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<p>Fisiologia Farmacêutica III</p><p>Conhecendo a disciplina</p><p>Seja bem-vindo à disciplina de Tecnologia Farmacêutica III!</p><p>A propriedade de transformar diversas matérias-primas em medicamentos ou cosméticos é uma atividade histórica na profissão farmacêutica e tem um impacto relevante na sociedade. Um medicamento é composto por princípios ativos, excipientes ou veículos e adjuvantes. Diversos conhecimentos são requeridos para se estabelecer os componentes e os procedimentos técnicos envolvidos no preparo de um produto farmacêutico. Nesta disciplina, você terá acesso aos conteúdos relacionados às técnicas de preparação, conservação e estabilidade necessárias para produtos farmacêuticos semissólidos emulsionados e gelificados em escala magistral ou industrial.</p><p>As formas farmacêuticas semissólidas são, normalmente, prescritas para uso tópico, portanto iniciaremos os estudos conhecendo os aspectos anatômicos e fisiológicos da pele e anexos cutâneos na Unidade 1. Aqui, você entenderá também como as moléculas pertencentes a uma formulação atuam em nível local e/ou sistêmico. A partir disso, avançaremos, na Unidade 2, com o estudo das formas farmacêuticas emulsionadas, suas características e técnicas de preparação. Os aspectos relacionados à estabilidade das emulsões serão abordados na Unidade 3, e a Unidade 4 fará o fechamento da disciplina, com a abordagem dos géis e o estudo da reologia.</p><p>Ao concluir esta disciplina, você compreenderá os aspectos que interferem na qualidade, na eficácia e na segurança dos produtos farmacêuticos e será capaz de delinear formas farmacêuticas semissólidas. Para isso, leia o conteúdo com atenção, realize todos os exercícios, participe das aulas práticas eaprofunde-se nos temas por meio da bibliografia indicada.</p><p>Bons estudos!</p><p>Fisiologia da Pele</p><p>CONVITE AO ESTUDO</p><p>Prezado aluno, em algum momento você já questionou a necessidade ou viabilidade de aplicar um medicamento na pele?</p><p>Você sabia que, ao aplicar um produto na pele, seja ele um cosmético ou um medicamento, as substâncias presentes na formulação podem chegar à corrente sanguínea e, neste caso, apresentar uma resposta sistêmica? Observe a variedade de produtos farmacêuticos semissólidos e líquidos (cremes, loções e géis) comercializados no momento. Quais são as características requeridas para que um fármaco esteja disponível na forma de creme? Quais aspectos influenciam na eficácia de um cosmético aplicado sobre a pele?</p><p>Nesta unidade, iniciaremos os estudos pela Seção 1, na qual compreenderemos a fisiologia da pele e o impacto que este órgão tem na proteção contra agentes externos. Nesta seção, começaremos também a contextualização prática da tecnologia farmacêutica. Na Seção 2, abordaremos aspectos relacionados à permeação cutânea, como as características físico-químicas das substâncias, os veículos e as bases dermatológicas de uso cosmético e farmacêutico. O preparo de produtos farmacêuticos requer muitos cuidados e técnicas específicas, assim, na Seção 3, entenderemos como ocorre a incorporação de ativos em uma formulação estudando as operações farmacotécnicas essenciais destinadas ao preparo de formas farmacêuticas semissólidas e líquidas.</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>O estudo da fisiologia da pele e absorção percutânea de fármacos é essencial para a compreensão da ação das substâncias em nível local e sistêmico quando aplicados na pele. Este órgão apresenta múltiplas características, as quais influenciam diretamente no resultado de um tratamento medicamentoso ou cosmético. É relevante o conhecimento sobre os aspectos que contribuem para a escolha desta via de administração, bem como dos aspectos que influenciam a maior ou menor permeabilidade de substâncias através da pele. Farmacêuticos e pesquisadores têm se dedicado cada vez mais no desenvolvimento de tecnologias para adequar as formas farmacêuticas às necessidades dos pacientes, no intuito de melhorar a adesão ao tratamento. Neste sentido, a via tópica para liberação de fármacos é uma alternativa às formas farmacêuticas tradicionais de uso oral.</p><p>A farmácia magistral é um campo muito interessante de atuação do farmacêutico e uma área indispensável para estagiar e aprender sobre o preparo de formulações destinadas à aplicação na pele, nos cabelos e nas unhas. O setor magistral visa à personalização de fórmulas, dando uma atenção especial aos pacientes.</p><p>Visualize o seu estágio em uma farmácia com manipulação e imagine a seguinte situação: no setor de atendimento, você recebe uma prescrição de 10 sachês de Ondansetona 8 mg/mL, aplicar 1 mL de 8 em 8 horasatrás das orelhas ou nos pulsos. Diante disso, você se questiona: por que este medicamento, que geralmente é prescrito em formas farmacêuticas de uso oral, está sendo prescrito para uso tópico? Por que aplicar atrás das orelhas ou nos pulsos já que este fármaco é destinado para náuseas? Por que aplicar 1 mL de cada vez? Por que preparar em sachês? Existe alguma recomendação especial para preparar esta formulação?</p><p>Para o esclarecimento destas dúvidas, é necessário iniciar o estudo pelo fundamental, ou seja, conhecer o essencial sobre esta via de administração.Para compreender como os fármacos administrados na pele atuam em nível local ou sistêmico, é preciso conhecer a anatomia e fisiologia básica da pele e os mecanismos pelos quais as substâncias presentes em uma formulação chegam até a circulação sistêmica.</p><p>Conceito-Chave</p><p>Fisiologia da pele</p><p>O estudo do corpo humano é complexo, então, para melhor compreender o seu funcionamento, ele é dividido em sistemas. O sistema tegumentar é composto pela pele e pelos anexos cutâneos (glândulas, unhas e pelos). A pele é o maior órgão do corpo humano, correspondendo a cerca de 15% do seu peso total. Constitui a primeira barreira de proteção do indivíduo ao ambiente externo, agindo como um invólucro de revestimento, apresenta certo grau de impermeabilidade e possui diversas funções vitais para a manutenção da homeostasia corporal. Estruturalmente, é complexa e, fisiologicamente, é essencial para o reconhecimento sensorial externo através das terminações nervosas e imprescindível na manutenção da temperatura corporal e na defesa contra elementos físicos, químicos e biológicos.</p><p>Reflita</p><p>Anexos cutâneos</p><p>As unhas, as glândulas sudoríparas, as glândulas sebáceas e os folículos pilossebáceos são denominados anexos cutâneos. Essas estruturas são formadas durante a vida embrionária, por meio de modificações da epiderme, e fazem parte do sistema tegumentar. Ao todo, os anexos cutâneos ocupam menos de 1% da superfície total da pele, mas podem estar envolvidos na penetração percutânea de grande parte das substâncias exógenas.</p><p>A pele é formada por três camadas essenciais: a epiderme, a derme e a camada subcutânea (Figura 1.1).A epiderme é formada, principalmente, por queratinócitos, células especializadas em produzir a queratina. Os queratinócitos estão dispostos em quatro camadas: estrato córneo, estrato granuloso, estrato espinhoso e estrato basal (Figura 1.2). A espessura da epiderme é variável no corpo, possuindo cerca de 0,8 mm na face, atingindo até 1,4 mm nas áreas mais espessas, como a palma das mãos e as plantas dos pés. Além dos queratinócitos, estão presentes também os melanócitos, responsáveis pela produção de melanina; as células de Merkel, responsáveis pela sensibilidade tátil; as células de Langerhans, responsáveis pela defesa imunológica. Devido à sua localização e constituição, a principal função da epiderme é exercer uma barreira de proteção.</p><p>A derme é um tecido conjuntivo de suporte, que contém fibroblastos responsáveis pela síntese de colágeno, fibras elásticas e glicosaminoglicanos. A espessura desta camada varia entre 0,6 mm (por exemplo, pálpebras) e 3 mm (por exemplo, costas e solas). Células dendríticas dérmicas, mastócitos, macrófagos e linfócitos também estão presentes na derme e auxiliam na defesa contra patógenos.</p><p>A camada subcutânea (hipoderme) é formada por tecido conjuntivo frouxo rico em colágeno e gordura. Proporciona flutuabilidade e isolamento térmico ao corpo,</p><p>de acordo com sua polaridade, relativa à sua constituição química. Por meio desta classificação, uma faixa de EHL de eficiência ideal para cada classe de tensoativos pode ser estabelecida. Originalmente, este sistema foi designado para classificar emulsificantes não-iônicos, mas essa classificação também tem sido ampliada e aplicada com sucesso aos tensoativos iônicos.</p><p>Se o valor de EHL atribuído ao emulsificante for baixo, significa que o número de grupos hidrofílicos na molécula é pequeno, o que significa que ele é mais lipofílico e produzirá emulsões A/O. Tensoativos com valores de EHL entre 8 e 18 resultam em emulsões O/A, devido à característica hidrofílica do tensoativo. Por exemplo, o Span 80 tem um valor EHL de 4,3 e é solúvel em óleo, enquanto o Tween 20 tem um valor de EHL de 16,7 e é solúvel em água.</p><p>Figura 2.8 | Escala EHL mostrando a função do emulsificante</p><p>Fonte: adaptada de Aulton (2005, p. 108).</p><p>A solubilidade do agente emulsificante influenciará o tipo de emulsão formada. Geralmente, utilizam-se misturas de emulsificante, com o intuito de obter emulsões mais estáveis do que as emulsões preparadas com um único tipo de surfactante.</p><p>Reflita</p><p>A escolha do agente emulsionante a ser usado em formas farmacêuticas emulsionadas não depende apenas da sua capacidade emulsionante mas também da via de administração específica e, consequentemente, de sua toxicidade.</p><p>A toxicidade das matérias-primas deve ser levada em consideração apenas em formulações destinadas para uso interno?</p><p>Classificação dos tensoativos na escala de Griffin</p><p>A escala de Griffin classifica os tensoativos em faixas de EHL (Tabela 2.2) e relaciona estas à sua atividade nas formulações, como:</p><p>· Agentes antiespumantes (EHL entre 1 e 3): dissipam a espuma desestabilizando a interface ar-líquido, o que permite que o líquido seja drenado da bolsa de ar. São exemplos: álcool, óleo de rícino, éter e alguns surfactantes.</p><p>· Agentes emulsificantes: são surfactantes que reduzem a tensão interfacial entre óleo e água, minimizando a energia de superfície através da formação de gotículas. Podem apresentar valores de EHL de 3 a 6 (emulsificantes A/O) ou de 8 a 18 (emulsificantes O/A).</p><p>· Agentes molhantes (EHL entre 7 e 9): ajudam a atingir contato íntimo entre as partículas sólidas e os líquidos. Podem ser utilizados em diversas formas farmacêuticas.</p><p>· Detergentes (EHL entre 13 e 16): geralmente, destinam-se à limpeza, pois reduzem a tensão superficial e molham uma superfície, bem como qualquer material estranho. Quando um detergente é usado, o material estranho será emulsificado e removido, e pode ocorrer formação de espuma.</p><p>· Solubilizantes (EHL entre 15 e 20): atuam formando micelas. Geralmente, são surfactantes com um EHL elevado. São usados para aumentar a solubilidade de um óleo em um meio aquoso. A porção lipofílica do surfactante aprisionaria o óleo na porção lipofílica (interior) da micela. A porção hidrofílica do surfactante em torno do glóbulo de óleo seria, por sua vez, exposto à fase aquosa.</p><p>Tabela 2.2 | Relação de alguns agentes emulsificantes de acordo com a classificação EHL</p><p>Classificação</p><p>EHL</p><p>Substância</p><p>Nome comercial</p><p>Antiespumantes</p><p>1,5</p><p>Diestearato de dietilenoglicol</p><p>-</p><p>1,8</p><p>Trioleato de sorbitano</p><p>Span® 85</p><p>2,1</p><p>Triestearato de sorbitano</p><p>Span® 65</p><p>Emulsificantes A/O</p><p>3,8</p><p>Monoestearato de glicerila</p><p>-</p><p>4,3</p><p>Monoleato de sorbitano</p><p>Span® 80</p><p>4,9</p><p>Oleil éter polioxietileno</p><p>Brij 92</p><p>Molhantes</p><p>6,7</p><p>Monopalmitato de sorbinato</p><p>Span® 40</p><p>7,1</p><p>Dioleato de sacarose</p><p>-</p><p>8,6</p><p>Monolaurato de sorbitano</p><p>Span® 20</p><p>Detergentes</p><p>13,1</p><p>Monolaurato de polioxietileno</p><p>Peg 400</p><p>14,9</p><p>Polissorbato 60</p><p>Tween® 60</p><p>16,9</p><p>Lauril éter de polioxietileno</p><p>Brij 35</p><p>Emulsificantes O/A</p><p>9,6</p><p>Polissorbato 61</p><p>Tween® 61</p><p>15</p><p>Polissorbato 80</p><p>Tween® 80</p><p>16,9</p><p>Estearato de polioxietileno</p><p>Myrj 52</p><p>Solubilizantes</p><p>16,7</p><p>Polissorbato 20</p><p>Tween® 20</p><p>17,0</p><p>Polaxamer</p><p>Pluronic®F-68</p><p>18</p><p>Oleato de sódio</p><p>-</p><p>Fonte: adaptada de Allen Jr. (2016, p. 298).</p><p>Os emulsificantes apresentados na Tabela 2.2 apresentam concentrações de uso variáveis, e a sua utilização no preparo de emulsões deve seguir a faixa de concentração segura para a finalidade desejada, indicada pelo fornecedor. Os ésteres de sorbitano (Span®) e os polissorbatos (Tween®), por exemplo, são comumente utilizados em produtos farmacêuticos e, quando utilizados como emulsificantes ou solubilizantes, são empregados na faixa de 1 a 15%, mas, para a finalidade molhante, a concentração fica entre 0,1 e 3%.</p><p>Cálculos de EHL</p><p>Os valores de EHL são atribuídos para os emulsificantes e para os óleos ou outras substâncias oleosas. Assim, os emulsificantes escolhidos para o preparo da emulsão são aqueles que apresentam valores de EHL iguais ou próximos ao EHL da fase oleosa da fórmula. Desta forma, de acordo com a composição da fase oleosa, pode ser estimado o EHL requerido para uma emulsão e, a partir disso, escolher o sistema emulsificante adequado. Para determinar o EHL requerido de uma emulsão, deve-se avaliar a composição proposta, dedicando atenção especial à fase oleosa e, a partir disso, realizar o cálculo.</p><p>Exemplificando</p><p>Determinando o EHL requerido para um emulsificante em uma emulsão</p><p>Observe a fórmula da tabela. A fase oleosa representa 45% da fórmula, sendo 25 g de vaselina sólida e 20 g de álcool cetílico. Cada uma destas matérias-primas apresentam valores de EHL já descritos em literatura. Todos estes dados devem ser levados em consideração nos cálculos.</p><p>Tabela 2.3 |Exemplo esquemático para determinação do EHL</p><p>Fórmula</p><p>EHL da substância</p><p>EHL requerido</p><p>EHL parcial</p><p>Vaselina sólida</p><p>25 g</p><p>8</p><p>(25 ÷ 45) x 8</p><p>4,5</p><p>Álcool cetílico</p><p>20 g</p><p>15</p><p>(20 ÷ 45) x 15</p><p>6,7</p><p>Emulsificante</p><p>2 g</p><p>Conservante</p><p>0,2 g</p><p>Água purificada</p><p>q.s.p. 100g</p><p>Fonte: Elaborada pela própria autora.</p><p>Ao chegar aos valores de EHL parcial para cada substância oleosa ser emulsificada na fórmula descrita, somam-se os valores:</p><p>4,5 + 6,7 = 11,2</p><p>A partir deste cálculo, será escolhido um ou mais emulsionantes que apresente EHL próximo ou igual a 11,2.</p><p>Como apresentado no exemplo, quando uma formulação contém uma mistura de ingredientes oleosos e ceras, o EHL requerido final é calculado somando-se as contribuições dos valores de equilíbrio hidrófilo-lipófilo de cada um dos ingredientes da mistura. Para atender ao EHL requerido, utiliza-se uma mistura de emulsificantes. Geralmente, utiliza-se um emulsificante que favorece emulsões A/O associado a outro que favorece emulsões O/A, em proporções diferentes, que favoreçam o tipo de emulsão que se deseja obter. A inclusão de um ou mais agentes emulsionantes facilita a emulsificação durante o processo de produção e contribui na estabilidade do produto durante o tempo de validade em prateleira. O método EHL permite que o valor de EHL efetivo de misturas de surfactantes seja calculado.</p><p>%(a)=100X−EHLbEHLa−EHLb</p><p>%(b)=100−%(a)</p><p>Onde:</p><p>X = EHL requerido para emulsificar a formulação.</p><p>a = surfactante hidrofílico.</p><p>b = surfactante hidrofóbico.</p><p>Exemplificando</p><p>Calculando a proporção de uma mistura de emulsionantes</p><p>Aplicando a equação ao exemplo da emulsão para a qual era requerido um emulsificante com EHL igual a 11,2.</p><p>Tomaremos como exemplo a seguinte associação:</p><p>· Emulsificante O/A: Polissorbato 80 (emulsificante a) → EHLa = 15.</p><p>· Emulsificante A/O: Monoleato de sorbitano (emulsificante b) → EHLb = 4,3.</p><p>Determinação da % do emulsificante a:</p><p>%(a)=100X−EHLbEHLa−EHLb</p><p>%(a)=10011,2−4,315−4,3</p><p>%(a)=64</p><p>Determinação da % do emulsificante b:</p><p>%(b)=100−%(a)</p><p>%(b)=100−64</p><p>%(b)=100−64</p><p>Assim, tem-se que a mistura de emulsificante deve ser composta por 64% de polissorbato 80, e 36% de monoleato de sorbitano.</p><p>Como a fórmula descrita denominava a utilização de 2 g de emulsificante, determina-se a quantidade de cada um com base no percentual obtido:</p><p>· 2 g de emulsificante x 64 % = 1,28 g de polissorbato 80.</p><p>· 2 g de emulsificante x 36 % = 0,72 g de monoleato de sorbitano.</p><p>Em geral, utiliza-se cerca de 0,5 a 5% de emulsificante em relação à quantidade total</p><p>de formulação. A determinação da quantidade exata é determinada de forma experimental. Para iniciar os experimentos, é possível estimar a quantidade de emulsificante por equação matemática.</p><p>Q=6ρ10−0,5(EHLr)+4Qc1000</p><p>Onde:</p><p>Q= quantidade do emulsificante (g).</p><p>ρ=ρeρd = Relação entre a densidade do emulsificante (ρe) e a densidade da fase dispersa (ρd).</p><p>EHLr = equilíbrio hidrófilo-lipófilo requerido pela fase dispersa.</p><p>Qc = percentagem da fase contínua.</p><p>Se a quantidade de emulsificante for insuficiente para encobrir as gotículas da fase dispersa, a estabilidade será comprometida. Se um excesso de emulsificante for utilizado, pode ocorrer a formação de espuma, que é indesejável para grande parte das emulsões. Assim, o uso do sistema EHL é interessante, mas apresenta limitações, uma vez que não leva em consideração a concentração do emulsionante, a presença de adjuvantes e os efeitos da temperatura.</p><p>Métodos de preparo das emulsões: técnica geral e técnica do balanço hidrófilo-lipófilo</p><p>As emulsões, geralmente, não se formam espontaneamente apenas pela mistura de dois líquidos imiscíveis na presença do emulsionante, é necessário empregar energia de agitação mecânica ou vibração ultrassônica para reduzir cada fase em gotículas menores e aumentar a superfície de contato entre elas. Algumas emulsões podem ser preparadas a frio e, em alguns casos, é necessário utilizar calor. Podem ser preparadas tanto manualmente quanto por métodos mecânicos. Esses métodos podem envolver o uso de um almofariz e pistilo, uma garrafa para agitar, béqueres, um misturador elétrico ou um agitador mecânico, um homogeneizador de mão e sonicadores.</p><p>A técnica de preparo de uma emulsão dependerá das matérias-primas empregadas na sua composição. As emulsões simples preparadas com goma arábica podem ser preparadas pelo método da goma seca ou goma úmida. No método da goma seca, a goma arábica é triturada com óleo e, após a obtenção de uma pasta fluida e macia, a fase oleosa é adicionada de uma só vez com trituração vigorosa. No método da goma úmida, a goma arábica é triturada com um agente levigante hidrofílico, como a glicerina; na sequência, é adicionada a água aos poucos e, por último, o óleo de forma gradual. Em ambas, a proporção de óleo: água:emulsificante, normalmente, é 4:2:1 para formar a emulsão primária. A emulsão formada consiste em um sistema de viscosidade e consistência ótimas.</p><p>Fármacos e adjuvantes solúveis em água são adicionados diretamente na emulsão primária. Fármacos insolúveis podem ser triturados com um agente levigante e incorporados à emulsão primária. Fármacos solúveis em óleo podem, em alguns casos, ser solubilizados na fase oleosa antes da formação da emulsão primária.</p><p>A preparação de emulsões de sabões nascentes consiste na elaboração do emulsionante à medida que a emulsão é preparada. O emulsionante é obtido pela hidrólise alcalina dos ácidos graxos presentes na fase oleosa. Essas emulsões podem ser preparadas pelo método da garrafa para ingrediente líquidos, ou com almofariz e pistilo quando a fórmula possui ingrediente sólidos insolúveis. A emulsão de óleo de oliva e água de cal é um exemplo deste tipo de emulsão. Nela a solução de hidróxido de cálcio, adicionada de forma gradativa à fórmula, realiza a hidrólise dos ácidos graxos livre do óleo de oliva. Sabões aminados utilizando a trietanolamina como base são exemplos mais comuns utilizados em produtos farmacêuticos e cosméticos. Nesta reação, o estearato de trietanolamina é formado in situ, por meio da reação da trietanolamina e do ácido graxo respectivo. O resultado desta reação é uma emulsão O/A estável. Devido à constituição química das emulsões de sabões nascentes, elas serão incompatíveis com ativos de caráter ácido e elevadas concentrações de eletrólitos.</p><p>Emulsões com surfactantes não iônicos empregam o sistema de equilíbrio hidrófilo-lipófilo descrito anteriormente. Neste, a possibilidade de separação de fases é mínima para o valor ideal de EHL, entretanto há casos em que o valor de EHL requerido não pode ser calculado. Também ocorre que elevadas concentrações de substâncias ativas oleosas e a presença de componentes que sofrem partição na fase oleosa podem interferir no valor de EHL requerido para a emulsão. Desta forma, a escolha apropriada de emulsionante ou mistura de emulsionante é, geralmente, feita pela preparação de uma série de emulsões com uma gama de surfactantes de ampla faixa de EHL.</p><p>Os cremes e as loções cremosas utilizados como base para o preparo de formas farmacêuticas semissólidas de uso tópico são, normalmente, preparados com a utilização de calor, imprescindível para fusão das ceras e outros materiais graxos. Neste caso, os componentes da fórmula são divididos em duas fases distintas: óleo e água. Cada fase é aquecida individualmente até cerca de 70 °C a 80 °C. Na sequência, uma fase é vertida sobre a outra, geralmente a aquosa na oleosa, com agitação lenta e vigorosa até o resfriamento.</p><p>Praticando os conceitos de emulsões</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Caro aluno!</p><p>Por muito tempo, os sistemas emulsionados vêm sendo estudados na área farmacêutica para veiculação de ativos destinados à administração tópica devido à alta aceitação dos pacientes. As emulsões podem ser preparadas em pequena escala, em farmácias de manipulação, ou em larga escala, no caso da indústria de medicamentos e cosméticos. Em ambos os casos, quando o óleo e a água são misturados, uma energia na forma de agitação é requerida para produzir a distribuição do tamanho das gotículas necessária. Como apresentado na Seção 2 desta unidade, os emulsificantes têm um papel importante no processo de emulsificação. Emulsificantes surfactantes reduzem as tensões interfaciais, formando gotículas mais estáveis, com menor tendência à coalescência. Outros emulsificantes, como as macromoléculas poliméricas, alteram as forças hidrodinâmicas geradas durante a emulsificação por sua influência nas propriedades reológicas. Desta forma, percebe-se que a escolha do emulsificante dependerá da composição da formulação.</p><p>Emulsões são, geralmente, preparadas experimentalmente, em pequena escala no laboratório, antes de sua produção ser ampliada para fabricação industrial em quantidades maiores. Em pequena escala, o processo de emulsificação pode ser realizado utilizando gral de porcelana e pistilo com agitação manual ou com agitação mecânica através de um misturador, mixer ou homogeneizador de bancada. Em larga escala, utilizam-se tanques misturadores ou batedeiras industriais com técnicas de agitação mais robustas.</p><p>Na Kendra, indústria de bases galênicas, o desafio de preparar a nova base na forma de emulsão continua no setor de pesquisa e desenvolvimento. Já foram descritas as matérias-primas para compor cada fase da fórmula e já foi estabelecida a técnica de preparo. Neste primeiro momento, uma pequena quantidade da base foi preparada. É necessário, agora, realizar os ensaios de controle de qualidade e verificar se a base preparada atende às características requeridas. Quais são os ensaios de controle de qualidade que devem ser realizados?</p><p>Como foi bem estabelecido nas seções anteriores, os cremes são sistemas termodinamicamente instáveis. Um grau razoável de estabilidade em relação ao tempo pode ser alcançado com o uso de surfactantes, co-emulsionantes e outros aditivos. Nesta seção, avançaremos o estudo nos aspectos práticos referentes à manipulação e encerraremos a unidade abordando as técnicas de controle de qualidade de emulsões O/A e A/O.</p><p>Conceito-Chave</p><p>Manipulação de emulsões O/A</p><p>As emulsões do tipo óleo-em-água (O/A) apresentam fase interna oleosa e fase externa aquosa. Dois fatores determinam este tipo de emulsão: a quantidade de água e a solubilidade do emulsificante. Grandes concentrações de água e emulsificantes com elevados valores de EHL favorecem a formação de emulsões O/A. Emulsões líquidas deste tipo podem ser empregadas para administração de óleos por via oral, geralmente, com a finalidade laxante (óleo de rícino, óleo mineral) ou para suplementação nutricional (óleo</p><p>de peixe, vitaminas lipossolúveis), com o intuito de melhorar a palatabilidade. Fármacos lipossolúveis (vitamina K, diazepam, propofol) podem ser veiculados na fase dispersa deste tipo de emulsão para administração parenteral. Além disso, formulações semissólidas ou líquidas, como os cremes e as loções, são formuladas na forma de emulsão (O/A) para administração tópica de fármacos ou ativos cosméticos. As emulsões para administração tópica são bem aceitas pela população por apresentarem elegância e característica de leveza ou suavidade ao toque. Para o formulador, essas formulações são interessantes, pois possibilitam a veiculação simultânea de ativos lipossolúveis na fase interna e hidrossolúveis na fase externa. Muitas vezes, são escolhidas pelo prescritor porque se misturam bem com os exsudatos dos tecidos, sendo removidas facilmente com água.</p><p>Reflita</p><p>Quais aspectos são relevantes na escolha do sistema conservante?</p><p>Uma das fases das emulsões é representada pela água, razão pela qual este tipo de forma farmacêutica é suscetível à contaminação microbiológica e à proliferação de fungos e bactérias. Desta forma, a escolha do agente conservante é uma etapa crítica no desenvolvimento de emulsões.</p><p>Assista ao vídeo Quais as características de um bom sistema conservante?, no YouTube, para ampliar sua reflexão sobre o assunto.</p><p>Emulsões semissólidas, como os cremes, contêm mais emulsificante do que o necessário para formar uma monocamada estabilizadora na interface óleo-água. Estes emulsionantes podem interagir com a fase dispersa ou dispersante, produzindo um sistema complexo. Cremes O/A estáveis preparados com ceras emulsificantes iônicas ou não iônicas são compostos por quatro fases (Figura 2.9): uma fase de óleo disperso, uma fase de gel cristalino, uma fase de hidrato cristalino e uma fase aquosa, contendo uma solução diluída de surfactante. A estabilidade geral de um creme é dependente da estabilidade da fase de gel cristalino. A presença destas fases reduz as forças van der Waals, força atração que ocorre entre as gotículas de óleo, evitando a coalescência.</p><p>Figura 2.9 | Representação da interação intermolecular dos componentes um creme O/A</p><p>Estabilidade</p><p>CONVITE AO ESTUDO</p><p>Caro aluno, bem-vindo à Unidade 3!</p><p>Nesta unidade, dividida em 3 seções, você será habilitado para a identificação de emulsões e suas instabilidades, sendo capaz de resolver problemas relacionados ao delineamento farmacotécnico. Na Seção 3.1, você será introduzido aos conceitos de estabilidade e de incompatibilidade. Na Seção 3.2, serão abordados os processos de instabilidade das emulsões: cremeação, floculação, coalescência e separação de fases. Para fechar a unidade, a Seção 3.3 apresentará os ensaios de estabilidade, abordando a prática farmacêutica.</p><p>O conhecimento da estabilidade química, física e microbiológica das emulsões é fundamental para a seleção das matérias-primas e dos materiais de embalagem, bem como para a orientação quanto às condições de armazenamento do produto farmacêutico formulado. O perfil de estabilidade obtido a partir dos testes indicará o prazo de validade para uma utilização com segurança.</p><p>A instabilidade de fármacos nas formulações pode ser detectada, em alguns casos, pela alteração na aparência física, como a cor, o odor, o sabor ou a textura. Em outros casos, a decomposição pode não ser evidente, sendo apenas detectada pela análise química, com equipamentos que incluem os cromatógrafos líquidos (CLAE) e gasosos (CG-MS).</p><p>Uma vez que os produtos farmacêuticos devem atender aos critérios de estabilidade para armazenamento por períodos prolongados na temperatura e na umidade relativa do ambiente, o estudo desta unidade torna-se extremamente importante. Vamos iniciar?</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Bem-vindo à Seção 3.1.</p><p>Nesta seção introdutória da Unidade 3, você será apresentado aos conceitos de estabilidade, aos fatores extrínsecos e intrínsecos que a influenciam, às incompatibilidades físicas e químicas e aos aspectos físicos, químicos e microbiológicos considerados nos estudos de estabilidade de emulsões.</p><p>Cecília está estagiando na Botika Fórmulas Magistrais, uma farmácia com manipulação que oferece estágio curricular para os alunos do 9º semestre. Hoje, o dia de estágio de Cecília iniciou um pouco diferente, com um desafio sendo proposto pela farmacêutica responsável por sua supervisão.</p><p>No período do inverno, cerca de 20% das requisições da farmácia são compostas por despigmentantes de uso tópico. Neste ano, a hidroquinona, um ativo utilizado por muito tempo, voltou a ser prescrito pelos dermatologistas da cidade e, para não perder este nicho de mercado, é necessário retornar à manipulação de formas farmacêuticas contendo esta substância. Assim, devido ao número crescente de prescrições contendo hidroquinona para tratamento dermatológico, esta matéria-prima foi adquirida pela farmácia.</p><p>A hidroquinona é um ativo que pode ser veiculado em formas farmacêuticas líquidas ou semissólidas, sendo os cremes as formas mais comuns de dispensação. As informações físico-químicas sobre substâncias ativas e excipientes estão sendo cada vez mais disponibilizadas aos farmacêuticos nos livros de referência usados rotineiramente. Esse tipo de informação é importante para farmacêuticos de diferentes áreas, em especial para aqueles envolvidos na manipulação e no monitoramento farmacocinético. Neste contexto, a farmacêutica solicita que Cecília faça um estudo de pré-formulação para o preparo de um creme contendo a hidroquinona, então, a estagiária questiona a aplicabilidade deste tipo de estudo. Prontamente, a farmacêutica aponta todas as necessidades, ressaltando a importância de se desenvolver este estudo para que os produtos preparados apresentem a estabilidade necessária e atendam aos critérios de qualidade. Cecília concluiu que foi escolhida para desenvolver um trabalho muito importante dentro da farmácia e ficou feliz pela confiança nela depositada.</p><p>Durante o preparo de uma emulsão, diversos problemas podem surgir e, com o estudo de pré-formulação, as possibilidades de situações adversas de instabilidade são elucidadas, evitando o desperdício de tempo e de recursos necessários para a condução desses testes de forma empírica.</p><p>Vamos ajudar Cecília na definição dos aspectos de estabilidade para formulações dermatológicas contendo hidroquinona?</p><p>Conceito-Chave</p><p>Conceitos de estabilidade</p><p>A estabilidade refere-se ao tempo durante o qual um produto mantém, dentro dos limites especificados e durante todo o seu período de armazenamento e uso, as mesmas propriedades e características que possuía no momento de sua fabricação.</p><p>Uma emulsão cineticamente estável é aquela em que as gotículas dispersas mantêm seu caráter inicial e permanecem uniformemente dispersas ao longo tempo. Para as emulsões farmacêuticas, a estabilidade tem uma definição muito mais ampla, uma vez que é, geralmente, equiparada a uma longa vida útil. Assim, além da estabilidade cinética, a emulsão deve manter aparência, odor e consistência originais, não exibindo efeitos relacionados à contaminação microbiana.</p><p>Assimile</p><p>Tipos de estabilidade</p><p>Química: capacidade que cada substância pertencente à formulação tem de manter sua integridade química dentro dos parâmetros estabelecidos.</p><p>Física: aptidão em manter as propriedades físicas originais, incluindo aparência, palatabilidade, uniformidade, dissolução e capacidade de suspensão.</p><p>Microbiológica: manter a esterilidade ou resistência ao crescimento microbiano de acordo com os requisitos especificados.</p><p>Terapêutica: diretamente relacionada às substâncias ativas presentes na formulação; visa a manter o efeito terapêutico durante todo o prazo de validade estabelecido.</p><p>Toxicológica: ausência ou nenhum aumento significativo de toxicidade durante o preparo ou armazenamento do produto.</p><p>A instabilidade refere-se às reações químicas que são incessantes, irreversíveis e capazes de resultar em substâncias químicas distintas, também denominadas produtos de degradação, que podem ser terapeuticamente inativas e, possivelmente, exibir</p><p>maior toxicidade. Ao selecionar um recipiente ou embalagem para comercialização de um produto farmacêutico, por exemplo, uma formulação que apresenta estabilidade quando armazenada em vidro pode apresentar instabilidade em contato com as embalagens de plástico. O vidro é comumente considerado o material de recipiente mais inerte e estável, embora o plástico venha conquistando cada vez mais espaço. Assim, a compatibilidade do plástico com a formulação do produto farmacêutico deve ser verificada e confirmada, porque algumas embalagens de plástico podem afetar consideravelmente a concentração do ativo durante o armazenamento, tanto em curto quanto em longo prazo. Embalagens de plástico, quando em contato com o produto farmacêutico, podem, uma vez expostas ao calor, liberar subprodutos, como o dietilexilftalato e o bisfenol A, e/ou tornar-se quebradiças em baixas temperaturas. Além disso, gases atmosféricos, como o oxigênio, além de componentes voláteis, como os perfumes e aromatizantes, podem irradiar para o interior ou exterior de uma embalagem. Se substâncias aromáticas presentes na formulação forem perdidas para o ambiente, o resultado será um produto com sabor ou aroma desagradável.</p><p>Exemplificando</p><p>Emulsões oleosas de nutrição parenteral geralmente são armazenadas em embalagens plásticas do tipo bolsas (bags) por serem flexíveis, inquebráveis e resistentes, entretanto, a estabilidade das vitaminas lipossolúveis, como as vitaminas A, E e D, tem sido questionada, uma vez que estudos mostram uma interação destas substâncias com as moléculas do material plástico da embalagem, reduzindo o teor dos ativos na emulsão e, consequentemente, a biodisponibilidade para o paciente.</p><p>O etileno-vinilacetato (EVA) é o material plástico preconizado para armazenar este tipo de formulação, enquanto que o uso de cloreto de polivinil (PVC) é desaconselhável por conter dietilexilftalato (DEHP), um éster do ácido ftálico, lipossolúvel e potencialmente tóxico, frequentemente utilizado para aumentar a flexibilidade e a elasticidade do PVC, contribuindo para a capacidade de interação dos ativos das formulações com a embalagem plástica, bem como para a toxicidade da formulação.</p><p>Fatores que influenciam a estabilidade: extrínsecos e intrínsecos</p><p>O preparo de qualquer emulsão tem como ponto de partida uma gama de matérias-primas que mantém suas características de estabilidade em determinadas condições de temperatura, pressão, umidade, pH, dentre outras propriedades mensuráveis. A partir do momento em que estas matérias-primas são misturadas, os parâmetros individuais de estabilidade de cada substância podem ser alterados, obtendo-se, assim, um conjunto de parâmetros para o produto que foi preparado a partir de diversas matérias-primas. Muitos fatores podem afetar a estabilidade de um produto farmacêutico; os fatores intrínsecos estão relacionados à composição da fórmula, enquanto os fatores extrínsecos referem-se ao meio onde o produto está exposto. Estes fatores estão inter-relacionados, uma vez que a presença de adjuvantes na fórmula visa a manter a estabilidade de um produto pelo maior tempo possível, em condições adversas.</p><p>A temperatura afeta a estabilidade de um produto farmacêutico, pois provoca aceleração da velocidade de reação entre os componentes da formulação em aproximadamente duas a três vezes para cada aumento de 10 °C na temperatura a que o produto está exposto. Estes efeitos podem ser minimizados selecionando a temperatura de armazenamento adequada: ambiente, refrigerado ou congelado. A temperatura aproximada de estabilidade pode ser estimada pela análise deste parâmetro referente a cada matéria-prima, mas a faixa de temperatura ideal deve ser estimada de forma experimental para a formulação pronta.</p><p>O pH é um dos fatores mais importantes que afetam a estabilidade de um produto. Um farmacêutico pode usar perfis de pH e estabilidade descritos na literatura para determinar o pH que garantirá a estabilidade máxima do produto. Depois de determinar a faixa de pH, o farmacêutico pode preparar tampões para manter o pH durante a vida útil esperada para o produto.</p><p>Solventes usados em formulações semissólidas e líquidas podem impactar a estabilidade, pois influenciam os valores de pH da formulação e a solubilidade das matérias-primas.</p><p>A luz fornece energia de ativação para a iniciação das reações de degradação. Muitas reações ativadas por luz são reações de ordem zero, ou seja, acontecem independentemente da concentração da substância na fórmula, e de forma constante em função do tempo. Os efeitos da luz em uma formulação podem ser minimizados embalando os produtos em recipientes resistentes à sua passagem. Substâncias que são fotossensíveis devem ser protegidas durante o manuseio, para isso, um invólucro de plástico âmbar ou papel alumínio pode ser usado.</p><p>Reações de oxidação são desencadeadas, principalmente, pela presença de oxigênio nas formas farmacêuticas. Este fator pode ser minimizado enchendo-se o recipiente o máximo possível ou preenchendo o espaço vazio (head space) do frasco com nitrogênio, um gás considerado inerte. Quimicamente, a oxidação é a perda de elétrons de um átomo ou uma molécula. Assim, a utilização de antioxidantes é uma alternativa interessante, principalmente em formulações que serão expostas ao oxigênio durante o manuseio, como é o caso dos cremes acondicionados em potes e das emulsões orais dispensadas em frascos com múltiplas doses.</p><p>A umidade pode resultar em reações de hidrólise e degradação das matérias-primas. No caso de manipulação de emulsões, a preocupação com a umidade refere-se, sobretudo, ao armazenamento dos insumos que serão utilizados na preparação das emulsões. A emulsão em si contém uma quantidade significativa de água e as matérias-primas empregadas nesse tipo de forma farmacêutica deverão ser resistentes à hidrólise durante o prazo de validade do produto. O farmacêutico deve se preocupar em inserir, na formulação de emulsões, matérias-primas que mantenham a umidade na forma farmacêutica, pois a perda de água para o ambiente modifica os aspectos sensoriais do produto, impactando, inclusive, na absorção dos ativos presentes na formulação.</p><p>O tamanho das gotículas da fase dispersa tem efeito importante na estabilidade do produto. Gotículas pequenas contribuem para o aumento da estabilidade, enquanto gotículas de tamanho grande tendem a coalescer. Uma forma de reduzir o tamanho de gotícula é a utilização de moinhos coloidais na etapa de homogeneização da emulsão.</p><p>Dica</p><p>Diversos tipos de homogeneizadores e moinhos coloidais estão disponíveis para o preparo de emulsões na área farmacêutica. Você pode realizar uma busca na internet e conhecer os fornecedores destes tipos de equipamentos.</p><p>Para facilitar a sua pesquisa, indicamos os sites das empresas Silverston, IKA e Tetralon.</p><p>Incompatibilidades físicas e químicas</p><p>Idealmente, todos os componentes da emulsão devem ser quimicamente inertes nas condições de emulsificação. Infelizmente, nem sempre é o caso, por isso é importante entender a natureza química de todos os componentes da emulsão antes de selecionar cada matéria-prima.</p><p>Diferente da instabilidade, definida anteriormente, a incompatibilidade geralmente refere-se às alterações visuais evidentes ou previsíveis resultantes de fenômenos físico-químicos, como a precipitação e as reações ácido-base. Os produtos das reações de incompatibilidade são manifestados por meio de uma mudança no estado físico.</p><p>A incompatibilidade química do ativo é um fator crítico na escolha dos componentes de uma formulação. Reações químicas de incompatibilidade podem resultar em perda da atividade de um ou mais componentes da emulsão ou, então, gerar a formação de substâncias tóxicas. Um exemplo clássico deste tipo de incompatibilidade é a reação entre os parabenos e os álcoois derivados do açúcar, insumos comumente empregados em emulsões destinadas à administração oral e tópica. Nesta reação, o metilparabeno, por exemplo, reage com o sorbitol, produzindo uma variedade de ésteres de hidroxibenzoato de sorbitol,</p><p>assim, o metilparabeno deixa de ter efeito conservante na formulação.</p><p>Os tensoativos aniônicos, geralmente empregados em emulsões de uso tópico, são incompatíveis com substâncias catiônicas. Esta incompatibilidade é visível pela quebra da emulsão ou pela redução significativa da consistência do produto, pois a estrutura lamelar da fase contínua é destruída em função das forças repulsivas das cargas. São exemplos desta incompatibilidade a veiculação de ácido lático, sulfato de minoxidil, cloridróxido de alumínio, cetrimida, sulfato de neomicina, dentre outros ativos com carga positiva, em creme Lanete N®, uma base dermatológica que possui tensoativo com carga negativa na composição.</p><p>A incompatibilidade física geralmente está relacionada a um fenômeno externo. Um exemplo clássico é a modificação da estrutura tridimensional de proteínas, que resulta na perda da atividade terapêutica. Assim, proteínas ou peptídeos veiculados em formulações, quando expostos a fatores que alteram a sua estrutura física, como temperatura e agitação, automaticamente perdem o efeito desejado. Também pode ocorrer o efeito de adsorção, no qual uma substância é adsorvida por outra, como é o caso da interação entre peptídeos e embalagens de vidro. Durante o armazenamento, também pode ocorrer a interação física entre os ativos, levando à agregação, como é o caso da insulina em embalagens de Teflon® e outros fármacos, como o diltiazem, a vitamina A, o dinitrato de isossorbida e o tiopental em embalagens de PVC.</p><p>As reações de incompatibilidade, tanto físicas quanto químicas, podem ocorrer entre o ativo e os excipientes/adjuvantes, apenas entre os ativos, ou também apenas entre os excipientes/adjuvantes, desta forma, é importante fazer um levantamento das incompatibilidades de cada substância candidata à utilização em uma formulação.</p><p>Aspectos físicos, químicos e microbiológicos considerados nos estudos de estabilidade</p><p>O estudo de estabilidade visa a acompanhar o comportamento do produto farmacêutico durante seu prazo de validade. A separação de fases, a quebra de emulsão, o crescimento de cristais, o ressecamento causado pela evaporação da água e a contaminação microbiana são algumas mudanças físicas indicativas de instabilidade em emulsões.</p><p>Expor um produto a condições diferentes de seu estado natural de utilização é um procedimento que visa a verificar, principalmente, o tempo de vida desse produto e seu comportamento nestas condições. Em geral, são empregadas as condições de teste pertinentes ao uso do produto em questão, mas também podem ser conduzidos os ensaios que empregam condições limite, acima ou abaixo do normal de uso, denominados ensaios de estresse ou estabilidade acelerada.</p><p>Reflita</p><p>A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou o Guia nº 28, versão 1, de 11 de novembro de 2019, para explicar o cumprimento da Resolução RDC nº 318/2019, que dispõe sobre a realização dos estudos de estabilidade de insumos farmacêuticos ativos e medicamentos.</p><p>De acordo com o que foi estudado até o momento, quais seriam as metodologias e equipamentos elegíveis para avaliar a estabilidade de um produto farmacêutico na forma de emulsão?</p><p>Os parâmetros a serem avaliados para um produto farmacêutico devem ser definidos pelo formulador e dependerão das características da forma farmacêutica em estudo e dos ingredientes utilizados na formulação. De modo geral, avaliam-se os parâmetros:</p><p>· Organolépticos: aspecto, cor, odor e sabor, quando aplicável.</p><p>· Físico-químicos: valor de pH, viscosidade, densidade e, em alguns casos, o monitoramento de ingredientes da formulação.</p><p>· Microbiológicos: contagem microbiana e teste de desafio do sistema conservante (Challenge Test).</p><p>A ausência da separação de fases é imprescindível para formas farmacêuticas do tipo emulsão, para isso, recomenda-se submeter a formulação ao teste de centrifugação de uma amostra a 3.000 rpm durante 30 minutos. Se o produto permanecer inalterado, podem ser iniciados os estudos de estabilidade preliminar e, caso sejam observados sinais de instabilidade, como a separação de fases ou alteração no aspecto, é necessário realizar a reformulação do produto. Após a aprovação neste teste, outros ensaios podem ser conduzidos.</p><p>Alterações inesperadas nos parâmetros físico-químicos da emulsão indicam instabilidade, que pode ter origem em fatores externos (temperatura, luz, oxigênio), em reações de incompatibilidade entre os componentes da formulação ou no crescimento microbiano. Alterações deste tipo podem alarmar o paciente e/ou o cuidador no que diz respeito à integridade física da emulsão, portanto, estes aspectos devem ser avaliados nos estudos de estabilidade. Alterações previsíveis e inofensivas, detectadas durante os testes de estabilidade, devem ser relatadas na embalagem, no rótulo ou na bula do produto.</p><p>Em emulsões destinadas à administração por via oral, alterações na palatabilidade e a redispersabilidade devem ser avaliadas. Algumas emulsões líquidas orais, quando em repouso, não apresentam distribuição uniforme das gotículas da fase dispersa, caso isso seja observado e não seja possível corrigir este aspecto, deve-se orientar o paciente a agitar antes de administrar.</p><p>Modificações no fluxo da formulação, principalmente em emulsões destinadas à administração parenteral, são críticas, pois esta característica de viscosidade influenciará diretamente os aspectos de infusão no paciente. Neste contexto, o tamanho de glóbulos e a sua distribuição são considerados testes essenciais para emulsões injetáveis.</p><p>A utilização de conservantes antimicrobianos é recomendada em emulsões destinadas à administração tópica, já as emulsões de uso oftálmico, otológico ou nasal devem ser estéreis, independentemente da presença de conservantes. Estas formulações devem preencher os critérios dos testes de esterilidade, sendo avaliadas a capacidade preservante do sistema e a esterilidade do produto, assim como a resistência à proliferação microbiana. Todo conservante deve ser testado quanto à sua eficácia no produto acabado.</p><p>Os fármacos apresentam, em sua composição molecular, grupos funcionais (Figura 3.1) reativos e suscetíveis à instabilidade química, como os álcoois, fenóis, aldeídos, cetonas, ésteres, éteres, ácidos, sais, alcaloides, glicosídeos, entre outros.</p><p>Figura 3.1 | Grupos funcionais mais presentes nas moléculas dos fármacos</p><p>Fonte: Barreiro e Fraga (2015, p. 164).</p><p>Os processos destrutivos referentes à instabilidade química mais frequentemente encontrados são a hidrólise e a oxidação. Emulsões contendo fármacos como substância ativa devem ter monitoradas a concentração e a distribuição desses fármacos na fórmula, tanto no momento do preparo quanto após a exposição a fatores adversos, que incluem temperatura, pH, força iônica e incidência de luz. O intuito deste monitoramento é certificar-se de que há distribuição homogênea do ativo no produto e de que não se observa degradação, formação de produtos tóxicos ou interação do ativo com a embalagem do produto.</p><p>Processos de Instabilidade das emulsões</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Caro aluno, seja bem-vindo à Seção 3.2 da Unidade 3.</p><p>Para acompanhar nossos estudos, você assumirá o papel do farmacêutico responsável pelo desenvolvimento de novas emulsões em uma grande empresa de cosméticos. Agora, você receberá a estagiária Cecília, que foi aprovada em seu estágio na Botika Fórmulas Magistrais. Logo no primeiro dia de estágio, você apresentou a ela o setor de pesquisa e desenvolvimento, mostrando os equipamentos e os experimentos que estavam em andamento.</p><p>Cecília ficou encantada com a diversidade de matérias-primas disponíveis e as inúmeras possibilidades de combinações que você, farmacêutico, pode realizar.</p><p>As formulações líquidas e semissólidas contêm muitos ingredientes funcionais diferentes, que são escolhidos de acordo com os critérios farmacotécnicos e com a finalidade pretendida. Quando e como esses ingredientes são adicionados determinará se a formulação final será bem-sucedida.</p><p>A condução do diagrama ternário de fases será a primeira</p><p>atividade que você apresentará a Cecília, pois é uma técnica disponível para avaliar as possibilidades de instabilidade física para as emulsões. Uma emulsão é considerada estável quando as gotículas mantêm suas características iniciais e permanecem uniformemente distribuídas por toda a fase contínua. A adição do agente emulsificante visa a formar um filme interfacial, cercando as gotículas dispersas. A separação da emulsão em seus constituintes é também denominada quebra. Assim, Cecília precisa compreender o que são os processos de instabilidade física para entender o que pode ser obtido como resultado no teste que ela vai acompanhar.</p><p>A compreensão completa dos detalhes envolvidos nos processos de instabilidade física auxilia na interpretação dos resultados dos testes conduzidos na pesquisa e desenvolvimento das emulsões.</p><p>Vamos ajudar Cecília a aprender sobre os processos de instabilidade física possíveis para emulsões!</p><p>Conceito-Chave</p><p>Cremeação</p><p>A cremeação ocorre quando gotículas da fase dispersa separam-se da fase dispersante, sendo observada a formação de duas fases, sob influência da gravidade, formando uma camada de emulsão mais concentrada (Figura 3.2). A maioria dos óleos são menos densos que a água, de modo que as gotículas de óleo em uma emulsão óleo-em-água sobem, formando, na superfície, uma camada de creme, enquanto gotículas de água sedimentam-se para formar uma camada inferior em emulsões água-em-óleo. A uniformidade da dispersão pode ser restabelecida mediante simples agitação, tornando este efeito de instabilidade física um problema não tão sério, mas indesejável, pois pode aumentar a probabilidade de ocorrer a coalescência entre gotículas próximas umas das outras. Além disso, emulsões que sofrem este efeito são deselegantes e, mais seriamente, representam um risco, uma vez que o paciente pode receber uma dose inadequada de medicamentos se a emulsão não for suficientemente agitada antes do uso.</p><p>Figura 3.2 | Representação da cremeação</p><p>Fonte: adaptada de Aulton e Taylor (2018, p. 471).</p><p>Este fenômeno de instabilidade ocorre em emulsões que apresentam um ou mais dos seguintes fatores: gotículas grandes (≈ 1 µm); diferença de densidade e/ou viscosidade entre as fases dispersa e dispersante; elevada concentração da fase dispersa.</p><p>Assimile</p><p>O método, as condições de preparo, o tipo e a concentração do agente emulsionante utilizado na obtenção da emulsão podem contribuir para a obtenção de emulsões com gotículas de tamanho menor, resultando em produtos mais estáveis.</p><p>A viscosidade pode ser alterada com a adição de agentes promotores de viscosidade, como os coloides hidrofílicos (exemplo: derivados de celulose), os álcoois graxos (exemplo: álcool cetílico) e a vaselina sólida. Este fator é variável de acordo com a temperatura, portanto, a viscosidade não deve ser o único método para controlar a cremeação.</p><p>Floculação</p><p>A floculação é uma associação fraca e reversível entre as gotículas de emulsão que são separadas pela fase contínua (Figura 3.3). As forças eletrostáticas de Van der Waals estão envolvidas na interação não iônica entre as moléculas das gotículas, contribuindo para a deformação e a extensão da sua superfície. Cada grupo de gotículas é denominado flóculo e comporta-se fisicamente como uma única unidade cinética, embora cada gota no flóculo mantenha sua individualidade. A floculação pode ser fraca e reversível ou forte e irreversível.</p><p>Figura 3.3 | Representação da floculação</p><p>Fonte: adaptada de Aulton e Taylor (2018, p. 471).</p><p>A existência de uma alta densidade de carga sobre as gotículas dispersas garante a presença de uma barreira de alta energia, reduzindo a incidência de floculação. Desta forma, a escolha de agentes tensoativos não iônicos ou iônicos e a utilização em concentração adequada são ações que podem modular a floculação.</p><p>A Figura 3.4 representa a deformação das gotículas da fase dispersa na presença de forças de repulsão. Se nenhuma força de longo alcance estiver presente, as gotículas deformam ao entrar em contato com suas superfícies. Caso contrário, um filme líquido com espessura h é formado. Esta fina película de líquido que separa as gotículas pode ser rompida sob a ação das forças atrativas, ou devido a instabilidades hidrodinâmicas, levando à cremeação.</p><p>Figura 3.4 | Representação da interação interfacial entre as gotículas durante a floculação</p><p>Fonte: Petsev (2004, p. 314).</p><p>Quando duas gotas estão próximas uma da outra, a principal contribuição para a resistência hidrodinâmica (dissipação de energia) vem do espaço fino entre elas ou do filme líquido fino. A atração na floculação no mínimo secundário é muito mais fraca do que na floculação no mínimo primário. Desta forma, as gotículas na floculação no mínimo secundário se separariam mais facilmente do que aquelas na floculação no mínimo primário. A floculação no mínimo primário pode preceder a floculação no mínimo secundário.</p><p>Exemplificando</p><p>A energia de interação das gotículas em função da espessura do filme que as separa em uma emulsão pode ser representada graficamente.</p><p>Figura 3.5 | Representação gráfica da energia de interação das gotículas em função da espessura do filme que as separa em uma emulsão</p><p>Fonte: adaptada de Petsev (2004, p. 315).</p><p>I. Floculação no mínimo primário: as gotículas estão mais próximas, deformadas, o filme entre elas é menor e, consequentemente, a energia de interação é maior.</p><p>II. Floculação no mínimo secundário: as gotículas estão mais distantes, a deformação é menor, o filme entre elas é maior e, consequentemente, a energia de interação é menor.</p><p>A floculação no mínimo secundário ocorre facilmente e não pode ser evitada, neste caso, a redispersão pode ser alcançada mediante agitação. Entretanto, na floculação no mínimo primário, a redispersão não é tão fácil, sendo um caso mais sério de instabilidade.</p><p>A presença de íons pode interferir na energia de interação das gotículas, assim, um cuidado especial deve ser tomado na preparação de emulsões de nutrição parenteral, devido às elevadas concentrações de eletrólitos.</p><p>Coalescência</p><p>A coalescência descreve o processo irreversível em que gotículas de fase dispersa fundem-se para formar gotas maiores. O processo continuará até a quebra da emulsão, ou seja, a separação completa das fases de óleo e de água. A coalescência ocorre quando as gotículas de emulsão são capazes de superar a barreira de energia repulsiva, podendo resultar da floculação no mínimo primário (Figura 3.6).</p><p>Figura 3.6 | Floculação e coalescência de gotículas dispersas</p><p>Fonte: Aulton e Taylor (2018, p. 472).</p><p>A coalescência começa com a drenagem de filmes líquidos de fase contínua entre as gotículas da fase dispersa, elas se aproximam e ficam distorcidas até que ocorre a ruptura do filme. As gotículas oleosas das emulsões óleo-em-água podem resistir à coalescência na presença de uma camada emulsionante fortemente adsorvida sobre cada gotícula. Esta camada pode ser formada pela associação de emulsionantes lipofílicos e hidrofílicos na forma de monocamada ou emulsionantes hidrofílicos em multicamadas. A hidratação deste filme impede a saída de água por entre as gotículas adjacentes, evitando a coalescência da emulsão. Para emulsões água-em-óleo, a presença de cadeias hidrocarbonadas longas e coesas, projetadas para a fase oleosa, prevenirá a coalescência.</p><p>Reflita</p><p>Ao final do processo de preparação de uma emulsão, à medida que a base esfriar e apresentar a estrutura semissólida desejada, são adicionados os componentes voláteis (exemplo: fragrâncias, óleos essenciais) ou sensíveis à temperatura (exemplo: vitaminas, corantes) da formulação. O processo de mistura nesta etapa deve ser realizado com cuidado, pois empregar um processo de mistura de alto cisalhamento, ou seja, de elevado grau de divisão de gotículas, causará perda de estrutura e viscosidade no produto final, podendo gerar problemas de estabilidade. Por que isso pode ocorrer?</p><p>Gotículas muito pequenas podem aumentar a floculação, aumentando, consequentemente, as possibilidades de coalescência, enquanto gotículas grandes</p><p>(≥ 1 µm) contribuem para a cremeação. Utilizando a homogeneização adequada, é possível controlar o diâmetro médio das gotículas e, até mesmo, a viscosidade da emulsão. Emulsões constituídas de gotículas monodispersas, ou seja, que apresentam tamanho uniforme (Figura 3.7), apresentam maior viscosidade em relação às emulsões de gotículas polidispersas, devido à diferença no tamanho da dupla camada elétrica e, consequentemente, na energia de interação entre as gotículas.</p><p>Figura 3.7 | Representação da distribuição do tamanho de gotículas em uma emulsão</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>Separação de fases</p><p>Cremeação, floculação e coalescência são exemplos de instabilidade física para emulsões que se originam, geralmente, de falhas nas etapas de pré-formulação ou preparação do produto. Em todas as situações descritas, há uma tendência à redução significativa da viscosidade, podendo resultar, inclusive, em separação das fases (Figura 3.8).</p><p>Figura 3.8 | Representação da separação de fases de uma emulsão</p><p>Fonte: adaptada de Aulton e Taylor (2018, p. 471).</p><p>As características de viscosidade da fase contínua contribuem para as características de viscosidade da emulsão. Emulsões de baixa viscosidade apresentam como principal desvantagem a tendência à separação de fases, principalmente formulações com baixa concentração de fase lipofílica. Devido à consistência da fase oleosa, raramente é possível formular produtos água-em-óleo pouco viscosos.</p><p>Durante o preparo da emulsão, quando em temperatura elevada, a viscosidade de ambas as fases é praticamente mínima, facilitando a dispersão das gotículas e a formação da emulsão. Para isso, é requerida energia e movimento, a fim de dispersar as duas fases. A fase maior, que está originalmente contida no recipiente de mistura principal, como um tanque, geralmente torna-se a fase contínua. Uma maior intensidade de mistura em relação à velocidade da ponta do rotor cria gotículas de fase dispersa menores e uma emulsão mais estável. O emulsificante ajuda a formar e a estabilizar as gotículas da fase dispersa por adsorção na interface das gotículas, com a finalidade de evitar a coalescência.</p><p>Em emulsões do tipo óleo-em-água, os polímeros hidrofílicos, como os carbômeros, derivados de celulose ou gomas, aumentam a viscosidade e estabilizam a emulsão, formando um gel em torno da gota de óleo (Figura 3.9). Para as emulsões água-em-óleo, a viscosidade pode ser aumentada utilizando parafina ou ceras. Uma vez que as gotículas da fase dispersa são formadas e distribuídas, a emulsão adquire consistência semissólida à medida que a temperatura é reduzida.</p><p>Figura 3.9 | Representação da rede de gel formada ao redor das gotículas da fase dispersa</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>A viscosidade de emulsões destinadas à administração oral pode ser aumentada empregando xarope simples e glicerina, proporcionando também sabor adocicado à preparação, mas a concentração utilizada deve ser cautelosa, uma vez que esses componentes contribuem para o aumento da diferença de densidade entre as fases interna e externa, acelerando a ocorrência de cremeação.</p><p>É importante ressaltar que, embora a viscosidade seja um fator fundamental a ser controlado para evitar a separação de fases, as emulsões devem manter seu fluxo livre quando agitadas, vertidas a partir das embalagens ou injetadas por agulhas. Desta forma, o produto deve possuir uma viscosidade aparentemente baixa, mas o suficiente para o delineamento de formas farmacêuticas estáveis e compatíveis com a via de administração.</p><p>Processos envolvidos na Manipulação de Emulsões</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Caro aluno, chegamos à Seção 3.3 da Unidade 3, e você mantém o papel de farmacêutico supervisor da Cecília em seu estágio curricular. Após apresentar o diagrama ternário de fases para a estagiária, você supervisionará os testes de estabilidade conduzidos pelo setor de pesquisa e desenvolvimento.</p><p>Cada substância utilizada no preparo de uma forma farmacêutica, seja um ativo ou não, poderá afetar a estabilidade de um produto. Variáveis relacionadas à formulação, ao processo de fabricação, ao material de acondicionamento e às condições ambientais de armazenamento ou de transporte podem influenciar a qualidade do produto final. Assim, durante o desenvolvimento de um produto farmacêutico, devem ser conduzidos estudos de estabilidade para selecionar as formulações mais estáveis, estipular prazos de validade e prever possíveis alterações durante o armazenamento.</p><p>No laboratório de pesquisa e desenvolvimento da empresa de cosméticos em que você trabalha, está sendo desenvolvido um creme preventivo para assaduras. A composição contém óxido de zinco 15%, vitamina A 500 000 UI (UI = unidades internacionais), vitamina D 40 000 UI e vitamina E 300 UI em creme base não iônico. O creme base consiste em uma emulsão óleo-em-água, contendo metilparabeno 0,15%, propilenoglicol 5%, cera autoemulsionante não iônica 10%, propilparabeno 0,05% e água purificada q.s.p.</p><p>Foi produzido um lote-piloto do creme para serem conduzidos os estudos preliminares de estabilidade, mas, afinal, quais seriam estes estudos?</p><p>Após submeter as amostras às condições previstas no estudo, é hora de realizar os testes de controle de qualidade. Quais testes poderiam ser feitos?</p><p>Cecília observou que, após a submissão da formulação aos ciclos de temperatura, o congelamento reduziu a viscosidade do produto em 50%, além disso, no teste de centrifugação, houve separação das fases e, curiosamente, das partículas de óxido de zinco. Como estes resultados poderiam ser melhorados?</p><p>Nos estudos de estabilidade, as amostras preparadas em escala-piloto são submetidas a condições de estresse que simulam situações adversas, às quais os produtos podem, porventura, serem expostos durante ou após a comercialização.</p><p>Vamos iniciar nossa jornada compreendendo como são conduzidos os estudos de estabilidade para auxiliar Cecília no entendimento dos fenômenos ocorridos durante o estágio? Bons estudos!</p><p>Conceito-Chave</p><p>Manipulação de emulsões</p><p>Durante o desenvolvimento das emulsões, são produzidos lotes menores do produto, nos quais são conduzidos os testes de estabilidade para, posteriormente, ocorrer a transposição de escala (scale up). O sucesso na manipulação das emulsões estáveis pode estar vinculado ao tamanho do lote preparado. No caso das emulsões semissólidas e até mesmo líquidas, pode ocorrer variabilidade na viscosidade do produto final e, como já foi relatado anteriormente, a viscosidade é um parâmetro relevante para a estabilidade de uma emulsão. Este fenômeno está diretamente relacionado aos equipamentos utilizados na manipulação das emulsões. Assim, recomenda-se que sejam preparados lotes-piloto, ou seja, lotes que, embora sejam menores do que a produção projetada para o produto comercializado, usam essencialmente os mesmos equipamentos de produção.</p><p>A maneira ideal de manipular uma formulação em emulsão é manter todas as suas partes o mais fluidas possível para a adição de todos os componentes da fórmula antes do produto adquirir a consistência final. Para isso, todos os ingredientes são dissolvidos ou dispersos em suas respectivas fases antes de elas serem reunidas e emulsionadas. Isso minimiza a quantidade de cisalhamento que precisa ser usada para misturar os ingredientes na formulação e ajuda a evitar, portanto, quaisquer problemas associados à perda de viscosidade induzida por cisalhamento. No caso dos componentes voláteis ou termolábeis, deve-se respeitar a temperatura de estabilidade para incorporação na emulsão.</p><p>Existem diversas possibilidades de equipamentos, tanques, agitadores e moinhos para preparar emulsões. Geralmente, a fase em maior quantidade deve ser disposta no tanque de mistura principal (Figura 3.11), referente à fase contínua da emulsão. Tanques encamisados, ou seja, com revestimento para aquecimento, comumente são empregados para atingir a temperatura requerida às fases da emulsão.</p><p>Figura 3.11 | Conjunto simples de tanques, bomba e moinho para manipulação de emulsões em escala industrial</p><p>Fonte: adaptada</p><p>de Kulkarni e Shaw (2016, p. 108).</p><p>Independentemente do conjunto de equipamentos utilizados para a manipulação de emulsões, os procedimentos de amostragem adotados devem assegurar total representatividade e homogeneidade do lote em estudo, devendo passar, inclusive, por suporte estatístico. Todos os lotes produzidos devem ser submetidos ao controle de qualidade físico-químico e microbiológico, sendo avaliados acerca do processo e do produto acabado, a fim de possibilitar que quaisquer diferenças de lote para lote, em termos de estabilidade, sejam detectadas.</p><p>Ensaios de estudo de estabilidade</p><p>Os ensaios de estabilidade têm como objetivo assegurar, a partir de evidências, que um produto apresenta segurança e eficácia por meio da manutenção das características físico-químicas, microbiológicas e terapêuticas ao longo do tempo, sob a influência de diversos fatores ambientais, como temperatura, umidade e luz.</p><p>É recomendado que sejam realizados estudos de estabilidade durante o desenvolvimento de novas formulações e de lotes-piloto em escala de laboratório e no scale up (aumento de escala laboratorial-industrial) nos seguintes casos: quando ocorrerem mudanças significativas no processo de fabricação – na validação de novos equipamentos ou no processo produtivo –; quando houver mudanças significativas nas matérias-primas do produto; e quando ocorrer mudança significativa no material de acondicionamento que entra em contato com o produto (BRASIL, 2004).</p><p>Os estudos de estabilidade podem ser classificados como preliminares, acelerados e de prateleira. Assim, uma quantidade suficiente de produto deve ser amostrada para a condução de todos os testes e avaliações necessárias. Estão disponíveis cabines climáticas que simulam a exposição do produto aos fatores ambientais adversos ou não.</p><p>Assimile</p><p>As amostras do produto para avaliação da estabilidade devem ser acondicionadas em frasco de vidro neutro, transparente, com tampa que garanta uma boa vedação, evitando perda de gases ou de vapor para o meio. Se houver incompatibilidade conhecida entre componentes da formulação e o vidro, o formulador deve selecionar outro material de acondicionamento.</p><p>Pode-se também utilizar, em paralelo ao vidro neutro, o material de acondicionamento final do produto para a avaliação da compatibilidade entre a formulação e a embalagem de comercialização.</p><p>O estudo de estabilidade preliminar, também denominado teste de triagem, ou de curto prazo, tem como objetivo auxiliar na triagem das formulações e embalagens na fase de desenvolvimento do produto; geralmente, são preparadas diversas formulações que são expostas a condições extremas de temperatura e, na sequência, são conduzidos os ensaios para avaliar a estabilidade.</p><p>Exemplificando</p><p>As amostras são submetidas ao aquecimento, ao resfriamento e a ciclos alternados de resfriamento e aquecimento.</p><p>Figura 3.12 | Esquema representando os ciclos de temperatura</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>Os estudos de estabilidade devem ser realizados em câmaras climáticas controladas e qualificadas. Comumente, são adotados ciclos de 24 horas em uma das temperaturas elevadas indicadas no esquema, sendo alternados com ciclos em temperaturas baixas em intervalos regulares de tempo. A duração do estudo de estabilidade preliminar é de, aproximadamente, quinze dias. Deve-se manter uma amostra de referência, também denominada padrão, que pode ser armazenada em temperatura ambiente e ao abrigo da luz.</p><p>O estudo de estabilidade acelerada, também conhecido como estabilidade normal ou exploratória, tem duração de noventa dias, mas pode levar seis meses ou até mesmo um ano, dependendo do tipo do produto. Neste tipo de estudo, as formulações em teste são submetidas a condições menos extremas do que no teste de estabilidade preliminar. Além disso, são expostas à radiação luminosa e a outros fatores ambientais, como a umidade. Para a realização deste estudo, a fonte de iluminação pode ser a luz solar, proporcionada por vitrines especiais para este fim, ou lâmpadas (exemplo: xenônio) que apresentem espectro de emissão semelhante ao do sol. Também são utilizadas fontes de luz ultravioleta. No estudo de estabilidade acelerada, as amostras são analisadas antes de serem submetidas às condições experimentais (tempo 0), após 24 horas, e também transcorridos 7, 15, 30, 60 e 90 dias. Se o estudo se prolongar por mais tempo, é recomendado realizar avaliações mensais até seu término.</p><p>Ao final do estudo de estabilidade preliminar, são avaliadas as características organolépticas (aspecto, cor, odor e sabor, quando aplicável) e as características físico-químicas (valor de pH, viscosidade e densidade, ou outros). No estudo de estabilidade acelerada, adicionalmente, são avaliadas as características microbiológicas por meio do teste de desafio, que é efetuado antes e/ou após o período de estudo acelerado.</p><p>Ensaios de estabilidade de longa duração</p><p>A estabilidade de longa duração ou shelf life também pode ser denominada como teste de prateleira. Este estudo tem como objetivos avaliar o comportamento do produto em condições normais de armazenamento, validar os limites de estabilidade do produto e comprovar o prazo de validade estimado no teste de estabilidade acelerada. Desta forma, o tempo deste estudo equivale ao prazo de validade e, caso se tenha a intenção de ampliá-lo, o estudo deve ser mantido até o prazo desejado. A frequência da amostragem para análise deverá ser estipulada pelo profissional responsável.</p><p>Reflita</p><p>Durante a amostragem do produto para conduzir os estudos de estabilidade, deve-se evitar a incorporação de ar na forma farmacêutica no momento de envase no recipiente de teste. Entretanto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) orienta para não completar o volume total da embalagem, permitindo um espaço vazio (head space) de, aproximadamente, um terço da capacidade do frasco para possíveis trocas gasosas.</p><p>Por que existe esta recomendação por parte do órgão regulamentador?</p><p>Na estabilidade de longa duração, as amostras são armazenadas em temperatura ambiente, devendo ser representativas a ponto de permitir a realização de todas as análises estipuladas ao longo do estudo. A estabilidade do produto em longo prazo é muito importante, pois mesmo em condições ambientes/normais, com o tempo de armazenamento, a qualidade e a eficácia dos produtos farmacêuticos podem ser afetadas devido às interações dinâmicas entre fatores intrínsecos e extrínsecos das formulações.</p><p>Dica</p><p>A Resolução – RDC nº 318, de 6 de novembro de 2019, estabelece os critérios para a realização de estudos de estabilidade de insumos farmacêuticos ativos e medicamentos, exceto biológicos, e dá outras providências.</p><p>Nas Referências da seção, você encontrará onde consultar a RDC referida.</p><p>O prazo de validade provisório máximo para medicamentos industrializados é de 12 meses, e este será concedido se o produto for aprovado em todos os parâmetros avaliados para o ensaio de longa duração somando-se à aprovação ou à ausência de resultados discrepantes em todos os aspectos avaliados nos estudos de estabilidade acelerada após 6 meses.</p><p>Para obtenção de dados mais robustos, que suportem mudanças sazonais ou na cadeia de transporte, é importante realizar estudos adicionais, que simulem alterações bruscas de temperatura, principalmente para produtos mais sensíveis, que podem perder a eficácia e segurança a depender da condição e do período de exposição fora do intervalo testado e permitido.</p><p>Neste contexto, emulsões que devem ser armazenadas, obrigatoriamente, sob refrigeração serão avaliadas também após pequenos períodos em temperaturas fora das condições de armazenamento, como no congelamento ou em temperatura ambiente, simulando eventuais situações domésticas corriqueiras durante a utilização do produto e até mesmo durante seu transporte.</p><p>O controle da umidade não é relevante para os produtos que não são afetados por ela, como os produtos predominantemente aquosos (exemplo: emulsões óleo-em-água), armazenados em recipientes de vidro. Entretanto, quando esses</p><p>mesmos produtos forem armazenados em embalagens de plástico, sob condições de baixa umidade, podem perder o vapor de água da sua composição, resultando em um produto mais concentrado.</p><p>Atenção</p><p>Os componentes lixiviáveis da embalagem devem ser avaliados durante o estudo de estabilidade; os ensaios e os parâmetros de análise dependerão da embalagem utilizada, da forma farmacêutica e da via de administração.</p><p>Compêndios oficiais, como a Farmacopeia Brasileira, a Farmacopeia Americana, dentre outros aprovados ou referendados pela ANVISA, deverão ser consultados sobre este aspecto.</p><p>Tendo em vista que a embalagem de um produto pode afetar sua estabilidade, os produtos submetidos a testes de estabilidade de longa duração devem ser armazenados na embalagem exata àquela que é usada quando o produto é comercializado. As emulsões líquidas embaladas em recipientes com tampas têm de ser armazenadas invertidas, a fim de possibilitar que qualquer interação do produto com a tampa seja detectada, tal como a adsorção do conservante em frascos com tampas de borracha. Esta conduta não se aplica a emulsões que não têm a tampa separada, como no caso das ampolas.</p><p>Controle de qualidade das formulações</p><p>Após a exposição da emulsão aos ciclos de temperatura e de luz, são conduzidas análises para avaliar o impacto dos fatores externos e do tempo sobre o produto. Além dos ensaios de controle de qualidade apresentados na Unidade 2, Seção 2.3, também podem ser realizados ensaios de identificação do tipo de emulsão (água-em-óleo ou óleo-em-água) a partir dos seguintes testes:</p><p>· Miscibilidade em óleo ou água: emulsões que apresentam fase externa aquosa apresentarão miscibilidade com água, enquanto emulsões contendo fase externa oleosa serão miscíveis com óleo.</p><p>· Teste do papel de filtro: consiste em adicionar uma pequena amostra da emulsão sobre um papel filtro. Se for observado espalhamento rápido da gota, conclui-se que a emulsão é do tipo óleo-em-água, já que a água (fase externa) tende a espalhar-se mais rapidamente no papel-filtro do que o óleo de uma emulsão A/O.</p><p>· Avaliação da condutividade: emulsões óleo em água apresentarão condutividade, já as emulsões água em óleo, cuja fase contínua é oleosa, apresentam dificuldades para conduzir eletricidade.</p><p>· Solubilidade de corantes: corantes solúveis em água se solubilizarão na fase aquosa, assim, emulsões óleo-em-água serão coloridas quando adicionadas de corante hidrossolúveis, o contrário é verdadeiro para emulsões água-em-óleo.</p><p>É importante realizar estes testes para determinação do tipo de emulsão imediatamente após a sua preparação, bem como após a exposição às condições dos estudos de estabilidade, pois, em condições adversas, pode ocorrer a inversão de fase das emulsões.</p><p>Formulações emulsionadas contendo fármacos como insumo ativo devem ser monitoradas quanto ao teor desses fármacos para a garantia da estabilidade terapêutica. A quantificação de antioxidantes e conservantes também deve ser realizada se estes estiverem presentes na formulação. As análises de tais ingredientes devem ser conduzidas de acordo com as metodologias propostas na monografia farmacopeica de cada insumo e, no caso de fármacos, adequada, inclusive, para sua respectiva forma farmacêutica. Para estas análises, são utilizadas técnicas como a cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE), a exemplo do acetato de dexametasona e da tretinoína creme, ou espectrofotometria de absorção, no caso do aciclovir e terconazol creme.</p><p>Os perfis cromatográficos obtidos por métodos instrumentais como o CLAE (Figura 3.13) devem ser previamente informados durante o desenvolvimento do método analítico para doseamento do fármaco, e estes devem ser acompanhados de justificativa para a sua escolha, no protocolo do estudo de estabilidade.</p><p>Figura 3.13 | Cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE)</p><p>Fonte: Shutterstock .</p><p>Os resultados das análises de amostras sujeitas a estudos de estabilidade devem permanecer dentro dos parâmetros previstos no relatório de especificações para o produto. Estando o fármaco presente e estável na fórmula preparada, também podem ser conduzidos ensaios para avaliar as taxas de libertação in vitro, podendo, inclusive, ser verificada a absorção percutânea das substâncias presentes na formulação.</p><p>O teor do fármaco presente nas formulações deve atender à monografia farmacopeica, mas, em geral, é aceitável um limite não inferior a 90% do teor do fármaco declarado no rótulo do produto. Caso o insumo ativo ou outras substâncias presentes na formulação não sejam detectadas ou estejam em concentrações abaixo do esperado pelos métodos propostos nas suas respectivas monografias, poderá ter ocorrido a adsorção da substância ao material de embalagem ou a degradação química, resultando em impurezas de degradação indesejadas, que muitas vezes conferem toxicidade ao produto, devendo, portanto, ser investigas com rigor.</p><p>Reologia</p><p>CONVITE AO ESTUDO</p><p>Caro aluno, percorremos, até o momento, um bom caminho para a compreensão das características da pele, das formas farmacêuticas semissólidas emulsionadas e dos seus aspectos quanto à estabilidade e ao controle de qualidade. Percebemos como a utilização das emulsões é relevante na área farmacêutica para o preparo de medicamentos e também de cosméticos.</p><p>As emulsões farmacêuticas encontram-se no estado coloidal, ou seja, as suas gotículas variam de tamanho, abrangendo desde uma escala manométrica até dispersões visíveis ou “grosseiras” com vários micrômetros de diâmetro. A palavra “coloide” deriva do grego kólla (cola) e foi cunhado com a impressão de que as substâncias coloidais se apresentavam amorfas ou semelhantes à cola em vez de exibirem o formato cristalino comumente descrito para a matéria. O entendimento da química e do comportamento dos coloides é importante na farmácia em função do crescente número de nanopartículas e outros sistemas coloidais usados na distribuição e direcionamento de fármacos.</p><p>Nesta última unidade, aprofundaremos nossos estudos entendendo o comportamento reológico dessas formas farmacêuticas e ampliaremos o conhecimento sobre as formas farmacêuticas em gel.</p><p>A compreensão adequada das propriedades reológicas dos insumos farmacêuticos é essencial à preparação, ao desenvolvimento, à avaliação e ao desempenho de formas farmacêuticas. Assim, iniciaremos a Unidade 4 pela Seção 4.1, com a abordagem da reologia, os conceitos relacionados a esse conceito, as suas aplicações e os equipamentos utilizados para avaliar o comportamento reológico das formulações farmacêuticas. Na Seção 4.2, serão definidos os géis, as suas classificações, aplicações e as técnicas de preparo. Na Seção 4.3, encerraremos o estudo dos géis conhecendo os aspectos da produção e do controle de qualidade para formulações nessa forma farmacêutica.</p><p>Desejamos que você tenha o melhor aproveitamento possível nesta disciplina, então aproveite para revisar o conteúdo estudado até aqui e faça os exercícios propostos, pois os conhecimentos acabam se entrelaçando e a fixação dos conteúdos iniciais se torna fundamental para o sucesso na compreensão da tecnologia farmacêutica.</p><p>Bons estudos!</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Caro aluno, bem-vindo a mais uma aula da disciplina Tecnologia Farmacêutica III.</p><p>Neste momento, você assumirá o papel de aluno em uma suposta aula prática. A professora solicita que a turma se divida em grupos de até quatro pessoas. Você se reuniu com a Marcela e a Melissa para fazer a atividade. O seu grupo recebeu três amostras, a fim de que você e suas colegas de equipe realizem as análises de controle de qualidade e reologia com os equipamentos disponíveis no laboratório de tecnologia farmacêutica.</p><p>Observando a olho nu, as amostras 1 e 2 apresentam-se gelatinosas e límpidas, incolores e inodoras. A amostra 1 aparenta ser mais consistente que a 2. A amostra 2 escoa livremente ao se manusear o frasco. A amostra 3, diferente das anteriores, apresenta-se fluida, porém opaca, com característica leitosa e odor suave que lembra óleo de coco.</p><p>A professora informou que as amostras</p><p>disponibilizadas foram preparadas no laboratório de manipulação de medicamentos e cosméticos da farmácia-escola. Elas consistem em bases galênicas que podem ser utilizadas para veiculação de fármacos ou ativos cosméticos destinados à administração tópica.</p><p>No relatório solicitado pela professora, você e as demais integrantes do grupo precisam classificar as formulações quanto ao comportamento reológico, como newtonianas e não newtonianas, selecionar o equipamento mais adequado para realizar a análise da viscosidade e sugerir a provável forma farmacêutica para cada amostra.</p><p>O seu grupo já participou das aulas anteriores, então já conhece diversos ensaios de controle de qualidade, mas o termo “reologia” é novo. Para responder às perguntas do relatório, vamos estudar o conteúdo desta primeira seção e gabaritar a atividade!</p><p>Vamos lá?</p><p>Conceito-Chave</p><p>Conceitos e definições de reologia: reologia, viscosidade, consistência, fluidez, dureza, elasticidade, cisalhamento</p><p>As propriedades reológicas são considerações importantes na fabricação, análise e uso de muitas formas farmacêuticas, incluindo soluções, emulsões, suspensões, pastas, loções, supositórios, medicamentos injetáveis e infusões intravenosas. A reologia estudas as propriedades de fluxo de líquidos e da deformação da matéria, abordando os aspectos de viscosidade de solução e de sistemas coloidais. O fluxo dos líquidos é descrito pela sua viscosidade, que consiste na resistência ao fluxo ou ao movimento após a aplicação de um estresse. Fluidos newtonianos (FN) são assim chamados uma vez que é possível descrever adequadamente as características de fluxo por meio da sua viscosidade. Para estes, a viscosidade se mantém constante independentemente do cisalhamento aplicado. Como exemplos, podemos citar as soluções simples, como a água, o álcool e a acetona. No entanto, o fluxo de dispersões complexas, como as emulsões e os géis, não pode ser adequadamente descrito pela viscosidade. Estas são denominadas fluidos não newtonianos (FNN) e dizemos que exibem características de fluxo não newtonianas, já que a viscosidade se altera de acordo com o cisalhamento aplicado.</p><p>Assimile</p><p>Os sistemas dispersos exibem essencialmente duas fases, sendo uma a fase dispersa e a outra a fase contínua. A fase dispersa pode se manifestar na forma de partículas (ex.: suspensões) ou gotículas (ex.: emulsões). Quando estas se apresentarem entre 1 nm e 1 mm, serão denominadas como sistemas coloidais.</p><p>Emulsões, suspensões e aerossóis são exemplos de dispersões coloidais grosseiras, ou seja, apresentam fase dispersa, com tamanho de gotícula/partícula grande, enquanto que sistemas micelares são denominados como dispersões coloidais finas, pois apresentam tamanho de gotícula pequeno.</p><p>A viscosidade de uma forma farmacêutica líquida geralmente reduz com o aumento da temperatura. O aumento do movimento browniano, o movimento rápido das moléculas líquidas entre si em temperaturas mais altas, diminui o gasto de energia da força de cisalhamento (Figura 4.1) na superação das forças de coesão intermolecular, levando a uma proporção maior de energia utilizada para influenciar a direção do fluxo. Ou seja, a fluidez é ampliada por meio da elevação da temperatura.</p><p>Figura 4.1 | Representação do efeito do cisalhamento sobre uma amostra</p><p>Fonte: adaptada de Aulton e Taylor (2018, p. 94).</p><p>A temperatura e a viscosidade relacionam-se não de forma proporcional, mas sim exponencial. Diante disso, um pequeno aumento na temperatura tem grande impacto na viscosidade. Essa relação temperatura-viscosidade é crítica e deve ser levada em consideração na produção ou manipulação de produtos farmacêuticos, bem como na utilização dos medicamentos por parte dos pacientes.</p><p>Exemplificando</p><p>Uma solução injetável armazenada em um refrigerador pode ter uma viscosidade muito maior e talvez se torne difícil de injetar em comparação à mesma solução levada à temperatura ambiente antes da injeção.</p><p>Ex.: tocilizumabe, anfotericina B, liraglutida, insulina.</p><p>Descreve-se a viscosidade matematicamente como a constante que relaciona a tensão de cisalhamento (τ) – ou seja, a força por unidade de área aplicada (F/A) paralelamente à direção do fluxo do líquido – e a taxa de cisalhamento (γ), que representa o volume de fluxo de fluido por unidade de área do líquido. A unidade de viscosidade mais usada na farmácia é o centipoise (cp, plural cps), que é igual a 0,01 poise. Vale ressaltar que 1 cp também equivale a 0,001 Pascal segundo (Pa.s) e a 1 milipascal segundo (mPa.s). Os valores de viscosidade descritos em livros como o Handbook of Pharmaceutical Excipients estão em mPa.s. Para comparações entre substâncias, foi adotada para a água a viscosidade no valor de 1 mPa.s a 20 °C.</p><p>Na prática, não se observa uma relação entre a consistência percebida e a viscosidade. Muitos sistemas dispersos exibem as propriedades de sólidos e líquidos quando uma pequena tensão de cisalhamento (TC) constante é aplicada, ou seja, fluem, mas também apresentam elasticidade.</p><p>Aplicações da reologia e interpretação dos gráficos de reologia</p><p>O comportamento reológico das substâncias pode ser observado na Figura 4.1, apresentada anteriormente. Nela, representa-se um cubo hipotético de uma formulação com camadas laminares infinitas, as quais deslizam umas sobre as outras de acordo com a força que está sendo aplicada. Quando uma força tangencial (cisalhamento) é aplicada à camada superior, presume-se que cada camada subsequente se moverá progressivamente, diminuindo a velocidade, e que a camada inferior será estacionária.</p><p>Portanto, o gradiente de velocidade existirá. Isso pode ser calculado dividindo a velocidade da camada superior em m.s−1 pela altura do cubo em metros. O gradiente resultante será efetivamente a taxa de fluxo, mas geralmente é referido como taxa de cisalhamento, γ, e sua unidade é segundos recíprocos (s−1). O estresse aplicado, conhecido como TC, σ, é alcançado dividindo a força aplicada pela área da camada superior. A viscosidade aqui obtida é denominada como viscosidade dinâmica. Há também a viscosidade cinemática, que consiste na viscosidade dinâmica dividida pela densidade do fluido.</p><p>Na Figura 4.2, representa-se a conduta de uma substância newtoniana. Observe que ocorre constância na viscosidade, ou seja, ela apresenta um valor único, havendo uma relação linear entre TC (força/área) e a velocidade de cisalhamento (dv/dr).</p><p>Figura 4.2 | Reograma representando o comportamento de um fluido newtoniano</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>Os reogramas apresentados na Figura 4.3, a seguir, apresentam o comportamento independente do tempo para FNN. Nesses sistemas, a viscosidade não é constante e dependerá da TC ou da força aplicada. Observe que o reograma para substâncias plásticas, também denominadas corpos de Bingham, não passa pela origem. Assim, até que uma determinada TC mínima, com valor de cedência σy, não seja aplicada, a substância apresentará comportamento de um material sólido. A curva do reograma cruza o eixo da TC, mas não cruza através da origem. Os materiais são considerados elásticos em tensões de cisalhamento abaixo do valor de escoamento.</p><p>No reograma para substâncias pseudoplásticas, observa-se que não há ponto de cedência (σy), pois a TC inicia na origem e, dessa forma, a substância começa a fluir imediatamente após uma TC ser aplicada. Enquanto nos fluidos plásticos ocorre a redução da viscosidade em função da TC aplicada, os fluidos com comportamento dilatante apresentam ampliação da viscosidade de acordo com o aumento da tensão aplicada, como será possível observar nos reogramas a seguir. Isso leva a uma velocidade decrescente de cisalhamento, ou seja, a um fluxo reduzido e a uma maior viscosidade, para a mesma quantidade de mudança na TC em que os níveis de TC são aumentados.</p><p>Figura 4.3 | Reogramas representando o comportamento de fluidos não newtonianos (FNN)</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>Classificação reológica dos fluidos: newtonianos e não newtonianos – plásticos de Bingham, pseudoplásticos, dilatantes, tixotrópicos e reopéxicos</p><p>protegendo o organismo contra traumas e variações na temperatura. A elevada concentração de células de gordura (adipócitos) funciona como depósito de energia. Neste local anatômico também são encontrados vasos sanguíneos, linfáticos e nervos que realizam a comunicação do meio externo ao meio interno do organismo.</p><p>Figura 1.1 | Anatomia da pele humana saudável</p><p>Fonte: Adaptado de Shutterstock.</p><p>Agressões por agentes diversos são capazes de provocar alterações clínicas na pele. A rica vascularização sanguínea neste órgão faz dele um alvo interessante para intervenção farmacológica e estética. O tratamento da pele pode se limitar à superfície ou ocorrer no estrato córneo e nos apêndices da pele.</p><p>Assimile</p><p>Epiderme</p><p>A definição de cada subcamada da epiderme (estrato córneo, estrato granuloso, estrato espinhoso e estrato basal) depende do estado evolutivo dos queratinócitos. Na camada basal, são originadas as células epiteliais e, a partir desta, observa-se a transição das células através das outras subcamadas, chegando à camada córnea. Estima-se que células em diferenciação resultantes na pele normal levem de 52 a 75 dias para serem eliminadas do estrato córneo.</p><p>Permeabilidade cutânea</p><p>A permeabilidade cutânea édefinida como a passagem de ingredientes presentes nasformas farmacêutica destinadas à aplicação na pele através da camada córnea. A camada córnea é a subcamada da epiderme (Figura 1.2), formada, basicamente, pelos corneócitos, que são as células responsáveis pela resistência e impermeabilidade da pele. Esta camada é relevante para evitar que todos os tipos de agentes entrem na pele, incluindo microrganismos, água e partículas. A absorção de diversas substâncias através da pele, chegando, inclusive, à corrente sanguínea, é denominada absorção percutânea.</p><p>Figura 1.2 | Anatomia da epiderme humana saudável</p><p>Fonte: Adaptado de Shutterstock.</p><p>Produtos considerados transdérmicos são aplicados na superfície da pele e têm a capacidade de liberar o fármaco da formulação para a corrente sanguínea, exercendo, desta forma, ação sistêmica. Estes produtos podem apresentar forma farmacêutica semissólida (emulsões e géis) ou sólida (adesivos e dispositivos). Para um fármaco chegar à corrente sanguínea através da aplicação tópica, ele deve passar pelas seguintes etapas: fase de difusão passiva pela camada córnea; fase de permeaçãoatravés da epiderme mais aquosa, avascular e viável para a derme altamente perfundida; fase de reabsorção para a microcirculação e, posteriormente, para a circulação sistêmica ou mais profundamente no tecido. As moléculas livres presentes em uma formulação se moverão por difusão passiva para a pele, obedecendo à Lei de Fick.</p><p>J=Kp⋅Δc=Km⋅D⋅Δce</p><p>Onde:</p><p>J = fluxo percutâneo expresso em µg/cm2/h.</p><p>Kp= coeficiente de permeabilidade em cm/h.</p><p>∆c = diferença de concentração entre as duas partes da membrana (C1-C2).</p><p>Km= coeficiente de partição da camada córnea/veículo.</p><p>e = espessura da camada córnea em µm.</p><p>D=e26TL</p><p>TL= tempo de latência.</p><p>Analisando a equação, observa-se que a difusão passiva sempre ocorre em direção ao equilíbrio relativo a um gradiente de concentração e, desta forma, um fármaco presente em uma formulação de uso tópico se difundirá para a pele, pois ele se apresenta em maior quantidade na formulação em relação à pele. Moléculas de alta lipofilia e baixo peso molecular possuem alta velocidade de fluxo através do extrato córneo. Conforme observado na equação matemática, o tamanho e a espessura da área em que uma formulação for aplicada também influenciam a absorção de um fármaco. Desta forma, quanto maior área de aplicação de uma formulação, maior será a absorção, e o contrário é verdadeiro quanto à espessura, isto é, quanto mais espessa é a camada córnea, mais difícil será a absorção de um fármaco.</p><p>Diversas situações fisiopatológicas podem requerer o tratamento por via tópica, e isso é possível desde que a formulação libere o ativo com eficiência para o receptor-alvo. Além disso, fatores relacionados aos fármacos também são limitantes para a escolha desta via de administração de medicamentos e cosméticos.</p><p>Reflita</p><p>Como é possível estimar a permeabilidade de um fármaco?</p><p>A Lei de Fick é um modelo matemático que nos traz uma estimativa teórica, entretanto são necessários experimentos utilizando modelos in vivo ou in vitro para obter uma aproximação mais fidedigna do que de fato acontecerá no usuário do medicamento ou cosmético de uso tópico. Diversos métodos têm sido propostos para avaliar o trânsito de substâncias através da pele.</p><p>Quais são as técnicas disponíveis?</p><p>A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) preconiza algum método neste sentido para fins de registro de produto?</p><p>Vias de permeabilidade cutânea</p><p>A permeabilidade de um fármaco através da camada córnea é o fator limitante para que se obtenha sucesso no tratamento tópico. As células da epiderme possuem alto teor de lipídeos e proteínas. A camada lipídica é composta por glicerídeos, esqualeno, ceras, colesterol e seus ésteres. As queratinas são proteínas de alto peso molecular produzidas por queratinócitos, e formam a camada córnea, as unhas e os cabelos. Devido a esta constituição, a epiderme possui uma característica química apolar, dificultando o acesso de diversas substâncias polares.</p><p>A fase lipídica contínua e a camada descontínua de proteínas sugerem que a absorção de fármacos ocorra predominantemente pela via intercelular, através dos espaços existentes entre as células, difundindo-se através das bicamadas lipídicas. Entretanto, não se descarta a hipótese da absorção por via transcelular através dos corneócitos. Neste contexto, vale ressaltar que, mesmo em pequena quantidade, os anexos cutâneos também desempenham um papel importante na absorção de fármacos (Figura 1.3).</p><p>Figura 1.3 | Vias de permeabilidade cutânea</p><p>Fonte: Adaptado de Shutterstock.</p><p>Fatores que influenciam na penetrabilidade</p><p>Em algumas situações, a penetrabilidade de uma substância não é desejada, como é o caso de filtros químicos utilizados em cosméticos. Em outras situações, ela é requerida para efeito terapêutico, a exemplo dos medicamentos de uso transdérmico. A pele íntegra e saudável é uma barreira natural de proteção, além de ser uma via interessante para administração de fármacos. O grau de penetrabilidade de uma substância através desta via de administração é influenciado por algumas variáveis interrelacionadas (Tabela 1.1).</p><p>Fatores biológicos</p><p>Estes fatores estão diretamente relacionados ao indivíduo e ao estado da sua pele. São considerados aspectos relevantes para penetrabilidade: idade, grau de hidratação, integridade, região e espessura da pele e fluxo sanguíneo.</p><p>Fatores físico-químicos</p><p>Relacionam-se às características do fármaco e ao ambiente. A concentração do fármaco, o coeficiente de partição, o coeficiente de difusão, a forma e o tamanho da molécula são aspectos relevantes a serem considerados na escolha de um fármaco para administração por via tópica. Quanto ao ambiente, deve-se considerar a temperatura, o pH e o veículo da formulação como fatores relevantes.</p><p>Tabela 1.1 | Aspectos que influenciam na permeabilidade cutânea</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>Além de todos estes fatores, a composição do veículo do medicamento ou cosmético também influencia o grau de permeabilidade. Adjuvantes presentes na formulação e ativos veiculados em sistemas de liberação, como nanopartículas ou lipossomas, podem atuar como promotores de absorção cutânea.</p><p>Exemplificando</p><p>Adesivos transdérmicos</p><p>Esta tecnologia é escolhida quando se requer a liberação gradual de uma substância na corrente sanguínea e para fármacos com baixa estabilidade oral, mas que apresentam as características físico-químicas requeridas para permeabilidade cutânea. Estão disponíveis para comercialização adesivos de salicilato de metila associado a levomentol e cânfora, nicotina, buprenorfina, estradiol, rivastigmina e norelgestromina associado ao etinilestradiol.</p><p>O desenvolvimento de medicamentos para administração na pele como tecnologia no tratamento local ou sistêmico requer</p><p>Os fluidos são classificados de acordo com o seu comportamento frente à tensão aplicada. A lei do fluxo de Newton afirma que a aplicação de estresse em um líquido leva ao fluxo na proporção direta com a quantidade de tensão aplicada. A constante que relaciona o fluxo de um líquido à tensão aplicada é chamada de viscosidade (η), podendo ser expressa pela equação , em que t = tensão aplicada e D = taxa de fluxo. Dessa forma, quanto maior for a viscosidade, maior será a TC necessária.</p><p>No caso de FN, a viscosidade é constante para um fluido em uma determinada temperatura e pressão. Logo, não se altera com o aumento da taxa de cisalhamento (TxC). Água e soluções diluídas normalmente exibem propriedades de fluxo newtoniano. A maioria dos produtos farmacêuticos não são líquidos simples como a água, mas sistemas coloidais ou dispersos. Portanto, não seguem a lei newtoniana, sendo referidos como não newtonianos.</p><p>Quando a TC e a TxC não são linearmente relacionadas, o fluxo é descrito como não newtoniano. O comportamento de fluxo não newtoniano pode ser independente do tempo (plástico, pseudoplástico, dilatante) ou tempo-dependente (tixotrópicos e reopéxicos).</p><p>Insumos ou formulações com comportamento plástico não apresentam fluxo até que certo valor de TC tenha sido ultrapassado. Em tensões menores, o material pseudoplástico se comportará como um material sólido (elástico). Após ser alcançada a TC mínima, denominada ponto de fluidez, esses sistemas poderão exercer comportamento newtoniano.</p><p>O comportamento pseudoplástico é observado quando não há um valor único de viscosidade que possa ser considerado característico para a substância. Nesses casos, são descritas as viscosidades aparentes. Esse comportamento é observado em dispersões aquosas de hidrocoloides naturais ou quimicamente modificados, como a goma adragante, metilcelulose e carmelose, e polímeros sintéticos, como a polivinilpirrolidona e o ácido poliacrílico. O fluxo pseudoplástico é caraterístico de sistemas que apresentam agregação de partículas, moléculas longas ou de elevada massa. Sob o cisalhamento, esses agregados se quebram, liberando os solventes neles imobilizados, diminuindo assim a viscosidade do sistema e a menor resistência ao fluxo.</p><p>O fluxo dilatante consiste exatamente no oposto do comportamento pseudoplástico. Nele, observa-se o aumento da viscosidade com a elevação da velocidade de cisalhamento. Geralmente acontece com materiais que aumentam de volume durante o cisalhamento, denominados como substâncias dilatantes. Esse tipo de fluxo é menos comum que o fluxo plástico ou pseudoplástico. Em formulações com elevada concentração de partículas, há espaço livre entre elas, o qual é ocupado pelo solvente no momento do cisalhamento. Esse efeito é progressivo, submetendo-se ao aumento da velocidade de cisalhamento até que o material adquira aparência de pasta e o fluxo cesse. Com a remoção da TC, a natureza fluida é restabelecida.</p><p>Nos sistemas tixotrópicos e reopéxicos, observam-se comportamentos distintos de viscosidade em função do tempo. Sistemas tixotrópicos geralmente são compostos por partículas assimétricas ou macromoléculas e caracterizam-se pelo decréscimo reversível da sua viscosidade aparente por meio de uma força de cisalhamento aplicada, dependente do tempo. Já sistemas reopéxicos caracterizam-se pelo aumento da viscosidade aparente em função do tempo. A tixotropia é observada em diversos produtos farmacêuticos. É possível visualizar esse fenômeno ao agitar um produto antes de usá-lo, por exemplo. O produto permanece fluido por um período de tempo suficiente para que uma dose seja retirada ou aplicada. O sistema retoma a sua consistência inicial rapidamente sob repouso.</p><p>Aparelhos e equipamentos para determinação da viscosidade e do comportamento reológico dos produtos farmacêuticos e cosméticos</p><p>A escolha do tipo de aparelho ou equipamento para determinação da viscosidade dependerá do propósito a ser avaliado, bem como do comportamento do líquido. Viscosímetros capilares são adequados à determinação da viscosidade para FN de baixa viscosidade, uma vez que não permitem variar a TC. Existe uma extensa gama de instrumentos que podem ser usados para determinar as propriedades de fluxo de FN, no entanto apenas alguns deles são capazes de fornecer dados possíveis de serem usados para calcular as viscosidades em unidades fundamentais. O design de muitos instrumentos impede o cálculo de viscosidades absolutas, pois é capaz de fornecer dados apenas em termos de unidades empíricas. A sexta edição da Farmacopeia brasileira: volume 1 (2019) recomenda determinar a resistência de líquidos ao escoamento, isto é, o tempo de vazão de um líquido, por meio de um capilar, utilizando o viscosímetro de Ostwald, Ubbelohde, Baumé ou Engler. A determinação da viscosidade também pode ser feita a partir da medida do tempo de queda de uma esfera através de tubos contendo o líquido sob ensaio (Höppler). O viscosímetro de Brookfield (Figura 4.4) mede a resistência ao movimento de rotação de eixos metálicos quando imersos no líquido.</p><p>O viscosímetro de Ostwald, também denominado como viscosímetro em U, é o mais simples e popular dentre os aparelhos disponíveis. Consiste em um tubo dobrado em U (Figura 4.4), com um dos ramos munido de ampola terminada em capilar. Sua utilização se aplica principalmente a fluidos simples com comportamento newtoniano.</p><p>Figura 4.4 | Viscosímetros</p><p>Fonte: adaptada de Brasil (2019, p. 106); AMETEK, Brookfield apud Pharmaceutical Online (2012,[s. d.]).</p><p>Reflita</p><p>Como é possível determinar a viscosidade de líquidos a partir do viscosímetro de Ostwald?</p><p>As metodologias para utilização de equipamentos-padrão são descritas nos compêndios oficiais, como a Farmacopeia brasileira.</p><p>Outros equipamentos, ainda não descritos nos compêndios, devem acompanhar manual de instrução, fornecido pelo fabricante, para embasar o Procedimento Operacional Padrão referente à sua utilização.</p><p>O viscosímetro de Brookfield pode ser utilizado para caracterizar a viscosidade de FN e de FNN e, por esse motivo, é possível adotar o termo reômetro para o equipamento. Representa a melhor escolha para analisar a viscosidade de uma forma farmacêutica com comportamento não newtoniano. Na prática, esse instrumento mede a viscosidade pela força necessária para girar o spindle no líquido que está sendo testado. A partir disso, a viscosidade de um fluido pode ser calculada dividindo-se a TC pela velocidade de cisalhamento. Entretanto, para fazer isso, é essencial ter um instrumento que seja capaz ou de impor uma velocidade de cisalhamento constante (velocidade controlada) e medir a TC resultante ou de impor uma TC constante (tensão controlada) quando a medida da velocidade de cisalhamento induzida for necessária.</p><p>Exemplificando</p><p>A sexta edição da Farmacopeia brasileira: volume 1 (2019) aconselha a utilização do aparelho viscosímetro de Brookfield da seguinte forma:</p><p>· Adicionar a amostra a ser analisada no recipiente coletor do aparelho até a marca desejada;</p><p>· Programar o aparelho, escolhendo um número de spindle e uma rotação a serem testados, de acordo com metodologia específica;</p><p>· Imergir o spindle na amostra a ser analisada;</p><p>· Acionar o aparelho e, após a estabilização do valor, que aparecerá no display do aparelho, anotar esse valor, que será expresso em centipoise (cP). Caso não haja estabilização do valor, recomenda-se testar novamente utilizando outro número de spindle ou outra rotação.</p><p>Géis e suas características</p><p>CONVITE AO ESTUDO</p><p>Caro aluno, percorremos, até o momento, um bom caminho para a compreensão das características da pele, das formas farmacêuticas semissólidas emulsionadas e dos seus aspectos quanto à estabilidade e ao controle de qualidade. Percebemos como a utilização das emulsões é relevante na área farmacêutica para o preparo de medicamentos e também de cosméticos.</p><p>As emulsões farmacêuticas encontram-se no estado coloidal, ou seja, as suas gotículas variam de tamanho, abrangendo desde uma escala manométrica até dispersões visíveis ou “grosseiras”</p><p>com vários micrômetros de diâmetro. A palavra “coloide” deriva do grego kólla (cola) e foi cunhado com a impressão de que as substâncias coloidais se apresentavam amorfas ou semelhantes à cola em vez de exibirem o formato cristalino comumente descrito para a matéria. O entendimento da química e do comportamento dos coloides é importante na farmácia em função do crescente número de nanopartículas e outros sistemas coloidais usados na distribuição e direcionamento de fármacos.</p><p>Nesta última unidade, aprofundaremos nossos estudos entendendo o comportamento reológico dessas formas farmacêuticas e ampliaremos o conhecimento sobre as formas farmacêuticas em gel.</p><p>A compreensão adequada das propriedades reológicas dos insumos farmacêuticos é essencial à preparação, ao desenvolvimento, à avaliação e ao desempenho de formas farmacêuticas. Assim, iniciaremos a Unidade 4 pela Seção 4.1, com a abordagem da reologia, os conceitos relacionados a esse conceito, as suas aplicações e os equipamentos utilizados para avaliar o comportamento reológico das formulações farmacêuticas. Na Seção 4.2, serão definidos os géis, as suas classificações, aplicações e as técnicas de preparo. Na Seção 4.3, encerraremos o estudo dos géis conhecendo os aspectos da produção e do controle de qualidade para formulações nessa forma farmacêutica.</p><p>Desejamos que você tenha o melhor aproveitamento possível nesta disciplina, então aproveite para revisar o conteúdo estudado até aqui e faça os exercícios propostos, pois os conhecimentos acabam se entrelaçando e a fixação dos conteúdos iniciais se torna fundamental para o sucesso na compreensão da tecnologia farmacêutica.</p><p>Bons estudos!</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Caro aluno, bem-vindo a mais uma aula da disciplina Tecnologia Farmacêutica III.</p><p>Neste momento, você assumirá o papel de aluno em uma suposta aula prática. A professora solicita que a turma se divida em grupos de até quatro pessoas. Você se reuniu com a Marcela e a Melissa para fazer a atividade. O seu grupo recebeu três amostras, a fim de que você e suas colegas de equipe realizem as análises de controle de qualidade e reologia com os equipamentos disponíveis no laboratório de tecnologia farmacêutica.</p><p>Observando a olho nu, as amostras 1 e 2 apresentam-se gelatinosas e límpidas, incolores e inodoras. A amostra 1 aparenta ser mais consistente que a 2. A amostra 2 escoa livremente ao se manusear o frasco. A amostra 3, diferente das anteriores, apresenta-se fluida, porém opaca, com característica leitosa e odor suave que lembra óleo de coco.</p><p>A professora informou que as amostras disponibilizadas foram preparadas no laboratório de manipulação de medicamentos e cosméticos da farmácia-escola. Elas consistem em bases galênicas que podem ser utilizadas para veiculação de fármacos ou ativos cosméticos destinados à administração tópica.</p><p>No relatório solicitado pela professora, você e as demais integrantes do grupo precisam classificar as formulações quanto ao comportamento reológico, como newtonianas e não newtonianas, selecionar o equipamento mais adequado para realizar a análise da viscosidade e sugerir a provável forma farmacêutica para cada amostra.</p><p>O seu grupo já participou das aulas anteriores, então já conhece diversos ensaios de controle de qualidade, mas o termo “reologia” é novo. Para responder às perguntas do relatório, vamos estudar o conteúdo desta primeira seção e gabaritar a atividade!</p><p>Vamos lá?</p><p>Conceito-Chave</p><p>Conceitos e definições de reologia: reologia, viscosidade, consistência, fluidez, dureza, elasticidade, cisalhamento</p><p>As propriedades reológicas são considerações importantes na fabricação, análise e uso de muitas formas farmacêuticas, incluindo soluções, emulsões, suspensões, pastas, loções, supositórios, medicamentos injetáveis e infusões intravenosas. A reologia estudas as propriedades de fluxo de líquidos e da deformação da matéria, abordando os aspectos de viscosidade de solução e de sistemas coloidais. O fluxo dos líquidos é descrito pela sua viscosidade, que consiste na resistência ao fluxo ou ao movimento após a aplicação de um estresse. Fluidos newtonianos (FN) são assim chamados uma vez que é possível descrever adequadamente as características de fluxo por meio da sua viscosidade. Para estes, a viscosidade se mantém constante independentemente do cisalhamento aplicado. Como exemplos, podemos citar as soluções simples, como a água, o álcool e a acetona. No entanto, o fluxo de dispersões complexas, como as emulsões e os géis, não pode ser adequadamente descrito pela viscosidade. Estas são denominadas fluidos não newtonianos (FNN) e dizemos que exibem características de fluxo não newtonianas, já que a viscosidade se altera de acordo com o cisalhamento aplicado.</p><p>Assimile</p><p>Os sistemas dispersos exibem essencialmente duas fases, sendo uma a fase dispersa e a outra a fase contínua. A fase dispersa pode se manifestar na forma de partículas (ex.: suspensões) ou gotículas (ex.: emulsões). Quando estas se apresentarem entre 1 nm e 1 mm, serão denominadas como sistemas coloidais.</p><p>Emulsões, suspensões e aerossóis são exemplos de dispersões coloidais grosseiras, ou seja, apresentam fase dispersa, com tamanho de gotícula/partícula grande, enquanto que sistemas micelares são denominados como dispersões coloidais finas, pois apresentam tamanho de gotícula pequeno.</p><p>A viscosidade de uma forma farmacêutica líquida geralmente reduz com o aumento da temperatura. O aumento do movimento browniano, o movimento rápido das moléculas líquidas entre si em temperaturas mais altas, diminui o gasto de energia da força de cisalhamento (Figura 4.1) na superação das forças de coesão intermolecular, levando a uma proporção maior de energia utilizada para influenciar a direção do fluxo. Ou seja, a fluidez é ampliada por meio da elevação da temperatura.</p><p>Figura 4.1 | Representação do efeito do cisalhamento sobre uma amostra</p><p>Fonte: adaptada de Aulton e Taylor (2018, p. 94).</p><p>A temperatura e a viscosidade relacionam-se não de forma proporcional, mas sim exponencial. Diante disso, um pequeno aumento na temperatura tem grande impacto na viscosidade. Essa relação temperatura-viscosidade é crítica e deve ser levada em consideração na produção ou manipulação de produtos farmacêuticos, bem como na utilização dos medicamentos por parte dos pacientes.</p><p>Exemplificando</p><p>Uma solução injetável armazenada em um refrigerador pode ter uma viscosidade muito maior e talvez se torne difícil de injetar em comparação à mesma solução levada à temperatura ambiente antes da injeção.</p><p>Ex.: tocilizumabe, anfotericina B, liraglutida, insulina.</p><p>Descreve-se a viscosidade matematicamente como a constante que relaciona a tensão de cisalhamento (τ) – ou seja, a força por unidade de área aplicada (F/A) paralelamente à direção do fluxo do líquido – e a taxa de cisalhamento (γ), que representa o volume de fluxo de fluido por unidade de área do líquido. A unidade de viscosidade mais usada na farmácia é o centipoise (cp, plural cps), que é igual a 0,01 poise. Vale ressaltar que 1 cp também equivale a 0,001 Pascal segundo (Pa.s) e a 1 milipascal segundo (mPa.s). Os valores de viscosidade descritos em livros como o Handbook of Pharmaceutical Excipients estão em mPa.s. Para comparações entre substâncias, foi adotada para a água a viscosidade no valor de 1 mPa.s a 20 °C.</p><p>Na prática, não se observa uma relação entre a consistência percebida e a viscosidade. Muitos sistemas dispersos exibem as propriedades de sólidos e líquidos quando uma pequena tensão de cisalhamento (TC) constante é aplicada, ou seja, fluem, mas também apresentam elasticidade.</p><p>Aplicações da reologia e interpretação dos gráficos de reologia</p><p>O comportamento reológico das substâncias pode ser observado na Figura 4.1, apresentada anteriormente. Nela, representa-se um cubo hipotético de uma formulação com camadas laminares infinitas, as quais deslizam umas sobre as outras de acordo com a força que está sendo aplicada. Quando uma força tangencial (cisalhamento) é aplicada à camada superior, presume-se que cada camada subsequente</p><p>se moverá progressivamente, diminuindo a velocidade, e que a camada inferior será estacionária.</p><p>Portanto, o gradiente de velocidade existirá. Isso pode ser calculado dividindo a velocidade da camada superior em m.s−1 pela altura do cubo em metros. O gradiente resultante será efetivamente a taxa de fluxo, mas geralmente é referido como taxa de cisalhamento, γ, e sua unidade é segundos recíprocos (s−1). O estresse aplicado, conhecido como TC, σ, é alcançado dividindo a força aplicada pela área da camada superior. A viscosidade aqui obtida é denominada como viscosidade dinâmica. Há também a viscosidade cinemática, que consiste na viscosidade dinâmica dividida pela densidade do fluido.</p><p>Na Figura 4.2, representa-se a conduta de uma substância newtoniana. Observe que ocorre constância na viscosidade, ou seja, ela apresenta um valor único, havendo uma relação linear entre TC (força/área) e a velocidade de cisalhamento (dv/dr).</p><p>Figura 4.2 | Reograma representando o comportamento de um fluido newtoniano</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>Os reogramas apresentados na Figura 4.3, a seguir, apresentam o comportamento independente do tempo para FNN. Nesses sistemas, a viscosidade não é constante e dependerá da TC ou da força aplicada. Observe que o reograma para substâncias plásticas, também denominadas corpos de Bingham, não passa pela origem. Assim, até que uma determinada TC mínima, com valor de cedência σy, não seja aplicada, a substância apresentará comportamento de um material sólido. A curva do reograma cruza o eixo da TC, mas não cruza através da origem. Os materiais são considerados elásticos em tensões de cisalhamento abaixo do valor de escoamento.</p><p>No reograma para substâncias pseudoplásticas, observa-se que não há ponto de cedência (σy), pois a TC inicia na origem e, dessa forma, a substância começa a fluir imediatamente após uma TC ser aplicada. Enquanto nos fluidos plásticos ocorre a redução da viscosidade em função da TC aplicada, os fluidos com comportamento dilatante apresentam ampliação da viscosidade de acordo com o aumento da tensão aplicada, como será possível observar nos reogramas a seguir. Isso leva a uma velocidade decrescente de cisalhamento, ou seja, a um fluxo reduzido e a uma maior viscosidade, para a mesma quantidade de mudança na TC em que os níveis de TC são aumentados.</p><p>Figura 4.3 | Reogramas representando o comportamento de fluidos não newtonianos (FNN)</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>Classificação reológica dos fluidos: newtonianos e não newtonianos – plásticos de Bingham, pseudoplásticos, dilatantes, tixotrópicos e reopéxicos</p><p>Os fluidos são classificados de acordo com o seu comportamento frente à tensão aplicada. A lei do fluxo de Newton afirma que a aplicação de estresse em um líquido leva ao fluxo na proporção direta com a quantidade de tensão aplicada. A constante que relaciona o fluxo de um líquido à tensão aplicada é chamada de viscosidade (η), podendo ser expressa pela equação , em que t = tensão aplicada e D = taxa de fluxo. Dessa forma, quanto maior for a viscosidade, maior será a TC necessária.</p><p>No caso de FN, a viscosidade é constante para um fluido em uma determinada temperatura e pressão. Logo, não se altera com o aumento da taxa de cisalhamento (TxC). Água e soluções diluídas normalmente exibem propriedades de fluxo newtoniano. A maioria dos produtos farmacêuticos não são líquidos simples como a água, mas sistemas coloidais ou dispersos. Portanto, não seguem a lei newtoniana, sendo referidos como não newtonianos.</p><p>Quando a TC e a TxC não são linearmente relacionadas, o fluxo é descrito como não newtoniano. O comportamento de fluxo não newtoniano pode ser independente do tempo (plástico, pseudoplástico, dilatante) ou tempo-dependente (tixotrópicos e reopéxicos).</p><p>Insumos ou formulações com comportamento plástico não apresentam fluxo até que certo valor de TC tenha sido ultrapassado. Em tensões menores, o material pseudoplástico se comportará como um material sólido (elástico). Após ser alcançada a TC mínima, denominada ponto de fluidez, esses sistemas poderão exercer comportamento newtoniano.</p><p>O comportamento pseudoplástico é observado quando não há um valor único de viscosidade que possa ser considerado característico para a substância. Nesses casos, são descritas as viscosidades aparentes. Esse comportamento é observado em dispersões aquosas de hidrocoloides naturais ou quimicamente modificados, como a goma adragante, metilcelulose e carmelose, e polímeros sintéticos, como a polivinilpirrolidona e o ácido poliacrílico. O fluxo pseudoplástico é caraterístico de sistemas que apresentam agregação de partículas, moléculas longas ou de elevada massa. Sob o cisalhamento, esses agregados se quebram, liberando os solventes neles imobilizados, diminuindo assim a viscosidade do sistema e a menor resistência ao fluxo.</p><p>O fluxo dilatante consiste exatamente no oposto do comportamento pseudoplástico. Nele, observa-se o aumento da viscosidade com a elevação da velocidade de cisalhamento. Geralmente acontece com materiais que aumentam de volume durante o cisalhamento, denominados como substâncias dilatantes. Esse tipo de fluxo é menos comum que o fluxo plástico ou pseudoplástico. Em formulações com elevada concentração de partículas, há espaço livre entre elas, o qual é ocupado pelo solvente no momento do cisalhamento. Esse efeito é progressivo, submetendo-se ao aumento da velocidade de cisalhamento até que o material adquira aparência de pasta e o fluxo cesse. Com a remoção da TC, a natureza fluida é restabelecida.</p><p>Nos sistemas tixotrópicos e reopéxicos, observam-se comportamentos distintos de viscosidade em função do tempo. Sistemas tixotrópicos geralmente são compostos por partículas assimétricas ou macromoléculas e caracterizam-se pelo decréscimo reversível da sua viscosidade aparente por meio de uma força de cisalhamento aplicada, dependente do tempo. Já sistemas reopéxicos caracterizam-se pelo aumento da viscosidade aparente em função do tempo. A tixotropia é observada em diversos produtos farmacêuticos. É possível visualizar esse fenômeno ao agitar um produto antes de usá-lo, por exemplo. O produto permanece fluido por um período de tempo suficiente para que uma dose seja retirada ou aplicada. O sistema retoma a sua consistência inicial rapidamente sob repouso.</p><p>Aparelhos e equipamentos para determinação da viscosidade e do comportamento reológico dos produtos farmacêuticos e cosméticos</p><p>A escolha do tipo de aparelho ou equipamento para determinação da viscosidade dependerá do propósito a ser avaliado, bem como do comportamento do líquido. Viscosímetros capilares são adequados à determinação da viscosidade para FN de baixa viscosidade, uma vez que não permitem variar a TC. Existe uma extensa gama de instrumentos que podem ser usados para determinar as propriedades de fluxo de FN, no entanto apenas alguns deles são capazes de fornecer dados possíveis de serem usados para calcular as viscosidades em unidades fundamentais. O design de muitos instrumentos impede o cálculo de viscosidades absolutas, pois é capaz de fornecer dados apenas em termos de unidades empíricas. A sexta edição da Farmacopeia brasileira: volume 1 (2019) recomenda determinar a resistência de líquidos ao escoamento, isto é, o tempo de vazão de um líquido, por meio de um capilar, utilizando o viscosímetro de Ostwald, Ubbelohde, Baumé ou Engler. A determinação da viscosidade também pode ser feita a partir da medida do tempo de queda de uma esfera através de tubos contendo o líquido sob ensaio (Höppler). O viscosímetro de Brookfield (Figura 4.4) mede a resistência ao movimento de rotação de eixos metálicos quando imersos no líquido.</p><p>O viscosímetro de Ostwald, também denominado como viscosímetro em U, é o mais simples e popular dentre os aparelhos disponíveis. Consiste em um tubo dobrado em U (Figura 4.4), com um dos ramos munido de ampola terminada em capilar. Sua utilização se aplica principalmente a fluidos simples com comportamento newtoniano.</p><p>Figura 4.4 | Viscosímetros</p><p>Fonte: adaptada de Brasil (2019, p.</p><p>106); AMETEK, Brookfield apud Pharmaceutical Online (2012,[s. d.]).</p><p>Reflita</p><p>Como é possível determinar a viscosidade de líquidos a partir do viscosímetro de Ostwald?</p><p>As metodologias para utilização de equipamentos-padrão são descritas nos compêndios oficiais, como a Farmacopeia brasileira.</p><p>Outros equipamentos, ainda não descritos nos compêndios, devem acompanhar manual de instrução, fornecido pelo fabricante, para embasar o Procedimento Operacional Padrão referente à sua utilização.</p><p>O viscosímetro de Brookfield pode ser utilizado para caracterizar a viscosidade de FN e de FNN e, por esse motivo, é possível adotar o termo reômetro para o equipamento. Representa a melhor escolha para analisar a viscosidade de uma forma farmacêutica com comportamento não newtoniano. Na prática, esse instrumento mede a viscosidade pela força necessária para girar o spindle no líquido que está sendo testado. A partir disso, a viscosidade de um fluido pode ser calculada dividindo-se a TC pela velocidade de cisalhamento. Entretanto, para fazer isso, é essencial ter um instrumento que seja capaz ou de impor uma velocidade de cisalhamento constante (velocidade controlada) e medir a TC resultante ou de impor uma TC constante (tensão controlada) quando a medida da velocidade de cisalhamento induzida for necessária.</p><p>Exemplificando</p><p>A sexta edição da Farmacopeia brasileira: volume 1 (2019) aconselha a utilização do aparelho viscosímetro de Brookfield da seguinte forma:</p><p>· Adicionar a amostra a ser analisada no recipiente coletor do aparelho até a marca desejada;</p><p>· Programar o aparelho, escolhendo um número de spindle e uma rotação a serem testados, de acordo com metodologia específica;</p><p>· Imergir o spindle na amostra a ser analisada;</p><p>· Acionar o aparelho e, após a estabilização do valor, que aparecerá no display do aparelho, anotar esse valor, que será expresso em centipoise (cP). Caso não haja estabilização do valor, recomenda-se testar novamente utilizando outro número de spindle ou outra rotação.</p><p>Forma Farmacêutica de Géis</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Caro aluno, seja bem-vindo à terceira seção de estudos da Unidade 4!</p><p>Nesta unidade, seguiremos o estudo sobre os géis como formas farmacêuticas para o preparo de fórmulas medicamentosas ou cosméticas. Para a elaboração de formulações gelificadas, é imprescindível utilizar uma matéria-prima que apresente capacidade de interagir com o solvente, formando um sistema estruturado. Essas matérias-primas geralmente são coloides classificados como macromoléculas poliméricas ou coloides de associação particulados.</p><p>Gabriele continua seu estágio na Farmácia Formulando e, dessa vez, recebeu a prescrição de um gel para uso odontológico. Ela nem imaginava que os géis pudessem ser utilizados para administração de substâncias na mucosa oral. A prescrição do dentista solicitava o preparo de 10 gramas de gel clareador dental com peróxido de carbamida 10%. Na posologia, constava a orientação para aplicar na moldeira todas as noites e deixar agir por, no mínimo, 2 horas.</p><p>Ao ler a prescrição, muitas dúvidas surgiram. Gabriele questionou por que foi recomendada a preparação de um gel, e não de uma solução enxaguante. Por que utilizar uma moldeira, e não simplesmente escovar os dentes com o gel? Ela lembrou que existem diversos agentes gelificantes, mas qual seria o mais indicado para essa preparação?</p><p>A responsável pelo setor percebeu que Gabriele desejava conhecer mais sobre os aspectos dessa forma farmacêutica, então a convidou para acompanhá-la na manipulação dessa formulação. Gabriele ficou muito feliz e prontamente aceitou a proposta.</p><p>Observe que as formulações magistrais são preparadas de forma individualizada, seguindo a prescrição do profissional habilitado. Entretanto, o prescritor não necessariamente conhece os aspectos técnicos do preparo da formulação, portanto, nessa prescrição, o dentista não indica o agente gelificante, a presença ou não de flavorizantes e outros adjuvantes farmacotécnicos, ou a embalagem adequada. O conhecimento desse contexto técnico deve ser dominado pela farmácia. Inclusive, em muitos momentos são oferecidas opções para que o cliente faça a escolha, como no caso dos flavorizantes (ex.: menta, morango, tutti-frutti, entre outras alternativas).</p><p>No setor magistral, as bases galênicas podem ser preparadas no próprio estabelecimento ou adquiridas já prontas. Para que Gabriele compreenda as técnicas que serão apresentadas pela farmacêutica responsável pelo setor, será necessário estudar previamente o preparo dos géis e das formulações à base de substâncias gelificantes, além de explorar a importância da viscosidade e do controle de qualidade no delineamento de formas farmacêuticas do tipo gel.</p><p>Vamos fazer como a Gabriele? Embarque no estudo desta unidade e se destaque profissionalmente!</p><p>Conceito-Chave</p><p>Produção de géis</p><p>Na produção de formas farmacêuticas definidas como géis, é imprescindível a utilização de um insumo gelificante. Esses agentes podem conter diferentes composições que são diretamente relacionadas aos aspectos farmacotécnicos. Se as cadeias do polímero gelificante hidrofílico (Figura 4.9) se apresentarem reticuladas covalentemente, os géis serão formados quando o material seco interagir com a água. O polímero incha em contato com o solvente, mas não pode se dissolver porque as ligações cruzadas são estáveis.</p><p>Assimile</p><p>Polímeros são substâncias de alto peso molecular compostos de unidades monoméricas repetidas, geralmente representadas entre colchetes. Substâncias com cadeias curtas contendo relativamente poucos monômeros são chamados de oligômeros. Os polímeros devem suas propriedades únicas ao seu tamanho, sua forma tridimensional, flexibilidade e assimetria à composição molecular.</p><p>Para a produção dos géis, é preciso observar a capacidade de incorporação do solvente (água ou óleo) no agente gelificante, a viscosidade e textura do produto formado e a habilidade do gel de reter/manter o solvente na sua estrutura. Essas observações permitem a escolha de equipamentos adequados e adjuvantes necessários para a produção de géis em pequena, média ou grande escala.</p><p>Figura 4.9 | Polímeros utilizados como agentes gelificantes em formas farmacêuticas</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>Estão disponíveis diversas substâncias para a finalidade gelificante, cujo cuidado primordial na preparação é a hidratação, uma vez que esses insumos comumente apresentam-se na forma de pó e deverão ser dispersos ou dissolvidos em um solvente, geralmente água. Além da etapa de hidratação, a temperatura e o pH do meio influenciam diretamente o processo produtivo.</p><p>Quando devidamente dispersos em meio aquoso, os carbômeros existem como matrizes compactadas de microgéis de éteres alílicos de poliálcoois. A viscosidade da formulação resultante estará relacionada ao número do carbômero (ex.: 934, 940 e 941). Na literatura internacional, esse insumo pode ser encontrado com outras denominações, tais como homopolímero reticulado do ácido acrílico, copolímeros reticulados do ácido acrílico e acrilato/C3-C30. Esses agentes gelificantes apresentam em comum a característica ácida. Deve-se levar em consideração a etapa de neutralização com uma substância de caráter básico, como o hidróxido de sódio, a trietanolamina e o aminometilpropanol. A adição de um agente neutralizante ioniza as moléculas dos carbômeros, proporcionando a capacidade de inchar em até mil vezes o seu volume original por causa da repulsão eletrostática entre os grupos carboxilato carregados e as cadeias cruzadas do reticulado. Carbômeros são considerados atóxicos e apresentam pouco ou nenhum potencial de irritação para pele, olhos e mucosas nas concentrações empregadas em medicamentos e cosméticos. Em alguns casos, são também usados como espessantes de produtos de uso oral.</p><p>A celulose e seus derivados são comumente utilizados como agentes gelificantes em formas farmacêuticas semissólidas. As ligações ꞵ(1→4) entre os monômeros torna a estrutura semiflexível, com elevado comportamento hidrodinâmico, atingindo, portanto, a gelificação</p><p>em concentrações muito baixas (≤ 2%). As hidroxilas presentes na molécula favorecem a interação com a água, porém, à medida que as concentrações do insumo aumentam, a capacidade de interação com a água diminui em função da formação de cristais, resultantes da interação intermolecular celulose-celulose, reduzindo ainda mais a solubilidade do agente gelificante em água. Nesse contexto, a derivatização molecular da celulose com substituintes semi-hidrofóbicos leva ao aumento da solubilidade em água porque os substituintes contribuem com o impedimento estérico, evitando a cristalização. A carboximetilcelulose, a hidroxietilcelulose, a hidroximetilcelulose, a hidroxipropilcelulose e a hidroxipopilmetilcelulose são derivados de celulose empregados no delineamento de formas farmacêuticas. A gelificação desses derivados é independente do pH do meio. Eles são estáveis em uma ampla faixa de pH, mas apresentam peculiaridades quanto à temperatura de gelificação. Em geral, devem ser utilizadas temperaturas em torno de 40 °C para favorecer a dispersão, entretanto a literatura precisa ser consultada, pois há variabilidade técnica para o preparo.</p><p>Para a produção de géis com polímeros naturais, como as mucilagens e gomas, deverão ser levadas em consideração as características intrínsecas que cada composição molecular proporciona ou requer em uma formulação. Algumas gomas são extremamente viscosas em água, como a goma tragacanto, enquanto outras, como a goma arábica, são altamente solúveis em água, possibilitando a utilização em concentração de até 37% por causa da sua flexibilidade molecular.</p><p>Geralmente os agentes gelificantes são adquiridos na forma de pó e, quando adicionados diretamente à água, tendem a flutuar e/ou a formar aglomerados. Assim, recomenda-se a hidratação prévia ou a utilização de um misturador (Figura 4.10) com capacidade de dispersão direta de pós.</p><p>Figura 4.10 | Estágios do processo de dispersão direta do agente gelificante em água com auxílio de equipamento</p><p>Fonte: Silverson (2021).</p><p>A escolha do equipamento que será acoplado no tanque de mistura deve ser cuidadosa, a fim de evitar a formação de espuma ou a incorporação de ar na fórmula, visto que, ao ser introduzido, o ar torna os géis turvos, além de gerar problemas de preenchimento da embalagem por volume. Em alguns casos, não é recomendada a utilização de um misturador de alto cisalhamento, pois o instrumento pode danificar a conformação do polímero, reduzindo a capacidade viscosificante na formulação.</p><p>Desenvolvimento farmacotécnico</p><p>Para o delineamento de formas farmacêuticas gelificadas, devem ser levantadas todas as informações a respeito dos fármacos ou insumos cosméticos, do agente gelificante, bem como da finalidade do produto que será produzido. A utilização de formulações que empregam um agente gelificante é ampla. Formulações hidrofílicas são destinadas à administração de substâncias por via tópica, oral, oftálmica, intra-articular, parenteral e nasal. Formulações hidrofóbicas, como os oleogéis, são destinadas à aplicação tópica com ação adicional emoliente. Muitas delas visam, inclusive, à ação sistêmica por causa do efeito transdérmico.</p><p>A solubilidade de substâncias gelificantes em água é determinada pela presença de grupos funcionais polares capazes de interagir com a água, fornecendo energia suficiente para mover cadeias de polímero individuais no estado sólido. Polímeros solúveis em água têm a capacidade de aumentar a viscosidade dos solventes em baixas concentrações, de inchar ou mudar de forma em solução e de adsorver em superfícies.</p><p>Polímeros gelificantes insolúveis ou polímeros com uma baixa taxa de dissolução são usados para formar filmes finos, para revestimento de materiais e curativos cirúrgicos ou para elaborar matrizes envolvendo fármacos, a fim de controlar suas propriedades de liberação (ex.: adesivos transdérmicos, formas farmacêuticas sólidas de liberação controlada).</p><p>Os géis podem ser sistemas irreversíveis ou reversíveis, dependendo da natureza das ligações entre as cadeias da rede. Quando os géis são formados a partir de soluções, cada sistema é caracterizado por uma concentração crítica de gelificação, abaixo da qual não se forma um gel estável e com consistência adequada. Essa concentração é determinada pelo equilíbrio hidrófilo-lipófilo do polímero e pelo grau de regularidade da estrutura, por interação polímero-solvente, por peso molecular e pela flexibilidade da cadeia: quanto mais flexível for a molécula, maior será a concentração crítica de gelificação. A presença de solventes, como a glicerina, a água, o etanol e o etilenoglicol, ou de aditivos, como o bórax e o sódio, influencia o ponto de gelificação.</p><p>Reflita</p><p>Muitos agentes gelificantes são considerados polímeros. Quando estes apresentam origem natural, são denominados biopolímeros.</p><p>Reflita sobre as características químicas das moléculas apresentadas por um insumo biopolímero e as suas possibilidades de utilização dentro da área farmacêutica, como também sobre as formas farmacêuticas semissólidas gelificadas.</p><p>Os hidrogéis são classificados de acordo com sua composição polimérica (homopolímero ou copolímero), configuração (amorfo, cristalino ou semicristalino), tipo de reticulação (química ou física) e carga elétrica da rede (iônico, não iônico, anfifílico ou zwitteriônico). A Figura 4.11 ilustra algumas possiblidades estruturais dos géis.</p><p>Figura 4.11 | Representação da composição e do tipo de reticulação dos polímeros gelificantes</p><p>Fonte: adaptada de Pal e Banerjee (2018, p. 12).</p><p>Os oleogéis são sistemas semirrígidos com uma fase apolar externamente imobilizada. As fases apolares são imobilizadas dentro dos espaços de rede tridimensional, estruturada por causa das interações físicas entre vários tipos compostos estruturais gelificantes. Esses insumos geralmente se apresentam em concentrações inferiores a 15% nas fórmulas de oleogéis. Formulações gelificadas à base de emulsão são denominadas como emulgéis, os quais podem ser do tipo “óleo em água” ou “água em óleo”, sendo, portanto, gelificados pela incorporação de um agente gelificante.</p><p>Além de avaliar todas as características apresentadas, durante o estudo da formulação também devem ser considerados os aspectos relativos ao local de aplicação dos géis. Formulações destinadas ao uso oftálmico obrigatoriamente precisam ser estéreis, devendo ser observados os aspectos de estabilidade de todos os componentes da formulação para a escolha do método adequado de esterilização.</p><p>Viscosidade e fatores que interferem</p><p>Vários fatores afetam a reologia dos géis, incluindo composição e peso molecular, sua distribuição espacial, características da unidade monomérica no caso de polímeros e dos grupos funcionais hidrofílicos ou hidrofóbicos associados. A mobilidade da formulação gelificada dependerá da viscosidade final da formulação, e esta, por sua vez, depende do grau de reticulação do polímero quando hidratado. Quanto maior for o grau de reticulação, maior será a viscosidade atingida. As soluções concentradas de polímero frequentemente exibem uma viscosidade muito alta por causa da interação das suas cadeias moleculares poliméricas em uma forma espacial tridimensional com o solvente. Observe na Figura 4.12, a seguir, o comportamento de diferentes concentrações dos agentes gelificantes sobre a viscosidade do produto.</p><p>Figura 4.12 | Comportamento reológico de agentes gelificantes em função da concentração</p><p>Fonte: adaptada de Florence e Attwood (2016, p. 313).</p><p>Além da dependência da concentração, o comportamento térmico dos géis poliméricos deve ser considerado. Alguns géis são soluções viscosas que mantêm a maior parte de sua viscosidade durante o aquecimento. Como exemplos, podemos citar a goma de guar, a goma de xantana e os carbômeros. Nesse sentido, existem dois tipos de géis termorreversíveis: aqueles que “derretem” com o aquecimento e aqueles que fazem a transição de uma solução para um gel após o aquecimento. Gelatina, pectina e carragenina produzem géis termorreversíveis com redução da viscosidade mediante</p><p>aquecimento. Soluções de metilcelulose, hidroxipropilmetilcelulose, hidroxipropilcelulose e poloxâmeros fazem a transição de uma solução para um gel após aquecimento, promovendo o aumento da viscosidade. Os géis de alginato de cálcio são principalmente géis elásticos termoestáveis, os quais mantêm sua capacidade viscosificante em temperatura entre 0 e 100 °C, podendo, inclusive, ser submetidos à esterilização por calor úmido (autoclave) a 115 °C por 30 minutos ou ao calor seco (estufa) a 150 °C por 1 hora.</p><p>A viscosidade específica é uma medida da contribuição de uma substância coloidal (soluto) para a viscosidade de um sistema que contém esse soluto. A contribuição para a viscosidade total das moléculas suspensas pode ser definida a partir da seguinte fórmula: íη específica =η−η0η0, a qual se subtrai a viscosidade do solvente (η0) da viscosidade da suspensão (η) e, então, divide-se pela viscosidade do solvente (η0). O termo “viscosidade intrínseca” torna-se relevante aos agentes gelificantes poliméricos, pois leva em consideração o peso molecular do polímero (M), o grau de intumescimento (K) e as características de drenagem do solvente (a), aspectos representados pela fórmula [η]=KMa. A viscosidade intrínseca apresentará valores variáveis em relação a temperatura, pressão e composição do solvente.</p><p>Exemplificando</p><p>A capacidade viscosificante é um fator que deve ser levado em consideração no momento da escolha do agente gelificante da formulação.</p><p>A goma tragacanto é o agente gelificante polimérico usado em geleias espermicidas, atuando tanto na imobilização de espermatozoides quanto na criação de uma barreira viscosa para eles. Esse polímero é também usado como excipiente em preparações contraceptivas que contêm moléculas anticoncepcionais, contribuindo com o seu efeito físico sobre espermatozoides, agindo em sinergia com o produto químico na ação dos agentes anticoncepcionais.</p><p>Os géis normalmente exibem características de fluxo não newtonianas, ou seja, eles mostram uma relação não linear entre a tensão de cisalhamento e a taxa de deformação, que também pode ser dependente do tempo. De acordo com suas características de fluxo, os géis podem se tornar fluidos por cisalhamento (comportamento pseudoplástico, ou seja, a viscosidade diminui e o fluxo aumenta na agitação), espessados por cisalhamento (comportamento dilatante, ou seja, a viscosidade aumenta e o fluxo diminui na agitação) ou tixotrópicos, quando, por exemplo, requerem diminuição da tensão para manter uma taxa de deformação constante ao longo do tempo ou, em outras palavras, a viscosidade diminui e o fluxo aumenta ao longo do tempo sob a mesma agitação. Partículas gelificantes inorgânicas geralmente são pequenas e, quando dispersas em meio aquoso, apresentam interações intermoleculares fracas, que são interrompidas pela tensão de cisalhamento aplicada. Como consequência, observa-se redução da viscosidade e maior tendência ao fluxo. No caso das macromoléculas, verifica-se que a tensão de cisalhamento apoia as moléculas em direção ao fluxo, o que ocasiona a diminuição da resistência ao fluxo.</p><p>A viscosidade das formulações gelificadas pode ser determinada com o auxílio do viscosímetro de Brookfield e ajustada com a modulação da concentração do agente gelificante, do método de preparação, da temperatura e da presença de umectantes para evitar a perda de água por formulação, presença de eletrólitos, pH do meio e utilização de um sistema conservante, a fim de evitar degradação do polímero por microrganismos.</p><p>Controle de qualidade dos géis</p><p>O controle de qualidade dos géis pode estar relacionado ao insumo gelificante ou à formulação final. Os agentes gelificantes geralmente apresentam-se na forma de pó, sendo constituídos de polímeros hidrofílicos sensíveis à umidade. Quando em ambientes úmidos, eles podem absorver elevadas quantidades de água do ar. Essa água absorvida deve ser considerada na definição da quantidade do polímero em pó a ser adicionado a uma determinada formulação. Em circunstâncias extremas, as forças capilares resultantes da água sorvida transformarão o pó em flocos ou grumos sólidos. Portanto, é essencial armazenar os pós de polímeros hidrofílicos em embalagens resistentes à umidade. Além disso, ao analisar o insumo gelificante, devem-se avaliar o aspecto, a solubilidade e as características organolépticas.</p><p>Quanto às formulações gelificadas, é preciso examinar o comportamento reológico, pH, espalhabilidade, pegajosidade, homogeneidade, concentração de ativos, cor, transparência/clareza, odor, peso/volume e estabilidade microbiológica. Existem fatores de incompatibilidade físico-química, bem como de instabilidade dependente do tempo, o que revela a importância do controle de qualidade dessas formulações. Em geral, os sistemas coloidais demonstram uma agregação espontânea mais lenta, conhecida como sistema de envelhecimento do gel. Nesse processo, há o desenvolvimento gradual de redes comparativamente mais densas do que o gel imediatamente preparado, devido à redução da concentração da fase líquida.</p><p>Formulações preparadas com gelificantes orgânicos ou inorgânicos, poliméricos ou não, podem apresentar sinérese. Esse fenômeno consiste na contração de um gel causada pela interação entre partículas da fase dispersa. Tal interação se torna tão grande que, ao repousar, o meio dispersante é espremido em gotas, fazendo com que o gel encolha. A sinérese é uma forma de instabilidade em géis aquosos e não aquosos. Acredita-se que a fase do solvente se separe por causa da contração elástica das moléculas poliméricas. À medida que o inchaço aumenta durante a formação do gel, as macromoléculas se alongam e as forças elásticas se expandem. No equilíbrio, a força restauradora das macromoléculas é balanceada pelas forças de dilatação, determinadas pelo sistema de pressão osmótica. Se a pressão osmótica diminuir, como no resfriamento, a água pode ser espremida para fora do gel. Um exemplo é o gel preparado a partir das sementes de Plantago albicans. Nele, o pH tem um efeito significativo na separação da água. Em pH baixo, ocorre sinérese marcada, possivelmente em virtude da supressão da ionização dos grupos de ácido carboxílico, da perda de água de hidratação e da formação de pontes de hidrogênio intramoleculares. Essas condições reduziriam a atração do solvente pela macromolécula.</p><p>Os géis comumente devem ser armazenados em recipientes compatíveis em temperatura ambiente ou sob refrigeração (dependendo do ativo veiculado). Essa forma farmacêutica geralmente é comercializada em tubos, potes ou bisnagas. Alguns dos géis podem ser dispensados em aplicadores (ex.: gel vaginal) ou seringas (ex.: gel clareador para uso odontológico). Os rótulos devem incluir as instruções para manter recipientes bem fechados, a fim de evitar problemas de qualidade em função do armazenamento.</p><p>Na área magistral, é comum dispor de opções de bases galênicas gelificadas para veiculação de ativos. Dispersões aquosas de carbopol, por exemplo, podem ser armazenadas como soluções-estoque em concentrações não neutralizadas de até 5%.</p><p>Os géis devem ser analisados com relação a características físicas, como encolhimento, separação do líquido do gel, descoloração e contaminação microbiana. Muitos géis não promovem crescimento de bactérias ou fungos, mas também são incapazes de impedir a ocorrência desse processo. Consequentemente, eles devem conter conservantes ou passar por um processo de esterilização.</p><p>Os pacientes devem ser orientados sobre a aplicação adequada do gel. Eles devem ser instruídos quanto à forma de manuseio e armazenamento da embalagem, como também com relação à necessidade de mantê-la bem fechada.</p><p>image5.png</p><p>image6.png</p><p>image7.png</p><p>image8.png</p><p>image9.png</p><p>image10.jpeg</p><p>image11.png</p><p>image12.png</p><p>image13.png</p><p>image14.png</p><p>image15.png</p><p>image16.png</p><p>image17.png</p><p>image18.png</p><p>image19.png</p><p>image20.png</p><p>image21.png</p><p>image22.png</p><p>image23.png</p><p>image24.png</p><p>image25.png</p><p>image26.png</p><p>image27.png</p><p>image28.png</p><p>image29.png</p><p>image30.png</p><p>image31.png</p><p>image32.png</p><p>image33.png</p><p>image34.png</p><p>image35.png</p><p>image36.png</p><p>image37.png</p><p>image1.png</p><p>image2.png</p><p>image3.png</p><p>image4.png</p><p>o entendimento de diversos aspectos relacionados a este órgãoapresentados até aqui, bem como relacionados à formulação, que serão apresentados nas próximas seções.</p><p>Permeação Cutânea</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Caro aluno!</p><p>Preparações que se destinam a atuar somente na superfície da pele funcionam melhor se a permeação for mínima, como no caso do protetor solar e do repelente de insetos. Entretanto, a absorção percutânea de muitos fármacos e a permeação de ativos cosméticos empregados em formas farmacêuticas são requeridas e, conforme apresentado na Seção 1, a pele é uma das vias elegíveis para aplicação de formulações com esta finalidade. A disponibilidade de uma substância ativa presente em uma formulação transdérmica depende também da habilidade do farmacêutico em delinear a forma farmacêutica adequada. Você tem ideia de quais matérias-primas são empregadas em formulações transdérmicas?</p><p>Nesta seção, apresentaremos os veículos que promovem a permeação percutânea de ativos e conheceremos as possibilidades de formas farmacêuticas para aplicação na pele. Por fim, aprenderemos sobre os aspectos relevantes na aditivação de bases semissólidas e líquidas considerando as propriedades físico-químicas dos ativos.</p><p>O conteúdo desta seção será muito útil para a resolução das questões farmacotécnicas acerca do medicamento da paciente em tratamento oncológico que necessita da ondansetrona 8 mg de uso tópico. A situação-problema apresentada faz parte da rotina de uma farmácia com manipulação. Antes de formular a preparação solicitada, é fundamental levantar algumas informações sobre o fármaco. A ondansetrona apresenta propriedades físico-químicas que permitem aplicação na pele? É requerida ação local ou sistêmica? Quais adjuvantes serão necessários para garantir a eficácia e a estabilidade da formulação? Quais aspectos devem ser observados no delineamento da forma farmacêutica? Como o farmacêutico pode minimizar erros na utilização do produto?</p><p>Não deixe de estudar o conteúdo desta seção, pois ele contribuirá para a sua formação profissional e te orientará para o delineamento de bases dermocosméticas e farmacêuticas com a qualidade necessária.</p><p>Conceito-Chave</p><p>Classificação dos veículos quanto à penetrabilidade</p><p>A utilização de substâncias por via tópica com efeito terapêutico ou cosmético pode limitar-se à ação na camada superficial da pele, no estrato córneo, na derme ou à ação sistêmica. Neste sentido, é relevante observar a integridade e a composição da camada córnea, uma vez que, fisiologicamente, esta camada consiste na barreira limitante entre o meio interno e externo de um indivíduo.</p><p>No desenvolvimento de uma forma farmacêutica para aplicação na pele, deve-se, primeiramente, definir o local de ação das substâncias ativas da formulação. Quando se requer absorção percutânea ou ação transdérmica, podem ser utilizados veículos que promovam a permeabilidade percutânea dos ativos.</p><p>Assimile</p><p>· Componente ativo: substância que confere à fórmula uma ou mais atividades terapêuticas ou cosméticas.</p><p>· Adjuvante: substância empregada em uma formulação, com a finalidade de corrigir aspectos ou modificar propriedades físico-químicas da forma farmacêutica.</p><p>· Veículo ou excipiente: é utilizado para solubilizar as substâncias ativas ou adjuvantes da formulação, bem como para proporcionar estrutura e características para a forma farmacêutica. O termo veículo, geralmente, é utilizado para matérias-primas líquidas (água, etanol, propilenoglicol), e o termo excipiente, para matérias-primas sólidas (amido, talco, celulose).</p><p>Os promotores de permeação percutânea têm a capacidade de interagir com a pele modificando a organização da estrutura celular para, desta forma, obter efeito transdérmico de uma substância. Na seleção de uma matéria-prima com esta finalidade, devem ser priorizados agentes farmacologicamente inertes, isentos de toxicidade, compatíveis com os outros componentes da formulação, com características organolépticas aceitáveis e economicamente acessíveis. A Figura 1.4 apresenta uma síntese de matérias-primas utilizadas para a promoção da permeação cutânea para fármacos.</p><p>Figura 1.4 | Principais grupos de promotores da permeação percutânea de fármacos</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>Os surfactantes, também conhecidos como tensoativos, promovem maior fluxo de fármacos através da pele, mas podem causar irritação local. Eles podem ser classificados de acordo com a carga da molécula: catiônicos, aniônicos, não iônicos e anfóteros. Formulações contendo os surfactantes não iônicos apresentam menor capacidade de irritação no local de aplicação, enquanto formulações contendo agentes catiônicos são mais propensas a gerar hipersensibilidade no local de aplicação. Os solventes, geralmente, são empregados em uma fórmula, com o objetivo de dissolver um ativo ou adjuvante, entretanto alguns solventes podem exercer ação adicional, dependendo da concentração empregada. O dimetilsulfóxido (DMSO) é um solvente com característica hidrofóbica amplamente empregado como promotor da permeação cutânea. Além deste, o palmitato de isopropila, o ácido oleico e o etoxidiglicol (Transcutol®) também promovem a permeação das substâncias através da camada córnea por interagirem com o complexo lipídico e proteico deste local. As substâncias queratolíticas são capazes de reagir com a queratina do estrato córneo, reduzindo a coesão entre os corneócitos, podendo, inclusive, remover o excesso de proteína da superfície cutânea diminuído à sua espessura e proporcionando maior permeabilidade dos ativos da formulação. São exemplos o ácido salicílico e a ureia. Agentes tecnológicos, como nanoesferas, lipossomas e ciclodextrinas, são alternativas interessantes para melhorar a estabilidade de fármacos e para promover o transporte deles através da barreira cutânea. As características físico-químicas destes transportadores permitem modular a permeação cutânea das substâncias veiculadas, alcançando os resultados esperados. Além dos promotores citados, outras substâncias, como mentol, limoneno, fosfatidilconina e lecitina, também podem ser utilizadas nas formulações transdérmicas.</p><p>Reflita</p><p>Métodos físicos de permeação cutânea</p><p>Os peptídeos terapêuticos ou as proteínas obtidas por biotecnologia estão sendo estudados para efeito sistêmico. A administração por via invejável apresentaria a melhor biodisponibilidade, porém é uma via invasiva, com diversos pontos desfavoráveis. Neste contexto, estratégias vêm sendo desenvolvidas para a administração destas moléculas por via transdérmica, entretanto o tamanho molecular (> 600 daltons) é um fator limitante para sua absorção cutânea. Para que isso seja possível, alguns métodos físicos podem otimizar a permeação destes fármacos no estrato córneo. Quais seriam estes métodos físicos, também denominados como métodos ativos de permeação cutânea?</p><p>Definições de bases dermocosméticas e farmacêuticas</p><p>A administração de um fármaco ou ativo cosmético na pele requer que estes sejam veiculados em uma preparação base. Para isso, é empregado um conjunto de matérias-primas com caraterísticas peculiares, que definirá a forma farmacêutica. As bases dermocosméticas e farmacêuticas são destinadas ao preparo de formas farmacêuticas semissólidas ou líquidas para aplicação tópica, visando à ação local ou sistêmica, com a finalidade cosmética ou farmacológica.</p><p>As bases dermocosméticas utilizadas na pele podem ser emulsões (cremes, loções cremosas e creme-gel), soluções, dispersões, pomadas, pastas, géis, óleos e aerossóis. As emulsões são preparações heterogêneas compostas por uma fase aquosa e outra oleosa dispersas entre si por meio da presença de um emulsificante. A viscosidade da emulsão caracterizará a formulação como creme quando apresentar maior viscosidade, ou loção cremosa, quando a viscosidade for baixa. A dispersão de coloides em um veículo resultará nos géis. Estes podem ser liófilos (polímeros hidrofílicos) ou liófobos (argilas, betonitas). Em geral, o teor de água nos géis é elevado, por isso, são facilmente removíveis da pele. As pomadas</p><p>são formas farmacêuticas de caráter gorduroso, desenvolvidas a partir de hidrocarbonetos, ceras ou polietileno glicóis. Quando são incorporadas quantidades elevadas de sólidos às pomadas, estas passam a ser denominadas pastas. O aerossol é a formulação embalada sob pressão, que libera o seu conteúdo após ativação de um sistema de válvulas. Para isso ser possível, é necessário empregar um gás propelente. Os aerossóis, geralmente, são escolhidos pela praticidade de utilização. As formas farmacêuticas podem assumir uma característica lipofílica ou hidrofílica, de acordo com as características físico-químicas das bases empregadas na formulação. As bases são classificadas como:</p><p>· Bases de hidrocarbonetos ou oleaginosas: apresentam características oleosas, são anidras, insolúveis em água e não laváveis. Destinadas à ação emoliente e protetora da pele. Pobre liberação de fármacos na pele. Exemplos: vaselina e pomada branca.</p><p>· Bases de absorção: podem ser anidras ou emulsões de água em óleo. Apresentam característica oleosa, são insolúveis em água e não laváveis, mas podem absorver certa quantidade de água. Utilizadas com a finalidade emoliente e protetora da pele. A liberação de fármacos é razoável. Exemplos: lanolina, cold cream, vaselina hidrofílica, aquabase.</p><p>· Bases removíveis com água: são as emulsões óleo em água. Caracterizam-se como insolúveis em água, laváveis, não oclusivas e não oleosas. Podem absorver água. A liberação de fármacos é razoavelmente boa. São utilizadas como veículo para ativos sólidos ou líquidos. Exemplos: pomada hidrofílica, creme evanescente, loção não iônica.</p><p>· Bases solúveis em água: são livres de lipídeos, não oclusivas e não oleosas. São laváveis, podem conter água ou álcool e absorver água adicional. Misturam-se bem com as secreções da pele, apresentando boa liberação de fármacos. Utilizadas para veicular ativos líquidos ou sólidos, sendo uma boa opção para anestésicos locais. Exemplos: pomada de polietilenoglicol, polybase, gel de carbômero.</p><p>Aditivação e aspectos a serem considerados na aditivação de princípios ativos sólidos (solúveis ou insolúveis) em bases semissólidas e líquidas</p><p>O conhecimento das propriedades físico-químicas e das incompatibilidades de fármacos ou ativos cosméticos é fundamental para a veiculação adequada destes em uma base semissólida ou líquida. Substâncias que se apresentam sólidas à temperatura ambiente podem ser dissolvidas em um solvente e, posteriormente, serem incorporadas na base. Para isso, é necessário conhecer o coeficiente de solubilidade da substância.</p><p>Assimile</p><p>Coeficiente de solubilidade</p><p>Diz respeito à quantidade requerida de determinado solvente (mL) para dissolver um grama (g) da substância. Os termos descritivos para isso são padronizados pela 6ª edição da Farmacopeia Brasileia (2019) e podem ser observados na tabela a seguir:</p><p>Tabela 1.2 |Termos descritivos de solubilidade e seus significados</p><p>Termo descritivo</p><p>mL de solvente/1 g de substância</p><p>Muito solúvel</p><p>Menos de 1 parte</p><p>Facilmente solúvel</p><p>De 1 a 10 partes</p><p>Solúvel</p><p>De 10 a 30 partes</p><p>Moderadamente solúvel</p><p>De 30 a 100 partes</p><p>Pouco solúvel</p><p>De 100 a 1.000 partes</p><p>Muito pouco</p><p>De 1.000 a 10.000 partes</p><p>Praticamente insolúvel ou insolúvel</p><p>Mais de 10.000 partes</p><p>Fonte: Farmacopeia Brasileira (2019, p. 58).</p><p>Ativos sólidos apresentam diversos graus de divisão, ou seja, tamanhos de partícula, sendo este parâmetro fundamental para dar início ao procedimento farmacotécnico. Partículas grosseiras dificultam o processo de dissolução e biodisponibilidade em um meio, e o contrário é verdadeiro para partícula finas. Define-se como cominuição o processo de redução do tamanho de partícula, podendo ocorrer por diversos métodos. Em escala industrial, são empregados equipamentos para esta finalidade (Tabela 1.3), enquanto, na escala magistral, utiliza-se, basicamente, o método de trituração associado ou não à levigação. Na trituração, o ativo em estado sólido é friccionado de forma contínua em um almofariz (gral) com um pistilo e, após a obtenção do tamanho de partícula desejado, a substância pode ser dissolvida no solvente. A levigação consiste na trituração de uma substância sólida com adição de um solvente, no qual a substância não apresente solubilidade (geralmente, usa-se um poliól como propilenoglicol ou glicerina). Este processo permite que substâncias sólidas, agora suspensas nos solventes utilizados, sejam incorporadas nas bases.</p><p>Tabela 1.3 | Principais equipamentos utilizados para redução do tamanho de partícula de ativos sólidos</p><p>Fonte: elaborada pela autora, com base em imagens de Lozano et al. (2012, p. 17-19) e Shutterstock.</p><p>Técnicas adicionais, como a agitação mecânica, o aquecimento, a modulação do pH e a utilização de um cossolvente, podem ser empregadas para melhorar a dissolução de um ativo sólido. A agitação é empregada para facilitar a dissolução de um ativo sólido em bases líquidas, mas deve-se tomar cuidado para evitar a incorporação de quantidade excessiva de ar, pois este é um fator determinante para desestabilizar uma formulação. O aquecimento também deve ser empregado com cautela, pois muitos fármacos são instáveis ou voláteis na elevação da temperatura. A modulação do pH está diretamente relacionada à solubilidade de um ativo, bem como à estabilidade de uma formulação. Os valores de pH são críticos em formas farmacêuticas líquidas tanto de uso tópico quanto de uso oral. Cossolventes são empregados para a dissolução prévia do soluto em uma pequena quantidade de solvente inofensivo e miscível com o veículo de escolha. Eles auxiliam na solubilidade e evitam a precipitação do ativo na formulação, contribuindo para a estabilidade da forma farmacêutica.</p><p>Aditivação e aspectos a serem considerados na aditivação de princípios ativos líquidos (miscíveis ou imiscíveis) em bases semissólidas e líquidas</p><p>Princípios ativos líquidos também precisam ser veiculados em uma forma farmacêutica para administração na pele. Para estas substâncias, deve-se levar em consideração a densidade, o grau de solubilidade na base e a pureza. Se houver grande diferença de densidade entre o ativo e o veículo, pode ser observada a separação de fases ou a alteração no aspecto, como turvação. Ativos com característica apolar são lipossolúveis, e a adição de cossolventes pode auxiliar na aditivação de bases hidrofílicas com estas substâncias. Muitos ativos disponíveis na forma líquida são comercializados como solução e, a partir disso, deve-se verificar o grau de pureza, teor da substância ativa na solução, e aplicar o fator de correção dele para aditivação da base. O fator de correção é calculado para ativos líquidos ou sólidos, a partir do teor apresentado no laudo da matéria-prima.</p><p>Exemplificando</p><p>Fator de correção de ativos líquidos</p><p>O ácido glicólico é um alfa hidroxiácido muito utilizado no tratamento e controle da acne. Este ativo pode ser veiculado em diversas formas farmacêuticas. Geralmente, é comercializado em solução a 70%, desta forma, torna-se necessário realizar o cálculo do fator de correção (FCr) para preparar a formulação corretamente. Supondo que você precise preparar 30 gramas de gel base com 10% de ácido glicólico, quantos mililitros deste ativo deverão ser medidos?</p><p>âFCr=100teor_da_substância</p><p>Aplicando a fórmula: FCr=10070</p><p>FCr do ácido glicólico = 1,43.</p><p>Assim, você deverá medir 1,43 a mais, pois o ativo está diluído.</p><p>Então: Quantidade de ácido glicólico medido = 30 g de gel x 10% x FCr.</p><p>Desta forma, será necessário medir 4,29 mL de ácido glicólico, ao invés de 3 mL.</p><p>As formulações destinadas à veiculação de fármacos ou ativos cosméticos precisam ser elaboradas com atenção. Como pode ser observado, diversos aspectos contribuem para o sucesso de uma forma farmacêutica. A estabilidade, os aspectos sensoriais e a segurança devem atender aos critérios requeridos para aceitabilidade pelo controle de qualidade, bem como pelo consumidor final, que deseja produtos eficazes e livres de danos.</p><p>Praticando os Conceitos de Emulsões</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Caro aluno!</p><p>Por muito</p><p>tempo, os sistemas emulsionados vêm sendo estudados na área farmacêutica para veiculação de ativos destinados à administração tópica devido à alta aceitação dos pacientes. As emulsões podem ser preparadas em pequena escala, em farmácias de manipulação, ou em larga escala, no caso da indústria de medicamentos e cosméticos. Em ambos os casos, quando o óleo e a água são misturados, uma energia na forma de agitação é requerida para produzir a distribuição do tamanho das gotículas necessária. Como apresentado na Seção 2 desta unidade, os emulsificantes têm um papel importante no processo de emulsificação. Emulsificantes surfactantes reduzem as tensões interfaciais, formando gotículas mais estáveis, com menor tendência à coalescência. Outros emulsificantes, como as macromoléculas poliméricas, alteram as forças hidrodinâmicas geradas durante a emulsificação por sua influência nas propriedades reológicas. Desta forma, percebe-se que a escolha do emulsificante dependerá da composição da formulação.</p><p>Emulsões são, geralmente, preparadas experimentalmente, em pequena escala no laboratório, antes de sua produção ser ampliada para fabricação industrial em quantidades maiores. Em pequena escala, o processo de emulsificação pode ser realizado utilizando gral de porcelana e pistilo com agitação manual ou com agitação mecânica através de um misturador, mixer ou homogeneizador de bancada. Em larga escala, utilizam-se tanques misturadores ou batedeiras industriais com técnicas de agitação mais robustas.</p><p>Na Kendra, indústria de bases galênicas, o desafio de preparar a nova base na forma de emulsão continua no setor de pesquisa e desenvolvimento. Já foram descritas as matérias-primas para compor cada fase da fórmula e já foi estabelecida a técnica de preparo. Neste primeiro momento, uma pequena quantidade da base foi preparada. É necessário, agora, realizar os ensaios de controle de qualidade e verificar se a base preparada atende às características requeridas. Quais são os ensaios de controle de qualidade que devem ser realizados?</p><p>Como foi bem estabelecido nas seções anteriores, os cremes são sistemas termodinamicamente instáveis. Um grau razoável de estabilidade em relação ao tempo pode ser alcançado com o uso de surfactantes, co-emulsionantes e outros aditivos. Nesta seção, avançaremos o estudo nos aspectos práticos referentes à manipulação e encerraremos a unidade abordando as técnicas de controle de qualidade de emulsões O/A e A/O.</p><p>Conceito-Chave</p><p>Manipulação de emulsões O/A</p><p>As emulsões do tipo óleo-em-água (O/A) apresentam fase interna oleosa e fase externa aquosa. Dois fatores determinam este tipo de emulsão: a quantidade de água e a solubilidade do emulsificante. Grandes concentrações de água e emulsificantes com elevados valores de EHL favorecem a formação de emulsões O/A. Emulsões líquidas deste tipo podem ser empregadas para administração de óleos por via oral, geralmente, com a finalidade laxante (óleo de rícino, óleo mineral) ou para suplementação nutricional (óleo de peixe, vitaminas lipossolúveis), com o intuito de melhorar a palatabilidade. Fármacos lipossolúveis (vitamina K, diazepam, propofol) podem ser veiculados na fase dispersa deste tipo de emulsão para administração parenteral. Além disso, formulações semissólidas ou líquidas, como os cremes e as loções, são formuladas na forma de emulsão (O/A) para administração tópica de fármacos ou ativos cosméticos. As emulsões para administração tópica são bem aceitas pela população por apresentarem elegância e característica de leveza ou suavidade ao toque. Para o formulador, essas formulações são interessantes, pois possibilitam a veiculação simultânea de ativos lipossolúveis na fase interna e hidrossolúveis na fase externa. Muitas vezes, são escolhidas pelo prescritor porque se misturam bem com os exsudatos dos tecidos, sendo removidas facilmente com água.</p><p>Reflita</p><p>Quais aspectos são relevantes na escolha do sistema conservante?</p><p>Uma das fases das emulsões é representada pela água, razão pela qual este tipo de forma farmacêutica é suscetível à contaminação microbiológica e à proliferação de fungos e bactérias. Desta forma, a escolha do agente conservante é uma etapa crítica no desenvolvimento de emulsões.</p><p>Assista ao vídeo Quais as características de um bom sistema conservante?, no YouTube, para ampliar sua reflexão sobre o assunto.</p><p>Emulsões semissólidas, como os cremes, contêm mais emulsificante do que o necessário para formar uma monocamada estabilizadora na interface óleo-água. Estes emulsionantes podem interagir com a fase dispersa ou dispersante, produzindo um sistema complexo. Cremes O/A estáveis preparados com ceras emulsificantes iônicas ou não iônicas são compostos por quatro fases (Figura 2.9): uma fase de óleo disperso, uma fase de gel cristalino, uma fase de hidrato cristalino e uma fase aquosa, contendo uma solução diluída de surfactante. A estabilidade geral de um creme é dependente da estabilidade da fase de gel cristalino. A presença destas fases reduz as forças van der Waals, força atração que ocorre entre as gotículas de óleo, evitando a coalescência.</p><p>Figura 2.9 | Representação da interação intermolecular dos componentes um creme O/A</p><p>Fonte: adaptada de Aulton (2018, p. 463).</p><p>Emulsões O/A estabilizadas com emulsificantes não iônicos são suscetíveis à inversão de fase para A/O quando expostas à elevação da temperatura até o ponto em que as propriedades hidrofílicas e lipofílicas do emulsificante misto são equilibradas. A inversão de fase pode ser um fator de perda de estabilidade da emulsão O/A, assim como pode ser a técnica de preparo de emulsões A/O. O tamanho de gotícula do óleo é outro fator relevante na estabilidade de emulsões O/A. O tipo de força mecânica empregada no processo de emulsificação influencia diretamente o tamanho de gotícula da fase dispersa e, consequentemente, as suas características de estabilidade, viscosidade, plasticidade, elasticidade e escoamento (REALDON et al., 2002).</p><p>Manipulação de emulsões A/O</p><p>Emulsões A/O apresentam a fase oleosa, invariavelmente, superior em proporção. A fase oleosa pode ser composta por uma ampla variedade de substâncias lipofílicas, as quais, em geral, são responsáveis pela inerente ação emoliente das emulsões. As emulsões A/O são mais untuosas e pesadas, não se misturam bem com exsudatos aquosos de ferimentos e são mais difíceis de serem retiradas da pele. Em emulsões A/O, as cadeias de hidrocarbonetos dos emulsificantes projetam-se para a fase contínua. Os componentes da fase continua podem ser de origem natural, semissintética, sintética ou mineral (Figura 2.10).</p><p>Figura 2.10 | Resumo das matérias-primas empregadas na fase oleosa de acordo com a origem</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>Os componentes de origem natural podem ser extraídos de vegetais, por exemplo, óleo de amêndoas, óleo de soja, óleo de oliva, cera de carnaúba, cera de candelilla, entre outras. Essas matérias-primas têm a vantagem de possuírem uma fonte de extração renovável e serem alternativas para a elaboração de produtos veganos. Entre as matérias-primas naturais de origem animal, estão a lanolina, o colesterol, a cera de abelha e seus derivados. Matérias-primas semissintéticas são utilizadas como espessantes ou como emulsionantes secundários, por exemplo, ácidos graxos, álcoois graxos superiores, ésteres de ácidos graxos, álcoois de cadeia média, ésteres de glicerol e ésteres isopropílicos (miristato de isopropila, palmitato de isopropila e estearato de isopropila). Dentre as matérias-primas sintéticas, destacam-se os silicones, os quais são compostos orgânicos constituídos por cadeias, nas quais se alternam átomos de silício e oxigênio e que apresentam radicais, tais como metil, etil e fenil, ligados ao átomo de silício. Podem conferir à formulação baixa comedogenicidade, bom espalhamento, baixa pegajosidade, e ausência de efeito brilhante quando aplicados na pele. Essas vantagens são marcantes em produtos cosméticos com apelo oil free.</p><p>Assimile</p><p>Comedogenicidade</p><p>Uma substância comedogênica obstrui os poros da pele,</p><p>causando comedões, os quais são caracterizados por pontos pretos que podem evoluir para pústulas e lesões acneicas. Os insumos ativos e os excipientes farmacêuticos podem apresentar diferentes graus de comedogenicidade, sendo classificados em uma escala de 0 (ausência de comedogenicidade) a 5 (comedogenicidade severa). Este fator deve ser levado em consideração, principalmente, no delineamento de produtos destinados à aplicação facial.</p><p>Os hidrocarbonetos extraídos do petróleo, como a vaselina líquida ou sólida e a parafina, representam as matérias-primas de origem mineral empregadas na fase oleosa de emulsões. Quimicamente, são inertes, ou seja, não sofrem oxidação, hidrólise ou reação de saponificação. Além disso, não apresentam capacidade de penetração percutânea. Assim, apresentam ação emoliente, oclusiva e espessante. Um aspecto de suma importância é o grau de pureza deles, pois podem conter substâncias carcinogênicas.</p><p>Exemplificando</p><p>Procedimento geral para o preparo de uma emulsão</p><p>· Verificar as características de todos os componentes da formulação.</p><p>· Realizar os cálculos necessários para determinar a quantidade total dos componentes.</p><p>· Pesar todos os componentes sólidos ou semissólidos em uma balança adequada.</p><p>· Pesar ou medir todos os componentes líquidos em vidrarias volumétricas.</p><p>· Transferir para um recipiente resistente ao calor todos os componentes hidrossolúveis (fase aquosa).</p><p>· Adicionar todos os componentes lipossolúveis em outro um recipiente, também resistente ao calor (fase oleosa).</p><p>· Aquecer separadamente a fase aquosa e a fase oleosa entre 70 °C e 80 °C.</p><p>· Verter a fase aquosa na fase oleosa lentamente e agitar vigorosamente por 5 a 10 minutos.</p><p>· Diminuir a velocidade de agitação e agitar até resfriar.</p><p>· Incorporar os componentes termolábeis (fármaco, corantes, essências) após o resfriamento da emulsão em de 30 °C.</p><p>Obs.: ao incorporar fármacos ou outras substâncias sólidas, é importante levigá-los com um agente levigante compatível com a base cremosa ou com um solvente.</p><p>· Acondicionar e rotular.</p><p>Escolha do agente emulsivo através do sistema EHL</p><p>A etapa inicial da preparação de uma emulsão consiste na avaliação dos componentes da formulação para a seleção do emulsificante. Para exercer a sua finalidade em uma preparação farmacêutica, o emulsionante deve ser compatível com todas as matérias-primas da formulação e não interferir na estabilidade ou na eficácia do agente terapêutico, além de não apresentar toxicidade em relação à sua finalidade e à quantidade utilizada pelo paciente. Também deve possuir pouco odor, sabor ou cor.</p><p>Como regra geral, um emulsionante tem uma porção hidrofílica e outra lipofílica, com predominância de uma ou outra, o que influenciará no valor referente ao equilíbrio hidrófilo-lipófilo (EHL). O valor de EHL para um emulsionante é determinado de acordo com a equação a seguir:</p><p>EHL=20(1−SA)</p><p>Onde:</p><p>E = número que representa o percentual de cadeias de oxietileno na molécula.</p><p>P = número que representa o percentual de grupamentos de álcoois polihídricos (glicerol, sorbitol).</p><p>Obs.: nos casos em que as moléculas não apresentarem valores de P, este simplesmente não é utilizado no cálculo. Assim, EHL=E/5.</p><p>Os valores de E e P da equação podem ser localizados na literatura ou através da análise da estrutura química. O site PubChem e o livro Handbook of Pharmaceutical Excipients, ambos em inglês, são duas sugestões para encontrar estas informações.</p><p>Alternativamente, pode-se calcular a os valores de EHL diretamente pela composição química da substância usando números correspondentes a grupamentos químicos através da equação:</p><p>úíúíEHL=7+∑(números_dos_grupos_hidrofílicos)−∑(números_dos_grupos_lipofílicos)</p><p>Os números referentes aos grupos hidrofílicos/lipofílicos são valores determinados de modo empírico e podem ser localizados na literatura. Nas equações apresentadas, é levada em consideração, essencialmente, a contribuição de cada porção na molécula do emulsionante de acordo com as características de hidrofilia ou lipofilia, intrínsecas à estrutura molecular.</p><p>A seleção do sistema emulsionante pode ser realizada com base no método EHL, partindo do princípio de que cada óleo ou cera possui um EHL requerido para ser emulsionado e que cada emulsionante apresenta um valor de EHL para emulsionar o óleo em água. Os emulsionantes escolhidos serão aqueles que apresentam valores de EHL iguais ou próximos aos da fase oleosa da emulsão pretendida. É importante ressaltar que muitos óleos que compõem a fase oleosa da emulsão podem apresentar dois valores de EHL (Tabela 2.4): um valor relativo à formação de emulsões A/O e outro para emulsões O/A. Neste caso, deve-se observar que tipo de emulsão é desejável para escolher o emulsionante correto de acordo com o EHL requerido. Associação de emulsionantes com valores de EHL distintos é normalmente empregada para desenvolver emulsões de maior estabilidade. Na Seção 2 desta unidade, foram apresentados os cálculos utilizados para determinação da quantidade de cada emulsionante quando empregados em associações.</p><p>Tabela 2.4 | Valores de EHL requeridos para alguns óleos de acordo com o tipo de emulsão a ser formulada</p><p>Óleo</p><p>Emulsão O/A</p><p>Emulsão A/O</p><p>Vaselina sólida</p><p>7-8</p><p>4</p><p>Óleo mineral</p><p>12</p><p>4</p><p>Lanolina anidra</p><p>12</p><p>8</p><p>Cera de abelhas</p><p>9</p><p>5</p><p>Óleo de rícino</p><p>14</p><p>6</p><p>Óleo de oliva</p><p>14</p><p>6</p><p>Parafina</p><p>11</p><p>4</p><p>Ácido esteárico</p><p>15</p><p>6</p><p>Fonte: adaptada de Aulton (2018, p. 459).</p><p>A combinação de material graxo, como as ceras, com emulsionantes, como os tensoativos, originou produtos comerciais denominados como ceras autoemulsionantes, cuja composição é variável entre os fabricantes. A carga do tensoativo presente na cera autoemulsionante caracteriza o tipo de emulsão formada. Desta forma, é muito comum observar a seguinte descrição: cera autoemulsionante aniônica (contém tensoativo com carga negativa), cera autoemulsionante não iônica (contém tensoativo sem carga), cera autoemulsionante catiônica (contém tensoativo com carga positiva). Observe, na Tabela 2.5, alguns exemplos de ceras autoemulsionantes disponíveis comercialmente. Durante o desenvolvimento delas, é necessário levar em consideração o EHL do material graxo e do emulsificante. Muitas marcas disponibilizam o EHL da cera, para que o farmacêutico possa formular com maior segurança.</p><p>Tabela 2.5 | Ceras autoemulsionantes disponíveis para o preparo de emulsões de uso externo</p><p>Nome comercial</p><p>Material graxo</p><p>Emulsificante</p><p>Caráter</p><p>Lanette N</p><p>Álcool cetearílico</p><p>Cetil estearil sulfato de sódio</p><p>Aniônica</p><p>Lanette W</p><p>Álcool cetearílico</p><p>Lauril sulfato de sódio</p><p>BTMS 50</p><p>Álcool cetoestearílico</p><p>Metossulfato de berrenil trimônio</p><p>Catiônica</p><p>Uniox Quat C22</p><p>Álcool cetearílico</p><p>Cloreto de Behentrimônio</p><p>Cosmowax J</p><p>Álcool cetearílico</p><p>Álcool ceto estearilico etoxilado 20EO</p><p>Não iônica</p><p>Olivem 1000</p><p>Olivato cetearílico</p><p>Olivato de sorbitano</p><p>Polawax NF</p><p>Álcool cetoestearílico</p><p>Monoestearato de sorbitano etoxilado</p><p>Uniox C</p><p>Álcool cetoestearílico</p><p>Polissorbato 60</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>As concentrações das ceras autoemulsionantes são escolhidas em função da capacidade emulsionante e da viscosidade desejada para o produto. As alterações climáticas podem resultar em diferenças de viscosidade no produto final. Em regiões com temperaturas mais elevadas, o produto pode apresentar viscosidade mais baixa, sendo necessário aumentar a proporção da cera para correção da consistência da base destinada ao uso tópico. Em regiões com temperaturas mais baixas, o contrário pode ser evidenciado.</p><p>Controle de qualidade da emulsão</p><p>O controle de qualidade de emulsões envolve a conferência de cálculos realizados e a observação das características físicas, químicas e microbiológicas do produto preparado. Para isso, os principais testes que devem ser aplicados são: descrição do produto, aspecto, características organolépticas (cor, odor, sabor), determinação do pH, densidade relativa, viscosidade, peso ou volume final antes do envase, espalhabilidade e estanqueidade.</p><p>A descrição do produto visa</p><p>informar o tipo de emulsão obtida de acordo com a aparência, podendo ser creme, loção cremosa ou pomada. Estas formulações podem apresentar aspecto opaco, translúcido, massa cerosa, areada ou não, homogênea, heterogênea, com ou sem grumos. A cor do produto deve ser observada colocando uma pequena quantidade de amostra em um vidro de relógio e observar a cor da formulação sobre um fundo branco. No teste de odor, a fórmula pode ser caracterizada como inodora (sem cheiro) ou com odor característico, o qual pode estar relacionado à composição ou a alguma essência adicionada. O pH pode ser determinado com um papel indicador ou com o pHmetro de bancada. Em emulsões líquidas ou fluídas, a determinação do pH pode ser realizada diretamente na formulação, entretanto, em formulações semissólidas, recomenda-se fazer uma solução a 1 ou 10% com uma amostra da formulação.</p><p>A densidade relativa é outro parâmetro importante, sendo obrigatória a sua determinação, principalmente, nas bases galênicas. Para esta análise, utiliza-se o picnômetro de Hubbard-Carmick (Figura 2.11) ou um picnômetro metálico. Já a viscosidade de uma emulsão representará a sua resistência ao escoamento, logo, para esta análise, podem ser utilizados o copo Ford ou um viscosímetro digital de Brookfield. Antes de realizar o envase, deve-se avaliar o peso ou volume final do produto obtido para verificar se foi produzido de acordo com a especificação da ficha de produção, para isso, pode ser empregadas balanças ou vidrarias adequadas à quantidade de produto.</p><p>A espalhabilidade não é um parâmetro exigido pela legislação, mas indica um fator sensorial de aceitabilidade pelo consumidor. O teste pode ser realizado de forma qualitativa ou quantitativa. No desenvolvimento da formulação em escala industrial, a espalhabilidade é um parâmetro extremamente relevante. No teste, é depositado 0,1 g da forma farmacêutica a ser analisada sobre uma placa de vidro, e sobre esta é adicionada outra placa com peso conhecido. Após um minuto, a distância percorrida pela amostra entre os vidros é medida, e a espalhabilidade é calculada.</p><p>A estanqueidade consiste na verificação da vedação das embalagens contendo a formulação. É outro teste relevante, embora não seja exigido por legislação. Para esta análise, alguns parâmetros podem ser considerados, como a resistência da embalagem ao vazamento do conteúdo e a vedação da passagem de ar e da luz, fatores que contribuem na oxidação de componentes comumente presentes nas emulsões.</p><p>Assimile</p><p>Controle de qualidade da água</p><p>A água é a matéria-prima mais abundante no preparo de emulsões O/A, estando presente também, em menor proporção, em emulsões A/O. Desta forma, deve ser adequadamente tratada, apresentar carga microbiana baixa ou nula e, preferencialmente, ausência de eletrólitos. A 6ª edição da Farmacopeia Brasileia aborda os tipos de água para uso farmacêutico e seus parâmetros de aceitabilidade. A água purificada, produzida a partir da água potável, é empregada como excipiente na produção de emulsões não parenterais e em formulações magistrais, desde que não haja nenhuma recomendação de pureza superior no seu uso ou que não necessite ser apirogênica. Esta matéria-prima é produzida pela própria empresa (farmácia magistral ou indústria) e deve atender aos parâmetros de qualidade descritos em monografia específica.</p><p>Figura 2.11 | Exemplos de dispositivos utilizados nos ensaios de controle de qualidade</p><p>Fonte: elaborada pela autora.</p><p>Para cada ensaio de controle de qualidade, deve existir um procedimento operacional padrão. Estes documentos são exigidos por legislação e auxiliam os técnicos na execução e no registro dos parâmetros obtidos. Após realizar as análises de controle de qualidade, os resultados obtidos devem ser registrados na ficha de manipulação ou produção da emulsão.</p><p>Conceitos iniciais de Emulsões</p><p>CONVITE AO ESTUDO</p><p>Caro aluno, bem-vindo à Unidade 2! Nesta unidade, abordaremos as emulsões como formas farmacêuticas semissólidas ou líquidas utilizadas na área farmacêutica. As formas farmacêuticas semissólidas, geralmente, são destinadas à utilização tópica, e apresentam-se, comumente, como géis, pomadas, pastas ou emulsões. As emulsões são as formas farmacêuticas mais utilizadas para uso tópico, pois, em geral, apresentam aparência elegante, são atraentes e agradáveis ao toque. Tecnicamente, apresentam outras vantagens, como a veiculação de ativos hidrossolúveis, lipossolúveis e até insolúveis em um sistema estável. Por suas particularidades e extrema versatilidade na incorporação de substâncias ativas medicamentosas e cosméticas, as emulsões são formas farmacêuticas relevantes na administração de fármacos para uso oral, tópico e parenteral.</p><p>A Unidade 2 divide-se em três seções. Na Seção 1, entenderemos o que é uma emulsão através da abordagem de conceitos iniciais, finalidades de uso e características farmacotécnicas básicas. Na Seção 2, apresentaremos os conteúdos relacionados ao Equilíbrio Hidrófilo Lipófilo (EHL), os aspectos históricos, os fatores que influenciam na escolha do agente emulsivo, a classificação dos tensoativos na escala de Griffin, os cálculos de EHL e as técnicas gerais de preparo das emulsões de acordo com o EHL. Na Seção 3, abordaremos os conceitos na prática da manipulação de emulsão óleo-em-água e água-em-óleo, a escolha do agente emulsivo de acordo com o EHL e os parâmetros de controle de qualidade de emulsões.</p><p>Bons estudos!</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Quando falamos a palavra emulsão, algumas dúvidas surgem de forma espontânea: o que é uma emulsão? Qual a finalidade deste tipo de forma farmacêutica? Existem diferentes tipos?</p><p>As emulsões são formas farmacêuticas bastante versáteis e, nesta seção, você será introduzido ao conhecimento sobre elas e os aspectos essenciais necessários para o delineamento de formas farmacêuticas assim denominadas. A própria definição de emulsão traz um grande desafio, que é o de manter um sistema heterogêneo estável. Desta forma, para contextualizar sua aprendizagem, você, farmacêutico contratado recentemente na equipe técnica da Kendra, uma indústria jovem no setor farmacêutico, está sendo introduzido à produção de bases galênicas já padronizadas na planta produtiva. Durante a integração, você identificou que a empresa possui potencial de crescimento, pois os tipos de bases produzidas limitam-se ao preparo de géis, xampus líquidos e sabonete sólidos destinados ao preparo de medicamentos ou cosméticos.</p><p>A empresa realiza reuniões mensais para expor aos supervisores de cada setor as metas de produção e vendas. Na última reunião, observaram que há uma demanda reprimida quanto à oferta de emulsões no catálogo de vendas. Os clientes estão muito satisfeitos com as bases disponíveis, entretanto estão deixando de finalizar seus pedidos devido à falta de opções de bases para produção de cremes e loções. Desta forma, neste mês, foi lançada a intenção de ampliação do catálogo de bases produzidas. A ideia é iniciar a produção de uma emulsão não iônica do tipo óleo-em-água para ser comercializada em embalagens de 1 e 4 quilogramas. A emulsão, pioneira na empresa, deverá atender aos critérios farmacopeicos quanto a aspectos, estabilidade, segurança e eficácia.</p><p>Para cumprir os requisitos mínimos estipulados inicialmente pelos gestores, será necessário revisar os conceitos fundamentais, realizar um levantamento dos componentes indispensáveis, escolher matérias-primas compatíveis entre si e com a embalagem de acondicionamento. Para finalizar, será indispensável estipular os processos que norteiam a produção desta forma farmacêutica.</p><p>Conceito-Chave</p><p>Definição de emulsões; aplicações e finalidades do uso e características farmacotécnicas</p><p>As emulsões são dispersões de um líquido em outro líquido imiscível estabilizadas usando um ou mais agentes emulsificantes associados ou não a partículas sólidas. As gotículas da fase dispersa apresentam tamanho variável de 10 nm a 100 µm. As emulsões apresentam grande importância devido à sua ampla ocorrência na indústria farmacêutica, cosmética</p><p>e alimentícia. Na área farmacêutica e cosmética, as emulsões são formas farmacêuticas líquidas ou semissólidas, contendo um ou mais princípios ativos. Podem ser destinadas à utilização oral, parenteral ou tópica. Todas as emulsões para administração oral ou intravenosa são líquidas, enquanto as formulações destinadas para administração tópica podem ser líquidas ou semissólidas. Os cremes são emulsões consistentes destinadas ao preparo de formas farmacêuticas semissólidas, enquanto as loções apresentam viscosidade variável, destinadas ao preparo de formas farmacêuticas mais fluídas, mas ambos podem ser propostos para aplicação externa na pele ou nas membranas mucosas.</p><p>Se dois líquidos imiscíveis, como o óleo e a água, são agitados na presença de uma agente emulsificante, eles se subdividem em gotículas, e uma mistura termodinamicamente instável de um sistema emulsionado é formado. Para a preparação de uma emulsão de maior estabilidade, é necessário empregar técnicas que assegurem que um dos líquidos se subdivida em pequenas gotículas dentro do outro, aumentando a superfície de contato entre os dois. Técnicas de fabricação cada vez mais sofisticadas estão sendo desenvolvidas para produzir sistemas de emulsão com propriedades únicas, empregando a menor quantidade possível de emulsionantes.</p><p>Reflita</p><p>Agitação e incorporação de ar no preparo de emulsões</p><p>Uma grande incorporação de bolhas de ar no processo de emulsificação pode ocasionar a separação de fases da emulsão preparada. Isso acontece porque o sistema emulsionante torna-se deficitário devido à emulsificação das bolhas de ar criadas (FERREIRA, 2010).</p><p>Como poderia ser evitada a incorporação de ar na formulação?</p><p>Classificação das emulsões</p><p>As emulsões consistem em uma mistura de uma fase aquosa e outra oleosa composta por óleos e/ou ceras. A fase que persiste na forma de gotícula por mais tempo e, geralmente, está presente em menor quantidade é denominada de fase interna ou dispersa; a fase formada pelas gotículas rapidamente coalescentes, geralmente presentes em maior quantidade, é denominada de fase externa, fase contínua ou dispersante.</p><p>Assimile</p><p>Coalescência: é o processo em que duas ou mais partículas ou gotículas fundem-se, formando apenas uma única gotícula.</p><p>Figura 2.1 |Ilustração do fenômeno de coalescência</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Emulsões apresentando fase interna oleosa e fase externa aquosa são emulsões óleo-em-água (O/A) (Figura 2.2), exibem característica hidrofílica e promovem absorção rápida com sensação de menor oleosidade. Em contrapartida, emulsões apresentando fase interna aquosa e fase externa oleosa são denominadas emulsões água-em-óleo (A/O) (Figura 2.3) e apresentam sensação oleosa quando aplicadas na pele. As emulsões A/O e O/A são também denominadas como emulsões simples ou primárias.</p><p>Figura 2.2 | Emulsão óleo-em-água (O/A)</p><p>Fonte: Shutterstock.Figura 2.3 | Emulsão água-em-óleo (A/O)</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>As emulsões múltiplas (Figura 2.4), igualmente, são formadas a partir do óleo e da água, entretanto apresentam estrutura complexa, na qual os dois tipos de emulsões existem simultaneamente, podendo, assim, ser do tipo água-óleo-água (A/O/A) ou óleo-água-óleo (O/A/O), no qual a fase dispersa contém pequenas gotas de outra fase dispersa em seu interior, e esta segunda fase dispersa está fisicamente separada por uma fase dispersa de composição distinta. As emulsões múltiplas também são denominadas emulsões de emulsões ou emulsões duplas ou triplas, uma vez que a própria fase interna contém gotículas dispersas, que são miscíveis com a fase contínua. As emulsões múltiplas são obtidas a partir de uma emulsão simples. Emulsificando uma emulsão A/O com surfactantes que estabilizem a fase oleosa dispersa, pode-se produzir emulsão A/O/A com fase externa aquosa e viscosidade menor que a emulsão primária. A formulação deste tipo de emulsão é relativamente desafiadora, mas é uma escolha interessante, pois exibe vantagens, como sistema de liberação lenta ou controlada de ativos veiculados. São utilizadas frequentemente para microencapsulamento de fármacos lipofílicos e peptídeos.</p><p>Figura 2.4 | Comparação entre emulsões simples e emulsões múltiplas: (a) emulsão simples O/A, (b) emulsão simples A/O, (c) emulsão múltipla A/O/A, (d) emulsão múltipla O/A/O</p><p>Fonte: adaptada de Bouyer et al. (2012, p. 361).</p><p>As emulsões também podem ser classificadas de acordo com seu tamanho de gotícula em três categorias: macroemulsões, nanoemulsões e microemulsões. Nas macroemulsões, o tamanho de gotícula varia de 0,1 a 100 µm, e isso proporciona coloração esbranquiçada ao sistema. A microemulsões, geralmente, são transparentes e termodinamicamente estáveis, apresentando gotículas entre 10 nm a 100 nm. As nanoemulsões apresentam gotículas em escala nanométricas de tamanho inferior a 200 nm, mas, quando apresentam gotículas de tamanho superior a 80 nm, não mostram estabilidade termodinâmica. Quanto menor o tamanho de gotícula da fase interna, maior a absorção percutânea dos ativos veiculados na fase interna.</p><p>Teorias da emulsificação e estudo dos componentes da emulsão: fase oleosa, fase aquosa e agentes emulsivos</p><p>As emulsões apresentam efeito anticongestivo na pele, pois estimulam a perspiração cutânea e favorecem a permeabilidade de ativos veiculados. Uma emulsão contém em sua composição, basicamente, a fase aquosa, a fase oleosa, o sistema emulsificante e os adjuvantes (conservantes, antioxidantes, sequestrantes, corantes e essências). Para compor a fase aquosa, deve-se utilizar água purificada, isto é, a água potável que passou por algum tipo de tratamento para retirar os possíveis contaminantes, preferencialmente, com ausência de íons, pois estes podem desestabilizar a emulsão. Caso seja uma emulsão para administração parenteral, a água utilizada deve atender aos critérios farmacopeicos para esta finalidade. A fase oleosa pode ser composta por uma ampla variedade de óleos (vegetal, animal ou mineral) ou ceras (naturais ou sintéticas), nos quais serão dissolvidos os componentes lipossolúveis da fórmula. A presença do agente emulsificante proporciona estabilidade ao sistema, reduzindo a tensão interfacial entre o óleo e a água e, desta forma, retardando a separação das fases. As matérias-primas lipofílicas são suscetíveis à degradação por oxidação e, assim, recomenda-se utilizar agentes antioxidantes, preferencialmente, solúveis na fase oleosa, tais como a vitamina E, o butilhidroxitolueno (BHT) e o butilhidroxianisol (BHA). Se for conveniente, estes podem ser associados ao antioxidante hidrossolúveis, como o metabissulfito de sódio, o bissulfito de sódio e o ácido ascórbico. Em função da elevada presença de água, as emulsões são meios propícios ao crescimento de bactérias e fungos, necessitando da utilização de conservantes. A escolha do sistema conservante deve levar em consideração os aspectos de compatibilidade entre os componentes da formulação. Agentes sequestrantes podem ser empregados nas formulações para complexar íons metálicos e, desta maneira, evitar a perda de estabilidade, agindo de forma sinérgica com os antioxidantes e os conservantes.</p><p>Assimile</p><p>A composição da emulsão destinada ao uso tópico pode contribuir com efeitos adicionais:</p><p>Emoliente: alivia a irritação ou deixa a pele ou as mucosas macias.</p><p>Protetor: protege a superfície da pele que tenha sido lesada ou que esteja exposta a agentes nocivos.</p><p>Oclusivo: forma uma barreira hidrofóbica que impede a evaporação de umidade da pele e, desta forma, promove a retenção de água.</p><p>Umectante: retém a água por meio das características de higroscopicidade.</p><p>A presença de matérias-primas lipofílicas favorece a penetração de ativos, sendo que gorduras de origem animal (ex.: lanolina) promovem uma maior permeabilidade em relação a gorduras de origem vegetal (ex.: óleo de girassol), e estas são superiores às derivadas do petróleo (ex.: óleo mineral).</p><p>Agentes emulsivos e tensoativos</p><p>Os agentes emulsificantes auxiliam na produção de uma dispersão estável e classificam-se como surfactantes, também denominados</p><p>tensoativos, coloides hidrofílicos ou partículas sólidas finamente divididas. A emulsificação pode ocorrer por três mecanismos:</p><p>· Redução da tensão interfacial.</p><p>· Formação de um filme monomolecular na interface, o qual, fisicamente, inibe a coalescência de grânulos de fase dispersa.</p><p>· Mudança do potencial zeta da fase dispersa.</p><p>Na área farmacêutica, os agentes emulsificantes são empregados em formulações compostas por líquidos insolúveis ou contendo a interface água e ar. A tensão interfacial entre duas superfícies resulta de forças mais baixas de interação atrativa entre os dois materiais (adesão) do que dentro dos dois materiais (coesão), que surgem das diferenças nos tipos de interações moleculares em um material. Por exemplo, as moléculas lipofílicas compostas por cadeias de hidrocarbonetos se ligam predominantemente por interações hidrofóbicas, enquanto as moléculas de água se ligam por ligações de hidrogênio e interações polares/dipolo. Assim, em um sistema óleo-água, as interações água-água e as interações óleo-óleo são mais fortes do que as interações óleo-água. Os agentes surfactantes apresentam na sua molécula um grupamento polar (hidrofílico), que se orienta na direção da água, e um grupamento apolar (lipofílico), que se dirige ao óleo. Quando um surfactante é adicionado a um líquido em excesso, além do necessário para cobrir completamente a superfície, o surfactante forma estruturas autoassociadas dentro do líquido, denominadas micelas (Figura 2.5).</p><p>Figura 2.5 | Formação de uma micela</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Os surfactantes são classificados de acordo com a natureza que o grupo hidrofílico assume em determinados valores de pH (Figura 2.6). As regiões hidrofílicas podem ser aniônicas (carregadas negativamente), catiônicas (carregadas positivamente) ou não iônicas (não carregadas em todos os valores de pH). Além disso, alguns surfactantes possuem grupos com carga positiva e negativa, podendo existir em um ou em ambos os estados aniônicos ou catiônicos, dependendo do pH da solução e do pKa do grupo ionizável. Esses surfactantes são conhecidos como compostos anfotéricos.</p><p>Figura 2.6 | Classificação dos surfactantes</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Os coloides hidrofílicos formam um filme multimolecular ao redor das partículas dispersas. São classificados de acordo com a sua natureza em:</p><p>· Polissacarídeos naturais: goma arábica, goma adraganta, amido, pectina e carragena.</p><p>· Polissacarídeos semissintéticos: carboximetilcelulose e metilcelulose.</p><p>Os sólidos finamente divididos podem ser adsorvidos na interface óleo-água, formando um filme que previne a coalescência das gotículas dispersas. Eles formam emulsões O/A ou A/O, estáveis e com menor suscetibilidade à contaminação microbiana. São exemplos: betonita, silicato de alumínio (Veegum®), alumínio coloidal e hidróxido de magnésio.</p><p>Exemplificando</p><p>Nanocarreadores</p><p>A nanotecnologia tem sido aplicada em diversas áreas da ciência, em especial, na área farmacêutica. Os nanocarreadores de fármacos podem apresentar-se sob diversas formas, obtidas comumente por técnicas de emulsificação. As micelas são estruturas de uma camada única de surfactantes, enquanto os lipossomas têm uma estrutura de camada dupla que envolve o meio solvente. Estes sistemas constituídos por glóbulos bastante reduzidos, em escala nanométrica, podem veicular diversos princípios ativos, sendo, inclusive, adequados à veiculação de substâncias ativas para administração tópica. Além do tamanho, as características de similitude à bicamada lipídica das células tornam a utilização destes nanocarreadores bastante promissora para maior absorção intracelular e biodisponibilidade de fármacos.</p><p>Figura 2.7 |Semelhança entre nanocarreadores e a bicamada lipídica</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>A escolha do agente emulsificante dependerá do ativo e do local de aplicação do produto, sendo frequentemente empregadas combinações de agentes emulsivos. Preparações de uso interno não devem conter agentes emulsificantes tóxicos ou irritantes. Nestes casos, normalmente, são empregados polissacarídeos naturais, como goma arábica, goma adraganta, gelatina e lectina. Também podem ser empregados surfatantes não iônicos, uma vez que surfactantes aniônicos e catiônicos são potencialmente irritantes, sendo, portanto, indicados para preparações de uso externo.</p><p>Referências</p><p>Sistema EHL</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Caro aluno, seja bem-vindo à Seção 2!</p><p>Nesta seção, abordaremos um conteúdo de extrema importância para o delineamento de formas farmacêuticas do tipo emulsão. Como vimos na Seção 1, a obtenção de emulsões estáveis é o objetivo principal de qualquer farmacêutico que esteja trabalhando no desenvolvimento ou na preparação destas fórmulas. Neste sentido, a escolha do agente emulsionante adequado para reduzir a tensão interfacial água-óleo de uma emulsão é a etapa decisiva na obtenção de fórmulas com estabilidade prolongada. O processo de escolha pode se dar por tentativa e erro, mas isso resultará em desperdício de tempo e recursos, desta forma, utilizam-se métodos para a escolha ser mais assertiva. O método do equilíbrio hidrófilo-lipófilo (EHL) é bastante útil e tem sido empregado, principalmente, para escolher o sistema emulsivo não iônico adequado através de cálculos. O conteúdo teórico-prático deste método será abordado nesta seção e, para iniciar os estudos, avaliaremos a fórmula proposta para a primeira emulsão a ser preparada pela Kendra, uma indústria de bases galênicas.</p><p>As matérias-primas para preparar a fórmula da base galênica proposta foram adquiridas pelo setor de compras e aprovadas pelo controle de qualidade. Liberadas para utilização, agora é o momento de separá-las, preparar a primeira base e avaliar as suas características.</p><p>Ao separar os componentes da formulação, você verifica que na ficha de preparo não há descrição sobre o método a ser empregado para preparar a emulsão. Algumas matérias-primas são líquidas, enquanto outras são sólidas. Dentre as sólidas, algumas têm aspecto de cera, e outras são pós. Para escolher o método ideal, é necessário pesquisar as características físico-químicas das matérias-primas e conhecer as técnicas possíveis a serem empregadas.</p><p>Vamos conhecer os aspectos teóricos relacionados ao preparo de emulsões. Bons estudos!</p><p>Conceito-Chave</p><p>Sistema EHL: histórico e fatores que influenciam na escolha do agente emulsivo</p><p>Dois líquidos imiscíveis em contato um com o outro tendem a manter uma interface. Consequentemente, misturá-los será difícil. Se forem agitados, gotículas esféricas se formarão, porque os líquidos tendem a manter a menor área de superfície possível, havendo tensão interfacial entre eles. Com a adição de um emulsificante, os líquidos se tornarão miscíveis, porque as moléculas deste agente se orientarão entre as duas fases.</p><p>A porção polar da molécula do emulsificante se voltará para a fase hidrofílica da mistura, enquanto a porção apolar estará voltada para a fase lipofílica. Um agente emulsificante torna os glóbulos da fase dispersa menos propensos a coalescer ou se juntar para formar glóbulos maiores, os quais, eventualmente, causariam a separação das fases. A estabilidade de uma emulsão depende das propriedades do emulsificante e do filme que ele forma na interface óleo-água.</p><p>Assimile</p><p>Inversão de fase</p><p>Consiste na inversão das fases interna/externa de uma emulsão, ou seja, uma emulsão que era óleo-em-água passa a ser água-em-óleo, ou o contrário. Isso ocorre quando substâncias adicionadas à fórmula alteram as propriedades de solubilidade do emulsificante ou quando uma emulsão estabilizada com emulsionante não iônico é aquecida. A temperatura de inversão de fases do agente emulsionante tem sido relacionada à estabilidade de uma emulsão.</p><p>O sistema de equilíbrio hidrófilo-lipófilo (EHL) é usado para descrever as características de emulsificantes e tensoativos. O sistema consiste em uma escala numérica até 40, entretanto, comumente, são utilizados emulsionantes e tensoativos com valores de 0 a 20 (Figura 2.8), para os quais os valores EHL são experimentalmente determinados e atribuídos</p>