Prévia do material em texto
<p>FILOSOFIA</p><p>GERAL E</p><p>JURÍDICA</p><p>Cássio Vinícius</p><p>Os sofistas</p><p>Objetivos de aprendizagem</p><p>Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:</p><p>� Conceituar o que são os sofistas e em que período era possível</p><p>encontrá-los.</p><p>� Identificar quais eram os sofistas e as suas obras.</p><p>� Contrastar a escola sofística com a arte da retórica e da oratória.</p><p>Introdução</p><p>Vocês sabem quem foram os sofistas? Onde e em qual período podemos</p><p>encontrá-los? Quais eram as suas principais ideias? Se é verdade que</p><p>hoje utilizamos a palavra sofista para depreciar aqueles que se valem de</p><p>truques retóricos logicamente questionáveis para convencer os outros,</p><p>quando surgiram no século V a.C. as coisas não eram bem assim. Eles</p><p>eram homens dotados de grande prestígio e considerados os mais sábios.</p><p>Porém, no meio do caminho tinha uma pedra — tinha um Sócrates no</p><p>meio do caminho.</p><p>Nesse capítulo, você aprenderá quem foram e onde surgiram os</p><p>sofistas, as suas ideias mais importantes, os seus maiores representantes</p><p>e a diferença entre a sofística, a retórica e a oratória.</p><p>A querela entre Sócrates e os sofistas</p><p>Com o crescente abandono da valorização dos mitos na sociedade ateniense,</p><p>a política passou a adquirir um papel cada vez mais destacado na pólis, no</p><p>século V a.C., pois, à medida que a crença na visão de mundo estabilizada</p><p>pelos mitos perdia a força, o homem se viu obrigado a encontrar em si mesmo</p><p>novos critérios para estabilizar a sociedade. Quanto a isso, lembre-se de que,</p><p>no caso de Atenas, berço do regime democrático, a representação era exercida</p><p>de modo Direito pelos cidadãos (diferentemente do Brasil, cuja representação</p><p>é exercida de modo semi-indireto). Assim, se nos tempos narrados por Homero</p><p>os homens se destacavam e eram reconhecidos, fundamentalmente, em função</p><p>das suas capacidades militares e dos seus feitos heroicos, séculos mais tarde,</p><p>com o advento da democracia, a reputação dos homens passou a ser medida</p><p>em função da sua capacidade retórica, da sua habilidade de convencer os seus</p><p>concidadãos. Isto é, houve uma passagem da valorização do homem enquanto</p><p>um guerreiro para a valorização do cidadão enquanto um agente político. É</p><p>justamente nesse contexto histórico que a figura do sofista surge com força</p><p>na Grécia Antiga.</p><p>A palavra sofista, do grego sophistes, antes de adquirir um sentido pe-</p><p>jorativo (em função dos ensinamentos de Sócrates, Platão e Aristóteles), era</p><p>utilizada para denotar os sábios ou aqueles que detinham o conhecimento. Eram</p><p>algo como professores itinerantes que viajavam de pólis em pólis em busca</p><p>de alunos para ensinar a areté (termo grego utilizado para denotar a virtude</p><p>ou a excelência humana e política). Eles atraiam as multidões em festivais</p><p>públicos com as suas grandes capacidades de argumentação e ensinavam</p><p>retórica, instruindo, mediante pagamento, os jovens nas técnicas da oratória</p><p>e eloquência, para que pudessem exercer melhor a prática política.</p><p>Embora tenham sido figuras proeminentes no séc. V a.C. e seja sabido que tenham</p><p>produzido muitas obras, quase tudo o que sabemos sobre os sofistas vem dos escritos</p><p>daqueles que os tomavam como inimigos: os diálogos platônicos e textos aristotélicos.</p><p>Assim, por prudência, é sempre bom interpretar as referências com um grão de sal.</p><p>Antes de apresentarmos as características comuns, as principais ideias o</p><p>mérito dos sofistas, é importante que você saiba que não existiu na Antigui-</p><p>dade aquilo que podemos chamar de uma escola sofística propriamente dita.</p><p>Segundo Paulo Nader, em Filosofia do Direito, “os sofistas não chegaram</p><p>a formar uma escola, pois não adotaram uma linha única de pensamento,</p><p>sendo-lhes comum a divergência ou contradição de ideias, embora dirigissem</p><p>estudo para idêntico alvo: o homem e seus problemas psicológicos, morais e</p><p>sociais” (NADER, 2004, p. 151).</p><p>Disso resulta que a caracterização mesma do pensamento sofistico é,</p><p>pelo menos em parte, feita em função do seu objeto de estudo — o homem</p><p>no mundo. Em parte, pois se isso fosse tudo seria impossível distingui-los</p><p>Os sofistas2</p><p>de figuras como Sócrates e dos filósofos do período socrático (tanto que, na</p><p>época, Sócrates foi acusado por muitos de ser um sofista). Nesse contexto,</p><p>você poderia estar se perguntando: como distinguir as ideias dos sofistas das</p><p>ideias do período socrático?</p><p>Para começar a responder tal questão, convidamos você para tomar no-</p><p>vamente como ponto de partida a crise dos mitos. Dada a insatisfação com</p><p>explicação mitológica da realidade, o homem passou a buscar na observação, na</p><p>experimentação e no discurso racional um novo paradigma para compreender</p><p>o mundo. Imbuídos desse objetivo, em um primeiro momento, uma série de</p><p>homens (contemporaneamente classificados como pré-socráticos) tomaram</p><p>como objeto de investigação o cosmos (kosmos) e a natureza (physis). A sua</p><p>principal preocupação consistia em responder questões acerca da origem do</p><p>mundo, os princípios fundamentais e a estrutura da realidade.</p><p>É justamente nesse pano de fundo que emergem os sofistas, cujo principal</p><p>mérito foi introduzir o homem no centro do debate. Nessa linha, Maria Helena</p><p>Pereira afirma que “o grande serviço dos sofistas foi voltar a filosofia para</p><p>o estudo do homem, considerado, quer como ser individual, quer como ser</p><p>social (de onde o seu interesse pelas questões da justiça), alcançar os alicerces</p><p>da educação sistemática dos jovens” (PEREIRA, 1983, p. 441). Do que resulta</p><p>que, sob esse aspecto, não seria exagero aproximar o pensamento sofístico</p><p>daquele tipicamente socrático, pois ambos tomam o homem como objeto de</p><p>investigação das suas reflexões, dando origem à virada antropológica da</p><p>filosofia antiga (por oposição ao período cosmológico, que define as preo-</p><p>cupações dos pré-socráticos). Agora, estabelecido o ponto de convergência</p><p>entre o pensamento sofistico e o socrático, resta compreender onde os seus</p><p>caminhos se bifurcam.</p><p>É sabido que Sócrates acusava os sofistas de serem ardilosos mestres na</p><p>arte da enganação. Alegava que eles ensinavam técnicas retóricas de conven-</p><p>cimento e oratória para aqueles dispostos a pagar pelos seus serviços. Porém,</p><p>para entender a essência da denúncia, gostaríamos de chamar a sua atenção</p><p>para duas coisas que não fazem parte dela: ensinar oratória e cobrar por isso.</p><p>Com isso, queremos dizer que a querela não se arma com base em uma simples</p><p>crítica aos que ganham a vida ensinando oratória. Aliás, isso fosse tudo, seria</p><p>difícil alguém julgar procedente a ação de Sócrates contra os sofistas.</p><p>O caso começa a tomar os seus contornos quando nos atentamos para o</p><p>fato de que certa ideologia estava amalgamada ao ensino. Segundo Sócrates,</p><p>essa ideologia beneficiava apenas uma pequena classe aristocrática, detentora</p><p>de recursos suficientes para pagar pelos ensinamentos. Embora os Sofistas</p><p>alegassem que ensinavam a arte da excelência e da virtude (areté) para qual-</p><p>3Os sofistas</p><p>quer um disposto a pagar o seu preço (que não era barato), esta não vinha</p><p>desacompanhada de certa concepção epistemológica acerca do conhecimento</p><p>humano e da validade dos valores éticos. Para eles, a verdade e os valores</p><p>éticos são relativos e variáveis, a depender de cada homem, cada sociedade,</p><p>cada cultura, etc.</p><p>Protágoras, o mais famoso dos sofistas, afirma que “O homem é a medida de todas as</p><p>coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”.</p><p>Isto é, para o sofista, não existem verdades absolutas ou valores éticos universalmente</p><p>válidos — cada um possui as suas verdades e os seus valores, variáveis de acordo</p><p>com cada um.</p><p>Agora perceba que, se na democracia ateniense os sofistas (que eram os</p><p>responsáveis pela educação para o exercício das funções políticas) ensinavam</p><p>tanto o relativismo quanto técnicas de oratória e convencimento (para uma</p><p>pequena classe aristocrática capaz de bancar o custo das aulas), qual era o</p><p>problema mais evidente?</p><p>Ora, do relativismo associado à excelência na capacidade de convencer</p><p>resultava a inexistência,</p><p>total e completa, de qualquer constrangimento moral</p><p>em editar leis que apenas perpetuassem as desigualdades ora vigentes. A</p><p>título de exemplo, você poderia pensar sem qualquer embaraço do mesmo</p><p>modo que Trasímaco no diálogo República de Platão: que a justiça não</p><p>passa da conveniência do mais forte. Você poderia defender livre de culpa</p><p>ou represália que o bem comum é tão somente aquilo que uma pequena</p><p>aristocracia dominante estabelece mediante lei. E pior: lembrando que a</p><p>democracia é o regime político da maioria, se você fosse um dos poucos</p><p>aristocratas bem versados nas técnicas ensinadas pelos sofistas, ainda estaria</p><p>em melhores condições para convencer a maioria de que o bem comum é</p><p>aquilo que você diz que é.</p><p>Os sofistas4</p><p>Agora, se apesar de tudo isso você ainda está em dúvida sobre como julgar a ação</p><p>de Sócrates contra os sofistas, recomendo fortemente que leia os diálogos platônicos</p><p>Teeteto e Sofista. Enquanto o primeiro tem como fio condutor a questão “o que é o</p><p>conhecimento? ”, o segundo trata sobre o funcionamento lógico da proposição. Assim</p><p>você perceberá o grande engenho requerido para derrotar o relativismo dos sofistas.</p><p>A título de amostra, uma distinção que aparece em Teeteto e foi um divisor de águas</p><p>para o debate, é a distinção entre conhecimento e opinião/crença. No diálogo, opinião</p><p>é definida como um dos elementos necessários, porém insuficientes para que se diga</p><p>que alguém tenha conhecimento. Por sua vez, conhecimento é definido como uma</p><p>opinião verdadeira e justificada.</p><p>Figura 1. Diagrama do conhecimento.</p><p>5Os sofistas</p><p>Se defendemos o relativismo dos sofistas, não existe qualquer razão para</p><p>se traçar tal distinção, pois, se cada um tem a sua verdade, conhecimento</p><p>e opinião são uma e a mesma coisa. Porém, nós distinguimos aquilo que é</p><p>conhecimento daquilo que é mera opinião. Por isso dizemos que algumas</p><p>opiniões são falsas e outras são verdadeiras. Além disso, também dizemos</p><p>que não basta ter uma opinião verdadeira para que tenhamos conhecimento,</p><p>pois alguém poderia muito bem ter uma opinião verdadeira, mas pelas razões</p><p>erradas ou mera sorte.</p><p>Disso tudo resulta uma grande dificuldade em sustentar que o homem</p><p>é a medida de todas as coisas. Segundo os ensinamentos socráticos, nossas</p><p>opiniões devem ser medidas com a realidade para que possamos atribuir-lhes</p><p>verdade ou falsidade. Assim, enquanto o pensamento sofístico pressupõe que a</p><p>verdade e os valores éticos são relativos e dependentes da visão de mundo que</p><p>cada um tem, a reflexão socrática tem como ponto de partida a ideia segundo</p><p>a qual a verdade e os valores morais são absolutos e independem daquilo que</p><p>pensamos que sejam.</p><p>Principais sofistas e as suas</p><p>maiores contribuições</p><p>Na sessão anterior, você aprendeu algo sobre as razões que levaram os so-</p><p>fistas a serem considerados figuras marginais na história da filosofia. Mas,</p><p>se você lembrar bem, também falamos que a leitura deveria ser interpretada</p><p>com alguma cautela. Em primeiro lugar, nunca existiu algo que poderíamos</p><p>chamar propriamente de uma escola de pensamento sofístico; em segundo</p><p>lugar, a maioria das informações que temos deles vêm dos diálogos platô-</p><p>nicos e textos aristotélicos que tomam os sofistas como inimigos a serem</p><p>derrotados. Com relação a esse segundo ponto, Eduardo Bittar e Guilherme</p><p>Almeida afirmam, em Curso de Filosofia do Direito: “Platão [...] lega para</p><p>posteridade uma visão dicotômica que opõe diretamente as pretensões da</p><p>filosofia (essência, conhecimento, sabedoria) às pretensões da sofística</p><p>(aparência, opinião, retórica...). Chega mesmo a conceber os sofistas como</p><p>homens desconhecedores das coisas, pseudo-sábios [...]” (BITTAR; AL-</p><p>MEIDA, 2015, p. 105). Porém, embora sejam compreensíveis as razões que</p><p>levaram Platão a descrever os sofistas de modo tão depreciativo, não seria</p><p>possível apresentá-los de modo mais caridoso?</p><p>Um caminho para isso parte daquilo que chamamos de mérito dos sofistas.</p><p>Como dito anteriormente, os sofistas foram os grandes responsáveis pela</p><p>Os sofistas6</p><p>passagem de preocupações fundamentalmente cosmológicas para questio-</p><p>namentos acerca do homem. Nesse contexto, eles tiveram um grande papel</p><p>no estabelecimento das bases da ideia de uma educação para a virtude ou</p><p>excelência política (areté). Além disso, é possível utilizar as suas contribui-</p><p>ções para uma espécie de ressignificação da própria noção de virtude. Se</p><p>antes ela estava mais ligada aos feitos heroicos de personagens homéricos</p><p>como Aquiles e Odisseu, com o advento dos sofistas, a ideia de virtude</p><p>passou a ser considerada muito mais em função do bom político (que com-</p><p>preende as necessidades da pólis e guia com diligência a sociedade para o</p><p>bem comum). Quanto a isso, existem indícios suficientes para supor que</p><p>eles foram os grandes responsáveis pela estruturação do ensino clássico ou</p><p>trivium — gramática, lógica e retórica.</p><p>Entre os muitos sofistas da Grécia Antiga, considera-se que os mais im-</p><p>portantes sejam Protágoras de Abdera, Górgias de Leontini, Hípias de Élis,</p><p>Pródico de Ceos.</p><p>Protágoras (490 a.C. –415 a.C.)</p><p>Nascido em Abdera, Protágoras é sempre lembrado pela frase “O homem</p><p>é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas</p><p>que não são, enquanto não são”. Foi um dos sofistas mais importantes da</p><p>Antiguidade. Possivelmente um dos primeiros a cobrar altos valores por suas</p><p>aulas, ele ensinava técnicas de oratória, crítica de poesia, gramática, lógica,</p><p>etc. Quanto a isso, temos, no diálogo platônico que recebe o seu nome, indícios</p><p>de que Protágoras foi um grande defensor da ideia de que as virtudes podem</p><p>ser ensinadas (questão muito debatida no diálogo). Nesse mesmo diálogo,</p><p>Platão apresenta a figura de Protágoras com uma digno e apreciável. Ele foi</p><p>amigo de Péricles, o mais influente estadista da época, que inclusive o pediu</p><p>para escrever a constituição de Thurii.</p><p>Embora tenha sido um prolífico escritor e as suas obras tenham sido lar-</p><p>gamente difundidas na Grécia antiga, a história nos legou apenas poucos</p><p>fragmentos da sua obra. Segundo os próprios antigos, as duas obras mais</p><p>importantes de Protágoras foram As antilogias e A verdade. Quase tudo</p><p>que temos sobre elas vem de referências presentes nos escritos de Platão e</p><p>Aristóteles, Cicero e Diógenes Laércio, o grande historiador dos filósofos</p><p>gregos. Segundo este, além dos livros supracitados, Protágoras escreveu Sobre</p><p>os deuses, A arte da Erística, Imperativo, Sobre a ambição, Sobre as ações</p><p>humanas incorretas, Sobre aqueles em Hades, Sobre as virtudes, Sobre os</p><p>estados de coisas originais e Julgamento sobre taxa.</p><p>7Os sofistas</p><p>Górgias (485 a.C.–390 a.C.)</p><p>Nascido em Leontine, uma colônia grega na Sicília, é considerado um dos</p><p>pais da retórica. Segundo ele, conforme o diálogo platônico Górgias, a retórica</p><p>é “a arte universal e autônoma de produção de convicção por intermédio do</p><p>discurso”, definição que foi muito criticada por Sócrates no diálogo, que</p><p>alegava que, se a retórica fosse apenas isso, sequer poderia ser caracterizada</p><p>como uma arte, mas apenas como um método para convencer os ignorantes.</p><p>A despeito das críticas, Górgias foi o responsável pelo desenvolvimento de</p><p>inúmeras técnicas de argumentação e estilística e performática. Entre elas,</p><p>cunhou o termo paradoxologia, cujo significado denota um “pensamento</p><p>paradoxal”. Diferentemente de Protágoras, Górgias não via com bons olhos</p><p>a ideia de que a virtude pode ser ensinada.</p><p>Com relação às obras de Górgias, embora muito também tenha se perdido,</p><p>sabe-se que escreveu muitas obras abordando a retórica e a oratória. Temos,</p><p>na integralidade, apenas Encômio de Helena e Defesa de Palamedes. Além</p><p>disso, credita-se a ele as obras Sobre a não existência e Epitáfio.</p><p>Hípias (460 a.C–400 a.C.)</p><p>Nascido em Élis, Hípias foi um sofista contemporâneo de Sócrates. Foi represen-</p><p>tado em dois diálogos platônicos (Hípias menor e Hípias maior) como uma figura</p><p>muito vaidosa e arrogante, que se gabava de ser o mais rico entre os sofistas.</p><p>Diz-se que</p><p>ele se considerava uma grande autoridade e profundo conhecedor</p><p>de todos os assuntos. Porém, segundo os diálogos, Hípias parece ser alguém</p><p>muito raso e incapaz de entrar em detalhes sobre qualquer assunto em particular.</p><p>Além do trivium (gramática, lógica e retórica), ensinava poesia, história,</p><p>política e matemática, pintura e escultura. No que diz respeito à matemática,</p><p>atribui-se a ele a descoberta da curva conhecida como trissetriz. Além disso,</p><p>no que diz respeito à filosofia o Direito, considera-se que foi um dos ideali-</p><p>zadores da noção de Direito Natural.</p><p>No que diz respeito a suas obras, nada temos além de fragmentos em obras</p><p>de outros autores. Diz-se que escreveu diversos poemas, peças teatrais, textos</p><p>de astronomia, matemática, história, etc.</p><p>Pródico (465 a.C.–395 a.C.)</p><p>Originário da cidade de Ceos, foi um dos sofistas mais famosos da sua gera-</p><p>ção. Diferentemente de Hípias e Górgias, os diálogos platônicos apresentam</p><p>Os sofistas8</p><p>Pródico como uma figura digna de respeito. Em geral, ele é mais relacionado</p><p>ao movimento dos sofistas pelo fato de cobrar por seus ensinamentos do que</p><p>por aquilo que ensinava.</p><p>Embora também instruísse jovens em retórica e oratória, Pródico dava atenção</p><p>especial às disciplinas da linguagem e da ética. No que concerne à linguagem, ele</p><p>era muito preocupado com o uso correto e o significado das palavras, atribuindo-</p><p>-se a ele diversas distinções entre acepções de certas palavras. Já no plano da</p><p>ética, defendeu que o homem escolhe seguir o caminho da virtude ou do vício.</p><p>De suas obras, restou apenas um texto chamado de Hércules na encru-</p><p>zilhada. Nesse texto, Pródico põe Hércules a escolher entre duas mulheres</p><p>que representam a virtude (Areté) e o vício (Kakía). Mas há indícios de que</p><p>escreveu uma grande obra intitulada Horai (cuja tradução pode ser “As horas”</p><p>ou “As estações”).</p><p>Sofística versus arte da retórica</p><p>Apesar da origem etimológica da palavra sofista denotar “aquele que é sábio”,</p><p>atualmente a palavra é utilizada, com tom depreciativo, para se referir a alguém</p><p>que se vale de técnicas de retórica com o objetivo de convencer outra pessoa</p><p>de algo absurdo ou sem qualquer fundamento. Assim, hoje um sofista é aquele</p><p>que se vale de uma série de truques para produzir apenas ilusão de verdade.</p><p>Quanto a isso, você poderia estar se perguntando se não há algum problema</p><p>com a própria retórica ou oratória.</p><p>Embora seja possível estabelecer uma diferença entre retórica e oratória, tal diferen-</p><p>ciação não surge no contexto da Grécia antiga. Foi apenas no mundo romano que a</p><p>palavra oratória passou a ser utilizada. De um ponto de vista etimológico, oratória era</p><p>a tradução latina da palavra grega que denotava retórica. Posteriormente, a palavra</p><p>retórica ficou associada a arte da persuasão, enquanto a palavra oratória se vinculou</p><p>à arte de falar bem em público, com beleza e eloquência.</p><p>Anteriormente, você aprendeu que Górgias definiu a retórica como “a arte</p><p>universal e autônoma de produção de convicção por intermédio do discurso”.</p><p>Porém, também lembra que tal definição foi criticada por Sócrates (no diálogo</p><p>9Os sofistas</p><p>platônico intitulado Górgias). Sócrates alegava que, se a definição de retórica</p><p>fosse essa, então ela sequer poderia ser chamada de arte, pois não passaria de</p><p>um método para convencer os ignorantes. Será que a retórica não passa de um</p><p>instrumento incapaz de produzir verdades, mas apenas aparência de verdade?</p><p>Afinal de contas, o que é a retórica?</p><p>Se você procurar a resposta no diálogo platônico em questão, verá que</p><p>a retórica sendo contrastada com a dialética. Nesse contexto, a dialética</p><p>é o processo por meio do qual os interlocutores, comprometidos com a</p><p>busca da verdade, ao elevarem as suas almas, superam as aparências do</p><p>mundo sensível e atingem, via mundo das ideias, o conhecimento. Já a</p><p>retórica é incapaz superar as aparências do mundo sensível e produzir</p><p>verdades, pois enquanto a dialética sustenta a sua verdade com base em</p><p>argumentos que, por sua vez, possuem uma estrutura tal que é possível</p><p>extrair logicamente certas conclusões de certas premissas, a retórica não</p><p>passa operação mecânica, ilógica e irracional. Assim, pior do que equipará-</p><p>-la a um relógio que dá a hora errada, a retórica estaria mais para um mero</p><p>conjunto de peças tentando se passar por um relógio. Portanto, no registro</p><p>do diálogo platônico, a retórica é pura técnica de persuasão sem produção</p><p>de conhecimento. Ela é irracional e só serve como um instrumento para</p><p>persuadir os tolos.</p><p>Se você não estiver inteiramente convencido dessa linha de argumentação</p><p>e resolver procurar o termo no dicionário, você encontrará um problema</p><p>(Figura 2).</p><p>Figura 2. Definição de retórica.</p><p>Fonte: Retórica ([2017], documento on-line).</p><p>Os sofistas10</p><p>Perceba que, das sete acepções vinculadas à palavra retórica, apenas duas</p><p>(6 e 7) se enquadram na conclusão do argumento. Em especial, a primeira</p><p>acepção é incompatível com a conclusão do argumento extraído do diálogo</p><p>platônico. “E agora, José? ”</p><p>É só em Aristóteles que encontramos a resposta para esse questionamento.</p><p>Entre os muitos escritos de Aristóteles (2005) que nos foram legados, consta</p><p>um tratado intitulado Retórica, que fundamenta, em larga medida, a primeira</p><p>acepção da palavra veiculada no referido dicionário. O filósofo abre a obra</p><p>afirmando que a retórica é a outra face da dialética, pois ambas se ocupam de</p><p>questões mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e não correspondem</p><p>a nenhuma ciência em particular. Com base nisso, é possível inferir que, dife-</p><p>rentemente do registro platônico, que entende a retórica como algo basicamente</p><p>sem estrutura lógica, consta no registro aristotélico a ideia segundo a qual a</p><p>retórica, assim como a dialética, além de possuir uma forma lógica, também</p><p>está ligada de algum modo ao conhecimento. Mas se esse é o caso, você deve</p><p>estar se perguntando como a retórica está ligada ao conhecimento. E mais:</p><p>em que sentido a retórica e a dialética são como faces de uma mesma moeda?</p><p>Pois bem, a tal “moeda” em questão é aquilo que chamamos de discurso.</p><p>Isto é, tanto a retórica quanto a dialética são espécies do gênero discursivo e</p><p>ambas possuem uma forma lógica que lhes é peculiar. Conforme a lição de</p><p>Manoel Alexandre Júnior, na introdução que escreveu para a obra Retórica,</p><p>“a grande inovação de Aristóteles foi o lugar dado ao argumento lógico como</p><p>elemento central na arte da persuasão. A sua Retórica é, sobretudo uma retórica</p><p>da prova, do raciocínio, do silogismo retórico; isto é, uma teoria da argumen-</p><p>tação persuasiva. ” (ARISTÓTELES, 2005, p. 34). Além disso, dizer que elas</p><p>não correspondem a nenhuma ciência em particular também vem para marcar</p><p>a ideia de que elas são métodos ou instrumentos empregados para a produção</p><p>de conhecimento. Nesse caso, se a dialética e a retórica são métodos formais</p><p>utilizados como caminho para o conhecimento, como podemos distingui-las?</p><p>Na base da distinção entre ambas está a ideia de que a razão não possui</p><p>uma aplicação única, pois ela não se presta apenas a teorizar sobre as coisas,</p><p>mas também é utilizada para lidar com questões fundamentalmente práticas.</p><p>Quando você está diante de questões teóricas — como descobrir quais são</p><p>princípios que regem e governam a natureza —, o método empregado para</p><p>descobrir a verdade é o discurso dialético. Já quando você está lidando com</p><p>questões práticas — como deliberar sobre qual é o melhor curso de ação ou</p><p>defender a inocência ou a acusar alguém perante um tribunal —, o método</p><p>empregado é o discurso retórico. Assim, embora a dialética e a retórica façam</p><p>11Os sofistas</p><p>parte do gênero discursivo, uma tem um viés argumentativo teórico e a outra</p><p>um viés argumentativo prático.</p><p>Dessa linha de raciocínio, resulta a ideia de que, diferentemente do que</p><p>consta no registro platônico, a retórica é sim um instrumento apto a produ-</p><p>ção de conhecimento, sendo muito mais do que um mero “instrumento para</p><p>persuadir os tolos”. O problema não está na arte retórica em si mesma,</p><p>mas</p><p>na finalidade dissimulada que os sofistas deram para ela. Isto é, a culpa não</p><p>é do instrumento, mas das mãos que utilizaram ele indevidamente. Afinal de</p><p>contas, se um serralheiro utilizasse o seu serrote para matar alguém, ninguém</p><p>diria que a culpa é do serrote. Assim, se absolvemos a retórica de todos os</p><p>pecados daqueles que dela se valeram como um instrumento com fins escusos e</p><p>meramente persuasivo, restam os sofistas como os únicos verdadeiros culpados.</p><p>Para entender o significado do termo sofisma, você precisa saber o que é validade</p><p>lógica. A validade lógica aparece no contexto da questão sobre a estrutura lógica</p><p>dos argumentos. Um argumento é um encadeamento de proposições (que, por sua</p><p>vez, são frases declarativas passíveis de verdade ou falsidade, como “a grama é verde”,</p><p>“está chovendo”, “a calçada está molhada”). Tal encadeamento não é aleatório, mas</p><p>possui uma forma lógica tal que, algumas das proposições funcionam como premissas</p><p>que embasam certas proposições que funcionam como conclusão. Por exemplo, das</p><p>premissas “se chove, a calçada fica molhada” e “está chovendo”, é possível concluir</p><p>logicamente que “a calçada está molhada”.</p><p>Quando um dado conjunto de premissas — em função da sua forma lógica — garante</p><p>uma certa conclusão, dizemos que o argumento é válido. Porém, se um dado conjunto</p><p>de premissas não nos permite inferir uma certa conclusão desejada, dizemos que o</p><p>argumento é inválido.</p><p>Um sofisma, portanto, é uma espécie de argumento inválido. É um argumento inválido</p><p>utilizado com o propósito de convencer ou ludibriar. Por exemplo, se tento convencer</p><p>você de que os caminhões são leves valendo-me de uma falácia de composição como</p><p>“Todas as peças do caminhão são leves. Logo, o caminhão também é leve”, então meu</p><p>argumento é um sofisma.</p><p>Os sofistas12</p><p>ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Biblioteca Autores Clássicos, 2005.</p><p>BITTAR, E. C. B.; ALMEIDA, G. A. Curso de filosofia do Direito.11. ed. São Paulo: Atlas, 2015.</p><p>NADER, P. Introdução ao estudo do Direito. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.</p><p>PEREIRA, M. H. R. Estudos de história da cultura clássica. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste</p><p>Gulbenkian, 1983.</p><p>RETÓRICA. In: DICIONÁRIO Google, [2017]. Disponível em: .</p><p>Acesso em: 11 dez. 2017.</p><p>Leituras recomendadas</p><p>FERRAZ JÚNIOR, T. S. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão dominação.</p><p>São Paulo: Atlas, 1990.</p><p>MASCARO, A. L. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2016.</p><p>MORRIS, C. Os grandes filósofos do Direito: leituras escolhidas em Direito. São Paulo:</p><p>Martins Fontes, 2002.</p><p>PLATÃO. Górgias. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 1980. PLATÃO. Hípias Maior.</p><p>Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná, 1980.</p><p>PLATÃO. Hípias Menor. Coimbra: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1990.</p><p>PLATÃO. Protágoras. Lisboa: Relógio D´água, 1999.</p><p>PLATÃO. Sofista. São Paulo: Victor Civita, 1972.</p><p>PLATÃO. Teeteto. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.</p><p>REALE, M. Introdução à filosofia. São Paulo: Saraiva, 2015.</p><p>REALE, M. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.</p><p>VILLEY, M. Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008.</p><p>13Os sofistas</p><p>https://goo.gl/V3xZYC</p><p>Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para</p><p>esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual</p><p>da Instituição, você encontra a obra na íntegra.</p><p>Conteúdo:</p>