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<p>Professora: Maria Flor 2024 .1 1</p><p>FACUDADE METROPOLITANA DE MANAUS- FAMETRO</p><p>PROFESSORA: MARIA FLOR</p><p>DISCIPLINA: PSICOLOGIA HOSPITAL</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 2</p><p>SUMÀRIO</p><p>UNIDADE I - HISTÓRIA DA PSICOLOGIA HOSPITALAR................................................................................. 03</p><p>1.1 Estudos sobre a Psicologia da Saúde no contexto hospitalar brasileiro ....................................... 05</p><p>1.2 A Psicologia Hospital no Brasil ............................................................................................................ 07</p><p>1.3 Aspectos legais, éticos e político......................................................................................................... 08</p><p>1.4 Competências necessárias à prática psicológica hospitalar............................................................... 12</p><p>1.5 Demanda psicológica hospitalar......................................................................................................... 13</p><p>1.6 Aspectos da conduta do psicólogo capazes de promover a prática multidisciplinar .......................... 15</p><p>1.7 Análise crítica ................................................................................................................................ ...... 16</p><p>1.8 Psicodiagnóstico................................................................................................... .............................. 17</p><p>1.9 A relevância da avaliação psicológica na saúde .......................................................................... ........ 26</p><p>UNIDADE II - ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CONTEXTO HOSPITALAR. ....................................................... 30</p><p>2.1.Psicólogo no hospital.......................................................................................................................... 30</p><p>2.2 A Despersonalização do Paciente........................................................................................................ 31</p><p>2.3 Psicoterapia e psicologia hospitalar..................................................................................................... 36</p><p>2.4 Prática psicológica em hospitais: demandas e intervenções.............................................................. 41</p><p>2.5 Atuação psicológica em UTI, ambulatório, pronto-socorro e nas várias especialidades médicas...... 44</p><p>2.6 Atuação psicológica na assistência à criança com câncer: da prevenção aos cuidados..................... 57</p><p>2.7 Atuação do psicólogo hospitalar na unidade de terapia intensiva...................................................... 64</p><p>2.8 Atenção psicológica nos hospitais em tempos de combate ao covid-19.......................................... 75</p><p>UNIDADE III - QUALIDADE DE VIDA E PROMOÇÃO DA SAÚDE. .................................................................. 79</p><p>3.1 Qualidade de vida ............................................................................................................................... 80</p><p>3.2 O hospital como espaço para promoção da saúde ........................................................................... .. 85</p><p>3.3 Estratégias para a promoção da saúde em ambientes hospitalares ................................................... 87</p><p>UNIDADE IV : SOBRE A MORTE E O MORRER............................................................................................... 88</p><p>4.1 A morte e a psicologia hospitalar ........................................................................................................ 91</p><p>4.2 Intervenção do psicólogo hospitalar em processos de terminalidade e morte................................. 94</p><p>4.3 O Valor da Experiência no Enfrentamento da Morte ....................................................................... . 95</p><p>4.4 O cuidado da dor e sofrimento como direito fundamental ............................................................. 97</p><p>4.5 Dor x Alívio em Decorrência da Morte ............................................................................................... 98</p><p>4.6 A interface entre psicologia da saúde e bioética ............................................................................... 99</p><p>4.7 Proximidade da morte e a terminalidade humana ........................................................................... 101</p><p>4.8 A humanização no processo de morte................................................................................................ 104</p><p>4.9 A política de humanização hospitalar e os papéis dos profissionais de saúde ................................... 108</p><p>UNIDADE V - HUMANIZAÇÃO NO CONTEXTO HOSPITALAR............................................................................... 117</p><p>5.1 Surgimento do Hospital e a Importância da Humanização................................................................ 118</p><p>5.2 Humanização como Intervenção........................................................................................................ 120</p><p>5.3 As Dificuldades da Implantação da Humanização nos Hospitais........................................................ 121</p><p>5.4 A Amplitude da Reflexão na Política Nacional de Humanização…………………………….....................……. 122</p><p>5.5 O psicólogo hospitalar na humanização........................................................................................ ..... 123</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 3</p><p>UNIDADE I: A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO CONTEXTO HOSPITALAR</p><p>A história da Psicologia, como área de pesquisa e campo de conhecimento, passou por grandes</p><p>transformações nos últimos quarenta anos. O crescimento exponencial do número de publicações</p><p>(artigos, livros didáticos, manuais, etc.) indica essa mudança quantitativa. A ênfase inicial na História da</p><p>Psicologia como Ciência e em uma História puramente intelectual vem sendo substituída por uma</p><p>investigação que pluralizou seus interesses, apresentando interessantes estudos sobre a</p><p>profissionalização da Psicologia (GEUTER, 1992; CAPSHEW, 1999), o impacto social dos testes psicológicos</p><p>(SOKAL, 1987; ZENDERLAND, 1998; DERKSEN, 2001; GIBBY; ZICKAR, 2008), relação da Psicologia com o</p><p>racismo (RICHARDS, 1997; GUTHRIE, 1998), a relação da Psicologia com a sociedade (O’DONNELL, 1985;</p><p>ASH; WOODWARD, 1989; CUSHMAN, 1995), a internacionalização da Psicologia (BROCK, 2006; PICKREN,</p><p>2009) e o contexto social da produção do conhecimento psicológico (DANZIGER, 1994), para citar alguns</p><p>exemplos. Essa mudança qualitativa na produção historiográfica sobre Psicologia decorre de um intenso</p><p>questionamento do que se denominou de “história tradicional da psicologia” (YOUNG, 1966; DANZIGER,</p><p>1979, 1984, 1993; O’DONNELL, 1979; RICHARDS, 2002; ROGER, 2005; ROSE, 2008; TOOMELA, 2010).</p><p>A História Tradicional da Psicologia parte de um questionamento historiográfico que se ancora nas</p><p>normas hodiernamente vigentes para definir o objeto de estudo da Psicologia e com ênfase em autores e</p><p>ideias. O marco inaugural dessa corrente historiográfica é o livro História da Psicologia Experimental,</p><p>escrito por Edwin Boring e publicado originalmente em 1929. O propósito de Boring era apresentar uma</p><p>Psicologia Unificada a partir de uma suposta hegemonia da Psicologia Experimental (O’DONNELL, 1979).</p><p>As principais características da História Tradicional da Psicologia são:</p><p>1) Ênfase na obra de “grandes” personalidades da Psicologia (Individualismo): Robert Watson é o</p><p>primeiro historiador da Psicologia a apresentar uma História da Psicologia a partir da contribuição de</p><p>alguns autores, identificando as principais contribuições destes pensadores ao campo psicológico e</p><p>também estudando a biografia e o desenvolvimento intelectual destas figuras.</p><p>o psicodiagnóstico como um processo científico, porque deve partir de um</p><p>levantamento prévio de hipóteses que serão confirmadas ou infirmadas através de passos</p><p>predeterminados e com objetivos precisos. Tal processo é limitado no tempo, baseado num contrato de</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 21</p><p>trabalho entre paciente ou responsável e o psicólogo, tão l, uma estimativa do tempo necessário (número</p><p>aproximado de sessões de exame).</p><p>O plano de avaliação é estabelecido com base nas perguntas ou hipóteses iniciais, definindo-se não</p><p>só quais os instrumentos necessários, mas como e quando utilizá-los. Pressupõe-se, naturalmente, que o</p><p>psicólogo saiba que instrumentos são eficazes quanto a requisitos metodológicos. Portanto, a questão,</p><p>aqui, é o quando certos instrumentos podem ser eficientes, se aplicados com um propósito específico,</p><p>para fornecer respostas a determinadas perguntas ou testar certas hipóteses. Selecionada e administrada</p><p>uma bateria de testes, obtêm-se dados que devem ser inter-relacionados com as informações da história</p><p>clínica da história pessoal ou com outras, a partir do elenco das hipóteses iniciais para permitir uma</p><p>seleção e uma integração, norteada pelos objetivos do psicodiagnóstico que determinam o nível de</p><p>inferências que deve ser alcançado.</p><p>Tais resultados são comunicados a quem de direito, podendo oferecer subsídios para decisões ou</p><p>recomendações.</p><p>1.8.2 Objetivos</p><p>O processo do psicodiagnóstico pode ter um ou vários objetivos, dependendo dos motivos alegados</p><p>ou reais do encaminhamento e/ou da consulta, que norteiam o elenco de hipóteses inicialmente</p><p>formuladas, e delimitam o escopo da avaliação. Portanto, relacionam-se essencialmente com as questões</p><p>propostas e com as necessidades da fonte de solicitação e “determinam o nível de inferências que deve</p><p>ser alcançado na comunicação com o receptor” (Cunha, 1996).</p><p>As perguntas mais elementares que podem ser formuladas, em relação a uma capacidade, um</p><p>traço, um estado emocional, seriam: “Quanto?” ou “Qual?”. Um exemplo comum de exame com tal</p><p>objetivo seria o de avaliação do nível intelectual, que permitiria uma classificação simples. O examinando</p><p>é submetido a testes, adequados a sua idade e nível de escolaridade. São levantados escores, consultadas</p><p>tabelas, e os resultados são fornecidos em dados quantitativos, classificados sumariamente.</p><p>Estritamente, se o examinador se restringe a tal objetivo, sua tarefa seria caracterizada mais como a</p><p>de um psicometrista do que a de um psicólogo clínico. Todavia, o psicólogo clínico, que não perde a</p><p>referência da pessoa do examinando, dificilmente iria se restringir a tal objetivo, porque analisaria</p><p>escores dos subtestes (se tivesse usado um instrumento WIS), bem como diferenças inter e intratestes,</p><p>que são suscetíveis de interpretação. Então, teria condições de identificar forças e fraquezas no</p><p>funcionamento intelectual. No caso, o objetivo do exame seria de descrição. Mas, se detivesse a examinar</p><p>certos erros e desvios, poderia levantar pistas que servissem de base para hipóteses sobre a presença de</p><p>déficits cognitivos. O objetivo ainda seria o de descrição, mas o processo seria mais complexo.</p><p>Objetivos Especificação</p><p>Classificação</p><p>Simples</p><p>O exame compara a amostra do comportamento do examinando com os</p><p>resultados de outros sujeitos da população geral ou de grupos específicos, com</p><p>condições demográficas equivalentes; esses resultados são fornecidos em dados</p><p>quantitativos, classificados sumariamente, como em uma avaliação de nível</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 22</p><p>intelectual.</p><p>Descrição Ultrapassa a classificação simples, interpretando diferenças de escores,</p><p>identificando forças e fraquezas e descrevendo o desempenho do paciente, como</p><p>em uma avaliação de déficits neuropsicológicos.</p><p>Classificação</p><p>Nosológica</p><p>Hipóteses iniciais são testadas, tomando como referência critérios diagnósticos.</p><p>Diagnóstico</p><p>diferencial</p><p>São investigadas irregularidades ou inconsistências do quadro sintomático, para</p><p>diferenciar alternativas diagnósticas, níveis de funcionamento ou a natureza da</p><p>patologia.</p><p>Avaliação</p><p>Compreensiva</p><p>É determinado o nível de funcionamento da personalidade, são examinadas as</p><p>funções do ego, compreensiva em especial a de insight, condições do sistema de</p><p>defesas, para facilitar a indicação de recursos terapêuticos e prever a possível</p><p>resposta aos mesmos.</p><p>Entendimento</p><p>dinâmico</p><p>Ultrapassa o objetivo anterior, por pressupor um nível mais elevado de inferência</p><p>clínica, havendo uma integração de dados com base teórica. Permite chegar a</p><p>explicações de aspectos comportamentais nem sempre acessíveis na entrevista, à</p><p>antecipação de fontes de dificuldades na terapia e à definição de focos</p><p>terapêuticos, etc.</p><p>Prevenção Procura identificar problemas precocemente, avaliar riscos, fazer uma estimativa</p><p>de forças e fraquezas do ego, de sua capacidade para enfrentar situações novas,</p><p>difíceis, estressantes.</p><p>Prognóstico Determina o curso provável do caso.</p><p>Perícia forense Fornece subsídios para questões relacionadas com “insanidade”, competência</p><p>para o exercício das funções de cidadão, avaliação de incapacidades ou patologias</p><p>que podem se associar com infrações da lei, etc.</p><p>Fonte: Cunha, in Taborda, Prado-Lima e Busnello, 1996</p><p>Também seria descritivo o exame do estado mental do paciente ou o exame das funções do ego,</p><p>frequentemente realizados sem a administração de testes, pelo que não são de competência exclusiva do</p><p>psicólogo. O exame do estado mental do paciente, por exemplo, é um tipo de recurso diagnóstico que</p><p>envolve a exploração da presença de sinais e sintomas, eventualmente utilizando provas muito simples,</p><p>nãopadronizadas, para uma estimativa sumária de algumas funções, como atenção e memória. Este</p><p>constitui um exame subjetivo de rotina em clínicas psiquiátricas, muitas vezes complementado por um</p><p>exame objetivo.</p><p>Frequentemente, dados resultantes desse exame, da história clínica e da história pessoal permitem</p><p>atender ao objetivo de classificação nosológica. Essa avaliação com tal objetivo é realizada pelo psiquiatra</p><p>e, também, pelo psicólogo, quando o paciente não é testável. Nesse caso específico, pode-se dizer que</p><p>ambos usam preferencialmente um modelo categórico para analisar a psicopatologia, isto é, devem fazer</p><p>um julgamento clínico sobre a presença ou não de uma configuração de sintomas significativos (Dobson &</p><p>Cheung, 1990). Dessa maneira, estariam verificando o que o paciente tem de similar com outros</p><p>pacientes na mesma categoria diagnóstica. Se o trabalho se restringisse a chegar a um código</p><p>classificatório, não caberia a sua qualificação como psicodiagnóstico propriamente dito.</p><p>Não obstante, quando o paciente apresenta condições para testagem, é possível se desenvolver um</p><p>psicodiagnóstico em estrito senso: o psicólogo organiza seu plano de avaliação e lança mão de uma</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 23</p><p>bateria de testes, para verificar cientificamente suas hipóteses, ou, ainda, para levantar outras a serem</p><p>analisadas, conforme a história e o contexto de vida do paciente. A classificação nosológica, além de</p><p>facilitar a comunicação entre profissionais, contribui para o levantamento de dados epidemiológicos de</p><p>uma comunidade. Assim, deve ser usada, mas, num psicodiagnóstico, a tarefa não se restringe a conferir</p><p>quais os critérios diagnósticos que são preenchidos pelo caso.</p><p>Outro objetivo praticamente associado a esse é o de diagnóstico diferencial. O psicólogo investiga</p><p>irregularidades e inconsistências do quadro sintomático e/ou dos resultados dos testes para diferenciar</p><p>categorias nosológicas, níveis de funcionamento, etc. Naturalmente, para trabalhar com tal</p><p>objetivo, o</p><p>psicólogo, além de experiência e de sensibilidade clínica, deve ter conhecimentos avançados de</p><p>psicopatologia e de técnicas sofisticadas de diagnóstico.</p><p>O objetivo de avaliação compreensiva considera o caso numa perspectiva mais global,</p><p>determinando o nível de funcionamento da personalidade, examinando funções do ego, em especial</p><p>quanto a insight, para indicação terapêutica ou, ainda, para estimativa de progressos ou resultados de</p><p>tratamento. Não chega necessariamente à classificação nosológica, embora esta possa ocorrer</p><p>subsidiariamente, uma vez que o exame pode revelar alterações psicopatológicas. Mas, de qualquer</p><p>forma, envolve algum tipo de classificação, já que a determinação do nível de funcionamento é</p><p>especialmente importante para a indicação terapêutica, definindo limites da responsabilidade</p><p>profissional. Assim, um paciente em surto poderia requerer hospitalização e prescrição farmacológica sob</p><p>os cuidados de um psiquiatra. Um paciente que enfrenta uma crise vital pode se beneficiar com uma</p><p>terapia breve com um psicoterapeuta. Pressupõe-se que certas funções do ego estejam relativamente</p><p>intactas para que haja uma resposta terapêutica adequada para determinados tipos de tratamento.</p><p>Basicamente, podem não ser utilizados testes. Esse é um objetivo explícito ou implícito nos contatos</p><p>iniciais do paciente com psiquiatras, psicanalistas e psicólogos de diferentes linhas de orientação</p><p>terapêutica. Entretanto, se o objetivo é atingido por meio de um psicodiagnóstico, obtêm-se evidências</p><p>mais objetivas e precisas, que podem, inclusive, servir de parâmetro para avaliar resultados terapêuticos,</p><p>mais tarde, através de um reteste.</p><p>O objetivo de entendimento dinâmico, em sentido lato, pode ser considerado como uma forma de</p><p>avaliação compreensiva, já que enfoca a personalidade de maneira global, mas pressupõe um nível mais</p><p>elevado de inferência clínica. Através do exame, procura-se entender a problemática de um sujeito, com</p><p>uma dimensão mais profunda, na perspectiva histórica do desenvolvimento, investigando fatores</p><p>psicodinâmicos, identificando conflitos e chegando a uma compreensão do caso com base num</p><p>referencial teórico.</p><p>Um exame desse tipo requer entrevistas muito bem conduzidas, cujos dados nem sempre são</p><p>consubstanciados pelos passos específicos de um psicodiagnóstico, não sendo, portanto, um recurso</p><p>privativo do psicólogo clínico. Frequentemente, combina-se com os objetivos de classificação nosológica e</p><p>de diagnóstico diferencial. Porém, quando é um objetivo do psicodiagnóstico, leva não só a uma</p><p>abordagem diferenciada das entrevistas e do material de testagem, como a uma integração dos dados</p><p>com base em pressupostos psicodinâmicos.</p><p>Um psicodiagnóstico também pode ter um objetivo de prevenção. Tal exame visa a identificar</p><p>problemas precocemente, avaliar riscos, fazer uma estimativa de forças e fraquezas do ego, bem como da</p><p>capacidade para enfrentar situações novas, difíceis, conflitivas ou ansiogências. Em sentido lato, pode ser</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 24</p><p>realizado por outros profissionais de uma equipe de saúde pública. Muitas vezes, é levado a efeito</p><p>utilizando recursos de triagem, procurando atingir o maior número de casos no menor espaço de tempo,</p><p>portanto, não pressupondo maior profundidade no levantamento de certos indícios de possível patologia,</p><p>apenas para dar fundamentação ao desenvolvimento de programas preventivos, com grupos maiores.</p><p>Não obstante, num exame individual, que pode requerer uma dimensão mais profunda, especialmente</p><p>envolvendo uma estimativa de condições do ego frente a certos riscos ou no enfrentamento de situações</p><p>difíceis, seria indicado um psicodiagnóstico.</p><p>Outro objetivo é o de prognóstico, que depende fundamentalmente da classificação nosológica, e,</p><p>neste sentido, não é privativo do psicólogo. Em muitos casos, todavia, este pode dar uma contribuição</p><p>importante, na medida em que, por meio do psicodiagnóstico, pode avaliar condições que, de alguma</p><p>forma, possam ter influência no curso do transtorno. Entretanto, trata-se de uma área que ainda exige</p><p>muitas pesquisas tanto para a coleta de dados estatísticos sobre o curso possível de certos transtornos</p><p>quanto sobre a utilização mais adequada da testagem com esse objetivo.</p><p>Por último, existe um objetivo de perícia forense. O exame procura resolver questões relacionadas</p><p>com “insanidade”, competência para o exercício de funções de cidadão, avaliação de incapacidade ou de</p><p>comprometimentos psicopatológicos que etiologicamente possam se associar com infrações da lei, etc.</p><p>Geralmente, é colocada uma série de quesitos que o psicólogo deve responder para instruir um</p><p>determinado processo. Suas respostas devem ser claras, precisas e objetivas. Portanto, deve haver um</p><p>grau satisfatório de certeza quanto aos dados dos testes, o que é bastante complexo porque “os dados</p><p>descrevem o que uma pessoa pode ou não fazer no contexto da testagem, mas o psicólogo deve ainda</p><p>inferir o que ele acredita que ela poderia ou não fazer na vida cotidiana” (Groth-Marnat, 1984, p.25). As</p><p>respostas fornecem subsídios para instruir decisões de caráter vital para o indivíduo. Consequentemente,</p><p>a necessidade de chegar a inferências que tenham tais implicações pode se tornar até certo ponto</p><p>ansiogênica para o psicólogo.</p><p>Na realidade, comumente o psiquiatra é nomeado como perito e solicita o exame psicológico para</p><p>fundamentar o seu parecer. Não obstante, muitas vezes, o psicólogo é chamado para colaborar com a</p><p>justiça, de forma independente.</p><p>1.8.3 Responsabilidade</p><p>O diagnóstico psicológico pode ser realizado:</p><p>a) Pelo psicólogo, pelo psiquiatra (e, eventualmente, pelo neurologista ou psicanalista), com vários</p><p>objetivos (exceto o de classificação simples), desde que seja utilizado o modelo médico apenas, no exame</p><p>de funções, identificação de patologias, sem uso de testes e técnicas privativas do psicólogo clínico;</p><p>b) Pelo psicólogo clínico exclusivamente, para a consecução de qualquer ou vários dos objetivos,</p><p>quando é utilizado o modelo psicológico (psicodiagnóstico), incluindo técnicas e testes privativos desse</p><p>profissional;</p><p>c) Por equipe multiprofissional (psicólogo, psiquiatra, neurologista, orientador educacional,</p><p>assistente social ou outro), para a consecução dos objetivos citados e, eventualmente, de outros, desde</p><p>que cada profissional utilize o seu modelo próprio, em avaliação mais complexa e inclusiva, em que é</p><p>necessário integrar dados muito interdependentes (de natureza psicológica, médica, social, etc.).</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 25</p><p>O objetivo de entendimento dinâmico, em sentido lato, pode ser considerado como uma forma de</p><p>avaliação compreensiva, já que enfoca a personalidade de maneira global, mas pressupõe um nível mais</p><p>elevado de inferência clínica. O psicodiagnóstico surgiu como consequência do advento da psicanálise,</p><p>que ofereceu novo enfoque para o entendimento e a classificação dos transtornos mentais.</p><p>Anteriormente, o modelo para o estudo das doenças mentais remontava ao trabalho de Kraepelin e</p><p>outros e às suas tentativas para estabelecer critérios de diagnóstico diferencial para a esquizofrenia.</p><p>No período anterior a Freud, o enfoque do transtorno mental era nitidamente médico. Os pacientes</p><p>de interesse para a ciência médica apresentavam quadros graves, estavam hospitalizados, e eram</p><p>identificados sinais e sintomas que compunham as síndromes. No período freudiano, a abordagem</p><p>mudou. Os pacientes atendidos não apresentavam quadros tão severos, não estavam internados, e,</p><p>embora fossem levados em conta os seus sintomas, estes eram percebidos de maneira compreensiva e</p><p>dinâmica.</p><p>Esta tendência de considerar os pacientes em termos de duas grandes categorias de transtornos</p><p>de</p><p>certa forma persiste. Os pacientes que apresentam transtornos mais graves e que podem precisar de</p><p>hospitalização tendem a ser encaminhados para psiquiatras, enquanto os casos menos graves costumam</p><p>ser encaminhados para psicólogos ou psiquiatras, de acordo com o conceito de transtorno mental e da</p><p>avaliação da gravidade dos sintomas pela pessoa que identifica o problema e fazer o encaminhamento.</p><p>Na realidade, a atribuição da responsabilidade pelo diagnóstico tradicionalmente vem se baseando</p><p>numa avaliação sumária do caso e numa expectativa do tipo de tratamento necessário. Mas essa posição</p><p>vem tendendo a mudar pela consideração do tipo de exame que o caso individual requer. Atualmente,</p><p>com possível exceção das urgências psiquiátricas, os encaminhamentos começam a ser feitos tendo em</p><p>vista a complexidade do caso e não a sua gravidade, e, consequentemente, a necessidade de que o</p><p>diagnóstico seja feito por meio de um exame mais ou menos sofisticado.</p><p>A definição mais explícita dos casos, cujo diagnóstico deve ser da responsabilidade do psicólogo,</p><p>pelos membros da sociedade em geral, vai depender essencialmente da atuação profissional do psicólogo</p><p>e da adequabilidade das respostas que puder dar às necessidades reais do mercado. Sua identidade se</p><p>associa, portanto, à qualidade do seu desempenho.</p><p>1.8.4 Operacionalização</p><p>Em termos de operacionalização, devem ser considerados os comportamentos específicos do</p><p>psicólogo e os passos para a realização do diagnóstico com um modelo psicológico de natureza clínica. Os</p><p>comportamentos específicos do psicólogo podem ser assim relacionados, embora possam variar na sua</p><p>especificidade e na sua seriação, conforme os objetivos do psicodiagnóstico:</p><p>a) Determinar motivos do encaminhamento, queixas e outros problemas iniciais;</p><p>b) Levantar dados de natureza psicológica, social, médica, profissional e/ou escolar, etc. sobre o</p><p>sujeito e pessoas significativas, solicitando eventualmente informações de fontes complementares;</p><p>c) Colher dados sobre a história clínica e história pessoal, procurando reconhecer denominadores</p><p>comuns com a situação atual, do ponto de vista psicopatológico e dinâmico;</p><p>d) Realizar o exame do estado mental do paciente (exame subjetivo), eventualmente</p><p>complementado por outras fontes (exame objetivo);</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 26</p><p>e)Levantar hipóteses iniciais e definir os objetivos do exame;</p><p>f) Estabelecer um plano de avaliação;</p><p>g) Estabelecer um contrato de trabalho com o sujeito ou responsável;</p><p>h) Administrar testes e outros instrumentos psicológicos;</p><p>i) Levantar dados quantitativos e qualitativos;</p><p>j) Selecionar, organizar e integrar todos os dados significativos para os objetivos do exame,</p><p>conforme o nível de inferência previsto, com os dados da história e características das circunstâncias</p><p>atuais de vida do examinando;</p><p>l) Comunicar resultados (entrevista devolutiva, relatório, laudo, parecer e outros informes),</p><p>propondo soluções, se for o caso, em benefício do examinando;</p><p>m) Encerrar o processo. Passos do diagnóstico (modelo psicológico de natureza clínica)</p><p>De Forma bastante resumida, os passos do diagnóstico, utilizando um modelo psicológico de</p><p>natureza clínica, são os seguintes:</p><p>a) Levantamento de perguntas relacionadas com os motivos da consulta e definição das hipóteses</p><p>iniciais e dos objetivos do exame;</p><p>b) Planejamento, seleção e utilização de instrumentos de exame psicológico;</p><p>c) Levantamento quantitativo e qualitativo dos dados;</p><p>d) Integração de dados e informações e formulação de inferências pela integração dos dados, tendo</p><p>como pontos de referência as hipóteses iniciais e os objetivos do exame;</p><p>e) Comunicação de resultados, orientação sobre o caso e encerramento do processo.</p><p>1.9 A relevância da avaliação psicológica na saúde</p><p>A avaliação psicológica em ambientes médicos pode ser considerada como uma adequada</p><p>ferramenta na apropriação de decisões a respeito do diagnóstico diferencial, tipo de tratamento</p><p>necessário e prognóstico. A detecção precoce de problemas comportamentais e/ou distúrbios</p><p>psicológicos/psiquiátricos em pacientes inseridos em ambientes médicos pode significar um grande</p><p>diferencial com relação ao tipo e qualidade do atendimento oferecido ao paciente, bem como diminuição</p><p>do sofrimento e de custos operacionais institucionais, sendo que a avaliação psicológica não</p><p>necessariamente deve estar ligada somente a pacientes hospitalizados, mas também a diversos espaços e</p><p>especialidades em saúde, tais como clínicas particulares de especialidades ou centros de saúde (Stout &</p><p>Cook, 1999).</p><p>Levando-se em consideração a complexidade dos ambientes médicos, a avaliação psicológica deve</p><p>ser alicerçada em um corpo de conhecimento acumulado por intermédio do binômio prática/pesquisa,</p><p>por isso a importância do contínuo desenvolvimento de pesquisas para a criação de protocolos</p><p>específicos de avaliação psicológica em diferentes nichos nos vários ambientes de saúde (Baptista & Dias</p><p>2003; Belar, 1997). Pesquisas em psicologia da saúde e medicina comportamental, principalmente as</p><p>internacionais, vêm crescendo exponencialmente nas últimas três décadas (Montgomery, 2004).</p><p>A avaliação psicológica está baseada no método científico e a aplicação de instrumentos</p><p>psicológicos é uma parte apenas, porém importante, de todo um processo. Noronha (1999) relata a</p><p>avaliação psicológica como um processo que pode (ou não), incluir testes padronizados como um dos</p><p>recursos para atingir seus objetivos. Nela estão envolvidas a coleta das informações, os instrumentos e as</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 27</p><p>diversas formas de medidas para que se possa chegar a uma conclusão. Ou seja, o processo de avaliação</p><p>psicológica pode incluir diferentes procedimentos de medidas, identificar dimensões específicas do</p><p>sujeito, do seu ambiente e da relação entre eles.</p><p>Portanto, cada procedimento de medida, como explica Pasquali (2001), ou de investigação, requer</p><p>um resultado síntese, que não pode ser confundido com o resultado final, pois este está relacionado com</p><p>a análise de todos os dados colhidos durante o processo. Os testes psicológicos, como lembram Anastasi</p><p>e Urbina (2000), podem ser considerados essencialmente como uma medida objetiva e padronizada de</p><p>uma amostra de comportamento. Eles não medem diretamente as capacidades e funções, mas amostras</p><p>que devem representar adequadamente o fenômeno estudado. São, na realidade, semelhantes a</p><p>qualquer outro teste científico, uma vez que por meio de uma pequena amostra, mas cuidadosamente</p><p>escolhida, são realizadas as observações do comportamento da pessoa. Assim, como instrumentos de</p><p>medida, devem apresentar certas características que possam justificar como confiáveis os dados que por</p><p>eles foram produzidos.</p><p>Apesar da confusão entre avaliação psicológica e aplicação de instrumentos, existente na população</p><p>leiga e mesmo entre alguns profissionais, a avaliação deve sempre manter um compromisso ético e</p><p>humanitário, que leva obrigatoriamente a compreender as técnicas utilizadas, suas funções, vantagens e</p><p>limitações. O seu objetivo não é o de dar um simples rótulo, mas, sim, descrever, por meio de técnicas</p><p>reconhecidas e de uma linguagem apropriada, a melhor compreensão de alguns aspectos da vida de uma</p><p>pessoa, ou de um grupo (Tavares, 2004).</p><p>No contexto da saúde, a avaliação psicológica vem ao encontro da formulação atual do conceito de</p><p>saúde e das causas das doenças. A saúde não é considerada apenas como uma ausência de sintomas,</p><p>pois, uma pessoa pode estar gravemente enferma sem apresentar qualquer sintomatologia. Por outro</p><p>lado, as doenças, atualmente, não são consideradas como possuindo uma única determinação, mas sim,</p><p>são multideterminadas. Não existem duas</p><p>psicologias, uma psicologia da saúde e uma psicologia da</p><p>doença. Na realidade, quando se refere à psicologia na saúde, a expressão engloba a vivência de uma</p><p>pessoa também no seu processo de adoecimento. Assim, toda doença tem aspectos psicológicos e que</p><p>envolve múltiplos fatores a serem avaliados, tais como estilo de vida, hábitos, cultura, mitos familiares</p><p>(Straub, 2005).</p><p>A psicologia na saúde está baseada em evidências e vem ganhando importância nos meios científico</p><p>confirmando resultados práticos da atuação deste profissional principalmente em países desenvolvidos.</p><p>Gildron (2002) aponta para o desenvolvimento de ensaios clínicos randomizados com o intuito de</p><p>demonstrar a eficácia das avaliações e, consequentemente das intervenções de psicólogos em ambientes</p><p>médicos, enfatizando a utilização de ferramentas de avaliação baseadas em estudos de validade e</p><p>precisão mais elaborados, o que evitaria a avaliação baseada somente na intuição clínica.</p><p>O desenvolvimento de protocolos de avaliação de pacientes é fundamental para o desenvolvimento</p><p>de guias de tratamento mais eficientes. Como bem assinalam Belar e Deardorff (1995), o tipo de serviço</p><p>prestado, o objetivo do profissional, bem como o setor em que se situa o profissional são algumas das</p><p>variáveis que influenciarão diretamente a forma como o psicólogo desenvolverá seu protocolo de</p><p>avaliação psicológica. De maneira geral, as informações necessárias para uma avaliação minimamente</p><p>adequada estão relacionadas ao estado geral do paciente, as mudanças que ocorreram desde o início da</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 28</p><p>doença e o histórico passado, principalmente aquele relacionado ao enfrentamento de situações de</p><p>doença anteriores.</p><p>A avaliação proposta também deve levar em consideração as peculiaridades do sistema de saúde,</p><p>bem como os suportes sociais/ familiares que o paciente vem recebendo, a fim de contextualizar o tipo</p><p>de avaliação psicológica e, consequentemente o tipo de intervenção mais específica.</p><p>Apesar das diferentes visões que vários autores possuem sobre os objetivos e passos de uma</p><p>avaliação psicológica em ambientes de saúde, Belar e Deardorff (1995) relatam um modelo relacionado as</p><p>principais metas de avaliação de um psicólogo da saúde em ambientes hospitalares, divididos em</p><p>domínios (biológico/físico, afetivo, cognitivo e comportamental) em unidades (paciente, família, sistema</p><p>de saúde e contexto sociocultural) e relatados de forma simplificada a seguir:</p><p>• Metas biológicas - avaliação de aspectos tais como natureza, localização, frequência dos</p><p>sintomas, tipos de tratamento recebido e suas características (ex. altamente invasivos), informações de</p><p>sinais vitais e exames (ex. presença de álcool no sangue), além de informações genéticas e procedimentos</p><p>médicos anteriores à internação;</p><p>• Metas Afetivas - avaliação sobre os sentimentos do paciente sobre a doença, tratamento, futuro,</p><p>limitações e histórico de variações de humor;</p><p>• Metas Cognitivas - conhecimento do paciente sobre o quadro e a situação de saúde, manutenção</p><p>de funções como percepção, memória, inteligência, tipo de padrões de avaliação da situação (crenças),</p><p>percepção de controle da situação (lócus de controle), capacidade de avaliação de custo/benefício de</p><p>opções de tratamentos, expectativas sobre intervenções.</p><p>• Metas comportamentais - reações do paciente, tais como expressões faciais, sinais de ansiedade</p><p>(postura, contato), estilos de comportamento frente à internação (hostil, ansioso) e hábitos de risco ou</p><p>protetores.</p><p>Para o registro das informações citadas anteriormente, Karel (2000), Belar e Deardorff (1995)</p><p>agrupam as vantagens e desvantagens de diferentes tipos de estratégias que podem ser utilizadas na</p><p>obtenção dos dados, por intermédio de questionários, diários, observações, medidas psicofisiológicas,</p><p>dados de prontuários e instrumentos com qualidades psicométricas. Nesse sentido os questionários</p><p>podem ser de grande valia na economia de tempo e/ou como direcionadores em entrevistas mais</p><p>específicas; os diários são importantes na recuperação de informação sobre comportamentos e</p><p>pensamentos relacionados à saúde e podem ser utilizados com linhas de base, apesar de serem</p><p>questionados sobre as qualidades psicométricas.</p><p>As observações podem ser realizadas de forma estruturada durante as visitas ou superestruturada,</p><p>com situações de role-playing filmadas; já as medidas psicofisiológicas são adequadas quando do uso de</p><p>técnicas de biofeedback. Os dados de prontuários, apesar de serem muito úteis devem ser vistos com</p><p>muita cautela, já que dependem da cultura do hospital/país e profissionais em operacionalizarem</p><p>detalhadamente as informações sobre o paciente.</p><p>Para Matarazzo (1990), a avaliação psicológica é mais adequada quando envolve não somente o uso</p><p>de testes psicológicos. Ela deve ser complementada por entrevistas clínicas direcionadas aos problemas,</p><p>observações sistemáticas dos comportamentos, trocas de informações com equipe de saúde</p><p>(enfermeiras, médicos, terapeutas ocupacionais, etc.), dentre outras estratégias.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 29</p><p>Por último, Karel (2000), Belar e Deardorff (1995) relatam sobre a importância da utilização de</p><p>instrumentos com qualidades psicométricas comprovadas. Pode-se ainda dividir alguns instrumentos em</p><p>amplo e estreito espectro, sempre levando em consideração algumas variáveis tais como o objetivo da</p><p>avaliação psicológica, contexto em que se insere tempo disponível do profissional e paciente,</p><p>treinamento do profissional, características do quadro do paciente, dentre outras.</p><p>As medidas de amplo espectro se referem a instrumentos que possuem por objetivo avaliarem</p><p>características da personalidade do paciente, tais como o Sixteen Personality Factor Inventory (16 PF),</p><p>Minnesotta Multiphasic Personality Inventory (MMPI), Millon Clinical Multiaxial Inventory (MCMI),</p><p>Symptom Check List-90 Revised (SCL-90-R), sendo que alguns destes possuem qualidades psicométricas</p><p>adequadas para a população brasileira e outros ainda não possuem ou estão em estudo. Já os</p><p>instrumentos de estreito espectro seriam aqueles mais específicos para uma determinada condição ou</p><p>situação, tais como o Beck Depression Inventory (BDI), Hospital Anxiety and Depression Scale (HAD), Mini-</p><p>Mental-State Exam (MMS), Family Environment Scale (FES), Multidimensional Health Locus of Control</p><p>(MHLC), Câncer Inventory of Problem Situations (CIPS), dentre outros, sendo que, da mesma forma,</p><p>alguns já estão adaptados para a cultura brasileira e outros não estão ou estão sendo estudados por</p><p>pesquisadores/equipes especialistas em avaliação psicológica.</p><p>Protocolos de avaliação psicológica em ambientes da saúde podem ser considerados como guias de</p><p>avaliação específicos para especialidades e serviços com características próprias. Nos casos de</p><p>atendimentos pré e pós-operatórios de serviços como o gastrologia, mais direcionado à obesidade</p><p>mórbida ou mesmo acompanhamento de obesos em SPAS, avaliação e acompanhamento de pacientes</p><p>com transtornos de humor, em nível ambulatorial ou enfermaria, condições psicológicas secundárias á</p><p>presença de doenças, desordens psicofisiológicas associadas a problemas de saúde, avaliações</p><p>relacionadas à questão da adesão ao tratamento; doenças consideradas de cunho psicossomático,</p><p>programas de avaliação para auxiliar pacientes e familiares a desenvolverem estratégias de</p><p>enfrentamento de doenças crônicas, modificação de comportamentos de risco em detrimento de</p><p>diagnóstico de doenças específicas, avaliação e acompanhamento de mães com bebês de alto-risco</p><p>internados em UTI Neonatal, dentre outras possibilidades (Baptista & Dias, 2003; Stout & Cook, 1999).</p><p>A avaliação psicológica no contexto da saúde possui alguns objetivos. Entre</p><p>eles pode-se destacar a</p><p>sistematização das informações dos vários aspectos do funcionamento do paciente, como dados</p><p>perceptuais, motores e funcionamento. Formas objetivas de se obter informações sem a necessidade de</p><p>avaliação essencialmente subjetiva, a fim de elucidar hipóteses que são necessárias para a intervenção.</p><p>Os testes mais utilizados em ambientes médicos são aqueles que avaliam funções intelectuais, escalas</p><p>auto-administradas (quando possível), inventários de personalidade, testes projetivos (quando cabível),</p><p>além dos testes neuropsicológicos que muitas vezes são utilizados para realizar um diagnóstico</p><p>diferencial. No entanto, a utilização de testes nem sempre é necessária, principalmente em casos em que</p><p>o diagnóstico se mostra claramente aos profissionais ou casos em que os níveis de funcionamento do</p><p>paciente estão evidentemente relacionados a estressores específicos do ambiente de saúde ou estado do</p><p>paciente (Spikoff & Oss 1995).</p><p>Os protocolos de avaliações psicológicas em ambientes médicos também devem ser pensados não</p><p>somente em termos de quais medidas serão avaliadas ou testadas em determinadas situações, mas é</p><p>importante levar em consideração que há uma inter-relação entre condições crônicas de saúde,</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 30</p><p>intervenções farmacológicas, fatores psicológicos, sociais e econômicos associados a uma investigação</p><p>compreensiva para a identificação das causas do problema do paciente. Sendo assim, a qualidade da</p><p>avaliação depende, em grande parte, da habilidade do avaliador em recolher e contingenciar as diversas</p><p>variáveis relativas ao estado de saúde (Schneider & Amerman, 1997). Neste sentido deve-se tomar um</p><p>cuidado extra para não transformar protocolos de avaliação em formas "enfaixadas" de avaliação, as</p><p>quais, de forma contrária, ao invés de propiciarem linhas guias para o tratamento, acabam por limitar a</p><p>compreensão do problema.</p><p>BIBLIOGRAFIA</p><p>ALMEIDA, E. O psicólogo no hospital geral. Psicologia: Ciência & Profissão, Brasília, v. 20, n. 3, p. 24-27,</p><p>2000.</p><p>ANGERAMI-CAMON, (Org.). Urgências psicológicas no hospital. São Paulo: Pioneira, 1998. ANGERAMI-</p><p>CAMON, V.; CHIATTONE, H.; NICOLETTI, E. (Orgs.). O doente, a Psicologia e o hospital. São Paulo: Pioneira,</p><p>1996.</p><p>BAPTISTA, M.N., & Dias, R. R. (Orgs). (2003). Psicologia Hospitalar: teoria, aplicações e casos clínicos. Rio</p><p>de Janeiro: Guanabara-Koogan.</p><p>BERNARDES, J. O debate atual sobre a formação em Psicologia no Brasil: permanências, rupturas e</p><p>cooptações políticas. 2004. 207f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Programa de Pós-Graduação em</p><p>Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004.</p><p>CUNHA, Jurema Alcides. Fundamentos do psicodiagnóstico.</p><p>http://professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/17963/material/ Texto%205%20-</p><p>%20Fundamentos%20do%20Psicodiagn%C3%B3stico.pdf FREITAS, Joanneliese de Lucas.</p><p>SPIKOFF, M. & Oss, M. E. (1995). Value Behavioral Health´s Protocols for Psychological Testing. Behavioral</p><p>Health Management, 15(5), 27-30.</p><p>TAVARES, M. (2004). Validade Clínica. Psico-USF, 8(2), 125-136. TONETTO, Aline M. GOMES, William B.</p><p>Competências e habilidad...</p><p>UNIDADE II - ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CONTEXTO HOSPITALAR.</p><p>2.1 Psicólogo no hospital</p><p>Valdemar Augusto Angerami Camon</p><p>Introdução</p><p>A intenção deste trabalho é levantar alguns pontos de reflexões sobre o significado da Psicologia</p><p>no Hospital e a atuação do psicólogo nesse contexto. A evidência que me ocorre inicialmente é que</p><p>apesar dos inúmeros trabalhos e artigos que hoje norteiam a prática do psicólogo no hospital, ainda</p><p>assim, é notório o fato de que apenas tartamudeamos as primeiras palavras nesse contexto.</p><p>A própria dinâmica da existência parece encontrar no contexto hospitalar um novo parâmetro de</p><p>sua ocorrência, dando-lhe uma dimensão nas quais questões que envolvem a doença, a morte e a própria</p><p>perspectiva existencial apresentam um enfeixamento inerentemente peculiar.</p><p>A Psicologia, ao ser inserida no hospital, reviu seus próprios postulados adquirindo conceitos e</p><p>questionamentos que fizeram dela um novo escoramento na busca da compreensão da existência</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 31</p><p>humana. Assim, por exemplo, não mais é possível pensar-se em um curso de graduação em psicologia no</p><p>qual, questões como morte, saúde pública, hospitalização e outras temáticas, que em princípio eram</p><p>pertinentes apenas à Psicologia Hospitalar, não tenham prioridade ou não sejam exigidas como</p><p>necessárias para a formação do psicólogo.</p><p>2.1.2 Na realidade institucional</p><p>A formação acadêmica do psicólogo é falha em relação aos subsídios teóricos que possam embasá-</p><p>lo na prática institucional. Essa formação acadêmica, sedimentada em outros modelos de atuação, não</p><p>provê o instrumental teórico necessário para uma atuação nessa realidade. E praticamente prevendo</p><p>uma mudança nesse quadro, o mesmo texto coloca que apenas recentemente a prática institucional</p><p>mereceu preocupação dos responsáveis pelos programas acadêmicos em Psicologia.</p><p>É dentro dessa perspectiva que se abre ao psicólogo no contexto hospitalar que iremos tecer nossas</p><p>reflexões na busca de um melhor dimensionamento dessa prática. É na fé inquebrantável que o psicólogo</p><p>adquire cada vez com mais nitidez um espaço no hospital a partir de sua compreensão da condição</p><p>humana. Iremos caminhar por trilhas e caminhos que nos conduzirão a novos horizontes profissionais.</p><p>Uma das primeiras dificuldades surgidas quando se pensa na atividade do psicólogo na realidade</p><p>hospitalar é sua inserção na realidade institucional. Já afirmamos que: a formação do psicólogo é falha em</p><p>relação aos subsídios teóricos que possam embasá-lo na prática institucional. Essa formação acadêmica,</p><p>sedimentada em outros modelos de atuação, não o provê com o instrumental teórico necessário para</p><p>uma atuação nessa realidade. Torna-se então abismático o hiato que separa o esboço teórico de sua</p><p>formação profissional e sua atuação prática. Apenas recentemente a prática institucional mereceu</p><p>preocupação dos responsáveis pelos programas acadêmicos em Psicologia.</p><p>Ainda que hoje em dia seja notório o número de cursos de graduação em Psicologia que têm</p><p>dedicado grande espaço para o contexto institucional em seus programas de formação, estamos distantes</p><p>daquilo que seria o ideal em termos de sedimentação teórica-prática. E na medida em que o hospital</p><p>surge como uma realidade institucional com características bastante peculiares, embora reproduzindo as</p><p>condições de outras realidades institucionais, apresenta sinais que evidenciam tratar-se de amplitude</p><p>sequer imaginável em uma análise que não tenha um real comprometimento com sua verdadeira</p><p>dimensão.</p><p>Também é inegável que, a partir do surgimento das reflexões realizadas principalmente pelos</p><p>profissionais sobre a realidade institucional, esse aspecto ganhou uma corporeidade bastante precisa e</p><p>importante na esfera contemporânea da Psicologia. Assim, o termo “análise institucional” deixou de ser</p><p>uma mera citação abstrata de alguns textos para tornar-se realidade, ao menos de discussão teórica, para</p><p>um sem-número de acadêmicos que, a partir de então, passaram a interessar-se pela temática.</p><p>E apesar do psicólogo ainda estar iniciando uma prática institucional nos parâmetros da eficácia e</p><p>respeito às condições institucionais que delimitam sua situação nesse contexto, a busca de determinantes</p><p>nessa prática o levou de encontro a convergências bastante significativas na estruturação teórica dessas</p><p>atividades.</p><p>É fato que a realidade hospitalar apresenta celeumas e condições que exigirão do psicólogo algo</p><p>além da discussão meramente teórico-acadêmica. Valores éticos e ideológicos surgirão ao longo do</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 32</p><p>caminho e exigirão performances sequer imaginadas antes de sua ocorrência. Como ilustração dessa</p><p>afirmação cito o grande número de crianças que padecem nos hospitais de São Paulo de insuficiência</p><p>hepática causada por inanição. Deparar com crianças que padecem vitimadas pela fome em plena cidade</p><p>de São Paulo é algo que nenhum acadêmico imagina quando idealiza efetivamente uma atividade no</p><p>hospital. Ou então, o que dizer dos casos de crianças atacadas por ratazanas enquanto dormem em uma</p><p>evidência da precariedade e da falta de condições mínimas de dignidades existencial e habitacional em</p><p>que a falta de saneamento básico é tão abismante que conceituá-lo de absurdo nada mais é do que</p><p>aproximar-se da verdadeira realidade dessa população?</p><p>O psicólogo, no contexto hospitalar, depara-se de forma aviltante com um dos direitos básicos que</p><p>estão sendo negados à maioria da população, a saúde. A saúde, em princípio um direito de todos, passou</p><p>a ser um privilégio de poucos em detrimento de muitos. A precariedade da saúde da população é, sem</p><p>dúvida alguma, um agravante que irá provocar posicionamentos contraditórios, e, na quase totalidade</p><p>das vezes, irá exigir do psicólogo uma revisão de seus valores acadêmicos, pessoais e até mesmo</p><p>sociopolíticos.</p><p>2.2. A Despersonalização do Paciente</p><p>De acordo com o Novo dicionário da Língua Portuguesa (Ferreira, 1986), despersonalização é um</p><p>ato ou efeito de despersonalizar-se, ou seja, tirar ou reduzir as propriedades que formam a</p><p>personalidade. No contexto hospitalar, esse fenômeno pode ocorrer em pacientes quando passam por</p><p>processo de adoecimento e hospitalização.</p><p>Segundo Gomes e Próchno (2015, p. 787), o paciente tem a fantasia de que o hospital é detentor do</p><p>saber e da cura e, como forma de manter sua onipotência narcísica, idealiza a instituição e se apropria</p><p>dela, tendo reações de passividade e agressividade.</p><p>Ao ser hospitalizado, o paciente sofre um processo de total despersonalização. Deixa de ter o seu</p><p>próprio nome e passa a ser um número de leito ou então alguém portador de uma determinada</p><p>patologia.</p><p>O estigma de doente de paciente até mesmo no sentido de sua própria passividade perante os</p><p>novos fatos e perspectivas existenciais irá fazer com que exista a necessidade premente de uma total</p><p>reformulação até mesmo de seus valores e conceitos de homem, mundo e relação interpessoal em suas</p><p>formas conhecidas. Deixa de ter significado próprio para significar a partir de diagnósticos realizados</p><p>sobre sua patologia.</p><p>Berscheid e Walster destacam que fundamentalmente quando dizemos que sabemos qual a atitude</p><p>de uma pessoa, queremos dizer que temos alguns dados a partir do comportamento passado da pessoa,</p><p>que nos permitem predizer seu comportamento em determinadas situações. Tal afirmação utilizada para</p><p>embasar muitos princípios teóricos em psicologia, perde sua força e autenticidade ao ser confrontada</p><p>com o comportamento de uma determinada pessoa em uma situação de hospitalização.</p><p>Embora sem querer negar que o passado de uma determinada pessoa, irá influir não apenas em sua</p><p>conduta como até mesmo em sua recuperação física, ainda assim, não cometemos erro ao afirmar que a</p><p>situação de hospitalização será algo único como vivência, não havendo a possibilidade de previsão</p><p>anterior à sua própria ocorrência.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 33</p><p>Goffman coloca que o estigma é um sinal, um signo utilizado pela sociedade para discriminar os</p><p>indivíduos portadores de determinadas características.</p><p>E o simples fato de se tornar “hospitalizada” faz com que a pessoa adquira os signos que irão</p><p>enquadrá-la numa nova performance existencial, sendo que até mesmo seus vínculos interpessoais</p><p>passarão a existir a partir desse novo signo. Seu espaço vital não é mais algo que dependa de seu</p><p>processo de escolha. Seus hábitos anteriores terão de se transformar diante da realidade da</p><p>hospitalização e da doença.</p><p>Se essa doença for algo que a envolva apenas temporariamente, haverá a possibilidade de uma</p><p>nova reestruturação existencial quando do restabelecimento orgânico, fato que, ao contrário das doenças</p><p>crônicas, implica necessariamente uma total reestruturação vital.</p><p>Sebastiani explica que “a pessoa deixa de ser o José ou Ana etc. e passa a ser o ’21 A’ ou o</p><p>politraumatizado do leito 4’, ou ainda ‘a fratura de bacia de 6o andar’”.</p><p>E, tentando aprofundar ainda mais tais colocações, afirma que “essa característica, que felizmente</p><p>notamos em grande parte das rotinas hospitalares, tem contribuído muito para ausentar a pessoa de seu</p><p>processo de tratamento, exacerbando o papel de ‘paciente’”.</p><p>A despersonalização do paciente deriva ainda da fragmentação ocorrida a partir dos diagnósticos</p><p>cada vez mais específicos que, além de não abordarem a pessoa em sua amplitude existencial, fazem com</p><p>que apenas um determinado sintoma exista naquela vida.</p><p>Apesar disso, assistimos cada vez mais ao surgimento de novas especialidades que reduzem o</p><p>espaço vital de uma determinada pessoa a um mero determinismo das implicações de certos</p><p>diagnósticos, que trazem em seu bojo signos, estigmas e preconceitos.</p><p>Tal carga de abordagem e confrontos teórico-práticos faz da pessoa portadora de determinadas</p><p>patologias alguém que, além da própria patologia, necessitará de cuidados complementares para livrar-se</p><p>de tais estigmas e signos.</p><p>A especialização clínica, na maioria das vezes, ao aprofundar e segmentar o diagnóstico deixa de</p><p>levar em conta até mesmo as implicações dessa patologia em outros órgãos e membros desse doente,</p><p>que, embora possam não apresentar sinais evidentes de deterioração e comprometimento orgânico,</p><p>estarão sujeitos a um sem-número de alterações.</p><p>A situação de hospitalização passa a ser determinante de muitas situações que serão consideradas</p><p>invasivas e abusivas na medida em que não se respeitam os limites e imposições dessa pessoa</p><p>hospitalizada. E, embora esteja vivendo um total processo de despersonalização, ainda assim algumas</p><p>práticas são consideradas ainda mais agressivas pela maneira como são conduzidas no âmbito hospitalar.</p><p>Assim, será visto como invasivo o fato de a enfermeira acordar o paciente para aplicar injeção, ou a</p><p>atendente que interrompe uma determinada atividade para servir-lhe as refeições.</p><p>Tudo passa a ser invasivo. Tudo passa a ser algo abusivo diante de sua necessidade de aceitação</p><p>desse processo. E até mesmo a presença do psicólogo, que, se não se efetivar cercada de alguns cuidados</p><p>e respeito à própria deliberação do doente, implica ser mais um dos estímulos aversivos e invasivos</p><p>existentes no contexto hospitalar, e, em vez de propiciar alívio ao momento da hospitalização, estará</p><p>contribuindo também para o aumento de vetores que tornam o processo de hospitalização</p><p>extremamente penoso e difícil de ser vivido.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 34</p><p>O hospital, o processo de hospitalização e o tratamento inerente que visa ao restabelecimento,</p><p>salvo aqueles casos de doenças crônicas e degenerativas, não fazem parte dos projetos existenciais da</p><p>maioria das pessoas. Nesse sentido, toda e qualquer invasão no espaço vital é algo aversivo que, além do</p><p>caráter abusivo, apresenta ainda componentes de dor e desalento. E até mesmo evidencia que muitos</p><p>processos de hospitalização têm o reequilíbrio orgânico prejudicado por causa do processo de</p><p>despersonalização do doente, que, ao sentir sua desqualificação existencial, pode concomitantemente,</p><p>muitas vezes, abandonar seu processo interior de cura orgânica e até mesmo emocional.</p><p>Ao trabalhar no sentido de estancar os processos de despersonalização no âmbito hospitalar, o</p><p>psicólogo estará ajudando na humanização do hospital,</p><p>pois seguramente esse processo é um dos</p><p>maiores aniquiladores da dignidade existencial da pessoa hospitalizada. Um trabalho de reflexão que</p><p>envolva toda a equipe de saúde é uma das necessidades mais prementes para fazer com que o hospital</p><p>perca seu caráter meramente curativo para transformar-se em uma instituição que trabalhe não apenas</p><p>com a reabilitação orgânica, mas também com o restabelecimento da dignidade humana.</p><p>O corpo, portanto, coloca-se como exemplificador mais coerente de tal situação, porque o hospital,</p><p>como instituição, está imerso nas questões pulsionais de vida e de morte, de fragmentação e de</p><p>reconstrução fornecendo um espaço, um campo propício ao desnudamento do desamparo humano.</p><p>Ismael (2010) salienta que a hospitalização é um processo que pode favorecer o paciente a ficar</p><p>destituído de si, uma vez que sua subjetividade é despercebida, resultando no fenômeno de</p><p>despersonalização. A autora cita como contribuintes deste processo:</p><p>- Quebra da rotina e produtividade na vida do paciente, além do ambiente não familiar e</p><p>desconhecido que ocasiona estranhamento, não havendo referência pessoal.</p><p>- Institucionalização do sujeito, gerando desconforto e angústia, pois o mesmo é obrigado se</p><p>submeter às regras, normas e horários impostos.</p><p>- Perda da autonomia: seu corpo fica suscetível e vulnerável ao outro devido aos procedimentos</p><p>invasivos que sofre.</p><p>- Tratamento não humanizado devido a equipes de saúde olharem para o paciente não como um</p><p>sujeito em sua completude, mas como portador da doença "X", uma visão técnica da doença somente.</p><p>A este respeito, Gomes e Próchno (2015, p. 787) salientam: "Pode-se articular, por conseguinte,</p><p>que o adoecer tratado aqui diz respeito a essa sujeição da subjetividade ao monumento, à imersão da</p><p>individualidade em processos de institucionalização que implicam a destituição do sujeito como senhor</p><p>de si".</p><p>Maldonado e Canella (2003) apresentam outro fator contribuinte com a despersonalização: a</p><p>formação dos médicos. Estes profissionais aprenderiam a lidar com os pacientes como se estes fossem</p><p>conjuntos de órgãos ou sistemas, focando na doença orgânica e não no significado do adoecer. O</p><p>resultado seria um atendimento incompleto.</p><p>Perez (2010, p. 56) relata que a equipe de saúde também pode perder sua identidade, sendo</p><p>colocados como representantes da instituição, entrando no anonimato assim como os pacientes.</p><p>Desta forma, a relação médico paciente se torna difícil quando este vínculo reflete problemas</p><p>institucionais como condições precárias de atendimento, alta demanda para poucos funcionários,</p><p>escassez de recursos. "A despersonalização gera uma gama enorme de sentimentos que vão permear a</p><p>relação paciente-profissional, como: desconfiança, agressividade, sentimentos de rejeição, de desprezo".</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 35</p><p>Perez (2010, p. 56) prossegue, afirmando que estes fatores favorecem o não comprometimento dos</p><p>profissionais com o sujeito hospitalizado. "(...) ambiente hostil e profissionais que, sob pressão, não têm</p><p>disponibilidade interna para acolher e dar continência às angústias do paciente".</p><p>2.2.3 Adoecimento e hospitais</p><p>Ao falar de adoecimento, o que vem à mente em primeira instância é a idéia de um corpo doente.</p><p>Mas a relação do sujeito com este corpo tem como pano de fundo, entre outros fatores, o difícil</p><p>confronto com a falta de controle, intensificado pela contemporaneidade. Como apontam Gomes e</p><p>Próchon (2015, p. 784):</p><p>O controle excessivo excessivo porque nega veementemente a dor e o sofrimento advindo do corpo</p><p>doente que representa a impotência do ser humano diante da morte acelera a busca da perfeição, da</p><p>saúde, da beleza, incontroladamente.</p><p>O homem contemporâneo é instigado a uma busca excessiva de prolongar a vida e evitar o</p><p>adoecimento, pois essa busca pelo ideal de corpo, beleza, saúde, significa a busca por uma satisfação e</p><p>realização plena, além de negar a morte como parte do processo da vida.</p><p>Quando o individuo nega a realidade do adoecer de seu corpo, está negando a si mesmo, afinal, não</p><p>há separação entre doença e doente, ambos estão interligados, juntamente com sua subjetividade.</p><p>Gomes e Próchno (2015, p.785) sugerem que:</p><p>Doente adquire significação de infelicidade e é isso que me parece mais sério, porque a busca</p><p>incessante da felicidade via corpo-saúde produz um opacificamento da gravidade das patologias psíquicas</p><p>e orgânicas que dizem respeito ao corpo (bulimia, anorexia, tentativas de autoextermínio, depressões</p><p>graves e outros subprodutos clínico-psicopatológicos) e um distanciamento do sujeito de si mesmo.</p><p>Conforme Romano (1999) há duas classes de pessoas com problemas de saúde: os excluídos e os</p><p>incluídos. Dentre os excluídos, encontram-se aqueles que não buscam um médico, desconhecem seus</p><p>sintomas por falta de informação, negam sua situação real e aqueles que se adaptam ao sofrimento e a</p><p>dor, adiando assim sua ida ao médico.</p><p>Em contrapartida, o grupo dos incluídos compreende os sujeitos que vão ao médico, mas não</p><p>sabem lidar com a dor, os hipocondríacos, os que usam a doença para manipular as pessoas, como</p><p>também aqueles que esperam um ganho secundário, no que diz respeito ao aspecto financeiro como, por</p><p>exemplo, a aposentadoria.</p><p>Maldonado e Canella (2003) referem dificuldades no processo de hospitalização do paciente, seja</p><p>por parte dos profissionais (equipe de enfermagem, médicos e funcionários em geral) e da instituição,</p><p>como por parte do paciente. Entre os profissionais no contexto hospitalar, as dificuldades se dão, em</p><p>muitos casos, por baixos salários e equipe reduzida, resultando em estresse, sobrecarga, e maus</p><p>atendimentos como consequência.</p><p>Outro fator problemático evidenciado por Maldonado e Canella (2003) é o autoritarismo de</p><p>instituições, nas quais se produzem equipes de profissionais que atuam de forma ríspida com os</p><p>pacientes, por vezes não atendendo o paciente, caso ele não se submeta ao que foi solicitado. Além disso,</p><p>há o problema da equipe multidisciplinar não ser integrada, não se comunicarem, deixando um trabalho</p><p>incompleto. Sendo assim, o que resulta é um clima de trabalho desarmonioso, dificultando a</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 36</p><p>comunicação entre profissional-paciente, e paciente-instituição, tornando-se um atendimento</p><p>fragmentado:</p><p>No atendimento fragmentado, fica difícil ver a pessoa como um todo, o que impossibilita o cuidado</p><p>adequado com o principal motivo que leva o cliente aos ambulatórios: os fatores emocionais e sociais,</p><p>componentes primários ou secundários de toda e qualquer doença (Maldonado & Canella, 2003, p. 217).</p><p>O paciente se vê como "um número", uma "estatística", pois o foco é a doença, esquecendo-se das</p><p>influencias subjetivas, sociais, econômicas e culturais no processo do adoecimento. Como apontam</p><p>Maldonado e Canella (2003, p. 217), "ainda se desvaloriza a profunda interligação entre o social, o</p><p>somático e o psíquico".</p><p>Romano (1999, p. 43-44) também defende a importância da integração biopsicossocial do paciente</p><p>no processo de hospitalização e adoecimento:</p><p>O biológico, no processo do adoecer, está em desequilíbrio. O psíquico é resultado, por sua vez, de</p><p>outros vetores como estrutura de personalidade, interpretação e vivência de acontecimento (isto é, do</p><p>imaginário e do real). O social compreende a família de onde se vem e para onde se retorna, a sociedade</p><p>em seu sentido mais amplo (a comunidade, a escola e o grupo de trabalho), e deve englobar também a</p><p>equipe de profissionais que se relaciona com o doente".</p><p>Simonetti (2014) esclarece algumas formas a partir das quais a subjetividade pode influenciar no</p><p>processo de adoecimento. Como:</p><p>a) Causa: próprio campo da psicossomática;</p><p>b) Desencadeante: quando uma vivência psicológica</p><p>vem precipitar o início do adoecimento;</p><p>c) Agravante: quando o aspecto psicológico piora o quadro clínico já instalado;</p><p>d) Manutenção: envolvendo os ganhos secundários advindos do processo de adoecimento e</p><p>atuando como fator de manutenção da doença;</p><p>e) Consequência: as perdas advindas como decorrência da enfermidade.</p><p>Se os fatores "psis" atuam e influenciam no processo do adoecimento e hospitalização, cabe</p><p>compreendermos do ponto de vista teórico estes aspectos psíquicos. É o que pretende a presente</p><p>pesquisa.</p><p>2.3 Psicoterapia e Psicologia Hospitalar</p><p>A Psicologia Hospitalar, assim como a Psicoterapia, tem seu instrumental teórico de atuação calcado</p><p>na área clínica. Apesar dessa convergência, haverá pontos de divergência que mostram os limites de</p><p>atuação do psicólogo no contexto hospitalar, bem como questões que tornam totalmente inadequada a</p><p>intenção de muitos profissionais da área de tentarem definir a atuação no contexto hospitalar como</p><p>sendo prática psicoterápica, ainda que realizada no contexto institucional.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 37</p><p>2.3.1 Objetivos da psicoterapia</p><p>A Psicoterapia, independentemente de sua orientação teórica, tem como principais objetivos levar</p><p>o paciente ao autoconhecimento, ao auto-crescimento e à cura de determinados sintomas. O</p><p>enfeixamento desses objetivos, ou ainda de algum deles isoladamente, desde que leve esse paciente a</p><p>um processo pleno de libertação existencial, é, por assim dizer, o ideal que norteia o processo</p><p>psicoterápico.</p><p>A Psicoterapia, ademais, tem como característica principal o fato de ser um processo no qual a</p><p>procura e a determinação de seu início se dá pela mobilização do paciente.</p><p>Assim, um paciente, ao ser encaminhado para um processo psicoterápico, muitas vezes demora um</p><p>período bastante longo entre esse encaminhamento e a procura propriamente dita desse processo.</p><p>Chessick adverte que a psicoterapia falha quando não existe uma afinidade precisa entre aquilo</p><p>que busca o paciente em sua psicoterapia e aquilo que o psicoterapeuta tem condições de oferecer-lhe.</p><p>Até mesmo a falta de definições precisas dos objetivos do processo poderá determinar implicações</p><p>que seguramente emperrarão o processo, além de arrastá-lo ao longo de um período de maneira</p><p>indevida.</p><p>Ao decidir pela psicoterapia, o paciente já realizou um processo inicial e introspectivo da</p><p>necessidade desse tratamento e suas implicações em sua vida. Isso tudo evidentemente além da inserção</p><p>de suas necessidades aos objetivos da psicoterapia.</p><p>2.3. 2 setting terapêutico</p><p>Ao procurar pela psicoterapia, o paciente será então enquadrado no chamado setting terapêutico.</p><p>Assim as normas e diretrizes do processo serão colocadas de maneiras bastante claras e precisas pelo</p><p>psicoterapeuta, formalizando-se assim as nuances sobre as quais se norteará esse processo. Detalhes</p><p>como horário de duração de cada sessão, eventuais reposições de sessões, prazo de aviso para eventuais</p><p>faltas etc. são esboçados e o processo se desenvolve então em perfeita consonância com esses preceitos.</p><p>E até mesmo alguma eventual resistência inicial do paciente em procurar pela psicoterapia, bem</p><p>como outras implicações serão resolvidas em um processo cujo contrato é estabelecido em acordo com</p><p>as duas partes envolvidas.</p><p>Embora seja notório o número de casos encaminhados à psicoterapia que, por alguma forma de</p><p>resistência, demoram muito para procurar por tal processo, ainda assim é conveniente estabelecer que,</p><p>pelo fato de o paciente estar totalmente fragilizado e necessitando desse tipo de tratamento, a busca por</p><p>tal processo se dará única e tão somente quando esse paciente romper com determinadas amarras</p><p>emocionais.</p><p>Ainda que surjam outras dificuldades e resistências ao longo do processo, a resistência inicial ao</p><p>tratamento é transposta pelo simples fato de o paciente procurar pela psicoterapia.</p><p>A psicoterapia ainda tem outra característica bastante peculiar de ser um processo em que o</p><p>psicoterapeuta tem no paciente alguém que caminha sob sua responsabilidade, mas que de forma</p><p>simples tem nesse vínculo seu objetivo em si. Assim, um psicoterapeuta não precisará prestar conta de</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 38</p><p>seu paciente a nenhuma entidade, salvo naturalmente aqueles casos nos quais o atendimento é</p><p>vinculado a algum processo de supervisão.</p><p>O processo em si é conduzido pelo psicoterapeuta com anuência do paciente e, no caso de algum</p><p>impedimento, a relação se resolve apenas e tão somente pelas partes envolvidas nesse processo.</p><p>O setting terapêutico impõe ainda uma privacidade ao relacionamento que torna toda e qualquer</p><p>interferência externa ao processo plausível de ser analisada e enquadrada nos parâmetros desse</p><p>relacionamento.</p><p>Chessick salienta que o psicoterapeuta descende diretamente do confessor religioso ou então do</p><p>médico de família, aquele profissional que, além de cuidar dos males do organismo, escutava as angústias</p><p>e dificuldades do paciente. O psicoterapeuta em sua linhagem apresenta também resquícios do</p><p>curandeiro das antigas formações tribais, encarregado de trazer bem-estar e alívio aos membros dessa</p><p>comunidade.</p><p>A proteção sentida pelo paciente nos limites do setting terapêutico mostra ainda que essa origem</p><p>não é apenas perpetuada, mas apresenta requinte de evolução no resguardo dos aspectos envolvidos</p><p>nesse processo. E até mesmo um “quê” de samaritanismo presente no processo psicoterápico é também</p><p>resíduo dessas marcas que o psicoterapeuta traz de sua origem e desenvolvimento. A emoção presente</p><p>na atividade psicoterápica é outro fator que faz com que nenhuma outra forma de relacionamento possa</p><p>ser comparada com sua performance.</p><p>E nesse sentido temos também a colocação de muitos especialistas de que a psicoterapia é o</p><p>sustentáculo do homem contemporâneo dentre outras tantas formas buscadas para alívio e crescimento</p><p>emocional. Ainda no chamado setting terapêutico vamos encontrar a peculiaridade de que a maioria dos</p><p>processos jamais tem suas sessões interrompidas, seja por solicitações externas, seja ainda por outras</p><p>variáveis decorrentes, muitas vezes, do próprio processo em si.</p><p>Assim, é praticamente impossível, por exemplo, que um psicoterapeuta interrompa uma sessão</p><p>estancando o choro de angústia do paciente para simplesmente atender uma ligação telefônica. Ou ainda</p><p>que uma sessão seja igualmente interrompida para que o psicoterapeuta possa recepcionar algum amigo</p><p>que eventualmente vá visitá-lo.</p><p>O setting terapêutico assim resguarda a sessão para que todo o material catalisado naqueles</p><p>momentos seja apreendido e elaborado de maneira plena e absoluta. Tais características fazem, inclusive,</p><p>com que seja muito difícil avaliar-se um processo psicoterápico que não seja fundamentado nesses</p><p>moldes.</p><p>2.3.3 A psicologia hospitalar – objetivos e parâmetros</p><p>A Psicologia Hospitalar tem como objetivo principal a minimização do sofrimento provocado pela</p><p>hospitalização. Se outros objetivos forem alcançados a partir da atuação do psicólogo com o paciente</p><p>hospitalizado inerente aos objetivos da própria psicoterapia antes citados, trata-se de simples acréscimo</p><p>ao processo em si.</p><p>O psicólogo precisa ter muito claro que sua atuação no contexto hospitalar não é psicoterápica</p><p>dentro dos moldes do chamado setting terapêutico. Como minimização do sofrimento provocado pela</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 39</p><p>hospitalização, também é necessário abranger não apenas a hospitalização em si em termos específicos</p><p>da patologia que eventualmente tenha originado a hospitalização, mas principalmente as sequelas e</p><p>decorrências emocionais dessa hospitalização.</p><p>Tomemos como exemplo, arbitrariamente, uma criança de 3 anos de idade que nunca tenha vivido</p><p>longe do seio familiar.</p><p>Em dado momento, simplesmente coloquemos essa criança em uma escola maternal durante</p><p>apenas um período do dia.</p><p>Essa criança, em que pese a escola ser um ambiente em princípio agradável e repleto de outras</p><p>crianças, se desarvorará e entrará em um processo de pânico e desestruturação emocional ao se</p><p>perceber longe da proteção familiar.</p><p>E tantos casos ocorrem nesse enquadre que a maioria das escolas possui o chamado período de</p><p>adaptação, no qual algum dos representantes desse núcleo familiar se faz presente na escola para acudir</p><p>essa criança nos momentos agudos de dificuldades.</p><p>E isso tudo em um ambiente agradável de escola aonde muitas vezes a criança irá se deparar com</p><p>estimulações e recreações sequer imagináveis sem seu universo simbólico. O que dizer então de uma</p><p>criança que em um determinado momento se vê hospitalizada sem a presença dos familiares e em um</p><p>ambiente na maioria das vezes hostil?</p><p>Certamente ela entrará em um nível de sofrimento emocional e muitas vezes até físico em</p><p>decorrência dessa hospitalização. Sofrimento físico que transcende até mesmo a patologia inicial e que se</p><p>origina no processo de hospitalização.</p><p>A minimização do sofrimento provocado pela hospitalização implicará um leque bastante amplo de</p><p>opções de atuação, cujas variáveis deverão ser consideradas para que o atendimento seja coroado de</p><p>êxito. Uma mulher mastectomizada, em outro exemplo, terá no processo de extirpação do tumor, na</p><p>maioria das vezes, a extração dos seios com todas as implicações que tal ato incide.</p><p>O processo de hospitalização deve ser entendido não apenas como um mero processo de</p><p>institucionalização hospitalar, mas, e principalmente, como um conjunto de fatos que decorrem desse</p><p>processo e suas implicações na vida do paciente. Não podemos, assim, em um simples determinismo,</p><p>aceitar que o problema da mulher mastectomizada se inicia e se encerra com a hospitalização.</p><p>Evidentemente que muitos casos abordados pelo psicólogo no hospital exigirão, após o processo de</p><p>hospitalização, encaminhamentos específicos para processos de psicoterapia tal a complexidade e o</p><p>emaranhado de sequelas e comprometimento emocional.</p><p>Embora muitas vezes seja bastante tênue a separação que delimita tais aspectos, ainda assim é</p><p>muito importante o clareamento desse posicionamento para que o processo em si não se perca em mera</p><p>e vã digressão teórica.</p><p>A Psicologia Hospitalar, por outra parte, contrariamente ao processo psicoterápico, não possui</p><p>setting terapêutico tão definido e tão preciso. Nos casos de atendimentos realizados em enfermarias, o</p><p>atendimento do psicólogo, muitas vezes, é interrompido pelo pessoal de base do hospital, seja para</p><p>aplicação de injeções, prescrição medicamentosa em determinado horário, seja ainda para processo de</p><p>limpeza e assepsia hospitalar.</p><p>O atendimento, dessa forma, terá de ser efetuado levando-se em conta todas essas variáveis, além</p><p>de outros aspectos mais delicados que citaremos a seguir. Descrevemos no trecho inerente ao setting</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 40</p><p>terapêutico a mobilização do paciente rumo ao processo psicoterápico: a importância de uma reflexão e</p><p>de uma posterior constatação da necessidade de se submeter a esse processo.</p><p>No hospital, ao contrário do paciente que procura pela Psicoterapia após romper eventuais</p><p>barreiras emocionais, a pessoa hospitalizada será abordada pelo psicólogo em seu próprio leito. E, em</p><p>muitos casos, esse paciente sequer tem claro qual o papel do psicólogo naquele momento de sua</p><p>hospitalização e até mesmo de vida.</p><p>Nesse sentido, é muito importante que o psicólogo seja inserido na equipe de profissionais de</p><p>saúde que atuem em um determinado contexto hospitalar. Tal inserção determinará que sua abordagem</p><p>seja fruto de encaminhamento realizado por intermédio de outros profissionais com esse paciente com a</p><p>anuência dele para que, acima de qualquer outro preceito, seu arbítrio de querer ou não essa abordagem</p><p>seja respeitado. Esse é um aspecto importante a ser observado, pois determina muitas vezes até mesmo</p><p>o êxito da abordagem do psicólogo. Ainda que o paciente necessite de maneira premente da intervenção</p><p>psicológica, seu arbítrio deve ser considerado para que a condição humana seja respeitada em um de</p><p>seus preceitos fundamentais.</p><p>Dessa forma, é muito importante que o psicólogo entenda os limites de sua atuação para não se</p><p>tornar ele também mais um dos elementos abusivamente invasivos que agridem o processo de</p><p>hospitalização e que permeiam largamente a instituição hospitalar.</p><p>Ainda que o paciente em seu processo de hospitalização esteja muito necessitado da intervenção e</p><p>seguramente muito dos pacientes encaminhados ao processo de psicoterapia também estão necessitados</p><p>de tratamento, mas preservam a si o direito de rejeitar tal encaminhamento, a opção do paciente de</p><p>receber ou não esse tipo de intervenção deve ser soberana e deliberar a prática do psicólogo.</p><p>Balizar a sua necessidade de intervir em determinado paciente, a própria necessidade desse</p><p>paciente em receber tal intervenção, é delimitação imprescindível para que essa atuação caminhe dentro</p><p>dos princípios que incidem no real respeito à condição humana.</p><p>De outra parte, é também muito importante observar-se o fato de que, ao atuar em uma</p><p>instituição, o psicólogo, ao contrário da prática isolada de consultório, tem que ter bastante claros os</p><p>limites institucionais de sua atuação. Na instituição o atendimento deverá ser norteado a partir dos</p><p>princípios institucionais.</p><p>Esse aspecto é, por assim dizer, um dos determinantes que mais contribuem para que muitos</p><p>trabalhos não sejam coroados de êxitos na instituição hospitalar.</p><p>Ribeiro pontua que o doente internado é, em síntese, o doente sobre o qual a ciência médica</p><p>exacerba o seu positivismo, e pode afirmar a transposição da linha demarcatória da normalidade. Sua</p><p>patologia reconhecida e classificada precisa e ser tratada.</p><p>Ao contrário do paciente do consultório que mantém seu direito de opção em aceitar ou não o</p><p>tratamento e desobedecer à prescrição, o doente acamado perde tudo. Sua vontade é aplacada; seus</p><p>desejos, coibidos; sua intimidade, invadida; seu trabalho, proscrito; seu mundo de relações, rompido.</p><p>Ele deixa de ser sujeito. É apenas um objeto da prática médico-hospitalar, suspensa sua</p><p>individualidade, transformado em mais um caso a ser contabilizado.</p><p>Esse aspecto inerente à institucionalização do paciente enfeixa um dimensionamento de</p><p>abrangência de intervenção do psicólogo rumo à humanização do hospital em seus aspectos mais</p><p>profundos e verdadeiros.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 41</p><p>A Psicologia Hospitalar não pode igualmente perder o parâmetro do significado de adoecer em</p><p>nossa sociedade, eminentemente marcado pelo aspecto pragmático de produção mercantilista.</p><p>Para Pitta, o adoecer nesta sociedade é, consequentemente, deixar de produzir e, portanto, de ser;</p><p>é vergonhoso; logo, deve ser ocultado e excluído, até porque dificulta que outros, familiares e amigos,</p><p>também produzam. O hospital perfaz este papel, recuperando quando possível e devolvendo sempre,</p><p>com ou sem culpa, o doente à sua situação anterior. Se um acidente de percurso acontece, administra o</p><p>evento desmoralizador, deixando que o mito da continuidade da produção transcorra silenciosa e</p><p>discretamente.</p><p>A intervenção do psicólogo nesse sentido não pode prescindir de tais questionamentos com o risco</p><p>de tornar-se algo desprovido da profundidade necessária para abraçar a verdadeira essência do</p><p>sofrimento do paciente hospitalizado.</p><p>E a própria direção contemporânea de desospitalização do paciente tem no psicólogo um de seus</p><p>grandes aliados na medida em que poderá depender desse profissional uma avaliação mais precisa sobre</p><p>as condições emocionais desse paciente.</p><p>Não se pode, no entanto, perder o parâmetro de que a psicologia deve se aliar a outras forças</p><p>transformadoras para não se incorrer em meramente ilusionistas. Ou nas palavras Ou nas palavras de</p><p>Ribeiro: há, no entanto, vários fatores que favorecem a desospitalização, além daqueles apontados</p><p>séculos antes. O intervencionismo e a onipotência da medicina são olhados com maiores reservas. Cada</p><p>vez mais é contestada por doentes, familiares, instituições seguradoras e pelo Estado a abusiva utilização</p><p>dos recursos tecnológicos hospitalares. Novos conhecimentos nas áreas da fisioterapia, propedêutica e</p><p>terapêutica vêm permitindo diagnósticos e tratamentos que tornam prescindível a intervenção ou a</p><p>encurtam.</p><p>A Psicologia Hospitalar não pode se colocar dentro do hospital como força isolada solitária sem</p><p>contar com outros determinantes para atingir seus preceitos básicos. A humanização do hospital</p><p>necessariamente passa por transformações da instituição hospitalar como um todo e evidentemente pela</p><p>própria transformação social.</p><p>O psicólogo, assim, não pode ser um profissional que despreze tais variáveis com o risco de tornar-</p><p>se alijado do processo de transformação social. Ou ainda, o que é pior, ficar restrito a teorizações que</p><p>isolam e atomizam o paciente de conceituações e conflitos sociais mais amplos. O hospital, assim como</p><p>toda e qualquer instituição, reproduz as contradições sociais, e toda e qualquer intervenção institucional</p><p>não pode prescindir de tais princípios.</p><p>O psicólogo reveste-se de um instrumental muito poderoso no processo de humanização do</p><p>hospital na medida em que traz em seu bojo de atuação a condição de análise das relações interpessoais.</p><p>A própria contribuição da psicologia para clarear determinadas.</p><p>Referencia:</p><p>Artigo: O PAPEL DO PSICÓLOGO HOSPITALAR NA ATUALIDADE: UM ESTUDO INVESTIGATIVO, Adriana</p><p>Campos Meiado*, João Paulo Fadini, ano de 2014.</p><p>CHIATTONE, Heloisa Benevides de Carvalho. A Significação da Psicologia no Contexto Hospitalar.</p><p>In:______. Psicologia da Saúde – um novo significado para a prática clínica. 2ª Edição revista e ampliada.</p><p>Cengage Learning Edições, p. 145 – 233, 2011.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 42</p><p>2.4 Prática psicológica em hospitais: demandas e intervenções</p><p>Aline Maria Tonetto William B. Gomes Universidade Federal do</p><p>Rio Grande do Sul (UFRGS), 2005</p><p>O termo Psicologia Hospitalar tem sido usado no Brasil para designar o trabalho de psicólogos em</p><p>hospitais, ao que se sabe, sem precedentes em outros países (Bucher, 2003; Seidl e Costa, 1999). O</p><p>movimento para demarcar a área como uma especialidade surgiu a partir do final da década de oitenta</p><p>(Yépez, 2001). Tal fato se concretizou em dezembro de 2000, quando o Conselho Federal de Psicologia</p><p>(CFP) promulgou a Resolução de nº 014, regularizando a concessão de título de especialistas, incluindo a</p><p>Psicologia Hospitalar.</p><p>Apesar de já ser uma especialidade reconhecida, tem se debatido muito sobre a especificidade dos</p><p>serviços psicológicos oferecidos em hospitais. Nos últimos anos, cinco estudos empíricos dedicaram</p><p>considerável atenção à prática psicológica em hospitais no Brasil: Romano (1999) descreveu as atividades</p><p>desenvolvidas por psicólogos em hospitais entre 1987 e 1997; LoBianco, Bastos, Nunes e Silva (1994)</p><p>fizeram um levantamento de práticas profissionais inovadoras, reconhecendo a Psicologia Hospitalar</p><p>como uma delas; Yamamoto e Cunha (1998) e Yamamoto, Trindade e Oliveira (2002) descreveram o</p><p>trabalho de psicólogos hospitalares no Rio Grande do Norte; e Seidl e Costa (1999) no Distrito Federal.</p><p>Romano (1999) comparou dois conjuntos de dados obtidos de profissionais de diferentes partes do</p><p>país em 1987 e 1997. Os resultados indicaram que as intervenções psicológicas permaneciam</p><p>concentradas no atendimento de pacientes internados, orientadas por modelo de atendimento</p><p>individual, tanto para pacientes quanto para familiares.</p><p>Os psicólogos passaram a participar de modo mais efetivo das reuniões de equipe para definição de</p><p>conduta. As práticas de ensino foram sistematizadas a partir de estágios, residências, cursos de</p><p>especialização, mestrado e doutorado na área de psicologia hospitalar. As atividades em pesquisa, entre</p><p>esses profissionais, permaneciam muito limitadas. A exceção, neste sentido, foi para profissionais</p><p>vinculados a programas de mestrado e doutorado.</p><p>Romano (1999) concluiu que ainda havia muito a avançar na área, apesar das importantes</p><p>mudanças ocorridas entre os anos de 1987 e 1997. Os psicólogos passaram a valorizar o trabalho em</p><p>equipe multidisciplinar e a reconhecer a importância de investir na formação oferecendo estágios, cursos</p><p>de especialização e programas de mestrado e doutorado.</p><p>A autora mostrou-se preocupada com o baixo envolvimento dos psicólogos hospitalares em</p><p>pesquisas. Para ela, tais achados eram injustificados, uma vez que, entre os profissionais da equipe de</p><p>saúde, a psicologia é a formação com maior ênfase em metodologia científica. Por fim, a autora ressaltou</p><p>que muitos profissionais não demonstraram clareza sobre suas funções, apesar de já estarem definidas as</p><p>atribuições do psicólogo hospitalar.</p><p>LoBianco et al. (1994) reconheceram o trabalho em hospital como uma prática inovadora no âmbito</p><p>da psicologia brasileira. O fator diferencial foi a inserção dos psicólogos nas equipes de saúde e a atuação</p><p>em vários planos da organização hospitalar. O atendimento psicológico incluía não só pacientes e</p><p>familiares, mas a própria equipe de saúde. O estudo ressaltou ainda que os psicólogos consideravam</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 43</p><p>importante o desenvolvimento de pesquisas para a consolidação da prática em hospitais, e para o</p><p>fortalecimento da participação em equipes de saúde.</p><p>LoBianco et al. (1994) identificaram fatores que propiciaram o desenvolvimento de atuações</p><p>inovadoras: capacidade de identificar especificidades nas variadas demandas, de contextualizar o objeto</p><p>de trabalho e de desenvolver uma base ampla e sólida das várias teorias e sistemas psicológicos; postura</p><p>profissional flexível, curiosidade intelectual e capacidade de reflexão crítica.</p><p>Em contraste, Yamamoto e Cunha (1998) questionaram o status da prática hospitalar como um</p><p>novo campo de atuação. Para eles, a área não passa de uma extensão de práticas psicológicas</p><p>tradicionais. Da mesma forma que no estudo de Romano (1999), os achados ressaltaram problemas de</p><p>formação profissional. As deficiências eram supridas por cursos de especialização. As atividades realizadas</p><p>eram, basicamente, psicoterapia breve de base psicanalítica com pacientes, e psicoterapia de apoio com</p><p>familiares.</p><p>O trabalho era desenvolvido em diferentes espaços do hospital. Para os autores, a Psicologia</p><p>Hospitalar não poderia ser caracterizada como uma nova área profissional. As atividades desenvolvidas</p><p>não estavam embasadas em novas referências teórico-metodológicos e nem se dirigiam a segmentos</p><p>antes excluídos. Os recursos utilizados consistiam na combinação de modelos, sem haver preocupação</p><p>com compatibilidades epistemológicas. Assim sendo, os autores concluíram que a psicologia hospitalar é</p><p>uma vertente de ação que se insere no campo da saúde, constituindo “uma extensão relativamente linear</p><p>dos modelos tradicionais” (p.357).</p><p>Seidl e Costa (1999) descreveram, dentre outros aspectos, a forma como psicólogos hospitalares do</p><p>Distrito Federal desenvolvem suas atividades. O modelo de atuação variava entre o clínico e o de atenção</p><p>integral à saúde, com predominância deste último.</p><p>O modelo clínico caracterizava-se por atendimentos individuais de pacientes, realizados</p><p>O estudo biográfico pode servir para uma análise ampla de uma determinada época e de um</p><p>contexto cultural específico. Infelizmente não é isso que ocorre com os estudos da História da Psicologia,</p><p>que tradicionalmente se limita a investigar “grandes homens” e suas contribuições teóricas à Psicologia.</p><p>Essa característica pode ser descrita como uma expressão do individualismo da cultura Ocidental na</p><p>pesquisa em História da Psicologia. Uma rara exceção a esse viés é o estudo de Leila Zenderland (1998),</p><p>que analisa como os testes psicológicos se tornaram parte da cultura estadunidense a partir de um</p><p>estudo sobre a vida e a obra de Henry Goddard.</p><p>2) Pouca importância atribuída ao contexto social (Internalismo): A concepção historiográfica</p><p>tradicional tem produzido o que se denominou de “histórias internas” da Psicologia. O uso de</p><p>ferramentas epistemológicas da Teoria do Conhecimento por parte de pesquisadores que eram</p><p>predominantemente psicólogos e filósofos para analisar o desenvolvimento do conhecimento psicológico</p><p>e os métodos de pesquisas desenvolvidos na Psicologia como se este envolver ocorresse na forma de um</p><p>progresso gradual e linear até o presente, que se transforma em parâmetro para julgar o passado. Outra</p><p>característica importante do internalismo é apresentar a história como o desenvolvimento da</p><p>racionalidade e com o triunfo do conhecimento científico frente à irracionalidade e a superstição.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 4</p><p>3) História da Psicologia como História da Psicologia Estadunidense (Etnocentrismo): Em função da</p><p>ascendência econômica e militar dos Estados Unidos, concomitantemente ao declínio da Cultura Alemã, o</p><p>modelo de Psicologia que floresceu naquele país americano foi exportado para várias partes do planeta</p><p>sob o rótulo de “A Psicologia”. Os manuais de História da Psicologia, escritos por autores estadunidenses</p><p>e traduzidos em vários países, expressam essa dominação: tomam como uma verdade inelutável que a</p><p>História da Psicologia é a História da Psicologia nos Estados Unidos (PICKREN, 2009).</p><p>4) História da Psicologia como História da Psicologia Experimental, com pouca ou nenhuma</p><p>preocupação com outras áreas da Psicologia e com a Psicologia Aplicada (Experimentalismo): Boring</p><p>(1950) escreveu sua História da Psicologia Experimental para entre outros objetivos demonstrar que,</p><p>embora durante algum tempo a Filosofia exercesse um papel importante para o desenvolvimento da</p><p>Psicologia, havia chegado o momento que a presença do discurso filosófico na Ciência Psicológica se</p><p>tornara anacrônica e obtusa (O’DONNELL, 1979) e propor, em um confronto com psicólogos que estavam</p><p>desenvolvendo uma Psicologia Aplicada em várias áreas do campo social, uma Psicologia que produzisse</p><p>um conhecimento essencialmente experimental derivado da pesquisa pura, sem nenhuma aplicação.</p><p>Assim, seguindo o modelo de Boring, muitos manuais e pesquisas sobre História da Psicologia não</p><p>apresentavam nenhuma informação sobre importantes áreas da Ciência Psicológica (Psicologia do</p><p>desenvolvimento, Teoria da personalidade e Psicologia Social, por exemplo), o mesmo ocorrendo em</p><p>relação a áreas aplicadas como Psicologia Clínica, Psicologia Organizacional e Psicologia da Educação.</p><p>A superação do monopólio dessa forma de produzir História produziu o que ficou conhecido como</p><p>História Crítica da Psicologia. Danziger (1984) desenvolve uma análise de dois sentidos possíveis para a</p><p>expressão “história crítica da psicologia”. Inspirado no Programa Forte da Sociologia do Conhecimento</p><p>que compreende o conhecimento científico como o resultado de um complexo processo de construção</p><p>social de consensos entre especialistas acerca do que seja conhecimento legítimo, o psicólogo alemão</p><p>distingue uma História Crítica da Psicologia em um sentido “Fraco” de uma em um sentido “Forte”.</p><p>A História Crítica da Psicologia em um sentido “Fraco” se assenta, em três compromissos básicos:</p><p>1) um questionamento das autoridades e fontes primárias do campo;</p><p>2) analisar reflexivamente os pressupostos e compromissos do próprio historiador;</p><p>3) postura crítica em relação à Psicologia, questionando o caráter progressivo da produção do</p><p>conhecimento psicológico. Uma História Crítica da Psicologia em um sentido “Forte”, contudo, pressupõe</p><p>a construção de um marco historiográfico alternativo a partir de novas ferramentas conceituais: os</p><p>processos construtivos dos objetos psicológicos (DANZIGER, 1984; 1993; 2003).</p><p>Danziger (1984) está interessado nas atividades construtivas (teóricas, práticas ou institucionais)</p><p>que produzem objetos conceituais (o conceito de inconsciente, por exemplo), objetos técnicos (a</p><p>psicoterapia breve, para citar um exemplo) e objetos sociais (o psicólogo hospitalar, para ilustrar com um</p><p>exemplo tipicamente brasileiro).</p><p>Danziger (1979), fundamentado em Habermas (1990), propõe o conceito de interesses intelectuais,</p><p>que define o ponto de contato entre os interesses sociais e as estruturas cognitivas. São os interesses</p><p>intelectuais de uma comunidade científica que definem os conteúdos de sua disciplina. O conceito de</p><p>interesse intelectual está relacionado ao de Profissionalização da Psicologia.</p><p>Há várias experiências de profissionalização que geraram modelos diferentes de Psicologia.</p><p>Danziger (1979) compara os processos desenvolvidos nos Estados Unidos (Autonomia da Psicologia em</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 5</p><p>relação à Filosofia) com o da Alemanha (projeto de um programa de investigação psicológica sem ruptura</p><p>com outros campos disciplinares). O Brasil pode ser visto como exemplo de um terceiro modelo:</p><p>desenvolvimento de um projeto de Psicologia aplicada à Educação e Saúde, com um precário suporte de</p><p>um incipiente sistema universitário, sem possibilidade de construção de uma autonomia profissional até a</p><p>década de cinquenta.</p><p>Outra categoria importante proposta por Danziger (1984) é de problemática. Diferentemente de</p><p>problema, que remete a interesses individuais, esta categoria privilegia o estudo de sujeitos coletivos,</p><p>buscando ir além dos autos representações que os psicólogos constroem de suas práticas e produções</p><p>mediante as quais constroem seus objetos psicológicos.</p><p>A expressão “contexto social” é inadequada para designar essa compreensão da problemática, pois</p><p>expressa uma concepção naturalista fundamentada na relação de um organismo com seu ambiente.</p><p>Sujeitos coletivos formam um grupo social e/ou uma tradição intelectual, cujo trabalho reproduz uma</p><p>tradição intelectual ou social em que estão imersas as práticas produtoras de objetos psicológicos.</p><p>Outra característica da História Crítica de Danziger é sua preocupação com o impacto no</p><p>desenvolvimento teórico da disciplina produzido pela pesquisa histórica. História e Teoria Psicológicas</p><p>estariam imbricadas, sendo o conhecimento histórico uma ferramenta importantíssima para</p><p>desnaturalizar os objetos psicológicos.</p><p>1.1 Estudos sobre a Psicologia da Saúde no contexto hospitalar brasileiro</p><p>Os primeiros estudos sobre o trabalho do psicólogo no contexto hospitalar brasileiro apareceram no</p><p>final da década de oitenta ( LAMOSA, 1987; CAMPOS, 1988). Lamosa (1987) sugere que o psicólogo deve</p><p>desenvolver uma imagem mais ampla como profissional de saúde, não se restringindo a questões de</p><p>Saúde Mental. Campos (1988) propõem que o psicólogo, enquanto profissional de saúde, tenha um papel</p><p>clínico, social, organizacional e educacional.</p><p>De certa forma, essa discussão se insere em um contexto mais amplo no qual a relação da</p><p>Psicologia com o campo da Saúde é ressignificado e problematizado no Brasil. Alguns trabalhos</p><p>publicados ainda na década de oitenta iniciaram a discussão sobre a atuação do psicólogo no contexto da</p><p>saúde (MEJIAS, 1984; BRAGA CAMPOS, 1988; SILVA,</p><p>no setor</p><p>denominado de serviço de psicologia, com pouca ou nenhuma interação com equipes de saúde. Por sua</p><p>vez, o modelo de atenção integral à saúde caracterizava-se pela atuação em diversos espaços do hospital,</p><p>em constante interação com os demais profissionais da saúde, visando atender pacientes, familiares,</p><p>equipe, e comunidade.</p><p>Análises estatísticas indicaram associação significativa entre o modelo de atenção integral à saúde e</p><p>os seguintes aspectos:</p><p>1) Realização de pesquisa,</p><p>2) Participação em eventos científicos,</p><p>3) Formação em nível de pós-graduação,</p><p>4) Inserção em equipes interdisciplinares,</p><p>5) Solicitação de interconsultas procedentes de diferentes unidades do hospital.</p><p>Os dados mostraram, ainda, que profissionais sob a orientação do modelo de atenção integral</p><p>demonstram maior interesse em contribuir para a construção de um corpo teórico-prático da psicologia</p><p>aplicada à saúde, maior integração no trabalho em equipe, e maior reconhecimento pelo trabalho</p><p>realizado. Mais recentemente, Yamamoto et al. (2002) analisaram o trabalho de psicólogos hospitalares</p><p>do Rio Grande do Norte, reiterando os resultados do estudo anterior (Yamamoto e Cunha, 1998), mas</p><p>reconhecendo que a prática psicológica hospitalar afirmava-se como um novo campo de atuação.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 44</p><p>Foram consideradas especificidades da área a intervenção do psicólogo frente às várias</p><p>enfermidades e o atendimento diante da perspectiva de morte. Contudo, os recursos utilizados ainda</p><p>consistem em adequações às técnicas tradicionais.</p><p>Nesse sentido, os autores salientaram a necessidade de desenvolver referenciais teóricos</p><p>metodológicos compatíveis com as especificidades e adequar a formação às novas exigências. Com</p><p>exceção de LoBianco et al. (1994), que se concentraram no exame de práticas inovadoras, os demais</p><p>autores ressaltaram falhas na formação de psicólogos para o trabalho em hospitais, e a falta de literatura</p><p>pertinente. Aliás, Francisco e Bastos (1992) advertiram que estudos sobre perfis e tendências</p><p>profissionais vêm se limitando ao exame de aspectos dominantes.</p><p>Assim sendo, há necessidade de explorar os aspectos dinâmicos que garantam o processo</p><p>continuado de transformação das práticas profissionais, e da formação do psicólogo. Neste sentido, o</p><p>objetivo do presente estudo foi analisar o desenvolvimento da prática psicológica hospitalar tendo em</p><p>vista o levantamento das demandas psicológicas existentes em hospitais e dos recursos utilizados para</p><p>atendê-las. A partir disto, espera-se oferecer subsídios para a definição de competências e habilidades do</p><p>psicólogo hospitalar.</p><p>A atuação em psicologia hospitalar requer determinada qualificação para que o profissional seja</p><p>capaz de desenvolver um trabalho que efetivamente contribua para a promoção da saúde. De acordo</p><p>com o Conselho Federal de Psicologia (2001), são atribuições do psicólogo hospitalar:</p><p>1) atuar em instituições de saúde de nível secundário ou terciário;</p><p>2) Atuar em instituições de ensino superior ou centros de estudo e de pesquisa voltado para o</p><p>aperfeiçoamento de profissionais ligados à sua área de atuação;</p><p>3) Atender a pacientes, familiares, comunidade, equipe e instituição, visando o bem-estar físico e</p><p>mental do paciente;</p><p>4) Atender a pacientes clínicos ou cirúrgicos, nas diferentes especialidades médicas;</p><p>5) Avaliação e acompanhamento em diferentes níveis do tratamento para promover e/ou recuperar</p><p>saúde física e mental do paciente; e</p><p>6) Intervir quando necessário na relação do paciente com a equipe, a família, os demais pacientes, a</p><p>doença e a hospitalização.</p><p>Apesar de já ser uma especialidade reconhecida, tem se debatido muito sobre a qualidade dos</p><p>serviços psicológicos oferecidos em hospitais.</p><p>O objetivo do presente estudo foi definir as competências e habilidades necessárias à atuação do</p><p>psicólogo no âmbito hospitalar a partir da análise das diferentes demandas existentes neste contexto.</p><p>Espera-se que a proposta seja útil ao desenvolvimento de ênfases profissionais na área da saúde e</p><p>especialmente à organização pedagógica de cursos de especialização em psicologia hospitalar.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>Bucher, J. S. N. F. (2003). Psicologia da saúde no contexto da saúde pública: Uma complexidade</p><p>crescente. In Yamamoto, O. H. & Gouveia, V. V. (Org.). Construindo a psicologia brasileira: Desafios da</p><p>ciência e prática psicológica (pp. 213-239). São Paulo: Casa do Psicólogo.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 45</p><p>LoBianco, A. C., Bastos, A. V. B., Nunes, M. L. T. & Silva, R. C. da (1994). Concepções e atividades</p><p>emergentes na psicologiaclínica: implicações para a formação. In Conselho Federal de Psicologia (Org.).</p><p>Psicólogo brasileiro: Práticas emergentes e desafios para a formação (pp. 7-79). São Paulo: Casa do</p><p>Psicólogo.</p><p>2.5 Atuação psicológica em uti, ambulatório, pronto-socorro e nas várias especialidades médicas.</p><p>2.5.1 Os desafios do psicólogo no atendimento a pacientes internados no pronto socorro</p><p>Ariana Sassi* Shalana Oliveira**</p><p>Segundo Holanda e Lage (2007), foi a partir das discussões em torno da atenção integral a saúde</p><p>que os profissionais da psicologia começaram a ganhar destaque e a se abrir portas para o trabalho dos</p><p>psicólogos nos hospitais. Assim, passa-se a entender a Psicologia Hospitalar como um campo de</p><p>atendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento a fim de facilitar o lugar</p><p>do sujeito frente a sua doença (Simonetti, 2004).</p><p>Deste modo a psicologia hospitalar visa ter um olhar como um todo para o paciente, ou seja, não</p><p>faz dicotomia entre causas psicogênicas versus causas orgânicas (Simonetti, 2004), pois esta modalidade</p><p>analisa os indivíduos em sua totalidade e integridade de maneira, singular respeitando as condições</p><p>pessoais de cada individuo diante do adoecimento (Angerami-Camon, 2003). Diante do ambiente</p><p>hospitalar, são notórios as diversas formas de atuação que vão de acordo com o público alvo e as</p><p>demandas específicas.</p><p>O psicólogo tem a possibilidade de realizar atendimentos individuais e/ou em grupos, tanto com os</p><p>usuários/pacientes, como também com os familiares/acompanhantes e equipe de profissionais</p><p>(Filgueiras, Rodrigues, e Benfica, 2010).</p><p>Dentre os locais possíveis de atuação do psicólogo no ambiente hospitalar encontra-se o Pronto</p><p>Socorro. Este ambiente agrega crianças, adolescentes, adultos e idosos, e é considerado o lugar das</p><p>imprevisibilidades, devido ao fato de não haver rotinas e planejamentos.</p><p>Conforme Rosa (2012), o Pronto Socorro pode ser caracterizado como a porta de entrada dos</p><p>hospitais, possuindo o objetivo de diagnosticar e tratar os usuários acometidos por acidentes ou outras</p><p>formas de adoecimento imediato ou situações inesperadas. Cabe destacar a grande rotatividade dos</p><p>indivíduos neste local, pois apesar de haver a chamada internação, esta é caracterizada por períodos</p><p>breves, que variam de 02 (dois) a 07 (sete) dias em média.</p><p>Segundo Simonetti (2004), o Pronto Socorro é um ambiente hospitalar direcionado ao tratamento</p><p>das emergências médicas, tendo como Oliveira propósito o equilíbrio das funções vitais do paciente e o</p><p>alívio da dor.</p><p>O autor descreve emergências, como situações clinicas em que a vida dos usuários hospitalares</p><p>encontra-se em circunstâncias de risco imediato, exigindo-se por parte da equipe de profissionais</p><p>tratamento imediato. Outra forma de tratamento a estes pacientes refere-se à prática da urgência</p><p>subjetiva, um tema bastante atual que está relacionado à ação de efeitos terapêuticos rápidos.</p><p>De acordo Moura (2000, p.14), “quando falamos em urgência subjetiva, supomos de saída, o</p><p>sofrimento que se tornou insuportável para o sujeito, impossível de ser colocado em palavras e imagens”.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 46</p><p>Simões (2011) aponta que, a urgência subjetiva não é meramente a situação que envolve a angústia. Este</p><p>destaca que a urgência subjetiva consiste em uma intervenção analítica que se propõem extrair</p><p>subjetividade contida nas situações inesperadas advindas do adoecimento. Para tanto, é importante</p><p>destacar que os aspectos psicológicos estarão sempre influenciando diretamente o processo de saúde-</p><p>doença, de forma visível ou não.</p><p>Porém, cabe ressaltar que, infelizmente, os aspectos psicológicos não são alvo das ações médicas</p><p>no momento em que o paciente chega ao Pronto Socorro, fazendo com que as intervenções psíquicas se</p><p>fundamentem como opções secundárias diante das emergências. Nesse sentido é importante ressaltar</p><p>que o atendimento psicoterápico emergencial no pronto socorro é feito pelo profissional psicólogo em</p><p>uma espécie de “momento dois”, sendo o “momento um” o atendimento médico (Simonetti, 2004).</p><p>Os atendimentos realizados neste ambiente exigem do profissional de psicologia algo que vai além</p><p>do saber teórico, pois torna-se necessário criatividade para possibilitar a verbalização dos conteúdos</p><p>emocionais relacionados ao processo de adoecimento (Simonetti, 2004). A atuação do psicólogo no</p><p>hospital em especial no pronto socorro deve está direcionado a escuta da urgência subjetiva. Em outras</p><p>palavras à escuta daquilo que é urgente para cada sujeito naquele momento. A realização da escuta nas</p><p>situações limites pode funcionar como um convite para se trabalhar frente à urgência (Moura, 2000).</p><p>2.5.2 Os desafios do psicólogo no atendimento a pacientes internados no pronto-socorro</p><p>Assim, partindo da premissa de que o processo de hospitalização é um desafio para os pacientes</p><p>internados, torna-se importante analisar quais as consequências e de que forma estes, neste ambiente</p><p>encara o mesmo e a doença. Para tanto, faz-se necessário uma breve discussão do que vem a ser a</p><p>internação e a intervenção psicológica à pacientes internados no Pronto Socorro.</p><p>Rosa (2012) relata que devido à imprevisibilidade que ocorre no pronto socorro nunca se sabe ao</p><p>certo quantos pacientes procurarão este local e que tipos de atendimento estes irão precisar. Quando</p><p>nos referimos à prática do psicólogo acerca dos atendimentos realizados aos pacientes internados neste</p><p>local, o que se pretende é resguardar o paciente na medida do possível, pois em muitos casos os</p><p>atendimentos são breves, focais no intuito de minimizar o sofrimento dos pacientes e seus familiares.</p><p>Para se resgatar o sujeito o psicólogo oferece acolhimento e a escuta, estas intervenções permitem</p><p>a explicitação do sofrimento, através das mesmas é possível discriminar entre a urgência médica e a</p><p>subjetiva (Romano, 1999).</p><p>Para tanto, a internação via pronto socorro geralmente é percebida como hostil, uma vez que traz</p><p>sofrimento elevado aos pacientes internados e familiares envolvidos. Deste modo, pode- se relatar que,</p><p>durante a vivência de estágio alguns dos pacientes internados, verbalizaram em seus possíveis</p><p>atendimentos, sentimentos de medo, tristeza, demonstrando-se ansiosos com relação à dor física e aos</p><p>procedimentos aos quais eram submetidos.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 47</p><p>2.5.3 Intervenções psicológicas no âmbito ambulatorial</p><p>SILVA, Suelem Lopes 2 ; KRUEL, Cristina Saling3, 2012</p><p>Ao iniciar um trabalho de psicologia no ambiente hospitalar é necessário conhecer bem o local,</p><p>portanto é de extrema importância fazer um primeiro momento de observação das particularidades do</p><p>local de trabalho, conhecendo as pessoas que frequentam o local, a rotina de atendimentos, as</p><p>características da população atendido e a divisão das tarefas.</p><p>O psicólogo atua melhor quando vê a instituição como um sistema, observando e escutando todos</p><p>que fazem parte da instituição como os médicos, os enfermeiros, os serventes e os pacientes. É função do</p><p>psicólogo no hospital atuar como facilitador das comunicações entre os membros da equipe de saúde,</p><p>pacientes e familiares em seus diversos atendimentos (MALDONADO e CANELLA, 2009).</p><p>Porém, deve-se explicitar que não é necessário transplantar para o hospital os mesmos</p><p>procedimentos que ocorrem no consultório clínico, os parâmetros são diferentes o contexto dos</p><p>atendimentos são outros, portanto, o psicólogo não perde sua identidade profissional e muito menos</p><p>passa a ser um quebra-galho quando se aproxima do leito de um paciente para perguntar como este esta</p><p>se sentindo (MALDONADO e CANELLA, 2009).</p><p>A psicologia hospitalar vem do objetivo da minimização do sofrimento que a hospitalização</p><p>provoca. É de suma importância que o psicólogo tenha clareza sobre sua atuação no contexto hospitalar</p><p>onde não se obtém uma psicoterapia nos moldes de um setting terapêutico tradicional (CAMON, 1994).</p><p>Sobre o paciente cirúrgico, é importante destacar que esse nunca se sente com total segurança,</p><p>pois este procedimento gera desconforto emocional e o sujeito tende a manifestar sentimentos de</p><p>impotência, medo da morte, da dor, de ficar incapacitado, da mudança na sua imagem corporal.</p><p>Portanto, ao enfrentar os procedimentos para a realização de uma cirurgia, o paciente sente</p><p>ameaçada sua integridade física e psicológica (SEBASTIANI e MAIA, 2005).</p><p>Existem diversos sentimentos confusos e dolorosos que podem acompanhar o sujeito a partir do</p><p>aparecimento da doença, consequentemente nenhum paciente está efetivamente preparado para a</p><p>realização de uma cirurgia, sendo necessária a atuação do psicólogo neste momento. Este deve ter como</p><p>objetivo a minimização das angústias e ansiedades tanto do paciente como da equipe (SEBASTIANI e</p><p>MAIA, 2005).</p><p>No ambiente hospitalar, existe certa falta de clareza quanto as atribuições dos diferentes</p><p>profissionais, sendo este um dos fatores que dificulta o trabalho em equipe. O hospital é uma instituição</p><p>complexa que envolve várias especialidades, estes muitas vezes preparados para tomar decisões</p><p>importantes em curto espaço de tempo (TONETTO e GOMES, 2007).</p><p>O contato direto com os seres humanos coloca o profissional de saúde a frente de sua própria vida,</p><p>saúde ou doença, de seus conflitos e frustrações.</p><p>O profissional pode buscar mecanismos de defesa que podem acabar prejudicando o tanto em seu</p><p>ambiente de trabalho como no pessoal, portanto este pode utilizar o distanciamento dos pacientes como</p><p>uma defesa para si próprio (MOTA, MARTINS, VÉRAS, 2006). Neste contexto, o profissional de psicologia</p><p>não pode colocar-se dentro do hospital como uma força ideal e solitária.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 48</p><p>A humanização do hospital vem através de transformações da instituição hospitalar como um todo</p><p>e evidentemente pela transformação social (CAMON, 1994). Entende-se que profissionais que trabalham</p><p>com seres humanos devem tratar o outro como humanos, isto é com igualdade, aproximação, tentando</p><p>lhes proporcionar o melhor, assim desenvolvendo ações para obter-se a humanização hospitalar para</p><p>assim se obter mudanças no tratamento hospitalar.</p><p>Mas para isto acontecer médicos, enfermeiros e pacientes devem estar envolvidos de forma</p><p>harmônica (MOTA, MARTINS, VÉRAS, 2006). Por meio da visão de humanização hospitalar, é de suma</p><p>importância trabalhar a atitude dos profissionais de saúde, assim deixando de pensar e falar do doente</p><p>como apenas um objeto de cuidados terapêuticos, um número sem nome.</p><p>A humanização começa com a ampliação do conceito de saúde como o bem estar desse individuo,</p><p>que é promovido em todas as dimensões física, mental, social e espiritual (MOTA, MARTINS, VÉRAS,</p><p>2006).</p><p>O trabalho do profissional da psicologia no hospital vem de encontro aos sentimentos, pois o</p><p>individuo, passa</p><p>a assumir o papel de paciente perdendo sua autonomia e independência. O psicólogo vai</p><p>além da aparência, valoriza aspectos qualitativos de fenômenos que são presentes na vida dos pacientes.</p><p>Compreende significados da vida e por meio do processo do cuidado inclui a capacidade de</p><p>compreender o ser humano, como ele está em seu mundo, como desenvolve sua identidade e constrói</p><p>sua própria história de vida (MOTA, MARTINS, VÉRAS, 2006).</p><p>Os hospitais consideram importante e necessário o trabalho do psicólogo no ambulatório e em</p><p>enfermarias para se atender os pacientes de uma forma mais humanizadora, pois percebe-se que muitas</p><p>vezes a angustia ou a depressão do doente referem-se a fragilidade do corpo, sofrimento, invalidez e</p><p>medo da internação, todos desencadeados pela relação estabelecida entre médico e paciente (MOTA,</p><p>MARTINS, VÉRAS, 2006).</p><p>Outra prática ambulatorial importante que pode ser desenvolvida pelo psicólogo está o grupo de</p><p>sala de espera, onde um fator é importante: o território. O território da sala de espera é um lugar onde os</p><p>pacientes aguardam atendimento de seus respectivos profissionais, portanto, torna-se um espaço</p><p>dinâmico onde ocorre mobilização de diferentes necessidades. E uns espaços onde os pacientes trocam</p><p>entre si experiências de seus cotidianos, observam, emocionam-se, ocorre um processo interativo entre</p><p>este, por meio da comunicação (TEIXEIRA e VELOSO, 2006).</p><p>Em um primeiro momento o que percebe-se em salas de espera são pequenos agrupamentos, que</p><p>são constituídos pelos pacientes para amenizarem sua angustia entrelaçada em torno da espera.</p><p>Geralmente estas pessoas não se conhecem, mas quando a atividade é proposta por profissionais da área</p><p>da saúde como enfermeiros e psicólogos, inicia-se o trabalho em grupo de modo singular e específico</p><p>para cada contexto.</p><p>Muitas vezes tenta-se manter sempre a ordem nestes espaços de espera, ter um certo controle,</p><p>mas estes muitas vezes é parcial devido ao caráter transitório de pessoas. Por meio das 5 atividades de</p><p>grupo os profissionais da saúde passam a se inserir neste espaço, podendo assim criar um dialogo</p><p>acolhedor com seus respectivos pacientes (TEIXEIRA e VELOSO, 2006).</p><p>Percebe-se que os profissionais da saúde que forem os coordenadores deste espaço não podem</p><p>tentar controlar a forma de vida dos sujeitos, mas promover nestes o cuidado de si e a cidadania. O grupo</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 49</p><p>de sala de espera, sendo um recurso para o propósito na educação em saúde, que entrelaça os saberes,</p><p>na relação e nas formas de cuidado.</p><p>Portanto, esta prática de intervenção em sala de espera mostra a possibilidade da interação do</p><p>profissional com o paciente que encontra-se em espera, muitas vezes este suportando tensões e conflitos</p><p>na relação de seu cotidiano (TEIXEIRA e VELOSO, 2006).</p><p>2.5.4 Pacientes em crise e o papel do psicólogo hospitalar</p><p>Ao trabalhar com o paciente enfermo, o psicólogo lida com o sofrimento físico e psíquico, tendo</p><p>que compreender o sujeito em sua integralidade, entendendo e considerando o conflito determinado</p><p>pela situação da doença e da hospitalização, o sofrimento físico, a dor e o mal-estar, destacando que a</p><p>necessidade do atendimento psicológico muitas vezes não é percebida pelo paciente, pois, diante da</p><p>situação em si, todas as preocupações estão voltadas para o corpo doente, fazendo necessário então que</p><p>a atuação preventiva no contexto hospitalar se torne real, com o objetivo de oferecer ajuda para que os</p><p>pacientes possam alcançar o reconhecimento das motivações que estão subjacentes a seus problemas,</p><p>dedicando-se precocemente ao diagnóstico de transtornos psicológicos do paciente e seus familiares, em</p><p>trabalho diário com o objetivo de decodificar suas dificuldades.</p><p>Com um perfil mais emergencial e focal, a intervenção pode ser feita pela psicoterapia breve ou</p><p>pela psicoterapia de emergência, dando total apoio e suporte ao paciente, considerando o momento de</p><p>crise vivenciado pelo mesmo na situação especial e critica da doença e sua hospitalização, sendo assim,</p><p>tanto a psicoterapia de emergência como a intervenção em crise são caracterizadas como técnicas breves</p><p>advindas da psicanálise com especificas adaptações no nível estratégico para situações de emergência ou</p><p>crise (CHIATTONE, 2011).</p><p>Chiattone (2011) ressalta ainda a importância do olhar do psicólogo em relação aos pacientes</p><p>hospitalizados, devendo levar em consideração alguns aspectos importantes nos processos de resolução</p><p>da crise, sendo eles: os traços de personalidade dos pacientes, suas atitudes frente a vida, a maturidade</p><p>interna e o grau de integração psíquica, as crenças que o mesmo possui sobre sua doença, suas reações a</p><p>crises passadas e suas perdas significativas, os sinais psicológicos ou físicos de depressão, a presença de</p><p>reações ou sinais paranóides e por fim a doença instalada, onde a psicoterapia emergencial surge como</p><p>um apoio caracterizando-se de um processo de superação dos problemas ligados a situações de natureza</p><p>traumática, onde dependendo do olhar que a pessoa tem sobre a situação permite que a mesma possa</p><p>expressar livremente seus sentimentos em relação ao seu estado, sendo indicada a pacientes que passam</p><p>por sobrecarga emocional muito grande, auxilia o paciente a atravessar o período critico em que se</p><p>encontra, determinado pelo processo da doença e hospitalização, permitindo-lhe buscar a elaboração e</p><p>integração subjetiva dos acontecimentos.</p><p>Considerando que o hospital é uma instituição marcada pela luta constante entre a vida e a morte.</p><p>Um dos princípios significativos da psicologia no contexto hospitalar é a atuação conjunta do psicólogo e</p><p>as equipes de saúdes, onde o objetivo é maximizar nos pacientes a esperança de melhora, cura e</p><p>minimização ou suspensão do sofrimento em si, já que a maioria das pessoas tem uma imagem negativa</p><p>relacionada ao ambiente hospitalar, marcada por mortes e sofrimentos, sendo um local onde excita uma</p><p>batalha constante diante das condutas terapêuticas.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 50</p><p>Portanto, a atuação do psicólogo requer uma maturidade que passa pelo exame detalhado de sua</p><p>posição diante da morte e do morrer, sendo de suma importância o profissional elaborar o medo e a</p><p>negação em relação a essa problemática, diagnosticar em si as dificuldades de enfrentamento e</p><p>elaboração da própria negação da morte para então entender a negação da própria instituição, do</p><p>paciente e dos familiares, sendo que muitas vezes trabalhar com o sofrimento ou perda de significado da</p><p>existência pelo paciente pode despertar nos profissionais as mesmas vivências (CHIATTONE, 2011).</p><p>Sendo assim, para Chiattone (2011), a tarefa do psicólogo se define pela capacidade de apoio,</p><p>compreensão e direcionamento humanizado das diferentes situações pelas quais passam esses pacientes</p><p>e seus familiares, e culminar para que todo programa terapêutico eficaz e humano deva incluir apoio</p><p>psicológico para o enfrentamento de todo o processo de doença e possibilidade de morte, pois o manejo</p><p>de pacientes hospitalizados inclui a adaptação fisiológica e medica e a adaptação psicológica e existencial</p><p>frente a situação traumática em si.</p><p>Em relação aos pacientes e seus familiares, o psicólogo deve estruturar um trabalho de psicoterapia</p><p>pautado num modelo comunicativo, reforçando o trabalho estrutural e de adaptação dos pacientes e</p><p>seus familiares no enfrentamento da problemática vivenciada por ambos, direcionado, então, em um</p><p>nível de apoio, atenção, compreensão, suporte ao tratamento, clarificação dos sentimentos,</p><p>esclarecimentos sobre a doença e o fortalecimento dos vínculos pessoais e familiares.</p><p>Em segundo plano, o psicólogo hospitalar pode ainda realizar a formação de grupos com o objetivo</p><p>de informar,</p><p>culminando num espaço de reflexão e expressão dos sentimentos, minimizando o impacto</p><p>emocional e estresse vivenciados pelos mesmos. Em relação às equipes de saúde, o psicólogo hospitalar</p><p>pode sistematizar a realização de grupos operativos, realizando um treinamento e clarificando o papel de</p><p>cada profissional, além de estimular a realização de atividades para a diminuição do estresse visto que em</p><p>profissionais da área da saúde o nível de estresse é elevado (CHIATTONE, 2011).</p><p>Para Salman e Paulauskas (2013) apud Cordioli (1998), um dos principais desafios da psicologia tem</p><p>sido fundamentar e desenvolver técnicas de intervenção psicológica quem atendam às demandas</p><p>específicas de pacientes em ambientes hospitalares, tendo como objetivo possuir intervenções que levem</p><p>aos pacientes uma melhor aceitação de sua doença bem como o tratamento, onde as intervenções com</p><p>os pacientes em crise constituam na utilização de técnicas para diminuir a ansiedade, favorecendo o</p><p>desenvolvimento de um estado emocional mais tolerável e capaz de restaurar a estabilidade afetiva e</p><p>suas relações com o ambiente.</p><p>O uso do manejo assistencial centrado na equipe, um diagnóstico diferencial, um atendimento</p><p>psicológico de apoio, um manejo ambulatorial, técnicas complementares e intervenção familiar são</p><p>fortemente recomendadas, onde a flexibilidade e a criatividade são condições fundamentais para a</p><p>percepção das necessidades que cada paciente apresenta, com isso a construção de um ambiente</p><p>terapêutico apropriado e a centralização do trabalho com o paciente em crise gera o melhor manejo das</p><p>relações humanas no ambiente hospitalar, o que não é tarefa somente do psicólogo, mas também dos</p><p>outros profissionais da área da saúde inseridos nesse contexto, já que os mesmos possuem um contato</p><p>mais próximo e contínuo com esses pacientes, no caso das enfermeiras, fisioterapeutas, nutricionistas e</p><p>médicos intensivistas. (SALMAN; PAULAUSKAS, 2013).</p><p>Desse modo, para Salman e Paulauskas (2013), o atendimento psicológico ao paciente pode ser</p><p>caracterizado por intervenção focal pautado na psicoterapia breve de apoio, consistindo em avaliar sua</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 51</p><p>situação, analisar a maneira de enfrentamento e a manifestação do paciente no momento presente, bem</p><p>como construir opções de pensamento e, consequentemente, o comportamento.</p><p>O que é levado em conta e o que se espera do terapeuta é que o mesmo possua uma postura ativa</p><p>no manejo da assistência, com o intuito de permitir continência das manifestações, expressando</p><p>concordância com ideias e atitudes do paciente, assim também reforçar as funções adaptativas do ego,</p><p>reassegurando a boa percepção da realidade, além disso, o psicólogo tem como papel favorecer a</p><p>percepção de novas formas de enfrentamento da situação, promovendo o devido suporte para o</p><p>momento de instabilidade emocional, favorecendo o vinculo de confiança com a equipe multiprofissional</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>CAMON, V. A.; A.Psicologia Hospitalar: Teoria e Práticas São Paulo: Pioneira, 1994.</p><p>MALDONADO, M. T.; CANELLA. P.Recursos de Relacionamentos para profissionais de saúde: A boa</p><p>comunicação com clientes e seus familiares em consultórios, ambulatórios e hospitais. Ribeirão Preto,</p><p>SP: Editora Novo Conceito, 2009.</p><p>MOTA, R. A.; MARTINS, C., G., M.; VÉRAS, R., M. Papel dos profissionais de saúde em políticas de</p><p>humanização hospitalar. Maringá, 2006. Disponível no site: .</p><p>SEBASTIANI, R. W.; MAIA, E. M. C. Contribuições da psicologia da saúde-hospitalar na atenção ao</p><p>paciente cirúrgico. São Paulo, 2005. Disponível no site: .</p><p>2.5.5 A atuação do Psicólogo em Clínica Médica.</p><p>1 O Modelo Biomédico</p><p>O modelo biomédico surgiu embasado na teoria mecanicista do universo, proposta por pensadores</p><p>como Galileu, Descartes e Newton e segue o modelo de ciência positiva no século XIX (Anandalle, 1998).</p><p>Essa concepção do universo ser visto como um sistema mecânico também respingou na concepção</p><p>de homem que, visto da mesma forma, foi tratado como tal pelos médicos da época, ou seja, o homem</p><p>funciona como uma máquina e, quando está doente, é por que esta máquina está avariada, logo</p><p>podemos inferir que o conceito de saúde para esse modelo.</p><p>No fim da Idade Média a Europa foi assolada pela peste negra, e as outras formas de atenção à</p><p>saúde existentes como a mágica, a religiosa e a galênica não deram conta de sanar o problema levando à</p><p>necessidade de se pensar o conceito de doença de uma forma emergencial (Pratta & Santos, 2009),</p><p>campo propício para o desenvolvimento e popularização deste modelo que é</p><p>[...] caracterizado pela explicação unicausal da doença, pelo</p><p>biologicismo, fragmentação, mecanicismo, nosocentrismo,</p><p>recuperação e reabilitação, tecnicismo, especialização (Cutolo,</p><p>2006 pág.16).</p><p>Vendo o homem como uma máquina, tendo o conceito de saúde de que é ausência de doença e</p><p>tendendo-se para influencia na atenção à saúde, seja em consultórios médicos ou a especialização e</p><p>fragmentação, perde-se a visão holística do homem, em suas dimensões psicológicas e sociais, É a doença</p><p>e sua cura, o diagnóstico individual e o tratamento, o processo fisiopatológico que ganham espaço</p><p>(Cutolo, 2006).</p><p>http://slideplayer.com.br/5657012/6/images/4/O+Modelo+Biopsicossocial.jpg</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 52</p><p>Até hoje o modelo biomédico no SUS, sendo visto pela forma como o médico faz sua entrevista e</p><p>observação clínica ao atender um paciente, focando principalmente nos seus sinais e sintomas com</p><p>perguntas do tipo: O que você está sentindo? O que é importante, mas não determinante para o</p><p>restabelecimento do paciente.</p><p>2 O Modelo Biopsicossocial</p><p>Este modelo foi elaborado e defendido por Engels em 1977 (Fava & Sonino, 2008) a partir da crítica à</p><p>insuficiência da epidemiologia tradicional em abordar a saúde como um fenômeno radicado na</p><p>organização social (Puttini et al. 2010), de que a doença não é somente unicausal como visto no modelo</p><p>biomédico, mas seja vista como um resultado da interação de mecanismos celulares, teciduais,</p><p>organísmicos, interpessoais e ambientais (Fava & Sonino, 2008) e também da crítica de que a relação</p><p>saúde-doença é um processo, portanto sem ponto fixo, mas sim um estado.</p><p>Ao pensar desta forma, garante-se uma visão holística do sujeito em suas relações e em seu estado</p><p>emocional, porém sem negar o biológico, onde a maioria das doenças se manifesta, até por que, como o</p><p>nome diz é BIO (da biologia ou biológico), PSICO (de psicológico) e SOCIAL, ou seja, engloba todas as</p><p>dimensões científicas inerentes ao homem.</p><p>“O foco neste modelo não é apenas a doença em si e o tratamento delas, mas todos os aspectos</p><p>que estariam diretamente relacionados ao fenômeno do adoecer, sejam eles fisiológicos,</p><p>psicológicos, sociais, ambientais, dentre outros, os quais também devem ser considerados para que</p><p>o tratamento seja eficaz” (Silva et al. 2011).</p><p>Com todas estas informações podemos notar que este modelo está mais voltado à prevenção de</p><p>doenças e promoção à saúde, sendo que esses dois conceitos agem de forma dialética, ou seja,</p><p>promovendo saúde se previne doenças e vice-versa.</p><p>Para atingir tal objetivo, o modelo biopsicossocial considera um conceito de saúde que como o</p><p>conceito de doença tem um lado biológico, hereditário, quase não manipulável, mas também existe</p><p>alguns fatores psicológicos e sociais que podem ser moldados pela pessoa, como hábitos saudáveis,</p><p>ambiente favorável ou acesso à serviços de saúde (Sciliar, 2007). Esta parte mais “manipulável” recebe</p><p>um nome específico, conceito que exporemos a seguir.</p><p>Contudo o modelo biomédico passou a ser questionado por não ser totalmente eficiente em matéria</p><p>de entender os problemas individuais dos pacientes em situação de hospitalização.Com a necessidade de</p><p>buscar um novo</p><p>enfoque, que possibilitasse melhor compreensão do indivíduo em seu processo de saúde</p><p>e adoecimento, que integrasse práticas dos diversos profissionais no ambiente hospitalar, juntando as</p><p>ciências médicas e sociais, surge do modelo biopsicossocial.</p><p>Proposto por entender o processo de relação saúde e doença, como uma construção social, psíquica,</p><p>biológica e cultural do homem; onde os processos atuam e interdependem-se dentro de uma ampla gama</p><p>de aspectos da vida do paciente, em sua relação com a sociedade, saúde e doença.</p><p>Discussão sobre os Modelos de Atenção à Saúde</p><p>No primeiro modelo vimos uma atenção voltada para a sintomatologia, ou seja, deixa de lado o foco</p><p>no indivíduo e passa a se focar mais a doença, deixando de ser atenção à saúde e passando a se tornar</p><p>http://slideplayer.com.br/5657012/6/images/4/O+Modelo+Biopsicossocial.jpg</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 53</p><p>atenção à doença, mas não podemos fugir da realidade e não considerarmos que este modelo de cuidado</p><p>já foi muito valioso e ainda é em causas emergenciais, como por exemplo, num acidente laboral ou algum</p><p>outro tipo de acidente corriqueiro, precisamos da objetividade e da agilidade que o modelo biomédico</p><p>proporcionou aos profissionais para que se garanta o restabelecimento físico a primeiro momento,</p><p>podendo posteriormente adentrar em questões mais intrínsecas de sentido da pessoa em relação à sua</p><p>enfermidade.</p><p>O modelo biopsicossocial é mais completo, pois abrange o ser de forma holística e o considera como</p><p>homem e não como uma máquina, um homem que tem uma vida, que tem um contexto, que tem</p><p>relações.</p><p>Este modelo nos dá embasamento para que possamos estudar e identificar fatores que possam levar</p><p>as pessoas a adoecerem, sendo elas de causas sociais e/ou psicológicas. Como o modelo se propõe,</p><p>identificar essas causas é determinante para que se possa fazer uma intervenção de prevenção de doença</p><p>e de promoção de saúde mais eficaz, além de analisar causas que estão por trás do físico e ajudar essas</p><p>pessoas com as questões que tanto a fazem sofrer.</p><p>Para que isso ocorra se deve mudar o pensamento das pessoas, a cultura, as formas de como as</p><p>pessoas significam a doença, propondo hábitos saudáveis, a manutenção de um lar agradável e</p><p>harmonioso, entre outras medidas que podem otimizar o processo de saúde.</p><p>3 A Psicologia da Saúde</p><p>A Psicologia da Saúde atualmente agrega o educacional, científico e o profissional da Psicologia. Não</p><p>somente como avaliação, mas como promoção e manutenção da saúde, prevenção, tratamento de</p><p>doença, identificação da etiologia, diagnóstico e disfunções.</p><p>A atuação hospitalar envolve um fazer interdisciplinar com a prática de diversos profissionais em</p><p>suas especialidades. Como exemplo: Medicina, Psicologia, Pediatria, Ginecologia, Cirurgia, Enfermagem,</p><p>Urologia e etc.</p><p>O Psicólogo trabalha em saúde numa tentativa de integração das dimensões psicológica, biológica e</p><p>social, intervindo de maneira diferenciada e estrutura a partir da avaliação, diagnóstico e tratamento dos</p><p>aspectos psicológicos que interferem na experiência particular de cada adoecimento, doença e cura,</p><p>relação membro da equipe de saúde-paciente e de paciente-experiência de internação.</p><p>Áreas de atuação da Psicologia da saúde</p><p>Segundo Belar (1997), temos os seguintes aspectos dentro da área de psicologia da saúde.</p><p>1. Condições psicológicas derivadas da doença. (depressão pós-parto, sequelas psicológicas de derrame</p><p>cerebral).</p><p>2. Representações somáticas de disfunções psicológicas (dor no peito em ataques de pânico).</p><p>3. Desordens psicofisiológicas (dor de cabeça em decorrência de tensão).</p><p>4. Sintomas físicos em decorrência de intervenções comportamentais (incontinência fecal, náusea</p><p>antecipatória).</p><p>http://slideplayer.com.br/5657012/6/images/5/A+Psicologia+da+Sa%C3%BAde.jpg</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 54</p><p>5. Complicações somáticas associadas a fatores comportamentais (gerenciamento inadequado de</p><p>diabetes, falha em adesão medicamentosa do hipertensivo).</p><p>6. Consequências psicológicas de problemas orgânicos, como depressão associada ao hipotireoidismo,</p><p>psicose induzida por esteróides.</p><p>7. Prevenção de complicações físicas e psicológicas em consequência de procedimentos médicos</p><p>estressantes, como cateterismo cardíaco e cirurgias.</p><p>8. Fatores de risco comportamental em decorrência de doença ou incapacidade (fumo, peso excessivo),</p><p>9. Problemas decorrentes de planos de saúde, como relacionamento profissional-paciente ou burnout</p><p>(espécie de esgotamento do sujeito no trabalho) da equipe de saúde.</p><p>A importância da Psicologia da saúde</p><p>1. O trabalho desta área do conhecimento contribui para a diminuição do número de reinternações.</p><p>2. Proporciona o aumento da qualidade de vida dos pacientes.</p><p>3. Desenvolvimento de programas funcionais de prevenção de diversas doenças.</p><p>4. Desenvolver programas de adesão a aspectos relacionados à boa saúde (utilização adequada de</p><p>medicamentos, avaliações periódicas de saúde, adesão a exercícios físicos, dietas balanceadas,</p><p>diminuição da ingestão de drogas).</p><p>5. Podemos concluir, portanto que através de programas bem definidos e frequentemente avaliados,</p><p>podemos oferecer ganhos, em nível de qualidade e custos ao sistema de saúde vigente.</p><p>Psicologia da Saúde e outras áreas afins</p><p>1. A psicologia na mídia- Aborda a utilização de drogas, prática de exercícios ou dietas alimentares.</p><p>2. A psicologia no trânsito- pode auxiliar na reformulação de leis que diminuam os acidentes com vítimas</p><p>fatais ou com consequências graves.</p><p>3. Outras políticas que podem diminuir as consequências de diversos problemas ligados à saúde do ser</p><p>humano.</p><p>As formas produtivas, a cultura da alimentação, as práticas de higiene, atividades de recreação e</p><p>muitos outros aspectos da vida social acabam por modular e determinar as condições físicas e</p><p>biológicas de um indivíduo.</p><p>1. As formas produtivas, a cultura da alimentação, as práticas de higiene, atividades de recreação e</p><p>muitos outros aspectos da vida social acabam por modular e determinar as condições físicas e</p><p>biológicas de um indivíduo.</p><p>2. É importante se destacar as particularidades dos grupos etários, como, por exemplo, as várias</p><p>diferenças no atendimento do idoso e do adolescente.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 55</p><p>3. Pode-se observar, então, que a saúde se inter-relaciona com diversas variáveis psicológicas, sociais e</p><p>culturais e que o adequado entendimento e a atuação do psicólogo da saúde dependem da capacidade</p><p>deste profissional observar todos esses aspectos.</p><p>Humanização em ambientes médicos</p><p>1. Humanização significa a ação ou efeito de humanizar, tornar mais sociável, mais tratável.</p><p>2. É o desejo de levar em consideração as necessidades verdadeiras do paciente, não sendo unicamente</p><p>materiais, mas também psicológicas e da personalidade do doente.</p><p>3. É importante reintroduzir o humano no funcionamento do hospital, não reduzindo o paciente ao papel</p><p>de uma usina de órgãos danificados, podendo desta forma possibilitar que cada paciente continue</p><p>vivendo como ser humano.</p><p>4. Para humanizar o ambiente é preciso desenvolver algumas características (estruturais e pessoais),</p><p>revelando a individualidade de cada paciente.</p><p>5. A humanização envolve também os familiares.</p><p>Humanização ao longo dos tempos</p><p>1. Focalizou o bem-estar do indivíduo, seja o perfeito estado de satisfação física ou moral;</p><p>2. As condições ambientais envolvidas;</p><p>3. Condições de tratamento;</p><p>4. O relacionamento entre as pessoas;</p><p>5. O termo humanização é bastante amplo e depende sobretudo da concepção e dos valores de cada</p><p>profissional envolvido no processo de assistência ao paciente</p><p>hospitalizado.</p><p>6. A humanização envolve todos os profissionais de saúde.</p><p>O psicólogo no hospital</p><p> A atuação do psicólogo no contexto hospitalar é uma das temáticas mais revestidas de polêmicas</p><p>quando se evocam discussões sobre o papel da psicologia na realidade institucional.</p><p> Os profissionais de saúde possuem funções definidas o que facilita sua atuação.</p><p> Ao ser hospitalizado o paciente sofre um processo chamado de despersonalização. Deixa de ter</p><p>um nome e passa a ser um número ou então alguém que é portador de uma patologia.</p><p> Ao ser hospitalizado o paciente sofre um processo chamado de despersonalização. Deixa de ter</p><p>um nome e passa a ser um número ou então alguém que é portador de uma patologia.</p><p> A hospitalização será algo único enquanto vivência, não havendo possibilidade de previsão</p><p>anterior à sua própria ocorrência.</p><p> Pelo simples estigma “hospitalizado” faz com que a pessoa adquira os signos que irão enquadrá-lo</p><p>numa nova performance existencial e até mesmo seus vínculos passarão existir a partir desse</p><p>novo signo.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 56</p><p>O tempo da doença</p><p> O espaço vital do paciente hospitalizado não depende mais do seu processo de escolha.</p><p> Seus hábitos anteriores terão de se transformar frente à realidade da hospitalização e da doença.</p><p> Caso a doença seja temporária haverá a possibilidade de uma nova reestruturação existencial</p><p>quando do restabelecimento orgânico, fato que, ao contrário das doenças crônicas, implica</p><p>necessariamente numa total reestruturação vital.</p><p> A pessoa deixa de ser o José... E passa a ser o politraumatizado do leito 4, essa característica que</p><p>notamos na maioria dos hospitais tem contribuído para ausentar a pessoa de seu processo de</p><p>tratamento exacerbando o papel de “paciente”</p><p>A situação hospitalar</p><p>1. A despersonalização do paciente derivada da fragmentação ocorrida a partir dos diagnósticos cada vez</p><p>mais específicos que, além de abordarem a pessoa em sua amplitude existencial, fazem com que</p><p>apenas um determinado sintoma exista naquela vida.</p><p>2. A situação de hospitalização passa a ser determinante de muitas situações que irão ser consideradas</p><p>invasivas e abusivas na medida em que não se respeita os limites e imposições dessa pessoa</p><p>hospitalizada.</p><p>4 Interconsulta</p><p> A interconsulta pode ser compreendida como uma consulta realizada por um profissional de</p><p>saúde a um paciente hospitalizado, mediante a solicitação do profissional envolvido com os seus</p><p>cuidados no hospital.</p><p> Envolvendo toda a equipe de saúde, paciente, médico, membros da equipe e a instituição.A</p><p>Possibilidade dos cuidados com o paciente em atendimento multiprofissional, abarca muitos dos</p><p>aspectos envolvidos no processo de adoecer e hospitalização.</p><p> Onde cada membro da equipe de saúde colabora com as suas especialidades, contando com a</p><p>participação ativa do paciente.</p><p> Como interconsultor o psicólogo também atua como sendo um facilitador da comunicação entre</p><p>os profissionais da saúde, o paciente e o familiar. Compreendendo as dinâmicas interpessoais dos</p><p>relacionamentos efetivados e atendimento integrado.</p><p>5 A falta de atendimento</p><p>A falta de atendimento psicológico pode prolongar ou até mesmo dificultar o tratamento e as ações</p><p>da equipe, pois sem essa atenção fica vedado o processo de relação do paciente e seus familiares a</p><p>situação de doença e hospitalização, limitando-os a desvendar complexas associações entre seu</p><p>momento de adoecer atual, saúde psicológica e hospitalização.</p><p>http://slideplayer.com.br/5657012/6/images/6/Interconsulta.jpg</p><p>http://slideplayer.com.br/5657012/6/images/7/A+falta+de+atendimento.jpg</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 57</p><p>6 O Psicólogo Hospitalar e suas práticas</p><p>O trabalho do Psicólogo Hospitalar visa o restabelecimento do estado de saúde do doente ou, ao</p><p>menos, ao controle dos sintomas que prejudicam seu bem-estar.</p><p>Das tarefas do psicólogo que trabalha em hospital estão listadas seis funções:</p><p>1) Função de coordenação: relativa às atividades com os funcionários do hospital;</p><p>2) Função de ajuda à adaptação: em que o psicólogo intervém na qualidade do processo de adaptação e</p><p>recuperação do paciente internado;</p><p>3) Função de interconsulta: atua como consultor, ajudando outros profissionais a lidarem com o paciente;</p><p>4) Função de enlace: intervenção, através do delineamento e execução de programas junto com outros</p><p>profissionais, para modificar ou instalar comportamentos adequados dos pacientes;</p><p>5) Função assistencial direta: atua diretamente com o paciente,</p><p>6) Função de gestão de recursos humanos: para aprimorar os serviços dos profissionais da organização.</p><p>7 Função assistencial direta</p><p>No contato direto com os pacientes em situação de internação o Psicólogo Hospitalar atua com</p><p>caráter preventivista, diagnóstico e terapêutico a pacientes, familiares e à equipe de saúde.Visando</p><p>sempre o paciente em sua história pregressa, o ser e o estar doente, a relação do doente com a</p><p>internação e a intervenção terapêutica voltada ao ser doente.</p><p>O trabalho inclui entrevistas com o paciente, sua família e a equipe profissional, para obtenção de</p><p>informações como história e hábitos de vida e mudanças ocorridas após o adoecimento, aplicação de</p><p>escalas para avaliação do comportamento e observação direta do comportamento.</p><p>Nos registros de atendimento devem constar os dados de identificação como sexo, escolaridade,</p><p>faixa etária, estado civil, procedimentos de avaliação do paciente (entrevista, observação direta, escalas</p><p>padronizadas de avaliação), procedimentos aplicados (técnicas e tipos de atendimento) e resultados da</p><p>intervenção (mudanças relatadas e observadas após a intervenção psicológica).</p><p>Ao chegar um pedido de interconsulta o psicólogo irá se deparar com um problema (queixa clínica).</p><p>À partir deste problema propõe maneiras de avalia-lo, entrevistando o paciente, aplicando escalas,</p><p>conversando com equipe de saúde ou familiares, observando as interações do paciente. Avaliando os</p><p>resultados obtidos tanto em termos de mudanças concretas quanto através do relato do paciente, equipe</p><p>e familiares.</p><p>8 Instrumentos e métodos</p><p>O psicólogo pode realizar psicodiagnóstico, com anamnese, avaliação psicológica e exame psíquico</p><p>adaptado para a psicologia hospitalar, de acordo com modelo proposto por Sebastiani e Fongaro (1996).</p><p>Após avaliações e levantamento de hipóteses diagnósticas, o psicólogo deve definir focos a serem</p><p>trabalhados e estabelecer condutas terapêuticas.</p><p>http://slideplayer.com.br/5657012/6/images/9/O+Psic%C3%B3logo+Hospitalar+e+suas+pr%C3%A1ticas.jpg</p><p>http://slideplayer.com.br/5657012/6/images/10/Fun%C3%A7%C3%A3o+assistencial+direta.jpg</p><p>http://slideplayer.com.br/5657012/6/images/12/Instrumentos+e+m%C3%A9todos.jpg</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 58</p><p>A Intervenção psicológica deve ser embasada pela terapia breve e/ou emergencial, dando suporte</p><p>ao paciente, focada, levando em consideração o momento de crise vivenciado pelo indivíduo, doença e</p><p>situação de hospitalização.</p><p>Tal procedimento breve traz alívio ao desequilíbrio agudo, agindo preventivamente contra a</p><p>cronicidade dos sintomas.</p><p>9 Atendimentos</p><p>Os atendimentos podem ocorrer em enfermarias, ao lado dos leitos juntou ou não a seus familiares,</p><p>ou em outros ambientes da unidade como (unidade de diálise, sala de quimioterapia, bancos de sangue,</p><p>unidade de terapia intensiva, unidade de recuperação, salas de emergência, pronto-socorro, etc.) e nos</p><p>ambulatórios (gerais ou de especialidades)</p><p>Após a realização do atendimento psicológico, o profissional deve realizar evolução psicológica,</p><p>registrando e realizando o acompanhamento psicoterápico do paciente,</p><p>em prontuário próprio ou</p><p>sistema do serviço ou unidade de psicologia do hospital, seguindo-se evolução psicológica de cada caso.</p><p>2.6 Atuação psicológica na assistência à criança com câncer: da prevenção aos cuidados paliativos</p><p>Luciana Araújo Gurgel 1 Ana Maria Vieira Lage 2</p><p>A presença do psicólogo é necessária desde a entrada do paciente e da família no hospital. No</p><p>primeiro momento, já é possível identificar, nos pacientes e/ou nos familiares, uma demanda psicológica.</p><p>O psicólogo, durante os atendimentos, é capaz de interpretar os significados e, a partir disso,</p><p>trabalhar com o paciente um maior comprometimento e uma melhor compreensão da doença. Assim,</p><p>este profissional pode atuar na prevenção, no diagnóstico, no tratamento, na alta e nos cuidados</p><p>paliativos.</p><p>2.6.1 Atuação na prevenção</p><p>Na prevenção, o psicólogo pode atuar na informação e na educação em saúde, auxiliando na</p><p>divulgação de conhecimentos sobre câncer infantil e suas características e alertando, através de ações em</p><p>nível individual e grupal, para a importância do diagnóstico precoce.</p><p>A partir da portaria GM/MS nº 2.439, de 8 de dezembro de 2005, o Ministério da Saúde lançou a</p><p>Política Nacional de Atenção Oncológica, que: “apresenta como premissa a necessária integração da</p><p>atenção básica às média e alta complexidades, buscando facilidades para o acesso a todas as instâncias de</p><p>atenção e controle do câncer”. (Brasil, Ministério da Saúde, 2005, p. 81).</p><p>De acordo com essa portaria, a Política Nacional de Atenção Oncológica deve ser estabelecida de</p><p>maneira articulada com o Ministério da Saúde e com as secretarias de saúde estaduais e municipais.</p><p>Também deve organizar uma linha de cuidados em todos os níveis de atenção (básica, especializada de</p><p>http://slideplayer.com.br/5657012/6/images/13/Atendimentos.jpg</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 59</p><p>média e alta complexidade) e de atendimento (promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento,</p><p>reabilitação e cuidados paliativos).</p><p>No caso da atenção básica, devem ser realizadas ações de caráter individual e coletivo, voltadas</p><p>para: promoção da saúde, prevenção do câncer, diagnóstico precoce, apoio à terapêutica de tumores, aos</p><p>cuidados paliativos e ações clínicas para o seguimento de doentes curados. Nesse nível, o psicólogo pode</p><p>auxiliar mudanças de atitudes e mudanças comportamentais relacionadas com estilo de vida, situações</p><p>de estresse e alimentação, para almejar um estilo de vida saudável.</p><p>A média complexidade deve realizar assistência diagnóstica e terapêutica especializada, inclusive</p><p>cuidados paliativos, garantida a partir do processo de referência e contrarreferência dos pacientes, ações</p><p>que devem ser organizadas segundo o planejamento de cada unidade federada e segundo princípios e</p><p>diretrizes do SUS. Dentro desse nível, são possíveis atividades de treinamento da equipe de saúde.</p><p>A alta complexidade deve garantir o acesso de doentes com diagnóstico definitivo de câncer. É</p><p>nesse nível que se deve determinar a extensão da doença, tratar, cuidar e assegurar qualidade de acordo</p><p>com rotinas e condutas estabelecidas, o que se dará por meio de Unidades de Assistência de Alta</p><p>Complexidade em Oncologia e Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia.</p><p>Nesse nível, o psicólogo atua durante o tratamento, facilitando maior compreensão da doença e</p><p>maior adesão do paciente e da família, promovendo enfrentamento da situação. Também é importante o</p><p>treinamento da equipe.</p><p>2.6.2 Atuação no diagnóstico</p><p>Os procedimentos para obter um diagnóstico definitivo dependem da localização, do tamanho e da</p><p>acessibilidade do órgão envolvido. Cardoso (2007) constata que os procedimentos mais utilizados para</p><p>detecção do câncer infantil são: biópsia, punção, ultrassonografia, tomografia computadorizada,</p><p>ressonância magnética, hemograma e mielograma.</p><p>As condutas mais frequentes no tratamento de câncer são: cirurgia, quimioterapia, radioterapia e</p><p>transplante de medula óssea.</p><p>Muitas vezes, o período entre diagnóstico e início do tratamento é curto e os pais devem tomar</p><p>decisões importantes sobre o tratamento de seus filhos. As decisões são sobre tratamentos longos,</p><p>invasivos, com efeitos colaterais bastante desagradáveis, que limitam as atividades da criança e que, em</p><p>alguns casos, podem provocar mutilações. Além disso, o câncer infantil sempre é permeado pelo risco de</p><p>morte. Valle (2010) diz que o diagnóstico deve ser informado à família e à criança pelo médico</p><p>responsável.</p><p>A equipe deve respeitar a decisão da família de não falar para a criança, mas deve apontar a</p><p>importância de o paciente ter conhecimento da doença. Kubler-Ross (2008) aconselha a sempre</p><p>esclarecer a real situação para os enfermos. Omitir dos pacientes fatos dolorosos ou extremos só</p><p>provocaria mais desconfiança e receio, pois, por mais que se tente enganá-lo, aquele sempre sabe e sente</p><p>sua saúde e sua condição se fragilizando.</p><p>O diagnóstico de câncer, segundo Cardoso (2007), afeta a criança, os pais e aqueles que estão ao</p><p>seu redor, passando a fazer parte da rotina de todos. Assim, com a doença instalada, é comum que ocorra</p><p>um desajuste familiar e até mesmo troca de papéis e funções dentro da família.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 60</p><p>O apoio psicológico aos membros da família é extremamente necessário. Como destacou Campos</p><p>(1995), é imprescindível que se estimulem os familiares a perguntar, não apenas ao psicólogo, mas</p><p>também ao restante da equipe, sobre a doença, sobre a evolução e sobre o tratamento.</p><p>Valle (2010) afirma que conhecer os procedimentos, a doença e os efeitos colaterais da doença e do</p><p>tratamento ajuda a diminuir a ansiedade e o medo. Com relação à família, o psicólogo deve oferecer</p><p>suporte emocional para que esta possa enfrentar a situação da melhor forma possível.</p><p>A partir da confirmação do diagnóstico, os temores da família se concretizam, e ela passa a sofrer</p><p>profundas alterações. Os familiares do paciente passam por um momento de incerteza, de angústia</p><p>diante da possibilidade da morte.</p><p>O grupo terapêutico com familiares é muito indicado para que estes coloquem suas emoções em</p><p>palavras e compartilhem sentimentos e vivências com outros que estão passando pela mesma situação.</p><p>Atendimentos individuais são indicados para familiares que estão em momento de maior dor ou que</p><p>demonstram uma dificuldade de aceitação. Com relação ao paciente, o psicólogo deve buscar conhecer a</p><p>criança que adoeceu e também a vida do paciente antes do adoecimento.</p><p>Para que o diálogo se torne mais claro, o psicólogo precisa ter conhecimento sobre o tipo de câncer</p><p>que a criança tem e sobre o tratamento que vai enfrentar, para estar apto a responder a dúvidas e a</p><p>aliviar a ansiedade.</p><p>2.6.3 Atuação no tratamento</p><p>O tratamento do câncer é feito de forma particular para cada paciente. Raramente dois pacientes</p><p>com o mesmo tipo de câncer terão o mesmo tratamento, pois o tratamento varia com o tipo de câncer,</p><p>com o histórico de saúde da criança, com o estado e com a extensão da doença (Valle, 2010).</p><p>O câncer como doença crônica, pode requerer longos períodos de internação, com procedimentos</p><p>invasivos e dolorosos, exames e tratamentos prolongados, mudanças na rotina, na alimentação e na</p><p>realização de atividades.</p><p>Dependendo da idade, a criança sente necessidade de saber o que está acontecendo, mas, às vezes,</p><p>os adultos não sabem como tratar do assunto e, em muitas vezes, as crianças não sabem como perguntar.</p><p>Dessa forma, a criança e o adolescente que apresentam câncer, deixam temporariamente de realizar suas</p><p>atividades cotidianas, como ir à escola, brincar e conviver com os amigos e familiares, passando a</p><p>conviver com a limitação da rotina hospitalar e ambulatorial, entrando em contato</p><p>com novos espaços,</p><p>com novas pessoas e com novas situações, que passam a fazer parte do seu cotidiano.</p><p>Visto que, em alguns casos, os pacientes, bem como seus familiares, não questionam os médicos</p><p>sobre a doença, o psicólogo pode atuar no esclarecimento de dúvidas dos pacientes sobre a enfermidade</p><p>ou servir de mediador com os médicos.</p><p>Oferecer atendimento no leito, quando preciso for, acompanhar as angústias e tentar, de alguma</p><p>forma, através da escuta qualificada, identificar demandas para atendimento psicológico são algumas</p><p>atividades que o psicólogo pode realizar no acompanhamento de crianças com câncer.</p><p>Há possibilidades de o tratamento fracassar. Isso pode acontecer durante o próprio tratamento,</p><p>quando este não apresenta efeitos curativos, ou após um período de remissão de sintomas. Quando há o</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 61</p><p>que se denomina de recorrência ou recidiva, ou seja, quando reaparece, o câncer pode voltar no mesmo</p><p>local, próximo ao local ou em outras áreas do corpo (Espíndula; Valle, 2002; Valle, 2010).</p><p>Com relação à recidiva, destaca-se que: é considerada uma segunda crise que pode ser mais</p><p>devastadora que o diagnóstico inicial, pois já se sabe o que terá de ser enfrentado. Os pais descrevem a</p><p>primeira recidiva como o tempo mais difícil, principalmente quando já tinha ocorrido um aparente</p><p>sucesso no tratamento. Eles sabem que a chance de cura diminui drasticamente.</p><p>Esse momento caracteriza-se por tumulto, reavaliação, mudança e maior entropia familiar. (Valle,</p><p>2010, p. 139).</p><p>Com relação à equipe, “estudos mostram que a equipe está mais preparada para dar apoio durante</p><p>o diagnóstico da doença, e informações sobre as possibilidades de cura e de tratamento do que durante a</p><p>progressão do câncer ou a recidiva.” (Valle, 2010, p. 138).</p><p>Quando o câncer volta, algumas famílias podem ficar confusas. Os pais, diante da recidiva, se</p><p>sentem impotentes, acham que fracassaram na sua função de proteger o filho. Ademais, acabam</p><p>acreditando que todos os seus esforços foram em vão (Valle, 2010).</p><p>Outro ponto importante é que os pais limitam mais as atividades dos filhos; superprotegendo os</p><p>mais. Isso pode gerar “sentimentos de insegurança, vulnerabilidade, egocentrismo, fragilidade e</p><p>autoritarismo”. (Espíndula, Valle, 2002, p. 2).</p><p>2.6.4 Atuação na alta</p><p>Podem-se assinalar duas possibilidades de alta: após uma internação hospitalar e após o término do</p><p>tratamento. Durante a internação, o psicólogo pode ter contato maior com o paciente, verificando a</p><p>evolução emocional do paciente e do acompanhante, sendo possíveis realização de atividades lúdicas e</p><p>intervenções educativas, bem como atendimento psicológico individual, caso seja verificada demanda</p><p>específica.</p><p>Após a internação, o paciente deve retornar periodicamente para o hospital para fazer exames,</p><p>cumprir etapas do tratamento ou comparecer a consultas. Nesses momentos, o psicólogo pode dar</p><p>prosseguimento ao atendimento e ao acompanhamento da díade.</p><p>Assim, sempre que o paciente voltar ao hospital, serão oferecidos a ele os mesmos serviços e</p><p>recursos utilizados nas internações. A alta após o término do tratamento ocorre quando a cura é possível,</p><p>o que é cada vez mais frequente graças aos avanços científicos e tecnológicos.</p><p>A doença pode ser finalmente superada, e o paciente entra em estágio de remissão de seus</p><p>sintomas. Se não apresentar sintomas ou alterações após 10 anos da última sessão de tratamento, o</p><p>paciente estará curado. Alguns pais que vivenciam essa possibilidade relatam que se sentem abençoados.</p><p>Outros relatam a cura como sinônimo de medo e angústia da volta da doença.</p><p>Da mesma forma que é difícil para os pais retomarem o eixo de suas vidas após o término do</p><p>tratamento, também o é para a criança, para a qual abandonar o papel de doente não é simples.</p><p>Muitas dessas crianças que sobreviveram ao câncer passaram a maior parte de suas vidas tratando</p><p>da doença e precisarão reaprender a existir em sua nova condição de curadas. Em outras palavras, é</p><p>como se necessitassem aprender novamente a viver, agora na nova condição de sadias. As atividades</p><p>rotineiras serão retomadas aos poucos, até que a criança recupere antigos hábitos e crie novos.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 62</p><p>A família também precisará sofrer uma reorganização interna, a fim de poder conviver com a</p><p>criança agora com outras necessidades. Caso haja necessidade de suporte emocional, a criança pode ser</p><p>atendida em todas as fases da doença. Além de receber informações, a criança deve ser ouvida.</p><p>A escuta dá-se através de palavras, de gestos e do brincar. Toda forma de expressão deve ser</p><p>utilizada como meio de comunicação para que a criança possa expressar seus sentimentos, tirar suas</p><p>dúvidas e dar significado aos acontecimentos, tornando-se, portanto, sujeito de sua história.</p><p>2.6.5 Atuação nos cuidados paliativos</p><p>Para os pacientes sem perspectiva de cura, a doença é incurável e a morte se apresenta como</p><p>inevitável e próxima (Camargo, 2000). Entretanto, esses pacientes podem viver horas, dias ou até mesmo</p><p>meses. Portanto, são necessárias novas formas de cuidado, com foco na qualidade de vida.</p><p>Nesses casos, são indicados os cuidados paliativos, que devem ser utilizados em doenças crônicas e</p><p>são mais presentes no câncer devido ao impacto que o diagnóstico ainda apresenta.</p><p>O modelo de cuidados paliativos, da forma como o conhecemos hoje, surgiu do movimento</p><p>originado pela enfermeira, assistente social e médica inglesa Cicely Saunders. No ano de 1967, Saunders</p><p>abriu seu hospital em Londres, com o nome de St. Christopher´s Hospice (Pessini, Barchifontaine, 2005).</p><p>O hospice não era um hospital curativo, tratava-se de um lugar “onde os doentes, às portas da</p><p>morte, são cuidados de uma forma global.” (Pessini, Barchifontaine, 2005, p. 318). O St. Christopher´s</p><p>Hospice é conhecido em todo o mundo como um dos principais serviços em cuidados paliativos.</p><p>O psicólogo pode atuar-nos diversos momentos dos cuidados paliativos, como:</p><p>1) na decisão dos pais de quando parar o tratamento;</p><p>2) na decisão e nas dificuldades da equipe;</p><p>3) na conversa com a criança sobre a morte,</p><p>4) no apoio à família,</p><p>5) quando a morte se aproxima e</p><p>6) quando a criança morre.</p><p>2.6.6 Atendimento aos familiares</p><p>É necessário que, desde o início, seja identificado o membro familiar mais próximo, a quem</p><p>chamamos de cuidador. Essa identificação é necessária para que a equipe de saúde possa ter uma</p><p>comunicação eficiente e capaz de planejar intervenções que possam ser eficazes. Normalmente, o</p><p>cuidador é alguém da família e na maioria das vezes são mulheres.</p><p>Ter um paciente com uma doença grave ou em cuidados paliativos dentro de casa implica</p><p>modificações na infraestrutura, bem como na dinâmica familiar como um todo. Os desafios são</p><p>constantes, e existem consequências físicas e psicológicas consideráveis para a família (Ferreira, 2008).</p><p>O medo da morte do outro é enorme. A equipe deve apoiar paciente e família, possibilitando</p><p>espaço para minimização dos medos e das ansiedades.</p><p>Com relação ao câncer infantil e ao hospital, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente</p><p>(Brasil, 1990), está garantido o direito de um acompanhante que faça companhia à criança na internação.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 63</p><p>Na maioria dos casos, são as mães que acompanham as crianças. Isso exige uma reorganização de seu</p><p>papel social em casa, que passa a ser ocupado pelo pai ou por um filho/filha mais velho.</p><p>As mães passam a viver a realidade de mães de crianças com câncer (Moreira; Angelo, 2008). Os</p><p>níveis de estresse de pais e mães nessa condição são parecidos. Entretanto, a mãe, como</p><p>principal</p><p>cuidadora da criança, vive uma intensa vulnerabilidade psíquica, que se refere às angústias de todo o</p><p>processo de adoecimento, desde o diagnóstico, passando pelo tratamento até a resolução.</p><p>É importante que a equipe observe as reações da mãe e fique atenta para fazer intervenções no</p><p>sentido de tornar mais fácil a hospitalização, garantindo que a mãe tenha um diálogo aberto, que</p><p>esclareça suas dúvidas e que se sinta acolhida. A relação entre os pais sofre diversos abalos.</p><p>A doença do filho é colocada em primeiro lugar, e a vida de casal fica em segundo plano. Muitas</p><p>vezes, o pai fica excluído das decisões e da rotina do hospital. Com isso, problemas podem surgir ou</p><p>problemas antigos podem emergir, ocasionando mais problemas de relacionamento e até mesmo</p><p>separações. Segundo Cardoso (2007), os irmãos de crianças com câncer sofrem muito com a doença.</p><p>Sentem falta do irmão hospitalizado e veem a atenção dos pais voltada para este. Isso pode ocasionar</p><p>problemas nos relacionamentos dos filhos. Assim, quando possível, os irmãos devem ser atendidos pelo</p><p>psicólogo.</p><p>A forma de abordá-los irá variar de acordo com a idade e com o que eles sabem do tratamento e do</p><p>diagnóstico do irmão. Nesse aspecto, os pais devem ser estimulados a conversar com os outros filhos</p><p>sobre o estado do filho com câncer, para que haja uma maior abertura de comunicação e uma maior</p><p>aceitação de todo o processo.</p><p>2.6.7 Quando uma criança morre</p><p>A perda real de uma criança é um dos eventos mais estressantes. A sua morte é vista como um</p><p>absurdo inimaginável. Os pais buscam significado e renovação do sentido da vida.</p><p>Eles nunca se restabelecem completamente da perda da criança; o que acontece é o ajustamento e</p><p>a integração da perda em suas vidas, mas o pesar os acompanha por toda a vida. Quando a criança morre,</p><p>a família precisa elaborar o luto. Nesse momento, faz-se necessário um trabalho de apoio dos</p><p>profissionais da equipe de Oncologia Pediátrica com todos os envolvidos, para que estes enfrentem da</p><p>forma mais adequada, as situações conflitantes.</p><p>Segundo Bromberg (2000), no caso de pais com filhos que tenham diagnóstico de doença fatal, o</p><p>enlutamento pode ter início a partir da informação do diagnóstico. Dessa forma, o luto não começa com a</p><p>morte; ele é determinado a partir da qualidade das relações e dos vínculos familiares que existiam até</p><p>então, sendo afetado por condições existentes próximas à morte. Mesmo que seja considerado normal, o</p><p>luto é doloroso e exige grande esforço de adaptação individual e familiar (Bromberg, 2000).</p><p>Inicialmente, é impossível, para a família, esquecer ou tentar esquecer o morto. Sob essa</p><p>perspectiva, Bromberg (2000) mostra que: O esquecimento é rejeitado porque, no início do processo, há</p><p>a intensa necessidade de manter vivo o morto, por meio de lembranças, tentativas de contato, tendo o</p><p>esquecimento o significado de esvaziamento, antes da possibilidade de se estabelecerem novas relações.</p><p>(p. 27).</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 64</p><p>Dependendo de como foi a morte do filho e das condições de enfrentamento da família, é possível</p><p>falar em aceitação e adaptação. Porém, não se pode falar em um tempo de aceitação, pois este vai variar</p><p>de família para família.</p><p>A morte pode também nunca ser aceita. Como mostra Bolze e Castoldi (2005): “a morte de uma</p><p>criança pequena tende a ser profundamente perturbadora para a família inteira. O sofrimento tende a</p><p>persistir por anos a fio, e pode até mesmo se intensificar com a passagem do tempo.”(p. 2).</p><p>Nesse caso, podemos estar diante de um luto complicado ou patológico, que ocorre quando a</p><p>pessoa não se permite passar pelo luto, causando prejuízos bem maiores do que o luto dito “normal”. O</p><p>luto dos pais, conforme Bromberg (2000),é frequentemente mesclado com raiva e culpa. Os pais sentem-</p><p>se injustiçados e impotentes diante da morte do filho, podendo ocorrer sérias consequências para a</p><p>saúde emocional do casamento.</p><p>A participação da família em ritos funerários e em visitas aos túmulos pode ajudar a aceitar a morte</p><p>como uma realidade (Bromberg, 2002). Para que um acompanhamento posterior à morte seja possível, o</p><p>psicólogo já deve ter tido um contato com a família anteriormente e, de preferência, deve ter</p><p>acompanhado o paciente e a família desde o diagnóstico. É importante que uma assistência da equipe à</p><p>família enlutada seja oferecida, principalmente para os pais e para os irmãos.</p><p>Pode-se ter um ou mais encontros com as famílias no decorrer do primeiro ano após o óbito, com a</p><p>finalidade de acolhê-la e fornecer-lhe suporte emocional, enfatizando que o luto é um processo de</p><p>adaptação e uma necessidade psicológica, ajudando, assim, a família na elaboração do luto.</p><p>Essa é uma oportunidade criada para que o enlutado possa expressar seus sentimentos e falar</p><p>sobre sua experiência, ao mesmo tempo em que são avaliadas as defesas utilizadas para lidar com a dor</p><p>da perda. São realizadas intervenções psicológicas que visam incentivar a retomada das funções diárias, o</p><p>resgate pelo prazer da vida e o estabelecimento de novos relacionamentos.</p><p>Reconhecer os padrões de um luto normal e os sinais de um pesar intenso e complexo, bem como</p><p>orientar os que precisam de um acompanhamento apropriado quando se tratar de um luto patológico,</p><p>estão incluídos nesse atendimento psicológico.</p><p>2.6.8 Pacientes oncológicos e assistência psicológica</p><p>O paciente oncológico carrega em seu mundo subjetivo, muitas concepções negativas acerca da</p><p>doença, o que dificulta no processo de adesão e recuperação. A proposta da assistência psicológica é uma</p><p>alternativa da Psicologia da Saúde que tem a finalidade de prevenir e promover a saúde tanto em nível</p><p>individual como coletivo através de uma visão biopsicossocial do processo de adoecimento do sujeito.</p><p>Quando falamos em sofrimento é importante salientar que não estamos nos referindo apenas ao</p><p>sofrimento físico, gerado pelo mal-estar proveniente das sessões maciças de quimioterapia. Na verdade,</p><p>o isolamento ao qual o paciente deve ser submetido, para evitar qualquer tipo de contaminação no</p><p>período pós-quimioterapia, muitas vezes é vivido por este como um profundo sentimento de abandono.</p><p>(CAMPOS, 2007).</p><p>A partir da publicação da Portaria nº 3.535 do Ministério da Saúde publicada no Diário Oficial da</p><p>União, em 14/10/1998, compete ao psicólogo à presença obrigatória juntamente à equipe</p><p>multidisciplinar, com o intuito de dar suporte ao atendimento oncológico junto ao SUS. Nesse sentindo,</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 65</p><p>faz-se necessária a atuação desse profissional no tratamento do câncer, abrindo espaço a área</p><p>denominada Psico-oncologia.</p><p>A Psico-Oncologia representa a área de interface entre a Psicologia e a Oncologia e utiliza</p><p>conhecimento educacional, profissional e metodológico proveniente da Psicologia da Saúde para aplicá-</p><p>lo:1º) Na assistência ao paciente oncológico, sua família e profissionais de Saúde envolvidos com a</p><p>prevenção, o tratamento, a reabilitação e a fase terminal da doença;2º) Na pesquisa e no estudo de</p><p>variáveis psicológicas e sociais relevantes para a compreensão da incidência, da recuperação e do tempo</p><p>de sobrevida após o diagnóstico do câncer;3º) Na organização de serviços oncológicos que visem ao</p><p>atendimento integral do paciente, enfatizando de modo especial a formação e o aprimoramento dos</p><p>profissionais da Saúde envolvidos nas diferentes etapas do tratamento. (CARVALHO,2002).</p><p>A assistência psicológica dentro do hospital busca o alívio emocional do paciente e de sua família,</p><p>sendo que muitas vezes a ajuda a ser prestada implica numa mobilização de forças, em que a angústia e a</p><p>ansiedade estão presentes, pois este Ser Doente encontra-se em um momento não escolhido de sua vida.</p><p>(SANTOS, et AL</p><p>2003).</p><p>O atendimento psicológico visa auxiliar o paciente no enfrentamento de sua doença, a fim de</p><p>conscientizá-lo da sua condição atual e fornecer subsídios para uma compreensão melhor da sua</p><p>patologia. Para tanto, é necessário que o profissional conheça as especificidades e tenha uma visão</p><p>ampliada deste, para que assim, ajude-o a dar novos significados à sua doença e melhore sua qualidade</p><p>de vida.</p><p>2.6.9 O manejo do psicólogo hospitalar na ressignificação do processo de adoecimento</p><p>A doença surge como um inimigo que deve ser estudado, localizado e combatido. Para isso, existem</p><p>medicamentos e profissionais de saúde. Muitas vezes, parece que se esquece o significado do adoecer,</p><p>cuidando apenas do órgão prejudicado, dividindo o indivíduo entre corpo e mente, esquecendo-se da</p><p>história pregressa pessoal, familiar e social. Deve-se entender que [...] o ser é único, singular e que seu</p><p>modo de existir assim como adoecer tem suas características próprias, de maneira original e individual.</p><p>(SANTOS et AL 2003).</p><p>O psicólogo que atua nesse contexto deve considerar o sujeito como uma pessoa em situação</p><p>peculiar e compreendê-la enquanto um ser que adoece, considerando seu sofrimento físico e psíquico.</p><p>Assim, faz-se necessário as instituições hospitalares capacitarem sua equipe profissional para lidar com o</p><p>ser doente, suas limitações, angústias e conflitos, visando à reabilitação do paciente de acordo com sua</p><p>nova condição de vida.</p><p>Fundamental para qualquer intervenção eficaz é proporcionar aos pacientes de câncer apoio</p><p>emocional e oportunidade para discutir seus medos em relação à doença e ao tratamento. (ANDERSEN</p><p>apud STRAUB, 2005).</p><p>O apoio emocional e social é importante para o paciente atribuir novos significados a seu estado,</p><p>reinterpretar sua patologia e diminuir emoções negativas acerca de tal situação. Deste modo, o paciente</p><p>poderá acreditar que a sua situação pode ser revertida e, certamente, existirá uma probabilidade de</p><p>aumentar a sua saúde física e psicológica.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 66</p><p>2.7 Atuação do psicólogo hospitalar na unidade de terapia intensiva</p><p>RODRIGUES, Kátia Regina Beal</p><p>2.7.1 A unidade de terapia intensiva</p><p>A Unidade de Terapia Intensiva é uma unidade do hospital onde estão concentrados os recursos</p><p>humanos e materiais necessários ao adequado atendimento aos pacientes, cujo estado clínico exige</p><p>cuidados médicos e de enfermagem constantes, especializados e ininterruptos.</p><p>Seu objetivo principal é restabelecer, nestes doentes considerados graves, o funcionamento de um</p><p>ou vários sistemas orgânicos, gravemente alterados, até que a patologia que motivou a internação seja</p><p>adequadamente compensada ou até que os parâmetros fisiológicos atinjam níveis aceitáveis.</p><p>Segundo Di Biaggi (2002), existem critérios para a admissão de pacientes na UTI, tais como:</p><p>pacientes para os quais a probabilidade de sobrevida sem tratamento intensivo é pequena, porém com o</p><p>tratamento intensivo é grande; pacientes que não estão gravemente enfermos, mas que possuem um</p><p>alto risco de se tornarem, porque há a necessidade de cuidados intensivos para prevenir graves</p><p>complicações ou tratá-las; pacientes com pequena probabilidade de sobrevida apesar dos recursos</p><p>disponíveis na UTI.</p><p>Ao mesmo tempo em que favorece as possibilidades de recuperação orgânica, a UTI traz toda uma</p><p>gama de situações, que atuam como desestabilizadores para o equilíbrio psicológico, incluindo alterações</p><p>psicológicas e psiquiátricas, também desencadeadas por situações ambientais.</p><p>Segundo Angerami-Camon (1994), as características da UTI com a rotina de trabalho, as situações</p><p>de morte iminente, somados à dimensão individual do sofrimento da pessoa internada, tais como a dor, o</p><p>medo, a ansiedade, o isolamento do mundo, trazem vários fatores psicológicos que interatuam de</p><p>maneira grave na enfermidade que a pessoa possui. Nos dias atuais, as UTIs existentes, de modo geral,</p><p>são locais onde se internam doentes graves que ainda têm um prognóstico favorável para viver.</p><p>Nesse local, são atendidos casos de pessoas que se encontram em uma situação limite (entre a vida</p><p>e a morte) e necessitam de recursos técnicos e humanos especializados para sua recuperação. São</p><p>espaços não muito grandes, com divisões internas semelhantes: sala onde ficam os pacientes, recepção,</p><p>sala de reunião, quartos de descanso dos profissionais, banheiro e copa. Eles são reconhecidos e</p><p>legitimados pelos médicos como um ambiente onde são utilizados técnicas e procedimentos sofisticados</p><p>para reverter distúrbios que colocam em riscos vidas humanas.</p><p>No início, segundo Oliveira (2000), as UTIs eram reservadas a pacientes com infarto agudo; depois,</p><p>com a criação de equipamentos mais sofisticados, passou-se a cuidar também de pacientes portadores de</p><p>insuficiência respiratória, insuficiência renal aguda, hemorragia digestiva alta, em estado de coma, estado</p><p>de choque e diversas outras situações igualmente graves.</p><p>Os profissionais que ali trabalham são altamente especializados e recebem treinamentos especiais.</p><p>Nas UTIs, podem ser encontrados profissionais com diferentes formações: médicos, enfermeiros, técnicos</p><p>de enfermagem, fisioterapeutas e psicólogos. Certo é que, em poucos locais se encontra uma equipe de</p><p>trabalho formada com todos esses profissionais.</p><p>No momento da ida para a UTI, começa a se evidenciar a rotina dessa unidade hospitalar. A</p><p>primeira ação normalmente a ser realizada é a da “perda” das roupas, caso ainda não tenham sido</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 67</p><p>retiradas em outra unidade. Esse processo inicial de internação remete a outras perdas, como a da saúde</p><p>e a dos “direitos”. Outros procedimentos, da competência da equipe, também podem ser observados,</p><p>tais como colher dados a respeito da doença, verificar o estado clínico de quem está sendo atendido,</p><p>guardar os pertences pessoais.</p><p>Além disso, encontram-se cuidados especiais, como a colocação de roupas da unidade, a escolha do</p><p>leito apropriado e todo um aparato higiênico no que diz respeito a banhos e desinfecção. Aos familiares,</p><p>são dadas instruções específicas. Isso tudo normalmente ocorre em um curto espaço de tempo e com</p><p>muita rapidez. O ritual de preenchimento de formulários aumenta o clima de capitulação pessoal.</p><p>A UTI é um lugar isolado, separado por uma porta, onde se pode ler: “entrada permitida somente</p><p>para pessoas autorizadas”. Lá, o tempo torna-se uma incerteza, e, às vezes, nesses locais, não existe nem</p><p>mesmo relógio para orientar os pacientes. Geralmente está localizado no último andar do hospital geral</p><p>ou de uma casa de saúde. Os ruídos dos aparelhos utilizados são intensos e irreconhecíveis pelo senso</p><p>comum. As janelas são fechadas e a luz é artificial. A temperatura é constante, mantida por ar</p><p>condicionado.</p><p>No ar, odor de remédio ou desinfetante. Internado nesse local, o doente torna-se um paciente, uma</p><p>pessoa resignada aos cuidados médicos, que deve esperar serenamente a melhora de sua doença. Esse</p><p>paciente perde sua identidade, transforma-se em número, em um caso clínico, deixa de ser responsável</p><p>por si mesmo, sua doença e vida. O paciente é vulnerável, submisso e dependente.</p><p>Para o paciente e seus familiares, esses procedimentos são assustadores e invasivos, considerando</p><p>a UTI um lugar frio, impessoal e mecanizado, visto por muitas pessoas até mesmo como sinônimo de</p><p>morte.</p><p>Entre a casa e a UTI há, assim, divergências, como a falta de cumplicidade que é imposta, mas</p><p>também ocorrem convergências, como a busca de ajuda que é dedicada ao paciente. Ao que parece, a</p><p>equipe acredita que as emoções interferem negativamente no tratamento. Algumas vezes até pode ser,</p><p>mas não se tem tal preceito como absoluto. Talvez o que se tenta mesmo é fugir do confronto</p><p>1988).</p><p>Na década de noventa, a discussão sobre a relação da Psicologia ganha maior divulgação a partir do</p><p>lançamento do livro “Psicologia e Saúde: repensando práticas”, publicado em 1992. A reflexão sobre a</p><p>inserção da Psicologia no âmbito sanitário brasileiro ganhou uma maior visibilidade. Um dos textos mais</p><p>influentes do livro foi o de Mary Jane Spink (1992), que versou sobre a estruturação do campo da</p><p>Psicologia da Saúde. Embora não contenha nenhum texto específico sobre o trabalho do psicólogo no</p><p>contexto hospitalar, “Psicologia e Saúde: repensando práticas”, pode ser considerado o marco inaugural</p><p>de uma Psicologia Crítica da Saúde no contexto brasileiro.</p><p>A produção de livros sobre o que se denominou de Psicologia Hospitalar, contudo, começou a</p><p>ocorrer ainda na primeira metade da década de oitenta (ANGERAMI-CAMON, 1984). O psicólogo</p><p>Valdemar Augusto Angerami, mais conhecido como Camon, publica uma série de livros sobre o tema</p><p>durante a década de noventa (ANGERAMI- CAMON, 1995; 1996; 1997; 1998), sendo um dos autores mais</p><p>influentes do assim denominado campo da Psicologia Hospitalar.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 6</p><p>O trabalho mais sistemático sobre o campo de atuação do psicólogo que trabalha em hospitais, no</p><p>que tange ao entendimento da identidade profissional, foi o de Castro e Bornholdt (2004), que</p><p>compreendem a denominada Psicologia Hospitalar como pertencente à área de Saúde, que utilizaria</p><p>conhecimentos da Psicologia Clínica, das Ciências Biomédicas e da Psicologia Comunitária para</p><p>intervirmos mais diversos contextos sanitários, incluindo o hospital. Outra contribuição importante do</p><p>artigo é que ele é um dos primeiros a tratar da especificidade da Psicologia Hospitalar no Brasil tendo</p><p>como parâmetro a realidade internacional. As autoras comparam nossa realidade com as realidades</p><p>estadunidense e espanhola, nas quais o marco conceitual da Psicologia da Saúde serve de fundamentação</p><p>teórica e prática para o trabalho no contexto hospitalar.</p><p>Seild e Costa (1999) publicaram um estudo sobre o trabalho do psicólogo na rede pública de Brasília</p><p>no qual descreveram o modo como os psicólogos que atuavam em hospitais desenvolviam suas</p><p>atividades. A pesquisa constatou a existência de dois modelos de atuação: o modelo clínico, caracterizado</p><p>por atendimentos individuais, com pouca ou nenhuma interação com equipes de saúde. O modelo de</p><p>atenção integral à saúde, em contraste, apresenta uma atuação difusa em diversos setores do hospital,</p><p>em interação constante com os demais profissionais da saúde, visando atender pacientes e seus</p><p>familiares, equipe e a comunidade em geral.</p><p>A pesquisa de Seild e Costa (1999) apontou também que os psicólogos que atuavam de acordo com</p><p>o modelo de atenção integral eram caracterizados por realizarem mais pesquisas e pelo maior interesse</p><p>em contribuir para a construção de um corpo teórico- prático da Psicologia da Saúde. Não há nenhum</p><p>outro estudo a respeito da existência desses dois modelos, de modo que não é possível generalizar esse</p><p>resultado e discutir os modelos de atuação existentes no Brasil. A crítica a uma abordagem clínica no</p><p>contexto hospitalar, todavia, aparece em alguns trabalhos da área. (YAMAMOTO; CUNHA, 1998;</p><p>MARCON; LUNA; LISBÔA, 2004; CASTRO; BORNHOLDT, 2004; SÁ, et al., 2005;).</p><p>Um aprofundamento dessa crítica, contudo, precisa considerar alguns dados apresentados em</p><p>algumas pesquisas, que apontam a Psicanálise como a abordagem predominante e a Psicoterapia Breve</p><p>como a técnica mais utilizada no contexto hospitalar. (YAMAMOTO; CUNHA, 1998; MARCON; LUNA;</p><p>LISBÔA, 2004;). Os psicanalistas têm produzido uma reflexão sobre a prática da teoria criada por Freud no</p><p>contexto hospitalar que já se avoluma (MOREIRA; PAMBLONA, 2006; COUTO, 2007; DUTRA; FERRARI,</p><p>2007; MOURA; SOUZA, 2007; PINHEIRO; VILHENA, 2007; GOMES, 2008; PISETTA, 2008). Infelizmente essa</p><p>literatura não é utilizada nos estudos sobre a prática psicológica no hospital, o que possibilitaria uma</p><p>discussão mais polifônica sobre a questão. Os estudos mais recentes sobre o campo hospitalar são muito</p><p>específicos e não abordam a questão da fundamentação teórica da prática profissional (MORE, et al.,</p><p>2009; SANTOS; JACÓ-VILELA, 2009).</p><p>Por fim, existe uma incipiente discussão a respeito da atuação do psicólogo em equipes</p><p>multidisciplinares (FOSSI; GUARESCHI, 2004; TONETTO; GOMES, 2007). Vasconcelos (2002), contudo,</p><p>prefere denominar de práticas pluriauxiliares aquelas em que ocorre a utilização de contribuições de um</p><p>ou mais campos de saber para o domínio de um deles já existente, que se posiciona como coordenador</p><p>dos demais. No âmbito do Conhecimento, o impacto dessa prática na área da Saúde ocorre na forma de</p><p>um imperialismo epistemológico; no campo da prática, na forma de medicalização do social, sempre</p><p>como decorrência da hegemonia da racionalidade médica (VASCONCELOS, 2002; TESSER, 2006a; 2006b;</p><p>2009; TESSER; LUZ, 2008).</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 7</p><p>Almeida (2000) questiona o imperialismo epistemológico no hospital geral, propondo uma</p><p>interlocução entre os saberes que respeite a especificidade de cada um. A autora afirma que o trabalho</p><p>do psicólogo no hospital geral não deve se limitar a resolução de conflitos, mas também deve ocorrer</p><p>visando à promoção da saúde dos pacientes. Em suas palavras</p><p>Pensar a inserção do psicólogo no hospital geral, especialmente numa</p><p>instituição pública, não pode dispensar a reflexão sobre a situação do sistema</p><p>público de saúde, sua organização, as possibilidades de acessos da população</p><p>aos serviços, as condições em que se dá os trabalhos dos profissionais, as</p><p>características sociais da população atendida, enfim, o conhecimento e a</p><p>articulação de todos os fatores envolvidos no processo saúde-doença.</p><p>(ALMEIDA, 2000, p. 27).</p><p>1.2 A Psicologia Hospitalar no Brasil</p><p>A Psicologia da Saúde e mais especificamente a Psicologia Hospitalar, em seu início seguiu e se</p><p>identificou com métodos do mainstream psicológico, comportamental e quantitativo. Amplamente, essa</p><p>área abordou e se filiou a uma perspectiva biomédica ao invés de desenvolver um pensamento crítico em</p><p>relação a esse modelo. A medicina é uma profissão poderosa no mundo ocidental e no início do trabalho</p><p>das equipes multiprofissionais sua dominância das práticas era devida, também em parte, à dificuldade</p><p>de se estabelecer o papel específico de cada membro da equipe e seu lugar em espaços tradicionalmente</p><p>médicos (Spink, 1992; Murray & Chamberlain, 1999).</p><p>Na década de 1960, os pioneiros tais como a Drª Matilde Neder, do Hospital das Clínicas de São</p><p>Paulo, buscaram na psicologia clínica um modelo de atuação para o atendimento de seus pacientes e</p><p>geralmente eram solicitados a responder à demanda médica e a "apagar incêndios" ou "segurar a barra"</p><p>dos doentes, como afirma Spink (1992).</p><p>Em entrevista concedida à Revista Prática Hospitalar, Chiattone (2004) afirma ser o Brasil pioneiro</p><p>mundial na especialidade de psicologia hospitalar, embora a American Psychological Association (APA)</p><p>tenha sido a primeira a reconhecer a área da saúde como campo oficial de atuação do psicólogo. Em 20</p><p>de dezembro de 2000, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), por meio da resolução nº 14/00, instituiu,</p><p>entre outras especialidades, a de especialista em psicologia hospitalar.</p><p>Segundo o Conselho Federal de Psicologia (2009), o psicólogo hospitalar tem sua função centrada</p><p>no âmbito secundário e terciário de atenção à saúde, atuando em instituições de saúde e realizando</p><p>atividades como: atendimento psicoterapêutico, grupos psicoterapêuticos, grupos de psicoprofilaxia,</p><p>atendimentos em ambulatório e unidade de terapia intensiva, em pronto atendimento, enfermarias em</p><p>geral, psicomotricidade no contexto hospitalar,</p><p>com a</p><p>morte. Relacionar-se com uma pessoa que está muito doente é difícil.</p><p>É mais fácil lidar de forma abstrata com a doença de um determinado leito. Nem informações sobre</p><p>o estilo de vida do paciente e circunstâncias psicossociais são registradas nos prontuários. Aos poucos, a</p><p>equipe intensivista impõe ao novo doente e seus familiares um “modo de ser paciente”. Uma outra</p><p>estratégia é utilizada: trata-se das informações dadas aos familiares sobre o estado clínico do paciente.</p><p>Nem sempre essas informações são claras, pois os médicos utilizam termos técnicos em seus</p><p>boletins. Mesmo assim, são satisfações oferecidas a respeito de um ente querido, que está sendo cuidado</p><p>por uma equipe que vai apresentando sua competência. Uma relação de confiança precisa, então, ser</p><p>estabelecida para que o papel do paciente internado e obediente seja aceito. Na UTI as tensões são</p><p>constantes.</p><p>Os profissionais, ao perceberem que os outros de que estão tratando são seres humanos como eles,</p><p>parecem experimentar uma vivência de extrema angústia. Vivem ali algo que parece ser pior que a morte</p><p>e que, frequentemente, não se leva em consideração.</p><p>É difícil defrontar-se com pacientes de fraldas, imobilizados, com aparelhos, chorando, despertos,</p><p>conscientes ou não de seu estado clínico, além de outras situações constrangedoras. Constata-se que,</p><p>para os profissionais, essa experiência também é revestida de dificuldades. Cuidar de alguém e,</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 68</p><p>efetivamente, aproximar-se dessa pessoa, faz com que da experiência da morte do próximo, surja a</p><p>consciência do que seja morrer.</p><p>Vale observar que muitos dos que vivenciaram a experiência desse tipo de internação sobreviveram</p><p>por haver algo mais além de aparelhos e tecnologia. Talvez, o desejo de continuarem vivos. Por outro</p><p>lado, há também que se pensar na opção que alguns pacientes fazem pela morte. A princípio, pode-se</p><p>considerar que essa escolha não existiria e, inevitavelmente, ninguém desejaria, de antemão, morrer. No</p><p>entanto, alguns pacientes, em número cada vez menor, passam a olhar a morte com aceitação e, mesmo,</p><p>serenidade. No entanto, há toda uma luta contra a morte, na UTI, ocasionando verdadeiros embates.</p><p>É interessante perceber que a UTI é mantida pela comunhão dos objetivos (salvar vidas),</p><p>solidariedade, existência de um adversário comum (a doença) e formação de equipe para combater o</p><p>mal. Até os uniformes dos médicos e profissionais de saúde são iguais: roupa branca, azul ou verde. Nesse</p><p>ambiente fechado, a atuação da equipe caracteriza-se pelo trabalho em conjunto. Frequentemente ouve-</p><p>se nessa unidade: “todos são importantes”. A busca da melhora do paciente une os integrantes do setor.</p><p>As desavenças ficam para depois, ou são “esquecidas”. A urgência e a necessidade de vencer a doença</p><p>não propiciam tempo para se pensar em questões que não são nobres, a não ser salvar vidas.</p><p>A ideia de conjunto de pessoas, todas importantes, para salvar vidas, é fundamental, mas a glória</p><p>individual de um médico não é eliminada e isso pode ser observado. Assustando a alguns, o objetivo</p><p>maior desses profissionais, de vencer as doenças e prolongar vidas, provoca desequilíbrio.</p><p>Esse desequilíbrio pode surgir em decorrência da onipotência. Mas se a morte é inerente à espécie</p><p>humana, e os indivíduos recusam-na, conseguindo prolongar a vida por muito mais do que o esperado.</p><p>Segue-se a essa constatação uma série de paradoxos: tão perto da morte, profissionais e pacientes, cada</p><p>vez mais a ignoram. Lutando pela espécie, os profissionais afirmam sua individualidade.</p><p>No território da UTI, de tantos desequilíbrios, incertezas e paradoxos, facilmente se passa da luta</p><p>pela vida à morte resignada (e vice-versa); do desafio que se impõe ao risco de continuar vivo, ao medo</p><p>de morrer (e vice-versa). Nada é permanente, sendo um espaço ambíguo, onde se procura controlar,</p><p>através mesmo da negação e isolamento, o imprevisível.</p><p>Na UTI se esconde e se denuncia: o paciente que morre o sequelado, o que ficou em coma, o</p><p>profissional que não consegue fazer o diagnóstico não salva sempre, é impotente e onipotente.</p><p>Vale ainda evidenciar que, mesmo havendo pontos em comum entre as UTIs, como a presença dos</p><p>respiradores e a ausência de relógio, cada uma tem sua particularidade e termos específicos para a sua</p><p>rotina. Esses fatos fazem com que se pense na singularidade de cada espaço construído: espaço social e</p><p>individual.</p><p>Conforme Oliveira (2000), no espaço da UTI, alguns controles são feitos em relação à temperatura</p><p>ambiente (baixa e constante), à luminosidade (sempre a mesma, seja dia ou noite), aos ruídos das</p><p>máquinas e à contaminação. Uma imagem que surge é a de um útero. Ali a pessoa pode viver de novo.</p><p>Passa por um ambiente parecido com o útero materno onde, a princípio, o ambiente provê as</p><p>necessidades. Mas o (re) nascimento exige que a “pessoa bebê” respire por si mesma e que, nas vias do</p><p>desejo, (re)viva.</p><p>Quando uma pessoa é internada em uma UTI, torna-se impotente, incapaz de efetuar uma ação</p><p>para alívio de sua dor, sede, fome, movimentos como andar, mover-se na cama, falar e até mesmo</p><p>respirar.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 69</p><p>Oliveira (2000) acrescenta que uma primeira vivência de satisfação do bebê será encontrada no</p><p>registro da necessidade; geralmente a fome será saciada com o alimento oferecido. Em se tratando de</p><p>seres humanos, no entanto, essa experiência, apesar de ocorrer em um registro orgânico, inscreve-se no</p><p>nível do aparelho psíquico.</p><p>A partir de então, cada demanda do bebê vincular-se-á com o traço de lembranças deixado por essa</p><p>primeira experiência. Essa explicação, segundo Oliveira (2000), foi elaborada por Freud e faz com que se</p><p>pense no conceito de realidade psíquica. Vale lembrar que o bebê também pode realizar seu desejo</p><p>através de uma alucinação, assim como o paciente, através de sua capacidade de pensar, pode manter</p><p>um controle diante da situação pela qual está passando.</p><p>No entanto, tanto a alucinação do bebê, como o pensamento do paciente não são suficientes para</p><p>satisfazer suas necessidades. O bebê dispõe de suas manifestações corporais para anunciar a tensão em</p><p>que se encontra e precisa do outro para aliviar seu estado de privação. O paciente pode reclamar da</p><p>comida, água, calor, falta de ar, entre outras coisas, solicitando aportes reais de que carece para acalmá-</p><p>lo.</p><p>Os dois, além da satisfação de suas necessidades, dependerão da “mão” que dá o que eles</p><p>solicitam. Os procedimentos necessários à vida do paciente (dieta, oxigênio, medicação, exames, posição,</p><p>cuidados higiênicos e assim segue), assim como os cuidados com o bebê, como já foi escrito, inscrevem-</p><p>se no nível do aparelho psíquico.</p><p>Nos dois casos, não basta saciar a necessidade, porque existe uma demanda, que é demanda de</p><p>amor.</p><p>O paciente, quando internado na UTI, por vezes, sofre perdas violentas, tanto fisicamente quanto</p><p>no nível de sua singularidade e subjetividade. Perde suas garantias, não sabe como será sua vida depois,</p><p>tem medo de ser um fardo para a família, de perder o emprego. Fica bastante frágil, desamparado e se</p><p>encontra em um período difícil.</p><p>Muitas vezes, precisa (re) significar sua vida, precisa (re)aprender a respirar sozinho. De alguma</p><p>forma, vivencia a experiência de renunciar aos seus investimentos. Ele ficará afastado da família, amigos,</p><p>trabalho e lazer. A rotina de sua vida será alterada, passará por um estado de privação, isolamento,</p><p>entregue aos outros, aos profissionais de saúde.</p><p>A forma como cada um vai lidar com essa renúncia e privação, provavelmente, estarão relacionada</p><p>à sua história de vida.</p><p>Como alguns pacientes conseguem suportar tanta privação? Por que outros esbravejam e até</p><p>fogem da UTI? Por que outros</p><p>preferem a morte? Alguns, por fim, terminam perguntando sobre si, sua</p><p>história, seu vazio, e, ao viverem de novo, podem descobrir que, ao respirarem sozinhos, são</p><p>responsáveis tanto por sua história passada como pela que virá.</p><p>2.7.2 Os Aspectos Psicológicos evidenciados na UTI</p><p>Di Biaggi (2002) considera a possível ruptura entre a normalidade psíquica anterior e a provável</p><p>alteração pós-internação em UTI. O autor considera que quando uma pessoa adoece gravemente, algo</p><p>em seu sentimento de inviolabilidade se rompe, constituindo um estreitamento de horizonte pessoal,</p><p>uma ruptura em muitas das suas ligações com o seu meio, sua vida real e uma distorção do seu</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 70</p><p>relacionamento com os demais, frente a esta nova condição. Corpo físico e referencial emocional está</p><p>frágil.</p><p>A internação em uma UTI invariavelmente se associa a uma situação de grande risco. Em termos</p><p>psíquicos e emocionais mobilizam-se sentimentos extremos como o medo insuportável, manifestações de</p><p>ansiedade como a agitação psicomotora, ou a grave depressão.</p><p>O clima da UTI, por características bastante específicas, acentua sensações e sentimentos de</p><p>desvinculação, ressentimento, desamparo.</p><p>Angerami-Camon (1994) coloca que os fatores psicológicos devem ser observados durante o</p><p>período de internação, tais como: agitação, depressão, anorexia, insônia e perda do discernimento. A</p><p>agitação refere-se ao reflexo orgânico somado à ansiedade, aumento da pressão arterial, dificuldades</p><p>circulatórias e baixa resistência à dor.</p><p>Isso pode dificultar até mesmo a absorção de alguns medicamentos; a depressão é a instância final</p><p>do quadro psíquico evolutivo do enfermo, onde seus mecanismos de defesa, como a negação,</p><p>racionalização e a projeção veem-se falidos, apresentando uma apatia à vida e à persistência de fantasias</p><p>mórbidas, muitas vezes evoluindo a morte; a anorexia é o estado em que a pessoa torna-se de difícil</p><p>contato e passa a reclamar e solicitar a todos o tempo todo.</p><p>A cama é ruim, reclama da comida, da enfermagem, do médico; a insônia é a dificuldade de dormir</p><p>porque o sono, para alguns pacientes, pode estar associado à morte e à perda do discernimento que</p><p>pode ocorrer porque a UTI é um ambiente artificial, sem luz do dia e sem alterações significativas de</p><p>rotina. Por essa razão a pessoa perde a noção de tempo e espaço.</p><p>2.7.3 Atuação do Psicólogo na Unidade de Terapia Intensiva</p><p>Os objetivos do psicólogo no hospital, bem como na UTI, é trabalhar com o paciente, com a família</p><p>e com a própria equipe de saúde.</p><p>Segundo Angerami-Camon (1994), o sofrimento físico e emocional do paciente precisa ser</p><p>entendido como coisa única, pois os dois aspectos que o constituem interferem um sobre o outro,</p><p>criando um círculo vicioso onde a dor aumenta a tensão e o medo que, por sua vez, exacerbam a atenção</p><p>do paciente à própria dor que, aumentada, gera mais tensão e medo.</p><p>“Essa compreensão ajuda o psicólogo a quebrar esse círculo vicioso de forma a tentar resgatar,</p><p>junto com o paciente, um caminho de saída para o sofrimento onde, de um lado, as manobras médicas,</p><p>medicamentos, exames, introdução de aparelhos intra e extracorpóreos vão se somar às do psicólogo,</p><p>que favorece a manifestação dos medos e fantasias do paciente, estimula sua participação no</p><p>tratamento, ouve e pondera sobre questões que o afligem” (ANGERAMI-CAMON, 1994, p.31).</p><p>A família também é um fator importante no processo da internação. A família está fora da UTI</p><p>esperando por notícias do paciente. Angustiada e sofrida, sente-se impotente, e ao mesmo tempo,</p><p>desorientada pela doença. A família, portanto, também precisa do psicólogo porque é a fonte de</p><p>motivação do paciente para lutar contra a doença.</p><p>A pessoa que está internada não tem como foco principal a atenção primária, porque a</p><p>preocupação da equipe de saúde nesse momento é garantir a vida. Mas o trabalho do psicólogo, na UTI, é</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 71</p><p>importante porque este faz um preparo para que as limitações advindas da doença não tragam à pessoa</p><p>sentimentos de inutilidade para si e para o mundo.</p><p>O atendimento multidisciplinar¹, na UTI, é de primordial importância, uma vez que os profissionais</p><p>estão envolvidos no atendimento a esse paciente, que se encontra no momento mais frágil de sua vida.</p><p>Angerami-Camon (1994) acrescenta que, tanto o paciente quanto o cirurgião, devem ser providos</p><p>de um representante pessoal, o psicólogo, cujas funções seriam, de um lado, representar o paciente que,</p><p>com seu estado mental e físico afetado, não tem condições para representar a si mesmo, e, por outro</p><p>lado, o cirurgião, que nem sempre consegue ser tão útil quanto gostaria no lidar com os medos e</p><p>fantasias do paciente em relação ao que vai acontecer.</p><p>O representante seria alguém que nada faria ao paciente, como cortar ou suturar, caso contrário,</p><p>também, ele se veria obrigado a esconder ou reprimir seus sentimentos e angústias. É o que se entende</p><p>como “privilégio” do psicólogo no hospital, na medida em que ele não representa ameaça.</p><p>O autor acredita que essa ponte tem grande importância porque possibilita desenvolver dois</p><p>sentimentos imprescindíveis para o bom prognóstico emocional da relação do indivíduo com a cirurgia e</p><p>o processo de internação e recuperação que são a confiança e a autorização.</p><p>2.7.4 Objetivos a serem alcançados na unidade de terapia intensiva pelo psicólogo hospitalar</p><p> Di Biaggi (2002) relata alguns dos objetivos a serem alcançados pelo psicólogo hospitalar na UTI,</p><p>tais como:</p><p> Trabalhar terapeuticamente a relação emocional do paciente com a sua doença e/ou momento de</p><p>crise pela necessidade de permanência na UTI para o tratamento;</p><p> Orientar o paciente durante o processo de internação, avaliando o quadro psíquico e</p><p>intercorrências emocionais; favorecer a expressão não verbal do paciente entubado ou sem</p><p>possibilidade de comunicação verbal, através de técnicas adaptativas à situação, aliviando o</p><p>estresse, sempre com caráter preventivo em saúde mental;</p><p> Favorecer a expressão de sentimentos e emoções dos pacientes, sobre seu tratamento e sobre</p><p>sua experiência e vivência na UTI, ambiente psicopatológico por excelência e mobilizador de</p><p>conflitos;</p><p> Ampliar, através de técnicas psicológicas, a consciência adaptativa do doente frente ao ambiente</p><p>estressor, levando em conta o caráter deste paciente e seus recursos internos de enfrentamento;</p><p> Estimular a equipe a perceber suas dificuldades em lidar com situações críticas, atuando em</p><p>momentos paralisantes ou de grande angústia, com suporte psicológico, visando ao</p><p>fortalecimento do profissional; acompanhar e preparar psicologicamente os familiares de</p><p>pacientes em situações críticas como pré-óbitos ou morte súbita, morte encefálica, comas, e</p><p>impacto de eventos traumáticos;</p><p> Estimular pacientes comatosos com ações especiais, visando a ampliar as possibilidades</p><p>humanizadoras, frente às condições inóspitas vividas por estes pacientes, até a superficialização</p><p>de consciência, o que se traduz em cuidado intensivo e afetivo aos momentaneamente</p><p>incapacitados de reações observáveis;</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 72</p><p> Prevenir a saúde mental de familiares que apresentam reações neurovegetativa na UTI, próprias</p><p>do ambiente crítico, tais como: desmaios, perdas de equilíbrio, sudoreses, quedas de pressão,</p><p>surtos psicóticos, reações histéricas, frente à emoção de ver seu familiar internado na UTI, através</p><p>de entrevistas e atendimentos anteriores à entrada na UTI;</p><p> Realizar acompanhamento psicológico de familiares, oferecendo condições para expressão de</p><p>dúvidas, fantasias, falsos conceitos em relação</p><p>à doença e à necessidade de permanência do</p><p>paciente na UTI; desenvolver atividades de estudo e pesquisa em bioética, principalmente, na</p><p>Unidade de Terapia Intensiva;</p><p> Promover a humanização da tarefa do intensivismo, melhorando a qualidade de vida do paciente,</p><p>da família e equipe de saúde; desenvolver atividades didáticas com os estagiários das áreas da</p><p>saúde na UTI, graduandos e formados, com internos e residentes médicos e outros profissionais</p><p>de saúde, atuando de forma integrada, colaborando para uma visão global do paciente e</p><p>contribuir para um maior entendimento por parte da equipe de saúde, de forma multidisciplinar,</p><p>dos comportamentos e situações de alto grau de estresse para o paciente, familiares e equipe de</p><p>saúde.</p><p>Di Biaggi (2002) coloca ainda que o atendimento deve ser realizado através da Psicoterapia Breve.</p><p>Observou-se que as respostas às experiências traumáticas são de importância fundamental na prática da</p><p>saúde psicológica. Amplia-se a hipótese que intervenções preventivas aumentam a contribuição para</p><p>além da dinâmica intrapsíquica, principalmente em situações de crise.</p><p>A Psicoterapia Breve é extremamente eficiente em situações de crise ou de emergência. Crises e</p><p>tensões comuns à vida da maioria dos seres humanos produzem uma demanda urgente e de intervenção</p><p>rápidas. Uma intervenção rápida é eficaz e sempre solicitada em acontecimentos catastróficos.</p><p>A Psicoterapia Breve é eficaz para um ambiente como a UTI. Segundo Di Biaggi (2002), a</p><p>Psicoterapia Breve é identificada com um método de tratamento para sintomas ou desajustamentos que</p><p>exigem o alívio mais rápido possível, por causa da capacidade que estes sintomas psíquicos têm de levar a</p><p>ameaça de vida.</p><p>A Psicoterapia Breve visa elevar a eficiência operacional do paciente por meio de uma readaptação</p><p>na mais ampla escala possível, possibilitando assim a melhora dos mecanismos de adaptação e</p><p>enfrentamento. Apresenta-se como uma técnica que não reformula o indivíduo, mas o ampara de fora</p><p>para dentro.</p><p>O sentido da terapia breve é solução de problemas, em que o fundamental é a motivação e a</p><p>utilização de técnicas de aprendizagem, para fortalecimento da autoestima e uma maior tolerância do</p><p>paciente.</p><p>Psicoterapia breve é um método de terapia que busca obter uma melhora da qualidade de vida á</p><p>curto prazo, escolhendo um determinado problema mais premente e focando os esforços na sua</p><p>resolução.</p><p>2.7.5 Atuação junto ao Paciente</p><p>a) como preservação de consciência e contato com o meio</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 73</p><p>Entrevista inicial visando avaliar seu estado emocional, compreensão a respeito da doença e dos</p><p>tratamentos realizados, relação com a doença de que é acometido, mecanismos de enfrentamento diante</p><p>da atual situação, a relação com a UTI e a equipe que o assiste, apoio familiar ou social.</p><p>- Informações a respeito das rotinas da unidade e a função dos aparelhos e equipamentos, objetivando</p><p>desmistificar o ambiente e proporcionar segurança emocional.</p><p>- Psicodiagnóstico a ser desenvolvido num processo psicodinâmico,visando avaliar possíveis alterações</p><p>reativas das funções psíquicas do paciente e provável tolerância e adaptabilidade. Essa avaliação se</p><p>justifica pelos fatores inerentes à UTI serem precipitantes de problemas psicológicos e psiquiátricos.</p><p>Bellkiss Wilma Romano cita estudos realizados no Instituto do Coração da USP que confirmaram a</p><p>presença de fatores inerentes ao ambiente da UTI que provocam exaustão física e emocional, gerando</p><p>desordens psicológicas e, consequentemente comprometem a sua recuperação física. A saber:</p><p>1) Ansiedade - ruptura do ritmo de vida, quebra do ciclo sono-vigília e confronto com o sofrimento do</p><p>outro, quando consciente;</p><p>2) Delírio - prejuízo global flutuante dos processos cognitivos, desorientação, distúrbios de atenção e</p><p>concentração, alucinações, fala e pensamento desorganizados, prejuízo da memória de curto prazo.</p><p>3) Depressão - agitação ou lentificação psicomotora, fadiga, perda de energia, sentimentos de menos</p><p>valia ou culpa, diminuição da capacidade de pensar e de se concentrar, pensamento recorrente de morte.</p><p>A sobreposição de sintomas que ocorrem decorrentes da permanência na UTI é descrita como a</p><p>"Síndrome da UTI". Desenvolve-se entre o terceiro e sétimo dia após a admissão na unidade. É um estado</p><p>confusional, reversível, secundário à internação em UTI.</p><p>Deve ser considerada a etiologia multifatorial de qualquer manifestação psíquica (orgânica</p><p>emocional ou farmacológica). Por isso, é fundamental, buscar informações seguras junto à equipe médica</p><p>sobre o diagnóstico e tratamento prescrito para maior segurança na condução de uma intervenção</p><p>adequada.</p><p>- Avaliação Complementar - concluído o diagnóstico inicial, o psicólogo verifica a demanda de</p><p>atendimento psicológico e de avaliação psiquiátrica complementar.</p><p>- Acompanhamento Psicoterápico - Caso seja constatado a necessidade do acompanhamento</p><p>psicoterápico, o psicólogo realiza atendimentos individuais, no leito, abordando prioritariamente</p><p>aspectos da doença, o tratamento e hospitalização.</p><p>A frequência desse atendimento será adaptada à necessidade do paciente. Objetivamente, essa</p><p>atuação terapêutica visa favorecer o alívio das angústias e a melhora da qualidade da permanência na</p><p>UTI, amenizar e dar sentido aos sentimentos, fantasias e dificuldades geradas na situação estressante em</p><p>que se encontra.</p><p>Considerando as transformações profundas na vida do indivíduo, que a doença pode trazer, faz-se</p><p>necessário possibilitar a elaboração das mesmas para uma otimização da adaptação psicossocial.</p><p>O atendimento psicoterápico deve ser diferenciado, focando o acolhimento das emoções geradas</p><p>pela possibilidade iminente de morte, da ansiedade pela possibilidade da separação, da dor física e</p><p>psíquica. Tudo isso num processo que estimule o “espírito de luta” do paciente.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 74</p><p>Além disso, fazer uma reflexão sobre pontos principais de sua vida (projetos, vínculos afetivos e</p><p>representação da morte) auxilia no enfrentamento da situação atual.</p><p>Os recursos para o atendimento devem ser adaptados às possibilidades de comunicação do</p><p>paciente, diminuindo a ansiedade pela impossibilidade de verbalizar, quando entubado.</p><p>a) Atenção à subjetividade e à individualidade do sujeito utente é o diferencial para um</p><p>atendimento psicológico especificamente direcionado às necessidades reais de cada um.</p><p>b) em estado comatoso – O coma pode ser classificado segundo o grau de profundidade: grau I ou</p><p>estupor, grau II ou coma superficial, grau III ou coma profundo e grau IV ou coma dépassè. Prioriza-se o</p><p>atendimento aos pacientes em grau I e II.</p><p>Os relatos de lembranças de pacientes de quando estavam em coma tem sido grande incentivo para</p><p>investir no atendimento psicológico a pacientes comatosos. O atendimento consiste em estimular o</p><p>contato com a realidade, proporcionando sentimento de segurança e sensação de existência, informar e</p><p>orientar sobre procedimentos rotineiros realizados, conscientizar sobre o esquema corporal e tentar</p><p>colaborar na reversão do estado atual.</p><p>A família deve ser convidada a participar dessa comunicação nos horários de visita, oferecer mais</p><p>conforto ao paciente e sentimento de participação à família.</p><p>Tem sido constatado que o último sentido afetado no paciente comatoso é a audição. Dessa forma,</p><p>o psicólogo usa de um dos principais instrumentos de trabalho, que é a fala, para orientar sobre tempo e</p><p>espaço, local e tempo de internação, aparelhagem a ele conectada, membros da equipe que o assiste e</p><p>visitas. A busca da comunicação, através de um atendimento humanizado, atentando para quaisquer</p><p>manifestações que indiquem respostas ou pedidos por parte do paciente, certamente</p><p>contribui</p><p>positivamente para a melhora do quadro geral.</p><p>c) Sedados - Prioriza-se o atendimento para pacientes com grau leve de sedação. Constitui-se dos</p><p>mesmos procedimentos empregados com o paciente comatoso.</p><p>2.7.6 Atuação junto à Família</p><p>O estresse varia de acordo com o tempo de internação na UTI, sendo bastante elevado no período</p><p>da admissão, estabilizando-se a partir do sexto dia e diminuindo a partir do vigésimo oitavo dia.</p><p>(MENDONÇA, D. & WARREN, N. A., 1998).</p><p>Segundo Carter & Mcgoldrick (1995, p.8), "A perspectiva do ciclo familiar vê os sintomas e as</p><p>disfunções em relação ao funcionamento normal ao longo do tempo (...) o estresse familiar é geralmente</p><p>maior nos pontos de transição de um estágio para outro no processo desenvolvimental familiar, e os</p><p>sintomas tendem a aparece mais quando há uma interrupção ou deslocamento no ciclo de vida familiar."</p><p>A doença, nesta perspectiva é um estressor familiar de caráter imprevisível, que gera uma "crise". E</p><p>se torna um momento de ruptura, quando algo acontece e desestabiliza, modifica, altera uma situação</p><p>que era conhecida. Cabe ao psicólogo ajudar à família a elaborar a "crise" sob o ângulo positivo,</p><p>encontrando novas oportunidades, possibilidades de repensar a vida, conceitos e preconceitos.</p><p>A internação de um membro da família na UTI provoca reações emocionais que precisam ser</p><p>compreendidas dentro de um contexto de crise. A reação mais encontrada (69%) é o quadro de</p><p>ansiedade (Pochard & colx, 2001). No entanto, outras manifestações são comumente observadas:</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 75</p><p>estresse agudo (redução da atenção no meio, sentimento de solidão, ausência de emoção, amnésia),</p><p>negação, medo e desespero pela falta de controle da situação.</p><p>Configura-se, a partir da internação nessa Unidade, um processo de alteração do movimento</p><p>natural da família. Há nesse momento, um confronto com o sofrimento e ameaça à vida. Essa ameaça é</p><p>real, o equilíbrio e a continuidade são desafiados perturbando a rotina familiar.</p><p>Fatores estressores: separação do ente querido, necessidade de informações, espera do horário de</p><p>visita, dificuldade na compreensão dos diagnósticos, ambiente desconhecido e constante medo da morte.</p><p>Ansiedades e fantasias podem reverter-se em desconfiança em relação à equipe médica.</p><p>2.7.7 O Acolhimento:</p><p>O cuidado com as famílias visa minimizar as fontes estressoras, visando objetivamente colaboração</p><p>dos familiares para o restabelecimento do paciente. Para tanto, devemos acolher os membros envolvidos,</p><p>proporcionando-lhes confiança e adaptação diante da nova realidade, ouvindo a família sobre seus</p><p>sentimento e necessidades, além de informá-los sobre como participar positivamente do tratamento. A</p><p>família bem informada e orientada torna-se colaboradora e pode fornecer dados importantes sobre o</p><p>paciente, facilitando a comunicação entre o paciente e a equipe.</p><p>Cada família deve ser atendida em períodos breves antes ou após as visitas, focando o momento da</p><p>hospitalização, a doença e as dificuldades pertinentes a essa situação. O máximo de informação e</p><p>orientação acerca das rotinas, equipe multiprofissional, equipamentos utilizados ajudam a tornar o</p><p>ambiente menos assustador.</p><p>Um acolhimento mais específico tornasse necessário diante do diagnóstico de terminalidade,</p><p>estimulando um contato próximo e sincero da família com o paciente e promovendo a oportunidade de</p><p>exporem suas dificuldades e sentimentos frente à iminência de morte, para que seja favorecido o</p><p>processo de separação e elaboração do provável luto.</p><p>2.7.8 Atuação junto à equipe</p><p>A UTI é realmente um ambiente "intenso" também para os profissionais da equipe que aí atua.</p><p>Concomitante ao sentimento de heroísmo e poder de salvar vidas, emergem intensamente os</p><p>sentimentos pessoais frente à perda, impotência, identificação. Tanto a natureza dos cuidados, quanto à</p><p>exposição de eventos emocionais são intensos. Então a participação do psicólogo na equipe</p><p>multidisciplinar é muito importante para que haja uma busca de harmonia e equilíbrio através de sua</p><p>atuação.</p><p>A equipe multiprofissional da UTI está exposta a uma carga de cobranças e pressões de familiares,</p><p>pacientes e dela própria. E deve estar preparada para lidar com exigências e questionamentos tais como a</p><p>terminalidade, a morte, ineficácia do tratamento, alteração de prognóstico, reações emocionais de</p><p>pacientes e familiares, etc. Lidando com essas questões, as equipes certamente se depararão com a sua</p><p>própria condição de seres humanos vulneráveis e mortais. A identificação com o paciente ou familiar e</p><p>com o sofrimento, é fator deflagrador de estresse e distúrbio emocional.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 76</p><p>O Psicólogo tem como função importante, estimular a equipe a perceber suas dificuldades em lidar</p><p>com situações críticas, atuando em momentos paralisantes ou de grande angústia, com suporte</p><p>psicológico, visando o fortalecimento do profissional.</p><p>A atuação do psicólogo torna-se relevante como facilitador efetivo e diário da comunicação na</p><p>tríade equipe/paciente/família. Em reuniões multidisciplinares compartilha informações a respeito da</p><p>dinâmica do paciente e sua família, colaborando no diagnóstico, no tratamento e decisão de condutas.</p><p>2.8 Atenção psicológica nos hospitais em tempos de combate ao covid-19</p><p>Roseane Sá Serafim Pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação</p><p>em Modelos de Decisão em Saúde, UFPB Universidade Federal de</p><p>Campina Grande Laboratório de Inovação Tecnológica em Psicologia</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>No Brasil, ainda não temos um protocolo clínico e diretrizes terapêuticas que comprovem a</p><p>eficiência e a eficácia dos serviços psicológicos prestados nos hospitais em tempos de combate ao COVID-</p><p>19.</p><p>No estudo sobre intervenções psicológicas dirigidas às pessoas afetadas pelo novo coronavírus,</p><p>verifica-se que as diretrizes propostas pela Comissão Nacional de Saúde da China mostraram-se</p><p>problemáticas.</p><p>É preciso desencorajar a entrada de profissionais psiquiatras, assistentes sociais e psicólogos em</p><p>enfermarias de isolamento para pacientes com COVID-19 confirmado, uma vez que são considerados</p><p>serviços não essenciais para tratar pacientes com este diagnóstico. As intervenções psicológicas devem</p><p>priorizar a equipe médica, de enfermagem e fisioterapia.</p><p>Portanto, recomenda-se que a Atenção Psicológica Hospitalar deva priorizar os profissionais que</p><p>estão na linha de frente no combate ao novo coronavírus já que estes deverão mitigar o sofrimento vivido</p><p>pelo paciente com COVID-19 confirmado.</p><p>Com o propósito de orientar de forma científica e padronizada acerca da Atenção Psicológica</p><p>Hospitalar, no contexto desta pandemia, surgiu o interesse em apresentar um material didático e</p><p>panorâmico que pudesse apoiar o maior número de equipes de psicologia (da saúde e do trabalho) para</p><p>atuarem em hospitais, principalmente quem está iniciando na profissão. Com base nos manuais</p><p>publicados pela Organização Mundial de Saúde, pela Federação Internacional das Sociedades de Cruz</p><p>Vermelha.</p><p>Para o campo da assistência emergencial e, pela Associação Americana de Psicologia(8) sobre</p><p>práticas psicológicas no sistema de saúde, desenvolvemos diretrizes clínicas e terapêuticas para que os</p><p>psicólogos e as psicólogas realizem atendimentos psicológicos nos hospitais. Cabe ressaltar que esse</p><p>manual tem caráter pedagógico suplementar, as diretrizes para exercer a atenção psicológica em</p><p>unidades de atendimento hospitalar aqui apresentadas não substituem a capacitação teórica e técnica</p><p>para o desenvolvimento de competências e habilidades conceituais, procedimentais e atitudinais.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 77</p><p>2.8.1 O que é Atenção</p><p>Psicológica Hospitalar em tempos de pandemia pelo COVID-19?</p><p>Neste contexto pandêmico, refere-se a um serviço de saúde, uma atenção especializada na área de</p><p>Psicologia, que se destina a acolher e matriciar, principalmente, profissionais da medicina, da</p><p>enfermagem e da fisioterapia, trabalhadores e trabalhadoras da saúde que estão na linha de frente do</p><p>combate ao novo coronavírus. Atenção Psicológica Hospitalar é uma estratégia de atuação relacionada à</p><p>Psicologia da Saúde.</p><p>Com base na Psicologia da Saúde, compreende-se saúde e doença a partir da interação entre</p><p>múltiplos fatores: biológicos, cognitivos, afetivos, comportamentais e sociais. No contexto pandêmico, a</p><p>Atenção Psicológica Hospitalar torna-se fator de proteção para a saúde mental da equipe multidisciplinar,</p><p>inclusive, da própria equipe de psicologia hospitalar, para pacientes e familiares hospitalizados que</p><p>apresentam quadros reativos ao COVID-19, bem como para aqueles que manifestam outras</p><p>intercorrências psicológicas.</p><p>2.8.2 Quem pode prestar o serviço de Atenção Psicológica Hospitalar em tempos de pandemia</p><p>pelo COVID-19?</p><p>A crise pandêmica gerada pelo COVID-19, ao instalar-se em território nacional e internacional,</p><p>altera a rotina de indivíduos e grupos, afeta a qualidade de vida e interfere na forma de sentir, pensar e</p><p>agir de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos(1-2,7) . Devido a complexidade do contexto</p><p>pandêmico, orienta-se que o serviço de Atenção Psicológica Hospitalar deve ser prestado apenas por</p><p>profissionais formados em Psicologia e que tenham inscrição ativa no Conselho de Psicologia, conforme</p><p>Código de Ética Profissional do Psicólogo e da Psicóloga. Neste caso, recomenda-se a suspensão</p><p>temporária de todas as atividades relacionadas a estágio de estudantes.</p><p>2.8.3 Fluxos assistenciais, processos de trabalho e medidas preventivas para psicólogos e</p><p>psicólogas hospitalares</p><p>Em contexto de pandemia pelo COVID-19, recomenda-se a suspensão temporária de todos os</p><p>atendimentos psicológicos presenciais de rotina, em grupo e/ou individual. Todos os pacientes de</p><p>ambulatório que demandarem acompanhamento psicológico em tempos de COVID-19 deverão ser</p><p>encaminhados para atendimentos psicológicos em ambientes virtuais, como medida de segurança para a</p><p>díade paciente-psicoterapeuta.</p><p>Por este motivo, visitas psicológicas de rotina, leito-a-leito, devem ser suspensas temporariamente.</p><p>Como medida preventiva para mitigar o risco à saúde das pessoas hospitalizadas e dos transeuntes, no</p><p>ambiente hospitalar o serviço de Atenção Psicológica Hospitalar deve responder apenas os pedidos de</p><p>consulta. Para realização deste serviço, no sistema de saúde pública e suplementar, deve-se exigir o uso</p><p>de Equipamentos de Proteção Individual (máscara cirúrgica ou N95) e manter distância física de 1 a 2</p><p>metros, aproximadamente.</p><p>2.8.4 Quem tem indicação para receber a Atenção Psicológica Hospitalar em tempos de pandemia</p><p>pelo COVID-19?</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 78</p><p>1. Trabalhadores e trabalhadoras da saúde que estejam em sofrimento ocasionado pelo contexto</p><p>pandêmico ou relacionado com os processos de adoecimento, hospitalização e/ou tratamento.</p><p>2. 2 Familiares, em sofrimento, de pessoas hospitalizadas que foram a óbito ou de crianças</p><p>hospitalizadas para tratamento do COVID-19.</p><p>3. 3 Pessoas hospitalizadas não diagnosticadas com COVID-19 e que estejam, em sofrimento, por seu</p><p>adoecimento, hospitalização e/ou tratamento.</p><p>2.8.5 Reações Psicológicas provocadas pela pandemia de COVID-19</p><p>Como medida preventiva para desacelerar a velocidade de contágio pelo vírus SARS-CoV-2, novo</p><p>coronavírus 2019, indivíduos e grupos por decreto foram obrigados a adotar o distanciamento físico e o</p><p>confinamento domiciliar.</p><p>A situação de pandemia gerada tem desencadeado quadros reativos ao estresse e agravado</p><p>transtornos preexistentes. Nesta realidade estados de ansiedade, angústia e depressão são</p><p>desencadeados e potencializados em face da iminente ameaça de contaminação e morte pelo COVID-19.</p><p>Chama-se atenção para o medo, a sensação de impotência, comportamentos de irritabilidade,</p><p>inquietação, preconceito, racismo e exclusão social como a principais reações psicológicas vivenciadas em</p><p>tempos de pandemia pelo COVID-19.</p><p>No mesmo sentido, são esperadas reações psicológicas tipicamente relacionadas à atuação dos</p><p>profissionais de saúde como a fadiga por compaixão e o estresse de sobrecarga.</p><p>2.8.6 Diretrizes para a Atenção Psicológica Hospitalar no contexto de pandemia pelo COVID-19</p><p>• Apresente-se como psicólogo/a.</p><p>• Como medida preventiva e acolhedora, deve-se apenas estabelecer contato visual e verbalizar</p><p>para a pessoa foco da Atenção Psicológica Hospitalar que ela não está sozinha.</p><p>• Ao estabelecer uma aliança terapêutica sustentada numa relação de confiança e sigilo do</p><p>conteúdo verbalizado, opte por intervenções verbais que transmitam segurança e conforto.</p><p>• A relação terapêutica precisa ser estruturante.</p><p>• Jamais interrogue “Tudo bem?”, opte por “Como você ou o/a senhor/a está?”.</p><p>• Assuma uma postura ativa e acolhedora ao interrogar “Como você ou o/a senhor/a se sente?”.</p><p>• No decorrer da Atenção Psicológica Hospitalar, reforce a aliança terapêutica, invista em ações</p><p>psicoeducativas, psicoprofiláticas e de matriciamento.</p><p>• Casos que demandarem acompanhamento devem ser encaminhados para receber Atenção</p><p>Psicológica em ambientes virtuais.</p><p>2.8.7 Procedimentos Clínicos para a Atenção Psicológica Hospitalar no contexto de pandemia pelo</p><p>COVID-19</p><p>1º Passo: Construção da aliança terapêutica e de uma relação estruturante pautada na confiança e</p><p>no sigilo.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 79</p><p>2º Passo: Aplicação da entrevista de anamnese abreviada, seguida do exame das funções psíquicas</p><p>para:</p><p>a. conhecer a pessoa que precisa de cuidados psicológicos;</p><p>b. verificar a presença de uma rede de suporte como fator de proteção para sua saúde mental e</p><p>suas relações psicossociais;</p><p>c. verificar se os processos psicológicos básicos encontram-se preservados ou se há quadros</p><p>reativos a evento estressor ou a agravamento de conflitos ou transtornos preexistentes.</p><p>Intervenções: psicoeducativas e psicoprofiláticas Técnica: Psicoterapia Breve de Apoio e</p><p>Esclarecimento</p><p>Objetivos:</p><p>a. Promover acolhimento, sensação de bem-estar, alívio da ansiedade com redução ou supressão</p><p>dos sinais e sintomas;</p><p>b. Psicoeducar sobre o contexto atual, ensinar que sentir ansiedade neste momento de pandemia é</p><p>natural e investir na redução de estigmas associados ao COVID-19;</p><p>c. Reduzir os danos psicoafetivos e psicossociais ocasionados pelo estado de pandemia;</p><p>d. Encorajar a pessoa foco da Atenção Psicológica Hospitalar a se ajustar psicologicamente a nova</p><p>rotina, a partir de suas potencialidades, habilidades e competências que servirão, neste momento,</p><p>como fatores de proteção para saúde mental;</p><p>e. Ensinar técnicas de relaxamento ou meditação, principalmente a respiração diafragmática;</p><p>f. Estimular a percepção de Suporte Emocional (“em minha rede de suporte sóciofamiliar posso</p><p>encontrar alento para reagir”);</p><p>g. Estimular a percepção de Suporte Informacional e Instrumental (“em minha rede de suporte</p><p>existem pessoas e/ou instituições dispostas a suprir necessidades de ordem prática” - EPI, POP,</p><p>cartilhas, manuais). Neste momento de pandemia.</p><p>2.8.8 Hospitalar em tempos de pandemia pelo COVID-19</p><p>1. MANTER A PROXIMIDADE AFETIVA</p><p>• As pessoas em crise podem, temporariamente, perder o sentido básico de segurança e confiança</p><p>em relação ao ambiente;</p><p>• Ações interprofissionais podem apoiar gestores institucionais e locais a restabelecer a sensação de</p><p>segurança e confiança, mantendo-se afetivamente próximos e disponíveis;</p><p>• Prepare-se para</p><p>se deparar com manifestações intensas de emoções, gritos e comportamentos de</p><p>rejeição, bem como com pedidos de apoio ou socorro;</p><p>• Não se deixe intimidar por demonstrações de ansiedade extrema ou outras emoções.</p><p>2. OUVIR COM ATENÇÃO</p><p>• Para amparar alguém e apoiar esta pessoa na travessia de um momento difícil, é necessário ouvir</p><p>de onde ela fala, para quem fala e o que fala;</p><p>• Assuma postura ativa na relação terapêutica para encorajar as tomadas de decisão e gerar</p><p>tomadas de consciência quando necessário;</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 80</p><p>• Encoraje atitudes resilientes e estratégias de autocuidado, na medida em que promovem um</p><p>encontro terapêutico;</p><p>• O tempo pode ser escasso, mas o que importa é a qualidade da relação terapêutica, do encontro,</p><p>até que se estabilize o conflito ou que haja redução dos danos psicoafetivos ocasionados pelo</p><p>estado de pandemia pelo COVID-19.</p><p>3. POSTURA DE ACEITAÇÃO E ACOLHIMENTO DAS EMOÇÕES</p><p>• Pessoas em sofrimento ou em estado de crise podem manifestar emoções diversas, desde alegria</p><p>por terem sobrevivido até vergonha ou culpa por terem escapado ilesos à pandemia ou ter</p><p>contaminado um amigo ou ente querido;</p><p>• Aceite a interpretação das pessoas acerca dos acontecimentos da pandemia e compreenda de</p><p>forma contextual as respostas afetivas, comportamentais e cognitivas;</p><p>• Não insista na modelação de crenças ou pensamentos disfuncionais ou da percepção distorcida</p><p>sobre os acontecimentos.</p><p>Prevenção e/ou redução dos danos psicoafetivos e psicossociais ocasionados pelo estado de</p><p>pandemia gerado pelo COVID-19, pela hospitalização e pelo tratamento.</p><p>Fortalecimento da percepção de suporte social (suporte emocional, informacional e instrumental)</p><p>por parte dos profissionais de saúde.</p><p>Registro documentado atendimento psicológico conforme orientação do Conselho Federal de</p><p>Psicologia.</p><p>Referências</p><p>1. National Health Commission of China. A notice on the issuance of guidelines for emergency</p><p>psychological crisis intervention in pneumonia for novel coronavirus infections. Published: January 26th,</p><p>2020. Available at:</p><p>http://www.nhc.gov.cn/xcs/zhengcwj/202001/6adc08b966594253b2b791be5c3b9467.shtm l Access on</p><p>03/26/2020. 2. Duan, Li; Zhu, Gang. Psychological interventions for people affected by the COVID-19</p><p>epidemic. Lancet Psychiatry. Published: February 18th, 2020. Available at: https://doi.org/10.1016/S2215-</p><p>0366(20)30073-0 Access on 03/26/2020. 3. World Health Organization. Guia para cuidados com a saúde</p><p>mental durante a pandemia. Published: March 18th, 2020. Available at:</p><p>https://news.un.org/pt/story/2020/03/1707792 Acesso em 25/03/2020. Access on 03/26/2020.</p><p>Demais referencia no artigo original</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 81</p><p>UNIDADE III - QUALIDADE DE VIDA E PROMOÇÃO DA SAÚDE.</p><p>Pollyanna Nayara Belem Leite</p><p>3.1 Qualidade de vida</p><p>A Qualidade de vida passa por vários aspectos como trabalho, saúde, família e na sociedade como</p><p>um todo, como sendo um contexto muito importante para a vida do ser humano, abordaremos o</p><p>contexto da QV relacionada com a saúde, como um dos fatores essenciais para encontrar condições</p><p>necessárias para sobrevivência com qualidade.</p><p>Nessa articulação entre saúde, condições de sobrevivência, etilo de vida e qualidade de vida, pode-</p><p>se identificar na saúde pública e na medicina social, o desenvolvimento da promoção da saúde como</p><p>campo conceitual e de prática que busca explicações e respostas integradoras para uma vida com</p><p>qualidade.</p><p>Não é raro se deparar com problemas e complicações decorrentes do estilo de vida dos indivíduos,</p><p>podemos observar em todas as camadas sociais atingindo também diversos estágios da vida. Por conta</p><p>disso, durante toda a vida, todas as pessoas necessitam água e ar puros, ambiente saudável, alimentação</p><p>adequada, situações social, econômica e cultural favoráveis, prevenção de problemas específicos de</p><p>saúde, assim como educação e informação.</p><p>Por isso a importância da avaliação da QV, para verificar como a saúde pode repercutir na vida dos</p><p>indivíduos. Portanto, vale destacar aqui que QV e Saúde, são um instrumento sociológico, que</p><p>predominantemente tem que ser mensurado, sendo assim, é de suma importância discutirmos um pouco</p><p>sobre o mesmo, seus indicadores e estatísticas para melhor compreensão da realidade em que vivemos.</p><p>Dessa forma, propusermos mencionar a importância da avaliação da QV relacionada a saúde e os</p><p>fatores socioeconômicos, em vista, para uma melhor compreensão de seus determinantes e indicadores.</p><p>Existe atualmente, uma grande convergência no que diz respeito aos instrumentos, propostas para avaliar</p><p>a QV, mas abordaremos somente dois, que são utilizados em diferentes contextos, mas com a mesma</p><p>finalidade.</p><p>O primeiro aborda que ele foi desenvolvido, para ser utilizado na área da saúde (paciente ou</p><p>profissional de saúde) e o segundo é mais utilizado no contexto socioeconômico.</p><p>Para se melhorar realmente as condições de saúde de uma população, um objetivo social relevante</p><p>em todas as sociedades, são necessárias mudanças profundas dos padrões econômicos no interior destas</p><p>sociedades e intensificação de políticas sociais, que são eminentemente políticas públicas. Ou seja, para</p><p>que uma sociedade conquiste saúde para todos os seus membros, são necessária uma verdadeira ação</p><p>inter-setorial e as chamadas políticas públicas saudáveis, isto é, políticas comprometidas com a qualidade</p><p>de vida e a saúde da população.</p><p>É através de indicadores e estatísticas, e não somente experiências de vida, que o cidadão é levado</p><p>a perceber o verdadeiro cenário social no qual ele vive. Não importando em que padrão a QV esta se</p><p>referindo, mas consequentemente induzem as decisões políticas, de saúde e sociais da humanidade.</p><p>Ao descrevermos o contexto da QV e promoção da saúde, vimos à importância de relatar o papel da</p><p>análise da sociedade e indicadores, na avaliação das situações de saúde, que engloba a descrição de</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 82</p><p>perfis epidemiológicos, de qualidade de vida relacionada com a saúde e de condições socioeconômicas,</p><p>atuais.</p><p>3.1.1 Aspectos históricos e conceituais.</p><p>Para uma melhor compreensão da discussão sobre a qualidade de vida (QV) relacionada à saúde,</p><p>buscaremos aqui discutir, em primeira questão alguns conceitos sobre o que realmente trata e que</p><p>significado tem para o entendimento científico e popular, quando abordamos o tema qualidade de vida.</p><p>Sempre houve, ao longo da história da humanidade, o mistério que envolve a existência do homem sobre</p><p>a terra, a ordem de crescer, multiplicar-se e a de dominar a terra, isto é, de desvendar os segredos do</p><p>universo no qual ele vive.</p><p>As condições de vida em nosso planeta passam por contínuas transformações, decorrentes a isso,</p><p>as alterações introduzidas na terra e as mudanças na maneira de viver, provocadas pelo progresso</p><p>tecnológico, nem sempre favorecem a QV (FINKLER, 1994).</p><p>Completando isso, Silva (2008), afirma que as transformações ocorridas nas últimas décadas trazem</p><p>mudanças agressivas no modo de vida, que se descortina a partir da cultura de uma determinada</p><p>sociedade e das exigências por bens materiais e de consumo, e de estilos de vida que se estabelecem a</p><p>partir dos comportamentos gerados pelas facilidades tecnológicas e hábitos diferentes dos estabelecidos</p><p>pela natureza humana. Cultura essa, que pode ser relatada através de Buss, Hartz e Minayo (2000), ao</p><p>afirmarem que, a um modelo hegemônico que está a um passo de adquirir significado planetário.</p><p>É o preconizado pelo mundo ocidental, urbanizado, rico, polarizado por certo número de valores,</p><p>que poderiam ser assim resumidos:</p><p>conforto, prazer, boa mesa, moda, utilidades domésticas, viagens,</p><p>carro, televisão, telefone, computador, uso de tecnologias, e com isso diminuem o trabalho manual,</p><p>consumo de arte e cultura, entre outras verdadeiras riquezas. Por conta disso, podemos constatar que</p><p>poucas são as pessoas que não tem nada a lamentar algum incômodo físico, psicológico, emocional ou</p><p>espiritual.</p><p>E decorrentes desse descompasso surge reações como a insatisfação, tédio, angústia, ansiedade,</p><p>frustração, depressão, estresse entre outras, evidenciando assim, a deterioração da QV, em que vive o</p><p>homem nos dias atuais.</p><p>Diante desta catastrófica realidade, pensadores de todas as índoles medicina, psicologia, teologia,</p><p>filosofia, engenharia, agricultura, indústria, e até políticos etc., desenvolvem um esforço gigantesco, para</p><p>atender o clamor geral, por melhores condições de vida (FINKLER, 1994). Atualmente, uma situação</p><p>qualquer, com características indesejáveis que precisam ser melhoradas são, muitas vezes, descritas com</p><p>a expressão baixa QV.</p><p>Já uma situação futura desejada, diferente e melhor que a atual, passa a ser descrita como uma</p><p>situação como melhorar a QV. Melhorar de vida, ter uma vida boa, ter uma vida melhor, ter melhor QV</p><p>são formas de expressar esse futuro diferente e melhor buscado por todos os seres humanos (BUOGO,</p><p>2003).</p><p>Nordenfelt (1994) apud Paschoal (2000), traz a caracterização de um conceito de QV: a felicidade</p><p>com a vida ou alegria de viver, afirma que, felicidade é uma espécie de bem estar, assim, a situação</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 83</p><p>econômica de uma pessoa, suas relações familiares, sua situação profissional, tanto quanto seus recursos</p><p>internos, particularmente a saúde, fazem parte de acontecimentos podendo influenciar o seu bem estar.</p><p>Herculano (1998, p.77-99), propõe que QV seja definida em um contexto mais amplo e global como</p><p>sendo: A soma das condições econômicas, ambientais, científico-culturais e políticas coletivamente</p><p>construídas e postas à disposição dos indivíduos para que estes possam realizar suas potencialidades:</p><p>inclui a acessibilidade à produção e ao consumo, aos meios para produzir cultura, ciência e arte, bem</p><p>como pressupõe a existência de mecanismos de comunicação, de informação, de participação e de</p><p>influência nos destinos coletivos, através da gestão territorial que assegure água e ar limpos, higidez</p><p>ambiental, equipamentos coletivos urbanos, alimentos saudáveis e a disponibilidade de espaços naturais</p><p>amenos urbanos, bem como da preservação de ecossistemas naturais.</p><p>No consentimento de Finkler (1994), a QV somente passa ter significado quando o homem encontra</p><p>o seu equilíbrio psicológico, emocional e espiritual, aonde ele vai encontrar forças e clarividências para</p><p>regular a sua vida de maneira a fazer com que ele tome iniciativa que promovam o seu bem estar.</p><p>Resumindo, descreveu Constantino (2007), a QV tem como objetivo oferecer informações e</p><p>estímulos para mudanças de hábitos dos indivíduos tem a estratégia principal à busca de um tripé que</p><p>envolve conceitos da psicologia, da biologia e da sociologia (ser biopsicossocial), sendo por tanto, um</p><p>equilíbrio das atividades cotidianas dos indivíduos, como cuidados de saúde, alimentação, atividade física,</p><p>entre outros, ou seja, como estratégia principal o estilo de vida dos indivíduos. Ainda neste caminho,</p><p>Constantino (2007) descreve, estilo de vida é construir uma vida saudável é estar no mundo com o</p><p>objetivo de bem viver.</p><p>Compreender a importância de estilo de vida é agir em favor de uma saúde que se faz e se melhora</p><p>a cada dia. É promover saúde, é participar na criação de políticas públicas saudáveis, sobretudo, é saber</p><p>lidar com o mundo de uma forma positiva. Dentro das questões mensionados anteriormente,</p><p>abordaremos a seguir, a importância da QV relacionada a saúde como um dos fatores primordiais para a</p><p>busca de melhores condições de vida.</p><p>3.1.2 Qualidade de vida relacionada á saúde.</p><p>Como foi descrito anteriormente, a QV passa por vários aspectos como trabalho, saúde, família e na</p><p>sociedade como um todo, como sendo um contexto muito importante para a vida do ser humano,</p><p>abordaremos o contexto da QV relacionada com a saúde, como um dos fatores essenciais para encontrar</p><p>condições necessárias para sobrevivência com qualidade.</p><p>A mudança econômicas, política, social e culturais, que ocorreram no mundo desde o século XIX e</p><p>que se intensificaram no século passado, a saúde, sendo uma esfera da vida de homens e mulheres em</p><p>toda sua diversidade e singularidade, não permaneceu fora do desenrolar das mudanças da sociedade</p><p>nesse período.</p><p>O processo de transformação da sociedade é também o processo de transformação da saúde e dos</p><p>problemas sanitários. Nas últimas décadas, tornou-se mais e mais importante cuidar da vida de modo que</p><p>se reduzisse a vulnerabilidade ao adoecer e as chances de que ele seja produtor de incapacidade, de</p><p>sofrimento crônico e de morte prematura de indivíduos e população (BRASIL, 2006).</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 84</p><p>A saúde é reconhecida como um dos maiores valores na sociedade, sendo assim a OMS definiu</p><p>saúde como um completo estado de bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de</p><p>doença. Uma resolução da 101º sessão da assembleia mundial de saúde propôs uma modificação do</p><p>conceito de saúde que desde então passou a ser, um estado dinâmico de completo bem-estar físico,</p><p>mental, espiritual e social (WHO, 1946 apud FLECK, 2000).</p><p>A Lei Brasileira nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, diz: Art. 2º A saúde é um direito fundamental</p><p>do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. O dever do</p><p>Estado de garantir a saúde consiste na reformulação e execução de políticas econômicas e sociais que</p><p>visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos no estabelecimento de condições que</p><p>assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e</p><p>recuperação.</p><p>Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a</p><p>moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e</p><p>o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e</p><p>econômica do País (BRASIL, 1990).</p><p>De acordo com Buss (2000), a nova concepção de saúde importa uma visão afirmativa, que a</p><p>identifica como bem-estar e qualidade de vida, e não simplesmente com ausência de doença. Segundo</p><p>Dantas, Malerbo e Sawada (2003), atualmente a QV é tema de pesquisa imprescindível na área da saúde,</p><p>visto que seus resultados devem contribuir de forma decisiva para aprovar e definir tratamentos.</p><p>O interesse pelo conceito QV na área da saúde, decorre, em parte, dos novos paradigmas que têm</p><p>influenciado as políticas e as práticas do setor nas últimas décadas. Os determinantes e condicionantes do</p><p>processo saúde-doença são multifatoriais e complexos. Assim, saúde e doença configuram processos</p><p>compreendidos como um continuum, relacionamento entre os aspectos econômicos, socioculturais, à</p><p>experiência pessoal e estilos de vida (SEIDL; ZANNON, 2004).</p><p>De acordo com Seidl e Zannon (2004), há indícios de que o termo QV relacionada com a saúde</p><p>surgiu pela primeira vez na literatura médica na década de 30, segundo um levantamento de estudos que</p><p>tinham por objetivo sua definição e que faziam referencia a avaliação da QV.</p><p>Para Buss, Hartz e Minayo (2000), a relação entre saúde e QV, existe desde o nascimento da</p><p>medicina social, nos séculos XVIII e XIX, quando começaram a referendar esta tese e der importâncias</p><p>para as políticas públicas e movimentos sociais.</p><p>Completando, Silva (2008) ao referir-se a definição á</p><p>respeito da saúde e QV, como um</p><p>determinante de que eles se relacionam a partir não só dos aspectos socioeconômicos, mas também do</p><p>estilo de vida, que reflete ações habituais, valores, atitudes e oportunidades. Constantino (2000),</p><p>compreender a importância do estilo de vida para a saúde, é adotar uma vida saudável, adotando certos</p><p>hábitos saudáveis como é o caso da atividade física e da alimentação saudável com o objetivo de bem</p><p>viver, melhorando cada dia.</p><p>Embutida nessa afirmação, A 57ª Assembleia-Geral da OMS, realizada em Maio de 2004, foi</p><p>aprovada uma estratégia global relativamente a Alimentação, Atividade Física e Saúde, no âmbito da</p><p>prevenção e controle das doenças não transmissíveis (BRASIL, 2004).</p><p>Dessa estratégia destacam-se os seguintes pontos:</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 85</p><p>a) Alimentação saudável: promover ações relativas à alimentação saudável visando à promoção da</p><p>saúde e à segurança alimentar e nutricional;</p><p>b) Prática corporal/atividade física: mapear e apoiar as ações de práticas corporais/atividade física</p><p>existente nos serviços de atenção básica e na Estratégia de Saúde da Família, e inserir naqueles em que</p><p>não há ações; ofertar práticas corporais/atividade física como caminhadas, prescrição de exercícios,</p><p>práticas lúdicas, esportivas e de lazer, na rede básica de saúde, voltadas tanto para a comunidade como</p><p>um todo quanto para grupos vulneráveis;</p><p>c) Prevenção e controle do tabagismo: sistematizar ações educativas e mobilizar ações legislativas e</p><p>econômicas, de forma a criar um contexto que: reduza a aceitação social do tabagismo;</p><p>d) Redução da morbimortalidade em decorrência do uso abusivo de álcool e outras drogas:</p><p>investimento em ações educativas e sensibilizadoras para crianças e adolescentes quanto ao uso abusivo</p><p>de álcool e sensibilizar a população sobre os malefícios do uso abusivo do álcool;</p><p>e) Prevenção da violência e estímulo à cultura de paz: ampliação e fortalecimento da Rede Nacional</p><p>de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde;</p><p>f) Redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito: promoção de discussões intersetoriais</p><p>que incorporem ações educativas à grade curricular de todos os níveis de formação, articulação de</p><p>agendas e instrumentos de planejamento, programação e avaliação, dos setores diretamente</p><p>relacionados ao problema.</p><p>Para Constantino (2007), a meta da estratégia global é promover e proteger a saúde, orientando a</p><p>criação de um segmento favorável para a adoção de medidas sustentáveis, a fim de reduzir a morbidade e</p><p>a mortalidade e ainda é benefícios para a saúde pública no mundo todo.</p><p>A aplicação dessa estratégia permitirá alcançar melhoras na saúde da população. Acredita ser</p><p>possível realizar intervenções eficazes para possibilitar que as pessoas vivam mais e melhor, e assim,</p><p>reduzir as desigualdades e promover o desenvolvimento.</p><p>Embutido nesta afirmação, Buss, Hartz e Minayo (2000), diz, o ambiente global influencia tanto o</p><p>sistema de saúde como o estado de saúde dos indivíduos e coletivos, então nem todos os aspectos da</p><p>vida humana, necessariamente, é uma questão médica ou sanitária. Portanto, são influenciados por</p><p>setores econômicos, sociais e ambientais, desse modo, pode-se dizer que a questão da QV diz respeito ao</p><p>padrão que a própria sociedade define, e o setor saúde ficando apenas com uma parcela das</p><p>responsabilidades do modo e das condições de vida dos indivíduos.</p><p>Paralelamente Barcellos et al. (2002), diz que a análise das situações de saúde populacionais</p><p>corresponde de acordo com as condições de vida de cada indivíduo, então, é dever dos sistemas locais de</p><p>saúde, verificarem a relação entre condições de vida, saúde e acesso aos serviços de saúde. Dependendo,</p><p>portanto, de um processo de territorialização dos sistemas locais de saúde, para melhorar a QV da</p><p>população.</p><p>No campo da Saúde Pública, os problemas são amenizados quando deslocamos nosso interesse nos</p><p>problemas prioritários em saúde e nas ações, porque são elas que vão remover esses problemas. Para</p><p>desenvolver políticas de saúde adequadas precisamos compreender as particularidades econômicas,</p><p>sociais, ambientais e processos lógicos, que intervêm positiva ou negativamente na QV dessas populações</p><p>e que influenciam, em face os diversos eventos da vida (PORTO; ROZEMBERG; UCHOA, 2002).</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 86</p><p>Da mesma forma, há muito tempo tem sido questionado o papel da medicina, da saúde pública e,</p><p>num sentido mais genérico, do setor saúde no enfrentamento do que seriam as causas mais amplas e</p><p>gerais dos problemas de saúde.</p><p>Particularmente em países como o Brasil e outros da América Latina, esses problemas podem ser</p><p>citados como a péssima distribuição de renda, o analfabetismo, baixo grau de escolaridade, assim como</p><p>as condições precárias de habitação e ambiente.</p><p>Entretanto, demonstrar que a qualidade/ condições de vida afeta a saúde e que esta influencia</p><p>fortemente a qualidade de vida não é o único desafio (BUSS, 2000).</p><p>Nesse sentido, o estudo com relação saúde e QV evoca necessariamente uma articulação entre</p><p>condições objetivamente definidas (estado de saúde, serviços e recursos disponíveis, bens, redes sociais</p><p>de apoio) e o universo de representações (avaliação do estado de saúde, satisfação com os serviços,</p><p>recursos, bens materiais e redes sociais de apoio), ou seja, entre as dimensões objetiva e subjetiva da</p><p>existência (PORTO; ROZEMBERG; UCHOA, 2002).</p><p>Como se pode vê, os conceitos de QV relacionado à saúde passam por um momento de especial</p><p>atenção, em geral, voltavam-se somente aos aspectos ligados á funcionalidade do individuo, e agora,</p><p>enfatizam também os aspectos psicológicos e socioeconômicos da população, como influenciadores na</p><p>determinação da QV em saúde (CONSTANTINO, 2007).</p><p>Segundo Buss (2000), existem evidências científicas abundantes que mostram a contribuição da</p><p>saúde para a qualidade de vida de indivíduos ou populações. Da mesma forma, é sabido que muitos</p><p>componentes da vida social que contribuem para uma vida com qualidade são também fundamentais</p><p>para que indivíduos e populações alcancem um perfil elevado de saúde. Sendo assim, é necessário mais</p><p>do que o acesso a serviços médicos-assistenciais de qualidade, é preciso enfrentar os determinantes da</p><p>saúde em toda a sua amplitude, o que requer políticas públicas saudáveis, uma efetiva articulação</p><p>intersetorial do poder público e a mobilização da população.</p><p>Nessa direção, o desafio colocado para o gestor federal do SUS consiste em propor uma política</p><p>transversal, integrada e intersetorial, que faça dialogar as diversas áreas do setor sanitário, os outros</p><p>setores do Governo, os setores privados e não governamentais e a sociedade, compondo redes de</p><p>compromisso e co-responsabilidade quanto à qualidade de vida da população em que todos sejam</p><p>partícipes no cuidado com a saúde (BRASIL, 2006).</p><p>A saúde, como produção social de determinação múltipla e complexa, exige a participação ativa de</p><p>todos os sujeitos envolvidos em sua produção usuários, movimentos social, trabalhadores da Saúde,</p><p>gestores do setor sanitário e de outros setores, na análise e na formulação de ações que visem à melhoria</p><p>da qualidade de vida.</p><p>O paradigma promocional vem colocar a necessidade de que o processo de produção do</p><p>conhecimento e das práticas no campo da Saúde e, mais ainda, no campo das políticas públicas faça-se</p><p>por meio da construção e da gestão compartilhadas (BRASIL, 2006).</p><p>Políticas de saúde são baseadas no conceito de igualdade, de acesso e ou tratamento e sua</p><p>referência sempre é construída a partir da ausência da doença. Ainda que sejam equitativas as ofertas ao</p><p>acesso e cuidados de saúde, persistem as desigualdades relacionadas à estratificação social, chance de</p><p>acesso aos</p><p>recursos, oportunidades de conhecimento e ambiente de suporte que orientem os indivíduos</p><p>ao comportamento saudável (SILVA, 2008).</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 87</p><p>Em resumo, na área da saúde, QV decorre em parte dos novos paradigmas, a melhoria da QV</p><p>passou a ser um dos resultados esperados, tanto das praticas assistências quanto das políticas publicas</p><p>para o setor nos campos da promoção da saúde e da prevenção de doenças (SCHUTTINGA, 1995 apud</p><p>SEIDL; ZANNON, 2004).</p><p>Na articulação entre saúde, condições de sobrevivência, etilo de vida e qualidade de vida, pode-se</p><p>identificar na saúde pública e na medicina social, o desenvolvimento da promoção da saúde como campo</p><p>conceitual e de prática que busca explicações e respostas integradoras para uma vida com qualidade. É o</p><p>que discutiremos a seguir.</p><p>3.2 O hospital como espaço para promoção da saúde</p><p>Apesar de ainda ser reafirmado que instituições de saúde deveriam manter sua meta estabelecida</p><p>há muito tempo, como centro para o cuidado de doenças, relegando a responsabilidade da promoção da</p><p>saúde ao setor de saúde pública, também é sustentado que o hospital é parte importante da comunidade</p><p>e que toda instituição, especialmente aquelas envolvidas com o serviço público, deve ser ativamente</p><p>comprometida com o planejamento para a promoção da saúde.</p><p>O hospital historicamente se constituiu um espaço para tratamento e cura. O modelo profissional</p><p>dominante nesse local diz respeito a um conjunto de aparato tecnológico e político legal, limitando o</p><p>espaço da clínica à cura (no sentido convencional) ou reabilitação, distanciando-a de uma práxis</p><p>efetivamente promotora da saúde.</p><p>As relações hierárquicas de poder e autoritárias entre profissionais de saúde e usuários dos serviços</p><p>dificultam a construção de espaços de autonomia e a participação daqueles que buscam atenção à saúde.</p><p>Estes espaços, uma vez constituídos, contribuem para efetivação de uma prática promotora de saúde.</p><p>Acredita-se que hoje seja possível uma mudança de paradigma, no que diz respeito à promoção da</p><p>saúde em ambientes hospitalares, onde a clínica e a técnica predominaram e ainda predominam até hoje.</p><p>As necessidades atuais dos indivíduos suscitam que novo olhar, nova postura, outra cultura seja cultivada</p><p>no interior dos hospitais, tendo como objeto a saúde ao invés da doença.</p><p>Alguns países desenvolvidos têm implementado políticas no intuito de orientar as instituições de</p><p>saúde para a saúde da comunidade, educação continuada e capacitação comunitária, considerando que o</p><p>hospital como parte integrante do sistema de saúde deve constituir-se como espaço comunitário.</p><p>Iniciativas como o projeto Health Promotion Hospital (HPH) desenvolvido pela rede internacional</p><p>para a promoção da saúde em hospitais e serviços de saúde podem facilitar mudanças nesses locais e</p><p>produzir evidências para se alcançar a promoção da saúde, por meio do intercambio de experiências</p><p>entre os hospitais participantes da rede.</p><p>O projeto tem entre outros objetivos: mudar a cultura dos cuidados hospitalares, buscando a</p><p>interdisciplinaridade e a participação dos usuários; promover a saúde dos profissionais que trabalham no</p><p>hospital e a interação do hospital com a comunidade.</p><p>O hospital é considerado um lugar estratégico de intervenção, na perspectiva da reforma do</p><p>sistema de saúde. Trata-se de um território virgem de trabalho na perspectiva de humanização do</p><p>atendimento e da defesa da vida e afirma que é possível pensar em promoção da saúde, em educação em</p><p>saúde, em criação de vínculos, no espaço hospitalar.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 88</p><p>No entanto, pondera-se que para isso a prática no interior dos hospitais precisa ser repensada,</p><p>assim como a relação médico-paciente, médico-equipe e sistema de saúde como um todo.</p><p>É preciso introduzir a ideia de cliente, concebendo o usuário como legítimo portador de direitos e</p><p>necessidades. O conceito de cliente deve ser construído a partir de uma ética de solidariedade e</p><p>compromisso com a construção da cidadania.</p><p>Esse processo é dificultado pela supervalorização da dimensão biológica do processo saúde-doença</p><p>que contribui para uma rotina mecanicista, a fragmentação da assistência, a diminuição da eficácia das</p><p>ações e a desumanização das práticas profissionais com abordagem do indivíduo como um objeto da</p><p>equipe de saúde.</p><p>Também a relação desigual permeada pelo autoritarismo e pela prepotência inibe qualquer</p><p>indicação de autonomia, que levaria o paciente a ser tratado como sujeito em seu processo de</p><p>recuperação e cura. Essa realidade remete a reflexões acerca das ações de enfermagem desenvolvidas</p><p>neste tipo de serviço no processo de promoção da saúde dos indivíduos, família e comunidades por ele</p><p>assistidas, compreendendo que prestar cuidados curativos por si só já não basta.</p><p>Nesse sentido, enfatiza-se o campo de atuação da promoção da saúde no que concerne à</p><p>reorientação dos serviços de saúde, que, segundo a Carta de Otawa, compreende uma mudança</p><p>gradativa da instituição em direção à promoção da saúde, sem perder o seu papel de prover cuidados</p><p>clínicos e de urgência.</p><p>Para isso, as práticas desenvolvidas nesses locais precisam ser reorientadas no sentido de se</p><p>tornarem condizentes com o que é proposto para se alcançar a promoção da saúde do indivíduo, família e</p><p>comunidade.</p><p>Entre as propostas de reorientação das práticas de atenção à saúde destaca-se uma forte tendência</p><p>à superação de modelos de atenção excessivamente centrados na doença, na assistência curativa, na</p><p>intervenção medicamentosa, em favor de outros orientados ativamente em direção à saúde, como as</p><p>práticas de educação em saúde na busca da qualidade de vida.</p><p>O redirecionamento das práticas dos profissionais de saúde tem sido um desafio na implementação</p><p>das estratégias de promoção da saúde, entretanto, há autores que sugerem estratégias que podem ser</p><p>implementadas para promoção da saúde em ambientes hospitalares.</p><p>3.3 Estratégias para a promoção da saúde em ambientes hospitalares</p><p>Considerando a realidade dos hospitais públicos afirma-se que é possível vivenciar novas</p><p>experiências nesses locais e são sugeridas várias estratégias que podem ser trabalhadas no sentido de</p><p>construção de um “novo hospital”. Defende-se que o hospital não é intrínseca nem inevitavelmente um</p><p>espaço só de práticas de cura e reabilitação. O “novo hospital” pode e deve ser um espaço de promoção</p><p>da saúde, de defesa da vida e da cidadania, com suas equipes colaborando ativamente na formação de</p><p>novas relações dentro do sistema de saúde.</p><p>Dentre as estratégias sugeridas para a institucionalização da promoção da saúde dentro do</p><p>ambiente hospitalar, destaca-se a criação de espaços coletivos nas unidades de trabalhos que garantam a</p><p>discussão entre as figuras do ambiente hospitalar, com ênfase na escuta dos usuários. Julga-se que as</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 89</p><p>equipes assistenciais podem desempenhar papel importante na vida do paciente e de sua família durante</p><p>o período de internação.</p><p>Através dos espaços de conversações, por meio da arte, da fala e da escuta e da contínua interação,</p><p>os medos, as falas ocultas, as cegueiras, as possibilidades podem ser explicitados, mediante uma relação</p><p>horizontal de sujeito. As biológicas num mesmo patamar de prioridade são desafiadoras para os</p><p>profissionais que atuam na atenção terciária, acredita-se que isto pode ser viável. Também é ressaltada a</p><p>importância de que as instituições de saúde se preocupem com a salubridade dos seus próprios</p><p>funcionários.</p><p>Embora se reconheça que as condições de trabalho dentro de muitos desses locais não promovem a</p><p>saúde dos trabalhadores, nem muito menos</p><p>dos usuários, existem experiências de programas de</p><p>promoção da saúde desenvolvidos por instituições para seus próprios funcionários e para os de outras</p><p>organizações.</p><p>Geralmente esses programas têm como premissas o bem-estar do indivíduo dentro da comunidade,</p><p>no local de trabalho e na instituição de saúde.</p><p>Dão ênfase à autoconsciência e à auto-responsabilidade e incluem discussões sobre nutrição,</p><p>gerenciamento de estresses, atividade física, desenvolvimento de habilidades interpessoais, controle do</p><p>fumo ou de peso (Diante do exposto, considera-se que o fortalecimento de ações promotoras de saúde</p><p>não se constitui um imperativo apenas da ação básica como equivocadamente sempre se pensou.</p><p>A promoção da saúde não ocorre anterior à doença nem antecede a atenção primária, secundária</p><p>ou a terciária. Partindo do pressuposto de que a pessoa com doença crônica pode ter uma vida saudável</p><p>e reintegrando a compreensão de que a clínica não se constitui como espaço antagônico à promoção da</p><p>saúde, ao contrario, ela é parte deste contexto, entende-se que a promoção da saúde constitui um</p><p>enfoque.</p><p>Promoção da saúde em ambientes hospitalares</p><p>Maria Adelane Monteiro da SilvaI , Ana Karina Bezerra PinheiroI , Ângela Maria Alves e SouzaI , Andréa</p><p>Carvalho Araújo Moreira</p><p>UNIDADE IV : SOBRE A MORTE E O MORRER</p><p>Cada época, a seu modo, influencia o sujeito na forma de pensar e de agir. Assim, o sentido de</p><p>morte não é universal, e não se opera no vazio. Além de ser um fenômeno biológico natural, a morte</p><p>contém um aspecto simbólico. Neste sentido, qualquer visão do significado da morte será multifacetada,</p><p>composta por fatores predeterminantes de ordem cultural, histórica, ética, religiosa e psicológica. A</p><p>interação desses fatores contribui para tornar ainda mais complexa e abrangente qualquer tentativa de</p><p>compreensão da morte e do morrer. Além disso, a forma como a morte é encarada tem influência direta</p><p>sobre a forma de seu enfrentamento.</p><p>Segundo Morin (1970), a consciência da morte não é algo inato, é um conhecimento do indivíduo,</p><p>aprendido. Sendo o saber da morte exterior, produto de uma consciência que capta o real, o homem é</p><p>surpreendido pela morte. Na época medieval os homens eram avisados de sua morte por sinais naturais</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 90</p><p>ou uma convicção íntima, e assim podiam se preparar; havia tempo para lamentações, queixas da vida,</p><p>perdão dos companheiros, orações, absolvição. Mortes repentinas eram desonrosas.</p><p>O homem, ainda integrado à natureza, aceitava a morte como uma das grandes leis da espécie,</p><p>sobre a qual não podia intervir. Os ritos contemplavam uma cerimônia pública, organizada pelo próprio</p><p>moribundo, com a participação das crianças. A morte ocorria no leito, era simples, familiar, próxima, por</p><p>isso denominada morte domesticada. Contudo, o mundo dos vivos deveria permanecer separado do dos</p><p>mortos, com o intuito de facilitar o percurso dos mortos até o céu e evitar a contaminação física (pela</p><p>decomposição dos corpos) e psíquica (visita dos mortos); destarte, os cemitérios situavam-se fora das</p><p>cidades (Ariès, 1989).</p><p>No final da Idade Média e nos séculos XVI e XVII o corpo dos mortos era confiado à igreja. Os</p><p>cemitérios ficavam nas cidades, o que demonstra que as pessoas estavam familiarizadas com os mortos,</p><p>bem como com a sua própria morte (Ariès, 1989). A partir do século XII surge a preocupação com o Juízo</p><p>Final. Este era individual e particular, portanto trazia inquietação, ao contrário da segurança e</p><p>tranquilidade promovidas pelo rito coletivo descrito acima.</p><p>O homem tomou melhor consciência de sua individualidade; as particularidades de cada biografia</p><p>eram analisadas e avaliadas, e essa revisão adquiriu um caráter dramático, uma carga emocional que</p><p>antes não possuía. O apego às coisas e aos seres possuídos durante a vida era considerado a grande</p><p>tentação. Encontra-se presente uma aversão à decomposição, que adquiriu um sentido macabro, de ruína</p><p>do homem.</p><p>Nesse período, o corpo passa a ser escondido nos caixões, pois é insuportável aos olhos. Ressurgem</p><p>as inscrições funerárias, significando o desejo de conservar a identidade do túmulo e a memória do</p><p>desaparecido.</p><p>O uso da cor preta como simbolização do luto data do paganismo. Relacionava-se com o horror dos</p><p>mortos, como um disfarce para o fantasma do morto. O preto contém também o simbolismo da noite e a</p><p>ausência de cor para expressão do abandono e da tristeza. Esta cor facilita a lembrança de que ocorreu</p><p>uma perda, e poderia sugerir às outras pessoas que tivessem uma atitude especial em relação à pessoa</p><p>enlutada e evitassem falar de coisas que poderiam magoá-la. A cor não só demonstrava tristeza, mas</p><p>também criava paz e serenidade interiores.</p><p>No século XIV a expectativa de vida era muito baixa. Havia muito sofrimento e vulnerabilidade, a</p><p>guerra e a peste matavam ao mesmo tempo, a inquisição começou a usar a tortura e a morte como</p><p>instrumentos oficiais de política administrativa. A morte passou a ser considerado o castigo de Deus para</p><p>os homens, “um terror físico e teológico”. A morte não podia ser controlada pelo sistema tecnológico</p><p>nem pelo pensamento racional, era utilizada como material para manipulação criativa pela arte e</p><p>literatura.</p><p>A partir do século XVIII a morte passa a ser exaltada, o homem preocupa-se menos com a sua</p><p>própria morte, e a morte romântica é a morte do outro, sua lamentação e saudade. A morte comove, é</p><p>admirada pela sua beleza, considerada um sublime repouso, eternidade e possibilidade de reencontro</p><p>com os entes queridos já falecidos.</p><p>No séc. XIX passa a ocorrer um exagero do luto, evidenciando que a morte do outro é mais temida</p><p>que a de si mesmo. Os cemitérios saem da igreja, devido à falta de espaço e preocupação com a higiene e</p><p>saúde, e vão para fora da cidade. As pessoas passam a visitar os cemitérios, evocam o morto e cultivam</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 91</p><p>sua recordação, conferindo a ele uma espécie de imortalidade. Este século também marca o surgimento</p><p>do espiritismo, ligado a uma expectativa de vida futura.</p><p>Diante desse sentimento de intolerância da morte do outro, passou-se a esconder do doente a</p><p>gravidade de seu estado, com o intuito de poupá-lo. Procurou-se evitar o incômodo e a emoção forte não</p><p>somente do doente, mas de toda sociedade, pois a vida deve parecer ser sempre feliz. Entre 1930 e 1950</p><p>a morte deixa de acontecer em casa e é transferida para os hospitais, que proporcionam os cuidados mais</p><p>adequados.</p><p>Os hospitais, que outrora funcionavam como asilo, converteram-se em centros de cura, onde se luta</p><p>contra a morte. O indivíduo morre só, e a própria equipe define o momento de seu falecimento.</p><p>A morte foi dividida em cerebral, biológica e celular. São vários os aparelhos destinados a medir e</p><p>prolongar a vida. A morte não é mais considerada um fenômeno natural, e sim fracasso, impotência ou</p><p>imperícia, por isso deve ser ocultada. O triunfo da medicalização está, justamente, em manter a doença e</p><p>a morte na ignorância e no silêncio. Neste mundo em que impera a produção mercantilista, o adoecer</p><p>torna-se vergonhoso, pois o indivíduo deixa de produzir e, com isso, é excluído e ocultado.</p><p>A boa morte atual é a que era temida na Antiguidade, a morte repentina, não percebida. Os ritos</p><p>procuram ser imperceptível, o mais discreto possível, evitando o pretexto para as emoções. Procura-se</p><p>não exteriorizar os sentimentos para não assustar as crianças, evita-se chorar em público. Não há mais</p><p>manifestações aparentes de luto, este é solitário e envergonhado, é um luto privatizado. Já não há mais o</p><p>hábito de visitar o túmulo, cresce o número de cremações. A neutralização dos ritos funerários e</p><p>ocultação da morte fazem parte dessa incapacidade social de se</p><p>avaliação diagnóstica, psicodiagnóstico, Interconsultas e,</p><p>ainda, atua também por meio de consultoria nestes contextos.</p><p>A realidade e o trabalho do psicólogo hospitalar também sofrem influências das políticas públicas</p><p>de humanização em saúde que tornaram a presença de equipes multidisciplinares obrigatória no</p><p>atendimento ao doente hospitalizado. A psicologia da saúde e a psicologia hospitalar apresentam</p><p>perspectivas variadas de teorização e prática, derivadas das mais diversas perspectivas psicológicas:</p><p>comportamental, social, psicanalítica e fenomenológica. Entretanto, sob o olhar da Gestalt-terapia,</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 8</p><p>consideramos ser necessária uma reflexão mais abrangente. No presente trabalho propomos refletir</p><p>também como o self do terapeuta e o diálogo Eu-Tu podem ser poderosos instrumentos de trabalho do</p><p>psicólogo hospitalar, assim como já nos é na clínica, quando estamos atentos para suas especificidades.</p><p>1.3 Aspectos legais, éticos e políticos.</p><p>(in Revista de Psicologia Plural, FUMEC, PSICOLOGIA HOSPITALAR, BH, 17, 2002, 71-78)</p><p>A psicologia hospitalar, mesmo sendo tratada como uma especialidade da psicologia - existe até</p><p>mesmo o titulo de "Especialista em Psicologia Hospitalar" está, como toda prática psicológica, atrelada a</p><p>aspectos legais e éticos, com seus desdobramentos políticos. A inserção do psicólogo, tanto no espaço</p><p>público quanto no privado, tem uma história; esta, por sua vez, é tributária da ideologia que, dentro de</p><p>um projeto histórico-político, propicia, dificulta, ou mesmo impede a prática dos profissionais psicólogos.</p><p>Assim, uma pequena digressão sobre a História da Psicologia, tanto como ciência quanto como</p><p>profissão, nos ajudará a refletir sobre nossa inserção e atuação profissional.</p><p>A psicologia, como profissão, nem sempre existiu: ela foi construída ao longo da história. Surge da</p><p>tentativa de compreender um fenômeno social novo respondendo, assim, a uma demanda que se insere</p><p>em um movimento político-ideológico historicamente datado.</p><p>Este "fenômeno novo" é o sentimento de "eu". Suas origens encontram-se na revolução burguesa</p><p>que, transformando a organização feudal, instaura uma nova forma de organização social.</p><p>No mundo feudal, hierarquizado em escala de valores e verdades diretamente ligada à vontade</p><p>Divina, homens e mulheres tinham seus lugares definidos. Cabia-lhes, apenas, manter o que já estava</p><p>pronto, e cuja organização seguia a mesma ordem que regia o universo: a terra no centro e a religião</p><p>oferecendo referências ético-morais a serem seguidas. Era um mundo paralisado, onde a possibilidade de</p><p>mudanças sociais era impensável, pois cada um já nascia com um lugar pré-definido e imutável. Esta</p><p>sociedade, que desconhecia a individualidade e onde, consequentemente, a noção contemporânea de</p><p>sujeito inexistia, não precisava da Psicologia.</p><p>As ideias liberais transformaram radicalmente este mundo estanque. A nova forma de produção</p><p>trazida pela burguesia moveu o mundo do seu eixo, promovendo um profundo questionamento das</p><p>ideias seculares e das leis universais que garantiam a ordem vigente. Se no feudalismo o sujeito era</p><p>apenas um produtor, o capitalismo incipiente fez dele também, e, sobretudo, um consumidor. Ao mesmo</p><p>tempo, para se manter a produção, necessitou-se de novas fontes de matéria prima, o que só foi possível</p><p>através da exploração da natureza, o que levou a uma dessacralização desta última.</p><p>As Verdades Religiosas e os desígnios de Deus, que impediam que as ideias emergentes fossem</p><p>postas em prática, foram derrubadas e deram lugar à novas e diversas verdades que contribuíram para o</p><p>avanço do capitalismo, levando à crença de mobilidade entre as classes sociais. Este mundo em</p><p>movimento trouxe ao homem a possibilidade de ser, de pensar, de refletir, enfim, de escolher entre as</p><p>várias opções que, agora, encontravam-se à sua disposição. Estavam lançadas as bases para o próximo</p><p>passo: o surgimento paulatino da noção de sujeito e, por extensão, a de "eu" separada da de "nós".</p><p>Outros conceitos, tais como o de "mundo interno", "mundo externo", "singularidades", "componentes</p><p>individuais", "personalidade", "subjetividade" e outros tantos, vão definitivamente confortar a ideia de</p><p>um "eu", individual que deve ser compreendido em sua particularidade.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 9</p><p>Concomitantemente, a este processo, surge a necessidade de uma ciência que estude,</p><p>compreenda e, consequentemente, se posicione sobre este "eu" que possui características únicas e</p><p>particulares. Nasce, então, a psicologia: a ciência dos fenômenos psíquicos e do comportamento, que</p><p>propõe a compreensão, o conhecimento, o logos, da mente, da alma, da psyché.</p><p>Entretanto, ao surgir, a psicologia, como toda ciência emergente, está atrelada à ideologia que</p><p>permitiu o seu aparecimento. Ou seja, se, por um lado, a visão liberal defende a existência de uma</p><p>natureza inerente ao homem, dotando todos os homens de um "potencial humano" a ser desenvolvido</p><p>por a realização deste potencial em estreito acordo com o "projeto capitalista".</p><p>Opera-se uma ruptura, ou melhor, uma alienação, entre as potencialidades teoricamente atribuídas</p><p>a todos os homens e as condições concretas necessárias a sua realização que, evidentemente, não são</p><p>acessíveis a todos. Como se o desabrochar das potencialidades pudesse ser separado da realidade social</p><p>onde o sujeito está inserido e dependesse única e exclusivamente do esforço pessoal, pois todos têm</p><p>chances iguais.</p><p>Estas ideias contextualizam, de forma bem resumida, o qualquer um, desde que as possibilidades</p><p>necessárias lhe sejam dadas, por outro lado, esta mesma visão liberal determina as condições ideais para</p><p>aparecimento da psicologia: ao surgir, ela vai interessar-se na descrição do fenômeno psíquico como algo</p><p>abstrato, independente da realidade externa.</p><p>Dada a sua origem biológica naturalista, que entende o comportamento humano como respostas a</p><p>estímulos emitidas por um organismo fisiológico, a psicologia não considerou que a sociedade na qual o</p><p>homem que responde está inserido é o resultado de um processo histórico-dialético (MAURER LANE, S.,</p><p>T., 1985).</p><p>Wundt em seu laboratório, e no entusiasmo de descrever o homem como um complexo sistema</p><p>capaz de transformar a natureza, almejava uma psicologia científica livre da especulação filosófica. Por</p><p>isto, talvez, não tenha levado em conta que ao transformar a natureza o próprio homem se transforma ao</p><p>longo da história.</p><p>Esquecer a perspectiva histórico-social do ser humano tem trazido grandes prejuízos à prática</p><p>psicológica. Exemplos não faltam. Não se discute a importância das contribuições de Skinner para os</p><p>avanços da psicologia, ao enfatizar as relações homem-ambiente, e o controle que o ambiente exerce</p><p>sobre o comportamento.</p><p>Entretanto, segundo alguns críticos (Maurer Lane, S., T., 1985, 14), Skinner não teria atentado para</p><p>o fato de que estas relações são produzidas pelas condições históricas da sociedade em questão. Embora</p><p>não se possa negar que, de fato, reforços e punições controlam comportamentos, a questão é a de saber</p><p>por que certas coisas é aprendido e outras extintas? Porque, dentro de um grupo social, determinados</p><p>comportamentos são reforçados e outros punidos?</p><p>Freud, ainda que enfatizando a dimensão histórica do indivíduo e atrelado à visão evolucionista</p><p>darwiniana, negligencia que, ao dar novo significado ao fenômeno psíquico, ao modificar a história,</p><p>homem e fenômeno se modificam. Alguns pressupostos psicanalíticos como, por exemplo, a famosa</p><p>"inveja do pênis", devem ser historicamente contextualizados. Se no discurso das histéricas de Freud tudo</p><p>indicava que estas últimas invejam os privilégios que os seres portadores de pênis possuíam, tal</p><p>lidar com ela.</p><p>O homem na contemporaneidade, caracterizada pela valorização do conhecimento científico imerso</p><p>no contexto capitalista e materialista, busca respostas invisíveis para a morte e simultaneamente anseia</p><p>por tecnologias fúteis para retardar o fenômeno natural do morrer (MONTANARI; OLIVEIRA, 2010).</p><p>A morte por ser integrante do ciclo de vida humano é uma certeza absoluta e a aceitação dela por</p><p>parte do paciente, da família e equipe de saúde facilita os cuidados paliativos, e esses, não aceleram e</p><p>nem adiam a morte. E é através da escuta, da comunicação, da atenção e tecnologias medicamentosas</p><p>que se busca auxiliar no alcance do conforto (OLIVEIRA et. al., 2010). A filosofia paliativista parte da ideia</p><p>que se não é possível curar, é possível cuidar. Consiste em uma tecnologia leve e de grande impacto</p><p>interpessoal no resgate da humanização nas ações em saúde (BORGES; MENDES, 2012).</p><p>A morte representa a interrupção definitiva da vida e o morrer o intervalo em que a patologia se</p><p>torna irreversível e a letalidade o resultado da mesma (AZEREDO et. al., 2011).</p><p>O fato de estar diante da morte têm implicações para os profissionais da saúde, como: confronto</p><p>com a morte do outro, o cuidado direto com o paciente terminal o contato com a própria finitude e as</p><p>perdas e lutos vividos individualmente e/ou coletivamente pelos membros da equipe de saúde. O que faz</p><p>daquelas gerar reflexões e sentidos para o profissional que está em um constante aprendizado, a respeito</p><p>dos sofrimentos diante das perdas, do autoconhecimento, da sensibilidade e da compaixão frente ao</p><p>outro e do aprimoramento de estratégias para o enfrentamento da transição da vida para a morte</p><p>(RODRIGUES; ZAGO, 2012). Estudo (RODRIGUES; ZAGO, 2012) mostra que é no óbito do outro que é</p><p>possível refletir e buscar definições que tentam significar o fenômeno do morrer. Um dos possíveis</p><p>significados abrange a religiosidade, com suas diversificadas crenças, sentidos, identidades e disposições</p><p>éticas que podem constituir sistemas de referências estruturantes nos seres humanos. Não se podem</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 92</p><p>desvalorizar os vários recursos disponíveis na tentativa de manutenção e recuperação da vida, mas</p><p>também se faz necessário discutir e abrir espaço para novas reflexões sobre o assunto da morte.</p><p>O óbito pode ser entendido pela vivência dos profissionais da saúde através da expressão de</p><p>sentimentos diante da terminalidade do outro, essas emoções despertadas incluem a sensação de</p><p>fracasso, perda, impotência, tristeza e medo. A equipe de saúde é composta por pessoas que expressam</p><p>suas limitações e emoções na rotina de trabalho. Pois, se trata de uma situação em que o ser humano</p><p>luta constantemente com suas defesas na tentativa de distanciar-se do inevitável contato com a morte.</p><p>Ao questionar a morte e o morrer, inevitavelmente fala-se de vida, pois são assuntos</p><p>complementares e não contrários. Trazendo à tona este tabu, espera-se uma mudança nos parâmetros</p><p>de comportamento individuais e da sociedade. Assim, pode ser que, ao lidar melhor com a morte, o</p><p>homem resgate a alegria de viver, em uma sociedade marcada pelos altos índices de depressão. Sendo a</p><p>morte um tema polêmico, configura-se como um campo de estudos fértil para a psicologia como reflexão,</p><p>ciência e prática.</p><p>Destarte, uma vez que o significado das coisas tem um papel organizador nos seres humanos, é</p><p>crucial a investigação sobre o tema da morte para o psicólogo hospitalar, já que está circunscrita em sua</p><p>atuação profissional cotidiana, influenciando a qualidade de vida do trabalhador, e a maneira como ele</p><p>interage na sua atividade laboral.</p><p>4.1 A morte e a psicologia hospitalar</p><p>A considerável evolução da medicina nas últimas décadas, com a sofisticação das técnicas de</p><p>diagnóstico e tratamento, possibilitou uma melhoria da qualidade de vida do doente e contribuiu para</p><p>modificar a relação do homem com seu corpo e sua vida. O trabalho do profissional de saúde é</p><p>socialmente valorizado na cultura ocidental pela ajuda e assistência dada a quem está sofrendo.</p><p>O hospital existe para a cura, entretanto, ali a morte se faz presente a todo instante. Esta</p><p>constatação, por sua vez, muitas vezes é fonte de angústia. Aliada a essa rotina de grande exigência</p><p>emocional em função da proximidade com a dor e a morte, a precária situação do sistema de saúde</p><p>brasileiro intensifica o sofrimento do profissional de saúde, visto que este se depara cotidianamente com</p><p>insuficiência de recursos humanos, baixos salários, precariedade de infraestrutura, falta de</p><p>medicamentos, entre outras situações (Pitta, 2003; Bruscato, 2004).</p><p>A morte no ambiente hospitalar é identificado como fracasso da instituição e do profissional. É</p><p>negada de diversas formas: pela linguagem, através da substituição do termo morte por outras palavras</p><p>(como óbito ou parada cardíaca); pela postura de onipotência, indiferença e afastamento dos</p><p>profissionais, que procuram agir isentos de envolvimento emocional como mecanismo de defesa; no</p><p>ensino da área de saúde, a ênfase é colocada na técnica, em detrimento do aspecto emocional do</p><p>paciente. Combinato e Queiroz (2006), citando Capra (1982), pontuam que a “explicação da ciência sobre</p><p>a morte (ou sobre o nãoser) está situada na perspectiva biologicista do modelo biomédico, ou seja, ´a</p><p>morte consiste, simplesmente, na paralisação total da máquina-corpo`” (p.213).</p><p>A medicina contemporânea negligencia os aspectos psicossociais do processo saúde-doença. A vida</p><p>biológica foi aumentada, mas muitas vezes ocorre a morte social, com isolamento, abandono e uma vida</p><p>de perdas. Assim, no adoecimento são potencializadas, angústias, medos, inseguranças, raivas, revoltas,</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 93</p><p>não só para doentes e familiares, mas também para o próprio profissional da saúde, sempre preparado</p><p>para a cura, mas em constante tensão diante da morte.</p><p>Nesse sentido, o psicólogo hospitalar tem como foco de sua atuação a subjetividade da tríade</p><p>paciente - família - equipe de saúde, servindo como mediador das relações, considerando o homem como</p><p>um ser integral e sistêmico, que abrange os aspectos biopsico-afetivo-cultural e espiritual.</p><p>O homem não é só um corpo, e diante da urgência orgânica que leva à hospitalização, surge</p><p>também uma urgência psíquica, e é nesse contexto que o psicólogo hospitalar realizará o seu trabalho,</p><p>perpassado por uma questão central: a morte e as várias formas que o sujeito encontra para lidar com</p><p>essa possibilidade (Granha, 2000).</p><p>Segundo Oliveira (1998), quando o sujeito está internado no hospital:</p><p>O doente torna-se um paciente, sem trocadilhos, uma pessoa resignada aos</p><p>cuidados médicos, que deve esperar serenamente a melhora de sua doença.</p><p>Esse paciente, desnudado por uma instituição total, perde sua identidade,</p><p>transforma-se em número, em um caso clínico, deixa de ser responsável por si</p><p>mesmo, sua doença e vida. O paciente é vulnerável, submisso e dependente.</p><p>No hospital, não apenas seu corpo, mas tudo o que significa o controle da própria existência passa a</p><p>ser controlado pela equipe de saúde, e a família, cuidador original, atua como mero expectador. Diante</p><p>de tantos estressores, podem surgir mecanismos de defesa como a regressão e o calar-se, sendo que este</p><p>é bem visto pela equipe, já que o bom paciente é aquele que aceita as orientações médicas sem</p><p>questionar (Oliveira, 1998).</p><p>O psicólogo hospitalar não participa diretamente no tratamento clínico, de forma que seu papel</p><p>com o paciente é diferente em relação ao dos demais 14 profissionais. Sua atuação é voltada à atenção a</p><p>pessoa integral, procura dar voz ao sujeito hospitalizado, possibilitando a compreensão e o tratamento</p><p>dos aspectos psicológicos, permitindo a</p><p>abertura de um canal de contato com a equipe.</p><p>Diante de um paciente terminal, fora de possibilidades terapêuticas, percebe-se que a equipe de</p><p>saúde, em sua maioria, tenta aplacar sua angústia empregando um modo impessoal no tratamento:</p><p>utiliza termos técnicos que inviabilizam o entendimento real da situação do paciente, de modo que ele</p><p>fica perdido na linguagem científica; ou emprega expressões amenas (como melhora sensível, resultados</p><p>são lentos, exames estão se normalizando, etc.).</p><p>Essas posturas de negação, falso otimismo, superproteção e intelectualização podem ser encaradas</p><p>como processos contra transferênciais diante do indivíduo que está morrendo. O que impera são as</p><p>decisões da equipe, o querer do paciente já não é mais próprio. É como se não fosse dada a esse “sujeito</p><p>passivo” (ou objeto?) a oportunidade de elaborar suas autênticas possibilidades, apoderando-se de seus</p><p>recursos de enfrentamento para revelar-se como um ser para a morte ( Kovács, 2002).</p><p>Os membros da equipe muitas vezes não se permitem olhar para sua condição de seres humanos,</p><p>sua vulnerabilidade, suas limitações, e aceitar sua própria mortalidade.</p><p>A síndrome do esgotamento profissional, ou burnout, é um exemplo a que está sujeito o profissional da</p><p>saúde que lida com o sofrimento alheio, sem que esteja, muitas vezes, preparado para enfrentar tal</p><p>situação. A participação do psicólogo na equipe e nas discussões clínicas permite que ele forneça dados a</p><p>respeito da dinâmica do paciente e de sua família e, assim, colabore na completude do diagnóstico e na</p><p>decisão de condutas.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 94</p><p>A prática colaborativa entre membros de uma equipe interdisciplinar é essencial, considerando-se a</p><p>oportunidade de compartilhar as questões que permeiam o ambiente hospitalar, desencadeadoras de</p><p>desgastes e que dizem respeito a valores humanos, respeito e dignidade aos pacientes. Ainda, que a</p><p>natureza do trabalho, ao lidar com dor, sofrimento e morte, influencia a produção de sintomas psíquicos.</p><p>Segundo a autora, a compreensão da satisfação ou adoecimento pelo trabalho pode estar no</p><p>conhecimento do psicodinamismo da pulsão de morte, que pode ter três distintos:</p><p> A confusão apaixonada, que “se traduz pela componente apaixonada do projeto, do qual a</p><p>pulsão de vida (sexual) é o mestre de obras” (p. 75);</p><p> A realização pulsional pela percepção, no qual o indivíduo se coloca em contato com o horror e o</p><p>sofrimento, e a profissão funciona como um álibi de um gozo secreto através da percepção de</p><p>certas situações sádicas;</p><p> Sublimação, pela criação da forma como as situações serão percebidas, no qual o sujeito utiliza-</p><p>se da reparação de suas representações mentais, deslocando-as para objetos e finalidades</p><p>valorizadas social e narcisisticamente.</p><p>No hospital, o psicólogo se depara com situações inesperadas, acontecimentos que podem destituir</p><p>o sujeito de seu ancoramento significante, emergindo a angústia e o desamparo.</p><p>O adoecimento pode ser visto como um momento de crise, no qual são vivenciadas inúmeras</p><p>situações de perda de sua rotina e hábitos; da condição de saúde para a doença; da autonomia e</p><p>independência; afastamento da família e do trabalho; da condição de “inteiro” para uma cirurgia, que</p><p>pode deixar marcas, cicatrizes, mutilações, ou ainda causar a morte da pessoa. Assim, o ser humano, que</p><p>já nasce incompleto, ao adoecer revela sua falta a ser de forma escancarada, revelando sua fragilidade,</p><p>para si e para os outros. Frente a essas rupturas, a morte ocupa o lugar do interdito, sendo encarada</p><p>como vergonhosa, o que dificulta sua elaboração (Moura, 2000; 2003).</p><p>Para a psicanálise, essa ruptura causada pela hospitalização e os sentimentos decorrentes dessas</p><p>perdas pode ser associada à castração. Este corte abrupto na cadeia de significantes do sujeito remonta à</p><p>sua certeza vacilante, à falta de garantia. Por outro lado, a “tão temida” morte pode ser vista como uma</p><p>possibilidade para o alívio do sofrimento vivenciado pelo indivíduo hospitalizado, já que é a única capaz</p><p>de suprimir todas as exigências do homem, ser desejante. Ora, se a vida passa a oferecer mais desgosto</p><p>que gratificações, e o futuro parece desolador, a morte surge como um alívio.</p><p>O psicólogo passa cotidianamente por essa experiência de ocupar o lugar de morto em sua</p><p>atividade profissional, visto que precisa se despir de seus ideais, valores, vaidades e sentimentos para</p><p>exercer sua função. Essa postura adotada no espaço dialético do atendimento psicoterápico favorece que</p><p>o psicólogo possa, a todo instante, rever posições e mudar crenças, desconstruir verdades, auxiliando a</p><p>evolução da cultura, impulsionando o movimento da vida (Rodrigues, 2000).</p><p>Diante da complexidade do luto, o profissional da saúde que lida com este processo também é</p><p>afetado, uma vez que é difícil ajudar ou se sentir ajudando a pessoa enlutada, o que pode ocasionar</p><p>frustração e/ou raiva. Por outro lado, o profissional pode se sentir desconfortável ao testemunhar a dor</p><p>da pessoa, abreviando o contato. Worden (1998) explicita esta situação citando dois autores:</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 95</p><p>A perda de uma pessoa querida é uma das experiências dolorosas mais</p><p>intensas que qualquer ser humano pode sofrer, e não só é dolorosa como</p><p>vivência, mas também dolorosa para ser testemunhada, apenas pelo fato de</p><p>sermos impotentes para ajudar (Bowlby, 1980, p.7). A dor é inevitável neste</p><p>caso e não pode ser evitada. As duas partes têm consciência de que nenhum</p><p>pode dar ao outro o que o outro quer. A pessoa que ajuda não pode trazer a</p><p>pessoa falecida de volta, e a pessoa enlutada não pode gratificar aquela que</p><p>ajuda demonstrando estar sendo ajudada (Parkes, 1972, p.163).</p><p>O psicólogo, como integrante da equipe de saúde, cuida do sofrimento alheio e, muitas vezes, não</p><p>têm espaço para cuidar da sua dor, acarretando o seu próprio adoecimento.</p><p>Worden (1998) pontua que além de desafiar a necessidade de ajudar, trabalhar com a pessoa</p><p>enlutada pode atingir o profissional de outras maneiras: tornando-o consciente de suas próprias perdas,</p><p>muitas vezes de forma dolorosa; gerando apreensão em relação às perdas temidas; ocasionando</p><p>ansiedade existencial e a consciência da própria morte; ferindo seu narcisismo e onipotência. Assim, é</p><p>importante que o profissional da saúde procure resolver seus conflitos, conscientizando-se de suas</p><p>limitações quanto aos tipos de pacientes e tipos de situações de luto que pode trabalhar. Muitas vezes</p><p>diante da morte de um paciente, cabe ao psicólogo hospitalar colocar-se a disposição da equipe de saúde</p><p>e/ou dos familiares, utilizando-se de sua escuta diferenciada, o discurso do silêncio, o estar junto.</p><p>Considerando-se que a inserção do psicólogo no ambiente hospitalar desde em 1954 e, portanto, é</p><p>recente, vale destacar que sua formação ainda é falha em relação aos subsídios teóricos que possam</p><p>embasá-lo em sua prática institucional, visto que a atuação no modelo clínico ainda é hegemônica. Nessa</p><p>perspectiva, o psicólogo percebe que no contexto hospitalar os ensinamentos e leituras teóricas de sua</p><p>prática acadêmica não serão suficientes para embasar sua atuação, e aprende que terá de aprender</p><p>aprendendo, com os pacientes, sua dor, angústias e realidade, e o paciente de modo peculiar ensina ao</p><p>psicólogo sobre a doença e sobre como lidar como a própria dor diante do sofrimento (Camon, 2003,</p><p>p.3).</p><p>Falando sobre a morte, isto se torna mais evidente, visto que é um tema complexo, pouco</p><p>discutido, no qual a teoria fala pouco da realidade vivida. Sirlei (2008) em sua pesquisa sobre a</p><p>representação da morte para o profissional da psicologia hospitalar elenca como aptidões necessárias</p><p>para o psicólogo ante a iminência de morte: autoconhecimento</p><p>e consciência de suas limitações; que o</p><p>profissional tenha para si bem elaborado a morte e o controle de suas emoções; conhecimento teórico;</p><p>supervisão de outro profissional de psicologia; atitudes como doação, compaixão, acolhimento, empatia,</p><p>aceitação. Diante do panorama geral que essa breve sistematização de literatura pôde permitir, constata-</p><p>se que o contato próximo com a morte exerce um grande impacto no trabalho dos profissionais da saúde,</p><p>podendo ou não trazer prejuízos para suas vidas profissionais e pessoais.</p><p>4.2 Intervenção do psicólogo hospitalar em processos de terminalidade e morte</p><p>No ambiente hospitalar, em situações de terminalidade e morte, o processo psicoterápico deve</p><p>enfatizar a expressão dos sentimentos, a melhora da qualidade de vida e a facilitação da comunicação</p><p>(Kovács, 1992). Beneficiam-se, dessas intervenções, tanto a pessoa em processo de terminalidade quanto</p><p>seus familiares, o que diminui a probabilidade de ocorrência de sintomas psicopatológicos futuros, como</p><p>depressão e ansiedade, decorrentes da perda ou luto não elaborados (Bowlby, 1998; Brown, 2001).</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 96</p><p>O ritual de despedida entre familiares e pacientes contribui tanto para a prevenção do surgimento</p><p>desses sintomas psicológicos quanto para a reaproximação da família e para a definição de questões do</p><p>relacionamento familiar que estejam pendentes (Bowlby, 1998; Imber-Black, 1998; Lisbôa & Crepaldi,</p><p>2003). A partir dele, é possível abrir espaços para o compartilhamento de sentimentos entre os membros</p><p>da família, incluindo as crianças nesse processo (Bowlby, 1998; Walsh & McGoldrick, 1998).</p><p>A morte de pessoas gravemente enfermas, no contexto hospitalar, pode ser considerada previsível,</p><p>de forma que o próprio paciente “prepara-se” psicologicamente para esse evento, assim como seus</p><p>familiares (Brown, 2001). As doenças progressivas, como o câncer em situação avançada ou não, trazem a</p><p>expectativa de morte dentro de um período de tempo, permitindo que alguns planejamentos familiares</p><p>sejam revistos, favorecendo a intervenção psicológica (Parkes, 1998).</p><p>As neoplasias indicam um modelo de doença integral, por refletirem a pessoa enferma em suas</p><p>relações pessoais, sociais e familiares (Moreira & Mello Filho, 1992). Portanto, nessa perspectiva deve-se</p><p>pensar na pessoa com câncer como a expressão de um sujeito dentro de um contexto de vida com sua</p><p>construção histórica e sua rede de relações e significados.</p><p>O câncer, que corresponde à segunda causa de mortes no Brasil, perdendo apenas para as doenças</p><p>cardiovasculares é, na verdade, “o nome genérico de um conjunto de mais 200 doenças distintas, com</p><p>multiplicidade de causas, formas de tratamento, e prognósticos” (Borges e cols., 2006, p. 363). Embora se</p><p>saiba que as neoplasias são multideterminadas, em alguns grupos 20 sociais há uma associação do câncer</p><p>como enfermidade punitiva, com conotação moral e religiosa (Aquino & Zago, 2007).</p><p>Esse sentimento de culpa parece relacionar-se ao fato de a doença ser percebida como punição em</p><p>diversas culturas, conforme indicam Sebastiani e Maia (2005). Como estratégia de enfrentamento da</p><p>doença, a religião também gera alívio ao sofrimento, oferece o conforto que toma o espaço da fatalidade.</p><p>Isso se relaciona ao fato de que a explicação oferecida sobre a doença pelos sistemas religiosos se</p><p>aproxima mais do contexto sociocultural dos pacientes do que aquelas explicações, muitas vezes de uma</p><p>forma reducionista, oferecidas pela medicina. Em virtude disso, é importante que os profissionais da</p><p>saúde destacando-se dentre eles os psicólogos levem em conta a religiosidade do sujeito enfermo ao</p><p>planejar e executar suas intervenções, contribuindo para a manutenção de uma relação de respeito e</p><p>confiança com essa clientela (Aquino & Zago, 2007).</p><p>O psicólogo pode estender sua intervenção à equipe profissional da instituição, ao invés de</p><p>restringi-la apenas ao doente e aos seus familiares. Frequentemente membros da equipe mobilizam-se</p><p>em situações de terminalidade e morte de pessoas hospitalizadas. Em uma unidade cirúrgica, por</p><p>exemplo, a equipe de saúde busca salvar vidas de forma heroica, assim, o paciente inoperável e a cirurgia</p><p>não curativa representam, para eles, um fracasso (Parkes, 1998).</p><p>A perda do ente querido é dolorosa para quem a experimenta e para quem observa, pelo</p><p>sentimento de impotência gerado. Além disso, o trabalho do psicólogo junto aos outros profissionais deve</p><p>ocorrer no sentido de uma participação ativa na definição de procedimentos e tratamentos a serem</p><p>realizados. Para que a prática profissional do psicólogo em ambientes complexos como é o caso do</p><p>hospital, onde atuam profissionais de diferentes formações e especialidades seja bem-sucedida, é</p><p>imprescindível que o relacionamento entre os membros da equipe seja caracterizado por um diálogo</p><p>cooperativo e aberto, no qual haja objetividade e clareza na proposição e justificativas de procedimentos</p><p>técnicos relativos a cada especialidade (Tonetto e Gomes, 2007).</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 97</p><p>Contudo, parece haver algumas limitações que acarretam lacunas no estabelecimento de relações</p><p>profissionais com essas características. De acordo com os resultados do trabalho desenvolvido por</p><p>Gonçalves (2007), embora os profissionais reconheçam a necessidade de atuação de diferentes áreas no</p><p>trabalho em equipes de saúde, eles demonstram apresentar dificuldades na ação interdisciplinar na</p><p>prática cotidiana.</p><p>4.3 O Valor da Experiência no Enfrentamento da Morte</p><p>No começo da atuação profissional do psicólogo hospitalar, é tudo muito novo o setting, o ir ao</p><p>encontro do cliente, a maneira de abordar, a atuação multidisciplinar, os termos médicos, as diversas</p><p>patologias o que gera uma insegurança (mais que natural) no trabalhador. Além disso, a psicologia</p><p>hospitalar talvez seja a única área da psicologia que tem uma proximidade tão grande com a morte, pois</p><p>dificilmente na clínica o profissional perde de fato um paciente e, caso isso aconteça, provavelmente ele</p><p>não morrerá na frente do psicólogo, o que acontece concretamente no ambiente hospitalar. Dessa forma,</p><p>o psicólogo hospitalar precisa saber lidar com a morte.</p><p>Nos primeiros casos de falecimento que acompanha, é comum que o profissional fique paralisado,</p><p>com “vontade de chorar e sair correndo”, querendo dar conta daquele fenômeno, ter uma atuação que</p><p>aplaque a morte, o que é impossível. “A gente tem que ser humilde diante da morte, o máximo que eu</p><p>posso fazer é dar um apoio, eu não tenho como tirar aquela dor, eu tenho como tentar evitar o trauma,</p><p>se eu deixo essa pessoa se expressar, se eu tento desculpabilizá-la, se eu mostro sensibilidade, se eu não</p><p>a deixo desamparada, se eu não abandono ela nessa hora...” (sic).</p><p>Isso nos remete ao que foi colocado por Worden (1998) sobre a dificuldade do profissional de</p><p>saúde em acompanhar o luto de outras pessoas. Em relação a esse não abandonar, percebemos na</p><p>atuação hospitalar que muitas vezes o paciente fica desamparado, ou por seus familiares ou até mesmo</p><p>pela própria equipe, nos casos em que se encontra fora de possibilidades terapêuticas. A revisão</p><p>bibliográfica mostrou que a morte é vista pela instituição como um fracasso e que a cultura biomédica,</p><p>ainda dominante, foca-se em prolongar a vida biológica em detrimento dos aspectos biopsicossociais, o</p><p>que pode levar à morte social (Bruscato, 2004). Sabe-se que o processo de luto não começa com a morte</p><p>e sim com as relações existentes antes dela, que serão determinantes na qualidade do processo de luto.</p><p>Em relação à família, por ora observamos um abandono físico, em que o paciente fica só, ou um</p><p>desamparo, visto que a cultura dissemina a ideia de que se deve estar sempre feliz, não</p><p>havendo espaço</p><p>para discorrer sobre a possibilidade próxima da morte. Essa negação também é vista nos casos em que os</p><p>familiares pedem aos profissionais que escondam do doente o seu quadro médico, atitude esta nada</p><p>ética. Vê-se aí uma das consequências do mundo capitalista em que o doente, deixando de produzir,</p><p>perde o “direito” do controle sobre si e a realidade.</p><p>Com a experiência profissional, o psicólogo vai percebendo que seu papel não é fazer com que os</p><p>familiares parem de chorar, saiam bem dali, tampouco dizer coisas para promover conforto, o que é a</p><p>visão do senso comum. Pelo contrário, é justamente o de propiciar um espaço acolhedor para que as</p><p>pessoas expressem seus sentimentos e comecem a elaborar seu luto. Não há dúvidas de que o</p><p>conhecimento advindo do senso comum tem muito valor, visto que confere significações e sentidos às</p><p>mais diversas coisas, pré-interpretando aspectos da realidade tacitamente. Contudo, o saber psicológico</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 98</p><p>diferencia-se desse “conhecimento pronto e acabado”, até mesmo porque cada sujeito é único e</p><p>particular, e assim também o é a maneira de abordá-lo.</p><p>A maturidade profissional confere ao profissional maior segurança, menos medo; permite que ele</p><p>se conheça mais; trace seus limites; crie recursos de enfrentamento; maneiras de abordar a situação; o</p><p>conhecimento acerca do que fazer em determinadas ocasiões; a sensibilidade sobre quando é o</p><p>momento de ficar quieto, calado, apenas presente, à disposição; escutando tranquilamente, o que</p><p>geralmente não é suportado pelos demais; quando deve fazer alguma consideração pertinente, entre</p><p>outras situações. Com o decorrer do tempo, vai percebendo que lidar com a morte não é “nenhum bicho</p><p>de sete cabeças”. Para tal, teoria e prática são fundamentais e se complementam.</p><p>A preparação do psicólogo na graduação muitas vezes é deficiente nesse sentido, temas como a</p><p>percepção sistêmica da realidade institucional e do sujeito internado e a morte (talvez um próprio reflexo</p><p>de sua negação) são negligenciados em função da ênfase dada à formação clínica.</p><p>O profissional acaba indo fazer cursos ou especializações na área hospitalar após a graduação,</p><p>muito ricas pelos ensinamentos que subsidiam a prática, além da troca de experiências e modelos de</p><p>atuação. Por outro lado, conforme salienta Hycner (1995), “Quando as técnicas têm supremacia, o lado</p><p>humano fica obscurecido (...). A técnica precisa estar baseada na relação entre pessoa e pessoa – o inter-</p><p>humano” (p.22). Esta ênfase tecnocrática provoca um distanciamento maior entre as pessoas, ainda</p><p>evidente na atuação médica, mas que não pode ocorrer na prática psicológica, visto que esta é dialógica e</p><p>se dá no contato com o outro.</p><p>Segundo Kovács (2002), os médicos se escoram nos exames, nos instrumentos, na tecnologia e na</p><p>farmacologia; o psicólogo se escora na sua “tecnologia”, suas interpretações psicológicas sobre o viver do</p><p>outro. Para tal, deve desenvolver o seu poder de escuta, perceber as necessidades do outro, tornar-se</p><p>disponível para esse contato íntimo, estando atento para verificar se o “psi” não entra como defesa</p><p>contra um contato profundo com o paciente, que no momento de hospitalização encontra-se, muitas</p><p>vezes, fragilizado e necessitando de ajuda.</p><p>Em pesquisa realizada por Kovács em 1985 com estudantes de cursos da área de saúde (medicina,</p><p>psicologia e enfermagem), os alunos de psicologia foram os que obtiveram escores mais altos de medo da</p><p>morte.</p><p>A hipótese levantada é a de que os alunos respondem conforme o que lhes é esperado: médicos</p><p>não temem a morte e atuam como heróis para desafiá-la; psicólogos estão em contato com os</p><p>sentimentos, tendo autorização para manifestá-los. Surge a dúvida: se no começo da atuação, falo</p><p>também em experiência própria, é difícil acompanhar a dor do outro, o choro insiste em aparecer, a</p><p>vontade é de não ter que passar por essa experiência de compartilhar a morte do paciente, esse</p><p>amadurecimento profissional e melhor controle da contenção emocional não poderia também ser um</p><p>efeito da naturalização? Essa intelectualização não poderia ser considerada um mecanismo de defesa</p><p>para lidar melhor com a morte, um isolamento emocional, uma dessensibilização? Ou o “sentir menos”</p><p>estaria relacionado ao fato de que a intensidade da dor está relacionada à proximidade e qualidade da</p><p>ligação que a pessoa tem com o falecido?</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 99</p><p>4.4 O cuidado da dor e sofrimento como direito fundamental</p><p>Dor e sofrimento são companheiros da humanidade desde tempos imemoriais. Seu controle e alívio</p><p>constituem-se hoje em competências e responsabilidades éticas fundamentais dos profissionais da saúde.</p><p>Essa ação é um indicador essencial de qualidade do cuidado da dor e sofrimento, bem como da</p><p>assistência integral ao paciente, no âmbito da saúde.</p><p>A dor é um sintoma e uma das causas mais frequentes da procura pelos serviços de saúde. Em</p><p>muitas instituições de saúde que hoje estão na vanguarda do cuidado integral do ser humano</p><p>vulnerabilizado por alguma doença grave, vendo-se obrigado a enfrentar dores excruciantes, essa</p><p>experiência de dor é reconhecida como o quinto sinal vital integrado à prática clínica. Se a dor fosse</p><p>tratada com o mesmo zelo que os outros sinais vitais (temperatura, pressão arterial, respiração e</p><p>frequência cardíaca), sem dúvida haveria muito menos sofrimento.</p><p>O objetivo da avaliação da dor é identificar a sua causa, bem como compreender a experiência</p><p>sensorial, afetiva, comportamental e cognitiva que ela representa para a pessoa, tendo em vista a</p><p>promoção de seu alívio e cuidado.</p><p>Hoje se reconhece que a dor é uma doença. De acordo com a definição da OMS, a saúde é um</p><p>estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doença ou de mal-</p><p>estar. É evidente que as condições dolorosas constituem um estado de mal-estar; portanto, o ser humano</p><p>que sofre de dor não está sadio, e pode-se afirmar legitimamente que se está violando seu direito</p><p>inalienável à saúde.</p><p>O artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece como um dos direitos dos</p><p>seres humanos um nível de vida adequado para a saúde e o bem-estar. Infelizmente, saúde e bem-estar</p><p>nem sempre são uma escolha possível, já que, em inúmeras situações, muitas pessoas, por causa da</p><p>velhice ou das doenças, sentem dor e sofrem muito no final da vida. A diferença entre dor e sofrimento</p><p>tem grande significado, principalmente quando se lida com pacientes terminais.</p><p>O enfrentamento da dor exige o uso de medicamentos analgésicos, enquanto o sofrimento pede</p><p>acolhida para fortalecer o espírito e as noções de significado e sentido da vida, pois a dor sem explicação</p><p>geralmente se transforma em sofrimento. E o sofrimento é uma experiência humana profundamente</p><p>complexa, na qual intervêm a identidade e subjetividade da pessoa, bem como seus valores socioculturais</p><p>e religiosos.</p><p>Um dos principais perigos em negligenciar a distinção entre dor e sofrimento é a tendência dos</p><p>tratamentos de se concentrarem somente nos sintomas e dores físicas, como se esses fossem a única</p><p>fonte de angústia e padecimento para o paciente. Tende-se a reduzir o sofrimento a simples fenômeno</p><p>físico, que pode ser mais facilmente identificado, controlado e dominado por meios técnicos.</p><p> Dimensão física: no nível físico, a dor funciona como claro marcador, alertando que algo não</p><p>está funcionando normalmente no corpo.</p><p> Dimensão psíquica: emerge à consciência quando é preciso enfrentar a inevitabilidade da morte;</p><p>quando os sonhos e esperanças se esvaem e surge a necessidade urgente de redefinir o mundo que</p><p>está para deixar.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>100</p><p> Dimensão social: é a dor do isolamento, que surge quando a pessoa que está para morrer</p><p>percebe que deixará de viver, mas o mundo tal como conhece continuará existindo. É o sofrimento</p><p>de sentir-se inexoravelmente tocado por um destino que não gostaria de experimentar, e da solidão</p><p>por saber que é impossível compartilhar plenamente essa realidade que obriga a redefinir os</p><p>relacionamentos e as necessidades de comunicação.</p><p> Dimensão espiritual: surge da perda do sentido, objetivo de vida e esperança. Todos necessitam</p><p>de um horizonte de sentido – uma razão para viver e uma razão para morrer. O conceito de</p><p>espiritualidade é encontrado em todas as culturas e sociedades. Ela se expressa na busca individual</p><p>por um sentido último, mediante a participação na religião ou na crença em Deus, família,</p><p>naturalismo, racionalismo, humanismo e artes. Todos esses fatores podem influenciar o modo</p><p>como os pacientes e profissionais da saúde percebem a saúde e a doença e como eles interagem</p><p>uns com os outros.</p><p>4.5 Dor x Alívio em Decorrência da Morte</p><p>Quando se fala em morte, logo se pensa em dor, e também se consideram as variáveis envolvidas</p><p>como a idade do falecido ou se foi algo repentino, por exemplo.</p><p>Geralmente, quando o sofrimento do doente é muito intenso e o período de hospitalização é longo,</p><p>a “tão temida” morte é uma libertação, um alívio. É recebida com dor porque é uma perda, mas</p><p>redimensionada diante do sofrimento prolongado (do doente e dos familiares), que acaba funcionando</p><p>como um processo preparatório. E aí surge o questionamento sobre a intensidade da dor, do que seria</p><p>“melhor”: uma morte abrupta ou prolongada? Quando a morte é abrupta, as pessoas entram em choque,</p><p>não têm sentimento elaborado nenhum, não estavam preparadas para isso. Sendo uma interrupção,</p><p>parece ser mais cruel, pois o falecido não teve tempo de fazer nada, se despedir, resolver conflitos, dizer</p><p>eu te amo... Kovács (2002) diz que se a morte “ocorre de maneira brusca e inesperada tem uma</p><p>potencialidade de desorganização, paralização e impotência.” (p.154). Em contraponto, apesar de se</p><p>achar que não há um preparo para a morte, quando a pessoa vivencia um longo processo de</p><p>hospitalização, seus familiares e amigos vão de antemão se despedindo, o que é chamado de “luto</p><p>antecipatório”.</p><p>Parece que as pessoas vão sofrendo aos pouquinhos, ao invés de vivenciar aquela dor de uma só</p><p>vez. Mas quando a pessoa de fato falece é ainda muito dolorido, e sofrem novamente de forma muito</p><p>intensa. E nesses casos, é comum a presença de sentimentos ambivalentes naquele que cuida, surgindo o</p><p>desejo de que o doente morra para aliviar o sofrimento de ambos, despertando culpa por estes</p><p>sentimentos. “Ver a dor e sentir-se impotente para promover seu alívio e o bem-estar da pessoa amada é</p><p>causa de muito sofrimento” (p.159). Portanto, quando a morte ocorre concretamente pode haver, além</p><p>da dor, alívio e culpa, pois a pessoa pode achar que não tratou o outro da melhor forma possível e com</p><p>isso não evitou a sua morte. Pode surgir também uma sensação de vazio, em casos de muitos anos de</p><p>dedicação com o paciente, pois nenhuma outra atividade tinha espaço. O vazio, a ambivalência e a culpa</p><p>podem dificultar o processo de elaboração de luto.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>101</p><p>Lidar com a perda é muito doloroso. Na história sobre a morte, na Idade Média a boa morte era</p><p>aquela que permitia o preparo, mortes repentinas eram desonrosas. Hoje, ao contrário do que acontecia</p><p>na Antiguidade, a boa morte é esta repentina, não percebida, e os sentimentos são pouco elaborados em</p><p>qualquer das situações.</p><p>Conforme ressaltado por Pitta (2003), a dor, a doença e a morte foram interditas num pacto de</p><p>costumes, aprisionadas e privatizadas no espaço hospitalar sob novos códigos e formas de relação, no</p><p>qual as pessoas não sabem o que dizer ou fazer.</p><p>Todos sabemos que inevitavelmente morreremos, mas não pensamos nisso nem lidamos com isso</p><p>até que aconteça conosco ou com alguém muito próximo. Daí a importância dos ritos funerais, como o</p><p>enterro, por exemplo, que permitem que você veja a pessoa que faleceu e lhe ensinam que acabou, que</p><p>aquele é o fim. “Muitas vezes as pessoas têm essa impressão da morte, de ser surreal, isso não está</p><p>acontecendo; e se é rápido demais acho que aumenta mais ainda isso” (sic). E os ritos atualmente são</p><p>assim, rápidos demais, discretos, o que também denuncia a incapacidade social de se lidar com a morte,</p><p>de expressar sentimentos. Acompanhar uma morte nos remete à nossa própria finitude, e são vários os</p><p>medos que a acompanham, estejam eles mais conscientes ou latentes.</p><p>4.6 A interface entre psicologia da saúde e bioética</p><p>A formação do psicólogo necessita ampliar-se para a discussão das questões éticas relacionadas a</p><p>saúde e integrar-se no posicionamento dos aspectos psicossociais que envolvem este âmbito (Castro e</p><p>Bornhold, 2004). Dessa forma, Gioia-Martins e Rocha (2001) salientam a importância do currículo</p><p>acadêmico do psicólogo caminhar rumo à responsabilidade social e compromisso com a ética.</p><p>Atualmente, observa-se um aumento significativo no interesse pela publicação de trabalhos</p><p>referentes a formação, treinamento, prática e ética do psicoterapeuta. Estudo realizado por Abreu,</p><p>Piccinini, Cacilhas, Thahtman e Thormann (2000), considerando trabalhos publicados em relação ao tema</p><p>da psicoterapia no Brasil, no período de 1980 à 1998, indica que, em relação ao tema do exercício</p><p>profissional, a maioria dos artigos objetivaram a questão da ética. Os problemas apontados como graves</p><p>nos estudos foram referentes ao aspecto ético da confidencialidade, tais como danos a terceiros ou ao</p><p>próprio paciente, negligência e envolvimento sexual.</p><p>Para Contini (2001), a formação é considerada como o período de acesso ao conhecimento teórico</p><p>produzido pela ciência e de desenvolvimento da aprendizagem básica sobre o fazer psicológico.</p><p>O psicólogo que trabalha em instituições de saúde, conforme Medeiros (2002), deve pautar a sua</p><p>postura pelo Código de Ética Profissional, bem como agir conforme suas convicções pessoais, valores e</p><p>princípios da formação pessoal e profissional. Além disso, deve também estar atento aos valores éticos</p><p>que norteiam a comunidade. Para tanto, a ética envolve uma postura reflexiva e de respeito à pessoa</p><p>que se direciona para além da atitude coercitiva sobre a moral ou do Código de Ética.</p><p>No entanto, de acordo com Capitão (2005), os códigos de ética não são cristalizações eternas e</p><p>imutáveis.</p><p>Os códigos nada mais são do que o resultado das reflexões sobre a prática profissional, e,</p><p>considerando a crescente abertura de novos campos de trabalho para a atuação do psicólogo, é possível</p><p>que os profissionais se deparem com novas situações-limite que criem sérios dilemas éticos a serem</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>102</p><p>discutidos. Especialmente o psicólogo que trabalha na área da saúde, com pacientes que convivem com</p><p>importantes sofrimentos físicos, deverá estar bem preparado para enfrentar situações difíceis sob o</p><p>ponto de vista ético. Além disso, para que nossa prática seja respeitada como ciência ante outros</p><p>profissionais da equipe de saúde, deslizes éticos, de qualquer natureza, não podem ser cometidos.</p><p>De acordo com Goldim (1998), uma formação não adequada compromete o atendimento ao</p><p>paciente, sendo a educação continuada e os treinamentos em serviços, formas eficazes de lidar com</p><p>esse problema. A prática da psicoterapia sugere que o psicólogo deve agir buscando a melhora do</p><p>paciente e priorizando os aspectos éticos de privacidade e confidencialidade das informações, no intuito</p><p>de estimular a sua autonomia e participação ativa no processo.</p><p>Outro aspecto referente à prática da psicoterapia nos serviços</p><p>de saúde é o acesso ao atendimento,</p><p>destacando-se, nessa circunstância, o princípio da justiça. As pessoas com menos disponibilidade de</p><p>recursos financeiros muitas vezes são atendidas por profissionais sem qualificação ou supervisão. Essa</p><p>questão sugere a necessidade de reflexão sobre os aspectos éticos envolvidos na prática do psicólogo</p><p>(Goldim, 1998). Dessa forma, pode-se refletir a quem e para quem o atendimento psicoterapêutico</p><p>encontra-se realmente disponível e qual o critério para a oferta desse recurso.</p><p>O desenvolvimento da Psicologia da Saúde, assinalada por Gonzales Rey (1997), estimulou o</p><p>trabalho do psicólogo no âmbito da prevenção e da promoção da saúde, o que possibilita a oferta de</p><p>atendimento na rede pública. Além disso, amplia a participação desse profissional em equipes</p><p>interdisciplinares, tanto em instituições de saúde como no trabalho comunitário.</p><p>A inserção do psicólogo na rede pública faz o profissional se deparar com uma realidade psicossocial</p><p>muito diferente daquela com a qual ele provavelmente está acostumado. De acordo com Andrade e</p><p>Morato (2004), em função da diversidade emergente da população, a psicologia necessita acolher a</p><p>diferença presente nas comunidades. A postura ética trata-se da reflexão advinda do desafio da prática,</p><p>reconhecendo os limites, a efetividade, a responsabilidade e o compromisso do psicólogo diante das</p><p>demandas do indivíduo na sociedade.</p><p>No que se refere ao trabalho do psicólogo nas instituições de saúde, um risco para a</p><p>confidencialidade relaciona-se ao registro no prontuário do paciente. É dever do profissional manter</p><p>atualizado o acompanhamento do paciente, porém quais as informações que necessitam serem</p><p>registradas e/ou omitidas?</p><p>Em relação à ética nos serviços de saúde, a hospitalização e a institucionalização, muitas vezes não</p><p>voluntária, podem restringir a autonomia do paciente. Nesses casos, o psicólogo necessita levar em</p><p>consideração o contexto e a coerência ética integrada ao desejo do paciente (Goldim, 1998).</p><p>Em relação ao princípio da autonomia, Goldim (1998) salienta que o terapeuta necessita estar</p><p>atento no que concerne ao respeito às escolhas do indivíduo e a sua liberdade de ação. No entanto,</p><p>dependendo da etapa do ciclo vital do indivíduo, a autonomia pode estar reduzida, como no caso das</p><p>crianças e adolescentes ou em decorrência de doenças orgânicas ou mentais, bem como por condições</p><p>sociais.</p><p>Para tanto, conforme Duarte (2000) é necessário estar atento às questões éticas em investigação</p><p>psicológica e aos direitos dos indivíduos que participam voluntariamente de pesquisas e estudos em prol</p><p>dos interesses, avanços e benefícios do conhecimento científico.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>103</p><p>As considerações e os delineamentos éticos da investigação psicológica devem ser referência para</p><p>as decisões metodológicas nas pesquisas em saúde.</p><p>4.7 Proximidade da morte e a terminalidade humana</p><p>Um deles refere-se ao doente que se encontra na etapa final de uma doença, portanto próximo da</p><p>morte. Para Borges e colaboradores, a percepção da morte na visão do paciente terminal é diferente em</p><p>cada fase do ciclo de vida. Segundo os autores, na infância, a morte pode ser representada conforme se</p><p>modificam o pensamento e a linguagem.</p><p>Para o adulto, a morte pode depender da experiência física e psicológica pela qual se está passando.</p><p>Já, para o idoso, a morte pode ser configurada em uma perspectiva de maior resignação. A maioria dos</p><p>indivíduos não está preparada para enfrentar a morte, incluindo os pacientes e seus cuidadores. A falta</p><p>de conhecimento sobre os aspectos relacionados ao final da vida pode tornar a assistência a pacientes em</p><p>fase terminal uma experiência apavorante para muitos profissionais. E, quanto mais jovem o paciente,</p><p>mais difícil lidar com a situação. A morte é evento “previsível” para as pessoas idosas e, por isso, o grau</p><p>de aceitação da morte desses pacientes é maior, dado ser encarada como a fase final do ciclo da vida.</p><p>A morte não atinge a equipe de saúde do mesmo modo, porque a percepção da perda é</p><p>determinada por fatores como idade, circunstância da morte e, sobretudo, pelo grau de envolvimento</p><p>com o paciente. Contudo, embora a morte faça parte do contexto da vida e da rotina do ambiente</p><p>hospitalar, os integrantes da equipe multiprofissional de saúde em geral não estão preparados para</p><p>enfrentar a morte e lidar com a perda de pacientes.</p><p>Somente os indivíduos seguros em relação aos seus sentimentos, e com atitudes naturais diante da vida e</p><p>da morte, terão atingido o estágio que lhes outorga capacidade de compreensão para auxiliar terceiros.</p><p>Conforme sustentam Costa e Lima, para que se possa dar assistência adequada aos pacientes terminais, é</p><p>necessário compreender as reações e comportamentos que tanto os pacientes quanto os familiares podem</p><p>apresentar diante da proximidade da morte.</p><p>O paciente poderá reagir de várias maneiras em relação à sua doença e à terminalidade de sua vida.</p><p>Poderá aceitar ou negar; poderá ter o conhecimento de que está morrendo, mas emocionalmente se</p><p>sentir incapaz de aceitar; ou poderá aceitá-la, mas não conseguir verbalizar a situação.</p><p>Segundo KüblerRoss, o diagnóstico de uma doença potencialmente terminal é fator de</p><p>desestruturação psicológica, fazendo com que pacientes e familiares passem por algumas fases</p><p>emocionais características. Sem necessariamente constituir um processo linear, de sequência rigorosa, já</p><p>que nem todos os pacientes o vivenciam da mesma forma, os estágios sistematizados por Kübler-Ross</p><p>permitem acompanhar o processo de morrer dos pacientes terminais, minorando seu sofrimento.</p><p>PRIMEIRO ESTÁGIO: NEGAÇÃO E ISOLAMENTO</p><p>A negação é mecanismo de defesa temporário diante da morte. Ocorre com mais frequência no</p><p>início da doença, e em pacientes e familiares que são prematuramente informados acerca do seu</p><p>diagnóstico. A intensidade e duração desse estágio dependem da capacidade do enfermo, e das outras</p><p>pessoas que convivem com ele, de lidar com essa dor. Em geral, a negação não persiste por muito</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>104</p><p>tempo. No entanto, alguns pacientes podem jamais ultrapassar esse estágio, indo de médico em</p><p>médico, até encontrar alguém que o apoie em sua posição. O mais sensato seria falar sobre a morte</p><p>com pacientes e familiares antes que ela ocorra de fato e desde que o queiram, até porque é mais fácil</p><p>para a família discutir esses assuntos em tempos de relativa saúde e bem-estar do paciente. Ademais,</p><p>adiar esse tipo de conversa não beneficia o doente em nenhum aspecto.</p><p>SEGUNDO ESTÁGIO: RAIVA</p><p>Esse estágio pode estar relacionado à impotência e à falta de controle sobre a própria vida. É</p><p>muito difícil lidar com o paciente nessa fase: faz exigências, se revolta, solicita atenção contínua, faz</p><p>críticas e tem explosões comportamentais caso não seja atendido ou se sinta incompreendido e</p><p>desrespeitado. É importante que, nesse estágio, haja compreensão dos demais sobre a angústia</p><p>transformada em raiva no paciente que teve de interromper as atividades da sua vida por causa da</p><p>doença.</p><p>Os pacientes nesse estágio são difíceis de tratar. Geralmente se revoltam contra Deus, o destino</p><p>ou alguém próximo. Uma pergunta comum é “Por que eu? Por que isso está acontecendo logo</p><p>comigo?”. Desse modo, o manejo de pacientes que se encontram nessa fase envolve a compreensão de</p><p>que a raiva expressada não pode ser encarada como algo pessoal.</p><p>TERCEIRO ESTÁGIO: BARGANHA</p><p>Nessa fase, geralmente o paciente tenta negociar com Deus de maneira implícita ou até mesmo</p><p>com os médicos, entrando em algum tipo de acordo que adie seu desfecho inevitável. Os pacientes</p><p>acreditam que, por serem obedientes alegres e não questionadores, o médico fará com</p><p>que melhorem.</p><p>Normalmente, a pessoa que se encontra nesse estágio realiza promessas em sigilo, contando com a</p><p>possibilidade de ser recompensada por seu bom comportamento. Em geral, o paciente se mantém</p><p>sereno, reflexivo e dócil.</p><p>QUARTO ESTÁGIO: DEPRESSÃO</p><p>Essa fase surge quando o paciente se encontra em fase terminal e tem consciência da sua</p><p>debilidade física; portanto, não pode mais negar sua doença. Nessa etapa, o indivíduo é muitas vezes</p><p>forçado a submeter-se a mais uma hospitalização ou a outra cirurgia. Aqui a depressão assume quadro</p><p>clínico característico: desânimo, desinteresse, apatia, tristeza, choro etc. As tentativas anteriores não</p><p>deram certo: negar não adiantou; revoltar-se e fazer barganhas, também não. Dessa forma, deve-se</p><p>deixá-lo à vontade para externar seu pesar e assim aceitar a situação mais facilmente. O paciente está</p><p>prestes a perder tudo e todos os que amam, por isso é importante que passe os momentos finais junto</p><p>de seus familiares e entes queridos.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>105</p><p>QUINTO ESTÁGIO: ACEITAÇÃO</p><p>Kübler-Ross chega à conclusão de que, no último estágio, os pacientes que viveram a doença e</p><p>receberam apoio podem chegar a essa fase aceitando o processo. Na maioria das vezes, o paciente</p><p>manifesta grande tranquilidade e pode permanecer em silêncio. Já não experimenta o desespero nem</p><p>rejeita sua realidade. Esse é o momento em que os familiares mais precisarão de amparo, ajuda e</p><p>compreensão, devendo a equipe responsável ter ciência do estágio pelo qual o paciente está passando.</p><p>É importante conhecer os principais fatores implicados no processo do adoecer e morrer. Não se pode</p><p>desistir do tratamento do paciente, porque, ao sentir-se abandonado ou sem assistência, ele se entrega</p><p>e desiste também.</p><p>O paciente se sentirá confortado em saber que não foi esquecido, mesmo quando não houver mais</p><p>nada a se fazer por ele. Nesse momento, os cuidados paliativos vão ao encontro das necessidades do</p><p>paciente terminal, uma vez que podem, isso sim, minimizar a dor e o sofrimento, e ao mesmo tempo</p><p>atender às suas necessidades básicas de higiene, nutrição e conforto, ajudando-o a manter sua</p><p>dignidade como pessoa.</p><p>BIBLIOGRAFIA</p><p>Aberastury, A. (1984). A percepção da morte nas crianças. M.N.Folberg, Trad. In: Aberastury, A. & cols.</p><p>(Orgs.). A percepção da morte na criança e outros escritos, 128-139. Porto Alegre (RS): Artes Médicas.</p><p>Ariès, P. (1977). História da morte no ocidente (P.V. Siqueira, Trad.). Rio de Janeiro (RJ): Francisco Alves.</p><p>Ariès, P. (1989). Sobre a História da Morte no Ocidente desde a Idade Média. (2a ed.). Lisboa (Portugal):</p><p>Teorema.</p><p>Bauman, Zygmunt (1998). O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. Bromberg, M.</p><p>H. P. F. (1994). Famílias enlutadas. In: Carvalho, M. M. M. J. (Org.). Introdução à psiconcologia (1a ed.).</p><p>(pp. 243- 259). Campinas: Editorial Psy.</p><p>Brown, F. H. (2001). O impacto da morte e da doença grave sobre o ciclo de vida familiar. In: Carter, B. &</p><p>Mcgoldrick, M. (Orgs.) As mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura de vida familiar (2a ed.).</p><p>(pp.393-414). São Paulo: Artmed Editora.</p><p>4.8 A humanização no processo de morte</p><p>O fim da existência é algo pouco aceito para a sociedade, um assunto pouco abordado, embora</p><p>muito presente no cotidiano das instituições hospitalares, em especial no âmbito das unidades de terapia</p><p>intensiva (UTI), por se tratar de um ambiente projetado para lidar com pacientes em estado crítico.</p><p>Em função disso, discussões têm acontecido sobre esse processo de morte/morrer e até que ponto</p><p>tem sido praticado o cuidado humanizado em meio aos cuidados paliativos. Nesse sentido Ruiz (2008)</p><p>aponta que apesar da Política Nacional de Humanização (PNH) oferecer processos que visem à construção</p><p>de serviços humanizados, ela não aborda a assistência humanizada em meio ao processo de morte,</p><p>fazendo-se necessária uma reflexão sobre cuidado prestado durante esse processo, pois exige também</p><p>uma assistência humanizada.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>106</p><p>Assim sendo, uma nova temática tem sido levantada no que se refere à questão da humanização é a</p><p>assistência prestada ao paciente em fase terminal, pois tem sido discutido como fazer acolhimento de</p><p>forma humanizada no processo de morte em meios aos espaços de saúde. O cuidado paliativo que</p><p>segundo Silva e Hortale (2006) é reconhecido como toda abordagem que visa melhora da qualidade de</p><p>vida dos indivíduos e familiares na presença de doenças terminais. Embora ocorra, a humanização nem</p><p>sempre está envolvida nesse processo, Santana et al. (2009) apontam que é fundamental unir os cuidados</p><p>paliativos a uma proposta de ação mais humanizada, não como obrigação, mas sim como um ato de</p><p>respeito e de solidariedade. Sob a ótica da Política Nacional de Humanização (PNH) “Humanizar é, então,</p><p>ofertar atendimento de qualidade articulando os avanços tecnológicos com acolhimento, com melhoria</p><p>dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho dos profissionais” (Brasil, 2004). No entanto, ao</p><p>refletir sobre esse conceito na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), é notório que essa prática nem sempre</p><p>é constante, visto que a UTI conforme apontado por Salicio e Gaiva (2006, p. 371) é:</p><p>Uma unidade preparada para atender pacientes graves ou potencialmente graves, apesar de</p><p>contar com assistência médica e de enfermagem especializadas e contínuas e dispor de</p><p>equipamentos diferenciados, expõe o paciente a um ambiente hostil, com exposição intensa a</p><p>estímulos dolorosos, onde a luz contínua, bem como procedimentos clínicos invasivos são</p><p>constante em sua rotina de cuidados.</p><p>Diante do exposto anteriormente, a questão a ser respondida é a possibilidade de assistência</p><p>humanizada ao paciente em fase terminal, visando o atendimento individualizado em todo o processo de</p><p>perda.</p><p>Diante do apresentado, cabe ressaltar que a maioria dos profissionais de saúde que trabalham com</p><p>pacientes terminais enfrentam desafios para tentar promover uma assistência de qualidade, sem se</p><p>esquecer do lado humano do cuidar (SANTANA et al., 2009).</p><p>Ao consultar a definição de Humanização no Dicionário, obtém-se o seguinte conceito</p><p>“Humanização é o ato ou efeito de humanizar-se, de tornar-se benévolo ou mais sociável” (HOUAISS,</p><p>2009, p. 1037). Aplicando esse conceito na área da saúde a humanização remete a um conjunto de</p><p>iniciativas que visam à produção de cuidados em saúde, que englobam desde a melhor tecnologia</p><p>disponível, a promoção de acolhimento, respeito aos valores e culturas do paciente, ambiente de</p><p>trabalho favorável, bom exercício técnico até a satisfação dos profissionais de saúde e os usuários.</p><p>Segundo Ferreira (2000) humanizar significa tornar humano, dar condição humana, tornar afável e</p><p>tratável. A humanização da assistência requer conscientização e preparo da equipe para um cuidado</p><p>diferenciado, entendendo o paciente como um ser humano.</p><p>Alguns estudos na área da medicina intensivista apontam para a necessidade de mudar o enfoque</p><p>predominantemente tecnicista, paciente-doença, para uma abordagem mais humana, que engloba o</p><p>paciente de forma holística, ou seja, percebendo-o como um ser inserido num contexto, e que necessita</p><p>ser atendido nos aspectos físicos, psicológicos, sociais e espirituais.</p><p>A medicina paliativa vem sendo destacada nas literaturas, em geral na área de oncologia,</p><p>entretanto tem ganhado destaque também nas literaturas pertinentes ao intensivismo. (GARROS, 2003).</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>107</p><p>“A medicina paliativa se desenvolveu como uma reação à medicina moderna altamente tecnicista</p><p>que prioriza a cura, em vez do cuidado”. (PESSINI,</p><p>2006). A filosofia dos cuidados paliativos: a)</p><p>afirma a vida e encara o morrer como um processo normal; b) não apressa nem adia a morte; c)</p><p>procura aliviar a dor e outros sintomas angustiantes; d) integra os aspectos psicológicos e</p><p>espirituais nos cuidados com o paciente; e) oferece um sistema de apoio para ajudar os pacientes a</p><p>viver ativamente o máximo possível até a morte; f) oferece um sistema de apoio para ajudar a</p><p>família a lidar com a doença do paciente e seu próprio luto. (PESSINI, 2003 apud PESSINI, 2006)</p><p>Essa nova perspectiva constitui desafio para os profissionais de saúde visto que, o paciente no</p><p>processo de morte deixa de ser aquele por quem nada se pode fazer e passa a ser considerado como</p><p>aquele que não responde mais as medidas terapêuticas de cura. Desta forma, sob a filosofia dos cuidados</p><p>paliativos, temos muito que fazer para proporcionar uma morte mais digna, decente ou aceitável para um</p><p>ser humano.</p><p>A humanização do morrer apoia a concepção de que a morte não é um inimigo a ser combatido, ela</p><p>faz parte do ciclo vital e do adoecer. A proposta dos cuidados paliativos é permitir que a pessoa viva</p><p>intensamente seus dias finais de vida com controle da dor, e sendo assistido de forma holística. Partindo</p><p>da ideia de que “mais vale acrescentar vida ao tempo do que tempo à vida”.</p><p>O Programa Nacional de Humanização Hospitalar - PNHAH foi instituído pelo Ministério da Saúde,</p><p>através da portaria nº. 881, de 19 /06/ 2001, no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2002).</p><p>O PNHAH faz parte de um processo de discussão e implementação de projetos de humanização do</p><p>atendimento à saúde e de melhoria da qualidade do vínculo estabelecido entre trabalhador da saúde,</p><p>pacientes e familiares. A família, enquanto extensão do paciente deverá ser incluída no processo de</p><p>cuidado deste, porém, não como auxiliar ao nosso trabalho, mas como indivíduos a serem cuidados</p><p>também pela enfermagem. Essa deverá oferecer o suporte necessário, esclarecer as dúvidas, atender e</p><p>acolher prontamente e de maneira empática esse suporte primário do paciente, conquistando assim sua</p><p>confiança. A inclusão da família no processo de cuidado em Unidade de terapia Intensiva (UTI) é</p><p>indispensável para podermos atender o paciente de forma holística.</p><p>Humanizar significa a possibilidade de assumir uma posição ética de respeito com o outro, acolher o</p><p>desconhecido e reconhecer os limites. A humanização requer uma interação harmoniosa entre o cuidado</p><p>técnico e científico. Requer também compromisso ético de todos os profissionais envolvidos na</p><p>assistência, desde os atendentes da recepção até a equipe envolvida diretamente com a assistência do</p><p>paciente e família. O processo do cuidado de enfermagem por si só constitui um ato humanizado, visto</p><p>que os objetivos do cuidar envolvem aliviar, confortar, ajudar, favorecer, promover, entre outros.</p><p>(MORAES; GARDA; FONSECA, 2004). Segundo esses autores:</p><p>Humanizar de acordo com os valores éticos consiste fundamentalmente, em tornar uma prática</p><p>bela, por mais que ela lide com o que tem de mais degradante, doloroso e triste na natureza</p><p>humana, o sofrimento, a deterioração e a morte. Refere-se, portanto, a possibilidade de assumir</p><p>uma posição ética de respeito ao outro e de reconhecimento dos limites. O ponto chave do</p><p>trabalho de humanização está no fortalecimento desta posição ética de articulação do cuidado</p><p>técnico cientifico, já construído, conhecido e dominado, ao cuidado que incorpora a necessidade, a</p><p>exploração e o acolhimento do imprevisível, do incontrolável, ao indiferente e singular.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>108</p><p>Minayo (2004) considera que ao se propor um cuidado humanizado deve-se repensar a formação</p><p>profissional na área de saúde. Para esse autor, apesar das propostas de mudanças de modelo de atenção</p><p>da saúde, que prega a integralidade e a humanização da assistência e da crise da ciência racionalista,</p><p>predomina ainda o aprendizado técnico, racional e individualizado, empregado muitas vezes” sem o 6</p><p>exercício da crítica, criatividade e sensibilidade”. Refletindo, portanto, no despreparo dos profissionais</p><p>em proporcionar um cuidado humanizado cada vez mais exigido nos serviços que utilizam alta tecnologia</p><p>como as Unidades de Terapia Intensiva.</p><p>Felizmente, percebemos uma série de estudos relacionados à necessidade de humanização desses</p><p>serviços, por força do efeito negativo do ambiente sobre pacientes, família e equipe multiprofissional. Os</p><p>estudos mostram também que os profissionais de saúde têm consciência de que humanização é uma</p><p>palavra aparentemente fácil de entender, porém, no dia-a-dia não é tão fácil praticá-la.</p><p>4.8.1 Concisões sobre o morrer</p><p>A compreensão sobre a morte influencia na qualidade de vida da pessoa e na forma como ela interage no</p><p>seu dia-a-dia com o processo de morte e morrer. Ao pesquisar sobre a definição das palavras morte e</p><p>morrer no dicionário de língua portuguesa fica-se impressionado com a quantidade de sinônimos</p><p>atribuídos a elas. Morte significa: cessação da vida, fim. Já a palavra morrer significa: ”perder a vida;</p><p>falecer, finar-se, fenecer, expirar, desaparecer, descansar, desencarnar, ir, perecer, sucumbir, espichar,</p><p>esticar; estinguir-se, acabar-se.” (FERREIRA, 2000). Já no dicionário médico traz as seguintes</p><p>considerações:</p><p>Cessação total e irreversível da função cerebral, função espontânea dos sistemas respiratório e</p><p>circulatório. 2 - A cessação final e irreversível dos batimentos cardíacos e respirações perceptíveis.</p><p>[...] o principal sinal de morte é a cessação da ação do coração. Outras indicações são: ausência de</p><p>reflexos, cessação da atividade elétrica do cérebro, determinada pelo eletro encefalograma (EEC),</p><p>manifestação de rigor mortis e uma descoloração mosqueada no corpo. (THOMAS, 2000)</p><p>Como podemos observar, existem várias denominações para substituir a palavra morte, talvez o</p><p>objetivo real seja “suavizar” a sua pronúncia tornando-a menos temível. A Tanatologia é a ciência que</p><p>estuda a morte. Segundo este saber, o homem é o único ser sobre a terra que tem consciência da sua</p><p>finitude, o único, a ter consciência de que sua passagem neste mundo é transitória e deve terminar um</p><p>dia. Apesar dessa certeza o homem foi impelido a evitar a convivência com a morte no decorrer da</p><p>história.</p><p>De forma sintética, seguem as diferentes interpretações da morte segundo algumas das grandes</p><p>correntes religiosas:</p><p>Para os judeus e cristãos, que acreditava na ressurreição após a morte, esta seria o acesso para</p><p>outra dimensão da vida que poderia ser no inferno ou no paraíso, conforme os seus feitos terrenos a</p><p>partir da observância dos mandamentos de Deus.</p><p>De acordo com Pessini (1999) apud Gutierrez (2003) “o catolicismo prega que os esforços para</p><p>manter a vida física podem ser encerrados, caso a continuação da vida biológica, ao invés de promover a</p><p>integração da vida espiritual e moral do indivíduo, torne-se vã”.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>109</p><p>O budismo não encara a morte como o fim da vida, mas sim como uma transição, defendendo o</p><p>direito do indivíduo de determinar o momento em que deseja passar desta existência para a seguinte.</p><p>Enfatiza que o importante no momento da morte é que a mente permaneça em paz e harmonia consigo</p><p>mesmo.</p><p>No islamismo a concepção de vida é sagrada, a morte é interpretada como a conclusão de uma vida</p><p>e o começo de outra. Apesar das diferentes interpretações das diversas correntes religiosas, há consenso</p><p>de que o apoio espiritual constitui elemento valioso dado ao paciente no processo de morrer. A morte é</p><p>parte integrante do processo de desenvolvimento humano e está presente no cotidiano diário de nossas</p><p>vidas. A forma de percepção, significação e comportamento do processo de morte e morrer variam</p><p>conforme o contexto sociocultural e histórico e vem sofrendo alterações através das diferentes</p><p>civilizações até os dias atuais.</p><p>Os antigos egípcios sepultavam seus mortos juntamente com as roupas e os alimentos, para que</p><p>continuassem felizes, e da mesma forma os antigos índios americanos, que enterravam seus parentes</p><p>com tudo o que lhes pertencia. Esses falavam dos espíritos do mal e atiravam flechas ao ar para afugentá-</p><p>los. Os hebreus consideravam o corpo do morto como alguma coisa impura, que não podia ser tocada.</p><p>(KÜBLER-ROSS, 2008)</p><p>Os antigos hindus incineravam seus mortos e suas cinzas eram lançadas ao vento, ou nas águas dos</p><p>rios, sendo o morto despojado de todos os seus traços de identidade.</p><p>Para os antigos gregos, a incineração determinava dois tipos de mortos: o cadáver do homem</p><p>comum e o cadáver dos grandes heróis. Ao anônimo cabia o crematório coletivo e o depósito de suas</p><p>cinzas em vala comum. Os corpos falecidos dos heróis eram cremados na cerimônia da bela morte, onde</p><p>os seus feitos no campo de batalha eram enaltecidos. A própria morte seria a prova de sua virtude,</p><p>tornandoo um indivíduo cuja vida é digna de ser lembrada.</p><p>Os primeiros cemitérios surgiram a partir do século V e eram localizados junto às igrejas cristãs.</p><p>Esses cemitérios faziam parte do cenário de vida das pessoas, tinham papel de praça pública, eram</p><p>lugares de julgamentos, das execuções e dos encontros amorosos.</p><p>Na Idade Média a morte era entendida com naturalidade, fazendo parte do ambiente doméstico. O</p><p>ritual da morte envolvia tanto a pessoa que ia morrer como os seus parentes e amigos. Naquela época os</p><p>nobres eram enterrados no interior das igrejas, enquanto os pobres erram colocados em covas coletivas.</p><p>Tanto a família como os amigos do morto manifestavam o processo do luto através do uso de</p><p>roupas pretas e da não participação na vida social até que não acontecesse a elaboração do óbito. As</p><p>pessoas que sabiam que iam morrer protagonizavam todo o ritual, despedindo-se dos entes queridos,</p><p>fazendo o testamento, buscando se reconciliar com as pessoas e superar as mágoas. A comunidade</p><p>participava ativamente de todo esse processo. (AGRA; ALBUQUERQUE, 2008).</p><p>Gutierrez (2003), tomando como referencial o estudo de Pessini (1999), fez uma breve abordagem</p><p>sobre o processo de morte e morrer a partir da idade média até a década de 70 do século XX.</p><p>Durante os séculos XI e XII iniciaram-se mudanças sutis na maneira tradicional de o homem atuar</p><p>diante da morte;</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>110</p><p> No período entre os séculos XII a XV houve uma maior conscientização do homem em relação á</p><p>sua própria morte;</p><p> Já no século XVI, a morte distanciou-se das situações mais corriqueiras e passou a representar</p><p>uma separação inaceitável, iniciando um processo de visualização da morte do outro, que passou a</p><p>ser dramática e mais complexa;</p><p> No final do século XVIII surgiram duas mudanças em relação à morte: A benevolência com a ideia</p><p>da morte e a relação entre moribundo e seus familiares. O termo benevolência significa boa</p><p>vontade para com todos.</p><p> Na primeira metade do século XIX a morte era um fenômeno bastante presente e encarado</p><p>como fato social e público, em que parentes e amigos, vizinhos e até mesmo crianças permaneciam</p><p>no quarto do moribundo. Nessa época os ritos que acompanhavam a morte eram realizados com</p><p>tranquilidade e aceitação;</p><p> No decorrer dos anos a atitude do homem em relação à morte sofreu modificações e ela tornou-</p><p>se drasticamente escondida e ameaçadora. Poupase o moribundo de saber sobre suas reais</p><p>condições de saúde. A verdade é 10 negada com o intuito de privar o doente do sofrimento. A</p><p>extrema unção, que era oferecida ao moribundo, em meados do século XX passou a ser dada</p><p>somente após sua morte;</p><p> A partir da segunda metade do século XX, a morte foi transferida para os hospitais e passou a ser</p><p>vista como um fenômeno técnico, às vezes adiada ou antecipada, a depender dos interesses dos</p><p>que tentavam domina-la. O Médico transformou-se em herói na luta contra a morte;</p><p> Atualmente, os avanços tecnológicos e científicos tornaram a morte um evento</p><p>institucionalizado. É cada vez mais comum as pessoas morrerem no hospital. O doente perde o</p><p>direito de opinar sobre sua morte, o médico tornou-se personagem principal e a família passou a</p><p>sentir-se protegida por não ter que presenciar a morte de um ente querido. Nesse contexto a morte</p><p>passa a ocorrer em cenário composto por fios, máquinas, aparelhos e pessoas estranhas,</p><p>geralmente equipe médica e de enfermagem.</p><p>4.9 A política de humanização hospitalar e os papéis dos profissionais de saúde</p><p>Segundo Mota; Martins e Véras (2006) no âmbito hospitalar o movimento de humanização é</p><p>voltado para um processo de educação e treinamento dos profissionais da saúde para tornar a</p><p>experiência da hospitalização algo mais confortável para o usuário, desmistificando toda aquela dor que a</p><p>internação trás a ele, visa melhorar o atendimento ao usuário e as condições do ambiente de trabalho</p><p>para os profissionais da saúde.</p><p>Partindo desse pressuposto, podemos falar da ética, que é quando alguém se preocupa com a</p><p>consequência de sua conduta sobre o outro, mas para que haja ética é preciso mudar o olhar sobre o</p><p>outro, mudança essa que culmine no respeito a ele como ser humano (MOTA; MARTINS; VÉRAS; 2006).</p><p>Facilmente se presume que o psicólogo passou a ser bem visto no contexto hospitalar, nas enfermarias e</p><p>nos ambulatórios quando sua atenção voltou-se para a humanização, fazendo compreender a relação dos</p><p>profissionais da saúde com o paciente e com os familiares. Estudos apontam que buscar informações</p><p>sobre a história do paciente é algo indispensável em sua atuação, pois é o psicólogo quem pode oferecer</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>111</p><p>uma escuta, uma ajuda psicológica e oferecer a oportunidade de confronto do paciente com sua angústia</p><p>e sofrimento na fase da hospitalização, fase esta que gera muitas crises (MOTA, MARTINS e VÉRAS, 2006).</p><p>Para Salman; Paulaskas (2013), a humanização tem como aspecto fundamental a valorização do</p><p>indivíduo como um todo, fazendo com que o psicólogo tenha como papel a valorização do ser doente do</p><p>que a patologia do mesmo, aprendendo também a ouvir seus familiares em um local próprio e adequado,</p><p>nos deixando claro que para a prática da humanização dar certo é necessário realizar uma execução</p><p>reflexiva acerca dos valores e princípios que norteiam a prática profissional, culminando num tratamento</p><p>digno, solidário e acolhedor por parte dos profissionais da saúde ao doente, garantindo que a</p><p>humanização busque sempre manter ou melhorar a qualidade da comunicação, consequentemente a</p><p>possibilidade de relacionamentos mais saudáveis e próximos.</p><p>Um aspecto importante em relação ao papel dos profissionais da psicologia no hospital é que este</p><p>profissional deve estar pautado nos aspectos do adoecer, das crenças e das fragilidades dos pacientes e</p><p>de seus familiares, assim para os autores o psicólogo deve promover a diminuição da angústia e da tensão</p><p>para então mudar a impressão que as pessoas têm sobre o hospital, em contrapartida fazendo os</p><p>usuários perceberem o hospital como um lugar que tenta oferecer condições para uma manutenção ou</p><p>recuperação da saúde, ficando claro que a atuação do psicólogo hospitalar consiste de uma rápida</p><p>capacidade de ação emergencial e para a construção de uma política qualificada em relação à saúde a</p><p>humanização deve ser vista como uma das dimensões indispensáveis nesse processo, onde tenha função</p><p>de mostrar que além de um programa, sua aplicação tem objetivo de torna-se uma política que opere em</p><p>toda rede dos hospitais brasileiros (MOTA, MARTINS e VÉRAS, 2006).</p><p>4.9.1 Pacientes em crise e o papel</p><p>do psicólogo hospitalar</p><p>Ao trabalhar com o paciente enfermo, o psicólogo lida com o sofrimento físico e psíquico, tendo</p><p>que compreender o sujeito em sua integralidade, entendendo e considerando o conflito determinado</p><p>pela situação da doença e da hospitalização, o sofrimento físico, a dor e o mal-estar, destacando que a</p><p>necessidade do atendimento psicológico muitas vezes não é percebida pelo paciente, pois diante da</p><p>situação em si, todas as preocupações estão voltadas para o corpo doente, fazendo necessário então que</p><p>a atuação preventiva no contexto hospitalar se torne real, com o objetivo de oferecer ajuda para que os</p><p>pacientes possam alcançar o reconhecimento das motivações que estão subjacentes a seus problemas,</p><p>dedicando-se precocemente ao diagnóstico de transtornos psicológicos do paciente e seus familiares, em</p><p>trabalho diário com o objetivo de decodificar suas dificuldades.</p><p>Com um perfil mais emergencial e focal, a intervenção pode ser feita pela psicoterapia breve ou</p><p>pela psicoterapia de emergência, dando total apoio e suporte ao paciente, considerando o momento de</p><p>crise vivenciado pelo mesmo na situação especial e crítica da doença e sua hospitalização, sendo assim,</p><p>tanto a psicoterapia de emergência como a intervenção em crise são caracterizadas como técnicas breves</p><p>advindas da psicanálise com especificas adaptações no nível estratégico para situações de emergência ou</p><p>crise (CHIATTONE, 2011).</p><p>Chiattone (2011) ressalta ainda a importância do olhar do psicólogo em relação aos pacientes</p><p>hospitalizados, devendo levar em consideração alguns aspectos importantes nos processos de resolução</p><p>da crise, sendo eles: os traços de personalidade dos pacientes, suas atitudes frente a vida, a maturidade</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>112</p><p>interna e o grau de integração psíquica, as crenças que o mesmo possui sobre sua doença, suas reações a</p><p>crises passadas e suas perdas significativas, os sinais psicológicos ou físicos de depressão, a presença de</p><p>reações ou sinais paranóides e por fim a doença instalada, onde a psicoterapia emergencial surge como</p><p>um apoio caracterizando-se de um processo de superação dos problemas ligados a situações de natureza</p><p>traumática, onde dependendo do olhar que a pessoa tem sobre a situação permite que a mesma possa</p><p>expressar livremente seus sentimentos em relação ao seu estado, sendo indicada a pacientes que passam</p><p>por sobrecarga emocional muito grande, auxilia o paciente a atravessar o período crítico em que se</p><p>encontra, determinado pelo processo da doença e hospitalização, permitindo-lhe buscar a elaboração e</p><p>integração subjetiva dos acontecimentos.</p><p>Considerando que o hospital é uma instituição marcada pela luta constante entre a vida e a morte.</p><p>Um dos princípios significativos da psicologia no contexto hospitalar é a atuação conjunta do psicólogo e</p><p>as equipes de saúde, onde o objetivo é maximizar nos pacientes a esperança de melhora, cura e</p><p>minimização ou suspensão do sofrimento em si, já que a maioria das pessoas tem uma imagem negativa</p><p>relacionada ao ambiente hospitalar, marcada por mortes e sofrimentos, sendo um local onde excita uma</p><p>batalha constante diante das condutas terapêuticas.</p><p>Portanto, a atuação do psicólogo requer uma maturidade que passa pelo exame detalhado de sua</p><p>posição diante da morte e do morrer, sendo de suma importância o profissional elaborar o medo e a</p><p>negação em relação a essa problemática, diagnosticar em si as dificuldades de enfrentamento e</p><p>elaboração da própria negação da morte para então entender a negação da própria instituição, do</p><p>paciente e dos familiares, sendo que muitas vezes trabalhar com o sofrimento ou perda de significado da</p><p>existência pelo paciente pode despertar nos profissionais as mesmas vivências (CHIATTONE, 2011).</p><p>Sendo assim, para Chiattone (2011), a tarefa do psicólogo se define pela capacidade de apoio,</p><p>compreensão e direcionamento humanizado das diferentes situações pelas quais passam esses pacientes</p><p>e seus familiares, e culminar para que todo programa terapêutico eficaz e humano deva incluir apoio</p><p>psicológico para o enfrentamento de todo o processo de doença e possibilidade de morte, pois o manejo</p><p>de pacientes hospitalizados inclui a adaptação fisiológica e medica e a adaptação psicológica e existencial</p><p>frente a situação traumática em si. Em relação aos pacientes e seus familiares, o psicólogo deve</p><p>estruturar um trabalho de psicoterapia pautado num modelo comunicativo, reforçando o trabalho</p><p>estrutural e de adaptação dos pacientes e seus familiares no enfrentamento da problemática vivenciada</p><p>por ambos, direcionado, então, em um nível de apoio, atenção, compreensão, suporte ao tratamento,</p><p>clarificação dos sentimentos, esclarecimentos sobre a doença e o fortalecimento dos vínculos pessoais e</p><p>familiares.</p><p>Em segundo plano, o psicólogo hospitalar pode ainda realizar a formação de grupos com o objetivo</p><p>de informar, culminando num espaço de reflexão e expressão dos sentimentos, minimizando o impacto</p><p>emocional e estresse vivenciados pelos mesmos. Em relação às equipes de saúde, o psicólogo hospitalar</p><p>pode sistematizar a realização de grupos operativos, realizando um treinamento e clarificando o papel de</p><p>cada profissional, além de estimular a realização de atividades para a diminuição do estresse visto que em</p><p>profissionais da área da saúde o nível de estresse é elevado (CHIATTONE, 2011).</p><p>Para Salman e Paulauskas (2013) apud Cordioli (1998), um dos principais desafios da psicologia tem</p><p>sido fundamentar e desenvolver técnicas de intervenção psicológica quem atendam às demandas</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>113</p><p>específicas de pacientes em ambientes hospitalares, tendo como objetivo possuir intervenções que levem</p><p>aos pacientes uma melhor aceitação de sua doença bem como o tratamento, onde as intervenções com</p><p>os pacientes em crise constituam na utilização de técnicas para diminuir a ansiedade, favorecendo o</p><p>desenvolvimento de um estado emocional mais tolerável e capaz de restaurar a estabilidade afetiva e</p><p>suas relações com o ambiente.</p><p>O uso do manejo assistencial centrado na equipe, um diagnóstico diferencial, um atendimento</p><p>psicológico de apoio, um manejo ambulatorial, técnicas complementares e intervenção familiar são</p><p>fortemente recomendadas, onde a flexibilidade e a criatividade são condições fundamentais para a</p><p>percepção das necessidades que cada paciente apresenta, com isso a construção de um ambiente</p><p>terapêutico apropriado e a centralização do trabalho com o paciente em crise gera o melhor manejo das</p><p>relações humanas no ambiente hospitalar, o que não é tarefa somente do psicólogo, mas também dos</p><p>outros profissionais da área da saúde inseridos nesse contexto, já que os mesmos possuem um contato</p><p>mais próximo e contínuos com esses pacientes, no caso das enfermeiras, fisioterapeutas, nutricionistas e</p><p>médicos intensivistas. (SALMAN; PAULAUSKAS, 2013).</p><p>Desse modo, para Salman e Paulauskas (2013), o atendimento psicológico ao paciente pode ser</p><p>caracterizado por intervenção focal pautado na psicoterapia breve de apoio, consistindo em avaliar sua</p><p>situação, analisar a maneira de enfrentamento e a manifestação do paciente no momento presente, bem</p><p>como construir opções de pensamento e, consequentemente, o comportamento.</p><p>O que é levado em conta e o que se espera do terapeuta é que o mesmo possua uma postura ativa</p><p>no manejo da assistência, com o intuito de permitir continência das manifestações, expressando</p><p>concordância com ideias e atitudes do paciente, assim também reforçar as funções adaptativas do ego,</p><p>reassegurando a boa percepção da realidade, além disso, o psicólogo tem como papel favorecer a</p><p>percepção de novas formas de enfrentamento da situação, promovendo o devido suporte para o</p><p>momento de instabilidade</p><p>posição</p><p>vem sendo abalada a partir, sobretudo, dos movimentos feministas que denunciaram, justamente, a</p><p>força do patriarcado. Hoje, fala-se muito mais na falência da função fálica como organizador social</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 10</p><p>gerando a tão debatida "crise da masculinidade" (Ceccarelli, P. R., 2002).</p><p>Já as teorias humanistas, recusando aquilo que chamam "o triste pessimismo inerente a visão</p><p>psicanalista do homem" e, igualmente desprezando a "concepção de robô do ser humano" do</p><p>comportamentalismo, acreditam que o homem contém dentro de si o potencial para desenvolver-se de</p><p>forma sadia e criativa. Ora, não podemos deixar de ver nesta referência teórica, ainda que</p><p>implicitamente, a concepção criacionista, segunda o qual o homem é bom por natureza, pois foi criada a</p><p>imagem e semelhança de Deus.</p><p>Tal posição, mais uma vez, parece não levar em conta os fatores históricos e os interesses</p><p>dominantes que dificultam, quando não impedem, a realização deste suposto potencial segundo o qual</p><p>todos os homens são iguais. Como se a economia de mercado fosse, de fato, algo a que todos tivessem</p><p>igual acesso. Basta ver o complexo e difícil debate acerca das políticas de globalização cujos lucros estão</p><p>longe de serem, como se apregoa, democraticamente divididos.</p><p>O que se depreende de tudo isto é que tanto os conceitos com os quais trabalhamos quanto os</p><p>fenômenos que estudamos são históricos, e acompanham as mudanças sociais. Isto é, conceitos e</p><p>fenômenos são atrelados às transformações socioeconômicas, e as verdades que utilizamos para ler o</p><p>mundo são sempre interpretações. Se o fenômeno psíquico fosse algo estanque e natural, um a priori</p><p>pronto a ser estudado, não existiriam tantas teorias psicológicas para lê-lo e, muito menos, tantas</p><p>psicopatologias para explicar o desvio.</p><p>O surgimento, ascensão e/ou queda de determinada corrente teórica, o "modismo", não é algo</p><p>fortuito: ele está intimamente ligado às respostas que aquela prática teórico-clínica oferece, ou não, para</p><p>a manutenção da hegemonia ideológica do sistema que lhe dá origem. O fenômeno psíquico não é algo</p><p>que antecede o homem. Ele só pode ser pensado a partir da inserção do homem nas relações sociais que</p><p>o acolhem desde o seu nascimento. Ou seja, homem e mundo estão intrinsecamente ligados e em</p><p>constante movimento.</p><p>No Brasil a psicologia, como em qualquer outro país, foi historicamente construída e marcada pelos</p><p>interesses das elites dominantes. Deste o início prestou-se, tanto como ciência quanto como profissão,</p><p>para o controle, classificação e diferenciação, pouco contribuindo para reais transformações sociais (Bock,</p><p>A. 2002, p. 7).</p><p>O período colonizador, fortemente marcado pela exploração, necessitava, para manter a "ordem",</p><p>de um potente aparelho repressivo. Neste período as ideias psicológicas, produzidas pela igreja e</p><p>intelectuais, eram marcadas pelo controle.</p><p>Com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil no início do séc. XIX o que é produzido no âmbito da</p><p>psicologia serve sobre tudo à medicina e à educação.</p><p>O rápido e desordenado crescimento da cidade do Rio de Janeiro, que não possuía a infraestrutura</p><p>necessária para receber a Corte, acarretou um aumento da miséria, de doenças físicas e mentais e da</p><p>prostituição. Para fazer frente a esta nova realidade surgem projetos de saneamento e higienização que</p><p>propõem abarcar tanto os aspectos matérias quanto os morais. Nesta sociedade dominada por uma</p><p>ideologia de pureza e higienização, as ideias psicológicas, e as práticas teórico/clínicas daí advindas, são</p><p>convocadas a contribuir na produção de uma sociedade isenta de desvios. Um exemplo impressionante</p><p>do uso da psicologia, embora ainda não como profissão, mas já como ciência, é a ideologia que permeou</p><p>a fundação, no Rio de Janeiro em 1923, da Liga Brasileira de Higiene Mental. Esta liga, que tinha por</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 11</p><p>função a assistência aos doentes mentais, à prevenção e educação, baseava-se em ideias eugenistas, ou</p><p>seja, no melhoramento genético do ser humano. Apoiando-se em uma visão biológica do homem, atribui-</p><p>se os aspectos degenerados do indivíduo à sua herança genética, a partir da qual todos os desvios eram</p><p>explicados.</p><p>Os psiquiatras da Liga sustentavam que a maior incidência de sífilis nas mulheres negras e de</p><p>alcoolismo nos homens negros era devido à predisposições genéticas! (Reis Filho, J, T., 2000). Não lhes</p><p>ocorreu, aparentemente, que a realidade social destas pessoas pudesse ter alguma influência nestas</p><p>"predisposições".</p><p>Com a industrialização, novas exigências são feitas à psicologia sobre tudo no sentido de criar um</p><p>conhecimento que possibilitasse diferenciar e classificar pessoas detectando os mais aptos para as</p><p>necessidades das empresas. Leia-se: para a produção de lucros.</p><p>As duas Grandes Guerras trouxe um desenvolvimento significativo dos testes psicológicos para os</p><p>mais diversos fins, o que marcou e diferenciou definitivamente a psicologia como ciência autônoma. Foi</p><p>nesta referência e lugar social que institucionalizou a psicologia no Brasil a qual foi reconhecida, em 1962,</p><p>como profissão.</p><p>Esta breve digressão da história da psicologia no Brasil vem nos mostrar que, desde sua origem,</p><p>nossa prática profissional foi marcada por uma posição ideológica clara e bem delimitada, alinhada aos</p><p>interesses das elites dominantes. Evidentemente, sempre estaremos alinhados a algum interesse e não</p><p>podemos ter a ingenuidade de pensar que nossa atuação profissional seja algo abstrato, puro, relativo a</p><p>um ser humano pensável fora do contexto sócio-econômico-político que o constitui. Além disso, nós</p><p>profissionais do psiquismo, não estamos isentos de nossa própria organização psíquica que guarda</p><p>relações com o momento histórico-social no qual estamos inseridos. Não podemos nos esquecer disto!</p><p>No que diz respeito ao profissional da área hospitalar, ele está, muitas vezes, submetido às mesmas</p><p>coordenadas psicossociais responsáveis pelo sofrimento psíquico daquele que ali se encontra internado.</p><p>Ademais, não raro ele é convocado a cuidar daqueles que cuidam - enfermeiros, médicos, ajudantes e</p><p>tantos outros que, por sua vez, estão igualmente assujeitados a estas mesmas coordenadas, o que pode</p><p>impedi-los de trabalhar. Como atuar nestas circunstâncias?</p><p>Não existe clínica psicológica sem consequências, o que faz que nossas intervenções sejam,</p><p>inevitavelmente, direcionamentos (Bock, A. 2002, p. 11). Resta-nos saber qual o direcionamento</p><p>queremos dar às nossas intervenções. O que esperamos delas? Que ideia de sofrimento, e de direção do</p><p>tratamento, temos em mente quando optamos por uma forma de atuação e não por outra? Devemos ter</p><p>clareza de nossas práticas profissionais, pois elas transformam os sujeitos. Isso significa que, implícita ou</p><p>explicitamente, nossa atuação profissional reflete um projeto político e uma construção coletiva.</p><p>Com que ouvido escutamos, atuamos e transformamos o sofrimento psíquico? Que compreensão</p><p>temos de sua origem e, por conseguinte, em que direção vamos intervir? Podemos entendê-lo</p><p>simplesmente como fixações edípicas não resolvidas, esquemas de reforços mal adaptados, ou</p><p>potencialidades inatas inibidas. Ou podemos ir mais longe e compreender que além destes</p><p>determinantes, sem dúvida significativa, o sofrimento psíquico reflete, também, as consequências de um</p><p>mundo competitivo onde discriminação, segregação e estigmantização são moedas correntes.</p><p>O que chamamos de subjetivação é o resultado de um processo psíquico que comportas múltiplas e</p><p>complexas variavam. Não existe uma subjetividade ideal, normal à qual o homem "sadio" almejaria para o</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 12</p><p>emocional, favorecendo o vínculo de confiança com a equipe multiprofissional.</p><p>4.9.2 O processo de luto</p><p>Segundo Kastenbaum e Aisembesrg (1983), a morte sempre existiu, mas nem sempre teve</p><p>representações nítidas em nossas mentes. Portanto, precisamos morrer, até porque iremos ajudar a</p><p>perpetuar a espécie que se nutre da morte de seus indivíduos para se preservar.</p><p>O processo de luto ocorre quando perdemos alguém muito próximo. A maioria das pessoas</p><p>enlutadas é capaz de com o tempo, e com a ajuda da família e amigos, de reconciliar-se com sua perda e</p><p>retomar as suas atividades normais. Para outras, no entanto, é indicado ajuda psicoterapêutica.</p><p>Para Worden (1998), é essencial que a pessoa enlutada realize quatro tarefas básicas, antes que o</p><p>processo de luto possa ser completado. Segundo ele, tarefas de luto não elaboradas podem prejudicar o</p><p>crescimento e desenvolvimento futuros. Diz que essas tarefas não precisam ser necessariamente</p><p>seguidas, em ordem específica, mas ele sugere a seguinte ordem:</p><p>I – Aceitar a realidade da perda;</p><p>II – Elaborar a dor da perda;</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>114</p><p>III – Ajustar-se a um ambiente onde está faltando a pessoa que faleceu;</p><p>IV – Reposicionar, em termos emocionais, a pessoa que faleceu e continuar a vida.</p><p>De acordo com Freud (1913, p.65) “o luto tem uma tarefa física que precisa cumprir: a sua missão é</p><p>deslocar os desejos e lembranças da pessoa que faleceu”. Assim, como a criança passa por etapas para</p><p>seu desenvolvimento saudável as etapas do luto também precisam ser vivenciadas para que não ocorram</p><p>traumas ou danos futuros.</p><p>A tanatóloga e psiquiatra Kübler-Ross (2004, p.561) em seu trabalho com doentes em fase terminal,</p><p>verificou que na maioria dos casos os mesmos recebiam de bom grado a oportunidade de falar</p><p>abertamente sobre sua condição e sabiam que estavam perto de morrerem, embora não recebessem</p><p>informação sobre esse fato.</p><p>Depois de falar com 500 pacientes terminais, Kübler-Ross (1969-1970) definiu cinco estágios</p><p>durante o processo de reconciliação com a morte, são eles:</p><p>I - Negação (recusa em aceitar a realidade que está acontecendo);</p><p>II - Raiva (as pessoas ficam frustradas e com raiva por estarem doentes e podem transferir sua raiva</p><p>para o pessoal do hospital e para os médicos);</p><p>III - Barganha (os pacientes podem tentar negociar com médicos, os amigos ou mesmo com Deus</p><p>em troca de cura, prometem, fazem doações, frequentam igreja);</p><p>IV - Depressão – neste estágio, os pacientes apresentam sintomas clínicos de depressão,</p><p>retraimento, retardo mental, perturbação do sono, desesperança e possivelmente ideia de suicídio;</p><p>V - Aceitação – neste último, os pacientes compreendem que a morte é inevitável e aceitam a</p><p>universalidade da experiência. Seus sentimentos variam de humor neutro e eufórico, e em</p><p>circunstâncias ideais, resolvem seus sentimentos para com a inevitabilidade da morte e conseguem</p><p>falar sobre o enfrentamento do desconhecido.</p><p>Para Kübler-Ross (1998), nem todas as pessoas passam por estes estágios e algumas podem passar</p><p>por eles em sequência diferente, oscilando entre a raiva e a depressão ou podem sentir ambas ao mesmo</p><p>tempo.</p><p>4.9.3 Aspectos Psicológicos da Perda</p><p>A perda de um ente querido é uma experiência muito difícil, pois quaisquer tristezas, sejam elas</p><p>simples ou graves, impactam negativamente o psiquismo do indivíduo. As pessoas que fazem parte da</p><p>nossa vida têm um significado especial, são preciosas e por mais que todos nós saibamos que um dia</p><p>vamos morrer, e que a qualquer momento podemos perder alguém querido, não se pode imaginar o</p><p>sofrimento e as consequências que esta perda pode trazer.</p><p>Sabe-se que a perda de um ente querido impõe a familiares e amigos a aceitação da morte e de sua</p><p>irreversibilidade. A partir desse momento essas pessoas começam uma nova etapa de suas vidas.</p><p>Consequentemente desfazem os laços que os uniam e reorganizam suas vidas para aprender a viver sem</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>115</p><p>aquele que partiu. Acontecem várias mudanças tanto psicológicas quanto espirituais e alterações na</p><p>rotina das pessoas para sempre. De acordo com Pitta (1999) algumas características dos aspectos</p><p>psicológicos são:</p><p> Insensibilidade e descrença: a pessoa se conforma com o que aconteceu, mas nada sente, é</p><p>normal esse sentimento durar horas ou dias. A pessoa enlutada diz "eu não posso acreditar.",</p><p>mostrando que a verdade dolorosa ainda não foi aceita.</p><p> A procura: muitas vezes a pessoa tenta encontrar com aquela que morreu indo ao cemitério,</p><p>perambulando pelos cômodos da casa e outros lugares.</p><p> Raiva: algumas pessoas tentam responsabilizar alguém pela morte. Muitas vezes dirigem essa</p><p>culpa aos profissionais da área da saúde, outras ficam furiosas com Deus e há a negação da fé.</p><p> Culpa: a pessoa se sente culpada pela morte do ente querido</p><p> A ansiedade: a pessoa fica inquieta, pois sua rotina foi quebrada.</p><p> Lamentação: quando a perda foi reconhecida, começa o período de lamentação.</p><p> Sensações corporais: é normal ouvir a voz, os passos, ver o rosto da pessoa no meio da multidão.</p><p> Atitudes e maneiras do falecido: a pessoa enlutada assume alguns papeis do falecido, negócios,</p><p>trabalhos inacabados, etc.</p><p> Depressão e desespero: a pessoa se sente desamparada sem nenhum objetivo de vida, nada</p><p>mais lhe importa.</p><p>Depois das características demonstradas pode-se perceber que cada pessoa reage de maneira</p><p>diferente diante da situação da morte de um ente querido. Apesar de a morte ser o que temos de mais</p><p>concreto em nossas vidas, Zimermam (2000, p.117) enfatiza que junto com a perda da pessoa existe o</p><p>final de uma fase da vida</p><p>As perdas são parte da vida: quando morre a mãe, morre também parte da nossa infância e</p><p>adolescência; quando morre um filho, morre em nós o futuro previsto junto àquele filho, o sonho</p><p>de vê-lo um profissional, pai de nossos netos, a pessoa que nos acompanharia até o fim de nossa</p><p>vida.</p><p>As perdas são necessárias porque para crescer temos de perder, não só pela morte, mas também</p><p>por abandono, pela desistência. Em qualquer idade, perder é difícil e doloroso, mas só através das perdas</p><p>os seres humanos tornam-se plenamente desenvolvidos. Cabe salientar que as perdas incluem não</p><p>apenas separações e abandonos, mas também a perda consciente ou inconsciente, de sonhos</p><p>românticos, ilusões de segurança, expectativas irreais e outras. As perdas que enfrentadas ao longo da</p><p>vida e das quais não se foge são basicamente duas: - Que o amor de nossos pais não é só nosso. - Que</p><p>nossos pais vão nos deixar, e que nós vamos deixá-los.</p><p>Vale ressaltar que para o processo de recuperação ser facilitado é indispensável a ajuda e amizade</p><p>de outras pessoas que já tenham passado por essa experiência. Os sentimentos de ansiedade e</p><p>insegurança desaparecem aos poucos, dando lugar à confiança. Depois que a tristeza passa a pessoa</p><p>descobre que pode retornar às suas atividades e outros interesses.</p><p>4.9.4 O Morrer: processo do luto antecipatório</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1</p><p>116</p><p>O termo “Luto Antecipatório” foi utilizado, pela primeira vez, por Lindemann, por meio da sua</p><p>observação de esposas de soldados que iam para a guerra. Posteriormente, esta denominação foi</p><p>utilizada para pessoas que recebem o diagnóstico de doenças terminais e o envolvimento da família nesta</p><p>perda. Seja prolongada ou repentina, quando em decorrência de doenças prolongadas, esta é</p><p>considerada estressante para as famílias e desencadeia um mecanismo de enfrentamento diferente.</p><p>Quando uma pessoa morre inesperadamente, os membros das famílias carecem de tempo para</p><p>antecipar e prepararem-se para a perda, para</p><p>bem social. Esta subjetividade resulta não apenas de processos intrapsíquicos, mas do que a sociedade na</p><p>qual o "projeto-sujeito" está inserido espera como resultado.</p><p>Nossas atuações como profissionais do psiquismo repercutem invariavelmente nos processos de</p><p>subjetivação. Devemos ter clara consciência disto para, a partir de questionamentos e posições éticas,</p><p>sabermos de nossa responsabilidade quando agimos, quando aconselhamos, quando reforçamos, quando</p><p>punimos, quando interpretamos. Como compatibilizar posições éticas com as demandas de lucro da</p><p>economia capitalista? Que motivações sócio-econômicas-ideológicas sustentam nossa prática e que</p><p>repercussões elas têm em nossa sobrevivência?</p><p>Continuo acreditando, não de forma piegas e idealizada, mas de forma realista e atuante, que é</p><p>possível construir uma sociedade pautada no direito e respeito ao cidadão, lembrando sempre que a</p><p>sociedade, de alguma forma, participa da produção do sofrimento. Neste sentido, a Psicologia Hospitalar</p><p>constitui-se um campo privilegiado da escuta do sofrimento por encontrar-se, de forma particular, no</p><p>cruzamento sujeito/sociedade</p><p>BIBLIOGRAFIA</p><p>Bock, A., "Em defesa da perspectiva histórica na psicologia". Texto apresentado pela Dra. Ana</p><p>Mercês Bahia Bock na PUC-MG em 13/05/02.</p><p>Ceccarelli, P. R., "Configurações edípicas da contemporaneidade: reflexões sobre as novas formas de</p><p>filiação", in Pulsional Revista de Psicanálise, São Paulo, ano XV, 161, 88-98, set. 2002</p><p>1.4 Competências necessárias à prática psicológica hospitalar</p><p>Educação por competências é hoje uma nova área de teoria, pesquisa e aplicação, como ilustra o</p><p>programa intitulado “Education and competence studies”, do Wageningen University and Research</p><p>Center na Holanda (WESSELINK et al., 2004). A literatura sobre educação por competência tem crescido</p><p>nos últimos anos, com destaque para as publicações institucionais. São exemplos os artigos:</p><p>“Transforming the curriculum” (JONES, 2002), publicado pela Higher Education Reports, e “College</p><p>curriculum competencies and skills former students found essential to their careers”, publicado pelo</p><p>College Student Journal (2004). Há também uma tendência de elaborar competências com base em</p><p>relatos de egressos (COLLINS, 1993). No caso específico da psicologia, um exemplo é o artigo “Curriculum</p><p>review using a knowledge, skills, and abilities-based assessment of alumni” (FRIED; JOHANSON, 2003),</p><p>publicado pela Teaching of Psychology.</p><p>Resta-nos, agora, analisar os conceitos de competências e habilidades. Habilidade é o poder técnico</p><p>ou legal para realizar um ato. Competência é o uso apropriado de habilidades para a realização de um</p><p>ato, isto é, a escolha de um entre vários procedimentos possíveis. Um ato pode ser uma atividade</p><p>aparentemente simples, como segurar um lápis, ou complexa, como escrever. A competência (SVEIBY,</p><p>1998) envolve conhecimento explícito e factual; proficiência prática, física e mental; reflexão sobre erros</p><p>e sucessos passados; e julgamento de valor. O desenvolvimento de competências requer, portanto,</p><p>educação formal, treinamento em ações físicas e mentais, análise de experiência e exercícios de decisão.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 13</p><p>É um processo iniciado e fortalecido em relações sociais, mediado por tradições culturais e</p><p>circunscrito a condições ambientais. Competências aplicáveis a uma cultura ou situação nem sempre são</p><p>transferíveis para outras culturas ou situações.</p><p>A competência expressa-se em procedimentos focais e associativos que estabelecem elos entre</p><p>conhecimento e estratégia. O conceito de competência assemelha-se ao conceito de conhecimento tácito</p><p>de Polanyi (1967/1983). Neste sentido, a competência age por meio de movimentos entre partes e todo,</p><p>alternando entre diferentes níveis lógicos (premissas e conclusões) e manifestando-se de modos habituais</p><p>ou inovadores. A competência é móvel, apresentando-se de modo inovador em função das experiências,</p><p>e reinterpretando por intermédio de variações em sua forma de expressão, principalmente por meio da</p><p>linguagem. É, portanto, um saber interiorizado e integrado.</p><p>Conceber um currículo em competências e habilidades não é o mesmo que classificar taxonomias e</p><p>operações. É definir um caminho que leve o estudante ao encontro do conhecimento, por meio de</p><p>procedimentos claramente definidos, com atenção ao que é próximo, distante, subsidiário e focal. No</p><p>entanto, como diz Polanyi (1967/1983), o sentido de cada procedimento está nele mesmo e é</p><p>compreendido por dentro, pela imersão no contato real. O termo competência é também entendido</p><p>como idoneidade ou amparo legal para realizar determinada tarefa, conforme indicado no termo</p><p>habilitação.</p><p>A atuação em psicologia hospitalar requer determinada qualificação para que o profissional seja</p><p>capaz de desenvolver um trabalho que efetivamente contribua para a promoção da saúde. De acordo</p><p>com o Conselho Federal de Psicologia (2001), são atribuições do psicólogo hospitalar:</p><p>1) Atuar em instituições de saúde de nível secundário ou terciário;</p><p>2) Atuar em instituições de ensino superior ou centros de estudo e de pesquisa voltado para o</p><p>aperfeiçoamento de profissionais ligados à sua área de atuação;</p><p>3) Atender a pacientes, familiares, comunidade, equipe e instituição, visando o bem-estar físico e</p><p>mental do paciente;</p><p>4) Atender a pacientes clínicos ou cirúrgicos, nas diferentes especialidades médicas;</p><p>5) realizar avaliação e acompanhamento em diferentes níveis do tratamento para promover e/ou</p><p>recuperar saúde física e mental do paciente; e</p><p>6) Intervir quando necessário na relação do paciente com a equipe, a família, os demais pacientes, a</p><p>doença e a hospitalização.</p><p>Apesar de já ser uma especialidade reconhecida, tem se debatido muito sobre a qualidade dos</p><p>serviços psicológicos oferecidos em hospitais.</p><p>1.5 Demanda psicológica hospitalar</p><p>Segundo as práticas analisadas, espera-se que o psicólogo hospitalar seja capaz de desenvolver</p><p>ações de assistência, ensino e pesquisa. A assistência consiste em prestar atendimento a pacientes</p><p>internados ou ambulatoriais e seus familiares, e assessorar as equipes hospitalares na definição de</p><p>condutas e tratamentos. Há instituições que incluem nas tarefas do mesmo profissional tanto atividades</p><p>administrativas (recursos humanos) quanto atendimento a funcionários.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 14</p><p>As ações assistenciais podem ser realizadas de forma individual ou grupal, em espaços reservados,</p><p>junto ao leito do paciente ou em outros espaços hospitalares, conforme a pertinência do atendimento,</p><p>com enfoque psicológico ou multidisciplinar.</p><p>As variações decorrem dos seguintes fatores: natureza da instituição, vínculo do psicólogo (por</p><p>meio de um serviço de psicologia ou de uma equipe assistencial, constituída por profissionais de</p><p>diferentes áreas), capacitação do profissional, recursos disponíveis, necessidades do paciente e</p><p>características da unidade em que ele é atendido (por exemplo, centros e unidades de tratamento</p><p>intensivo, emergências, internações ou ambulatórios).</p><p>A intervenção psicológica pode ser de apoio, orientação ou psicoterapia. Os objetivos são os mais</p><p>diversos: avaliar o estado emocional do paciente; esclarecer sobre dúvidas quanto ao diagnóstico e</p><p>hospitalização; amenizar angústias e ansiedades em situações desconhecidas; trabalhar vínculo mãe-</p><p>bebê, trabalhar aspectos da sexualidade envolvidos na doença e no tratamento; preparar para cirurgia;</p><p>garantir adesão ao tratamento; auxiliar na adaptação à nova condição de vida imposta pela doença;</p><p>orientar os pais sobre maneiras mais adequadas de informar as crianças sobre a hospitalização ou morte</p><p>de um familiar; e facilitar o enfrentamento de situações de morte e de luto.</p><p>O hospital contemporâneo pode ser caracterizado pelas interações Interprofissionais e pelo</p><p>trabalho em equipes multidisciplinares. Em equipes multidisciplinares, compete ao psicólogo: esclarecer</p><p>sobre acontecimentos biológicos que provocam mudanças significativas na vida das pessoas; informar</p><p>sobre causas, consequências e tratamento de doenças que os pacientes apresentam; assegurar a adesão</p><p>ao tratamento; auxiliar na adaptação à nova condição de saúde; propiciar trocas de experiência entre</p><p>pessoas que enfrentam situações semelhantes; criar oportunidades de contato com a equipe para</p><p>esclarecer dúvidas; comunicar normas e rotinas de determinada unidade; e avaliar a qualidade dos</p><p>serviços oferecidos pela instituição.</p><p>A demanda para atendimento psicológico pode ser identificada pelo psicólogo ou por outro</p><p>profissional da saúde. No entanto, ao ser solicitado a intervir com determinado paciente, cabe ao</p><p>psicólogo verificar se existe demanda por parte do paciente ou se ela é decorrente de dificuldades de</p><p>conduta da equipe.</p><p>Se for confirmada a necessidade de atendimento psicológico, é preciso avaliar o interesse e</p><p>disposição do paciente para tal intervenção. Caso se trate de dificuldade da equipe, cabe ao psicólogo</p><p>ouvir os participantes e ajudá-los a rever a maneira como o caso está sendo conduzindo. Na alta</p><p>hospitalar de pacientes em acompanhamento psicológico, o psicólogo é responsável por avaliar se há</p><p>necessidade de continuar o tratamento e tomar as providências pertinentes. O psicólogo deve intervir de</p><p>modo a obter resultados significativos em curto espaço de tempo. Dependendo das características e</p><p>exigências do hospital, tais resultados devem ser apresentados de forma concreta. Isto requer a</p><p>elaboração de instrumentos capazes de avaliar os resultados obtidos com a intervenção psicológica.</p><p>O trabalho em hospitais requer flexibilidade na intervenção psicológica. Condutas e procedimentos</p><p>devem ser adaptados aos recursos, às características e às necessidades e contexto de atendimento. Os</p><p>psicólogos devem ser capazes de lidar com a questão da morte e do morrer, e serem efetivos na</p><p>decodificação da demanda não verbal. Capacidades de empatia, de persistência e de tolerância à</p><p>frustração são necessárias tanto para os procedimentos de rotina quanto para o convívio com as equipes</p><p>e com a cultura hospitalar.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 15</p><p>As ações de ensino do psicólogo hospitalar consistem em supervisionar estágios e,</p><p>esporadicamente, ministrar treinamentos, cursos, palestras e aulas. A orientação consiste em dar</p><p>instruções para atendimentos aos pacientes e em sugerir estratégias para as interações com a equipe. Os</p><p>estagiários são orientados a justificar e esclarecer as dúvidas suscitadas diante da recomendação de</p><p>atendimento psicológico. As supervisões também procuram atender às perguntas e dúvidas dos</p><p>estagiários, ouvindo e discutindo os sentimentos decorrentes do convívio hospitalar. A consulta</p><p>sistemática à literatura e a realização de pesquisas no ambiente hospitalar ainda são práticas incipientes.</p><p>Justifica-se tal conduta com o argumento de que a demanda é intensa, não havendo muita chance de um</p><p>trabalho regular de investigação científica. Contudo, com o auxílio dos estudantes, têm sido coletados</p><p>dados para trabalhos de conclusão de curso (monografias, dissertações e teses). Há um entendimento de</p><p>que o trabalho de pesquisa se fortalecerá se houver maior entrosamento com a universidade. A relação</p><p>entre prática e pesquisa não é consensual. As opiniões divergem em três sentidos:</p><p>1) Há os que reconhecem a necessidade de respaldo científico para a prática e tentam efetuá-la no</p><p>limite de seu trabalho, mas com pouco rigor metodológico;</p><p>2) Há os que reconhecem a necessidade, mas não a efetuam por dificuldades de conciliação com as</p><p>demais atividades; e</p><p>3) Há os que entendem que a consistência e credibilidade dos serviços será uma decorrência natural</p><p>da boa prática e não, necessariamente, da realização de pesquisas.</p><p>1.6 Aspectos da conduta do psicólogo capazes de promover a prática multidisciplinar</p><p>De acordo com as práticas examinadas, o psicólogo precisa ser persistente na defesa de suas ideias</p><p>e buscar interagir com os demais profissionais para se inserir no hospital e conseguir desenvolver seu</p><p>trabalho. A solicitação de seu serviço depende de ele buscar esclarecer quais benefícios pode ser obtido</p><p>com a intervenção psicológica. O trabalho tende a ser aceito e valorizado por parte daqueles profissionais</p><p>que reconhecem a interferência de fatores emocionais no quadro clínico de seus pacientes.</p><p>Os reducionismos profissionais e as diferenças hierárquicas são fatores que impedem o</p><p>desenvolvimento da prática multidisciplinar. Por um lado, a psicologia exacerba a defesa do emocional;</p><p>por outro lado, a medicina limita-se ao tratamento do corpo. Avanços neste sentido dependem de o</p><p>psicólogo promover uma visão integrada da relação mente/corpo e reconhecer as implicações orgânicas</p><p>no estado emocional dos pacientes.</p><p>O psicólogo deve ser capaz de expor seus posicionamentos e sustentá-los perante os médicos. Caso</p><p>contrário, criam-se barreiras à intervenção psicológica por desconhecimento do trabalho realizado ou por</p><p>falta de evidências quanto à sua efetividade. Também é imprescindível que o psicólogo seja capaz de se</p><p>expressar de forma clara, objetiva e coerente com a linguagem médica. O psicólogo enfrenta dificuldades</p><p>para trabalhar em equipe multidisciplinar em virtude de dois fatores limitadores. Um deles é o reduzido</p><p>número de psicólogos e, por conseguinte, a limitação de tempo, indicados nas dificuldades em conciliar o</p><p>acompanhamento às visitas médicas, a discussão de casos e o atendimento psicológico. O outro é a pouca</p><p>disposição dos chefes de serviços em conceder espaço ao trabalho de equipe.</p><p>É comum a inserção do psicólogo em determinadas unidades ocorrer mais por facilidades</p><p>interpessoais do que por levantamento de necessidades. Contudo, o psicólogo deve buscar vincular sua</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 16</p><p>atuação ao serviço ou unidade e não ao profissional autor do convite. Caso contrário, o trabalho</p><p>psicológico poderá ser inviabilizado no momento em que houver mudanças no quadro funcional da</p><p>unidade.</p><p>Segundo o relato de enfermeiras, o trabalho em equipe propicia maior conhecimento aos demais</p><p>profissionais da área da saúde sobre as atribuições do psicólogo. A fala das enfermeiras reitera a</p><p>percepção das psicólogas de que a valorização dos serviços dependente dos resultados obtidos. A</p><p>enfermagem também tem expectativas claras com relação à contribuição da psicologia para as equipes.</p><p>Espera-se que a psicologia assessore na definição de condutas e tratamentos, trazendo</p><p>conhecimentos sobre a influência dos aspectos emocionais no quadro clínico dos pacientes. Deste modo,</p><p>é atribuída ao psicólogo a função de qualificar a equipe para ser capaz de tomar decisões condizentes</p><p>com as necessidades dos pacientes. Isto implica em tornar a equipe mais autônoma, já que nem sempre o</p><p>profissional da psicologia tem disponibilidade para atendê-la.</p><p>As enfermeiras mencionam basicamente dois tipos de demandas psicológicas. A primeira requer</p><p>maior presença do psicólogo na equipe, explicitando suas posições e intervenções para todo o grupo e</p><p>não somente para enfermeiras por ocasião de visitas a pacientes. A segunda traz um aspecto positivo, o</p><p>reconhecimento da demanda, e um aspecto preocupante, a inserção prematura de estagiários no serviço.</p><p>As enfermeiras reconhecem a limitação de tempo da psicologia para atender toda a demanda existente.</p><p>No entanto, consideram que as intervenções psicológicas seriam mais eficazes se esses profissionais</p><p>atendessem a um menor número de unidades e investissem</p><p>mais nas situações cuja atuação está</p><p>consolidada.</p><p>1.7 Análises crítica</p><p>A análise das competências e habilidades do psicólogo hospitalar teve como ponto de partida as</p><p>resoluções do Conselho Federal de Psicologia (2000, 2001) sobre a caracterização da especialidade. O</p><p>documento do Conselho Federal de Psicologia (2000) é uma descrição geral dos espaços e focos do</p><p>trabalho da psicologia em hospitais, enfatizando as demandas esperadas. Com base neste documento e</p><p>na experiência dos participantes, foi possível fazer o levantamento das competências e habilidades</p><p>apresentadas neste estudo. Tais definições ressaltam as condutas e os procedimentos profissionais</p><p>necessários ao desempenho da prática psicológica hospitalar. Entende-se que tais competências e</p><p>habilidades refletem padrões reais e consensuais de desempenho dos profissionais inseridos na área, e</p><p>não articulações burocráticas para atender determinadas exigências legais.</p><p>Como se pôde constatar, muitos dos aspectos levantados são aplicáveis a outros contextos de</p><p>atuação do psicólogo. Tais aspectos são ilustrativos do que pode ser considerado geral e compartilhado</p><p>com outras demandas profissionais e o que pode ser específico na prática hospitalar. As competências e</p><p>habilidades apresentadas contêm a diferença gradativa do que é geral ao psicólogo, conforme listado nas</p><p>habilidades básicas, e do que é específico ao psicólogo hospitalar, conforme listado nas competências.</p><p>Contudo, é difícil definir fronteiras entre o básico, a ênfase profissional ainda na graduação e a</p><p>especialização, no sentido da pós-graduação lato sensu.</p><p>A noção de educação por competências é um recurso pedagógico ágil e flexível, sensível aos novos</p><p>tempos. Infelizmente, entre nós, a novidade pedagógica veio como exigência legal. Melhor teria sido se</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 17</p><p>viesse como descoberta institucional trabalho de pesquisa ou proposição diferenciada de instituições</p><p>comprometidas com um ensino de qualidade. Como um estatuto legal, é bem possível que os frutos</p><p>sejam escassos. Com isso, todo o trabalho de planejamento do currículo por competências pode se</p><p>transformar em um expediente apenas burocrático, posteriormente engavetado ou gravado em CD para</p><p>impressionar visitantes. Com efeito, serão documentos distantes e indiferentes aos espaços pedagógicos</p><p>reais.</p><p>Por outro lado, a aplicação da noção de competências requer articulação e integração entre</p><p>professores e um projeto pedagógico capaz de implodir a hegemonia da sala de aula, dando espaços a</p><p>laboratórios, bibliotecas, grupos de discussão, equipes tutoriais, estágios qualificados e entrosamento</p><p>com o mundo do trabalho. Um bom plano pedagógico por competências requer cuidadoso sistema de</p><p>avaliação tanto para professores quanto para estudantes. Por fim, cabe lembrar as considerações de</p><p>Sveiby (1998) ao relacionar especialidade com competência. Ao especialista, cabe a construção das</p><p>próprias competências e a crítica ao trabalho, apoiada em evidências. Cabe ressaltar o caráter preliminar</p><p>das competências e habilidades apresentadas neste estudo, tendo em vista que foram definidas somente</p><p>a partir das práticas analisadas. Considera-se que a validação das mesmas e a possível ampliação para</p><p>contemplar exigências da demanda de diferentes configurações hospitalares dependerão do</p><p>desenvolvimento de novos estudos. Torna-se imprescindível, por exemplo, examinar sua veracidade e</p><p>nível de abrangência, conforme a prática psicológica hospitalar desenvolvida no Brasil, nestes últimos</p><p>cinquenta anos, conforme relato da literatura.</p><p>1.8 Psicodiagnóstico</p><p>Cunha explica que enquanto os psicólogos em geral realizam avaliações, os psicólogos clínicos,</p><p>entre outras tarefas, realizam psicodiagnósticos. Pode-se dizer que avaliação psicológica é um conceito</p><p>muito amplo. Psicodiagnóstico é uma avaliação psicológica, feita com propósitos clínicos e, portanto, não</p><p>abrange todos os modelos de avaliação psicológica de diferenças individuais. É um processo que visa a</p><p>identificar forças e fraquezas no funcionamento psicológico, com um foco na existência ou não de</p><p>psicopatologia. Isso não significa que a classificação psiquiátrica seja um objetivo precípuo do</p><p>psicodiagnóstico, mas sim que, para medir forças e fraquezas no funcionamento psicológico, devem ser</p><p>considerados como parâmetros os limites da variabilidade normal (Yager e Gitlin, 1999). É esta</p><p>abordagem que confere a perspectiva clínica a esse tipo de avaliação de diferenças individuais.</p><p>O psicodiagnóstico derivou da psicologia clínica, introduzida por Lighter Witmer, em 1896, e criada</p><p>sob a tradição da psicologia acadêmica e da tradição médica. Consta que nem ao fundador da psicologia</p><p>clínica agradou a designação “clínica”, adotada apenas por falta de melhor alternativa (Garfield, 1965).</p><p>Não obstante, tudo indica que essa tradição médica, associada à psicologia clínica, teria efeitos marcantes</p><p>na formação da identidade profissional do psicólogo clínico, oferecendo lhe, por um lado, modelos de</p><p>identificação e, por outro, acentuando as suas dificuldades nas relações Interprofissionais. Aquele fim de</p><p>século e o começo do seguinte foram marcantes pelos trabalhos de Galton, que introduziu o estudo das</p><p>diferenças individuais, de Cattell, a quem se devem as primeiras provas, designadas como testes mentais,</p><p>e de Binet, que propôs a utilização do exame psicológico (por meio de medidas intelectuais) como</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 18</p><p>coadjuvante da avaliação pedagógica. Por tais razões, a esses três autores é atribuída a paternidade do</p><p>psicodiagnóstico (FernándezBallesteros, 1986).</p><p>A nossa tradição psicométrica, assim alicerçada, ficou melhor sedimentada pela difusão das escalas</p><p>Binet, seguidas pela criação dos testes do exército americano, Alfa e Beta. Se a contribuição da</p><p>psicometria foi e é essencialmente importante para garantir a cientificidade dos instrumentos do</p><p>psicólogo, torna-se importante, conforme salienta Groth-Marnat (1999), estabelecer a diferença que</p><p>existe entre o psicometrista e o psicólogo clínico. O primeiro tende a valorizar os aspectos técnicos da</p><p>testagem, enquanto, no psicodiagnóstico, há a utilização de testes e de outras estratégias, para avaliar</p><p>um sujeito de forma sistemática, científica, orientada para a resolução de problemas.</p><p>O psicometrista “utiliza testes para obter dados”, e, em sua abordagem, “o produto final é muitas</p><p>vezes uma série de traços ou descrições de capacidades”. Mas é importante lembrar que “essas</p><p>descrições tipicamente não estão relacionadas com o contexto total da pessoa e nem se voltam para os</p><p>problemas singulares que ela possa estar enfrentando” Por outro lado, ainda no século passado, a</p><p>comunidade científica foi muito marcada pelas descobertas ocorridas no campo da biologia, com início na</p><p>verificação da “correlação de síndromes clínicas com modificações morfológicas observadas na autópsia”</p><p>(Klerman, 1990) e continuada por outra série de descobertas, como pelas “tentativas feitas para</p><p>correlacionar síndromes mentais com achados de autópsia e dados bacteriológicos”. A base científica</p><p>fornecida à medicina pela biologia levava psiquiatras a buscarem as causas da doença mental no</p><p>organismo e, em especial, no sistema nervoso central.</p><p>Em consequência, “os pacientes psiquiátricos, não mais considerados lunáticos, se tornaram</p><p>‘nervosos’ (...) ou ‘neuróticos’ ” (Wolman, 1965). Dessa época data a divisão dicotômica dos transtornos</p><p>psiquiátricos em “orgânicos” e “funcionais”. Foi nessa escola pré-dinâmica da psiquiatria que surgiu</p><p>Kraepelin, que se notabilizou por seu sistema de classificação dos transtornos mentais e, especialmente,</p><p>por seus estudos diferenciais entre esquizofrenia e psicose maníaca depressiva. Em</p><p>consequência, as</p><p>classificações nosológicas e o diagnóstico diferencial ganharam ênfase.</p><p>Não obstante, mesmo no período entre as duas grandes guerras, a classificação das doenças</p><p>mentais pressupunha uma hierarquia, conforme o modelo médico, em grandes classes: “transtornos</p><p>mentais orgânicos, psicoses, neuroses, transtornos de personalidade e estados reativos/transitórios”.</p><p>Quando se evidenciava uma condição orgânica, esta “tomava precedência sobre todos os outros</p><p>diagnósticos” (Klerman, 1990, p.18).</p><p>Neste cenário, tiveram especial importância às obras de Freud e Kraepelin, caracterizando bem a</p><p>diferença entre estados neuróticos e psicóticos, dentre os transtornos classificados como funcionais (não</p><p>orgânicos). Tal distinção foi considerada muito adequada porque parecia combinar cinco aspectos da</p><p>psicopatologia, simultaneamente:</p><p>1) Sintomas descritivos;</p><p>2) Causação presumida;</p><p>3) Psicodinâmica;</p><p>4) Justificação para hospitalização;</p><p>5) Recomendação sobre tratamento”.</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 19</p><p>Deste modo, Freud, que provinha da melhor tradição neurofisiológica, representou o primeiro elo</p><p>de uma corrente de conteúdo dinâmico, logo seguido pelo aparecimento do teste de associação de</p><p>palavras, de Jung, em 1906, e fornecendo lastro para o lançamento, mais tarde, das técnicas projetivas.</p><p>Nesse cenário, Rorschach publicou sua monografia, em 1921, que teve maior divulgação na década</p><p>seguinte. O teste passou a ser utilizado como um passo essencial (e, às vezes, único) do processo de</p><p>diagnóstico. A grande popularidade alcançada nas décadas de quarenta e cinquenta é atribuída ao fato de</p><p>que “os dados gerados pelo método eram compatíveis com os princípios básicos da teoria psicanalítica”</p><p>(Vane e Guarnaccia, 1989.).</p><p>Esse foi o período áureo das técnicas de personalidade. Embora o Rorschach e o TAT fossem os</p><p>instrumentos mais conhecidos, começaram a se multiplicar rapidamente as técnicas projetivas, como o</p><p>teste da figura humana, o Szondi, o MPAS e tantos outros.</p><p>O entusiasmo que cercou o advento das técnicas projetivas pode ser, em grande parte, explicado</p><p>por dois fatores de peso:</p><p>1) O fato de que os testes, tão valorizados na época anterior, principalmente na área militar e da</p><p>indústria, já não pareciam tão úteis “na avaliação de problemas da vida (neurose, psicose, etc.) ” (Groth-</p><p>Marnat, 1999, p.4), e</p><p>2) A valorização atribuída pela comunidade psiquiátrica ao entendimento dinâmico.</p><p>Entretanto, a partir de então, as técnicas projetivas começaram a apresentar certo declínio em seu</p><p>uso, por problemas metodológicos, pelo incremento de pesquisas com instrumentos alternativos, como o</p><p>MMPI e outros inventários de personalidade, por sua associação com alguma perspectiva teórica,</p><p>notavelmente a psicanalítica (Goldstein & Hersen, 1990) e pela ênfase na interpretação intuitiva apesar</p><p>dos esforços para o desenvolvimento de sistemas de escore (Vane & Guarnaccia, 1989). Apesar disso,</p><p>essas técnicas ainda são bastante utilizadas, embora com objeções, por parte dos psicólogos que</p><p>propugnam por avaliações de orientação comportamental e biológica.</p><p>Atualmente, há indiscutível ênfase no uso de instrumentos mais objetivos, interesse por entrevistas</p><p>diagnósticas mais estruturadas, notadamente com o incremento no desenvolvimento de avaliações</p><p>computadorizadas de personalidade, que vêm oferecendo novas estratégias neste campo (Butcher, Keller</p><p>& Bacon, 1985). Também, as necessidades de manter um embasamento científico para oferecer respostas</p><p>adequadas e compatíveis com os progressos de outros ramos da ciência, especialmente em termos de</p><p>questões diagnósticas, criadas por modificações introduzidas nas classificações oficiais, têm levado à</p><p>revisão, renormatização e criação de novas estratégias de avaliação.</p><p>Aliás, Zacker, já em 1989, afirmava que o reconhecimento da qualidade do psicodiagnóstico tem</p><p>que ver, em primeiro lugar, com um refinamento dos instrumentos e, em segundo lugar, com estratégias</p><p>de marketing de que o psicólogo deve lançar mão para aumentar a utilização dos serviços de avaliação</p><p>pelos receptores de laudos. Na mesma década, GrothMarnat (1984) salientava a importância do</p><p>profissional se familiarizar com as reais necessidades do usuário, observando que, muitas vezes,</p><p>psicólogos competentes acabam por “fornecer uma grande quantidade de informações inúteis para as</p><p>fontes de encaminhamento” por falta de uma compreensão adequada das verdadeiras razões que</p><p>motivaram o encaminhamento ou, em outras palavras, por desconhecimento das decisões que devem ser</p><p>tomadas com base nos resultados do psicodiagnóstico. Recentemente (1999), insistiu na mesma ideia,</p><p>Professora: Maria Flor 2024 .1 20</p><p>afirmando que o psicólogo clínico deve “entender o vocabulário, o modelo conceitual, a dinâmica e as</p><p>expectativas da fonte de encaminhamento”.</p><p>As sugestões apontadas, de conhecer as necessidades do mercado e de desenvolver estratégias de</p><p>conquista desse mercado, parecem se fundamentar na pressuposição de que o psicólogo, sobrecarregado</p><p>com suas tarefas, não está avaliando a adequabilidade de seus dados em relação ao público usuário.</p><p>Mas que público é esse? Que serviços ou profissionais podem ter necessidade de solicitar</p><p>psicodiagnósticos? Primeiramente, vejamos onde costuma trabalhar um psicólogo que lida com</p><p>psicodiagnóstico. Segundo Groth-Marnat (1999), o psicólogo clínico mais frequentemente exerce suas</p><p>funções numa instituição que presta serviços psiquiátricos ou de medicina geral, num contexto legal ou</p><p>educacional, bem como em clínicas psicológicas. Em termos de Brasil, embora cada vez mais se</p><p>encontrem profissionais da psicologia trabalhando nesses ambientes, especialmente em instituições de</p><p>cuidados com a saúde, é muito comum que o psicodiagnóstico se realize em clínicas ou em consultórios</p><p>psicológicos, em que ele recebe encaminhamento principalmente de médicos psiquiatras ou de outra</p><p>especialidade (pediatras, neurologistas, etc.), da comunidade escolar, de juízes, ou advogados, ou atende</p><p>casos que procuram espontaneamente um exame, ou são recomendados a fazê-lo por algum familiar ou</p><p>amigo.</p><p>A questão básica com que se defronta o psicólogo é que, embora um encaminhamento seja feito,</p><p>porque a pessoa necessita de subsídios para basear uma decisão para resolver um problema, muitas</p><p>vezes ela não sabe claramente que perguntas levantar ou, por razões de sigilo profissional, faz um</p><p>encaminhamento vago para uma “avaliação psicológica”. Em consequência, uma das falhas comuns do</p><p>psicólogo é a aceitação tácita de tal encaminhamento, com a realização de um psicodiagnóstico, cujos</p><p>resultados não são pertinentes às necessidades da fonte de solicitação.</p><p>É, pois, responsabilidade do clínico manter canais de comunicação com os diferentes tipos de</p><p>contextos profissionais para os quais trabalha, familiarizando-se com a variabilidade de problemas com</p><p>que se defrontam e conhecendo as diversas decisões que os mesmos pressupõem. Mais do que isso: deve</p><p>determinar e esclarecer o que dele se espera, no caso individual. Esta é uma estratégia de aproximação,</p><p>que lhe permitirá adequar seus dados às necessidades das fontes de encaminhamento, de forma que</p><p>seus resultados tenham o impacto que merecem e o psicodiagnóstico receba o crédito a que faz jus.</p><p>1.8.1 Caracterização do Processo</p><p>Definição</p><p>Psicodiagnóstico é um processo científico, limitado no tempo, que utiliza técnicas e testes</p><p>psicológicos (input), em nível individual ou não, seja para entender problemas à luz de pressupostos</p><p>teóricos, identificar e avaliar aspectos específicos, seja para classificar o caso e prever seu curso possível,</p><p>comunicando os resultados (output), na base dos quais são propostas soluções, se for o caso.</p><p>Caracterizamos</p>

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