Prévia do material em texto
<p>AULA 1 MOD 8 – O QUE SÃO AS TEORIAS DA HISTÓRIA</p><p>Professor: DR. JOÃO MUNIZ JÚNIOR</p><p>SUMÁRIO</p><p>1. Teorias da história: gênese do conceito e seus usos</p><p>2. As relações entre a teoria e a prática</p><p>Teorias da história: gênese do conceito e seus usos</p><p>Na Grécia Antiga, a palavra teoria significava tomar algo para ser observado, contemplado, visto a partir de uma perspectiva estática e com distanciamento. É também, nesse contexto, que teoria será contraposta à práxis, conceito relacionado à ação de praticar algo, ao uso da técnica. Desde o seu surgimento, portanto, a ideia de teoria nasce como polo oposto à prática. Esse estigma, de certa forma, permanece ainda hoje, principalmente, por meio de concepções segundo as quais teoria é algo a ser considerado como mera abstração, sem relação verdadeira com a realidade, ficando tão somente no campo da observação.</p><p>Para prosseguirmos, seria válido, desde já, entendermos que é falsa a oposição entre teoria e prática. Ainda mais que, hodiernamente, nos estudos históricos, esses conceitos não são excludentes. Pelo contrário, teoria e prática se complementam, se retroalimentam na produção de conhecimento historiográfico.</p><p>No âmbito da História, uma teoria seria uma forma de ver, no sentido de pensar, organizar, sistematizar, analisar, por meio dos documentos, um determinado período, contexto ou acontecimento (Mello, 2012, p. 372). Vale lembrar que o historiador, ao se voltar para o passado, parte do presente e, ao mesmo tempo, pensa nas possibilidades futuras. Não se trata de um interesse sobre o passado pelo passado, simplesmente. Essa dialética temporal funciona como centro gravitacional do trabalho do historiador e as “teorias da história” contribuem para que as regras e procedimentos do fazer historiográfico se processem.</p><p>Assim como os fatos históricos, as teorias da história também possuem historicidade, ou seja, podem ser enquadradas a partir de um enfoque espaço-temporal. Portanto, é fundamental pensar as teorias da história tendo em vista o autor que a produziu e a sua obra em conexão e inserção social, cultural e intelectual.</p><p>Precisamos estar de acordo que, para se pensar em uma “teoria da história” primeiro foi necessário que a própria História enfrentasse um processo que buscou enquadrá-la como uma ciência ou, ainda, um tipo de conhecimento cientificamente elaborado. Por esse viés, justamente no momento em que se discutia sobre a cientificidade ou não da História, ali na transição do século XVIII para o século XIX, que podemos considerar o momento em que se fecunda uma Teoria da História.</p><p>Todavia, para que esse momento fosse possível, antes ocorreu, a partir de meados do século XVIII, o nascimento de “filosofias da história”. Filósofos como Kant, Hegel, apenas para citar dois exemplos, se preocupavam em entender, de maneira individual, os mecanismos de funcionamento da história. Isso quer dizer que os filósofos da história elaboraram estudos que começavam e terminavam com esses próprios filósofos, ou seja, não havia continuidades, não eram formulações compartilhadas por uma comunidade de pensamento, mas se tratava de concepções individuais.</p><p>Estimulada pelas formulações desses filósofos, a história começa a ser concebida como uma ciência ou pelo menos como uma forma de conhecimento produzido a partir de concepções científicas. A partir desse momento, centralizam-se os olhares na pessoa do historiador, o que gera a formação de uma espécie de comunidade imaginada de historiadores. Imaginada no sentido de que não necessariamente esses historiadores se conheciam pessoalmente, mas compartilhavam interesses, métodos, anseios quanto ao ofício que praticavam em comum.</p><p>A partir desse ponto, as questões de método passarão a ser discutidas pari passu com as teóricas. É nesse contexto que podemos enquadrar o surgimento de uma Teoria da História, ou seja, espaços de reflexão coletiva em que historiadores irão debater acerca do conhecimento que produziam.</p><p>Na Grécia Antiga, a palavra teoria significava tomar algo para ser observado, contemplado, visto a partir de uma perspectiva estática e com distanciamento. É também, nesse contexto, que teoria será contraposta à práxis, conceito relacionado à ação de praticar algo, ao uso da técnica. Desde o seu surgimento, portanto, a ideia de teoria nasce como polo oposto à prática. Esse estigma, de certa forma, permanece ainda hoje, principalmente, por meio de concepções segundo as quais teoria é algo a ser considerado como mera abstração, sem relação verdadeira com a realidade, ficando tão somente no campo da observação.</p><p>Falamos em espaço de reflexão, mas não se trata de um espaço físico e, sim, de um universo formado por textos, livros, artigos, conferências, aulas, que, em conjunto, configuram um espaço de trocas e discussões sobre os rumos e as possibilidades acerca do fazer historiográfico.</p><p>Foi justamente em meio ao calor dos debates teórico-metodológicos que começaram a se configurar aquilo que podemos chamar de paradigmas historiográficos, como o Historicismo, o Positivismo, o Materialismo Histórico, somente para citar os primeiros a surgirem nesse contexto. Quando falamos em paradigmas, estamos nos referindo a correntes de pensamento que orientam o conhecimento histórico e podem ser balizados no tempo a partir de características próprias.</p><p>Nós nos referimos às “teorias da história” como espaços coletivos de reflexão sobre o conhecimento histórico. Sendo assim, é fundamental entendermos que esse aspecto coletivo é basilar para o surgimento e efetivação de uma Teoria da História. Isso porque, quando paramos para pensar, as “filosofias da história” produzidas por determinados filósofos, como apontamos, anteriormente, são particulares a esses indivíduos, ou seja, não formam um espaço de trocas entre pares, como o que acaba ocorrendo quando do surgimento das “teorias da história”, essas sim, configurando uma comunidade de historiadores.</p><p>“Do modo como vejo, teoria não pode ser vista apenas como um campo de pesquisa no qual há especialistas – que fariam às vezes de serem os “nerds” da historiografia. Há teoria em tudo o que qualquer historiador ou historiadora faz, independentemente de ele ou ela enfrentar tais debates seriamente”.</p><p>Fonte: entrevista do historiador André de Lemos Freixo (UFOP) para o site Café História.</p><p>Vamos citar alguns exemplos para ilustrar o que estamos propondo. O Positivismo, apesar de ter sido fundado por Comte, não se trata de uma concepção restrita a esse pensador, prova disso é que aqueles que se apropriaram de seus postulados logo serão identificados como positivistas. O Materialismo Histórico, concebido por Marx e Engels, não pertence a esses dois autores. Na verdade, essa corrente de pensamento será apropriada, reformulada, adaptada por uma gama enorme de pensadores e historiadores que serão chamados de marxistas. Bastam-nos esses exemplos, mas poderíamos citar muitos outros, nos permitem entender que as “teorias da história” são espaços coletivos de reflexão e não ambientes herméticos e isolados de intercambialidades entre os indivíduos de uma área do conhecimento.</p><p>Apesar de a noção de teoria advir da ideia de abstração, isso não é fruto tão somente da capacidade de observação de um indivíduo e nem mesmo é resultado de forças oriundas do campo de observação em si. As formulações teóricas, portanto, não emergem pura e simplesmente da capacidade de abstração de um indivíduo, tampouco são determinadas pelo campo de observação em si.</p><p>Campo de observação, aqui no nosso caso, seria o da História, como disciplina, como produção de conhecimento. Assim sendo, o campo de observação não é algo finalizado, no sentido de estar pronto. Além do mais, o indivíduo que se propõe a analisar esse campo, tecer concepções teóricas sobre ele, é alguém com cargas emocionais, afetivas, vivenciais, experimentais, de trajetória que lhe são inerentes e prévias na sua constituição como sujeito. Portanto, na medida em que esse indivíduo entra em contato com esse campo de observação, ele age, influencia, modifica suas bases conceituais</p><p>e, da mesma maneira, sofre influências desse campo conforme entra em contato com o mesmo.</p><p>Trata-se de uma via de mão dupla, na qual o propositor de ideias e concepções dentro de um campo realiza operações que resultam em modificações ao mesmo tempo em que tal campo encarrega-se de também operar modificações, interferências e influências nas concepções do indivíduo. Justamente em razão dessa operação de trocas que não podemos separar teoria da prática, uma vez que as teorias são frutos do contexto cultural, histórico e social do sujeito e do campo de observação.</p><p>“Assim, teoria da história é aqui compreendida como elaboração de uma reflexão do sujeito do conhecimento sobre si mesmo e sua operação enquanto produção de conhecimento científico. Assim, a teoria da história acontece como autorreflexão incessante do pensamento histórico: que antecede (torna possível), ultrapassa (é intersubjetivo) e, necessariamente, atravessa de uma ponta a outra o trabalho histórico”.</p><p>As relações entre a teoria e a prática</p><p>Nesse diapasão, a prática historiográfica e as maneiras como concebemos o conceito de História tem íntima relação com as escolhas teóricas realizadas pelos praticantes do ofício. São várias as definições de história passíveis de serem identificadas, dentre elas, Mello (2012, p. 371), relaciona as seguintes:</p><p>1. uma disciplina ou ciência praticada pelos historiadores;</p><p>2. ações humanas no tempo;</p><p>3. historiografia;</p><p>4. uma narrativa que pode ter ou não verossimilhança e que pode ser escrita por qualquer indivíduo.</p><p>Podem-se aplicar as teorias da história em relação aos dois primeiros significados propostos pelo autor. Enquanto que a terceira concepção, historiografia, pode ser lida no sentido de um conjunto escrito e produções dos historiadores, ou seja, aquilo que os historiadores elaboram como conhecimento sobre este ou aquele assunto, tema, período histórico. Em relação ao quarto e último significado, este estaria mais na alçada da semiologia, análises do discurso.</p><p>Se tomarmos a primeira acepção da noção de história, ou seja, como disciplina, esta é praticada pela comunidade de historiadores. Desse modo, as teorias da história que incidem sobre essa prática procuram compreender os processos de construção, distribuição, recepção e legitimidade de um dado conhecimento histórico, que pode ser ou não acadêmico, mas que será aceito como relevante entre os praticantes do ofício.</p><p>A produção historiográfica de Nelson Werneck Sodré, general do Exército brasileiro, escritor, jornalista, crítico literário, professor e historiador serve de exemplo de como as teorias da história podem nos ajudar a compreender as relações entre a produção de conhecimento histórico e a legitimidade alcançada por essa produção entre os historiadores.</p><p>Apesar de ter publicado dezenas de livros historiográficos, Sodré não era um acadêmico, sendo assim, podemos utilizar a noção de virtudes epistêmicas, um aparato teórico pensado, entre outros autores, por Herman Paul, que investiga as características de produção de conhecimento de uma determinada área e os processos de legitimação conferidos aos envolvidos nesses processos para entender como o autor foi reconhecido por seus pares como sendo um historiador.</p><p>Nelson Werneck Sodré, apesar de não ser um historiador profissional, teve sua obra reconhecida por seus pares como sendo historiográfica em função de obedecer e se orientar pelas virtudes epistêmicas da área valorizadas no período em que atuou: uso do método histórico, capacidade de síntese, crítica e interpretação das fontes e compromisso com uma ideia de verdade.</p><p>Na segunda formulação, na qual se entende a história como ações dos homens no tempo, podemos relacionar as teorias da história não mais como finalidade de disciplina ou área de conhecimento, mas com o intuito de comprovação dos fatos, acontecimentos e as ações individuais ou coletivas em diferentes contextos e temporalidades. Seguindo essa linha, as teorias da história nesse âmbito procuram compreender os fenômenos históricos a partir da problematização de suas historicidades e tomados sob perspectiva.</p><p>François Hartog, historiador francês, escreveu um livro intitulado Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo em que se propõe a estudar a simultaneidade de tempos históricos que orientam a as realizações, acontecimentos, fatos, relacionados aos indivíduos e também às sociedades a partir de uma observação em perspectiva histórica.</p><p>O autor se propõe a pensar os significados das noções como passado, presente e futuro são apropriados e valorizados de maneiras distintas ao longo da história. Sendo que na atualidade em que vivemos, haveria um afastamento entre a primeira ordem temporal, passado, e a terceira ordem temporal, futuro.</p><p>O resultado disso seria uma hipertrofia da noção de presente, ou aquilo que Hartog vai denominar como presentismo, que acaba se tornando uma sombra nos anseios dos indivíduos e da sociedade que, desesperadamente, se apegariam a uma ideia de viver o hoje, o agora, de maneira intensa, com enormes receios do passado e do futuro.</p><p>Assim, vemos que ao contrário do que comumente se propaga, é falsa a oposição entre teoria e prática. Pelo contrário, desde que as teorias da história surgiram no seio dos debates das filosofias da história e ganharam corpo com as pretensões da história em se firmar como uma disciplina, que as relações entre teoria e prática se consolidaram e se retroalimentam, constantemente, de maneira a proporcionar as bases para a produção do conhecimento histórico.</p><p>2</p><p>image1.png</p><p>image2.jpeg</p>