro e nas perspectivas que possuem. Essa vivência</p><p>faz com que os grupos de alunos se aproximem muito e une a todos já no primeiro</p><p>bimestre. Resolvidas as questões que provocaram o choque cultural entre os jovens</p><p>alunos, não há mais problemas de ofensas raciais ou estereótipos de qualquer</p><p>natureza. O diálogo torna os estudantes mais tolerantes, respeitosos e acolhedores</p><p>das diferenças.</p><p>Oliveira e Candau (2010) refletem sobre a importância do reconhecimento</p><p>de todos os grupos étnicos nos debates interculturais realizados nas escolas</p><p>visando a uma educação antirracista. Eles afirmam que:</p><p>[...] o termo reconhecimento implica: desconstruir o mito da democracia</p><p>racial; adotar estratégias pedagógicas de valorização da diferença;</p><p>reforçar a luta antirracista e questionar as relações étnico-raciais baseadas</p><p>41</p><p>em preconceitos e comportamentos discriminatórios [...] (OLIVEIRA;</p><p>CANDAU, 2010, p. 32).</p><p>Para que isso possa ser realizado pelo docente, é necessário que haja</p><p>conhecimento, interesse e posicionamento sobre essas questões tão importantes e</p><p>presentes na sociedade. A proposta é que os alunos entendam que a diferença</p><p>torna os sujeitos ricos e não os deprecia ou inferioriza.</p><p>Cabe aos professores e professoras, no decorrer de suas práticas docentes,</p><p>independentemente do nível educacional em que atuam, da educação infantil ao</p><p>ensino superior, “[...] promover processos de desconstrução e de desnaturalização</p><p>de preconceitos e discriminações que impregnam, muitas vezes com caráter difuso,</p><p>fluido e sutil, as relações sociais e educacionais que configuram os contextos em</p><p>que vivemos [...]” (CANDAU, 2012, p. 8). Para que possa superar esse desafio, você</p><p>deve estar atento às questões apresentadas de:</p><p>• naturalização;</p><p>• igualdade e diferença;</p><p>• currículo escolar;</p><p>• culturas;</p><p>• interações.</p><p>A naturalização de características que se relacionam com alguma etnia</p><p>específica deve ser observada pelo professor. Assim, pode ser contestada e</p><p>desconstruída junto aos seus alunos. Dessa forma, conforme explica Hall (2016), a</p><p>naturalização muitas vezes opera para fixar as possíveis “diferenças” que são</p><p>produzidas dentro de uma lógica etnocêntrica e monocultural. Partindo desse</p><p>princípio, é comum que os alunos utilizem expressões e noções naturalizadas sobre</p><p>determinadas etnias. É o caso da associação dos afrodescendentes com esportes</p><p>de luta e corrida. Nesse caso, se propõe que essa seja uma “verdade” recorrente a</p><p>todos os negros, o que os exclui de outras realizações, ao mesmo tempo em que</p><p>interfere outras etnias de ter sucesso nessas modalidades.</p><p>A igualdade e a diferença devem sempre ser colocadas em discussão. Elas</p><p>são importantes para a formação das identidades étnicas e culturais de todos os</p><p>alunos, marcando que as diferenças existem e constituem os sujeitos. Por sua vez,</p><p>42</p><p>a igualdade remete aos direitos que todos possuem. Da mesma forma, o currículo</p><p>escolar deve ser observado com atenção pelos professores, em cada detalhe, na</p><p>seleção de conteúdo, textos, livros didáticos e técnicas a serem utilizadas. Deve-se</p><p>reconhecer que todo saber carrega consigo o poder de produzir um entendimento</p><p>sobre o mundo.</p><p>Ao trabalhar junto aos alunos os processos de formação de suas</p><p>identidades culturais, os professores podem valer-se do importante recurso das</p><p>histórias de vida desses sujeitos. Ao narrar a sua trajetória,</p><p>os alunos exercitam o</p><p>processo de escolha de suas memórias e percebem os aspectos que lhes são mais</p><p>caros e pertinentes. Da mesma forma,</p><p>É importante que se opere com um conceito dinâmico e histórico de</p><p>cultura, capaz de integrar as raízes históricas e as novas configurações,</p><p>evitando-se uma visão das culturas como universos fechados e em busca</p><p>do “puro”, do “autêntico” e do “genuíno”, como uma essência</p><p>preestabelecida e um dado que não está em contínuo movimento</p><p>(CANDAU, 2012, p. 8).</p><p>9 DISCRIMINAÇÃO</p><p>A discriminação é composta por um jogo de forças cujo objetivo é a</p><p>manutenção de poder por estratos sociais que se julgam possuidores de valor social</p><p>mais elevado, o que resulta na produção de desigualdades como resultado</p><p>estrutural da vida em sociedade.</p><p>9.1 Sobre a origem da discriminação</p><p>O inatismo, princípio segundo o qual nascemos todos providos com alguma</p><p>ideia que independe do meio onde vivemos, é controverso na filosofia. Alguns</p><p>filósofos intuem que sim, outros que não; por isso, iniciaremos esta discussão</p><p>investigando a possibilidade de a discriminação ser uma ideia que nasce com todos</p><p>43</p><p>os seres humanos, para, em seguida tratar desse fenômeno social a partir da cultura</p><p>ou da construção simbólica que é amplamente difundida na sociedade.</p><p>Segundo o dicionário Houaiss, a discriminação é um conceito que envolve</p><p>a distinção, que, aplicada à vida em sociedade, trata de uma quebra de sentido de</p><p>igualdade (HOUAISS; VILLAR, 2001). Esse é um bom ponto de partida para esta</p><p>investigação, que continuará a partir da análise de alguns filósofos contratualistas</p><p>sobre o tema da vida em sociedade, uma vez que é do período Iluminista que</p><p>herdamos o ideal de uma vida igualitária entre todos os cidadãos e que se funda na</p><p>ideia de que a garantia de direitos individuais é um elemento fundamental para a</p><p>dignidade humana.</p><p>Desse período, três filósofos que tratam do inatismo serão destacados para</p><p>a análise, a saber: Locke, Hobbes e Rousseau. O primeiro, Locke (1983), critica o</p><p>inatismo e toma o ser humano como uma tábula rasa, em que nada está</p><p>previamente escrito. Já Hobbes (1979) e Rousseau (1978) abordam o inatismo</p><p>segundo a ideia que fazem da “natureza humana”, ou uma abstração sobre o</p><p>comportamento humano a partir de um momento que antecede o contrato social, o</p><p>qual denominam “estado de natureza”.</p><p>Locke (1983) também trata do “estado de natureza”, condição na qual a</p><p>razão orientaria a conduta social segundo uma lei natural na qual é fundamental a</p><p>atenção ao princípio de igualdade, sobretudo ao prejuízo da vida, da saúde, da</p><p>liberdade e das posses. Para o filósofo, é a razão que torna possível a conduta</p><p>natural, e não um conhecimento inato.</p><p>A ideia de “estado de natureza” é distinta entre Hobbes (1979) e Rousseau</p><p>(1978). Enquanto o primeiro afirma um caráter egoísta inato, que orienta a conduta</p><p>humana a uma visão competitiva da vida, em que todos realizamos um movimento</p><p>que consiste em se aproximar do que nos agrada e se afastar daquilo que nos</p><p>desagrada, Rousseau (1978) ressalta a capacidade de todos de se associarem em</p><p>torno de vontades gerais, que seriam as responsáveis pela alienação coletiva da</p><p>liberdade natural em favor da aquisição da liberdade civil. Se pensarmos a</p><p>discriminação em termos individuais, a teoria de Hobbes (1979) nos levaria a</p><p>conclusões interessantes, no entanto, em ambos os casos, é difícil derivar o</p><p>44</p><p>comportamento discriminatório pela análise de grupos sociais uns contra os outros,</p><p>seja por seu caráter cultural, físico, religioso ou comportamental.</p><p>Pensar a discriminação enquanto um fenômeno social que afronta a</p><p>igualdade entre todos os seres humanos como o resultado de ideias que são</p><p>adquiridas por meio de nosso convívio social torna mais apropriado, ao debate, o</p><p>seu desenvolvimento de análise a partir do campo da cultura, uma vez que dela</p><p>derivam os aprendizados de significados comumente atribuídos para descrever o</p><p>mundo e orientar nossa conduta coletiva.</p><p>Aqui, utilizaremos o conceito de cultura exposto por Geertz (1978), que trata</p><p>a cultura enquanto significados que são produzidos e compartilhados amplamente</p><p>em sociedade e que sustentam as nossas relações sociais.</p><p>O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo</p><p>tentam demonstrar, é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max</p><p>Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que</p><p>ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua</p><p>análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis,</p><p>mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado (GEERTZ,</p><p>1978, p. 15).</p><p>De fato, é a nossa capacidade de “simbologizar” que torna possível criar,</p><p>atribuir e compreender significados (WHITE, 2009). A partir dessa característica, é</p><p>possível analisar qualquer processo social, mas os significados constituídos mudam</p><p>ao longo do tempo, o que evidencia a ideia de aprendizado, mas, ao mesmo tempo,</p><p>impõe o desafio de identificarmos na discriminação seu aspecto mais geral, capaz</p><p>de abranger uma multiplicidade de casos específicos.</p><p>O tratamento diferenciado a determinados extratos da sociedade que</p><p>configura a discriminação será abordado, portanto, enquanto relações de poder.</p><p>Desse modo, seremos capazes de tratar do conceito de modo abrangente, o que</p><p>permitirá sua compreensão em diferentes contextos empíricos, como, por exemplo,</p><p>em relação a discriminação racial, de gênero, sexual ou religiosa.</p><p>Para facilitar essa análise, é importante compreender a sociedade como</p><p>composta de diferentes conjuntos humanos, que possuem diversas formas de</p><p>interconexão entre si, e, a partir dessa ideia, isolar determinados conjuntos para</p><p>refletir sobre o modo como se dão as relações de poder entre estratificações</p><p>45</p><p>distintas. Por exemplo, se tomarmos a população brasileira como um todo, podemos</p><p>separar o conjunto compostos por mulheres, negras e homossexuais para, então,</p><p>avaliar o modo como participam da sociedade por meio de indicadores sociais e</p><p>também interpretar as evidências culturais que afirmam ou negam a influência</p><p>dessa população em comparação ao todo, ou mesmo a outra estratificação, como</p><p>a dos homens, brancos e heterossexuais. Entre esses conjuntos, não há qualquer</p><p>interseção e, portanto, as assimetrias quanto a indicadores de emprego, renda, nível</p><p>educacional, moradia ou violência podem ser comparados com a finalidade de</p><p>incorporar evidências empíricas para a interpretação social a respeito do fenômeno</p><p>da discriminação.</p><p>A análise de problemas sociais, como a discriminação, pela sociologia, não</p><p>pode abrir mão de dados empíricos para ser capaz de cumprir as etapas do método</p><p>científico, que observa recorrências no mundo, formula hipóteses para explicar o</p><p>fenômeno, colhe dados empíricos — sejam eles numéricos ou a partir do registro</p><p>de fatos que corroborem uma interpretação — e, por fim, fundamenta uma teoria ou</p><p>formula uma lei geral que apresenta relações de causa e consequência para uma</p><p>multiplicidade de situações que cumpram as mesmas premissas.</p><p>É evidente que o fenômeno da discriminação é persistente ao longo da</p><p>história humana, mas se buscou deixar claro, nesta primeira seção, que a cultura</p><p>desempenha um papel preponderante para a análise do tema e que estabelece</p><p>relações de poder capazes que podem ser interpretadas pelo modo como justificam</p><p>a atribuição de valor humano diferente a determinados grupos na sociedade,</p><p>inferiorizando-os e mantendo privilégios já estabelecidos. Esse jogo de poder se dá</p><p>por meio da aplicação de forças, que atuam em diferentes camadas da vida em</p><p>sociedade e são percebidas a partir do modo como alteramos nossa perspectiva</p><p>para abordar os problemas sociais derivados da discriminação. Por todos os</p><p>diferentes olhares, fica evidente a formação de preconceitos e a violência que</p><p>perpetuam as desigualdades sociais (MARIN, 2020).</p><p>46</p><p>9.2 A relação entre discriminação, preconceito e violência</p><p>Nem mesmo o maior negacionista, quanto à discriminação, poderia admitir</p><p>que existe igualdade social na atualidade, uma vez que fartos são os exemplos do</p><p>aleijamento de parcelas representativas da sociedade com base em critérios de</p><p>aparência física, orientação sexual, de gênero ou religiosa. Existe um sem número</p><p>de evidências históricas muito bem documentadas que nos ajudam a compreender</p><p>que determinados extratos da sociedade são considerados seres humanos de</p><p>menor valor.</p><p>Como vimos anteriormente, esse fenômeno social será analisado sob a</p><p>perspectiva das relações de poder, e a aplicação dessa categoria de análise</p><p>sociológica tornará mais claro o modo pelo qual a discriminação se forma e se</p><p>manifesta na sociedade. O ponto de partida para nossas análises se dará a partir</p><p>da obra de Elias e Scotson (2000). Elias explica que encontrou, em uma pequena</p><p>comunidade no interior da Inglaterra, um tema humano universal para realizar um</p><p>estudo sociológico sobre as relações de poder.</p><p>O foco do estudo inicialmente tratava de diferentes índices de delinquência</p><p>entre dois grupos de moradores de uma pequena comunidade, chamada Winston</p><p>Parva, na qual vivia uma parcela da população constituída de antigos habitantes e</p><p>outra com novos moradores, desabrigados pelos bombardeios nazistas durante a II</p><p>Guerra Mundial, que ocupavam um conjunto residencial composto de 700 casas.</p><p>Entretanto, logo que o pesquisador vai a campo, os índices começam a se</p><p>estabilizar e, com o passar do tempo, não mais se nota alguma diferença evidente</p><p>entre o agrupamento dos antigos e dos novos moradores (ELIAS; SCOTSON,</p><p>2000).</p><p>Elias passa a se interessar pela relação estabelecida entre os novos e</p><p>antigos moradores daquela comunidade, que não possuíam grandes diferenças</p><p>raciais, religiosas ou salariais. O autor chama de “estabelecidos” os antigos</p><p>residentes de Winston Parva, de “outsiders” os recém-chegados, e orienta suas</p><p>análises a relacionarem os comportamentos, o linguajar utilizado e a percepção</p><p>47</p><p>coletiva que se dá a partir da perspectiva de “estabelecidos” e “outsiders” (ELIAS;</p><p>SCOTSON, 2000).</p><p>Os autores identificam no grupo “estabelecido” um maior grau de coesão</p><p>social, o que explica sua maior eficiência na aplicação de forças para se manterem</p><p>em espaços de poder, evidenciada pelas organizações comunitárias existentes —</p><p>a participação nessas organizações garantia status diferenciado perante os demais</p><p>habitantes. Essa coesão também possibilitava ao grupo “estabelecido” um rápido</p><p>compartilhamento de significados entre seus membros, uma vez que todos se</p><p>conheciam de longa data. Esse processo inicial é chamado por Elias de</p><p>“estigmatização” e ocorre quando o conjunto de preconceitos individuais se torna</p><p>parte de um grupo (ELIAS; SCOTSON, 2000).</p><p>Nessa obra, os sociólogos apresentam anotações realizadas a partir de</p><p>depoimentos espontâneos dos “estabelecidos” que tornam evidente a classificação</p><p>dos “outsiders” como pessoa de categoria inferior (ELIAS; SCOTSON, 2000). É</p><p>possível notar, nessas anotações, que são realizadas generalizações ao grupo</p><p>“outsider” que confrontam os valores cultivados pelo grupo “estabelecido”, como</p><p>com relação a higiene pessoal, caráter, preferência política ou hábitos de consumo</p><p>alcóolico. Esses pequenos preconceitos, conforme vão tomando um caráter de</p><p>grupo, transformam-se em estigmas que caracterizam pejorativamente o grupo</p><p>“outsider”.</p><p>É curiosa e pertinente a referência de Elias com relação ao papel da fofoca</p><p>nesse processo, uma vez que a informação circula de maneira muito mais eficiente</p><p>entre um grupo coeso socialmente do que em um fragmentado, como é a</p><p>característica da população residente no conjunto habitacional (ELIAS; SCOTSON,</p><p>2000). A piada, a caricatura e a generalização são aplicadas de modo a depreciar</p><p>o alvo das informações transmitidas entre os habitantes antigos da comunidade e</p><p>que foram ouvidos pelo pesquisador, o qual registrou, também, impressões sobre o</p><p>tom de voz e o vocabulário utilizados na fofoca, cuja motivação subjetiva era</p><p>enfatizar a superioridade de um grupo em detrimento de outro (ELIAS; SCOTSON,</p><p>2000).</p><p>48</p><p>Essa análise realizada por Elias (ELIAS; SCOTSON, 2000) e que vai do</p><p>indivíduo para o coletivo é também empreendida por Almeida (2019), que descreve</p><p>o racismo estrutural, que se inicia com o preconceito, individual, baseado em</p><p>estereótipos, e a discriminação, a partir da qual um grupo se beneficia com a</p><p>aplicação da força para a manutenção do poder.</p><p>Para Almeida (2019), a discriminação possui uma concepção individualista</p><p>segundo a qual as ações de violência são praticadas por grupos isolados ou</p><p>indivíduos que se comportam irracionalmente, contrários a uma ética que se regula</p><p>juridicamente a fim de punir ou indenizar, o que bastaria, na opinião de alguns, para</p><p>resolver o problema do racismo. Para o autor, embora sejam chocantes os</p><p>exemplos que justificam a análise individualista do problema da discriminação na</p><p>sociedade, deve-se também atentar para uma abordagem institucional e estrutural</p><p>sobre o problema, porque essas, sim, dão uma dimensão do processo histórico que</p><p>mantém as desigualdades e impede certos estratos sociais de participarem de</p><p>forma justa dos jogos de poder que se estabelecem ao longo da vida dos indivíduos</p><p>em sociedade.</p><p>Pela concepção institucional, Almeida (2019) chama a atenção para a</p><p>compreensão de como a cultura e os padrões estéticos são estabelecidos e para o</p><p>modo como são preenchidos os cargos de instituições públicas e privadas. Assim,</p><p>é chamado de racismo institucional aquele que se repete segundo uma orientação</p><p>que mantém os sistemas sociais estáveis.</p><p>Já a análise do racismo pela perspectiva estrutural abrange a sociedade</p><p>como um todo, o processo de constituição dos indivíduos e o funcionamento de</p><p>diversas instituições públicas ou privadas, de modo que a responsabilização jurídica</p><p>não satisfaz as premissas necessárias à mudança social necessária para a</p><p>prevenção e para o combate à reprodução de desigualdades baseadas em um jogo</p><p>de poder, que reforça as assimetrias ao longo do processo político e histórico da</p><p>sociedade.</p><p>Os preconceitos são fonte da discriminação e organizam simbolicamente o</p><p>estrato social que desempenha o papel de “outsider”, que, portanto, é excluído das</p><p>diferentes organizações sociais, seja de instituições públicas ou privadas, nas quais</p><p>Positivo</p><p>Realce</p><p>49</p><p>o jogo de poder pode ser amplificado e influenciar o funcionamento dessas</p><p>instituições e da cultura como um todo.</p><p>Qualquer tipo de discriminação que se desenvolve historicamente, a ponto</p><p>de influenciar o processo político de uma sociedade, pode ser analisado quanto ao</p><p>seu desenvolvimento estrutural, a partir das marcas que deixa ao longo da história</p><p>e de relatos sobre diferentes conflitos que mobilizam a opinião pública de modo</p><p>cada vez mais intenso, na mesma proporção em que se popularizam os dispositivos</p><p>capazes de produzir textos, sons e imagens a serem publicados em servidores</p><p>conectados à internet.</p><p>Os registros de violência moral ou física que determinados grupos sociais</p><p>sofrem viralizam on-line e mobilizam a atenção pública sobre o tema da igualdade.</p><p>Normalmente, trazem imagens fortes, que nos fazem imediatamente repudiar o uso</p><p>da violência, notadamente expressa em função de raça, gênero, orientação sexual,</p><p>religiosa ou de qualquer situação que indique uma identidade coletiva</p><p>discriminatória. O que alerta Almeida (2019), aplicado ao racismo, é que a</p><p>sociedade deve focar seus esforços nos pilares estruturantes da discriminação, e</p><p>não apenas criminalizar atos isolados, com a finalidade de viabilizar uma sociedade</p><p>da qual todos participem de modo igualitário.</p><p>A elaboração de medidas para a promoção de ações afirmativas é a</p><p>principal atitude tomada por instituições públicas</p><p>e privadas para tentar romper</p><p>diversas formas de discriminação que estão estruturalmente presentes na</p><p>sociedade, como é o caso daquela que identifica os grupos humanos segundo</p><p>funções que devem desempenhar na sociedade, os chamados “papéis sociais”</p><p>(CASTELLS, 2010), segundo os quais, por exemplo, as mulheres são associadas</p><p>ao trabalho doméstico ou pessoas negras devem assumir posições de servidão.</p><p>Por isso, são criadas políticas de cotas raciais para a ocupação de</p><p>empregos ou de vagas em instituições de ensino superior, o que torna possível à</p><p>sociedade desvincular a ideia de funções sociais associadas a categorias de</p><p>estratificação e permite igualdade de oportunidades para a diversidade humana que</p><p>compõe a sociedade como um todo.</p><p>50</p><p>9.3 Consequências da discriminação para a dignidade humana</p><p>A ideia de direitos humanos enquanto parte de um pressuposto de</p><p>igualdade tem fortes fundamentos lançados no pensamento ocidental durante o</p><p>Iluminismo, a cujos filósofos devemos a organização do Estado moderno, enquanto</p><p>uma república, composta por três poderes que se autorregulam e são regidos por</p><p>leis. À época, as elites intelectuais, sobretudo na França e na Inglaterra,</p><p>empenharam-se em questionar o regime político absolutista, em que a nobreza e a</p><p>igreja se constituíam como grupos “estabelecidos” e todo o restante da população,</p><p>amplamente majoritária, como “outsiders”.</p><p>Locke (1983) já apresenta em sua obra a ideia de direitos naturais como</p><p>sendo aqueles evidentes à razão e que tratam da preservação da vida, da saúde,</p><p>da liberdade e das posses. Na França, a Assembleia Nacional Constituinte aprova,</p><p>em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na qual todos os</p><p>seres humanos são agrupados em uma categoria única, da “humanidade”, nascem</p><p>livres e compartilham os mesmos direitos.</p><p>Depois do Iluminismo e de seus ensinamentos para a constituição de uma</p><p>ordem social capaz de buscar o estado de igualdade entre os seres humanos, um</p><p>marco histórico de violência motivado pela discriminação é fartamente</p><p>documentado no século XX e expõe ao mundo, com registros visuais, as</p><p>atrocidades cometidas contra os judeus durante a II Guerra Mundial, cuja barbárie</p><p>fez nascer a necessidade de um compromisso global que evidenciasse a</p><p>preservação de direitos mínimos capazes de preservar a dignidade humana e,</p><p>portanto, indicassem a contramão do que pode ocorrer com a discriminação de</p><p>certos estratos sociais na vida em sociedade. Imediatamente após a guerra, é</p><p>fundada a Organização das Nações Unidas e, três anos depois, promulgada a</p><p>Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em 1948.</p><p>A DUDH não tem força de lei, serve apenas como inspiração para o ideal</p><p>de igualdade e da preservação da dignidade humana, e sua autoria é resultado do</p><p>esforço de um organismo multilateral, com abrangência global. A partir desse marco</p><p>internacional, movimentos sociais começam a ganhar notoriedade, sobretudo nos</p><p>51</p><p>Estados Unidos, o que culmina com a aprovação, em 1964, da legislação que</p><p>garante os direitos civis (Civil Rights Act) a todos os cidadãos e criminaliza a</p><p>discriminação baseada em raça, cor, religião, orientação sexual ou nacionalidade.</p><p>No Brasil, o artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 2016), que trata de</p><p>direitos e deveres individuais e coletivos, prevê a igualdade perante a lei e protege</p><p>a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade de todos os brasileiros</p><p>e estrangeiros residentes aqui. Nota-se, evidentemente, o alinhamento da</p><p>legislação brasileira aos ideais do Iluminismo; entretanto, apesar disso, o Brasil é</p><p>um dos países mais desiguais do mundo, e a discriminação contra mulheres, negros</p><p>e homossexuais se expressa de modo estrutural em diversas perspectivas de</p><p>análise social, como trabalho, renda, escolaridade e violência.</p><p>Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, outras iniciativas</p><p>legislativas foram realizadas para tentar mitigar o problema da discriminação sob a</p><p>forma penal, que tipifica crimes contra minorias, como os que ocorrem motivados</p><p>contra as mulheres e contra os negros. Já a legislação que se relaciona aos</p><p>homossexuais ou outros representantes da comunidade LGBTQ+ não foi aprovada</p><p>pelo Congresso Federal, mas, em 2019, o Supremo Tribunal Federal determinou</p><p>que os crimes de racismo sejam aplicados a esses casos até que uma lei específica</p><p>seja aprovada pelo poder legislativo.</p><p>A regulamentação de marcos legais que chamam a atenção para atos</p><p>discriminatórios na sociedade é importante, mas, como já mencionado</p><p>anteriormente, não bastam para o enfrentamento do caráter estrutural do problema.</p><p>Portanto, os governos, a sociedade civil organizada e as instituições privadas têm</p><p>se mobilizado conjuntamente para que a promoção da igualdade e a proteção da</p><p>dignidade humana se afirmem como direitos fundamentais no mundo em que</p><p>vivemos.</p><p>Entre as ações afirmativas que visam a promoção da igualdade, podemos</p><p>citar as políticas de cotas, que são aplicadas em universidades públicas, partidos</p><p>políticos, concursos públicos e no contexto do preenchimento de vagas de trabalho</p><p>em algumas empresas privadas. Essas iniciativas, muito questionadas na</p><p>sociedade atual, visam a promoção de ações que impliquem a melhoria de</p><p>Positivo</p><p>Realce</p><p>52</p><p>perspectivas de mobilidade social, qualidade de vida e promoção da diversidade em</p><p>diferentes esferas públicas e privadas da vida em sociedade.</p><p>O problema da discriminação tem sido potencializado na atualidade em</p><p>virtude do registro de atos violentos contra minorias sociais com dispositivos móveis</p><p>e que são publicados em redes sociais, gerando ampla divulgação e comovendo</p><p>parcelas amplas da população em torno do tema da igualdade e da importância de</p><p>combater a discriminação com amplitude global (SUDRÉ, 2020).</p><p>No ano de 2020, uma agressão policial ocorrida na cidade de Mineápolis,</p><p>nos EUA, que levou à morte de um homem negro por asfixia, foi filmada e publicada</p><p>em redes sociais. As imagens do policial ajoelhado sobre o pescoço da vítima,</p><p>causando o sufocamento, viralizaram e motivaram diversos protestos, mundo afora,</p><p>sob o slogan Black Lives Matter (em português, vidas negras importam), chamando</p><p>a atenção da opinião pública global para o fato de que o tema da igualdade racial</p><p>ainda deverá percorrer uma longa trajetória até que se efetive enquanto uma prática</p><p>social amplamente aceita e respeitada por todos.</p><p>Entretanto, como lembra Almeida (2019), não é por meio do mero combate</p><p>à violência que o problema da discriminação pode ser enfrentado, já que isso pode</p><p>levar a sociedade a interpretações equivocadas sobre a centralidade do caráter</p><p>individual da discriminação — nesse sentido, o autor chama a atenção para o</p><p>aspecto estrutural do problema.</p><p>A discriminação, portanto, deve ser compreendida de modo cultural,</p><p>difundida na sociedade por meio de estratégias de dominação que mantêm a</p><p>centralidade do poder em grupos que são historicamente privilegiados e que</p><p>produzem a estigmatização de outros grupos como uma forma de colocar em</p><p>evidência seu valor inferior na sociedade.</p><p>É possível mudar esse quadro, mas a solução passa por uma ampla</p><p>conscientização sobre o modo como a discriminação está amplamente inserida na</p><p>sociedade, não se restringindo apenas a pequenos grupos ou indivíduos que</p><p>apresentam comportamentos desviantes, cuja violência é capaz de sensibilizar a</p><p>sociedade para a necessidade de mudanças. Contudo, ao mesmo tempo, faz com</p><p>que a real magnitude do problema seja minimizada pela exemplar punição de alguns</p><p>53</p><p>poucos casos isolados mobilizados pela opinião pública, relacionados a violência</p><p>física, enquanto a violência cotidiana, a segregação e a desigualdade de</p><p>oportunidades ferem direitos fundamentais que tentam ser implementados em</p><p>diversas partes do mundo há mais de 200 anos, ainda sem sucesso.</p><p>10 DESIGUALDADES ÉTNICO-RACIAIS</p><p>Desde a Antiguidade, a expansão territorial era perseguida pelas nações.</p><p>Assim, foram criados os contextos de dominação. Como você sabe, o processo</p><p>expansionista deixou marcas tanto nas sociedades colonizadas quanto nas</p><p>colonizadoras. No Brasil, último país ocidental a abolir a escravatura, as raízes</p><p>históricas de dominação do povo negro deixaram um legado de marginalização</p><p>social. Por isso, as ações afirmativas e as políticas públicas se voltam, no século</p><p>XXI, a resgatar a dívida histórica e devolver as possibilidades que são devidas a</p><p>esse povo (AUGUSTINHO, 2019).</p><p>10.1 Desigualdades simbólicas e estruturais à luz da sociologia brasileira</p><p>Os estudos de Fernandes (1978) datados da década de 1960 colocaram</p><p>em xeque as leituras anteriores das relações raciais no Brasil. Nas décadas de 1940</p><p>e 1950, havia a ideia de que o Brasil era um país miscigenado, composto por</p><p>inúmeras raças e etnias e que, portanto, não existiriam por aqui comportamentos</p><p>racistas ou excludentes. Para Fernandes (1978), contudo, as falas sobre o tema</p><p>não condiziam com a realidade. Filho de uma lavadeira, esse sociólogo tivera</p><p>experiências de vida que indicavam que os trabalhadores braçais, mais pobres,</p><p>eram em sua maioria negros ou descendentes de famílias negras. As classes mais</p><p>abastadas, no entanto, aquelas que contratavam os serviços de sua mãe, eram</p><p>compostas por uma maioria branca. Se havia tanta diferença racial entre as classes,</p><p>como não havia racismo? Fernandes (1978) entendeu que as relações de raça no</p><p>Brasil tinham um recorte de classe: as classes mais baixas eram negras, e as mais</p><p>54</p><p>altas, brancas. Para ele, o termo “racismo” aparece como “preconceito de cor”</p><p>(FERNANDES, 1978).</p><p>A leitura da democracia racial era estimulada especialmente por duas obras</p><p>de Gilberto Freyre: Casa-Grande & Senzala e Sobrados e Mucambos. Freyre (1981)</p><p>produziu ensaios sociológicos de extrema importância, narrando as formas de vida</p><p>e a relação entre os núcleos sociais brancos e negros no Brasil pós-colonial. A</p><p>análise desse sociólogo, no entanto, é mais suave no tocante aos conflitos e</p><p>problemas vividos pelo povo negro após a abolição da escravatura, já que não</p><p>houve qualquer política de auxílio para aqueles que, longe de seu continente natal,</p><p>não tinham empregos ou moradia. Em 1955, a Organização das Nações Unidas</p><p>para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) financiou um projeto</p><p>desenvolvido por Florestan Fernandes e Roger Bastide sobre as possibilidades de</p><p>harmonia racial.</p><p>De acordo com Nogueira (2007), as leituras sobre as relações raciais no</p><p>Brasil e a condição do negro na estrutura social brasileira se iniciaram a partir de</p><p>três perspectivas: a interpretação afro-brasileira iniciada por Nina Rodrigues, que</p><p>tinha foco nas contribuições de africanos escravizados e seus descendentes na</p><p>cultura brasileira; a análise histórica de como o negro passa a fazer parte da cultura</p><p>brasileira, cujo principal expoente seria Gilberto Freyre; e a vertente sociológica,</p><p>que se preocuparia com a interpretação das relações sociais entre brancos e negros</p><p>na sociedade brasileira.</p><p>As duas perspectivas iniciais citadas por Nogueira (2007) tinham a</p><p>tendência a romantizar a presença do negro na sociedade e na história brasileiras,</p><p>salientando as cores trazidas por sua cultura, sua música, sua culinária. Mas,</p><p>embora não o negassem, tais perspectivas não refletiam sobre o fato de que essa</p><p>contribuição se deu forçadamente, já que o povo negro nunca foi convidado a</p><p>povoar terras brasileiras, mas foi forçado via escravidão. A dimensão da violência e</p><p>da segregação econômica vividas nos períodos pré e pós-abolição não era</p><p>mencionada.</p><p>A perspectiva das relações sociais entre brancos e negros se inicia no</p><p>Brasil, ainda de acordo com Nogueira (2007), em 1935, por meio de estudos</p><p>55</p><p>conduzidos na Bahia por Donald Pierson, publicados em São Paulo na Revista do</p><p>Arquivo Municipal e na Revista Sociologia. Durante as décadas de 1940 e 1950, a</p><p>presença do negro nos “sertões” brasileiros foi o foco dos estudos, com olhar</p><p>voltado para seu trabalho nos campos de cana-de-açúcar e nas usinas. Criava-se</p><p>o estereótipo do negro sertanejo. Mas foi entre 1950 e 1960 que, financiados pelos</p><p>projetos da UNESCO, sociólogos brasileiros e estrangeiros debruçaram-se sobre</p><p>as formas de relacionamento e os trânsitos sociais do negro no Brasil.</p><p>Se você considerar que no mesmo período, nos Estados Unidos, havia as</p><p>lutas pelos direitos civis da população negra, vai perceber que esse movimento</p><p>despertou o interesse de outros países em compreender as suas “relações raciais”.</p><p>Por isso, a questão da “situação racial” se torna preponderante: como o negro se</p><p>encontra nas sociedades pós-escravocratas? Como a raça que o dominava se</p><p>comportava então? Assim, há um deslocamento: do olhar romantizado sobre as</p><p>contribuições culturais do negro para o sangue e a violência envolvidos nessa</p><p>contribuição forçada. Além disso, passam a ser considerados os resultados</p><p>negativos para os descentes dos escravizados, em contraponto ao lucro e à</p><p>acumulação de quem os mantinha cativos.</p><p>Fernandes (1978), avaliando esse quadro, indica que a situação racial no</p><p>Brasil seria ainda de dominação; não uma dominação inteiramente baseada na</p><p>raça, mas na classe. Observe que, com isso, o sociólogo afirma que ainda havia</p><p>dominação: ocorrera uma transferência de poder simbólico de dominação após a</p><p>abolição da escravidão, uma vez que o povo negro não tinha retido a sua liberdade,</p><p>mas também não tinha espaço para ascender socialmente. Afinal, não havia</p><p>políticas sociais que os acolhessem como cidadãos tais quais os brancos, deixando-</p><p>os à própria sorte. Entre 1920 e 1940, a intensa migração europeia para o Brasil</p><p>encontrou aqui uma estrutura de acolhimento e de respeito à dignidade humana e</p><p>social que os negros nunca encontraram, especialmente por meio do trabalho formal</p><p>e da possibilidade de educação, o que, numa sociedade capitalista, pode significar</p><p>a manutenção ou a ascensão social.</p><p>Nogueira (2007, p. 291) afirma:</p><p>56</p><p>De um modo geral, tomando-se a literatura referente à “situação racial”</p><p>brasileira, produzida por estudiosos ou simples observadores brasileiros e</p><p>norte-americanos, nota-se que os primeiros, influenciados pela ideologia</p><p>de relações raciais característica do Brasil, tendem a negar ou a</p><p>subestimar o preconceito aqui existente, enquanto os últimos, afeitos ao</p><p>preconceito, tal como se apresenta este em seu país, não o conseguem</p><p>“ver”, na modalidade que aqui se encontra. Dir-se ia que o preconceito, tal</p><p>como existe no Brasil, cai abaixo do limiar de percepção de quem formou</p><p>sua personalidade na atmosfera cultural dos Estados Unidos.</p><p>A baixa “percepção” do racismo no Brasil se deve a um elemento principal:</p><p>haveria no País uma distinção entre o preconceito de marca e o preconceito de</p><p>origem. O preconceito de marca seria o racismo mais facilmente observado na</p><p>América do Norte, onde pessoas negras e seus descendentes são segregados por</p><p>pertencerem a essa etnia, independentemente de serem birraciais ou “mestiços”.</p><p>No Brasil, esse preconceito estaria firmemente associado também à</p><p>condição social e à classe do sujeito: um negro que ascende socialmente seria</p><p>“aceito” mais facilmente pela sociedade branca, “quase” como um igual. Mas um</p><p>homem negro pobre não teria qualquer privilégio ou passibilidade. Haveria ainda</p><p>algumas diferenças na questão do colorismo: no Brasil, indivíduos com ascendência</p><p>multirracial com pele clara e fenótipos próximos aos brancos teriam mais</p><p>“passibilidade” social, ou seja, se passariam por brancos e sofreriam menos</p><p>racismo. Países como os Estados Unidos mantêm a política da “única gota”: uma</p><p>única gota de sangue negro tornaria a pessoa também negra, independentemente</p><p>da cor da pele e dos fenótipos. Com isso, Nogueira (2007) diz que ainda existem</p><p>preconceito e racismo no Brasil,</p><p>mas que eles são velados quando o indivíduo</p><p>ascende socialmente, porque seria vantajoso manter o trânsito social livre entre as</p><p>classes abastadas.</p><p>10.2 O fator biológico e o fator social no conceito de raça</p><p>Você provavelmente já viu um mapa-múndi. Já reparou que nas</p><p>representações cartográficas o continente europeu está sempre centralizado? O</p><p>planeta Terra é redondo e não tem “centro”. Se um astronauta observar o planeta</p><p>do espaço, a parte central vai depender da localização do próprio viajante espacial.</p><p>57</p><p>As representações da Europa como central nos mapas não são acidentais. Elas</p><p>estão ali porque representam a visão dos povos que empreenderam as grandes</p><p>expansões marítimas a partir do século XIV. Para os expansionistas,</p><p>conquistadores de territórios, o centro do mundo era a própria terra natal, e o</p><p>restante, adjacência, territórios “descobertos”.</p><p>O problema dessa visão é que boa parte dos territórios descobertos nessas</p><p>jornadas eram novos apenas para os europeus, mas, por vezes, mantinham</p><p>sociedades centenárias e até milenares. Então, a descoberta só podia pertencer</p><p>aos povos europeus por meio da conquista e do domínio. Assim, houve a imposição</p><p>da cultura, das estruturas e até da constituição física do que seria “central”. Peles</p><p>claras e provenientes da Europa eram o centro, e o que não condizia com essa</p><p>descrição, periférico. Nas lutas pelo espaço social ao longo dos períodos de</p><p>dominação de um povo por outros, constituiu-se a ideia de que uma raça poderia</p><p>ser superior a outra. O nazismo, modelo político de extrema direita que precedeu a</p><p>Segunda Guerra Mundial na Alemanha, se constituiu baseado na ideia de</p><p>superioridade física, intelectual e moral da raça ariana, subjugando outros povos,</p><p>especialmente os judeus.</p><p>Os europeus não foram os únicos povos a empreender jornadas de</p><p>conquista e dominação de territórios. Muitas sociedades o fizeram, incluindo</p><p>sociedades orientais, árabes e africanas. Porém, a expansão imperialista do Velho</p><p>Continente, especialmente a partir do século XV, fez com que houvesse ali</p><p>centralização política e de poder econômico. Com os territórios dominados</p><p>tornando-se independentes, a partir do século XIX, houve a manutenção dos valores</p><p>imperialistas, criando uma leitura eurocêntrica de mundo.</p><p>Os conflitos étnicos tampouco se baseiam apenas na relação entre países</p><p>centrais e periféricos, mas o racismo se estabelece essencialmente por meio dessa</p><p>relação. Afinal, ele foi a motivação da escravização de sociedades negras diversas</p><p>com vistas ao lucro dos países colonizadores (AUGUSTINHO, 2019).</p><p>O racismo e os conflitos étnicos são derivados da ideia de que um povo é</p><p>central, superior, e que outros povos, com peles, fenótipos, culturas ou religiões</p><p>diferentes, devem ser inferiorizados. Mas, como você vai ver, há na interpretação</p><p>58</p><p>racista também um viés econômico, já que normalmente as raças e etnias que se</p><p>tentam subjugar passam a ser economicamente dominadas e exploradas.</p><p>O racismo e os conflitos étnicos, portanto, se constituem no exercício da</p><p>dominação e da violência, bem como da subjugação simbólica pautada na exclusão</p><p>e no apagamento da individualidade. No Brasil, o mito da democracia racial vem</p><p>constantemente sendo negado, e o racismo, apontado — especialmente pela</p><p>geração de brasileiros negros nascida a partir de fins dos anos 1980 e início dos</p><p>anos 1990. O racismo se mostra especialmente pela marginalização social da</p><p>população negra, assim como pelo encarceramento sumário do povo negro.</p><p>Religiões de matriz africana são discriminadas, a ponto de sofrerem atentados em</p><p>seus prédios, como apedrejamento e incêndios criminosos, especialmente no Rio</p><p>de Janeiro, onde fiéis não estão seguros para expressar livremente sua religião (o</p><p>que é garantido pela Constituição), correndo o risco de sofrer represálias.</p><p>Conflitos étnicos são disputas culturais. Normalmente, acontecem em</p><p>associação a uma disputa também territorial. Pode não haver a intenção de domínio</p><p>da outra cultura, mas de legitimação religiosa, cultural ou ancestral. Quando os</p><p>conflitos étnicos se associam a disputas territoriais, pode haver movimentos</p><p>separatistas, em que a comunidade pretende formar um novo Estado, pautado em</p><p>suas próprias características culturais e/ou religiosas. Quando essa intenção</p><p>separatista é completamente refutada pelo Estado em que a comunidade em</p><p>conflito se encontra, o desgaste pode evoluir para uma guerra.</p><p>O conflito entre Israel e Palestina pode ser considerado um conflito étnico</p><p>por disputa de território. Em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU)</p><p>delimitou um Estado duplo israelense e palestino, mas em 1948 foi criado o Estado</p><p>de Israel, que recebeu judeus de todo o mundo após o holocausto. Porém, a região</p><p>era previamente habitada por palestinos, árabes de cultura majoritariamente</p><p>islâmica. A disputa cultural se inicia especialmente por Jerusalém, a chamada Terra</p><p>Santa, território importante para cristãos e muçulmanos. Para palestinos, Jerusalém</p><p>ainda é árabe, e para israelenses, pertence aos hebreus. Os Estados tomaram a</p><p>frente do conflito, gerando ataques e ofensivas constantes, com períodos de paz e</p><p>outros mais violentos (AUGUSTINHO, 2019).</p><p>59</p><p>O racismo, por sua vez, é a inferiorização de uma raça associada à</p><p>supervalorização de outra. Existem novas abordagens sociológicas que indicam</p><p>que o racismo só acontece quando há a possibilidade de dominação estrutural ou</p><p>hegemônica da raça discriminada. Essa nova leitura indica que no Brasil, por</p><p>exemplo, o racismo se dá pela marginalização e pela inferiorização de pessoas</p><p>negras ou indígenas por brancos, porque os brancos são estruturalmente</p><p>dominantes, sendo maioria na arena política e na detenção de recursos financeiros.</p><p>Quando um indivíduo de cultura não dominante discrimina outra cultura ou</p><p>indivíduo de grupo social distinto, haveria então episódio de preconceito ou injúria</p><p>racial. Isso porque sua discriminação, embora possa ter impactos emocionais</p><p>negativos no indivíduo ofendido, não pode causar cerceamentos políticos ou</p><p>econômicos, porque ele não tem o poder estrutural. Vertentes sociológicas</p><p>tradicionais, por sua vez, indicam que racismo é toda e qualquer ação de</p><p>inferiorização, discriminação ou segregação de um grupo sociocultural baseada em</p><p>elementos culturais, religiosos ou fenotípicos, independentemente do grupo que</p><p>ofende ou que é ofendido.</p><p>O escopo biológico indica que a utilização do termo “raça” para seres</p><p>humanos é inadequada. Isso porque a raça seria a determinação de uma</p><p>subespécie, ou de várias subespécies, atreladas a uma espécie. Ou seja, ela</p><p>identificaria diferenças genéticas significativas entre grupos diversos, porém</p><p>pertencentes à mesma espécie. Seres humanos não possuem diferenças genéticas</p><p>significativas entre si a ponto de formar subgrupos. Pelo contrário, as estruturas dos</p><p>códigos genéticos são praticamente indistintas, independentemente dos fenótipos,</p><p>como cor da pele, cabelos e olhos e estrutura física. Por isso, a determinação do</p><p>termo “raça” a partir dos pressupostos biológicos é errônea.</p><p>Do ponto de vista sociológico, o termo “raça” tende a ser utilizado para a</p><p>identificação de grupos sociais com traços culturais, sociais e religiosos específicos,</p><p>havendo ou não características fenotípicas associadas (BOBBIO et al., 1998). No</p><p>caso da sociologia brasileira, esse termo é utilizado para identificar o racismo, ação</p><p>discriminatória vivida por indivíduos afro-brasileiros. Contudo, não é adequado,</p><p>considerando a leitura biológica, identificar grupos culturais quaisquer como raças.</p><p>60</p><p>11 CULTURAS AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA NA SOCIEDADE</p><p>BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA</p><p>O século XVI foi marcado por um choque cultural sem proporções na</p><p>história da humanidade, pois colocou em lados opostos grupos com culturas e</p><p>visões de mundo antagônicas. Portugueses e indígenas possuíam entendimentos</p><p>distintos em relação à riqueza, à utilização da terra, ao trabalho, às relações</p><p>pessoais, à organização social, etc. Esse caldo cultural “engrossa” mais quando um</p><p>novo elemento entra em cena, o africano. Como você vai ver, aspectos culturais de</p><p>origem africana e indígena contribuíram para a formação do Brasil. Apesar da</p><p>violência à qual os indígenas e africanos foram historicamente submetidos, eles</p><p>conseguiram burlar as regras estabelecidas e sobreviver, mesclando sua cultura à</p><p>cultura dominante e tornando o Brasil, ao contrário do que pretendiam os</p><p>colonizadores portugueses, um país plural.</p><p>11.1 A colonização do Brasil: táticas de resistência cultural</p><p>O processo de conquista e colonização das terras brasileiras pelos</p><p>portugueses se inseriu na lógica da expansão ultramarina europeia, iniciada no</p><p>século XV pelos reinos ibéricos de Portugal e Espanha e difundido, posteriormente,</p><p>para as demais nações daquele continente. De maneira geral, esses reinos</p><p>buscaram expandir o seu território conquistando novos mercados consumidores,</p><p>obtendo recursos naturais e eliminando outros povos que se opuseram aos seus</p><p>objetivos. Esse empreendimento colocou em contato visões de mundo antagônicas</p><p>que dificilmente poderiam conviver de maneira pacífica, uma vez que o modelo</p><p>colonizador utilizado pelos europeus determinava apenas um padrão de</p><p>comportamento, o proposto pelos próprios colonizadores, que deveria ser seguido</p><p>à risca pelos colonizados. Isso traz à tona a violência que todo processo de</p><p>colonização possui em sua essência: a eliminação do outro, seja física, simbólica</p><p>ou culturalmente.</p><p>61</p><p>Certeau (2009), em A Invenção do Cotidiano, analisou como o ser humano</p><p>consegue criar um modelo de comportamento denominado por ele de “arte de</p><p>fazer”. Fugindo dos padrões e regras impostos pelo modelo dominante, os</p><p>indivíduos inventam o seu cotidiano criando, de maneira sutil, diversas “táticas” de</p><p>resistência e sobrevivência, de modo que códigos e objetos são alterados em seu</p><p>benefício. Essa noção é de suma importância para que você possa compreender</p><p>como se deu a permanência de características culturais de africanos e indígenas na</p><p>cultura brasileira.</p><p>Essa questão evidencia as condições nas quais a nação brasileira foi</p><p>forjada. Estava em jogo um projeto político criado pela coroa portuguesa, que</p><p>deveria ser levado a cabo por indivíduos que vinham para a terra brasilis em busca</p><p>de fama e riqueza, incentivados pela notícia de que ouro e prata haviam sido</p><p>encontrados pela coroa espanhola no mesmo continente. Apesar de ser pioneiro no</p><p>processo das grandes navegações, o reino de Portugal não possuía condições</p><p>materiais suficientes para efetivar a conquista e a posse do território. Além disso,</p><p>havia total desconhecimento da fauna e da flora da região, uma vez que o litoral</p><p>brasileiro é formado por aproximadamente 7.300 km de extensão, habitados então</p><p>por povos distintos.</p><p>11.2 Os indígenas sob o olhar europeu: entre o bom e o mau selvagem</p><p>A expansão ultramarina levou os europeus ao encontro de um continente</p><p>até então desconhecido por eles: a América. Da mesma maneira, houve um</p><p>conhecimento das populações nativas dessa região, que, apesar de possuírem</p><p>características heterogêneas entre si, se assemelhavam por se diferenciarem física</p><p>e culturalmente dos europeus. No aspecto cultural, é emblemática a percepção das</p><p>diferenças na organização social, a qual diferia bastante dos modelos preconizados</p><p>pelas sociedades europeias.</p><p>A percepção das diferenças entre indígenas e europeus suscita um debate</p><p>acerca da humanidade daqueles. Os portugueses se questionavam sobre a</p><p>62</p><p>existência da alma indígena e sobre a possível conversão dos índios. Sobre essa</p><p>questão, veja o que afirma Laplantine (2007, p. 37–38):</p><p>A grande questão que é então colocada, e que nasce desse primeiro</p><p>confronto visual com a alteridade, é a seguinte: aqueles que acabaram de</p><p>ser descobertos pertencem à humanidade? O critério essencial para saber</p><p>se convém atribuir- -lhes um estatuto humano é, nessa época, religioso: o</p><p>selvagem tem uma alma? O pecado original também lhes diz respeito?</p><p>O olhar europeu sobre a população nativa cria dois modelos que servem de</p><p>explicação para a percepção a respeito dos indígenas durante o processo de</p><p>colonização. Esses arquétipos inserem grupos inteiros sob uma mesma</p><p>denominação, estabelecendo modelos de ação perante a população nativa. São</p><p>eles: o “bom selvagem” e o “mau selvagem”. A definição de mau selvagem recai</p><p>sobre aqueles indivíduos que possuem estas três características: “estar nu ou</p><p>vestido de peles de animais” (aparência física); “comer carne crua/canibalismo”</p><p>(comportamentos alimentares); “falar uma língua ininteligível” (inteligência, a partir</p><p>da linguagem) (LAPLANTINE, 2007).</p><p>Na Figura 1, a seguir, você pode observar dois quadros pintados pelo</p><p>holandês Albert Eckhout, que esteve no Brasil entre os anos de 1637 e 1644. Neles,</p><p>é possível identificar a oposição entre o “bom” e o “mau” selvagem. A mulher tupi é</p><p>representada sob o viés maternal. Ela carrega a vida ao segurar seu filho no colo,</p><p>eliminando qualquer possibilidade de ameaça. Além disso, transporta um recipiente</p><p>com água e uma cesta com produtos manufaturados e veste uma saia branca</p><p>(inserida no seu vestuário pelos colonizadores). Na paisagem, é possível identificar</p><p>três características que fazem menção à colonização europeia nos trópicos: a</p><p>bananeira, planta introduzida no Brasil pelos portugueses; a paisagem colonial, com</p><p>a plantação de cana-de-açúcar; e a casa-grande no engenho.</p><p>63</p><p>Em contrapartida, a mulher tapuia carrega a morte, um cesto com uma</p><p>perna decepada. Na sua mão direita, ela segura a mão de outro indivíduo,</p><p>remetendo à prática do canibalismo. Está nua, mesmo que parcilamente coberta</p><p>por folhas, e calça sandálias de fibras vegetais. Já a paisagem representa a cena</p><p>de guerreiros armados, ao fundo, demonstrando a condição natural dessa</p><p>sociedade sem contato com os “civilizadores” europeus.</p><p>Esses olhares criados sobre a população nativa demonstram tanto o</p><p>posicionamento dos nativos em relação aos europeus quanto o modo como estes</p><p>últimos perceberam as trocas culturais entre os povos. De um lado, posicionam-se</p><p>aqueles que lutaram contra o invasor, mantendo suas práticas religiosas e culturais</p><p>e abertamente inimigos do europeu (maus selvagens). Do outro lado, figuram</p><p>aqueles grupos que aceitaram determinados aspectos da colonização, como</p><p>roupas, língua e religião, submetendo-se ao poder colonial, mas, apesar disso, não</p><p>conseguindo tratamento igualitário (bons selvagens).</p><p>64</p><p>11.3 Índios e negros na literatura brasileira</p><p>Na literatura brasileira há representações de índios e negros que expõem</p><p>muito mais a visão do autor do que necessariamente aquilo que ele deseja</p><p>representar. Tais obras ganham notoriedade por dois aspectos que se relacionam</p><p>entre si.</p><p>O primeiro deles é a amplitude de leitores que são capturados pelas páginas</p><p>dos romances, sendo mais fácil um leitor conhecer uma obra de ficção do que um</p><p>livro acadêmico. Já o segundo é o fato de que, embora sejam obras de ficção, elas</p><p>possuem em comum a semelhança com a realidade, o que traz à tona a</p><p>possibilidade de serem analisadas sob a óptica da verossimilhança. Afinal, em</p><p>determinada medida, tais obras lançam uma luz sobre a sociedade na qual estão</p><p>inseridas, demonstrando os medos, anseios e pensamentos de uma época.</p><p>Conforme destaca Chartier (2010, p. 21), “As obras de ficção, ao menos</p><p>alguma delas, e a memória, seja ela coletiva ou individual, também conferem uma</p><p>presença ao passado, às vezes ou amiúde mais poderosa do que a que</p><p>estabelecem os livros de história [...]”. Tendo como base esse pressuposto, a seguir</p><p>você vai ver como a ficção criou representações e perfis para africanos</p><p>escravizados e índios na sociedade brasileira. Você também vai verificar como</p><p>esses lugares comuns foram sendo considerados pela sociedade como definidores</p><p>de comportamento da população afrodescendente e indígena no Brasil, sendo</p><p>retroalimentados por outras mídias, como novelas e filmes.</p><p>11.4 Coragem, nobreza e solidariedade: a poesia indianista</p><p>Gonçalves Dias foi o poeta que deu início à idealização do indígena na</p><p>literatura brasileira. Na corrente do Romantismo, o nativo é associado à coragem, à</p><p>compaixão, à bondade, à nobreza e à solidariedade, da mesma forma que os</p><p>cavaleiros medievais no imaginário europeu. Autor de diversos poemas indianistas,</p><p>como I-Juca-Pirama, Marabá e Canção do Tamoio, Gonçalves Dias reflete a</p><p>65</p><p>percepção sobre os indígenas no Brasil enquanto um ideal distante, que não pode</p><p>mais ser alcançado.</p><p>I-Juca-Pirama (“aquele que deve morrer”), escrito em 1851, é considerado</p><p>a obra máxima do autor. Ela conta a história de um nobre índio tupi que, após ser</p><p>derrotado, torna-se prisioneiro de outra tribo, os timbira. O guerreiro tupi encontra o</p><p>seu pai com saúde debilitada, pois está velho e doente, então toma uma decisão</p><p>inusitada, pedindo ao chefe timbira que o deixe voltar para a sua tribo para cuidar</p><p>do progenitor. Porém, na cultura indígena, esse ato é interpretado como covardia.</p><p>É isso o que pensa o seu pai quando o guerreiro retorna à tribo para informar a sua</p><p>decisão. O pai recebe o filho com desprezo e indignação, afinal este humilhou não</p><p>só a si, mas a toda a sua geração. Então, para provar o seu valor e recuperar a sua</p><p>honra, o guerreiro decide ir lutar sozinho contra os inimigos. Após vários combates,</p><p>a vitória é obtida e o chefe da tribo timbira encerra a luta. O pai reconhece o valor</p><p>do filho, digno de ser chamado novamente de tupi.</p><p>Em outro poema, Canção do Tamoio, um guerreiro da tribo tamoio explica</p><p>ao seu filho recém-nascido qual é o seu papel no mundo, como ele deve se</p><p>comportar frente aos perigos da vida. Ou seja, o pai informa ao filho que tipo de</p><p>comportamento é esperado que ele exerça, não só pelo seu pai, mas por todos os</p><p>membros da tribo tamoio e dos outros povos que vierem a ter contato com eles.</p><p>Veja:</p><p>I. Não chores meu filho; não chores, que a vida é luta renhida: viver é lutar.</p><p>A vida é combate, que os fracos abate, que os fortes, os bravos só podem</p><p>exaltar. II. Um dia vivemos! O homem que é forte não tema da morte; só</p><p>teme fugir; no arco que entesa tem certa uma presa, quer seja tapuia,</p><p>condor ou tapir. III. O forte, o cobarde, seus feitos invejam de o ver na</p><p>peleja garboso e feroz; e os tímidos velhos nos graves conselhos, curvadas</p><p>as frontes, escutam-lhe a voz! IV. Domina, se vive. Se morre, descansa</p><p>dos seus na lembrança, na voz do porvir. Não cures da vida! Sê bravo, sê</p><p>forte! Não fujas da morte, que a morte há de vir! [...] XI. E cai como o tronco</p><p>do raio tocado, partido, rojado por larga extensão; assim morre o forte! No</p><p>passo da morte triunfa, conquista mais alto brasão (DIAS, 1852).</p><p>Outro exemplo das obras indianistas de Gonçalves Dias é Marabá. O termo</p><p>que dá título à obra é de origem tupi e significa “de mistura”. Nesse poema,</p><p>Gonçalves Dias expõe o dilema de uma índia mestiça que é recusada pelos índios</p><p>guerreiros justamente por sua condição. A personagem Marabá possui olhos com</p><p>66</p><p>“cor das safiras”, rosto “da alvura dos lírios” e “loiros cabelos”, porém não consegue</p><p>encontrar um guerreiro que a deseje, terminando por viver “[...] sozinha, chorando</p><p>mesquinha, que sou Marabá!” (DIAS, 1968, p. 325).</p><p>Essas representações da população indígena presentes nas obras literárias</p><p>criam um ideal que se encaixa em um perfil de guerreiros honrados. Assim,</p><p>impossibilita-se outra manifestação cultural e psicológica. Além disso, entra em</p><p>cena a crença em um tipo indígena preso no passado, que não conseguiu</p><p>acompanhar o desenvolvimento da civilização brasileira.</p><p>12 A ESCRAVIDÃO NO BRASIL: DENÚNCIAS E CRUELDADE</p><p>No ano de 1869, Joaquim Manuel Macedo publica um romance intitulado</p><p>As Vítimas-Algozes: Quadros da Escravidão, uma obra de literatura que propõe uma</p><p>espécie de denúncia contra a escravidão praticada no Brasil. Seu autor era um</p><p>emancipacionista convicto e defende, utilizando diversos argumentos, o fim da</p><p>escravidão, pois para ele “A escravidão gasta, caleja, petrifica, mata o coração do</p><p>homem escravo [...]” (MACEDO, 1869, p. 53).</p><p>O romance narra a história de três escravizados, todos com características</p><p>que têm o objetivo de demonstrar como a sociedade era afetada pela escravidão.</p><p>São eles: Simeão, o crioulo; Pai-Raiol, o feiticeiro; e Lucinda, a mucama. Apesar de</p><p>ser uma obra de ficção, o autor deixa claro o seu papel de denúncia, na medida em</p><p>que os textos escritos são “[...] romances sem atavios, contos sem fantasias</p><p>poéticas, tristes histórias passadas aos nossos olhos, e a que não poderá negar-se</p><p>o vosso testemunho [...]” (MACEDO, 1869, p. 1).</p><p>A construção da argumentação de Macedo (1869) é baseada na ideia de</p><p>que a escravidão era um atraso econômico, uma ideia inaceitável em um país que</p><p>deveria passar por um processo de modernização, deixando de ser agrícola. Além</p><p>disso, o autor defende uma linha de pensamento que demonstra a crueldade desse</p><p>sistema: a escravidão era um veneno e criava inimigos dentro de casa. Isso mostra</p><p>que Macedo (1869) entende o escravo como o verdadeiro inimigo, pois é</p><p>67</p><p>corrompido pelo sistema e simultaneamente corrompe a sociedade. Para o autor, o</p><p>Brasil deveria acabar com a escravidão, não por humanidade, mas para se livrar</p><p>dos incômodos desse sistema, incluindo aí a população afrodescendente.</p><p>Uma das personagens principais da obra de Macedo (1869, p. 157) é a</p><p>mucama Lucinda, “Uma escrava mucama da menina que em breve ia ser moça!”. A</p><p>menina chama-se Cândida e acaba de completar 11 anos de idade, ganhando como</p><p>presente, uma prática comum do Brasil oitocentista, uma jovem mucama, Lucinda.</p><p>No desenrolar da trama, o problema surge a partir do momento em que a mucama</p><p>Lucinda, corrupta e imoral, começa a fazer parte do cotidiano da doce e angelical</p><p>Cândida.</p><p>O uso de adjetivos para definir os comportamentos da mucama e da menina</p><p>é intencional por parte do autor; de um lado, há uma pessoa corrupta e imoral; do</p><p>outro, alguém doce e angelical. O contato entre elas cria uma rachadura no</p><p>comportamento que era esperado para uma moça que faria parte da sociedade.</p><p>Após várias conversas, a mucama percebe que a menina é ingênua e começa a</p><p>questionar seus conhecimentos sobre “ser moça” e “casamento”, maculando assim</p><p>sua pureza inicial. Segundo o autor, a escrava Lucinda, que em momento algum</p><p>demonstra inocência em suas atitudes, envenena a alma de Cândida com as</p><p>“explicações necessariamente imorais” (MACEDO, 1869).</p><p>Com essa narrativa, o autor tem por objetivo criar uma dicotomia entre as</p><p>protagonistas, Cândida e Lucinda. A primeira é uma menina branca, ingênua e pura</p><p>que é corrompida pela segunda, uma escrava negra e promíscua. Essa dinâmica</p><p>torna a sinhazinha “escrava da sua escrava” (MACEDO, 1869), uma vez que</p><p>desperta nela um desejo que não poderia ser conhecido naquele momento e que</p><p>só foi possível graças à convivência degenerante.</p><p>Para o autor emancipacionista, um dos piores males que a escravidão</p><p>gerava era o da convivência entre inimigos naturais, ou seja, senhores e escravos.</p><p>Segundo ele, “O escravo é necessariamente mal e inimigo do seu senhor. A madre-</p><p>fera escravidão faz perversa, e vos cerca de inimigos [...]” (MACEDO, 1869, p. 29).</p><p>Essa ideia é percebida quando, ao explicar a transgressão do caráter de Cândida</p><p>por Lucinda, o autor afirma que “[...] a ideia do casamento atirada ali de mistura com</p><p>68</p><p>a de moça feita confundiu ainda mais a pobre e curiosa menina abandonada à</p><p>companhia da mulher escrava [...]” (MACEDO, 1869, p. 172). Novamente, percebe-</p><p>se a suposta depravação que a escravidão trazia para os brancos. Era por meio do</p><p>“abandono à companhia da mulher escrava”</p><p>que as sinhazinhas e a sociedade</p><p>branca em geral eram corrompidas aos poucos pelos negros escravizados.</p><p>Essa percepção negativa sobre as consequências que a presença dos</p><p>escravizados tinha no cotidiano da população não se resumiu às escravas</p><p>mucamas, estendendo-se a outro personagem de As Vítimas Algozes, Simeão, um</p><p>crioulo, o qual também é afetado psicologicamente pela ação degenerativa da</p><p>escravidão. O fato de o indivíduo ser um escravo alterava a sua percepção</p><p>emocional: Simeão não possuía a capacidade de amar, já que a escravidão o</p><p>degradava e arrancava toda e qualquer forma de sentimento puro. Veja:</p><p>O escravo não amava, não amou Florinda; mas em sua mente audaz, em</p><p>seus instintos escandalosos, revoltantemente ultrajadores e licenciosos,</p><p>lembrou, contemplando a senhora-moça, o que lembrava aproximando-se</p><p>da negra fácil, da escrava desmoralizada que lhe agradava e não fugia a</p><p>seus ignóbeis afagos (MACEDO, 1869, p. 51).</p><p>As denúncias da escravidão presentes na obra de Macedo (1869) também</p><p>são estendidas aos escravizados, daí o título da obra, Vítimas Algozes. A ideia é</p><p>que aqueles que sofrem a violência da escravidão reproduzem essa mesma</p><p>violência na sociedade, tornando-se também algozes. Esse pensamento deve ser</p><p>dimensionado, pois cria uma espécie de amenização da escravidão desenvolvida</p><p>no Brasil, uma vez que retira parte da culpa dos próprios senhores de escravos, já</p><p>que estes também se tornam vítimas do processo.</p><p>Em uma perspectiva diferente, outro autor que também contesta a</p><p>escravidão desenvolvida no Brasil é Machado de Assis. Ao contrário do que</p><p>acontece no caso de outros autores da sua época, como o próprio Macedo (1869),</p><p>as denúncias de Machado de Assis são explícitas e o caráter cruel e violento da</p><p>escravidão é denunciado em suas páginas.</p><p>As várias faces da escravidão são mostradas por Machado de Assis nas</p><p>suas obras. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1881, Prudêncio, um antigo</p><p>escravo do protagonista, é visto no cais do Valongo impondo sua fúria a outro</p><p>69</p><p>indivíduo, também negro, porém seu escravo. Essa violência era uma reação à</p><p>condição de vida imposta ao indivíduo escravizado:</p><p>Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas</p><p>recebidas — transmitindo-as a outro. Eu, em criança, montava-o, punha-</p><p>lhe um freio na boca, e desancava-o sem compaixão; ele gemia e sofria.</p><p>Agora, porém, que era livre, dispunha de si mesmo, dos braços, das</p><p>pernas, podia trabalhar, folgar, dormir, desagrilhoado da antiga condição,</p><p>agora é que ele se desbancava: comprou um escravo, e ia-lhe pagando,</p><p>com alto juro, as quantias que de mim recebera (ASSIS, 1881, p. 76).</p><p>Outro autor que também viveu e escreveu sobre o século XIX no Brasil,</p><p>enfocando o tema da escravidão, foi Castro Alves, conhecido como “o poeta dos</p><p>escravos”. Ele faleceu com apenas 24 anos, sem ver a abolição da escravidão nem</p><p>a publicação da sua obra máxima, Navio negreiro, de 1880. Nessa obra, ficam</p><p>evidentes os horrores da escravidão e as condições desumanas do transporte</p><p>marítimo dos “tumbeiros”, termo que designava popularmente os navios que</p><p>transportavam os escravizados na travessia transatlântica. Como o índice de</p><p>mortandade era elevado, a comparação com tumbas era evidente.</p><p>A obra é dividida em partes (cantos): (1) a descrição do belo natural, a</p><p>exuberância da natureza brasileira; (2) a descrição do belo humano, a valorização</p><p>dos marinheiros dos diferentes países; (3) a indignação ao ver o que se passa no</p><p>interior do navio, a estupefação; (4) a descrição dos horrores cometidos contra os</p><p>escravos; (5) a comparação da vida pregressa dos negros com o horror do</p><p>momento; e (6) a crítica ao Brasil, por se beneficiar da infame escravidão.</p><p>13 POR UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA</p><p>Uma educação antirracista nas escolas deve contemplar a identidade e a</p><p>história dos indivíduos e dos respectivos grupos que frequentam o ambiente escolar.</p><p>Para que esse processo seja de fato efetivado, a escola deve repensar a sua</p><p>estrutura, ampliando a definição de currículo, avaliação e material didático e as</p><p>formas de ação entre corpo docente e corpo discente.</p><p>70</p><p>Geralmente, o debate sobre o racismo e as formas de combatê-lo vêm à</p><p>tona apenas nas datas de 19 de abril, para a população indígena, e 13 de maio e</p><p>20 de novembro, para os afrodescendentes. Esses marcos simbólicos, caso não</p><p>sejam devidamente problematizados, podem servir para reproduzir estereótipos e</p><p>reforçar visões negativas sobre as populações, transformando a escola em um</p><p>ambiente hostil para determinados grupos e anulando a sua função social de</p><p>aparelho que possibilita o acesso à cidadania e a emancipação dos indivíduos.</p><p>Ao analisar as ações dos movimentos sociais na busca por uma sociedade</p><p>mais justa e igualitária, percebe-se que a legislação avançou, possibilitando a</p><p>materialização de um aparato legal que diminua e iniba a prática de racismo em</p><p>território nacional. Sobre essa questão, Sousa (2005, p. 110–111) destaca o</p><p>seguinte:</p><p>Dizem até que falar de racismo é invenção do negro complexado, que tem</p><p>vergonha da própria origem. Felizmente esta cultura do silenciamento está</p><p>sendo superada, um resultado de décadas de lutas do movimento negro</p><p>organizado por todo este país e que vem obtendo importantes conquistas,</p><p>inclusive no campo legal, como, por exemplo: o art. 5º da Constituição</p><p>Federal de 1988, que torna “a prática do racismo crime inafiançável e</p><p>imprescritível”; a lei 3.198/2000, que institui o “Estatuto da Igualdade</p><p>Racial”; a lei 10.639/2003, que torna obrigatório incluir nos currículos</p><p>escolares a “história e cultura afro-brasileira”. Isso demonstra que avanços</p><p>estão sendo conquistados, apesar de ainda termos muito a buscar.</p><p>Soma-se a essa trajetória de luta antirracista a promulgação da Lei nº</p><p>11.645, de 10 de março de 2008. Ela modifica a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de</p><p>2003, e amplia a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e</p><p>indígena na educação básica do País.</p><p>13.1 Racismo: identificar e combater</p><p>Gilberto Freyre, na sua obra máxima Casa-Grande & Senzala, de 1933, foi</p><p>o responsável por criar um mito que até hoje ecoa na sociedade brasileira, a ideia</p><p>de democracia racial. De acordo com esse autor, que era pernambucano e</p><p>descendente de antigos senhores de engenho da região, o Brasil seria a “mais</p><p>perfeita democracia racial do mundo”, pois o português teria criado nos trópicos uma</p><p>71</p><p>sociedade em que os preconceitos de raça ou cor teriam sido diluídos na mistura</p><p>entre brancos, negros e índios. Assim, teria forjado um ambiente propício para o</p><p>desenvolvimento de uma sociedade em que a prática de racismo era inexistente,</p><p>modelo bem diferente do de outras sociedades, como os Estados Unidos da</p><p>América, onde houve luta por direitos civis, segregação e ação de grupos racistas</p><p>como a Ku Klux Klan.</p><p>Esse mito começou a ser combatido nos anos 1950, pela chamada “escola</p><p>de sociologia paulista”. Autores como Florestan Fernandes e Fernando Henrique</p><p>Cardoso questionaram a existência de uma democracia racial no Brasil e passaram</p><p>a denunciar as condições nas quais a população negra brasileira estava inserida,</p><p>configurando, portanto, a primeira crítica contundente a Freyre e revelando o</p><p>racismo na sociedade brasileira após a abolição da escravidão (AUGUSTINHO,</p><p>2019).</p><p>A negação do racismo no Brasil reforça a ideia de que no país as condições</p><p>de vida e as oportunidades são iguais para todos, independentemente da cor de</p><p>pele, visão que não reflete a realidade. Em uma análise sobre o perfil étnico do</p><p>Brasil e o seu reflexo nas condições econômicas, o Instituto Brasileiro de Geografia</p><p>e Estatística (IBGE, 2018) constatou que, em média, os brasileiros brancos</p><p>possuem salários maiores, sofrem menos com desemprego e possuem maior</p><p>acesso ao nível superior. Essa situação reflete o processo histórico iniciado pela</p><p>colonização portuguesa e atinge principalmente</p><p>dos padrões estabelecidos são produzidos histórica e culturalmente,</p><p>como resultado da assimetria de poder entre grupos identitários mais privilegiados</p><p>e grupos identitários discriminados. A problemática que envolve os processos</p><p>coloniais brasileiros, que evidencia a emergência de uma etnia mais poderosa e que</p><p>possui uma visão monoculturalista sobre o mundo, tem impactos na área</p><p>educacional.</p><p>Como alguns grupos de origens étnicas distintas foram privilegiados em</p><p>detrimento de outros, também nos aspectos que envolvem a educação, como, por</p><p>exemplo, o acesso à escolas de maior qualidade, devem ser criados mecanismos</p><p>que possam reparar essas discriminações históricas que prejudicaram alguns</p><p>grupos bem específicos, como os negros e os índios. Banton (2000, p. 457) define</p><p>o processo de racialização como o “[...] processo ou situação em que a ideia de raça</p><p>é introduzida para definir e qualificar uma população específica, suas características</p><p>e suas ações”.</p><p>Dessa forma, as pessoas são convencidas de que certas características</p><p>são intrínsecas de alguma raça ou etnia, o que se confirma por expressões como</p><p>“ele é italiano, por isso é mão fechada”, “o alemão é melhor com planejamento” e</p><p>“os índios são preguiçosos”. Essas frases são manifestações dessa racialização,</p><p>que acaba marcando e estereotipando uma etnia e/ou raça a partir de aspectos</p><p>relacionados a questões biológicas e fenotípicas (cor da pele, cabelo, formato do</p><p>nariz, espessura dos lábios, tamanho do crânio, etc.).</p><p>7</p><p>Ao analisar essa estratificação social a partir de aspectos étnico-raciais</p><p>nos sujeitos, podemos identificar uma pedagogia que:</p><p>[...] educou o olhar deste sujeito branco que julga; ela educou seu modo</p><p>de compreensão sobre a pertença racial. Ela o educou para pensar que</p><p>ele, branco, não tem raça nem cor e, portanto, pode, do alto de seu estatuto</p><p>de incolor, julgar quem são, afinal, os “de cor” (KAERCHER, 2010, p. 87).</p><p>Ao estudarmos a história mundial e brasileira, observamos, por exemplo,</p><p>como as práticas da eugenia — considerada ciência — propunham saberes que</p><p>relacionavam as características físicas, raciais e fenotípicas do ser humano com as</p><p>suas capacidades (ou falta delas) em relação a uma ideia de raça humana superior.</p><p>As práticas eugênicas no Brasil se associaram às correntes higienistas e</p><p>sanitaristas no início do século XX, a fim de buscar o aprimoramento de uma raça</p><p>nacional, o que envolvia inclusive o branqueamento da população. Segundo</p><p>Souza (2005, p. 6), “[...] os eugenistas entendiam que atitudes radicais como a</p><p>esterilização, pena de morte, controle rigoroso da entrada de imigrantes,</p><p>obrigatoriedade do exame pré-nupcial, proibição do casamento inter-racial e de</p><p>portadores de doenças contagiosas” levariam a esse objetivo.</p><p>A desigualdade social — embora muito relacionada aos aspectos</p><p>econômicos, que dividem a sociedade em classes, de acordo com as suas posses</p><p>ou propriedades — também atinge outros campos, como o de gênero, o religioso e</p><p>as questões de orientação sexual diversas, que fazem parte daqueles que são</p><p>diferentes do construído como normal e socialmente aceito. O fato é que esses</p><p>grupos identitários diversos se encontram no interior da escola e fazem parte</p><p>cotidiana dos afazeres de professores — assim, as aulas devem ser desenvolvidas</p><p>de forma harmônica, intercultural e igualitária, procurando mediar conflitos e propor</p><p>reflexões aos alunos.</p><p>2.2 Políticas e práticas de superação do racismo e desigualdade racial na</p><p>educação brasileira</p><p>O País — embora tenha, nas últimas décadas, promovido inúmeras</p><p>discussões em torno da diversidade cultural e dos processos de hibridismo ou</p><p>8</p><p>mestiçagem das várias etnias que compõem a identidade nacional — ainda</p><p>apresenta traços de racismo que acabam por produzir situações de desigualdade</p><p>na sociedade. Uma das principais conquistas das lutas do Movimento Negro em</p><p>busca de positivação da sua identidade afro-brasileira foi a inserção dos estudos</p><p>sobre história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares a partir da Lei nº.</p><p>10.639, de 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003).</p><p>Com relação ao currículo escolar, é evidente a existência de um jogo de</p><p>poder na seleção do que deve ser ensinado. A esse respeito, Passos (2008, p. 17)</p><p>argumenta que “[...] o currículo escolar, tal qual a sociedade brasileira, está pautado</p><p>numa compreensão de que apenas a cultura do colonizador — branca, masculina,</p><p>heterossexual e cristã — tem legitimidade para ser estudada”. Todos aqueles</p><p>saberes que não se enquadram nesses termos acabam excluídos da escola.</p><p>Muitas vezes, alguns grupos — cujos saberes não são considerados</p><p>legítimos para estudo nas escolas — são privados do acesso a uma educação de</p><p>qualidade e, consequentemente, das mesmas oportunidades que outros têm.</p><p>Devido a esses aspectos socioculturais enraizados na nossa história, cabe à escola</p><p>dar visibilidade e tornar positiva a maneira de pensar e agir em relação aos afro-</p><p>brasileiros, que representam uma significativa parte da população na atualidade.</p><p>Carneiro (2006, p. 99), admite que ainda existe nas escolas “[...] uma cultura</p><p>travada e preconceituosa, impermeável a aceitar o diferente e a conviver com o</p><p>desigual”. Talvez por esse fato tenhamos percebido a movimentação de muitos</p><p>grupos identitários em busca do seu espaço de aceitação e igualdade na sociedade</p><p>nas primeiras décadas do século XXI, no Brasil, entendendo que fazer parte das</p><p>discussões que ocorrem na escola é uma das formas mais potentes de modificar o</p><p>modo como se pensam os temas e os jeitos de viver.</p><p>Em resumo, temos a seguinte cronologia das alterações e modificações das</p><p>leis sobre raça e etnia na educação brasileira:</p><p>• LDB — Lei nº. 9.394/1996, art. 26, §4º;</p><p>• Lei nº. 10.639/2003, que alterou a LDB e acrescentou os art. 26-A e 79-B;</p><p>• Lei nº. 11.645/2008, que alterou a LDB, modificada anteriormente pela Lei</p><p>nº. 10.639/2003, no art. 26-A.</p><p>9</p><p>A Lei nº. 11.645/2008, em vigência, propõe a seguinte redação para o</p><p>art.26-A da LDB (BRASIL, 2008, documento on-line): “Art. 26-A Nos</p><p>estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados,</p><p>torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Assim,</p><p>é obrigatório para todas as instituições do sistema de ensino nacional também o</p><p>estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira. É importante perceber que o</p><p>art. 79-B, acrescido à LDB pela Lei nº. 10.639/2003, não foi alterado, permanecendo</p><p>o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra.</p><p>Reforçando a importância de o respeito à diversidade ser considerado nos</p><p>currículos, de modo a ampliar o escopo da educação escolar que considera as</p><p>relações étnico-raciais, Silva (2007, p. 490) refere que:</p><p>[...] a educação das relações étnico-raciais tem por alvo a formação de</p><p>cidadãos, mulheres e homens empenhados em promover condições de</p><p>igualdade no exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos</p><p>direitos de ser, viver, pensar, próprios aos diferentes pertencimentos</p><p>étnico- -raciais e sociais.</p><p>Para que as escolas possam organizar as suas práticas curriculares em</p><p>torno do ensino dessas temáticas étnicas negras e indígenas, a Lei nº. 11.645/2008</p><p>propõe os seguintes conteúdos programáticos:</p><p>• história da África e dos africanos;</p><p>• luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil;</p><p>• cultura negra e indígena brasileira;</p><p>• negro e o índio na formação da sociedade nacional.</p><p>Ao analisarmos os conteúdos programáticos propostos, podemos verificar</p><p>as possibilidades para os professores alinharem os seus planos de aula e proporem</p><p>práticas, durante todo o ano escolar, que possam envolver discussões referentes à</p><p>aprendizagem sobre as contribuições dessas etnias na formação e no</p><p>enriquecimento cultural da nossa sociedade, deslocando-se da visão única das</p><p>culturas europeias. Não estamos propondo substituição ou esquecimento das</p><p>os grupos que foram historicamente</p><p>afastados das classes dominantes.</p><p>Ao combater o racismo no ambiente escolar, a escola cumpre a sua função</p><p>social. Nesse processo, os professores são peças fundamentais dessa</p><p>engrenagem. Identificar o racismo, compreender as suas consequências para a</p><p>formação do alunado e o seu consequente exercício de cidadania, reconhecer a</p><p>presença de estereótipos, bem como a ausência de embasamento durante a</p><p>formação inicial e continuada dos professores, é o caminho a ser seguido para,</p><p>enfim, ter uma educação antirracista. Sobre essa questão, Gomes (2009, p. 57)</p><p>afirma o seguinte:</p><p>72</p><p>[...] somos desafiados a realizar uma mudança epistemológica, no campo</p><p>da formação de professores (as) no Brasil, que vá além das velhas</p><p>dicotomias entre o escolar e o não escolar, o político e o cultural, o</p><p>instituído e o instituinte, ainda presente em vários currículos e práticas de</p><p>formação de professores [...].</p><p>Ao longo da história do Brasil, os grupos de indivíduos negros e indígenas,</p><p>criaram diversas táticas para “burlar” a ordem vigente e realizar suas práticas</p><p>culturais sem que fossem punidos pelo poder colonial estabelecido. Essas astúcias</p><p>foram materializadas em diversos aspectos da vida cotidiana desses indivíduos,</p><p>inclusive na esfera religiosa, com a criação de irmandades religiosas de negros e</p><p>pardos, em que as divindades e os orixás africanos foram assimilados ao culto aos</p><p>santos católicos. No campo cultural, destaca-se a prática da capoeira, uma mistura</p><p>de luta com dança, inicialmente proibida e, posteriormente, alçada à condição de</p><p>patrimônio histórico e cultural nacional. Aspectos linguísticos também foram</p><p>afetados, como o vocabulário, que amenizou o português europeu, desenvolvendo</p><p>uma nova linguagem mais branda, com a repetição de sílabas.</p><p>Os aspectos da cultura africana foram ressignificados no Brasil, adquirindo</p><p>outras roupagens, repletas de herança, memória e resistência étnica e cultural. No</p><p>campo do sagrado, as religiões afro-brasileiras se materializaram como práticas de</p><p>fé. Nesse contexto, destacam-se as irmandades negras, associadas ao catolicismo;</p><p>a umbanda, associada ao espiritismo; o candomblé; o culto dos orixás; o tambor de</p><p>mina (Maranhão); e o culto congo-angolano (Rio de Janeiro e Bahia). A interação</p><p>étnica e cultural no Brasil foi tão intensa que surgiram também cultos afro-indígenas,</p><p>como os candomblés de caboclo (Bahia), jurema (Paraíba e Pernambuco), barba-</p><p>soeira (Amazônia e Pará) e terecô (Maranhão), popularmente denominados de</p><p>catimbó, macumba e canjerê (AUGUSTINHO, 2019).</p><p>Os folguedos dos reis negros, também conhecidos como festas do rosário,</p><p>são manifestações culturais que demonstram a forte presença da cultura africana</p><p>no Brasil. Essas manifestações culturais têm origem nas irmandades religiosas de</p><p>escravizados, quando os irmãos em um ato de fé elegiam um rei que era conhecido</p><p>pelos membros da irmandade e tinha sua autoridade validada inclusive pelos</p><p>colonizadores, mostrando como a vida social durante a escravidão era complexa.</p><p>73</p><p>No Brasil, essas denominações mudaram, dependendo do local de origem,</p><p>entretanto guardam semelhanças entre si.</p><p>Lutas por posse e manutenção das terras, seja por comunidades</p><p>tradicionais indígenas ou comunidades remanescentes de quilombos, refletem a</p><p>disputa pelo acesso à terra no Brasil, que ficou restrito a pequenos grupos com</p><p>capital necessário e que herdaram a posse da terra dos antigos senhores da região.</p><p>Todas essas questões evidenciam a luta pela sobrevivência de negros e indígenas</p><p>no Brasil de hoje. Assim, a resistência de índios e negros não terminou; ela não</p><p>ficou restrita ao passado, mas continua viva, existindo no Brasil contemporâneo.</p><p>Enquanto houver uma sociedade racista, que busca eliminar os indivíduos que</p><p>agem de modo diferente da classe dominante, a luta antirracista é necessária.</p><p>14 DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL</p><p>O Brasil é um país extremamente marcado por diversidades culturais. Tais</p><p>diversidades são observadas não apenas na população como um todo, mas</p><p>também nas várias regiões do território nacional. Ao lado das diversidades culturais,</p><p>há situações de desigualdade social, também muito evidentes no país. Neste</p><p>capítulo, você vai aprender um pouco mais sobre esses e outros conceitos.</p><p>14.1 Diversidade cultural</p><p>A diversidade cultural tem sido considerada uma marca da sociedade</p><p>brasileira. Desde os tempos mais remotos até hoje, estudiosos se deparam com</p><p>questões como esta: é possível ser igual em uma sociedade em que as pessoas</p><p>são tão diferentes? A definição de diversidade está associada aos conceitos de</p><p>pluralidade e heterogeneidade. Em síntese, a diversidade remete à multiplicidade</p><p>de fatores.</p><p>A diversidade tem sua origem na colonização do Brasil, com a chegada dos</p><p>portugueses, associada à presença do índio e do negro nas terras brasileiras.</p><p>74</p><p>Holanda (1995, p. 43) aponta que os portugueses foram os pioneiros na missão de</p><p>colonizar o Brasil, sendo os “[...] portadores naturais dessa missão”. Os portugueses</p><p>que aqui vieram tentaram impor aos habitantes desta terra seus costumes, sua</p><p>religião e suas tradições. No entanto, o autor aponta ainda que “pouca coisa se</p><p>conservou entre nós que não tivesse sido modificada ou relaxada pelas condições</p><p>adversas do meio”. Contudo, manteve-se “[...] a obrigação de irem os ofícios</p><p>embandeirados, com suas insígnias, às procissões reais, o que se explica</p><p>simplesmente pelo gosto do aparato e dos espetáculos coloridos, tão peculiar à</p><p>sociedade colonial” (HOLANDA, 1995, p. 43).</p><p>Destaca-se, portanto, o fato de que não apenas os portugueses, como</p><p>também os holandeses e outros povos deixaram suas marcas no País, fornecendo</p><p>elementos constituintes da cultura brasileira. Ainda é necessário considerar que</p><p>também permaneceram características próprias, religiões, festividades e costumes</p><p>específicos de cada povo. Portanto, essa mistura de raças, etnias e todos os valores</p><p>e tradições deram origem à diversidade cultural da sociedade brasileira, que o</p><p>passar do tempo só fez intensificar.</p><p>Agora que você já está mais familiarizado com a noção de desigualdade,</p><p>considere a noção de cultura. A Declaração Universal da Diversidade Cultural, de</p><p>2001, em seu art. 1º, aponta que a cultura “[...] adquire formas diversas através do</p><p>tempo e do espaço. Essa diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade</p><p>de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a</p><p>humanidade” (UNESCO, 2002, p. 2). A referida Declaração foi aprovada por 185</p><p>Estados-membros e é o primeiro documento que busca promover a diversidade</p><p>cultural dos povos e a comunicação entre eles. A elaboração do documento deve-</p><p>se principalmente à necessidade de se preservarem riquezas culturais, ainda que</p><p>no contexto da globalização, que, dadas as suas características, acaba</p><p>distanciando as culturas ao aproximar os povos exageradamente.</p><p>Alves (2010) aponta que o crescimento dos mercados mundiais trouxe a</p><p>ampla sensação de que o mundo estaria vivendo um processo de homogeneização</p><p>cultural. Nessa perspectiva, foram feitos apelos no sentido de promover a</p><p>diversidade e as identidades locais, marcadas por grande variedade de línguas,</p><p>75</p><p>crenças, costumes, tradições. Segundo o autor, na América Latina, o receio de uma</p><p>unificação de culturas fez com que profissionais se organizassem, juntamente a</p><p>movimentos sociais, a fim de pressionar os governos locais para a defesa e a</p><p>promoção da identidade regional.</p><p>Ortiz (1999, p. 83) aponta que “[...] afirmar o sentido histórico da diversidade</p><p>cultural é submergi-la na materialidade dos interesses e conflitos sociais</p><p>(capitalismo, socialismo, colonialismo, globalização). A diversidade cultural se</p><p>manifesta em situações concretas”.</p><p>Assim, você pode considerar que a diversidade cultural são os diferentes</p><p>aspectos que compõem uma cultura:</p><p>tradições, costumes, linguagens, formas de</p><p>organização familiar, política, religião, culinária, entre outras características próprias</p><p>de determinado grupo em determinada época. No entanto, de acordo com Ortiz</p><p>(1999, p. 82), é preciso ir além das diferenças:</p><p>[...] a diversidade cultural não pode ser vista apenas como uma diferença,</p><p>isto é, algo que se define em relação a, que remete a alguma outra coisa.</p><p>Toda “diferença” é produzida socialmente, ela é portadora de sentido</p><p>simbólico e de sentido histórico. Uma análise tipo hermenêutica que</p><p>considere unicamente o sentido corre o risco de isolar-se num relativismo</p><p>pouco consequente.</p><p>Ortiz (1999) aponta ainda que, em alguns casos, a diversidade esconde</p><p>também relações de poder. É importante reconhecer os momentos em que ela</p><p>oculta questões como a desigualdade. Para o autor, “[...] se as diferenças são</p><p>produzidas socialmente isso significa que à revelia de seus sentidos simbólicos elas</p><p>serão marcadas pelos interesses e pelos conflitos definidos fora do âmbito do seu</p><p>círculo interno” (ORTIZ, 1999, p. 85). Nesse sentido, complementa que a</p><p>diversidade cultural é ao mesmo tempo desigual e diferente, pois ela é permeada</p><p>por relações de poder e legitimidade — países fortes versus fracos; governo</p><p>nacional versus internacional, entre outros. Dessa forma, não é possível falar em</p><p>“unidade na diversidade”, especialmente quando se tratar de problemas para os</p><p>quais ainda não há respostas. A expressão “diversidade cultural” busca</p><p>compreender as diferenças entre as várias culturas existentes, que fazem parte do</p><p>que se chama “identidade cultural”.</p><p>76</p><p>Nesse aspecto, o Brasil é extremamente rico. É um país marcado, desde</p><p>suas origens, por diversidade em vários aspectos. Cada civilização que aqui chegou</p><p>trouxe um pouco de sua cultura, suas formas de viver, se organizar e ver o mundo,</p><p>o que contribui para a heterogeneidade presente na atualidade. Entretanto, Ortiz</p><p>(1999) aponta que a diversidade presente no mundo antes do século XV era maior</p><p>do que a existente hoje. Muitas culturas, línguas, economias e costumes foram</p><p>desaparecendo com a expansão do colonialismo, do imperialismo e da</p><p>industrialização. Não se pode deixar de mencionar que a diversidade cultural no</p><p>Brasil é bastante evidente também entre as diferentes regiões do País. Norte,</p><p>Nordeste, Sul, Sudeste, Centro-Oeste: cada Estado tem características próprias,</p><p>que envolvem valores, costumes, linguagens, diferenças climáticas e nível de</p><p>desenvolvimento.</p><p>Machado (2011, p. 149) afirma que a diversidade deve ser vista “[...] como</p><p>um fenômeno dinâmico e multidimensional. O que deve ser preservado, portanto,</p><p>não é um dado estado dessa diversidade, mas a possibilidade de direito a ela”. O</p><p>autor aponta também que a diversidade deve ser fonte de criatividade e base para</p><p>transformações cabíveis. Ainda menciona que não se devem “relativizar direitos</p><p>humanos sobre o pretexto do respeito à diversidade”. O autor cita como exemplo</p><p>que não se devem “[...] violar direitos das mulheres sob o pretexto de convicções</p><p>religiosas ou práticas enraizadas culturalmente”.</p><p>Todos esses apontamentos direcionam para um conceito equilibrado de</p><p>diversidade, que a define como algo positivo, desde que as atitudes colaborem com</p><p>o desenvolvimento de competências e habilidades abertas às diferenças. Para</p><p>Machado (2011), não é o caso de reconhecer as pessoas apenas em suas</p><p>diferenças, mas de valorizar trocas, reconhecimento, curiosidade e interesse em</p><p>conhecer o outro.</p><p>77</p><p>15 CULTURA, MONOCULTURA, POLICULTURA E MULTICULTURALISMO NO</p><p>BRASIL</p><p>A cultura ocupa lugar de destaque na atualidade, embora não se possa</p><p>deixar de considerar também sua relevância em outros momentos históricos. Entre</p><p>suas múltiplas conceituações, a cultura pode ser pensada a partir de um</p><p>conhecimento complexo que envolve arte, moral, crenças, costumes e leis</p><p>adquiridas pelo ser humano ao longo do tempo. Miguez (2011, p. 18) aponta que:</p><p>Esta afirmação ganha sentido, contudo, quando voltamos o olhar para a</p><p>constituição da sociedade moderna, tendo em conta o papel que a cultura</p><p>desempenhou nesse processo. Ou seja, se à modernidade correspondeu,</p><p>como uma de suas mais importantes características, a emergência de um</p><p>campo da cultura (relativamente) autônomo em relação a outros campos,</p><p>como o da religião, na circunstância contemporânea, a cultura transbordou</p><p>seu campo específico, alcançando outros campos da vida social, a</p><p>exemplo dos campos político e econômico.</p><p>O autor reforça essa análise afirmando que a cultura “invadiu” outros</p><p>setores da vida em sociedade, o que não representa o fim da cultura como uma</p><p>área específica, mas sua definição como uma área transversal, que atravessa</p><p>muitos outros campos. Miguez (2011) aponta que a cultura deixou de ser algo</p><p>específico de ciências como a sociologia ou a antropologia e passou a fazer parte</p><p>de pesquisas de várias áreas do conhecimento. Também comenta que a cultura</p><p>passou a servir como um recurso a ser utilizado no desenvolvimento de programas</p><p>assistenciais que têm como focos a inclusão social, a transferência de renda, a</p><p>geração de empregos, etc.</p><p>Dessa forma, você pode inferir que “cultura” é um termo que pode assumir</p><p>várias definições, sendo a mais conhecida àquela ligada à antropologia e à</p><p>sociologia, que envolve conhecimentos, crenças, costumes e hábitos adquiridos ao</p><p>longo do tempo. Contudo, esse termo pode assumir significados diversos conforme</p><p>a área de interesse. Assim, as palavras “monocultura”, “policultura” e</p><p>“multiculturalismo” também assumem significados diversos dependendo da área à</p><p>qual estão vinculados.</p><p>78</p><p>O termo monocultura, por exemplo, está associado à produção de um</p><p>único produto. Assim, uma monocultura pode ser considerada como uma unicultura.</p><p>Transpondo essa noção para a área das ciências sociais, não se pode afirmar que</p><p>no Brasil exista a monocultura, uma vez que o País é bastante rico em diversidade</p><p>cultural. Nele, há grande variedade de costumes, hábitos, crenças, enfim,</p><p>características que apontam para a existência da diversidade. Países como Japão</p><p>e China, por exemplo, adotam o monoculturalismo como forma de preservar a sua</p><p>cultura, excluindo influências externas. A adoção dessa estratégia se torna um</p><p>pouco mais fácil em sociedades mais homogêneas e com tendências nacionalistas,</p><p>o que não é o caso do Brasil (DORETO, 2019).</p><p>O termo policultura, por sua vez, relaciona-se ao cultivo de vários tipos de</p><p>produtos em um mesmo terreno, técnica muito aceita entre os povos indígenas, que</p><p>a utilizavam para diversificar a sua produção. Além dos indígenas, há registros de</p><p>que os quilombolas utilizavam essa técnica. Outro conceito que se destaca nesse</p><p>contexto é o de multiculturalismo, contrário ao monoculturalismo. Ele pode ser</p><p>entendido como a existência de várias culturas em determinada região ou país, no</p><p>entanto com uma cultura predominante entre elas. Países como Canadá e Austrália</p><p>adotam o multiculturalismo. A crítica é que o multiculturalismo pode provocar</p><p>desprezo e indiferença por pessoas que não possuem as mesmas características e</p><p>cultura e que porventura residam em países que adotam esse sistema. Isso ocorre</p><p>porque a diversidade cultural passa a ser considerada uma ameaça para a</p><p>identidade nacional.</p><p>Nas palavras de Santos e Nunes (2003, p. 26), o multiculturalismo</p><p>representa a “[...] coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por</p><p>culturas diferentes no seio de sociedades modernas” e está associado a processos</p><p>emancipatórios e lutas pela afirmação das diferenças. Taylor (1997), por sua vez,</p><p>aponta que as sociedades estão se tornando cada vez mais multiculturais e</p><p>permeáveis, o que conduz à imposição de uma cultura sobre as outras. Falar em</p><p>multiculturalismo e no predomínio de uma cultura sobre outras implica pensar</p><p>também no papel do Estado perante essa questão. Ainda é preciso</p><p>considerar que</p><p>o multiculturalismo exige tolerância, no que se refere a aceitar as diferenças e a</p><p>79</p><p>aceitar o outro de forma empática e com respeito. Caso contrário, podem ser</p><p>favorecidas situações de conflito, desentendimento e violência. Com relação ao</p><p>papel do Estado, ele deve contribuir para que a legislação seja de fato efetivada.</p><p>Além disso, deve criar medidas para evitar que determinadas situações ocorram em</p><p>razão das desigualdades existentes na sociedade.</p><p>Cada conceito possui suas especificidades, mas, de forma geral, deve</p><p>prevalecer o reconhecimento das diferenças. Assim, grupos que são considerados</p><p>minorias podem assumir o seu valor e lutar pela sua representatividade,</p><p>favorecendo a sua construção identitária.</p><p>Nessa perspectiva, o multiculturalismo deveria prevalecer sobre o</p><p>monoculturalismo, uma vez que todas as culturas e cada uma em especial devem</p><p>ser reconhecidas a partir de suas diferenças, de forma que nenhuma imponha seus</p><p>preceitos, valores e crenças às outras, para que nenhuma seja oprimida ou extinta.</p><p>Quanto ao Estado, ele deve considerar a diversidade cultural existente e lidar com</p><p>ela a partir dos direitos humanos, do reconhecimento da dignidade dos indivíduos e</p><p>do respeito às diferenças.</p><p>16 O ALARGAMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL</p><p>Como vimos até aqui, o Brasil é um país de grande diversidade cultural. E</p><p>o mesmo vale para as desigualdades sociais. Há uma relação entre ambas,</p><p>conforme destaca Machado (2011, p. 147):</p><p>No Brasil, onde muito do que se identifica como riqueza da diversidade</p><p>cultural são tradições e saberes das populações mais pobres e, em grande</p><p>parte, apartadas do processo de crescimento econômico, tal realidade</p><p>produz uma dúvida incômoda. O preço da preservação desses bens</p><p>imateriais seria perpetuar os desníveis entre ricos e pobres, mantendo as</p><p>populações tradicionais protegidas da contaminação da informação ou do</p><p>acesso ao mercado de bens e serviços culturais? Além dessa, outra</p><p>indagação permanece como alerta para aqueles que formulam políticas de</p><p>reconhecimento ou de promoção da diversidade: se, no limite, a menor</p><p>unidade da diversidade é o próprio indivíduo, não estariam, assim, sendo</p><p>colocadas em risco conquistas históricas, objeto das lutas sociais que</p><p>serviram para consolidar o respeito ao interesse comum e ao espaço</p><p>80</p><p>público da cidadania? A defesa intransigente da diversidade cultural não</p><p>estaria levando mais à separação do que à aproximação entre as pessoas?</p><p>Você deve considerar que a maior parte das sociedades vivencia</p><p>desigualdades, que se apresentam de diversas formas: poder, renda, prestígio,</p><p>entre outras. Além disso, as origens dessas desigualdades são várias, assim como</p><p>as suas manifestações. As desigualdades sociais são construções sociais e não</p><p>simples fatos naturais; elas dependem em grande parte de escolhas políticas feitas</p><p>ao longo do tempo (SCALON, 2011). O Brasil é um exemplo de país em que as</p><p>desigualdades históricas permanecem em meio ao desenvolvimento acelerado,</p><p>especialmente pela elevada diferença de renda entre a população.</p><p>Na atualidade, muitos são os exemplos que caracterizam a desigualdade</p><p>social na sociedade brasileira. Por exemplo: a questão habitacional, com muitas</p><p>pessoas morando em condições precárias de habitabilidade, vivendo em áreas</p><p>compostas por favelas; e o saneamento básico, que resiste e atinge muitos lugares</p><p>do País, o que coloca até a saúde dos moradores em risco. Além disso, são</p><p>desigualdades sociais: alimentação inadequada (alguns desperdiçam e outros</p><p>sequer têm o que comer), educação e saúde precárias, assim como dificuldades de</p><p>acesso a outros serviços públicos essenciais.</p><p>As desigualdades sociais foram se intensificando ao longo do tempo. Para</p><p>compreender esse processo, é preciso considerar a época da colonização. Esse</p><p>período foi marcado pelas tentativas portuguesas de transformar os índios e negros</p><p>em escravos e vassalos, ou, em momentos distintos, fazer com que assimilassem</p><p>costumes europeus em detrimento de suas próprias tradições. Houve um momento,</p><p>por volta de 1700, em que portugueses tentaram homogeneizar a população por</p><p>meio de casamentos entre índios e portugueses, criando formas de valorização dos</p><p>filhos originários dessas relações. A questão portuguesa e indígena é apenas um</p><p>exemplo de como a desigualdade, em sua relação com a diversidade, afeta a vida</p><p>dos indivíduos.</p><p>Em um primeiro momento, pode-se supor que o contato entre os povos, a</p><p>tentativa de homogeneização e tantos outros aspectos favoreceram a diversidade</p><p>cultural do Brasil, especialmente no que diz respeito a práticas, costumes e valores.</p><p>81</p><p>Entretanto, é necessário lembrar que a escravidão vivenciada por negros e índios</p><p>trouxe consequências importantes para a formação da sociedade. Ela ampliou</p><p>distâncias entre as pessoas, divididas por classes sociais, e afastou os negros (em</p><p>alguns casos, pobres e marginalizados) do acesso aos bens e serviços, situação de</p><p>preconceito e discriminação presente até hoje. Não menos importante, houve o</p><p>avanço das desigualdades na sociedade capitalista, em que predominam os</p><p>interesses ligados ao capital e aos lucros, diminuindo o acesso da classe</p><p>trabalhadora aos bens e serviços produzidos, o que a coloca em situação de</p><p>desvantagem.</p><p>Refletindo sobre a questão das desigualdades e diversidades, você deve</p><p>notar que a diferença entre as pessoas é uma das principais responsáveis por gerar</p><p>desigualdades (SCOTT; LEWIS; QUADROS, 2009). Se antes a diversidade</p><p>indicava apenas uma pluralidade de culturas humanas, hoje tem implicações</p><p>políticas. Tais implicações podem ser percebidas nas relações entre grupos cujas</p><p>desigualdades são evidentes, especialmente no que se refere a poder e resistência.</p><p>Silva, Guimarães e Moretti (2017) apontam que as desigualdades geradas</p><p>pela diversidade muitas vezes resultam em atitudes discriminatórias, no geral</p><p>aparecendo de forma sutil e velada, tendo como pano de fundo o discurso sobre</p><p>tratamento igualitário. Para os autores, quando determinadas características são</p><p>identificadas e pessoas ou grupos são rotulados, surgem os comportamentos</p><p>segregadores. Se estão em jogo pessoas ou grupos que já vivem em situação de</p><p>desvantagem social, é comum que eles também se sintam em condições de</p><p>inferioridade, assumindo esse papel. Assim, em vez de reagir a essa situação,</p><p>acabam se sentindo em situação de desvantagem.</p><p>Hobsbawm (2007, p. 11), por sua vez, considera a desigualdade como</p><p>resultado do mundo globalizado:</p><p>A globalização, acompanhada de mercados livres, atualmente tão em</p><p>voga, trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades</p><p>econômicas e sociais, no interior das nações e entre elas. Não há indícios</p><p>de que essa polarização não esteja prosseguindo dentro dos países,</p><p>apesar de uma diminuição geral da pobreza extrema. Este surto de</p><p>desigualdade, especialmente em condições de extrema instabilidade</p><p>econômica, como as que se criaram com os mercados livres globais desde</p><p>a década de 1990, está na base das importantes tensões sociais e políticas</p><p>82</p><p>do novo século. O impacto dessa globalização é mais sensível para os que</p><p>menos se beneficiam dela.</p><p>Como se pode ver, a globalização também favorece o aumento das</p><p>desigualdades sociais. Além disso, existe uma relação intrínseca entre a</p><p>diversidade e as desigualdades sociais, o que fica evidente no Brasil, país tão</p><p>grande quanto suas discrepâncias e contradições. Ao longo do tempo, as</p><p>desigualdades e diversidades foram se acentuando. Na atualidade, romper com</p><p>esse ciclo não é algo tão simples e requer motivação individual, tolerância e</p><p>conhecimento, além do apoio do Estado no enfrentamento dessas questões.</p><p>83</p><p>17 BIBLIOGRAFIA</p><p>ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.</p><p>ALVES, E. P. M. Diversidade cultural, patrimônio cultural</p><p>material e cultura</p><p>popular: a Unesco e a construção de um universalismo global. Sociedade e</p><p>Estado, v. 25, n. 3, 2010.</p><p>ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. 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Altera a Lei no 9.394, de 20 de</p><p>dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,</p><p>para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática</p><p>"História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. 2003.</p><p>BRASIL. Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa Universidade</p><p>para Todos - PROUNI, regula a atuação de entidades beneficentes de assistência</p><p>social no ensino superior; altera a Lei no 10.891, de 9 de julho de 2004, e dá outras</p><p>providências. 2005.</p><p>BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de</p><p>dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que</p><p>estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo</p><p>oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-</p><p>Brasileira e Indígena.</p><p>BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. 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Ele busca garantir o acesso da população negra</p><p>ao ensino universitário, acesso este que foi historicamente impedido devido à</p><p>escravização e às suas consequências. Há ainda universidades que oferecem cotas</p><p>sociais para estudantes de baixa renda e provenientes de escolas públicas,</p><p>corrigindo o ciclo de quase nulidade na ascensão social das classes D e E, causado</p><p>pela estrutura capitalista neoliberal adotada pelo País a partir da década de 1990.</p><p>A temática das ações afirmativas chegou ao Brasil no princípio dos anos</p><p>2000, a partir da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação e</p><p>Xenofobia da ONU, realizada em 2001 na África do Sul. Na conferência, salientou-</p><p>se que as desigualdades sociais e econômicas e os conflitos étnico-culturais eram</p><p>uma responsabilidade dos Estados para com seus cidadãos. Saná-los dependeria</p><p>da observância das particularidades dos impactos gerados em cada grupo social</p><p>(SCHWARCZ, 2001).</p><p>Posteriormente, no Brasil, alguns projetos de ação afirmativa contra o</p><p>racismo foram elaborados, como a Lei nº 10.639, de 2003, que prevê a</p><p>obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas nas</p><p>escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio, uma vez que mais da</p><p>metade dos estudantes são afro-brasileiros. Há também a Lei nº 11.096, de 2005,</p><p>que coloca em prática o Programa Universidade para Todos (PROUNI), plataforma</p><p>de acesso à universidade para pessoas de baixa renda que teve grande impacto</p><p>nos padrões de mobilidade social brasileiros nos 10 anos subsequentes à sua</p><p>promulgação.</p><p>11</p><p>Das ações afirmativas podem derivar projetos especiais que auxiliem o</p><p>grupo em questão. Considere, por exemplo, as cotas sociais para estudantes de</p><p>escolas públicas. Reconhecidamente, as escolas públicas brasileiras não têm os</p><p>melhores índices de aproveitamento, salvo algumas escolas-modelo. Algumas</p><p>universidades públicas, então, contam com projetos de auxílio e tutoria nos estudos</p><p>para quem encontra dificuldades.</p><p>Alunos de escolas particulares podem chegar às universidades com bom</p><p>conhecimento em outros idiomas, fator que facilita os estudos de ponta e abre</p><p>oportunidades no mercado de trabalho, mas essa não é uma realidade para alunos</p><p>provenientes de escola pública, em geral. Por isso, há projetos de extensão que</p><p>oferecem cursos de idiomas, dos básicos aos aprofundados. Assim, ao deixar a</p><p>universidade, alunos cotistas e ingressantes por ampla concorrência terão os</p><p>mesmos conhecimentos, as mesmas bases e, consequentemente, as mesmas</p><p>oportunidades.</p><p>As políticas para provimento de equidade resultarão, algum tempo depois,</p><p>num contexto de igualdade. As políticas públicas voltadas para ações afirmativas</p><p>podem receber críticas que salientam a desigualdade no tratamento de grupos</p><p>sociais. As cotas raciais, por exemplo, são constantemente questionadas, e um dos</p><p>argumentos erroneamente utilizados é o de que elas seriam uma forma de</p><p>discriminação social. No entanto, elas são extremamente necessárias, porque não</p><p>se pode oferecer as mesmas oportunidades para grupos sociais com possibilidades</p><p>tão distintas. Fazê-lo seria compactuar com a manutenção das estruturas de</p><p>marginalização das classes sociais mais pobres, compostas em sua maioria por</p><p>afrodescendentes (AUGUSTINHO, 2019).</p><p>Se, no caso das cotas sociais, um aluno cotista precisa trabalhar para viver</p><p>e essa é sua prioridade, como ele pode manter o mesmo nível de aprendizagem</p><p>que um aluno de escola privada, que se dedica apenas aos estudos? Apenas o</p><p>tempo disponível para as atividades escolares já se torna um princípio de</p><p>desigualdade. A qualidade das escolas frequentadas, outro. A possibilidade de</p><p>permanência na universidade pública, especialmente em cursos de período integral,</p><p>sem suporte da universidade ou de programas sociais, outro desnível.</p><p>12</p><p>Nesse cenário, sem as ações afirmativas e os projetos de auxílio delas</p><p>derivados, mesmo que esse aluno chegue à universidade, as possibilidades de ele</p><p>se manter nela são pequenas. Se conseguir finalizar o curso e se formar, ficaria,</p><p>ainda assim, em uma posição inferior. Afinal, a bagagem cultural e o capital</p><p>simbólico adquiridos por aqueles que têm melhores condições financeiras lhes</p><p>ofereceriam mais e melhores portas de emprego, fomentando as desigualdades</p><p>sociais.</p><p>As ações afirmativas podem ser destinadas a qualquer grupo social que,</p><p>por algum motivo, seja lesado em suas oportunidades de vida. Pessoas com</p><p>deficiência têm atualmente seu direito de estudar em escolas públicas comuns, o</p><p>que favorece a interação e o desenvolvimento social. Porém, podem precisar de</p><p>equipamentos, recursos ou atenção especial, dependendo da deficiência. Esse</p><p>auxílio, elemento da equidade, auxiliará o aluno com deficiência a ter os mesmos</p><p>estímulos e possibilidades que os outros, aprendendo e se desenvolvendo tanto</p><p>quanto eles, gerando, assim, uma situação de equidade.</p><p>Portanto, as ações afirmativas se baseiam na elaboração de ferramentas</p><p>que favoreçam a equidade, para depois se chegar à igualdade. As diferenças</p><p>precisam ser observadas e compreendidas na ação do Estado pelo bem de seus</p><p>cidadãos.</p><p>Como você viu, ao longo da trajetória das civilizações ocidentais, as</p><p>diferenças foram ainda mais aprofundadas. Quem tinha as melhores oportunidades</p><p>conseguia provê-las também para seus descendentes. Nesse sentido, as ações</p><p>afirmativas permitem ainda que a etnia marginalizada ocupe os espaços</p><p>necessários para que possa reificar seu valor (AUGUSTINHO, 2019).</p><p>No caso do povo negro no Brasil, as políticas de cotas raciais permitem que</p><p>o negro saia da condição de estudante para ocupar espaços e posições que lhes</p><p>eram negados, como o comando de uma sala de aula universitária, a chefia de uma</p><p>equipe médica e a responsabilidade por um grande projeto de engenharia civil. Ou</p><p>seja, todo e qualquer espaço de que os brancos e descendentes europeus</p><p>usufruíram quase com exclusividade por séculos. Essas políticas públicas não</p><p>privilegiam um grupo, mas fornecem ferramentas para que seus componentes</p><p>13</p><p>tenham tantas oportunidades quanto qualquer cidadão, inclusive aqueles</p><p>beneficiados pelo privilégio branco. No panorama contemporâneo das estruturas e</p><p>das formas de relacionamento social, considerando os legados históricos para os</p><p>grupos dominantes e os que foram dominados, a justiça social se dá pela</p><p>observância das diferenças.</p><p>4 INCLUSÃO ESCOLAR</p><p>Antes iniciarmos o debate a respeito da inclusão escolar, vamos retomar</p><p>alguns pontos importantes já comentados. O primeiro diz respeito ao conceito de</p><p>cultura, aqui entendida como um termo utilizado “[...] para se referir a tudo o que</p><p>seja característico sobre o ‘modo de vida’ de um povo, de uma comunidade, de uma</p><p>nação ou de um grupo social” (HALL, 2016, p. 19). Essa definição do autor é</p><p>importante para nos fazer pensar nos aspectos antropológicos e sociológicos da</p><p>cultura, uma vez que não se restringe somente a um conjunto de coisas — literatura,</p><p>arte ou programas de TV — mas, principalmente, engloba um conjunto de práticas</p><p>(HALL, 2016). Logo, os indivíduos que partilham da mesma cultura tendem a</p><p>apresentar</p><p>uma interpretação do mundo similar, pois foram ensinados, no interior</p><p>das práticas cotidianas da sua sociedade, a se comportar e a pensar de acordo com</p><p>determinados valores.</p><p>O problema aqui é quando uma cultura se define de forma monoculturalista,</p><p>como aquela detentora de saberes e como o caminho mais correto ou único a ser</p><p>seguido, servindo para orientar sobre tudo e todos. Assim, todos aqueles que não</p><p>se enquadram nos padrões por ela estabelecidos são marginalizados de alguma</p><p>forma. O que se busca com a ideia da inclusão escolar é justamente estender</p><p>àqueles que possam ser considerados diferentes, um espaço garantido nas</p><p>escolas, para que desfrutem com equidade o seu processo de escolarização. “O</p><p>conceito de diferença, considerando a escola e o currículo, é, geralmente, traduzido</p><p>como diversidade ou identidade” (LOPES; DAL’IGNA,2007, p. 13).</p><p>14</p><p>Nas escolas brasileiras, é possível perceber essa pluralidade de</p><p>identidades, essa variedade de indivíduos que se distinguem culturalmente por</p><p>vários aspectos, sejam eles étnicos, religiosos, de gênero, de classe social (pobres</p><p>e ricos), geracional, deficiências de todas as ordens, orientações sexuais distintas,</p><p>etc. A todos deve ser garantido o direito à educação que promova uma</p><p>aprendizagem de qualidade, mas não se resume a isso. Walsh (2001) propõe que</p><p>— além do simples reconhecimento de grupos diversos, do respeito e da tolerância</p><p>— é necessário reparar e compensar os prejuízos decorrentes da assimetria de</p><p>poder existentes entre os grupos culturais durante o seu processo histórico de</p><p>constituição. Ou seja, a escola deve ser um espaço onde as desigualdades sociais,</p><p>econômicas e políticas não são ocultadas, mas reconhecidas e confrontadas</p><p>(WALSH, 2001). Dessa forma, a inclusão escolar emerge como movimento de luta</p><p>por direitos de igualdade entre os diversos e de afirmação das suas diferenças como</p><p>marcadores da sua identidade.</p><p>Deve-se cuidar, no entanto, para que as práticas inclusivas sejam</p><p>naturalmente engendradas no cotidiano escolar, não forçadas. Nesse sentido, o</p><p>professor precisa entender que “[...] os diferentes não possuem déficits de</p><p>aprendizagem, mas aprendem de uma forma peculiar e que mais do que</p><p>diagnósticos precisamos problematizar e negociar outras representações para</p><p>esses sujeitos” (LOPES; FABRIS, 2000, p. 3). Isto é, devemos deixar de olhar para</p><p>um aluno com ênfase naquilo que lhe falta, no que o torna incapaz em relação aos</p><p>demais — devemos focar nas suas possibilidades de aprender visando potencializá-</p><p>lo de forma particular.</p><p>Considerando alunos com deficiência, por exemplo, devemos promover</p><p>políticas públicas e programas educacionais visando à sua inclusão nas redes</p><p>regulares de ensino, compreendidos dentro do conceito da educação inclusiva.</p><p>Destacamos que, na Constituição Federal, art. 205, existe a garantia da educação</p><p>como direito de todos, reforçado ainda na LDB (BRASIL, 1996, documento on-line),</p><p>que traz, no art. 4º, III, o dever do Estado quanto à garantia de “[...] atendimento</p><p>educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais,</p><p>preferencialmente na rede regular de ensino”.</p><p>15</p><p>O processo de inclusão de alunos com deficiências nas escolas regulares</p><p>não é fácil ou simples, pois demanda investimentos em recursos materiais e</p><p>humanos. Mesmo em meio às dificuldades durante esse período adaptação que</p><p>vivemos, incluir todos os alunos na escola é um grande passo adiante. Finalizando</p><p>nossa discussão sobre os aspectos que envolvem a inclusão escolar, devemos</p><p>considerar as diferenças entre os mais variados grupos culturais que frequentam a</p><p>escola, de forma a reconhecer os seus direitos à educação equitativa, entendendo</p><p>que existem muitos processos nas interações entre esses grupos no cotidiano</p><p>escolar. Logo, devem ser encarados com o olhar da alteridade e da participação do</p><p>outro na constituição das suas identidades.</p><p>Ao falarmos sobre equidade na educação, entendemos, acompanhando</p><p>as ideias de Franco (2007, documento on-line), que deve haver simetria, igualdade</p><p>no interior da escola quanto aos aspectos dos “[...] recursos escolares, organização</p><p>e gestão da escola, clima acadêmico, formação e salário docente e ênfase</p><p>pedagógica”. A pesquisa realizada pelos autores analisa como esses itens da</p><p>equidade intraescolar vão refletir diretamente na eficácia dessa instituição de</p><p>ensino, muitas vezes indo além do desempenho esperado. Como podemos</p><p>perceber, a busca por equidade, além de ser pensada sobre o campo social do qual</p><p>o aluno se insere, também deve ser analisada do ponto de vista do que as escolas</p><p>oferecem para os seus alunos, uma vez que a falta ou a carência desses itens</p><p>acabaria por reforçar as desigualdades sociais existentes.</p><p>5 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E DIVERSIDADE NO AMBIENTE ESCOLAR</p><p>5.1 As faces do racismo: discriminação e segregação sociorracial</p><p>No Brasil, a escola pública é destinada a todos os cidadãos,</p><p>independentemente de cor de pele, herança cultural, religião, classe social, gênero</p><p>ou orientação sexual. A sociedade é diversa e, para cumprir sua função social</p><p>emancipatória, a escola deve acolher toda a multiplicidade social e cultural. Como</p><p>16</p><p>você sabe, a escola oferece conhecimento aos estudantes e assim imprime marcas</p><p>na sociedade. Contudo, ao mesmo tempo, como componente do tecido social, ela</p><p>reflete as formas de leitura social e de comportamento estruturadas exteriormente.</p><p>Por isso é que se diz que o racismo no Brasil é estrutural, ou seja, está presente em</p><p>muitas esferas sociais. Ele é reproduzido por padrões de comportamento históricos</p><p>e está presente também nas escolas, desde as séries iniciais, entre estudantes e</p><p>professores.</p><p>Você sabe o que é o racismo? O racismo é a ideia, manifestada ou não, de</p><p>que uma etnia é inferior a outra, em habilidades ou possibilidades. Ele gera</p><p>discriminação, marginalização e desigualdade social e econômica. Assim, o racismo</p><p>deixa marcas estruturais nas biografias das vítimas, cerceando suas possibilidades</p><p>emancipatórias e de mobilidade social. Ou seja, ele reproduz desigualdades e</p><p>impossibilita que as vítimas transcendam as dificuldades sociais e econômicas que</p><p>lhes foram impostas.</p><p>O racismo se estabelece quando uma etnia histórica ou economicamente</p><p>(no geral, há uma combinação dos dois fatores) privilegiada, por meio de ações</p><p>segregadoras e discriminatórias, reproduz padrões de marginalização e</p><p>desigualdade. As leituras de mundo eurocêntricas, motivadas pelo expansionismo</p><p>imperialista do século XIX e aprofundadas no século XX, fizeram com que</p><p>caucasianos — pessoas de pele clara com origem europeia não ibérica e detentoras</p><p>do poder econômico e militar nas expansões territoriais — estruturassem as</p><p>sociedades como se a sua compreensão cultural fosse central. Assim, outras</p><p>comunidades e culturas deveriam se encaixar no modelo. Com o passar do tempo,</p><p>expressões sociais que não fossem semelhantes às suas eram descartadas,</p><p>ignoradas ou reprimidas (AUGUSTINHO, 2019).</p><p>Você pode se perguntar: então, o racismo só acontece a partir das ações</p><p>discriminatórias de brancos caucasianos em relação a não brancos (negros,</p><p>indígenas, hispânicos, orientais, árabes, entre outras etnias)? A resposta é não. O</p><p>racismo acontece quando há a discriminação de um cidadão em virtude de sua</p><p>etnia, seja ela qual for, independentemente de quem propaga a ação.</p><p>17</p><p>No entanto, é muito importante compreender: o racismo, quando associado</p><p>ao privilégio e ao poder econômico e cultural, exclui, marginaliza, impede acessos</p><p>sociais e, em sua forma mais cruel, mata. Nas sociedades ocidentais, são os</p><p>brancos os detentores dos privilégios e do poder econômico. Por isso, as ações</p><p>discriminatórias desse grupo social têm impactos negativos muito mais profundos</p><p>do que uma ação empreendida por alguém não branco.</p><p>Você já reparou que, nas periferias, favelas e comunidades</p><p>carentes, a</p><p>maior parte da população é negra, ainda que composta também por pessoas de</p><p>diferentes etnias? Já observou que os trabalhos braçais e os menos remunerados</p><p>são desempenhados por pessoas negras? Por que isso acontece? No Brasil, último</p><p>país ocidental a findar a escravidão, a população negra foi marginalizada a partir da</p><p>abolição, quando não encontrou qualquer respaldo para a manutenção digna de sua</p><p>vida no País, muito menos possibilidade de retornar às comunidades ancestrais. A</p><p>força de trabalho do povo negro escravizado foi substituída pela mão de obra —</p><p>remunerada — de imigrantes europeus. Sem trabalho e expulsa das senzalas que</p><p>abriam espaço para as colônias, a população negra passou a viver à margem da</p><p>sociedade, formando comunidades distantes dos centros das cidades e vilas.</p><p>Os sobreviventes não conseguiam espaço nas novas estruturas pós-</p><p>abolicionistas. Assim, o subemprego, a moradia indigna e distante e a</p><p>impossibilidade de acesso à educação reproduziram por gerações as condições de</p><p>vida desiguais. Por isso, no Brasil, o racismo tem ainda um recorte de classe</p><p>(FERNANDES, 2008). As classes mais pobres são compostas em sua maioria por</p><p>pessoas negras, e a configuração das estruturas sociais reimprime em cada</p><p>geração os impedimentos de acesso aos elementos que poderiam inserir a</p><p>população negra num contexto de igualdade social e econômica. Um desses</p><p>elementos, como você pode imaginar, é a educação.</p><p>Decorre daí a necessidade de reparação, especialmente por meio da</p><p>facilitação do acesso à educação formal continuada até a universidade. Esse é um</p><p>dos únicos dispositivos que oferecem a possibilidade de rompimento do ciclo da</p><p>pobreza para esse grupo social. Ainda assim, no mercado de trabalho, esse grupo</p><p>pode sofrer racismo. Tal racismo não se relaciona apenas às suas características</p><p>18</p><p>físicas, mas também ao eventual recebimento de algum auxílio reparatório ao longo</p><p>da vida. Profissionais que foram cotistas, por exemplo, têm suas capacidades</p><p>intelectuais constantemente questionadas, mesmo que avaliações indiquem o seu</p><p>alto rendimento.</p><p>O racismo também pode ser definido como o apontamento de</p><p>características físicas, culturais ou religiosas como forma de ridicularização ou</p><p>menosprezo, como se os elementos apontados significassem a inferioridade do</p><p>sujeito. Você pode identificar ações racistas até mesmo construídas para se</p><p>passarem por “elogios”: “Ela é uma negra muito bonita”; “Aquele rapaz asiático é</p><p>muito trabalhador”; “Aquela criança indígena é muito inteligente”. Sempre que a cor</p><p>da pele ou a etnia é ressaltada num elogio ou no apontamento de alguma</p><p>característica, não é elogio, é racismo. Afinal, quando os mesmos elogios são</p><p>direcionados à etnia dominante, eles não vêm acompanhados do apontamento da</p><p>pele branca.</p><p>Em ambientes de trabalho, o apontamento de características físicas ou</p><p>elementos culturais e religiosos pode ser utilizado como pressão para um</p><p>“branqueamento” visual. Em alguns espaços, pessoas negras são estimuladas a</p><p>alisar os cabelos, cortá-los ou prendê-los, com a justificativa de que se tornariam</p><p>visualmente mais arrumados, elegantes. Elementos culturais como guias e</p><p>turbantes não são, normalmente, permitidos nos códigos de vestimenta das</p><p>empresas, embora colares e faixas não sejam problema. Reflita: por que essas</p><p>situações acontecem? Talvez porque esses elementos sejam uma manifestação</p><p>visual identitária, que informa aos contatos sociais o sentimento de pertencimento</p><p>do indivíduo à cultura negra. A cultura dominante, no entanto, pressiona para que,</p><p>visualmente, a herança identitária se apague e o indivíduo se torne mais “palatável”,</p><p>ou seja, mais próximo da cultura branca (AUGUSTINHO, 2019).</p><p>No ambiente escolar, além dos exemplos citados, que acontecem em todas</p><p>as esferas sociais, há formas específicas de racismo, presentes na elaboração e</p><p>nas matrizes curriculares. O apagamento da história dos povos negros nas aulas é</p><p>racismo. Ignorar a presença e a produção de escritores, historiadores e cientistas</p><p>negros é racismo. O reconhecimento desse cenário é o primeiro passo para que a</p><p>19</p><p>escola possa inserir conteúdos que reflitam a história e as contribuições sociais e</p><p>científicas dos povos que constituem a nação. Dessa forma, os estudantes, ao</p><p>circular por novos contextos sociais, poderão estar mais receptivos,</p><p>compreendendo que a diversidade deve ser respeitada e acolhida.</p><p>5.2 Contribuições culturais na construção histórica do Brasil: colonialismo</p><p>e diversidade</p><p>Como conquista colonial do período de expansão marítima europeia, o</p><p>Brasil nasce com a função de prover riquezas à sua metrópole. Os dois primeiros</p><p>séculos de ocupação portuguesa, hispânica e holandesa em terras brasileiras não</p><p>tinham como objetivo construir uma sociedade. Na verdade, como você deve saber,</p><p>havia sociedades aqui constituídas antes da chegada dos portugueses. Tais</p><p>sociedades eram diversas e ricas em conteúdo histórico e cultural, com suas</p><p>próprias vivências e saberes. Contudo, não houve interesse em integrar tais culturas</p><p>aos processos de exploração extrativista que se estabeleceram. Assim, os nativos</p><p>brasileiros foram exilados da construção civilizatória de sua própria terra, muito</p><p>embora tenham recebido os recém-chegados e indicado o nome da árvore cuja</p><p>madeira resistente e preciosa tingiu de vermelho palácios e casas reais no Velho</p><p>Continente (AUGUSTINHO, 2019).</p><p>O mesmo parece ter acontecido com a presença negra no Brasil. Não nativo</p><p>e trazido à força do continente africano, o povo negro, com sua força de trabalho,</p><p>criou as riquezas que eram mandadas para a Europa, construiu cidades, portos,</p><p>ferrovias e estradas. E contribuiu muito para a formação cultural nacional: música,</p><p>culinária, literatura, danças, fé. Assim como ocorreu em outras colônias do chamado</p><p>“Novo Mundo”, a construção cultural brasileira se deu na expressão e nas relações</p><p>entre diferentes etnias. Não é possível ignorar o fato de que algumas dessas etnias</p><p>eram livres e outras não. Mas isso não significa que as livres contribuíram mais ou</p><p>mais efetivamente para a construção sociocultural do que as escravizadas ou</p><p>marginalizadas. O Brasil é produto das conexões sociais e das leituras e</p><p>interpretações de mundo, vivências e saberes de todos os grupos culturais que aqui</p><p>20</p><p>estavam. E a cultura nacional continua sendo reformulada, pois é plástica, mutante,</p><p>não é estática.</p><p>A configuração de domínio político e físico de uma etnia sobre outra</p><p>terminou por fundamentar a ideia de domínio ou superioridade cultural de brancos</p><p>sobre negros e indígenas. Mas, na sociedade brasileira contemporânea, sabe-se</p><p>que essa ideia é falaciosa. Por isso, Estado e sociedade têm se organizado, com</p><p>mais veemência a partir dos anos 2000, para a promoção da igualdade social, por</p><p>meio de políticas públicas de esclarecimento sobre discriminação e racismo, bem</p><p>como práticas sociais de valorização da cultura negra. A escola é parte fundamental</p><p>desse processo, redirecionando ações a partir de projetos nacionais.</p><p>Em 1996, surgiu o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH),</p><p>formulado para promover estratégias de proteção dos direitos humanos</p><p>fundamentais e proteger grupos sociais vulneráveis no Brasil. Entre os focos</p><p>principais do programa, estava a diminuição da marginalização social de pessoas</p><p>negras e das práticas de racismo, minimizando desigualdades e promovendo a</p><p>equidade social.</p><p>É preciso refletir: a Lei nº 10.639/2003, que instituiu a obrigatoriedade da</p><p>presença de conteúdos da história e da cultura afro-brasileiras nas matrizes</p><p>curriculares da educação, foi promulgada apenas em 2010, mais de um século após</p><p>a abolição da escravatura. Além da legitimação da identidade negra, essa ação</p><p>permite que a sociedade brasileira reconheça a importância e as contribuições</p><p>culturais, econômicas e políticas do povo negro à história nacional.</p><p>Mas não se pode</p><p>esquecer de que a demora para a implementação de políticas como essa causou</p><p>um profundo impacto negativo em vidas de pessoas negras. Esse reconhecimento</p><p>pode incentivar uma nova leitura da constituição social brasileira (AUGUSTINHO,</p><p>2019).</p><p>Nessa nova leitura, negros, indígenas e imigrantes — aqueles que</p><p>imigraram como colonizadores ou aqueles que imigraram nos séculos XX e XXI</p><p>buscando asilo político, terras de paz ou oportunidades de emprego e vida estável,</p><p>vindos da Europa, da África, da Ásia e da América Latina — devem ter o mesmo</p><p>espaço, a mesma importância e as mesmas possibilidades de crescimento,</p><p>21</p><p>educação, saúde; enfim, vidas saudáveis e protegidas. A referida lei visa, portanto,</p><p>a estabelecer patamares interpretativos de igualdade na contribuição histórica, para</p><p>que relações entre raças e etnias diversas se deem de forma respeitosa, sem</p><p>racismo ou discriminação.</p><p>5.3 A escola e o combate ao racismo na promoção da igualdade</p><p>Como você viu, a escola tem papel fundamental no combate ao racismo e</p><p>à discriminação racial. Isso ocorre por dois motivos essenciais. Primeiro, porque a</p><p>escola precisa estar apta a oferecer o espaço, os dispositivos e as adaptações</p><p>necessárias para que estudantes marginalizados e discriminados tenham acesso à</p><p>educação de qualidade. Em segundo lugar, ao receber esses estudantes, a escola</p><p>precisa oferecer um lugar seguro e amigável. Como você pode imaginar, isso só é</p><p>possível se toda a comunidade escolar, assim como a comunidade do entorno, for</p><p>educada para compreender as práticas reparatórias e inclusivas como um benefício</p><p>a todo o contexto social, não apenas aos indivíduos em questão.</p><p>Além disso, é primordial que escolas e professores construam e difundam</p><p>a noção de igualdade social. A ideia é que, também fora do contexto escolar,</p><p>cidadãos negros, indígenas, imigrantes e pessoas com deficiência não sejam</p><p>discriminados por não serem os espelhos dos padrões normativos. Eles devem ser</p><p>vistos como portadores de características diversas, que enriquecem o contexto</p><p>cultural brasileiro. Para além, devem ser encarados com o mesmo respeito e as</p><p>mesmas oportunidades que quaisquer outros cidadãos (AUGUSTINHO, 2019).</p><p>Se a escola é entendida como ferramenta essencial no processo</p><p>civilizatório, ela é utilizada quando se quer mostrar ou cristalizar novas leituras de</p><p>contextos sociais. Por isso, a escola é utilizada para combater o racismo e promover</p><p>a igualdade racial, e isso não apenas a partir de práticas e projetos pedagógicos</p><p>inovadores e externos às diretrizes curriculares. Em 2010, foi promulgada a Lei nº</p><p>12.288, que institui o Estatuto da Igualdade Racial. Entre outras ações, o dispositivo</p><p>confirma a obrigatoriedade da presença na escola da história dos povos negros no</p><p>Brasil e em África, identificando-a como elemento formador da estrutural social e</p><p>22</p><p>cultural brasileira. Além disso, o estatuto também prevê a obrigatoriedade desse</p><p>conteúdo na formação de professores e profissionais da pedagogia, para que</p><p>educadores tenham em sua formação a noção cristalizada da importância das</p><p>contribuições dos povos negros.</p><p>Na busca por uma educação destinada a todos os cidadãos, que considere</p><p>as diversidades de cada grupo e as respeite, o Ministério da Educação no Brasil</p><p>promove uma série de ações e programas para integrar grupos sociais</p><p>marginalizados à escola. A ideia é que as diversidades sejam consideradas, não</p><p>suprimidas. A seguir, você pode ver alguns exemplos (BRASIL, 2013).</p><p>• Educação Escolar Quilombola: esse programa visa a inserir as</p><p>características culturais e históricas de estudantes e professores pertencentes ou</p><p>descendentes de comunidades quilombolas às diretrizes curriculares, fortalecendo</p><p>e legitimando a sua identidade social.</p><p>• Educação de Jovens e Adultos (EJA) — Projovem Urbano e</p><p>Projovem Rural: o conhecido programa EJA, que oferece educação do ensino</p><p>fundamental ao médio para jovens e adultos que estão fora da idade escolar,</p><p>ganhou nos últimos anos duas novas versões. Uma delas privilegia e insere</p><p>temáticas e particularidades do contexto urbano nas práticas educativas. A outra</p><p>faz o mesmo a partir do contexto rural, anexando saberes e práticas que fortaleçam</p><p>a identidade do cidadão do campo, mas também que favoreçam suas práticas de</p><p>trabalho e seus meios de vida.</p><p>• Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas</p><p>Interculturais Indígenas (Prolind): esse projeto favorece os saberes e as</p><p>vivências indígenas na formação de professores e profissionais cuja intenção é</p><p>voltar o seu trabalho especificamente para as suas comunidades. Assim, é possível</p><p>preservar a cultura original, com o ensino da língua materna, por exemplo, além do</p><p>português, juntamente a propostas de economia sustentável. 8 Relações étnico-</p><p>raciais e diversidade no ambiente escolar.</p><p>23</p><p>• Bolsa Família: é um benefício financeiro mensal para famílias em</p><p>situação de vulnerabilidade social extrema, desde que as crianças e adolescentes</p><p>em idade escolar (de 6 até 17 anos) sejam mantidos na escola. De acordo com o</p><p>Ministério da Educação, há acompanhamento do rendimento escolar de cada um</p><p>dos estudantes.</p><p>• Acessível: esse programa procura inserir nas escolas públicas</p><p>dispositivos e elementos que permitam aos estudantes com deficiência estudar,</p><p>permanecer e circular na escola de forma facilitada, com foco em sua autonomia.</p><p>Ele prevê desde rampas de acesso até salas multifuncionais com equipamentos e</p><p>instrumentos especiais para pessoas com deficiência física, visual, auditiva,</p><p>intelectual ou pessoas neuroatípicas. Pessoas com deficiência não</p><p>necessariamente precisam de escolas e educação especial, a não ser que isso seja</p><p>recomendado por médicos, em situações específicas. Elas podem (e isso é um</p><p>direito seu) ser recebidas nas escolas públicas regulares. É dever do Estado</p><p>providenciar os recursos necessários para que isso aconteça.</p><p>6 ETNIA E RAÇA</p><p>6.1 Distinção entre etnia e raça</p><p>Somos todos iguais? Essa questão é muito complexa, e é sobre ela que</p><p>vamos nos debruçar neste capítulo. Para iniciar a discussão, precisamos saber que,</p><p>apesar de termos em comum a condição de humanidade, temos origens biológicas,</p><p>territoriais e culturais diferentes, e isso faz com que tenhamos diferenças não só no</p><p>modo de viver a vida, mas também em aspectos físicos.</p><p>Segundo Neves (2006), as principais espécies hominídeas consideradas</p><p>cruciais para a história da evolução humana datam de sete milhões de anos atrás.</p><p>De lá para cá, o bipedismo, o consumo de proteína animal, a fabricação de</p><p>ferramentas, o desenvolvimento do cérebro e a construção da vida em sociedade</p><p>24</p><p>permitiram que o homem chegasse aos dias atuais como o conhecemos. Entretanto,</p><p>é importante considerar esse aspecto temporal e pensar nos processos biológicos</p><p>pelos quais a nossa sociedade passou:</p><p>O acaso na evolução biológica remete-se à existência ou não de variante</p><p>numa população exatamente no momento em que essas variantes</p><p>poderiam ser instadas à condição de solução adaptativa. A existência de</p><p>variabilidade depende de mutações, que ocorrem de forma absolutamente</p><p>imprevisível no genoma. A necessidade, por sua vez, remete-se ao desafio</p><p>de sobrevivência imposto por uma nova situação ambiental, ambiente aqui</p><p>entendido no seu sentido lato, que inclui também os competidores</p><p>(NEVES, 2006, p. 81).</p><p>Em essência, para sobreviver, cada sociedade passou por processos de</p><p>adaptação em sua forma de alimentação, de vestimentas, de proteção das</p><p>intempéries climáticas e de tantos outros aspectos. Estes interferiram não somente</p><p>nas expressões culturais às quais se filiavam, mas também em aspectos biológicos</p><p>que resultaram em mudanças físicas perceptíveis. Desse modo, a cor da pele, a cor</p><p>do olho, a cor do cabelo, a altura, o tamanho, as formas corporais de partes do</p><p>corpo são aspectos visíveis que diferenciam as</p><p>sociedades e as culturas que</p><p>conhecemos.</p><p>Vamos compreender melhor como podemos analisar essas sociedades a</p><p>partir da noção de raça e etnia. Carolus Linnaeus (1758) foi quem criou a taxonomia</p><p>moderna e o termo Homo sapiens, reconhecendo quatro variedades do homem: o</p><p>americano (Homo sapiens americanus), o europeu (Homo sapiens europaeus), o</p><p>asiático (Homo sapiens asiaticus) e o africano (Homo sapiens afer). Essa situação</p><p>difundiu a ideia de que há uma diferença entre grupos sociais a partir de cores:</p><p>respectivamente, o vermelho, o branco, o amarelo e o preto. Para refletir o que a</p><p>cor nos leva a pensar sobre raça, cabe lembra o que diz Guimarães (2008, p. 76–</p><p>77): “[...] cor é uma categoria racial, pois quando se classificam as pessoas como</p><p>negros, mulatos ou pardos é a ideia de raça que orienta essa forma de classificação</p><p>[...]”.</p><p>Logo, a difusão desse conhecimento influenciou os estudos evolutivos no</p><p>sentido de reforçar a ideia de que há divisão, de certa forma homogênea, entre os</p><p>grupos sociais. Todavia, poderíamos dizer que Etnia e Raça são diferentes —</p><p>25</p><p>muitas vezes percebidas pelas cores — que compõem a base para as sociedades</p><p>que conhecemos hoje? Para isso, vamos estudar o próprio termo raça e</p><p>problematizar os seus usos.</p><p>O termo raça tem uma variedade de definições geralmente utilizadas para</p><p>descrever um grupo de pessoas que compartilham certas características</p><p>morfológicas. A maioria dos autores tem conhecimento de que raça é um</p><p>termo não científico que somente pode ter significado biológico quando o</p><p>ser se apresenta homogêneo, estritamente puro; como em algumas</p><p>espécies de animais domésticos. Essas condições, no entanto, nunca são</p><p>encontradas em seres humanos. (SANTOS et al., 2010, p. 122).</p><p>A explicação sobre a diferença entre as sociedades por meio da divisão dos</p><p>grupos sociais a partir das cores se torna sem fundamento, até mesmo porque é</p><p>rara a existência de sociedades isoladas. Em geral, há grandes trocas culturais</p><p>entre sociedades que vivem próximas — os seus membros inclusive transitam por</p><p>esses grupos sociais por meio de casamentos.</p><p>Guimarães (2008, p. 64–65) destaca que é preciso esclarecer uma</p><p>diferença importante para compreender esse termo de forma conceitual e mais</p><p>aprofundada:</p><p>O que é raça? Depende. Realmente depende se estamos falando em</p><p>termos científicos ou de uma categoria do mundo real. Essa palavra “raça”</p><p>tem pelo menos dois sentidos analíticos: um reivindicado pela biologia</p><p>genética e outro pela sociologia. [...] A biologia e a antropologia física</p><p>criaram a ideia de raças humanas, ou seja, a ideia de que a espécie</p><p>humana poderia ser dividida em subespécies, tal como o mundo animal, e</p><p>de que tal divisão estaria associada ao desenvolvimento diferencial de</p><p>valores morais, de dotes psíquicos e intelectuais entre os seres humanos.</p><p>Para ser sincero, isso foi ciência por certo tempo e só depois virou</p><p>pseudociência. [....] Depois da tragédia da Segunda Guerra, assistimos a</p><p>um esforço de todos os cientistas — biólogos, sociólogos, antropólogos —</p><p>para sepultar a ideia de raça, desautorizando o seu uso como categoria</p><p>científica [...]. Ou seja, as raças são, cientificamente, uma construção</p><p>social e devem ser estudadas por um ramo próprio da sociologia ou das</p><p>ciências sociais, que trata das identidades sociais. Estamos, assim, no</p><p>campo da cultura, e da cultura simbólica. [...] As sociedades humanas</p><p>constroem discursos sobre suas origens e sobre a transmissão de</p><p>essências entre gerações. Esse é o terreno próprio às identidades sociais</p><p>e o seu estudo trata desses discursos sobre origem.</p><p>Cabe deixar de lado o termo raça usado pelas ciências biológicas e tão</p><p>difundido nos séculos XVIII e XIX, que entendiam como pertinente a ideia de raças</p><p>humanas para diferenciar os grupos sociais — e até mesmo hierarquizá-los —, para</p><p>26</p><p>compreender que a única raça existente é a raça humana. Neves (2006)</p><p>compreende que o termo raça só faz sentido se for utilizado no âmbito sociológico,</p><p>no qual são levadas em consideração as origens do grupo, tanto pelos traços</p><p>fisionômicos como pelos aspectos culturais, abarcando as suas complexidades</p><p>históricas e a identidade dos seus membros.</p><p>Silva e Soares (2011) destacam que esse “novo” uso do termo vem se</p><p>consolidando; porém, em outros momentos, diferentes conceitos tentaram dar conta</p><p>de identificar os grupos sociais de forma que considerassem a sua pluralidade sem</p><p>hierarquizá-los, como explicam a seguir:</p><p>Apesar dessas novas leituras conceituais e usos das palavras, o que</p><p>confere uma mudança histórica altamente comum e saudável no campo</p><p>das mentalidades, o conceito de “raça”, por muitas vezes foi deixado de</p><p>lado em detrimento de outros, não completamente substituidores, mas que</p><p>talvez fizessem o mesmo papel definidor e classificador dessas pessoas</p><p>unidas por características, cultura e instituições semelhantes e, num</p><p>contexto de luta por igualdades, experiências parecidas de resistência e/ou</p><p>percepção de todo um sistema insistentemente segregacionista.</p><p>Atualmente, um desses outros conceitos seria o de “etnia”, que tem origem</p><p>do grego ethnos, o que entendemos não só como um conjunto de pessoas</p><p>da comunidade. É o pertencimento do grupo, independente dos laços</p><p>consanguíneos e a construção de ações coletivas (SILVA; SOARES, 2011,</p><p>p. 106).</p><p>Assim, o termo etnia abrange a complexidade dos contextos sociais,</p><p>políticos e econômicos dos grupos sociais, não só enquanto identificação de grupo,</p><p>mas enquanto mobilização política para a sua existência em meio aos outros grupos</p><p>sociais. Luvizotto (2009, p. 30) explica que “[...] a concepção de etnicidade está</p><p>além da definição de culturas específicas e, portanto, é composta de mecanismos</p><p>de diferenciação e identificação que são acionados conforme os interesses dos</p><p>indivíduos em questão, assim como o momento histórico no qual estão inseridos</p><p>[...]”. Logo, com essa discussão, temos um quadro panorâmico de como os</p><p>conceitos de raça e etnia se inserem nas sociedades e nos debates atuais.</p><p>6.2 Questões histórico-sociais dos conceitos de etnia e raça</p><p>Para que você possa entender como esses conceitos foram utilizados</p><p>diante das questões histórico-sociais, vamos enfatizar alguns momentos da história</p><p>27</p><p>mundial e até mesmo da história nacional pertinentes a essa compreensão. É</p><p>importante perceber que alguns usos políticos dos conceitos de raça e etnia podem</p><p>explicitar diferenças entre grupos sociais dispostas pelos poderes político e</p><p>econômico ou mesmo pretendem invisibilizar aspectos específicos de culturas que</p><p>vivem no mesmo espaço territorial, a partir de uma suposta de ideia de democracia</p><p>racial.</p><p>O primeiro destaque aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial (1939–</p><p>1945). O plano alemão de conquista do mundo se valia da diferenciação dos grupos</p><p>sociais para hierarquizar uns sobre os outros e valorizar a dita raça ariana: os</p><p>descendentes de uma das três grandes sociedades humanas provenientes do</p><p>Cáucaso (região da Europa Oriental e da Ásia Ocidental, entre o Mar Negro e o Mar</p><p>Cáspio). Mazowe (2008) destaca que os nazistas optaram pelos velhos padrões</p><p>coloniais europeus, tanto em termos geopolíticos como em termos de questões</p><p>raciais, para impor as suas ideias imperiais, exterminar povos considerados</p><p>diferentes dos seus e se apresentar como raça superior.</p><p>Assim, essa era uma estratégia política de Adolf Hitler (político alemão que</p><p>foi líder do Partido Nazista) para dividir os grupos sociais, mas também fazer com</p><p>que os arianos apoiassem esse regime político por medo de morrer, como analisa</p><p>Foucault (1996, p. 210):</p><p>[...] o regime nazista não terá como único objetivo a destruição das outras</p><p>raças. Este é apenas um de seus aspectos. O outro [aspecto] é o de expor</p><p>a própria raça ao perigo absoluto e universal da morte. O risco de morrer,</p><p>a exposição à destruição total é um princípio inscrito entre os deveres</p><p>fundamentais da obediência</p><p>nazista e entre os objetivos essenciais da</p><p>política.</p><p>Entretanto, em nome da construção da Alemanha somente por pessoas</p><p>provenientes da raça ariana, inúmeras atrocidades foram cometidas, misturando</p><p>nazismo com eugenia — a seleção das pessoas com base em características</p><p>genéticas. Umas das consequências desse pensamento político entre os</p><p>governantes alemães da época foi o holocausto, que, segundo Katz (1994, p. 28),</p><p>é descrito como “[...] fenomenologicamente único em virtude do fato de que nunca</p><p>antes um Estado se fixara, como objetivo de princípio e como política Etnia e raça</p><p>28</p><p>de fato, a tarefa de aniquilar fisicamente cada um dos homens, mulheres e crianças</p><p>pertencentes a um povo determinado [...]”.</p><p>Diante desses números, percebemos como determinado uso da ideia de</p><p>raça pode ter consequências perversas e aterrorizantes. Um segundo destaque</p><p>para pensar nos conceitos estudados neste capítulo é em relação à difusão de uma</p><p>suposta democracia racial no Brasil do século XIX. Assim como o nosso primeiro</p><p>exemplo, essa proposta também tem implicações políticas de modo a invisibilizar</p><p>as disputas raciais da constituição do povo brasileiro.</p><p>Freyre (1995) apresenta uma convivência quase harmoniosa entre brancos,</p><p>indígenas e negros desde a colonização do Brasil, trazendo a ideia de que não havia</p><p>disputas raciais, imposições culturais ou mesmo resistência por parte dos povos</p><p>colonizados. A sua perspectiva era de evidenciar traços de diferentes culturas que</p><p>formaram o que hoje conhecemos como a cultura brasileira, mas essa leitura foi</p><p>apropriada politicamente pelos governantes da época para dizer que havia no Brasil</p><p>uma democracia racial. No entanto, apesar de esse ter sido um discurso oficial por</p><p>muito tempo, os cidadãos reconhecem no cotidiano das cidades brasileiras que isso</p><p>é um mito, como explicita Hasenbalg (1979, p. 239):</p><p>[...] as pessoas não se iludem com relação ao racismo no Brasil; sejam</p><p>brancas, negras ou mestiças, elas sabem que existe preconceito e</p><p>discriminação racial. O que o mito racial no brasileiro faz é dar sustentação</p><p>a uma etiqueta e regra implícita de convívio social, pela qual se deve evitar</p><p>falar em racismo, já que essa fala se contrapõe a uma imagem enraizada</p><p>do Brasil como nação. Transgredir essa regra cultural não explicitada</p><p>significa cancelar ou suspender, mesmo que temporariamente, um dos</p><p>pressupostos básicos que regulam a interação social do cotidiano, que é a</p><p>crença na convivência não conflituosa dos grupos raciais.</p><p>Sabe-se que houve, no começo do século XIX, políticas de branqueamento</p><p>que buscavam atrair populações da Europa ao Brasil, a partir de vantagens para a</p><p>fixação desses povos no território brasileiro. Silva (2017, p. 594) explica como se</p><p>deu essa articulação:</p><p>[...] para o entendimento da democracia racial como dispositivo biopolítico</p><p>assentado na miscigenação e no chamado “projeto” de branqueamento da</p><p>nação, nomeadamente a partir dos anos 1930, quando a miscigenação e</p><p>a negação oficial do racismo passaram a ser emblemáticos nas narrativas</p><p>identitárias da nação. [...] É neste contexto que defendo a ideia de que a</p><p>população negra acaba por ser constituída como saber, pois, incluída nas</p><p>29</p><p>narrativas nacionais pelo viés da miscigenação é excluída pelo seu virtual</p><p>desaparecimento, uma vez que o branqueamento é concebido mediante a</p><p>própria ideia de miscigenação.</p><p>Mesmo evidenciando os motivos e as consequência do mito da democracia</p><p>racial, Munanga (1999, p. 125–126) explica que essas ideias influenciam até mesmo</p><p>a maneira como a nossa sociedade é constituída hoje:</p><p>Apesar do esforço dos movimentos negros em redefinir o negro, dando-lhe</p><p>uma consciência política e uma identidade étnica mobilizadoras,</p><p>contrariando a ideologia de democracia racial construída a partir de um</p><p>racismo universal, assimilacionista, integracionista — o universalismo —</p><p>aqui, concordamos com Peter Fry — essa ideologia continua forte no</p><p>Brasil, na sua constituição e na ideia da democracia racial, mesmo se há</p><p>sinais [...] de uma crescente polarização. Se a mestiçagem representou o</p><p>caminho para nivelar todas as diferenças étnicas, raciais e culturais que</p><p>prejudicavam a construção do povo brasileiro, se ela pavimentou o</p><p>caminho não acabado do branquecimento, ela ficou e marcou</p><p>significativamente o inconsciente e o imaginário coletivo do povo brasileiro.</p><p>Chamando atenção para essas situações que envolvem a discussão de</p><p>raça e etnia, pretendemos enfatizar a relevância das conceituações apresentadas</p><p>e a necessidade de um olhar crítico para a proposição de diferença dos grupos</p><p>sociais. Longe de resolver a questão, o objetivo é ampliar a percepção de como</p><p>esses conceitos estão atrelados às discussões políticas e econômicas, não só na</p><p>nossa história, mas também nos dias atuais.</p><p>7 REPENSANDO O PRECONCEITO RACIAL</p><p>A partir dos exemplos emblemáticos enfatizados, devemos lembrar que o</p><p>preconceito racial ainda é velado nos dias de hoje. Talvez não tão explícito como</p><p>no holocausto, na escravidão ou mesmo nas políticas de branqueamento</p><p>anteriormente citadas, o olhar com desdém para alguém de etnia diferente ou</p><p>mesmo a exclusão de um currículo por conta da cor da pele são considerados</p><p>formas de preconceito racial.</p><p>Para Blumer (1965), quatro aspectos permitem evidenciar as formas de</p><p>preconceito racial por um grupo dominante: (a) de superioridade; (b) de que a raça</p><p>30</p><p>subordinada é intrinsecamente diferente e alienígena; (c) de monopólio sobre certas</p><p>vantagens e privilégios; e (d) de medo ou suspeita de que a raça subordinada deseje</p><p>partilhar as prerrogativas da raça dominante.</p><p>Logo, as populações que se sentem prejudicadas em função do preconceito</p><p>racial têm se organizado em movimentos sociais e se articulado para fazer valer os</p><p>seus direitos sociais. Considera-se que as ações políticas afirmativas:</p><p>[…] tomam como base para sua implementação a extrema desigualdade</p><p>racial brasileira no acesso ao ensino superior. Os argumentos favoráveis</p><p>concentram- -se nesse sentido, afirmando a necessidade de um</p><p>enfrentamento direto da sociedade brasileira a esse respeito, o que implica</p><p>o reconhecimento de que o Brasil é um país racialmente desigual e que tal</p><p>situação é fruto de discriminação e preconceito, e não de uma situação de</p><p>classe social (LIMA, 2010, p. 87).</p><p>Essas políticas são consequência da mobilização dos movimentos sociais</p><p>vinculados à noção de raça e etnia. Entre eles, podemos destacar:</p><p>A partir da segunda metade da década de 1990 acelera-se um processo</p><p>de mudanças acerca das questões raciais, marcado fortemente por uma</p><p>aproximação entre o Movimento Negro e o Estado brasileiro. É a partir</p><p>deste momento que as reivindicações por ações mais concretas para o</p><p>enfrentamento das desigualdades raciais começam a ser cobradas. Dois</p><p>acontecimentos — um de âmbito nacional e outro, internacional — são</p><p>destacados consensualmente pelos estudiosos do tema como momentos</p><p>importantes desse processo: a Marcha Zumbi de Palmares contra o</p><p>Racismo, pela Cidadania e a Vida, em 1995, ano de comemoração do</p><p>tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, e a Conferência de Durban,</p><p>em 2001 (LIMA, 2010, p. 89).</p><p>Podemos dizer que, apesar de diferentes grupos sociais que reivindicam a</p><p>questão da identidade étnica no Brasil, como negros, indígenas, ciganos, e outros</p><p>povos que habitam o território brasileiro, a mobilização do movimento negro tem se</p><p>destacado. Essas mobilizações descritas acima tiveram consequências concretas</p><p>nas implantações das cotas raciais, como explicita Maio e Santos et al. (2010, p.</p><p>189):</p><p>Logo após a conferência, o governo brasileiro definiu um programa de</p><p>política de cotas no âmbito de alguns ministérios (Desenvolvimento</p><p>Agrícola e Reforma Agrária, Justiça e Relações Exteriores) (Moehlecke,</p><p>2002). No plano estadual e municipal, diversas iniciativas foram realizadas</p><p>para a implementação do sistema de cotas. Aquela que obteve</p><p>maior</p><p>destaque no final do ano de 2001 foi a da Assembleia Legislativa do Estado</p><p>do Rio de Janeiro, que estabeleceu uma porcentagem das vagas das</p><p>31</p><p>universidades estaduais para pretos e pardos (Maggie; Fry, 2004). A partir</p><p>de 2002, o debate e a implementação de políticas de ação afirmativa com</p><p>viés racial, com foco no sistema de cotas, estenderam-se por diversas</p><p>universidades públicas, tanto estaduais como federais. Em sua ampla</p><p>maioria, com regras variadas, foram definidos mecanismos centrados na</p><p>auto declaração dos candidatos. Já a UnB, além de ser a primeira</p><p>universidade federal a adotar o programa, estabeleceu critérios adicionais</p><p>à auto declaração para definir os beneficiários, ou seja, quem seriam os</p><p>"negros".</p><p>A implantação das cotas não se deu sem polêmicas, e desde então são</p><p>produzidas avaliações sobre o programa em inúmeros estados. As principais</p><p>críticas à política de cotas destacadas por Guarnieri e Melo-Silva (2017, p. 185)</p><p>desde a sua implantação em 2012 apontam:</p><p>[...] inexistência biológica das raças; caráter ilegítimo das ações de</p><p>“reparação” aos danos causados pela escravidão em tempo presente; risco</p><p>de acirrar o racismo no Brasil; possibilidade de manipulação estatística da</p><p>categoria “parda”; inviabilidade de identificação racial em um país mestiço;</p><p>a questão da pobreza como determinante da exclusão social.</p><p>Por outro ladro, também é preciso evidenciar pontos que foram vantajosos</p><p>e que conseguiram provocar uma nova configuração da população no acesso à</p><p>educação superior. Logo, a mesma pesquisa destacou:</p><p>Os argumentos favoráveis concentraram-se na discussão sobre a</p><p>constitucionalidade das cotas e relevância para o país. A intervenção do</p><p>Estado foi colocada como fundamental diante dos quadros de</p><p>desigualdade raciais remanescentes de fenômenos sociais que precisam</p><p>ser enfrentados; destacando-se que as “ações afirmativas” atuariam como</p><p>alternativa para a busca de igualdade através da promoção de condições</p><p>equânimes entre brancos e negros (GUARNIERI; MELO-SILVA, 2017, p.</p><p>185).</p><p>8 RACISMO E FORMAÇÃO DAS IDENTIDADES ÉTNICAS</p><p>A formação da identidade pessoal ocorre desde o nascimento, a partir das</p><p>experiências e vivências nos campos sociais. Nesses campos, as pessoas</p><p>aprendem a respeito da cultura de cada grupo étnico. Nesse contexto, cada etnia</p><p>tem uma cultura própria, forjada a partir das experiências históricas que vivenciou,</p><p>32</p><p>das ideias e normas sociais que produziu com o passar dos tempos e que procurou</p><p>transmitir de geração em geração.</p><p>A vida em sociedade, algumas vezes, faz com que determinadas etnias</p><p>tenham mais poder e dominem as demais. Isso afeta a produção das identidades e</p><p>pode abalar a construção da autoimagem dos sujeitos dominados e inferiorizados.</p><p>Quando a cultura de um grupo étnico é vista como superior e procura servir como</p><p>padrão para todas as demais, pode haver efeitos indesejáveis, como o racismo e a</p><p>discriminação étnico-racial.</p><p>8.1 Formação da identidade e da autoimagem</p><p>Para analisar o processo de formação das identidades, é preciso</p><p>compreender bem o conceito de cultura, pois esse conceito é decisivo para que as</p><p>identidades sejam produzidas nos sujeitos. O termo “cultura”, nesse caso, pode ser</p><p>utilizado “[...] para se referir a tudo o que seja característico sobre o ‘modo de vida’</p><p>de um povo, de uma comunidade, de uma nação ou de um grupo social [...]” (HALL,</p><p>2016, p. 19). Essa definição é interessante pois remete aos vários aspectos</p><p>antropológicos e sociológicos presentes na cultura. Dessa forma, não a restringe a</p><p>“[...] um conjunto de coisas — romances e pinturas ou programas de TV e histórias</p><p>em quadrinhos —, mas sim [a define como] um conjunto de práticas [...]” (HALL,</p><p>2016, p. 20).</p><p>Logo, os indivíduos que partilham da mesma cultura tendem a apresentar</p><p>uma interpretação de mundo semelhante, uma atribuição de sentido similar sobre</p><p>as coisas. Afinal, eles aprendem no interior das práticas cotidianas de seu grupo</p><p>étnico a respeito desses conceitos e seus significados. Considere, por exemplo,</p><p>uma criança pequena. Ela desenvolve traços de comportamento similares aos dos</p><p>pais ou irmãos, na maioria das vezes. Na escola também ocorre esse processo. É</p><p>a partir da conduta do professor ou dos colegas na educação infantil ou anos iniciais</p><p>do ensino fundamental que os alunos aprendem formas de agir que farão parte da</p><p>sua identidade. Para compreender melhor como ocorre o processo de formação das</p><p>33</p><p>identidades, veja algumas características inerentes a ela: negação; diferença;</p><p>relação.</p><p>Os sujeitos constituem a sua identidade a partir da negação daquilo que</p><p>não são. Ou seja, sou “branco” porque não sou “negro” ou “amarelo”; sou um sujeito</p><p>“calmo” pois não sou “nervoso” ou “agressivo”. Esse mesmo mecanismo que faz</p><p>alguém definir quem é (ou pretende ser) exclui as demais possibilidades,</p><p>normalmente inserindo o sujeito em um sistema de classificação social que possui</p><p>representações simbólicas sobre as diferentes categorias. Ou seja, quando alguém</p><p>se posiciona como “branco”, por exemplo, assume todos os significados que essa</p><p>classificação proporciona. Isso inclui os privilégios históricos, bem como uma</p><p>posição que simbolicamente denota maior confiança, ou que é associada à</p><p>competência profissional, etc.</p><p>O segundo elemento que você deve considerar é que a identidade é</p><p>produzida também a partir da marcação da diferença. Assim, um sujeito é da forma</p><p>como é porque é diferente dos demais com os quais não se identifica. É importante</p><p>você notar que “[...] a diferença é um elemento central dos sistemas classificatórios</p><p>por meio dos quais os significados são produzidos [...]” (WOODWARD, 2012, p. 68).</p><p>O problema com a questão da diferença ocorre quando ela é utilizada dentro desse</p><p>sistema classificatório para realizar juízo de valor e construir representações ruins,</p><p>negativas e que inferiorizam algumas identidades.</p><p>Isso foi muito recorrente, por exemplo, durante os processos colonizadores</p><p>no Brasil. Nesse contexto, assumiu-se a identidade europeia (dos colonizadores)</p><p>como a central, mais importante e poderosa do que todas as demais. Nesse</p><p>processo, indígenas e negros foram representados como subalternos, inferiores,</p><p>selvagens e sem cultura. Convém reforçar ainda que</p><p>“[...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza;</p><p>e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos</p><p>descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as</p><p>diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as</p><p>desigualdades [...]” (SANTOS, 2003, p. 56).</p><p>34</p><p>As diferenças são marcadores que constituem as pessoas, as tornam seres</p><p>singulares e especiais. Dessa forma, devem ser reconhecidas e valorizadas</p><p>socialmente.</p><p>O terceiro aspecto talvez seja o mais importante de todos: o caráter</p><p>relacional da identidade. A identidade é produzida a partir das relações nos grupos</p><p>sociais e nas instituições que fazem parte das experiências dos sujeitos: “Nós</p><p>participamos dessas instituições ou ‘campos sociais’, exercendo graus variados de</p><p>escolha e autonomia, mas cada um deles tem um contexto material e, na verdade,</p><p>um espaço e um lugar, bem como um conjunto de recursos simbólicos [...]”</p><p>(WOODWARD, 2012, p. 29).</p><p>Os campos sociais são importantes e decisivos para que as relações e</p><p>interações sociais ocorram e, assim, contribuam para que os sujeitos produzam</p><p>suas identidades. Nesse contexto, a escola é uma importante instituição, que as</p><p>crianças frequentam de forma obrigatória a partir dos 4 anos de idade no Brasil e</p><p>que acolhe aos mais diversos grupos étnicos e culturais. As escolas também</p><p>possuem seus contextos particulares e seus simbolismos. Por exemplo, uma escola</p><p>pública pode ser muito diferente de uma escola privada nas questões estruturais,</p><p>curriculares e, até mesmo, em relação ao público que atende</p><p>O processo de formação da identidade</p>