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<p>O</p><p>PREFÁCIO</p><p>Marco	Zingano[1]</p><p>pequeno	tratado	intitulado	À	paz	perpétua	nasceu	grande.	Publicado	pela</p><p>primeira	vez	em	1795,	na	Alemanha,	o	livro	teve	várias	reedições,	tendo</p><p>logo	sido	traduzido	para	o	francês.	A	razão	é	simples:	a	Europa	vivia	um</p><p>momento	de	forte	mudança,	ocasionado	pela	Revolução	Francesa,	que,	a	partir</p><p>de	1789,	apresentava	ao	mundo	uma	perspectiva	política	inovadora	e	altamente</p><p>contagiante.	O	período	do	Terror,	de	1793	a	1794,	anunciava,	porém,	que	esta</p><p>nova	vida	política	não	viria	sem	seus	próprios	demônios,	de	um	horror	até	então</p><p>desconhecido.	É	assim	que,	quando	Kant	publica,	em	seus	anos	de	velhice,	após</p><p>a	longa	maturação	de	seu	sistema	crítico	e	tendo	também	já	escrito	sobre	a</p><p>história	de	modo	menos	técnico,	um	ensaio	sobre	a	paz	em	um	diapasão</p><p>republicano	e	cosmopolita,	o	público	culto	vê	aqui	uma	chance	ímpar	para</p><p>pensar	seu	próprio	tempo.	Em	primeiro	plano	estão,	obviamente,	as</p><p>possibilidades	da	paz	e	a	defesa	do	republicanismo.	O	pequeno	livro	de	Kant,</p><p>contudo,	vai	mais	longe,	pois	não	só	responde	ao	seu	tempo,	mas	também</p><p>formula	questões	para	o	futuro.	Entre	elas,	está	o	problema	de	como	organizar	as</p><p>nações	em	uma	federação,	sem	que	percam	sua	identidade	ou	autonomia,	mas</p><p>em	cujo	seio	suas	divergências	possam	ser	discutidas	na	forma	da	lei	a	fim	de</p><p>evitar	o	pior	fracasso	da	política,	a	guerra	e	seu	cortejo	de	males.	Está	enfim</p><p>esboçado	o	que	resultará	na	Organização	das	Nações	Unidas,	um	século	e	meio</p><p>mais	tarde,	após	a	experiência	de	guerras	ainda	mais	devastadoras	e	de	um</p><p>horror	nunca	cogitado,	quase	inimaginável.	O	livro	de	Kant	fala	assim	ao	seu</p><p>tempo,	mas	também	a	nós,	indagando	seriamente	sobre	o	que	queremos	ser.</p><p>Livro	de	filósofo,	livro	de	reflexão:	sobretudo,	cada	linha	acentua	a	relação</p><p>necessária	entre	ética	e	política	por	intermédio	do	direito,	agora	tomado	como</p><p>direito	internacional.	Discretamente	amparado	em	seu	sistema	crítico,	Kant	nos</p><p>lega	um	estudo	contundente	sobre	nossas	perspectivas	políticas.	Escrito	em</p><p>linguagem	acessível,	ele	não	é	menos	interrogador	sobre	nosso	futuro.</p><p>[1]	Marco	Zingano	é	professor	do	Departamento	de	Filosofia	da	Faculdade	de	Filosofia,	Letras	e	Ciências</p><p>Humanas	da	Universidade	de	São	Paulo,	com	doutorado	na	área	de	ética	aristotélica.	É	autor	de	diversos</p><p>livros	na	área	da	filosofia,	entre	eles	Estudos	de	ética	antiga	(Discurso,	2007)</p><p>D</p><p>UM	PROJETO	FILOSÓFICO</p><p>eixe-se	de	lado	se	esta	inscrição	satírica	na	tabuleta	de	uma	estalagem</p><p>holandesa,	em	que	estava	pintado	um	cemitério,	vale	para	os	homens	em</p><p>geral,	ou	em	particular	para	os	chefes	de	Estado,	que	nunca	estão	fartos	de</p><p>guerra,	ou	quiçá	somente	para	os	filósofos	que	sonham	com	este	doce	sonho.</p><p>Isto,	porém,	o	autor	do	presente	ensaio	reclama:	que,	já	que	o	político	prático</p><p>põe-se,	com	o	teórico,	a	desdenhá-lo	com	grande	presunção,	como	a	um</p><p>acadêmico	que,	com	suas	idéias	ocas,	não	traz	perigo	algum	ao	Estado,	que	tem</p><p>de	ser	regido	por	princípios	da	experiência,	e	a	quem	sempre	se	pode	deixar</p><p>jogar	nas	onze	posições	sem	que	o	estadista	experimentado	tenha	de	se	importar</p><p>com	isso,	ele,	em	caso	de	conflito	com	o	teórico,	tem	também	de	proceder	de</p><p>modo	conseqüente	e	não	farejar	perigo	ao	Estado	por	trás	de	suas	opiniões</p><p>publicamente	expressas	e	aventadas	a	esmo	–	mediante	esta	clausula	salvatoria</p><p>o	autor	deste	ensaio	pretende	expressamente	proteger-se,	do	melhor	modo,</p><p>contra	toda	interpretação	malévola.</p><p>PRIMEIRA	SEÇÃO,	QUE	CONTÉM	OS	ARTIGOS	PRELIMINARES</p><p>PARA	A	PAZ	PERPÉTUA	ENTRE	OS	ESTADOS</p><p>1.	“Nenhum	tratado	de	paz	deve	ser	tomado	como	tal	se	tiver	sido	feito	com</p><p>reserva	secreta	de	matéria	para	uma	guerra	futura.”</p><p>Pois	seria	então	um	simples	armistício,	suspensão	das	hostilidades,	não	paz,</p><p>que	significa	o	fim	de	todas	as	hostilidades,	e	atrelar-lhe	o	adjetivo	de	perpétua	é</p><p>já	um	pleonasmo	suspeito.	As	causas	existentes	para	a	guerra	futura,	embora</p><p>talvez	agora	ainda	não	sejam	conhecidas	aos	próprios	contratantes,	são</p><p>aniquiladas	em	seu	todo	pelo	tratado	de	paz	–,	sejam	elas	retiradas	de</p><p>documentos	de	arquivo	pela	mais	arguta	habilidade	de	especulação.	–	A	reserva</p><p>(reservatio	mentalis)	de	pretensões	antigas	que	podem	ser	reclamadas	no	futuro,</p><p>das	quais	nenhuma	parte	faria	menção	por	ora,	porque	ambas	estão	demasiado</p><p>extenuadas	para	continuar	a	guerra,	pela	perversa	intenção	de	aproveitar	a</p><p>primeira	oportunidade	favorável	para	este	fim,	pertence	à	casuística	jesuítica	e</p><p>está	abaixo	da	dignidade	dos	regentes,	assim	como	a	deferência	a	semelhantes</p><p>deduções	está	abaixo	da	dignidade	de	um	ministro,	quando	se	julga	a	coisa	como</p><p>ela	é	em	si	mesma.</p><p>Se,	porém,	a	verdadeira	honra	do	Estado	está,	segundo	conceitos</p><p>esclarecidos	da	prudência	de	Estado,	no	aumento	constante	do	poder,	seja	por</p><p>que	meio	for,	então	certamente	salta	aos	olhos	que	esse	juízo	é	pedante	e</p><p>primário.</p><p>2.	“Nenhum	Estado	independente	(pequeno	ou	grande,	isso	tanto	faz	aqui)	pode</p><p>ser	adquirido	por	um	outro	Estado	por	herança,	troca,	compra	ou	doação.”</p><p>Um	Estado	não	é	um	patrimônio	(patrimonium)	(como	de	certo	modo	o</p><p>solo	sobre	o	qual	se	encontra).	Ele	é	uma	sociedade	de	homens	de	que	ninguém,</p><p>a	não	ser	o	próprio	Estado,	pode	dispor	e	ordenar.	Anexá-lo,	porém,	como</p><p>enxerto	a	um	outro	Estado,	ele	que	tinha	como	tronco	sua	própria	raiz,	chama-se</p><p>anular	sua	existência	como	uma	pessoa	moral	e	fazer	da	última	uma	coisa,	e</p><p>contradiz,	portanto,	a	idéia	de	contrato	originário,	sem	o	qual	não	se	compreende</p><p>nenhum	direito	sobre	um	povo[1].	É	de	todos	conhecido	o	perigo	que	trouxe	à</p><p>Europa,	até	nosso	mais	recente	tempo,	o	preconceito	desse	modo	de	aquisição,</p><p>pois	as	outras	partes	do	mundo	nunca	tomaram	conhecimento	de	que	também	os</p><p>Estados	poderiam	esposar	uns	aos	outros,	em	parte	como	um	novo	modo</p><p>engenhoso	de	fazer-se,	sem	dispêndio	de	forças,	todo-poderoso	mediante</p><p>alianças	familiares,	em	parte	para	alargar,	desse	modo	a	posse	de	terras.	É	de	se</p><p>computar	também	a	contratação	de	tropas	de	um	Estado	por	um	outro	contra	um</p><p>inimigo	que	não	é	comum,	pois	com	isso	usa-se	e	abusa-se	dos	súditos	como</p><p>coisas	manejáveis	à	vontade.</p><p>3.	“Exércitos	permanentes	(miles	perpetuus)	devem	desaparecer	completamente</p><p>com	o	tempo.”</p><p>Pois	eles	constantemente	ameaçam	outros	Estados	com	guerra,	mediante	a</p><p>prontidão	para	tanto	em	que	sempre	parecem	estar;	emulam-nos	a	sobrepujar	uns</p><p>aos	outros	na	quantidade	de	homens	em	armas,	que	não	conhece	limites,	e	como,</p><p>pelos	custos	empregados	nisto,	a	paz	torna-se	mais	onerosa	do	que	uma	guerra</p><p>curta,	são	assim	eles	próprios	causa	de	guerras	ofensivas	para	desfazerem-se</p><p>desse	peso;	acrescente-se	que	ser	mantido	em	soldo	para	matar	ou	ser	morto</p><p>parece	consistir	no	uso	de	homens	como	simples	máquinas	e	instrumentos	na</p><p>mão	de	um	outro	(o	Estado),	uso	que	não	se	pode	se	harmonizar	com	o	direito	de</p><p>humanidade	em	nossa	própria	pessoa.	Completamente	diferente	ocorre	com	o</p><p>exercício	periódico	voluntariamente	proposto	dos	cidadãos	em	armas	para</p><p>assegurar-se	assim	a	si	e	à	pátria	de	agressões	externas.	Com	a	acumulação	de</p><p>um	tesouro	ocorreria	justamente	que	ele,	considerado	por	outros	Estados	como</p><p>ameaça	de	guerra,	obrigaria	a	ataques	preventivos	(porque	entre	as	três</p><p>potências,	a	das	forças	armadas,	a	da	aliança	e	a	do	dinheiro,	a	última	bem</p><p>poderia	ser	o	instrumento	de	guerra	mais	seguro,	se	não	se	lhe	opusesse	a</p><p>dificuldade	de	averiguar	a	grandeza	desta	potência).</p><p>4.	“Não	deve	ser	feita	nenhuma	dívida	pública	em	relação	a	interesses	externos</p><p>do	Estado.”</p><p>Procurar	recursos	dentro	ou	fora	do	Estado	no	interesse	da	economia	do</p><p>país	(aprimoramento	dos	caminhos,	novas	colonizações,	provimento	dos</p><p>armazéns	para	anos	preocupantes	de	colheita	insuficiente	etc.)	é,	este	expediente,</p><p>insuspeito.	Porém,	um	sistema	de	crédito,	como	máquina	que	opõe	as	potências</p><p>umas	contra	as	outras,	de	custos	crescentes	e,	contudo,	sempre	pronto	para</p><p>exigências	momentâneas	(pois	elas	não	ocorrem	com	todos	os	credores	de	uma</p><p>só	vez)	–	a	engenhosa	invenção	de	um	povo	mercantil	neste	século	–	é	uma</p><p>perigosa	potência	de	dinheiro,	ou	seja,	um	tesouro	para	a	beligerância	que</p><p>sobrepuja	os	tesouros	de	todos	os	outros	Estados	tomados</p><p>idéia	da</p><p>razão,	e	isto	também	deve	custar	o	sacrifício	do	egoísmo.	Ora,	como	o</p><p>rompimento	de	um	vínculo	de	Estado	ou	de	coligação	cosmopolita,	antes	de</p><p>estar	à	disposição,	em	seu	lugar,	uma	constituição	ainda	melhor	é	contrário	a</p><p>toda	prudência	de	Estado,	concorde	isto	com	a	moral,	seria	então	certamente</p><p>absurdo	exigir	que	aquele	defeito	tenha	de	ser	modificado	imediata	e</p><p>impetuosamente;	mas	que	pelo	menos	a	máxima	da	necessidade	de	uma	tal</p><p>modificação	esteja	o	mais	intimamente	presente	no	detentor	do	poder	para	que</p><p>permaneça	em	constante	aproximação	ao	fim	(da	melhor	constituição	segundo</p><p>leis	do	direito),	isso	pode,	porém,	ser	exigido	dele.	Um	Estado	pode	já	também</p><p>governar-se	republicanamente,	embora,	ao	mesmo	tempo,	segundo	a</p><p>constituição	existente,	possua	um	poder	soberano	despótico,	até	que	o	povo</p><p>gradualmente	se	torne	apto	à	influência	da	simples	idéia	da	autoridade	da	lei</p><p>(como	se	a	lei	possuísse	uma	força	física)	e	em	conseqüência	encontre-se	hábil	à</p><p>legislação	própria	(que	originariamente	está	fundada	no	direito).	Se	também	for</p><p>obtida	uma	constituição	conforme	à	lei	de	modo	ilegítimo	pelo	arrufo	de	uma</p><p>revolução	provocada	por	uma	constituição	ruim,	então	também	não	teria	mais	de</p><p>ser	considerado	permitido	trazer	o	povo	novamente	à	antiga,	embora	em	sua</p><p>vigência	cada	um	que	tome	parte	com	emprego	de	força	ou	com	perfídia	estaria</p><p>por	direito	sujeito	às	penas	de	insurreição.	Mas,	no	que	concerne	à	relação</p><p>exterior	dos	Estados,	não	pode	ser	exigido	de	um	Estado	que	deva	renunciar	à</p><p>sua	constituição,	ainda	que	despótica	(que	é,	ainda	assim,	a	mais	forte	em</p><p>relação	aos	inimigos	externos),	enquanto	correr	perigo	de	ser	devorado	por</p><p>outros	Estados;	por	conseguinte,	tem	de	ser	também	permitida	a	protelação	da</p><p>execução	daquele	propósito	até	uma	melhor	oportunidade	de	tempo[1].</p><p>Sempre	pode	ocorrer,	portanto,	que	os	moralistas	despotizantes	(que</p><p>malogram	na	execução)	violem	variadas	vezes	a	prudência	de	Estado	(por</p><p>medidas	tomadas	ou	preconizadas	precipitadamente).	Assim	a	experiência	deve</p><p>levá-los,	nessa	sua	violação	contra	a	natureza,	cada	vez	mais	a	uma	trilha</p><p>melhor;	em	vez	disso,	os	políticos	moralizantes,	pelo	disfarce	de	princípios	de</p><p>Estado	contrários	ao	direito,	sob	o	pretexto	de	uma	natureza	humana	incapaz	do</p><p>bem,	segundo	a	idéia	que	a	razão	lhe	prescreve,	tornam	impossível,	no	que	lhes</p><p>toca,	o	aperfeiçoamento	e	perpetuam	a	infração	ao	direito.</p><p>Em	lugar	da	prática,	de	que	se	gabam	estes	estadistas	astuciosos,	lidam	com</p><p>práticas,	na	medida	em	que	são	pensadas	apenas	pelo	que	bajulam	o	poder	agora</p><p>dominante	(para	não	perder	sua	vantagem	privada)	em	descurar	o	povo	e,</p><p>quando	possível,	o	mundo	inteiro,	segundo	o	modo	de	puros	juristas	(de</p><p>profissão,	não	de	legislação),	quando	sobem	até	a	política.	Pois	como	seu</p><p>negócio	não	é	usar	de	sutilezas	sobre	a	própria	legislação,	mas	executar	os</p><p>preceitos	atuais	do	código,	então	tem	de	ser	sempre	para	eles	a	melhor	toda</p><p>constituição	legal	agora	existente,	e,	quando	esta	for	modificada	por	uma</p><p>instância	superior,	é	então	melhor	a	seguinte,	pois	tudo	está	assim	em	sua	ordem</p><p>mecânica	conveniente.	Se,	porém,	esta	habilidade	de	montar	em	toda	sela	instila-</p><p>lhes	a	ilusão	de	também	poder	julgar	sobre	princípios	de	uma	constituição	de</p><p>Estado	em	geral	segundo	os	conceitos	do	direito	(por	conseguinte,	a	priori,	não</p><p>empíricos);	se	eles	se	gabam	de	conhecer	os	homens	(o	que	sem	dúvida	é	de	se</p><p>esperar,	porque	eles	lidam	com	muitos),	sem,	contudo,	conhecer	o	homem	e	o</p><p>que	pode	ser	feito	dele	(para	o	que	é	exigido	um	ponto	de	vista	superior	da</p><p>consideração	antropológica),	e,	munidos	desses	conceitos,	vão	ministrar	o	direito</p><p>de	Estado	e	o	internacional,	como	a	razão	os	prescreve,	não	podem,	então,	fazer</p><p>esta	passagem	senão	com	o	espírito	de	chicana,	na	medida	em	que	seguem	seu</p><p>procedimento	costumeiro	(de	um	mecanismo	segundo	leis	de	coerção</p><p>despoticamente	dadas)	também	aí	onde	os	conceitos	da	razão	querem	uma</p><p>coerção	fundada	conforme	à	lei	somente	segundo	princípios	da	liberdade,	pelo</p><p>que	primeiramente	é	possível	uma	constituição	de	Estado	válida	de	direito,</p><p>problema	que	o	pretenso	prático,	negligenciando	aquela	idéia,	crê	poder	resolver</p><p>empiricamente	a	partir	da	experiência	como	foram	estabelecidas	as	constituições</p><p>de	Estado	mais	estáveis	até	agora,	embora	a	maior	parte	seja	contrária	ao	direito.</p><p>–	As	máximas	que	utiliza	para	isso	(sem	que	as	faça	públicas)	resumem-se</p><p>aproximadamente	nas	seguintes	máximas	sofísticas:</p><p>1.	Fac	et	excusa.	Aproveita	a	ocasião	favorável	para	a	usurpação	arbitrária	(de</p><p>um	direito	do	Estado	sobre	seu	povo	ou	sobre	um	povo	vizinho);	a	justificação</p><p>se	deixará	bem	mais	fácil	e	elegantemente	apresentar,	e	a	força,	dissimular-se,</p><p>depois	do	fato	(sobretudo	no	primeiro	caso,	em	que	a	força	suprema	no	interior	é</p><p>imediatamente	também	a	autoridade	legisladora,	a	quem	se	tem	de	obedecer	sem</p><p>usar	de	subterfúgios),	do	que	se	meditasse	antes	em	razões	convincentes	e	se</p><p>quisesse	esperar	primeiramente	as	objeções.	Este	atrevimento	dá	mesmo	uma</p><p>certa	aparência	de	convicção	interior	da	legitimidade	do	fato,	e	o	deus	bonus</p><p>eventus	é	em	seguida	o	melhor	procurador.</p><p>2.	Si	fecisti	nega.	O	que	tu	mesmo	cometeste,	por	exemplo,	para	levar	teu	povo</p><p>ao	desespero	e	assim	à	revolta,	nega	que	seja	culpa	tua,	mas	afirma	que	a	culpa	é</p><p>da	indocilidade	dos	súditos	ou	também,	no	caso	de	uma	conquista	tua	de	um</p><p>povo	vizinho,	a	culpa	é	da	natureza	do	homem,	pois,	se	não	precede	o	outro	com</p><p>a	força,	pode	seguramente	contar	com	que	este	o	preceda	e	se	apodere	de	seu</p><p>reino.</p><p>3.	Divide	et	impera.	Isto	é:	havendo	certos	chefes	privilegiados	em	teu	povo	que</p><p>te	elegeram	simplesmente	como	seu	chefe	superior	(primus	inter	pares),	desune-</p><p>os	entre	si	e	separa-os	do	povo:	fica	então	ao	lado	do	último,	sob	pretexto	de</p><p>maior	liberdade;	tudo	dependerá,	então,	da	tua	vontade	incondicionada.	Ou,	se</p><p>há	Estados	exteriores,	o	incitamento	à	discordância	entre	eles,	sob	a	aparência	de</p><p>auxílio	ao	mais	fraco,	é	um	meio	razoavelmente	seguro	de	submetê-los	a	ti	um</p><p>após	o	outro.</p><p>Na	verdade,	ninguém	será	enganado	por	estas	máximas	políticas,	pois	são</p><p>já	todas	universalmente	conhecidas;	não	é	o	caso	de	se	envergonhar	delas	como</p><p>se	a	injustiça	luzisse	muito	evidente	aos	olhos.	Pois,	porque	nunca	se</p><p>envergonham	as	grandes	potências	do	juízo	da	multidão	comum,	mas	somente	se</p><p>envergonham	umas	das	outras	no	que	concerne	àqueles	princípios,	não	é	o	tornar</p><p>público,	mas	somente	o	fracasso	de	tais	princípios	que	pode	fazê-las</p><p>envergonhar-se	(pois,	com	respeito	à	moralidade	das	máximas,	concordam	todas</p><p>umas	com	as	outras);	assim	sobra-lhes	sempre	a	honra	política,	com	a	qual</p><p>certamente	podem	contar,	ou	seja,	a	honra	do	aumento	de	sua	potência,	seja	qual</p><p>for	o	meio	pelo	qual	possa	ser	adquirida[2].</p><p>Para	extrair	o	estado	de	paz	entre	os	homens	do	de	guerra	no	estado	natural,</p><p>pelo	menos	fica	claro,	de	todas	estas	expressões	sinuosas	de	uma	doutrina	imoral</p><p>da	prudência,	que	os	homens	não	podem	subtrair-se	o	conceito	de	direito,	tanto</p><p>em	suas	relações	privadas	quanto	nas	públicas,	e	não	se	atrevem	a	fundar	a</p><p>política	publicamente	simplesmente	em	manobras	da	prudência;	por</p><p>conseguinte,	não	se	atrevem	a	recusar	toda	obediência	ao	conceito	de	um	direito</p><p>público	(que	é	acentuado	sobretudo	no	direito	internacional),	mas	rendem	a	ele</p><p>em	si	todas	as	honras	devidas,	mesmo	quando	devam	imaginar	centenas	de</p><p>evasivas	e	subterfúgios	para	desviar-se	dele	na	prática	e	para	atribuir	falsamente</p><p>à	força	astuciosa	a	autoridade	de	ser	a	origem	e	o	vínculo	de	todo	direito.	–	Para</p><p>pôr	um	fim	a	esta	sofistaria	(ainda	que	não	à	injustiça	por	ela	dissimulada)	e</p><p>levar	os	falsos	representantes	dos	poderosos	da	Terra	à	confissão	de	que</p><p>pleiteiam	não	em	favor	do	direito,	mas	do	poder,	do	qual	eles	tomam	o	tom,</p><p>como	se	eles	próprios	tivessem	algo	que	mandar,	será	bom	revelar	a	ilusão	pela</p><p>qual	alguém	se	engana	a	si	e	aos	outros,	encontrar	o	princípio	supremo	de	onde</p><p>deriva	a	intenção	à	paz	perpétua	e	mostrar	que	todo	o	mal	que	está	em	seu</p><p>caminho	procede	de	que	o	moralista	político	inicia	lá	onde	o	político	moral</p><p>modicamente	termina	e,</p><p>na	medida	em	que	subordina	assim	os	princípios	ao	fim</p><p>(isto	é,	põe	o	carro	à	frente	dos	bois),	frustra	sua	própria	intenção	de	colocar	em</p><p>concordância	a	política	com	a	moral.</p><p>Para	conciliar	a	filosofia	prática	consigo	mesma,	é	necessário	antes	de	mais</p><p>nada	resolver	a	questão	sobre	se,	nos	problemas	da	razão	prática,	deve-se	partir</p><p>do	princípio	material,	o	fim	(como	objeto	do	arbítrio),	ou	do	princípio	formal,</p><p>isto	é,	aquele	(posto	simplesmente	na	liberdade	da	relação	externa)	que	se</p><p>enuncia	assim:	age	de	tal	forma	que	tu	possas	querer	que	tua	máxima	deva</p><p>tornar-se	uma	lei	universal	(seja	qual	for	o	fim	que	se	quiser).</p><p>Sem	dúvida,	o	último	princípio	deve	ter	a	precedência,	pois	tem,	como</p><p>princípio	do	direito,	necessidade	incondicionada,	ao	passo	que	o	primeiro	é</p><p>necessitante	somente	sob	a	pressuposição	de	condições	empíricas	do	fim</p><p>proposto,	a	saber,	da	sua	execução,	e,	se	este	fim	fosse	também	um	dever	(por</p><p>exemplo,	a	paz	perpétua),	então	deveria	ser	ele	próprio	derivado	do	princípio</p><p>formal	da	máxima	da	ação	exterior.	–	Ora,	o	primeiro	princípio,	o	do	moralista</p><p>político	(o	problema	do	direito	de	Estado,	internacional	e	cosmopolita),	é	um</p><p>simples	problema	técnico	(problema	technicum);	o	segundo,	ao	contrário,	como</p><p>princípio	do	político	moral,	a	quem	é	um	problema	ético	(problema	morale),</p><p>distingue-se	imensamente	do	outro	no	procedimento	de	conduzir	à	paz	perpétua,</p><p>que	não	se	deseja	simplesmente	como	um	bem	físico,	mas	também	como	um</p><p>estado	proveniente	do	reconhecimento	do	dever.</p><p>Para	a	solução	do	primeiro	problema,	a	saber,	da	prudência	de	Estado,	é</p><p>requerido	muito	conhecimento	da	natureza	para	utilizar	seu	mecanismo	para	o</p><p>fim	pensado,	e	são	todos	eles	incertos	com	respeito	ao	seu	resultado	concernente</p><p>à	paz	perpétua,	quer	se	tome	uma	ou	outra	das	três	divisões	do	direito	público.	É</p><p>incerto	se	o	povo	pode	ser	mais	bem	mantido	em	obediência	e	ao	mesmo	tempo</p><p>na	prosperidade	interna,	por	longo	tempo,	pela	severidade	ou	pelo	engodo	da</p><p>futilidade,	ou	se	pode	ser	mantido	internamente,	e	por	muito	tempo,	pelo	poder</p><p>supremo	de	um	único	chefe	ou	pela	reunião	de	vários	chefes,	talvez	também</p><p>simplesmente	por	uma	nobreza	de	função,	ou	pelo	poder	do	povo.	Tem-se,	de</p><p>todos	os	modos	de	governo	(exceto	o	único	genuinamente	republicano,	que,</p><p>contudo,	somente	pode	ser	concebido	por	um	político	moral),	exemplos	do</p><p>contrário	na	história.	–	Ainda	mais	incerto	é	um	direito	internacional	em	vão</p><p>estabelecido	por	estatutos	segundo	planos	ministeriais,	o	qual	de	fato	é	somente</p><p>uma	palavra	sem	conteúdo	e	repousa	sobre	contratos	que	contêm,	no	ato	mesmo</p><p>de	sua	conclusão,	ao	mesmo	tempo	a	reserva	de	sua	transgressão.	–	Ao	contrário,</p><p>a	solução	do	segundo,	ou	seja,	do	problema	da	sabedoria	de	Estado,	impõe-se,</p><p>por	assim	dizer,	por	si	mesma,	é	compreensível	para	todo	mundo	e	torna	toda</p><p>artificialidade	em	vergonha,	conduzindo	diretamente	ao	fim;	contudo,	com	a</p><p>memória	da	prudência,	sem	levá-lo	para	aí	precipitadamente	com	violência,</p><p>aproxima-se	dele	incessantemente,	segundo	a	natureza	das	circunstâncias</p><p>favoráveis.</p><p>Isso	significa,	então:	“visai	primeiramente	ao	reino	da	razão	pura	prática	e	à</p><p>justiça,	assim	vos	será	dado	por	si	mesmo	vosso	fim	(o	benefício	da	paz</p><p>perpétua)”.	Pois	isso	a	moral	tem	como	peculiaridade	em	si,	e	precisamente	com</p><p>respeito	a	seus	princípios	do	direito	público	(por	conseguinte,	em	relação	a	uma</p><p>política	cognoscível	a	priori),	que,	quanto	menos	torna	dependente	o</p><p>comportamento	do	fim	proposto,	da	vantagem	a	que	se	visa,	seja	física	ou	moral,</p><p>tanto	mais	ela	concorda	em	geral	com	este,	o	que	sucede	porque	é	precisamente</p><p>a	vontade	geral	dada	a	priori	(em	um	povo	ou	em	relação	a	diversos	povos	uns</p><p>com	os	outros),	que	unicamente	determina	o	que	é	de	direito	entre	os	homens;	a</p><p>união	da	vontade	de	todos,	porém,	se	somente	proceder	com	conseqüência	na</p><p>execução,	também	segundo	o	mecanismo	da	natureza,	pode	ser	ao	mesmo	tempo</p><p>a	causa	de	engendrar	o	efeito	visado	e	de	pôr	em	prática	o	conceito	de	direito.	–</p><p>É	assim,	por	exemplo,	um	princípio	da	política	moral	que	um	povo	deve	unir-se</p><p>em	um	Estado	segundo	os	únicos	conceitos	de	direito	da	liberdade	e	da</p><p>igualdade,	e	este	princípio	não	está	fundado	na	prudência,	mas	no	dever.	Agora,</p><p>ao	contrário,	usem	de	sutilezas	o	quanto	queiram	os	moralistas	políticos	sobre	o</p><p>mecanismo	da	natureza	para	uma	multidão	de	homens	que	entra	em	sociedade,</p><p>mecanismo	que	debilitava	aqueles	princípios	e	frustrava	sua	intenção,	ou</p><p>procurem	demonstrar,	ao	contrário,	sua	afirmação	também	por	exemplos	de</p><p>constituições	mal-organizadas	dos	tempos	antigos	e	modernos	(por	exemplo,	de</p><p>democracias	sem	sistema	de	representação);	não	terão	nenhuma	repercussão,</p><p>sobretudo	porque	uma	tal	teoria	funesta	provavelmente	produz	ela	mesma	o	mal</p><p>que	prediz,	segundo	a	qual	o	homem	é	jogado	com	as	restantes	máquinas	vivas</p><p>em	uma	classe,	aos	quais	somente	poderia	ainda	coexistir	a	consciência	de	que</p><p>não	são	seres	livres	para	tornarem-se,	em	seu	próprio	juízo,	os	seres	do	mundo</p><p>mais	miseráveis	entre	todos.</p><p>A	proposição,	que	soa	um	pouco	retumbante,	tomada	proverbial	pela</p><p>circulação,	mas	verdadeira:	fiat	iustitia,	pereat	mundus,	que	significa:	“domine	a</p><p>justiça,	ainda	que	por	isso	pereçam	em	seu	todo	os	celerados	do	mundo”,	é	um</p><p>princípio	de	direito	bravo	que	atalha	o	caminho	sinuoso	indicado	pela	perfídia	ou</p><p>pela	força;	somente	que	não	seja	mal	compreendida	como	a	permissão	para	usar</p><p>o	seu	próprio	direito	com	o	maior	rigor	(o	que	conflitaria	com	o	dever	moral),</p><p>mas	que	seja	interpretada	como	a	obrigação	dos	detentores	do	poder	de	não</p><p>recusar	a	ninguém	seu	direito	ou	de	restringi-lo	por	desfavor	ou	compaixão	por</p><p>outrem,	para	o	que	é	requerida	principalmente	uma	constituição	interna	do</p><p>Estado	estabelecida	segundo	princípios	puros	do	direito,	mas	também	então	a	da</p><p>união	do	mesmo	com	outros	Estados	vizinhos	ou	também	distantes	(análogo	a</p><p>um	Estado	universal)	para	um	ajuste	legal	de	suas	desavenças.	–	Esta	proposição</p><p>não	quer	dizer	senão	que	as	máximas	políticas	têm	de	provir	não	do	bem-estar	e</p><p>felicidade	de	cada	Estado,	esperados	a	partir	do	seu	cumprimento,	portanto	não</p><p>do	fim	que	cada	um	deles	dá	a	si	por	objeto	(do	querer),	como	o	princípio</p><p>superior	(porém	empírico)	da	sabedoria	de	Estado,	mas	do	conceito	puro	do</p><p>dever	legal	(do	dever	cujo	princípio	a	priori	é	dado	pela	razão	pura),	quaisquer</p><p>que	sejam	também	as	conseqüências	físicas	disso.	O	mundo	não	perecerá</p><p>absolutamente	por	haver	menos	homens	maus.	O	mal	moral	tem	a	qualidade</p><p>inseparável	de	sua	natureza	que	ele	é,	em	suas	intenções	(sobretudo	em	relação	a</p><p>outros	intencionados	de	modo	igual),	contrário	e	destruidor	de	si	mesmo,	e	assim</p><p>dá	lugar	ao	princípio	(moral)	do	bem,	ainda	que	por	um	lento	progresso.</p><p>Não	há,	portanto,	objetivamente	(na	teoria)	nenhum	conflito	entre	a	moral	e</p><p>a	política.	Em	contraposição,	subjetivamente	(na	propensão	egoísta	dos	homens</p><p>que,	porém,	por	não	estar	fundada	em	máximas	da	razão,	não	deve	ainda	ser</p><p>denominada	de	prática)	permanecerá	e	possa	ele	sempre	permanecer,	porque</p><p>serve	de	pedra	de	afiar	da	virtude,	cuja	verdadeira	coragem	(segundo	o	princípio:</p><p>tu	ne	cede	malis,	sed	contra	audentior	ito),	no	caso	atual,	não	consiste	tanto	em</p><p>contrapor-se	com	firme	propósito	aos	males	e	nos	sacrifícios	que	têm	de	ser</p><p>aceitos,	mas	de	olhar	bem	nos	olhos	o	princípio	mau	em	nós	mesmos,	muito</p><p>mais	perigoso,	mentiroso	e	traiçoeiro,	que	usa	de	sutilezas,	querendo	passar,</p><p>como	justificação	de	toda	transgressão,	as	fraquezas	da	natureza	humana,	e</p><p>vencer	sua	malícia.</p><p>O	moralista	político	pode	de	fato	dizer:	o	regente	e	o	povo	ou	povo	e	povo</p><p>não	cometem	injustiça	um	ao	outro	se	fizerem	guerra	com	violência	ou	perfídia,</p><p>ainda	que	sem	dúvida	cometam	em	geral	injustiça	pelo	fato	de	negar	todo</p><p>respeito	ao	conceito	de	direito,	que	unicamente	poderia	fundar	perpetuamente	a</p><p>paz.	Pois,	porque	um	transgride	o	dever	contra	o	outro,	o	qual	está	da	mesma</p><p>forma	disposto	contrariamente	ao	direito	contra	aquele,	sucede	bem	justamente	a</p><p>ambos	os	lados	se	eles	se	exterminem	entre	si,	assim,	contudo,	que	sobre	dessa</p><p>raça,	até	as	épocas	mais	distantes,</p><p>sempre	ainda	o	suficiente	para	não	deixar</p><p>terminar	este	jogo,	para	que,	algum	dia,	uma	descendência	tardia	tire	deles	um</p><p>exemplo	de	advertência.	A	providência	no	curso	do	mundo	é	justificada	aqui,</p><p>pois	o	princípio	moral	no	homem	nunca	se	extingue;	a	razão	que,</p><p>pragmaticamente,	se	ativa	para	a	execução	da	idéia	jurídica,	segundo	aquele</p><p>princípio,	cresce	sempre	continuamente	mediante	uma	cultura	sempre	em</p><p>progresso,	contudo	com	ela	cresce	também	a	culpa	daquelas	transgressões.</p><p>Somente	a	Criação,	a	saber,	que	um	tal	tipo	de	seres	corrompidos	em	geral	deva</p><p>existir	sobre	a	Terra,	não	parece	poder	ser	justificada	por	nenhuma	teodicéia	(se</p><p>admitirmos	que	o	gênero	humano	nunca	estará	nem	possa	estar	em	melhor</p><p>situação):	mas	este	ponto	de	vista	de	julgamento	é	alto	demais	para	nós,	como	se</p><p>pudéssemos	aplicar	nossos	conceitos	(de	sabedoria)	ao	poder	supremo</p><p>inescrutável	por	nós	na	intenção	teórica.	–	Seremos	inevitavelmente	levados	a</p><p>essas	conclusões	desesperadas	se	não	admitirmos	que	os	princípios	puros	do</p><p>direito	têm	realidade	objetiva,	isto	é,	deixam-se	executar;	e	devem	lidar	com	eles</p><p>também	o	povo	no	Estado	e,	ademais,	os	Estados	uns	em	relação	aos	outros,</p><p>qualquer	que	seja	a	objeção	em	contrário	que	a	política	empírica	possa	levantar.</p><p>A	verdadeira	política	não	pode,	pois,	dar	um	passo	sem	antes	prestar	homenagem</p><p>à	moral	e,	embora	a	política	seja	em	si	mesma	uma	arte	difícil,	não	constitui,</p><p>porém,	arte	alguma	a	sua	união	com	a	moral,	pois	esta	corta	o	nó	que	aquela	não</p><p>consegue	desatar	quando	surgem	divergências	entre	ambas.	–	O	direito	deve	ser</p><p>considerado	sagrado	ao	homem,	por	maiores	que	sejam	os	sacrifícios	que	custem</p><p>ao	poder	dominante.	Não	se	pode	aqui	cortar	em	dois	e	inventar	o	meio-termo</p><p>(entre	direito	e	utilidade)	de	um	direito	pragmaticamente	condicionado,	mas	toda</p><p>a	política	deve	dobrar-se	diante	do	direito,	podendo,	contudo,	esperar	alcançar,</p><p>ainda	que	lentamente,	um	estado	em	que	brilhará	com	firmeza.</p><p>II.	DA	HARMONIA	DA	POLÍTICA	COM	A	MORAL</p><p>SEGUNDO	O	CONCEITO	TRANSCENDENTAL</p><p>DO	DIREITO	PÚBLICO</p><p>Se	abstraio	de	toda	matéria	no	direito	público,	como	habitualmente	fazem</p><p>os	juristas	(segundo	as	diferentes	relações	empiricamente	dadas	dos	homens	no</p><p>Estado	ou	também	dos	Estados	entre	si),	ainda	me	resta	a	forma	da	publicidade,</p><p>cuja	possibilidade	está	contida	em	toda	pretensão	jurídica,	porque	sem	ela	não</p><p>haveria	nenhuma	justiça	(que	só	pode	ser	pensada	como	publicamente</p><p>divulgável),	por	conseguinte	tampouco	haveria	direito	algum,	que	só	se	outorga</p><p>por	ela.</p><p>Toda	pretensão	jurídica	deve	possuir	a	capacidade	à	publicidade,	e,	visto</p><p>que	é	muito	fácil	julgar	se	ocorre	em	um	dado	caso,	isto	é,	se	ela	se	deixa	ou	não</p><p>unificar	com	os	princípios	do	agente,	ela	pode	fornecer	um	critério	de	fácil</p><p>aplicação,	e	que	se	encontra	a	priori	na	razão,	para	imediatamente	reconhecer,</p><p>em	último	caso,	a	falsidade	(a	contrariedade	ao	direito)	da	suposta	pretensão</p><p>(praetensio	juris)	como	que	por	um	experimento	da	razão	pura.</p><p>Segundo	uma	tal	abstração	de	todo	o	empírico	que	o	conceito	do	direito	de</p><p>Estado	e	internacional	contém	(de	tal	tipo	é	o	maldoso	da	natureza	humana	que</p><p>torna	necessária	a	coerção),	pode-se	denominar	a	seguinte	proposição	de	fórmula</p><p>transcendental	do	direito	público:</p><p>“Todas	as	ações	relativas	ao	direito	de	outros	homens	cuja	máxima	não	se</p><p>conciliar	com	a	publicidade	são	injustas.”</p><p>Este	princípio	não	deve	ser	considerado	simplesmente	como	ético</p><p>(pertencente	à	doutrina	da	virtude),	mas	também	como	jurídico	(concernente	ao</p><p>direito	dos	homens).	Pois	uma	máxima	que	não	posso	deixar	tornar-se	pública</p><p>sem	ao	mesmo	tempo	frustrar	minha	própria	intenção	–	que	deve	permanecer</p><p>secreta	se	deve	ter	êxito	e	para	a	qual	não	posso	me	declarar	publicamente	sem</p><p>que	por	isso	seja	levantada	indefectivelmente	a	resistência	de	todos	contra	o	meu</p><p>propósito	–	não	pode	vir	esta	contraposição	necessária	e	universal,	por</p><p>conseguinte	a	priori	inteligível,	de	todos	contra	mim	de	nenhum	outro	lugar	a</p><p>não	ser	da	injustiça	com	que	ela	ameaça	a	todos.	–	Ele	é	além	disso</p><p>simplesmente	negativo,	isto	é,	serve	somente	para,	através	dele,	reconhecer	o</p><p>que	não	é	justo	contra	outrem.	–	Ele	é	como	um	axioma	indemonstravelmente</p><p>certo	e	além	disso	fácil	de	aplicar,	como	é	de	se	perceber	nos	seguintes	exemplos</p><p>do	direito	público:</p><p>1.	No	que	concerne	ao	direito	de	Estado	(ius	civitatis),	a	saber,	o	direito	interno:</p><p>levanta-se	nele	a	questão	que	muitos	consideram	difícil	de	responder	e	que	o</p><p>princípio	transcendental	da	publicidade	resolve	bem	facilmente:	“é	a	rebelião	um</p><p>meio	legítimo	para	um	povo	derrubar	o	poder	opressor	de	um	dito	tirano	(non</p><p>titulo,	sed	exercitio	talia)?”	Os	direitos	do	povo	são	violados,	e	a	ele	(ao	tirano)</p><p>não	acontece	nenhuma	injustiça	pelo	destronamento	–	não	há	dúvida	sobre	isso.</p><p>Contudo,	não	menos	injusto	é,	no	mais	alto	grau,	procurar	pelos	súditos	o	direito</p><p>desse	modo	e	menos	ainda	podem	clamar	por	injustiça	se	forem	reprimidos	neste</p><p>conflito	e	por	isso	tiverem	de	em	seguida	sofrer	as	mais	duras	penas.</p><p>Ora,	aqui	se	pode	usar	muito	de	sutilezas	pró	ou	contra	quando	se	quer</p><p>decidir	por	uma	dedução	dogmática	dos	fundamentos	do	direito;	somente	o</p><p>princípio	transcendental	da	publicidade	do	direito	público	pode	poupar	essa</p><p>prolixidade.	Segundo	este	princípio,	questiona-se	o	próprio	povo,	antes	do</p><p>estabelecimento	do	contrato	civil,	sobre	se	ele	se	atreveria	a	tornar	publicamente</p><p>conhecida	a	máxima	do	propósito	de	uma	eventual	insurreição.	Percebe-se</p><p>facilmente	que,	se	se	quer	fazer	como	condição	da	instituição	de	uma</p><p>constituição	de	Estado	exercer	a	força	contra	o	chefe	em	certos	casos</p><p>determinados,	então	o	povo	teria	de	arrogar-se	uma	potência	legítima	sobre</p><p>aquele.	Então,	porém,	não	seria	aquele	o	chefe,	ou,	se	ambos	fossem	postos</p><p>como	condição	do	estabelecimento	do	Estado,	não	seria	possível	então	nenhum,</p><p>o	que,	contudo,	era	a	intenção	do	povo.	O	injusto	da	rebelião	evidencia-se</p><p>portanto	em	que	a	máxima	da	revolta	pela	qual	se	se	declarasse	publicamente	a</p><p>favor	disso	tornaria	impossível	sua	própria	intenção.	Ter-se-ia	portanto</p><p>necessariamente	de	ocultá-la.	–	O	último	não	seria	necessário,	porém,	do	lado	do</p><p>chefe	de	Estado.	Ele	pode	livremente	declarar	que	punirá	toda	rebelião	com	a</p><p>morte	dos	chefes	insurretos,	possam	estes	também	sempre	crer	que	ele,	de	seu</p><p>lado,	transgrediu	primeiro	a	lei	fundamental,	pois,	se	ele	está	consciente	de</p><p>possuir	o	poder	superior	irresistível	(o	que	também	em	toda	constituição	civil</p><p>deve	ser	assim	admitido,	porque	aquele	que	não	tem	potência	suficiente	para</p><p>proteger	cada	cidadão	do	povo	contra	os	outros	também	não	tem	o	direito	de</p><p>ordenar	a	ele),	ele	pode,	assim,	não	temer	de	frustrar	sua	própria	intenção	pela</p><p>publicação	de	sua	máxima,	com	o	que	também	está	em	consonância	que,	se	a</p><p>rebelião	tiver	êxito	em	o	povo	fazer	voltar	aquele	chefe	ao	lugar	de	súdito,	não</p><p>deveria	ele	começar	uma	rebelião	de	restituição,	mas	também	não	deveria	temer</p><p>de	ser	levado	a	prestar	contas	por	sua	administração	anterior.</p><p>2.	No	que	concerne	ao	direito	internacional.	Somente	sob	a	pressuposição	de</p><p>algum	estado	jurídico	(isto	é,	da	condição	externa	sob	a	qual	um	direito	pode</p><p>efetivamente	ser	atribuído	ao	homem)	pode	haver	questão	de	um	direito</p><p>internacional,	porque	ele,	como	um	direito	público,	contém	já	em	seu	conceito	a</p><p>publicação	de	uma	vontade	geral	que	determina	a	cada	um	o	seu,	e	esse	status</p><p>iuridicus	tem	de	proceder	de	algum	contrato	que	não	pode	justamente	(como	o</p><p>de	onde	tem	origem	um	Estado)	estar	fundado	em	leis	de	coerção,	mas	que	pode</p><p>em	todo	o	caso	ser	uma	associação	permanente	livre,	como	a	federalidade	de</p><p>diversos	Estados	mencionada	anteriormente.	Pois	sem	nenhum	estado	jurídico</p><p>que	conecte	ativamente	as	diversas	pessoas	(físicas	ou	morais),	por	conseguinte</p><p>no	estado	de	natureza,	não	pode	haver	senão	apenas	um	direito	privado.	–	Aqui</p><p>ocorre	também	um	conflito	da	política	com	a	moral	(considerada	esta	como</p><p>doutrina	do	direito),	onde,	então,	aquele	critério	da	publicidade	das	máximas</p><p>igualmente	encontra	fácil	aplicação,	na	condição,	contudo,	de	que	o	contrato</p><p>ligue	os	Estados	somente</p><p>na	intenção	de	manter-se	em	paz	uns	com	os	outros	e</p><p>juntos	contra	outros	Estados,	de	modo	algum,	porém,	para	fazer	aquisições.	Eis</p><p>agora	os	seguintes	casos	da	antinomia	entre	política	e	moral,	com	os	quais	ao</p><p>mesmo	tempo	está	dada	a	solução.</p><p>a)	“Se	um	destes	Estados	prometeu	algo	ao	outro:	seja	préstimo	de	auxílios,</p><p>cessão	de	certas	terras,	ou	subsídios	e	similares,	pergunta-se	se	ele	pode</p><p>desfazer-se	do	empenho	da	palavra	em	um	caso	de	que	dependa	a	salvação	do</p><p>Estado,	enquanto	quer	que	seja	considerado	em	uma	dupla	pessoa,</p><p>primeiramente	como	soberano,	já	que	ele	não	tem	de	responder	a	ninguém	em</p><p>seu	Estado;	depois,	porém,	em	contrapartida,	simplesmente	como	o	funcionário</p><p>de	Estado	supremo	que	tem	de	prestar	contas	ao	Estado:	de	onde	se	tira	a</p><p>conclusão	que,	daquilo	a	que	ele	se	obrigou	na	primeira	qualidade,	estará</p><p>dispensado	na	segunda.”	Ora,	se,	porém,	um	Estado	(ou	seu	chefe)	tornasse</p><p>pública	esta	sua	máxima,	então	naturalmente	ou	cada	um	dos	outros	fugiria	dele</p><p>ou	se	uniria	com	outros	para	resistir	à	sua	arrogância,	o	que	demonstra	que	a</p><p>política,	com	todo	o	seu	ardil,	frustraria	neste	campo	(da	publicidade)	seu</p><p>próprio	fim;	por	conseguinte	deve	ser	injusta	aquela	máxima.</p><p>b)	“Se	uma	potência	que	cresceu	até	um	tamanho	temível	(potentia</p><p>tremenda)	suscita	apreensão:	pode-se	admitir	que	ela	quererá	também	oprimir,</p><p>porque	ela	pode,	e	isso	dá	aos	menos	poderosos	um	direito	de	ataque	(unido)	a</p><p>ela,	mesmo	sem	ofensa	precedente?”	Um	Estado	que	quisesse	aqui	tornar</p><p>pública	afirmativamente	sua	máxima	somente	atrairia	o	mal	ainda	mais	rápido	e</p><p>certo.	Pois	o	poder	maior	se	anteciparia	ao	menor,	e,	no	que	concerne	à	união</p><p>dos	últimos,	é	somente	uma	fraca	vara	de	junco	contra	quem	sabe	utilizar	o</p><p>divide	et	impera.	–	Esta	máxima	da	prudência	de	Estado,	publicamente</p><p>declarada,	frustra	portanto	necessariamente	sua	própria	intenção	e	é</p><p>conseqüentemente	injusta.</p><p>c)	“Se	um	Estado	menor,	por	sua	situação,	separa	a	continuidade	de	um</p><p>maior,	que	é,	porém,	necessária	a	este	para	a	sua	conservação,	não	está	este</p><p>autorizado	a	subjugar	aquele	e	uni-lo	ao	seu?”	Vê-se	facilmente	que	o	maior	não</p><p>deve	tornar	pública	antes	uma	tal	máxima,	pois	ou	os	Estados	menores	se</p><p>uniriam	a	tempo,	ou	outras	potências	lutariam	por	este	despojo,	e	por</p><p>conseguinte	ela	se	torna	inexeqüível	por	sua	própria	franqueza,	um	sinal	de	que	é</p><p>injusta	e	mesmo	o	pode	ser	em	grau	muito	alto,	pois	um	pequeno	objeto	da</p><p>injustiça	não	impede	que	a	injustiça	demonstrada	nisso	seja	muito	grande.</p><p>3.	No	que	concerne	ao	direito	cosmopolita,	eu	o	passo	aqui	em	silêncio,	porque,</p><p>por	conta	da	analogia	de	tal	direito	com	o	direito	internacional,	as	suas	máximas</p><p>são	fáceis	de	indicar	e	apreciar.</p><p>Tem-se	aqui,	no	princípio	da	incompatibilidade	das	máximas	do	direito</p><p>internacional	com	a	publicidade,	uma	boa	indicação	da	não-concordância	da</p><p>política	com	a	moral	(como	doutrina	do	direito).	Ora,	precisa-se,	porém,	ser</p><p>instruído	também	sobre:	qual	é	a	condição	sob	a	qual	suas	máximas	concordam</p><p>com	o	direito	dos	povos?	Pois	não	se	deixa	inversamente	concluir	que	máximas</p><p>que	são	compatíveis	com	a	publicidade	são	por	isso	também	justas,	porque	quem</p><p>tem	a	potência	superior	de	decisão	não	precisa	fazer	segredo	de	suas	máximas.	–</p><p>A	condição	da	possibilidade	de	um	direito	internacional	em	geral	é:	que	exista</p><p>antes	de	mais	nada	um	estado	jurídico.	Pois	sem	este	não	há	nenhum	direito</p><p>público,	mas	todo	direito	que	se	possa	pensar	fora	daquele	(do	estado	de</p><p>natureza)	é	simplesmente	direito	privado.	Ora,	vimos	que	um	estado	federativo</p><p>de	Estados,	que	tem	simplesmente	por	intenção	a	remoção	da	guerra,	é	o	único</p><p>estado	jurídico	compatível	com	a	liberdade	dos	mesmos.	Portanto,	a	consonância</p><p>da	política	com	a	moral	é	possível	somente	numa	associação	federativa	(que</p><p>portanto	é	dada	a	priori	segundo	princípios	do	direito	e	é	necessária),	e	toda</p><p>prudência	de	Estado	tem	por	base	jurídica	a	instituição	da	primeira	no	seu	maior</p><p>alcance	possível;	sem	tal	fim,	toda	a	sua	esperteza	é	não-sabedoria	e	injustiça</p><p>disfarçada.	–	Esta	pseudopolítica	tem	sua	casuística,	a	despeito	da	melhor	escola</p><p>jesuíta	–	a	reservatio	mentalis:	na	redação	de	contratos	públicos	com	expressões</p><p>tais	que	se	possa	oportunamente	interpretar	como	se	quiser	para	sua	vantagem</p><p>(por	exemplo,	a	distinção	do	status	quo	de	fait	e	de	droit);	o	probabilismo:	forjar</p><p>más	intenções	nos	outros	ou	também	tornar	as	probabilidades	de	sua	possível</p><p>preponderância	fundamento	de	direito	do	solapamento	de	outros	Estados</p><p>pacíficos;	e	enfim	o	peccatum	philosophicum	(peccatillum,	bagatelle):</p><p>considerar	como	uma	insignificância	facilmente	perdoável	a	absorção	de	um</p><p>Estado	pequeno,	quando	mediante	isso	um	muito	maior	ganha	em	proveito	de</p><p>um	supostamente	maior	benefício	do	mundo[3].</p><p>A	duplicidade	da	política	com	respeito	à	moral	dá	aqui	o	empurrão	para</p><p>utilizar	em	sua	intenção	um	ou	outro	ramo	seu.	–	Ambos,	o	amor	aos	homens	e	o</p><p>respeito	pelo	direito	dos	homens,	são	deveres;	aquele,	porém,	somente</p><p>condicionado;	este,	ao	contrário,	dever	incondicionado,	absolutamente</p><p>imperativo,	do	qual	aquele	que	quer	abandonar-se	ao	doce	sentimento	da</p><p>benevolência	deve	estar	primeiramente	inteiramente	seguro	de	não	ter</p><p>transgredido.	A	política	concorda	facilmente	com	a	moral	no	primeiro	sentido</p><p>público	(como	ética)	para	delegar	o	direito	dos	homens	a	seus	superiores;	mas</p><p>com	a	moral	no	segundo	significado	(como	doutrina	do	direito),	frente	à	qual</p><p>deveria	dobrar-se,	acha	aconselhável	não	engajar-se	em	um	acordo,	preferindo</p><p>contestar-lhe	toda	realidade	e	explicar	todos	os	deveres	como	pura	benevolência,</p><p>perfídia	de	uma	política	lucífuga	que	facilmente	seria	frustrada	pela	filosofia</p><p>mediante	a	publicidade	das	suas	máximas,	se	a	política	somente	ousasse</p><p>conceder	ao	filósofo	a	publicidade	das	suas.</p><p>Nesta	intenção,	proponho	um	outro	princípio	transcendental	e	afirmativo	do</p><p>direito	público,	cuja	fórmula	seria	esta:</p><p>“Todas	as	máximas	que	necessitam	da	publicidade	(para	não	malograr	em</p><p>seu	fim)	concordam	com	o	direito	e	a	política	unidos.”</p><p>Pois,	se	elas	podem	alcançar	seu	fim	somente	pela	publicidade	de	seu	fim,</p><p>então	devem	ser	conformes	ao	fim	geral	do	público	(a	felicidade),	concordar</p><p>com	ele	(torná-lo	satisfeito	com	seu	estado)	é	a	tarefa	própria	da	política.	Se,</p><p>porém,	este	fim	deve	ser	alcançado	somente	pela	publicidade,	isto	é,	pela</p><p>remoção	de	toda	desconfiança	contra	as	máximas	da	política,	então	estas	devem</p><p>estar	em	concórdia	também	com	o	direito	público,	pois	unicamente	nele	é</p><p>possível	a	união	dos	fins	de	todos.	–	Tenho	de	protelar	para	uma	outra</p><p>oportunidade	a	exposição	subseqüente	e	a	explicação	deste	princípio;	digo</p><p>somente	que	se	vê	que	esse	princípio	é	uma	fórmula	transcendental	a	partir	da</p><p>eliminação	de	todas	as	condições	empíricas	(da	doutrina	da	felicidade)	como</p><p>matéria	da	lei	e	a	partir	da	simples	consideração	da	forma	de	conformidade	à	lei</p><p>em	geral.</p><p>Se	há	um	dever,	se	há	ao	mesmo	tempo	uma	esperança	fundada	de	tornar</p><p>efetivo	o	estado	de	um	direito	público,	ainda	que	somente	em	uma	aproximação</p><p>que	progride	ao	infinito,	então	a	paz	perpétua,	que	sucede	os	até	aqui	falsamente</p><p>assim	denominados	tratados	de	paz	(propriamente	armistícios),	não	é	uma	idéia</p><p>vazia,	mas	uma	tarefa	que,	solucionada	pouco	a	pouco,	aproxima-se</p><p>continuamente	de	seu	fim	(porque	os	tempos	em	que	iguais	progressos</p><p>acontecem	tornar-se-ão,	tomara,	cada	vez	mais	curtos).</p><p>[1]	São	leis	permissivas	da	razão	as	de	deixar	permanecer	a	situação	de	um	direito	público	acometido	de</p><p>injustiça	até	que	a	completa	reviravolta	de	tudo	ou	esteja	amadurecida	por	si	mesma	ou	seja	trazida	por</p><p>meios	pacíficos	próximo	à	maturidade,	porque	uma	constituição	jurídica,	ainda	que	somente	em	pequeno</p><p>grau	conforme	ao	direito,	é	melhor	do	que	nenhuma,	destino	último	que	uma	reforma	precipitada</p><p>encontraria.	–	A	sabedoria	de	Estado,	portanto,	na	situação	em	que	as	coisas	estão	agora,	tomará	como</p><p>dever	reformas	adequadas	ao	ideal	do	direito	público:	utilizar-se	de	revoluções	onde	a	natureza	leva</p><p>espontaneamente	a	elas,	não	para	disfarçar	uma	opressão	ainda	maior,	mas	como	clamor	da	natureza	para</p><p>estabelecer</p><p>uma	constituição	legal	fundada	em	princípios	de	liberdade	como	a	única	estável,	mediante</p><p>reformas	profundas.</p><p>[2]	Embora	se	possa	duvidar	de	uma	certa	maldade	enraizada	na	natureza	humana	de	homens	que	vivem</p><p>conjuntamente	em	um	Estado,	e,	no	lugar	dela,	poderia	ser	aduzida,	com	alguma	verossimilhança,	a	falta	de</p><p>uma	cultura	ainda	não	suficientemente	avançada	(a	selvageria)	como	causa	das	manifestações	de	seu	modo</p><p>de	pensar	contrárias	à	lei,	no	entanto	ela	se	mostra	aos	olhos	inteiramente	descoberta	e	incontroversa	na</p><p>relação	exterior	dos	Estados	uns	com	os	outros.	No	interior	de	cada	Estado,	ela	é	dissimulada	pela	coerção</p><p>das	leis	civis,	porque	à	tendência	dos	cidadãos	ao	emprego	recíproco	de	força	opõe-se	um	poder	maior,	a</p><p>saber,	o	do	governo,	e	assim	não	somente	dá	ao	todo	uma	nuance	moral	(causae	non	causae),	mas	também,</p><p>mediante	um	ferrolho	posto	à	eclosão	de	tendências	contrárias	à	lei,	o	desenvolvimento	da	disposição</p><p>originária	moral	ao	respeito	imediato	pelo	direito	fica	efetivamente	muito	facilitado.	–	Pois	cada	um	crê	de</p><p>si	que	bem	consideraria	sagrado	o	conceito	de	direito	e	o	seguiria	fielmente	se	ele	somente	pudesse	esperar</p><p>de	cada	outro	um	mesmo	respeito,	este	último	que	o	governo	em	parte	lhe	assegura,	pelo	que	é	feito	um</p><p>grande	passo	para	a	moralidade	(embora	não	ainda	um	passo	moral)	ao	apegar-se	a	este	conceito	de	direito</p><p>já	por	si	mesmo,	sem	consideração	de	reciprocidade.	–	Já	que	cada	um,	porém,	em	sua	boa	opinião	de	si</p><p>mesmo,	pressupõe,	contudo,	disposição	má	em	todos	os	outros,	expressam	assim	um	do	outro	seu	juízo:	que</p><p>eles	todos,	no	que	concerne	ao	fato,	pouco	valem	(fique	sem	explicação	de	onde	vem,	que	não	pode	ser</p><p>posta	a	culpa,	contudo,	na	natureza	do	homem	como	um	ser	livre).	Já	que,	contudo,	o	respeito	pelo	conceito</p><p>de	direito,	de	que	o	homem	não	pode	absolutamente	dispensar-se,	também	sanciona	de	modo	solene	a	teoria</p><p>da	faculdade	de	adequar-se	a	ele,	então	cada	um	vê	que,	de	sua	parte,	tem	de	agir	conforme	àquele	conceito,</p><p>e	considerem-no	os	outros	como	quiserem.</p><p>[3]	Pode-se	encontrar	os	exemplos	de	tais	máximas	no	tratado	do	sr.	Conselheiro	Garve	“Sobre	a	ligação	da</p><p>moral	com	a	política”,	1788.	Este	digno	erudito	confessa	já	no	início	não	poder	dar	uma	resposta	satisfatória</p><p>a	esta	questão.	Mas	aprová-la,	embora	com	a	confissão	de	não	poder	refutar	completamente	as	objeções	que</p><p>contra	ela	se	levantam,	parece	ser	uma	condescendência	maior	do	que	seria	aconselhável	a	admitir	com</p><p>aqueles	que	estão	muito	inclinados	a	fazer	mau	uso	delas.</p><p>IMMANUEL	KANT</p><p>(1724-1804)</p><p>A	filosofia	de	Immanuel	Kant,	considerado	um	dos	pensadores	mais</p><p>influentes	da	Europa	moderna	e	do	último	período	do	Iluminismo,	situa	a	razão</p><p>no	centro	do	mundo.	Ele	nasceu	em	Königsberg,	capital	da	Prússia	Oriental</p><p>(atual	Kaliningrado,	na	Rússia).	Sendo	o	quarto	de	nove	filhos,	passou	grande</p><p>parte	da	vida	nas	cercanias	de	sua	cidade	natal.	Dos	pais	luteranos	recebeu	uma</p><p>educação	religiosa	e	severa,	baseada	em	princípios	que	pregavam	uma	vida</p><p>simples,	respeito	e	obediência	à	moral.	Na	escola	da	cidade	aprendeu	latim	e</p><p>línguas	clássicas.	Aos	dezesseis	anos	ingressou	na	universidade	de	Königsberg,</p><p>na	qual	se	aprofundou	na	filosofia	de	Gottfried	Wilhelm	Leibniz	e	de	Christian</p><p>Wolff,	sob	a	orientação	de	Martin	Knutzen,	um	racionalista,	que	apresentou	a</p><p>Kant	a	nova	física	matemática	de	Newton.</p><p>Em	1746,	após	a	morte	do	pai,	Kant	foi	obrigado	a	interromper	os	estudos</p><p>universitários	e	começou	a	dar	aulas	particulares	para	manter	a	família.	Mesmo</p><p>assim,	não	se	afastou	dos	estudos	e	em	1749	publicou	sua	primeira	obra</p><p>filosófica,	Pensamentos	sobre	o	verdadeiro	valor	das	forças	vivas.	Em	1754	conseguiu</p><p>retornar	à	universidade	e	concluir	o	doutorado,	tornando-se	professor</p><p>universitário.	Lecionou	lógica,	metafísica,	filosofia	moral,	matemática	física	e</p><p>geografia.</p><p>Na	primeira	parte	de	sua	vida	intelectual,	Kant	publicou	diversas	obras	nas</p><p>áreas	das	ciências	naturais	e	da	física,	como	a	História	universal	da	natureza	e</p><p>teoria	do	céu	(1755),	na	qual	esboçou	a	hipótese	da	nebulosa,	que	afirmava	que</p><p>o	Sistema	Solar	se	formara	a	partir	de	uma	grande	nuvem	de	gás,	dando	novos</p><p>rumos	à	astronomia.	No	início	dos	anos	1760,	Kant,	influenciado	pela	filosofia</p><p>de	Hume,	começa	a	dar	forma	à	tese	central	da	sua	filosofia,	de	que	o</p><p>conhecimento	humano	pressupõe	a	participação	ativa	da	mente	humana,	dando</p><p>origem	a	livros	que	são	os	pilares	de	sua	obra.	São	eles:	Crítica	da	razão	pura</p><p>(1781),	que	criou	as	bases	para	a	teoria	do	conhecimento	como	disciplina</p><p>filosófica	e	marcou	o	início	da	filosofia	moderna,	Fundamentação	da	metafísica</p><p>dos	costumes	(1785),	Crítica	da	razão	prática	(1788)	e	Crítica	da	faculdade	do</p><p>juízo	(1790).	Em	comum,	todos	eles	defendem	um	profundo	estudo	do</p><p>conhecimento	humano,	das	formas	e	dos	limites	das	faculdades	cognitivas	do</p><p>homem,	partindo	do	princípio	de	que	o	conhecimento	começa	com	a</p><p>experiência,	mas	não	deriva	dela.</p><p>Em	1792,	Kant	publicou	A	religião	nos	limites	da	simples	razão,	livro	que	levou	o	rei</p><p>Frederico	Guilherme	II	a	proibi-lo	de	ensinar	ou	escrever	sobre	temas	religiosos.</p><p>Três	anos	depois	publicou	À	paz	perpétua,	obra	de	sua	maturidade,	na	qual</p><p>discute	as	possibilidades	da	paz	e	defende	o	regime	republicano.	Pacifista,</p><p>apoiou	a	independência	americana.</p><p>Kant	levou	uma	vida	calma	e	regrada,	não	se	casou	e	não	teve	filhos.</p><p>Morreu	em	Königsberg,	dois	meses	antes	de	completar	80	anos.</p><p>Este	livro	foi	publicado	anteriormente	pela	L&PM	Editores,	em	formato	14	x	21,</p><p>em	1989</p><p>Título	original:	Zum	ewigen	Frieden</p><p>Tradução:	Marco	Zingano</p><p>Capa:	Projeto	gráfico	de	Néktar	Design</p><p>Ilustração	da	capa:	©	Rue	des	Archives</p><p>Revisão:	Renato	Deitos,	Jó	Saldanha,	Bianca	Pasqualini	e	Lia	Cremonese</p><p>Cip-Brasil.	Catalogação-na-Fonte</p><p>Sindicato	Nacional	dos	Editores	de	Livros,	RJ</p><p>K25p</p><p>Kant,	Immanuel,	1724-1804</p><p>À	paz	perpétua	/	Immanuel	Kant	;	tradução	Marco	Zingano.	–	Porto	Alegre,	RS	:</p><p>L&PM,	2011.</p><p>(Coleção	L&PM	Pocket	Plus;	v.449)</p><p>Tradução	de:	Zum	ewigen	Frieden</p><p>ISBN	978.85.254.2324-5</p><p>1.	Paz	(Filosofia).	2.	Utopias.	3.	Filosofia	alemã.	I.	Título.	II.	Série.</p><p>08-0338.	CDD:	193</p><p>CDU:	1(43)</p><p>©	da	tradução,	L&PM	Editores,	2008</p><p>Todos	os	direitos	desta	edição	reservados	a	L&PM	Editores</p><p>Rua	Comendador	Coruja,	314,	loja	9	–	Floresta	–	90.220-180</p><p>Porto	Alegre	–	RS	–	Brasil	/	Fone:	51.3225.5777</p><p>conjuntamente	e	que</p><p>somente	pode	ser	extenuado	pela	queda	iminente	dos	impostos	(que,	contudo,</p><p>pode	ser	longamente	protelada	graças	à	estimulação	do	comércio	por	meio	do</p><p>efeito	retroativo	na	indústria	e	na	renda).	Essa	facilidade	para	fazer	a	guerra,</p><p>unida	à	inclinação	para	tanto	dos	detentores	do	poder,	que	parece	ser	inerente	à</p><p>natureza	humana,	é,	portanto,	um	grande	obstáculo	à	paz	perpétua;	para	impedi-</p><p>lo,	tanto	mais	teria	de	ser	um	artigo	preliminar,	porque	a	bancarrota	do	Estado,</p><p>ao	fim,	mas	inevitável,	vai	enredar	nos	prejuízos	muitos	outros	Estados	sem</p><p>culpa,	o	que	seria	uma	lesão	pública	dos	últimos.	Por	conseguinte,	os	outros</p><p>Estados	estão	pelo	menos	autorizados	a	aliar-se	contra	um	semelhante	Estado	e</p><p>sua	arrogância.</p><p>5.	“Nenhum	Estado	deve	imiscuir-se	com	emprego	de	força	na	constituição	e	no</p><p>governo	de	um	outro	Estado.”</p><p>Pois	o	que	pode	autorizá-lo	a	isso?	Talvez	o	escândalo	que	ele	fornece	aos</p><p>súditos	de	um	outro	Estado?	Ele	pode	antes	servir	de	advertência	pelo	exemplo</p><p>dos	grandes	males	que	um	povo	atraiu	para	si	por	não	possuir	leis;	e,	em	geral,	o</p><p>mau	exemplo	que	uma	pessoa	livre	dá	a	outra	(como	scandalum	acceptum)	não</p><p>lhe	é	nenhuma	lesão.	Isso	não	se	poderia	concluir	se	um	Estado	se</p><p>desmembrasse	em	duas	partes	por	desunião	interna,	em	que	cada	uma</p><p>representasse	para	si	um	Estado	peculiar	que	reivindicasse	o	todo,	onde	prestar</p><p>assistência	a	um	deles	por	um	Estado	externo	não	poderia	ser	considerado	uma</p><p>intromissão	na	constituição	do	outro	Estado	(pois	há	então	anarquia).	Enquanto,</p><p>porém,	este	conflito	interno	ainda	não	estiver	decidido,	esta	intromissão	de</p><p>potências	externas	seria	uma	violação	dos	direitos	de	um	povo	dependente	de</p><p>nenhum	outro	e	que	só	luta	contra	seus	próprios	males;	seria	mesmo,	portanto,</p><p>um	escândalo	declarado	e	tornaria	insegura	a	autonomia	de	todos	os	Estados.</p><p>6.	“Nenhum	Estado	em	guerra	com	outro	deve	permitir	hostilidades	tais	que</p><p>tornem	impossível	a	confiança	recíproca	na	paz	futura;	deste	tipo	são:	emprego</p><p>de	assassinos	(percussores),	envenenadores	(venefici),	quebra	da	capitulação	e</p><p>instigação	à	traição	(perduellio)	no	Estado	com	que	se	guerreia	etc.”</p><p>São	estratagemas	desonrosos.	Pois	tem	de	subsistir	alguma	confiança	no</p><p>modo	de	pensar	do	inimigo	durante	a	guerra,	porque	senão	também	não	poderia</p><p>ser	concluída	nenhuma	paz	e	a	hostilidade	acabaria	em	uma	guerra	de	extermínio</p><p>(bellum	internecinum).	Já	que	a	guerra	é,	contudo,	somente	o	triste	meio</p><p>necessário	para	afirmar	seu	direito	pela	força	no	estado	de	natureza	(onde	não	há</p><p>tribunais	que	julguem	com	base	no	direito),	em	que	nenhuma	das	duas	partes</p><p>pode	ser	declarada	como	inimigo	injusto	(porque	isto	já	pressupõe	um	veredicto</p><p>judiciário),	mas	o	desfecho	da	guerra	(como	em	um	assim	chamado	juízo	divino)</p><p>decide	de	que	lado	o	direito	está;	entre	Estados	não	se	pode,	porém,	pensar	em</p><p>uma	guerra	punitiva	(bellum	punitivum)	(porque	entre	eles	não	ocorre	relação	de</p><p>um	superior	a	um	subordinado).	De	onde	se	segue,	pois:	que	uma	guerra	de</p><p>extermínio,	em	que	pode	ocorrer	simultaneamente	o	extermínio	de	ambas	as</p><p>partes	e	com	ele	também	de	todo	o	direito,	encontraria	a	paz	perpétua	somente</p><p>no	grande	cemitério	do	gênero	humano.	Portanto,	uma	tal	guerra,	por</p><p>conseguinte	também	o	uso	dos	meios	que	levam	a	ela,	tem	de	ser	absolutamente</p><p>não-permitida.	–	Que	os	meios	mencionados	levam	a	isso	inevitavelmente,</p><p>esclarece-se	por	isto:	que	aquelas	artes	infernais,	que	já	são	em	si	mesmas</p><p>ignóbeis,	quando	postas	em	uso	não	se	mantêm	por	muito	tempo	dentro	dos</p><p>limites	da	guerra,	mas	passam	também	para	o	estado	de	paz,	como,	por	exemplo,</p><p>o	uso	de	espiões	(uti	exploratoribus),	em	que	somente	a	desonestidade	dos</p><p>outros	é	utilizada	(que	então	não	pode	ser	exterminada),	o	que	aniquilaria	por</p><p>inteiro	o	propósito	de	paz.</p><p>Embora	as	leis	recém-indicadas	sejam	objetivamente,	isto	é,	na	intenção</p><p>dos	detentores	do	poder,	puras	leis	proibitivas	(leges	prohibitivae),	algumas</p><p>delas	são,	porém,	do	tipo	estrito,	que	vale	sem	consideração	pela	circunstâncias</p><p>(leges	strictae),	que	urgem	uma	supressão	imediata	(como	n.	1,	5,	6);	outras,</p><p>porém	(como	n.	2,	3,	4),	certo	não	como	exceções	à	regra	do	direito,	mas	em</p><p>consideração	à	aplicação	delas,	autorizam	uma	latitude	subjetiva	em	função	das</p><p>circunstâncias	(leges	latae),	e	contêm	permissões	para	adiar	a	execução,	sem</p><p>contudo	perder	de	vista	o	fim,	o	qual	permite	este	adiamento,	por	exemplo,	na</p><p>restituição,	segundo	o	n.	2,	da	liberdade	retirada	a	certos	Estados,	não	para	o	dia</p><p>de	São	Nunca	(como	Augusto	costumava	prometer:	ad	calendas	graecas),	por</p><p>conseguinte	a	não-restituição,	mas	somente	permite	o	retardamento	para	que	ela</p><p>não	se	precipite	e,	desse	modo,	ocorra	contrariamente	à	própria	intenção.	Pois	a</p><p>proibição	concerne	aqui	somente	ao	modo	de	aquisição,	que	não	deve	valer	para</p><p>o	futuro,	mas	não	ao	estado	de	posse,	que,	embora	não	tenha	o	título	de	direito</p><p>requerido,	contudo	em	seu	tempo	(da	aquisição	putativa),	segundo	a	opinião</p><p>pública	daquela	época,	foi	considerado	por	todos	os	Estados	como	legítimo[2].</p><p>[1]	Um	reino	hereditário	não	é	um	Estado	que	possa	ser	herdado	por	um	outro	Estado,	mas	um	Estado	cujo</p><p>direito	a	governar	pode	ser	herdado	por	uma	pessoa	física.	O	Estado	adquire	então	um	regente,	não	este</p><p>como	tal	(isto	é,	que	possui	já	um	outro	reino)	o	Estado.</p><p>[2]	Se	a	razão	pura	pode	fornecer,	além	de	mandamento	(leges	praeceptivae)	e	proibição	(leges</p><p>prohibitivae),	também	leis	permissivas	(leges	permissivae),	foi	posto	em	dúvida	não	sem	fundamento	até	o</p><p>momento.	Pois	leis	em	geral	contêm	um	fundamento	de	necessidade	objetiva	prática;	a	permissão,	porém,</p><p>contém	um	fundamento	de	contingência	prática	de	certas	ações;	por	conseguinte,	uma	lei	permissiva</p><p>conteria	uma	obrigação	para	uma	ação	à	qual	ninguém	pode	ser	obrigado,	o	que	seria	uma	contradição	se	o</p><p>objeto	da	lei	tivesse	o	mesmo	significado	em	ambas	as	relações.	–	Ora,	aqui,	porém,	na	lei	permissiva,	a</p><p>proibição	pressuposta	se	reporta	somente	ao	modo	de	aquisição	futuro	de	um	direito	(por	exemplo,	por</p><p>herança).	A	liberação,	contudo,	dessa	proibição,	isto	é,	a	permissão,	reporta-se	ao	estado	de	posse	atual;	este</p><p>último	pode	ainda	permanecer	na	passagem	do	estado	de	natureza	para	o	civil,	segundo	uma	lei	permissiva</p><p>do	direito	natural,	como	uma	posse,	embora	ilegítima,	contudo	honesta	(possessio	putativa),	embora	uma</p><p>posse	putativa,	no	estado	de	natureza,	assim	que	é	reconhecida	como	tal,	seja	proibida,	do	mesmo	modo	que</p><p>um	tipo	de	aquisição	semelhante	no	estado	civil	subseqüente	(após	a	passagem),	o	qual	não	encontraria</p><p>autorização	da	posse	permanente	se	tal	suposta	aquisição	tivesse	ocorrido	no	estado	civil,	pois	aí	ela	teria	de</p><p>cessar,	como	lesão,	logo	após	a	descoberta	de	sua	ilegitimidade.	Eu	quis	aqui	chamar	somente	de	passagem</p><p>a	atenção	dos	mestres	do	direito	natural	ao	conceito	de	uma	lex	permissiva,	que	se	oferece	de	si	mesma	a</p><p>uma	razão	sistemática	e	classificadora	sobremaneira,	já	que	freqüentemente	é	feito	uso	dela	na	lei	civil</p><p>(estatutária),	apenas	com	a	diferença	que	a	lei	proibitiva	está	aí	por	si	só;	a	permissão,	porém,	não	é</p><p>introduzida	naquela	lei	como	condição	limitativa	(como	deveria),	mas	é	jogada	entre	as	exceções.	Isso</p><p>significa	então:	isto	ou	aquilo	é	proibido;	seja,	pois,	acrescentar	à	lei	as	permissões	n.	1,	n.	2,	n.	3	e	assim</p><p>indefinidamente,	de	modo	contingente,	não	segundo	um	princípio,	mas	por	tateio	entre	casos	que	surjam,</p><p>pois	senão	as	condições	teriam	sido	introduzidas	na	fórmula	da	lei	proibitiva,	pelo	que	ela	se	tornaria</p><p>simultaneamente	uma	lei	permissiva.	–	É	pois	lamentável	que	tenha	sido	logo	abandonada	a	questão</p><p>engenhosa,	que	permaneceu,	porém,	insolúvel,	posta	em	concurso	pelo	tanto	sábio	como	perspicaz	senhor</p><p>Conde	von	Windischgrätz,	que	justamente	insistia	na	última.	Pois	a	possibilidade	de	uma	tal	fórmula</p><p>(análoga	à	matemática)	é	a	única	pedra-de-toque	genuína	de	uma	legislação	conseqüente,	sem	a	qual	o</p><p>assim	chamado	ius	certum	será	sempre	um	pio	desejo.	De	outro	modo,	ter-se-á	apenas	leis	gerais	(que</p><p>valem	em	geral),	mas	não	universais	(que	valem	universalmente),	como	parece	exigir,</p><p>contudo,	o	conceito</p><p>de	uma	lei.</p><p>SEGUNDA	SEÇÃO,	QUE	CONTÉM	OS	ARTIGOS	DEFINITIVOS	PARA</p><p>A	PAZ	PERPÉTUA	ENTRE	OS	ESTADOS</p><p>O	estado	de	paz	entre	os	homens	que	vivem	juntos	não	é	um	estado	de</p><p>natureza	(status	naturalis),	que	é	antes	um	estado	de	guerra,	isto	é,	ainda	que</p><p>nem	sempre	haja	uma	eclosão	de	hostilidades,	é	contudo	uma	permanente</p><p>ameaça	disso.	Ele	tem	de	ser,	portanto,	instituído,	pois	a	cessação	das</p><p>hostilidades	ainda	não	é	garantia	de	paz	e,	a	menos	que	ela	seja	obtida	de	um</p><p>vizinho	a	outro	(o	que,	porém,	pode	ocorrer	somente	em	um	estado	legal),	pode</p><p>um	tratar	o	outro,	a	quem	exortara	para	tal,	como	um	inimigo[1].</p><p>[1]	Admite-se	comumente	que	não	se	pode	proceder	hostilmente	contra	ninguém	a	não	ser	quando	ele	de</p><p>fato	já	me	lesou,	e	isto	também	é	inteiramente	correto	quando	ambos	estão	no	estado	civil-1egal.	Pois,	pelo</p><p>fato	de	que	entrou	nesse	estado,	ele	dá	àquele	(mediante	a	autoridade	que	possui	poder	acima	de	ambos)	a</p><p>segurança	requerida.	Mas	o	homem	(ou	o	povo)	no	puro	estado	de	natureza	tira	de	mim	esta	segurança	e	me</p><p>lesa	já	por	esse	mesmo	estado,	na	medida	em	que	está	ao	meu	lado,	ainda	que	não	de	fato	(facto),	pela</p><p>ausência	de	leis	de	seu	Estado,	pelo	que	eu	sou	continuamente	ameaçado	por	ele,	e	posso	forçá-lo	ou	a</p><p>entrar	comigo	em	um	Estado	comum	legal	ou	a	retirar-se	de	minha	vizinhança.	–	O	postulado,	portanto,	que</p><p>serve	de	fundamento	a	todos	os	artigos	seguintes	é:	todos	os	homens	que	podem	influenciar-se</p><p>reciprocamente	têm	de	pertencer	a	alguma	constituição	civil.</p><p>Toda	constituição	jurídica	é,	porém,	no	que	concerne	às	pessoas	que	estão	sob	ela:</p><p>1)	a	constituição	segundo	o	direito	civil	de	Estado	dos	homens	em	um	povo	(ius	civitatis);</p><p>2)	segundo	o	direito	internacional	dos	Estados	em	relação	uns	com	os	outros	(ius	gentium);</p><p>3)	a	constituição	segundo	o	direito	cosmopolita,	enquanto	homens	e	Estados	que,	estando	em	relação	de</p><p>influência	mútua	exterior,	têm	de	ser	considerados	como	cidadãos	de	um	Estado	universal	da	humanidade</p><p>(ius	cosmopoliticum).</p><p>Esta	divisão	não	é	arbitrária,	mas	necessária	em	relação	à	idéia	de	paz	perpétua.	Pois	se	somente	um	destes,</p><p>na	relação	da	influência	física	sobre	o	outro,	estivesse	no	estado	de	natureza,	então	estaria	ligado	a	ele	o</p><p>estado	de	guerra,	e	tornar-se	liberto	de	tal	estado	é	justamente	a	intenção	aqui.</p><p>PRIMEIRO	ARTIGO	DEFINITIVO	PARA	A	PAZ	PERPÉTUA</p><p>A	Constituição	civil	em	cada	Estado	deve	ser	republicana.</p><p>A	constituição	instituída	primeiramente	segundo	os	princípios	da	liberdade</p><p>dos	membros	de	uma	sociedade	(como	homens),	em	segundo	lugar	segundo	os</p><p>princípios	da	dependência	de	todos	a	uma	única	legislação	comum	(como</p><p>súditos)	e,	terceiro,	segundo	a	lei	da	igualdade	dos	mesmos	(como	cidadãos)	–	a</p><p>única	que	resulta	da	idéia	do	contrato	originário,	sobre	a	qual	tem	de	estar</p><p>fundada	toda	legislação	jurídica	de	um	povo	–	é	a	constituição	republicana[1].</p><p>Esta	é,	portanto,	no	que	concerne	ao	direito,	aquela	que	é	em	si	mesma</p><p>originariamente	fundamento	de	todos	os	tipos	de	constituição	civil;	e	agora	a</p><p>questão	é	apenas:	é	ela	também	a	única	que	pode	levar	à	paz	perpétua?</p><p>Ora,	a	constituição	republicana,	além	da	pureza	de	sua	origem,	por	ter-se</p><p>originado	da	fonte	pura	do	conceito	de	direito,	tem	ainda	a	perspectiva	da</p><p>conseqüência	desejada,	a	saber,	a	paz	perpétua.	A	razão	para	isso	é	esta.	–</p><p>Quando	o	consentimento	dos	cidadãos	(como	não	pode	ser	de	outro	modo	nesta</p><p>constituição)	é	requerido	para	decidir	“se	deve	ou	não	ocorrer	guerra”,	nada	é</p><p>mais	natural	do	que,	já	que	têm	de	decidir	para	si	próprios	sobre	todas	as	aflições</p><p>da	guerra	(como	estas:	combater	em	pessoa,	tirar	de	seu	próprio	patrimônio	os</p><p>custos	da	guerra,	reparar	penosamente	a	devastação	que	ela	deixa	atrás	de	si;</p><p>enfim,	ainda	contrair	para	si,	como	cúmulo	do	mal,	uma	dívida	que	nunca	será</p><p>paga,	por	causa	da	proximidade	sempre	de	novas	guerras,	e	que	tornará	a	própria</p><p>paz	amarga),	eles	refletirão	muito	para	iniciar	um	jogo	tão	grave.	Como,	pelo</p><p>contrário,	em	uma	constituição	em	que	o	súdito	não	é	cidadão,	que,	portanto,	não</p><p>é	republicana,	isso	é	a	coisa	sobre	a	qual	menos	se	hesita	no	mundo,	porque	o</p><p>chefe,	não	sendo	membro	do	Estado,	mas	proprietário	do	Estado,	não	tem	o</p><p>mínimo	prejuízo	por	causa	da	guerra	à	sua	mesa,	à	sua	caçada,	a	seus	castelos	de</p><p>campo,	festas	da	corte	etc.,	e	pode,	portanto,	decidir	sobre	a	guerra	por	causas</p><p>insignificantes	como	uma	espécie	de	jogo	de	recreação	e,	por	conta	das	boas</p><p>maneiras,	deixar	a	justificação	do	conflito	indiferentemente	ao	corpo</p><p>diplomático,	que	está	todo	o	tempo	pronto	para	isso.</p><p>Para	que	não	se	confunda	(como	ocorre	comumente)	a	constituição</p><p>republicana	com	a	democrática,	deve-se	assinalar	o	seguinte:	as	formas	de	um</p><p>Estado	(civitas)	podem	ser	divididas	segundo	a	diferença	das	pessoas	que	detêm</p><p>o	poder	de	Estado	supremo	ou	segundo	o	modo	de	governo	do	povo	por	seu</p><p>chefe,	seja	quem	for;	a	primeira	denomina-se	propriamente	a	forma	de	soberania</p><p>(forma	imperii)	e	há	somente	três	formas	possíveis,	a	saber,	em	que	somente	um,</p><p>alguns	ligados	entre	si	ou	todos	juntos,	que	perfazem	a	sociedade	civil,	possuem</p><p>o	poder	soberano	(autocracia,	aristocracia	e	democracia,	poder	do	príncipe,</p><p>poder	da	nobreza	ou	poder	do	povo).	A	segunda	é	a	forma	do	governo	(forma</p><p>regiminis)	e	concerne	ao	modo	fundado	na	constituição	(no	ato	da	vontade	geral</p><p>pelo	qual	a	multidão	torna-se	um	povo)	como	o	Estado	faz	uso	de	sua	plenitude</p><p>de	poder	e	é	a	este	respeito	republicana	ou	despótica.	O	republicanismo	é	o</p><p>princípio	de	Estado	da	separação	do	poder	executivo	(o	governo)	do	legislativo;</p><p>o	despotismo	é	o	da	execução	autocrática	do	Estado	de	leis	que	ele	mesmo</p><p>propôs,	por	conseguinte	da	vontade	pública	enquanto	ela	é	manipulada	pelo</p><p>regente	como	sua	vontade	privada.	–	Entre	as	três	formas	de	Estado,	a</p><p>democracia,	no	sentido	próprio	da	palavra,	é	necessariamente	um	despotismo,</p><p>porque	ela	funda	um	poder	executivo	onde	todos	decidem	sobre	e,	no	caso</p><p>extremo,	também	contra	um	(aquele	que,	portanto,	não	consente),	por</p><p>conseguinte	todos	que	não	são	contudo	todos,	o	que	é	uma	contradição	da</p><p>vontade	geral	consigo	mesma	e	com	a	liberdade.</p><p>Toda	forma	de	governo	que	não	é	representativa	é	propriamente	uma	não-</p><p>forma,	porque	o	legislador	não	pode	ser	em	uma	mesma	pessoa	ao	mesmo	tempo</p><p>executor	de	sua	vontade	(do	mesmo	modo	como,	num	silogismo,	o	universal	da</p><p>premissa	maior	pode	ser	ao	mesmo	tempo	a	subsunção	do	particular	na	premissa</p><p>menor),	e,	mesmo	se	as	duas	outras	formas	de	constituição	de	Estado	são	sempre</p><p>imperfeitas,	tanto	que	dão	lugar	a	um	tal	modo	de	governo,	pelo	menos	nelas	é</p><p>possível,	contudo,	adotar	um	modo	de	governo	conforme	o	espírito	para	o</p><p>sistema	representativo,	como	Frederico	II	dizia:	ele	era	meramente	o	mais	alto</p><p>servidor	do	Estado[2];	ao	contrário,	a	forma	democrática	torna	isso	impossível,</p><p>porque	nela	todos	querem	ser	senhor.	–	Daqui	pode-se	dizer:	quanto	menor	o</p><p>número	de	pessoal	do	Estado	(o	número	dos	dirigentes),	maior,	em	contrapartida,</p><p>a	sua	representação,	tanto	mais	concorda	a	constituição	de	Estado	com	a</p><p>possibilidade	do	republicanismo	e	pode	esperar	alçar-se	finalmente	a	ele	por</p><p>reformas	graduais.	Por	essa	razão	é	mais	difícil	na	aristocracia	do	que	na</p><p>monarquia,	porém	impossível	na	democracia,	alcançar	de	outra	forma	que	não</p><p>por	revolução	violenta	a	constituição	jurídica	perfeita.	Mas	sem	qualquer</p><p>comparação	interessa	mais	ao	povo	o	modo	de	governo[3]	do	que	a	forma	de</p><p>Estado	(embora	importe	também	muito	a	esta	sua	maior	ou	menor	conformidade</p><p>para	aquele	fim).	Porém,	se	deve	ser	conforme	ao	conceito	de	direito,	a	ele</p><p>pertence	o	sistema	representativo,	no	qual	é	possível	somente	um	modo	de</p><p>governo	republicano,	sem	o	qual	(seja	qual	for	a	constituição)	é	despótico	e</p><p>violento.	Nenhuma	das	assim	ditas	repúblicas	antigas	conheceu	este	sistema	e</p><p>tinham	de	se	dissolver	inteiramente	com	o	tempo	no	despotismo,	que,	sob	o</p><p>poder	supremo	de	um	único,	é	ainda	o	mais	suportável	de	todos.</p><p>[1]	Liberdade	jurídica	(por	conseguinte	exterior)	não	pode,	como	se	está	acostumado	a	fazer,	ser	definida</p><p>pela	autorização:	“fazer	tudo	o	que	se	quer,	desde</p><p>que	não	se	cometa	injustiça	com	ninguém”.	Pois	o	que</p><p>significa	autorização?	A	possibilidade	de	uma	ação	enquanto	não	se	comete	por	ela	injustiça	com	ninguém,</p><p>Portanto	soaria	assim	a	definição:	“liberdade	é	a	possibilidade	de	ações	pelas	quais	não	se	comete	injustiça</p><p>com	ninguém.	Não	se	comete	injustiça	a	ninguém	(cometa-se	o	que	se	quiser)	desde	que	somente	não	se</p><p>cometa	injustiça	com	ninguém”	–	por	conseguinte	isso	é	tautologia	vazia.	Minha	liberdade	exterior</p><p>(jurídica)	deve	antes	ser	definida	assim:	ela	é	a	autorização	de	não	obedecer	a	nenhuma	lei	exterior	a	não	ser</p><p>àquelas	a	que	pude	dar	meu	assentimento.	–	A	igualdade	exterior	(jurídica)	num	Estado	é	justamente	assim</p><p>aquela	relação	dos	cidadãos	segundo	a	qual	ninguém	pode	obrigar	juridicamente	outrem	a	algo	sem	que	ele</p><p>ao	mesmo	tempo	se	submeta	à	lei	de	também	poder	ser	obrigado	por	ela	reciprocamente	do	mesmo	modo.</p><p>(Não	precisa	de	elucidação	o	princípio	da	dependência	jurídica,	uma	vez	que	este	já	está	no	conceito	de	uma</p><p>constituição	de	Estado	em	geral).	–	A	validade	desses	direitos	inatos,	necessariamente	pertencentes	à</p><p>humanidade	e	imprescritíveis,	fica	confirmada	e	realçada	pelo	princípio	das	relações	jurídicas	do	homem</p><p>mesmo	para	com	seres	superiores	(quando	ele	se	representa	tais	seres),	na	medida	em	que	justamente</p><p>segundo	os	mesmos	princípios	ele	se	representa	também	como	cidadão	de	um	mundo	supra-sensível.	Pois,</p><p>no	que	concerne	à	minha	liberdade,	não	tenho	eu,	mesmo	com	respeito	às	leis	divinas,	conhecidas	por	mim</p><p>pela	simples	razão,	nenhuma	obrigação	a	não	ser	enquanto	eu	mesmo	tiver	podido	dar	meu	assentimento</p><p>(pois	primeiramente	eu	faço	para	mim	um	conceito	da	vontade	divina	pela	lei	de	liberdade	de	minha	própria</p><p>razão).	Com	respeito	ao	mais	elevado	ser	do	mundo	além	de	Deus,	tal	como	eu	poderia	imaginá-lo	(um</p><p>grande	Aion),	no	que	concerne	ao	princípio	da	igualdade,	não	há	nenhuma	razão	para	eu	simplesmente</p><p>obedecer	a	ele,	porém,	o	direito	de	mandar,	se	eu	faço	em	meu	posto	o	meu	dever,	como	aquele	Aion	o	faz</p><p>no	seu.	–	Eis	o	fundamento	por	que	este	princípio	da	igualdade	não	convém	(assim	como	o	da	liberdade)	à</p><p>relação	com	Deus:	porque	este	ser	é	o	único	para	quem	cessa	o	conceito	de	dever.</p><p>No	que	concerne,	porém,	ao	conceito	de	igualdade	de	todos	os	cidadãos	como	súditos,	importa	unicamente</p><p>na	resposta	à	pergunta	acerca	da	admissibilidade	da	nobreza	hereditária,	“se	a	posição	atribuída	pelo	Estado</p><p>(de	um	súdito	à	frente	de	outro)	tem	de	preceder	o	mérito	ou	este	aquela”.	Ora,	é	evidente	que,	quando	a</p><p>posição	está	vinculada	ao	nascimento,	é	inteiramente	incerto	se	o	mérito	(habilidade	e	lealdade	no	exercício</p><p>das	funções)	também	seguirá;	por	conseguinte	é	justamente	tanto	como	se	ela	fosse	atribuída	sem	nenhum</p><p>mérito	ao	protegido	(ser	um	comandante),	o	que	a	vontade	geral	de	um	povo	nunca	teria	aceito	em	um</p><p>contrato	originário	(que	é,	porém,	o	princípio	de	todo	direito).	Pois	um	homem	nobre	não	é	por	isso</p><p>imediatamente	um	nobre	homem.	–	No	que	concerne	à	nobreza	de	função	(como	se	pode	denominar	a</p><p>posição	de	uma	magistratura	superior	e	que	se	tem	de	adquirir	por	mérito),	a	posição	não	se	cola,	como</p><p>propriedade,	à	pessoa,	mas	ao	posto,	e	a	igualdade	não	é	ferida	por	isso,	porque,	quando	alguém	deixa	sua</p><p>função,	ele	ao	mesmo	tempo	perde	sua	posição	e	retorna	ao	povo.</p><p>[2]	Censurou-se	seguidamente	as	altas	distinções	que	freqüentemente	são	conferidas	a	um	soberano	(a	de</p><p>um	ungido	por	Deus,	de	um	administrador	da	vontade	divina	na	Terra	e	seu	representante)	como	adulações</p><p>insolentes	que	dão	vertigens,	mas,	me	parece	sem	fundamento.	Longe	de	serem	sentidas	como	se	devessem</p><p>tornar	altivo	o	soberano,	o	tornam	antes	humilde	em	sua	alma,	se	ele	tiver	entendimento	(o	que,	porém,	é	de</p><p>se	pressupor)	e	se	ponderar	que	assumiu	uma	função	grande	demais	para	um	homem,	a	saber,	administrar	o</p><p>que	Deus	tem	de	mais	sagrado	na	Terra,	o	direito	dos	homens,	e	que	tem	de	estar	sempre	com	temor	de	ter</p><p>ofendido	em	algum	lugar	a	pupila	de	Deus.</p><p>[3]	Malet	du	Pan	gaba-se,	em	sua	linguagem	pomposa,	porém	oca	e	vazia,	de	ter	finalmente	chegado	à</p><p>convicção,	após	muitos	anos	de	experiência,	da	verdade	do	conhecido	dito	de	Pope:	“deixa	os	insensatos</p><p>brigarem	sobre	o	melhor	governo;	o	mais	bem	administrado	é	o	melhor”.	Se	isso	quer	dizer	que	o	governo</p><p>mais	bem	administrado	é	o	mais	bem	administrado,	então	ele,	segundo	a	expressão	de	Swift,	quebrou	uma</p><p>noz	que	lhe	recompensou	com	um	verme;	devia,	porém,	significar	que	ele	é	também	o	melhor	modo	de</p><p>governo,	isto	é,	constituição	de	Estado,	então	é	absolutamente	falso:	pois	exemplos	de	bons	governos	nada</p><p>provam	quanto	ao	modo	de	governo.	Quem	governou	melhor	do	que	um	Tito	ou	um	Marco	Aurélio	e,</p><p>contudo,	um	deixou	após	si	como	sucessor	um	Domiciano,	o	outro	um	Cômodo,	o	que	não	teria	podido</p><p>acontecer	em	uma	boa	constituição	de	Estado,	já	que	a	incapacidade	deles	para	este	posto	foi	reconhecida</p><p>suficientemente	cedo	e	o	poder	do	soberano	era	bastante	para	excluí-los.</p><p>SEGUNDO	ARTIGO	DEFINITIVO	PARA	A	PAZ	PERPÉTUA</p><p>O	direito	internacional	deve	fundar-se	em	um	federalismo	de	Estados	livres.</p><p>Povos,	como	Estados,	podem	ser	considerados	como	homens	individuais</p><p>que,	em	seu	estado	de	natureza	(isto	é,	na	independência	de	leis	exteriores),	já	se</p><p>lesam	por	estarem	um	ao	lado	do	outro	e	no	qual	cada	um,	em	vista	de	sua</p><p>segurança,	pode	e	deve	exigir	do	outro	entrar	com	ele	em	uma	constituição</p><p>similar	à	civil,	em	que	cada	um	pode	ficar	seguro	de	seu	direito.	Isso	seria	uma</p><p>liga	de	povos,	que,	contudo,	não	seria	nenhum	Estado	de	povos.	Haveria	neste</p><p>uma	contradição,	porque	cada	Estado	contém	a	relação	de	um	superior</p><p>(legislador)	a	um	inferior	(que	obedece,	a	saber,	o	povo);	muitos	povos,	porém,</p><p>em	um	Estado	formariam	unicamente	um	povo,	o	que	contradiz	a	pressuposição</p><p>(já	que	temos	aqui	de	considerar	o	direito	dos	povos	uns	em	relação	aos	outros,</p><p>enquanto	eles	formam	muitos	Estados	separados	e	não	devem	fundir-se	em	um</p><p>Estado).</p><p>Assim	como	olhamos	com	profundo	desprezo	o	apego	dos	selvagens	à	sua</p><p>liberdade	sem	lei	de	preferir	brigar	incessantemente	a	submeter-se	a	uma	coerção</p><p>legal	a	ser	constituída	por	eles	mesmos,	por	conseguinte	preferindo	a	liberdade</p><p>insensata	à	racional,	e	os	consideramos	estado	bruto,	grosseria	e	degradação</p><p>animalesca	da	humanidade,	deveríamos	pensar	que	povos	civilizados	(cada	um</p><p>unido	em	um	Estado)	teriam	de	apressar-se	a	sair	o	quanto	antes	de	um	estado</p><p>tão	abjeto.	Em	vez	disso,	porém,	cada	Estado	coloca	antes	sua	majestade	(pois</p><p>majestade	do	povo	é	uma	expressão	absurda)	precisamente	em	não	estar</p><p>submetido	a	nenhuma	coerção	legal	exterior,	e	o	esplendor	de	seu	chefe	consiste</p><p>em	que	a	ele,	sem	que	possa	incorrer	ele	mesmo	em	perigo,	muitos	milhares</p><p>estão	às	ordens	para	deixar	sacrificar-se	por	uma	coisa	que	não	lhes	diz</p><p>respeito[1];	e	a	diferença	entre	os	selvagens	europeus	e	os	americanos	consiste</p><p>principalmente	em	que,	se	muitas	tribos	dos	últimos	foram	inteiramente</p><p>devoradas	por	seus	inimigos,	os	primeiros	sabem	usar	melhor	seus	derrotados	do</p><p>que	degluti-los	e	de	preferência	sabem	aumentar	mediante	eles	o	número	de	seus</p><p>súditos,	por	conseguinte	também	a	quantidade	de	instrumentos	para	guerras</p><p>ainda	mais	vastas.</p><p>Pela	maldade	da	natureza	humana,	que	se	faz	ver	descoberta	na	relação</p><p>livre	dos	povos	(ao	passo	que	se	dissimula	muito	no	estado	civil	e	legal	pela</p><p>coerção	do	governo),	é	de	se	admirar	que	a	palavra	direito	ainda	não	tenha	sido</p><p>inteiramente	relegada	em	política	de	guerra	como	pedante,	e	ainda	nenhum</p><p>Estado	tenha-se	atrevido	a	declarar-se	publicamente	pela	última	opinião,	pois</p><p>ainda	são	candidamente	invocados,	para	justificar	uma	ofensiva	de	guerra,	Hugo</p><p>Grotius,	Puffendorf,	Vattel	entre	outros	mais	(meros	tristes	consoladores),</p><p>embora	seu	código,	concebido	filosófica	ou	diplomaticamente,	não	tenha	a</p><p>menor	força	legal	e	tampouco	possa	ter	(porque	Estados	como	tais	não	estão	sob</p><p>uma	coerção	comum	exterior)	sem	que	haja	um	exemplo	de	que	alguma	vez	um</p><p>Estado	teria	sido	levado	a	desistir	de	seus	propósitos	por	argumentos	armados</p><p>com	testemunhos	de	homens	tão	importantes.	–	Essa	homenagem	que</p><p>cada</p><p>Estado	presta	ao	conceito	de	direito	(pelo	menos	segundo	as	palavras)</p><p>demonstra,	contudo,	que	se	encontra	no	homem	uma	disposição	originária	moral</p><p>ainda	maior,	embora	atualmente	dormente,	de	se	tornar	senhor	do	princípio	mau</p><p>nele	(que	ele	não	pode	negar)	e	esperar	isto	também	dos	outros,	pois	senão	não</p><p>ocorreria	nunca	aos	Estados,	que	querem	combater	uns	aos	outros,	pronunciar	a</p><p>palavra	direito	a	não	ser	para	fazer	troça	com	ela,	como	aquele	príncipe	gaulês</p><p>que	definia:	“o	direito	é	a	vantagem	que	a	natureza	deu	ao	mais	forte	sobre	o</p><p>mais	fraco	de	que	este	deve	obedecer	àquele”.</p><p>Já	que	o	modo	como	os	Estados	procuram	seu	direito	nunca	pode	ser,	como</p><p>em	um	tribunal	externo,	o	processo,	mas	somente	a	guerra	–	pela	qual,	porém,	e</p><p>por	seu	sucesso	mais	favorável,	a	vitória,	o	direito	não	é	julgado,	e	que	foi	posto</p><p>certamente	um	fim,	pelo	tratado	de	paz,	à	guerra	em	curso,	mas	não	ao	estado	de</p><p>guerra	(de	sempre	encontrar	um	novo	pretexto)	(estado	que	também	não	se	pode</p><p>declarar	imediatamente	como	injusto,	porque	nele	cada	um	é	juiz	de	sua	própria</p><p>causa)	–,	não	obstante,	para	os	Estados,	segundo	o	direito	internacional,	nem</p><p>mesmo	pode	valer	o	que	vale	segundo	o	direito	natural	para	homens	em	estado</p><p>sem	leis,	“dever	sair	desse	estado”	(porque,	como	Estados,	já	têm	internamente</p><p>uma	constituição	jurídica	e,	portanto,	estão	excluídos	da	coerção	dos	outros	para</p><p>trazê-los	sob	uma	constituição	legal	ampliada	segundo	seus	conceitos	de	direito).</p><p>Entrementes,	porém,	a	razão,	de	cima	de	seu	trono	do	poder	legislativo</p><p>moralmente	supremo,	condena	absolutamente	a	guerra	como	procedimento	de</p><p>direito	e	torna,	ao	contrário,	o	estado	de	paz	um	dever	imediato,	que,	porém,	não</p><p>pode	ser	instituído	ou	assegurado	sem	um	contrato	dos	povos	entre	si:	tem	de</p><p>haver	então	uma	liga	de	tipo	especial,	que	se	pode	denominar	liga	de	paz	(foedus</p><p>pacificum),	que	deveria	ser	distinta	do	tratado	de	paz	(pactum	pacis)	que</p><p>simplesmente	procura	pôr	fim	a	uma	guerra;	aquela,	porém,	a	todas	as	guerras</p><p>para	sempre.	Esta	liga	não	visa	a	nenhuma	aquisição	de	alguma	potência	de</p><p>Estado,	mas	meramente	à	conservação	e	à	garantia	da	liberdade	de	um	Estado</p><p>para	si	mesmo	e	ao	mesmo	tempo	para	os	outros	Estados	aliados,	sem	que	estes,</p><p>porém,	por	isso	devam	ser	submetidos	(como	homens	no	estado	de	natureza)	a</p><p>leis	públicas	e	a	uma	coerção	sob	elas.	Pode-se	representar	a	exeqüibilidade</p><p>(realidade	objetiva)	dessa	idéia	da	federalidade,	que	deve	estender-se</p><p>gradualmente	sobre	todos	os	Estados,	conduzindo	assim	à	paz	perpétua.	Pois,</p><p>quando	um	povo	poderoso	e	ilustrado	consegue	formar-se	em	uma	república</p><p>(que	tem	de	ser,	segundo	sua	natureza,	inclinada	à	paz	perpétua),	então	esta	dá</p><p>para	os	outros	Estados	um	centro	da	união	federativa	para	juntar-se	a	ela	e	assim</p><p>garantir	o	estado	de	liberdade	dos	Estados,	conforme	à	idéia	do	direito</p><p>internacional,	e	expandir-se	sempre	cada	vez	mais	por	várias	ligas	desse	tipo.</p><p>É	compreensível	que	um	povo	diga:	“não	deve	haver	guerra	entre	nós,	pois</p><p>queremos	formar	um	Estado,	isto	é,	estabelecer	um	poder	supremo	legislativo,</p><p>executivo	e	judiciário	que	concilie	nossas	desavenças	pacificamente”.	Quando,</p><p>porém,	este	Estado	diz:	“não	deve	haver	guerra	entre	mim	e	outros	Estados,</p><p>apesar	de	eu	não	reconhecer	nenhum	poder	legislativo	supremo	que	assegure	a</p><p>mim	o	meu	direito	e	ao	qual	asseguro	o	seu”,	então	não	se	compreende	sobre	o</p><p>que	quero	fundar	a	confiança	no	meu	direito,	a	não	ser	no	substituto	da	liga	de</p><p>sociedade	civil,	a	saber,	o	livre	federalismo,	que	a	razão	tem	de	ligar</p><p>necessariamente	ao	conceito	de	direito	internacional,	se	algo	aí	resta	para	se</p><p>pensar.</p><p>No	conceito	do	direito	internacional	enquanto	direito	para	a	guerra	nada	se</p><p>pode	pensar	propriamente	(porque	seria	um	direito	de	determinar	o	que	é	direito</p><p>não	segundo	leis	exteriores,	que	valem	universalmente	limitando	a	liberdade	de</p><p>cada	indivíduo,	mas	pela	força	segundo	máximas	unilaterais),	pois	se	entenderia</p><p>por	ele	que	é	bem	feito	para	os	homens	que	estão	assim	dispostos	se	se</p><p>aniquilam	entre	si	e	encontram,	portanto,	a	paz	perpétua	na	grande	cova	que</p><p>recobre,	juntamente	com	seus	autores,	todas	as	atrocidades	do	emprego	de	força.</p><p>–	Para	os	Estados,	em	relação	uns	com	os	outros,	não	pode	haver,	segundo	a</p><p>razão,	outro	meio	de	sair	do	estado	sem	leis,	que	encerra	mera	guerra,	a	não	ser</p><p>que	eles,	exatamente	como	os	homens	individuais,	desistam	de	sua	liberdade</p><p>selvagem	(sem	lei),	consintam	a	leis	públicas	de	coerção	e	assim	formem	um</p><p>(certamente	sempre	crescente)	Estado	dos	povos	(civitas	gentium),	que	por	fim</p><p>viria	a	compreender	todos	os	povos	da	Terra.	Já	que	eles,	porém,	segundo	sua</p><p>idéia	do	direito	internacional,	não	querem	isso	de	modo	algum,	por	conseguinte</p><p>o	que	é	correto	in	thesi	repudiam	in	hypothesi;	então,	no	lugar	da	idéia	positiva</p><p>de	uma	república	mundial,	somente	pode	deter	a	corrente	da	inclinação	hostil	e</p><p>retraída	ao	direito	o	substituto	negativo	de	uma	liga	consistente,	sempre</p><p>expansiva	e	que	repele	a	guerra,	ainda	que	com	o	perigo	constante	de	seu</p><p>rompimento	(furor	impius	intus	–	fremit	horridus	ore	cruento.	Virgílio)	“um</p><p>ímpio	e	horrível	furor	ferve	dentro	de	sua	boca	sangrenta”[2].</p><p>[1]	Um	príncipe	búlgaro	assim	respondeu	ao	imperador	grego	que	queria	candidamente	terminar	o	conflito</p><p>com	ele	por	um	duelo:	“um	ferreiro	que	tem	pinças	não	retira	o	ferro	ardente	do	braseiro	com	suas	mãos”.</p><p>[2]	Depois	de	finda	uma	guerra,	no	tratado	de	paz,	não	seria	impróprio	para	um	povo	que,	após	a	festa	de</p><p>agradecimento,	fosse	inscrito	um	dia	de	penitência	para,	em	nome	do	Estado,	apelar	aos	céus	por</p><p>misericórdia	pela	grande	ofensa,	de	que	sempre	ainda	se	faz	culpado	o	gênero	humano,	de	não	querer</p><p>sujeitar-se	a	nenhuma	constituição	legal	em	relação	a	outros	povos,	mas	utilizar,	orgulhoso	de	sua</p><p>independência,	de	preferência	o	meio	bárbaro	da	guerra	(pelo	que,	contudo,	aquilo	que	é	procurado,	a	saber,</p><p>o	direito	de	cada	Estado,	não	é	conseguido).	–	A	festa	de	agradecimento,	durante	a	guerra,	por	uma	vitória</p><p>obtida,	os	hinos	que	são	cantados	(em	bom	israelita)	ao	senhor	dos	exércitos	ficam	em	um	contraste	não</p><p>menos	forte	com	a	idéia	moral	do	pai	dos	homens,	porque	eles,	além	da	indiferença	quanto	ao	modo	como</p><p>povos	procuram	seu	direito	recíproco	(que	é	bastante	triste),	ainda	trazem	alegria	de	ter	aniquilado	muitos</p><p>homens	ou	sua	felicidade.</p><p>TERCEIRO	ARTIGO	DEFINITIVO	PARA	A	PAZ	PERPÉTUA</p><p>“O	direito	cosmopolita	deve	ser	limitado	às	condições	da	hospitalidade</p><p>universal.”</p><p>Trata-se	aqui,	como	nos	artigos	precedentes,	não	de	filantropia,	mas	do</p><p>direito,	e	hospitalidade	significa,	aqui,	o	direito	de	um	estrangeiro,	por	conta	de</p><p>sua	chegada	à	terra	de	um	outro,	de	não	ser	tratado	hostilmente	por	este.	Este</p><p>pode	rejeitá-lo,	se	isso	puder	ocorrer	sem	sua	ruína;	enquanto,	porém,</p><p>comportar-se	pacificamente,	não	pode	tratá-lo	hostilmente.	Não	há	nenhum</p><p>direito	de	hospitalidade	que	possa	reivindicar	(para	o	que	seria	requerido	um</p><p>contrato	caritativo	particular	para	fazê-lo	hóspede	durante	certo	tempo),	mas	um</p><p>direito	de	visita,	que	assiste	a	todos	os	homens,	de	oferecer-se	à	sociedade	em</p><p>virtude	do	direito	da	posse	comunitária	da	superfície	da	Terra,	sobre	a	qual,</p><p>enquanto	esférica,	não	podem	dispersar-se	ao	infinito,	mas	têm	finalmente	de</p><p>tolerar-se	uns	aos	outros,	e	ninguém	tem	mais	direito	do	que	outrem	de	estar	em</p><p>um	lugar	da	Terra.	–	Partes	inabitáveis	de	sua	superfície,	o	mar	e	os	desertos	de</p><p>areia	separam	esta	comunidade,	mas	de	tal	forma	que	o	navio	ou	o	camelo	(o</p><p>navio	do	deserto)	tornam	possível	que	os	indivíduos	se	aproximem	uns	dos</p><p>outros	nestas	regiões	sem	dono	e	utilizem	o	direito	da	superfície,	que	compete	ao</p><p>gênero	humano	comunitariamente,	para	um	comércio	possível.	A	inospitalidade</p><p>das	costas	marinhas	(por	exemplo,	das	berberescas)	de	pilhar	os	navios	nos</p><p>mares	próximos	ou	de	escravizar	os	náufragos,	ou	a	inospitalidade	dos	desertos</p><p>de	areia	(dos	beduínos	árabes),	que	consideram	a	proximidade	às	tribos	nômades</p><p>um	direito	a	saqueá-las,	é	portanto	contrária	ao	direito	natural;	o	direito	de</p><p>hospitalidade,	porém,	isto	é,	a	autorização	dos	recém-chegados</p><p>estrangeiros,	não</p><p>se	estende	mais	do	que	às	condições	da	possibilidade	de	procurar	um</p><p>intercâmbio	com	os	antigos	habitantes.	–	Desse	modo	podem	as	partes	distantes</p><p>do	mundo	entrar	pacificamente	em	relações	umas	com	as	outras,	e	por	fim</p><p>tornam-se	publicamente	legais	e	assim	podem	trazer	o	gênero	humano</p><p>finalmente	sempre	mais	próximo	de	uma	constituição	cosmopolita.</p><p>Compare-se	agora	a	conduta	inospitaleira	dos	Estados	civilizados	da	nossa</p><p>parte	do	mundo,	principalmente	os	comerciantes,	a	injustiça	que	demonstram	na</p><p>visita	a	terras	e	povos	estrangeiros	(o	que	para	eles	vale	a	mesma	coisa	do	que</p><p>conquistá-los)	vai	além	do	horror.	A	América,	os	países	negros,	as	Molucas,	o</p><p>Cabo	etc.	eram,	para	eles,	na	época	de	seu	descobrimento,	terras	que	não</p><p>pertenciam	a	ninguém,	pois	contavam	os	habitantes	por	nada.	Nas	Índias</p><p>Orientais	(Hindustão)	introduziram,	sob	o	pretexto	de	ter	em	vista	simplesmente</p><p>entrepostos	comerciais,	tropas	estrangeiras,	e	com	elas	a	opressão	dos	nativos,	a</p><p>sublevação	de	diversos	Estados	para	guerras	mais	extensas,	o	flagelo	da	fome,</p><p>revolta,	deslealdade	e	a	ladainha	de	todos	os	males	que	oprimem	o	gênero</p><p>humano.</p><p>A	China[1]	e	o	Japão	(Nipon),	que	tinham	feito	tratativas	com	tais</p><p>hóspedes,	permitiram	sabiamente	aquela,	o	acesso,	mas	não	a	entrada;	este	o</p><p>acesso	somente	a	um	único	povo	europeu,	os	holandeses,	que,	contudo,	eles</p><p>excluíram,	enquanto	prisioneiros,	da	comunidade	dos	nativos.	O	pior	nisso	(ou,</p><p>considerado	do	ponto	de	vista	de	um	juízo	moral,	o	melhor)	é	que	nunca	tiram</p><p>proveito	desse	emprego	de	força,	pois	todas	essas	sociedades	comerciais	estão	a</p><p>ponto	de	ruína	próxima,	pois	as	ilhas	açucareiras,	exemplo	da	escravidão	mais</p><p>cruel	e	premeditada,	não	dão	nenhum	rendimento	verdadeiro,	mas	somente</p><p>imediato	e,	na	verdade,	para	uma	intenção	não	muito	louvável,	que	é	a	formação</p><p>de	marujos	para	esquadras	de	guerra,	e,	assim,	novamente	servem	para	a</p><p>condução	das	guerras	na	Europa,	e	com	isso	as	potências,	que	dão	muito	valor	à</p><p>devoção	enquanto	bebem	o	injusto	como	água,	consideram-se	privilegiadas	na</p><p>ortodoxia	religiosa.</p><p>Já	que	agora	a	comunidade	(mais	estreita,	mais	larga),	difundida	sem</p><p>exceção	entre	os	povos	da	Terra,	foi	tão	longe	que	a	infração	do	direito	em	um</p><p>lugar	da	Terra	é	sentido	em	todos,	não	é,	assim,	a	idéia	de	um	direito</p><p>cosmopolita	nenhum	modo	de	representação	fantasioso	e	extravagante	do</p><p>direito,	mas	um	complemento	necessário	do	código	não	escrito,	tanto	do	direito</p><p>de	Estado	como	do	direito	internacional,	para	um	direito	público	dos	homens	em</p><p>geral	e,	assim,	para	a	paz	perpétua,	da	qual	pode-se	aprazer	encontrar-se	na</p><p>aproximação	contínua	somente	sob	esta	condição.</p><p>[1]	Para	escrever	esse	grande	reino	com	o	nome	pelo	qual	ele	mesmo	se	denomina	(a	saber,	China,	não	Sina</p><p>ou	um	som	semelhante	a	este),	pode-se	consultar	Alphab.	Tibet.,	de	Georgius,	p.	651-654,	principalmente</p><p>nota	b	embaixo.	Propriamente	não	há,	segundo	a	observação	do	prof.	Fischer	de	Petersburgo,	nenhum	nome</p><p>determinado	pelo	qual	se	denomina;	o	mais	comum	é	ainda	o	termo	Kin,	a	saber,	ouro	(que	os	tibetanos</p><p>expressam	por	ser),	de	onde	o	imperador	é	denominado	rei	do	ouro	(do	mais	esplêndido	país	do	mundo),</p><p>termo	que	é	bem	possível	soar	no	reino	mesmo	como	chin,	mas	pode	ter	sido	dito	como	kin	pelos</p><p>missionários	italianos	(por	causa	da	consoante	gutural).	Vê-se,	então,	que	o	país	dos	seres,	assim	chamado</p><p>pelos	romanos,	era	a	China,	mas	a	seda	era	transportada	para	a	Europa	pelo	Grande	Tibete</p><p>(presumivelmente	pelo	Pequeno	Tibete	e	Bucária	sobre	a	Pérsia	e	assim	por	diante),	o	que	conduz	a	muitas</p><p>considerações	sobre	a	antiguidade	desse	surpreendente	Estado,	em	comparação	com	o	Hindustão,	na</p><p>conexão	com	o	Tibete	e,	por	meio	deste,	com	o	Japão;	no	entanto,	o	nome	Sina	ou	Tschina,	que	os	vizinhos</p><p>devem	dar	a	esse	país,	não	leva	a	nada.	Talvez	também	se	explique	a	antiqüíssima	relação,	ainda	que	nunca</p><p>bem	conhecida,	da	Europa	com	o	Tibete	pelo	que	Hesíquio	nos	conservou	disto,	a	saber,	o	apelativo	Konx</p><p>jOmpax	(Konx	Ompax)	do	hierofante	nos	mistérios	de	Elêusis	(v.	Viagem	do	Jovem	Anarchasis,	quinta</p><p>parte,	p.	447	e	s.).	Pois,	segundo	Alph.	Tibet.	de	Georgius,	a	palavra	concioa	significa	Deus,	palavra	que</p><p>tem	uma	semelhança	impressionante	com	Konx.	Pah-ciò	(ib.	p.	520),	que	facilmente	pôde	ser	pronunciada</p><p>pelos	gregos	como	pax,	significa	promulgator	legis,	a	divindade	difundida	por	toda	a	natureza	(também</p><p>denominada	Cenresi,	p.177).	Om,	porém,	que	La	Croze	(18)	traduz	por	benedictus,	bendito,	pode,	aplicado</p><p>à	divindade,	significar	nada	menos	do	que	o	bem-aventurado,	n.	507.	Como,	então,	o	padre	Franz	Horatius</p><p>recebeu	sempre	a	resposta	dos	lamas	tibetanos,	aos	quais	ele	freqüentemente	perguntava	o	que	eles</p><p>entendiam	por	Deus	(Concioa):	“é	a	reunião	de	todos	os	santos”	(isto	é,	das	almas	ditosas	que,	pelo</p><p>renascimento	lamaico,	depois	de	muitas	peregrinações	por	todos	os	tipos	de	corpos,	voltam	finalmente	à</p><p>divindade	transmutadas	em	Burchane,	isto	é,	seres	dignos	de	veneração,	p.	223),	então	deve	significar</p><p>aquele	termo	misterioso,	Konx	Ompax,	provavelmente	o	ser	supremo	sagrado	(Konx),	ditoso	(Om)	e	sábio</p><p>(Pax)	disseminado	pelo	mundo	inteiro	(a	natureza	personificada)	e,	usado	nos	mistérios	gregos,	deve	ter</p><p>provavelmente	indicado	o	monoteísmo	para	os	epoptas	em	oposição	ao	politeísmo	do	povo,	embora	padre</p><p>Horatius	(em	outro	lugar)	farejasse	aqui	um	ateísmo.	–	Como,	porém,	aquele	termo	misterioso	chegou	aos</p><p>gregos	pelo	Tibete,	esclarece-se	pelo	modo	exposto	e	inversamente	com	isso	também	faz-se	verossímil	o</p><p>comércio	antigo	da	Europa	com	a	China	pelo	Tibete	(talvez	antes	ainda	do	que	com	o	Hindustão).</p><p>PRIMEIRO	SUPLEMENTO	DA	GARANTIA	DA	PAZ	PERPÉTUA</p><p>O	que	proporciona	esta	garantia	é	nada	menos	do	que	a	grande	artista</p><p>natureza	(natura	daedala	rerum),	em	cujo	curso	mecânico	transparece</p><p>visivelmente	a	finalidade	de	fazer	prosperar	a	concórdia	pela	discórdia	dos</p><p>homens,	mesmo	contra	sua	vontade,	e	é	por	isso	que,	assim	como	é	denominada</p><p>destino	a	necessidade	de	uma	causa	desconhecida	por	nós	segundo	suas	leis	de</p><p>efeito,	é	assim	denominada	providência[1]	pela	consideração	de	sua	finalidade</p><p>no	curso	do	mundo	como	sabedoria	profunda	de	uma	causa	superior	dirigida	ao</p><p>fim	último	do	gênero	humano	e	predeterminando	o	curso	do	mundo,	que	nós</p><p>propriamente	não	podemos	conhecer	nessas	obras	de	arte	da	natureza	nem</p><p>sequer	daí	inferir,	mas	(como	em	toda	relação	da	forma	das	coisas	com	os	fins</p><p>em	geral)	somente	podemos	e	temos	de	introduzir	em	pensamento	para	nos	fazer</p><p>um	conceito	de	sua	possibilidade	segundo	a	analogia	das	obras	de	arte	humanas.</p><p>Representar-se,	porém,	sua	relação	e	acordo	com	o	fim	que	a	razão	nos	prescreve</p><p>imediatamente	(o	fim	moral)	é	uma	idéia	que,	em	verdade,	é	transcendente	na</p><p>intenção	teórica,	na	prática,	porém	(por	exemplo,	com	respeito	ao	conceito	de</p><p>dever	de	paz	perpétua,	de	utilizar	para	isto	aquele	mecanismo	da	natureza),	é</p><p>dogmática	e	bem-fundada	segundo	sua	realidade.	–	O	uso	do	termo	natureza	é</p><p>também	–	quando,	como	aqui,	somente	tem	a	ver	com	teoria	(não	com	religião)</p><p>–	mais	conveniente	para	as	limitações	da	razão	humana	(como	a	que	se	tem	de</p><p>manter,	com	respeito	à	relação	dos	efeitos	às	suas	causas,	dentro	dos	limites	da</p><p>experiência	possível)	e	mais	modesta	do	que	a	expressão	de	uma	providência</p><p>cognoscível	por	nós,	com	a	qual	se	colocariam	temerariamente	asas	icárias	para</p><p>aproximar-se	do	segredo	de	sua	intenção	insondável.</p><p>Antes	de	determinarmos	mais	precisamente	esta	dotação	de	garantia,	é</p><p>necessário	investigar	o	estado	que	a	natureza	dispôs	para	as	pessoas	que	agem</p><p>em	seu	grande	palco,	que	por	fim	torna	necessária	sua	segurança	de	paz,	e</p><p>primeiramente	o	modo	como	ela	a	fornece.</p><p>Sua	disposição	provisória	consiste	em	que	ela	1)	cuidou	que	os	homens</p><p>pudessem	viver	em	todas	as	regiões	da	Terra;	2)	os	dispersou	para	todos	os</p><p>lugares,	através	da	guerra,	para	povoá-los,	mesmo	as	regiões	mais	inóspitas;	3)</p><p>pelo	exato	mesmo	meio,	obrigou-os	a	entrar	em	relações	mais	ou	menos	legais.	–</p><p>É	digno	de	admiração	que,	nos	desertos	frios,	junto	ao	mar	glacial,	ainda	cresça</p><p>o	musgo,	que	a	rena	desenterra</p><p>de	debaixo	da	neve,	para	ser	ela	mesma</p><p>alimento,	ou	também	veículo	do	ostíaco	ou	samoiedo,	ou	que	os	desertos</p><p>salgados	de	areia	contudo	ainda	contenham	o	camelo,	que	parece	como	que	feito</p><p>para	sua	travessia,	de	modo	a	não	deixá-los	inutilizados.	Porém,	o	fim	mostra-se</p><p>ainda	mais	claro	quando	se	percebe	como,	além	dos	animais	de	pele	junto	às</p><p>margens	do	mar	glacial,	ainda	focas,	morsas	e	baleias	fornecem	aos	habitantes</p><p>de	lá	alimento	de	sua	carne	e	combustível	com	seu	óleo.	Mas	suscita	sobretudo</p><p>admiração	a	previdência	da	natureza	através	da	madeira	flutuante	que	ela	traz</p><p>(sem	que	se	saiba	exatamente	de	onde	vem)	a	essas	regiões	sem	vegetação,	e</p><p>sem	esse	material	não	poderiam	nem	fazer	seus	veículos	e	armas,	nem	erguer</p><p>suas	cabanas;	eles	têm	assim	o	bastante	a	fazer	com	a	luta	contra	os	animais	para</p><p>poder	viver	pacificamente	entre	si.	O	que,	porém,	os	levou	para	lá	não	foi</p><p>presumivelmente	senão	a	guerra.	O	primeiro	instrumento	de	guerra,	porém,	que</p><p>o	homem,	entre	todos	os	animais,	aprendeu	a	domar	e	domesticar,	nos	tempos	de</p><p>povoação	da	Terra,	foi	o	cavalo	(pois	o	elefante	pertence	a	tempos	posteriores,</p><p>do	luxo	de	Estados	já	estabelecidos).	Assim	como	a	arte	de	cultivar	certas</p><p>gramíneas	denominadas	cereais,	agora	não	mais	conhecidas	por	nós	em	sua</p><p>constituição	primitiva,	da	mesma	forma	a	multiplicação	e	o	aprimoramento	dos</p><p>tipos	frutíferos	mediante	transplante	e	enxerto	(talvez	na	Europa	simplesmente</p><p>de	dois	gêneros,	a	maçã	e	a	pêra	silvestres)	só	puderam	aparecer	em	Estados	já</p><p>estabelecidos,	onde	existia	propriedade	assegurada	da	terra	–	depois	que	os</p><p>homens,	antes	na	liberdade	sem	lei,	passaram,	da	vida	de	caça[2],	pesca	e</p><p>pastoreio,	à	vida	agrícola	–,	e	então	foram	descobertos	o	sal	e	o	ferro,	talvez	os</p><p>primeiros	artigos	largamente	procurados	em	um	comércio	de	diferentes	povos,</p><p>pelo	que	os	povos	foram	levados	pela	primeira	vez	a	uma	relação	pacífica	uns</p><p>com	os	outros	e,	assim,	à	compreensão	da	comunidade	e	da	relação	pacífica	uns</p><p>com	os	outros,	mesmo	com	os	mais	distantes.</p><p>À	medida	que	a	natureza	cuidou	que	os	homens	pudessem	viver	em	todos</p><p>os	lugares	da	Terra,	ela	também	quis,	então,	ao	mesmo	tempo,	despoticamente,</p><p>que	eles	devessem	viver	em	todos	os	lugares,	ainda	que	contra	sua	inclinação	e</p><p>mesmo	sem	que	este	imperativo	pressupusesse	ao	mesmo	tempo	um	conceito	de</p><p>dever	que	se	associasse	a	ela	mediante	uma	lei	moral	–	mas	ela	escolheu	a	guerra</p><p>para	conseguir	esse	seu	fim.	Vemos	povos	que	tornam	conhecida	a	unidade	de</p><p>sua	filiação	pela	unidade	de	sua	língua,	como,	de	um	lado,	os	samoiedos	junto	ao</p><p>mar	glacial	e,	de	outro,	um	povo	de	língua	semelhante,	distante	duzentas	milhas,</p><p>junto	aos	montes	Altai,	no	meio	dos	quais	penetrou	um	outro	povo,	a	saber,	o</p><p>mongol,	eqüestre,	e	por	isso	guerreiro,	e	assim	espalhou	uma	parte	daquela	raça</p><p>longe	desta	nas	regiões	geladas	inóspitas,	para	onde	certamente	não	teriam	ido</p><p>por	conta	própria[3];	da	mesma	forma,	os	finlandeses,	na	região	mais	ao	norte	da</p><p>Europa,	denominados	lapões,	agora	tão	distanciados	dos	húngaros,	porém</p><p>aparentados	a	eles	segundo	a	língua,	separados	por	povos	góticos	e	sarmáticos</p><p>interpostos;	e	o	que	pode	senão	a	guerra	ter	empurrado	os	esquimós	(talvez</p><p>antiqüíssimos	aventureiros	europeus,	uma	raça	inteiramente	diferente	de	todos	os</p><p>americanos)	ao	norte	e	os	Pescherae	ao	sul	da	América,	até	a	Terra	do	Fogo,</p><p>guerra	de	que	se	serve	a	natureza	para	povoar	a	Terra	em	todos	os	lugares?	A</p><p>própria	guerra,	porém,	não	precisa	de	nenhum	motivo	particular,	mas	parece</p><p>estar	enxertada	na	natureza	humana	e	até	como	algo	nobre,	para	o	qual	o	homem</p><p>é	animado	pelo	impulso	de	honra,	sem	móbiles	de	interesse	próprio,	de	tal	modo</p><p>que	a	coragem	guerreira	(tanto	dos	selvagens	americanos	como	dos	europeus</p><p>nos	tempos	cavalheirescos)	é	julgada	ser	de	grande	valor	imediato	não	somente</p><p>quando	há	guerra	(como	seria	normal),	mas	também	se	julga	de	grande	valor	que</p><p>haja	guerra,	e	ela	é	freqüentemente	iniciada	simplesmente	para	mostrar	a</p><p>coragem,	por	conseguinte	é	posto	na	guerra	em	si	mesma	uma	dignidade	interna,</p><p>e	até	filósofos	fizeram-lhe	também	elogio	como	um	certo	enobrecimento	da</p><p>humanidade,	esquecidos	do	dito	daquele	grego:	“a	guerra	é	má	porque	faz	mais</p><p>pessoas	más	do	que	elimina”.	Eis	o	suficiente	quanto	ao	que	a	natureza	faz	por</p><p>seu	próprio	fim	no	que	respeita	ao	gênero	humano	como	uma	espécie	animal.</p><p>Agora	surge	a	questão	que	concerne	ao	essencial	da	intenção	à	paz</p><p>perpétua:	“o	que	a	natureza	faz	nessa	intenção	em	relação	ao	fim,	que	ao	homem</p><p>a	própria	razão	impõe	como	um	dever,	para	o	favorecimento	de	sua	intenção</p><p>moral	e	posto	que	a	natureza	dá	garantia	de	que	aquilo	que	o	homem	devia	fazer</p><p>segundo	leis	da	liberdade,	mas	não	faz,	é	assegurado	que	ele	o	fará	por	uma</p><p>coerção	da	natureza	sem	prejuízo	dessa	liberdade,	e	isso	segundo	todas	as	três</p><p>relações	do	direito	público,	o	direito	de	Estado,	o	direito	internacional	e	o</p><p>direito	cosmopolita”.	Quando	eu	digo	da	natureza:	ela	quer	que	isso	ou	aquilo</p><p>aconteça,	isto	significa	não	tanto	que	ela	nos	coloca	um	dever	de	fazê-lo	(pois</p><p>isso	somente	pode	a	razão	prática	livre	de	coerção),	mas	que	ela	mesma	faz,</p><p>queiramos	ou	não	(fata	volentem	ducunt,	nolentem	trahunt)	“o	destino	conduz</p><p>quem	aceita	e	arrasta	quem	não	aceita”.</p><p>1.	Se	um	povo	não	fosse	forçado	também	pela	divergência	interna	a	submeter-se</p><p>à	coerção	de	leis	públicas,	então	a	guerra	externa	o	faria,	na	medida	em	que,</p><p>segundo	a	disposição	da	natureza	antes	mencionada,	cada	povo	encontra	à	sua</p><p>frente	um	outro	povo	que	o	incomoda	como	vizinho,	contra	quem	ele	tem	de</p><p>instituir-se	internamente	em	um	Estado	para,	como	potência,	estar	preparado</p><p>contra	este.	Ora,	a	constituição	republicana	é	a	única	que	é	plenamente	conforme</p><p>ao	direito	dos	homens,	mas	também	a	mais	difícil	para	instituir	e	muito	mais</p><p>ainda	para	conservar,	de	tal	modo	que	muitos	afirmam	que	tinha	de	ser	um</p><p>Estado	de	anjos,	porque	os	homens,	com	suas	inclinações	egoístas,	não	seriam</p><p>capazes	de	uma	constituição	tão	sublime.	Mas	então	a	natureza	vem	ao	auxílio</p><p>da	vontade	geral	fundada	na	razão,	venerada,	mas	impotente	na	prática,	e</p><p>precisamente	mediante	aquelas	inclinações	egoístas,	de	modo	que	compete	a</p><p>uma	boa	organização	do	Estado	somente	(o	que	contudo	está	na	faculdade	dos</p><p>homens)	que	um	dirija	suas	forças	contra	o	outro,	de	modo	que	umas	detenham</p><p>as	outras	em	seu	efeito	destruidor	ou	as	suprimam,	de	sorte	que	o	resultado	para</p><p>a	razão	redunda	como	se	não	estivessem	presentes,	e	assim	o	homem	é	coagido	a</p><p>ser,	embora	não	um	homem	moralmente	bom,	contudo	um	bom	cidadão.	O</p><p>problema	do	estabelecimento	do	Estado,	tão	duro	como	isso	soe,	pode	ser</p><p>solucionado	mesmo	no	caso	de	um	povo	de	demônios	(se	somente	eles	tiverem</p><p>entendimento)	e	exprime-se	assim:	“ordenar	uma	multidão	de	seres	racionais,</p><p>que	no	todo	exigem	leis	universais	para	sua	conservação,	das	quais,	porém,	cada</p><p>um	está	inclinado	a	eximir-se	em	segredo,	e	estabelecer	sua	constituição	de</p><p>modo	que,	embora	tentem	uns	contra	os	outros	em	suas	disposições	privadas,	as</p><p>contenham	uns	aos	outros	de	modo	que	o	resultado	em	sua	conduta	pública	seja</p><p>justamente	o	mesmo	como	se	não	tivessem	nenhuma	das	tais	más	disposições”.</p><p>Um	tal	problema	tem	de	ter	solução.	Pois	não	é	o	aperfeiçoamento	moral	dos</p><p>homens,	mas	somente	o	mecanismo	da	natureza,	do	qual	é	exigida	a	tarefa	de</p><p>conhecer	como	se	pode	utilizá-lo	nos	homens	para	dirigir	de	modo	tal	o	conflito</p><p>das	disposições	hostis	num	povo	que	eles	mesmos	forcem	uns	aos	outros	a</p><p>submeter-se	a	leis	de	coerção	e	assim	tenham	de	conduzir	ao	estado	de	paz,	no</p><p>qual	as	leis	têm	força.	Pode-se	ver	isso	também	nos	Estados	existentes,	ainda</p><p>muito	incompletamente	organizados,	que	já	se	aproximam	muito,	na	conduta</p><p>exterior,	àquilo	que	a	idéia	de	direito	prescreve,	embora	o	âmago	da	moralidade</p><p>não	seja	seguramente	a	causa	disso	(como,	pois,	também	não	se	deve	esperar</p><p>dela	a	boa	constituição	de	Estado,	mas	antes,	inversamente,	da	última	é	de	se</p><p>esperar	primeiramente	a	boa	formação	moral	de	um	povo).	Por	conseguinte,	o</p><p>mecanismo	da	natureza	pelas	inclinações	egoístas,	que	naturalmente	atuam</p><p>também	contrapostas	exteriormente,</p><p>pode	ser	usado	pela	razão	como	um	meio	de</p><p>criar	espaço	ao	seu	próprio	fim,	a	prescrição	jurídica,	e	mediante	isto	também,</p><p>no	quanto	depende	do	próprio	Estado,	promover	e	assegurar	a	paz	interna	tanto</p><p>quanto	a	externa.	–	O	que,	portanto,	significa:	a	natureza	quer	irresistivelmente</p><p>que	o	direito	por	fim	tenha	o	poder	supremo.	O	que	se	descuidou	aqui	de	fazer,</p><p>isto	se	faz	por	si	mesmo	no	fim,	ainda	que	com	muito	inconveniente.	–	“Quem</p><p>dobra	muito	forte	o	junco	o	quebra;	e	quem	muito	quer	nada	quer”,	Bouterwek.</p><p>2.	A	idéia	do	direito	internacional	pressupõe	a	separação	de	muitos	Estados</p><p>vizinhos	independentes	uns	dos	outros,	embora	uma	tal	situação	seja	em	si	já	um</p><p>estado	de	guerra	(se	uma	união	federativa	entre	eles	não	previne	a	eclosão	das</p><p>hostilidades);	é,	contudo,	mesmo	este	estado,	segundo	a	idéia	de	razão,	melhor</p><p>do	que	a	fusão	deles	por	uma	potência	que	cresça	uma	sobre	a	outra	e	que	se</p><p>converta	em	uma	monarquia	universal,	porque	as	leis,	com	a	abrangência</p><p>aumentada	do	governo,	sofrem	danos	com	sua	pressão	sempre	maior	e	um</p><p>despotismo	vazio	de	alma,	depois	que	extirpou	os	germes	do	bem,	degenera,	ao</p><p>fim,	em	anarquia.	No	entanto,	este	é	o	anseio	de	cada	Estado	(ou	de	seu	chefe</p><p>supremo):	transpor-se	ao	estado	de	paz	permanente,	de	modo	que	ele,	sempre</p><p>que	possível,	domine	o	mundo	inteiro.	Mas	a	natureza	quer	de	outra	maneira.	–</p><p>Ela	serve-se	de	dois	meios	para	deter	os	povos	da	fusão	e	separá-los:	a</p><p>diversidade	das	línguas	e	das	religiões[4],	que	precisamente	carrega	consigo	a</p><p>propensão	ao	ódio	recíproco	e	o	pretexto	para	a	guerra,	mas	conduz,	pela	cultura</p><p>crescente	e	aproximação	gradual	dos	homens,	à	maior	harmonia	em	princípios,</p><p>para	a	concordância	em	uma	paz	que	não	seja	engendrada	e	assegurada,	como	no</p><p>despotismo	(no	cemitério	da	liberdade),	pelo	enfraquecimento	de	todas	as	forças,</p><p>mas	por	seu	equilíbrio	na	sua	mais	vívida	emulação.</p><p>3.	Assim	como	a	natureza	separa	sabiamente	os	povos,	que	a	vontade	de	cada</p><p>Estado,	e	isto	mesmo	segundo	fundamentos	do	direito	internacional,	bem</p><p>gostaria	de	reunir	sob	si	por	astúcia	ou	força,	assim	reúne	ela	também,	de	outro</p><p>lado,	mediante	o	proveito	pessoal	recíproco,	os	povos,	o	que	o	conceito	de</p><p>direito	cosmopolita	não	teria	assegurado	contra	emprego	de	força	e	guerra.	É	o</p><p>espírito	comercial,	que	não	pode	subsistir	juntamente	com	a	guerra	e	que	mais</p><p>cedo	ou	mais	tarde	se	apodera	de	cada	povo.	Porque	então	entre	todas	as</p><p>potências	(meios)	subordinadas	à	potência	do	Estado,	a	potência	do	dinheiro</p><p>sendo	bem	possível	a	de	maior	confiança,	os	Estados	vêem-se	assim	(certamente</p><p>não	por	móbiles	da	moralidade)	forçados	a	promover	a	nobre	paz	e,	seja	onde	for</p><p>que	no	mundo	a	guerra	ameace	de	eclodir,	a	afastá-la	por	mediações,	como	se</p><p>estivessem	em	uma	aliança	estável,	pois	grandes	uniões	para	a	guerra	podem,</p><p>segundo	a	natureza	da	coisa,	somente	muito	raramente	acontecer	e	ainda	mais</p><p>raramente	ter	êxito.	–	Desse	modo	a	natureza	garante	a	paz	perpétua	pelo</p><p>mecanismo	das	próprias	inclinações	humanas;	certamente	com	uma	segurança</p><p>que	não	é	bastante	para	pressagiar	(teoricamente)	o	futuro,	mas	é	suficiente	na</p><p>intenção	prática	e	cria	o	dever	de	trabalhar	para	este	fim	(não	simplesmente</p><p>quimérico).</p><p>[1]	No	mecanismo	da	natureza,	ao	qual	o	homem	pertence	(como	ser	sensível),	evidencia-se	uma	forma	que</p><p>serve	de	fundamento	à	sua	existência,	que	nós	não	podemos	conceber	de	outra	maneira	do	que	lhe	supondo</p><p>o	fim	de	um	autor	do	mundo	que	a	determina	anteriormente,	cuja	predeterminação	denominamos	em	geral	a</p><p>providência	(divina)	e,	na	medida	em	que	ela	é	posta	no	início	do	mundo,	a	providência	fundadora</p><p>(providentia	conditrix;	semel	iussit,	semper	parent,	Agostinho);	no	curso	da	natureza,	porém,	para	mantê-lo</p><p>segundo	leis	universais	da	finalidade,	denominamos	a	providência	governadora	(providentia	gubernatrix);</p><p>especificamernte	para	fins	particulares	que	não	são	previsíveis	pelos	homens,	mas	supostos	a	partir	do</p><p>resultado,	denominamos	diretora	(providentia	directrix);	finalmente,	ainda	com	respeito	a	acontecimentos</p><p>singulares,	como	fins	divinos,	não	mais	denominamos	providência,	mas	direção	(directio	extraordinaria),</p><p>que,	porém	(já	que	ela	de	fato	aponta	ao	milagre,	embora	os	acontecimentos	não	sejam	assim</p><p>denominados),	querer	conhecer	como	tal	é	um	tolo	atrevimento	do	homem,	porque	concluir	a	um	princípio</p><p>particular	da	causa	eficiente	a	partir	de	um	acontecimento	singular	(que	esse	acontecimento	seja	um	fim	e</p><p>não	simplesmente	uma	conseqüência	elucidável	segundo	a	ordenação	da	natureza	na	cadeia	das	causas	do</p><p>mundo.	Em	segundo	lugar,	um	tal	modo	de	pensar	também	frustra	todos	os	princípios	determinados	de</p><p>julgamento	de	um	efeito.	Mas,	na	intenção	moral-prática	(que,	portanto,	está	inteiramente	dirigida	ao	supra-</p><p>sensível),	por	exemplo	na	crença	de	que	Deus	completará	também	por	meios	inconcebíveis	para	nós	a</p><p>deficiência	de	nossa	própria	justiça,	se	somente	nossa	disposição	prática	for	pura,	portanto	não	devemos</p><p>relaxar	nada	em	nossos	esforços	para	o	bem,	é	o	conceito	de	concursus	divinus	inteiramente	conveniente	e</p><p>mesmo	necessário,	porém	é	claro	por	si	mesmo	que	ninguém	tem	de	tentar	explicar	uma	boa	ação	(como</p><p>evento	no	mundo)	a	partir	disso,	o	que	é	um	pretenso	conhecimento	teórico	do	supra-sensível,	por</p><p>conseguinte	absurdo.</p><p>[2]	Entre	todos	os	modos	de	vida	é	a	caça	sem	dúvida	a	mais	contrária	à	constituição	civilizada,	porque	as</p><p>famílias,	que	têm	aí	de	se	isolar,	tornam-se	logo	estranhas	umas	às	outras	e,	por	conseqüência,	dispersas	em</p><p>extensas	florestas,	tornam-se	logo	também	hostis,	pois	cada	uma	precisa	de	muito	espaço	para	a	aquisição</p><p>de	sua	alimentação	e	roupa.	–	A	proibição	de	Noé	de	comer	carne	com	sangue,	Moisés	M	IX,	4-6	(que,</p><p>seguidamente	repetida,	foi	feita	condição	pelos	cristãos	judeus	aos	cristãos	recém-convertidos	do</p><p>paganismo,	ainda	que	em	outra	consideração,	Hist.	Apost.	XV,	20.	XXI,	25)	parece	não	ser,	bem	no	início,</p><p>senão	a	proibição	da	vida	de	caçador,	porque	nesta	freqüentemente	se	precisa	comer	a	carne	crua,	portanto	é</p><p>proibido,	o	último,	ao	mesmo	tempo	a	primeira.</p><p>[3]	Poder-se-ia	perguntar:	se	a	natureza	quis	que	essas	costas	geladas	não	devessem	ficar	desabitadas,	o	que</p><p>ocorreria	com	seus	habitantes	se	ela	algum	dia	(como	é	de	esperar)	não	trouxer	mais	madeira	flutuante?</p><p>Pois	se	pode	crer	que,	em	uma	cultura	que	progride,	os	habitantes	das	zonas	temperadas,	utilizando	melhor</p><p>a	madeira	que	cresce	nas	margens	de	seus	rios,	não	a	deixarão	mais	cair	nos	rios	e	assim	flutuar	adiante	no</p><p>mar.	Eu	respondo:	os	habitantes	das	margens	do	Obi,	do	Jenissei,	do	Lena	etc.	a	fariam	chegar	pelo</p><p>comércio	e	trocariam	por	isso	os	produtos	do	reino	animal	de	que	o	mar	nas	costas	geladas	é	tão	rico,	se	ela</p><p>(a	natureza)	tiver	extorquido	primeiramente	a	paz	entre	eles.</p><p>[4]	Diversidade	das	religiões:	uma	expressão	singular!	Justo	como	se	dissesse	também	diversas	morais.</p><p>Bem	pode	haver	diversos	modos	de	crença	dos	meios	históricos	usados	não	na	religião,	mas	na	história	de</p><p>sua	propagação,	admitidos	no	campo	da	erudição,	e	assim	pode	haver	diversos	livros	religiosos</p><p>(Zendavesta,	Vedas,	Corão	etc.),	mas	há	somente	uma	única	religião,	válida	para	todos	os	homens	e	em</p><p>todos	os	tempos.	Aqueles,	portanto,	não	podem	conter	senão	o	veículo	da	religião,	o	que	é	contingente	e</p><p>pode	ser	diverso	segundo	a	diversidade	dos	tempos	e	dos	lugares.</p><p>SEGUNDO	SUPLEMENTO	ARTIGO	SECRETO	PARA	A	PAZ</p><p>PERPÉTUA</p><p>Um	artigo	secreto	nas	negociações	do	direito	público	é	objetivamente</p><p>considerado,	segundo	seu	conteúdo,	uma	contradição;	subjetivamente,	porém,</p><p>julgado	segundo	a	qualidade	da	pessoa	que	o	dita,	pode	bem	ter	lugar	aí	um</p><p>segredo,	que	ela	acharia	comprometedor	para	sua	dignidade	anunciar-se</p><p>publicamente	como	seu	autor.</p><p>O	único	artigo	desse	tipo	está	contido	na	proposição:	“as	máximas	dos</p><p>filósofos	sobre	as	condições	de	possibilidade	da	paz	pública	devem	ser</p><p>consultadas	pelos	Estados	equipados	para	a	guerra”.</p><p>Parece,	porém,	diminuir	a	autoridade	legislativa	de	um	Estado,	a	quem	se</p><p>tem	de	conferir	naturalmente	a	maior	sabedoria,	procurar	instrução	junto	a</p><p>súditos	(os	filósofos)	sobre	os	princípios</p><p>de	sua	conduta	em	relação	a	outros</p><p>Estados,	não	obstante	seja	muito	aconselhável	fazê-lo.	Portanto,	o	Estado	os</p><p>convocará	silenciosamente	(portanto,	fazendo	segredo	disso);	o	que	não</p><p>significa	que	ele	os	deixará	discursar	livre	e	publicamente	sobre	as	máximas</p><p>gerais	da	conduta	de	guerra	e	conclusão	de	paz	(pois	isso	eles	farão	já	por	si	se</p><p>somente	não	os	proíbe),	e	o	acordo	dos	Estados	uns	com	os	outros	sobre	este</p><p>ponto	tampouco	precisa	de	um	encontro	especial	dos	Estados	entre	si	nessa</p><p>intenção,	mas	reside	já	na	obrigação	pela	razão	humana	universal	(moral</p><p>legislativa).	–	Mas	por	isso	não	se	diz	que	o	Estado	tem	de	dar	preferência	aos</p><p>princípios	do	filósofo	frente	às	sentenças	do	jurisconsulto	(o	substituto	do	poder</p><p>de	Estado),	mas	somente	que	se	escute.	O	último,	que	tomou	para	si	como</p><p>símbolo	a	balança	do	direito	acompanhada	pela	espada	da	justiça,	serve-se</p><p>costumeiramente	da	última	não	somente	para	impedir	toda	influência	estrangeira</p><p>na	primeira,	mas	se	um	prato	não	quer	baixar,	para	pôr	na	balança	(vae	victis),	ao</p><p>que	o	jurisconsulto,	que	não	é	ao	mesmo	tempo	filósofo	(também	segundo	a</p><p>moralidade),	tem	a	maior	tentação,	porque	sua	função	é	somente	aplicar	leis</p><p>existentes,	não,	porém,	investigar	se	estas	leis	não	carecem	de	um</p><p>melhoramento,	e	considera	esta	função,	de	fato	em	menor	posto	de	sua</p><p>faculdade,	entre	os	mais	altos,	porque	ela	está	acompanhada	de	poder	(como	é</p><p>também	o	caso	com	as	outras	duas).	–	A	faculdade	filosófica	fica	em	um	nível</p><p>muito	inferior	sob	este	poder	coligado.	Assim	se	diz	da	filosofia,	por	exemplo,</p><p>que	ela	é	a	serva	da	teologia	(e	assim	soa	também	das	outras	duas).	–	Mas	não	se</p><p>vê	bem	“se	ela	precede	sua	mui	digna	dama	com	o	facho	ou	se	lhe	segue</p><p>carregando	a	cauda”.</p><p>Não	é	de	se	esperar	que	reis	filosofem	ou	que	filósofos	se	tornem	reis,	mas</p><p>tampouco	é	de	se	desejar,	porque	a	posse	do	poder	corrompe	inevitavelmente	o</p><p>livre	julgamento	da	razão.	Porém,	é	indispensável,	para	iluminar	sua	ocupação,</p><p>que	reis	ou	povos	reais	(que	governam	a	si	mesmos	segundo	leis	de	igualdade)</p><p>não	atrofiem	ou	emudeçam	a	classe	dos	filósofos,	mas	a	deixem	falar</p><p>publicamente,	porque	esta	classe	é	incapaz,	segundo	sua	natureza,	de</p><p>agremiações	e	alianças,	insuspeitos	de	propaganda	por	meio	de	boato.</p><p>APÊNDICE</p><p>I.	SOBRE	O	DESACORDO	ENTRE	A	MORAL</p><p>E	A	POLÍTICA	A	PROPÓSITO	DA	PAZ	PERPÉTUA</p><p>A	moral	é	já	em	si	mesma	uma	prática	no	sentido	objetivo,	como	conjunto</p><p>de	leis	que	ordenam	incondicionalmente,	segundo	as	quais	devemos	agir,	e	é	um</p><p>evidente	absurdo,	depois	de	se	ter	concedido	a	este	conceito	de	dever	sua</p><p>autoridade,	ainda	querer	dizer	que,	porém,	não	se	pode	obedecer.	Pois	então	este</p><p>conceito	suprime-se	por	si	da	moral	(ultra	posse	nemo	obligatur);	por</p><p>conseguinte,	não	pode	haver	nenhum	conflito	da	política,	como	doutrina</p><p>aplicada	do	direito,	com	a	moral,	como	doutrina	do	direito,	mas	teórica	(por</p><p>conseguinte,	nenhum	conflito	da	prática	com	a	teoria)	–,	pois,	se	ocorresse,	teria</p><p>de	se	entender	sob	a	última	uma	doutrina	geral	da	prudência,	isto	é,	uma	teoria</p><p>das	máximas	de	escolher	os	meios	mais	aptos	para	suas	intenções,	avaliadas</p><p>segundo	a	vantagem,	isto	é,	negar	absolutamente	que	haja	uma	moral.</p><p>A	política	diz:	“Sede	astutos	como	serpentes”;	a	moral	acrescenta	(como</p><p>condição	limitante):	“e	sem	falsidade	como	as	pombas”.	Se	ambas	não	podem</p><p>subsistir	juntas	em	um	mandamento,	então	há	efetivamente	um	conflito	da</p><p>política	com	a	moral;	devam,	porém,	ambas	estar	inteiramente	unidas,	então	o</p><p>conceito	do	contrário	é	absurdo,	e	a	pergunta	sobre	como	resolver	aquele</p><p>conflito	nem	mais	se	põe	como	tarefa.	Embora	a	proposição	“a	honestidade	é	a</p><p>melhor	política”	contenha	uma	teoria	que	infelizmente	a	prática	muito</p><p>freqüentemente	contradiz,	a	proposição	igualmente	teórica	“a	honestidade	é</p><p>melhor	do	que	toda	política”,	infinitamente	acima	de	toda	objeção,	é	a	condição</p><p>indispensável	da	última.	A	divindade	tutelar	da	moral	não	cede	a	Júpiter	(a</p><p>divindade	tutelar	do	poder),	pois	este	se	encontra	ainda	sob	o	destino,	isto	é,	a</p><p>razão	não	está	suficientemente	iluminada	para	apreciar	a	série	de	causas</p><p>predeterminantes	que	anunciam	antecipadamente	com	segurança	o	resultado</p><p>(embora	espere	que	seja	conforme	ao	desejo)	bom	ou	ruim	do	agir	e	sofrer	dos</p><p>homens,	segundo	o	mecanismo	da	natureza.	Mas	o	que	se	tem	de	fazer	para</p><p>permanecer	na	trilha	do	dever	(segundo	as	regras	da	sabedoria),	para	com	isso	e</p><p>por	isso	chegar	ao	fim	último,	a	razão	ilumina	por	toda	a	parte	com	suficiente</p><p>clareza	para	nós.</p><p>Ora,	o	prático	(para	quem	a	moral	é	simples	teoria)	funda,	porém,	sua</p><p>recusa	desconsoladora	de	nossa	benévola	esperança	(mesmo	admitindo	o	dever	e</p><p>o	poder)	propriamente	em	que	ele	pretende	ver	antecipadamente	a	partir	da</p><p>natureza	do	homem	que	ele	nunca	irá	querer	aquilo	que	é	exigido	para	alcançar</p><p>o	fim	que	conduz	à	paz	perpétua.	–	Sem	dúvida	o	querer	de	todos	os	homens</p><p>individuais	de	viver	numa	constituição	legal	segundo	princípios	de	liberdade	(a</p><p>unidade	distributiva	da	vontade	de	todos)	não	é	suficiente	para	este	fim,	mas	é</p><p>necessário	que	todos	juntos	queiram	este	estado	(a	unidade	coletiva	da	vontade</p><p>unificada).	Esta	solução	de	uma	difícil	tarefa	é	ainda	exigida	para	que	devenha</p><p>um	todo	da	sociedade	civil	e,	já	que,	portanto,	além	da	diversidade	do	querer</p><p>particular	de	todos,	ainda	tem	de	se	acrescentar	uma	causa	unificante	do	querer</p><p>para	produzir	uma	vontade	comum,	que	nenhum	deles	pode	fazer;	não	se	conta,</p><p>assim,	para	a	execução	daquela	idéia	(na	prática)	com	nenhum	outro	início	do</p><p>estado	jurídico	senão	com	o	início	pela	força,	sob	cuja	coerção	pode	ser	fundado</p><p>posteriormente	o	direito	público,	o	que	sem	dúvida	faz	já	aguardar</p><p>antecipadamente	grandes	desvios	daquela	idéia	(da	teoria)	na	experiência	efetiva</p><p>(já	que,	ainda	mais,	pouco	se	pode	contar	com	a	disposição	moral	do	legislador,</p><p>de	ele,	depois	de	ocorrida	a	reunião	da	multidão	desordenada	em	um	povo,</p><p>deixar	unicamente	ao	cuidado	deste	estabelecer	uma	constituição	jurídica</p><p>mediante	a	vontade	comum).</p><p>Isso	significa	então:	quem	uma	vez	tem	o	poder	nas	mãos	não	deixará</p><p>prescrever	as	leis	pelo	povo.	Um	Estado	que	está	na	situação	de	não	estar	sob</p><p>nenhuma	lei	exterior	não	se	fará,	com	respeito	ao	modo	como	ele	deve	procurar</p><p>seu	direito	contra	os	outros	Estados,	dependente	do	foro	deles,	e	mesmo	uma</p><p>parte	do	mundo,	quando	se	sente	superior	a	uma	outra,	que,	aliás,	não	está	em</p><p>seu	caminho,	não	deixará	inutilizado	o	meio	do	fortalecimento	de	sua	potência</p><p>mediante	espoliação	ou	mesmo	dominação;	e	assim	se	desfazem	agora	todos	os</p><p>planos	da	teoria	para	o	direito	de	Estado,	internacional	e	cosmopolita	em	ideais</p><p>vazios	e	inexeqüíveis;	ao	contrário,	uma	prática	que	é	fundada	em	princípios</p><p>empíricos	da	natureza	humana,	que	não	considera	como	muito	inferior	tirar</p><p>ensinamento	para	suas	máximas	do	modo	como	as	coisas	se	passam	no	mundo,	é</p><p>a	única	que	pode	esperar	encontrar	um	fundamento	seguro	para	seu	edifício	da</p><p>prudência	de	Estado.</p><p>Sem	dúvida,	se	não	há	nenhuma	liberdade	e	lei	moral	fundada	nela,	mas</p><p>tudo	que	acontece	ou	pode	acontecer	é	puro	mecanismo	da	natureza,	a	política	é,</p><p>então	(como	arte	de	utilizar	tal	mecanismo	para	o	governo	dos	homens),	toda	a</p><p>sabedoria	prática,	e	o	conceito	de	direito	é	um	pensamento	vazio.	Se	se</p><p>considera,	porém,	inevitavelmente	necessário	ligar	este	conceito	com	a	política,</p><p>elevando-o	à	condição	limitante	da	última,	então	a	conjugabilidade	de	ambos</p><p>deve	ser	admitida.	Ora,	eu	posso	bem	me	representar	um	político	moral,	isto	é,</p><p>alguém	que	toma	os	princípios	da	prudência	de	Estado	de	modo	que	possam</p><p>subsistir	juntamente	com	a	moral,	mas	não	posso	me	representar	um	moralista</p><p>político,	que	se	forja	uma	moral	como	encontra	conveniente	à	vantagem	do</p><p>homem	de	Estado.</p><p>O	político	moral	formulará	para	si	como	princípio:	se	forem	encontrados</p><p>defeitos	na	constituição	do	Estado	ou	na	relação	entre	Estados	que	não	se	pôde</p><p>prevenir,	então	é	dever,	sobretudo	para	os	chefes	de	Estado,	estar	atento	a	partir</p><p>daí	a	como	pode	ser	melhorada,	tão	logo	quanto	possível,	e	ser	adequada	ao</p><p>direito	natural,	tal	como	ele	figura	aos	nossos	olhos	como	modelo	na</p>

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