Logo Passei Direto
Buscar

Diferença entre Fenômenos

Ferramentas de estudo

Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

<p>PSICOLOGIA GRUPOS</p><p>INTRODUÇÃO Este livro se propõe destacar a excepcional colaboração de Kurt Lewin para a psicologia social contemporânea. Vejamos em que ordem este projeto se articula e sob que perspectiva realiza. 1. Este livro contém oito capítulos. Os quatro primeiros tentam descrever e reconstituir as principais descobertas de Lewin no campo da psicologia dos grupos. Os capítulos V, VI e VII tratam de três problemas que definidos e explorados por Lewin, constituiriam mais tarde ob jeto de pesquisas sistemáticas, inspiradas nestes três casos espe- cíficos pelas hipóteses de Lewin, sua metodologia e sobretudo sua concepção da experimentação em psicologia social. O capítulo VIII, enfim, ilustra de modo que julgamos con- cludente, como o problema fundamental da socialização do ser humano pode ser redefinido e repensado de modo operacional graças às descobertas feitas por Lewin no campo da psicologia dos pequenos grupos. 2. O nome de Kurt Lewin é espontânea e justamente iden- tificado à dinâmica dos grupos. Foi ele quem introduziu este termo no vocabulário da psicologia contemporânea. Forneceu igualmente à dinâmica dos grupos suas hipóteses de trabalho mais válidas, bem como seus instrumentos de pesquisa e suas técnicas de aprendizagem mais eficientes. Para Kurt Lewin a dinâmica dos grupos é indissociável de sua gênese, fato que pare ce ter sido esquecido ou negligenciado ultimamente por certos autores. Os momentos iniciais da formação de um grupo de- terminam o seu devir e suas etapas ulteriores. As leis e as modalidades de funcionamento de um grupo qualquer, isto é sua dinâmica, encontram-se inscritas nos processos e nas fases de sua gênese. Lewin elucida a dinâmica das relações interpes- soais e das relações intergrupais a partir das mesmas hipóteses das mesmas concepções que ele amadureceu longamente e pacientemente elaborou, relativas ao desenvolvimento da perso-</p><p>10 GÉRALD BERNARD MAILHIOT brir função de sua psicogênese. E assim virá experimen- a desco- talmente, é de uma personalidade, ele o demonstrou intrapessoal. A nalidade dinâmica ao que ele chamou, a dinâmica da vida que o mesmo acontece com a dinâmica dos grupos. de morte seu Lewin, não sejam indignas nem traiam o após Esperemos de Kurt que estas páginas, escritas vinte anos a época o momento praticamente desconhece Lewin. francesa que até pensamento. Destinam-se ao público de língua essencial CAPÍTULO PRIMEIRO este livro tantas esperanças e expectativas suas cas despertam em que a dinâmica dos grupos, suas e técni- Nesta sentirem a sido totalmente inútil se alguns leitores ao Ele não terá pretende ser um convite a um retorno quase às mágicas, A OBRA E O HOMEM Lewin. necessidade de ler ou de reler a obra inteira conhecê-lo, tas. e Lewin em dinâmica de grupos inspira-se em a pesquisa a prática Descobrirão então a que ponto, atualmente, de Kurt parece-nos gênese necessário teorias de Kurt Lewin sobre a dinâmica por dos etapas a Antes das de empreender a tarefa de reconstituir teórico da lhes aparecerá sem dúvida alguma como suas o descober- primeiro dinâmica e da gênese dos grupos. ção de suas preocupações seguir, e orientações através de sua biografia, a grupos, evolu- sabemos até o Vejamos momento, muito inicialmente sobre Kurt as Lewin. notas biográficas Deveremos que possuímos, Professor E. C. ponto, ignorada. Não muito pessoal muito discreta e, até certo pouco sobre este psicólogo de vida constatar que morte de Lewin, Tolman quando, em 1948, mais que o va-se consternado Review" (146)*. Neste artigo de Lewin para a "Psychological tentou traçar a biografia no dia seguinte à sobre Lewin. com os poucos dados pessoais Tolman que possuíamos declara- de na sua constelação infância e de sua adolescência, de Mogilno, Prússia. Kurt Lewin De sua nasceu a 9 de setembro de 1890 em nos ajudar a decifrar familiar, não sabemos quase nada seus pais, mos sobre A primeira e única informação a perceber seu mistério ou pelo menos que possa sucessivamente sua nas juventude é que fez seus estudos segura que depois à Ele se consagra inicialmente à aparecem gra- Seus interesses pela psicologia (Alemanha) Mu- nique e Berlim. Universidades de Friburgo universitários uma tese de filosofia, para finalmente dedicar-se à e à física, sucesso 1914, apresentando pela Univer- sidade de Berlim psicologia. em Doutoura-se em Filosofia preparação de posteriores tese será retomada e completada comportamento e das emoções". uma Sua tese sobre "A psicologia do e defendendo com e publicada simultaneamente em Londres por e trabalhos Berlim Os números entre parênteses referem-se à bibliografia.</p><p>E GÊNESE DOS GRUPOS 13 12 GÉRALD BERNARD MAILHIOT sas em dinâmica de grupos, o "Research center for group dy- em O título inglês desta primeira obra de Lewin é: "In- namics". Para Lewin é a ocasião de criar e de introduzir no vestigation into the psychology of behavior and emotion". vocabulário dos psicólogos o termo "dinâmica dos grupos". No Kurt Lewin começaria sua carreira na Universidade de Ber- início tentará defini-lo por referência ao contexto acadêmico no lim no outono de 1914. Mas a guerra tem início no verão de qual empreende seus novos projetos de pesquisa. No momento 1914. É convocado e servirá durante toda a guerra, dela saindo em que Lewin funda a dinâmica dos grupos, o M.I.T. é o centro ileso. No outono de 1921 torna-se professor assistente do Ins- mais célebre dos Estados Unidos que se consagra às pesquisas tituto de Psicologia da Universidade de Berlim. Do outono de em ciências nucleares. Por concessão a este meio acadêmico, 1918 ao de 1921 não sabemos praticamente nada de Lewin constituído sobretudo de engenheiros, Lewin afirma, inicialmente, salvo que, durante este período de após-guerra, publica três que a dinâmica dos grupos deve ser concebida como um "social artigos sobre a medida dos fenômenos psíquicos. Em 1926 engineering". Lamentará isto amargamente ao descobrir que torna-se Professor titular de Psicologia da Universidade de Ber- alguns de seus alunos apressaram-se em concluir gratuitamente lim. Conservará suas funções e este estatuto acadêmico até a que a dinâmica dos grupos consiste na ciência da manipulação tomada do poder pelos nazistas em 1933. dos grupos. De fato, ele não errava ao temer o pior, quando Durante este período Lewin e seus colegas da Universidade se pensa que depois de Lewin existe um número espantoso e de Berlim interessam-se por experiências de laboratório sobre sempre crescente de amadores improvisados, sem formação pro- os temas seguintes: medida da vontade, da associação, percep- fissional adequada, que propõe, em nome da dinâmica de gru- ção do movimento e do relevo (49). pos, um conjunto de receitas seguras a fim de manipular de Em 1933 Kurt Lewin, por ser judeu, é obrigado pelos na- modo eficaz, com os objetivos mais inconfessáveis, qualquer zistas a deixar a Alemanha com sua família em 24 horas, pa- grupo! Lewin empregou também os últimos meses de sua vida gando um resgate para não ser encarcerado em um campo de na desmistificação deste termo que aliás fora o primeiro a uti- concentração. Passa pela Inglaterra onde permanece alguns lizar. Por isso voltará a defini-lo em termos menos equívocos, meses, emigrando depois para os Estados Unidos. É convidado mais operacionais e mais científicos. Teremos a ocasião de então a ensinar na Universidade de Stanford (Califórnia). Aí mostrar em que sentido preciso a dinâmica dos grupos vem a permanecerá um ano, tornando-se depois, durante dois anos, ser a ciência e a arte de manejá-los, segundo os últimos artigos professor de psicologia da Universidade de Cornell, Nova York. assinados por Lewin (106). Ele morreu súbita e A seguir, é convidado a ocupar a cátedra de psicologia da prematuramente a 12 de fevereiro de 1947, com a idade de criança na Universidade de Iowa e a assumir a direção de um e seis anos, em sua residência de Newtonville, situa- Centro de Pesquisas, ligado ao Departamento de Psicologia da da bem próximo dos dois centros acadêmicos em que trabalha- universidade, conhecido pelo nome de: "Child welfare va: a Universidade Harvard e o M.I.T. research center". Permanecerá até 1939 neste centro. De 1939 a 1947 a orientação das pesquisas de Lewin alte- Durante este período Lewin publica dois trabalhos teóricos ra-se. Se continua ainda por algum tempo a interessar-se por que logo tornarão célebre: "A dynamic theory of personality" problemas de psicologia individual, tais como a frustração e a (56) e "Principles of topological psychology" (59). Nesta regressão (63), depois os níveis de aspiração (74), (98) e a época seu interesse principal, aquele que polariza seus trabalhos aprendizagem (84), (100), sua preocupação cada vez mais do- de pesquisa, é formular uma teoria do conjunto do comporta- minante é a de elaborar uma psicologia dos grupos que seja ao mento individual e, paralelamente, elaborar modelos teóricos mesmo tempo dinâmica e guestáltica, isto é, articulada e defini- que lhe permitam renovar a experimentação e a exploração dos da por referência constante ao meio social no qual se formam, fatos psíquicos. integram-se, gravitam ou se desintegram os grupos (97), (108), Em 1939 ele volta à Universidade de Stanford e em 1940 (110),(111). torna-se professor na Universidade de Harvard. Em 1945, con- Após sua morte, os Professores G. W. Alport, da Univer- tinuando seu magistério em Harvard, funda, a pedido do M.I.T. sidade de Harvard, e D. Cartwright, da Universidade de Michi- (Massachusetts Institute of Technology), um centro de pesqui-</p><p>14 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 15 gan, em colaboração com Mme. Gertrud W. Lewin, sua filha, e sempre pronto a ajudar seus alunos nos primeiros passos da editam e publicam, em dois tomos, vários artigos de Lewin preparação de suas pesquisas. sobre dois temas complementares tratando de psicologia social Finalmente é necessário salientar a sua ausência de dogma- e de dinâmica dos grupos. O primeiro destes volumes intitulado tismo, como um traço muito típico da personalidade de Lewin "Resolving social conflicts" (108) o segundo: "Field theory in e como uma chave da fecundidade de sua obra intelectual. social science" (111). Nunca aspirou a fundar uma Igreja e dela tornar-se o Pontífice Em 1959 a Presses Universitaires de France publica, sob o como alguns dos mais ilustres psicólogos de seu tempo. Por título "Psychologie dynamique" alguns capítulos considerados outro lado, seus discípulos nunca sonharam em lançar o anáte- como os mais fundamentais da obra de Lewin, apresentados e ma, em se catalogar como ortodoxos ou cismáticos, fiéis ou re- traduzidos por Marguerite e Claude Faucheux (112). negados. Por esta razão, sem dúvida, os meios acadêmicos tanto Para completar estas notas bio-bibliográficas um pouco europeus como americanos, dedicados à pesquisa em psicologia secas, gostaria de evocar lembranças pessoais, inesquecíveis para social ou em dinâmica de grupos, nunca conheceram, mesmo de mim. Considero como uma das oportunidades surpreendentes modo episódico, fases ou ciclos de Lewinolatria, equivalentes de minha vida ter tido Kurt Lewin como professor e diretor de ao culto e identificações cegas, ou mesmo mórbidas, suscitadas tese de doutoramento durante dois anos na Universidade de pelos que, na mesma época, foram pioneiros de gênio em outros Harvard. Kurt Lewin era, ao primeiro contato, um homem tí- setores da psicologia, Freud e Moreno. mido e por isso mesmo sem flexibilidade e mostrava uma certa As descobertas de Kurt Lewin sobre a comunicação huma- dificuldade em abordar as pessoas. Mas para aqueles que po- na só constituiram para ele uma ciência depois de terem sido diam trabalhar diretamente com ele nas pesquisas, tornava-se submetidas a experimentações sistemáticas e a verificações múl- logo extremamente atraente por sua probidade intelectual, sua tiplas na vida concreta dos grupos humanos. Kurt Lewin não ausência de pretensões (fato raro nos meios acadêmicos) e formulou as implicações e os fundamentos teóricos de suas des- sobretudo pelas possibilidades inventivas que mostrava sempre cobertas senão por etapas, depois de confrontá-las repetidas ve- no trabalho. Neste sentido tornava-se uma inspiração constante zes com seus colaboradores. Evitou igualmente apresentá-los para seus colaboradores e seus assistentes de pesquisa. Não como um conjunto de dados definitivos. Para ele estes dados deixava de questionar suas hipóteses de trabalho, após tê-las constituiam hipóteses de trabalho a explorar, que deveriam even- verificado sistematicamente, para sugerir novas experimentações tualmente ser aceitas ou rejeitadas, segundo se constatasse atra- com uma astúcia e uma engenhosidade excepcionais. Vivia lite- vés da experiência, serem ou não um elemento a enriquecer nossa ralmente absorvido por suas pesquisas o que o tornava um pro- inteligência sobre o funcionamento criador dos grupos humanos. fessor cada vez que devia abordar em classe, diante Havia para Kurt Lewin um problema fundamental que ele pro- de um grupo de estudantes, problemas que não tinham nenhum curou elucidar até sua morte: que estruturas, que dinâmica pro- interesse para ele, mesmo quando os expunha. funda, que clima de grupo, que tipo de leadership permitem a um grupo humano atingir autenticidade em suas relações tanto Outro traço da personalidade de Lewin que contribuia para intra-grupais quanto inter-grupais, assim como à criatividade em criar um clima de fervor intelectual excepcional tanto em seu suas atividades de grupo? laboratório de psicologia social em Harvard como no Centro de Pesquisas em Dinâmica dos Grupos no M.I.T., era o fato de exigir que tudo fosse discutido, explorado e decidido em grupo: hipóteses, objetivos, metodologia, experimentação. Tanto quan- to possível não se deixava influenciar pela posição que ocupava, adotando com todos atitudes democráticas e estabelecendo com seus colaboradores relações autenticamente igualitárias. Sempre atento às opiniões e sugestões, de onde quer que viessem, res- peitoso com as pessoas, sempre disponível, às vezes obsequioso</p><p>CAPÍTULO SEGUNDO UMA ETAPA DECISIVA PARA A PSICOLOGIA SOCIAL Se situarmos em 1921 o início da verdadeira carreira de pesquisador de Kurt Lewin, verificamos que consagrou mais ou menos oito dos vinte cinco anos de sua vida universitária, de 1939 a 1946, à exploração psicológica dos fenômenos de grupo. E estes oito anos constituem um marco decisivo na evolução da psicologia social. De tal modo que, vinte anos após sua morte, a pesquisa em psicologia social continua inspirando-se, em grande parte, nas teorias e descobertas de Kurt Lewin. PRECURSORES Para destacar a colaboração de Kurt Lewin à psicologia so- cial, é importante lembrar rapidamente, de modo bastante es- quemático, através de que etapas, tentativas, rodeios e por ve- zes desvios, a psicologia social foi sendo elaborada gradualmente. Parece ter sido na França que pela primeira vez tratou-se de Psicologia Social e em termos negativos. Auguste Comte (1793-1857) tentando definir a sociologia, que pretendia fun- dar e constituir como ciência autônoma, declara-se contrário à edificação de uma ciência que ele foi o primeiro a chamar de um nome novo na época: psicologia social. Por razões de ordem metafísica, que não comportam nenhuma referência aos dados factuais então conhecidos, Comte postula que o social deve absorver o psíquico. Sempre pelas mesmas razões, ou pelos mesmos a priori, segundo ele não existiriam senão duas ciências legítimas: a ciência da vida, a biologia, e a ciência da socieda- de, a sociologia. Conclui daí, imperturbavelmente, que seria inútil construir esta ciência intermediária, ou seja, a psicologia social.</p><p>18 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 19 Durkheim (1858-1917), que era um espírito muito "O egoísmo é o fundamento da sociedade e a hipocrisia mais rigoroso e dedicado às exigências do trabalho científico, sua mola-mestra" (113). chega, porém, às mesmas conclusões. Ele, que faz das repre- sentações coletivas o objeto específico da sociologia, define Gustave Le Bon (1841-1931), em suas obras de psicologia assim a psicologia social: social "O homem e as sociedades" e a mais conhecida, "A psi- "A Psicologia Social não é senão uma palavra que designa cologia das chegará, por sua vez, a assimilar todo toda espécie de generalidades, variadas e imprecisas, sem objeto fenômeno de grupo a um fenômeno hipnótico, considerando que definido" (35). as massas estão envolvidas, dominadas e manipuladas pelas elites. Sua atitude não é mais positiva que a de Auguste Comte. A primeira vista, pelo menos. Pois ao penetrarmos melhor na obra de Durkheim a impressão definitiva que dela se depreende PIONEIROS E FUNDADORES é sua preocupação constante, desde o início de seus trabalhos São os franceses, sociólogos e filósofos sociais, os primeiros e de suas pesquisas, em estabelecer a autonomia da sociologia a introduzir o termo "psicologia social" nas categorias men- em relação às outras ciências do homem. Chegará, assim, a tais dos meios acadêmicos. São eles igualmente que apresentam afirmar hegemonia da sociologia em relação a qualquer ciência. as primeiras interpretações psicológicas dos fatos sociais. Por Para Durkheim a psicologia não pode ser senão individual. De outro lado são os anglo-saxões que elaboram de modo sistemá- fato, aquela que se edifica, diante de seus olhos, nos meios aca- tico e articulado os primeiros tratados de psicologia social. dêmicos de seu tempo, nada mais é do que uma psicofisiologia. Deste modo é levado a conceber, gradualmente, o social ou as A primeira obra consagrada especificamente à psicologia realidades sociais como uma espécie de hiperpsiquismo e a vida social terá como título "An introduction to social psychology" em sociedade como o estágio último da evolução da vida psí- e será publicada por William MacDougall (1871-1929). Mac- quica. Dougall, psicólogo social e sociólogo inglês, foi inicialmente pro- fessor na Universidade Oxford. Em 1920 aceita o convite para Gabriel Tarde (1843-1904), contemporâneo de Dur- ensinar psicologia social na Universidade de Harvard, onde pu- kheim, em reação à este, afirma ao contrário: "a sociologia será blicará seu trabalho "The group mind" (1928) com o objetivo uma psicologia ou nada Será também preocupação sua de explicar suas concepções da psicologia social. Para Mac- elaborar ao lado da psicologia individual uma ciência psicológica Dougall "tudo que o sociólogo observa na ordem social decorre do social que ora chamará de "socio-psicologia" ora de "psicolo- de forças mentais que compete ao psicólogo social determinar" gia-social" para enfim adotar o termo "inter-psicologia" (35). (113). Estas forças mentais constituídas pelos instintos sociais Mas, para Tarde, contrariamente a Durkheim é o individual evidenciam, segundo MacDougall, as condutas sociais ou os quem explica em última instância o social e o coletivo: os ins- comportamentos em grupo e os comportamentos coletivos. Para tintos de imitação das massas encontrariam sua explicação última MacDougall estes instintos sociais são inatos e múltiplos, se- no instinto de invenção das elites. gundo ele, em número de dezoito! Sob este ponto de vista, Mac- perspectiva, segundo modalidades e uma termi- Dougall distinguirá pouco a pouco três capítulos na psicologia: erentes, dois outros autores franceses definem a psi- a Psicologia individual, que tem por objetivo destacar os traços Primeiro Felix Le Dantec (1869-1917), que fundamentais do indivíduo humano, a Psicologia coletiva, que na psicologia depois de célebres trabalhos trata especificamente do grupo e da mentalidade de grupo, a sobre a assimilação funcional, publica ao fim Psicologia social, que estuda a influência do grupo sobre o in- trabalho sobre a vida em sociedade intitulado divíduo. ual tenta fazer a síntese de suas descobertas A influência de MacDougall será muito importante nos Também para ele, a exemplo de Tarde, Estados Unidos. Ela estimulará o filósofo da Educação, John los instintos psíquicos primitivos, o que Dewey, a reclamar com urgência a criação de cátedras de psi- pessimismo: cologia social nas Universidades americanas num célebre artigo,</p><p>E GÊNESE DOS GRUPOS 21 20 GÉRALD BERNARD MAILHIOT publicado no "Journal of Teachers College of Columbia Univer- Após 1930, paradoxalmente, a psicologia social passa por sity" e intitulado "Need for social psychology" (1909). A pri- aquilo que G. W. Allport chama sua crise de individualismo meira universidade a responder a seu apelo será Harvard, criando (113). Os trabalhos de Freud sobre a psicologia dos grupos sua primeira cátedra de psicologia social em 1917, para a qual "Psicologia coletiva e análise do eu "Totem e Tabu" e será nomeado Henry Holt como primeiro titular. Em 1920 "Mal-estar na civilização", acabam de ser traduzidos em inglês William MacDougall torna-se seu sucessor. e tornam-se objeto de polêmicas apaixonadas entre psicólogos Esta fase inicial, que vai de 1908 a 1930, durante a qual sociais, psicanalistas e sociólogos. a psicologia social se constitui em ciência autônoma e recebe Sob a influência das teorias de Freud, a pesquisa em psi- seu estatuto acadêmico, é dominada por duas influências aparen- cologia social preocupa-se, cada vez mais, em formular uma temente contraditórias. Poderíamos caracterizar esta fase ou co- psicologia exaustiva do leadership. Durante a fase anterior, era mo uma "fase instintiva" ou, com não menos razão, como uma a influência do grupo sobre o indivíduo que havia sido obser- "fase psicopedagógica". Desde que ocupa seu cargo em Harvard, vada, medida e avaliada sistematicamente. A partir de 1930, MacDougall assume e encarna estas duas tendências em seus é a influência do indivíduo sobre o grupo que os psicólogos escritos, em suas pesquisas e em seu ensino. sociais deste tempo tentam descobrir através de experimentações As condutas sociais e os comportamentos coletivos são in- em situações controladas. Mas é sobretudo o condutor de mul- terpretados inicialmente em termos de forças sociais inatas, de tidões, o manipulador de homens, aquele que atualmente vários instintos determinantes. A influência de Tarde e de Le Bon teóricos chamam o "líder carismático" que a psicologia social parece ter sido dominante nesta época na maior parte dos de- deste tempo procura compreender em termos de dons inatos, partamentos de psicologia dos Estados Unidos, que procuram de predisposições à dominação e de apetites instintivos de poder. então encontrar um lugar para a psicologia social. Por outro lado, a psicanálise que se torna cada vez mais Por outro lado, o ensino e a pesquisa em Psicologia nos acreditada nos departamentos de psicologia, fornece à psicologia Estados Unidos, sobretudo a partir de 1920, inspiram-se em social outros conceitos. As descobertas clínicas de Freud e de grande parte nas teorias behavioristas. Nesta perspectiva, e seus discípulos parecem se unir às orientações psicopedagógicas Dewey será o primeiro a salientá-lo, a psicologia social deve da fase inicial e confirmá-las, pois Freud parecia ter demons- inicialmente preocupar-se em definir qual seria o meio social trado, pelo menos para a satisfação de certos pesquisadores, a ideal mais próprio a favorecer a socialização do ser humano e que ponto o ser humano é marcado por seu meio, sobretudo seu acesso à maturidade social. E é neste sentido que Mac- por seu meio familiar, e como os primeiros anos da vida de um Dougall, em sua última obra, "The group mind" consagrará vá- indivíduo, por pouco que sejam traumatizados, impõem deter- rias páginas a fixar o objetivo primeiro da psicologia social: minismos ao seu desenvolvimento emotivo e social. medir e avaliar a influência do grupo sobre o indivíduo. Mas esta colaboração da psicanálise para a evolução da psicologia social é logo posta em questão e em dúvida pelas REDUCIONISTAS E ANEXIONISTAS pesquisas e teorias de uma ciência então novíssima: a antropo- logia cultural. Através de estudos comparados das culturas, esta A esta fase dita "instintiva" e "psicopedagógica", sucede, nova família de antropólogos, recrutada entre os sociólogos e de 1930 a 1940, uma evolução da psicologia social em dois psicólogos sociais ou clínicos, consegue colocar em evidência tempos que, por momentos se justapõem e são geralmente vivi- relativismo das culturas e demonstrar que aquilo que os psica- dos, não sem conflitos, de modo simultâneo, pelos meios aca- nalistas haviam apresentado como dados de natureza, essenciais dêmicos desta época nos Estados Unidos. Parece não ser senão e fundamentais a todo ser humano, não eram, na maior parte após 1945 que os psicólogos sociais na Europa se identificarão das vezes, senão precipitados culturais cujo sistema de valores momentaneamente estas duas correntes de pensamento e e diferentes variáveis culturais, típicos desta coletividade, podem com algumas de suas hipóteses de trabalho que os Americanos explicar neste momento preciso, seu futuro. Assim se encontram haviam então em parte rejeitado e renegado. introduzidos como determinantes do processo de socialização do</p><p>22 GÉRALD BERNARD MAILHIOT E GÊNESE DOS GRUPOS 23 ser humano os fatores situacionais e institucionais que os antro- Kurt Lewin que, a partir de 1936, interessa-se em fazer pólogos chamarão de determinantes sócio-culturais dos compor- experiências em psicologia social, rompe desde o início com as tamentos em grupo e de grupo. aproximações de seus antepassados e fixa novos objetivos à psi- Isto é típico desta segunda fase: seja a psicanálise ou a cologia social. Suas pesquisas e seus trabalhos vão servir desde antropologia cultural que influencie, na maioria dos meios aca- o início para esclarecer e elucidar a dinâmica de fenômenos de dêmicos, as pesquisas e o ensino universitário, é quase sempre grupo, muito circunscritos às dimensões concretas e existenciais, no sentido do reducionismo ou do anexionismo. Os psicanalis- em contextos de reestruturação ou de reorientação de uma ação tas que constroem então tratados de psicologia social parecem social que tenciona ser mais funcional, mais eficiente, mais cria- preocupados unicamente em levar em consideração as dimen- dora (63), (65), (69), (70), (75), (77), (79), (80), (82), sões ou os componentes inconscientes das condutas sociais. Al- (85), (86), (89), (90). guns retomam, mesmo sem discussão, como tendo sido demons- Muito cedo ele convida os psicólogos sociais a centralizar trado, o postulado enunciado por Freud: a ontogênese é a ré- seus esforços sobre o estudo dos micro-grupos por ele chama- plica da filogênese e conseqüentemente todo líder adota e repete dos "face-to-face-groups". Mais tarde os primeiros psicólogos inconscientemente as atitudes e comportamentos do líder da pri- franceses iniciados em dinâmica dos grupos traduzirão assim meira horda humana. Ao passo que os psicólogos sociais desta esta expressão: os grupos frente a frente. Kurt Lewin considera época vão buscar suas hipóteses na antropologia cultural e ter- que cientificamente não possuímos no presente técnicas de ex- minam por interpretar toda conduta social como a resultante de ploração e instrumental mental para fazer experiências ao nível pressões ou de coerções sócio-culturais. da sociedade global ou dos grandes conjuntos sociais. Será pro- cedendo por etapas, provavelmente longas, desmontando psico- KURT LEWIN logicamente os mecanismos de integração e de crescimento dos diversos tipos de pequenos grupos, explorando toda a série dos Se, por um lado, a psicologia social sai renovada destas problemas que coloca ao psicólogo social seu funcionamento, duas fases necessárias ao seu desenvolvimento, marcadas pelo tal como o exercício da autoridade, que pouco a pouco destacar- "individualismo" e pelo "culturalismo", ela não deixa, por outro, se-ão e tornar-se-ão evidentes certas constantes na formação e de buscar os mesmos objetivos essenciais que preocuparam seus na evolução dos agrupamentos humanos (67), (71), (72), (76), precursores. Durkheim, Tarde, Le Dantec e Le Bon haviam (106). construído passo a passo metapsicologias e meta-sociologias cuja Kurt Lewin sugere finalmente que os psicólogos sociais re- ambição era a de tornar inteligível de modo adequado e exaus- pensem radicalmente a experimentação em psicologia social. Ele tivo toda realidade social. E este objetivo deveria ser atingido mesmo demonstra por suas próprias pesquisas e ilustra com suas quando fossem reveladas as leis fundamentais da vida em so- descobertas pessoais que a exploração válida e fecunda dos fe- ciedade. nômenos de grupo deve se operar no próprio campo psicológico MacDougall e os psicólogos sociais que lhe sucederam, de em que eles se inserem ao invés de serem reconstituídos, em 1930 a 1940, nos Estados Unidos, não tiveram outra preocupa- escadas reduzidas, em laboratório. As variáveis de qualquer fe- ção dominante. Eles também procuram infatigavelmente desco- nômeno de grupo, em razão de sua essencial complexidade, não brin as leis fundamentais que possam tornar inteligível toda con- podem ser identificadas e manipuladas, senão no próprio campo, duta social em qualquer contexto sócio-cultural. Rompem com numa perspectiva de "pesquisa-ação" (66), (67), (91), (94), qualquer aproximação especulativa e filosófica. Trabalham em (96), (102), (103), (104). laboratório, talvez muito exclusivamente. Suas preocupações Ao fundar o "Centro de Pesquisas em Dinâmica dos Gru- mentais, seus esquemas de referências, sua metodologia, suas pos" no M.I.T., Kurt Lewin preocupa-se sobretudo em estimu- hipóteses de trabalho são especificamente científicas. Mas seus lar um meio universitário onde os psicólogos sociais que acei- sonhos, suas ambições, suas motivações profundas fazem deles tem sua concepção da experimentação em psicologia social, pos- os continuadores dos primeiros teóricos da psicologia social. sam com ele formar um grupo, confrontar suas hipóteses, for-</p><p>24 GÉRALD BERNARD MAILHIOT E GÊNESE DOS GRUPOS 25 mular suas teorias, empreender e prosseguir suas pesquisas em A partir de Lewin e em parte graças a ele, uma diversificação um clima intelectual em que os valores de solidariedade, de das ciências sociais operou-se progressivamente. Parece certo autenticidade, de criatividade, de probidade dominem e inspi- que, atualmente, é preciso reconhecer três ciências sociais fun- rem constantemente suas comunicações e suas interações (99). a sociologia, a antropologia cultural e a psicologia social. Isto se dá a partir da constatação quase universalmente CONTEMPORANEOS reconhecida de que o social se revela à observação científica, como um fenômeno multidimensional que não pode ser atingido e explorado senão por aproximações sucessivas e complemen- Kurt Lewin, por sua modéstia intelectual e seu bom senso, tares: a sociologia habilitando-se e equipando-se experimental- conduziu a psicologia social a um plano mais realista. Graças mente para destacar das realidades sociais seus aspectos formais a ele renunciou-se à utopia de edificar um saber coerente, exaus- ou suas estruturas; a antropologia cultural preocupando-se, por tivo e definitivo do social. O estudo dos pequenos grupos cons- sua vez, em atingir o social em suas dimensões históricas ou tituía para Lewin uma opção estratégica que permitiria even- seus e a psicologia social, enfim, em suas dimen- tualmente, em um futuro ainda imprevisível, esclarecer e tornar funcionais ou Além disto é conveniente consi- inteligível a psicologia dos macro-fenômenos de grupo. Foi neste derar estas três aproximações como interdependentes e comple- sentido que Kurt Lewin, pelo impulso e orientação nova que mentares: a forma, a gênese e a dinâmica das realidades sociais deu à psicologia social, ajudou-a a a etapa mais deci- podem ser provisoriamente distinguidas para fins de análise ou siva de sua curta história. de experimentação, mas constituem os elementos indissociáveis O balanço mais nítido, a resultante mais positiva dos oito de toda realidade social. anos que Kurt Lewin consagrou à psicologia social foi o fato de que após 1940 o interesse dos pesquisadores diversificou-se 2. Apesar de vocabulários e de uma terminologia que po- como nunca acontecera antes, a experimentação tornou-se mais dem variar com cada autor, atualmente parece entretanto adqui- inventiva e mais desenvolvida as descobertas mais numero- rido que é preciso distinguir entre duas direções científicas em sas. Kurt Lewin, ao abrir novos caminhos e novas fronteiras à psicologia social. A primeira, que muitos autores consideram psicologia social, liberou-a de seu dogmatismo e de seus a priori como específica da Psicologia Social, entendida em seu signifi- e, assim fazendo, transformou-a em uma ciência experimental cado mais estrito, consiste em observar, identificar, definir e in- autônoma. Desde 1940, durante este processo de maturação, a terpretar as condutas sociais ou os comportamentos em grupo. psicologia social conseguiu, pouco a pouco, conquistar sua iden- Assim as condutas sociais tornam-se distintas das condutas pes- tidade, definir-se como ciência especificamente distinta tanto das soais e dos comportamentos de grupo. Além disto, as condutas outras ciências sociais, como das outras ciências psicológicas. sociais têm uma característica que lhes é própria sobre este E, se consultamos os teóricos e os práticos de maior prestígio ponto há um acordo quase unânime entre os psicólogos sociais entre os psicólogos sociais contemporâneos, constatamos que contemporâneos isto é, a de serem constituídas pelo tipo de existe um acordo quase unânime sobre a concepção da psicolo- comportamentos o ser humano adota ou não, segundo seu gia social. Em torno de que pontos concretos estabeleceu-se este grau de socialização, pelo simples fato de viver em sociedade. acordo? Gostaríamos de destacá-lo, ao terminar este capítulo, A presença do grupo não é condição para que estes comporta- salientando assim tudo que a psicologia social de 1968 deve a mentos apareçam. Mas é por referência à sua participação em Kurt Lewin. um grupo que eles são adotados ou não. Escapa a esta catego- ria todo o conjunto dos comportamentos através dos quais o 1. Observamos que, no presente estado das ciências sociais, ser humano exprime ou não sua adesão às normas, aos valores, existe uma compreensão dos objetos próprios de cada uma, um às convenções e às pressões sociais. Finalmente as condutas so- nítido progresso em relação ao que existia na época de Lewin, ciais e os comportamentos em grupo são considerados cada vez quando então as ciências sociais pretendiam cada uma fornecer mais como o domínio ou o objeto específico da psicologia social uma interpretação exaustiva e exclusiva das realidades sociais. propriamente dita (35), (40), (113).</p><p>E GÊNESE DOS GRUPOS 27 26 GÉRALD BERNARD MAILHIOT grupos. O seria o grupo de tarefa, isto é, o A uma segunda posição científica, distinta e irredutível à grupo estruturado e orientado em função da execução ou do primeira, a tarefa de nos fornecer a inteligência cien- cumprimento de uma tarefa. O "psico-grupo", ao contrário, tífica dos comportamentos de grupo. Que entender então por seria definido como um grupo de formação, no sentido amplo comportamentos de grupo ? Graças a Lewin e a partir dele, pu- do termo, ou seja, um grupo estruturado, orientado e polari- deram ser destacados vários critérios que nos permitem identi- zado em função dos próprios membros que constituem o grupo. ficá-los. Para que haja comportamento de grupo é necessário Certos autores recentes chegaram a sugerir que se chame o que vários indivíduos experimentem as mesmas emoções de psico-grupo de "grupo centrado sobre si-mesmo" (92), (99), grupo, que estas emoções de grupo sejam suficientemente inten- (105), (126). sas para integrá-los e deles fazer um grupo, que o grau de coesão atingido por estes indivíduos seja tal que eles se Atualmente a dinâmica de grupo desenvolve pesquisas, ex- tornem capazes de adotar o mesmo tipo de comportamento. periências e estudos sobre a psicologia dos grupos de tarefa e Estes comportamentos de grupo podem variar em termos de sobre a psicologia dos grupos de formação. Foi assim que ela duração conforme sejam por um agente exterior, interessou-se sucessivamente pela autenticidade das ou por um agente provocador ou por um líder. A este tipo de terpessoais tanto nos meios organizados (4), como nos comportamento pertencem entre outros os fenômenos de pânico, grupos espontâneos (115), assim como pelo exercício da auto- de motim, de multidão ou de populaça. Também a este respeito ridade quer nos grupos de trabalho (125), quer nos contextos parece atualmente haver um acordo definitivo em considerar o pedagógicos (126). estudo e a interpretação dos comportamentos de grupo como Desta retrospectiva, certamente muito esquemática, da evo- pertencentes a uma ciência, distinta da psicologia social, embora lução da psicologia social, podemos concluir que Kurt Lewin, aparentada com ela, que a maior parte dos autores contempo- pela sua capacidade de experimentação e pelo realismo de seus râneos chama de Psicologia Coletiva (16), (35), (147). estudos científicos, permitiu à esta ciência conquistar sua iden- Desde que estas novas concepções da psicologia social e tidade e sua autonomia e ascender assim a uma relativa e pre- da psicologia coletiva prevaleceram nos meios acadêmicos, o coce maturidade. termo dinâmica dos grupos revestiu-se de um significado que Kurt Lewin não lhe havia atribuído, mas que o teria seguramen- te aceito. Sobretudo porque este significado foi preconizado por alguns de seus discípulos, os mais fiéis a seu pensamento. Para a grande maioria dos teóricos contemporâneos, a mica dos grupos tornou-se, presentemente, a psicologia dos micro- -grupos. Enquanto que a psicologia coletiva, desde alguns anos, vê-se confinada ao estudo e à interpretação dos macro-grupos. A dinâmica dos grupos torna-se portanto cada vez mais perce- bida e concebida, nos meios universitários, como a ciência dos pequenos grupos. Tornou-se seu objetivo oferecer uma inteli- gência científica de tudo aquilo que a formação, o crescimento ou a desintegração destes micro-fenômenos colocam como pro- blemas ao psicólogo social (25), (36), (120), (140). 3. Uma última distinção proposta por Kurt Lewin, que atualmente recebe a adesão da maioria dos psicólogos sociais contemporâneos, é a distinção entre "sócio-grupo" e "psico- grupo". Para Lewin tratava-se de dois tipos diferentes de micro-</p><p>CAPÍTULO TERCEIRO AS MINORIAS PSICOLÓGICAS Tendo situado Kurt Lewin na evolução da psicologia social, compreenderemos agora melhor a importância de seus diversos trabalhos e de suas Ao expor suas hipóteses e suas teorias, respeitaremos a ordem cronológica de sua elaboração e de sua formulação. Assim veremos pouco a pouco precisar-se sua concepção pessoal da gênese e da dinâmica dos grupos. primeiro problema social ao qual Lewin- dedica sua aten- ção, após emigrar para os Estados Unidos, é a psicologia de seu próprio grupo étnico. As discriminações, as injustiças, os vexames, o ostracismo aos quais ele e os seus foram submetidos pelos nazistas nos últimos meses vividos na Alemanha trauma- tizaram-no sob muitos aspectos. Lewin procura compreender e encontrar uma interpretação científica para o que sofreu: seres humanos que, pelo simples fato de pertencerem a um determi- nado grupo étnico, vivem em uma insegurança permanente e dependem das variações do clima político das comunidades hu- manas nas quais procuram se integrar. Depois de tentar elucidar a psicologia das minorias judias, Kurt Lewin se esforça por elaborar uma psicologia dos grupos minoritários. A partir do que descobre como fundamental para a psicologia das minorias, é levado a repensar e a redefinir o que se torna depois o objeto quase exclusivo de sua reflexão e de suas pesquisas: que problemas constituem o centro da ex- ploração e da experimentação da psicologia social? A dinâmica dos grupos, tal qual a conceberá finalmente, será o resultado desta série cada vez mais convergente de recolocação de ques- tões e de proposições sistemáticas. DEMOGRAFIA E PSICOLOGIA Desde o início de seus trabalhos sobre a psicologia das minorias, Kurt Lewin procura clarear e dissipar o que o termo</p><p>DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 31 30 GÉRALD BERNARD MAILHIOT noria demográfica no seio de uma maioria psicológica que ela minoria comporta de e de equívocos no plano da controla e manipula a seu favor. semântica. A demografia utiliza os termos minoria e maioria em sen- AS MINORIAS JUDIAS tidos diferentes da psicologia. Em demografia um grupo cons- titui uma maioria desde que a porcentagem de seus membros Kurt Lewin quatro estudos sobre a psicologia dos ultrapasse de um a metade da população em que está inserido. judeus. O primeiro aparece em 1935 e tem por título: "Psycho- Por outro lado todo grupo constituído de menos de 50% da sociological problem of aminority group" (58). O segundo é população dada é considerado como uma minoria. publicado em 1939 e traz o título: "When facing danger" (68). Em Psicologia minoria e maioria adquirem sentidos mais O terceiro e o quarto aparecem sucessivamente em 1940 e 1941. diversificados. Um grupo é considerado fundamentalmente como Os títulos que Lewin lhes dá são os seguintes: "Bringing up the maioria psicológica quando dispõe de estruturas, de um estatuto jewsh child" e "Self-hatred among jews" (73), (78). e de direitos que lhe permitam auto-determinar-se no plano do Estes quatro estudos são de caráter fenotípico ou sintomá- seu destino coletivo, independentemente do número ou da por- tico. Kurt Lewin aplica-se neste estágio em nos apresentar uma centagem de seus membros. Assim, minorias demográficas po- caracteriologia étnica de seu povo e um psico-diagnóstico. À dem constituir maiorias psicológicas. É considerado como maior margem de sua reflexão, ele se permite generalizar e destacar pelo psicólogo social todo grupo humano que se percebe na constantes que retomará mais tarde, ao elaborar sua psicologia posse de plenos direitos que dele fazem um grupo autônomo. Por das minorias. outro lado, um grupo deve ser classificado como uma minoria Não nos ocuparemos aqui senão da análise apresentada nos psicológica desde que seu destino coletivo dependa da boa von- três últimos estudos mencionados acima, sendo que o primeiro tade de um outro grupo. Este grupo, mais ou menos conscien- estudo nada mais é que um esboço das teorias que os três outros temente, percebe-se como menor, isto é, como não possuindo retomarão de modo mais explícito e mais direitos totais ou um estatuto completo que lhe permitam optar ou orientar-se nos sentidos mais favoráveis a seu futuro. Desde estudo intitulado "When facing danger" trata do futu- que se trate da sorte de seu grupo, os membros que pertencem ro ou das possibilidades de sobrevivência das minorias judias no a uma minoria psicológica se sentem, se percebem e se conhe- Ocidente. cem em estado de tutela. E isto independentemente da porcen- tagem de seus membros em relação à população total onde vivem. Lewin inicia com considerações sobre a perseguição em Assim maiorias demográficas podem ter, por estas razões, uma massa aos judeus nos países que sofriam então a dominação na- psicologia de minorias. zista. Como, de fato, pergunta Lewin, uma minoria pode so- breviver em um contexto de perseguição como aquele ? Estudos Mas não param aqui as distinções da psicologia social. sociológicos demonstraram que em todas as guerras européias Como numerosos sociólogos e psicólogos sociais, antes e depois dos últimos séculos os judeus tiveram que lutar e morrer por dele, Kurt Lewin utiliza ainda os termos: minoria discriminada seu país de adoção, eles alemães, franceses, espanhóis e minoria privilegiada. Vejamos em que sentido. Toda minoria ou ingleses. No momento dos combates não foram poupados. psicológica, tal qual foi definida acima, é sempre considerada Ao contrário, em certos países, foram selecionados para sofrer como uma minoria discriminada ou susceptível de sê-lo pelo uma série de maus tratos tanto da parte de seus amigos como fato de sua sorte e seu destino estarem na dependência do grupo de seus inimigos. Na maior parte das vezes, acrescenta Lewin, majoritário. Por outro lado, toda maioria psicológica tende a estava-se disposto a lutar até o último judeu. É o caso, espe- tornar-se, mais ou menos rapidamente, um grupo privilegiado. cialmente, dos judeus alemães que tiveram, repetidas vezes, de as maiorias psicológicas, com o tempo, estrati- um século para cá, a ocasião de morrer por sua pátria. A partir ficam-se. No interior destes grupos uma minoria de membros da tomada do poder pelos nazistas, os jornais editados pelo re- pode constituir-se em oligarquia e atribuir-se ou reservar-se pri- gime passaram a sugerir com a formação de bata- vilégios exclusivos. A minoria privilegiada é portanto uma mi-</p><p>32 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 33 lhões judeus que seriam mobilizados para serem enviados aos manifesta, a necessidade para a maioria de um bode expiatório. pontos mais perigosos do front. Foi aliás o que de fato ocorreu necessário precisar ainda, segundo Lewin, que seria mais exato na Itália, na Hungria, na Polônia e em todos os países conquis- falar de uma minoria privilegiada que consegue mobilizar e ma- tados pelos nazistas e aterrorizados pela Gestapo. nipular para seus fins uma massa ou uma multidão cuja agres- Outro traço comum às doutrinas nazista e facista foi a são canaliza contra uma minoria rejeitada. Lewin pretende tam- tentativa de justificar a reconstituição dos guetos para os judeus. bém que muitos judeus se enganam ao acreditar que, se todos E Lewin nota que os judeus não foram realmente reconhecidos os judeus se conduzissem decentemente, não haveria anti-semi- como seres humanos na Europa Ocidental, senão a partir do tismo. Geralmente é o contrário que acontece. a capacidade momento em que as idéias das revoluções francesa e americana de trabalho dos judeus, seus sucessos profissionais como médi- fizeram deles seres humanos iguais em direitos e em privilégios. cos ou advogados, seus talentos para o comércio que, na maior Conclui daí que os direitos judeus são inseparáveis de uma filo- parte dos casos, provocam periodicamente ondas de anti-semi- sofia de igualdade dos homens. Os regimes políticos que per- tismo. Na medida em que os judeus se sobressaem arriscam-se seguiram os judeus nestes últimos tempos tentaram sempre fazer a ser perseguidos. Como último argumento de que não há re- prevalecer a teoria da inferioridade de certas raças e a superio- lação entre a incidência do anti-semitismo e a conduta delin- ridade da sua. qüente de certos judeus, Lewin salienta que as razões invoca- Lewin está consciente de não inovar ao retomar por sua das pelas minorias privilegiadas para justificar junto às massas conta e ao considerar como válidas estas observações já formu- seu anti-semitismo têm mudado de século para século. Há qua- ladas por sociólogos contemporâneos (68). As reflexões de trocentos anos os judeus eram perseguidos por motivos religio- SOS. Em nossos dias as racionalizações promulgadas como bem- Lewin adquirem um caráter pessoal ao se perguntar em que medida o problema judeu é um problema individual ou um -fundadas teorias racistas às quais adere oficialmente o partido problema social. Para decidir sobre o assunto lhe basta lembrar nazista, são retiradas de argumentos supostamente baseados na antropologia e na biologia. que no momento da anexação da Áustria, os judeus foram me- tralhados pelo simples fato de serem judeus, sem nenhuma con- sideração por sua conduta passada ou seu status social. Para 2. O segundo estudo: "Bringing up the jewish child" trata Lewin o problema judeu é um problema essencialmente social, da educação que deveria receber o jovem judeu para evoluir normalmente. um caso típico de minoria não privilegiada ou discriminada. O que caracteriza as classes ou os grupos não-privilegiados é que Kurt Lewin compara a educação do jovem judeu à edu- em todos os casos eles têm em comum o seguinte: não existem cação de uma criança adotada. Eis as razões que o levam a senão porque são tolerados. Sua sobrevivência coletiva depende esta conclusão. Lewin, pela primeira vez, nos revela suas con- da boa vontade das classes privilegiadas. Para ilustrar seu pen- cepções, ainda embrionárias, sobre a psicologia dos grupos. O samento Lewin evoca o passado do grupo judeu. Segundo ele, grupo ao qual um indivíduo pertence pode comparar-se ao ter- a emancipação dos judeus dos guetos não foi conseguida por reno sobre o qual ele se mantém e que lhe dá ou nega, segun- eles, mas em da modificação dos sentimentos e do o caso, seu status social. Na medida em que o grupo lhe das necessidades da maioria. Ainda hoje demonstrar dá um status social, o indivíduo se sente em segurança; ao con- trário, se o grupo não lhe concede nenhum status social, torna- que as pressões e as discriminações contra os judeus aumentam ou diminuem, conforme as dificuldades econômicas da minoria -se fonte de insegurança para o indivíduo. Esta segurança ou insegurança relaciona-se com a solidez ou fluidez do terreno crescem ou decrescem. Lewin acrescenta ironicamente: é uma das razões pelas quais os judeus de toda parte estão necessaria- sobre o qual o indivíduo se matém, uma vez que ele pode ou mente interessados em contribuir para o bem-estar econômico não identificar-se com seu grupo. das maiorias no meio das quais vivem. Segundo Lewin, isto é verdadeiro sobretudo quando se trata do meio familiar. Com efeito, parece-lhe amplamente O problema judeu é um problema social. Mais explicita- provado pelas descobertas recentes da psicologia da criança (as mente, o anti-semitismo tem por fundamento, cada vez que se suas próprias não o tinham esclarecido sobre este problema)</p><p>34 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 35 que a estabilidade ou instabilidade do meio familiar determina uma conduta exemplar em presença dos não-judeus. Devem a estabilidade ou instabilidade emotiva da criança. A razão igualmente abster-se de constranger a criança a ambicionar os fundamental, Lewin é o primeiro a afirmá-lo, é que o meio altos postos nas diferentes esferas em que se orienta. Em uma familiar no qual a criança cresce e evolui forma um único palavra, é necessário libertar a criança judia do mito de que campo de forças, "one dynamic field", segundo uma expressão será facilmente aceita pelos não-judeus se sobressair. Assim, sua. É necessário pois levar em conta que o meio familiar, ou quando as expressões de anti-semitismo o atingirem, ele estará qualquer grupo ao qual pertence um indivíduo, não é para ele imunizado contra o jogo dos mecanismos de auto-acusação que, somente uma fonte de proteção ou segurança. Todo grupo, in- de outro modo, poderiam ser adotados por ele em resposta à clusive o grupo familiar, desenvolve suas leis, seus tabus, suas discriminação. proibições coletivas. E segundo os tabus, as proibições, os mitos Os pais e os educadores no encargo de socializarem o jovem que prevalecem em um grupo, a criança ou o indivíduo que judeu devem lhe transmitir que, o que liga os judeus entre si pertence a este grupo, disporá de um de movimento livre não são as semelhanças ou as diferenças que existem entre judeus mais ou menos extenso. Em conclusão, conforme seja largo ou e não-judeus. O que constitui essencialmente um grupo e dele restrito o espaço de movimento livre, o indivíduo terá maior faz um todo dinâmico é a interdependência da sorte de seus ou menor facilidade de se adaptar à vida social, ou no caso da membros. criança, de socializar-se. Para Lewin o problema fundamental em qualquer grupo humano é o seguinte: em que medida um Finalmente é fundamental ensinar muito cedo ao jovem judeu que o verdadeiro perigo para ele é de ser, durante toda indivíduo, pertencendo a seu grupo, pode satisfazer suas próprias necessidades ou aspirações psíquicas sem comprometer indevi- a sua vida, um marginal na sociedade em que tenta integrar-se e assim permanecer durante toda a sua existência um eterno damente a vida e os objetivos do grupo? adolescente, incapaz como eles, de se identificar ao grupo ao Lewin termina este estudo com considerações de ordem qual pertence ou aos grupos aos quais deseja pertencer. pedagógica, deduzidas do que lhe parece fundamental na so- cialização do ser humano: não é o fato de pertencer a vários 3. O terceiro estudo é incontestavelmente mais impor- grupos que constitui a origem dos conflitos mas a incerteza tante dos três. Tem por título: "Self-hatred among Jews" e trata sobre sua própria participação num grupo determinado. Donde dos mecanismos de auto-depreciação que Kurt Lewin observara quatro princípios pedagógicos nos quais deve inspirar-se a repetidas vezes em seus próprio grupo. educação do jovem minoritário. No início deste estudo Kurt Lewin refere-se a dois livros Lewin sugere, inicialmente, com muita insistência que, assim datando da mesma época (1930). O primeiro livro é do pro- como a criança adotada se beneficia ao conhecer o mais cedo fessor Lessing que tenta, do ponto de vista da psicopatologia, possível sua condição, também a criança que pertence a um descrever o que ele chama "O ódio de si entre os Judeus". O grupo minoritário deve conhecer o mais cedo possível, desde segundo é um romance americano do autor Ludwig Levisohn que possa assimilá-lo emotivamente, o fato de o grupo ser "Island within". Este romance tem como cenário a cosmopo- objeto de vexames, discriminações, em uma situação não-privi- lita cidade de Nova York no interior da qual os judeus consti- Quanto mais os pais e educadores tardarem em reve- tuem uma ilha cultural, isolada e cercada de zonas de silêncio lar-lhe o fato, mais arriscam comprometer sua adaptação social. no seio da coletividade americana em constante interação. Este vale sobretudo quando o meio educacional no Para Kurt Lewin o fenômeno do ódio de si entre os judeus qual a criança cresce não é confessional e mostra-se tolerante pode ser encarado ao mesmo tempo como um fenômeno indi- para com as crianças vidual, como um fenômeno de grupo e sobretudo como um Além disto, a educação do jovem judeu, como de todo fenômeno social, conforme os aspectos estudados. minoritário, deve procurar muito cedo ao fato de Como fenômeno de grupo, o ódio de si afeta as relações que a questão judia é antes de tudo uma questão social. Os intragrupais no interior da grande família judia, ou melhor, as pais judeus devem deixar de pressionar as crianças a adotarem relações entre os diversos grupos ou sub-grupos judeus que</p><p>36 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 37 existem no mundo. E aqui Lewin evoca recordações pessoais dependesse de algum instinto de base, seria a personalidade de que datam do tempo em que vivia na Alemanha, onde por cada indivíduo que nos revelaria sua intensidade. Parece, ao várias vezes foi testemunha de expressões de fortes ressentimen- contrário, conclui Lewin, que este ódio de si não obstante tos da parte dos judeus alemães em relação aos judeus dos os diversos graus em que se manifesta depende muito mais países eslavos. Os judeus alemães acusavam os judeus eslavos das atitudes que cada indivíduo adota em relação ao problema de serem responsáveis pela perseguição nazista de que eram judeu do que das estruturas mentais ou emotivas de sua per- vítimas. Lewin afirma ter observado o mesmo fato nos Estados sonalidade. Unidos: todos os judeus emigrados culpam os judeus alemães Aliás, nota Lewin, o ódio de si manifestado pelos judeus considerando-os responsáveis por todas as desgraças que caem é um fenômeno observado em todas as minorias discriminadas. sobre os judeus no mundo desde 1933. Nos Estados Unidos, por exemplo, os negros são muito Segundo Lewin, ódio de si pode, também, em certos veis às diferentes tonalidades de cor da epiderme humana. Aque- casos, apresentar-se como um fenômeno individual. Neste caso les cuja epiderme é de cor "chocolate com leite" ou "café-creme" há uma variedade quase infinita de formas que o ódio de si menosprezam aqueles que são "café-preto". Quanto mais a cor toma entre os judeus considerados como indivíduos. Certos da epiderme de um negro se aproxima do branco, mais tendên- judeus, por exemplo, culpam o grupo judeu como tal ou se cia tem ele a dirigir aos outros negros um olhar de superiori- identificam negativamente a uma fração particular de judeus, dade e, em a identificar-se negativamente com ou difamam sistematicamente sua própria família. Outros rejei- seu grupo étnico. O mesmo fenômeno foi observado e abun- tam a si próprios, recusam aceitar-se como judeus e cedem pe- dantemente descrito pelos sociólogos americanos (2), (141), riodicamente a de auto-acusação e de auto-punição. ao tratarem dos conflitos existentes a primeira e a segunda Por outro lado, alguns judeus dirigirão o ódio de si exclusiva- geração de imigrantes nos Estados Unidos. A segunda geração mente contra as instituições, os costumes, a língua judia ou menospreza seus pais que não lhe parecem suficientemente ame- ainda o sistema de valores da raça ou da cultura judia. ricanizados e permanecem ainda por demais ligados à sua cul- Na maior parte das nota Lewin, este tipo de ódio de si tura de origem, dificultando assim uma identificação incondicio- não se manifesta abertamente, mas é camuflado por racionali- nal com seu país de adoção. de toda espécie. Vejamos agora, segundo Lewin, como o ódio de si aparece, ódio de si é sobretudo um fenômeno social, segundo tipicamente, em muitos judeus. Um indivíduo judeu tem am- bições, alimenta e constrói projetos para logo descobrir que Lewin. Neste nível sua análise e sua interpretação sua participação no grupo judeu constituirá sempre uma barrei- bastante penetrantes. Para ele, Lessing e Levisohn, que se ins- ra intransponível à realização de seus projetos. Começa então piraram em Freud, quiseram explicar o ódio de si pelos instin- tos primários que seriam inerentes à natureza humana. Em a perceber e a considerar seu grupo como fonte de frustrações seu apoio recorrem à tese que Freud elaborou para explicar e passa a odiá-lo. Logo chegará à conclusão de que sua ascen- as de fracasso, postulando a existência em todo ser ção social como indivíduo está ameaçada e que sua segurança humano de um instinto de morte que teria primazia sobre o sócio-econômica e seu próprio destino pessoal correm o perigo instinto de vida. O que, sempre segundo Freud, explicaria a de ficar comprometidos por causa de sua participação no grupo tendência que aparece com a idade, em todo ser humano, de judeu. Surge então em muitos judeus o sentimento agudo de uma degenerescência progressiva que se conclui pelo retorno ao rejeição da interdependência de seu próprio destino e do des- inorgânico. Kurt Lewin a explicar assim o ódio de si tino de uma minoria discriminada. entre os judeus Se assim fosse, argumenta, estaríamos em pre- Kurt Lewin termina este estudo concluindo que o ódio de sença de um dado da natureza e não seria então estranho não si entre os judeus não poderia, na maior parte dos casos, ser se encontrar no mesmo grau o ódio de si entre os ingleses, os diagnosticado como do domínio da psicopatologia. Como mui- italianos, os alemães e os franceses em relação a seus próprios tos outros fenômenos psíquicos com componentes nevróticos, o compatriotas? Além disto, se o ódio de si sentido pelos judeus ódio de si não é geralmente senão a expressão de um conflito</p><p>38 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 39 criado pela situação social na qual um indivíduo é forçado a ao assunto em um capítulo próximo para constatar e salientar viver. Este fenômeno apresenta-se sob traços nevróticos, mas a que ponto em três anos, de 1943 a 1946, os interesses, as na realidade não se trata de nevrose. Tanto assim que o ódio concepções e as aproximações de Lewin evoluíram. Estes três de si entre os judeus é encontrado tanto entre os nevróticos anos lhe provaram que a inteligência científica dos macro-grupos como entre as pessoas normais. De fato, trata-se de um fenô- não se tornará acessível senão após longas e sistemáticas pes- meno sócio-psicológico. A tal ponto que, cada vez que os quisas sobre a psicologia dos grupos restritos. No momento judeus, dentro de uma coletividade, são aceitos em clima de não nos deteremos senão no seu estudo "Cultural Reconstruc- igualdade de direitos e de privilégios, desaparecem então os tion". Nele encontramos uma tese fundamental e três outras, traços nevróticos que certos autores afirmam como típico do dela deduzidas: sobre a origem das minorias, sua natureza psi- grupo judeu. Por outro lado, quando os judeus tornam-se o cológica e seu futuro. objeto sistemático de discriminação, seu único meio de não A tese fundamental é formulada de modo que transcende ceder ao ódio de si é entre eles as tendências de o caso judeu para tornar inteligível o que Kurt Lewin considera atração e de coesão pela causa judia. Daí a importância vital como as constantes psicológicas de todo grupo minoritário. Para que os educadores e pais judeus devem dar à criação de climas Lewin toda minoria psicológica tem suas dimensões antes de de crescimento propícios a que os jovens judeus, desde seus tudo sociais. Com isto não opõe social a psíquico, mas disso- primeiros anos de formação, possam identificar-se positivamente cia o social do individual. As minorias psicológicas são sociais com seu grupo étnico. em sua origem, em suas estruturas e em sua evolução. Sua di- nâmica é essencialmente social. Do mesmo modo, a sobrevi- MINORIAS E MINORITÁRIOS vência dos grupos minoritários não pode ser assegurada senão a partir do momento em que eles tomam consciência deste dado Kurt Lewin publica, em seguida, um estudo onde, a partir fundamental e o aceitam. de suas interpretações e de suas considerações sobre a minoria judia, tenta formular uma teoria suficientemente coerente para 1. Origem das minorias. explicar a psicologia de todo grupo minoritário. Será sua últi- ma pesquisa ligada aos macro-fenômenos de grupo. Ela o Para Kurt Lewin a própria existência de toda minoria só convencerá definitivamente da certeza de sua opção ao escolher é possível, em última análise, graças à tolerância da maioria no como centro da experimentação em psicologia social o estudo meio da qual ela se insere. Não é em consideração aos com- dos micro-grupos. Estas teorias tiveram uma influência deter- portamentos aceitáveis ou em reação aos comportamentos re- minante nos meios universitários, sobretudo no que se refere à preensíveis de alguns indivíduos (se bem que isto seja, de fato, psicologia das relações inter-raciais e revelaram-se fundamentais alegado como pretexto oficial), mas por motivos extrínsecos aos à compreensão das concepções definitivas sobre a gênese e a comportamentos dos membros das minorias, que as maiorias dinâmica dos grupos, que Kurt Lewin defenderá nos anos se- edificam, fortificam, multiplicam ou deixam cair as barreiras guintes. Parece-nos também importante destacar aqui as teses psicológicas com que cercam as minorias. Lewin acrescenta que essenciais. a maioria tem sempre interesse em privar as minorias de todo O estudo de que trataremos inicialmente tem por título: direito e de todo privilégio. Mas é sobretudo em período de "Cultural Reconstruction" e foi publicado em 1943 (88). Depois tensão e de perigo coletivo que a maioria tende a exercer re- disto Lewin refere-se à psicologia das minorias duas outras presálias contra as minorias, cedendo à necessidade de descar- vezes (103), (104), durante o ano que precede sua morte. regar sobre um bode expiatório as ondas de agressividade, de- Suas preocupações serão então exclusivamente de ordem meto- sencadeadas pelas frustrações e privações que lhe são impostas dológica. Partindo das suas próprias pesquisas sobre o proble- durante estes períodos críticos. Por mecanismos de deslocamento ma, tentará destacar aquilo que elas lhe ensinaram sobre as exi- sua agressividade torna-se extrapunitiva com relação às mino- gências da experimentação em psicologia social. Retornaremos rias sem defesa.</p><p>40 GÉRALD BERNARD MAILHIOT E GÊNESE DOS GRUPOS 41 2. Constituintes, constituídos e constitutivos das minorias. à sua função de líder oficial, multiplicar seus contatos com a maioria e encontrar assim algum substitutivo de prestígio do Com esta terminologia tentaremos sistematizar o essencial qual estão privados em virtude de sua ligação com a minoria. do pensamento de Lewin sobre a existência das minorias. Esta Por outro lado, numerosos são os grupos minoritários que es- sistematização nos parece necessária para evitar que o leitor peram que este líder seja melhor aceito e pareça mais maleável tenha que seguir os caminhos tortuosos da argumentação de à maioria e conseqüentemente possa melhorar magicamente as Lewin. Faremos todos os esforços para não trair em nada seu relações entre minoria e maioria. pensamento. b) Em relação à sua dinâmica de grupo, as minorias se A. Os constituintes das minorias. revelam ao observador como constituindo um equilíbrio mais ou menos estável entre dois campos de força. De um lado, um Os constituintes das minorias podem ser definidos diferen- campo de forças que exerce sobre os membros uma influência temente, conforme se faça referência às estruturas ou à dinâmica integrante de coesão. Estas forças são constituídas pela atração dos grupos minoritários. que exercem sobre as minorias os traços culturais próprios a este grupo e irredutíveis às culturas vizinhas. Estas forças centrí- a) Em relação às suas as minorias aparecem pedas desempenham o papel de núcleo dinâmico no seio das constituídas de várias camadas. No centro encontram-se as ca- minorias. Elas engendram entre os minoritários atitudes de leal- madas mais solidificadas. Elas compõem-se de membros que dade para com seu grupo ou aquilo que Lewin gosta de chamar aderem com a maior boa vontade às instituições, aos costumes, de o chauvinismo positivo. Fazem nascer neles, paralelamente, às tradições aos sistemas de valores, que distinguem seu grupo um desejo cada vez mais intenso de se emancipar da maioria. dos outros grupos. Estes membros identificam-se positivamente No extremo oposto situa-se um campo de forças centrífugas com tudo aquilo que é tipicamente próprio ao seu grupo, Já que exerce uma influência dissolvente sobre os membros da as camadas periféricas, longe de serem solidificadas como as minoria. Estas forças são constituídas pela atração, algumas primeiras, são móveis e fluidas. São compostas de membros vezes irresistível, exercida pela maioria, com seus privilégios, que experimentam uma ambivalência marcante em relação a incluindo as promessas de prestígio e de satisfação dos instintos tudo que distingue e por isto mesmo isola seu grupo da maioria. frustrados ou limitados pelas discriminações impostas pela maio- São os membros marginais das minorias. Eles suportam de má ria às minorias. As atitudes coletivas provocadas pelas forças vontade ter que viver em um espaço vital onde são mantidos à centrífugas são (isto em oposição à lealdade do grupo) de uma força por uma maioria que constrói barreiras psicológicas in- parte, o desamor em relação a seu próprio grupo ou o chauvi- transponíveis à sua migração para a maioria que invejam. nismo negativo e, de outra parte, o desejo de assimilação à maioria. Lewin acrescenta que é sobretudo nas zonas periféricas que se situam os minoritários de maior sucesso, aqueles que conse- guiram sobressair-se em seu trabalho ou profissão e em conse- B. A minoria como sentem maior atração pela maioria. Sua ilusão, segundo Lewin, consiste em esperar que seus sucessos pessoais facilitem Se concebemos a minoria como uma totalidade dinâmica, sua aceitação por parte da maioria que lhe perdoará assim sua torna-se necessário assinalar o fator de integração deste grupo origem e sua identidade étnica. que faz destes indivíduos múltiplos um só grupo coerente. Este Enfim, é nas camadas periféricas que as minorias têm ten- fator de unificação é o constitutivo do grupo. Tentaremos des- dência a recrutar seus dirigentes ou a agrupar-se em torno de tacá-lo mais adiante. Mas se tentamos, agora, definir as mino- dirigentes que pertençam a estas camadas. Estes indivíduos são rias como constituídas, Kurt Lewin nos fornece os conceitos que geralmente designados para este posto em razão de seus suces- explicam o grau maior ou menor de integração que atingem pessoais. Aceitam o posto com a esperança de poder, graças nos diferentes momentos de seu</p><p>42 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 43 Deste ponto de vista, Lewin distingue dois tipos de mino- O futuro das minorias não se coloca nos mesmos termos rias. Algumas constituem unidades articuladas de modo orgâ- de superação em que se coloca o futuro de um grupo normal nico. o caso das minorias cujas camadas centrais englobam que não sofre nenhuma pressão, nem encontra nenhum obstáculo a maioria dos membros em ligações muito estreitas e em uma no processo de seu O futuro das minorias forte adesão à sua sorte e destino. Para a maioria dos mem- não pode se definir senão em termos de sobrevivência. A este bros, seu grupo étnico é percebido em termos de valência po- respeito, três opções são possíveis, segundo Lewin. Há, inicial- mente, o caso das minorias que perdem a crença em sua so- Por outro lado, existem minorias mal ou não integradas brevivência e estão prontas a tudo que possa apressar ou favore- que se revelam ao observador não mais como uma unidade cer sua assimilação à maioria. Quanto às minorias que optam orgânica, mas como uma unidade aparente, artificial, resultante por sua sobrevivência, duas atitudes são Elas têm de pressões e de coerções exteriores. Estas minorias não cons- em comum o seguinte: ambas concebem sua sobrevivência como tituem um grupo no sentido restrito. Trata-se, antes, de um uma emancipação do jugo arbitrário da maioria. Eis o que as agregado de indivíduos, mais ou menos submetidos às mesmas distingue: certas minorias querem assegurar sua sobrevivência restrições, às mesmas privações, às mesmas frustrações. Neste através da integração com a maioria, pela igualdade dos direitos tipo de minorias o núcleo dinâmico não compreende senão alguns e dos privilégios. Para conseguir seu intento estes grupos mino- indivíduos que não perderam a fé no destino do seu grupo, a ritários têm tendência de sublinhar e de destacar, em suas rela- quase totalidade dos membros não vive senão da esperança de ções intergrupais com a maioria, muito mais o que os aparenta poder um dia pertencer à maioria. As ligações entre os mem- ou os une à maioria do que aquilo que os distingue ou os opõe bros são portanto muito frágeis. O equilíbrio entre os diferentes a ela. Enfim, existem minorias que não acreditam poder asse- estratos é muito instável e quase inteiramente polarizado por gurar sua sobrevivência, senão separando-se ou emancipando-se valências totalmente da maioria. Elas aspiram à independência total e definitiva em relação à maioria. Estão convencidas de que só C. O fator constitutivo das minorias. assim poderão conservar a integridade de sua cultura, prosseguir na conquista de sua plena identidade e realização do seu destino Como explicar, pergunta Lewin, que em certos casos as coletivo. Lewin conclui que só estas últimas minorias têm algu- minorias constituam unidades orgânicas e, em outros, não tenham ma possibilidade de assegurarem sua sobrevivência. Enganam-se senão a aparência de integração? aquelas que acreditam poder integrar-se à maioria e nela con- O fator constitutivo de todo grupo, segundo Lewin, é a servar sua identidade étnica. Cedo ou tarde elas serão assi- interdependência da sorte de seus membros. No caso das mi- miladas. norias integradas, sua condição de minoritários é aceita, o que Kurt Lewin termina este ensaio teórico sobre a psicologia permite aos membros se unirem na luta pela emancipação. Por das minorias, tentando caracterizar entre os minoritários as di- outro lado, no caso das minorias não integradas ou mal inte- gradas, sua condição de minoritários é suportada. Não existe ferenças de atitudes coletivas que implicam estas três opções a respeito do futuro de suas relações inter-raciais com a maioria inter-dependência entre os membros. O único fator negativo que as oprime e as discrimina. que os une é sua disposição a consentir em todos os compro- missos, em todas as servidões ou em todas as baixezas que Lewin afirma que as minorias que renunciam à sua sobre- lhes facilitem a assimilação à maioria. vivência e aquelas que optam pela integração em um contexto de relações cordiais e um pouco servis em relação à maioria têm tendência, ambas, a adotarem as mesmas atitudes coletivas. 3. o futuro das minorias. Ele considera, com efeito, que no plano inter-racial as atitudes coletivas destas minorias são tipicamente Suas es- Segundo Lewin, o futuro das minorias, assim como sua tratégias têm em comum o seguinte: elas se baseiam na hipó- origem e existência, é antes de tudo social. tese de que a situação presente de discriminação desaparecerá</p><p>44 GÉRALD BERNARD MAILHIOT quando sua participação na minoria for desconhecida, ignorada ou anulada. Assim como o adolescente espera ser aceito pelo mundo dos adultos quando conseguir convencer os adultos de que não é mais uma criança. Também como os adolescentes, o comportamento social destes dois tipos de minorias caracteriza-se pela intra-agressão, pela auto-acusação, pelo exagero em suas CAPÍTULO QUARTO ambições, pelas recusas, pelos protestos e pelo mimetismo. Sua identificação com a maioria é equivalente e nos dois casos apoia- -se no temor Há ambivalência a respeito de seu próprio grupo DA PESQUISA-AÇÃO À DINÂMICA DE GRUPOS tanto quanto a respeito do grupo majoritário. Quanto às minorias que tentam assegurar sua sobrevivência pela independência em relação à maioria, suas atitudes coletivas são de um nível mais adulto. Elas ganharão em maturidade se Somente por etapas Kurt Lewin chegará a definir para si à identificação positiva com o grupo na qual inspiram-se seus mesmo o que são cientificamente a dinâmica e a gênese dos comportamentos, vierem acrescentar-se, ao mesmo tempo, a grupos. Como acabamos de constatar, seus trabalhos sobre a capacidade de proceder periodicamente a autocríticas e a von- psicologia das minorias lhe permitiram questionar as teorias e tade de conseguir eventualmente sua independência pela inter- as metodologias tradicionais da Psicologia Social. Ele transporá dependência com os outros grupos étnicos. uma nova etapa ao elaborar, à luz de suas próprias experiências na exploração das realidades sociais, uma concepção pessoal da pesquisa e da experimentação em psicologia dos grupos. PESQUISA EM LABORATÓRIO E PESQUISA DE CAMPO Ao término de seus trabalhos sobre as minorias psicológi- cas, Kurt Lewin chegou a duas conclusões metodológicas. A primeira consiste na seguinte descoberta: para ser válida, toda exploração científica de problemas relativos ao campo da psi- cologia das relações intergrupais deve operar-se em constante referência à sociedade global na qual estes fenômenos de grupo se inserem e se manifestam. Assim os reflexos e as atitudes dos grupos minoritários não se tornariam inteligíveis senão em referência ao contexto sócio-cultural em que se inscrevem, isto é, em referência às interações e às interdependências que toda minoria estabelece forçosamente com a maioria pela qual é discriminada. Além disso, Kurt Lewin chegou a sua segunda conclusão: para abordar e interpretar cientificamente fenô- menos desta magnitude e desta complexidade, somente uma aproximação complementar de todas as ciências do social ofe- receria alguma possibilidade de identificar corretamente as cons- tantes e as variáveis em causa. Estas duas conclusões se inpu- seram a Lewin a partir do momento em que tomou consciência de que as realidades sociais eram multidimensionais (103), (104).</p><p>46 GÉRALD BERNARD MAILHIOT E GÊNESE DOS GRUPOS 47 Esta última constatação o levou a opor em psicologia social, Enfim, a pesquisa deve prolongar-se até que seus objetivos ime- a pesquisa de laboratório à pesquisa de campo. A primeira lhe diatos sejam alcançados. parecia mais artificial e inadequada. Para ele só a segunda po- deria oferecer condições válidas de experimentação. Segundo 2. Por outro lado, Kurt Lewin, de acordo com a concep- ele mesmo declarou, foi influenciado tanto pelo pragmatismo ção hegeliana do devir social tal qual é exposta pelo filósofo americano que acabava de descobrir, como pela concepção he- Karl Jaspers (67), propõe como hipótese que os fenômenos geliana do devir à qual aderia desde o tempo de seus trabalhos sociais não podem ser observados do exterior, do mesmo modo em Berlim sobre o desenvolvimento da personalidade. que não podem ser observados em laboratório, de modo estático. Eles não se tornam inteligíveis senão ao pesquisador que os 1. Para Lewin as hipóteses que a ciência formula, as leis alcança consentindo em participar de seu devir. Para Lewin, que destaca e as teorias que elabora não têm valor para a psi- os fenômenos de grupo não revelam as leis internas de sua di- cologia de grupo, senão na medida em que são aplicáveis, isto é, nâmica senão aos pesquisadores dispostos a se engajar pessoal- na medida em que permitem efetuar, sob sua luz, de modo mente a fundo, neste dinamismo em marcha, a respeitar-lhe os eficaz e durável, modificações dos fenômenos sociais que elas processos de evolução nos sentidos definidos que a História lhe querem explicar. Lewin reencontra aqui uma das teses funda- imprime e, assim, a favorecer-lhe, ao máximo, que se ultrapas- mentais do "operacionismo". Ora, no momento em que Lewin se. Finalmente o pesquisador deve implicar-se pessoalmente no estabelece seus primeiros contatos com os meios universitários futuro das realidades sociais que tenta explicar sem deixar de americanos, o "operacionismo" constitui em psicologia a influên- objetivar-se a seu Ser-lhe-á necessário, pois, prosse- cia dominante que obriga teóricos e pesquisadores do tempo a guir suas pesquisas no próprio campo em que se manifestam enfocar a metodologia da pesquisa sob uma perspectiva essen- os fenômenos que estuda e só tentar modificar sua dinâmica cialmente pragmática. Seu axioma de base é o seguinte: a va- com o consentimento explícito dos membros do grupo que serve lidade de uma hipótese, a verdade de uma teoria são propor- à sua experimentação. Decorre para ele a necessidade de, du- cionais à exatidão das previsões que elas permitem. rante suas pesquisas, assumir constantemente os dois papéis com- Deste modo, Lewin chega a fixar dois objetivos para toda plementares de participante e de observador. pesquisa sobre os fenômenos sociais. Estes dois objetivos se confundem e se completam. Podem ser visados de modo simul- OPÇÕES tâneo ou sucessivo, Segundo eles, estes objetivos procuram, seja fornecer um diagnóstico sobre uma situação social dada, seja Para compreender a obra de Lewin é essencial ter sempre descobrir ou formular a dinâmica própria da vida de um grupo. presente que ele foi um dos primeiros e um dos principais Tanto uma como outra destas duas tarefas não podem ser rea- ricos do guestaltismo E tanto sua psicologia social, tendo lizadas, de fato, sem que o pesquisador se veja forçado, para como centro o estudo do desenvolvimento da personalidade, completar uma, a empreender a outra. Elas são complementa- como sua psicologia social centrada sobre os pequenos grupos res e indissociáveis no plano metodológico. Não há diagnóstico se elaboram, se articulam e se edificam a partir de postula- de uma situação social concreta que possa ser formulado sem a dos guestaltistas. Temos aqui a chave de suas opções metodo- exploração da dinâmica própria do grupo implicado por esta lógicas. situação. Do mesmo modo, a dinâmica própria de um grupo não se revelará realmente, senão ao pesquisador que tenha con- seguido assimilar todos os dados concretos da vida deste grupo. A pesquisa em psicologia social, conclui Lewin, deve originar-se (1) Guestaltismo, do alemão "gestalt", significando estrutura, forma, Esta escola psicológica propõe apreender os fenômenos em sua totalidade a partir de uma situação social concreta a modificar. E deve sem querer dissociar elementos do conjunto em que eles se integram inspirar-se constantemente nas transformações e nos componen- e fora do qual nada significam. De início, aplicada à percepção, esta tes novos que surgem durante e sob a influência da pesquisa. teoria estendeu-se à toda a psicologia.</p><p>48 GÉRALD BERNARD MAILHIOT E GÊNESE DOS GRUPOS 49 1. No plano dos objetos, já sabemos que Lewin opta dem. Assim podem observar de dentro os processos e os me- muito cedo por uma exploração sistemática e exclusiva dos canismos em jogo neste desenvolvimento, e encontram-se sob micro-fenômenos de grupos. O que nos é necessário precisar uma perspectiva ideal para descobrir sua significação essencial. agora é o postulado guestaltista subjacente a esta opção. Para Para Kurt Lewin estas opções metodológicas não se apre- Lewin, os pequenos grupos constituem as únicas totalidades sentam como hipóteses provisórias mas como postulados. Uma dinâmicas acessíveis à observação e conseqüentemente à expe- longa prática da pesquisa científica demonstrou-lhe a aquisição rimentação científica. Eis as razões. É necessário de início pre- definitiva da validade das aproximações guestaltistas para o es- cisar que se trata de pequenos grupos concretos, formados sobre tudo dos comportamentos humanos. Veremos agora, de modo a base das interações que ligam os indivíduos em contato direto. explícito, como estas opções metodológicas inspiram e orientam Ora, para Lewin, as atitudes sociais de um indivíduo ou as o sentido que tomam suas pesquisas sobre os comportamentos atitudes coletivas de um grupo não podem ser compreendidas de grupo e as atitudes coletivas. senão a partir dos diferentes conjuntos sociais de que fazem parte. E, reciprocamente; estes conjuntos sociais não podem ATITUDES COLETIVAS ser compreendidos senão a partir dos indivíduos e dos pequenos grupos concretos que eles englobam. Expliquemos como isto se De uma parte, a forma das situações concretas (trata-se Até Kurt Lewin quase todos os psicólogos sociais america- neste caso de situações sociais) depende das formas das reali- nos haviam centrado suas pesquisas no problema da socialização dades globais que as envolvem, e estas, por sua vez, dependem do ser humano (30). A maioria estava de acordo em conceber das situações concretas que possuem sua dinâmica própria. Ora, o processo de socialização como o aprendizado de atitudes so- as situações concretas são função das interações dos indivíduos. Por outro lado, e paralelamente, tocamos aqui naquilo Por isto, conclui Lewin, somente no pequeno grupo concreto que constitui a diferença fundamental entre a obra de Moreno de dimensões reduzidas, isto é, a célula social bruta, estas rela- e a de Lewin. Moreno, antes e depois de Lewin, preocupou-se ções de reciprocidade tornam-se acessíveis à observação. constantemente com o problema da socialização do ser humano. Seus trabalhos, suas pesquisas e suas descobertas estiveram sem- 2. No plano dos métodos, a influência das teorias guestal- pre polarizadas por aquilo que lhe parecia e sempre lhe pare- tistas não é menos evidente. Kurt Lewin denuncia como inváli- ceu, o problema fundamental que a Psicologia devia esclarecer. das e_estéreis as aproximações atomísticas que então prevaleciam Deste modo, aplicou-se não somente em teorizar, mas igualmente nos meios de pesquisa em psicologia social. Para ele um fenô- em inventar técnicas e instrumentos que favorecessem e facili- meno de grupo só se torna inteligível, quando se consegue pra- tassem o aprendizado ou o re-aprendizado das atitudes sociais. ticar neste fenômeno o que ele chama de cortes analíticos sociais O psicodrama, o jogo do papel, o sociodrama constituem, para e concretos, de prospecções verticais. Em outras palavras, não ele, tanto instrumentos pedagógicos como terapêuticos, conforme é decompondo o fenômeno estudado em elementos e em seg- sejam utilizados para socializar ou re-socializar o ser humano. mentos para reconstituí-lo em laboratório, em escala reduzida, Mas quer seja constituindo esta ciência nova que chamará socio- que o pesquisador pode conhecer sua dinâmica essencial. Será, metria, quer tornando mais precisa esta arte que chamará so- antes, tentando atingi-lo em sua totalidade concreta, existencial, ciatria, Moreno, durante toda a sua atividade científica, será não de fora, mas do interior. Com esta finalidade é que Lewin constantemente influenciado pelas teorias sobre a psicologia da introduz o que ele chama de pequenos grupos-testemunhas, ou aprendizagem (118). Embora se defenda e negue tal fato, seja, indivíduos que, recebendo uma formação especial, consti- Moreno edificará assim sua obra em continuidade com preo- tuem em seguida, no meio social, aquilo que Lewin chamará de cupações que foram dominantes na psicologia social até Lewin, átomos sociais radioativos, Por sua presença no interior do tal como procurava edificar-se na América. Assinalamos ante- fenômeno de grupo a ser estudado, eles se tornam os elementos riormente que, nesta época, os psicólogos sociais orientavam indicados para provocarem modificações completas de estrutura suas pesquisas quase exclusivamente no sentido de determinar de uma situação social e atitudes coletivas que lhe correspon- o contexto mais propício ao aprendizado das atitudes sociais</p><p>50 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 51 democráticas. Alguns, cedendo a motivações muito mais ligadas siderado, e em segundo lugar, situar de onde vem a dinâmica ao seu sistema de valores que às exigências da ciência chega- que afeta cada um destes elementos (69). ram mesmo a definir o meio educacional mais apto a formar Lewin preconiza então que se apele para esquemas galilea- o cidadão americano perfeito (113). nos de interpretação em psicologia social, como ele conseguira Com Lewin e a partir dele, o interesse dos pesquisadores fazer em sociologia individual. Fiel a esta perspectiva, Lewin desloca e dirige-se para as atitudes coletivas. Os comportamen- não procura a explicação dos fenômenos de grupos na natureza tos em grupo e as atitudes sociais também constituem um objeto de cada um dos seus elementos ou de seus componentes, mas de exploração e de experimentação em psicologia social. O que nas múltiplas interações que se produzem entre os elementos muda, radicalmente, é a abordagem e a metodologia que se da situação social onde se situam, no próprio momento em tornam dinâmicas e guestálticas a partir de Lewin. Para definir que são observados e interpretados. Ora, segundo Lewin, o cientificamente os comportamentos em grupo e as atitudes sociais ambiente social contribui para a formação e transformação das os pesquisadores referem-se ao que são e devem ser os compor- atitudes coletivas favorecendo, ou, ao contrário, inibindo as ten- tamentos de grupo e as atitudes coletivas. dências sociais já adquiridas. A razão deste segundo Lewin, Mas, ainda há algo a acrescentar. Sempre aderindo a seus é a seguinte: tendo as situações sociais sua própria dinâmica, postulados guestaltistas, Lewin denuncia, como o havia feito em as atitudes de um indivíduo, em um dado momento, são função 1931, em relação à psicologia da personalidade (51), os esque- de sua relação dinâmica com os diferentes aspectos da situação mas aristotélicos de interpretação. Nenhum comportamento de social que ele assume de boa ou má vontade (69). Mais grupo, como aliás nenhum comportamento humano poderia se tarde ele retomará esta explicação para reformulá-la de modo explicar unicamente em termos de causalidade histórica. Eis o diferente: a estrutura de meio tal qual é percebida por um porquê. Os comportamentos dos indivíduos enquanto seres so- indivíduo depende de seus desejos, de suas necessidades, de ciais são função de uma dinâmica independente das vontades suas expectativas, de suas aspirações, enfim de suas atitudes, individuais. Os fenômenos de grupo são irredutíveis e não podem enquanto o conteúdo ideativo do ambiente coloca o indivíduo ser explicados à luz da psicologia individual. Toda dinâmica de em um determinado estado de espírito. É a relação de reciproci- grupo é a resultante do conjunto das interações no interior de dade entre as atitudes do indivíduo e o conteúdo mental do um espaço psico-social Estas interações poderão ser tensões, meio que cria a situação da qual o comportamento é função conflitos, repulsas, atrações, trocas, comunicações ou ainda pres- sões e coerções. Enfim, as atitudes coletivas só se tornarão in- teligíveis àquele que as observa, se ele conseguir responder a Segundo Lewin, as atitudes coletivas encontram-se no iní- duas questões: cio e no fim do encadeamento dos fenômenos dinâmicos que produzem os comportamentos de grupo Em outras palavras, Lewin sugere que toda situação social pode ser percebida e 1. Por que, em uma dada situação espontânea, tal concebida como constituindo uma cadeia de fenômenos cuja re- comportamento de grupo se produz de preferên- sultante seria os comportamentos de grupo. No início e no cia a um outro? final desta cadeia encontrar-se-iam as atitudes coletivas. Esta cadeia pode ser decomposta em vários tempos: primeiro, ao 2. Por que, neste momento preciso, a situação ob- nível da percepção, em seguida ao nível do servada possui tal estrutura contrariamente a uma Ao nível da percepção, as atitudes comuns a um grupo, isto é, outra? suas atitudes coletivas, seus esquemas mentais e seus esquemas afetivos de adaptação à situação social determinam a perspec- Em outras palavras, o observador deve poder refazer, do pro- tiva geral na qual os membros do grupo percebem conjunto cesso social estudado, as fases e as etapas pelas quais cada de uma situação. As percepções respectivas dos membros de um dos seus elementos foi levado a ocupar, precisamente na- um grupo, sobre a situação social, são condicionadas suas quele momento, determinada região no espaço situacional con- atitudes coletivas. Por outro lado, ao nível do comportamento,</p><p>52 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 53 os esquemas coletivos e as atitudes pessoais estão presentes no campo dinâmico, enquanto constituem uma inclinação para certos Como já afirmamos, Lewin foi o primeiro a utilizar este tipos de comportamento de grupo. Esta inclinação, por sua vez, termo. Será uma noção fundamental em dinâmica dos grupos. ou cria uma atração por certos aspectos da situação ou uma Para Lewin todo conjunto de elementos interdependentes cons- repulsa em direção a outros aspectos ou regiões desta situação. titui uma totalidade dinâmica. Se os grupos são sempre tota- Quanto à cultura ambiente, ela tende a favorecer, segundo lidades dinâmicas, as totalidades dinâmicas estão longe de serem Lewin, vetores de comportamento. Para ele os vetores de com- exclusivamente grupos. Por exemplo, a personalidade é uma totalidade dinâmica na medida em que pode ser considerada portamento são as direções, as orientações dadas a um compor- tamento, ou, nos casos opostos, constituem barreiras mais ou como um complexo de sistemas, de formas e de processos psí- menos impermeáveis que dificultam a expressão de si (76). A quicos. resultante das forças que interessam tal indivíduo em suas rela- ções com um aspecto do campo dinâmico de que faz parte, é a 2. O segundo conceito invocado por Lewin é o do "eu atitude momentânea deste indivíduo em uma determinada situa- social". ção. Esta atitude momentânea se traduzirá por um comporta- Para Lewin, a personalidade revela-se como uma configu- mento de grupo. Para Lewin a razão profunda desta concepção ração de regiões, tendo uma estrutura que ele chama "quase-es- galileana em termos de interação das relações entre os diversos tacionária". Quer significar com isto que é preciso conceber elementos de um fenômeno de grupo, percebido como um todo a personalidade como um sistema que tende a reencontrar-se irredutível a seus constituintes individuais, é a seguinte: dentro idêntico a si-mesmo em todas as situações. O eu (a que ele de uma perspectiva guestaltista não pode haver fronteiras imu- prefere chamar "self" em vez de "ego") em relação táveis entre consciências individuais e um determinado meio. às realidades sociais como um sistema de círculos concêntricos. Para ele, a dicotomia entre pessoa e meio, introduzida pelos Ao centro, encontra-se um núcleo constituído pelo que Lewin behavioristas, é arbitrária e gratuita. As pessoas, os objetos, chama o "eu íntimo": este núcleo é dinâmico e formado por as instituições, os grupos e os acontecimentos sociais são ele- valores para ele fundamentais, aqueles valores aos quais o in- mentos das situações sociais. Estes elementos entretêm entre divíduo consagra a maior importância. Em torno deste núcleo eles relações dinâmicas cujo conjunto somente determina a es- central, as regiões intermediárias que Lewin chama o "eu so- trutura do campo social. cial": o eu social engloba os sistemas de valores que são parti- lhados com certos grupos, por exemplo, os valores de classe, CAMPO SOCIAL os valores profissionais. Na periferia da personalidade encon- tra-se situado o "eu Do mesmo modo que o eu íntimo é um eu fechado, este outro é um eu aberto. O eu As atitudes coletivas como, aliás, as atitudes pessoais não público é a região mais superficial de uma personalidade, aquela aparecem em Lewin nem como o resultado de mecanismos ex- que está engajada nos contatos humanos ou nas tarefas em que teriores às consciências, nem como atos subjetivos das cons- apenas os automatismos são suficientes ou são exigidos. neste ciências. Elas são segmentos de uma situação social na qual nível que se implicam aqueles que participam de fenômenos de se fundem em uma mesma realidade dinâmica elementos obje- tivos e elementos conscientes. Três conceitos básicos, tomados massa. geralmente também neste nível que muitos indivíduos de empréstimo à sua psicologia topológica, permitem a Lewin integram-se em situações de trabalho em que somente a peri- extrapolar as implicações deste teorema sobre a gênese e a feria de seu ser é engajada. dinâmica dos grupos. O mais importante destes conceitos é o Segundo as situações sociais, segundo os graus de distân- do campo social. cia social, nosso eu público ou nosso eu social reveste-se de dimensões diferentes. Nem um nem outro são estáticos. Nosso 1. O primeiro conceito-chave a que Lewin apela é o de eu social pode, estreitar-se ou dilatar-se. Lewin pretende que "totalidade dinâmica". certas personalidades são abertas ao outro a ponto de não se- rem senão estruturas de acolhimento, mesmo no plano do eu</p><p>54 GÉRALD BERNARD MAILHIOT E GÊNESE DOS GRUPOS 55 íntimo. Outras, ao contrário, mesmo no plano do eu público, 2. Em segundo lugar, o grupo é para o indivíduo um ins- são dobradas sobre si mesmas e não parecem preocupadas senão trumento. Isto significa que o indivíduo mais ou menos cons- em defender-se e em fechar-se ao outro. Excepcionalmente nos cientemente utiliza o grupo e as relações sociais que mantém introvertidos, o eu social atenua-se e a personalidade toda é em seu grupo como instrumentos para satisfazer suas necessi- absorvida pelo eu íntimo. Por razões diferentes o eu social é dades psíquicas ou suas aspirações sociais. quase inexistente nos extrovertidos em quem o eu público ocupa todo o espaço vital. 3. Em terceiro lugar, o grupo é uma realidade da qual o indivíduo faz parte, mesmo aqueles que se sentem ignorados, 3. O terceiro conceito é o de "campo social". Para Lewin isolados ou rejeitados. Deste modo, cada vez que o grupo ou campo social é essencialmente uma totalidade dinâmica, cons- os grupos do qual um indivíduo faz parte, nominalmente ou tituída por entidades sociais coexistentes, não necessariamente artificialmente, sofre modificações em suas estruturas ou em sua integradas entre elas. Assim podem coexistir no interior de um dinâmica, seja por processos de crescimento, de separação, de mesmo campo social, grupos, sub-grupos, indivíduos separados diferenciação, de integração, de regressão ou de desintegração, por barreiras sociais ou ligados por redes de comunicações. ele se ressente necessariamente dos contragolpes. Seus valores, que caracteriza antes de tudo um campo social, são as posições suas necessidades, suas aspirações, suas expectativas aí encon- relativas que nele ocupam os diferentes elementos que o cons- tram gratificações ou frustações. A dinâmica de um grupo tem tituem. Estas posições são determinadas tanto pela estrutura do sempre um impacto social sobre os indivíduos que o consti- grupo como por sua gênese e sua dinâmica. tuem. Nenhum membro dela escapa totalmente. O campo social, para Lewin, é uma "gestalt", isto é, um 4. Finalmente, o grupo é para o indivíduo um dos ele- todo aos sub-grupos que nele coexistem e aos indi- mentos ou dos determinantes de seu vital. É no interior víduos que ele engloba. As propriedades dos sub-grupos ou a de um espaço vital, isto é, desta parte do universo social que personalidade de seus membros não poderiam então nos revelar lhe é livremente acessível que se desenvolve ou evolue a exis- a dinâmica dos laços que os constituem em um mesmo campo tência de um indivíduo. E o grupo é um setor deste espaço. social. A este respeito Lewin adverte o pesquisador contra todo a priori antropocêntrico. Pois é preciso constantemente disso- ciar e distinguir grupo e indivíduos, quando, de dentro, o obser- A adaptação social, em conclusão, consistiria, segundo vador procura descobrir e destacar os pólos, as valências e os Lewin, em concluir esta superação, em atualizar suas aspirações vetores que explicam as interações no interior de um mesmo e suas atitudes, em atingir seus objetivos pessoais, sem nunca campo social (67). A partir deste conceito de campo social forçar nem romper os laços funcionais com a realidade coletiva Kurt Lewin elabora suas primeiras hipóteses sobre a dinâmica ou o campo social em que o indivíduo se insere e que constitui dos pequenos grupos (77). Tais hipóteses, neste estágio de o fundamento de sua existência. seu pensamento, são em número de RESISTÊNCIAS EMOTIVAS À MUDANÇA SOCIAL 1. A primeira hipótese é que o grupo constitue o terreno sobre o qual indivíduo se mantém. Ele já havia formulado A adaptação social não pode definir-se operacionalmente, esta hipótese tentando preconizar o que deveria ser a pedagogia segundo Lewin, sem referência à mudança social. Vejamos o do jovem minoritário (73). Segundo os casos, o terreno pode detalhe de sua busca intelectual que o leva, por etapas, a enun- ser firme, frágil, móvel, fluido ou elástico. Sempre que uma ciar esta hipótese (82). pessoa não consegue definir claramente sua participação social Acabamos de revelar o que são, segundo Lewin, as inte- ou não está integrada em seu grupo, seu espaço vital ou sua rações constantes entre as atitudes coletivas e o campo social liberdade de movimento no interior do grupo serão caracteri- em que se exprimem. Abordando o problema da mudança so- zados pela instabilidade e pela cial, Kurt Lewin retoma este tema para precisá-lo e explicitá-lo.</p><p>56 GÉRALD BERNARD MAILHIOT E GÊNESE DOS GRUPOS 57 As atitudes coletivas que ele já definiu de várias maneiras, apa- 2. Acrescentam-se a estas tendências do eu as recem-lhe, desta vez, como um movimento provocado em um tendências do super-ego que representam os impera- grupo de indivíduos por forças objetivas que resultam de uma tivos da sociedade, tais quais foram interiorizados situação social dada. Para ele, o clima social, as situações de pelo grupo, ou as estruturas formais do momento social observado, são realidades tão objetivas quanto o clima psíquico, a situação 3. Um terceiro determinante é a própria situa- geográfica e a configuração do espaço físico em torno do indi- ção social concebida como o conjunto dos fragmen- víduo. As relações entre as realidades sociais e os comporta- tos do universo social com os quais ele está em esta- mentos do indivíduo não são, segundo Lewin, nem mais nem do de interdependência. menos constrangedoras que aquelas que- ele mantém com o universo psíquico. Em nas condições sociais exis- As tendências do eu e do super-ego constituem, para Lewin, tentes que constituem o espaço vital de um determinado indi- a dinâmica dos valores, enquanto a dinâmica dos fatos nos é víduo, ele pode escapar a certas pressões, recusar-se a certas dada pela situação social. Em consequência, toda situação obrigações mas por outro lado não pode subtrair-se, nem esca- social pode ser definida como um momento da história do par a certos condicionamentos. preciso, em certos mundo, explicando-se assim de uma parte, por seu passado obje- momentos, adotar tal tipo de comportamento ou conformar-se tivo, consistindo no encadeamento dos fatos e dos processos so- com tal atitude para responder às expectativas do grupo. Em ciais e, de outra, por seu passado subjetivo isto é, pelas repre- outros momentos, atitudes e comportamentos lhe serão impostos sentações coletivas que os indivíduos se fazem dos antecedentes pelo grupo. A liberdade de movimento e a escolha dependem desta situação assim como da gênese de seu próprio grupo. Mas do clima social que prevalece no grupo. O clima cultural no se o passado é determinante por um lado no condicionamento qual ele vive, a dinâmica da situação social na qual se encontra dos comportamentos de grupo e das atitudes coletivas, por outro, implicado, a estrutura do momento histórico do qual participa o futuro da situação social vivida o é muito mais para a maior com as pessoas que o rodeiam, constituem uma realidade obje- parte dos indivíduos. Lewin precisa: não somente o futuro obje- tiva: a totalidade dinâmica da qual depende neste momento tivo da situação ou os determinismos e a mecânica dos fatos preciso de seu crescimento. No interior desta totalidade sociais, mas também o futuro subjetivo da situação ou as re- mica encontram-se orientados, ou mesmo condicionados, seus presentações que os indivíduos implicados nesta situação se comportamentos grupo e suas atitudes sociais. fazem de sua evolução e de seu progresso, assim como as an- tecipações ou as apreensões que eles alimentam com respeito Kurt Lewin deduz então que a conduta de todo indivíduo à situação social em que vivem. Donde a necessidade, assinala em grupo é determinada, de uma parte, pela dinâmica dos fatos Lewin, de tornar claro a gênese e a dinâmica dos grupos à luz e, de outra, pela dinâmica dos valores que percebe em cada si- de um conceito fundamental em sociologia e em antropologia tuação. Ora, para ele (e é aqui que seu pensamento se torna cultural: o conceito de mudança social. explícito) o campo de forças que se destaca da interação dos Mudança social e controle social são para Lewin conceitos fatos e dos valores depende de três coisas: indissociáveis. fácil agora compreender o porquê. A única maneira de experimentar sobre mudança social, de extrapolar 1. Primeiro, depende das tendências do eu sua dinâmica essencial, é tentar do interior, de dentro, plani- concebidas como a maneira única pela qual cada ficá-la e controlá-la. Ou ainda, é conseguindo derrubar as re- indivíduo percebe cada instante presente em função sistências à mudança social que pode melhor chegar à com- de seu passado pessoal Suas percepções neste pla- preensão de seus processos e de seus mecanismos. Reencontra- no, são condicionadas por sua sensibilidade geral, as mos aqui os propósitos que Lewin defendia sobre a pesquisa orientações fortuitas de seu ser, suas capacidades de de campo em oposição à pesquisa em laboratório. atenção afetadas ou estimuladas por seus estados Ora, para Lewin, duas atitudes típicas podem ser observa- nervosos e suas preocupações materiais e morais. das em relação a toda mudança social. A atitude conformista</p><p>58 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 59 condicionada pelas percepções sociais cristalizadas que perce- mudança. Suas manobras são geralmente clandestinas e tendem bem toda mudança do statu quo como catastrófica. A atitude a criar climas de grupo que tornam as transformações sociais não conformista, ao contrário, é inspirada pelas percepções so- provisoriamente impossíveis, de modo a não comprometer seus ciais que antecipam toda mudança do statu quo como desejável privilégios adquiridos. No caso precedente o grupo seria ma- e esperada. Geralmente, neste último caso, nota Lewin, as per- joritário ou totalmente conformista. Nenhuma mudança social cepções e as atitudes dos não-conformistas não são suficientes se opera então. No caso presente os elementos conformistas para transformá-los em agentes de transformação social pelo estão em minoria, as mudanças sociais não se operam senão fato de não possuírem as técnicas de comunicação que lhes per- lentamente e na superfície, em razão de suas resistências à mitiriam operar as mudanças de clima e de atitudes no meio mudança. que desejam ver evoluir. Daí a necessidade de se poder contar, no momento em que uma mudança social se torna desejável, 3. Lewin menciona enfim o caso dos grupos não-confor- com grupos-testemunhos compostos, como vimos anteriormente, mistas no interior dos quais a totalidade ou a maioria dos mem- de átomos sociais radioativos, segundo as próprias palavras de bros experimenta e sente uma inclinação para a mudança. Nestes Lewin, que possuam ou dominem as técnicas de grupo tornan- grupos, as percepções de grupo, as atitudes coletivas, os com- do-os aptos a vencer as resistências emotivas à mudança social portamentos de grupo são polarizados por uma aspiração dos a ser introduzida no meio observado. membros em crescer e em superar a sim mesmos como grupo. A mudança social implica em uma modificação do campo Nestes grupos as estruturas formais são flexíveis e funcionais. dinâmico no qual o grupo se encontra. Conforme se realize ou Elas favorecem entre eles relações interpessoais, laços de inter- não esta modificação, o observador-participante, que é o ex- dependência e interações cada vez mais dinâmicos. perimentador preconizado por Lewin, pode identificar três tipos Como excelente guestaltista Lewin conclui que a mudança de fenômenos distintos em relação à mudança social. social para se operar exige que sejam modificadas as relações dialéticas que unem os três elementos seguintes: 1. Ou os grupos não sentem nem experimentam nenhum 1. as desejo, nenhuma aspiração a evoluir, a mudar É o caso de 2. as estruturas das consciências que vivem todos os grupos conformistas que se comprazem nas percepções nesta situação social. estereotipadas da situação social e cujas atitudes coletivas e 3. os acontecimentos que surgem nesta mes- comportamentos de grupo são determinados e condicionados por ma situação social. preconceitos. Para diagnosticar estes casos Lewin recorre ao Mas o fator determinante que tornará possível a mudança termo constância social. Atualmente os psicólogos sociais em- social, será sempre o clima de grupo dominante. Ora, o clima pregariam de preferência os termos de esclerose social ou mes- de um grupo, descobre então Lewin (71), é sempre determi- mo de necrose social para caracterizar o que não constitui mais nado pelo tipo de autoridade que nele se exerce. Daí porque, uma dinâmica de grupo, mas uma estática de grupo, de tal enuncia Lewin, modificar as atitudes coletivas ou produzir uma modo as estruturas formais absorveram ou anularam em uma mudança social consiste, na quase totalidade dos casos, em in- estratificação cristalizada as dimensões funcionais destes grupos. troduzir um novo estilo de autoridade ou uma nova concepção do poder no interior da situação social que se quer fazer evoluir. 2. No caso precedente a mudança social tem pouca ou EXPERIMENTAÇÃO E AÇÃO SOCIAL nenhuma possibilidade de se operar de tal modo o statu quo é valorizado. No caso presente, a mudança social é iniciada. e Na noite que precedeu sua morte Kurt Lewin havia terminado desejada pelos elementos não-conformistas do grupo. Mas estes a redação de um artigo sobre a "pesquisa-ação" que deveria últimos encontram resistencias da parte dos membros do grupo aparecer em uma revista científica americana: "The Journal of que têm interesses investidos no statu quo. Os elementos con- Social Psychology". Os editores do livro póstumo "Resolving formistas freiam então ou tentam contrariar as tentativas de social conflicts" incluíram este artigo entre aqueles que reuniram</p><p>DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 61 60 GÉRALD BERNARD MAILHIOT B. Em uma segunda etapa, trata-se de deduzir, sobre este tema (108). Este artigo contém as últimas formu- de prever ou de derivar destas análises, conjeturas lações do pensamento de Lewin sobre o que deveria ser a sobre a posível evolução destas percepções de grupo. experimentação e a pesquisa em psicologia social. Aliás, me- C. Finalmente, uma terceira etapa terá como lhor que em outras partes de sua obra, aí se encontram enun- objetivo descobrir e prever os novos modos de com- ciados e explicitados os objetivos, as condições de validade e portamentos de grupo que estarão em harmonia com as etapas da a reestruturação das percepções de grupo. 1. Para Lewin a pesquisa em psicologia social deve ser uma ação social. Será nesta medida que ela terá possibilidade Lewin preconiza que, através deste diagnóstico e deste do- de escapar às miragens dos esquemas pseudo-clássicos da ex- mínio do grupo chegar-se-á a um controle mais funcional das perimentação. Para conhecer os fenômenos de grupo do inte- atitudes do grupo. O objetivo estratégico a atingir, inicialmente, rior, não do exterior, o experimentador deve tentar, inicialmen- é tornar grupos e sub-grupos conscientes e lúcidos da dinâmica te, objetivar-se à seu respeito, conseguir percebê-los como ges- inerente à em evolução. Não é senão a partir talts, depois, para descobrir sua dinâmica essencial, deve em- deste momento que sub-grupos e grupos aceitarão corretivos e preender de dentro a tarefa de reestruturá-los de modo a fa- complementos às suas percepções de grupo. Suas percepções vorecer e acelerar a sua transformação. de grupo e, em seguida, suas atitudes coletivas assim como seus comportamentos de grupo, passam do subjetivo ao objetivo, 2. Duas condições parecem essenciais a Lewin para asse- do pessoal ao situacional. Sem ruptura, sem negação, mas pri- gurar a validade de uma tal experimentação: meiro por sincronização, e depois por sintonização. A experimentação em psicologia social, tornando-se uma A. Ela deve operar-se em pequenos grupos en- permite aos pesquisadores encontrar no campo, por gajados em problemas sociais reais e preocupados ocasião de uma ação social, boas condições para descobrir as em se reestruturar para, de modo mais funcional, se constantes e as variáveis em jogo na transformação de um agru- inserirem na situação social onde procuram atingir seus objetivos. pamento humano. Os processos e os determinantes da gênese dos grupos, as leis essenciais da dinâmica dos grupos poderão, B. Ela deve ser realizada por pequenos grupos- assim, pouco a pouco, serem definidas. Para serem científicas -testemunhas, compostos de experimentadores que estas definições deverão ser operacionais. Elas correrão o risco estejam engajados e motivados em relação a mudan- de nunca o serem, se a experimentação continuar a ser realiza- ças sociais que querem introduzir. A autenticidade da em laboratório. Pois quem nos assegura que os grupos re- de suas motivações lhes permitirá serem aceitos pelos constituídos artificialmente em laboratório constituem verdadei- grupos nos quais realizam as experiências e proce- ramente grupos ? Na maioria das vezes, senão sempre, os indi- derem à sua experimentação a título de membro-par- víduos agrupados para fins experimentais não conseguem inte- ticipante integrado totalmente na dinâmica do grupo grar-se e continuam a funcionar de modo individualista, defen- observado. dendo-se contra as manipulações de que são objeto mais ou 3. Enfim, segundo Lewin, a experimentação em psicolo- menos traumatizados. Lewin teve o mérito de tornar a psico- gia social deve realizar-se em três etapas essenciais. Todas três logia social consciente dos obstáculos que a pesquisa teria de enfrentar caso continuasse a ser realizada em laboratório. Seu procuram operar uma mudança social através de um controle social mais funcional das atitudes coletivas e dos comportamen- gênio consistiu em abrir novos caminhos, novas vias à pesquisa, tos de grupo. em lhe fornecer uma metodologia e perspectivas que levaram a descobertas inesperadas antes dele. A. A primeira etapa consiste em um levanta- mento ou análise das percepções de grupo que ca- racterizam os indivíduos, os sub-grupos e o grupo.</p><p>CAPÍTULO QUINTO COMUNICAÇÃO HUMANA E RELAÇÕES INTERPESSOAIS Os quatro primeiros capítulos foram consagrados vamente a Kurt Lewin. Até aqui o leitor pode seguir a evolu- ção do seu pensamento e das suas pesquisas, constatar a que ponto seus trabalhos e seus experimentos em psicologia social marcam uma ruptura com o passado e um progresso decisivo na História das Ciências Sociais. Por outro lado, tomamos conhecimento de como Kurt Lewin, desde sua chegada à Amé- rica, preocupou-se em definir cientificamente aquilo que ele foi o primeiro a chamar de "dinâmica dos Com esta fi- nalidade questionou e redefiniu as metodologias e as teorias tradicionais em psicologia social Uma vez definidos de modo operacional as exigências de validade e os esquemas de expe- rimentação, Kurt Lewin lançou-se, simultaneamente, à explora- ção de três problemas-chaves que o levaram a descobertas sobre a gênese e a dinâmica dos agrupamentos humanos, considerados atualmente geniais (65), (71), (86), (92) (94), (99). Os três próximos capítulos tratarão sucessivamente destes três problemas. De início estabeleccremos a colaboração dada por Lewin à compreensão de cada um destes problemas. Des- tacaremos, depois, os progressos realizados a partir de Lewin. O leitor poderá, então, descobrir como um grande número das hipóteses de Kurt Lewin continuam a inspirar os pesquisadores em psicologia social. Algumas de suas hipóteses foram explici- tadas posteriormente, outras sofreram modificações ou foram reformuladas, mas na maioria dos casos elas foram verificadas. Os três capítulos seguintes tentarão mostrar que as descobertas mais definitivas em psicologia social após a morte de Lewin foram realizadas a partir de esquemas guestaltistas e no interior de projetos de pesquisas-ações sobre os micro-fenômenos de grupo. O balanço dos dados adquiridos desde Lewin sobre estes três problemas-chaves, à saber: a comunicação humana, o apren-</p><p>64 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 65 dizado da autenticidade, o exercício da autoridade em grupo de diagnóstico podem parecer banais em nossos dias. Mas na época trabalho; estabelecerá concretamente para o leitor a que ponto ela foi formulada pela primeira vez, desde que seres humanos as intuições de Lewin foram geniais e os caminhos por ele aber- se aplicavam a trabalhar em grupo. Desta hipótese Kurt Lewin tos, ricos em promessas de descobertas. quis extrapolar uma implicação imediata. "Se minha hipótese é válida, teremos que consentir em questionar nossos modos UMA INTUIÇÃO DE GÊNIO atuais de comunicação e, se preciso, aprender modos mais fun- cionais de comunicar entre nós. E isto só será possível, em As descobertas de Kurt Lewin sobre a comunicação humana minha opinião, se paralelamente às nossas sessões de trabalho, ocorreram quase por acaso. Situações semelhantes já haviam mantivermos encontros nos quais nos reencontraríamos todos se apresentado muitas e muitas vezes desde que seres humanos juntos, fora de todo contexto de trabalho, preocupados tão so- tentam trabalhar em grupo. Foi preciso o gênio de Lewin, sua mente em nos comunicar de modo autêntico. Para que este capacidade de atenção, de vigilância e seu acompanhamento dos aprendizado seja válido e favoreça realmente a evolução de processos em causa no grupo de trabalho, para identificar com nossa equipe trabalho uma condição me parece essencial: tanta perspicácia e penetração o obstáculo fundamental à inte- todos devem esta. de acordo em participar e com vontade de gração dos agrupamentos humanos e à sua criatividade. aprender a comunicar de modo autêntico". Vejamos agora, refeitas e reconstituídas, as circunstâncias Pela primeira vez, na história da humanidade, um concretas desta descoberta de Lewin, tal como foram evocadas de pessoas, implicadas na realização de uma mesma tarefa, di- por seus colaboradores bem próximos, testemunhas oculares do rigiam a auto-avaliação de seu trabalho de grupo não sobre acontecimento (14), (114). Kurt Lewin conseguira desde há conteúdo de suas discussões e de suas decisões, mas, segundo algum tempo agrupar em torno dele uma equipe de pesquisado- a expressão de Lewin, sobre os processos de suas trocas. Como res e organizar com eles seu Centro de Pesquisas em Dinâmica o capítulo seguinte será sobre aprendizado da autenticidade", dos Grupos, no M.I.T. Os projetos de pesquisas em curso eram torna-se mais funcional então destacar tudo o que esta primeira numerosos, os recursos financeiros abundantes, o ardor e o experiência, nunca antes tentada, de sensibilização para as re- fervor ao trabalho evidentes. Todos pareciam altamente mo- lações humanas, comportava de implicações para a psicopeda- tivados e aparentemente sem restrição adeptos das hipóteses de gogia do trabalho em grupo. No momento lembraremos que Lewin sobre a gênese e a dinâmica dos grupos que, em con- Lewin e seus colaboradores, desde que consentiram em dialogar junto, tentavam então verificar experimentalmente. Todavia, nos tomaram consciência de que suas relações interpessoais, aparen- momentos de auto-avaliação de seu trabalho, realizado perio- temente confiantes e positivas, eram de fato inautênticas pelo dicamente, tinham deplorado por diversas vezes a falta de in- fato de não terem como base comunicações abertas entre eles. tegração real da equipe, o ritmo lento e artificial do encami- somente existia entre eles e neles fontes insuspeitáveis de nhamento de seus trabalhos, os parcos recursos inventivos e a bloqueios, mas estes bloqueios, criando zonas de silêncio, com- fraca engenhosidade manifestados na exploração dos problemas prometiam as próprias comunicações que chegavam a estabe- estudados. Kurt Lewin, que participava fielmente destes encon- lecer-se eles. Estas corriam constantemente o risco de tros de auto-crítica, havia falado pouco até aquela data e, se- serem filtradas em virtude de não serem preparadas num clima gundo seu hábito, escutara com uma atenção constante a ex- pressão de descontentamento dos colaboradores. Um dia, en- tretanto, no momento em que a auto-avaliação parecia uma vez Desde que conseguiram assinalar as fontes de bloqueio e mais encaminhar-se para uma constatação negativa, Kurt Lewin, de filtragem em suas comunicações, suas relações interpessoais em tom modesto, quase se desculpando, a título de sugestão, evoluíram, tornando-se mais autênticas, e deu-se a integração enunciou a seguinte hipótese: "se a integração entre nós não se entre eles no plano do trabalho. A coesão e a solidariedade realiza e se, paralelamente, nossas pesquisas progridem tão pou- resultantes mudaram profundamente a atmosfera de suas ses- co, tal fato pode ocorrer em razão de bloqueios que existiriam de trabalho. Estas conseguiram, a partir deste momento, entre nós ao nível de nossas comunicações". A hipótese e o ritmos crescentes de produtividade e de criatividade.</p><p>66 GÉRALD BERNARD MAILHIOT E GÊNESE DOS GRUPOS 67 NECESSIDADES INTERPESSOAIS se perceber e em se sentir aceito, integrado, valorizado total- mente por aqueles aos quais se junta. Tentará também, segun- A experiência preparada por Lewin e tentada por ele no do modalidades determinadas pela série de variáveis individuais, M.I.T. com seus colaboradores mostrou-se concludente. Eles verificar seu grau de aceitação, procurando provas de que não é descobriram que a produtividade de um grupo e sua eficiência ignorado, isolado ou rejeitado por aqueles que percebe como estão estreitamente relacionadas não somente com a competên- os preferidos do grupo. É sobretudo no momento das tomadas cia de seus membros, mas sobretudo com solidariedade de suas de decisão, nota Schutz, que esta necessidade procura ser sa- relações interpessoais. tisfeita da maneira mais imperiosa. Um membro sente-se defi- Mais adiante, o próprio Lewin (92) e alguns de seus dis- nitivamente incluído no grupo ao se perceber como um partici- cípulos (17), (31), (33), (42), tentarão fazer novas pante integral de cada uma das fases do processo de tomada cias sobre este fenômeno e destacar as implicações desta desco- de decisão. Esta necessidade é, portanto, a expressão do desejo berta. Mas quem levará mais longe a exploração e a análise que experimenta todo membro de um grupo de possuir um da dinâmica dos grupos de trabalho será um psicólogo america- status positivo e permanente no interior do grupo, em não se no, professor em Harvard, W. C. Schutz. O resultado de seus sentir em nenhum momento marginalizado pelo grupo. trabalhos é publicado em 1958 em um livro que inclui ao Segundo o grau de maturidade social de cada indivíduo, mesmo tempo uma teoria dos comportamentos interpessoais e segundo seu nível de socialização, a necessidade de inclusão um instrumento por ele preparado que permite avaliar a qua- condicionará e determinará atitudes em grupo mais ou menos lidade funcional da teoria (137). adultas, mais ou menos evoluídas. Os indivíduos menos sociali- O que devemos reter aqui e que marca um progresso no- zados procuram integrar-se ao grupo adotando atitudes de de- tável sobre as teorias esboçadas por Lewin e que repousavam pendência, sobretudo em relação membros que possuem apenas sobre dados forçosamente provisórios naquele momento, um status privilegiado. É o caso dos membros socialmente in- são as luzes trazidas por Schutz sobre a interdependência e a fantis. Por outro lado, aqueles que não superaram a fase da estreita correlação que existe em todo grupo de trabalho entre revolta típica da adolescência tentam impor-se ao grupo através seu grau de integração e seu nível de criatividade. Mas onde de atitudes de contra-dependência e forçar assim sua inclusão Schutz inova realmente é através de sua teoria das "necessida- no grupo. Enfim, os indivíduos melhor socializados, segundo des interpessoais". Com este conceito Schutz pretende espe- Schutz, são os únicos que encontram em suas relações interpes- cificar seguinte: os membros de um grupo não consentem em soais cada vez mais positivas, uma satisfação adequada à sua integrar-se senão a partir do momento em que cértas necessida- necessidade de inclusão, adotando para com os outros membros des fundamentais são satisfeitas pelo grupo. Estas necessidades, do grupo atitudes ao mesmo tempo de autonomia e de interde- para Schutz, são fundamentais porque todo ser humano, que pendência. se-reúne em um grupo qualquer, as experimenta ainda que em Por outro lado, estas necessidades, segundo ele, 2. Para Schutz, a necessidade de controle consiste, para são interpesscais no sentido de que somente em grupo e pelo cada membro, em se definir para si mesmo suas próprias res- grupo elas podem ser satisfeitas adequadamente, ponsabilidades no grupo e também as de cada um que com ele Ao longo de demoradas e sistemáticas pesquisas, Schutz forma o grupo. Em outras palavras, é a necessidade que expe- consegue identificar como fundamentais três necessidades inter- rimenta cada novo membro de se sentir totalmente responsável pessoais. Estas necessidades a necessidade de inclusão, por aquilo que constitui o grupo: suas estruturas, suas ativida- a necessidade de controle e a necessidade de afeição. Que en- des, seus objetivos, seu crescimento, seus progressos. O grupo tende por estes três termos? ao qual ele adere, do qual participa, está sob controle de quem? Quem tem autoridade sobre quem, em quê e por que? 1. Schutz define a necessidade de inclusão como a neces- Todo membro novo busca índices e critérios que lhe permitam sidade que experimenta todo membro novo de um grupo em responder estas questões e, pouco a pouco, sentir-se seguro à</p><p>68 GÉRALD BERNARD MAILHIOT E GÊNESE DOS GRUPOS 69 medida que consegue delinear de modo articulado as estruturas relação ao controle, tentam satisfazer suas necessidades de afeto do grupo e as linhas de autoridade. através de relações privilegiadas, exclusivas e geralmente posses- Todo membro de um grupo deseja e sente a necessidade sivas. Adotam então atitudes infantis, esperando ser percebidos de que a existência e a dinâmica do grupo não escapem total- mente a seu controle. Também aqui, conforme seu grau de e aceitos no papel de criança mimada do grupo, não desejando senão receber. Desejam secretamente estabelecer em grupo re- socialização, esta necessidade se expressará e tentará satisfazer- -se de modo mais ou menos evoluído. Os menos socializados, lações hiperpessoais. Aqueles que, ao contrário, se sentem rejei- aqueles que há pouco, no plano da inclusão, mostravam-se de- tados ou ignorados pelo grupo, cedem a mecanismos que os pendentes, adotarão atitudes infantis ao exprimir sua necessidade psicanalistas chamariam de bom grado, mecanismos de for- de controle. Tenderão a demitir-se de toda responsabilidade e mação reacional. Estes adotam, como uma reação de defesa contra as necessidades de afeição que experimentam, atitudes a delegá-la a outros, àqueles que percebem como dotados de adolescentes de aparente indiferença ou frieza calculada. Pre- poder carismático. Em adotam aquelas atitudes conizam, quando não reclamam, relações unicamente formais e que Schutz qualifica de abdicadoras. Aqueles que se sentem estritamente funcionais entre os membros. Não querem ou não rejeitados e mantidos à margem das responsabilidades no grupo, tenderão a cobiçar poder e a querer, se preciso, assumir sozi- podem dar nem receber. Furtam-se assim a toda tentativa de estabelecer a solidariedade interpessoal sobre uma base mais nhos o controle do grupo. Estes últimos adotam em grupo, cada vez que lhes são confiadas responsabilidades, atitudes de profunda de amizade. Ocultam sistematicamente sua necessidade de afeição e mostram-se como hipopessoais. Enfim, os mais autocratas. Alguns chegam mesmo a ambicionar a responsabili- altruístas, os mais socializados, não obedecem nem a mecanis- dade primeira e absoluta do grupo. Os mais socializados, enfim, mos de defesa nem a mecanismos de compensação. Desejam os possuidores de maior maturidade social, têm tendência a se mostrar democratas, isto é, a pensar e a querer o controle do ser aceitos totalmente e afeiçoados ao grupo pelo que são. Mas neles esta necessidade de afeição encontra plena satisfação nos grupo em termos de responsabilidades partilhadas. laços de solidariedade e de fraternidade que se estabelecem entre 3. A terceira e última necessidade interpessoal, conside- eles e os outros membros do grupo. Somente estes, porque tor- rada como fundamental por Schutz em toda dinâmica de grupo, naram-se capazes de dar e de receber afeição, estabelecem suas necessidade de afeição. Este termo não é muito feliz. Tem-se relações em nível autenticamente interpessoal. prestado, muitas vezes, a ambigüidades e equívocos. A necessi- dade de afeição que sentem em graus diversos e segundo moda- EXPRESSÃO DE SI E TROCAS COM O OUTRO lidades diferentes, por vezes opostas, os indivíduos que devem ou querem viver ou trabalhar em grupo, consiste, segundo Schutz, As teorias de Schutz sobre as necessidades interpessoais em querer obter provas de ser totalmente valorizados pelo marcam um evidente progresso sobre algumas das descobertas grupo. Em outras palavras, é o secreto desejo de todo indiví- de Lewin. Schutz, entre outros, conseguiu explicar-nos expe- duo em grupo de ser percebido como insubstituível no grupo: rimentalmente o que Lewin havia percebido de modo intuitivo, cada um procura recolher sinais concludentes ou convergentes a saber: como e porque um grupo que não concluiu sua inte- de que os outros membros não poderiam imaginar o grupo sem gração é incapaz de criatividade duradoura. Por outro lado ele. Não somente aquele que se junta a um grupo aspira a ser Schutz não conseguiu ir além do nível das relações interpessoais. respeitado ou estimado por sua competência ou por seus recur- Com a ajuda de instrumentos validados por ele, diagnosticou mas a ser aceito como pessoa humana, não apenas pelo com muito acerto e não sem mérito, que há uma equação entre a que tem, mas também pelo que é. integração de um grupo, a solidariedade interpessoal de seus Para Schutz, a expressão desta necessidade de afeição é for- membros e a satisfação em grupo e pelo grupo das necessidades temente condicionada e determinada pelo grau de maturidade de inclusão, de controle e de afeição de seus membros. Mas social do indivíduo. Alguns, os mesmos que há pouco mostra- eis o que lhe escapou e que Lewin havia pressentido antes dele: vam-se dependentes no plano da inclusão, e abdicadores em as relações interpessoais não podem tornar-se mais positivas, mais socializadas e grupo integrar-se de modo definitivo, en-</p><p>70 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 71 quanto subsistirem entre os membros fontes de bloqueios e de iniciar e estabelecer o contato com o outro. A comunicação filtragens em suas comunicações. A gênese de um grupo e sua verbal é a mais a mais habitual, pelo menos no dinâmica são determinadas, em última análise, pelo grau de Ocidente. Entre os povos latinos, sobretudo, ela tem tendência autenticidade das comunicações que se iniciam e se estabelecem a tornar-se o instrumento preferido, senão exclusivo, de comu- entre seus membros. Já se aceita como um dado de realidade nicação com o outro. que somente em um clima de grupo em que as comunicações Todo recurso a outro instrumento que permita ou favoreça são abertas e autênticas, as necessidades interpessoais podem o contato com o outro, é classificado pelo termo genérico de encontrar satisfações adequadas. Lewin teve grande mérito comunicação não verbal. Pertencem a este tipo de comunicação de, a partir desta descoberta, orientar suas próprias pesquisas os gestos, as expressões faciais, as posturas. Mesmo os silên- no M.I.T. para a comunicação humana (86), (89), (90), cios e as ausências no interior de certos contextos podem tornar- (92), (95), (105). Desde então os teóricos e os práticos da -se significativos e carregados de mensagens para o outro e, dinâmica dos grupos não cessaram de orientar sistematicamente segundo as situações, ora podem ser percebidos pelo outro seus trabalhos e suas observações sobre este problema a fim como expressões de coragem, ora como omissões ou covardias. de conhecê-lo de modo sempre mais científico (3), (5), (12), Comunicação verbal e comunicação não verbal não estão (17), (33), (116), (121), (126), (136). Graças a este es- sempre sincronizadas e sintonizadas no mesmo indivíduo. Às forço combinado e prolongado, os dados adquiridos são nume- vezes o não-verbal está em dissonância com verbal, trai o rosos. Todos têm centrado o estudo sobre a expressão de si eu íntimo que o verbal tenta camuflar. Talleyrand já aconse- na troca com o outro: como comunicar com o lhava aos diplomatas: "as palavras nos foram dadas para en- o diálogo se estabeleça. Eis aqui os dados: cobrir nossos pensamentos". Gestos bruscos, cortantes, acom- 1. A explicação científica da natureza da comunicação panham muitas vezes palavras melosas, doces, que dissimulam humana data das descobertas da cibernética. Foi no M.I.T. mal um estado de irritação interior. que elas se realizaram em estreita colaboração com o "Research Então, como integrar o verbal e o não-verbal em uma center for group dynamics". Haviam sido iniciados quando mesma comunicação ? Sobre este ponto descobertas recentes Lewin ainda vivia e prosseguiram após sua morte com a ajuda mostraram-se decisivas para a compreensão da autenticidade de um dos mais dedicados de seus discípulos: A. Bavelas. nas comunicações humanas. A comunicação humana que pre- Pouco a pouco tornou-se possível definir o que é, essencialmente, tende ser exclusivamente verbal corre o risco de intelectualizar- a comunicação humana. Ela só existe realmente, quando se -se, de se tornar Por outro lado, a comunicação estabelece entre duas ou mais pessoas um contato psicológico. que pretendesse dissociar-se de todo recurso à linguagem seria Não é suficiente que as pessoas com desejo de comunicação se dificilmente inteligível ao outro, pelo fato de não recorrer a falem, se escutem ou mesmo se compreendam. É preciso uma simbolização na expressão de si. No Ocidente, a partir A comunicação humana entre elas existirá quando e todo o de Lewin, a dinâmica dos grupos tem contribuído muito para tempo em que conseguirem se reencontrar. revalorizar a comunicação não-verbal e a expressão corporal do 2. As pesquisas assinaladas acima permitiram distinguir indivíduo. Ela pode estabelecer que somente uma comunicação entre vários tipos de comunicação humana. A comunicação que seja verbal e não-verbal ao mesmo tempo tem condições varia segundo os instrumentos utilizados para estabelecer o con- de ser adequada. A integração funcional e orgânica destes dois tato com o outro, segundo as pessoas em processo de comuni- modos de expressão do eu choca-se, sobretudo no plano não cação, enfim, segundo os objetivos em vista. verbal, contra tabus e proibições coletivas ou ainda contra re- sistências emotivas cuja fonte é geralmente a personalidade pro- A. Os instrumentos. funda do indivíduo em causa. O capítulo seguinte tentará ana- lisar como cada um deve descobrir por si mesmo, e adotar Quanto aos instrumentos empregados, a comunicação pode modos de expressão não verbal do eu que sejam, neste momen- ser verbal se alguém utiliza a linguagem oral ou escrita para to de seu processo de transformação de suas relações com</p><p>72 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 73 outro, aceitáveis tanto para ele como para o outro e aceitáveis cação consumatória é sempre acompanhada de gratuidade e de no contexto cultural em que este relacionamento interpessoal espontaneidade. se insere e se atualiza. Esta integração não poderá nunca ser A comunicação instrumental, ao contrário, é sempre utili- considerada definitivamente adquirida. Para permanecer funcio- tária e comporta sempre segundas-intenções. A troca com o nal ela exige questionamentos contínuos e uma capacidade jamais outro é procurada, preparada e estabelecida para fins de mani- atrofiada de aprendizagem, de flexibilidade, de autonomia e pulação, mais ou menos confessáveis. Estão neste caso as men- uma grande liberdade interior. sagens publicitárias ou ainda os slogans da propaganda política. Na comunicação consumatória o outro é percebido como um B. As pessoas. sujeito ao encontro de quem se vai e com quem se deseja co- municar; na comunicação instrumental, o outro é percebido como Quanto às pessoas implicadas é preciso distinguir entre um objeto a explorar, a seduzir ou a enganar, com o objetivo comunicação a dois ou comunicação de grupo. As comunica- de assegurar certos ganhos e satisfazer alguns interesses. ções a dois podem ser pessoais, quando constituem um encon- Algumas implicações podem desde logo serem destacadas tro entre dois seres que se percebem em relação de reciproci- sob forma de teoremas: dade ou de complementariedade, como na amizade, no amor 1. Quanto mais o contato psicológico se estabe- ou na fraternidade. Esta comunicação, se autêntica, tende a durar e aspira à permanência. Mas as comunicações a dois de em profundidade, mais a comunicação humana terá possibilidades de ser autêntica. podem ser autênticas mesmo quando provisórias. É o caso das comunicações a dois chamadas profissionais. O profissional con- 2. Quanto mais a expressão de si conseguir in- sultado e a pessoa consultante estabelecem entre eles comuni- tegrar a comunicação verbal e a não-verbal, mais a cações verticais: o profissional dá, o consultante recebe. O pri- troca com o outro terá condições de ser autêntica. meiro deve dar provas de competência e de consciência, o se- gundo possui direitos a serviços profissionais adequados. Este 3. Quanto mais a comunicação se estabelecer tipo de comunicação duas pessoas, por sua própria na- de pessoa a pessoa para além dos personagens, das tureza, não poderia ser senão temporária e provisória pela boa máscaras, dos status e das funções, mais terá possi- bilidade de ser autêntica. razão de que tende a fazer evoluir o consultante e a torná-lo autônomo em relação ao profissional consultado. 4. Quanto mais as comunicações intra-grupo As comunicações de grupo podem ser distinguidas entre forem abertas, positivas e solidárias, mais as comu- comunicações intra-grupo, quando se estabelecem entre os mem- nicações inter-grupos terão possibilidade, em conse- bros de um mesmo grupo, e comunicações inter-grupos, quando de serem autênticas e de não servirem de constituem contatos e trocas entre dois ou vários grupos. evasão ou de compensação a uma falta de comuni- cações internas em seu próprio grupo. C. Os objetivos. 5. Quanto mais as comunicações humanas fo- rem consumatórias (isto é, encontros de sujeito a Quanto aos objetivos, podemos distinguir entre comunica- sujeito), menos elas serão instrumentais (isto é, ma- ção consumatória e comunicação instrumental. A comunicação nipulações do outro) e mais possibilidades terão de consumatória tem por fim exclusivo a troca com o outro. Ela se tornarem alocêntricas e autênticas. pode apresentar-se sob formas prosaica, "falar por falar", ou adotar formas evoluídas, como o caso do espírito criativo que, VIAS DE ACESSO AO OUTRO. habitado por um sonho constante, sente a imperiosa necessidade de comunicar ao outro seu universo pessoal. Mas sejam quais As distâncias físicas entre os seres e entre os agrupamentos forem as modalidades pelas quais ela se manifesta, a comuni- humanos foram quase abolidas pela técnica moderna, sobretudo</p><p>74 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 75 após as descobertas inesperadas da eletrônica. Tornou-se Canais e media de comunicação constituem uma rede de co- vel em nossos dias entrar em comunicação com o outro a dis- municação cada vez que são estruturados e articulados de modo tância, graças aos media de comunicação. Estes últimos torna- a tornar aqueles que estão agrupados no interior de um deter- ram-se cada vez mais possantes, cada vez mais adequados ao minado meio, acessíveis uns aos outros. Em uma rede, media ponto de, presentemente, sobre o planeta Terra existirem cada e canais estão ligados entre si, interdependentes. Segundo o vez mais seres humanos em proximidade física uns dos outros. grau de organização ou de estratificação do meio, aqueles que Mas a comunicação humana não pode se iniciar nem se aí trabalham ou vivem terão uma consciência mais ou menos estabelecer, enquanto subsistirem distâncias psicológicas a trans- explícita dos caminhos e das direções que devem seguir para por entre aqueles que querem entrar em comunicação. Sobre atingir o outro e comunicar-se uns com os outros. este ponto a dinâmica dos grupos, durante e após o tempo de Lewin, multiplicou suas pesquisas. Os dados adquiridos então RELAÇÕES IGUALITÁRIAS E RELAÇÕES permitiram definir operacionalmente os requisitos e os pressu- HIERAROUIZADAS postos de toda comunicação humana. Constitui um pré-requisito para todos que queiram entrar em comunicação, assinalar e Quanto mais forem expontâneas as vias de acesso ao outro identificar as vias de acesso ao outro, aceitá-las e nelas se en- e menos formais os canais de comunicação, mais a comunicação gajar As vias de acesso ao outro são chamadas canais de com ele têm possibilidade de tornar-se adequada e autêntica. municação. Entretanto não é suficiente saber como ter acesso Esta conclusão está na origem dos trabalhos do especialista em ao outro, mas também quando ele pode ser ou tornar-se recep- dinâmica dos grupos, A. Bavelas, já citado, sobre os diversos tivo às mensagens que lhes são dirigidas. Perceber objetivamente tipos de redes de comunicação (12). os momentos psicológicos e as ocasiões de receptividade do Bavelas conseguiu isolar quatro tipos distintos de redes de outro é uma arte que poucos seres humanos conseguem dominar comunicação, definir cada um deles operacionalmente e, assim, definitivamente e que supõe capacidades de empatia excepcionais. determinar exatamente em que situações de grupo eles se ori- Alguns canais de comunicações são formais, oficiais, arti- ginam e se articulam. De fato estes quatro tipos de redes não culados. Nestes casos, o outro não se torna acessível senão podem ser observados senão em grupo e em grupo de trabalho. através de caminhos nitidamente definidos, cujas entradas são reguladas por um processo mais ou menos rígido. É o caso 1. Duas destas quatro redes são definidas como horizon- do protocolo que precisamos respeitar para entrar em contato tais. Elas têm de específico o seguinte: estes dois tipos de redes com os grandes deste mundo ou os personagens-chaves de certos não podem aparecer, nem se estabelecer, senão em clima de meios organizados. Quanto maior for a disparidade de status grupo igualitário, isto é, unicamente no interior de grupos em existente entre dois interlocutores, mais aquele cujo status é que cada indivíduo se percebe como membro participante, go- inferior deverá preocupar-se em descobrir as vias formais atra- zando de um status de perfeita igualdade em relação aos outros vés das quais poderá aproximar-se daquele cujo status é privi- membros. legiado. Outros canais de comunicação são espontâneos. É o caso de interlocutores entre os quais as comunicações são aber- A. Bavelas denomina a primeira destas duas tas, confiantes e que se percebem acessíveis um redes horizontais de rede em Segundo ele, ao outro. Enfim podem existir canais de comunicações esta constitui uma rede perfeita que não pode existir tinos. Eles aparecem nos meios organizados onde a autoridade senão em grupo ou estruturas de trabalho e de poder se exerce de modo autocrático. Cedo ou tarde, para sobreviver que sejam realmente democráticas. Eis as às arbitrariedades do poder, aqueles que devem viver ou tra- Com efeito, para o líder democrático, exercer a balhar em contextos semelhantes, tentam descobrir ou estabe- autoridade consiste essencialmente em tornar-se ao lecer com a autoridade absoluta contatos não oficiais a fim de mesmo tempo um catalizador e um coordenador se manterem nas boas graças ou com para o grupo, isto é, em estar constantemente preo-</p><p>DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 77 76 GÉRALD BERNARD MAILHIOT B. Enfim, existe uma segunda rede vertical cupado em abrir e manter abertas as comunicações denominada rede em roda. Esta rede é específica entre todos os membros. Assim, pouco a pouco, dos grupos autocráticos no interior dos quais a au- todos se tornam acessíveis a todos e a integração toridade está concentrada entre as mãos de apenas dos membros pode realizar-se sobre uma base de um, que a exerce de modo arbitrário e segundo seu complementariedade e não de subordinação. bel prazer. Todas as comunicações entre os mem- B. A segunda rede horizontal é chamada rede bros são controladas por ele. A comunicação não somente se estabelece de modo vertical entre a au- em cadeia. Ela é típica dos grupos "laissez-faire" em que a autoridade se exerce de modo bonachão. toridade e os membros, mas muito cedo tenderá a O líder é passivo, recusa-se a assumir seus papéis e traduzir-se através de mensagens em sentido único, suas responsabilidades, as comunicações não se esta- e a comunicação não se estabelecerá geralmente se belecem senão ao nível das afinidades ou das atra- não de cima para baixo. ções aparentadas entre os membros. Fatalmente al- O que concluir e destacar como implicações? preciso guns membros se encontram excluídos ou se tornam não esquecer que os dados adquiridos por Bavelas não são vá- marginalizados das interações que ocorrem no grupo. lidos senão para os grupos de trabalho. Por outro lado, parece Não podendo concluir-se a integração do grupo, nem demonstrado que, neste contexto muito preciso, quanto mais a existir a solidariedade entre os membros, as comu- autoridade se exerce de modo democrático, mais o clima de nicações não conseguem tornar-se funcionais e estão grupo torna-se e se mantém igualitário e, em as sempre acompanhadas de equívocos e comunicações tornam-se e permanecem mais abertas. Enfim tornando, por este motivo, falsas as relações parece definitivamente adquirido que somente em um clima de interpessoais e comprometendo a criatividade do comunicações abertas pode realizar-se a integração de um grupo grupo. de trabalho e seus membros conseguirem ritmos de criatividade duradouros. 2. As outras duas redes são chamadas por Bavelas de redes verticais. Podem ser observadas nos grupos de trabalho COMPONENTES ESSENCIAIS em que as relações interpessoais são hierarquizadas, as linhas de autoridade definidas de modo piramidal: no alto da pirâmide, a autoridade primeira se exerce de modo absoluto. As relações Para quem quer entrar em comunicação com o outro, cons- entre os membros são hierarquizadas na medida em que se tra- titui um requistito que ele tenha sabido assinalar e identificar duzem em termos de subordinação e de dominação. Os status as vias de acesso mais seguras e, se preciso, haja reduzido ou respectivos dos membros estabelecem em termos de abolido, graças aos meios funcionais e adequados, as distâncias funções, de direitos, de previlégios, de prestígio, quem tem auto- físicas entre ele e o outro. Mas a comunicação só se estabele- ridade sobre quem, em quê e porque. cerá em seguida, se um emissor e um receptor conseguem trans- mitir uma mensagem com a ajuda de um código e segundo A. Bavelas chama a primeira rede vertical, a modalidades adaptadas aos fins em vista. A partir de Kurt rede em Este tipo de rede caracteriza as comu- Lewin a dinâmica dos grupos define assim as cinco componen- nicações no interior de um grupo aparentemente de- tes essenciais de toda comunicação humana (25), (101), (106), mocrático em vias de tornar-se autocrático. As co- (136). municações antes abertas e espontâneas, tornam-se 1. O emissor é aquele que toma a iniciativa da comuni- fechadas e artificiais com a tomada de consciência cação. Ele deve ser capaz de perceber e de discernir quando, de alguns membros de que um dentre eles esforça-se em quê e como o outro lhe é acessível. Enfim, ele deve poder em tomar o controle do grupo, cobiçando para ele transmitir sua mensagem em termos que sejam inteligíveis para o poder absoluto.</p><p>78 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 79 o outro. Assim, seus comportamentos e suas atitudes ao longo 5. Destaque ou camuflagem: o quinto componente essen- da comunicação devem, para ser funcionais, obedecer às leis cial de toda comunicação humana consiste no conjunto das de- psicológicas da motivação, da percepção e da expressão. cisões que o emissor deve tomar, antes de entrar em comunica- ção, quanto ao conteúdo da mensagem e quanto ao código uti- 2. O receptor é aquele a quem se dirige a mensagem. Ele lizado. Assim cabe a ele decidir o modo de apresentação, a a captará na medida em que estiver psicologicamente sincroni- tonalidade afetiva, a ordem e a apresentação da mensagem. Se zado e sintonizado com emissor. Além disto se ele quiser ele utiliza um código público, para melhor atingir seus interlo- favorecer a tomada de contato iniciada pelo emissor, deverá cutores e ir ao seu encontro, sua preocupação será a de pôr estar psicologicamente em estado de abertura para De em destaque a mensagem emitida. Assim, a encenação no teatro, outro modo ele poderá entender a mensagem, a técnica do grande plano na televisão, a orquestração na ópera. mas não captá-la ou aceitá-la. As leis psicológicas que fazem Se, ao contrário, o emissor usa um código secreto, deverá ca- de um indivíduo, ao longo. de uma comunicação, um receptor muflar sua mensagem de modo a torná-la imperceptível e inde- adequado são, de início, as leis da motivação, em seguida, da cifrável para todos aqueles aos quais ela não é destinada. percepção e, enfim, as leis da impressão. BLOQUEIOS, FILTRAGENS E RUÍDOS 3. A mensagem constitui o conteúdo da comunicação. Se ela consiste unicamente numa informação, então trata-se de Quando a comunicação se estabelece mal, ou não se estabe- uma mensagem ideacional. Se, por outro lado, ela exprime um lece, entre pessoas ou entre grupos, resultam alguns fenômenos sentimento ou um ressentimento, trata-se de uma mensagem afe- psíquicos. Eles foram observados e estudados sistematicamente tiva. Conforme se trate de uma mensagem positiva ou negativa, pelos pesquisadores da dinâmica dos grupos. Vejamos como ela estará carregada de ternura ou de agressividade. Ela pode foram definidos (12), (14), (25), (33), (75), (90), (136). enfim comportar elementos tanto intelectuais como afetivos. A mensagem é neste caso chamada vital, porque quer transmitir Quando a comunicação é completamente interrompida, há uma informação de importância considerada vital pelo receptor. bloqueio. Ao contrário, quando não é comunicada senão uma parte do que os interlocutores sabem, pensam ou sentem, a co- 4. O código é constituído pelo grupo de símbolos utiliza- municação subsiste mas acompanha-se de filtragem. dos para formular a mensagem de tal modo que ela faça sen- Bloqueios ou filtragens podem ser provisórios: certos au- tido para o receptor. A linguagem, escrita ou oral, é sem dúvi- tores falam então de pane, bruma, nebulosidade, queda de visi- da o código mais utilizado. Mas a música, a bilidade entre emissor e receptor, ou ainda de ruído. Os blo- pintura, a escultura, a dança, a mímica, o teatro, o cinema, a queios provisórios, de modo paradoxal à primeira vista, parecem televisão são outros tantos códigos que nos permitem transmitir comprometer menos a evolução da comunicação que as filtra- mensagens. Os códigos são sem dúvida alguma gens provisórias. Eis a razão. Desde que surge um bloqueio, os mais adequados produzidos pela técnica moderna. ele obriga os interlocutores a questionar suas comunicações e A dinâmica dos grupos aprendeu a distinguir entre código geralmente lhes permite reatá-las e restabelecê-las em um clima público e código secreto. O emissor recorrerá a um código pú- mais aberto e uma base mais autêntica, cada interlocutor tendo blico quando desejar que sua mensagem seja captada pelo maior tomado consciência do que neles e entre eles constitui obstáculo número possível de receptores. Utilizará um conjunto de símbo- à suas trocas. Em caso de filtragem, entretanto, porque a co- los inteligíveis para todos aqueles que ele quer atingir. Se, ao municação subsiste enquanto a confiança diminui, ela tende a contrário, sua mensagem não se destina senão a uma pessoa ou acompanhar-se de reticências e de restrições mentais, degradan- algumas pessoas, ele deverá utilizar um código secreto de modo do-se e degenerando pouco a pouco em troca de mensagens a cifrar sua mensagem em termos inteligíveis somente pelos re- cada vez mais ambíguas e equívocas. Assim a comunicação ceptores de posse da chave que lhes permita decifrar o signifi- corre o risco de tornar-se artificial, provavelmente de modo irre- cado da mensagem. versível.</p><p>80 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 81 Quando os bloqueios e as filtragens tornam-se permanentes, 1. Do lado do emissor, os bloqueios ou as filtragens podem o observador vê aparecer entre os interlocutores muros ou bar- ser devidos a inibições interiores. A mensagem a transmitir evo- reiras psicológicas. Zonas de silêncio se estabelecem entre eles, ca nele lembranças penosas, não eliminadas ou não assimiladas. ou, quando muito, zonas de trocas superficiais que recobrem, É o caso entre outros dos indivíduos cujo passado foi trauma- quando não dão lugar, uma proliferação de zonas de conflitos tizado. Se o passado é evocado, eles se tornam incapazes de e de tensões. As fontes que originam os bloqueios e as filtra- se comunicarem com o outro, ou se o fazem, é de modo impes- gens em vias de se cristalizar, são geralmente inconscientes para soal, desencorajando assim toda exploração deste tema de sua pessoas ou para os grupos cujas comunicações estão sendo pre- vida como indiscreto, quando não intolerável. judicadas. Deste modo não é senão raramente que eles conse- 2. O emissor pode também experimentar bloqueios e fil- guem e restabelecer por eles mesmos o contato psico- lógico rompido ou inexistente com outro. Parece que somente tragens em suas comunicações por razões extrínsecas. Assim, uma experiência de natureza catártica poderia torná-los lúcidos pode sentir-se constrangido a permanecer em silêncio ou a não falar senão com reticência e circunspecção em virtude de tabus e incitá-los a se liberarem daquilo que neles, habitualmente, os impede de comunicar de modo adequado com o exteriores. Esses tabus exteriores, expressão mais ou menos ex- Qualquer que seja sua duração, os bloqueios e as filtragens plícita de proibições coletivas, de censuras ou de pressões de grupo, o emissor os percebe instintivamente ou os descobre às perturbam as percepções de si e dos outros tornam falsas as suas custas. Cedo ou tarde, todo ser humano que se sensibilize atitudes e os comportamentos interpessoais. Se bloqueios e fil- tragens aparecem no grupo de trabalho, as discussões e as de em relação ao seu meio pode estabelecer, por sua conta, o inven- liberações provocam, então, abordagens penosas, agravadas ge- tário do que pode comunicar ao outro, os temas permitidos, os ralmente por conflitos de prestígio. Conseqüentemente, as deci- temas tolerados e os temas proibidos. Lewin, como já notamos sões tomadas em semelhante clima são raramente uma expressão e salientamos no capítulo precedente, definia as zonas de trocas de um acordo de grupo e as realizações que se seguem são acessíveis a cada indivíduo, seu espaço vital ou seu espaço de fatalmente convencionais e estereotipadas. Quanto mais estes movimento livre (91). Os antropólogos culturais, de seu lado, bloqueios ou estas filtragens persistem, mais as relações entre falam de "joking relation-ships". Definem assim a zona de re- colegas ou com o responsável do grupo arriscam tornar-se sis- lações interpessoais, variando em cada indivíduo, no interior da tematicamente negativas, inautênticas, em de mal- qual a comunicação se estabelece de um modo irônico ou hu- entendidos, equívocos ou ressentimentos que aparecem como morístico, em razão dos tabus exteriores. No interior desta irredutíveis. zona, alguns temas nunca são evocados. Os que são tolerados o são em termos velados, em tom de gracejo. Assim as comu- PERTURBAÇÕES E DISTORÇÕES PROVISÓRIAS nicações entre um genro e sua sogra, entre uma nora e seu sogro. Os mesmos pesquisadores que conseguiram definir opera- 3. No que se refere ao código, os bloqueios ou as filtragens cionalmente em que consistem os fenômenos de bloqueio e de podem ocorrer por causa das diferenças culturais. Os mal-en- filtragem na comunicação preocuparam-se em identificar suas tendidos surgem pelo fato dos interlocutores em presença supo- fontes mais Cedo descobriram que algumas causas rem gratuitamente que utilizam o mesmo código, quando, de de bloqueios e filtragens podem estar em jogo em toda comu- fato, em virtude de sistemas de valores ou de esquemas de re- nicação humana, enquanto outras são específicas de certos con- ferência diferentes, os símbolos utilizados têm para eles cono- textos sociais, entre outros os grupos de trabalho estruturados tações subjetivas ou coletivas distintas ou mesmo contrárias. de modo autocrático. No momento não trataremos senão de bloqueios e filtragens que provocam perturbações ou distorções 4. Do lado do receptor, há bloqueios ou filtragens quando provisórias e temporárias. ele não capta ou capta mal as mensagens que lhe são endereça- Seis possíveis fontes de bloqueios e de filtragens, comuns das. Esta falta ou ausência de receptividade pode ocorrer por a toda comunicação humana, foram identificadas. Ei-las: três razões possíveis.</p><p>82 GÉRALD BERNARD MAILHIOT E GÊNESE DOS GRUPOS 83 Primeiro, o receptor pode ter uma percepção seletiva, não queios e as filtragens são mais e mais carregadas de captando senão as mensagens que possuem para ele, no mo- perturbações e de distorções, tanto no plano das percepções mento em que são emitidas, ressonâncias afetivas ou implicações como no das relações interpessoais. Estes bloqueios e estas fil- pessoais. Ninguém escapa totalmente a este fenômeno. Mesmo tragens têm origem em duas causas específicas: a hostilidade os seres mais altruístas, os mais estabilizados, os melhores equili- autista no autocrata, a transmissão seletiva nos membros. brados, mostram-se momentaneamente cíclicos em sua atenção e presença diante do outro. Em seus momentos de euforia, so- 1. Assim se apresenta a hostilidade autista. O autocrata mente as mensagens positivas são captadas; enquanto que nos de posse de um poder absoluto sobre os membros de seu grupo momentos de decepção, eles se tornam vulneráveis e hipersen- regride muito cedo em suas relações com outro a ponto de sibilizados às mensagens negativas. Nestes momentos de depres- tornar-se inconsciente da existência dos outros. Seu egocentris- são o ser humano pode muito bem entender, até mesmo com- mo degenera cedo ou tarde em autismo ao ponto em que só preender, as mensagens que lhe são Na realidade seu interesse é lei e o grupo não tem, a seus olhos, razão de ele não retém ou não presta atenção senão às mensagens com existir ou de evoluir senão para sua glória. As causas deste as quais já está emotivamente sintonizado, tipo de regressão foram longamente analisadas por Lewin e seus discípulos (97). Elas estão todas contidas no aforisma de Alain: 5. Excepcionalmente o receptor pode conhecer estados de alienação, seja pelo fato de estar absorvido por uma alegria in- "O poder torna louco; poder absoluto torna que o cumula, seja por se sentir invadido por uma forte absolutamente louco." angústia. Torna-se então incapaz de perceber as mensagens que lhe são dirigidas, de tal modo está perturbado emotivamente. poder parece ser, para a maior parte dos homens, um Não apenas não compreende como não escuta mais. vinho embriagador que lhe sobe à cabeça e fecha o coração ao outro. Também o autocrata, prisioneiro de seu autismo, 6. Enfim, tratando-se do receptor, ele pode, em razão do torna-se, ao nível das comunicações com os membros de seu contexto cultural em que se socializou, ter-se tornado exclusiva- grupo, hiper-irritável, não respondendo senão com hostilidade a mente sensibilizado para a comunicação verbal a ponto de não toda tentativa de torná-lo consciente da existência do outro. captar ou captar mal as mensagens não verbais que lhe são Para ele tornou-se inadmissível que outros além dele possam Os pais e os educadores devem aprender a decifrar ter direitos de existir, em vez de dispor de sua vida para servi-lo e votar-lhe um culto incondicional. as mensagens não verbais carregadas de angústia, de apelos ou de expectativas, que contém, em certos momentos, as expres- sões de rosto dos adolescentes ou das adolescentes que eles pro- 2. A transmissão coletiva explica os bloqueios e as filtra- curam Aqueles que se dedicam aos cuidados dos doen- gens observados nos membros de grupos autocráticos. Eis como tes, sobretudo dos doentes mentais, devem preocupar-se em se este fenômeno tende a manifestar-se. O autocrata, reservando tornar perfeitamente receptivos às comunicações não verbais de para si toda decisão e assumindo sozinho o controle das estru- seus pacientes. De outro modo contato psicológico pode não turas de poder, desencoraja a liberdade de expressão entre aque- se estabelecer e as mensagens emitidas com a ajuda de um có- les que trabalham ou vivem com ele. Também estes últimos, digo não verbal escaparem ao receptor ou não lhe parecerem cada vez que captam uma mensagem que exige uma resposta, inteligíveis. recusam-se ou se omitem ou, quando muito, operam uma sele- ção e não transmitem ao autocrata senão uma parte ou o con- Nos grupos de tarefa cujas estruturas de trabalho e de poder trário do que sabem, do que pensam ou do que sentem. Sua são autocráticas, as redes de comunicações humanas entre o única possibilidade de sobreviver >no interior de semelhantes responsável e os membros do grupo tendem, como já vimos, a estruturas é geralmente calando o que sabem e não transmitindo se hierarquizar de modo vertical e em sentido único, de cima senão o que pode alimentar as ilusões falaciosas que o autocrata para baixo. Poucos são os contextos humanos em que os blo- quer manter sobre seu poder e sua popularidade.</p><p>84 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 85 DISTÂNCIAS SOCIAIS E BARREIRAS PSICOLÓGICAS membros das outras camadas passam a considerar que seria Os bloqueios e as filtragens na comunicação humana tor- rebaixar-se consentir em comunicar de modo adequado com nam-se permanentes e tendem a se cristalizar cada vez que as eles e é fácii imaginar a parte determinante de esnobismo em relações inter-pessoais são prejudicadas pelos preconceitos. As suas percepções verticais e desvalorizantes do outro (31). distâncias sociais e psicológicas entre interlocutores tendem então Distâncias sociais, bloqueios e filtragens permanentes, co- a se acentuar e a ser percebidas como irredutíveis. Cavam-se, municação humana prejudicada ou rompida de modo definitivo entre eles, valas que parecem intransponíveis; elevam-se barrei- são outros tantos fenômenos que encontram sua origem em nos- ras e fronteiras psicológicas que parecem insuperáveis. O outro SOS preconceitos. Dos preconceitos nascem os conformismos e é percebido como inacessível, isto é, aquilo que se sabe, que a incapacidade de dialogar com o outro. Os teóricos e os prá- se pensa, que se sente como ticos da dinâmica dos grupos foram os primeiros a revelar o Em que consiste a distância social? Primeiro é preciso fato. Graças a pesquisas astuciosas refizeram por sua conta distingui-la com nitidez da distância psicológica. Esta última é descobertas recentes da psicologia social sobre a natureza dos um fenômeno intra-grupo e pode ser descrito assim: preconceitos. Preocuparam-se sobretudo em verificar e em des- percebido como incompatível. Por esta razão é mantido à dis- tacar as múltiplas implicações destes dados científicos para a tância e a comunicação com ele é considerada como impossível inteligência dos obstáculos fundamentais à autenticidade das de ser estabelecida. municações humanas (2), (3), (14), (16), (42), (130). Sobre A distância social, ao contrário, é um fenômeno inter-grupo. este ponto as intuições de Lewin, se por um lado foram supe- O outro é mantido à distância, a uma distância intransponível, radas, por outro mostraram-se em grande parte de uma justeza pelo simples fato de pertencer um grupo diferente. Pode notável e forneceram à pesquisa experimental suas hipóteses mais tratar-se, segundo os casos, de diferenças culturais, diferenças fecundas (99), (101) de classe, de afastamentos seja de níveis educacionais, seja de Já se tornara aceito que os preconceitos consistiam em níveis intelectuais, seja de níveis de escolarização. O outro é idéias preconcebidas sobre o outro, idéias falsas, fixas, geralmen- então percebido como estando situado socialmente a uma dis- te estranhamente simplistas com relação a certos indivíduos, a tância De fato ele só é percebido em termos estatís- certos grupos que os fazem classificar, de antemão, em termos ticos: não é um indivíduo irredutível, mas o representante de sempre excessivos. Quando são favoráveis, os preconceitos che- uma classe, de um grupo, de uma camada, possuindo determi- gam à enfatuação, quando são desfavoráveis, degeneram em in- nado status, ocupando determinada função, despojado assim de tolerância em relação ou outro. seu mistério pessoal. Os preconceitos não são inatos mas adquiridos. Como então A distância social, além de ser o resultado de um processo explicar que mesmo em um clima democrático, os seres mais de despersonalização do outro, resulta sempre de uma percepção adultos, mais evoluídos sejam tão pouco capazes de trocas au- vertical do outro. Segundo o sistema de valores que prevalece tênticas com o outro ? É necessário reconhecer de início que os no meio, certas funções sociais ou certas atividades humanas preconceitos existem num grau impressionante e espantoso. Os são valorizadas. Aqueles que ocupam estas funções, ou se de- os mais lúcidos, os mais preocupados com a justiça dicam a estas atividades, são percebidos de baixo para cima. social, os mais dedicados ao respeito pelo outro surpreendem-se Eles aparecem ao seu meio aureolados de atributos, de privilé- ao ceder a preconceitos sob a pressão e a coerção do meio. Por gios ou de carismas, que desencadeiam no meio o êxtase ou o outro lado, é um fato que certos seres humanos são mais pre- encantamento, quando não o temor reverencioso. Quando, ao dispostos que outros a adquirir preconceitos, mais vulneráveis contrário, uma função social ou uma atividade humana são jul- que outros ao contágio e à contaminação sociais. Sua perso- gadas desvalorizadas em um contexto cultural, os representantes nalidade parece estruturada por determinismos tais que estes deste nível ocupacional são percebidos pelo meio de cima para seres, uma vez os preconceitos adquiridos, tornam-se incapazes baixo, com menosprezo, arrogância ou condescendência. Os de se liberar dos mesmos. Seus preconceitos satisfazem neles necessidades tão mórbidas que, mesmo em seus momentos de</p><p>86 GÉRALD BERNARD MAILHIOT E GÊNESE DOS GRUPOS 87 lucidez, a eles se agarram desesperadamente. A resposta mais riamente a outros que, por razões equivalentes, afundam-se na satisfatória a estas questões parece ser o que se segue. um depressão ou se refugiam na obsessão ou na simulação histérica? fato aceito atualmente que preconceito é um sintoma. Como Foi neste ponto específico que as hipóteses de Kurt Lewin, toda reação neurótica, o preconceito é uma resposta a uma pondo em correlação o grau de abertura das comunicações em frustração, no caso, uma frustração social. Quando ela dá ori- um meio com o estilo de autoridade que nele prevalece (71), gem à ansiedade, a frustração social desencadeia em alguns o inspiraram de modo decisivo as pesquisas da psicologia social. jogo de três mecanismos de defesa, assinalados em graus diver- Elas mostraram de modo concludente que os seres mais precon- em toda expressão de preconceito, a saber: a generalização ceituosos, aqueles que o são em estado caracterológico, não de gratuita, sem provas em apoio; o deslocamento ou a descarga modo situacional, aqueles diagnosticados acima como débeis agressiva sobre bodes expiatórios; a racionalização ou a auto- sociais, todos uma personalidade de tipo Exter- justificação. Como no caso da frustração individual, os limites namente, eles são reconhecidos pelos traços seguintes: desde de tolerância à frustração social são mais ou menos elevados. que constituídos em autoridade, tudo lhes serve como pretexto Privados de suas liberdades fundamentais, os seres mais sociali- para afirmar sua autoridade, para dela abusar da maneira mais zados experimentam uma frustração intolerável. Não é raro arbitrária, tão grande é seu medo de perder seu domínio sobre vê-los regredir, então, a um estágio anterior à sua socialização e voltarem-se injustamente contra o outro, lançando-lhe julga- aqueles que dirigem. Sc, ao contrário, não possuem nenhuma mentos hostis. autoridade sobre quem quer que seja, atingir um status de autoridade lhes aparece então como o supremo bem. Parecem Ao contrário, para aqueles que pouco ou nada evoluíram igualmente dispostos a recorrer a todas as intrigas e a mostrar socialmente, a menor troca livre ou espontânea com o outro é as mais baixas servidões para satisfazer sua ambição de poder, fonte de ansiedade e causa de frustração. Sentem também cada vez a necessidade inconsciente de perceber negativamente o esperando, então, estarem em condições de controlar suas rela- outro através de seus preconceitos para melhor defender-se deles ções com o outro e poder manipular os outros à sua maneira. e mantê-los à uma distância segura. Nestes últimos, não se Para o autoritário, ter a autoridade é a maneira mais segura trata de uma regressão ocasional a um estágio mais primitivo de de escapar ao seu medo do outro. sua socialização, mas de uma fixação ou de um desvio caracte- O autoritário é atingido pela do outro. Ele não pode rológico de sua evolução social, tendo seu limite de tolerância aceitar nem tolerar que os outros sejam diferentes dele. Toda à frustração social, permanecido muito baixo. diferença no outro, diferença de idade, de sexo, de cultura ou O adulto social não cede temporariamente aos preconceitos de religião o pertuba e o inquieta. Mas como explicar seme- de seu meio por privação de liberdade. débil social, lhante deterioração do sentido social? Pesquisas recentes mos- ao contrário, permanece prisioneiro de seus preconceitos. por traram (130), o que constitui um paradoxo, que o autoritário medo da liberdade. Como em todo nevrótico, seus sintomas, no é um conformista. Contrariamente ao psicopata que é um a-social caso seus preconceitos, permitem ao débil social controlar sua ou ao revoltado que é um anti-social, o autoritário é um gre- ansiedade ou dela escapar cada vez que lhe é necessário afron- gário cuja socialização não se realizou totalmente. O tar o outro em zona de livre troca. O preconceito proporciona rio nunca atingiu o nível do altruísmo. Seu conformismo social ao medo do outro uma precária, provisória, mas trai seu medo do outro, seu pânico dos mais fortes. Ela não é, adquirida tão penosamente que o indivíduo se torna incapaz de como no adulto social, a expressão de seu respeito pelo outro. a ela renunciar e recorre à mesma de modo compulsivo. Passivamente, o autoritário conforma-se com todas as pressões Especificamente, em que a alergia crônica ao outro se dis- sociais. Ele adota espontaneamente os mitos e os estereótipos tingúe das outras nevroses? Quais são, nesta nevrose, as predis- desta sociedade. Em grupo, constitui um elemento estático. Ea- posições caracterológicas de base que, em uma situação de frus- vorece a cristalização, a a esclerose das estruturas tração social, ou em fase ansiosa, levam-no a apelar violenta- sociais. Compraz-se com o statu quo mais retrógrado, mais mente para seus preconceitos para fugir à sua angústia, contra- reacionário, na medida em que nele se sente integrado e aceito</p><p>GÉRALD BERNARD MAILHIOT O autoritário revela-se à análise como um ser em quem os ntos de simpatia não triunfaram dos instintos de defesa. Seu do outro é no fundo um medo de si. Ele se recolhe, -se e se recusa a todo contato, a toda troca, por causa do de sua vida. É incapaz de doar-se ao outro porque não nada a dar, não tendo nunca conseguido possuir-se. É para CAPÍTULO SEXTO uflar sua impotência e sua esterilidade que lhe é necessário cer agressivo, arrogante, intratável com o outro. O autori- não perderá sua arrogância e não deixará suas másca- O APRENDIZADO DA AUTENTICIDADE senão quando for surpreendido por uma sacudidela coletiva sofrer um trauma pessoal. Do conjunto destes dados, impõe-se uma conclusão: para ar ao altruísmo e tornar-se capaz de abertura em suas co- Kurt Lewin teve o mérito de ser o primeiro a formular as três hipóteses seguintes: icações humanas, o ser humano, qualquer que seja seu grau ocialização, deve liberar-se desta falsa obsessão de que só que nos parecem semelhantes nos são próximos e que 1. A integração não se realizará no interior de serem fraternais conosco, os outros devem ser idênticos a um grupo e, em sua criatividade não o primeiro passo no aprendizado da autenticidade. poderá ser duradoura, enquanto as relações interpes- soais entre todos os membros do grupo não estive- rem baseadas em comunicações abertas, confiantes e adequadas. 2. A capacidade de comunicar de modo ade- quado com o outro, de reencontrá-lo psicológica- mente e de com ele estabelecer o diálogo não é um dom inato mas uma atitude adquirida por aprendi- zado. Somente aqueles que aprenderam a abrir-se ao outro e a se objetivar a seu respeito tornam-se capazes de trocas autênticas com ele. 3. Não é senão consentindo em questionar seus modos habituais de comunicar com o outro e suas atitudes profundas a respeito do outro, que o ser humano pode descobrir as leis fundamentais da co- municação humana, seus requisitos e seus compo- nentes essenciais, as condições de sua validade e de sua autenticidade. Ao formular estas três hipóteses Kurt Lewin permanece fiel à sua concepção da tal qual foi explicitada no capítulo IV. Tornando-se ao mesmo tempo agente e objeto de mudança, o ser humano coloca-se em uma perspectiva ideal</p><p>DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 91 90 GÉRALD BERNARD MAILHIOT para descobrir e compreender as leis dinâmicas da mudança vividos por seus respectivos grupos. Contrariamente à que se opera nele e em torno dele. O aprendizado da autentici- cia do ano precedente no M.I.T., a fonte de aprendizagem não dade interpessoal exige duas condições: é constituída exclusivamente pelo que acontece aqui e agora entre de inter-ações e de relações interpessoais. 1. O desejo de questionar e de atingir o modo Kurt Lewin, entretanto, preconiza desde o início da expe- riência, manter com seus colaboradores sessões de diagnóstico mais adequado de comunicação com outro; onde, juntos, tentariam avaliar o que viviam como aprendizagem 2. Um clima de aprendizagem propício ao cres- de modo a acelerar o processo da mesma entre eles e entre os cimento e ao aperfeiçoamento humano. outros participantes. Os outros participantes, no início, não deveriam ser admitidos nestas sessões de auto-avaliação. Vários Lewin, como lembramos no capítulo precedente, tentara participantes dos outros grupos insistiram entretanto em assistir provocar este desejo e criar este clima, convidando seus próprios a estas sessões a título de observadores. Lewin consentiu, su- colaboradores a se reencontrarem com ele em sessões de grupo pondo instintivamente que o pesquisador teria muito a ganhar durante as quais, juntos, fazendo abstração de suas pesquisas e com o fato. de seus trabalhos, tentariam aprender a melhor comunicar-se O efeito sobre os participantes-observadores foi inesperado. entre si. A possibilidade de ter acesso periodicamente a avaliações de suas intervenções e de suas interações nas sessões de aprendiza- PRIMEIROS CENTROS DE APRENDIZAGEM gem do dia, permitiu-lhes objetivar-se a respeito de seus pró- prios comportamentos em grupo. Sobretudo caíram por terra A experiência de grupo vivida por Lewin e seus colabora- suas apreensões de serem manipulados por aqueles membros dores no M.I.T. situa-se em 1945. Em 1946, durante o verão, percebidos como experimentadores, assim como suas resistências uma segunda experiência é tentada no campus do "State Teachers e suas defesas com relação à aprendizagem em curso. A partir College", situado na cidade de "New Britain", Connecticut. deste momento eles se tornaram capazes de descobrir o que Trata-se tipicamente de uma estruturada em con- permite às comunicações estabelecerem-se em grupo, o que neles formidade com as opções e os esquemas metodológicos, prepa- e em torno deles pode constituir um obstáculo. Puderam então rados por Lewin. Três grupos colaboram neste projeto: a "Co- descobrir pouco a pouco as leis essenciais da gênese e da di- missão Inter-racial do Estado de Connecticut", um grupo de nâmica dos grupos. ação igualmente composto de educadores e de professores; e um Esta experiência de "New Britain" mostrou-se suficiente- grupo de pesquisadores do "Centro de Pesquisas em Dinâmica mente rica em implicações para incitar aqueles que a tinham dos Grupos" do M.I.T. O objetivo que impulsiona os dois vivido a retomá-la no verão seguinte e vivê-la em maior pro- grupos de ação, ao participar desta experiência, é de aprender fundidade, a partir de objetivos mais explícitos e melhor inte- a assumir suas responsabilidades coletivas de modo mais fun- grados. Um local foi escolhido, o "Gould Academy", um colé- cional e mais eficaz. Kurt Lewin e sua equipe de pesquisado- gio para adolescentes, situado na pequena cidade de "Bethel", res, ao participar desta experiência, esperam verificar e com- Maine. Este lugar onde deveria ocorrer, em cada verão, as pletar algumas das descobertas feitas por eles no ano precedente sessões de aprendizagem em dinâmica dos grupos, iria tornar-se sobre os modos de comunicações interpessoais mais favoráveis internacionalmente conhecido. Desta vez Lewin conseguira in- ao funcionamento de um grupo de trabalho. teressar vários psicólogos sociais de outras universidades ame- Os participantes desta experiência são em número de ricanas, entre outras a Universidade de Colúmbia, a Univer- Mantêm juntos sessões de grupos, que consistem em discussões sidade Cornell e a Universidade da Califórnia. Importantes de grupo e em grupo, durante as quais os participantes se iniciam subvenções haviam sido concedidas pelo "Office of naval no jogo do papel, como técnica de descongelamento de suas comunicações intra-grupo. Os temas de suas trocas são quase search" para financiar este projeto. Infelizmente Lewin morreu exclusivamente problemas de estruturas ou de funcionamento na primavera de 1947, privando assim os organizadores deste</p><p>DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 93 92 GÉRALD BERNARD MAILHIOT e, de outra parte, o T.G. ou o "Training group" no qual os projeto de sua melhor inspiração. Três colaboradores de Lewin, participantes são convidados, em relação exclusivamente ao que K. D. Benne, L. P. Bradford e R. Lippitt substituiram-no no se passa entre eles aqui e agora a se socializar tornando-se mais momento do planejamento da sessão. Ela devia constituir, es- abertos ao outro, mais acessíveis e mais receptivos às interações tritamente falando, o primeiro atelier de aprendizagem em di- que se fazem entre eles. A partir deste momento, em Bethel, nâmica dos grupos. o T.G. vai tornar-se o instrumento de aprendizagem fundamen- tal em dinâmica dos grupos, de modo que logo o S.G., embora Esta sessão durou três semanas. Os participantes viveram permanecendo dissociado do T.G., será cada vez mais utilizado sua experiência em dois contextos de aprendizagem distintos. em função da experiência vivida pelos participantes em T.G. e Como no verão precedente, cada participante era membro de não como fora concebido originalmente por referência aos gru- um grupo de discussão, onde eram debatidos sobretudo os pro- pos reais aos quais pertenciam os membros. blemas concretos e reais com os quais se haviam confrontados nos respectivos grupos em que trabalhavam habitualmente. Cada grupo de discussão contava com um observador encarregado de ESQUEMAS DE APRENDIZAGEM observar os incidentes críticos na evolução do grupo e em suas discussões. Além disto, em determinado momento, cada grupo Os teóricos e os práticos da dinâmica dos grupos, com de discussão se transformava, com seu observador, no que os algumas excessões, consideram pois o "T-Group" como o con- organizadores chamaram: "Basic skills training group" e que texto de aprendizagem mais válido para o ser humano que aspira poderia ser traduzido por: um "grupo de treinamento ou de tornar-se autêntico em suas relações interpessoais. formação das técnicas de base". No B.S.T.G. o observador tor- Em que consiste essencialmente o "T-Group"? Gostaría- nava-se animador informando o grupo sobre suas observações, mos de sistematizar aqui o que pode ser considerado como uma recolhidas em grupo de discussão, depois convidando os mem- aquisição sobre o "T-Group" depois de ter sido utilizado durante bros a procederem a uma auto-avaliação de seus comportamen- dez anos como a técnica fundamental de iniciação à gênese e tos, de suas interações e de seus modos de comunicação. à dinâmica dos grupos. Com esta finalidade referir-nos-emos observador-animador devia sugerir conforme a necessidade, o de modo explícito aos trabalhos de J. Ardoino (3), de W. recurso ao jogo do papel, considerado então como a técnica Bion (17), de L. P. Bradford, J. R. Gibb e de K. D. Benne mais válida de aprendizagem da autenticidade, para favorecer (19), de T. Gordon (37), de M. Pagès (121), de A. de Peretti assim a revisão crítica das comunicações existentes e a sensi- (126), e E. H. Schein e W. G. Bennis (136) e de A. A. Schüt- bilização para relações interpessoais mais funcionais. zenberger (138). Tentaremos operar uma síntese dos dados As sessões em dinâmica dos grupos em Bethel, de 1948 a definitivos que os teóricos nos legaram sobre o T.G., integrando 1955 inclusive, conservaram mais ou menos as mesmas estru- nesta síntese o que nossa própria experiência de profissional da turas e fizeram apelo aos mesmos instrumentos de aprendizagem, dinâmica dos grupos nos ensinou sobre as condições mínimas a saber: o grupo de discussão e o B.S.T.G. A partir de 1956 e necessárias para que uma experiência em T.G. inicie a apren- novas orientações se manifestaram. As sessões tornaram-se la- dizagem da autenticidade interpessoal. boratórios, os participantes eram, em consequência, convidados a experimentar novos tipos de comportamentos em grupo, novos 1. Como traduzir "T-Group"? Alguns autores sugeriram modos de comunicação, novas atitudes fundamentais em relação "grupo de diagnóstico", outros "grupo-centrado-sobre-si-mes- ao outro. O grupo de discussão como tal foi abandonado como mo". De nossa parte preferimos a expressão "Grupo de forma- contexto de aprendizagem. O B.S.T.G. foi repensado. Os orga- ção", de modo, em primeiro lugar, a dissociar nitidamente nizadores dos estágios decidiram dissociar a iniciação às téc- dinâmica dos grupos e terapia de grupos. Literalmente o termo nicas de grupo da sensibilização para relações humanas. "T-Group" deveria ser traduzido por "grupo de treinamento". B.S.T.G. sofreu uma transformação para tornar-se de uma parte, Mas a expressão "grupo de formação" nos pareceu, finalmente, o S.G. ou o "Skill group" no qual os participantes aprendem aquela que comporta as conotações menos equívocas e menos técnicas de manejamento dos grupos e de participação em grupo</p><p>94 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 95 ambíguas para o participante. A maior parte daqueles que se conseguir, segundo a opinião de todos, sensibilizar os partici- inscrevem em um estágio de dinâmica dos grupos chegam com pantes para relações interpessoais e assim torná-los conscientes apreensões, mais ou menos fantasistas, a respeito do que os dos processos psicológicos em jogo no funcionamento dos gru- espera. Uma destas apreensões pode comprometer a validade pos. Este objetivo principal a ser alcançado dá um sentido ao da experiência. Os profissionais devem ter a preocupação de que pode parecer arbitrário nas estruturas consideradas como eliminá-las o mais cedo possível. Esta apreensão, experimentada essenciais à validade de uma experiência em grupo de formação. por vários, senão por todos, no início do estágio é a seguinte: eles temem ficar à mercê dos psicólogos, servir de cobaias entre 3. Falar de estruturas a propósito do grupo de formação suas mãos e deste modo serem manipulados para fins experi- presta-se a pois o grupo de formação essencialmen- mentais. Para muitos, reencontrar-se em grupo de formação te, uma situação de grupo sem estruturas intrínsecas. Retornare- parece-lhes menos ameaçador do que participar de um grupo mos ao assunto mais adiante. No momento trataremos de es- de treinamento ou de diagnóstico. Daremos preferência ao truturas extrínsecas. termo "grupo de formação" toda vez que, durante este capítulo, tratar-se de "T-Group". A. Quanto à duração, uma experiência em grupo de formação deve comportar um mínimo de 2. Para que uma experiência em "grupo de formação" vinte horas de sessões, sendo ideal quarenta horas. seja válida, é preciso que ela se estruture em função dos objetivos fixados originalmente por Lewin para este instrumento B. Quanto ao número de participantes, um de aprendizagem. Kurt Lewin não concluiu o "T-Group". Mas grupo de formação deve contar um mínimo de dez suas próprias descobertas o haviam levado, gradualmente, a for- participantes e um máximo de vinte, sendo o ideal mular desde 1945 três objetivos para uma aprendizagem em de doze a quinze relações humanas (99): C. Quanto à composição dos participantes, as pesquisas sobre este ponto estabeleceram que 1. Oferecer aos participantes uma experiência mais heterogêneo o grupo maiores as possibilidades em grupo restrito, único contexto no interior do de aprendizagem. Sobretudo, quanto mais diferentes qual as relações humanas de todos os membros po- os tipos de trabalho e de vida dos participantes, mais dem se estabelecer sobre uma base interpessoal; lentamente decorre a experiência, mas, por outro 2. Oferecer aos participantes uma experiência lado, há mais possibilidade para que o clima de de grupo centrada sobre a comunicação humana e grupo favoreça as comunicações abertas e confiantes suas exigências de autenticidade; entre os participantes. Uma experiência em grupo 3. Oferecer enfim aos participantes uma ex- de formação, tentada em meio homogêneo, por exem- periência de grupo durante a qual suas relações com plo, no interior de um mesmo ambiente de trabalho, as figuras de autoridade poderiam evoluir e tornar-se arrisca ficar muito cedo comprometida pela apreensão mais Como assinalamos antes, os con- de eventuais represálias da parte daqueles partici- flitos com a autoridade são considerados por Lewin pantes que reencontram, depois da experiência, um como a fonte mais de bloqueios e filtra- estatuto de autoridade no meio. gens de comunicação no interior dos agrupamentos D. Quanto ao contexto espacio-temporal da humanos. experiência, é importante que seu início e seu tér- Com tempo estes objetivos definidos por Lewin foram mino sejam previstos, que os momentos e a duração se tornando mais precisos e claros. Atualmente eles são apre- de cada sessão sejam fixados, que a experiência seja sentados em termos que variam segundo os autores, mas no vivida em um mesmo lugar determinado e reservado essencial se reencontram. Assim, o de formação" deve ao grupo para a duração inteira da experiência.</p><p>96 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 97 4. de formação não é estruturado senão de fora. 7. Por outro lado, os responsáveis pela experiência devem Pois ele define-se para os participantes essencialmente como assumir certos papéis-chaves de modo a criar um clima de uma situação de grupo sem estruturas internas, sem tarefas a crescimento e de aprendizagem. Estes papéis são: realizar, sem autoridade reconhecida. O grupo de formação não é um grupo de trabalho centrado sobre uma tarefa a rea- A. Assumir o papel de catalisador, por suas lizar; não é um grupo de discussão com temas a explorar, pro- atitudes de presença ao outro, de respeito aos ritmos blemas a resolver ou a debater. e momentos psicológicos de cada um, de abertura e de acolhimento a toda tentativa de expressão de si, 5. Os participantes são convidados pelos responsáveis, de aceitação das dificuldades que sentem alguns par- desde o início da experiência, a se perceber como possuindo ticipantes ao se defrontarem com novos modos de todos um status de igualdade enquanto dure a aprendizagem. comunicação com o outro. Tornam-se essencialmen- Devem, pois, o mais cedo possível, deixar cair suas máscaras e te catalisadores para o grupo na medida em que despojar-se dos personagens que a sociedade os obriga a repre- conseguem criar um clima de confiança total entre sentar na vida real. Não estando submetidos a nenhuma autori- os participantes. Por seu próprio estilo de interven- dade, nem constrangidos por nenhuma estrutura, nem pressio- ção ele ensinará aos outros a prática da liberdade de nados por nenhum prazo, devem considerar-se livres para dis- expressão no respeito ao outro. por, à sua maneira, das horas que durará a experiência, tentando B. Além disto, devem tornar-se a consciência se comunicar entre si, para além dos status, das funções, das e a memória do grupo. Os responsáveis assumem situações privilegiadas que habitualmente ocupam em seus grupos estes papéis complementares e no momento que lhes respectivos, isto é, comunicar entre si, de pessoa a pessoa, e parece indicado, isto é, quando percebem o grupo não mais de personagem a personagem. Para facilitar este clima como receptivo ou quando alguns participantes dei- de liberdade, e de espontâneidade de expressão, alguns práticos xam de colocar-se na defensiva, tentam descobrir a da dinâmica dos grupos preconizam mesmo que se estabeleça significação psicológica daquilo que vivem no nível como regra o uso exclusivo do modo familiar de tratamento inter-pessoal. Assim, por referência exclusiva ao entre os participantes. vivido, os participantes descobrem o que neles cons- titui um obstáculo, no momento, às suas comunica- 6. Os profissionais responsáveis pela experiência (eles ções, isto é, as fontes de bloqueio e de filtragem que devem ser dois, de preferência, segundo a opinião da maior os impedem de estabelecer entre eles relações total- parte dos autores), contrariamente às expectativas do grupo, mente autênticas. devem recusar-se a representar certos papéis tradicionais e assim desencorajar toda relação de dependência que o grupo queira C. Mas o papel fundamental que os respon- estabelecer com eles. Estes papéis são os seguintes: sáveis devem assumir é o de agente de formação. Por uma presença profissional nos esforços, aspira- A. Devem recusar-se a assumir o "leadership" ções e motivações dos participantes para crescer e do grupo, não delegando tarefas nem sugerindo temas aperfeiçoar-se, no plano de suas relações interpesso- de discussão. ais, eles conseguem tranquilizar suficientemente os B. Devem recusar-se a ser o conselheiro do participantes, facilitando revisões críticas que liber- grupo, isto. é, não orientando o grupo nem prevenin- tem neles sua tendência fundamental à atualização do-o dos tropeços contrários ou fatais à sua evolução. de si. Para se tornarem agentes de formação adequa- dos, não lhes é suficiente ser permissíveis e tranqui- C. Enfim, devem recusar-se a servir de agente lizadores, será necessário além disto, pela qualidade de informação para o grupo, o que significaria, no de sua presença verbal e não verbal a cada um dos caso, interferir com exposições ou considerações participantes, tornarem-se modelos de autenticidade teóricas. interpessoal.</p><p>98 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 99 INSTRUMENTOS E truturados de modo a favorecer ao máximo as transferências de TRANSFERENCIAS DE APRENDIZAGEM aprendizagem. As implicações e as possibilidades de aprendizagem ofere- 1. Cada estágio tem uma duração de duas semanas, mais cidas pela iniciação a certas técnicas de grupo como "Jogo exatamente de dez dias cheios, sendo as duas semanas separa- do papel" foram logo percebidas e destacadas pelos primeiros das por um fim de semana livre de quarenta e oito horas. O teóricos e práticos da dinâmica dos grupos. Desde o primeiro número de participantes admitido é de sessenta em cada estágio. estágio no New Britan, realizado quando Lewin vivia, "jogo Os participantes devem comprometer-se a viver a experiência inteira em internato, de modo a constituir entre eles mais do papel" havia sido utilizado como técnica de descongelamen- to dos conflitos e das tensões que prejudicavam as comunicações cedo possível uma ilha cultural, elegendo suas normas próprias entre os participantes. e seus próprios valores, fixando suas próprias atividades, orga- nizando seus próprios lazeres. Entretanto não foi senão dez anos mais tarde que os res- ponsáveis do N.T.L. (National Training Laboratory) decidiram 2. Um mínimo de doze psicólogos profissionais especiali- dissociar a iniciação às técnicas de grupo em "S-Group" e a zados em dinâmica dos grupos vivem a experiência inteira com aprendizagem da comunicação em "T-Group". Formularam os participantes, também em regime de internato. Alguns outros então a hipótese de trabalho, logo verificada, que se operariam especialistas em dinâmica dos grupos vêm, por sua vez, juntar-se transferências de aprendizagem e que espontaneamente os par- a este núcleo permanente e reencontrar os participantes seja ticipantes, no momento do bloqueio em grupo de formação, para exposições teóricas, seja para demonstrações de técnicas. recorreriam às técnicas adquiridas e aprendidas em "S-Group". 3. Desde início do estágio a tônica é colocada sobre Assim seriam evitados vários riscos que comprometeriam a evo- o vivido e os participantes convidados a engajar-se mais cedo lução da situação de aprendizagem em grupo de formação. possível na experiência. Nos grupos de formação, os partici- Entre outros, fato dos responsáveis correrem o risco de no pantes passam a maior parte do tempo: de três horas e meia interior da mesma situação de grupo, assumirem papéis a um a quatro horas por dia. Os sessenta participantes são divididos tempo diretivos de iniciadores, de demonstradores de técnicas, em cinco grupos de formação, de doze participantes cada um, e papéis não-diretivos de catalisadores bem como de memórias sob a responsabilidade em cada grupo de dois profissionais. do grupo e experimentarem desta maneira conflitos de papéis. Estes conflitos de papéis podem ser prejudiciais a alguns par- 4. Diariamente os participantes se reencontram em grupos ticipantes, àqueles sobretudo que tentam questionar e modificar de trabalho. Estes são constituídos de sete ou oito participantes. suas relações com a autoridade. Suas imagens e suas percepções O horário prevê uma sessão de grupo de trabalho de duas horas de responsáveis permissíveis e tranquilizadores das quais teriam para cada um dos dez dias de estágio. Estas duas horas são necessidade para evoluir, podem ser perturbadas pelo fato de, consagradas à solução de problemas em grupo. Cada sessão é permanecendo responsáveis, tornarem-se a seu respeito agente seguida de uma meia-hora de auto-avaliação durante a qual, de informação e de condicionamento no momento da iniciação com a ajuda de um profissional, os participantes fazem uma às técnicas de grupo. auto-crítica de seus comportamentos e de suas atitudes em grupo Nos estágios de formação em dinâmica dos grupos, organi- durante as duas horas que precederam. O objetivo das sessões em grupo de trabalho é iniciar e sensibilizar os participantes nos zados conjuntamente pela secção de Psicologia Social do De- processos de funcionamento de um grupo de trabalho. partamento de Psicologia da Universidade de Montreal e a Sociedade Canadense de Dinâmica dos Grupos, esta hipótese foi 5. Dos dez dias, cinco são dedicados às sessões plenárias retomada implicações</p><p>100 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 101 inter-pessoal e inter-grupos, as barreiras e as fronteiras psicoló- gicas à comunicação humana, os mecanismos psicológicos de o domínio de certas técnicas de grupo, sem se engajarem pes- discussão, de negociação e de decisão em grupo de trabalho. soalmente na experiência, arriscariam perder o essencial da Os sessenta participantes subdividem-se, em seguida, em seis aprendizagem da autenticidade interpessoal. Tivemos a oportu- grupos de discussão, constituídos cada um de dez participantes nidade de observar, por várias vezes, o seguinte: os participantes e de um membro do pessoal como animador, para explorar as que não se implicavam pessoalmente senão em grupos de dis- implicações e as aplicações dos dados científicos expostos. cussão e em grupo de trabalho, interessados tão somente em enriquecer seus conhecimentos ou em se iniciar em técnicas, 6. Nos outros cinco dias, os sessenta participantes reen- retornavam geralmente ao seu meio ao mesmo tempo mais in- contram-se novamente em sessões plenárias, desta vez para ex- tolerantes e mais eficazes manipuladores do que nunca. Suas posições sobre a racionalidade de certas técnicas de grupos novas categorias mentais lhes permitiam pronunciar em seu meio, como o "jogo do papel", o sociodrama, a clínica dos boatos, o em nome da dinâmica dos grupos, julgamentos peremptórios e sociograma de participação, a consulta em díade ou tríade. Estas assim acentuar seu dogmatismo com respeito ao outro. Do exposições duram no máximo quarenta e cinco minutos e são mesmo modo a aprendizagem de técnicas de grupos lhes per- seguidas por ateliers de aprendizagem nos quais os participantes mitia, sob pretexto de uma organização mais funcional, melhor se reencontram em pequenos grupos, mais restritos ainda que os camuflar as manipulações de seu meio. grupos de trabalho e de discussão. Eles podem, assim, iniciar-se concretamente nas diferentes técnicas e explorar vivencialmente 10. A experiência nos ensinou: não é senão em grupo de suas possibilidades bem como as implicações para o trabalho formação que os participantes podem questionar suas atitudes ou a vida em grupo. profundas em relação ao Seus comportamentos em grupo 7. Diariamente os participantes vêem filmes didáticos que só se tornarão mais funcionais, suas relações interpessoais mais ilustram certos dados fundamentais sobre a dinâmica e a gênese autênticas, se eles aceitarem e consentirem em crescer e em se dos grupos. Alguns longa-metragens são mesmo utilizados com aperfeiçoar no plano de suas motivações. Suas percepções po- esta finalidade, como por exemplo "Doze homens em cólera" dem evoluir e tornar-se mais objetivas, suas concepções dos com Henry Fonda como intérprete principal. Após o filme os grupos mais científicas, sua habilidade técnica mais eficaz mas participantes são convidados a se reunirem em pequenos grupos seus comportamentos em grupo e de grupo, na realidade, só de discussão deixarão de ser individualistas, quando sua socialização tiver atingido o estágio do altruísmo. Somente o grupo de formação, 8. As exposições teóricas, os filmes didáticos, as discussões presentemente, proporciona esta necessária catarse aos partici- em pequenos grupos têm como objetivo oferecer aos participantes pantes que nele se implicam e se engajam ao nível de seu eu um conjunto coerente de dados científicos sobre a psicologia dos profundo. É sobretudo nele que as transferências de aprendi- grupos. A assimilação destes dados lhes permite objetivar suas zagem têm possibilidade de se realizar. Os participantes des- percepções com respeito aos fenômenos de grupos, sua gênese cobrem pouco a pouco que os dados científicos, para os quais se e sua dinâmica. Eles podem assim liberar-se mentalmente de sensibilizaram durante as exposições e cujas implicações explo- mitos e de clichês que poderiam prejudicar suas expectativas e raram em grupo de discussão, servem de aparelhamento mental suas aspirações a respeito do coletivo e do social. A iniciação para assimilar de modo vital suas experiências em grupos de às técnicas de grupos, sobretudo a esta técnica fundamental que formação. Do mesmo modo, as técnicas em que se iniciaram é a solução de problemas em grupo, permite por outro lado tornam-se instrumentos preciosos para acelerar suas aprendiza- que os participantes adquiram os instrumentos necessários ao gens de comunicações mais adequadas com o outro. Enfim, é manejamento dos grupos. esta experiência, para alguns a primeira na vida, de relações 9. Os participantes que se contentassem em completar sua autênticas com o outro, vivida em grupo de formação, que gra- informação científica sobre a psicologia dos grupos e em adqui- dualmente polariza todas as aprendizagens feitas durante o está- gio. Em grupo de formação, a integração destas aprendi-</p><p>102 GÉRALD BERNARD MAILHIOT DINÂMICA E GÊNESE DOS GRUPOS 103 zagens opera-se geralmente em uma síntese viva e se exprime seus comportamentos em grupo. Estes quatro testes foram por um maior desejo de autenticidade interpessoal. escolhidos com o objetivo de obter um conjunto de dados com- plementares sobre cada participante. Os resultados destes testes 11. Enfim, ao articular o programa e as estruturas de são comunicados aos participantes de um modo sintético e cons- nossos estágios, preocupamo-nos em favorecer não somente a tituem, para cada um, o perfil social de sua personalidade. transferência das aprendizagens atualizadas durante o estágio Estes testes são os seguintes: mas também as transferências de aprendizagem para as situações A. R.G.S.T. concretas que esperam os participantes, após o estágio, em seu retorno aos seus grupos respectivos. A passagem de grupo experimental ao grupo real é prepa- O primeiro teste que os participantes devem fazer a partir na véspera do último dia do estágio por encontros em pe- das primeiras horas do estágio é o teste de Herbert Thelen, da Universidade de Chicago, o "R.G.S.T.", que poderia ser tra- quenos grupos entre os participantes e os profissionais respon- sáveis pela experiência. Para estes encontros é reservado um duzido: o "teste das reações às situações de grupos" (113) horário de meio dia, isto é, mais de três horas. Os participantes Este teste consiste em frases a completar, referindo-se todas às são convidados a se reunir por grupos de ocupação e a explo- situações de interações em grupos de trabalho. É essencial à rar com os membros do pessoal presente, os meios de transpor, sua validade que ele seja feito antes que o estágio ou seja, antes que os participantes sejam "contaminados" mental- nos grupos reais aos quais pertecem, o que aprenderam durante estágio. Tentam também discutir em pequenos grupos as im- mente pelas exposições teóricas sobre "as estruturas e a plicações e as aplicações de sua experiência vivida com refe- mica dos grupos" de trabalho. De outro modo os participantes rência aos papéis que terão de assumir novamente nos grupos arriscam completar as frases com respostas ideais e nada revelar onde deverão integrar-se após o estágio. Pudemos constatar que de seus modos habituais de comportamento em grupo. durante estes encontros a maior parte dos participantes procura, Este teste talvez não nos permita destacar o que o partici- inicialmente, elaborar as respostas que espera levar às necessi- pante é habitualmente em grupo de trabalho, mas o que dese- dades específicas de seus grupos, tanto em termos de reestrutu- jaria ser, o que aspira ser em grupo de trabalho. Mas precisa- ração como de Muito cedo, entretanto, a maioria mente, este teste permite inferir, por uma análise das respostas, dos participantes compreende que a maneira mais segura de aquilo que cada participante considera como as atitudes funcio- levar aos seus respectivos grupos os benefícios da experiência nais a serem adotadas em grupo de trabalho, em relação à tarefa que acabam de viver é preparar, por uma presença mais atenta e em suas relações interpessoais, tanto no plano horizontal com ao outro, climas de grupos mais abertos, mais permissíveis, de seus colegas como no plano vertical com a autoridade respon- modo a tornar as relações interpessoais mais autênticas e mais sável pelo trabalho. criativo o trabalho de seu grupo. B. monitor ideal. 12. Resta-me mencionar aquilo que, parece, fomos os pri- meiros e, durante alguns anos, os únicos a utilizar como ins- O segundo teste utilizado é um teste preparado por Thomas Gordon, um dos principais colaboradores de Carl Rogers, e in- trumentos ao mesmo tempo de tomada de consciência e de titulado monitor ideal" (37). Este teste consiste em uma transferência da aprendizagem, tanto durante como após o está- série de enunciados sobre o leadership. A tarefa consiste em gio, a saber: submeter os participantes, durante o estágio, a ses- classificar estes enunciados, segundo uma ordem prioritária, de sões de testes psicológicos. modo a estabelecer um perfil das aptidões e atitudes fundamen- Durante o estágio os participantes devem passar por quatro tais a um leadership funcional e eficaz. A pessoa testada pro- testes diferentes. Estes quatro testes são semiprojetivos, revelan- jeta assim, segundo a ordem de importância atribuída a este do-nos o eu social do indivíduo, suas atitudes fundamentais com ou item, sua concepção e sua percepção do leadership relação ao outro, o sistema de valores que determina e inspira ideal e em seus modos preferidos de exercer a</p><p>104 GÉRALD BERNARD MAILHIOT E GÊNESE DOS GRUPOS 105 autoridade, desde que lhe seja confiada a responsabilidade de A partir dos resultados dos testes, eles tentam, juntos, descobrir um grupo de trabalho. Este teste é ministrado no segundo dia, em que o estágio foi uma experiência de autenticidade. a antes que exposições sobre a psicologia do leadership venham ocasião, geralmente decisiva, para cada participante, assimilar fornecer aos participantes um sistema de classificação e assim e integrar, graças ao do tempo, as tomadas de consciência comprometer a validade do teste. que os testes e o estágio suscitaram sobre seus modos habituais de se comportar e de funcionar em grupo, uma última transfe- C. Escala de dogmatismo. rência de aprendizagem pode então atualizar-se. Um terceiro teste, chamado "Escala de dogmatismo", con- ETAPAS DA APRENDIZAGEM siste em um questionário de escolhas múltiplas. Segundo o participante se diga de acordo ou não com uma filosofia rigida- O estágio de formação em dinâmica dos grupos proporcio- mente sistematizada das relações interpessoais ou intergrupais, na ao participante uma ajuda no sentido de decentrá-lo de explicitada pelos enunciados, ele projeta em que grau o dog- si mesmo e situá-lo em relação ao outro, levando-o a se liberar matismo pode prejudicar suas comunicações com o outro. Este das fixações ou de seu egocentrismo, para preparar nele o apren- teste foi concluído por nós a partir dos resultados das pesquisas dizado do alocentrismo. Graças aos climas de grupo, propícios de M. Rokeach (130) sobre as relações entre o autoritarismo ao crescimento e à superação de si, criados pela presença pro- e o conformismo. O objetivo deste teste é levar cada partici- fissional de especialistas em dinâmica dos grupos, cada parti- pante a projetar em suas respostas seus sistemas de valores e cipante, ao implicar-se pessoalmente na experiência, pode, se- sua filosofia da autenticidade interpessoal. Ele nos revela assim gundo seus próprios ritmos, adquirir: o que Kurt Lewin chamava as atitudes fundamentais a respeito da mudança social. Que atitudes o participante mostra com novos níveis de vigilância e de presença ao relação à evolução dos grupos de que faz parte: rigidez, fluidez, outro; elasticidade ou flexibilidade? Este teste é ministrado durante a esquemas mais adequados de percepção de primeira semana do estágio. si e do outro; modelos mais flexíveis, mais funcionais de D. sociograma. expressão de si e de comunicação com o outro. Um quarto teste, um "Sociograma", é ministrado duas ve- zes: no fim de cada uma das duas semanas do estágio. Estes Estas aprendizagens se operam gradualmente, por etapas, dois sociogramas são feitos em grupo de formação e por refe- por Elas dependem em parte da competência dos rência aos únicos coparticipantes de um mesmo grupo de for- profissionais responsáveis pela experiência. Não dependem me- mação. São construídos e formulados de modo a permitir que nos dos recursos psíquicos de cada participante, de seus níveis se possa estabelecer, semanalmente, o estatuto sociométrico de de aspiração, de expectativas, de seu grau de motivação, cada participante em seu próprio grupo de formação e a desta- isto é, de seu desejo de se questionar no plano interpessoal e car os índices de seu grau de empatia e de transparência. Cada de se abrir para relações mais autênticas com o outro. Alguns participante pode assim tomar consciência, à luz dos resultados participantes chegam ao alocentrismo ao final de um estágio. de seus dois sociogramas, da imagem que apresentou aos outros Outros devem repetir a experiência várias vezes antes de con- durante o estágio, do grau de sua objetivação de si-mesmo e segui-lo. do grau de expressão de si que atingiu. Ao mostrar que a aprendizagem da autenticidade realiza-se Uma vez compilados e interpretados os resultados dos tes- por escalões progressivos, tentamos integrar em uma mesma tes, estes são transmitidos aos participantes durante entrevistas concepção genética a colaboração de alguns teóricos recentes, psicológicas. Cada participante, dois meses mais ou menos após que tentaram definir de modo operacional as fases de evolução o estágio, é convidado a encontrar um dos membros do pessoal. de um grupo de formação (3), (5), (14), (17), (19), (42),</p>

Mais conteúdos dessa disciplina