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<p>'ISBN 85 08 03255 21</p><p>Q conjunto funcionalmente articulado de</p><p>cidades é a rede urbana, que tem sido objeto</p><p>de interesse entre os cientistas sociais, entre</p><p>eles os geógrafos . As classificações</p><p>funcionais de cidades, as dimensões bás1cas</p><p>de variação, as relações entre tamanho e</p><p>desenvolvimento, a hierarquia urbana e as</p><p>relações 'cidade-regiao sSo as abordagens</p><p>que os geógrafos consideraram em seus</p><p>estudos.</p><p>A partir dessa prática, considerada</p><p>criticamente, e incluindo a contnbu1ç!o de</p><p>outros estudiosos, o autor procura</p><p>esclarecer a natureza e o sign1f1cado da rede</p><p>urbana. Há ainda uma proposta de pesqUisa,</p><p>tendo em vista as diversas redes urbanas</p><p>regionais brasileiras.</p><p>Roberto Lobato Corrêa é geógrafo da</p><p>Fundação IBGE e professor da Universidade</p><p>Federal do Rio de Janeiro . Publicou, na séne</p><p>Princípios, os volumes Regllo e</p><p>.organização espacial e O espaço urbano .</p><p>..kea& ele-~ do- v-o-ltulw</p><p>• Geografia • Políti ca • Sociolog ia</p><p>élat:ra&CÚ'ea& ck~</p><p>• Administração • Antropologia • Artes</p><p>• Ciências • Civilização • Comunicações</p><p>• Direito • Economia • Educação</p><p>• Enfermagem • Estét ica • Farmácia</p><p>• Filosof ia • História • Lingüíst ica</p><p>• Literatura • Medicina • Odontologia</p><p>• Psicologia • Saúde</p><p>Roberto Lobato</p><p>Corrêa</p><p>O VOIUQftO humano</p><p>Col!lo l'loclomon te de Lima</p><p>N~ologlorno -</p><p>Crln980 lex lcol</p><p>I do Maria Alves</p><p>Amozõnlo</p><p>O nha K. Becker</p><p>l lntroduçlo ao maneirismo</p><p>o à proeo barroca</p><p>Soglsmundo Spina e Morris</p><p>W , Croll</p><p>1 4 Ao duoa Argentinos</p><p>l:menll I Soares da Veiga</p><p>Ga rcia</p><p>h O Porlodo Rogonciol</p><p>Arnaldo Fazoli Filho</p><p>A Ant iguidade Tardio</p><p>Waldir Freitas Oliveira</p><p>Plenejamento familiar</p><p>Gilda de Castro Rodrigues</p><p>lntroduçêo à terapia familiar</p><p>Magdalena Ramos</p><p>O Linguagem e sexo</p><p>Malcolm Coulthard</p><p>~00 Aristocratas versus</p><p>burgueses? -</p><p>A RevoluçAo Francesa</p><p>T . C. W . Blanning</p><p>~01 O Trotado do Vorsolhos</p><p>Ruth Henig</p><p>202 Jung</p><p>Gustavo Barcellos</p><p>203 A geografia llngüfstica no</p><p>Brasil</p><p>Silvia Figueiredo Brandão</p><p>204 A RevoluçAo</p><p>Norte-Americana</p><p>M . J. Heale</p><p>2Q& As origens da Revolução</p><p>Russa</p><p>Alan Wood</p><p>20 ' Coesão e coerência textuais</p><p>Leonor Lopes Fávero</p><p>20 7 Como analisar narrativas</p><p>Când ida Vilares Ga ncho</p><p>208 Inconfidência Mineira</p><p>Cândida Vilares Gancho</p><p>Vera Vilhena</p><p>209 O sistema colonial</p><p>José Roberto Ama ral Lapa</p><p>21 O A unificação da Itália</p><p>John Gooch</p><p>211 A posse da terra</p><p>Cândida Vilares Gancho</p><p>Helena Queiroz F. Lopes</p><p>Vera Vilhena</p><p>Roberto Lobato</p><p>Corrêa</p><p>Professor da Universidade Federal do</p><p>Rio de Janeiro</p><p>Geógrafo do IBGE</p><p>2.8 edição</p><p>Direção</p><p>Benjamin Abdala Junior</p><p>Samira Youssef Campedelli</p><p>Preparação de texto</p><p>lvany Picasso Batista</p><p>Edição de arte (miolo)</p><p>Milton Takeda</p><p>Composição/Paginação em vídeo</p><p>Divina da Rocha Corte</p><p>Capa</p><p>Ary Normanha</p><p>Antonio Ubirajara Domiencio</p><p>imprmlo e acabamento</p><p>311111(1raf</p><p>TEL.: 1011) 2il· Ul30</p><p>FAX~ Iot11 ne· eoee</p><p>ISBN 85 08 03255 2</p><p>1994</p><p>Todos os direitos reservados</p><p>Editora Ática S.A.</p><p>Rua Barão de lguape, 110- CEP 01507·900</p><p>Tel.: PABX 278-9322 - Caixa Postal 8656</p><p>End. Telegráfico "Bomlivro"- Fax : (011) 277·4146</p><p>São Paulo (SP)</p><p>I</p><p>l.</p><p>Sumário</p><p>1. Introdução 5</p><p>2. As abordagens dos geógrafos 9</p><p>As classificações funcionais 10</p><p>As dimensões básicas de variação 12</p><p>Tamanho e desenvolvimento 15</p><p>A hierarquia urbana 19</p><p>As proposições de Christaller 21</p><p>Os países subdesenvolvidos 32</p><p>As relações cidade-região 40</p><p>3. Natureza e significado da rede urbana 47</p><p>A divisão territorial do trabalho 48</p><p>Os ciclos de exploração 51</p><p>As migrações 56</p><p>A comercialização da produção rural 58</p><p>A drenagem da renda fundiária 61</p><p>Os investimentos de capitais 64</p><p>A distribuição de bens e serviços 67</p><p>A difusão de valores e ideais 70</p><p>Rede urbana e forma espacial 70</p><p>A rede dendrítica 71</p><p>Redes complexas 75</p><p>Rede urbana e periodização _________ _ 78</p><p>O exemplo da Amazônia 80</p><p>4. À guisa de conclusão 87</p><p>5. Vocabulário crítico 90</p><p>6. Bibliografia comentada 93</p><p>1</p><p>Introdução</p><p>Os estudos sobre redes urbanas têm se constituído em</p><p>uma importante tradição no âmbito da geografia. Esta im</p><p>portância deriva da consciência do significado que o proces</p><p>so de urbanização passou a ter, sobretudo a partir do sécu</p><p>lo XIX, ao refletir e condicionar mudanças cruciais na so</p><p>ciedade. No bojo do processo de u.rbanização a rede urba</p><p>na passou a ser o meio através do qual produção, circula</p><p>ção e co'nsumo se realizam efetivamente. Via rede urbana</p><p>e a crescente rede de comunicações a ela vinculada, distan</p><p>tes regiões puderam ser articuladas, estabelecendo-se uma</p><p>economia mundial.</p><p>A despeito dos numerosos estudos realizados, no entan</p><p>to, a temática da rede urbana está longe de ter sido esgota</p><p>da. Especialmente quando se considera um país de dimen</p><p>sões continentais como o Brasil, onde a longa e desigual es</p><p>paço-temporalidade dos processos sociais tem sido a regra,</p><p>e onde a rapidez e a intensidade da criação de centros e</p><p>transformação da rede urbana é ainda notável no final do</p><p>século XX: paralelamente coexistem setores da rede urba</p><p>na cuja gênese remonta ao século XVI, no alvorecer do ca</p><p>pitalismo, quando a rede urbana atual começa a constituir-se.</p><p>•</p><p>6</p><p>O presente estudo tem por finalidade, primeiramente,</p><p>mostrar o que foi a produção geográfica sobre redes urba</p><p>nas. Não deve ser encarado como uma longa, exaustiva e</p><p>sistemática revisão bibliográfica, mas apenas indicadora</p><p>das principais vias de abordagem do tema. Nem como um</p><p>fim em si mesmo, mas sim como uma base teórica passível</p><p>de ser reconstruída, originando outra de natureza crítica.</p><p>Vários exemplos, através de mapas e gráficos, farão parte</p><p>desse capítulo. Procurarão exemplificar princípios a respei</p><p>to de aspectos relativos à hierarquia urbana. Não são exem</p><p>plos da Alemanha meridional, do território francês ou do</p><p>Estado norte-americano de Iowa, unidades territoriais que</p><p>serviram de laboratórios para muitos estudos sobre redes</p><p>urbanas . Os exemplos são brasileiros, envolvendo em gran</p><p>de parte a região do planalto ocidental paulista.</p><p>A segunda parte pode ser considerada como a mais im</p><p>portante deste estudo. Nela apresenta-se o que entendemos</p><p>ser as abordagens que mais evidenciam a natureza e o signi</p><p>ficado da rede urbana. Seguramente algumas lacunas e in</p><p>consistências aparecerão . Isto, em parte, deriva da tentati</p><p>va de apresentar quadros de referência teórica onde se pro</p><p>cura retrabalhar conceitos e articulaçõ~s propostos anterior</p><p>mente. Que as lacunas e inconsistências sirvam de estímu</p><p>los para novas reflexões.</p><p>Uma questão agora se impõe. O que é rede urbana?</p><p>Este questionamento se deve ao fato de não haver concor</p><p>dância sobre o que se quer dizer com esta expressão . Há</p><p>uma corrente que advoga a tese de que somente haveria re</p><p>de urbana se certas características estivessem presentes, ca</p><p>racterísticas estas verificadas nos países desenvolvidos . Se</p><p>gundo esta corrente, nos países subdesenvolvidos não have</p><p>ria rede urbana ou esta estaria em fase embrionária ou se</p><p>ria desorganizada.</p><p>A nossa posição a este respeito é diferente. Admitimos</p><p>a existência de uma. rede urbana quando, ao menos, são sa</p><p>. tisfeitas as seguintes condições. Primeiramente haver uma</p><p>7</p><p>economia de mercado com uma produção que é negociada</p><p>por outra que não é produzida local ou region~li?ente. E~</p><p>ta condição tem como pressuposto um grau mm1mo de di</p><p>visão territorial do trabalho. Em segundo lugar verificar</p><p>se a existência de pontos fixos no território onde os negó</p><p>cios acima referidos são realizados, ainda que com certa pe</p><p>riodicidade e não de modo contínuo. Tais pontos tendem</p><p>a concentrar outras atividades vinculadas a esses negócios,</p><p>inclusive aquelas de controle político-administrativo e ideo</p><p>lógico, transformando-se assim em núcleos de povoamen</p><p>to dotados, mas não exclusivamente, de atividades diferen</p><p>tes daquelas da produção agropecuária e do extrativismo ve</p><p>getal: comércio, serviços e atividades de produção industrial.</p><p>A terceira condição refere-se ao fato da existência de</p><p>um mínimo</p><p>extensão, a rede urbana</p><p>- é vista como se fosse uma coisa; destituída de vida so</p><p>cial e, portanto, de interesses antagônicos, de conflitos: é</p><p>assim passível de um tratamento marcado por uma postu</p><p>ra pretensamente neutra. As interpretações calcadas nas ciên</p><p>cias naturais estão presentes nos estudos de redes urbanas,</p><p>estas sendo concebidas como engrenagens manipuladas por</p><p>agentes, não especificados, muitas vezes por processos alea-</p><p>48</p><p>tórios. A história é colocada de lado, não havendo preocu</p><p>pação com a gênese e a dinâmica da rede urbana: o tempo</p><p>constitui uma abstração em que têm existência mecanismos</p><p>que originam uma seqüência evolutiva marcada por equilí</p><p>brio-desequilíbrio-equilíbrio . O caráter idealista de algumas</p><p>das abordagens aparece quando se considera como normati</p><p>vos alguns dos modelos sobre estrutura espacial da rede ur</p><p>bana ou de sua evolução.</p><p>A partir da avaliação da prática dos geógrafos, m~s</p><p>também considerando a contribuição de não geógrafos, pro</p><p>ceder-se-á a um esforço que contribua para identificar a na</p><p>tureza e o significado da rede urbana. Com certeza não es</p><p>gotaremos a questão, mas esperamos clarificar alguns pon</p><p>tos que são particularmente pertinentes aos geógrafos.</p><p>Esta parte está dividida em quatro capítulos que não</p><p>são mutuamente excludentes. Representam apenas ângulos</p><p>em que um mesmo objeto pode ser abordado. Considera</p><p>se inicialmente a divisão territorial do trabalho. Em segui</p><p>da as retações entre rede urbana e os ciclos de exploração,</p><p>para depois tratar as relações entre rede urbana e forma es</p><p>pacial. Finalmente será abordado o caráter mutável da re</p><p>de urbana, apresentando-se alguns pontos básicos para a</p><p>sua periodização: a rede urbana da Amazônia será toma</p><p>da à guisa de exemplificação.</p><p>A divisão territorial do trabalho</p><p>A rede urbana constitui-se simultaneamente em um re</p><p>flexo da e uma condição para a divisão territorial do traba</p><p>lho. É um reflexo à medida que, em razão de vantagens lo</p><p>cacionais diferenciadas, verificam-se uma hierarquia urba</p><p>na e uma especialização funcional definidoras de uma com</p><p>plexa tipologia de centros urbanos.</p><p>A lógica capitalista de acumulação, caracterizada pe</p><p>la minimização dos custos e maximização de lucros e apoia-</p><p>49</p><p>da no progresso técnico, suscita o aumento da escala de</p><p>produção assim como da área onde esta se realiza. Amplia</p><p>se também a circulação, e a acessibilidade é redefinida em</p><p>função dos novos modos de circulação. Verifica-se a valori</p><p>zação de certas localizações em detrimento de outras: mais</p><p>do que isto, para cada atividade, nova ou transformada,</p><p>há padrões locacionais específicos que melhor atendem à ló</p><p>gica capitalista. Como conseqüência algumas cidades -per</p><p>dem importância, enquanto outras são valorizadas; criam</p><p>se novos centros urbanos. Numa planície fértil e densamen</p><p>te ocupada, com produção agrícola negociada extra,local</p><p>mente, define-se uma hierarquia de localidades centrais, en</p><p>quanto às margens de baías de águas profundas desenvol</p><p>vem-se centros portuários; próximo às jazidas de carvão</p><p>emergem centros mineiros ou mesmo dotados de indústrias</p><p>de transformação. A rede urbana reflete assim a divisão ter</p><p>ritorial do trabalho.</p><p>A rede urbana é também uma condição para a divisão</p><p>~erritorial do trabalho. A cidade em suas origens constituiu</p><p>;e não só em uma expressão da divisão entre trabalho ma</p><p>nual e intelectual, como também em um ponto no espaço</p><p>geográfico que, através da apropriação de excedentes agríco</p><p>las, passou de certo modo a controlar a produção rural. Es</p><p>te papel de condição é mais tarde transmitido à rede urba</p><p>na: sua gênese e evolução verificam-se na medida em que,</p><p>de modo sincrônico, a divisão territorial do trabalho assu</p><p>mia progressivamente, a partir do século XVI, uma dimen</p><p>são mundial.</p><p>É à primeira vista através das funções articuladas de</p><p>suas cidades - comércio atacadista e varejista, bancos, in</p><p>dústrias e serviços de transporte, armazenagem, contabilida</p><p>de, educação, saúde etc. - que a rede urbana é uma condi</p><p>ção para a divisão territorial do trabalho. Através dela tor</p><p>na-se viável a produção das diversas ár.eas agropastoris e</p><p>de mineração, assim como sua própria produção industrial,</p><p>\ circulação entre cidades e áreas, e o consumo, É via re-</p><p>50</p><p>de urbana que o mundo pode tornar-se simultânea e desi</p><p>gualmente dividido e integrado.</p><p>Mas é efetivamente devido à ação dos centros de acu</p><p>mulação de capital, às grandes metrópoles cabeças de redes</p><p>urbanas de extensão mundial ou nacional, que a divisão ter</p><p>ritorial do trabalho aparece condicionada pela rede urba</p><p>na. Através dela as decisões, investimentos e inovações cir</p><p>culam descendentemente, criando e transformando constan</p><p>te e desigualmente, de acordo com uma dinâmica interna</p><p>ao capitalismo, atividades e cidades.</p><p>A rede urbana é um· reflexo, em realidade, dos efeitos</p><p>acumulados da prática de diferentes agentes sociais, sobretu</p><p>do as grandes corporações multifuncionais e multilocaliza</p><p>das que, efetivamente, introduzem - tanto na cidade co</p><p>mo no .campo - atividades que geram diferenciações entre</p><p>os centros urbanos. Diferenciações que, por sua vez, condi</p><p>cionam novas ações. Neste sentido é necessário que se com</p><p>preenda a lógica da implantação das atividades no mais</p><p>ou menos complexo mosaico de centros e hinterlândias em</p><p>seus diferenciados papéis e pesos. Isto implica o desvenda</p><p>mente das motiv~ções dos diversos agentes sociais, bem co</p><p>mo o entendimento dos conflitos de interesses entre eles e</p><p>suas aparentes soluções. Implica ainda colocar em evidên</p><p>cia as práticas que viabilizaram a articulação entre os distin</p><p>:tos centros urbanos e suas hinterlândias, bem como com~</p><p>preender a inércia que, pelo menos durante um certo tem</p><p>po, cristaliza um determinado padrão espacial de funciona</p><p>lidades urbanas.</p><p>Em relação aos países subdesenvolvidos a rede urba</p><p>na pode ser vista, em parte, como um conjunto de cidades</p><p>onde se verifica um papel de intermediação diferenciada</p><p>das .decisões geradas fora da rede urbana nacional. Em ou</p><p>tras palavras, a rede urbana dos países subdesenvolvidos</p><p>constitui-se, em parte, na extensão de uma ampla rede ur</p><p>bana com sede nos denominados países centrais, em metró</p><p>poles mundiais como New York, Londres, Tóquio e Paris.</p><p>51</p><p>Neste sentido a própria rede urbana é, através da função</p><p>da intermediação, parte da divisão internacional do trabalho.</p><p>Mas há que se considerar, pelo menos em relação a al</p><p>guns países ou regiões, a existência de uma relativa autono</p><p>mia nacional ou regional: a divisão territorial do trabalho</p><p>é parcialmente derivada de decisões e interesses internos, se</p><p>diados nas metrópoles nacionais ou regionais e, em alguns</p><p>casos, nas capitais regionais. Pensamos assim que se deva,</p><p>ao se tratar as relações entre rede urbana e divisão territo</p><p>rial do trabalho, considerar em que medida uma rede urba</p><p>na é efetivamente condição para essa divisão ou uma rede</p><p>de pura intermediação de ações decididas externamente à rede.</p><p>É visando a descrição e a compreensão da divisão ter</p><p>ritorial do trabalho que se deve direcionar os estudos sobre</p><p>classificação funcional de cidades: a classificação não deve,</p><p>assim, ser considerada como um fim em si, mas um come</p><p>ço de uma pesquisa sobre uma dada rede urbana. A rede</p><p>urbana brasileira, que tem passado por grandes transforma</p><p>ções, aí incluindo-se o aumento do número de centros e a</p><p>sua extensão territorial, constitui-se em excelente objeto</p><p>de pesquisa sob a ótica da divisão territorial do trabalho e</p><p>sua dinâmica.</p><p>Os ciclos de exploração</p><p>O trabalho excedente é a fonte do valor excedente Uu</p><p>ros, rendas, mais-valia etc.). O valor excedente apropriado</p><p>e acumulado é em parte investido em novas atividades, tan</p><p>to de localização urbana como rural, visando a geração de</p><p>novos e ampliados valores excedentes. Isto implica a sua</p><p>circulação, que engendra fluxos de pessoas, bens e serviços,</p><p>ordens, idéias e dinheiro. A parte do valor excedente desti</p><p>nada à simples reposição dos</p><p>meios de produção e ao consu</p><p>mo dos capitalistas, bem como a massa de salários pagos,</p><p>que constitui o meio através do qual se verifiça parte consi-</p><p>52</p><p>derável da reprodução da força de trabalho, também en</p><p>tram na circulação. Implicam estes fluxos a criação, apro</p><p>priação e circulação de novos valores excedentes.</p><p>A circulação se faz necessariamente no âmbito de</p><p>um território que pode estar submetido a um processo de</p><p>intensificação das atividades ali localizadas, ou a uma</p><p>mais efetiva incorporação ao sistema capitalista a partir</p><p>de sua transformação em "fronteira do capital", como é</p><p>o caso da Amazônia a partir da segunda metade da déca</p><p>da de 1960.</p><p>Para que a circulação seja efetivada torna-se necessá</p><p>ria à existência de vários pontos no território. Estes pon</p><p>tos são os centros urbanos. Neles verificam-se o processo</p><p>de tomada de decisão, a concentração, beneficiamento, ar</p><p>mazenamento, transformação industrial, vendas no ataca</p><p>do e varejo, a prestação de uma gama cada vez maior e</p><p>mais complexa de serviços ligados à reprodução social, e</p><p>parcela ponderável do consumo final. Estes centros urba</p><p>nos apropriam-se do valor excedente que circula e criam</p><p>novos valores.</p><p>Com base em Harvey, afirma-se que a rede urbana é</p><p>a forma espacial através da qual, no capitalismo, se dá a</p><p>criação, apropriação e circulação do valor excedente . Ca</p><p>da cidade da região participa de algum modo e com algu</p><p>ma intensidade dos processos acima indicados: caso contrá</p><p>rio terá a sua existência inviabilizada . Sua singularidade se</p><p>dá em razão de sua inserção em um território submetido</p><p>ao processo em questão. Neste sentido, uma classificação</p><p>funcional de cidades, isto é, a descrição da divisão territo</p><p>rial do trabalho em termos urbanos, deve procurar dar con</p><p>ta dos papéis que cada cidade cumpre na criação, apropria</p><p>ção e circulação do valor excedente.</p><p>O que foi acima sumariamente descrito pode ser dito</p><p>de outro modo, considerando-se a rede urbana como a cris</p><p>talização do processo de realização do ciclo do capital, tal</p><p>53</p><p>como foi exposto por Ana Fani A. Carlos. 1 A rede urba</p><p>na pode ser considerada ainda como a forma sócio-espa</p><p>cial de realização do ciclo de exploração da grande cidade</p><p>sobre o campo e centros menores. Desenvolveremos esta</p><p>concepção apoiados, em parte, em Bellido e Tamarit.</p><p>Dois pontos devem ser, no entanto, abordados antes</p><p>de prosseguirmos. O primeiro refere-se ao fato de utilizar</p><p>mos a expressão cidade e região e não a clássica cidade e</p><p>campo. O segundo diz respeito à tese da complementarida</p><p>de das relações acima indicadas.</p><p>Com o capitalismo, as relações econômicas e sociais</p><p>são ampliadas, passando a se realizar em amplos territórios</p><p>que, de modos diversos, são incorporados ao sistema capita</p><p>lista. No bojo desta expansão verifica-se a ampliação da di</p><p>visão territorial do trabalho, geradora de especializações</p><p>produtivas regionais distintas - o milho do Corn Belt ame</p><p>ricano, o cacau da zona de Ilhéus e Itabuna na Bahia, o</p><p>açúcar das Antilhas etc. -, e a necessária articulação entre</p><p>as diversas unidades territoriais especializadas. Articulação</p><p>que é viabilizada pelo progresso dos meios de comunicação</p><p>e conservação- navio a vapor, ferrovia, telegrafia sem fio,</p><p>frigorificação de produtos facilmente deterioráveis - con</p><p>temporâneo à expansão territorial e à divisão do trabalho</p><p>no plano espacial. O mundo capitalista caracteriza-se, por</p><p>volta de 1870, por ser dividido e articulado. Dividido no</p><p>que se refere à esfera da produção e consumo, e articula</p><p>do no que diz respeito à integração via troca entre produto</p><p>res localizados em numerosos territórios. 2</p><p>Esta divisão e articulação só é viável através de uma</p><p>ampla rede urbana, abrangendo vários tipos de centros loca</p><p>lizados em vários territórios . Somente assim é possível a</p><p>um inglês beber café brasileiro, comer toucinho dinamar-</p><p>1 A cidade e a organização do espaço. Revista do Departamento de Geo</p><p>grafia da Universidade de São Paulo, 1, 1982.</p><p>2 HOBSBAWM, Eric. A era do capital; 1848-1875 . Rio de Janeiro, Paz e Ter</p><p>ra, 1977 .</p><p>54</p><p>quês, pão de trigo argentino e vestir uma camisa de algo</p><p>dão egípcio e uma calça de lã australiana. Do mesmo mo</p><p>do os produtos ingleses que, no século XIX, chegavam às</p><p>fazendas de café do Vale do Paraíba passavam por segmen</p><p>tos da rede urbana inglesa (Birmingham e Southampton,</p><p>por exemplo) e brasileira (Rio de Janeiro e Resende, por</p><p>exemplo). Estamos longe, portanto, de uma relação cida</p><p>de e campo tal como se processava no século XIII, entre</p><p>um burgo e sua restrita hinterlândia constituída por aldeias</p><p>e suas áreas agrícolas: cidade e campo completavam um</p><p>universo onde a vida econômica e social plenamente podia</p><p>ser realizada. É por esta razão que adotamos a expressão</p><p>cidade e região: trata-se da grande cidade, um centro metro</p><p>politano, criàção do próprio capitalismo, e de áreas agríco</p><p>las diversas e numerosos centros urbanos menores, todos su</p><p>bordinados à metrópole.</p><p>Vejamos agora a tese de complementaridade. As rela</p><p>_ções que se estabelecem no âmbito da rede urbana são assi</p><p>métricas, traduzindo-se na exploração da região pela gran</p><p>de cidade. A tese da complementaridade de relações simé</p><p>tricas, i.mplicando equilíbrio, não é verdadeira.</p><p>A exploração da cidade sobre o campo - e depois so</p><p>bre a região - nasce no momento em que, no bojo da co</p><p>munidade primitiva, igualitária, estruturada segundo laços</p><p>de parentesco, verifica-se um conjunto de condições que le</p><p>vam à sua própria ruptura: o aparecimento de novas for</p><p>mas de propriedade, a divisão social do trabalho, o Esta</p><p>do, as classes sociais e a existência de excedentes agrícolas</p><p>que são desigualmente apropriadas. Separa-se social e espa</p><p>cialmente o trabalho manual e o intelectual. Esta separação</p><p>vincula-se a uma nova forma sócio-espacial, a cidade, on</p><p>de localizam-se o rei-divindade, sacerdotes, militares, escri</p><p>bas e artesãos. 3</p><p>3 Cf. CHILDE, Gordon. The urban revolution. Town Planning Review, 21</p><p>(1), 1950.</p><p>\</p><p>UJO</p><p>01 o</p><p>o a::</p><p>f- UJ</p><p>z (/) UJ</p><p>UJ</p><p>::?! UJ</p><p>(/)</p><p>f-</p><p>UJ</p><p>(/) a::</p><p>UJ (/) o</p><p>> z _J</p><p>z UJ</p><p>• • •</p><p>UJ</p><p>o</p><p>mesmas</p><p>relações, ainda que através de uma leitura explicitamente in</p><p>tegrada, daquelas apontadas por George e empiricamente</p><p>v.erificadas, entre outros, por Dugrand.</p><p>As migrações</p><p>As atividades capitalistas da cidade, entre elas especial</p><p>mente as indústrias, necessitam de trabalhadores "livres",</p><p>que dispõem apenas de sua força de trabalho e nenhum</p><p>ou muito pouco vínculo com o campo. Estes trabalhadores</p><p>constituem a massa de onde será extraído o valor exceden</p><p>te, fonte de acumulação de capital. Assim, a cidade preci-</p><p>57</p><p>sa drenar, via emigração rural-urbana, uma parcela da po</p><p>pulação do campo, constituída por pequenos proprietários,</p><p>rendeiros, meeiros, moradores de condição e assalariados.</p><p>As raízes desse processo emigratório residem, como</p><p>afirma Kautsky, 4 na dissolução do artesanato pela manufa</p><p>tura urbana, transformando o camponês em um produtor</p><p>agrícola, que vende mercadorias para comprar outras mer</p><p>cadorias, no subseqüente endividamento do agricultor jun</p><p>to a comerciantes urbanos e aos bancos, levando em mui</p><p>tos casos à perda da propriedade; na dissolução da família</p><p>camponesa em função da necessidade de produzir mais e</p><p>mais para vender, tornando a propriedade rural incapaz</p><p>de sustentar a família. Estabelece-se, assim, uma "superpo</p><p>pulação relativa" no campo, composta de excedentes demo</p><p>gráficos que o mundo rural não mais absorve.</p><p>A migração campo-cidade realiza-se na direção daque</p><p>les centros urbanos onde a criação de atividades e empre</p><p>gos é mais dinâmica. São, via de regra, as grandes cidades.</p><p>Esta migração pode fazer-se por etapas, mais ou menos de</p><p>acordo com .a hierarquia urbana: em um primeiro passo tra</p><p>ta-se de uma migração do campo para a pequena cidade;</p><p>um segundo passo, que no âmbito de uma mesma família</p><p>camponesa pode se dar na geração seguinte, caracteriza-se</p><p>por ser da pequena para a grande cidade.</p><p>As causas específicas, em cada lugar e a cada momen</p><p>to do tempo,. da emigração, envolvendo os mecanismos e</p><p>os agentes sociais participantes do processo migratório, cons</p><p>tituem-se em um dos importantes temas de pesquisa no âm</p><p>bito das relações cidade e região. Outro refere-se à dinâmi</p><p>ca e ao significado das migrações por etapa.</p><p>A destruição da agricultura tradicional e o êxodo ru</p><p>ral para a cidade, barateando o custo da força de trabalho,</p><p>iniciam o primeiro ciclo de exploração qa cidade sobre o</p><p>campo e os centros menores. Simultaneamente estão sen-</p><p>4 La cuestión agraria. México, Siglo Veintiuno, 1977 .</p><p>58</p><p>do criadas as condições para a existência de um mercado in</p><p>dustrial: os camponeses que permaneceram no campo torna</p><p>ram-se consumidores de produtos da indústria. s Esta temá</p><p>tica será retomada posteriormente.</p><p>A comercialização da produção rural</p><p>Ainda que em alguns territórios, caracterizados como</p><p>reservatórios da força de trabalho, o autoconsumo seja a</p><p>principal finalidade da produção agropecuária, no capitalis</p><p>mo, de um modo típico, esta produção destina-se à cidade,</p><p>que se transforma assim,em um centro de comercialização</p><p>da produção rural. Tanto pode ser um pequeno centro,</p><p>uma cidade regional, um porto exportador, um centro in</p><p>dustrial ou uma metrópole, para ela converge uma produ</p><p>ção destinada ao abastecimento de sua população em produ</p><p>tos alimentares e, conforme o caso, destinado à reexpedi</p><p>ção para mercados extra-regionais ou às suas indústrias.</p><p>O processo de comercialização da produção rural é</p><p>muito complexo. Sua razão de ser deriva, em última instân</p><p>cia, do fato de que tanto no começo como no final do pro</p><p>cesso verifica-se uma dispersão tanto dos produtores rurais</p><p>como dos consumidores urbanos. Há assim a necessidade</p><p>de' se realizar, próximo à zona rural, a concentração da pro</p><p>dução, depois sua transferência para a grande cidade, on</p><p>de então será de novo dispersa entre os consumidores fi</p><p>nais. Esta dispersão-concentração-dispersão vai traduzir-se</p><p>em diversas formas. Em todas elas a cidade impõe ao cam</p><p>po um preço inferior aos praticados no meio urbano. Are</p><p>de urbana, por onde circula a produção rural, constitui-se</p><p>assim em uma cadeia de drenagem sobre o campo.</p><p>Uma das formas em que a comercialização se realiza</p><p>é aquela onde participam numerosos intermediários localiza</p><p>dos em sucessivos centros urbanos, constituindo uma ca-</p><p>s Cf. LENIN, V. I. El desarrollo dei capitalismo enRusia. Barcelona, Ariel, 1974.</p><p>59</p><p>deia urbana de comercialização. O atacadista coletor, da pe</p><p>quena cidade encravada em plena zona rural, tem uma mar</p><p>gem de lucro ao vender a produção ao atacadista reexpedi</p><p>dor ou a uma usina de beneficiamento localizada em uma</p><p>cidade regional; a revenda da produção ao industrial, ex</p><p>portador ou grande atacadista metropolitano, por sua vez,</p><p>adiciona uma outra margem de lucro sobre o preço pago</p><p>ao atacadista coletor. Nesta cadeia de comercialização o</p><p>consumidor final, de localização urbana, paga ao varejista</p><p>um preço muito elevado se comparado àquele que o produ</p><p>tor rural, localizado no começo do processo de comerciali</p><p>zação, recebeu do atacadista coletor.</p><p>A este esquema tradicional de comercialização da pro</p><p>dução rural opõe-se um outro que se caracteriza pela atua</p><p>ção dos supermercados . .O desenvolvimento das grandes ca</p><p>deias de supermercados, com dezenas ou centenas de estabe</p><p>lecimentos de vendas no varejo, alterou o esquema anterior</p><p>mente descrito. O supermercado possui numerosas filiais</p><p>de compra localizadas em pequenos centros ou em cidades</p><p>regionais. Isto simplifica a cadeia de comercialização: das</p><p>filiais de compra os produtos rurais são transferidos ao de</p><p>pósito central localizado na metrópole e, daí, aos numero</p><p>sos estabelecimentos de vendas no varejo dispersos pelo es</p><p>paço metropolitano. Os lucros dos intermediários do esque</p><p>ma anterior desaparecem, sendo apropriados pela grande</p><p>empresa que dispõe de enorme poder de manipulação de</p><p>preços. E nem por isso o produtor rural é beneficiado.</p><p>É nestes termos que a cooperativa de comercialização</p><p>da produção, controlada pelos produtores, constitui-se em</p><p>um instrumento de minimização da extração de lucros co</p><p>merciais que as cidades em geral realizam sobre o campo:</p><p>ao eliminar os intermeçliários atacadistas a cooperativa tem</p><p>condições de vender a produção rural, de seus associados,</p><p>por um preço mais elevado. Mas apenas sob certas condi</p><p>ções verifica-se o desenvolvimento das cooperativas: as fir</p><p>mas intermediárias localizadas nas cidades da rede nem sem</p><p>pre vêem com bóns olhos o desenvolvimento delas.</p><p>60</p><p>o</p><p>lod:</p><p>o</p><p>:::l</p><p>o</p><p>o</p><p>a:</p><p>0..</p><p>-c ....</p><p>4)</p><p>c.</p><p>0--</p><p>0</p><p>(.) fi""==="'==n</p><p>tol ...... !! .., "'' ; ::</p><p>Uol 01&1 -· C7</p><p>o Ea ~~ a =g E</p><p>~</p><p>o"'</p><p>"' ..</p><p>-~--l</p><p>o "' I .... =- 11: • '</p><p>o :></p><p>o "' • ...</p><p>0:</p><p>o J .. ..</p><p>:> "' o :></p><p>o "'</p><p>" ..</p><p>I</p><p>~ .</p><p>-</p><p>c</p><p>b</p><p>o ..</p><p>61</p><p>A figura 8 procura ilustrar os três exemplos acima in</p><p>dicados. As possibilidades de outros esquemas, contudo,</p><p>não se esgotam com os exemplos selecionados.</p><p>O tema em tela constitui-se em outro assunto para pes</p><p>quisa, podendo os resultados obtidos clarificar esta comple</p><p>xa e relevante questão que envolve a rede urbana. Neste sen</p><p>tido queremos crer que o Brasil apresenta enorme riqueza</p><p>de esquemas de comercialização, onde podem estar presen</p><p>tes o pequeno comerciante atacadista-varejista, o chofer</p><p>de caminhão ou, no caso da Amazônia, do barco, a gran</p><p>de empresa industrial, o grande atacadista exportador, a</p><p>cooperativa, o Estado e os supermercados . E seguramente</p><p>as diferenças regionais do processo de comercialização de</p><p>vem ser ainda notáveis.</p><p>A drenagem da renda fundiária</p><p>Em muitas outras regiões a cidade constitui-se, em cer</p><p>to grau, em um local de consumo da renda fundiária rural.</p><p>Através do absenteísmo parcial ou</p><p>completo dos proprietá</p><p>rios rurais, especialmente os grandes, que residem no meio</p><p>urbano, parcela ponderável do valor excedente produzido</p><p>no campo é transferida para as cidades. Em muitas delas,</p><p>os bairros suntuosos, as lojas grã-finas, os restaurantes e</p><p>clubes existem, em grande parte, em razão da drenagem</p><p>da renda fundiária. A cidade tem parte de sua existência</p><p>creditada ao campo, que não é assim capitalizado.</p><p>O investimento na propriedade fundiária pelos citadi</p><p>nos é considerado como sendo próprio de uma fase pré-ca</p><p>pitalista. No entanto, tem se verificado que a proprieda</p><p>de fundiária tem atraído capitais urbanos procedentes das</p><p>mais diversas atividades, inclusive o grande capital finan</p><p>ceiro-industrial, que passa a ser aplicado em terras e ativi</p><p>dades agropecuárias. Antes de ser uma contradição no</p><p>seio do capitalismo, o investimento de capital no campo</p><p>- de onde será extraída a renda fundiária - constitui-se</p><p>62</p><p>em uma alternativa capitalista que, sob certas circunstân</p><p>cias, pode ver neste tipo de investimento um excelente ne</p><p>gócio.</p><p>Ao lado dos tradicionais proprietários ruraisabsenteís</p><p>tas, ganham cada vez mais força as grandes empresas, mui</p><p>tas delas vinculadas a poderosas corporações multifaceta</p><p>das e multilocalizadas, que têm interesses em setores tão di</p><p>ferentes como automóveis, química, construção naval, me</p><p>talurgia, bancos, construções, comércio através de cadeia</p><p>de lojas etc. E tanto podem ser empresas nacionais como</p><p>multinacionais: a terra e o investimento rural são uma alter</p><p>nativa para o capital em geral.</p><p>É de se pensar que em regiões de forte absenteísmo, es</p><p>pecialmente da parte dos proprietários rurais tradicionais,</p><p>a importância de cada cidade da rede urbana em termos</p><p>de captura da renda fundiária seja proporcional ao seu pa</p><p>pel como localidade central: maior o montante da renda</p><p>fundiária capturada, maior o nível hierárquico da cidade,</p><p>isto se devendo à importância da demanda da elite rural re</p><p>sidente na cidade no aparecimento de bens e serviços que</p><p>acab,am transformando-se. em funções centrais. Esta é, em</p><p>realidade, uma hipótese de trabalho. \.]</p><p>A questão da drenagem da renda fundiária não tem si</p><p>do muito considerada pelos cientistas sociais brasileiros.</p><p>No entanto, parece ser mais importante do que se poderia</p><p>supor, tendo não apenas um poderoso efeito econômico co~</p><p>mo também político.</p><p>Em relação aos efeitos econômicos tudo indica que a</p><p>renda fundiária drenada vai ser aplicada, em grande parte,</p><p>no setor urbano, em mansões e edifícios residenciais de lu</p><p>xo, e no consumo de bens duráveis e serviços sofisticados.</p><p>E ainda em investimentos especulativos, de natureza finan</p><p>ceira. Se considerarmos ainda que no Brasil parcela muito</p><p>significativa dos investimentos na produção agropecuária</p><p>é oriunda de créditos públicos subsidiados, e. não de recur</p><p>sos próprios, provenientes do valor excedente, constata-se</p><p>63</p><p>que a drenagem da renda fundiária para consumo urbano</p><p>é maior do que se poderia supor: pois do valor excedente</p><p>paga-se os empréstimos baratos, pouco se investindo na pro</p><p>dução do ano agrícola seguinte. Deste modo a questão da</p><p>renda fundiária e sua drenagem urbana torna-se mais dra</p><p>mática: parte dos escassos recursos públicos que poderiam</p><p>ser investidos socialmente são canalizados pela e para as eli</p><p>tes que dispõem de terras e poder.</p><p>Em relação ao efeito político, poder-se-ia supor que a</p><p>reforma agrária seria de muito interesse para os citadinos,</p><p>sendo a sua execução o resultado de uma demanda de natu</p><p>reza urbana, além de interessar a um grande contingente</p><p>de camponeses e assalariados rurais . No entanto, os interes</p><p>ses urbanos, constituídos pelos proprietários tradicionais ab</p><p>senteístas e as grandes empresas, opõem-se à reforma agrá</p><p>ria, pois a propriedade fundiária rural representa acesso</p><p>ao crédito subsidiado, fonte de renda, reserva de valor, po</p><p>der político e, o que é mais importante, é uma forma de</p><p>propriedade privada cuja extinção ou limitação de uso não</p><p>se pode permitir. Deste modo cidade e campo contêm as</p><p>classes e frações de classe que têm interesses opostos no</p><p>que se refere à propriedade da terra.</p><p>À guisa de sugestão, indicamos que o tema rede urba</p><p>na e oligarquias rurais constitui-se em importante meio atra</p><p>vés do qual é possível a compreensão de significativos as</p><p>pectos da sociedade brasileira e de sua dinâmica.</p><p>Completa-se assim o primeiro ciclo de exploração da</p><p>grande cidade sobre o campo e cidades menores. A metró</p><p>pole constitui-se no destino de parcela ponderável dos exce</p><p>dentes demográficos, produtos rurais e lucros comerciais,</p><p>e renda fundiária . O segundo ciclo caracteriza-se pelo que</p><p>aparentemente é uma exportação da grande cidade para os</p><p>centros menores e zona rural. A exportação é, em realida</p><p>de, uma condição para a extração de diversos outros valo</p><p>res excedentes, ampliando assim o processo de acumulação</p><p>e realimentando o primeiro ciclo de exploração.</p><p>64</p><p>Os investimentos de capitais</p><p>O segundo ciclo de exploração começa com o investi</p><p>mento de capitais no campo e nas pequenas cidades a par</p><p>tir dos grandes centros de acumulação que são as grandes</p><p>cidades onde tendem a se localizar as grandes empresas, al</p><p>gumas das q\l_ais constituindo segmentos de corporações</p><p>multifacetadas e com múltiplas localizações.</p><p>O investimento é feito, de um lado, diretamente atra</p><p>vés da implantação de grandes projetos agropecuários, in</p><p>dustriais ou ligados às atividades terciárias como filiais de</p><p>supermercados, lojas departamentais e bancos. De outro,</p><p>é feito indiretamente, através da participação das grandes</p><p>empresas no processo de difusão de um novo produto e</p><p>do controle qualitativo e quantitativo da produção. Isto se</p><p>faz, em muitos casos, via mediação de -instituições de assis</p><p>tência e extensão rural, bem como de financiamento bancá</p><p>rio, os quais viabilizam a difusão e adoção de sementes,</p><p>adubos, inseticidas, tratores, colheitadeiras etc.</p><p>Os investimentos realizados têm um forte impacto so</p><p>bre o campo e as cidades menores. Primeiramente criam no</p><p>vas especializações produtivas rurais e urbanas. No que se</p><p>refere às cidades, os investimentos acabam alterando a in</p><p>serção delas na rede urbana. O campo é reestruturado, sen</p><p>do afetados a estrutura fundiária, as relações de produção,</p><p>os sistemas agrícolas, a pauta dos produtos cultivados, o</p><p>habitat rural e a paisagem agrária que tende a se tornar va</p><p>zia de homens.</p><p>Em segundo lugar, os investimentos impactam sobre</p><p>as necessidades de força de trabalho no campo. A moderni</p><p>zação da agricultura cria novos excedentes demográficos</p><p>que vão realimentar o primeiro ciclo de exploração. O pro</p><p>cesso migratório torna-se intenso, sendo direcionado para</p><p>a periferia das grandes cidades, onde passa a engrossar</p><p>um exército de reserva já constituído, ou direciona-se para</p><p>a fronteira agrícola, como tem ocorrido no Brasil. Parte</p><p>65</p><p>do excedente demográfico, entretanto, passa a constituir</p><p>um exército de reserva rural-urbano, residindo na periferia</p><p>de pequenas e médias cipades da hinterlândia metropolita</p><p>na. Constitui uma força de trabalho temporário que, sobre</p><p>tudo na época da safra agrícola, realiza migrações pendula</p><p>res entre cidade e campo. A pequena e média cidade torna</p><p>se então local de concentração da força de trabalho rural:</p><p>este é um dos novos modos de inserção na rede urbana.</p><p>Hipotetiza-se então que a importância relativa das cida</p><p>des como locais de concentração da força de trabalho seja</p><p>inversamente proporcional à sua dimensão como lo.calida</p><p>de central: maior a sua hierarquia urbana, menor o seu pa</p><p>pel como reservatório de mão-de-obra rural.</p><p>Um outro impacto resultante dos investimentos da gran</p><p>de cidade no campo e em centros menores é a transferência</p><p>do poder de controle e decisão das atividades locais para a</p><p>metrópole. Esta transferência de poder se dá pela implanta</p><p>ção de filiais de empresas da grande cidade, acompanhada</p><p>em muitos casos pela falência, incorporação e satelização</p><p>funcional</p><p>de empresas locais que não apresentam condições</p><p>de competição com as grandes empresas de fora. Inclui não</p><p>apenas as atividades industriais, que poderri ser reestrutura</p><p>das, mas também as atividades comerciais e de serviços pe</p><p>la penetração de filiais bancárias, lojas departamentais, de</p><p>eletrodomésticos, supermercados, companhias de transpor</p><p>te etc. Em todos os casos a transferência significa perda</p><p>da gestão das atividades e drenagem de valores excedentes</p><p>como juros e lucros comerciais.</p><p>As pequenas cidades, e às vezes o próprio campo, trans</p><p>formam-se em locais de implantação de indústrias poluen</p><p>tes que não podem, por força de interesses urbanos, perma</p><p>necer na grande cidade. Ali são implantadas também indús</p><p>trias ditas "descentralizadas" da grande cidade. Aparente</p><p>mente o abandono da metrópole deve-se às desvantagens</p><p>decorrentes da urbanização. No entanto, trata-se de estabe</p><p>lecimentos industriais dotados de economias internas da es-</p><p>66</p><p>cala, que prescindem da presença próxima de outras indús</p><p>trias e atividades de serviços e/ ou pertencem a uma corpo</p><p>ração que redistribui sobre um vasto território suas opera</p><p>ções. A localização dessas indústrias se dá em razão da pre</p><p>sença de uma força de trabalho mais barata, via de regra</p><p>menos ativa politicamente, e que se constitui em um merca</p><p>do de trabalhq cativo.</p><p>Esta descentralização constitui-se em uma prática do</p><p>capital para reaver uma taxa de lucro - valores excedentes,</p><p>portanto - abalada por constantes investimentos na gran</p><p>de cidade. 6 A descentralização, em realidade, verifica-se</p><p>em escala internacional, reorganizando não apenas as rela</p><p>ções entre cidades e regiões, mas também entre países: nes</p><p>te sentido New York, Londres, Tóquio, Paris e outras pou</p><p>cas metrópoles mundiais são as grandes cidades e o restan</p><p>te do mundo capitalista, a região de influência.</p><p>Um ponto deve ser agora focalizado. Trata-se da tese</p><p>do papel da grande cidade como promotora do desenvolvi</p><p>mento regional ou nacional através de suas indústrias, capa</p><p>zes de criarem demandas produtivas e de consumo na re</p><p>gião, e da descentralização industrial criadora de empregos</p><p>e impostos nas cidades menores e no campo. Em resumo,</p><p>através dos pólos de desenvolvimento e de suas "indústrias</p><p>motrizes" e da difusão de inovações instaurar-se-ia o desen</p><p>volyimento, implicando eficiência e eqüidade sócio-espacial.</p><p>Iniciado por volta de 1955, em um momento de expan</p><p>são capitalista, o discurso do desenvolvimento mostrou que</p><p>não passa, decorridos mais de trinta anos, de uma ideolo</p><p>gia justificadora da internacionalização do capital.</p><p>Em realidade os investimentos de capital, ao invés de</p><p>promoverem uma homogeneização do espaço, incluindo-se</p><p>aí a eqüidade sociàl, serviram para redefinir os padrões da</p><p>diferenciação espacial, alterando-os em termos de divisão</p><p>6 Cf. PALLOIX, Christian. La internacionalización de! capital. Madrid, H.</p><p>Blume Ediciones, 1978.</p><p>67</p><p>territorial do trabalho, taxas de lucro e níveis de consumo;</p><p>em contrapartida, tendendo à homogeneização, ampliaram</p><p>mais e mais as relações capitalistas ligadas à produção e</p><p>certos valores culturais. A homogeneização completa does</p><p>paço não é compatível com o capitalismo: a dinâmica con</p><p>traditória da acumulação suscita diferentes territórios, en</p><p>tre eles novos e velhos, desiguais em termos naturais e sociais.</p><p>Os investimentos realizados no campo e nas cidades</p><p>menores pelas grandes cidades constituem condições para</p><p>uma efetiva exploração, isto é, para uma efetiva continuida</p><p>de do processo de acumulação capitalista.</p><p>A distribuição de bens e serviços</p><p>Com a expropriação dos meios de produção e de con</p><p>sumo de parcela ponderável dos camponeses, com a moder</p><p>nização da agricultura e a destruição das indústrias das pe</p><p>quenas cidades, o mundo rural e os centros menores estão</p><p>preparados para o consumo de produtos industriais e servi</p><p>ços cujas origens estão na grande cidade. Trata-se de fertili</p><p>zantes, inseticidas, arados, produtos aliméritares industriali</p><p>zados, tecidos, móveis, utilidades domésticas diversa~ e,</p><p>mais tarde, eletrodoméstico's e veículos automotores, entre .</p><p>outros; inclui-se também os serviços de educação, saúde,</p><p>bancários, contabilidade, publicidade etc. A difusão. de</p><p>um ideário urbano, capitalista em realidade, que introduz</p><p>novos valores e condiciona hábitos, ratifica e direciona a</p><p>demanda e o consumo de bens e serviços urbanos.</p><p>O papel das cidades na distribuição de bens e serviços</p><p>acentuou-se com o capitalismo. Nesta acentuação verificou</p><p>sé uma integração paulatina das cidades, originando redes</p><p>regionais e nacionais de centros. A integração foi acompa</p><p>nhada pela hierarquização das cidades, uma decorrência</p><p>dos diferenciais 'de demanda e oferta de bens e serviços.</p><p>Formaram-se então redes de distribuição de bens e serviços,</p><p>isto é, de ·localidades centrais.</p><p>68</p><p>Cqnvém lembrar que inversamente à comercialização</p><p>de produtos rurais , onde o campo está no começo do cir</p><p>cuito, recebendo pouco pelo que produz, no que diz respei</p><p>to à distribuição, os habitantes do campo, e também os</p><p>das pequenas cidades encravadas na zona rural, encontram</p><p>se no final do circuito, pagando mais caro pelos produtos</p><p>que adquirem. A rede de distribuição é assim uma rede de</p><p>extração de lucros comerciais . Vejamos como elas, num es</p><p>quema tradicional, funcionam.</p><p>O industrial da grande cidade vende seu produto a</p><p>um atacadista de uma cidade regional que, ao revendê-lo</p><p>ao comerciante varejista da pequena cidade, adiciona uma</p><p>margem de lucro ao preço pago ao industrial. O comercian</p><p>te varejista, por sua vez, adiciona a sua margem de lucro</p><p>ao realizar a venda ao consumidor final, o homem do cam</p><p>po e da pequena cidade. As extrações sucessivas de lucros</p><p>comerciais constituem, na realidade, etapas necessárias do</p><p>processo de realização do valor e da mais-valia.</p><p>A concentração da produção em poderosas indústrias</p><p>que apresentam um caráter oligopolista e a crescente inte</p><p>gração territorial via uma cada vez mais densa rede rodoviá</p><p>ria asfaltada e modernos meios de comunicações têm leva</p><p>do a mudanças na rede de distribuição. Por outro lado, a</p><p>concentração no setor terciário produziu grandes empresas ,</p><p>muitas das quais organizadas em cadeias de lojas, e todas</p><p>realizando operações de compra em larga escala. Todas es</p><p>tas transformações - na produção, circulação e distribui</p><p>ção - levaram à progressiva eliminação do atacadista da</p><p>cidade regional, alterando assim a rede urbana.</p><p>Assim, grandes empresas que produzem bens cujo con</p><p>sumo é muito freqüente, implicando a alta rotatividade dos</p><p>estoques das lojas - artigos de limpeza e higiene pessoal,</p><p>alimentos em conserva, entre outros -, possuem filiais de</p><p>:venda.em centros metropolitanos regionais como Porto Ale</p><p>gre, Belo Horizonte, Salvador e Recife. Deles partem perio</p><p>dicamente viajantes que, com itinerários prefixados , reali-</p><p>69</p><p>zam a renovação dos estoques das lojas . Os pedidos são ex</p><p>pedidos das metrópoles para a rede da empresa industrial;</p><p>as mercadorias são encaminhadas da fábrica ou de um de</p><p>pósito central diretamente para o varejista.</p><p>Ao se eliminar o atacadista introduz-se alterações na</p><p>estrutura funcional das cidades regionais. Entretanto, o co</p><p>merciante atacadista pode permanecer em razão da existên</p><p>cia de um amplo setor varejista que não dispõe de éscala su</p><p>ficiente para realizar compras diretamente dos grandes fa</p><p>bricantes: estes exigem um mínimo de valor ou volumes</p><p>comprados em cada transação comercial. Justifica-se então</p><p>a existência de atacadistas para os pequenos varejistas: al</p><p>guns tornaram-se poderosos, como se exemplifica com as</p><p>firmas Alô Brasil, de Goiânia, e Martins, de Uberlândia,</p><p>qqe atuam em vasta área do território nacional.</p><p>As redes de localidades centrais que se estabeleceram</p><p>no Brasil fornecem um rico e variado conjunto de padrões</p><p>espaciais e modelos funcionais de distribuição de bens e ser</p><p>viços. Padrões e modelos onde coexistem as formas mais</p><p>modernas de distribuição</p><p>ao lado das mais tradicionais: fi</p><p>liais regionais de vendas das grandes indústrias, atacadistas</p><p>decadentes ou prósperos, representantes comerciais, cadeias</p><p>de lojas departamentais- especializadas ou de supermerca</p><p>dos - a "feira" - entendida como mercado periódico</p><p>- o "regatão" da Amazônia, e a pequena loja especializa</p><p>da ou que de tudo vende um pouco etc. Os diversos padrões</p><p>e modelos traduzem as diferentes estratégias e possibilida</p><p>des de realização efetiva do valor e da mais-valia, tendo</p><p>em vista a variabilidade no espaço da demanda efetiva, re</p><p>sultante, em última instância, de combinações distintas de</p><p>densidade demográfica, nível de renda e padrões culturais.</p><p>As diferenças existentes, que vão traduzir-se em várias</p><p>redes de distribuição atuando com base em uma mesma re</p><p>de urbana, constituem uma temática extremamente signifi</p><p>cativa para pesquisas, com o propósito de contribuir para</p><p>a compreensão da complexa rede urbana brasileira e seu pa-</p><p>70</p><p>pel no processo de acumulação capitalista e de reproqução</p><p>dos diferentes grupos sociais.</p><p>A difusão de valores e ideais</p><p>A grande cidade desempenha ainda o papel de centro</p><p>difusor de idéias e valores capitalistas. A finalidade última</p><p>desta difusão é a de criar condições de reprodução de to</p><p>do o sistema social. Trata-se de um ideário, transformado</p><p>em iqeologia, por meio do qual difundem-se idéias e valo</p><p>res que são apresentados corrio modernos, urbanos, senão</p><p>metropolitanos, e cosmopolitas.</p><p>Justifica-se assim a modernização do campo, a implan</p><p>tação de filiais das grandes empresas nacionais e multinacio</p><p>nais no país, o papel crescente do Estado capitalista, e o ca</p><p>ráter natural - fora do controle social, portanto - da ex</p><p>ploração e das diferenças sócio-espaciais; os conflitos sociais</p><p>são minirnizados ou solucionados, e as notícias selecionadas.</p><p>· As redes nacionais de televisão constituem um bom</p><p>exemplo, senão o melhor, dos veículos através dos quais di</p><p>funde-se todo um ideário urbano-capitalista. Estas redes es</p><p>tão centralizadas nas duas maiores cidades do país, Rio de</p><p>J aneir'o e São Paulo, . estando estruturadas de acordo com</p><p>os principais escalões da rede urbana brasileira - as metró- .</p><p>poles regionais e as capitais regionais.</p><p>Eis o segundo ciclo de exploração da grande cidade so</p><p>bre o campo e cidades menores. A acumulação de diversos</p><p>valores excedentes na grande cidade enseja novos investimen</p><p>tos de capital, reiniciando-se assim, via rede urbana, os ci</p><p>clos da exploração e a aparente perpetuação do sistema social.</p><p>Rede urbana e forma espacial</p><p>·A rede urbana pode ser considerada como uma for</p><p>ma espacial através da qual as funções urbanas se realizam.</p><p>71</p><p>Estas funções- comercialização de produtos rurais, produ</p><p>ção industrial, vendas vareji?tas, prestação de serviços di</p><p>versos etc. - reportam-se aos processos sociais, dos quais</p><p>a criação, apropriação e circulação do valor excedente cons</p><p>titui-se no mais importante; ganhando características especí</p><p>ficas na estrutura capitalista. Em outros termos, estrutura,</p><p>processo, função e forma são, conforme aponta Milton San</p><p>tos, categorias de análise da realidade social, devendo ser</p><p>consideradas no estudo da rede urbana. 7</p><p>A conexão entre estrutura, processo , função e rede ur</p><p>bana, enquanto forma espacial, diz respeito não apenas ao</p><p>presente, mas também ao passado através de suas "rugosida</p><p>des". A força de inércia da forma espacial criada no passa</p><p>do, especialmente em virtude de uma certa flexibilidade fun</p><p>cional das cidades, exerce um papel marcante nas redes urba</p><p>nas criadas no bojo de outros modos de produção, ou de fa</p><p>ses distintas do capitalismo. Deste modo é necessário que</p><p>se tenha cautela quando consideramos a rede urbana enquan</p><p>to forma espacial. Processo e forma implicam relações que</p><p>podem ser complexas, iludindo o pesquisador. Formas seme</p><p>lhantes podem ser originadas de processos distintos: neste</p><p>sentido, se do processo pode-se inferir qual a forma resultan</p><p>te, o inverso não é verdadeiro, pois uma dada forma pode</p><p>ser originada de diferentes processos, como lembra Olsson. 8</p><p>Vejamos que formas espaciais a rede urbana pode assu</p><p>mir e qual o significado delas. Assume formas simples e</p><p>complexas, isto não implicando uma necessária evolução</p><p>das primeiras para as segundas.</p><p>A rede dendrítica</p><p>A rede dendrítica é a forma espacial mais simples de</p><p>rede urbana. Segundo Johnson, entre outros, a rede dendrí-</p><p>7 Espaço e método. São Paulo, Nobel, 1985.</p><p>s OLSSON, Gunnar. The dialectics of spatial analysis. Antipode, 6 (3), 1974.</p><p>72</p><p>tica caracteriza-se primeiramente pela sua origem colonial,</p><p>ou seja, é no âmbito da valorização dos territórios conquis</p><p>tados pelo capital europeu que nasce e se estrutura uma re</p><p>de dendrítica. Seu ponto de partida é a criação de uma cida</p><p>de estratégica e excentricamente localizada face a uma futu</p><p>ra hinterlândia. Esta cidade, de localização junto ou próxi</p><p>mo ao mar, é o ~onto inicial de penetração e conquista do</p><p>território à sua retaguarda, e sua porta de entrada e saída.</p><p>Desde o início concentra as principais funções econô</p><p>micas e políticas da hinterlândia, transformando-se em um</p><p>núcleo desmesuradamente grande em relação aos demais</p><p>centros que controla. É uma "cidade primaz".</p><p>A cidade primaz concentra a maior parte do comércio</p><p>atacadista exportador e importador, através do qual toda</p><p>.a região vê viabilizada a sua participação na divisão interna</p><p>cional do trabalho. Concentra assim a maior parte da ren</p><p>da bem como a elite regional de raízes fundiária e mercan</p><p>til. Principal mercado de trabalho urbano, transforma-se</p><p>no mais importante foco das correntes migratórias de desti</p><p>no urbano.</p><p>Em segundo lugar, a rede dendrítica caracteriza-se pe</p><p>lo excessivo número de pequenos centros, pequenos pontos</p><p>de-venda indiferenciados entre si no que se refere ao comér</p><p>cio varejista. Resulta esta característica do baixo nível de</p><p>demanda da população e de sua limitada mobilidade espa</p><p>cial, advinda em parte da precariedade das vias e meios de</p><p>transporte.</p><p>A ausência de centros intermediários intersticialmente ·</p><p>localizados constitui-se em sua terceira característica. Deri</p><p>va ela do padrão de interações comerciais atacadistas mar</p><p>cado por múltiplas transações onde cada pequeno centro re</p><p>cebe de e envia para um núcleo maior e mais próximo da</p><p>cidade primaz. As interações assim direcionadas impedem</p><p>o aparecimento de centros intermediários intersticialmente</p><p>localizados. Tal padrão espacial de interações constitui, por</p><p>outro lado, um esquema de drenagem de recursos em geral,</p><p>73</p><p>o qual privilegia parcialmente a cidade primaz em detrimen</p><p>to de sua hinterlândia. Em realidade, à medida que se afas</p><p>tam da cidade primaz, os centros urbanos diminuem grada</p><p>tivamente de tamanho populacional, valor de vendas do co</p><p>mércio atacadista, serviços e em termos de expressão políti</p><p>ca. A figura 9 descreve diagramaticamente as característi</p><p>cas acima mencionadas.</p><p>É no interior remoto da hinterlândia da cidade primaz</p><p>que se localizam os mercados periódicos . Mais além ainda</p><p>o território transforma-se no campo de ação preferencial</p><p>de mascates, vendedores itinerantes sem localização defini</p><p>da, cuja função básica é a de promover a integração de</p><p>áreas da fronteira econômica ao mercado mundial. E, na</p><p>medida em que a área remota integra-se à economia mun</p><p>dial de modo mais sólido, os mascates passam a ter uma lo</p><p>calização mais definida, quer em mercados periódicos,</p><p>quer em mercados permanentes. Ou então deslocam-se pa</p><p>ra novas áreas de fronteira onde continuam a exercer o</p><p>mesmo papel (ver o artigo de PLATTNER, S. M. in SMITH,</p><p>C. A., 1976).</p><p>Um. dos melhores exemplos de rede dendrítica foi aque</p><p>le da rede urbana da Amazônia no período áureo da borra</p><p>cha, 1890-1910 aproximadamente. Como cidade primaz,</p><p>primeiro núcleo criado pelos portugueses, estava Belém,</p><p>ponto de conquista e portão da Amazônia. A rede urbana</p><p>regional não era, em realidade, nada mais que a forma es</p><p>pacial do sistema</p><p>de comercialização da borracha, sistema</p><p>controlado pelas firmas de Belém. O comércio realizado pe</p><p>los "regatões", forma fluvial de mascate, tinha a função</p><p>de integrar os mais longínquos vales à rede comandada pe</p><p>la capital paraense.</p><p>Na verdade, são muitos os exemplos de redes urbanas</p><p>regionais que no Brasil foram inicialmente estruturadas co</p><p>mo redes dendríticas. As de São Luís, Recife, Salvador e Rio</p><p>de Janeiro são exemplos. A excentricidade locacional destas</p><p>cidades primazes constitui-se em uma notável "rugosidade".</p><p>74</p><p>w</p><p>o</p><p>w</p><p>a::</p><p>cn</p><p>w</p><p>...J</p><p>a.</p><p>~</p><p>cn</p><p>• z:</p><p>• ..</p><p>"' ::></p><p>•</p><p>...</p><p>• •</p><p>0: ...</p><p>o</p><p>c</p><p>o</p><p>-</p><p>o</p><p>..</p><p>o</p><p>"' 'é</p><p>.. o</p><p>~ = "' .. ..</p><p>z ..</p><p>"' z o -</p><p>"' ~</p><p>z</p><p>"' ...</p><p>~ .</p><p>.J ></p><p>"' ::> ...</p><p>o ..</p><p>"' ..</p><p>z • ...</p><p>o ></p><p>..</p><p>o</p><p>"' ::></p><p>.J ..</p><p>o ••</p><p>~</p><p>"' a:</p><p>õ</p><p>o</p><p>75</p><p>A passagem de uma rede dendrítica, estrutural e fun</p><p>cionalmente simple!), para uma mais complexa, pressupõe</p><p>uma maior complexidade na esfera da produção, circulação</p><p>e consumo, com a coleta e distribuição intra-regional de</p><p>produtos da própria hinterlândia da cidade primaz. Pressu</p><p>põe, em outros termos, o aparecimento de uma divisão in</p><p>tra-regiçmal do trabalho capaz de romper o caráter unidire</p><p>cional dos fluxos vinculados à produção regional.</p><p>Redes complexas</p><p>As redes urbanas com formas espaciais complexas apre</p><p>sentam um complexo padrão locacional de centros. Este in</p><p>clui localizações à confluência de rios, como é o caso da re</p><p>de dendrítica, no contato de áreas distintas no que se refe</p><p>re às condições ecológicas e à produção - como se exem</p><p>plifica com as cidades da "boca da mata" ou que formam</p><p>um alinhamento de centros no sopé de montanha, em fun</p><p>dos de estuário ou junto a recursos naturais de ocorrência</p><p>concentrada.</p><p>As cidades podem também estar, em grande parte, dis</p><p>tribuídas regularmente em uma ampla, fértil e densamente</p><p>ocupada planície. Neste sentido o padrão espacial christalle</p><p>riano de centros é uma possibilidade efetiva, podendo ca</p><p>racterizar, no todo ou em parte, a forma espacial da rede</p><p>urbana. A localização das cidades pode se dar ainda em</p><p>torno de um centro metropolitano, originando, através do</p><p>mecanismo de economias de aglomeração, uma concentra</p><p>ção urbano-industrial.</p><p>Os diversos padrões locacionais coexistentes em uma</p><p>rede urbana resultam de um longo e diversificado proces</p><p>so de criação e recriação de atividades produtivas. Este pro</p><p>cesso originou, em numerosos pontos do território, uma</p><p>complexa rede de centros onde se realizam diferentes fun</p><p>ções urbanas em um multivariado processo de criação, apro</p><p>priação e circulação do valor excedente: o território partici-</p><p>76</p><p>o</p><p>(.)</p><p>I-</p><p>'W</p><p>I-</p><p>o</p><p>a..</p><p>:C</p><p>o</p><p>_J</p><p>a..</p><p>::;;:</p><p>w</p><p>> "" z</p><p>111 o "" " õ ... .. ...</p><p>~</p><p>~ O o~ ~</p><p>0: o</p><p>•c ... z c !:: IC .,</p><p>o .. o ..J</p><p>; 0: z o 0: ... .. oli1 IC "' :::; > 0: .. ... :0: z .. z l</p><p>entre eles, e das ar</p><p>ticulações com espaços externos ao da rede.</p><p>Cada um dos elementos considerados pode assumir</p><p>uma certa especificidade em cada uma das combinações es</p><p>paço-temporais que participa. Assim, a localização relati</p><p>va de uma cidade pode ter um significado especifico no mo</p><p>mento de sua criação, e outro em um momento posterior.</p><p>O mesmo se pode dizer do sítio. As diferentes especificida</p><p>des combinadas dos mesmos elementos, por outro lado, de</p><p>finem os diversos momentos da rede urbana. Assim, um da</p><p>do momento pode ser caracterizado pela importância das</p><p>cidades ribeirinhas e comerciais, enquanto, no momento se</p><p>guinte, pela magnitude dos centros localizados em terra fir</p><p>me e dotados de outras funções. As cidades do momento</p><p>anterior continuam a existir, porém situam-se em um pla</p><p>no secundário no que se refere ao papel econômico e políti</p><p>co que desempenham.</p><p>O exemplo da Amazônia</p><p>Vejamos agora uma tentativa efetiva de periodização</p><p>T~at~-.se da r~de urbana da Amazônia, que apresenta um~</p><p>hist?na r~lativamente longa, tendo sido recentemente sub</p><p>metida a Importantes processos sociais que têm alterado a</p><p>sua natureza e sjgnificado.</p><p>A dinâ_mica da, rede urbana da Amazônia envolve, des</p><p>d,e a sua ongem ate pelo menos a década de 1980 sete pe-</p><p>nodos.IO '</p><p>O primeiro inicia-se com a fundação de Belém pelos</p><p>portugueses, ~m~ 16~6. Trata-se de uma criação urbana que</p><p>antecede a existencia da hinterlândia: a cidade nasce para</p><p>ser um p~nto de defesa do território face às pretensões de</p><p>o~tros par~es e, em breve, o centro de conquista do que se</p><p>ra a sua hmterlândia.</p><p>_ A função defensiva traduz-se, de um lado, pela cria</p><p>çao do Forte do Presépio, à sombra do qual nasce a cida</p><p>de_. De outro pelo sítio original, sobre um promontório li</p><p>mitado p~!o Rio Guamá, a Baía de Guajará e uma baixa</p><p>da alagadiça.</p><p>A_ localização da cidade, próxima à foz do Amazonas</p><p>garantia-lhe o controle defensivo do litoral e do vale · '</p><p>mesmo ~emp? q~e viabilizava o futuro controle econÔ~~</p><p>c~ da hmterlandi~ que, a partir dela, seria valorizado: na</p><p>decada de 1630 cnam-se os núcleos de Bragança e Cametá</p><p>, O seg~ndo período estende-se de 1655 a cerca de 1750.</p><p>e_ e caractenzado pela existência de fortins, aldeias missioná:</p><p>nas e as "drogas do sertão", produtos do extrativismo ve</p><p>getal valorizados no mercado europeu. Neste período esta</p><p>belecem-se as · bases do segmento da rede urbana localiza</p><p>~o sobretudo no médio vale do Amazonas: os núcleos loca</p><p>hz~m-se sobre um terraço a salvo das cheias fluviais e jun</p><p>to a foz de um afluente do grande rio.</p><p>R</p><p>lO C~. CORRÊ·A'. Roberto L. A periodização da rede urbana da Amazônia I</p><p>evtsta Brastletra de Geografia, 49 (3), 1987. ·</p><p>81</p><p>Os agentes principais eram as ordens religiosas, espe</p><p>cialmente a dos jesuítas, que organizaram a vida econômi</p><p>ca e social apoiada na hábil exploração do trabalho indíge</p><p>na e no sistema de "aviamento", isto é, o financiamento,</p><p>através dos meios de vida e de trabalho, da extração das .</p><p>"drogas do sertão".</p><p>O terceiro período estende-se de 1755 a 1778, e foi</p><p>marcado pela ação da Companhia do Grão-Pará e Mara</p><p>nhão, uma companhia mercantil monopolista criada sob.</p><p>os auspícios e interesses do Marquês de Pombal, primeiro-</p><p>ministro português.</p><p>o poder dos missionários é substituído pelo da com-</p><p>panhia que introduziu o trabalho escravo, doou terras aos</p><p>colonos e estimulou a agricultura comercial de cacau, ca</p><p>fé, fumo, anil ebaunilha. Em relação aos núcleos de po</p><p>voamento, as aldeias missionárias foram transformadas</p><p>em vilas e redenominadas com nomes portugueses, Alen</p><p>quer, Aveiro, Faro, Óbidos e Santarém, entre outros. Trans</p><p>fere-se a capital do Estado do Grão-Pará e Maranhão de</p><p>São Luís para Belém, e cria-se a Capitania de São José</p><p>do Rio Negro, base do atual Estado do Amazonas, com</p><p>capital em Barcelos, no então próspero e agrícola Vale do</p><p>Rio Negro.</p><p>A rede urbana dendrítica já está estruturada e a posi-</p><p>ção de Belém como cidade primaz se vê ratificada.</p><p>O quarto período estende-se do final do século XVIII</p><p>a aproximadamente 1850. Caracteriza-se pela estagnação</p><p>da vida urbana como conseqüência, de um lado, da extin</p><p>ção da companhia pombalina e, de outro, e sobretudo, do</p><p>panorama desfavorável aos produtos tropicais na Europa.</p><p>A decadência econômica do Vale do Rio Negro leva à trans</p><p>ferência da capital da Capitania de São José do Rio Negro</p><p>de Barcelos para o Lugar da Barra, a atual cidade de Ma</p><p>naus, que apresenta uma melhor posição geográfica. A re</p><p>de urbana dendrítica está cristalizada, e no período seguin</p><p>te seria revitalizada e ampliada.</p><p>82</p><p>O período que se estende de 1850 a 1920 corresponde</p><p>ao boom da borracha, implicando importante fase de desen</p><p>volvimento da rede urbana. Isto só foi possível, contudo,</p><p>porque a partir de 1850 foram satisfeitas algumas condi</p><p>ções necessárias à valorização regional: a forte e crescente</p><p>demanda externa da borracha, a introdução da navegação</p><p>a vapor, a imigração nordestina cobrindo a forte lacuna</p><p>de mão-de-obra, e a oferta de capitais para o financiamen</p><p>to da produção.</p><p>O aumento da produção extrativa de borracha levou</p><p>à expansão da rede urbana, ao revigoramento dos núcleos</p><p>urbanos preexistentes, e à intensificação, via mecanismo</p><p>de "aviamento", das relações espaciais focalizadas nascida</p><p>des.</p><p>A expansão da rede urbana foi fruto da incorporação</p><p>efetiva de novos territórios como aqueles dos vales do Ma</p><p>deira, Purus e Juruá. Os novos núcleos nasceram junto à</p><p>confluência de afluentes e subafluentes do Amazonas e</p><p>eram, em sua maioria, sedes de seringais: Manicoré, Boca</p><p>do Acre, Xapuri, Tarauacá e, entre elas, a cidade de Rio</p><p>Branco, capital do Acre . Porto Velho, capital de Rondônia,</p><p>é criada como "ponta de trilho" da Estrada de Ferro Ma</p><p>deira-Mamoré .</p><p>O revigoramento urbano foi notável. Cidades como</p><p>Santarém, Óbidos, ltacoatiara e Parintins, todas no mé</p><p>dio vale do Amazonas, passaram por período de relativa</p><p>riqueza. O florescimento de Manaus, elevada à condição</p><p>de capital da Província do Alto Amazonas em 1852, foi</p><p>digno de nota. No período áureo da borracha chegou mes</p><p>mo a opor uma certa resistência à primazia de Belém. Es</p><p>ta, contudo, é, por volta de 1900, o grande centro regio</p><p>nal: em função de suas necessidades alimentares implan</p><p>ta-se uma colonização em terra firme, à retaguarda ime</p><p>diata da cidade, que se constituiu na base de um segmen</p><p>to da rede urbana amazônica, aquele das cidades da zo</p><p>na bragantina.</p><p>83</p><p>A intensificação das relações entre os núcleos urbanos,</p><p>via mecanismo de "aviamento", tornou mais coesa a rede</p><p>urbana. O sistema em questão iniciava-se pelo adiantamen</p><p>to, pelas firmas "aviadoras" de Belém e Manaus, de bens</p><p>de consumo e instrumentos de trabalho a um comerciante</p><p>menor localizado em um pequeno núcleo urbano. O comer</p><p>ciante, por sua vez, fornecia esses bens ao seringalista, pro</p><p>prietário de um "barracão", local onde eram armazenados</p><p>os produtos importados, a borracha, e onde se faziam as</p><p>transações entre seringalista e seringueiro . O primeiro adian</p><p>tava ao segundo os produtos vindos de fora, de modo que</p><p>fosse viável a extração da borracha na floresta.</p><p>A este fluxo descendente seguia~se outro, ascendente,</p><p>da borracha: do interior da floresta p~ra o "barracão'", daí</p><p>para o comerciante da pequena cidade, e desta para Belém</p><p>ou Manaus, de onde a borracha era expedida para o exterior.</p><p>O sistema de "aviamento", que na verdade era o pró</p><p>prio funcionamento da rede dendrítica, constituía-se em</p><p>um mecanismo de drenagem de recursos graças às elevadas</p><p>margens de lucro envolvidas nas transações comerciais. Os</p><p>grandes beneficiários eram, no tocante à Amazônia, a sua</p><p>cidade primaz e, secundariamente, Manaus. O fastígio que</p><p>ambas passaram é o resultado da cristalização dos recursos</p><p>provenientes deste sistema de exploração sob a forma de</p><p>prédios e obras públicas suntuosas: a rede dendrítica tinha</p><p>atingido então a sua plenitude.</p><p>Entre 1920 e 1960, aproximadamente, instala-se, em</p><p>decorrência</p><p>da competição asiática na produção de borra</p><p>cha, o sexto período, marcado pela estagnação econômica</p><p>e da rede urbana. Apenas as cidades do médio vale amazô</p><p>nico, graças à cultura da juta introduzida na década de</p><p>1930 por colonos japoneses, apresentam uma certa riqueza.</p><p>A cidade de Belém, contudo, ratifica e amplia a sua prima</p><p>zia, minimizando a competição que Manaus lhe fazia. O pe</p><p>ríodo em tela, por outro lado, marca o fim do padrão den</p><p>drítico da rede urbana regional.</p><p>84</p><p>O período que se inicia por volta de 1960 implicou</p><p>um poderoso processo de mudança da rede urbana da Ama</p><p>zônia, alterando a sua natureza e significado, e redefinin</p><p>do o papel da região na divisão territorial do trabalho, atra</p><p>vés de sua incorporação ao processo geral de expansão ca</p><p>pitalista no país.</p><p>Não se trata mais da valoriz(l.ção de um ou outro pro</p><p>duto no mercado internacional. Trata-se, isto sim, de uma</p><p>efetiva integração que tem raízes e reflexos em todo o país.</p><p>O montante de capital investido - rodovias, aeroportos,</p><p>usinas hidroelétricas, fábricas etc. - , o volume da força</p><p>de trabalho que para lá se desloca e a apropriação de ter</p><p>ras pelas grandes empresas transformaram a Amazônia na</p><p>"fronteira do capital". E isto acompanhado pela maciça</p><p>atuação do Estado capitalista através de planos e institui</p><p>ções que, de modo complementar, viabilizavam a integra</p><p>ção capitalista da região: PIN (Plano de Integração Nacio</p><p>nal), Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma</p><p>Agrária), Radam (Projeto Radar da Amazônia), Suframa</p><p>(Superintendência da Zona Franca de Manaus), Getat (Gru</p><p>po Executivo de Terras do Araguaia e Tocantins) e agora o</p><p>chamado Projeto Calha Norte.</p><p>Os efeitos sobre a rede urbana têm sido gigantescos:</p><p>a ratificação da urbanização concentrada, a ascensão de</p><p>Manaus à categoria metropolitana, o revigoramento dos</p><p>centros antigos e a criação de novos núcleos.</p><p>De 1960 para 1980 a população urbana regional ascen</p><p>de muito: representando 37,740Jo em 1960, passa a congre</p><p>gar 51,6% do efetivo total. Dois terços do crescimento ur</p><p>bano foram devidos ao crescimento das cidades capitais</p><p>- Belém, Manaus, Porto Velho, Rio Branco, Macapá e</p><p>Boa Vista- que, se concentravam 62,1 OJo da população ur</p><p>bana regional em 1960, congregavam em 1980 64,3%. O</p><p>crescimento das cidades capitais reflete, de um lado, a cria</p><p>ção de novas atividades urbanas pelo Estado e pelas empre</p><p>sas privadas e, de outro, a profunda decadência e transfor-</p><p>85</p><p>mação das atividades agropecuárias e extrativas vegetais</p><p>de algumas áreas da Amazônia, como a zona bragantina,</p><p>a Ilha de Marajó e parte do território acreano: correntes</p><p>migratórias de natureza rural-urbana acabam produzindo</p><p>favelas nas cidades.</p><p>A urbanização concentrada revalorizou a cidade de</p><p>Manaus. Sua industrialização criou condições para seu enor</p><p>me crescimento demográfico e econômico, alçando-a à con</p><p>dição de metrópole regional da Amazônia Ocidental. Des</p><p>te modo a primazia de Belém foi rompida e a região dividi-</p><p>da em duas áreas de influência metropolitana. .</p><p>Numerosos núcleos estagnados pela decadência da bor</p><p>racha foram revigorados. Entre eles estão aqueles beneficia</p><p>dos pela colonização em suas p·roximidades, como se exem</p><p>plifica com Porto Velho e Ji-Paraná em Rondônia. Outros</p><p>foram beneficiados pela proximidade de grandes projetos</p><p>como se exemplifica com Tucuruí. Cidades como Marabá</p><p>Altamira, Itaituba e Humaitá constituem exemplos de u~</p><p>vigoroso rejuvenescimento: nenhuma delas é ribeirinha ao</p><p>Amazonas, sendo servidas pela rodovia Transamazônica.</p><p>O padrão dendrítico está assim alterado.</p><p>A alteração do padrão dendrítico se dá também pela</p><p>criação de novos núcleos de povoamento que, em sua maio</p><p>ria , não são ribeirinhos, mas localizados no "centro"</p><p>em terra firme. Muitos deles resultam do processo de valo~</p><p>rização fundiária e pastoril que, sobretudo na parte orien</p><p>tal do Pará, criou a necessidade de abrigar a força de tra</p><p>balho rural, os "peões", em núcleos urbanos e semi-urba</p><p>nos: Mãe do Rio, Vila Aurora, Dom Eliseu, Rio Maria e</p><p>Xinguara, entre outros. Vários dos novos núcleos são "cur</p><p>rutelas", acampamentos de garimpeiros, como se exempli</p><p>fica com o de Piriquitos no Rio Madeira, ou aglomerados</p><p>vinculados às empresasmineradoras como as dos grupos</p><p>Brascan, British Petroleum, Itaú e Paranapanema. Serra</p><p>Pelada é, sem dúvida, o maior e o mais conhecido destes</p><p>núcleos.</p><p>86</p><p>Os grandes projetos de mineração foram também res</p><p>ponsáveis pela criação de novos centros. Trata-se de verda</p><p>deiras company towns, cidàdes onde tudo pertence e é con</p><p>trolado por uma empresa: Porto Trombetas, da Mineração</p><p>Rio Norte S.A., Monte Dourado, do denominado Projeto</p><p>Jari, e Carajás, da Companhia Vale do Rio Doce S.A., são</p><p>os m~lhores exemplos. Alguns desses núcle9s possuem seus</p><p>anexos, livres ou menos controlados - Beiradão, junto a</p><p>Monte Dourado, e Parauapebas, próximo a Carajás, são</p><p>bons exemplos .</p><p>. Finalmente novos núcleos foram criados como centros</p><p>de apoio à colonização agrícola que se realiza próximo. Ja</p><p>ru e Colorado, em Rondônia, são dois deles, enquanto Pre</p><p>sidente Médici; na Transamazônica, é outro.</p><p>As transformações que se verificaram na rede urbana</p><p>amazônica ainda estão em curso, pois a "fronteira do capi</p><p>tal" ainda não se esgotou. Mas já se traduziram em uma</p><p>maior complexidade funcional dos centros e dos fluxos, en</p><p>volvendo intensificação, variedade de tipos e multidireciona</p><p>mentos.</p><p>O padrão espacial da rede dos anos 80 não é mais den</p><p>drítico. É também complexo, resultante da acumulação de</p><p>padrões que foram ora superimpostos ora justapostos. Mas,</p><p>como se viu, não é resultante de um processo aleatório.</p><p>Através da periodização da rede urbana pode-se apreen</p><p>der a dimensão genético-evolutiva da totalidade social, que</p><p>é uma dimensão básica da realidade, vinculada ao seu mo</p><p>vimento de transformaçao.</p><p>4</p><p>À guisa de conclusão</p><p>A realidade é sempre mais rica que- as nossas teorias.</p><p>Neste sentido o que foi apresentado no decorrer do capítu</p><p>lo anterior constitui-se em uma simplificação que não dá</p><p>conta da realidade, isto é, das diferentes singularidades atra</p><p>vés das quais a totalidade social se manifesta. À guisa de</p><p>conclusão apresentam-se algumas proposições que derivam</p><p>do que foi apresentado no último capítulo. Se efetivamen</p><p>te estudos empíricos forem realizados a partir delas, então</p><p>as proposições terão sido plenamente justificadas.</p><p>Entendemos ser a rede urbana o conjunto funcional</p><p>mente articulado de centros, que se constitui na estrutura</p><p>territorial onde se verifica a criação, apropriação e circula</p><p>ção do valor excedente. A compreensão da singularidade</p><p>de cada uma das redes urbanas - comandadas pelas metró</p><p>poles ou capitais regionais, no processo de criação, apropria</p><p>ção e circulação do valor excedente - deve ser o objetivo</p><p>mais geral dos estudos de casos: tais estudos não são senão</p><p>a procura do entendimento de uma singularidade enquan</p><p>to especificação da totalidade, e uma fonte de compreensão</p><p>desta mesma totalidade social.</p><p>Não devem ser · os estudos de casos uma apologia de</p><p>senvolvimentista que autonomiza a cidade conferindo-lhe</p><p>88</p><p>o papel de transfoimadora da sociedade. Também não de</p><p>ve ser objetivo, agora no final do século XX, constatar se</p><p>a cidade cabeça da rede urbana é "parasita" ou "criado</p><p>ra" de sua hinterlândia: porque isto, via de regra, pressu</p><p>põe a aceitação do reverso da medalha, isto é, a aceitação</p><p>do papel do planejamento do Estado capitalista em criar so</p><p>luções via, por exemplo, os pólos de desenvolvimento ou</p><p>as denominadas cidades de porte médio. Soluções que nun</p><p>ca foram soluções. Uma alternativa que nos parece válida,</p><p>mas que não será considerada na presente proposta, é a</p><p>de estabelecer as conexões entre a rede urbana e o movimen</p><p>to operário, tal como Moreira procura fazer.</p><p>Vamos especificar um pouco mais a proposta. Conside</p><p>ramos ser necessário que se aprenda a gênese e a dinâmica</p><p>da rede urbana, abordando:</p><p>(a) as condições externas</p><p>e internas da criação, apro</p><p>priação e circulação do valor excedente, suas mu</p><p>danças e as condições presentes;</p><p>(b) os diferentes agentes sociais que participam do pro</p><p>cesso acima indicado, e o papel mutável de cada</p><p>um deles;</p><p>(c) o processo de articulação e rearticulação intra e in</p><p>ter-regional;</p><p>( d) a forma inicial da rede urbana e sua funcionalida</p><p>de, bem como as mudanças verificadas;</p><p>(e) as conseqüências econômicas, sociais e políticas, a</p><p>cada momento, do modo como a rede urbana fun</p><p>ciona.</p><p>Com isto em mente, é possível então analisar o proces</p><p>so migratório, a comercialização dos produtos rurais e a</p><p>drenagem da renda fundiária; a análise dos investimentos,</p><p>a distribuição de bens e serviços e a difusão de valores e</p><p>idéias são também temas relevantes para serem abordados,</p><p>complementando o primeiro conjunto de temas indicados.</p><p>As nossas proposições tornam-se agora mais concretas,</p><p>indicando-se um conjunto de redes urbanas comandadas</p><p>j</p><p>r</p><p>89</p><p>tanto por metrópoles como por capitais regionais. São indi-</p><p>. cadas com base nas características internas de cada uma</p><p>em termos de épocas e processos distintos de valorização</p><p>econômica. Admite-se que expressem diferentes padrões</p><p>de participação no processo de criação, apropriação e circu</p><p>lação do valor excedente.</p><p>As redes urbanas de nível metropolitano que se indi</p><p>ca são as seguintes: Belém, Curitiba, Goiânia e Fortaleza.</p><p>Aquelas comandadas por capitais regionais são, entre tan</p><p>tas outras, as de Bagé, Caxias do Sul, São José do Rio Pre</p><p>to, Montes Claros, Caruaru, Mossoró e Porto Velho·.</p><p>Em segundo lugar sugere-se o estudo comparativo de</p><p>duas redes urbanas comandadas por capitais regionais. Es</p><p>tas redes devem ser diferentes no que se refere ao conteú</p><p>do social e econômico de suas hinterlândias ou ao momen</p><p>to em que foram criadas. Em ambos os casos procurar-se-á</p><p>identificar a natureza e o significado destas diferenças. Al</p><p>guns pares são a seguir indicados: Piracicaba e Jequié, Ma</p><p>rília e Sobral, Campos e Cascavel, Lages e Imperatriz.</p><p>Esperamos que os resultados dos estudos a serem reali</p><p>zados a partir destas proposições permitam uma maior com</p><p>preensão da natureza e significado da rede urbana brasileira.</p><p>5</p><p>Vocabulário crítico</p><p>Divisão territorial do trabalho: as atividades humanas acham</p><p>se distribuídas sobre a superfície da Terra de modo que</p><p>cada unidade territorial - país, região, cidade - espe</p><p>cializa-se em uma dada atividade que a distingue de ou</p><p>tras. A região cacaueira da Bahia, o Com Belt norte-a</p><p>mericano, ou o Vale do Ruhr, na Alemanha Ocidental,</p><p>são exemplos de áreas especializadas derivadas da divi</p><p>são territorial do trabalho. É uma forma avançada de di</p><p>visão social do trabalho que, com o capitalismo, expan</p><p>diu-se, alcançando uma dimensão mundial: a ótica capi</p><p>talista de minimização dos custos e maximização dos lu</p><p>cros implicou a valorização diferenciada das potencialida</p><p>des econômicas da superfície da Terra. O progresso téc</p><p>nico, por outro lado, tanto na esfera da produção co</p><p>mo na da circulação, viabilizou a divisão territorial do</p><p>trabalho em escala mundial.</p><p>Economias de aglomeração: trata-se de vantagens locacio</p><p>nais resultantes da presença, em um mesmo local de ati</p><p>vidades que, estando isoladas, não teriam esta; vanta</p><p>gens. Utiliza-se ainda a expressão economias externas</p><p>de aglomeração, porque as vantagens obtidas não são in</p><p>ternas a cada atividade, mas externas a elas. Qualquer</p><p>91</p><p>cidade, que reúne inúmeras atividades econômicas, cons</p><p>titui-se em exemplo de economias de aglomeração: as lo</p><p>calidades centrais são exemplos, assim como um distri</p><p>to industrial, um shopping center ou uma rua especializa</p><p>da na venda de autopeças, móveis ou confecções.</p><p>Funções urbanas: refere-se a uma atividade que é tipicamen</p><p>te realizada na cidade: o comércio, os serviços bancários,</p><p>educacionais etc. No entanto, não se trata de qualquer</p><p>atividade urbana, mas apenas aquelas que contribuem</p><p>para a existência da cidade, aquelas através das quais</p><p>se dão as relações com outras cidades e com a zona ru</p><p>ral. As funções centrais são típicas funções urbanas. Já</p><p>as barbearias, na medida em que atendem apenas à popu</p><p>lação da cidade, não constituem funções urbanas. Ativi</p><p>dades básicas e funções urbanas são, assim, expressões</p><p>sinônimas. A expressão é também utilizada para desig</p><p>nar a atividade mais importante de uma cidade: a fun</p><p>ção de Volta Redonda é a produção de aço, ou Itabira</p><p>é uma cidade com função de mineração.</p><p>A idéia de função urbana nos remete ao conceito de di</p><p>visão territorial do trabalho: se esta não existisse, não ha</p><p>veria diferenciação funcional entre cidades. Por outro la</p><p>do, o conceito de função urbana nos remete também pa</p><p>ra o conceito de processo e de estrutura: a função urba</p><p>na é a realização de um processo que emana de uma es</p><p>trutura social. E nos leva ainda ao conceito de forma es</p><p>pacial: a função necessita de uma forma para se realizar,</p><p>a loja, a fábrica, a cidade, a rede urbana.</p><p>Rugosidades: termo oriundo da geomorfologia. Milton San</p><p>tos em Por uma geografia nova, São Paulo, Hucitec,</p><p>1978, utiliza-o no sentido de heranças, de formas espa</p><p>ciais herdadas do passado e cristalizadas no espaço. "O</p><p>espaço portanto é um testemunho; ele testemunha um</p><p>momento de um modo de produção pela memória do es</p><p>paço construído, das coisas fixadas na paisagem criada"</p><p>(p. 138). Uma rede urbana pode apresentar várias rugosi-</p><p>92</p><p>dades, ou seja, velhas cidades criadas no passado, sob</p><p>outras circunstâncias, apresentando por isso específicos</p><p>sítios e posições que no presente não são mais justificados .</p><p>A cidade de Pilar, em Alagoas, localizada à beira da La</p><p>goa Manguaba, é um exemplo. Sua localização relativa,</p><p>durante o século XIX, tornou-a importante núcleo de</p><p>transbordo de mercadorias. No século XX, sob outras</p><p>condições da circulação, a cidade perdeu a sua função</p><p>e decaiu economicamente: é uma rugosidade encravada</p><p>em um território submetido a outro modelo de circulação.</p><p>Sítio e posição: referem-se, respectivamente, à localização</p><p>absoluta e relativa de uma cidade, fábrica, ou qualquer</p><p>outra forma espacial criada pelo homem. O sítio desig</p><p>na a localização precisa, por exemplo, de uma cidade:</p><p>em um terraço fluvial, sobre uma ampla planície flúvio</p><p>marinha etc., sendo analisado através de cartas de gran</p><p>de escala (1 : 2 000, por exemplo). A posição, ao contrá</p><p>rio, refere-se à localização da forma espacial comparativa</p><p>mente às outras formas: na foz de um rio, . no contato en</p><p>tre a planície e a montanha, no contato entre regiões den</p><p>samente povoadas e regiões pouco habitadas etc., sendo</p><p>analisada através de escalas pequenas (1 : 500 000, por</p><p>exemplo).</p><p>6</p><p>Bibliografia comentada</p><p>ABLAS, Luiz Augusto Q. A teoria do lugar central; bases</p><p>teóricas e evidências empíricas. São Paulo, IPE-USP, 1982.</p><p>Apresenta um longo resumo da formulação clássica de</p><p>Christaller, outras contribuições teóricas, algumas tenta</p><p>tivas de verificação empírica, e uma aplicação ao Esta</p><p>do de São Paulo.</p><p>BELLIDO, Javier & TAMARIT, Luís. Para comprender la ciu</p><p>dad; claves sobre los procesos de producción dei espacio.</p><p>Madrid, Nuestra Cultura, 1979.</p><p>Contém um capítulo sobre as relações cidade-campo.</p><p>BERRY, Brian J. L. & HORTON, Frank E., orgs. Geogra</p><p>phic perspectives on urban systems. Englewood Cliffs,</p><p>Prentice-Hall, 1970.</p><p>Coletânea de artigos. Contém numerosos estudos sobre</p><p>sistemas urbanos, considerando a evolução do sistema</p><p>urbano norte-americano, a discussão "regra da ordem-ta</p><p>manho" versus primazia urbana, a tipologia funcional</p><p>das cidades, as dimensões básicas de variação, e a hierar</p><p>quia urbana.</p><p>CHRISTALLER, Walter. Central places in southern Germany.</p><p>Trad. do alemão por Carlisle W. Baskin. Englewood Cliffs,</p><p>Prentice-Hall, 1966.</p><p>94</p><p>Obra clássica e fundamental sobre hierarquia e área de</p><p>influência das cidades, publicada originalmente em 1933.</p><p>Foi influenciada pelos economistas clássicos (Smith e Ri</p><p>cardo), pelos marginalistas (Menger e Von Wieser),</p><p>de articulação entre os núcleos anteriormente re</p><p>feridos articulação que se verifica no âmbito da circulação,</p><p>etapa ~ecessária para que a produção exportada e importa</p><p>da realize-se plenamente, atingindo os mercados consumidores.</p><p>A articulação resultante da circulação vai dar origem</p><p>e reforçar uma diferenciação entre núcleos urbanos no que</p><p>se refere ao volume e tipos de produtos comercializados,</p><p>às atividades político-administrativas, à importância como</p><p>pontos focais em relação ao território exterior a eles, e ao</p><p>tamanho demográfico. Esta diferenciação traduz-se em</p><p>uma hierar'quia entre os núcleos urbanos e em especializa-</p><p>ções funcionais.</p><p>Nos termos assim explicitados admitimos a existência</p><p>de redes urbanas nos países subdesenvolvidos. Isto signifi</p><p>ca que não aceitamos a tese da existência de rede urbana</p><p>definida a partir de parâmetros arbitrários, que guardam</p><p>uma forte conotação etnocêntrica. Tais parâmetros são, de</p><p>um lado, o modelo formal de Christaller e, de outro, a re</p><p>gra da ordem-tamanho de Zipf. Voltaremos a eles em bre</p><p>ve. A idéia de rede urbana desorganizada, por outro lado,</p><p>pressupõe a possibilidade de um dia ela tornar-se organiza</p><p>da, semelhante à rede dos países desenvolvidos.</p><p>8</p><p>A nossa tese é que a rede urbana - um conjunto de</p><p>centros funcionalmente articulados -, tanto nos países de</p><p>senvolvidos como subdesenvolvidos, reflete e reforça as ca</p><p>racterísticas sociais e econômicas do território, sendo uma</p><p>dimensão sócio-espacial da sociedade. As numerosas dife</p><p>renças entre as redes urbanas dos países desenvolvidos, en</p><p>tre as dos subdesenvolvidos, e entre ambas, não são nenhu</p><p>ma anomalia, mas expressão da própria realidade em sua</p><p>complexidade .•</p><p>2</p><p>As abordagens dos geógrafos</p><p>A partir do último quartel do século passado, quan</p><p>do a geografia ganha status de disciplina acadêmica, e até</p><p>o final dos primeiros 20 anos do presente século, quando</p><p>finaliza o primeiro período de sua história moderna, a te</p><p>mática da rede urbana emerge na multifacetada geografia</p><p>alemã, entre os geógrafos possibilistas franceses, e entre</p><p>os geógrafos britânicos envolvidos com o planejamento ur</p><p>bano e regional. Também no bojo do determinismo ambien</p><p>tal norte-americano aflora o tema em questão.</p><p>O período que se estende de 1920 a 1955 caracteriza</p><p>se, entre ouúos aspectos, pelo aumento do interesse pelo es</p><p>tudo da rede urbana: algumas proposições teóricas e méto</p><p>dos operacionais são estabelecidos, e amplia-se o número</p><p>de estudos empíricos . É deste período que aparecem, entre</p><p>outras, as proposições de Christaller e de Mark Jefferson.</p><p>É a partir de 1955 que se verifica uma grande difusão</p><p>dos estudos de redes urbanas. E não somente no âmbito</p><p>da denominada geografia teorético-quantitativa que emer</p><p>ge a partir de então, mas também com Pierre George, no</p><p>bojo da geografia econômica derivada da escola possibilis</p><p>ta. No Brasil é a partir de então que se iniciam os estudos</p><p>sobre redes urbanas.</p><p>10</p><p>O desenvolvimento dos estudos sobre o tema em tela</p><p>é contemporâneo, no após-guerra, da aceleração da urbani</p><p>zação e da redefinição da divisão internacional do trabalho</p><p>geradora de novas articulações funcionais e mudanças n~</p><p>rede urbana. Subjacente·a isto está a retomada da expansão</p><p>capitalista e a difusão do sistema de planejamento em sua</p><p>dimensão espacial, envolvendo a rede urbana.</p><p>O tema da rede urbana tem sido abordado pelos geógra- ·</p><p>fos a partir de diferentes vias. As mais importantes dizem</p><p>respeito à diferenciação das cidades em termos de suas fun</p><p>ções, dimensões básicas de variação, relações entre tamanho</p><p>demográfico e desenvolvimento, hierarquia urbana, e rela</p><p>ções entre cidade e região. Estas vias não são necessariamen</p><p>te excludentes entre si, interpenetrando-se mutuamente de di</p><p>ferentes modos. Vale lembrar, por outro lado, que as aborda</p><p>gens acima indicadas não são exclusivas dos geógrafos mas</p><p>comp~rtilhadas com outros cientistas sociais, ainda q~e pe</p><p>sem diferenças no modo como cada uma das vias é tratada.</p><p>As classificações funcionais!</p><p>Uma das mais tradicionais vias de estudo da rede urba</p><p>na pelos geógrafos é aquela que se interessa pela classifica</p><p>ção funcional das cidades . Esta abordagem tem como pres</p><p>suposto a existência de diferenças entre as cidades no que</p><p>se refere às suas funções. E que o conhecimento dessa dife</p><p>renci~ção é relevante para a compreensão da organização</p><p>espacml, na qual a divisão territorial do trabalho urbano é</p><p>uma das mais expressivas características.</p><p>Já em 1921 o geógrafo M. Aurousseau propõe uma "</p><p>classificação de cidades em oito tipos , de acordo com a fun</p><p>ção dominante: cidades de administração, defesa, cultura,</p><p>1</p><p>Sobre o tema veja-se MAYER, Harold & KOH N, Clyde, orgs . Readings</p><p>m urban geography. Chicago, The University of Chicago Press, 1958.</p><p>11</p><p>produção, coleta, transferência, distribuição e recreação.</p><p>Chauncy Harris, em 1943, ao estudar as cidades norte-ame</p><p>ricanas, classifica-as de acordo com a atividade de maior im</p><p>portância. Nove tipos de centros foram identificados: cida</p><p>des industriais, de comércio varejista, de comércio atacadis</p><p>ta, de transportes, mineração, educação , lazer, cidades di</p><p>versificadas e com outras funções.</p><p>A partir da década de 1950, os estudos sobre o tema</p><p>em pauta passaram a receber um tratamento estatístico, ori</p><p>ginando então resultados mais acurados. A contribuição de</p><p>Howard Nelson é digna de nota pela precisão de sua classifi</p><p>cação relativa a 897 cidades norte-americanas. O emprego</p><p>em nove atividades foi considerado e, para cada uma das no</p><p>ve distribuições relativas ao emprego nas cidades sob análi</p><p>se, foram calculados a média e o desvio-padrão. Sempre que</p><p>uma cidade apresentasse em uma atividade mais de um des</p><p>vio-padrão acima da média, era classificada naquela ativida</p><p>de. Um centro urbano poderia ser enquadrado de acordo</p><p>com duas ou três atividades . Por outro lado, uma cidade</p><p>foi rotulada como diversificada quando em nenhuma ativida</p><p>de apresentava valor superior a um desvio-padrão acima da</p><p>média. Deste modo vários tipos de cidade foram definidos,</p><p>resultando em uma classificação funcionalmente complexa.</p><p>A partir dos anos 50 procurou-se, ao lado da adoção</p><p>de técnicas estatísticas, clarificar mais a questão das fun</p><p>ções urbanas. Neste sentido vários autores fizeram o desdo</p><p>bramento das atividades da cidade em básicas ou primárias,</p><p>que são "exportadas" para fora, justificando assim a pró</p><p>pria existência da cidade, e atividades não-básicas ou secun</p><p>dárias, que se destinam à população urbana: exemplifica</p><p>se com a atividade de uma loja cujas vendas são majorita</p><p>riamente para consumidores residentes fora da cidade, e</p><p>com um serviço que atende fundamentalmente à população</p><p>urbana.</p><p>A distinção em tela permite, sem dúvida, uma classifi</p><p>cação mais acurada dos centros urbanos na medida em que</p><p>12</p><p>se elimi~am aquelas atividades não-básicas que existem por</p><p>que as Cidades desempenham atividades básicas. E é relevan</p><p>t~ em virtud.e do fato de haver estudos indicando que à me</p><p>dida que a cidade aumenta de tamanho verifica-se o aumen</p><p>to percentual de uma população empregada em atividades</p><p>não-básicas. ·</p><p>. O estudo de Ullman e Dacey, onde se introduz o con</p><p>ceito de. necessidades mínimas de população urbana, que</p><p>se aproxima do conceito de atividade não-básica, constitui</p><p>se em ~~a s~gnificativa contribuição para uma mais preci</p><p>s~ ;Iassificaçao funcional de cidades. O estudo de Magnani</p><p>m, por outro lado, sobre os centros urbanos de Santa Ca</p><p>tarina, apoiado em dados referentes à população economi</p><p>camente ativa do Censo Demográfico, constitui-se em exce</p><p>lente exemplo de estudo sobre classificação de cidades utili</p><p>zando o conceito proposto por Ullman e Dacey.</p><p>Em relação a esta abordagem há numerosas críticas so</p><p>br~ a natureza. dos dados utilizados, que são aqueles disponí</p><p>veis, os conceitos e as técnicas estatísticas empregadas, bem</p><p>como sobre a falta de objetivos geográficos definidos. No ca</p><p>so do Brasil os dados do Censo</p><p>por</p><p>Werner Sombart e Max Weber. Reflete também a longa</p><p>tradição dos estudos geográficos alemães que . vêm de J.</p><p>G. Kohl e R. Gradmann, entre outros.</p><p>Na primeira parte são consideradas as relações econômi</p><p>co-espaciais estáticas e, a seguir, os processos que atuam</p><p>alterando uma rede de localidades centrais. Seguem-se en</p><p>tão uma proposição operacional e uma aplicação à re</p><p>gião meridional da Alemanha.</p><p>CLARK, David. Introdução à geografia urbana. Trad. de Lú</p><p>cia Helena Gerardi e Silvana Maria Pintaudi. São Pau</p><p>lo, Difel, 1982.</p><p>Contém capítulo sobre o tema "A localização urbana e</p><p>o sistema urbano", onde as cidades são consideradas co</p><p>mo centros de serviços, centros de manufatura e centros</p><p>gerenciais.</p><p>CORRÊA, Roberto L. Repensando a teoria das localidades</p><p>centrais. In: SANTOS, Milton, org. Novos rumos da geo</p><p>grafia brasileira. São Paulo, Hucitec, 1982.</p><p>Ensaio . Procura repensar a rede de localidades centrais</p><p>como um produto do capitalismo.</p><p>_ , coord. Regiões de influência das cidades. Rio de Ja</p><p>neiro, IBGE-Ministério da Habitação e Urbanismo, 1987.</p><p>Aplicação ao Brasil dos princípios básicos da teoria das</p><p>localidades centrais. Estudo descritivo, constitui-se em</p><p>um quadro de referência para outras pesquisas.</p><p>DUGRAND, Raymond. Villes et campagnes en Bas-Lan15ue</p><p>doc. Paris, Presses Universitaires de France, 1963.</p><p>Exame da dinâmica das relações cidade-região em área</p><p>vitivinicultora marcada pela magnitude da propriedade</p><p>fundiária citadina.</p><p>FAISSOL, Speridião, org. Urbanização e regionalização; rela</p><p>ções com o desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro,</p><p>IBGE, 1975.</p><p>95</p><p>Coletânea privilegiando as relações entre tamanho de ci</p><p>dade e desenvolvimento, e pólos de crescimento. Contém,</p><p>entre outros, artigos de François Perroux, J. Lasuén e</p><p>Niles Hansen sobré pólos de crescimento.</p><p>GEIGER, Pedro P. A evolução da rede urbana brasileira.</p><p>Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Pesquisas Educacio</p><p>nais, 1962.</p><p>Estudo pioneiro sobre o conjunto da rede urbana brasi</p><p>leira e sua dinâmica. Referência básica.</p><p>GEORGE, Pierre. Geografia urbana. Coord . da trad., Lilia</p><p>na Laganá. São Paulo, Difel, 1983.</p><p>Contém um capítulo "A cidade e a região. As redes ur</p><p>banas", onde são discutidas as principais relações entre</p><p>cidade e hinterlândia.</p><p>HARVEY, David . Justiça social e a cidade. Trad. de Arman</p><p>do Correia da Silva. São Paulo, Hucitec, 1980.</p><p>Coletânea de ensaios. O capítulo 6 é extremamente útil,</p><p>abordando a dinâmica das relações cidade-campo a par</p><p>tir da circulação do excedente.</p><p>J OHNSON, E. A. J . The organization o f space in developing</p><p>countries. Cambridge, Harvard University Press, 1970.</p><p>O conceito de' 'sistema dendrítico'' é discutido pelo autor .</p><p>MARX, Karl & ENGELs; Friedrich. A ideologia alemã (I</p><p>- Feuerbach) . Trad. de José Carlos Bruni e Marco Au</p><p>rélio Nogueira. 5. ed. São Paulo, Hucitec, 1986.</p><p>Um dos textos fundamentais do materialismo histórico,</p><p>e também um clássico do tema cidade-campo, cuja dinâ</p><p>mica é considerada. Leitura fundamental.</p><p>MOREIRA, Ruy. O movimento operário e a questão cidade</p><p>campo no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1985.</p><p>Análise da dinâmica da organização sócio-espacial brasi</p><p>leira. Os conceitos de "espaço molecular" e "espaço mo</p><p>nopolista" são básicos para o tema.</p><p>PRED, Allan. Sistemas de cidades em economias adiantadas.</p><p>Trad. de Maria José Cyhlar Monteiro . Rio de Janeiro,</p><p>Zahar, 1979.</p><p>96</p><p>Analisa a dinâmica da rede urbana norte-americana, pri</p><p>vilegiando o papel das grandes empresas na iirticulação</p><p>dos centros da rede urbana.</p><p>SANTOS, Milton. O espaço dividido; os dois circuitos da</p><p>economia dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro,</p><p>Liv. Francisco Alves, 1979.</p><p>Distingue dois espaços de atuação das cidades do Tercei</p><p>ro Munà0: um está vinculado ao circuito superior, e o</p><p>outro ao circuito inferior.</p><p>SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urba</p><p>na. São Paulo, Nacional, 1968.</p><p>Estudo sobre a gênese e dinâmica de segmentos da rede</p><p>urbana brasileira: São Paulo, Blumenau, Porto · Alegre,</p><p>Belo Horizonte e Recife.</p><p>_ . Economia política da urbanização. São Paulo, Brasilien</p><p>se, 1973.</p><p>Coletânea incluindo estudo sobre a gênese e evolução</p><p>da cidade, bem como sobre campo e cidade na América</p><p>Latina.</p><p>SMITH, Caro! A., org. Regional analysis; v. 1, Economic</p><p>systems; v. 2, Social syst~ms. New York, Academic Press,</p><p>1976.</p><p>Coletânea de artigos sobre redes de localidades centrais</p><p>em áreas subdesenvolvidas.</p><p>229</p><p>230</p><p>231</p><p>232</p><p>233</p><p>234</p><p>235</p><p>As origens da Primeira</p><p>Guerra Mundial</p><p>Ruth Henig</p><p>As origens da Segunda</p><p>Guerra Mundial</p><p>Ruth Henig</p><p>o Antigo Regime</p><p>W illiam Doyle</p><p>Formaçlo de palavras</p><p>em português</p><p>Val ter Kehdi</p><p>Maquiavelismo</p><p>Sérgio Bath</p><p>A Poética de Aristóteles</p><p>ligia M ilitz da Costa</p><p>Conquista e colonizaçlo</p><p>da América espanhola</p><p>Jorge Luiz Ferre1ra</p><p>Vozes verbais</p><p>Amini Boainain Hauy</p><p>A década de 50 -</p><p>Populismos e metas</p><p>desenvolvlmentlstas</p><p>no Brasil</p><p>Marly Rodrigues</p><p>A década de 60 -</p><p>Rebeldia, contelitaçlo •</p><p>represslo polltlca</p><p>Maria Helena Paes</p><p>A década de 70 -</p><p>Apogeu e crise da ditadura</p><p>militar brasileira</p><p>Nad ine Habert</p><p>A década de 80 -</p><p>Brasil, quando a muitidAo</p><p>voltou às praças</p><p>Marly Rodrigues</p><p>Grande sertio: veredas -</p><p>Roteiro de leitura .</p><p>Kathrin Holzermayr Rosenfleld</p><p>o Impressionismo</p><p>Juan José Balzi</p><p>A Semana de Arte Moderna</p><p>Neide Rezende</p><p>A Revolução Mexicana</p><p>i i</p><p>As Missões</p><p>Ju lio Ouevedo</p><p>O prfncipe - .</p><p>Roteiro de le1t~ra ,</p><p>Januário Franc1sco Megale</p><p>Primeiras estórias -</p><p>Roteiro de leitura</p><p>Dác ia Antôn io de Castro</p><p>Sonetos de Camões -</p><p>Roteiro de leitura .</p><p>Antonio Medina Rodngues</p><p>A rosa do povo e Claro</p><p>enigma _ Roteiro de leitura</p><p>Francisco Achcar</p><p>A ilustre Casa de Ramires -</p><p>Roteiro de leitura</p><p>José de Paula Ramos Jr .</p><p>Construtivismo - 'oe Piaget</p><p>a Emilia Ferreiro</p><p>Maria da Graça Azenha</p><p>a_rede_urbana_RLC</p><p>a_rede_urbana_RLC0001</p><p>a_rede_urbana_RLC0002</p><p>a_rede_urbana_RLC0003</p><p>a_rede_urbana_RLC0004</p><p>a_rede_urbana_RLC2</p><p>Demográfico são incapazes</p><p>de revelar algumas funções importantes das cidades brasilei</p><p>ras, como a~uelas ligadas à drenagem da renda fundiária.</p><p>Contudo , tms estudos colocam em evidência, com maior ou</p><p>menor acurácia, a divisão territorial do trabalho no âmbito</p><p>da rede ~rb~na . Podem assim suscitar numeroso'S questiona</p><p>mentos , mcltando novas pesquisas sobre a rede urbana .</p><p>As dimensões básicas de variação</p><p>~ partir. das clas~ificações funcionais de cidades pas</p><p>sa-se a pesqmsa das dimensões básicas de variação das re-</p><p>2 MAG~ANI ~I, Ruth L. C. As .cidades de Santa Catarina: base econômica</p><p>e classJficaçao funciOnal. ReVIsta Brasileira de Geografia, 33 (1) , 1971.</p><p>13</p><p>des ou sistemas urbanos. Assim, em 1957, Howard Nelson,</p><p>comentado por Horácio Capei, 3 comparou algumas caracte</p><p>rísticas sociais entre centros urbanos com distinta especiali</p><p>zação funcional, considerando o ritmo de crescimento da</p><p>população , a estrutura etária, a escolaridade, a proporção</p><p>de homens e mulheres na população ativa, as taxas de de</p><p>semprego e a renda per capita. Constatou que estas caracte</p><p>rísticas variavam entre cidades segundo as funções que de</p><p>sempenhavam.</p><p>Em realidade "o problema da classificação funcional</p><p>converteu-se no problema de agrupamento das cidades se</p><p>gundo suas características fundamentais com o fim de des</p><p>cobrir tipos homogêneos" (p. 230), considerando-se não</p><p>apenas as funções urbanas mas também outras característi</p><p>cas sociais, econômicas e políticas. Esta conversão verifica-</p><p>e simultaneamente à expansão do emprego de técnicas esta</p><p>tísticas em geografia; o uso de computadores, por sua vez,</p><p>viabiliza a utilização de técnicas mais sofisticadas como a</p><p>análise fatorial.</p><p>O emprego desta técnica descritiva possibilita tratar si</p><p>multaneamente um grande número de variáveis, agrupan</p><p>do aquelas que estão fortemente correlacionadas entre si,</p><p>o riginando assim fatores ou dimensões básicas de variação .</p><p>lsto porque cada uma dessas dimensões é constituída por</p><p>variáveis que, por outro lado, não se correlacionam com</p><p>aquelas das outras dimensões. Em cada um desses fatores,</p><p>cada cidade apresenta um score que é a sua posição ao lon</p><p>go desta dimensão de variação.</p><p>É com o estudo de Moser e Scott, datado de 1961, que</p><p>, e inicia a procura sistemática das dimensões básicas de va</p><p>riação dos sistemas urbanos. A partir de então numerosos</p><p>outros estudos relativos a diversos países foram realizados,</p><p>entre eles, os Estados Unidos, o Canadá, a Índia e a União</p><p>3 De las funciones urbanas a las dimensiones básicas de los sistemas urba-</p><p>nos. Revista de Geografia, 6 (2), 1972.</p><p>14</p><p>Soviética. Visavam estes estudos descobrir empmcamente</p><p>~ão apenas as dimensões básicas de variação de um especí</p><p>fico sistema urbano, como também sua estabilidade ao lon</p><p>go do tempo, e a existência de dimensões universais de va</p><p>riação. Entre as diferentes dimensões básicas descobertas es</p><p>tão aquelas referentes ao tamanho, especialização funcio</p><p>nal, características sociais e crescimento demográfico.</p><p>Mas que critérios nortearam a seleção de variáveis? Em</p><p>alguns casos um conjunto muito grande de variáveis, sem ne</p><p>nhuma base teórica explícita, foi considerado. Em outros pro</p><p>curou-se ver as relações com o processo de desenvolvimento</p><p>regional ou nacional a partir de alguns indicadores julgados</p><p>pertinentes, e à luz de um dado corpo teórico: o modelo cen</p><p>tro-periferia de John Friedmann foi então muito adotado co</p><p>mo referencial teórico. Implícita nestes estudos estava a con</p><p>cepção da cidade como centro difusor do desenvolvimento .</p><p>No Brasil esta abordagem marcou muito os estudos so</p><p>bre redes urbanas durante o período 1970-1977, período es</p><p>te caracterizado pela adoção, entre muitos geógrafos, de</p><p>técnicas quantitativas e dos modelos de desenvolvimento re</p><p>~ional, e pelo grande envolvimento com o sistema de plane</p><p>Jamento . Sobressaem os estudos de Faissol, 4 que considera</p><p>ram vários conjuntos de cidades brasileiras . Estes estudos</p><p>revelaram resultados consistentes entre si, indicando tipos</p><p>de cent.ros que, em sua espacialização, definem regiões que</p><p>foram mterpretadas segundo as proposições de Friedmann:</p><p>regiões centrais, principal e secundária, e regiões periféricas .</p><p>Já o estudo de Fredrich e Davidovich, 5 mais recente,</p><p>está baseado em três dimensões de variação do sistema ur-</p><p>4</p><p>Veja-se, por exemplo, FA!SSOL, Speridião. As grandes cidades brasileiras</p><p>- dimensões básicas de diferenciação e relações com o desenvolvimento</p><p>econômico: um estudo de análise fatorial. Revista Brasileira de Geografia</p><p>32 (4), 1970. •</p><p>5</p><p>.FREDR!:H, Olga M. B. L. & DAVIDOVICH, Fany. A configuração espa</p><p>Cial. do Sistema urbano brasileiro como expressão no território da divisão</p><p>soc1al do trabalho. Revista Brasileira de Geografia, 4</p><p>a cidade de Lon</p><p>dres, capital e cidade primaz do então Império Britânico.</p><p>Enquanto Jefferson considerou apenas a relação entre</p><p>o tamanho das duas maiores cidades, outros autores consi</p><p>deraram todo o con]unto de cidades como base para análi</p><p>se da distribuição do tamanho dos centros urbanos. A pri</p><p>meira contribuição, neste sentido, foi a de Auerbach em</p><p>1913, que propôs um modelo de distribuição que, com G.</p><p>K. Zipf, seria conhecido como a regra da ordem-tamanho. 7</p><p>7</p><p>Human behavior and the principle of least effort; an introduction to hu</p><p>man ecology. Cambridge, Addison-Wesley, 1949.</p><p>17</p><p>Segundo Zipf, a distribuição do tam~~ho das ~id~des</p><p>nade ser vista através de uma equação de senes harmomc~s.</p><p>tamanho da cidade p de ordem r é igual à populaçao</p><p>da cidade I, a maior delas, dividida pela sua or_d~m r ~lev~</p><p>da a um expoente q que foi encontrado_ ser ~r?ximo a u~l</p><p>dade. A fórmula é pr =~.A expressao graflca desta dis-</p><p>tribuição é uma linha ret~q com um ângulo de 45o num pa</p><p>pel duplo logarítmico, onde na abscissa está a ordem d,as</p><p>•idades, e na ordenada seus tamanhos: . . -</p><p>A explicação que Zipf deu às distnbmçoes segun~o</p><p>a da Ordem-tamanho tem como ponto central o Pnn-</p><p>ll regr 'l'b · d</p><p>•{pio do Menor Esforço, resultante de u~ e~u.l 1 r!o e</p><p>f' rças opostas, a da Unificação e a da Diversiflca~ao. A</p><p>primeira levaria a uma concentração. da p_opulaçao em</p><p>lima única cidade, e a segunda a uma dispers~o da popula</p><p>(,: o em cidades do mesmo tamanho . Estes_ se:I~m ca.sos ex</p><p>tremos, respectivamente com q igu~l ao mflmto e Igual. a</p><p>'1. •ro Com q igual a 1 a série de cidades apresentar-se-la</p><p>,;H s~qüência 1, 1/2, 1/3, 1/4 ... 1/~ ?u 100, 50, .33, 25 ...</p><p>l'ura Zipf, com esta distribuição eqmhbrad~, a ur~Idade na</p><p>•lonal estava mantida através de u~ conJunto mtegr.ad~</p><p>d cidades . A primazia seria para Zlpf um caso. possivel.</p><p>o . rreria todas as vezes que o valor q fosse maior que a</p><p>unidade . . . d</p><p>A partir dos anos 50, quando se venflca a reto:na a</p><p>I t expansão capitalista e a questão do subdesenvolvimen-</p><p>1 o aparece, as duas formulações são col?c~da_s em confro_n-</p><p>1 >. O desenvolvimento é associado à existencm de u~~ dls-</p><p>1 !'l buição do tamanho da cidade segundo a p~oposi~ao d~</p><p>Zlpf; o subdesenvolvimento, por outro .lad?, e associado a</p><p>lstência da primazia urbana. No pnmeiro cas?·. forças</p><p>• nômicas multidirecionadas, espacialmente aleatonas, afe-</p><p>11\ri m toda a rede urbana. No segun~o: estas forças atua</p><p>l'! un concentradamente, afetando um umco c~ntro, que ~re-</p><p>11 tria toda a riqueza para si, por isso tendo Sido denomma-</p><p>! I</p><p>18</p><p>do de cidade "parasítica": a rede urbana por ela comanda</p><p>da foi vista como sendo desequilibrada.</p><p>Numa época em que o sistema de planejamento esta</p><p>va em ascensão, a aceitação das teses acima indicadas im</p><p>plicaria em se ter um modelo normativo que iluminaria</p><p>uma meta a ser alcançada, a de vencer o subdesenvolvi</p><p>mento. Neste sentido modelos evolutivos foram formula</p><p>dos. Um deles previa a passagem gradativa da primazia pa</p><p>ra uma rede de cidades de acordo com a regra da ordem</p><p>tamanho, na medida em que um dado país evoluísse do</p><p>subdesenvolvim~nto para o desenvolvimento. Outro, mais</p><p>complexo, admitia uma etapa anterior caracterizada pela</p><p>existência de uma situação semelhante àquela da regra de</p><p>Zipf. Seguia-se uma etapa marcada pela crescente ,Prima</p><p>zia à medida que o processo de desenvolvimento se verifi</p><p>cava. Numa fase mais moderna o padrão de tamanho de</p><p>cidades assumiria novamente a regra formulada por Zipf:</p><p>neste caso temos uma seqüência que segue o esquema equi</p><p>líbrio-desequilíbrio-equilíbrio. Comum a todos os modelos</p><p>estava a tese de que o processo de desenvolvimento dos</p><p>países centrais repetir-se-ia em breve nos países subdesen</p><p>volvidos.</p><p>A polêmica a respeito da primazia e da regra da ordem</p><p>tamanho ampliou-se com a discussão entre "modernistas"</p><p>e "tradicionalistas". Os primeiros afirmam que o desenvol- ·</p><p>vimento nacional se encarregará de afetar a rede urbana, es</p><p>tabelecendo um equilíbrio. Admitem que no começo do pro</p><p>cesso de desenvolvimento haverá um desequilíbrio, com con</p><p>centração de investimentos em uma só grande cidade, mas,</p><p>na medida em que o desenvolvimento prossegue, verifica</p><p>se um efeito de difusão (spread ejjects, trickle down) que</p><p>atinge toda a rede urbana. Este processo de difusão, ou os</p><p>impulsos de mudança econômica, são transmitidos do se</p><p>guinte modo:</p><p>(a) das metrópoles da core area para as metrópoles</p><p>da periferia;</p><p>19</p><p>(b) dos centros de mais alta hierarquia para os de mais</p><p>baixa num padrão de "difusão hierárquica";</p><p>·(c) dos ce~tros urbanos para as suas áreas de influência.</p><p>Já os "tradicionalistas" admitem que os argumentos</p><p>dos "modernistas" não convencem, não sendo possível se</p><p>pensar na reprodução dos processos históricos, tal _com?</p><p>ocorreu nos Estados Unidos, por exemplo, nos atua1s pai-</p><p>s subdesenvolvidos, pois as condições históricas são ou</p><p>tras. É necessário que haja uma política explícita e di~igi</p><p>(ln para se conter o crescimento exagerado da grande Clda</p><p>d · a "inchação" das grandes metrópoles primazes.</p><p>' Aparecem então as idéias de descentralização p~ra no</p><p>vos centros de crescimento, dos pólos de desenvolvimento</p><p>no Brasil criou-se, mais tarde, na década de 1970, a ex-</p><p>1 I' ssão cidades de porte médio - e da ação do Estado vi</p><p>Indo um desenvolvimento que seria equilibrado tanto no</p><p>1 luno social como espacial, aí inclu~ndo-se a r~d~ urbana.</p><p>A teoria dos pólos de desenvolVImento, as 1dems de des-</p><p>' ntralização para as cidades de porte médio tornaram-se co</p><p>l\1 luche nos países do Terceiro Mundo. Associ~~o a est~s</p><p>I 1 i s recupera-se e vulgariza-se o conceito e a pratlca do dls-</p><p>1111 industrial expressão física e funcional, à escala intraur</p><p>h ma, do pólo de desenvolvimento e da cidade de porte ~édio.</p><p>Os estudos sobre as relações entre tamanho das c1dades</p><p>d s nvolvimento estão, de uma forma ou de outra, vincula-</p><p>ll · aos interesses do planejamento em sua dimensão espa-</p><p>11 : o vigor com que o tema é privilegiado configura fase</p><p>1 prestígio ou de crise do sistema de planejamento capitalis-</p><p>1 1. No caso brasileiro a primeira metade da década de 1970</p><p>1 11 r !ativamente pródiga de estudos sobre o tema em pauta.</p><p>hierarquia urbana</p><p>studos sobre hierarquia das cidades são os mais</p><p>n is c numerosos entre aqueles sobre redes urbanas</p><p>20</p><p>a que se dedicaram os geógrafos. Deriv m I (( li stl namen</p><p>tos sobre o número, tamanho e distribuiç o I ts cidades e,</p><p>implicitamente, sobre a natureza da dif r nci 11,: o ntre elas.</p><p>Os numerosos estudos, teóricos e emplricos, pr curam,</p><p>em realidade, compreender a natureza da t' cJ urbana se</p><p>gundo um ângulo específico que é o da hi rarquia de seus</p><p>centros .</p><p>A teoria das localidades centrais, formulada pelo geó</p><p>grafo alemão Walter Christaller, em 1933, c n titui a mais</p><p>fértil e conhecida base teórica sobre o tema. ntretanto , o</p><p>interesse pela hierarquia urbana é muito anterior a Christal</p><p>ler. Foi um banqueiro francês, Richard Cantillon, que em</p><p>1755 produziu o que se poderia considerar como sendo a</p><p>primeira teoria sobre hierarquia urbana: tentando racionali</p><p>zar em termos de tempo e espaço seus negócios bancários,</p><p>ressalta a natureza hierárquica das cidades . Com Jean Rey</p><p>naud, em 1841, aparece uma formulação similar à de Chris</p><p>taller . De certo modo é semelhante à contribuição do enge</p><p>nheiro León Lalanne que, em 1863, propôs um modelo so</p><p>bre a organização espacial das linhas ferroviárias, cujos</p><p>nós de circulação, as cidades , estruturavam-se de modo hie</p><p>rárquico.</p><p>A sociologia rural norte-americana do começo do sécu</p><p>lo, com Galpin e Kolb, e o planejamento urbano e regio</p><p>nal inglês, após a ?rimeira Guerra Mundial, consideraram</p><p>também o tema que, em breve, seria tratado sistematica</p><p>mente por Christaller. Geógrafos como Hans Bobek e Ro</p><p>bert Dickinson abordaram também a temática da hierar</p><p>quia urbana durante as décadas de 1920 e 1930.</p><p>Por que este interesse? Com o capitalismo, o proces</p><p>so de diferenciação</p><p>das cidades se acentua, aí incluindo-se</p><p>a hierarquização urbana: a criação de um mercado consu</p><p>midor, a partir da expropriação dos meios de produção e</p><p>de vida de enorme parcela da população, e a industrializa</p><p>ção levam à expansão da oferta de produtos industriais e</p><p>de serv iç s. Es ta oferta , por sua vez, se verifica de modo</p><p>21</p><p>espacialmente desigual, instaurando-se então a hierarquia</p><p>das cidades. Esta, por sua vez, suscita ações desiguais por</p><p>parte dos capitalistas e do Estado: daí o interesse em com</p><p>preender a sua natureza.</p><p>As proposições de Christaller</p><p>Vejamos agora as proposições de Christaller. Segun</p><p>do ele existem princípios gerais que regulam o número, ta</p><p>manho e distribuição dos núcleos de povoamento: grandes</p><p>médias e pequenas cidades, e ainda minúsculos núcleos se~</p><p>mi-rurais, todos são considerados como localidades centrais.</p><p>Todas são dotadas de junções centrais, isto é, atividades</p><p>de distribuição de bens e serviços para uma população ex</p><p>terna, residente na região complementar (hinterlândia, área</p><p>de mercado, região de influência), em relação à qual a loca</p><p>lidade central tem uma posição central. A centralidade de</p><p>um núcleo, por outro lado, refere-se ao seu grau de impor</p><p>tância a partir de suas funções centrais : maior o número de</p><p>las, maior a sua região de influência, maior a população ex</p><p>terna atendida pela localidade central, e maior a sua centra</p><p>lidade.</p><p>Christaller define ainda dois outros conceitos, o de al</p><p>cance espacial máximo (maximum range) e o de alcance espa</p><p>cial mínimo (minimum range threshold). O primeiro refere</p><p>se à área determinada por um raio a partir da localidade cen</p><p>tral: dentro desta área os consumidores efetivamente deslo</p><p>cam-se para a localidade central visando a obtenção de bens</p><p>e serviços. A área em questão constitui a região complemen</p><p>tar. Para além dela os consumidores deslocam-se para ou</p><p>tros centros que lhe estão mais próximos, implicando isto me</p><p>nores custos de transporte. O alcance espacial mínimo, por</p><p>sua vez, compreende a área em torno de uma localidade cen</p><p>tral que engloba o número mínimo de consumidores que são</p><p>suficientes para que uma atividade comercial ou de serviços</p><p>uma função central , possa economicamente se 'instalar . '</p><p>1"</p><p>I</p><p>22</p><p>A partir do alcance espacial máximo e mínimo verifi</p><p>ca-se uma diferenciação da oferta de bens e serviços . Aque</p><p>les que são consumidos com grande freqüência, diária ou se</p><p>manalmente, necessitam de reduzido alcance espacial míni</p><p>mo. Poucas pessoas, residentes nas proximidades imediatas</p><p>da localidade central, são suficientes para justificar a ofer</p><p>ta deles. O alcance espacial máximo deles é também reduzi</p><p>do: a partir de uma relativamente pequena distância da loca</p><p>lidade central os custos de transportes tornam-se muito ele</p><p>vados face aos custos dos bens e serviços que são relativa"</p><p>mente baixos. Há vários outros centros que distribuem estes</p><p>bens e serviços: sua oferta é generalizada em numerosas lo</p><p>calidades centrais que distam próximas umas das outras.</p><p>Os bens e serviços que, por sua vez, são consumidos</p><p>com uma menor freqüência, mensalmente ou de três em</p><p>três meses, por exemplo, necessitam de um maior alcance</p><p>espacial mínimo: como o número necessário de pessoas pa</p><p>ra justificar a oferta deles é mais elevado, a área que con</p><p>tém essa população é mais ampla. Por outro lado, estes</p><p>bens e serviços suportam custos de transportes mais eleva</p><p>dos, apresentando, por isso, um maior alcance espacial má</p><p>ximo. Como conseqüência, poucas são as localidades cen</p><p>trais que oferecem estes bens e serviços; elas estão, assim,</p><p>mais distanciadas entre si.</p><p>Para cada produto ou serviço haveria, em princípio,</p><p>um alcance espacial específico. No entanto, aqueles que</p><p>apresentam alcances espaciais semelhantes tendem a ser ofe</p><p>recidos nas mesmas localidades centrais: a co-presença de</p><p>les acaba compensando uma possível diminuição de lucros</p><p>e criando novas condições de existência de atividades: tra</p><p>ta-se de economias de aglomeração.</p><p>Estabelece-se uma hierarquização da oferta de bens e</p><p>serviços: o quadro abaixo apresenta um exemplo onde indi</p><p>ca-se a hierarquia urbana - expressa por denominações</p><p>através das quais as localidades centrais são usualmente re</p><p>feridas - e funções centrais hipotéticas .</p><p>Exemplo hipotético de hierarquia urbana</p><p>e funções centrais</p><p>Centros Funções centrais</p><p>Metrópole regional abcd efgh ijk l mnop</p><p>Capital regional efgh ijkl mnop</p><p>Centro sub-regional ijkl mnop</p><p>Centro da zona mnop</p><p>Centro local</p><p>23</p><p>qrst</p><p>qrst</p><p>grst</p><p>qrst</p><p>qrst</p><p>A análise desse quadro possibilita detectar a natureza</p><p>da hierarquia urbana. Em primeiro lugar deriva diretamen</p><p>te da hierarquia das funções centrais. A metrópole regional</p><p>oferece a gama completa de bens e serviços que naquele ti</p><p>po particular de sociedade é consumida pela população</p><p>em razão de seu nível de renda e padrão cultural. A metró</p><p>pole oferece um conjunto de bens e serviços, abcd, que so</p><p>mente ela está apta a oferecer: são aqueles consumidos me</p><p>nos freqüentemente, apresentando mais amplos alcances es</p><p>paciais máximos. Mas também oferece bens e serviços de</p><p>consumo mais freqüentes. Em realidade a metrópole ofere</p><p>ce, entre outros, bens e serviços de demandas tão distintas</p><p>como microcomputadores, geladeiras, calçados, artigos de</p><p>armarinhos e alimentos em conserva; ou então cirurgião</p><p>plástico, oftalmologista, pediatra e clínico geral.</p><p>A capital regional, por sua vez, oferece os bens e servi</p><p>ços efgh a qrst: o primeiro conjunto caracteriza este nível</p><p>hierárquico, não sendo encontrados nos centros de meno</p><p>res níveis hierárquicos. Os bens e serviços ijkl definem o</p><p>centro sub-regional, enquanto o conjunto mnop o centro</p><p>24</p><p>de zona. O centro local, finalmente, oferece apenas os bens</p><p>e serviços qrst, de consumo muito freqüente e, por isso,</p><p>de menores alcances espaciais máximo e mínimo.</p><p>Uma primeira observação conclusiva se impõe: a hierar</p><p>quia das localidades centrais expressa um padrão hierárqui</p><p>co sistemático e acumulativo de funções centrais: à medida</p><p>que se eleva o . nível de hierarquia verifica-se um acúmulo,</p><p>em cada nível, das funções centrais dos níveis inferiores</p><p>mais algumas que definem o nível hierárquico em consideração.</p><p>A localidade central de nível hierárquico mais eleva</p><p>do, por outro lado, possui ampla região de influência: ne</p><p>la estão contidas as regiões de influência das capitais regio</p><p>nais, os centros de nível imediatamente baixo. Estas últi</p><p>mas regiões, por sua vez, contêm as hinterlândias dos cen</p><p>tros sub-regionais, e assim por diante. Assim, a hierarquia</p><p>sistemática e acumulativa de funções e localidades centrais</p><p>associa-se ao esquema de centros e regiões de influência sis</p><p>tematicamente encaixados os menores nos maiores.</p><p>As figuras la, b e c procuram exemplificar o que foi</p><p>exposto. Referem-se à região de influência de Bauru, uma</p><p>capital regional do Planalto Ocidental paulista. As informa</p><p>ções aí contidas são relativas ao ano de 1978, tendo como</p><p>fonte o estudo "Regiões de influências das cidades". A fi</p><p>gura I a mostra que, em relação aos bens e serviços típicos</p><p>da capital regional, caminhões pesados e oftalmologista,</p><p>por exemplo, Bauru atua em uma relativamente ampla hin</p><p>terlândia. Sua atuação espacial engloba os centros sub-regio</p><p>nais de Jaú, Botucatu, Avaré e Lins, e suas respectivas hin</p><p>terlândias.</p><p>A figura I b, por outro lado, indica que em relação</p><p>aos bens e serviços típicos de centros sub-regionais, trato</p><p>res e pediatra, Bauru atua em uma hinterlândia menor, pos</p><p>sibilitando que os quatro supramencionados centros sub-re</p><p>gionais exerçam seus papéis como tais. Finalmente a figu</p><p>ra I c mostra que, em relação aos bens e serviços típicos</p><p>de centros da zona, eletrodomésticos e hospital geral, a atua-</p><p>::l</p><p>a::</p><p>::l</p><p>....</p><p>Q)</p><p>UI</p><p>Q)</p><p>fi)</p><p>c</p><p>Q)</p><p>..Cl</p><p>Q)</p><p>"O</p><p>o</p><p>lO</p><p>o-</p><p>:J</p><p>..Cl</p><p>o .... ....</p><p>fi)</p><p>·-o</p><p>25</p><p>.. ...</p><p>1-.. ..</p><p>g ii</p><p>c o .. ..J</p><p>"' o</p><p>"' .. :1!</p><p>o ..J .. c .. ...</p><p>.,oo ...</p><p>o :z: o</p><p>~!: ::></p><p>- z ...</p><p>> c ::> c</p><p>"' o o ....</p><p>"' "' ., ::> 0: .. ::> •::> ... c z ..J c c o ></p><p>"' .. , "' c ::;</p><p>"' o .. ;; • z .. - .. "' ...</p><p>"' .. "'</p><p>(</p><p>b</p><p>l</p><p>B</p><p>E</p><p>N</p><p>S</p><p>E</p><p>S</p><p>E</p><p>II</p><p>V</p><p>IÇ</p><p>O</p><p>S</p><p>D</p><p>E</p><p>S</p><p>U</p><p>II</p><p>-I</p><p>IE</p><p>8</p><p>1</p><p>0</p><p>N</p><p>A</p><p>L</p><p>'</p><p>T</p><p>R</p><p>A</p><p>T</p><p>O</p><p>R</p><p>E</p><p>S</p><p>E</p><p>1</p><p>-</p><p>a</p><p>ú</p><p>2</p><p>-</p><p>IO</p><p>T</p><p>U</p><p>C</p><p>A</p><p>T</p><p>U</p><p>3</p><p>-</p><p>A</p><p>V</p><p>A</p><p>II</p><p>É</p><p>1</p><p>-</p><p>L</p><p>IN</p><p>S</p><p>(</p><p>c</p><p>l</p><p>B</p><p>E</p><p>N</p><p>S</p><p>E</p><p>S</p><p>E</p><p>R</p><p>V</p><p>IÇ</p><p>O</p><p>S</p><p>D</p><p>E</p><p>C</p><p>E</p><p>N</p><p>T</p><p>R</p><p>O</p><p>D</p><p>E</p><p>E</p><p>L</p><p>E</p><p>T</p><p>R</p><p>O</p><p>D</p><p>O</p><p>M</p><p>É</p><p>S</p><p>T</p><p>IC</p><p>O</p><p>S</p><p>E</p><p>H</p><p>O</p><p>S</p><p>P</p><p>IT</p><p>A</p><p>l.</p><p>I</p><p>-</p><p>J</p><p>A</p><p>Ú</p><p>2</p><p>-</p><p>B</p><p>O</p><p>T</p><p>U</p><p>C</p><p>A</p><p>T</p><p>U</p><p>3</p><p>-</p><p>A</p><p>V</p><p>A</p><p>R</p><p>É</p><p>1</p><p>-</p><p>L</p><p>IN</p><p>S</p><p>,.</p><p>1</p><p>/</p><p>\</p><p>.</p><p>__</p><p>.'\'</p><p>-</p><p>'--</p><p>--•</p><p>]</p><p>\</p><p>/</p><p>'</p><p>-</p><p>--·</p><p>\</p><p>1~</p><p>7~</p><p>~</p><p>\</p><p>~"'</p><p>r</p><p>J/</p><p>_</p><p>,.</p><p>, ...</p><p>~</p><p>j</p><p>~</p><p>-</p><p>:</p><p>:</p><p>A</p><p>eE</p><p>R</p><p>A</p><p>L</p><p>\ ~"</p><p>-..</p><p>..\ _,;</p><p>f:</p><p>~</p><p>/</p><p>..</p><p>..</p><p>..</p><p>..</p><p>,</p><p>2</p><p>/~</p><p>\ •</p><p>/</p><p>\</p><p>,O</p><p>N</p><p>T</p><p>E</p><p>'</p><p>R</p><p>E</p><p>G</p><p>IÕ</p><p>E</p><p>S</p><p>D</p><p>E</p><p>IN</p><p>F</p><p>L</p><p>U</p><p>Ê</p><p>N</p><p>C</p><p>IA</p><p>D</p><p>A</p><p>S</p><p>C</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>S</p><p>O</p><p>11</p><p>0</p><p>IO</p><p>O</p><p>K</p><p>M</p><p>~</p><p>N</p><p>~</p><p>N</p><p>-</p><p>I</p><p>"-</p><p>-,</p><p>. " ',</p><p>28</p><p>ção de Bauru se reduz mais ainda, havendo também a redu</p><p>ção da região dos centros sub-regionais. Numerosos cen</p><p>tros de zona, Bariri, Conchas, Duartina e Getulina, entre</p><p>outros, passam a atuar nos espaços de atuação dos centros</p><p>sub-regionais e da capital regional.</p><p>A figura 2, por sua vez, mostra, de um modo não de</p><p>sagregado, a rede de localidades centrais em torno de Bau</p><p>ru. Verifica-se um encaixamento sistemático, na área de in</p><p>fluência dos centros de maior nível hierárquico, da área da</p><p>quelas de nível hierárquico menor. Assim, na região de Bau</p><p>ru estão encaixadas as regiões de Jaú, Botucatu, Avaré e</p><p>Lins. Na região de Botucatu, por exemplo, aninham-se aque</p><p>las de Conchas e São Manuel.</p><p>Convém agora colocar em evidência dois outros aspec</p><p>tos da natureza da hierarquia urbana, os quais podem ser</p><p>inferidos através da análise da figura 2. Maior o nível hie</p><p>rárquico de uma localidade central, menor o seu número e</p><p>mais distanciada está ela de uma outra de mesmo nível. As</p><p>sim, na região de Baúru há uma única capital regional, qua</p><p>tro centros sub-regionais e mais de uma dezena de centros</p><p>de zona que estão pouco distanciados entre si. Em segun</p><p>do lugar, maior o nível hierárquico de um centro, maior a</p><p>sua hinterlândia e maior o total de sua população atendi</p><p>da: na região de Bauru há muito mais população do que</p><p>na de J aú que nela está contida.</p><p>Outro aspecto da natureza da hierarquia urbana é o</p><p>de que, como em uma localidade central de mais alto nível</p><p>hierárquico, o número de funções centrais é maior do que</p><p>em um centro de nível inferior, e isto representa maior nú</p><p>mero de empregos; verifica-se que a população total da ci</p><p>dade de hierarquia mais elevada é maior que a dos demais</p><p>centros: Bauru tem população maior do que a de Lins, e es</p><p>ta maior que a de Getulina.</p><p>Em resumo, maior o nível hierárquico de uma localida</p><p>de central, maior o número de funções centrais, sua popula</p><p>ção urbana, sua região de influência e o total da população</p><p>(/)::J</p><p>;;:~</p><p>0::</p><p>-~</p><p>•</p><p>'W</p><p>0::</p><p>_J o o</p><p>~ _J</p><p>u</p><p>o</p><p>1- w</p><p>o E</p><p>w :::></p><p>LL w</p><p>w a:</p><p>o</p><p>I</p><p>~ .. .. .. ~</p><p>a: o o</p><p>4. IC lO</p><p>]</p><p>4. ..</p><p>\ ·- lO</p><p>C\J</p><p>I • .. •</p><p>-~·</p><p>o</p><p>.</p><p>I , .. .</p><p>I ... , .. .. c .. • :::> :::; ..</p><p>"" !!</p><p>~~</p><p>u o .. .J</p><p>:::> •o :::></p><p>:! o a: ..</p><p>I ""</p><p>o .. 11 .. .... ..J :11 ... .,. .. _,</p><p>... :::></p><p>• a: .. . .. .. " õ: • / . "' "" "' " u u z</p><p>.!! • o ., :::> .. :::> ::> . .. o _, .. .. .. .. \ "' ~ ..,; i .; ,.: ,.; ci .,:</p><p>z ,</p><p>;: 8 z .</p><p>;I·</p><p>.I . ...</p><p>• .</p><p>ª ~~</p><p>;J</p><p>..J z</p><p>-~~~</p><p>c .. o ..</p><p>z z i z</p><p>c ~ ... o ..J</p><p>11 N ..</p><p>a: .. a: u</p><p>:::> "'</p><p>, o</p><p>0: 11 "'</p><p>_,</p><p>:::> o ..</p><p>~ ..J o :!</p><p>::> .. o o ></p><p>"</p><p>.. 0: a: a: o</p><p>a: ii:</p><p>.. .. .. a:</p><p>z z z "' c .. "' ... ... ...</p><p>a: u u u u .. i-· • •</p><p>34</p><p>ses países. Acrescenta-se ainda a disponibilidade de pessoas</p><p>não absorvidas pelo mercado formal de trabalho, que leva</p><p>à criação de certas atividades terciárias e de produção que</p><p>apresentam grande importância, de um lado, como estraté</p><p>gia de sobrevivência e, de outro, na estrutura da distribui</p><p>ção de bens e serviços.</p><p>O baixo nível de demanda, resultado da superexplora-</p><p>ção da força de trabalho ou da persistência de um setor</p><p>agrícola camponês, e a limitada mobilidade espacial podem</p><p>originar pelo menos trêspossibilidades concretas de estrutu</p><p>ração de redes de localidades centrais nos países subdesen-</p><p>volvidos.</p><p>Em primeiro lugar, em razão da demanda de bens e</p><p>serviços de consumo freqüente de fato existir, pois trata-se</p><p>de produtos e serviços necessários ou imprescindíveis à re</p><p>produção da população, verifica-se que o número de pe~ue</p><p>nos centros é relativamente elevado. São centros loca1s e</p><p>de zonas. A pequena mobilidade espacial da população le</p><p>va ao aparecimento de numerosos desses centros, pouco dis</p><p>tantes entre si . A capacidade de oferta de bens e serviços</p><p>desses centros é muito inferior àquela dos centros similares</p><p>de regiões onde o nível de demanda e a mobilidade espa-</p><p>cial são maiores.</p><p>Ao lado dos numerosos pequenos centros, verifica-se</p><p>a ausência de centros intermediários como, por exemplo,</p><p>os centros sub-regionais. As capitais regionais, por sua vez,</p><p>são menos numerosas. A ausência ou menor ocorrência de</p><p>centros intermediários é indicadora do baixo nível de de</p><p>manda da maior parte da população. Como eles devem ofe</p><p>recer bens e serviços de menor freqüência de consumo, ca</p><p>racterizados por serem menos necessários ou mesmo supér</p><p>fluos, e caros, e para estes bens e serviços a demanda ser</p><p>praticamente inexistente, tais centros não têm condi~ões</p><p>de emergir. Há então um achatamento da rede de locahda</p><p>des centrais pela ausência ou mínima ocorrência de centros</p><p>de escalões hierárquicos intermediários. A metrópole regio-</p><p>35</p><p>nal, por sua vez, aparece como sendo relativamente rica,</p><p>pois acaba sendo o único centro que apresenta uma comple</p><p>xa gama de bens e serviços, distanciando-se muito, neste as</p><p>pecto, dos demais . A relativa grandeza metropolitana deve</p><p>se ao fato de que, em parte, nela residem aqueles que dis</p><p>põem de renda que lhes permitem consumir bens e serviços</p><p>de consumo mais raro, caros e sofisticados.</p><p>Uma segunda possibilidade, que não exclui a primei</p><p>ra, ao contrário, convive com ela, é aquela onde emergem</p><p>os mercados periódicos. Definem-se eles como sendo aque</p><p>les núcl~os de povoamento, pequenos, via de regra semi-ru</p><p>rais, que periodicamente transformam-se em localidades</p><p>centrais: uma ou duas vezes por semana, de cinco em cin</p><p>co dias, durante o período de safra, ou de acordo ainda</p><p>com outra periodicidade. Fora dos períodos de intenso mo</p><p>vimento comercial voltam a ser pacatos núcleos rurais, com</p><p>a maior parte da população engajada em atividades primárias.</p><p>Nos dias de mercado o pequeno núcleo transforma-se</p><p>em um centro de mercado. Vendedores dos mais variados</p><p>produtos, artesãos e prestadores de diversos serviços ama</p><p>nhecem no centro com suas mercadorias e instrumentos de</p><p>trabalho. São provenientes de outro pequeno núcleo onde</p><p>no dia anterior atuaram em seus ofícios, ou de um centro</p><p>m~tior onde vendem e exercem quase permanentemente a</p><p>mesma atividade . Alguns vieram da zona rural onde dedicam</p><p>se às atividades primárias: vieram vender sua produção e</p><p>comprar alguns bens que não produzem. Utilizando tropas</p><p>de burros, a cavalo, em carroças, em caminhões e utilitários,</p><p>em embarcações e mesmo a pé, vendedores e compradores</p><p>dirigem-se ao núcleo em seus dias de mercado. Estes são ain</p><p>da os dias em que as pessoas se encontram, sabem das novi</p><p>dades e vários eventos sociais, culturais e políticos se realizam.</p><p>Os mercados periódicos representam uma forma de sin</p><p>cronização espaço-temporal das atividades humanas, isto é,</p><p>os dias de funcionamento de cada mercado acham-se articu</p><p>lados aos dos demais numa lógica de tempo e espaço, en-</p><p>36</p><p>volvendo o deslocamento periódico e sincronizado dos par</p><p>ticipantes de um dado mercado. Em outros termos, os co</p><p>merciantes e prestadores de serviços reúnem-se a cada dia</p><p>em um determinado núcleo: para aí converge a clientela</p><p>de uma área próxima ao núcleo.</p><p>A existência dos mercados periódicos parece residir,</p><p>de um lado, no fato de o alcance espacial mínimo ser supe</p><p>rior ao· alcance espacial máximo. Em outras palavras, o li</p><p>mite da área que engloba o número de pessoas necessárias</p><p>para que os comerciantes se fixem encontra-se, em razão</p><p>de muito baixo nível da àemanda e da pequena mobilida</p><p>de espacial, além do limite até onde os consumidores conse</p><p>guem efetivamente deslocar-se. Em situações como esta, ar</p><p>gumenta Stine comentado por Corrêa, a alternativa para</p><p>os comerciantes é tornarem-se móveis, percorrendo sistema</p><p>ticamente os núcleos de povoamento e estabelecendo-se</p><p>em cada um deles periodicamente. De outro lado os merca</p><p>dos periódicos existem em razão de padrões culturais que</p><p>persistem em áreas onde as condições econômicas possibili</p><p>tariam uma localização fixa dos comerciantes.</p><p>A figura 5 refere-se a um setor do Agreste e Sertão</p><p>de Alagoas. Ali, como em todo o Nordeste brasileiro, as</p><p>"feiras" são instituições econômico-culturais tradicionais,</p><p>constituindo-se na forma nordestina de realização de uma</p><p>grande parcela das trocas. A periodicidade das "feiras"</p><p>confere-lhes ó caráter de mercados periódicos que se verifi</p><p>cam não apenas em minúsculos centros como Coité do</p><p>Noia e Lagoa da Canoa, mas em centros de zona como Ba</p><p>talha e mesmo em uma capital regional como Arapiraca,</p><p>uma cidade com mais de 80 000 habitantes. Sugere-se que</p><p>sejam empreendidos estudos sistemáticos sobre as "feiras"</p><p>nordestinas: certamente contribuirão muito para a compreen</p><p>são da natureza e significado da rede urbana regional. 9</p><p>9 CORRÊA, Roberto Lobato. A rede de localidades centrais nos países sub</p><p>desenvolvidos. Revista Brasileira de Geografia, 50 (l ), 1988.</p><p>o</p><p>I ...</p><p>z</p><p>õ</p><p>0:</p><p>o</p><p>"' ::> ..</p><p>I</p><p>I</p><p>I •</p><p>que cada</p><p>centro atue simultaneamente através de ambos, dispondo</p><p>assim de duas regiões de influência.</p><p>A figura 6 mostra as duas regiões de influência de cen</p><p>tros de três níveis hierárquicos, local, intermediário e metro</p><p>politano. O centro local atua sobretudo através do circui</p><p>to inferior. É através do circuito superior que se verifica a</p><p>atuação espacial máxima da metrópole. Contudo, como lem</p><p>bra Santos, a atuação metropolitana n;este circuito não se</p><p>dá de modo espacialmente contínuo, mas sim descontinua</p><p>mente. Isto se deve ao fato de que o circuito superior está</p><p>voltado para as atividades modernas e população de renda</p><p>elevada. E como estas atividades e população não se distri</p><p>buem homogeneamente por todo o território, verifica-se a</p><p>referida descontinuidade. O centro intermediário, por sua</p><p>vez, apresenta alcance espacial máximo em função de seu</p><p>circuito superior.</p><p>(/)</p><p>õ</p><p>o</p><p>C/)</p><p>o</p><p>...J</p><p>UJ</p><p>0..</p><p>o</p><p>o</p><p>ct:</p><p>0:::</p><p>UJ</p><p>I-</p><p>...J</p><p>ct:</p><p>0:::</p><p>UJ</p><p>...J</p><p>...J</p><p>ct:</p><p>I-</p><p>(/)</p><p>0:::</p><p>:r</p><p>o</p><p>UJ</p><p>o</p><p>o</p><p>...J</p><p>UJ</p><p>o</p><p>o</p><p>:E</p><p>o</p><p>({)</p><p>C)</p><p>LJ...</p><p>ct: -</p><p>:E</p><p>o</p><p>:z</p><p>o o</p><p>UJ</p><p>ct: o</p><p>I</p><p>I</p><p>I</p><p>/</p><p>/</p><p>.\'</p><p>....... -- ....... / ..... ,</p><p>/'></p><p>~</p><p>:></p><p>o</p><p>0:</p><p>"" 0: ...</p><p>i</p><p>c ... ii: z</p><p>~</p><p>•c</p><p>õ :::; ... o</p><p>"' ... 0: ... o ... c 0: u ... ... ... z o</p><p>"' - ...</p><p>• • •</p><p>I</p><p>I</p><p>/</p><p>_._./</p><p>o</p><p>..---</p><p>/ '\</p><p>r I I I I</p><p>' /</p><p>'-~</p><p>39</p><p>., ...</p><p>~</p><p>C/)</p><p>o ...</p><p>z</p><p>"' C/)</p><p>"'</p><p>40</p><p>A importância do tema em questão é enorme. Estudos</p><p>empíricos realizados no Brasi~ muito contribuíram para a</p><p>compreensão da magnitude e significado, em cada uma das</p><p>regiões do país, dos dois circuitos da economia.</p><p>As relações cidade-região</p><p>Ao contrário das abordagens anteriores, o estudo das</p><p>relações cidade-região tem sido empreendido principalmen</p><p>te pelos geógrafos europeus, particularmente os franceses.</p><p>Este tema constitui-se, em realidade, em uma transforma</p><p>ção da clássica temática cidade-campo.</p><p>Cidade e campo têm se constituído, ao longo da história</p><p>das ciências sociais, em um dos mais significativos temas de</p><p>\</p><p>interesse de historiadores, sociólogos, antropólogos, econo-</p><p>mistas e geógrafos. Este interesse advém, de um lado, da cren</p><p>ça empirista de que cidade e campo constituem as duas meta</p><p>des em que a sociedade pode ser dividida e analisada. De ou</p><p>tro, da crença marxista de que cidade e campo são dois ter</p><p>mos de uma contradição em torno da qual a história se faz.</p><p>Na primeira vertente de tratamento do tema destacam</p><p>se, entre os não geógrafos, as construções dicotômicas cida</p><p>de-campo e o continuum rural-urbano. No primeiro caso es</p><p>tabelece-se um contraste em que a cidade. aparece como sinô</p><p>nimo de desenvolvimento e o campo de atraso. Civitas e So</p><p>cietas, Gesellschajt (sociedade) e Gemeinschajt (comunidade),</p><p>racional e tradicional são alguns dos termos que designam es</p><p>te contraste. Da discussão sobre a dicotomia cidade-campo</p><p>emerge a tese do continuum rural-urbano, onde entre os dois</p><p>pólos há uma gradação que traduz um processo efetivo e con</p><p>tínuo de mudança do mundo rural para a grande cidade: esta</p><p>mudança pressupõe a existência de relações cidade-campo. 10</p><p>10 REI SSMAN, Leonard. The urban process; cities in industrial societies.</p><p>New York, The Free Press, 1970.</p><p>41</p><p>A segunda vertente considera a gênese e a evolução</p><p>das relações cidade-campo no âmbito da crítica contra a te</p><p>se da autonomia da consciência dos homens e de seu papei</p><p>na determinação da vida. Cidade e campo aparecem como</p><p>termos antagônicos ao longo da história. As relações entre</p><p>ambos são vistas em termos da dinâmica social, culminan</p><p>do com a "vitória da cidade sobre o campo" a partir da</p><p>grande indústria, como afirmam Marx e Engels na Ideolo</p><p>gia alemã.</p><p>A abordagem geográfica ao tema tem sido feita consi</p><p>derando as relações entre cidade e região, isto é, uma gran</p><p>de cidade e sua hinterlândia constituída por centros urba</p><p>nos menores e áreas rurais, em muitos casos diferenciadas</p><p>em termos de estruturas e paisagens agrárias.</p><p>Foi verificado que, de acordo com o tipo de socieda</p><p>de, as relações entre cidade e região não se processam do</p><p>mesmo modo e com a mesma intensidade. No entanto, num</p><p>esforço de síntese, como fez Pierre George, pode-se apon</p><p>tar em suas linhas gerais estas relações, lembrando, porém,</p><p>que refletem uma visão citadina da questão. As relações</p><p>são indicadas a seguir; como se pode verificar, algumas de</p><p>las constituem objeto de abordagens anteriormente apresen</p><p>tadas :</p><p>(a) A atraÇ\ãO urbana sobre a população regional.</p><p>(b) A comercialização pela cidade dos produtos rurais.</p><p>(c) A drenagem urbana da renda fundiária.</p><p>(d) A distribuição pela cidade de investimentos e trabalho.</p><p>(e) A distribuição de bens e serviços .</p><p>Diversos ·estudos mostraram, por outro lado, que as</p><p>diferentes combinações e especificidades regionais das rela</p><p>ções acima apontadas levam a um duplo resultado que sin</p><p>tetiza o conjunto delas: a cidade é um espelho de sua re</p><p>gião, ou então esta é o resultado de uma ação motora por</p><p>parte da cidade. Assim, Libreville, capital do Gabão, estu</p><p>dada por Lasserre, encontra-se no primeiro caso, enquan</p><p>to no segundo está a região lionesa, forjada pelo capital</p><p>I I</p><p>da burguesia de Lyon, conforme mostra Labasse. Outros</p><p>autores como Juillard apontam que os resultados das rela</p><p>ções entre cidade e região podem se traduzir em. dependên</p><p>cia, complementação ou concorrência entre ambas, ou, ai~</p><p>da, que é possível identificar, a partir das relações entre CI</p><p>dade e região, uma tipologia de cidades européias: villes</p><p>rentieres du sol, villes insulaires e villes urbanisantes.</p><p>11</p><p>O trabalho de Dugrand sobre a região vitivinicultora</p><p>do Baixo Languedoc, no Sul da França, é um dos mais sig</p><p>nificativos exemplos de estudo abordando o tema em ques</p><p>tão. Inspirado em parte nas proposições de Pierre George,</p><p>serviu de orientação geral para o estudo sobre o Sudoeste</p><p>paranaense, 12 uma área de pequenos produtores originários,</p><p>em grande parte, do Rio Grande do Sul.</p><p>Vejamos agora que sugestões foram feitas para se con-</p><p>siderar cada uma das relações acima apontadas.</p><p>A cidade, especialmente a metrópole, exerce uma atra</p><p>ção sobre a população de sua região de influência: seu cres</p><p>cimento demográfico é, assim, superior ao seu crescimen</p><p>to vegetativo. Esta atração define migrações definitivas nas</p><p>quais os migrantes acabam tornando-se citadinos. Mas a</p><p>metrópole exerce também uma atração cotidiana, pois mo</p><p>radores de núcleos próximos nela encontram um relativa</p><p>mente grande mercado de ·trabalho. Trata -se, neste caso,</p><p>de migrações pendulares, alternantes ou jornada para o tra-</p><p>balho.</p><p>Em relação ao primeiro tipo de migração deve ser in-</p><p>vestigada a origem da população urbana - procurando-se</p><p>detectar qual a importância do contingente de migrantes</p><p>na formação da população citadina - e o momento em</p><p>que se verificou cada uma das correntes migratórias. As</p><p>causas das migrações constituem um segundo aspecto a ser</p><p>li CORRÊA, R,oberto Lobato . Estudo das relações entre cidade e região.</p><p>Revista Brasileira de Geografia, 31 (1), 1969.</p><p>12 Idem, coord. Cidade e região no Sudoeste paranaense. Revista Brasilei-</p><p>ra de Geografia, 32 (2) , 1970.</p><p>43</p><p>abordado: é significativo apreender as especificidades espa</p><p>ciais destas causas. Sugere-se que sejam consideradas as for</p><p>mas de emigração - jovens, adultos, solteiros, famílias in</p><p>teiras etc. - e as etapas da emigração, as quais podem en</p><p>volver a rede urbana - da zona rural para a pequena cida</p><p>de e desta para a metrópole.</p><p>De extrema importância é o estudo das conseqüências</p><p>da migração nas zonas de emigração, o · qual deve abordar</p><p>tanto a dimensão demográfica - estrutura etária, propor</p><p>ção dos sexos etc. - como a econômica __:_ envolvendo</p><p>por exemplo, os sistemas agrícolas e os efeitos sobre a:s ati~</p><p>·. vidades comerciais -e a da paisagem agrária - , nela inse</p><p>rindo-se o habitat rural. Finalmente, o último tópico a ser</p><p>considerado refere-se às atividades dos migrantes na cida</p><p>de e à sua localização</p><p>intra-urbana: isto fornece uma medi</p><p>da do significado da atração urbana sobre a população de</p><p>sua região.</p><p>As migrações pendulares, provenientes de núcleos loca</p><p>lizados em periferias rurais-urbanas, podem ser· vistas co</p><p>mo um indicador do processo de urbanização. Sugere-se</p><p>que se considere a origem dos migrantes, isto é, a área de</p><p>proveniência dos commuters, causas, formas e meios desta</p><p>migração pendular, as atividades dos migrantes e as conse</p><p>qüências do movimento migratório .na periferia rural-urbana.</p><p>A metrópole constitui-se em um importante mercado</p><p>consumidor de produtos rurais, quer alimentos, quer maté</p><p>rias-primas para as suas indústrias. Dugrand sugere que, fa</p><p>ce a estas relações entre cidade e região, considere-se os se</p><p>guintes tópicos: os m~canismos de comercialização, a estru</p><p>tura das empr~sas comerciais, e os tipos de centros de co</p><p>mercialização.</p><p>Face ao primeiro tópico é importante verificar inicial</p><p>mente os tipos de transações comerciaisque se realizam, is</p><p>to é, como se fazem a compra e a venda da produção do</p><p>campo, e, em seguida, identificar os tipos de agentes vincu</p><p>lados à comercialização - atacadistas coletores, redistribui-</p><p>_ _ _:::a. _ ___ _ ___ _ _ --</p><p>'I</p><p>111</p><p>11</p><p>11</p><p>llrlri'</p><p>'1111</p><p>-</p><p>44</p><p>dores, cooperativas, supermercados, o Estado, donos de ca</p><p>minhão etc. - e suas práticas econômicas e políticas.</p><p>Sobre a estrutura das empresas sugere-se examinar os</p><p>aspectos relativos à implantação do equipamento comercial</p><p>e aos tipos de empresas. Esta indagação envolve a gênese</p><p>e a dinâmica do comércio, bem como a identificação das em</p><p>presas segundo a origem do capital, a forma de organiza</p><p>ção e as outras atividades que possuem.</p><p>Os tipos de centros de comercialização devem ser ana</p><p>lisados considerando-se, de um lado, o equipamento comer</p><p>cial que possuem, tal como bancos, armazéns, silos, escritó</p><p>rios de compra, serviços de transporte etc. e, de outro, os</p><p>fluxos que para eles convergem e divergem, envolvendo a</p><p>área de coleta e os centros para onde a produção é reexpe</p><p>dida, o volume comercializado e os meios de transporte uti</p><p>lizados.</p><p>É necessário, finalmente, fazer-se uma avaliação do</p><p>significado do processo de comercialização de produtos ru</p><p>rais, tanto em relação à cidade como ao campo.</p><p>A drenagem da renda fundiária pela cidade constitui</p><p>se em muitas áreas um importante aspecto da vida social,</p><p>econômica e política. A cidade constitui-se, nestes casos,</p><p>em lugar de residência de proprietários rurais absenteístas,</p><p>e este fato pode assumir enorme importância. Segundo Du</p><p>grand, esta temática pode ser abordada a partir da conside</p><p>ração de três aspectos: a importância da propriedade fun</p><p>diária citadina, a sua estrutura interna, e as conseqüências</p><p>da drenagem da renda fundiária.</p><p>Sobre a importância da propriedade fundiária citadi</p><p>na é relevante abordar, primeiramente, a sua extensão espa</p><p>cial, isto é, em que unidades político-admiÍlistrativas estão</p><p>localizadas, qual a sua magnitude - número e área ocupa</p><p>da - e o que representa em termos da estrutura fundiária</p><p>em cada uma das unidades . É assim possível saber que cen</p><p>tros urbanos desempenham este papel de drenagem, onde</p><p>atuam e qual a intensidade da atuação. A apreensão destes</p><p>45</p><p>aspectos pressupõe que se conheça a gênese e a dinâmica</p><p>do processo de drenagem da renda fundiária rural.</p><p>A estrutura interna da propriedade citadina pode ser</p><p>analisada a partir da identificação, primeiramente, dos ti</p><p>pos de propriedades de acordo com a dimensão e a finalida</p><p>de - fim de semana, especulação, prestígio, valorização</p><p>de capitais. Em segundo lugar, considerando a utilização</p><p>da terra e estabelecendo a comparação com aquela das pro</p><p>priedades dos rurícolas. Finalmente, analisando os tipos so</p><p>ciais de proprietários - tradicional ou recente, associado</p><p>ou não a outras atividades, regionais ou extra-regionais etc.</p><p>É de fundamental importância que se considere as con</p><p>seqüências da drenagem da renda fundiária, tanto no cam</p><p>po como na cidade: isto se inicia pela análise da aplicação</p><p>da renda fundiária e pode finalizar pela comparação do ní</p><p>vel de consumo da população rural e dos proprietários fun</p><p>diários citadinos.</p><p>A grande cidade pode também investir recursos no cam</p><p>po e em cidades menores, criando, assim, trabalho. O de</p><p>senvolvimento agrícola, a difusão da indústria na região</p><p>de influência, a extensão das zonas de residência peri-urba</p><p>na, a organização de áreas de recreação e de reservas natu</p><p>rais, e a promoção dos habitantes da região aos níveis de</p><p>renda semelhantes aos dos habitantes da grande cidade, se</p><p>riam resultados positivos dos investimentos realizados pela</p><p>cidade. A idéia da cidade como centro difusor do desenvol</p><p>vimento regional está assim presente entre os geógrafos que</p><p>trabalharam a temática cidade-região.</p><p>Sugere-se que sejam considerados, de um lado, os in</p><p>vestimentos realizados pela cidade e, de outro, as conseqüên</p><p>cias sobre a organização do espaço regional.</p><p>Os investimentos realizados pela grande cidade devem</p><p>ser analisados em termos da sua distribuição espacial, con</p><p>siderando-se ainda a natureza das atividades criadas e os ti</p><p>pos de investidores - empresas regionais ou extra-regio</p><p>nais , proprietários fundiários , grandes corporações etc.</p><p>46</p><p>No que se refere às conseqüências dos investimentos é im</p><p>portante que seja verificado que novas atividades foram cria</p><p>das, que modificações na estrutura social do campo e das</p><p>pequenas cidades foram introduzidas e, finalmente, quais</p><p>os impactos dos investimentos na integração regional.</p><p>· A integração pressupõe o desenvolvimento de ativida</p><p>des terciárias e a efetiva distribuição de bens e serviços, cu</p><p>ja intensidade é uma expressão do grau de integração regio</p><p>nal à grande cidade. Um centro urbano, contudo, pode de</p><p>sempenhar um nulo ou inexpressivo papel como foco de</p><p>drenagem da renda fundiária ou núcleo irradiador de inves</p><p>timentos; entretanto, será, em maior ou menor grau, uma</p><p>localidade central.</p><p>Segundo Dugrand, no estudo sobre o papel das cida</p><p>des como focos de distribuição de bens e serviços, deve"se</p><p>abordar os tipos de transações comerciais, a estrutura das</p><p>empresas e os tipos de centros distribuidores.</p><p>As transações comerciais podem ser analisadas segun</p><p>do sejam elas varejista, atacadista, de representação etc., se</p><p>gundo a forma de pagamento, a freqüência com que são</p><p>feitas as transações, e as categorias sociais dos participan</p><p>tes. As empresas, por .outro lado, devem ser pesquisadas</p><p>procurando-se conhecer a gênese e a dinâmica, e definir</p><p>os tipos de acordo com a origem do capital, a forma de or</p><p>ganização e as outras atividades e empresas vinculadas.</p><p>Finalmente, no que se refere aos tipos de centros de</p><p>distribuição, a questão reporta-se àquela da hierarquia urba</p><p>na, tendo como suporte teórico mais significativo a teoria</p><p>das localidad·es centrais.</p><p>Eis o tema.das relações cidade-região. É extremamen</p><p>te rico . As relações abordadas podem ser tratadas de outro</p><p>modo, de uma maneira mais integrada. Neste sentido serão</p><p>retomadas mais adiante, numa tentativa de, teoricamente,</p><p>integrá-las consistentemente.</p><p>3</p><p>Natureza e significado</p><p>da rede urbana</p><p>As abordagens anteriormente identificadas, e apresen</p><p>tadas em seus traços mais gerais, são incapazes, ainda que</p><p>em graus diversos, de revelar a natureza e o significado da</p><p>rede urbana. Algumas delas descrevem um ou vários de</p><p>seus aspectos, importantes, sem dúvida, mas insuficientes</p><p>para darem conta da realidade social, da qual a rede urba</p><p>na é uma dimensão,,pois são análises parcelares. Outras tra</p><p>tam a principal cidade como se fosse dotada de autonomia,</p><p>capaz de produzir ou difundir mudanças sociais. A aborda</p><p>gem das relações cidade-região, apesar das enormes poten</p><p>cialidades que apresenta, não foi capaz de revelar a nature</p><p>za e o significado da rede urbana.</p><p>Em realidade as abordagens consideradas são, com ra</p><p>ras exceções, caracteristicamente de natureza positivista e</p><p>funcionalista. A cidade - e, por</p>