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Autor: Prof. Gabriel Lohner Gróf
Colaboradores: Prof. Vinícius Albuquerque 
 Profa. Sonia de Deus Rodrigues Bercito
Historiografia Geral
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Professor conteudista: Gabriel Lohner Gróf
Gabriel Lohner Gróf, natural de São Paulo, é bacharel, licenciado e mestre em História Social pela Universidade de 
São Paulo – USP. Sua área de especialidade é a História Antiga da Mesopotâmia, com ênfase na invenção da escrita 
e organização administrativa e burocrática das sociedades do antigo Oriente Médio. Além das pesquisas acadêmicas 
realizadas na área citada, tem grande preocupação em estabelecer vínculos entre os conhecimentos acadêmicos e o 
grande público.
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou 
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem 
permissão escrita da Universidade Paulista.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
G874h Gróf, Gabriel Lohner.
Historiografia geral. / Gabriel Lohner Gróf. – São Paulo: Editora 
Sol, 2016.
160 p., il.
Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e 
Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXII, n. 2-035/16, ISSN 1517-9230.
1. Historiografia. 2. Método historiográfico. 3. História social. 
I. Título.
CDU 93/99
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Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Prof. Fábio Romeu de Carvalho
Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças
Profa. Melânia Dalla Torre
Vice-Reitora de Unidades Universitárias
Prof. Dr. Yugo Okida
Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa
Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez
Vice-Reitora de Graduação
Unip Interativa – EaD
Profa. Elisabete Brihy 
Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli
 Material Didático – EaD
 Comissão editorial: 
 Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
 Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
 Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
 Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
 Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
 Apoio:
 Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
 Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
 Projeto gráfico:
 Prof. Alexandre Ponzetto
 Revisão:
 Aline Ricciardi
 Giovanna Oliveira
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Sumário
Historiografia Geral
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7
Unidade I
1 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA CIÊNCIA ............................................................................................... 14
1.1 O método científico ............................................................................................................................. 20
1.2 Ciências nomotéticas e ciências ideográficas ........................................................................... 21
1.3 Explicar ou compreender? ................................................................................................................ 25
1.4 Conceitos ................................................................................................................................................. 43
2 HISTÓRIA E OUTRAS CIÊNCIAS SOCIAIS ................................................................................................ 45
3 HISTÓRIA E MEMÓRIA ................................................................................................................................... 63
3.1 Objetos da memória ............................................................................................................................ 65
3.2 O documento histórico ...................................................................................................................... 74
4 MÉTODO HISTORIOGRÁFICO ....................................................................................................................... 81
4.1 Definição de método historiográfico ........................................................................................... 83
4.2 Historicismo ............................................................................................................................................ 86
4.3 História dos métodos da História .................................................................................................. 91
Unidade II
5 HISTÓRIA ECONÔMICA ................................................................................................................................. 96
5.1 Relações entre Economia e História ............................................................................................. 96
5.2 Antecedentes: materialismo histórico e Annales ..................................................................101
5.2.1 Materialismo histórico ........................................................................................................................104
5.2.2 Exposição dialética ...............................................................................................................................107
5.2.3 Marxismos ................................................................................................................................................109
5.3 Escola dos Annales .............................................................................................................................111
5.3.1 A problematização da História .........................................................................................................111
5.3.2 Níveis de temporalidade propostos por Braudel ...................................................................... 113
5.3.3 O debate sobre o desenvolvimento dos ciclos do capitalismo: 
Wallerstein e Arrighi ....................................................................................................................................... 114
6 HISTÓRIA SOCIAL ...........................................................................................................................................123
6.1 História das Mentalidades ..............................................................................................................128
6.2 A crítica pós-moderna à História Social e Econômica ........................................................130
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Unidade III
7 HISTÓRIA CULTURAL ....................................................................................................................................142
8 CONCLUSÃO ....................................................................................................................................................147
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APRESENTAÇÃO
Este livro-texto destina-se aos alunos da disciplina Historiografia Geral. Nele serão discutidos 
aspectos importantes relacionados ao desenvolvimento da História enquanto ciência, das relações entre 
História e memória, o método historiográfico e as características fundamentais da História Econômica 
e Social e a Nova História. Em vez de apresentar uma mera história da Historiografia, é importante que 
o aluno conheçaas discussões geradas em torno do status do conhecimento histórico e historiográfico.
A finalidade desse texto, portanto, é oferecer subsídios mínimos ao aluno para que ele seja introduzido 
às questões mencionadas. Ao final da disciplina, o discente deverá estar apto a reconhecer as distintas 
propostas historiográficas e distinguir um texto historiográfico de outros gêneros textuais que lidam 
com o resgate do passado.
INTRODUÇÃO
História: a fascinante ciência que estuda o passado. Eis aí uma frase muito comum, usada por muitos 
para se referir ao resgate do passado pelos historiadores, um mestre da arte da narrativa de eventos 
importantes e da vida de grandes personagens. Por mais que essa definição seja familiar a você, é hora 
de repensá-la sob muitos aspectos, inclusive com a questão fundamental: a História é uma ciência? Se 
sim, de que tipo? E mais: será que a História é somente o estudo do passado? O que significa reviver o 
que já passou?
Vestígios arqueológicos demonstram que, há muito tempo, o ser humano revisita o passado com 
propósitos específicos. Entre os assírios, por exemplo, o poder real era justificado tanto pela sua linhagem 
como pelos seus feitos e, para isso, o passado era sempre invocado. Da mesma forma, os egípcios 
buscavam traçar as origens de seu império e os faraós, assim como seus vizinhos mesopotâmicos, 
buscavam traçar as origens de sua dinastia recuando até mesmo milênios no tempo. A Ilíada e a Odisseia, 
por mais que sejam reconhecidas como obras literárias, não deixam de fazer referências ao passado e 
eram amplamente usadas na formação do povo grego: todos conheciam os feitos de Aquiles, Odisseu, 
Agamenon e outros envolvidos na guerra contra Troia.
“E como eles conseguiam saber o que tinha acontecido tanto tempo antes deles?” Eles, assim como nós, 
consultavam documentos ou faziam escavações arqueológicas? Alguns documentos recentes sugerem 
que os egípcios, por exemplo, realizavam algumas escavações, mas se o propósito era “arqueológico” 
ainda resta a dúvida. Os povos da Mesopotâmia tinham enormes arquivos de tabletes cuneiformes, mas 
os documentos não eram usados pelo seu valor histórico e sim administrativo: depois de certo tempo, 
eram descartados, o que temos disponível para estudo são documentos que perderam seu valor e foram 
excluídos. A Ilíada e a Odisseia, inicialmente, eram recitadas e o aedo – quem recitava essas poesias – as 
memorizava e passava adiante por gerações até que foram finalmente escritas no período clássico. Se 
esses povos revisitavam o passado, mas não o faziam por meio da consulta de documentos, como eles 
poderiam saber a verdade? A resposta é: que verdade? Será que essas sociedades tinham a necessidade 
que muitos de nós ainda temos de buscar uma verdade integral na História? Podemos responder aqui, 
grosso modo, que não.
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No caso dos assírios, há uma velha memória estabelecida em torno deles de que eram um povo 
militarizado, cruel, responsável por devastar muitos reinos do Oriente Médio e submetê-los a pesadas 
tributações e deportações. Quem os desobedecesse era severamente punido. E como sabemos disso? 
Por meio de documentos como anais reais, listas dinásticas e os baixos-relevos nas paredes dos palácios 
assírios. Para um rei assírio, era absolutamente importante justificar seu poder recorrendo a uma 
“propaganda” de seus feitos, assim como consolidá-lo se vinculando a uma dinastia de reis poderosos. 
Mas o que garante que certos reis de fato realizaram tantas conquistas e que eram descendentes de 
grandes reis do passado? Nada: o que importava, nesse caso, era construir um discurso bem convincente 
e apresentá-lo à corte e aos seus inimigos políticos, sempre à espreita para tomar o poder. “Então eles 
mentiam?”, você pode perguntar. A resposta é difícil, pois mentir parece uma atitude deliberada como 
em “vou mentir”, “vou deliberadamente enganar pessoas”. Não era possível mentir totalmente, pois se 
alguém dissesse que conquistou o Egito e um viajante assírio fosse passar uma temporada em Tebas 
e ver que por lá ainda reinava o faraó, ele pensaria: “bom, meu governante é um mentiroso ou louco”. 
Além do mais, não é possível crer que os documentos que temos disponíveis sejam totalmente neutros. 
Por isso não é uma questão de verdade ou mentira, mas de construção.
Contar a verdade total do passado foi um lema dos historiadores e que tinha sentido em seu tempo, 
frente à difusão de romances históricos que exaltavam as nacionalidades no século XIX, mas não se 
importavam tanto com a verossimilhança. A busca pela verdade é ainda mais antiga e remonta aos gregos. 
Xenofonte, um historiógrafo grego, procurou escrever sobre fatos históricos a partir de relatos de terceiros:
Xenofonte (séc. V-IV a. C.) escreveu história ao narrar a vida do rei persa Ciro 
quase sem referências a evidências? A Ciropedia (A educação de Ciro) não 
teria sido apenas um texto literário ou biográfico, cujo autor teria tomado um 
personagem “real” como tema a ser narrado? Xenofonte se propõe a entender 
como Ciro conseguiu, com sua arte de governar, colocar sob seu domínio 
uma variedade de povos distantes de seu reino persa, deixando uma lição 
aos seus leitores de que tal tarefa era possível. Produz uma narrativa em que 
procura demonstrar elementos que justificariam as conquistas do rei persa: 
sua origem, sua educação, seu caráter, suas batalhas e outros acontecimentos 
de sua vida. Uma das poucas marcas explícitas que contribui para associarmos 
sua obra ao gênero historiográfico se resume a um rápido comentário que 
incorpora ao prefácio: “Narraremos o que dele ouvimos, e o que pudemos 
alcançar por investigação própria” (LIMA; CORDÃO, 2010, p. 2).
Heródoto, autor da monumental obra História (que também pode ser vista como uma grande 
descrição etnográfica com passagens que narram o passado) procurou preservar a memória de feitos 
que ele considerava relevantes, mas de uma forma distinta da dos outros gêneros literários que, vez ou 
outra, revisitavam o passado. Ele se recusava a seguir o método de Xenofonte, segundo ele, um mero 
reprodutor de relatos pouco confiáveis. Heródoto considerava importante uma postura ativa diante dos 
vestígios disponíveis, fossem eles escritos ou orais:
Heródoto procurou preservar do esquecimento os feitos que se passaram. 
Porém, não foram as Musas, as nove divindades filhas de Zeus e Mnémosine, 
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personificação da memória, quem lhe informaram o que dizer; ele próprio, 
Heródoto de Halicarnassos, foi quem promoveu suas investigações cujos 
resultados foram transformados em escrita. Promove todo um jogo 
comparativo entre as informações orais de diversos povos a que teve acesso, 
demonstrando uma preocupação em dizer a verdade, embora a considere 
inalcançável por conta da existência de uma vasta quantidade de opiniões 
sobre os atos humanos (LIMA; CORDÃO, 2010, p. 3).
De fato, ele se comporta nesse caso como um historiador contemporâneo que deixou há tempos de 
deixar o documento “falar” por si próprio. Como afirmam Lima e Cordão
Heródoto se preocupa em esclarecer que as versões das testemunhas dos 
feitos sobre os quais historia precisam da confirmação de seu “olho” para 
serem consideradas mais verossímeis. De um lado, se preocupa apenas em 
expor o que colheu de suas testemunhas: “Quanto a mim, meu objetivo 
ao longo de toda a obra é registrar tudo que me foi dito tal como ouvi de 
cada informante”. De outro, desconfia do que ouve: “em verdade, minha 
obrigação é expor o que se diz, mas não sou obrigado a acreditar em tudo 
(essa expressão deve aplicar-se a toda a minha obra)”, comentários que 
evidenciam sua intenção em construir umamemória dos feitos humanos 
respaldada numa prática investigativa que lhe poderia conferir um estatuto 
de verdade (LIMA; CORDÃO, 2010, p. 4).
Heródoto, portanto, é um marco para a História e para a Historiografia. Em primeiro lugar, ele recusa 
os relatos orais sem antes julgá-los através de um criterioso método comparativo, evidenciando – até 
mesmo através de um termo forte, o de “obrigação” – uma postura completamente ativa frente aos 
vestígios que mobilizava. Em segundo lugar, ao retirar os grandes acontecimentos do contexto mítico, 
divino, reconhecia a essência dos acontecimentos que ocorrem em um mundo puramente humano, 
material: a mudança (LIMA; CORDÃO, 2010, p. 5).
Eis aí aspectos fundamentais da História. François Hartog afirma que a raiz da palavra “história” diz 
muito sobre essa atividade. Assim, quando Heródoto concebe sua atividade como História, ele leva em 
consideração o exercício do saber mediante comprovação, já que História significa ver.
Para si, Heródoto confere o estatuto de quem sabe por que “viu” e não 
por ter sido inspirado pelas Musas. Assina seu nome no prólogo das 
Histórias, tomando para si um lugar de saber que passará a ser construído 
a partir do “método” da investigação: “Daí em diante, para ‘ver’ é preciso 
arriscar-se (ir ver) e aprender a ver (recolher testemunhos, reunir as 
diferentes versões, relatá-las, classificá-las em função do que se sabe 
por outras fontes e também em função do grau de verossimilhança)” 
(HARTOG, 2001, p. 51). A partir daí, observa-se no discurso que passará 
a prevalecer entre os historiadores um esforço por se distanciar do 
estatuto da produção dos poetas. Esforço que pretendia demarcar um 
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território próprio, autônomo, peculiar: o território do historiador (LIMA; 
CORDÃO, 2010, p. 5).
Por isso, convencionou-se chamar Heródoto de “o pai da História”. Ele lança as bases sobre as quais se 
fundamenta o conhecimento histórico produzido sob uma perspectiva metodologicamente constituída, 
cientificamente elaborada. De fato, o historiador é um sujeito ativo de conhecimento, realiza a crítica 
das fontes e, por mais que não possa estabelecer a observação empírica do seu objeto (que já não 
existe mais), a mobilização do vestígio documental promove certa delimitação do texto histórico, que 
não pode ser aberrativo em relação à fonte trabalhada: se uma fonte material demonstra que em um 
enterramento de certa civilização apresenta-se uma espada, seria absurdo dizer que essa civilização 
desconhecia o uso de armas diante de tal evidência.
O texto histórico a que fazemos referência é a própria Historiografia, ou a escrita da História. A 
definição de Historiografia é um tanto complicada porque, ao longo do tempo, estaríamos lidando 
com textos de natureza absolutamente distinta (até mesmo oposta!) chamando-os de Historiografia. 
Textos atuais que são mais bem categorizados como crônicas jornalísticas históricas seriam 
considerados Historiografia se fossem escritos em épocas diferentes. Deliberadamente, simplificando 
a questão: Historiografia será considerada um gênero textual relacionado à atividade do historiador, 
metodologicamente orientado e cientificamente constituído (à parte a discussão se História é ou 
não é ciência). O corte fundamental aqui será o século XIX, quando a História se constituía como 
ciência, e a Historiografia surgida nessa época colocava-se em nítida oposição a romances históricos, 
escritos sem embasamento documental e, portanto, sem o espírito científico. A ideia era “contar o 
que realmente se passou”.
Mas, ao longo do tempo, a Historiografia irá passar por profundas transformações. São elas que 
você verá ao longo desse livro-texto, cuja finalidade é apresentar sinteticamente as problemáticas 
e questões que envolvem o estatuto científico da História, assim como sua transformação ao longo 
do tempo. Veremos como ela se associa a outras Ciências Humanas e modifica seus objetos, como 
concepções distintas de tempo (cíclico ou linear) se desenrolam no discurso historiográfico, a ideia 
de História como a ciência do presente, as relações entre memória e História, a perda da hegemonia 
da escrita como fonte documental por excelência etc. São discussões que você, futuro professor de 
História, talvez não imaginasse que existissem, mas cujo conhecimento é da maior importância para 
sua formação profissional.
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HISTORIOGRAFIA GERAL
Unidade I
O que é História? Talvez você tenha pensado que se trate do passado, daquilo que ficou para trás, 
obsoleto. Ou ainda de algo memorável, como costuma dizer a expressão: “ficou na história”. Muitos dirão, 
quase como uma declaração de amor ao avesso pelas Ciências Exatas: “não gosto de História”. Ou, então, 
você ouvirá de alguém quando disser que está cursando licenciatura em História: “que interessante! 
Adoro História!”. Não é difícil encontrar aqueles que julgam a História como uma total perda de tempo 
ou que seja estudada por pessoas fascinadas pelo passado. Enfim, qualquer que seja a postura frente à 
História, é praticamente impossível ficar-lhe indiferente.
A pergunta feita antes – sobre o que é História –, aparentemente simples de ser respondida, esconde 
uma complexidade de sentidos que são revelados conforme nosso conhecimento sobre o assunto torna-se 
mais profundo. “Certo, mas o que é História, afinal?” Você deve estar pensando, impacientemente: eis 
a questão! Não há uma resposta bem clara e definida. Embora o historiador Edward Carr tenha escrito 
um livreto muito importante chamado justamente Que é História?, o conteúdo do livro é uma análise 
realizada sob uma perspectiva acadêmica de matriz anglo-saxã, diferente da tradicional História de 
matriz francesa ensinada nas nossas escolas e na maior parte das universidades brasileiras.
Não é tão confuso quanto parece, mas você precisa ficar atento a alguns detalhes importantes. 
Vamos nos aprofundar um pouco mais, refletindo sobre o significado de algumas expressões muito 
corriqueiras que envolvem a História. O que significa dizer que se gosta ou não de História? Podemos 
pensar que, provavelmente, a pessoa está estabelecendo uma relação positiva ou negativa com duas 
coisas: em primeiro lugar com o passado em si e sua identificação com os eventos trabalhados; 
em segundo lugar, pela memória que se tenha das aulas de História, documentários, museus etc. 
Não é raro encontrarmos um graduando de História que escolheu a carreira por ter tido um grande 
professor dessa matéria.
Os chamados “amantes” da História frequentemente consomem os “mistérios do Egito”, as “batalhas 
medievais” ou “a face oculta de Hitler” sob uma perspectiva de exotismo muito semelhante ao fascínio 
surgido em uma viagem a uma cultura bem diferente da própria. De fato, há uma espécie de fascínio 
ao constatarmos a diversidade da experiência humana através dos séculos ou, como diria o historiador 
francês Marc Bloch, na aventura “do homem na função tempo” (BLOCH, 1949).
Pois bem, aquela pergunta inicial está ficando um pouco mais complexa, mas não menos interessante. 
Parece absurdo gostar ou não de História porque nós já estamos nela. A mudança é inevitável e nós 
somos afetados por ela. A natureza do tempo é amplamente discutida, inclusive em recentes teorias da 
Física que consideram que o tempo e a quarta dimensão e que tem partículas que serão descobertas e 
descritas mais cedo ou mais tarde. Agora, gostar ou não de História talvez seja algo possível, no entanto 
esse juízo de valor deve ser questionado e, digo a você, é bem inadequado não gostar de História 
por confundi-la com uma celebração ao obsoleto e ao ultrapassado, assim como um museu sem uma 
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Unidade I
curadoria competente que transforma um prédio em um depósito de coisas velhas, cuja visita seria 
um programa totalmente (e compreensivelmente) insosso. Da mesma forma, o “gosto” pela História 
ao estilo “o mistério das pirâmides” pode parecer interessante, e é perfeitamente válido, mas é muito 
pouco para revelar o dinamismo e a importância da História ao longo dos séculos. Tal importância nos 
conduz inevitavelmente a uma afirmação que pode soar um pouco estranha, mas bem reveladora do 
papel que a Historiografia representa no conjunto da produção intelectual de uma sociedade num dado 
momento: a História não é necessariamente um estudo do passado; é mais um estudo do presente, 
precisamente de como as pessoas do presente se relacionam com o passado na construção de suas 
identidades coletiva e individual.
Caso você ainda não tenha compreendido como a História pode ser um estudo do presente, então 
pense nas expressões populares “ficou na história”, ou “este é um acontecimento histórico”, e ainda na 
expressão “gol de placa”. Cada uma delas pressupõe que determinados eventos são dignos de serem 
lembrados, enquanto outros serão normalmente esquecidos. Nesse caso em especial, trata-se de fatos 
que se destacam em meio a uma profusão de acontecimentos banais e, em meio a uma partida de 
futebol absolutamente sem graça, um jogador parte para o ataque e marca um belíssimo gol, sendo 
premiado literalmente com uma placa para que sua façanha seja lembrada por anos a fio enquanto a 
placa não perecer no tempo. Sendo assim, há uma seleção que não é nem um pouco natural dos eventos 
a serem lembrados e que é realizada por agentes históricos que sabem muito bem o que querem e que 
têm projetos políticos muito bem definidos.
Assim o trabalho do historiador consiste em identificar essas seleções ao longo do tempo, 
esclarecendo as intenções dessas escolhas e evidenciando o arcabouço ideológico dominante que serviu 
de sustentação para o trabalho de seleção dos chamados “fatos” históricos e exclusão daquilo que foi 
considerado supérfluo. Mas não é só isso: o historiador, como um agente histórico e produtor de ideias, 
também age no seu tempo através de sua produção, geralmente crítica. A palavra “crítica”, embora tenha 
uma conotação negativa, vem do grego krisis, que significa “ruptura” e, nesse caso, seria como romper 
com visões preestabelecidas e consensuais e entender os fundamentos de um discurso, retirando-o do 
altar da sacrossantidade do absoluto e inserindo-o na contingência do histórico, das intenções políticas, 
do jogo de poder que atravessa os séculos.
Essas afirmações podem parecer um tanto desconcertantes, ainda mais para quem a História deveria 
ser uma celebração dos heróis da pátria e de seus grandes feitos. Talvez você esteja se perguntando: “quer 
dizer que o que chamamos de fato histórico é algo parcial? Mas a História não seria contar exatamente 
o que aconteceu no passado?”. A resposta é: não mais. “Contar o que realmente se passou” chegou a ser 
o lema dos historiadores do século XIX, principalmente alemães, e hoje temos plena consciência de que 
o que chamamos de verdade pode ser uma construção mental que pode mudar ao longo do tempo. Esse 
lema fez sentido na época em que foi criado, como veremos mais adiante no texto.
Voltemos um instante para a questão das seleções de eventos: mesmo que a exclusão de vestígios 
materiais – incluindo documentos de arquivo – possa ter acontecido naturalmente devido a vários 
fatores (incêndios, materiais perecíveis etc.), a seleção e a reunião dos materiais disponíveis ficam a 
cargo do historiador (ou do cronista) e de todas as suas influências culturais e políticas. Na prática, é 
impossível que a Historiografia seja totalmente neutra.
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Então do que adianta estudar História se todos os supostos fatos nada mais são do que um 
conjunto pré-selecionado de dados, totalmente parciais? Se você ainda estiver, como nossos heroicos 
historiadores do século XIX, buscando a verdade incontestável dos fatos que aconteceram no passado, 
a resposta certamente seria: “nada”. No entanto, é muito mais interessante admitir a parcialidade do 
discurso histórico como um elemento intrínseco de análise e, é claro, não confundir Historiografia com 
qualquer outro texto que tenha como pretexto algum acontecimento no passado, inclusive um livro 
de ficção: a Historiografia é um texto de análise que tem um método específico, embasado em uma 
teoria de análise. Um exemplo prático dessa afirmação seria o famoso livro 1808 (GOMES, 2007), por 
mais interessante que possa ser, ele não pode ser considerado Historiografia no sentido mais estrito do 
termo. Trata-se mais de uma crônica jornalística sobre eventos consagrados na história do Brasil. E uma 
obra historiográfica sobre o papel de Simon Bolívar nas independências sul-americanas seria totalmente 
distinta do livro General em seu Labirinto (MARQUEZ, 1989), que é um romance histórico.
É verdade que a diferença entre romance e Historiografia pode parecer um tanto difusa se a 
última não mais se comprometer com a verdade integral do passado. De fato, isso gerou uma série de 
importantes discussões nos anos 1960 e 1970, que veremos mais adiante. Apenas para adiantá-las e 
aguçar sua curiosidade: a História quase desapareceu há mais ou menos 40 anos, quando seu estatuto 
científico foi seriamente ameaçado.
Tanto Gomes (2007) como Garcia Marquez (1989), cada qual partindo de lugares distintos, 
contribuíram para a formação de algo mais amplo, diferente da História enquanto uma área de 
conhecimento: trata-se da memória, tanto individual como coletiva.
O conceito de memória é muito particular e se refere a uma abordagem não crítica do passado, em 
que ele surge como um referencial de ideias importantes para a constituição das identidades. Grosso 
modo, enquanto a história apresenta uma abordagem crítica e metódica também do passado, a memória 
tende a estabelecer vínculos diretos e afetivos com o passado.
A memória retira seu conteúdo de um sem-fim de “matérias-primas”, tais como livros que veiculam 
uma determinada visão sobre um assunto histórico, monumentos, memórias pessoais sobre um dado 
evento etc. Nesse ponto, é importante frisar o papel que o ensino escolar de História tem na formação 
da memória nacional. Mas os historiadores contribuem com a memória? O papel da Historiografia nesse 
sentido é indireto e bem limitado, e isso ocorre por fatores diversos. O fato é que escrever sobre o 
passado não é monopólio dos historiadores e sua produção tem uma atuação muito tímida na sociedade 
em comparação, por exemplo, com a de jornalistas que versam sobre o passado nacional como os 
conhecidos Laurentino Gomes e Eduardo Bueno.
Se assumirmos esse ponto de vista integralmente, nossa profissão não teria sentido, não é mesmo? 
Por isso é muito importante que os historiadores consolidem sua posição dentro da produção social da 
memória não apenas por uma questão meramente de ofício, mas por serem produtores de memória 
diferentes dos outros, com habilidades distintivas e métodos apropriados que os tornam capazes – a 
despeito de uma série de críticas recebidas nos últimos 40 anos – de produzir um conhecimento sólido 
e o mais próximo possível do imparcial, ou seja, pensar a História como uma ciência dentro do quadro 
mais amplo das memórias.
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Unidade I
1 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA CIÊNCIA
A partir daqui, é muito importante estabelecer alguns princípios que nos permitam considerar a 
História uma ciência,certamente uma ciência especial em relação às demais ciências, sejam elas as 
da natureza ou as sociais. Ainda mais porque a cientificidade da História foi posta em xeque com 
indiscutível propriedade e pertinência pelos chamados filósofos pós-estruturalistas, muito populares 
nos meios acadêmicos nas décadas de 1960 e 1970.
Se você já ouviu falar de Michel Foucault, saiba que ele foi responsável por demolir a maior 
parte dos alicerces sobre os quais a História se havia fundado desde sua criação como ciência no 
século XIX, estabelecendo novas diretrizes para os estudos históricos (embora não gostasse muito da 
Historiografia). Desde então, houve esforços em reafirmar a continuidade da existência da História, 
reforçando seu caráter científico, desde que compreendida como uma ciência distinta das demais. 
Mas, afinal, que ciência é essa?
Permitamo-nos voltar um pouco no tempo (afinal, somos historiadores, não é?) para tratar 
do contexto e das condições de surgimento desse tipo de conhecimento que chamamos de 
“científico”. É verdade que os fundamentos da ciência puderam ser traçados na Antiguidade, mas 
podemos estabelecer que a Revolução Científica foi uma decorrência direta de uma mudança 
na mentalidade europeia a partir do século XIII, quando surge a corrente filosófica denominada 
Humanismo. Nesse momento, a Europa passava por grandes transformações advindas da crise 
geral do feudalismo e do desenvolvimento do comércio, vislumbrando o surgimento de uma 
nova classe social – a burguesia – responsável por resgatar elementos da cultura clássica e usa-
la como um referencial para interpretar o mundo. A partir daí, o monopólio cultural da Igreja é 
ameaçado e os humanistas reivindicam um conhecimento de natureza investigativa, opondo-se 
ao esquema simplista do dogma religioso. No século XVI, as consequências diretas desse modo 
de pensar, ou como se dizia na época, “ler o mundo tal como um livro aberto a ser lido”, levaram 
a uma definitiva alteração dos paradigmas do conhecimento.
Um filósofo da maior importância nesse processo foi René Descartes. Você certamente já ouviu 
falar dele, ou de alguma expressão que remeta a ele como, por exemplo, “plano cartesiano”. Afinal, 
por que ele pode ser considerado um dos maiores filósofos da humanidade? O que ele produziu de 
tão relevante? Descartes viveu a maior parte de sua vida na Holanda, onde encontrou um ambiente 
propício para suas investigações, afastado da grande pressão exercida pela Igreja Católica. Em 
razão de seu ofício, o filósofo viajou por lugares distintos, entrando em contato com culturas 
diversas, e as diferenças culturais entre os povos o marcaram profundamente. Em vez de formular 
um pensamento que admitisse que as verdades são relativas, culturalmente constituídas – tal 
como afirmara Protágoras, na Antiguidade – Descartes estava certo de que as distinções culturais 
percebidas pelos sentidos tratavam-se de enganos, e que era possível estabelecer uma verdade 
única a despeito das aparentes distinções.
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HISTORIOGRAFIA GERAL
Figura 1 – René Descartes (1596 – 1650)
Após certo tempo de trabalho, Descartes conseguiu um período de alguns anos no qual se retirou 
para dedicar-se exclusivamente ao trabalho filosófico. René Descartes viveu em uma época de grande 
efervescência cultural e um dos produtos do pensamento humanista foi o surgimento de um grupo de 
filósofos que seguia a linha do ceticismo, ou seja, duvidava de absolutamente tudo. O filósofo se inseria 
parcialmente nessa corrente, mas diferia substancialmente de seus pares na medida em que recusava 
a ideia de que era impossível chegar a um conhecimento verdadeiro, o que era afirmado pelos céticos. 
Assim como seus congêneres, Descartes partia da dúvida total, mas a finalidade da dúvida era eliminar 
qualquer incerteza diante de um objeto de conhecimento. Portanto, o método da dúvida hiperbólica 
não tinha a finalidade de manter o conhecimento em suspenso: ao contrário, a ideia era levar a um 
conhecimento absolutamente seguro após todas as dúvidas serem eliminadas.
De fato, a primeira certeza a ser comprovada era a da nossa própria existência. Descartes considerava 
que concluir que existimos mediante uma avaliação superficial realizada pelos sentidos seria insuficiente 
e imaginava que poderíamos ser enganados por um gênio maligno que nos faz sonhar sobre nossa 
própria existência. Nossos sentidos nos capacitam apenas para perceber a res extensa – a matéria – e tal 
percepção é incompleta e grosseira. Um conhecimento verdadeiro deve ser seguro e, nesse caso, apenas 
com o pensamento é possível chegar a uma conclusão que ultrapasse os sentidos. Para Descartes, a 
res cogitans – grosso modo definida como a razão – transcende os sentidos e é capaz de produzir 
um conhecimento afinado às ideias inatas, imutáveis, que transcendem o sujeito e são universais por 
excelência. A res cogitans não é da mesma natureza da res extensa, não sendo a primeira dependente da 
segunda. Nesse caso, o mero ato de pensar sobre a própria existência é prova irrefutável de que estamos 
aqui e que o conhecimento que produzimos é válido – daí o famoso “penso, logo existo”. A dúvida, nesse 
caso, era algo da natureza do indubitável.
Uma vez provada a nossa existência, – e também a de Deus, de onde emanariam todas as ideias 
perfeitas e a bondade suprema – Descartes busca uma linguagem adequada aos conhecimentos 
inatos. E diria o filósofo que, mesmo que estivéssemos sonhando, dois mais dois sempre serão quatro 
e o quadrado sempre terá quatro lados. Você já deve ter adivinhado qual a linguagem escolhida por 
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Descartes para representar ideias inatas: a Matemática que, segundo ele, seria uma linguagem simples 
e ao mesmo tempo rigorosa. Com Descartes, portanto, a Matemática passa a ser utilizada como uma 
expressão de juízos inatos, o que mais tarde serviria de postulado fundamental das ciências da natureza, 
ou (usando uma terminologia atual) Ciências Exatas. O plano cartesiano, por exemplo, é a representação 
gráfica de funções matemáticas e é usado em diversas ciências.
O método cartesiano é uma investigação que procura dirimir toda e qualquer dúvida sobre um 
determinado objeto de estudo. Escrito no consagrado Discurso sobre o Método, de 1637, ele tem quatro 
operações que sintetizariam a indução e a dedução: a dúvida, na qual deve-se aceitar apenas aquilo 
que é de fato indubitável; a análise do objeto em tantas partes quanto forem possíveis; a síntese ou a 
elaboração de generalizações e a enumeração das conclusões para que a verdade sobre o assunto em 
questão seja garantida. Segundo ele, esse método seria como demolir uma velha casa para que, em seu 
lugar, fosse construído um edifício seguro.
Outro filósofo da maior importância e que viveu na mesma época de Descartes foi Francis Bacon, 
que se dedicou aos fundamentos do método científico estabelecendo as bases do empiricismo. Suas 
contribuições no campo da ciência e da filosofia são tão importantes que Bacon é considerado por 
muitos o verdadeiro pai da ciência moderna. Sua vasta obra abrange distintas áreas do conhecimento, 
com especial destaque à Filosofia e ao Direito, e antecedeu em vários séculos os postulados atuais de 
importantes teorias cognitivas e correntes filosóficas dedicadas à investigação da linguagem.
Um dos aspectos mais relevantes da obra de Bacon é a análise e desmontagem do que ele denominava 
“ídolos”, ou seja, distorções presentes na percepção humana e que inevitavelmente conduziriam ao 
engano. Quatro tipos de ídolos são identificados: ídolos tribais, referentes às generalizações grosseiras 
da mente humana; ídolos da caverna, que representamos enganos advindos da percepção particular da 
realidade; ídolos do fórum, relativos ao descompasso entre as palavras e a realidade que elas descrevem; e 
ídolos teatrais, baseados em falsos julgamentos advindos de cânones literários considerados referenciais 
em um dado momento histórico. A partir do conhecimento dessas possibilidades de engano, seria 
necessário encontrar um método seguro para o conhecimento, e daí resultou a formulação de um 
método baseado na indução já que, segundo ele, a lógica dedutiva aristotélica seria insuficiente, já 
que não leva em conta uma observação empírica dos fenômenos. Daí a possibilidade de discorrer com 
aparente propriedade sobre um assunto apenas com a habilidade discursiva, nesse caso, a do retórico. O 
método indutivo, portanto, partiria da observação de casos particulares e que a experiência direta de um 
fenômeno – seja ele reproduzido em laboratório, seja uma amostra representativa de um determinado 
fenômeno social – poderia, sob certas condições, produzir uma generalização na forma de uma teoria.
 Observação
A Revolução Científica foi um movimento decorrente do surgimento do 
Renascimento Cultural que, por sua vez, foi fruto de grandes transformações 
ocorridas na Baixa Idade Média. Embora a ideia de revolução pressuponha 
um rompimento radical com o conhecimento medieval, há diversas 
continuidades que precisam ser observadas. 
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Figura 2 – Francis Bacon pode ser considerado o pai da ciência moderna por ter desenvolvido o método das tábuas, 
que estipulava relações reais de causa e efeito dos objetos analisados
No entanto, devemos considerar que há diferenças fundamentais entre o pensamento de Descartes 
(que é ligeiramente posterior) e de Bacon, sobretudo com relação ao método empregado para chegar 
ao conhecimento. Descartes desenvolveu o método dedutivo a partir da observação de generalizações 
indubitáveis, método que emulou o silogismo aristotélico e é utilizado com mais frequência na Filosofia 
e na própria Matemática. Bacon, por sua vez, se afasta da dedução aristotélica, e a indução torna-se o 
método de conhecimento por excelência. Interessante notar que a indução, a observação do particular 
para propor uma generalização, funciona de maneira peculiar. Muitos lógicos se debruçam sobre a questão 
da validade do conhecimento indutivo, já que novas experiências podem colocar em xeque afirmações 
universais advindas da indução. Nesse caso, levando em conta os fundamentos de seu método, há algo 
de provisório na ciência, mesmo que ela se ocupe de conhecimentos racionais, universais, verdadeiros.
Nesse ponto, é possível fazer uma aproximação com o filósofo empiricista David Hume, que 
discute justamente a questão da regularidade como um pressuposto fundamental do conhecimento 
científico e do peso de certas variáveis para a validade científica. Hume afirma que um evento que 
escapa à regularidade gera naturalmente especulações acerca da causa e do efeito relacionados com 
um determinado objeto. Assim, poderia haver uma rede causal que antecedesse um determinado 
fenômeno, mas que ainda não estaria revelada, e aí é que residiria o sentido do trabalho do historiador: a 
investigação. Deve haver uma interpretação que se localiza entre o sujeito que produz conhecimento e a 
forma com que o objeto se impõe para ser interpretado – que, em sua visão, tem um peso determinante.
Com certeza, um dos maiores nomes da Filosofia Moderna é David Hume. Nascido em 
1711, de uma família nobre da Escócia, entre os 12 e 14 anos, estudou Literatura e Filosofia na 
Universidade de Edimburgo, apaixonando-se por essas duas áreas. Preparou-se para trabalhar 
em profissão [relacionada ao] Direito e até se arriscou como negociante, mas, segundo suas 
próprias palavras, sentia “uma aversão insuperável a tudo o que não fossem as buscas da 
Filosofia e do conhecimento em geral”. Mais do que apenas um filósofo, Hume fez muita 
fama como historiador e ensaísta. Em vida, sua obra que mais fez sucesso – e lhe rendeu uma 
segurança financeira considerável – foi uma série de livros intitulada “A História da Inglaterra” 
(1754-62). No entanto, a sua primeira obra foi um dos livros mais importantes da História da 
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Filosofia, chamado Tratado da Natureza Humana (1739-40). Entre os anos de 1734 e 1737, 
cansado de tentar a vida como negociante (tentativa que só durou três meses, diga-se de 
passagem), resolveu viver de sua herança e foi para o interior da França, tentando a vida no 
campo por pensar que seria economicamente mais viável. Ele foi residir em La Flèche (sim, 
cidade onde Descartes estudou no colégio jesuíta). Usando a biblioteca desse colégio, David 
Hume compôs seu longo tratado. Apenas como uma nota – para dar inveja a qualquer jovem 
– Hume começou a escrever seu tratado com 23 anos! Sim, com 23 anos ele começou a 
escrever uma das maiores obras da História da Filosofia, sendo publicada em três livros entre 
os anos de 1739 e 1740, quando Hume tinha por volta de 28 anos.
A ideia de Hume com seu tratado era introduzir o método experimental de raciocínio nos 
assuntos filosóficos. Isso se caracterizará como uma forte renúncia à metafísica. Contudo, a 
aceitação do Tratado da Natureza Humana foi péssima. O próprio David Hume, se referindo 
a essa obra, disse que “jamais uma empreitada literária foi tão desafortunada quanto o meu 
Tratado”, ele ”já saiu natimorto da impressora”. Parte dos filósofos da época que liam a obra 
não a compreendiam direito, parte a recusava, e uma parte muito pequena a aceitava. Para 
solucionar esse problema, Hume publica em 1748 a obra intitulada Investigações sobre o 
Entendimento Humano, que basicamente era um resumo revisto de seu Tratado. Essa obra, 
sem sombra de dúvidas, é fantástica! Com uma clareza e objetividade sem igual, Hume 
apresenta em um livro curto toda sua teoria filosófica. Completamente argumentativo e com 
riqueza literária, a exposição que Hume faz se tornou um paradigma de escrita clara para 
todos os filósofos que vieram após ele, até mesmo para os filósofos que não concordavam 
com sua teoria. Até o final de sua vida, David Hume tem uma coleção de livros e ensaios 
publicados. No entanto, para apresentar sua teoria, basta nos centrarmos nas Investigações 
sobre o Entendimento Humano.
Hume, tal como Descartes, estava preocupado em entender os fundamentos do 
conhecimento humano. Todavia, Hume chega a conclusões bem contrárias às de Descartes. 
Enquanto Descartes se enquadra como um racionalista, Hume foi um empirista. Mas, 
primeiro, antes de explicarmos isso, vejamos sua teoria.
Como funciona nosso processo de entendimento? Essa primeira pergunta nos servirá de 
condutora para o início dos pensamentos de Hume. De acordo com os termos usados por 
Hume, nós entendemos o mundo através de duas vias: ideias e impressões.
Impressões
As impressões seriam nossas percepções mais vívidas e fortes, por exemplo, nossas 
sensações. Quando eu vejo o notebook na minha frente, eu tenho a impressão em minha 
mente desse computador. Essa impressão é vívida, pois eu estou em contato direto com aquilo 
que me cria essa impressão. Eu tenho uma experiência com o objeto da minha impressão. 
As impressões podem ser caracterizadas como sensações, que são frutos da experiência que 
tenho dos meus sentidos com objetos externos; ou reflexões, que são frutos da experiência 
que tenho dos meus sentimentos, ou seja, são objetos internos a nós.
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Ideias
As ideias, por sua vez, sãoos objetos que estão em nossa mente sem que tenhamos 
naquele momento um contato direto com as impressões dela. As ideias seriam impressões 
menos vívidas, mais tênues. Por exemplo, quando eu penso na bicicleta que eu tinha quando 
criança, ainda que eu feche os olhos e quase sinta o vento em meus cabelos ao pedalar aquela 
bicicleta, essa impressão que eu tenho é menos vívida que a do meu notebook, que está agora 
na minha frente. Os objetos da minha memória (como a bicicleta) não são objetos presentes 
nas minhas impressões (como o notebook), esses objetos da nossa mente seriam as ideias.
Podemos distinguir dois tipos de ideias: as simples e as complexas. As ideias simples são 
aquelas que são cópias diretas de impressões que tivemos. A da bicicleta, por exemplo, é 
uma ideia simples, pois eu tive uma impressão com essa bicicleta no passado, mas hoje eu 
só tenho a ideia dessa bicicleta, que é a memória dela.
Fonte: Gracher (2015).
Com Isaac Newton, a ciência moderna irá se consolidar. Se Francis Bacon havia estabelecido princípios 
para chegar a um conhecimento seguro por meio da indução – mesmo que até hoje filósofos, especialmente 
os lógicos, não tenham chegado a um consenso sobre de que maneira a indução funciona – e René Descartes 
havia descrito uma forma de chegar a um conhecimento seguro, unindo indução e dedução – com especial 
atenção ao segundo método –; Newton, através da observação dos fenômenos naturais, concluirá que tais 
fenômenos podem ser previstos, ou seja, funcionam regularmente. Daí a racionalidade da Física: os fenômenos 
podem ser previstos, pois funcionam da mesma maneira sempre. Esse será um postulado fundamental da 
ciência atual: a previsibilidade dos fenômenos que podem ser reproduzidos em laboratório.
Figura 3 – Sir Isaac Newton (1642 – 1727)
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Unidade I
As ideias de Immanuel Kant contribuíram diretamente para uma reavaliação das ideias científicas. 
Para o filósofo alemão, os postulados científicos eram verdadeiros, mas ele buscou os fundamentos da 
razão e da validade das ideias científicas. Essa é uma concepção muito importante: a ciência, tal como 
a concebemos, já estava consolidada, mas a investigação, nesse caso, se concentrava em descobrir 
por que ela funcionava. Portanto, lançou mão do que denominava crítica: uma análise reflexiva dos 
fundamentos do conhecimento. E instituiu que a razão humana não era absolutamente completa ou 
ainda ilimitada, o que nos leva a pensar sobre o que é realmente possível conhecer.
Para Kant, haveria dois tipos de conhecimento: os conhecimentos a priori e os conhecimentos 
a posteriori. Conhecimentos a priori se referem a postulados fundamentais que existem por si só e 
independem da razão. Noções abstratas como tempo, espaço, moral, virtude etc. são, por definição, 
conceitos que existem por si e que podem ser apenas parcialmente conhecidos pela razão. Sua 
existência se manifesta no indivíduo a partir de uma intuição que surge diante de fenômenos naturais 
ou concepções morais. Essa intuição levaria o ser humano a conhecer mais profundamente aquilo que 
intuiu e, assim, produziria uma série de conhecimentos através da experimentação científica. Portanto, 
os conhecimentos a posteriori são produzidos pela indução, ao mesmo tempo em que são validados 
mediante uma análise racional. Assim, o avanço científico pode ser relacionado a uma progressiva 
iluminação dos conceitos a priori que, no entanto, não podem ser completamente conhecidos 
pela razão, que apenas os vislumbra. Desse modo, Kant estabelece um fundamento epistemológico 
importantíssimo: não se trata mais de conhecer as coisas “em si”, mas “como eu conheço as coisas”. 
A partir daí, a completa objetividade da ciência pôde ser colocada em xeque, e tal afirmação produziu 
reações distintas: em um primeiro momento, a possibilidade da interferência do sujeito na pesquisa 
levou a uma série de procedimentos que buscavam evitar tal situação e, posteriormente, verificou-se 
que era impossível abstrair completamente o sujeito de conhecimento.
Kant, portanto, é fundamental para entender os desenvolvimentos teóricos da ciência e, 
consequentemente, da História entendida como uma ciência.
1.1 O método científico
Agora que discutimos rapidamente as ideias de filósofos importantes para a consolidação da ciência, 
vamos discorrer um pouco sobre o método científico. Vimos que a ciência moderna é uma forma de 
conhecimento fundamentada na indução de fenômenos e explicação mediante a lógica dedutiva. De fato, 
por ser um conhecimento investigativo, parte da observação direta de fenômenos logicamente organizados 
pela razão. Tal método busca uma racionalidade nos fenômenos naturais, expressa por meio de fórmulas, ou 
seja, o discurso de verdade na ciência se vincula à ideia de que os fenômenos tendem a acontecer sempre. 
Em qualquer lugar do universo, haverá a atração gravitacional, a luz viajará a 300.000 km/s e dois corpos não 
podem ocupar um mesmo lugar ao mesmo tempo. É verdade que boa parte desses postulados hoje é bastante 
discutível, mas deixemos por ora tais questões de lado. Voltaremos a elas em outro momento.
De qualquer forma, é importante que nós pensemos sobre o método científico a partir do que vimos 
anteriormente sobre as ideias que discutimos de Bacon a Kant. O método científico deve sua constituição 
em grande parte ao método cartesiano, cujo momento principal é o da análise, a saber, a decomposição do 
objeto em tantas partes quanto forem possíveis. Pensemos em uma análise física do movimento, o objeto em 
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questão é o deslocamento de um automóvel. Para medir a variação tudo deve ser levado em consideração: 
a força aplicada (através das explosões do motor de combustão), o peso do carro, a gravidade, força normal 
etc. Tudo isso é colocado em uma fórmula e as contas são realizadas. Obviamente, a grande dificuldade é 
transformar a realidade em uma linguagem matemática em que há operações complexas, mas a existência 
de uma fórmula pressupõe certa regularidade na relação entre deslocamento e força aplicada.
O mais importante é que tais fenômenos possam ser reproduzidos em laboratório. Justamente a partir 
dessa reprodução – partindo, portanto, de uma observação particular, e essa é a principal característica 
de uma indução: pode ser elaborada uma teoria que sirva em qualquer espaço e tempo. Se você disser 
que esse método pode ser pouco seguro para estabelecer verdades universais já que parte de uma 
observação particular, você não estará de todo errado. De fato, como afirmava David Hume, no século 
XVII, há certa provisoriedade no discurso da ciência.
Após a realização da análise, o cientista procede (como afirmava Descartes) à verificação de sua 
hipótese. Se comprovada correta, o estudioso precisa expressar sua “descoberta” através de uma 
linguagem clara e compreensível – ou seja, lógica – para que possa comunicar o público de tal forma que 
todos possam compreender independentemente de sua cultura ou formação pessoal. Daí se depreende 
que os conhecimentos científicos são universais e que não estão sujeitos a uma análise parcial, cultural, 
apaixonada. Ou, pelo menos, tal é o discurso científico.
No século XIX, o método científico se consolidou pelo consenso da comunidade acadêmica como 
a única forma possível de se chegar a um conhecimento verdadeiro, encaixando-se perfeitamente na 
proposta da modernidade que era a de emancipar o ser humano. Os postulados fundamentais da ciência e 
os conhecimentos baseados na previsibilidade dos fenômenos pela existência de leis naturais identificadas 
mediante um conhecimento empírico opuseram, com mais força, a fé e a ciência.O positivismo foi uma 
decorrência dessa mentalidade, uma corrente filosófica que afirmava que a humanidade estava em 
constante evolução, cujas etapas seriam percebidas através dos avanços técnicos e científicos. Segundo 
Augusto Comte, o conhecimento total das leis da natureza por meio da ciência fariam os “padres serem 
substituídos por cientistas” e levaria o ser humano a uma sábia resignação. Evolução, e não revolução.
Progressivamente, as áreas de saber vão se especializando cada vez mais, aprofundando a lógica 
cartesiana da análise. O método aplicado nas ciências da natureza logo permeou todas as áreas do 
saber, inclusive para a compreensão das sociedades. Mas seria possível estabelecer leis gerais para prever 
as tendências sociais? O método das ciências da natureza seria aplicável para explicar a sociedade? 
Haverá uma oposição de fato entre os tipos distintos de ciência? Explicar ou compreender? Há uma sutil 
diferença entre esses termos, que vamos pensar agora.
1.2 Ciências nomotéticas e ciências ideográficas
Tradicionalmente, podemos encontrar uma oposição fundamental entre dois tipos de ciência: as 
nomotéticas e as ideográficas. A primeira se ocuparia do estabelecimento de leis gerais e fenômenos 
previsíveis. São as ciências da natureza, tanto puras como aplicadas, e seus discursos de verdade se 
constituem a partir da possibilidade de reconstruir fenômenos reproduzíveis em laboratório. Segundo 
Jean Piaget:
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Unidade I
São disciplinas que procuram estabelecer leis no sentido, por vezes, de 
relações quantitativas relativamente constantes e exprimíveis sob a forma 
de funções matemáticas, mas, igualmente, no sentido de fatos gerais ou 
de relações ordinais, de análises estruturais etc., traduzíveis por meio da 
linguagem corrente ou de uma linguagem mais ou menos formalizada 
(PIAGET, 1976, p. 30).
A racionalidade advém justamente da repetição e da observação empírica de um fenômeno 
analisado. Já a segunda teria uma estrutura lógica que prescinde do estabelecimento de generalizações, 
ou seja, se ocuparia do particular, os fundamentos do discurso de verdade advêm da possibilidade 
de compreensão. No entanto, uma consideração mais profunda dessa oposição evita que caiamos no 
simplismo de considerarmos que a História não faz uso de enunciados universais e que as Ciências da 
Natureza (ou Exatas) dispensam qualquer enunciado particular:
Nenhuma conclusão acerca do caráter real de coisas e processos específicos 
pode ser derivada apenas de enunciados gerais, pois as teorias e a leis têm de 
complementar-se com condições iniciais (isto é, com enunciados singulares 
ou particulares) para que essas conjecturas gerais sirvam para explicar ou 
predizer qualquer ocorrência particular. A conhecida e por vezes útil distinção 
entre ciências naturais e aplicadas também não diminui a importância 
desse ponto ao afirmar que as ciências puras (como a Eletrodinâmica ou a 
Genética) se preocupam apenas com estabelecer enunciados gerais, e que 
só as ciências aplicadas (como a Engenharia Eletrônica ou a Agronomia) 
precisam ocupar-se com casos particulares, pois até mesmo as ciências 
naturais puras só podem afirmar que os seus enunciados têm fundamento 
empírico com base em provas fatuais concretas e, portanto, só servindo-se 
de enunciados singulares (NAGEL, 1976, p. 25).
Apesar de conhecida, essa oposição precisa ser revista, justamente porque lida com algo fundamental 
dentro da ciência: o embasamento ou a força do discurso de “verdade”. No senso comum (em que 
reinam as opiniões e lugares comuns!), quando afirmamos que a ciência é a única capaz de produzir 
conhecimentos verdadeiros em detrimento de outras maneiras de conhecer, como o mito ou a arte 
literária, é porque parte-se do princípio que ela estabelece leis gerais a partir da experimentação. No 
entanto, não devemos confiar cegamente no mito da ciência, nem tanto em relação ao que ela pode 
explicar de fato, mas em relação à maneira como os conhecimentos são construídos.
Além disso, muitos enunciados comumente reconhecidos como leis da 
Ciência “pura” possuem uma generalidade que é pelo menos geograficamente 
limitada: por exemplo, a conhecida lei de que um corpo em queda livre, 
ao nível do mar, em latitudes compreendidas entre 38º a 39º da superfície 
da Terra, sofre uma aceleração de 980 centímetros por segundo. Se forem 
excluídas dos tratados teóricos leis deste tipo, que são especificações de 
leis que não possuem tais restrições, essa exclusão é, quando muito, pura 
questão de conveniência e não de princípio (NAGEL, 1976, p. 27).
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A ideia de que as ciências nomotéticas, dessa forma, retiram de postulados gerais a força de verdade 
de seu discurso e que isso as colocam à frente das Ciências Humanas não passa de uma falácia. De fato, 
as ciências naturais não são total ou exclusivamente nomotéticas. Mesmo assim, as Ciências Sociais 
não podem prescindir de enunciados considerados gerais. É necessário que você perceba que estamos 
tentando relativizar uma antiga discussão que por muito tempo opôs desnecessariamente as ciências 
nomotéticas e ideográficas. Em relação à História, é necessário evitar o risco de cairmos em uma profusão 
de histórias particulares em excesso. Por mais que o historiador ocupe-se do não repetido e do único, 
ainda assim, a pesquisa historiográfica deve utilizar conceitos gerais tais como “estruturas”, “sociedades” 
ou conceitos mais tradicionalistas, como volkgeist etc.
Bem como o uso de conceitos, os cientistas sempre buscam as relações encontradas entre os 
fenômenos estudados, como relações de causa e efeito. Aqueles das ciências nomotéticas expressam 
relações geralmente a partir de fórmulas que se valem da Matemática como linguagem: as forças que 
geram uma aceleração e o resultado da aceleração média, por exemplo.
Nas ciências ideográficas, essa relação é construída mediante o estabelecimento do que os cientistas 
chamam de variáveis, um fenômeno descrito que pode ter uma causa – uma variável dependente –; ou ser 
a causa em si – a variável independente. A História se vale da descrição de certos fenômenos e estabelece 
relações causais entre eles. O desafio, no caso, é estabelecer tais relações de modo que descrevam 
adequadamente o objeto estudado, e aí reside um dos maiores problemas para os historiadores: como 
estabelecer que uma ou outra causa seja determinante para o resultado do fenômeno estudado? O 
estabelecimento dessas relações não pode ficar apenas no nível intuitivo e deve partir de uma adequada 
metodologia de estudos. E, embora se trate de um evento particular, é possível imaginar que as relações 
de causa e efeito entre dois eventos possam encontrar algum paralelo em outro momento histórico e em 
um espaço distinto. Não se trata de estabelecer leis, mas de encontrar certo padrão de acontecimentos.
Você deve estar imaginando então que se as Ciências Sociais e as da Natureza possuem tantas 
semelhanças, a ideia de que são totalmente opostas é um absurdo sem fundamento. Na verdade, há 
algumas diferenças importantes sim, sobretudo no que se refere ao resultado dos estudos empreendidos 
em cada uma dessas ciências. Claro que, dentro das Ciências Sociais, há diferenças importantes, sobre as 
quais discorreremos a respeito mais tarde. Mas, nesse caso, é importante frisar que a grande diferença 
entre as Ciências Naturais e a História está na conclusão: enquanto as primeiras buscam construir 
enunciados gerais, os historiadores não se propõem a formular leis:
A diferença entre História e Ciência Teórica é, pois, bastante análoga entre 
Geologia e Física ou entre Diagnose Médica e Fisiologia.Um geólogo procura 
determinar, por exemplo, a ordem sucessiva das formações geológicas e o 
faz, em parte, aplicando várias leis físicas aos seus materiais de estudo, mas 
não compete ao geólogo, qua geólogo, estabelecer as leis da Mecânica ou da 
desintegração radioativa utilizadas nas suas pesquisas (NAGEL, 1976, p. 29).
Devemos ter em mente que o historiador enriquece suas pesquisas com uma abordagem ampla, 
interdisciplinar, enfocando, por exemplo, motivações psicológicas mais amplas que impilam a um dado 
fenômeno. No entanto, não cabe a ele realizar a pesquisa psicológica, aproveitando-se de determinados 
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enunciados gerais para enriquecer sua pesquisa. Desse modo, é razoável supor que, mais do que 
concorrente, os tipos de ciência em questão produzem resultados que podem se complementar para a 
construção de um conhecimento cada vez mais próximo de uma interpretação adequada dos fenômenos 
da realidade. Mesmo em relação à História, não significa afirmar em absoluto que ela não possa 
encontrar em algum momento algum tipo de lei da mudança temporal, ainda se levarmos em conta 
que durante um bom tempo as repetições – ou ciclo de preços – estiveram na pauta dos historiadores 
franceses do início do século XX justamente para conferir à História um caráter científico nomotético. 
De fato, nada impede que as Ciências Sociais assumam tal característica. A Psicologia e a Sociologia 
são bons exemplos que, embora tratem de casos particulares, nem por isso deixam de realizar análises 
comparativas e estruturais.
Jean Piaget estabeleceu quatro tipos de ciências para a humanidade: as nomotéticas, as históricas, 
as jurídicas e as filosóficas. Para ele, a especificidade das Ciências Históricas em relação às demais, 
sobretudo as ciências nomotéticas, está na própria diacronia como elemento fundamental, levando em 
conta que as próprias ciências nomotéticas se valem de tal princípio. Dito de outra maneira: a História é 
a própria historicidade – diacronia vem do grego “dois tempos”, no caso passado e presente, na Física, por 
exemplo, tal diacronia é absolutamente necessária na Dinâmica, Astrofísica etc. Desse modo, a História 
seria a absoluta contingência, levando em conta a dualidade de tempos como marca fundamental da 
experiência humana e da própria natureza. Portanto, não é exagero admitir, como já sugerimos:
Por estreita que seja a ligação das ciências nomotéticas e ciências históricas, 
pois cada um desses grupos tem constantemente necessidade do outro, as 
suas orientações são distintas ainda que complementares, mesmo quando 
se trata de conteúdos comuns: à abstração necessária das primeiras 
corresponde à restituição do concreto nas segundas, e essa é uma função 
tão primordial no conhecimento do homem como a outra, mas uma função 
distinta do estabelecimento das leis (PIAGET, 1976, p. 34).
Um exemplo mais claro disso, ainda segundo Piaget, é o que ocorre na História das Ciências. 
Segundo ele:
A História das Ciências constitui um exemplo e, dentro dela, a História 
da Matemática ocupa um lugar excepcional pelos caracteres internos da 
estruturação progressiva que descreve: assim, atinge necessariamente 
os problemas centrais da psicologia da inteligência, da sociogênese dos 
conhecimentos e da epistemologia científica (PIAGET, 1976, p. 34).
Fica claro que a velha divisão entre Humanas e Exatas, baseada na ideia de que a Matemática e 
as Ciências da Natureza produzem conhecimentos construídos a partir de leis, enquanto as Ciências 
Humanas, ideográficas por excelência, se baseiam em conhecimentos singulares que, aos olhos de 
muitos físicos e químicos, não são conhecimentos confiáveis. Nada mais falso. A partir dos autores 
aqui abordados, vemos que a relação entre nomotéticas e ideográficas é mais de complementaridade 
do que de oposição. Você ainda deve estar pensando: “certo, mas ainda creio que existam diferenças 
fundamentais”. Você não está equivocado, mas para pensar em mais diferenças, precisamos agora passar 
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dos conteúdos em si para a maneira como nos aproximamos deles. Em outras palavras, nós explicamos 
ou compreendemos a História, o significado não é o mesmo.
1.3 Explicar ou compreender?
Partimos agora para outra possibilidade: a de pensarmos a especificidade do discurso histórico e 
de sua abordagem. Em outras palavras, estudaremos o método usado pelo historiador que, ao estudar 
um dado assunto, organiza seus argumentos. Nesse caso, eles são organizados de modo que possamos 
explicar ou compreender. O historiador da antiguidade Paul Veyne escreveu um importante livro 
chamado Como se Escreve a História e nele discorreu exatamente sobre esse problema, fundamental 
para compreender a natureza do trabalho historiográfico e sua validade como atividade particular e 
plena de credibilidade de resgate do passado histórico:
Uma vez que essa é a quinta-essência da explicação histórica, é preciso convir 
que ela não merece tantos elogios e que se distingue muito pouco do gênero 
de explicação que se pratica na vida quotidiana ou em qualquer romance em 
que se narra esta vida; ela é somente a clareza que emana de uma narração 
suficientemente documentada; ela se oferece por completo ao historiador 
na narração e não é uma operação distinta desta, não mais do que é para 
um romancista. Tudo o que se narra é compreensível, visto que se pode 
narrá-lo. Podemos reservar comodamente no mundo do vivido, das causas 
e dos fins, a palavra compreensão, utilizada por Dilthey; essa compreensão 
é como a prosa de M. Jourdain, nós fazemos isto desde que abrimos os 
olhos para o mundo e para nossos semelhantes; para praticá-la e ser um 
verdadeiro historiador, ou quase, basta ser um homem, isto é, deixar-se levar. 
Dilthey teria desejado ver as Ciências Humanas recorrerem, elas também, 
à compreensão: mas, sabiamente, estas (ou pelo menos as que, como a 
teoria econômica pura, não são ciências somente em palavras) recusaram: 
supunha que, sendo ciências, isto é, sistemas hipotético-dedutivos, queriam 
explicar exatamente como o fazem as Ciências Físicas. A História não se 
explica, no sentido de que ela não pode deduzir e prever (só um sistema 
hipotético-dedutivo pode fazê-lo); essas explicações não são a volta a um 
princípio que tornaria o acontecimento inteligível, elas são o sentido que 
o historiador dá à narração. Aparentemente, a explicação parece, às vezes, 
tirada do mundo das abstrações: a Revolução Francesa explica-se pela 
subida de uma burguesia capitalista (não vamos examinar se essa burguesia 
não era antes um grupo de comerciantes e de magistrados); isso significa, 
simplesmente, que a Revolução Francesa é a subida de uma burguesia, que 
a narração da revolução mostra como essa classe ou seus representantes 
tomaram as rédeas do Estado: a explicação da revolução é o resumo desta e 
nada mais. Quando solicitamos uma explicação para a Revolução Francesa, 
não desejamos uma teoria da revolução em geral, da qual se deduziria 1789, 
nem um esclarecimento do conceito de revolução, mas uma análise dos 
antecedentes responsáveis pela explosão desse conflito; a explicação não é 
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outra coisa senão a narração desses antecedentes, que mostra tudo o que a 
provocou e pode ser ao mesmo tempo chamado de causas: as causas são os 
diversos episódios da trama (VEYNE, 1982, p. 83).
A questão está colocada: o resgate do passado pela Historiografia seria totalmente crível em 
virtude do caráter científico da História? E, levando em conta suascaracterísticas fundamentais, 
nós podemos considerar História como ciência? Vamos analisar a questão: no século XIX, a ciência 
passou por uma reestruturação para tomar a forma como a conhecemos hoje. Cada vez mais, as 
distintas áreas foram se aprofundando, no entanto, mantendo em comum um determinado tipo de 
organização de conteúdo. Essa seria uma tendência verificada já no Renascimento, quando os grandes 
esquemas explicativos medievais – de caráter integral – foram sendo progressivamente abandonados. 
Por exemplo, já não fazia mais sentido encontrar uma causa primeira para tudo e as diversas ciências 
tornaram-se sistemas quase fechados. Não foi diferente com as Ciências Humanas, nascidas já em um 
ambiente de forte segmentação.
As Ciências Sociais, à parte o sucesso que as filosofias da História pudessem ter alcançado no 
século XIX graças, sobretudo, ao trabalho de Hegel, realizam recortes específicos na realidade, ou 
seja, os pesquisadores elegem um tempo, um espaço e um dado fenômeno, buscando relações entre 
essas partes, bem como relações de causa e efeito em torno do fenômeno estudado. No caso da 
História, seu estatuto científico é reforçado quando ela abandona o campo da especulação filosófica, 
tal como visto na obra de Hegel e sua descrição do despertar do espírito universal por meio dos 
acontecimentos históricos.
Figura 4 – Hegel
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 Observação
Hegel criou uma filosofia da História de cunho dialético idealista, 
criticada anos mais tarde por Marx. Em sua metafísica, reside uma 
razão para os acontecimentos históricos, vinculados ao progressivo 
autorreconhecimento do Espírito. 
A História dos não hegelianos, portanto, é a história científica, que se afasta da especulação metafísica 
e religiosa de Hegel. Essa crítica de fato sugere uma unidade de método entre as Ciências da Natureza e as 
Ciências Sociais, afinal o método científico é um só, apesar das diferenças de objeto, era esse o argumento. 
No entanto, é necessário lembrar que há ainda os que criticam essa unidade de método justamente 
porque os seres humanos são objetos diferentes dos objetos da natureza, não podem ser tratados como 
um laboratório e, sendo dotados de razão e vontade, podem escapar à previsibilidade. A questão pode ser 
colocada ainda da seguinte maneira: se sou um sociólogo ou um historiador, meu objeto é como (ou pode 
ser como) eu mesmo. Essas questões foram colocadas já no final do século XIX, o século do cientificismo.
Aqui nós podemos estabelecer uma diferença importante entre Ciências Sociais e Ciências da 
Natureza. Embora tenhamos visto que entre as ciências nomotéticas e ideográficas existe de fato 
uma relação de complementaridade, as ciências ideográficas, em especial as Ciências Sociais como a 
História, o conhecimento do ser humano sempre parte de uma experiência do sujeito do pesquisador. 
Ou seja, há um determinado princípio de igualdade entre sujeito e objeto, estabelecendo um contexto 
de pré-compreensão e compreensão. Assim, as ações humanas podem ser descritas de um ponto de 
vista externo (tal como as ciências naturais), mas também interno (como finalidade, intenção etc.), 
algo que os homens do século XIX chamaram de ciências do espírito (geist, “espírito” em alemão). Não 
confunda com fantasma! A linguagem simbólica, a interpretação, o espírito aventureiro, tudo isso pode 
ser conhecido a partir do pressuposto de que as pessoas estudadas são como nós, e isso estabelece a 
possibilidade de compreensão (Geistwissenschaft, a ciência do espírito).
O conhecimento da vida interior é possível levando em conta que por sermos todos humanos, nossas 
paixões, medos e esperanças são os mesmos. Podemos sentir a profunda dor e decepção de Júlio César 
que, jazendo no chão do senado romano após ser apunhalado, viu dentre seus assassinos muitos de 
seus antigos aliados. Da mesma forma é possível entender por que Napoleão teria sido derrotado em 
Waterloo se nós considerarmos verdade a anedota de que ele teria sido acometido por um desarranjo 
intestinal e, por isso, se equivocado em suas estratégias. Você diria: “é compreensível, afinal deve ter 
sido muito duro para César saber que foi traído, e que Napoleão tenha perdido a guerra, já que dores 
intestinais tiram qualquer pessoa do eixo”. Sim, é compreensível, mas vá com calma: tais argumentos 
não permitem uma explicação correta, mas somente uma explicação. Uma estratégia muito usada é o 
emprego de analogias do presente para explicar o passado, embora o risco de anacronismo – avaliar o 
passado com valores do presente – seja alto.
Vamos supor que você queira estudar, ao modo do século XIX, o processo de colonização do Mediterrâneo 
pelos gregos. Você pode estabelecer diversas causas: concentração fundiária, períodos de estiagem, 
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guerra civil, ampliação do comércio e, dentro dessas causas, discorrer sobre a necessidade psicológica 
do descobrimento, da expansão, de eliminar o desconhecido. Pode também discorrer sobre o espírito 
aventureiro dos colonos de Siracusa. Repare que por mais fora de moda que estejam tais explicações na 
academia, nada impede de levarmos em consideração o espírito pioneiro dos colonos gregos. De qualquer 
maneira, devemos refletir profundamente sobre as causas determinantes de tal empreendimento: haveria 
colonização do Mediterrâneo se as terras na Hélade fossem suficientes para todos? Apenas o espírito 
aventureiro pode explicar a colonização? O que seria mais importante, nesse caso? O outro lado da moeda 
também é verdadeiro: dificilmente um bando de covardes se arriscaria em mar aberto, talvez preferindo 
viver sob a penúria da escravidão do que perder a própria vida. Repare que temos aqui um elemento 
interessante para pensarmos o “fascínio” da História entre muitas pessoas, assim como sua utilização para 
fins políticos e o enaltecimento dos heróis: a identificação possível com os homens do passado.
Dessa forma, podemos até considerar que as ciências do espírito são mais completas do que as 
ciências da natureza já que podem se ocupar de aspectos externos e internos, enquanto as ciências 
da natureza não podem avaliar senão fenômenos externos. Dificilmente um químico compreenderá as 
motivações de uma molécula de carbono, e um físico, as da aceleração de um veículo se considerar o 
motorista e seu universo psíquico. Na antiga Ciência do Espírito (a Geistwissenschaft), a ideia central era 
compreender e, a partir do exemplo descrito anteriormente, fica explícita a diferença entre compreensão 
e explicação. As ciências da natureza explicam e as ciências do espírito (podemos aqui fazer uma analogia 
com as Ciências Humanas de forma geral) compreendem, pois o pesquisador tem algo em comum com 
seu objeto. Esse argumento, muito difundido na Alemanha do século XIX, é a base da hermenêutica, um 
antigo método de compreensão de textos bíblicos que posteriormente foi utilizado como um método 
de interpretação histórica.
Deixemos de lado, portanto, a diferença entre nomotéticas e ideográficas e a questão da verdade e 
sua relação com o estabelecimento de leis e pensemos um pouco mais sob a perspectiva que está sendo 
apresentada agora. A explicação se refere a uma atitude empiricista, descrevendo a observação de fenômenos 
externos e a compreensão se relaciona com as ciências do homem, pois procura intenções nos fenômenos 
humanos. Essas intenções não são somente descritas, mas interpretadas pelo sujeito de conhecimento e, 
dessa forma, poderíamos dizer que com a hermenêutica, as Ciências Humanas resgataram uma dimensão 
filosófica que tinha se perdido quando as ciências naturais assumiram um aspecto de descrição e relaçõescausais entre fenômenos. O maior expoente da hermenêutica é Wilhelm Dilthey, que procurou reintegrar 
as Ciências Humanas sob á égide da hermenêutica, sendo o maior expoente dessa abordagem.
A hermenêutica de Wilheim Dilthey e a reflexão epistemológica nas Ciências 
Humanas contemporâneas
Este trabalho discute, fundamentalmente, a tentativa de Wilheim Dilthey, em fins do 
século XIX e início do século XX, dentro da chamada “hermenêutica romântica” alemã, de 
estabelecer diferenças entre a lógica do conhecimento nas ciências naturais e nas Ciências 
Humanas. Dilthey buscava os fundamentos filosóficos e epistemológicos de uma forma 
de conhecimento científico alternativo ao conhecimento “positivista” e “naturalista”. Suas 
ideias eram bem sintonizadas com as preocupações e discussões teóricas do final do século. 
Nas palavras de Dilthey:
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As ciências que têm a realidade sócio-histórica como seu objeto 
de estudo buscam, mais intensamente do que antes, as relações 
sistemáticas entre elas e com os seus fundamentos. Condições dentro 
de várias ciências positivas estão operando nessa direção, associadas 
às forças poderosas originadas a partir dos motins na sociedade, desde 
a Revolução Francesa. O conhecimento das forças que governam a 
sociedade, das causas que têm produzido estas revoluções e dos recursos 
da sociedade para promover o progresso saudável têm se tornado uma 
preocupação vital de nossa civilização. Consequentemente, relativas às 
ciências naturais, é crescente a importância das ciências que lidam com 
a sociedade (DILTHEY, 1989, p. 56).
Dilthey, que analisou a causalidade na História criticando a visão positivista e a empiricista, 
afirmava não ser possível no campo das “ciências do espírito” (Geissenswissenchaften) ou 
das Ciências Humanas, falar em “leis gerais”, questionava o próprio conceito de “causa”, 
pois, para ele, esse conceito implicava a ideia de necessidade e inexorabilidade, sendo mais 
correto pensar em termos de “motivos”, de “desejos” para explicar situações de mudança.
Desse modo, pode-se dizer que uma questão subjacente à abordagem antinaturalista 
de Dilthey é: como a compreensão dos significados pode ser elevada ao mesmo nível de 
clareza metodológica característico das ciências da natureza? Quais são os métodos que 
permitem uma leitura objetiva das estruturas simbólicas de qualquer tipo, incluindo ações, 
práticas sociais, normas e valores? Essa problemática refere-se, portanto, a uma busca de 
cientificidade para as ciências interpretativas, numa época em que as ciências da natureza 
avançavam rapidamente.
O conceito filosófico central era, sobretudo, o conceito de explicação (Erklärung) e 
evidenciava-se a distinção, nas Ciências Sociais e na História, entre explicar (Erklären) as 
ações e as crenças humanas e compreender (Verstehen) seus significados. A partir disso, 
duas abordagens se diferenciavam quanto ao estudo da ação humana. Uma abordagem 
“positivista”, que investia na compreensão de significados apenas como uma reconstrução 
imaginativa das intenções ou propósitos dos atores. O aspecto científico, mais próximo da 
verdade, no estudo da ação seria a possibilidade de construção de hipóteses explicativas que 
deveriam ser incorporadas às teorias gerais sobre o comportamento humano e verificadas 
ou testadas através de métodos seguros de observação empírica. Acreditava-se que o 
resultado seria a unificação das ciências, numa estrutura única para os diversos campos de 
pesquisa. Tal estrutura seria a identificação de sequências regulares de comportamento e a 
possibilidade de formulação de leis universais e de teorias para, através delas, predizer ou 
explicar a ocorrência dos eventos. De outro lado, na abordagem interpretativa, os teóricos 
da “Verstehen” e da “Hermenêutica” argumentavam que as Ciências Sociais e a História não 
poderiam ser adaptadas à lógica das Ciências Naturais porque a compreensão interpretativa 
tem um papel diferente nas ciências. E, assim, compreender uma dada ação ou credo é um 
trabalho científico que precede a explicação do porquê da ocorrência da ação. Seria um 
trabalho de leitura da situação, de análise do contexto ao qual a ação ou crença pertencem, 
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compreendendo-as sob a ótica de outras ações e crenças historicamente constituídas. A 
construção de hipóteses explicativas e seus testes empíricos se tornariam problemas de 
interpretação dependentes de uma pressuposição específica de como é o evento a ser 
explicado e, portanto, de como ter acesso ao significado (WARNKE, 1987, p. 7).
Os trabalhos de Dilthey foram produzidos entre 1870 e 1910, sendo Introduction 
to the Human Sciences (1883) o primeiro trabalho sistemático. Essa obra de Dilthey 
é um exame filosófico das Ciências Humanas, caracterizado em sua dedicatória como 
uma “crítica da razão histórica”. É considerado, por Makkreel e Rodi (1989, p. 3), o 
primeiro trabalho em que Dilthey descreve, em detalhes, a importância de distinguir 
as Ciências Humanas das ciências naturais. Para os referidos autores (1989, p. 4-5), 
Dilthey foi visto primeiramente como um historiador sensível da cultura, não apenas 
por suas críticas literárias, mas também por sua valorosa contribuição para a história 
da filosofia, sobretudo, pela descoberta das primeiras ideias de Hegel. Outros estudos 
relevantes elaborados por Dilthey são: Ideas Concerning a Descritive and Analytical 
Psychology e The Formation of the Historical World in the Human Sciences (1910), além 
de uma série de estudos intermediários.
As ideias sequentes estão estruturadas em três pontos principais: o primeiro ponto é 
o significado dos termos “Verstehen” e “hermenêutica” dentro da perspectiva da chamada 
“hermenêutica romântica” de Dilthey; o segundo ponto refere-se aos principais conceitos 
de sua teorização como “experiência interna e externa”, “causalidade”, identificando duas 
fases na sua compreensão da ação humana, [em que] ele passa de uma etapa marcada pela 
compreensão psicológica a outra, mais centrada na compreensão hermenêutica.
Fonte: Scocuglia, (2002).
 Saiba mais
Para mais informações sobre o assunto, consulte:
DILTHEY, W. Introduction to the Human Sciences. Tradução Michael 
Neville. New Jersey: Princeton University Press, 1989. 1 v. (Selected Works).
MAKKREEL, R. A.; RODI, F. Introduction. In: DILTHEY, W. Introduction 
to the Human Sciences. New Jersey: Princeton University Press, 1989. 1 v. 
(Selected Works).
WARNKE, G. Gadamer: hermeneutics, tradition and reason. California: 
Stanford University Press, 1987.
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Talvez você tenha se animado a colocar a mão na massa e começar a escrever vários livros de 
História. Afinal, se é só interpretar, então, é muito fácil, não é tão simples quanto parece e muitos 
pesquisadores de fato cometem o erro de classificarem suas análises como “hermenêuticas”, até mesmo 
quando lhes falta um método mais claro de análise. Não que você não tenha condições de fazer uma 
análise hermenêutica, mas é necessário observar algumas informações. Compreensão se liga a um bom 
uso da linguagem, sendo um esforço intelectual compreender onde o outro se encontra pelo mero 
fato de ser o intelecto a ferramenta principal: é uma compreensão lógica. Assim, não se trata tanto do 
conteúdo em si ou da particularidade de um evento, mas de uma estrutura lógica que é mantida através 
da própria expressão textual do evento a ser estudado. Enquanto na Sociologia de Emile Durkheim, os 
fatos sociais são “coisificados”(por distanciamento ou neutralidade), na compreensão hermenêutica, 
um dado fato social é produto de um entrelaçamento, ou ainda, uma significação entrelaçada, e o 
hermeneuta tenta justamente interpretar e compreender esses nós.
E o que chega até nós como documentos históricos? Muitas coisas, mas levemos em conta por um 
momento que o grosso dos documentos se constitua de textos. Ou ainda, que na época de Dilthey, 
o documento escrito se constituía no corpo heurístico por excelência. A decifração das palavras 
está na base da hermenêutica porque se relaciona com a condição humana. De qualquer modo, é 
importante levar em conta as especificidades do objeto para não cairmos em um autoritarismo do 
sujeito de conhecimento, com o perigo de esvaziarmos nosso objeto. É como ir a uma tribo indígena 
e interpretar sua organização, ritos e mitos a partir de nossas categorias, pura e simplesmente. Claro 
que deve haver certo relativismo, mas nossa interpretação não estaria de todo errada, sobretudo 
porque produzimos conhecimento sob certas circunstâncias para os nossos pares. O cuidado com a 
analogia é justamente o esforço intelectual que devemos empreender para chegar a um conhecimento 
adequado de nosso objeto.
Usando um exemplo pessoal, o autor deste livro-texto realizou um estudo acadêmico, a fim de obter 
o título de mestre, sobre arquivos na Antiga Mesopotâmia. Grande parte das dificuldades do trabalho 
foi justamente utilizar os conceitos que temos disponíveis para interpretar fenômenos como a reunião 
de tabletes em um só lugar, tramitação de tabletes cuneiformes etc. Tudo leva a crer que, no passado 
sumério, já havia uma burocracia bem estabelecida, com uma hierarquia de pessoal e arquivos bem 
cuidados e organizados. Fica fácil, portanto, imaginar como grandes cidades como Uruk, ou grandes 
impérios como o assírio, puderam existir e prosperar. Essa é uma primeira aproximação e não é incorreta 
de todo, mas seria algo muito primário e não estaríamos sendo honestos com nosso objeto, já que não 
existe mais e não haverá nenhum sumério que diga “espere um pouco porque não é bem assim”.
Assim, é necessário fazer um exame conceitual. Burocracia, arquivo, estrutura, todos esses conceitos 
funcionam razoavelmente bem para os tempos atuais, até porque foram criados e reformulados segundo 
a observação de fenômenos recentes.
Utilizando um exemplo que parte de uma interpretação clássica sobre o assunto: a burocracia se 
refere a uma organização do poder legal e racional como diria Max Weber. Tais conceitos não existiam 
na Mesopotâmia e o poder nem era sustentado por tais princípios. Ou seja, uma mera reunião de 
documentos e hierarquia de pessoas não pode ser imediatamente reconhecida como burocracia. Há, de 
fato, um debate que afirma ou não a possibilidade de se pensar a organização do poder na Antiguidade 
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como burocracia. Podemos pensar, por sua vez, que a atual burocracia é uma forma dentre tantas de 
organização do poder – um fenômeno específico, mas não absolutamente incompreensível. Podemos 
pensar, por exemplo, os critérios de relevância dos antigos para classificar suas informações. De fato, 
buscamos objetividades mínimas.
Dilthey (1989) reconhece em sua obra que, pelo método hermenêutico, podemos ampliar nossas 
percepções através do reconhecimento da diversidade de experiências humanas. Podemos ainda ampliar 
nossos conceitos e limitações pessoais a partir do estudo da história dos povos. No caso de livros, os 
romances históricos partem da possibilidade de compreensão para cativar os leitores, já que sabemos o 
que o autor sente através das personagens que ele escreve. Por isso podemos ler os clássicos – da Grécia 
até o século XX – e perceber o quanto eles são atuais, melhor dizendo, atemporais. Assim, é possível 
reconstruir a experiência humana através de um intelecto disciplinado e por experiência pessoal. Outro 
aspecto importante, no caso da análise histórica, é levar em conta a necessidade de se registrar o 
que está sendo abordado, bem como o trajeto desse documento até chegar a nossas mãos. O vestígio 
condiciona a ação do sujeito histórico em sua preocupação em materializar sua ação ou pensamento, o 
que poderíamos entender como uma operação hermenêutica.
O pensamento de Dilthey foi aprimorado ao longo do tempo – principalmente nas universidades de 
matriz anglo-saxã – e em tempos mais recentes, temos a obra do historiador R. G. Colingwood, que trata 
da questão da hermenêutica após a História ter passado por importantes transformações no início do 
século XX, sobretudo após ter passado pelo pensamento de Benedetto Croce que, grosso modo, criticou 
duramente Dilthey e sua abordagem interpretativa. Collingwood trata mais especificamente da questão 
da Historiografia, buscando resgatar a validade da interpretação no discurso histórico após uma série 
de críticas importantes. Uma delas, de Hempel (1984), acusa a hermenêutica de ser extremamente 
subjetiva, já que está no nível do sujeito humano e que não pode, portanto, haver cientificidade em tal 
nível. O que Collingwood sugere, por sua vez, é que tais críticas não estão considerando um aspecto 
central da hermenêutica: a busca por um sujeito coletivo, e não um sujeito individual (COLLINGWOOD, 
1978). A diferença reside justamente na possibilidade de investigarmos um sujeito que, a despeito das 
diferenças de espaço e tempo, permite ser compreendido levando em conta uma objetividade mínima 
referente à unidade da humanidade.
Collingwood utiliza o termo re-enactement para descrever e compreender o passado e não 
pode ser confundido como interpretação individual ou pessoal, ou mesmo empatia. Com esse 
termo, o historiador literalmente “reencena” um momento histórico, indo ao passado com as 
influências do presente e levando em conta que é impossível se desfazer de tais influências. Assim, 
o re-enactement é de fato uma operação racional, tanto porque é impossível desvincular-se 
do próprio momento histórico como é um esforço para realizar uma compreensão objetiva do 
passado, e não um mero envolvimento afetivo com o objeto (COLLINGWOOD, 1978). Voltando aos 
exemplos anteriormente dados, se o historiador chora convulsivamente cada vez que lê sobre o 
desfecho trágico de Júlio César, ele não está agindo como um historiador. Ele pode compreender 
distanciadamente as motivações de seu assassinato sem precisar lamentar profundamente a morte 
do ditador de Roma e o quanto ele era “bom”.
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 Lembrete
Ao se realizar uma pesquisa historiográfica, deve-se buscar o máximo 
de neutralidade. No entanto, a neutralidade total é impossível, e isso já era 
admitido pelos próprios cientistas no século XIX. 
Outro exemplo seria pensar sobre as ideias de Platão. Ao estudar as ideias platônicas, estaríamos 
guardando suas estruturas mentais, racionais, por uma ferramenta interpretativa. É Platão pensado 
pelos pesquisadores atuais com os problemas de hoje, mesmo que Platão em sua época tenha respondido 
questões levantadas em seu contexto. De alguma forma, os escritos de Platão já não pertencem mais 
a ele, aliás, ele “é” o seu texto e a realidade da obra está nos problemas que suscitam questões para 
determinado contexto. E essa recuperação do pensamento é o que se chama de re-enactement, nas 
ideias de Collingwood. É verdade que tal concepção encontra muitas barreiras atualmente em virtude 
do intenso relativismo, mas devemos ter em mente que agimos assim cotidianamente, pois é uma 
ferramenta básica de sociabilidade.
Compreender, nesse caso, está além das limitações estruturais da palavra que, como qualquer 
linguagem, está sujeita à uma imperfeiçãooriginal. A palavra é o pensamento, que se organiza em torno 
dessa linguagem e está sujeita a certas sutilezas de interpretação. Em todo o caso, as possibilidades da 
interpretação são muito restritas (ainda mais quando há clareza na linguagem), e com isso é possível 
recriar experiências: desde o aluno quando reelabora as informações recebidas pelo professor, assim 
como o historiador, que mantém em seu poder as informações advindas de um documento. Se algum dia 
você se interessar em estudar a cultura babilônica, não se preocupe: por mais que existam dificuldades 
de tradução e as visões de mundo sejam altamente distintas, ainda é possível “reencenar” o passado 
mesopotâmico.
Paul Veyne, por sua vez, é partidário da ideia de que a História não é uma ciência e nem precisa sê-lo, 
pois o estabelecimento de causas e de conceitos pelo historiador não parte tanto de uma teoria, mas 
da observação da realidade vivida. Assim Veyne, de maneira provocativa, afirma que não existe história 
enquanto uma área de conhecimento, pois “tudo é história”.
[...] a verdade não é simplesmente que todas as causas são verdadeiras, que a 
boa explicação é aquela que tem em conta todas? Justamente não, e aí é que 
está o sofisma do empirismo: crer que se pode reconstituir o concreto por meio 
de abstrações científicas adicionadas. O número de causas divisíveis é infinito, 
pela simples razão de que a compreensão causal sublunar, melhor dizendo, a 
História, é descrição, e que a quantidade de descrição possível de um mesmo 
acontecimento é indefinida. Em determinada trama, a causa será a ausência do 
aviso “estrada escorregadia” naquele lugar; em outra, o fato de que os carros de 
turismo não têm freios de paraquedas. Das duas coisas, uma: quando se deseja 
uma explicação causal completa, ou se fala de causas sublunares (não havia 
sinal, e o motorista ia depressa demais) ou de leis (as forças vivas, o coeficiente 
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de aderência dos pneus...). Na primeira hipótese, a explicação completa é um 
mito comparável ao do geometral de acontecimento que integraria todas as 
tramas. Na segunda, a explicação completa é um ideal, uma ideia reguladora 
aliada à de determinismo universal; não se pode colocá-la em prática, e se o 
pudéssemos, então a explicação deixaria rapidamente de ser maleável. (Um 
exemplo: não se pode nem mesmo calcular os movimentos da suspensão do 
automóvel na estrada ondulada; pode-se escrever integrais duplas ou triplas 
sobre esse assunto, mas ao preço de tais simplificações – a suspensão será 
imaginada não tendo molas e as rodas completamente achatadas – a teoria 
não seria utilizável.) O que coloca uma barreira entre a História e a ciência não 
é a adesão à individualidade, ou a relação de valores ou o fato de que João 
sem Terra não torne a passar por lá: é o fato de que a doxa, o vivido, o sublunar 
são uma coisa, de que a ciência é uma outra e de que a História está do lado 
da doxa (VEYNE, 1982, p. 136).
Saindo um pouco do campo da compreensão, falemos um pouco mais a respeito da explicação, o 
que ela significa e qual as implicações de explicar aquilo que é próprio do ser humano. Afinal, existe 
essa possibilidade? Não devemos esquecer que devemos, ao compreender, evitar a empatia para chegar 
a uma compreensão racional. Portanto, afirmar a primazia da explicação sobre a compreensão apelando 
para a irracionalidade da segunda é algo fora de questão.
A noção de explicação surge no mesmo cenário da compreensão, sendo ambas frutos de uma mesma 
tendência. O fato de a compreensão se ligar mais às humanidades naturalmente impulsionou a História 
para esse campo. A explicação ocorre no reino das ciências da natureza (também às vezes chamadas de 
ciências empíricas) e parte de uma pergunta fundamental: por quê?
Com tal questão, buscam-se sempre respostas definitivas. Assim, para estabelecer respostas definitivas, 
o cientista formula leis gerais que possam representar matematicamente um fenômeno que se repete. 
Um autor que lida justamente com esta questão é Carl Gustav Hempel (1984), tratando em especial da 
crise do paradigma newtoniano (em vários aspectos), sobretudo em relação ao estabelecimento de leis 
gerais de funcionamento da Física, bem como das relações mecânicas de causa e efeito.
A crise do paradigma newtoniano e a consequente reflexão do que seria o estatuto científico 
leva a um questionamento do conceito de ciência como uma linha contínua de desenvolvimentos. 
Mais do que progresso, vemos na ciência um conjunto de rupturas e quebras de paradigmas, sendo 
difícil imaginar que há uma grande linha de desenvolvimento desde a Antiguidade. De fato, há que 
se fazer uma analogia aqui ao célebre conceito de Revolução Científica de Thomas Kuhn, que versa 
sobre uma ruptura e um recomeço. Embora você (e eu também) tenha aprendido na escola que a 
ciência surgida no Renascimento tenha se voltado contra a Igreja e buscado referenciais clássicos e, por 
isso, é revolucionária, isso é incorreto na medida em que a Escolástica, com todas as suas limitações, 
partia de determinadas concepções aristotélicas, assim como das ideias de Platão – através da obra 
de Santo Agostinho – que também foram usadas para interpretar o mundo na Idade Média. O que 
aconteceu foi que determinados aspectos das obras desses filósofos foram deixados de lado e outros 
foram incorporados e aí está a natureza da ruptura: a ideia de Revolução, nesse caso, é ideológica. Na 
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prática, a matriz teórica sempre foi a mesma. Aliás, já se sabia, na Idade Média, que a Terra não era plana, 
mas a teoria da terra achatada era tão pitoresca que hoje temos a ideia de que todos pensavam assim 
naquele tempo. A concepção predominante era a da Terra esférica. Então as rupturas, que marcam a 
História da Ciência, são numerosas, mas precisamos encontrar a natureza dessas rupturas.
Figura 5 – Gravura do século XVII sugerindo uma continuidade entre Aristóteles, Pitágoras e Galileu
Hempel afirma que é importante se questionar sobre o que é explicar cientificamente. O que explica 
a ciência se explica? Uma questão feita por muitos filósofos da ciência que buscam reavaliar seu 
poder explicativo através dos métodos convencionais. De qualquer modo, é necessário lembrar que a 
explicação, normalmente usada no campo das ciências naturais, também foi utilizada nas humanidades 
justamente para dar-lhes um caráter “científico” na medida em que seria possível encontrar leis gerais 
da História, por exemplo. Assim, o que se busca, nesse caso, é uma unidade de método, ou seja, tanto a 
História como as ciências da natureza partem de um mesmo pressuposto: a existência de leis gerais que 
possam validar o discurso científico.
Por lei geral, entenderemos aqui uma afirmação de forma condicional e 
universal capaz de ser confirmada ou infirmada por meio de adequadas 
descobertas empíricas. O termo “lei” sugere a ideia de que a afirmação em 
causa é de fato bem confirmada pelas provas relevantes ao nosso alcance; 
como esta qualificação é, em muitos casos, irrelevante para o nosso objetivo, 
usaremos frequentemente o termo “hipótese universal” em vez de “lei 
geral” e, se necessário, apresentaremos em separado a condição para uma 
confirmação satisfatória. Considere-se, nesse contexto, que uma hipótese 
universal exprime uma regularidade do gênero seguinte: em todos os casos 
em que um evento do tipo C ocorra em determinado lugar e tempo, um outro 
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evento. E ocorrerá num lugar e num tempo de modo típico relacionadoscom 
o lugar e o tempo da ocorrência do primeiro evento (HEMPEL, 1984. p. 422).
Repare, portanto, que Hempel está de certa forma tornando a ideia de lei mais flexível, justamente 
para que possa dar conta dos fenômenos em geral estudados pelas Ciências Humanas. Repare também 
que ele busca incessantemente adequar a realidade a um método unificado partindo de uma premissa 
importante: os fenômenos nos aparecem como tais e são organizados como fenômenos da natureza ou 
sociais apenas por uma convenção teórico-metodológica. Assim, o autor busca igualar as condições de 
ocorrência de tais fenômenos:
Com efeito, o objeto de descrição e explicação em todo e qualquer ramo 
da ciência empírica é sempre a ocorrência, num dado espaço de tempo 
e de lugar, de um evento de certo tipo (como por exemplo, uma descida 
de temperatura de 14º F, um eclipse da lua, a divisão de uma célula, um 
terremoto, um aumento de emprego ou um assassínio político), ou num 
dado objeto empírico (como, por exemplo, o radiador de certo automóvel, 
o sistema planetário, uma determinada personalidade histórica etc.) num 
tempo determinado (HEMPEL, 1984, p. 423).
Ao propor a unidade de método, Hempel (1984) constrói seu argumento em torno da ideia de que, 
na prática, tais áreas de conhecimento são semelhantes na medida em que as próprias ciências da 
natureza também lidam com individualidades, algo que já vimos anteriormente. Para estabelecer seu 
método unificado, ele parte de algumas condições importantes:
[...] é possível explicar um evento individual no sentido de levar em conta 
todas as suas características por meio de hipóteses universais, embora a 
explicação daquilo que aconteceu num lugar e num tempo determinados 
possa ir se tornando cada vez mais específica e compreensiva. Nesse aspecto, 
não existe, porém, qualquer diferença entre a história e as ciências naturais; 
tanto uma como outra, só em termos de conceitos gerais, podem explicar os 
respectivos temas, e à história não é mais nem menos possível apreender a 
individualidade única dos seus objetos de estudo do que à física e à química 
(HEMPEL, 1984, p. 424).
Ao sermos, portanto, confrontados com a possibilidade de estabelecer um método unificado para as 
ciências da natureza e para as Ciências Sociais, levando em consideração que os fenômenos se apresentam 
de maneiras semelhantes e que seria absurdo persistir nessa separação (por mais problemática que seja 
essa discussão), devemos atentar para o problema das causas e consequências. Se essa unidade de 
método for possível, qual o impacto de um fator ou causa no desenrolar de um processo histórico? 
Quais são as causas determinantes ou secundárias? Como estabelecer essa hierarquia?
As causas são sintomas de uma explicação generalizante e probabilística, o que se relaciona com o peso 
dado a uma ou a outra causa. E aqui temos uma questão fundamental: você, como professor de História, 
deve saber que, ao elencar uma série de fatores em aula em torno de um dado tema, espera-se que um 
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deles ou um conjunto deles possa levar a uma consequência viável a partir da nossa experiência sobre o 
assunto. É de se esperar que fome e miséria causem revoluções, mas é muito difícil provar que o naufrágio 
do Titanic tenha causado o atentado às torres gêmeas em 2001, ou que o trânsito de Júpiter em Sagitário 
seja responsável pela promoção de seu cunhado. Poderíamos, portanto, pensar que há determinadas leis 
agindo ocultamente na História? Seria mais apropriado dizer que existem certas generalizações possíveis, 
pressupostas em nosso discurso e em nossa experiência, que é compartilhada e, portanto, comunicável. 
Mas, mesmo assim, não há concordância total: alguém pode pensar que revoluções são causadas por uma 
massa de vagabundos ignorantes e oportunistas que ousam desafiar a ordem estabelecida, que fome e 
miséria são simples desculpas para causar baderna. Como afirmou Edward Carr:
Como qualquer outra pessoa, o historiador acredita que as ações humanas 
têm causas que, em princípio, podem ser averiguadas. Sem esse pressuposto, 
a História, como a vida cotidiana, seria impossível. A função especial do 
historiador é a de investigar essas causas. Talvez isso lhe dê um especial 
interesse pelo aspecto determinado do comportamento humano: mas ele 
não rejeita o livre arbítrio – exceto na hipótese insustentável de que as 
ações voluntárias não têm causa. Nem ele se preocupa com a questão da 
inevitabilidade. Os historiadores, como as outras pessoas, às vezes, caem numa 
linguagem retórica e falam de uma ocorrência como “inevitável” quando 
querem apenas significar que a conjunção de fatores que levaram a esperá-la 
era irresistivelmente forte. Recentemente, andei procurando a palavra 
ofensiva na minha própria Historiografia e não posso dar a mim mesmo um 
atestado de que “nada consta”. Num determinado trecho, escrevi que, após a 
Revolução de 1917, um confronto entre os bolcheviques e a Igreja ortodoxa 
era “inevitável”. Sem dúvida, teria sido mais sensato dizer “extremamente 
provável”. Mas posso ser acusado de achar a correção um pouco pedante? 
Na prática, os historiadores não afirmam que os acontecimentos sejam 
inevitáveis antes que eles tenham ocorrido. Frequentemente discutem 
cursos alternativos que possam ser tomados pelos personagens da História, 
na suposição de que havia opção, embora prossigam explicando, com razão, 
por que se preferiu um caminho e não outro. Nada na História é inevitável, 
exceto no sentido formal de que, para ter acontecido de outra forma, as 
causas antecedentes deveriam ter sido diferentes. Como historiador, estou 
perfeitamente preparado para passar sem “inevitável”, “irrevogável”, e 
mesmo “inelutável”. A vida será mais monótona. Mas deixemos o assunto 
para os poetas e metafísicos (CARR, 2002, p. 108).
Mas é possível prever acontecimentos históricos a partir de tais generalidades? É possível estabelecer 
uma relação entre as guerras civis na Atenas arcaica e a ascensão da burguesia medieval? Estamos 
dando um passo muito grande ao falar em previsão e o próprio Hempel, um historiador positivista que 
propõe um método unificado, é muito cauteloso ao usar essa palavra. Segundo ele:
A previsão, na ciência empírica, em deduzir uma afirmação acerca 
de certo evento no futuro (por exemplo, a posição dos planetas em 
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relação ao Sol, numa data futura) de afirmações que descrevam certas 
condições (passadas e presentes) já conhecidas (por exemplo, as posições 
e os movimentos dos planetas num momento passado ou presente) a 
de leis gerais adequadas (por exemplo, as leis da matemática celeste). 
Assim, a estrutura lógica de uma previsão científica é a mesma que 
a de uma explicação científica [...]. De um modo especial, não menos 
do que a explicação, implica sempre a previsão nas ciências empíricas 
uma referência a hipóteses empíricas universais. A distinção usual entre 
explicação e previsão reside sobretudo numa diferença pragmática entre 
as duas. Enquanto, no caso de uma explicação, se sabe que o evento final 
aconteceu e é necessário procurar suas condições determinantes, no 
caso de uma previsão a situação inverte-se: aqui, são dadas as condições 
iniciais e há que determinar o seu “efeito” – que, no caso típico, não teve 
ainda lugar (HEMPEL, 1984, p. 425).
Portanto, a previsão de fenômenos não corresponde em absoluto a uma expectativa generalizante 
acerca de um determinado assunto. Ao falarmos sobre a transição da República Romana para o Império 
em sala de aula, estaremos, na realidade, fazendo uma análise posterior: já sabemos o que houve e 
estaremos tão somente comunicandoaos alunos as causas segundo uma interpretação historiográfica 
tradicional. É diferente de programar uma viagem a Plutão e encontrá-lo ali como foi previsto antes 
do lançamento da sonda New Horizons a partir do conhecimento da mecânica celeste. Obviamente 
há algumas pessoas que buscam fazer previsões políticas, geralmente especulações, baseadas em um 
passado próximo. Ou ainda, o que teria acontecido se Hitler tivesse ganhado a Segunda Guerra? Tanto as 
previsões como a fantasia partiriam de algumas concepções possíveis que, de certa forma, se associam 
com certa previsibilidade da História. Hitler poderia ter vencido a guerra e morrido engasgado com um 
osso de frango no banquete da vitória. Na prática tanto faz, pois o resultado não é verificável. E quanto 
aos analistas políticos?
Exemplo de aplicação
Muito se fala sobre descobertas científicas, em geral, sob o aspecto da descoberta de leis fundamentais 
da natureza, mas o conceito de descoberta precisa ser analisado.
A previsibilidade dos fenômenos é um aspecto fundamental da ciência tal como a concebemos. A 
ideia de que a natureza funciona por meio de “leis gerais” já foi estabelecida no século XVII. Mas é bom 
lembrar-se de uma discussão importante: as leis estão ali para serem descobertas ou as leis da natureza 
na realidade são uma interpretação do próprio cientista, que “inventa” uma lei?
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Figura 6 
 Observação
O conhecimento da mecânica celeste permite ao astrônomo fazer 
previsões relacionadas às posições planetárias em um dado momento. 
Já o historiador estabelece causas e consequências dentro de certa 
previsibilidade, o que não significa prever o futuro. 
Há, na História, algumas determinações. Não trabalharemos com a hipótese de que exista uma 
determinação divina, mas sim modelos teóricos que possuem como pressupostos tendências históricas 
sempre verificáveis, uma suposição de regularidades. A determinação, no caso, se dá a partir da presença 
de certos elementos que anunciam um dado resultado: fome, miséria e instabilidade social normalmente 
causam revoltas. Há, portanto, certo determinismo. Mas há ao menos dois tipos de determinismo: o 
forte e o fraco. No forte, há o conhecimento de absolutamente todas as circunstâncias e as causas que, 
quando colocadas em conjunto, podem levar a previsões de fenômenos. Um exemplo clássico nesse 
sentido é a história marxista, que parte da constatação de elementos idênticos ocorridos em toda a 
História, com desfechos iguais. Respondendo a uma questão colocada anteriormente, a relação entre 
eupátridas gregos e nobres medievais, do ponto de vista da história marxista, é direta já que ambos se 
constituem na classe dominante de suas épocas e foram ameaçados pelas classes economicamente 
ascendentes, os demiurgos gregos e a burguesia medieval. São expoentes da luta de classes.
O determinismo não é um problema de História, mas de todo comportamento 
humano. O ser humano – cujas ações não têm causa e são, portanto, 
indeterminadas – é uma abstração tão grande quanto o indivíduo fora da 
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sociedade de que tratamos numa conferência anterior. A afirmação do 
professor Popper de que “tudo é possível quando se trata do homem” tem 
importância ou então é falsa. Normalmente ninguém acredita ou pode 
acreditar em tal coisa. O axioma de que tudo tem uma causa é uma condição 
da nossa capacidade de entender o que se passa à nossa volta. A sensação de 
pesadelo dos romances de Kafka reside no fato de que nada do que acontece 
tem uma causa aparente ou uma causa que possa ser explicada: isso leva à 
total desintegração da personalidade humana, o que se baseia no pressuposto 
de que os acontecimentos têm causas, descobrindo-se que muitas dessas 
causas constroem na mente humana um padrão do passado e do presente, 
suficientemente coerente para guiar a ação. A vida cotidiana seria impossível, 
a menos que se presumisse que o comportamento humano foi determinado 
por causas que são em princípio verificáveis. Em certa época, algumas pessoas 
consideraram blasfêmia investigar as causas dos fenômenos naturais, desde 
que estes eram obviamente governados pela vontade divina. A objeção de 
Sir Isaiah Berlin à nossa explicação do porquê da ação humana, à base de 
que estas ações eram governadas pelo arbítrio do homem, pertence à mesma 
ordem de ideias e talvez indique que as ciências sociais estão hoje no mesmo 
estágio de desenvolvimento em que estavam as ciências naturais quando esse 
tipo de argumento foi dirigido contra elas (CARR, 2002, p. 102).
O determinismo fraco não apresenta uma certeza absoluta dos eventos que acontecerão, mas 
tão somente generalidades ou situações hipotéticas. Segundo Edward Carr, a expectativa de certas 
regularidades se refere à própria condição humana, e o problema do raciocínio estritamente causal em 
História ocorre quando se afirmam leis e regularidades rígidas (CARR, 2002). O modelo do determinismo 
fraco é o mais usado pelos analistas políticos e por historiadores que comunicam certas tendências 
a partir da experiência histórica. Não são videntes, mas tão somente pesquisadores que partem do 
princípio de que a previsão total é basicamente impossível.
Edward Carr (2002) discorre ainda sobre causas acidentais na História, chamando a atenção para o 
fato de que a recusa ao determinismo literalmente jogou a História anglo-saxã em um mar de situações 
absolutamente imprevisíveis, e que o curso histórico seria nada mais do que uma mera seleção de 
acidentes. Segundo ele:
Esta é a teoria de que a História é, de modo geral, um capítulo de acidentes, uma 
série de acontecimentos determinados por coincidência do acaso e atribuíveis 
somente às causas mais casuais. O resultado da Batalha de Actium não foi devido 
ao tipo de causas comumente postuladas pelos historiadores, mas à paixão de 
Marco Antônio por Cleópatra. Quando Bajazet foi impedido de invadir a Europa 
Central por um ataque de gota, Gibbon observou que “uma indisposição que 
afete a fibra de um homem pode evitar ou suspender a infelicidade das nações”. 
Quando o rei Alexandre da Grécia morreu no outono de 1920 devido a uma 
mordida de um macaco de estimação, esse acidente acarretou uma série de 
acontecimentos que levaram Sir Winston Churchill a comentar que “duzentas 
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e cinquenta mil pessoas morreram dessa mordida de macaco”. Tomemos outra 
vez o comentário de Trótski sobre a febre que contraiu enquanto caçava patos 
e que o pôs fora de ação num dos momentos críticos de sua luta com Zinoviev, 
Kamenev e Stálin no outono de 1923: “pode-se prever uma revolução ou uma 
guerra, mas é impossível prever as consequências de uma caçada de patos 
selvagens no outono”. A primeira coisa a ser esclarecida é que esta questão 
não tem relação alguma com o problema do determinismo. A paixão de Marco 
Antônio por Cleópatra ou o ataque de gota de Bajazet, ou o calafrio de febre 
de Trótski foram determinados tão casualmente quanto qualquer outra coisa. É 
desnecessariamente descortês com a beleza de Cleópatra sugerir que a paixão 
de Marco Antônio não tinha causa. A conexão entre a beleza feminina e a paixão 
masculina é das mais regulares sequências de causa e efeito observadas na vida 
cotidiana. Os chamados acidentes na História representam uma sequência de 
causa e efeito que interrompe – e, por assim dizer, com ela se choca a sequência 
que o historiador está primordialmente interessado em investigar. Bury, bem 
corretamente, fala de uma “colisão de duas correntescausais independentes”. Sir 
Isaiah Berlin, que abre seu ensaio sobre historical inevitability citando com louvor 
um artigo de Bernard Berenson sobre “A visão acidental da História” é um dos 
que confundem, neste sentido, acidente com uma ausência de determinação 
causal. Mas, afora esta confusão, temos um problema real em nossas mãos. 
Como se pode descobrir na história uma sequência coerente de causa e efeito 
e achar qualquer significado na História quando nossa sequência está sujeita a 
romper-se ou a ser desviada a qualquer momento por alguma outra sequência, 
que é irrelevante segundo o nosso ponto de vista? (CARR, 2002, p. 110).
A questão colocada pelo autor no trecho citado é muito importante. Em primeiro lugar, porque a 
identificação da causa acidental parte da identificação pelo historiador daquilo que escapa ao previsível 
dentro de uma expectativa lógica e que acaba por ser decisivo em um dado evento. Aqui retomemos a famosa 
afirmação de que Napoleão perdeu a batalha de Waterloo devido a uma indisposição estomacal ou, nossa 
versão para nosso aspirante a Napoleão, D. Pedro I proclamou a Independência devido ao mau humor que 
sentia por causa de um desarranjo intestinal. De fato, tais situações poderiam ter ocorrido, mas até que ponto 
foram determinantes? Se assim fosse, estaríamos negando uma série de processos históricos em curso. Esse é 
um questionamento, mas Carr (2002) vai além: como é possível encontrar qualquer racionalidade na História 
quando eventos cruciais podem ser desencadeados por situações imprevisíveis?
O historiador Carlo Ginzburg (1990) discorre de maneira fundamental sobre a questão das causas e como 
devem ser trabalhadas. Ginzburg afirma que a construção do conhecimento historiográfico se dá a partir 
de detalhes, que são desenvolvidos em conjunto até que se tornem uma grande questão, motivada por 
determinadas causas. Uma vez formulado o problema a partir do qual transcorrerá seu trabalho, o historiador 
realizará uma verdadeira investigação, como faria um detetive. O autor afirma que o homem, por muito 
tempo, foi um caçador e, para obter sucesso em sua caçada, ele recolhia pistas e as articulava logicamente:
“Decifrar” ou “ler” as pistas dos animais são metáforas. Sentimo-nos tentados 
a tomá-las ao pé da letra como a condensação verbal de um longo processo 
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histórico que levou, num espaço de tempo talvez longuíssimo, à invenção da 
escrita. A mesma conexão é formulada, sob a forma de mito etiológico, pela 
tradição chinesa que atribuía a invenção da escrita a um alto funcionário, 
que observara as pegadas de um pássaro imprimidas nas margens arenosas 
de um rio. Por outro lado, se se abandona o âmbito dos mitos e hipóteses pelo 
da história documentada, fica-se impressionado com as inegáveis analogias 
entre o paradigma venatório que delineamos e o paradigma implícito nos 
textos divinatórios mesopotâmicos, redigidos a partir do terceiro milênio 
a. C. em diante. Ambos pressupõem o minucioso reconhecimento de uma 
realidade talvez ínfima para descobrir pistas de eventos não diretamente 
experimentáveis pelo observador. De um lado, esterco, pegadas, pelos, plumas; 
de outro, entranhas de animais, gotas de óleo na água, astros, movimentos 
involuntários do corpo e assim por diante. É verdade que a segunda série, 
à diferença da primeira, é praticamente ilimitada, no sentido de que tudo, 
ou quase tudo, podia tornar-se objeto de adivinhação para os adivinhos 
mesopotâmicos. Mas a principal divergência aos nossos olhos é outra: o fato 
de que a adivinhação se voltava para o futuro, e a decifração para o passado 
(talvez um passado de segundos). Porém a atitude cognoscitiva era, nos 
dois casos, muito parecida; as operações intelectuais envolvidas – análises, 
comparações – formalmente idênticas (GINZBURG, 1990, p. 153).
Ginzburg (1990) discorre sobre o paradigma indiciário, ou seja, a construção do conhecimento 
histórico a partir de indícios recolhidos pelo historiador que investiga a relação entre eles. Tais indícios 
podem ser objetos de pesquisa ou ainda mesmo causas relacionadas a um dado evento. De fato, a 
investigação de um assassinato, se nos aprofundarmos na metáfora do detetive, utiliza os indícios para 
estabelecer as causas e condenar o suspeito que, por sua vez, é investigado até que as expectativas geradas 
em torno dos dados levantados sobre sua vida – uma pessoa violenta, que colecionava armas, que certa 
vez ameaçou a vítima de morte, o lugar onde estava no momento do crime – sejam coerentes com os 
indícios recolhidos pela investigação. Causas, portanto, são premissas e, por isso, podem ser encadeadas 
logicamente. E, da mesma forma, há as causas que são suficientes e outras que são necessárias. Não se 
trata aqui de estabelecer uma lei rígida, mas tão somente de encontrar eventos que deflagrem outros.
Figura 7 – O trabalho do historiador, segundo Ginzburg, assemelha-se ao de detetive, 
já que ambos chegam às suas conclusões a partir da mobilização de indícios
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HISTORIOGRAFIA GERAL
Vamos supor que um historiador dedique sua vida a pesquisar o ensino escolar no Brasil durante a 
época de Getúlio Vargas, um momento de grande reforma no ensino realizada de maneira a adequá-lo 
ao Estado Novo, surgido em 1937. O pesquisador notaria que, caso ele comparasse livros escolares 
anteriores, haveria uma mudança importante de conteúdo, sobretudo com relação à identidade nacional 
e o papel de Vargas como um “herói da nação”. A partir do seu conhecimento da natureza política do 
Estado surgido em 1937, o pesquisador estaria tentado a fazer uma relação direta entre centralização e 
autoritarismo com os conteúdos verificados durante o regime varguista. Portanto, a causa da mudança 
dos conteúdos foi o estabelecimento de um governo centralizador e ideologicamente enviesado, ou seja, 
seria parte de um projeto de poder mais amplo. Se essa é uma relação causal direta, nós a reconheceríamos 
como tal, levando em consideração a experiência de que regimes autoritários valem-se da educação em 
seus projetos de poder, bem como se utilizam de uma ideologia de autoenaltecimento. No entanto, 
nada impede uma crítica nesse sentido, justamente com o intuito de quebrar determinados paradigmas 
e expectativas. Eventualmente, outro pesquisador pode descobrir, por exemplo, que o projeto varguista 
para a educação não era mais doutrinário do que em épocas anteriores. Isso irá depender, em grande 
medida, das variáveis consideradas em uma determinada pesquisa.
1.4 Conceitos
O exemplo anterior resume, de certa forma, a discussão em torno das causalidades, dos determinismos 
históricos e também retoma a questão da singularidade como uma característica da História. Isso porque 
é possível identificar projetos educacionais vinculados a regimes autoritários em diversos momentos da 
História, à parte a possibilidade de que um ou outro líder tenham se inspirado em alguma experiência 
histórica. No entanto, a História justamente seria um aprofundamento do individual e um estudo possível 
da transformação. Como encontrar uma solução para essa questão? Primeiro, nos lembrando de que a 
cientificidade da História não é posta em xeque se a considerarmos como uma ciência ideográfica do 
individual. Segundo, se retomarmos Edward Carr, que defende um meio termo, devemos levar em conta 
o seguinte exemplo: Felipe II foi rei da Espanha e, ao nos referirmos a ele dessa maneira, já o retiramos da 
singularidade (CARR, 2002). Assim, um caminho para estabelecer um meio termo entre o individual e o 
geral seria estabelecer determinadas tipologias ou conceitos. Portanto, em vez de leis rígidas, o historiadoracaba por utiliza certas tipologias que servem como categorias para compreender certos fenômenos. Dito 
de outra forma, segundo Paul Veyne (1982) é necessário estudar o particular a partir de conceitos gerais. 
Obviamente as categorias podem ser criticadas e reavaliadas, mas a prática da categorização é um exercício 
historiográfico importante e que não deve ser evitada pelo medo do anacronismo.
O próprio uso da língua compromete o historiador, assim como o cientista, à 
generalização. A Guerra do Peloponeso e a Segunda Guerra Mundial foram 
muito diferentes, e ambas foram únicas. Mas o historiador chama-as de 
guerras e somente o pedante protestará. Quando Gibbon escreveu sobre 
a fundação do cristianismo por Constantino e a ascensão do Islamismo 
como revoluções, ele estava generalizando dois acontecimentos únicos. 
Os historiadores modernos fazem o mesmo quando escrevem sobre as 
revoluções inglesa, francesa, russa e chinesa. O historiador não está 
realmente interessado no singular, mas no que é geral dentro do singular. 
Nos anos 1920, as discussões entre os historiadores das causas da Guerra 
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de 1914 normalmente partiam da suposição de que ela era devida tanto ao 
desgoverno dos diplomatas, trabalhando em segredo e não controlados pela 
opinião pública, quanto à infeliz divisão do mundo em estados territoriais 
soberanos. Nos anos 1930, as discussões continuaram partindo da 
suposição de que ela se devia às rivalidades entre as potências imperialistas 
impulsionadas pelas pressões do capitalismo em declínio para a partilha do 
mundo entre elas. Todas estas discussões envolviam generalização sobre as 
causas da guerra ou, pelo menos, sobre a guerra nas condições próprias do 
século XX. O historiador constantemente usa a generalização para testar sua 
evidência. Se a evidência não é clara sobre se Ricardo matou os príncipes 
na Torre, o historiador se perguntará – talvez mais inconsciente do que 
conscientemente – se era um hábito dos dirigentes da época liquidar os 
rivais em potencial do trono; seu julgamento será certamente influenciado 
por essa generalização (CARR, 2002, p. 82).
Dessa forma, o particular pode ser notado pela semelhança com um conceito geral, embora uma 
de suas características – a da abrangência – seja diametralmente oposta ao que é considerado no texto 
historiográfico. De fato, conceitos trabalham com requisitos de inclusão ou exclusão (ou dito de maneira 
melhor: irrelevância ou relevância). Se estivermos investigando gatos, sem dúvida, nós pensaríamos em 
um mamífero felino com duas orelhas, pelo, quatro patas e rabo. Mas não podemos negar que existem 
gatos sem pelo. O que fazer? Não considerar o animal como gato? Podemos pensar que o historiador é 
aquele que estuda o gato sem pelo, e, justamente, problematiza o conceito geral em questão. Ele testa 
os conceitos e os desmente, obrigando a um aprimoramento das tipologias. Uma das formas de crítica 
mais usuais é justamente a acusação de anacronismo.
Paul Veyne (1982) afirma a necessidade de se empregar tipos, mais do que leis. Quando confrontado 
com um fenômeno, o historiador é obrigado a encaixá-lo com uma tipologia plasmada por uma análise. 
Os conceitos podem também ser criados e isso é fundamental para a compreensão.
A História é descrição do individual através dos universais, o que não causa 
nenhuma dificuldade que dizer que a Guerra do Peloponeso se passou na 
terra e no mar, não é lutar contra o inexprimível. Continua-se a constatar 
que os historiadores estão sempre embaraçados ou iludidos com conceitos 
ou tipos que utilizam; eles os censuram, ora por serem soluções que, válidas 
para um período, não funcionam para outro, ora por não terem limites 
nítidos e acarretar com eles associações de ideias que, mergulhadas em um 
novo meio, os tornam anacrônicos. Como exemplos dessa última dificuldade, 
citamos “capitalismo” e “burguesia”, que soam falsos quando se aplicam 
essas noções à Antiguidade (uma personalidade helenística ou romana não 
tem o ar de um burguês capitalista, mesmo se fosse de um florentino do 
tempo dos Médicis). Como exemplo do primeiro inconveniente, quase todas 
as palavras da história das religiões – folclore, piedade, festa, superstição, 
deus, sacrifício e o próprio termo religião – mudam de valor de uma religião 
para outra (religio, para Lucrécio, significa “o medo dos deuses” e traduz o 
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grego deisidaimonia, que nós mesmos traduzimos por “superstição” na falta 
de um termo melhor, e essas diferenças na divisão semântica correspondem 
a diferenças na concepção das coisas). Em geral, essas dificuldades de 
origem conceitual exasperam os profissionais, bons trabalhadores que não 
gostam de reclamar de seus instrumentos ruins; sua função não é analisar a 
ideia de revolução, mas dizer quem fez a de 1789, quando, como e por que; 
burilar conceitos é, segundo eles, um capricho de principiante. Acontece que 
os instrumentos conceituais são o ponto dos progressos da Historiografia 
(possuir conceitos é conceber coisas); conceitos inadequados provocam um 
mal-estar no historiador e constituem algo de dramático no seu métier: 
todo profissional, um dia ou outro, acaba conhecendo essa impressão de 
que uma palavra não se ajusta, soa falso, é confusa, de que os fatos não 
têm o estilo que se esperaria deles de acordo com o conceito segundo o 
qual foram organizados; esse mal-estar é um sinal de alarme anunciando 
a ameaça de um anacronismo, ou algo semelhante, mas algumas vezes 
passam-se anos antes que uma solução seja encontrada sob as aparências 
de um novo conceito (VEYNE, 1982, p. 103).
Assim, a discussão sobre o que é individual passa pela questão do que é abstrato ou coletivo, 
ou o unicamente detectado. Não há como ficar meramente no nível intelectual, assumindo uma 
postura que leva a um inconsciente coletivo. Pela conversa “informal”, a produção científica também 
apresenta problemas subjetivos e a possibilidade de erros leva a incorrer em uma sucessão de erros. 
Há o discurso do especialista, em que a segmentação do conhecimento produz um efeito de “verdade” 
quando aplicado à realidade.
2 HISTÓRIA E OUTRAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Após uma apreciação geral sobre a História no mundo das ciências, vamos agora considerar a 
História em conjunto com outras Ciências Sociais, mais especificamente a Sociologia, a Geografia e a 
Antropologia. A partir daqui, façamos uma apreciação sobre as condições de surgimento daquilo que se 
convencionou chamar de “Ciências Sociais” e seu correlato “Ciências Humanas”, não sem implicações 
importantes. A oposição entre “humanas” e “exatas”, como vimos, deve ser descartada se levarmos 
em conta a simples colocação de que as Exatas lidam com o geral e Humanas, com o particular. No 
entanto, como fazer para considerar a Sociologia como “Humanas” se ela mesma admite a busca 
por generalidades? Essas questões já foram discutidas e vamos agora ver como a História lutou para 
conseguir seu lugar frente às outras Ciências Sociais/Humanas, uma luta que de certa forma continua 
até hoje e cujos desdobramentos vitais veremos mais adiante.
Desde o final do século XVIII, surgiu a divisão entre ciências naturais e ciências morais no 
contexto do Iluminismo. O método científico encontrava-se consolidado e logo se espraiou para 
as ciências morais. A grande novidade é que a moral deixa de ser normativa e passa a ser 
analisada científica e distanciadamente, o que significa que as humanidades se libertam da 
tutela moral em nome do raciocínio lógico empírico, que passa a analisar (ou ao menos tenta) 
imparcialmente o conjunto de normas e regras morais. Tal abordagem,por sua vez, encontra 
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eco no trabalho do filósofo Baruch Espinoza, que aplicou à exegese bíblica os métodos de 
interpretação do texto bíblico: assim como o mundo natural, a leitura da Bíblia não deveria 
partir de verdades estabelecidas anteriormente, mas a partir de uma leitura neutra e cuidadosa 
do texto. Um aspecto interessante da proposta de Espinoza é que ele chamava a atenção para 
suspender qualquer julgamento moral acerca das passagens bíblicas levando em consideração 
a distância histórica entre o leitor (situado no século XVII) e os episódios narrados, ocorridos 
milênios antes (TODOROV, 1992, p. 8).
 Observaçâo
Ao dizermos “Ciências Sociais” não fazemos referência somente à 
Sociologia, embora nosso foco seja justamente a relação entre História e 
Sociologia. Podemos considerar a História como uma Ciência Social, assim 
como a Geografia, a Antropologia e, de certa forma, a Economia. 
Figura 8 
 Lembrete
Espinoza aplicou à leitura da Bíblia os métodos então utilizados para 
compreender a natureza, livrando a exegese do texto sagrado de qualquer 
ideia preconcebida. 
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Espinoza: biografia e pensamentos
Baruch Spinoza, ou Espinosa ou Espinoza, (1632-1677) nasceu em Amsterdã, Holanda. 
John Locke nasceu no mesmo ano. Espinoza era de uma família tradicional judia, de origem 
portuguesa. Sua família emigrou porque os judeus estavam sendo perseguidos. Seu pai 
era um comerciante bem-sucedido e abastado. Espinoza gostava de estudar e ficava na 
sinagoga. Era um dos melhores alunos. Aprendeu a Bíblia Sagrada e o Talmud. Então foi para 
uma escola particular, onde conheceu o latim. Pôde então ter um estudo mais abrangente. 
Leu sobre a identificação de Deus com o universo, sobre a associação da matéria com o 
corpo de Deus. Interessou-se muito pela filosofia moderna, como Bacon, Hobbes e Descartes. 
Então foi acusado de heresia, por se mostrar irredutível em suas opiniões.
Espinoza fez uma análise histórica da Bíblia, colocando-a como fruto de seu tempo. 
Critica os dogmas rígidos e rituais sem sentido nem poder, bem como o luxo e a ostentação 
da Igreja. Por suas opiniões, um homem tentou matá-lo com um punhal. Escapou graças 
à sua agilidade. Ofereceram uma pensão para ele manter fidelidade à sinagoga, Espinoza 
recusou. Foi então excomungado, em 1656. Amaldiçoaram-no em ritual. Depois disso, viajou 
pela Holanda. Os judeus não falavam com Espinoza, mas os cristãos, sim. Apesar disso, não 
se converteu ao cristianismo. Seus familiares quiseram deserdá-lo. Lutou pela herança do 
pai e ganhou a causa. Mas recusou-se a recebê-la, só queria fazer valer seus direitos.
Espinoza era meio frágil, pois seus pais eram tuberculosos. Viveu uma vida modesta, 
frugal e sem grandes luxos. Sustentava-se com algumas doações e com o dinheiro de polidor 
e cortador de lentes ópticas. Mantinha uma relação com amigos e admiradores, e discutia 
suas ideias. Correspondeu-se bastante. Era de altura mediana, pele escura, cabelos escuros 
e encaracolados e feições agradáveis. Segundo Colerus, se vestia descuidadosamente. 
Suas principais obras são: Tratado Político, inacabado; Tratado da Correção do Intelecto; 
Princípios da Filosofia Cartesiana; Pensamentos Metafísicos, que veio de curso particular 
que deu sobre Descartes, e sua obra-prima: Ética Demonstrada pelo Método Geométrico. 
Algumas obras suas foram incluídas no índex de livros proibidos. Foi preso sob acusação 
religiosa e morreu na prisão, aos quarenta e quatro anos.
A vida de Espinoza foi marcada pela sua concepção de Deus. No Tratado Teológico-Político, 
defende uma interpretação da Bíblia diferente da visão dogmática de judeus e cristãos. Diz 
que a Bíblia está no sentido figurado. Espinoza atacou a falsa noção que se tem de Deus e da 
espiritualidade. Mais tarde, identificou isso como um erro da mente no Tratado da Correção 
do Intelecto. Ainda no Tratado Teológico-Político, diz que as massas tendem a associar 
Deus com fenômenos extraordinários, que não ocorrem comumente na natureza. O ponto 
principal do pensamento de Espinoza é a comunhão entre Deus e a natureza. Espinoza critica 
a religião porque ela está alimentada pelo medo e pela superstição. Devemos fazer uma 
interpretação racional da Bíblia. A diferença entre filosofia e religião é que a primeira busca 
a verdade, e a segunda precisa da obediência para ser realizada. Espinoza saiu da sociedade. 
Desde que foi excomungado, viveu à parte. Isso implica buscar vivências incomuns às 
galerias. Espinoza buscou a espiritualidade racionalista, é profunda sua cultura e é clara sua 
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visão de assuntos que estão fora da subjetividade, e envolvem um conhecimento complexo, 
conhecimento que nos dias de hoje é marcado pela banalização cultural e pela ideologia 
deturpada pelas derrotas sucessivas. Desse modo, Espinoza, numa época ainda pura nos 
conceitos, fala de Deus, da alma e da mente. A religião e o Estado devem estar subjugados 
a eles. Espinoza não acreditava na divindade de Cristo, mas o colocava como o primeiro 
entre os homens. Espinoza, na mesma época que Locke, defendeu o liberalismo político. 
Para ele, direitos naturais são as regras do ser. Somos forçados a obedecer às leis naturais, 
que são divinas e eternas. A ajuda mútua é necessária e útil. Sem ela, os homens não 
podem viver confortavelmente nem cultivar seus espíritos. O objetivo do Estado não deve 
ser tirânico (como em Hobbes), mas libertário. O direito natural em Espinoza é compatível 
com a democracia: é nas grandes massas que a natureza humana melhor se manifesta
Nos seus Pensamentos Metafísicos, Espinoza trata dos entes e afecções de um 
ponto de vista metafísico. Ente é tudo o que existe. As quimeras e os entes que 
a razão produz através da representação não são entes. As representações estão 
divididas em categorias como gênero, espécie etc. Essa classificação do real ajuda a 
memória a reter as representações. Descartes influenciou Espinoza, que desenvolveu 
alguns assuntos do filósofo francês. Espinoza comenta as noções cartesianas 
de Deus e suas substâncias: o pensamento e a extensão, que existem separados. 
Espinoza era monista. Pensamento é uma extensão da substância primordial, Deus. A 
diferença é que Descartes explora o lado gnosiológico, da fundamentação e origem 
do conhecimento. Espinoza vai para o lado ético, em busca da verdade e do sentido 
da vida. O racionalismo de Descartes parte em direção à metafísica, o de Espinoza, 
que defendia Deus como única substância, parte para a imanência. Espinoza vai ao 
microscópico, Descartes vai ao macroscópico.
Espinoza diz que percebemos o tempo e o espaço (como mais tarde definiu Kant), 
usando a medida para essas duas extensões. A medida é usada para explicarmos as coisas. 
Ele explica que a realidade é uma coisa muito mais vasta do que as categorias humanas 
de entendimento podem conhecer. Isso porque existe a essência. O povo que percebemos 
confunde o real com a razão, e o filósofo, numa postura investigativa, não pode se deixar 
enganar. O ente da razão não existe fora da mente.
Deus é o único ser em que a essência coincide com a existência. Isso não acontece 
com os outros seres. É a causa última de tudo, e as coisas estão em Deus. Essa é uma 
noção panteísta. E Deus é perfeito. Conhece a si e a tudo objetivamente. As coisas só têm 
essências na medida em são atributos de Deus. Espinoza desenvolverá isso na Ética. A parte 
divina do ser é a essência. A essência, a potência, a existência e a ideiasó se diferenciam 
nas coisas criadas. A existência e a essência, nas criaturas humanas diferem uma da outra 
por causa da razão. Espinoza chama de afecções àquilo que Descartes chama de atributos. 
Os entes são afecções de Deus. Dependem dele. Espinoza queria que víssemos as coisas 
sob o ponto de vista da eternidade. Devemos considerar o mundo objetivo em si, fora das 
noções subjetivas. Eternidade é o atributo sob o qual concebemos a existência de Deus, 
como diz nos Pensamentos Metafísicos. Eternidade é a junção de essência e existência. O 
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tempo pertence à razão, é um molde de pensar a pluralidade também, pois tudo é Deus, e 
Ele é Uno.
Fonte: Duclós (2008).
Assim, se constitui uma verdadeira ciência dos costumes que acaba por ser denominada “Ciência 
Social” entre os franceses. Esta, por sua vez, acaba por seguir o rumo das ciências naturais no princípio 
de século XIX, buscando para as paixões humanas ou para os acontecimentos morais e sociais uma 
causa bem estabelecida. A questão das causas aqui começa a ser cotejada com maior precisão, levando 
em consideração que os filósofos iluministas consideravam o método científico um só e ainda não havia 
surgido toda a discussão sobre ciências nomotéticas e ideográficas a que nos referimos anteriormente. 
Todorov resume esse momento evocando alguns princípios fundamentais desse novo pensamento que 
se delineava:
No século XVIII, Helvécio julga necessário reiterar o apelo de Espinosa, e não 
compreender por que se recusa a inclusão da moral – a ciência dos costumes 
– nas outras ciências ou fazer uma moral como uma física experimental. 
Alguns decênios mais tarde, Condorcet volta à carga: por que escaparia 
o homem ao conhecimento científico tal como este é praticado em todos 
os outros domínios, interroga-se; em qualquer um dos casos os resultados 
podem aspirar ao mesmo grau de certeza. Em meados do século XIX, a fórmula 
continua a ser enunciada no imperativo: trata-se de fazer entrar a história 
na família das ciências naturais, escreve Gobineau no seu Essai sur l’Inegalité 
dês Races Humaines. Enquanto isso, o seu contemporâneo Hippolyte Taine 
formula esta comparação célebre: não importa que os fatos sejam físicos ou 
morais: todos têm causas. Há as para a ambição, a coragem, a veracidade, 
como para a digestão, o movimento muscular, o calor animal. O vício e a 
virtude são produtos como o vitríolo e o açúcar (TODOROV, 1992, p. 9).
A partir daqui, há uma clara distinção entre os costumes (ou a ideologia) que exercem influência 
nas direções tomadas pela pesquisa e a maneira como eles passam a ser estudados, dissecados, como 
objetos da pesquisa científica. Dessa forma, as Ciências Sociais acabam adquirindo sua indelével 
vocação: a de produzir, na medida do possível, um conhecimento neutro, imparcial. E isso é uma 
marca fundamental que distingue o historiador do mero cronista ou do jornalista sensacionalista. 
Marc Bloch, importante historiador francês, afirmava que o pior inimigo da História não era um 
déspota tirano, mas a mania de julgar:
As Ciências Humanas e Sociais, como vemos, têm necessariamente uma 
relação com a moral e a política (com as considerações sobre o bem 
do indivíduo, assim como com o bem da coletividade), à qual escapam 
as ciências da Natureza, e não há qualquer razão para imaginar que as 
coisas devam mudar em relação a isso. O entrelaçamento constitutivo das 
disciplinas humanitárias com as categorias morais e políticas não significa, 
contudo, que as duas se confundam. Quando Montesquieu baseia a sua 
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tipologia dos regimes políticos na oposição entre despotismo e moderação, 
os termos não são alheios a uma atribuição de valor, mas isso não levanta 
qualquer objecção de princípio: uma vez que o objeto diz muito diretamente 
respeito aos interesses humanos, quando vai denegrindo, de acordo com 
o que lhe convém, os regimes orientais para que estes ilustrem melhor o 
seu tipo ideal de despotismo, temos a impressão de que infringe as regras 
da ciência e sentimos necessidade de a corrigir: eis uma má intervenção 
da ideologia. Também não devemos imaginar que a função dessas ciências 
é ajudar-nos a transformar os homens no que estes devem ser em vez 
de nos dar a conhecer como são. A esse título, deixariam de merecer o 
nome de ciências e transformar-se-iam em puras técnicas de manipulação 
(TODOROV, 1992, p. 19).
Assim, o século XIX – considerado o século da consolidação e aprofundamento das ciências – assistiu 
à consolidação não apenas dos métodos científicos, agora em contraposição ferrenha à religião, mas à 
vinculação de todo e qualquer objeto de conhecimento que, para ser considerado verdadeiro, deveria 
se submeter ao método científico. Só assim seria possível falar em uma verdadeira Ciência Social, ou 
seja, submeter o universo humano ao método que já se consagrara nas ciências da natureza. Aqui você 
pode perceber que falamos de um período imediatamente anterior às discussões sobre a unificação do 
método, já os iluministas percebiam o problema que existia na tentativa de submeter o comportamento 
humano a leis ou generalizações:
O fato de o objeto de conhecimento ser um ser humano tem ainda outro 
efeito. Tal como tinham notado os grandes humanistas do século XVIII, 
Montesquieu ou Rousseau, os seres humanos não obedecem às suas leis com a 
mesma regularidade que todos os outros seres; podem até decidir infringi-las 
precisamente porque tomaram consciência delas, como fazia o “homem do 
subterrâneo” face aos psicólogos e aos ideólogos positivistas de seu tempo. 
Por outras palavras, o ser humano, apesar de submetido a numerosos 
determinismos – históricos, geográficos, sociais, psíquicos – caracteriza-se 
também por uma grande liberdade inalienável. Isso não quer dizer que o 
seu comportamento seja o caos puro ou que escape a qualquer explicação 
racional, mas que uma teoria que por princípio afasta qualquer consideração 
sobre essa liberdade está condenada ao fracasso (TODOROV, 1992, p. 18).
A questão aqui levantada é muito importante, não havia dúvidas de que apenas o método científico 
pudesse fornecer bases seguras para um conhecimento verdadeiro, mas é verdade também que esse 
método pressupõe o estabelecimento de causas que geram consequências em uma relação determinista, 
bem como a decomposição analítica dos eventos trabalhados. Há certo engessamento nessa maneira 
consagrada de produzir conhecimento, mesmo que levemos em conta a necessidade de relativizar a 
utilização de leis nas humanidades e passemos a contar com generalizações, assim como construir 
um conhecimento cuja linguagem interpretativa da realidade passe pelo enrijecimento daquilo que é 
inerente ao ser humano: sua liberdade de ação?
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As Ciências Sociais ou as Ciências Humanas constituem-se em um tipo especial de conhecimento 
e, por sua vez, diferem entre si. A Sociologia é um caso emblemático, seguido pela Antropologia e, de 
certa forma, pela Geografia e parte da Economia, situando-se em um polo. Do outro lado, está a própria 
História, que segundo Paul Veyne (aquele autor que já apareceu em nosso texto e que recusa o estatuto 
científico da História), é uma narrativa e não ciência.
Por mais que essa discussão seja aparentemente interminável, o que não podemos deixar de reconhecer 
é o seguinte: no início do século XX, a escola dos Annales (que veremos com detalhes mais adiante), recusou 
a História dita científica, ou positivista, por afirmar que se tratavade uma mera coleção de documentos 
transcritos e que não tinha a capacidade de oferecer explicações para os eventos, já que se restringia a 
narrar os grandes feitos dos heróis. E quando os Annales propõem uma reformulação do conhecimento 
histórico, se aproximam muito mais das outras Ciências Sociais – sobretudo Sociologia e Geografia – para 
realizar tal transformação. Em outras palavras: na França, para a História continuar sendo História, ela teve 
de deixar de ser... História! Ao menos na concepção tradicional vigente na época. Foi o fim das grandes 
narrativas e o início da História estrutural, com gráficos, números e grandes tendências cíclicas.
A aproximação com a Sociologia e com a Geografia foi fundamental e foi aí que o positivismo deixou 
de ser a matriz filosófica da História, embora seu espírito cientificista tenha sido, de certa maneira, mantido. 
Detenhamo-nos um pouco agora nas condições de surgimento da Sociologia para entender sua especificidade 
em relação à História. O século XIX foi um período de intensas transformações, sobretudo em virtude da 
Revolução Industrial. Não esqueçamos que já estava em voga a compreensão de que os fenômenos sociais 
podiam ser analisados cientificamente, e a Sociologia surgiu justamente com tal proposta. Émile Durkheim 
é considerado o pioneiro do pensamento sociológico. Ele foi grandemente influenciado pelo pensamento 
biológico e positivista, submetendo o estudo da sociedade ao método das ciências naturais, buscando 
encontrar regularidades verificadas nos fenômenos sociais. Para ele, o objeto a ser analisado era o fato social, 
algo passível de ser analisado objetivamente. Leia o excelente texto a seguir, escrito pelos sociólogos André 
Serretti e Maria Angélica Serretti, que sintetiza as principais ideias de Durkheim.
Conceito de fato social na obra de Émile Durkheim e suas implicações nas teorias 
sociológicas contemporâneas
Durkheim (2007), desde a introdução de sua obra em análise, se preocupa com a questão 
metodológica da Sociologia, aplicada ao estudo sério dos fatos sociais. Ele se implica na criação 
de um método de observação de tais fatos, adequado às suas particularidades e nuances. 
Observa que autores como Stuart Mill, Augusto Comte e Herbert Spencer não se preocuparam 
em estabelecer uma metodologia, para o estudo dos fatos sociais, rigorosamente científica, o 
que comprometeu os resultados a que chegaram, tendo eles se limitado, por muitas vezes, a 
fazer meras observações generalizadas acerca da natureza da sociedade.
Um método de pesquisa é o procedimento pelo qual se observa cientificamente um 
objeto. Portanto, no primeiro capítulo do livro comentado, Durkheim (2007, p. 1) se volta 
a definir o objeto próprio de estudo da Sociologia: os fatos sociais. O autor observa que 
não é qualquer fato que ocorre no interior da sociedade que recebe a qualificação de 
fato social, como comer, pensar e dormir, visto que, caso isso ocorresse, a Sociologia 
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não possuiria objeto próprio, e estaria invadindo campos de observação da Biologia e 
da Psicologia. Nesse ponto, é interessante destacar a influência exercida pela obra de 
Durkheim no pensamento sociológico contemporâneo, especialmente nos autores 
estruturais funcionalistas, tais quais Merton (1967) e Parsons (1951), e o discípulo deste, 
Niklas Luhmann (1998), que desenvolveram a Teoria dos Sistemas Sociais. Este autor, antes 
de estudar o funcionamento dos sistemas sociais, delimita o objeto de suas investigações 
no funcionamento dos sistemas sociais, diferenciando-os, dos sistemas psicológicos e 
dos sistemas biológicos, com a preocupação muito parecida à de Durkheim, relativa à 
delimitação do objeto de estudo da Sociologia.
O que Durkheim (2007, p. 2) observa como nota característica dos fatos sociais é 
justamente a circunstância de tais fatos existirem fora da consciência individual de cada 
um dos membros da sociedade. Eles já existiam quando nascemos e muito dificilmente 
poderemos mudá-los pelo nosso próprio esforço, e independem de nossa vontade, exercendo 
sobre nós força coercitiva. Podemos observar que quando alguém não observa uma regra, 
institucionalizada ou não pelo sistema do Direito, mas que possua vigência no meio em que 
vive, a referida pessoa experimenta, ou deveria experimentar, uma sanção correspondente, 
oriunda de outra pessoa ou de uma instituição, e tal é a força coercitiva dos fatos sociais, 
que não necessariamente excluem a personalidade individual. Assim se expressa Durkheim:
Eis, portanto, uma ordem de fatos que apresentam características 
muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, 
exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em 
virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por conseguinte, eles não 
poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, já que consistem 
em representações e em ações; nem com fenômenos psíquicos, os 
quais só têm existência na consciência individual e através dela. Esses 
fatos constituem portanto uma espécie nova, e é a eles que deve ser 
dada a qualificação de sociais (DURKHEIM, 2007, p. 2).
A prova da propriedade de tal definição pode ser observada na educação infantil, 
destaca Durkheim (2007, p. 6). Ele observa que a educação de uma criança é sempre voltada 
à introjeção de valores e costumes de determinada sociedade, consistentes nos modos de 
o indivíduo se portar, aos quais as crianças não chegariam espontaneamente. Ao passo que 
as crianças crescem e vão se educando, a coerção relativa a tais fatos sociais vai sendo cada 
vez menos sentida, porque as referidas práticas passam a se tornar hábitos corriqueiros.
Não podemos confundir os fatos sociais, coercitivos, apreendidos pela educação, que 
representam regras de comportamento próprias de diferentes lugares e momentos da 
sociedade, com pensamentos e sentimentos coletivos, ainda que se encontrem em todas 
as consciências individuais, que são elementos próprios dos sistemas psíquicos, e não 
são sociais, visto que podem perfeitamente existir mesmo no interior do indivíduo, sem 
jamais serem exteriorizados. O que diferencia os fatos sociais das citadas manifestações é 
justamente a repercussão individual destas.
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Durkheim (2007. p. 9) observa que certo fenômeno só pode ser coletivo se for comum 
a todos os membros da sociedade ou, pelo menos, à maior parte deles, em outros termos, 
um fenômeno somente pode ser social se for geral. “Ele está em cada parte porque está 
no todo, o que é diferente de estar no todo por estar nas partes.” (DURKHEIM, 2007, p. 
9). Mais uma vez, vemos na transmissão das crenças e práticas anteriores ao nascimento 
do indivíduo, operadas pela educação infantil, o exemplo mais patente de transmissão de 
fenômenos sociais.
Isso é, sobretudo, evidente nas crenças e práticas que nos são 
transmitidas inteiramente prontas pelas gerações anteriores; 
recebemo-las e adotamo-las porque, sendo ao mesmo tempo uma 
obra coletiva e uma obra secular, elas estão investidas de uma 
particular autoridade que a educação nos ensinou a reconhecer e a 
respeitar. Ora, cumpre assinalar que a imensa maioria dos fenômenos 
sociais nos chega dessa forma. Mas, ainda que se deva, em parte, 
à nossa colaboração direta, o fato social é da mesma natureza. Um 
sentimento coletivo que irrompe numa assembleia não exprime 
simplesmente o que havia de comum entre todos os sentimentos 
individuais. Ele é algo completamente distinto, conforme mostramos 
(DURKHEIM, 2007, p. 9).
Assim, podemos delimitar bem o objeto de estudo da Sociologia. Os fatos sociais, que são 
maneiras de fazer algo, como se portarou pensar, se localizam no exterior das consciências 
individuais, ainda que nelas opere alguma repercussão, sendo sempre movidos por energias 
sociais de origem coletiva, nunca individual. Se todos os indivíduos de determinada sociedade 
com ele concordam, o fazem no sentido desta força externa que move seus sentimentos 
na direção dos referidos fatos. Tal capacidade de coerção sobre os indivíduos, aliada à sua 
difusão do grupo, é a característica marcante dos fatos sociais, que se torna visível quando 
observamos a imposição de sanção ou de resistência a qualquer tentativa individual de a 
eles se opor. Assim observa Durkheim:
Podemos assim representar-nos, de maneira precisa, o domínio 
da Sociologia. Ela compreende apenas um grupo determinado de 
fenômenos. Um fato social se reconhece pelo poder de coerção 
externa que exerce ou é capaz de exercer sobre os indivíduos; e a 
presença desse poder se reconhece, por sua vez, seja pela existência 
de alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe 
a toda tentativa individual de fazer-lhe violência. Contudo, pode-se 
defini-lo também pela difusão que apresenta no interior do grupo, 
contanto que, conforme as observações precedentes, tenha-se o 
cuidado de acrescentar como segunda e essencial característica que 
ele existe independentemente das formas individuais que assume ao 
difundir-se” (DURKHEIM, 2007, p. 9).
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Observamos que os fatos sociais são distintos de simples condutas repetidas pelos 
membros de determinada sociedade. Um modo de fazer ou ser, representado por um 
fato social possui maior caráter de perenidade que algumas condutas mais efêmeras que 
determinadas sociedades praticam. Durkheim (2007, p. 12) indica que, por exemplo, uma 
regra jurídica é um arranjo não menos permanente que um modelo arquitetônico. Porém, 
uma regra moral possui bases bem mais rígidas que costumes profissionais ou modismos. 
Destarte, vemos que a cerimônia de um funeral, por exemplo, é um costume bem mais 
arraigado do que o costume relativo a utilizar chapéus em dias de sol, ainda que seja a moda 
atual, a ponto de ser considerado um fato social, em nossa sociedade.
Durkheim (2007, p. 13), por fim, define o que seriam fatos sociais, nos seguintes termos:
É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer 
sobre o indivíduo uma coerção exterior, (...) que é geral na extensão de 
uma sociedade dada, e, ao mesmo tempo, possui existência própria, 
independente de suas manifestações individuais.
Assim, podemos pensar em inúmeros exemplos de fatos sociais, desde os modos à mesa até 
rituais religiosos. Porém, da análise do texto de Durkheim (2007, 1999), podemos vislumbrar 
uma classe muito marcante de fatos sociais: as regras jurídicas. No estudo sociológico de 
tais regras, identificamos que um sistema normativo de determinada sociedade se apresenta 
como um conjunto de maneiras de fazer, fatos sociais, em que a coerção dos indivíduos 
que delas destoam é tão patente que há a previsão expressa de sanção a quem não as 
observa, no caso, por exemplo, da prática de crimes, e há um aparato estatal montado com 
esse desiderato, justamente for fazerem referência a estados fortes da consciência coletiva 
(DURKHEIM, 1999, p. 51). Podemos ver, no caso do crime, esta marca indelével:
De fato, a única característica comum a todos os crimes é que 
eles consistem – salvo algumas exceções aparentes, que serão 
examinadas a seguir – em atos universalmente reprovados pelos 
membros da cada sociedade. Muitos se perguntam hoje se essa 
reprovação é racional e se não seria mais sensato considerar o crime 
apenas uma doença ou um erro. Não temos, porém, de entrar nessas 
discussões; procuramos determinar o que é ou foi, não o que deve 
ser. Ora, a realidade do fato que acabamos de estabelecer não é 
contestável; isso significa que o crime melindra sentimentos que 
se encontram em todas as consciências sadias de um mesmo tipo 
social (DURKHEIM, 1999. p. 43).
Por fim, cabe ressaltar que a definição de fatos sociais nos termos expostos, tratando-os 
como coisas, externas aos indivíduos, porém, de existência imaterial, nos permite, além 
de delimitar o objeto de estudo da Sociologia, realizar análises e estudos sociológicos 
avançados, tais como os estudos realizados pelos citados estudiosos do estrutural 
funcionalismo e da teoria dos sistemas sociais, ambas teorias que não partem do marco 
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teórico relativo ao conceito de ação social (ou socialmente relevante) de Max Weber, e 
que tratam a sociedade como um sistema, uma superestrutura, que possui pressupostos 
de funcionamento próprios e intrasistêmicos, e até autopoiéticos (LUHMANN, 1997), o 
que possibilita um estudo mais aprofundado, objetivizado e científico, devido ao fato de 
priorizar menos uma maior interseção dos fatos sociais com o funcionamento mental do 
indivíduo, tal qual a apontada teoria weberiana, e ter mais em vista a ocorrência coletiva 
dos fenômenos estudados pela Sociologia.
Adaptado de: Serretti e Serretti (2011).
 Saiba mais
Para mais informações, consulte:
DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins 
Fontes, 2007.
___. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
LUHMANN, N., Organización y decisión: autopoiesis, acción y 
entendimiento comunicativo. Barcelona: Anthropos. 1997.
___. Sistemas sociales: lineamientos para una teoría general. Barcelona: 
Anthropos, 1998.
MERTON, R. K. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970.
PARSONS, T. The social system. Glencoe: Free Press, 1951.
SERRETTI T. M. A., SERRETTI, A. P. O mal-estar e as origens do Direito: 
bases de uma teoria sociológica a partir de Freud e Luhmann. Anais do I 
Congresso Nacional de Psicanálise, Direito e Literatura, p. 386-409, 2009.
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Figura 9 – A Sociologia surgiu como uma ciência que buscava compreender a sociedade a partir do método científico, buscando 
regularidades inteligíveis nos fenômenos sociais
Para os primeiros sociólogos, portanto, a concepção de uma Ciência Social passava necessariamente 
pelo estabelecimento de certas regularidades encontradas nos fenômenos sociais, cujas causas deveriam 
ser identificadas além do indivíduo. Assim, a Sociologia tomou um imenso cuidado para não se confundir 
com a Psicologia e com a Biologia. Dito de forma um pouco mais simples: interessa ao sociólogo não as 
motivações psicológicas de um suicídio, mas o aumento do número de suicídios em perspectiva estatística. 
O que teria provocado esse aumento? Sem dúvida, causas sociais, ou seja, que pressupõem a sociedade 
como um sistema, um conjunto com partes interligadas e que transcende a consciência individual. O 
indivíduo estaria, portanto, impelido a agir segundo forças que são externas a ele. Assim configura-se a 
noção de estrutura social na qual a liberdade de ação do indivíduo é, de certa forma, limitada.
A objetividade da História, por sua vez, não se relaciona ao estabelecimento de fatos sociais, e seu 
método por excelência é o da crítica documental, o que estudaremos mais adiante. A preocupação da 
primeira Historiografia científica era a de, justamente, se opor às narrativas históricas fantasiosas e 
contar o que realmente se passou através de uma postura de total passividade perante o documento 
que se apresentava. Nesse caso, os rumos dos acontecimentos históricos dependiam em grande 
medida das ações dos grandes personagens, capazes de realizar feitos consideráveise colocar a 
História em marcha.
Outra distinção seria justamente a partir da questão das regularidades. Vimos que regularidades, 
generalidades, leis etc. são postulados intrínsecos ao conhecimento científico e que, de certa forma, 
mesmo a História ocupando-se de eventos particulares, e para isso, usando certas generalizações, o que 
muda é o tipo de generalização empregada, bem como as singularidades pressupostas. A Sociologia 
busca não apenas padrões regulares e estatísticos, que podemos até considerar como permanências. 
Um sociólogo pode muito bem analisar algum aspecto da sociedade romana, até porque não é o mero 
estudo do passado que define a História. No caso da História, por sua vez, seja enquanto área de estudo 
seja enquanto processo:
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[...] só há História daquilo que muda. Ora, nem o mecanismo do relâmpago, 
por exemplo, nem o fato de o homem se alimentar, ter duas pernas e ser 
sexuado, mudaram desde as origens; por consequência, cabe apenas fazer 
uma descrição histórica do processo do relâmpago e da divisão em sexos 
da espécie humana (esta divisão proporcionaria um relato histórico se a 
humanidade cessasse um dia de ser sexuada). Vemos então por que motivo, 
quantitativamente, a História dos homens preenche mais volumes que a dos 
fatos naturais: o homem muda muito mais que a natureza, inanimada ou 
mesmo viva; ele tem, como sabemos, diferentes culturas; os seus costumes, 
as suas instituições variam muito no tempo e no espaço. Assim, não resta 
grande coisa de não histórico a dizer sobre o homem (VEYNE, 1989, p. 10).
Segundo Veyne (1989), portanto, a História, por ser mudança, ocupa-se justamente da transformação. 
Se há ou não um padrão de transformações, ou seja, se as transformações tendem a ocorrer de uma 
forma específica dadas certas circunstâncias, isso não está em questão. O que o autor afirma é que a 
História, antes de tudo, ocupa-se das transformações. Mas a História Natural também não se ocuparia 
de mudanças? Os dinossauros não desapareceram? Já não saímos da era glacial? O que importa, nesse 
caso, é distinguir o tipo de transformação em questão:
[...] o conhecimento histórico não é conhecimento da singularidade dos 
acontecimentos, mas da sua especificidade, do que eles oferecem de 
inteligível. O intelecto, como tal, não se interessará por um determinado 
relâmpago (que caiu, por exemplo, sobre uma árvore que nos era querida): 
interessa-se, sim, pelo mecanismo do relâmpago. De igual modo, um 
historiador sério, ou seja, desinteressado, por oposição a um contador de 
anedotas, a um propagandista ou a um historiador nacionalista, não se 
interessa pela História da França por ser a da França e por ele ser francês: 
interessa-se pela História por amor à História; se contar a história de Luís 
XIV, esta será para ele a história de um representante da espécie real, a 
história do detentor, único por definição, do papel monárquico na cena 
histórica; não se interessa por Luís XIV do mesmo modo que Montaigne se 
sentia ligado a La Boétie [...] A história é impessoal e a singularidade (esta 
personagem, aquela árvore) só aí figura nessa precisa qualidade: por aquilo 
que oferece de específico (VEYNE, 1989, p. 11).
Assim, o conhecimento histórico é uma forma de conhecimento no qual o aparentemente singular 
não é estudado pelo fato de ser singular, mas como um representante geral, um agente mais amplo 
de transformação. Nesse caso, a objetividade é, em grande medida, preservada a partir da observação 
do que há de coletivo no homem, de coletivo no indivíduo, e como esse indivíduo manifesta em 
si transformações mais amplas. Você deve estar se perguntando “mas então quer dizer que somos 
determinados todo o tempo por essas tais forças externas ao indivíduo? Pelo coletivo que há em nós?” 
Se você estiver pensando nisso, tem razão em se preocupar, é uma dúvida muito pertinente. De outra 
forma: o homem é um agente de transformação?
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Se os primeiros sociólogos – assim como alguns atuais – preferem dar maior atenção às estruturas 
sociais, os historiadores, com exceção dos historiadores estruturalistas e marxistas (que também veremos 
adiante, não fique preocupado com essas denominações, caso não as conheça), sempre se ocuparam 
com mais detalhes do agente histórico. No entanto, não podemos mais aceitar formulações do tipo: 
“D. Pedro I proclamou a independência do Brasil”, sem levar em conta todo o processo histórico que se 
desenrolou desde a chegada da Família Real em 1808. Que ele teve um papel importante, isso é inegável; 
mas não foi o único e exclusivamente responsável pelo evento. E o que seria de Napoleão sem os seus 
soldados? É muito comum, no linguajar cotidiano, dizermos: “Napoleão conquistou aqui e ali” ou ainda 
“Napoleão venceu a batalha de Austerlitz”. Quem efetivamente venceu? Ele ocupou uma posição de 
liderança, mas obviamente dependia dos soldados.
Quem estaria mais apto, enfim, a discorrer sobre a sociedade? O historiador ou o sociólogo? A questão 
pode ainda ser reformulada a partir de outros termos: sob quais condições a História firmou-se – ou 
buscou firmar-se – como ciência? De que maneira ela manteve sua especificidade e de que forma ela se 
aproximou da Sociologia, que parece apresentar um estatuto científico mais bem acabado? Essa busca 
por um conhecimento seguro associado necessariamente a um status científico orientou as constantes 
reformulações conceituais pelas quais a História passou ao longo do tempo, passando pela recusa da 
cientificidade a partir da década de 1970 (Veyne, por exemplo, não vê problema em recusar tal estatuto 
sem comprometer a credibilidade do conhecimento produzido pelo historiador, desde que seja aplicado 
um método apropriado). Segundo Mandrou:
A partir de Heródoto e Tucídides [...], as sociedades ocidentais preocuparam-se 
com seu destino em termos de História; a mais antiga das Ciências Humanas, 
a História, ao longo de um itinerário aparentemente sem fim, revestiu os 
aspectos mais díspares: do apólogo à narrativa épica, do canto comemorativo 
à crônica, da dissertação aplicada à sátira parcial. Tantas formas de História 
refletem pelo menos uma inspiração comum que constitui a justificação 
profunda destes diversos desígnios: “defino de bom grado a História” 
escrevia Lucién Febvre, em 1947, a propósito de uma obra de violenta 
polémica, “como uma necessidade da humanidade, a necessidade de cada 
grupo humano, em cada momento de sua evolução, procurar e valorizar no 
passado os fatos, os eventos, as tendências que preparam o tempo presente, 
que permitem compreendê-lo e ajudam a vivê-lo” (MANDROU, 1989, p. 15).
E complementa:
[...] a História científica não deixou de procurar a definição que lança no inferno 
das para-histórias toda uma literatura prolixa, croniqueira e escandalosa (que 
tem, no entanto, o seu lugar na memorização coletiva). É obviamente neste 
plano científico que se deve tentar dar conta das mutações epistemológicas 
essenciais, das renovações verificadas e que abarcam ao mesmo tempo, 
indistintamente, objeto e métodos. Neste sentido, a História, à semelhança de 
qualquer outra ciência do homem, não escapou às reformulações suscitadas 
na primeira metade do século XX pelo pensamento de Marx e na segunda 
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pelo de Freud. Nesse movimento secular da Historiografia, os debates então 
abertos não estão ainda de modo algum encerrados: a historiografia alemã 
ocupou-se durante muito tempo com discussões teóricas que, de um modogeral, repugnam aos historiadores franceses; as diferentes escolas que se 
reclamam do marxismo nunca deixam de recordar, nos seus estudos, os 
postulados fundamentais das suas investigações, correndo embora o risco 
de os esquecer pelo caminho; em numerosos países, a tradição universitária 
liberal favoreceu o desenvolvimento de escolas cujo chefe de fila exerceu 
uma influência notável sobre várias gerações: é o caso de Benedetto Croce 
na Itália (MANDROU, 1989, p. 15-6.).
A superação do paradigma positivista em História levou-a a se aproximar das outras Ciências Sociais como 
a Geografia e a Sociologia. Assim, a crítica do documento deixa de ser o método histórico por excelência, 
e a História passa a contemplar outros objetos por influência das áreas afins, assim como assumir alguns 
métodos de análise da própria Sociologia. Por outro lado, a própria Sociologia, depois da Segunda Guerra, 
sofreu algumas modificações, especializando-se em áreas cada vez mais detalhadas e acabando por assumir 
temáticas, sobretudo na década de 1950, ligadas a grandes continuidades temporais. Desde o início do 
século XX, a Historiografia renovada já havia abandonado em grande medida a narrativa da História política 
positivista e já partia em busca de permanências através dos ciclos conjunturais, pioneiramente demonstrados 
por François Simiand em sua história dos preços do trigo antes da Revolução Francesa.
Um bom exemplo dessa tendência é a Sociologia Histórica, cujo objetivo é o de analisar as durações 
mais do que as superações estruturais, de encontrar padrões que possam refletir estruturas intrínsecas a 
qualquer sociedade. Desde Toynbee e Braudel, passando por Wallerstein e Andre Gunder Frank, os grandes 
esquemas explicativos dão a tônica metodológica, de orientação pós-marxista. Suas origens estão na 
explicação de um grande sistema capitalista, de longa duração, mas a metodologia, com o passar dos 
anos, tornou-se flexível a ponto de abarcar outros objetos, inclusive o surgimento e consolidação do 
Estado enquanto aspecto integrante de um determinado sistema.
Nesse sentido, a ascensão e a queda de determinados sistemas constitui em grande medida uma 
preocupação metodológica que se relaciona com a definição do próprio objeto. Essas dinâmicas resultam 
em identificar os processos históricos subjacentes à transformação de estruturas, o que, em última 
medida, equivale a uma busca pelos reais agentes de transformação. Portanto, um sistema mundial é 
composto eminentemente pela temática das hegemonias e lideranças, relações de centro e periferia 
e pela Economia mundial que engloba todos os outros fatores. Ainda há de se resolver outro fator: o 
da repetição do processo histórico, oposto ao conceito revolucionário. Nesse sentido, a decadência e a 
queda sintetizam a mudança social, ao mesmo tempo em que a repetição é uma característica histórica.
Um importante autor desta tendência é Imannuel Wallerstein, autor da Teoria do sistema-mundo. 
Segundo Wallerstein (2007), o sistema-mundo tem como elementos constitutivos uma inerente luta 
de classes, um sistema composto de metrópoles e satélites e apresenta uma considerável amplitude 
geográfica. Sua estrutura interna tem como características básicas a autonomia, mesmo quando 
se relaciona com outros sistemas-mundo, a divisão social do trabalho bem estabelecida em termos 
econômico-geográficos e a pluralidade de sociedades e culturas.
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Em seu modelo, há dois tipos de sistemas-mundo: o império mundial e a economia mundial, a qual não 
necessita necessariamente de unificação política ou econômica, embora não exclua tais possibilidades. 
Compõe-se basicamente de um núcleo e uma periferia, uma semiperiferia de mediatização entre núcleo 
e periferia e uma área externa, que se constituem, na maior parte dos casos, apenas como fornecedores 
de bens de luxo.
No entanto, a superação de conceitos oriundos da teoria do subdesenvolvimento colocou sérios 
problemas interpretativos. Antes de tudo, o sistema-mundo constituiu-se em uma problemática como 
unidade básica de análise no que tange às relações entre centro e periferia, que perpassa os estudos 
sobre os contatos culturais entre indígenas e europeus no desenvolvimento das “economias-mundo” em 
uma perspectiva próxima à da civilização e barbárie. Ademais, há a sempre presente problemática de sua 
aplicação a realidades pré-capitalistas, sobretudo com a possibilidade de encarar tal período como um 
importante momento de acúmulo primitivo, principalmente com Andre Gunder Frank. Ekholm e Friedman 
teorizam sobre o acúmulo de capital desde os primeiros estados mesopotâmicos, o que teria levado a um 
processo de diferenciação social e expansão; Pailes e Whitecotton, o mesmo para os Astecas; Chase Dunn, 
Thomas Hall, por sua vez, partem das bases nas quais o sistema-mundo está fundamentado e das lógicas 
de transformação do sistema, vinculadas com a mobilização do capital primitivo acumulado.
As vozes dissonantes criticam a longa duração de sistemas na medida em que há o alargamento 
do escopo histórico. Assim, a problemática se mostra relacionada à dimensão histórica do sistema e 
à adequação de conceitos que se encaixem com a complexificação do desenrolar histórico. A Teoria 
dos sistemas-mundo implica que as mudanças históricas operem mundialmente. Portanto, nesse 
caso, procuram-se padrões de mudança para uma teoria globalizante, introduzindo o conceito de 
alargamento: o enorme tamanho histórico dos sistemas-mundo impede sua apreensão pela Sociologia. 
Essa visão é marcada pela continuidade, como por exemplo, da acumulação de capital nos dias de hoje 
cujas origens podem ser traçadas na antiga Mesopotâmia. Wallerstein vai além de Marx, encontrando 
as origens do capitalismo no século XV. Outros autores vão alargando essa visão, o que o autor chama 
de “esticamento da História”.
A partir dessa problemática – até que ponto é possível definir o tamanho do escopo histórico – 
coloca-se imediatamente o problema documental, ou seja, que documentos serão utilizados e em que 
quantidade? Quanto maior o sistema-mundo, maior o número de documentos a serem usados? Haverá 
condições reais para tal empresa? Nesse caso, valeria a pena nos determos um pouco mais sobre outro 
ponto de contato entre Sociologia e História: a metodologia de trabalho documental.
Os historiadores que desenvolvem trabalhos dentro da tendência anteriormente mencionada 
devem partir de algumas técnicas já consagradas entre os sociólogos: o estabelecimento de amostras 
representativas dentro de uma grande abundância de documentos e a utilização de elementos da 
Linguística para a análise documental. No primeiro caso, há um grande desafio a ser superado:
A determinação de uma amostra representativa de toda a sociedade, 
de uma classe ou grupo, ou de uma unidade social geográfica, cidade, 
conjunto rural, levanta problemas mais difíceis. A dificuldade consiste 
aqui em determinar as escolhas em função de elementos considerados 
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típicos ou particularmente característicos. A validade do método é cada 
vez menos contestada, talvez por razões exteriores ao ofício, como a 
experiência frequentemente repetida desde há alguns anos da extrapolação 
dos resultados nas eleições presidenciais e nos referendos a partir de uma 
amostra muito restrita exatamente representativa de um corpo eleitoral de 
28 milhões de pessoas. Certamente, a construção da amostra representativa 
de um grupo, como a nobreza da região de Champagne ou os magistrados 
de Ruão no século XVIII, não é tarefa fácil; pressupõe operação em dois 
tempos: o estabelecimento e o ensaio de uma pré-amostra.Também aqui, o 
historiador, submerso por demasiados inventários por morte, contratos de 
casamento, doações e legados, por exemplo, não dispõe de melhor recurso 
do que utilizar este método, de difícil manejo, mas de rendimento seguro 
(MANDROU, 1989, p. 24).
Você deve ter imaginado, quando leu a respeito dos sistemas-mundo alargados, que seria uma tarefa 
muito difícil para o historiador coletar uma amostra representativa de documentos que lidam com 
muitos séculos de duração. Há sistemas-mundo em que vários historiadores buscam continuidades entre 
a época atual e o Egito Antigo! Imagine o trabalho! Obviamente não é necessário coletar absolutamente 
todos os documentos referentes ao período trabalhado, mas é preciso prestar atenção aos critérios 
usados para estabelecer uma amostra: até que ponto os dados coletados representam de fato uma 
tendência geral observada durante o período trabalhado?
Outra possibilidade de aproximação metodológica entre historiadores e sociólogos é a utilização da 
Linguística como uma ferramenta de análise documental. O historiador pode valer-se de documentos 
como atas, testemunhos, notícias de jornal etc. Nesse ponto, ele deve ter consciência de que tais vestígios 
foram produzidos por pessoas com interesses específicos, e a Linguística pode ajudá-lo a realizar uma 
análise documental o mais imparcial possível.
A análise temática correntemente praticada pelos especialistas das 
ciências sociais habituados a confrontar opiniões díspares, a medir 
frequências, taxas de repetição etc. permite ao historiador ultrapassar o 
estádio da crítica textual positivista, sem, no entanto, a abandonar. Nesse 
domínio, a Linguística moderna tem o seu lugar e propõe ao historiador 
uma semiologia ainda mais requintada, explorando vocabulário e sintaxe 
(MANDROU, 1989, p. 25).
O que o autor sugere é que a crítica documental positivista, cuja finalidade se restringia apenas 
a conferir se o documento era autêntico ou não, é insuficiente para o historiador, que parte de 
um problema em vez de apagar-se diante do documento. Sua postura crítica deixa de ser apenas 
em relação à proveniência documental e passa a levar em consideração a ideologia dos produtores 
do documento estudado. Assim a Linguística pode oferecer métodos seguros de análise discursiva, 
ajudando a revelar elementos relacionados a uma visão específica de mundo e/ou ao exercício do 
poder. No entanto, os historiadores até hoje parecem pouco afeitos ao exercício de análise documental 
baseado na Linguística.
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 Saiba mais
Uma boa introdução ao tema da análise documental historiográfica 
e como ela tem sido reformulada a partir do desenvolvimento de novas 
mídias e tecnologias de comunicação pode ser encontrada na obra:
BELLOTTO, H. L. Arquivos permanentes: tratamento documental. São 
Paulo: FGV, 2008.
Figura 10 
Figura 11 
O trabalho de levantamento de uma grande massa documental sempre foi muito problemático em 
virtude do grande volume presente em suporte papel nos arquivos. Com o desenvolvimento de mídias 
diferentes nos últimos anos, esse trabalho tem sido facilitado, embora as pesquisas atuais sejam mais 
restritas a pequenos recortes temporais.
Enfim, as relações entre História e Sociologia, segundo o que vimos até agora, são pendulares. Em seus 
primórdios, as duas ciências sociais, embora categorizadas dentro de um mesmo rótulo generalizante, 
partiam de pressupostos fundamentalmente contraditórios e, aos poucos – principalmente nos meios 
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universitários franceses – a História foi abandonando seu caráter positivista e adquirindo cada vez 
mais, por influência da História marxista, um caráter interdisciplinar, sobretudo relacionando-se com a 
Sociologia, adotando algumas perspectivas e métodos. No entanto, essa aproximação ainda é, de certa 
forma, problemática.
Se é verdade que a História Social, história dos homens que vivem em 
sociedade, é doravante a única que vale a pena cultivar, tanto e mais ainda 
que a história dos indivíduos, como gostam de sublinhar tanto Pierre Vilar 
como P. Goubert, pode estranhar-se que os contatos metodológicos entre 
História e Sociologia não sejam mais importantes. Será esse fato, resultado da 
predileção que as atuais gerações de sociólogos manifestam pelo inquérito 
direto por questionários, que os historiadores não podem praticar, salvo rara 
exceção, dado o material que dispõem? Talvez seja simplesmente o efeito do 
grande número das teorias sociológicas: existem hoje em dia tantas quanto 
os sociólogos, que são muito mais dependentes do clima social e intelectual, 
ou até mesmo de certa práxis social, do que os historiadores (MANDROU, 
1989, p. 25).
Portanto, tais relações conferiram a ambas as áreas diversas contribuições: os sociólogos adotaram 
com mais habilidade a perspectiva histórica em suas pesquisas, enquanto os historiadores, ao mudarem 
de foco, adotaram problemas e métodos sociológicos que enriqueceram sobremaneira a Historiografia. 
A teoria dos sistemas-mundo, embora revisitada diversas vezes, é um exemplo de que a fronteira entre 
as duas áreas de conhecimento foi se diluindo ao longo do tempo.
 Saiba mais
As relações entre História e Sociologia são muito complexas e caso você 
se interesse em aprofundar-se no assunto, uma boa introdução ao tema 
seria o texto:
CAETANO, C. G. História como ciência humana. In: MARCELLINO, N. C. 
(Org.). Introdução às Ciências Sociais. 7. ed. Campinas: Papirus, 1998.
3 HISTÓRIA E MEMÓRIA
Até o momento, vimos como a História se insere no quadro mais amplo do conhecimento humano: 
seu estatuto científico frente às demais ciências e sua posição em relação à Sociologia, que nasceu 
mais alinhada com os princípios científicos do século XIX. Vimos que a discussão em torno do estatuto 
científico da História se prende principalmente à questão metodológica e à natureza singular do 
conhecimento histórico e historiográfico. A partir de agora, veremos como a História – científica ou 
não – se insere no quadro maior de revisitação do passado, algo que é realizado a todo o momento e 
que tem importantes implicações para a formação de nossa identidade social.
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Assim, configura-se a problemática envolvendo a memória e a História. Tradicionalmente, 
esses dois conceitos, exaustivamente trabalhados pelo historiador francês Jacques Le Goff, 
referem-se respectivamente a formas distintas de resgate do passado: a primeira é uma forma não 
científica, espontânea, ideologicamente carregada; e a segunda seria a maneira científica, neutra, 
metodologicamente sustentada e, portanto, um conhecimento pleno de credibilidade. Embora seja essa 
a distinção corrente, ela é um pouco mais problemática do que possamos supor. Vamos examinar a raiz 
dessa questão, tanto recorrendo a historiadores como a exemplos do cotidiano.
Em praticamente tudo o que fazemos, utilizamos o passado, ou, melhor dizendo, seu vestígio, que 
chamaremos de “memória”. Já dizia Santo Agostinho, o passado em si não existe mais, e sim o presente 
do passado, ou seja, a memória. Pode ser uma memória de curto prazo, em que buscamos nos lembrar 
da senha do banco ou onde deixamos um objeto. Tais informações são armazenadas em nossa memória 
e voltam à tona quando precisamos delas. Algumas memórias são mais claras, já outras levam um pouco 
mais de tempo para serem resgatadas integralmente, principalmente quando o tempo do acontecimento 
está mais distante do presente. Mas a memória não tem apenas uma funçãototalmente prática: a 
psicanálise afirma o papel fundamental que a memória tem na construção de nossa identidade pessoal 
e, ao descrever acontecimentos no passado, estamos, ao mesmo tempo, falando de tais eventos do 
nosso ponto de vista e de como eles foram importantes para nos constituir.
Essas memórias, de uma forma geral, são recordações de situações que vivemos sozinhos ou eventos 
que vivemos em grupo, em sociedade. Além da memória individual, precisamos considerar que a vida 
em sociedade afeta a formação de uma memória relacionada a essa experiência. Em ambos os casos, a 
percepção da passagem do tempo é um componente fundamental de nossa memória, como você já deve 
ter refletido a respeito: “puxa, já estou com tal idade, parece que ontem eu ainda estava na escola”. Trazer 
essa lembrança é uma maneira de refletir um tipo de percepção da passagem do tempo, principalmente 
sobre como ele passou rápido. Da mesma forma, você pode dizer: “a situação no País mudou nos últimos 
anos, antigamente, tudo era diferente”. Ou ainda: “No tempo de Tiradentes, as cidades mineiras eram de 
tal e tal jeito”. A partir daqui, é preciso considerar que parte da nossa personalidade é formada também 
pela consciência de pertencimento a um grupo, que pode ser tanto um clube, uma associação de bairro 
ou uma nação. Aqui falamos da memória coletiva.
Durante muito tempo, pensou-se que a memória era proveniente de um pensamento quase puro, 
independente da matéria, e hoje sabemos que a memória é formada por um processo que envolve um 
diálogo entre nossas capacidades mentais e a realidade material. Não se aceita mais a ideia de que nosso 
pensamento é imposto à matéria. De fato, anotarmos um número no papel é um recurso muito utilizado 
para nos lembrarmos de algo, pois o material reforça a memória. Muitos objetos contribuem para formar 
nossa memória, como aqueles que guardamos e que nos fazem lembrar momentos significativos.
Esses objetos são – até mesmo inconscientemente – selecionados a partir de um critério muito 
simples: queremos sempre nos lembrar de coisas agradáveis. Dificilmente selecionaremos objetos 
que nos façam lembrar de situações de sofrimento, a não ser por alguma razão muito particular. De 
qualquer modo, o que precisa ser destacado é que há uma seleção: você não guarda todos os objetos 
que passam pela sua vida. Você escolhe um ou outro que você acha que se relaciona com seu passado 
ou com sua personalidade.
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No âmbito da memória coletiva, aquela que é resultado da nossa experiência em viver em 
conjunto, também há seleções desses objetos que moldam nosso pensamento e memória. Ao 
longo dos anos, décadas, séculos e milênios, muitos objetos se perderam no meio do caminho, 
mas muitos também acabaram chegando até nós e, nesse caso, as seleções operadas no meio 
do caminho podem ter sido obra da natureza – materiais como madeira, tecidos etc., que 
perecem no tempo – ou da ação do homem – edifícios destruídos em meio a uma guerra ou de 
forma intencional, como muitas estátuas gregas destruídas na Idade Média por representarem, 
segundo os cristãos da época, permanências do paganismo, assim como a destruição das cidades 
mesopotâmicas por terroristas islâmicos. A presença ou ausência desses objetos são situações 
opostas, porém complementares, e diretamente responsáveis por formar a memória coletiva e, 
até certo ponto, individual.
O que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas 
uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento 
temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência 
do passado e do tempo que passa, os historiadores (LE GOFF, 1997, p. 95).
Tais objetos formam, portanto, a matéria-prima da memória. A partir deles é que poderemos 
estabelecer as diretrizes de como nos aproximar do passado e, por esse motivo, tais objetos exercem uma 
forma de coerção: ninguém pode afirmar que a esfinge tem rosto humano e corpo de elefante porque 
ela está lá e basta ver que seu corpo é de um felino. Diante das evidências, não há como se enganar! E 
se elas não existissem? Eis o tipo de pergunta que não vale a pena perder tempo tentando responder: 
muitas coisas poderiam ser, mas a esfinge está lá e ponto. E assim vamos montando o quebra-cabeça 
sobre os egípcios a partir do que restou de sua civilização: esfinge, pirâmides, templos, hieróglifos, textos 
sagrados, cidades, relatos etc.
A questão que se coloca aqui é: como esses vestígios serão trabalhados? Sob qual lógica eles 
oferecerão uma explicação do passado? O que, de fato, podem revelar?
A partir deste momento é que precisamos evocar a tradicional distinção entre memória e História. 
Podemos reavaliar essa oposição levando em consideração que a História é uma forma de memória, mas 
se opõe a uma memória estabelecida sem método, apenas suscitando o fascínio, os feitos heroicos, as 
ideologias etc. O historiador, por pretender produzir um conhecimento neutro, direto, o mais objetivo 
possível, não pode aceitar placidamente os ditames da memória popular e nem mesmo apagar-se diante 
de um vestígio documental que, por sua vez, foi produzido com as mais variadas intenções e ideologias. 
Quando essa distinção é evocada e o trabalho historiográfico se distingue das demais formas de resgate 
do passado, o monumento torna-se documento.
3.1 Objetos da memória
Para compreendermos o que significa tal distinção, retomemos as palavras do célebre medievalista 
Jacques Le Goff. Para ele, documentos e monumentos podem ser até os mesmos objetos, mas sua 
categorização dependerá exclusivamente do uso dado a esses “materiais da memória”:
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Esses materiais da memória podem apresentar-se sob duas formas 
principais: os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha 
do historiador.
A palavra latina monumentum remete para a raiz indo-europeia men, que 
exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini). 
O verbo monere significa “fazer recordar”, “donde avisar”, “iluminar”, 
“instruir”. O monumentum é um sinal do passado. Atendendo às suas 
origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, 
perpetuar a recordação, por exemplo, os atos escritos. Quando Cícero fala 
dos monumenta, os decretos do senado. Mas desde a antiguidade romana, 
o monumentum tende a especializar-se em dois sentidos: 1) uma obra 
comemorativa de arquitetura ou de escultura: arco do triunfo, coluna, 
troféu, pórtico etc. 2) um monumento funerário destinado a perpetuar a 
recordação de uma pessoa no domínio em que a memória é particularmente 
valorizada: a morte.
O monumento tem como características o ligar-se ao poder de perpetuação, 
voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à 
memória coletiva) e o reenviar a testemunhos que só numa parcela mínima 
são testemunhos escritos (LE GOFF, 1997. p. 95).
O monumento, portanto, não é um mero enfeite. Todos sabem que estátuas, por exemplo, são 
um tributo a pessoas importantes: se alguém é imortalizado em uma escultura, é porque fez algo 
de significativo. Mas sua constante presença em um dado lugar nos diz algumas coisas a mais. 
Primeiramente, é necessário observar a localização dessa estátua. O efeito de recordação será muito 
distinto se ela for colocada em uma praça muito movimentada ou em uma praça abandonada. Seria 
estranho imaginar, por exemplo, um enorme monumento de tributo à Proclamação da República, o 
principal de um país, num lugar em que há pouca circulação. Outro dado que é necessário levar em 
conta é justamente aquilo que parece óbvio: o material usado para a construção desses monumentosé fundamental, sobretudo em termos de luxo ou durabilidade, afinal, o fato de tais objetos estarem 
ali por muito tempo faz com que a lembrança de episódios considerados importantes seja reiterada 
de uma forma especial. Uma estratégia visual, por exemplo, é que ele se destaque em meio a uma 
paisagem comum, seja urbana ou rural.
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Figura 12 – Um monumento tem não apenas a função de prevenir o esquecimento, mas também 
dá um “formato” à memória de um determinado evento
O monumento não precisa ser exclusivamente alguma grande escultura ou um prédio grandioso. 
Embora, na linguagem comum, o termo seja associado com muita frequência a tais objetos, o monumento 
pode ser até mesmo um livro, um papiro, um documento de arquivo, um quadro, um troféu ou uma 
pequena placa colocada em um estádio em homenagem a um belo gol marcado. O que precisa ficar 
claro é que o monumento é tudo aquilo que tem a função de marcar na memória e prevenir contra o 
esquecimento natural de um dado evento. Mais do que isso: o monumento, além de cumprir aquilo que 
é chamado de “função mnemônica” (fazer lembrar), também dá um “formato” à memória em relação a 
algum evento, criando referências visuais e simbólicas relacionadas a um evento a ser lembrado. Sobre 
isso, é importante citar alguns exemplos.
Vamos falar a respeito de um quadro monumental: O Grito do Ipiranga, de Pedro Américo. Esse 
quadro é muito famoso e sempre quando pensamos na Independência do Brasil, ele vem à nossa mente, 
já que ele é reproduzido à exaustão nos livros didáticos brasileiros. Muitas pessoas incautas, que não 
levam em consideração uma série de coisas, como data de produção, contexto histórico, proposta, 
fórmulas de pintura da época etc., acham que o quadro é uma reprodução literal do evento. Mas não é 
bem assim...
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Figura 13 – O Grito do Ipiranga, de Pedro Américo (1886)
Pedro Américo nasceu em 1843, na Paraíba. Foi um exímio pintor que estudou nas melhores escolas 
de arte da Europa. Viveu em um momento culturalmente agitado, em que a nação – mesmo tendo 
decorrido algumas décadas de seu surgimento – ainda procurava suas referências históricas. Nesse 
momento, personagens importantes hoje para a História atual não eram tão lembrados, como é o caso 
de Tiradentes (também imortalizado na obra de Américo), e D. Pedro I, que não gozava de um grande 
prestígio (como hoje, de certa forma). Nesse ínterim, Pedro Américo recebeu uma encomenda que 
seria responsável por imortalizar o seu nome: um quadro que pudesse reproduzir o momento exato da 
Independência do Brasil.
Evidentemente, o pintor não estava presente no momento do grito. Ele dispunha de alguns relatos esparsos, 
algumas figuras que também eram idealizadas, mas se dedicou a reproduzir com certo afinco o terreno onde 
julgava ter ocorrido o evento, às margens do riacho Ipiranga, em São Paulo. Além desses materiais, Pedro 
Américo, um academicista, era um verdadeiro mestre em reproduzir as fórmulas consagradas nas maiores 
escolas de belas-artes da Europa e isto será fundamental para a concepção do quadro.
 Lembrete
A independência do Brasil não foi obra de uma única pessoa. Embora 
D. Pedro tivesse atuação importante, é necessário lembrar que todo o processo 
já vinha ocorrendo desde pelo menos 1808, com a chegada da família real no 
Brasil. E, de todos os personagens envolvidos diretamente no evento, D. Pedro 
foi auxiliado tanto pela elite agrária como pela elite intelectual. 
Diante da, literalmente, tarefa monumental que se apresentava, da maneira de retratar a Independência, 
é verdade que Pedro Américo tinha algumas opções: ele poderia retratar as cortes de Lisboa, quando a 
delegação de São Paulo levantou-se contra a tentativa de recolonização do Brasil, ou, ainda, um quadro 
com os Irmãos Andrada, que, sendo próximos ao futuro imperador, escreviam dezenas de artigos a favor 
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da separação. Mas nada disso parecia muito heroico. Segundo a visão de Pedro Américo, a Independência 
foi obra de um herói, de alguém que empunha sua espada e desafia a autoridade daqueles que queriam 
nos oprimir. E achar o herói não foi tarefa difícil: D. Pedro, o jovem e intempestivo monarca que ao brandir 
a sua espada marcou a ruptura definitiva dos laços que nos ligavam a Portugal.
No entanto, a cena apresenta algumas incorreções segundo relatos a respeito do momento 
retratado. D. Pedro voltava de Santos no lombo de uma mula, já que cavalos eram usados em 
ocasiões especiais. Além disso, a comissão contava com poucos membros e ninguém usava trajes 
de gala. Teria Pedro Américo nos enganado? Não necessariamente. Como ele afirmava: “a realidade 
deve inspirar o pintor, e não escravizá-lo” (SCHILICHTA, 2009) e seria pouco heroico retratar D. 
Pedro no lombo de uma mula usando roupas de algodão cru acompanhado por meia dúzia de 
amigos. Na realidade, há algumas fórmulas nesse quadro que acompanham algumas tendências 
europeias, visíveis na imagem a seguir:
Figura 14 – Napoleão em Friedland, de Ernest Messonier
Essa visão clássica remete à maneira como a intelectualidade do século XIX concebia os movimentos 
da História: através dos grandes feitos dos heróis. Ao colocar D. Pedro em uma posição de destaque na 
cena, ele praticamente confere ao filho de D. João VI um papel central no evento, quase mitológico, pois 
a iluminação do quadro parte da sua espada – a Independência pensada como uma ruptura radical e 
sangrenta, ao modo dos libertadores sul-americanos. D. Pedro, no quadro recebe o efusivo apoio de seus 
aliados – militares e as elite agrária – ao mesmo tempo em que é observado por um tropeiro atônito 
que talvez nem imaginasse o que estava acontecendo, ou seja, o povo. Esse tropeiro diz muito a respeito 
da tradicional visão que temos da participação popular nos grandes eventos que marcam a História do 
Brasil, uma posição que tem sido revista nos últimos anos.
O monumento à Independência também traz essa visão militarizada e “heroicizada” do rompimento 
dos laços com Portugal. Porém, o monumento foi construído anos mais tarde e sua inauguração fez 
parte do cerimonial que, em 1922, marcou o centenário da Independência. Nesse momento, há uma 
série de eventos que fizeram parte da festa e, entre eles, o traslado do corpo de D. Pedro I para o Brasil, 
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Unidade I
que estava sepultado em Portugal (não esqueça que ele reinou em Portugal de 1831 a 1834, sob o nome 
de D. Pedro IV). Os portugueses não o consideram uma figura histórica emblemática e, sabendo de sua 
importância na memória coletiva brasileira, concordaram em realizar o traslado.
O monumento reforça, portanto, o ato heroico militarizado, mas curiosamente não é possível 
identificar com clareza os personagens envolvidos. Ele foi projetado pelo italiano Ettore Ximenes por 
ocasião das festividades do centenário da Independência e é outra referência importante para compor 
a totalidade da memória coletiva acerca desse evento histórico, demonstrando uma clara inter-relação 
com o quadro de Pedro Américo.
Figura 15 – Monumento da Independência
Outra referência importante é o Hino da Independência, que foi composto pelo próprio D. Pedro I e, 
durante muito tempo, foi o Hino Nacional Brasileiro. A sua letra também sugere o rompimento heroico 
com Portugal e é também um monumento, embora não seja tão conhecido como o atual Hino Nacional.Obviamente, traz uma mensagem positiva exaltando a coragem e a bravura do brasileiro. Aliás, o mote 
“Independência ou Morte!” era muito popular na época e diversos libertadores sul-americanos usavam 
essa expressão. Só resta saber quem é o “brasileiro” a que ele se refere. Observe a letra a seguir:
Já podeis, da pátria filhos
Ver contente a mãe gentil
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil
Brava gente brasileira!
Longe vá... Temor servil
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
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Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Os grilhões que nos forjavam
Da perfídia astuto ardil
Houve mão mais poderosa
Zombou deles o Brasil
Brava gente brasileira!
Longe vá... Temor servil
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Não temais ímpias falanges
Que apresentam face hostil
Vossos peitos, vossos braços
São muralhas do Brasil
Brava gente brasileira!
Longe vá... Temor servil
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Parabéns, ó brasileiro
Já com garbo varonil
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil
Brava gente brasileira!
Longe vá... Temor servil
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil (BRASIL, [s.d.]).
Assim, temos diversos marcos de memória que atingem todos os sentidos, todos confluindo para o 
coração, já que o nacionalismo é antes uma ideologia que atinge os sentimentos mais do que uma teoria 
racional. Não é à toa que o nacionalismo e o romantismo foram intimamente relacionados durante o 
século XIX.
O caso de Tiradentes também é muito emblemático. Durante o Império, era um personagem pouco 
conhecido. Isso porque não era muito adequado exaltar um herói nacional que enaltecia valores 
republicanos em meio ao Império. De fato, apenas com a proclamação da República é que Tiradentes 
foi alçado ao panteão dos grandes heróis nacionais. Nesse caso, temos também a pincelada de Pedro 
Américo como responsável por moldar a imagem do mártir, fazendo uma associação muito curiosa.
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Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes – era um militar (alferes) que nas horas vagas 
dedicava-se ao exercício da medicina informal. Era um boticão, sendo uma de suas atribuições a 
de tratar das enfermidades dentárias. Como as técnicas de tratamento de dentes não eram o que 
exatamente chamamos de avançadas, em geral o paciente terminava com dois ou três dentes a menos 
após cada “consulta”, o que valeu a Tiradentes esse apelido um tanto irônico. Tiradentes era membro 
de uma família de classe média que havia enriquecido com a extração aurífera em Ouro Preto (antiga 
Vila Rica) e, desde sua juventude, havia tomado contato com as ideias iluministas através de livros 
que circulavam ilegalmente pela Capitania das Minas, não sendo, por esse motivo, um admirador da 
religião. Xavier ficara particularmente impressionado por um evento que marcara definitivamente o 
início da Crise do Antigo Sistema Colonial: a Independência das Treze Colônias, mais tarde batizadas 
de Estados Unidos da América.
O clima de opressão fiscal que se abatera sobre Minas Gerais, bem como diversos abusos 
da Coroa e a inspiração em George Washington, foram fatores decisivos para que o alferes 
organizasse, com outros membros da classe média mineira, um movimento emancipacionista: a 
Conjuração Mineira (inadequadamente chamada de Inconfidência). O movimento, que deveria 
irromper por ocasião da cobrança de um pesado imposto determinado pela Coroa, fracassou por 
ter sido delatado por alguns de seus membros, que tiveram suas penas aliviadas ou retiradas. 
Fora os delatores, a maioria dos participantes foi presa ou exilada, com exceção de Tiradentes, 
que foi cruelmente executado.
No geral, isso é o que aprendemos na escola e o que, em breve, você provavelmente ensinará aos 
seus alunos. Em linhas gerais, isso foi de fato o que aconteceu, mas como fazer para tornar Tiradentes 
uma figura popular? Repare no quadro de Pedro Américo, incluído na sequência.
 Observação
A criação de heróis nacionais é um processo que está longe de ser 
neutro. Para o historiador profissional, não interessa saber os fatos 
reais acerca da vida de um personagem histórico, mas a trajetória de 
sua rememoração ao longo do tempo e a vinculação de sua imagem a 
determinados discursos. 
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Figura 16 – Tiradentes Esquartejado, de Pedro Américo
Há algumas incoerências aí: primeiramente, a associação entre Tiradentes e a cruz é estranha, pois 
ele, influenciado pelo pensamento antirreligioso, não era um adepto do catolicismo. Em segundo lugar, 
os enforcados tinham sua barba e cabelos raspados, algo que evidentemente não se vê nesse quadro e 
que Pedro Américo sabia muito bem. Terá o pintor mentido? Por que ele fez isso? Seria ele um charlatão 
que nos enganou sobre a nossa Independência? Se você estiver com tais questões em mente, deixe-as 
de lado: não há e nunca houve uma verdade absoluta dos fatos. O mais interessante é pensar por que 
Américo usou tais recursos de imagem e veremos que seus quadros dizem mais respeito à época em que 
foram pintados do que aos personagens retratados.
Em primeiro lugar, há uma série de referências simbólicas: o modo como os pedaços do corpo de 
Tiradentes estão dispostos formam os contornos do território brasileiro. Na época em que foi pintado, a 
questão da integração nacional era muito importante, associada a uma busca por uma autêntica cultura 
brasileira, um ideal de nação que devesse ser sentido por todos os habitantes do Brasil. Não esqueçamos 
que, nos primórdios da nação brasileira, o sentimento de pertencer a uma dada região era muito mais 
forte do que o pertencimento à nação como um todo. Em segundo lugar: o braço direito estendido 
inerte é uma referência ao quadro A Morte de Marat, a seguir:
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Unidade I
Figura 17 – A Morte de Marat, de Jacques-Louis David
Essa referência faz uma vinculação entre os ideais republicanos de Tiradentes e um personagem da 
Revolução Francesa reconhecido pela reivindicação de aprofundamento das reformas populares, uma clara 
tentativa de criar uma aura popular em torno de Tiradentes, mesmo que ele tenha sido mais influenciado 
pela Independência dos EUA do que pela própria Revolução Francesa. Por fim, a barba longa e os cabelos 
associados à cruz reforçam a popularização de Tiradentes ao se realizar uma aproximação com a figura 
de Cristo, que também foi traído e executado, ou seja, o martírio. Tiradentes falhou, mas seu martírio 
jamais será esquecido e hoje ele merece figurar entre os maiores heróis de nossa História. Essa é a visão do 
pintor, que atribui a Tiradentes uma série de valores que ele próprio ignorava ou não tinha, inclusive o de 
libertador do Brasil, já que seu plano era somente tornar Minas Gerais independente.
3.2 O documento histórico
Temos, portanto, alguns exemplos do que chamamos de “monumentos”. Mais do que o objeto em 
si, sua função é mais importante para defini-lo enquanto tal. Mesmo documentos de arquivo usados 
pelo historiador podem ser concebidos como monumentos quando são utilizados de forma passiva, 
ao modo dos historiadores que, imbuídos de um espírito patriótico, escreviam suas monumentais 
histórias nacionais “tal como se passaram”, em franca oposição aos romances literários históricos que 
proliferavam no século XIX. No entanto, foi no próprio século XIX queo documento triunfou sobre o 
monumento: o espírito positivista, embebido de cientificismo, procurou estabelecer o documento escrito 
como fonte principal do conhecimento histórico indo além dos monumentos, tributos à memória social. 
A imparcialidade passou então a imperar no gabinete dos historiadores-cientistas.
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O termo latino documentum, derivado de docere, “ensinar”, evoluiu para o 
significado de prova e é amplamente utilizado no vocabulário legislativo. É no 
século XVII que se difunde, na linguagem jurídica francesa, a expressão titres 
et documents. E o sentido moderno de testemunho histórico data apenas 
no início do século XIX. O significado de papel justificativo, especialmente 
no domínio policial, na língua italiana, por exemplo, demonstra a origem e 
a evolução do termo. O documento que, para a escola histórica positivista 
do fim do século XIX e do início do século XX, será o fundamento do fato 
histórico, ainda que resulte da escolha, de uma decisão do historiador, 
parece apresentar-se por si mesmo como prova histórica. A sua objetividade 
parece opor-se à intencionalidade do documento. Além do mais, afirma-se 
essencialmente como testemunho escrito (LE GOFF, 1997, p. 96).
Repare na última parte da citação anterior, principalmente no que diz respeito à escolha do 
historiador, prova histórica e objetividade do documento em relação ao monumento. Os primeiros 
historiadores-cientistas partiam do princípio de que a única forma de manter a neutralidade frente 
ao conhecimento histórico era apagar-se diante das evidências que, nesse caso, assumiriam uma 
característica de prova. Dito de outra forma, num primeiro momento, a ideia era “deixar o documento 
falar”, já que seria prova incontestável do passado. A interferência do historiador era indesejável e, por 
mais que esse seja um método aparentemente inocente, foi graças aos positivistas que pudemos tratar 
os vestígios do passado como documentos, nesse momento, principalmente escritos. Assim podemos 
dizer que o documento triunfou sobre o monumento (LE GOFF, 1997, p. 97).
A partir do seu triunfo sobre o monumento para a elaboração do conhecimento histórico científico, 
sua utilização não foi a mesma através dos anos. No início do século XX, historiadores franceses 
da Universidade Sorbonne criticaram duramente o positivismo e sua postura de passividade diante 
do documento. Assim, a aproximação da História com outras Ciências Humanas (os detalhes dessa 
aproximação veremos mais adiante), modificou também o trato com o documento: de uma postura de 
passividade, o historiador passa a formular um problema e, a partir daí, os documentos são provas da 
hipótese do historiador. Além disso, houve uma natural ampliação do escopo documental, e o documento 
escrito foi perdendo sua preponderância.
Os fundadores da revista Annales d’Histoire Economique et Sociale (1929), 
pioneiros de uma História Nova, insistiram sobre a necessidade de ampliar 
a noção de documento: a História faz-se com documentos escritos, sem 
dúvida. Quando estes existem. Contudo o que a habilidade do historiador 
lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. 
Logo, com palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do campo 
e das ervas daninhas. Com os eclipses da lua e a atrelagem dos cavalos de 
tiro. Com os exames de pedras feitos pelos geólogos e com as análises de 
metais feitas pelos químicos. Numa palavra, com tudo o que, pertencendo 
ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, 
demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do 
homem (LE GOFF, 1997, p. 98).
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Algo que o historiador Marc Bloch (1949) reafirma em sua importantíssima obra A Apologia da 
História. Bloch chama atenção para a importância de o historiador mobilizar tipos distintos de documento 
para compor ao máximo a totalidade da época estudada e para cotejar os distintos vestígios de modo a 
aumentar o potencial crítico do trabalho historiográfico. Por exemplo, textos escritos tendem a revelar 
uma determinada visão de mundo, que pode ser comparada aos restos materiais disponíveis de uma 
dada sociedade. Se estudássemos o Brasil Colonial apenas através dos decretos reais, diríamos com toda 
a certeza que não havia comércio interno devido aos rigores do pacto colonial. Porém, não é porque 
havia a lei que ela era sempre obedecida, e por isso é necessário observar, por exemplo, se em listas de 
censo da época colonial havia mobilidade em virtude de alguma atividade comercial ilícita.
Seria grande ilusão imaginar que a cada problema histórico corresponde 
um tipo único de documento especializado para esse uso. Que historiador 
das religiões se contentaria em consultar os tratados de teologia ou as 
recolhas de hinos? Ele sabe bem que as crenças e as sensibilidades mortas, as 
imagens pintadas ou esculpidas nas paredes dos santuários, a disposição e o 
mobiliário das tumbas têm pelo menos tanto para lhe dizer quanto muitos 
escritos (BLOCH, 1949, p. 59, tradução nossa).
Hoje, de fato, o historiador pode mobilizar uma série de documentos diversos: móveis, arquitetura, 
roupas, cinema, música, esculturas... Tudo o que foi produzido pelo ser humano em sua longa trajetória 
pela Terra pode ser considerado como documento. Tanto é verdade que a tradicional divisão entre 
História e Pré-história – a última, antes da invenção da escrita – hoje é bastante criticada, já que a escrita 
situa-se em um instante em que muitos melhoramentos, como a irrigação e os instrumentos de metal, 
já se encontravam em curso no Oriente Médio. Mas, cuidado: o historiador não pode usar monumentos 
como documentos! A partir do momento em que objetos considerados monumentais são selecionados 
pelo historiador, eles tornam-se documentos. Sua monumentalidade é analisada pelo historiador que, 
por exemplo, pode se ocupar dos mecanismos de poder associados a objetos monumentais em uma 
dada sociedade, como no Egito, por exemplo, ou, ainda, como determinada sociedade cria uma memória 
coletiva em torno desses monumentos. A memória coletiva também pode ser objeto do historiador, 
que também é um produtor de memória, no entanto, uma memória distinta: seu lugar de memória é a 
academia, em que é produzido um conhecimento específico em virtude de sua metodologia e espírito 
crítico. Em sua análise, não deve nem mesmo escapar a trajetória dos documentos utilizados: por que 
sobraram? Como eles circulavam na sociedade que os gerou?
Não obstante o que por vezes parecem pensar os principiantes, os documentos 
não aparecem, aqui ou ali, pelo efeito de qualquer imperscrutável desígnio 
dos deuses. A sua presença ou a sua ausência nos fundos dos arquivos, numa 
biblioteca, num terreno, dependem de causas humanas que não escapam 
de forma alguma à análise, e aos problemas postos pela sua transmissão, 
longe de serem apenas exercícios de técnicos, tocam, eles próprios, no mais 
íntimo da vida do passado, pois o que assim se encontra posto em jogo é 
nada menos do que a passagem da recordação através das gerações (BLOCH, 
1949, p. 29-30).
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Assim, podemos falar na Historiografia como uma produção de memória que leva em consideração 
as ressalvas mencionadas e que, em geral, produz um conhecimento crítico, de caráter revisionista. 
Pode-se dizer que a Historiografia, em vez de reproduzir ou detalhar a memória já difundida, tende a 
problematizar visões que são socialmente aceitas. Evidentemente, trata-se de um trabalho queresulta 
de uma metodologia apropriada, não se limitando a coletar duas ou três teses sobre o assunto e fazer 
uma crítica radical em torno de certas visões populares de História. Não que esse tipo de publicação não 
seja válido, mas não pode ser chamado de Historiografia.
Historiografia é, de maneira geral, a escrita da História. Em suas origens, o termo não especifica o 
modo como é escrita, se uma descrição mais geral da memória ou um estudo metódico, embora hoje 
seja mais comum o seu emprego como um texto que resulta da análise de documentos históricos 
articulados em torno do objeto de um pesquisador. Muitos historiadores chegam mesmo a afirmar que a 
Historiografia é a própria História, já que se constitui na produção intelectual por excelência do método 
histórico-científico de análise. Se a Historiografia é a escrita da História, a produção acadêmica é um 
gênero historiográfico específico, embora seja comum confundi-la com o próprio estudo acadêmico.
O método histórico se constitui, por sua vez, no conjunto de procedimentos necessários para 
garantir o máximo de neutralidade (lembre-se de que a neutralidade total é impossível) e veracidade na 
abordagem das fontes documentais utilizadas em uma determinada pesquisa. Embora tenhamos registro 
de métodos históricos de análise desde a Grécia, com os famosos historiógrafos tais como Heródoto e 
Xenofonte, o método científico de análise histórica se desenvolveu no século XIX, com grande ênfase 
no que se denomina “método crítico”, uma investigação minuciosa de um documento para comprovar 
sua autenticidade. Vimos que essa análise, pilar da Historiografia positivista, compreendia basicamente 
quatro fases: a da reunião dos documentos, na qual o historiador frequentava arquivos em busca de sua 
documentação; crítica externa, quando os documentos são submetidos à avaliação do especialista que 
busca comprovar sua autenticidade; crítica interna, a validade histórica do documento em questão e o 
contexto de produção, as influências culturais dos agentes envolvidos etc.
Hoje em dia, é comum encontrar nas estantes de História das livrarias uma grande quantidade de 
livros de História, mas nem todos representam a Historiografia no estrito sentido do termo. Mesmo 
historiadores podem escrever livros de História que não sejam Historiografia, já que esse gênero literário 
tem características mais acadêmicas, especializadas, voltadas em geral para um público especializado. 
Obviamente, teses e dissertações estão à disposição de qualquer pessoa, mas o público geral terá um 
pouco mais de dificuldade de compreender os jargões e referências do historiador profissional. Por 
isso dizemos que o historiador produz uma memória específica, cujo lugar é o meio universitário. Mas 
ele pode também realizar a divulgação de sua pesquisa para leigos, utilizando uma linguagem mais 
adequada à compreensão geral. Infelizmente, poucos historiadores têm tal preocupação, e o mercado 
de livros de História tem sido dominado por jornalistas interessados em escrever crônicas históricas 
com uma escrita mais fluida. Mais do que os historiadores, jornalistas têm um peso mais decisivo na 
formação da memória coletiva que, por definição, é unitária, e tem certa dificuldade em compreender 
a ideia de que há distintas visões sobre um determinado assunto. A crítica, nesse caso, toma a forma da 
iconoclastia, por exemplo: Zumbi dos Palmares é um personagem importante para o movimento negro, 
mas recentemente descobriu-se que também possuía escravos.
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O que nos interessa mais aqui, o que está mais próximo, levando em consideração que este é um 
curso de licenciatura, é o nosso papel como agentes formadores de memória. Nós temos à disposição 
uma série de instrumentos e matérias-primas que são utilizados para preparar o momento máximo de 
nossa profissão: a aula. Como ela é preparada? Quais as nossas fontes? Ela é mais discursiva ou privilegia 
o debate? O formato da aula é fundamental para entender como o aluno, ao longo de sua formação, 
forma sua identidade social a partir das referências adquiridas na escola, sem esquecer que ele terá ao 
alcance uma série de informações que poderá cotejar com o que é aprendido na escola. Nossos recursos 
em geral são os livros didáticos, apostilas, sites, Historiografia, conhecimentos obtidos na faculdade e, o 
que é um pouco mais complicado, informações díspares que, por mais interessantes que sejam, podem 
ter uma origem pouco confiável, como boatos. Por isso, é fundamental verificar a credibilidade das 
informações, de qualquer que seja a referência.
Na escola, o ensino de História – levando em conta o modelo tradicional – divide-se em duas partes: no 
Fundamental I, os alunos são apresentados aos símbolos nacionais e aos heróis, bem como ao significado 
de certos eventos selecionados (Tiradentes, Independência, Proclamação da República, Consciência Negra 
etc.). A partir do Fundamental II e Ensino Médio, o conteúdo de História torna-se neutro, apresentado 
geralmente através de um movimento cronológico e separado em História Geral e História do Brasil.
 Observação
Na disciplina História Interdisciplinar, nós estudamos as principais 
características de cada uma dessas “histórias” escolares.
A História do Brasil ainda está presa a um formato positivista em 
diversos aspectos, enquanto a História Geral apresenta uma característica 
estrutural-marxista e seu desenvolvimento se manifesta pela história dos 
meios de produção, começando com o modo de produção asiático e indo 
até o modo de produção capitalista, tendo, portanto, um viés economicista. 
Desse modo, há certa dificuldade de interação entre as duas histórias, 
embora tenham surgido recentemente interessantes propostas para realizar 
uma História integrada escolar, em que o Brasil não seja um mero reflexo 
das tendências da economia mundial. 
A memória, em primeiro lugar como fundamento mesmo da tradição de uma 
cultura como produto social, liga-se à reprodução da sociedade, organiza e 
reproduz constâncias e repetições. Confere um sentido de permanência e de 
unidade no tempo, de identidade a grupos específicos ou à sociedade como 
um todo. Podemos observar esse caráter unificador da memória, por exemplo 
(mas não só), nas atividades coletivas que se reproduzem ciclicamente nas 
festas cívicas ou populares, nos ritos religiosos ou nos rituais políticos, como 
as eleições. Tradições inventadas, no dizer de E. Hobsbawn, socialmente 
produzidas, que reproduzem indefinidamente um mesmo ato original, posto 
fora do tempo, que se manifesta ciclicamente, como os tempos da natureza, 
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como que atestando que a sociedade e os grupos dentro dela permanecem 
os mesmos, que as regras que definem a sua unidade, sua identidade e 
suas relações recíprocas não mudaram com a ação do tempo. A memória, 
nessa dimensão, recupera e reproduz o mesmo no tempo. Nega, assim, seu 
caráter dissolutor e a produção incessante da mudança. Fixa os sentidos e 
as identidades, permitindo à sociedade, aos grupos e classes em seu interior 
traçar suas origens, garantir e reconhecer sua permanência e sua identidade 
a despeito do tempo (GUARINELLO, 1994, p. 188).
A divisão entre memória e História, portanto, nos leva a uma situação na qual o resgate do passado 
operado pela Historiografia seria um resgate crítico, metódico que, em vez de reforçar certos marcos 
de memória – se não for escrita sob um viés nacionalista –, tenderia a desmontar certos discursos ou, 
ainda melhor, realizar uma revisão teórica utilizando um determinado evento como estudo de caso. A 
memória mais geral, por sua vez, tem um caráter mais unívoco,acrítico e, em nosso caso, está pontuada 
por diversos temas nacionalistas, contribuindo para a formação de uma identidade coletiva que remonta 
ao pertencimento a uma nacionalidade.
Os vínculos entre memória coletiva e história científica podem, na verdade, 
ser pensados em termos opostos. Podem ser vistos, em primeiro lugar, 
como uma relação positiva, pois a História produzida por historiadores, por 
especialistas da História, enriquece as representações possíveis da memória 
coletiva, fornece símbolos, conceitos, instrumentos rigoroso para que a 
sociedade pense a si mesma em sua relação com o passado. Mas podem 
também ser vistos sob um ângulo negativo porque a história científica se 
volta regularmente contra as representações reproduzidas pela memória 
“espontânea” da sociedade, destruindo seus suportes, atacando seus 
princípios, seus pressupostos, seus símbolos (GUARINELLO, 1994, p. 181).
Vamos agora adicionar alguns elementos à nossa discussão, criticando um pouco essa tradicional 
clivagem entre História e memória. Em princípio, a História seria um conhecimento científico que utiliza o 
passado para verificar certos padrões de mudança ou até mesmo as estratégias da memória que, por sua 
vez, estaria ligada a projetos de poder e seria uma abordagem enviesada, influenciada subjetivamente. 
Essa separação, por sua vez, tem origens no próprio estabelecimento do estatuto científico da 
História no século XIX e tem perdurado de certa forma até hoje. Assim, a História enquanto ciência 
“carregava em si uma condenação da memória espontânea da sociedade, desautorizada como ideologia, 
como senso comum, como falsa consciência, cujas verdades seriam verdades impuras, contaminadas 
pelos interesses dos agentes sociais” (GUARINELLO, 1994, p. 182).
De 40 anos para cá, a História passou por uma profunda revisão, principalmente em relação aos 
seus atributos científicos que seriam pretensamente mais adequados para construir um conhecimento 
legítimo apoiado na cientificidade. Dito de outra maneira, o próprio estatuto científico da História foi 
amplamente questionado – o que veremos em breve – e a capacidade de buscar um conhecimento 
verdadeiro e integral do passado por meio da Historiografia foi também posto em xeque. E isso 
obviamente nos orienta a redefinir as relações entre História e memória. E redefinir tal oposição.
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Trata-se de uma questão crucial, que é preciso propor-se. Não só porque a 
aparente aceleração do tempo social trouxe ao debate acadêmico as questões 
relativas à memória e preservação do passado, mas, sobretudo porque em 
nosso século abalaram-se profundamente os alicerces sobre os quais se erguia 
a ideia de uma História objetiva e verdadeira. O próprio estatuto científico da 
História e sua legitimidade enquanto saber foram repetidamente postos em 
questão, deixando marcas profundas na disciplina histórica contemporânea. 
O otimismo positivista do século anterior desmantelou-se progressivamente, 
com esporádicos renascimentos, sobretudo no mundo anglo-saxão. A pretensão 
de atingir uma representação pura e verdadeira do passado cedeu lugar à 
noção de que certa subjetividade, com diz P. Ricoeur, é inerente ao trabalho do 
historiador. Porque nele também se manifestam os interesses, os conflitos e as 
visões de mundo de sua época. É em função da vida, como afirmava L. Febvre e 
como admitimos comumente hoje, que a História investiga a morte, é a partir 
do presente que interrogamos o passado. Nossa própria época nos propõe os 
modelos, os conceitos, os problemas com os quais indagamos as fontes que, 
para dizer ainda com Febvre, são criadas, inventadas, fabricadas pelo historiador, 
ao propor-lhes suas hipóteses e conjecturas (GUARINELLO, 1994, p. 183).
Assim, o historiador também é constantemente desafiado em sua própria atividade, o que o 
coloca em uma situação embaraçosa. De fato, temos que deixar de lado a ideia de que o resgate do 
passado é monopólio do historiador. Há muitos agentes formadores de memória, inclusive pessoas que 
nem mesmo se dedicam a tal profissão: basta ter vivido no passado e contar para as gerações mais 
jovens suas experiências. Obviamente será uma visão parcial, emocionalmente vinculada a um dado 
acontecimento, mas o testemunho direto muitas vezes é considerado um critério mais válido do que 
a própria investigação documental. À parte as dificuldades de se considerar um relato oral como uma 
prova incontestável do que de fato teria ocorrido, temos de levar em conta que a narração das pessoas 
idosas, os romances históricos e o próprio trabalho historiográfico podem, segundo teorias chamadas 
pós-estruturalistas (que veremos mais adiante), ser consideradas formas particulares de ficção.
A posição da História como ciência, a possibilidade de uma ciência da 
História são atacadas pelo que se convencionou chamar de pós-modernismo 
ou pós-estruturalismo, e que tem em J. Derrida um de seus arautos. Para 
essa corrente, o conhecimento histórico não seria mais que um mero estilo 
narrativo e retórico e as obras dos historiadores não seriam nem mais, nem 
menos, verdadeiras do que as de ficção. Para teóricos como H. White ou 
F. Ankersmith, o discurso histórico não proporia nem produziria verdades. 
O passado, dizem, é algo inatingível, caótico e sem sentido. O esforço do 
historiador se reduz à tarefa de tecer uma trama aleatória, a construir uma 
narrativa com os elementos encontrados, não apenas nos documentos, mas 
sobretudo nos textos de outros historiadores. Se tudo é texto, como diz 
J. Derrida, e se não existe nada fora do texto, então a realidade como tal, 
externa ao texto, não existe. A pretensão da História em constituir-se como 
saber é falsa e vã. Nossa disciplina parece correr, assim, o risco de dissolver-se 
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no irracional, de perder os vínculos com a necessidade e a verdade. De ver 
apagadas as marcas de sua distinção e de sua separação com a memória. 
Para essa visão, com efeito, tudo é igualmente ideologia, opinião, e os laços 
que nos ligam à realidade são traçados arbitrariamente pelo sujeito, ou antes, 
pelo texto que tudo inclui e que a tudo domina, segundo uma concepção 
que Perry Anderson definiu, com precisão, como um subjetivismo absoluto e 
se sujeito, o subjetivismo do texto (GUARINELLO, 1994, p. 184).
Tal crítica é absolutamente devastadora. Ela simplesmente lança ao abismo todo esforço de se 
construir um conhecimento historiográfico rigoroso. De fato, as correntes mencionadas na citação 
realizaram um duro ataque à História, mas hoje tais críticas foram incorporadas e são usadas como 
referências de investigação. Vamos nos aprofundar um pouco mais nelas. Por ora, discutiremos um 
pouco mais questões relativas ao método histórico.
4 MÉTODO HISTORIOGRÁFICO
Voltemos à questão: afinal de contas, o que é exatamente a História?
Ela nos remete ao passado, correto? Então, quanto do nosso presente é fruto do que passou? Se há uma 
relação entre passado e presente, haveria também uma relação com o que está por vir? Como podemos 
entender a História? Como a estudamos? Como podemos pensar sobre ela? E talvez a pergunta que mais 
escutamos: para que serve estudar História? Dizem que quando temos dificuldade em pensar sobre alguma 
coisa, alguma ideia, seja ela qual for, devemos buscar como ela é expressa na língua alemã. Por quê?
O alemão é conhecido como a língua dos grandes filósofos, em que, para cada coisa que existe, há 
um termo específico para designá-la, pelo menos na grande maioria das vezes. Então, vejamos como 
o idioma alemão define a História. Dentre algumas possibilidades, há uma definição que muito nos 
interessae sobre a qual iremos nos deter. É o termo Geschichte. Essa palavra compreende a História de 
duas maneiras muito interessantes, vejamos:
• História é o processo de desenvolvimento da realidade no tempo.
• História é o estudo desse processo.
Vamos nos deter sobre essa afirmação: História é o processo de desenvolvimento da realidade no tempo.
O que ela está tentando nos dizer? A primeira questão que devemos ter em mente quando quisermos 
compreender sobre do que trata o estudo da História é que devemos tomar como princípio que ela 
estuda como a realidade atravessou o passar do tempo. Quando pensamos na nossa realidade, sabemos 
que sobre ela existem inúmeras conexões ocorrendo ao mesmo tempo entre a política, a economia, 
a cultura, o próprio cotidiano, no plano regional, nacional e internacional. Pensemos num tricô no 
qual costuramos uma mesma peça com diversos novelos. A realidade é um processo que se faz a todo 
instante, em que o desenho e o formato desse tricô não estão predefinidos. A realidade surge como a 
costura contínua de diversas dimensões.
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Assim, se olharmos para o trabalho do tempo sobre os novelos de lã, teremos uma ideia de como 
eles foram combinados e de quais maneiras eles influenciaram as tramas seguintes. Em outras palavras, 
a realidade é o resultado de inúmeras dimensões que se combinam e de inúmeras formas ao longo do 
tempo. O arranjo dessa combinação é que forma o passado, o presente e o futuro. Estudamos como 
essas combinações se deram ao longo do tempo, como as dimensões se reuniram e formaram o desenho 
de cada período de tempo sobre o qual nos debruçamos. Em História, não estudamos apenas uma linha 
isolada, não estudamos um fator isoladamente ao longo do tempo, pois, simplesmente, dentro de nossa 
perspectiva, é impossível pinçar da trama uma linha que está completamente entrelaçada às demais.
Não estudamos exclusivamente a política de certo período histórico, mas estudamos como a política 
de determinada época se combinou com as demais dimensões do período que buscamos pesquisar. 
Portanto, é importante ter claro que em História não isolamos fatores, mas contextualizamos processos. 
Não observamos uma única linha exclusivamente, observamos um conjunto de linhas ao longo do 
tempo. É verdade que podemos dar atenção a algumas partes mais do que a outras, mas não a retiramos 
do conjunto. O que nos interessa é o todo em movimento e não as partes isoladas do restante.
E assim chegamos à segunda afirmação: História é o estudo do processo de desenvolvimento da 
realidade no tempo.
Em História, estudamos os desdobramentos sociais ao longo do tempo. Não buscamos uma imagem 
congelada, muito pelo contrário, buscamos pelo oposto. Tentamos resgatar a forma pela qual as 
diversas dimensões interagiam e formavam a realidade de certo período. Tentamos, a todo o tempo, 
tirar o passado do imobilismo, buscamos reaquecer as articulações do que passou para observá-las em 
movimento. Estamos à procura do que as moveu; do processo que nos é capaz de fornecer as rupturas 
e as continuações sobre os tempos que ficaram para trás até o momento em que nos fazemos essas 
perguntas. Fascinante, não?
Figura 18 – A história é o movimento, e os historiadores buscam mudanças inteligíveis
Compreender o que é História dentro dessa perspectiva nos tira daquela visão explicativa que nos 
trancafia num estudo do passado absoluto, distante, remoto, isolado e sem conexão alguma com o nosso 
presente. Dessa forma, História é o estudo das transformações pelas quais a realidade passa ao longo do 
tempo. Quando nos debruçamos sobre a História, podemos fazê-lo de duas maneiras principais: a partir 
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da perspectiva historiográfica ou da historicista. Vejamos quais as diferenças dessas duas possibilidades. 
Vejamos o que esses conceitos querem nos dizer.
4.1 Definição de método historiográfico
Mas, afinal, o que é método? Por que ele é tão importante para nós?
Método é aquilo que garante ao conjunto de pesquisadores, a fidúcia, o profissionalismo, a procedência, 
em outros termos, método é o que dá garantia de que aquele trabalho não é fruto da imaginação, ou 
da livre associação de ideias de quem o está apresentando ao público. Quando publicamos os resultados 
de nossas pesquisas, sempre apresentamos sobre qual método trabalhamos, sobre qual forma buscamos 
o levantamento das fontes, de que maneira nos portamos diante de certas questões-chaves, quais 
procedimentos usamos e as categorias que manejamos.
O método é a base de toda a ciência, de todo o saber acadêmico. Podendo ser a ciência humana, 
biológica ou exata. O método garante que qualquer um que se utilize dele em relação às fontes 
trabalhadas poderá alcançar os mesmos resultados que os apresentados no trabalho exposto.
 Lembrete
O estabelecimento de um método é fundamental para se chegar a um 
conhecimento seguro acerca de um determinado objeto. René Descartes 
foi um filósofo cuja maior importância reside justamente em elaborar tal 
método. Embora seu método pressuponha a abordagem matemática, a 
ideia de um exercício metodológico é uma contribuição fundamental. 
Figura 19 – O método historiográfico é o que garante a credibilidade do saber acadêmico frente a outras manifestações da memória
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Essa é a base de todo o conhecimento produzido pelo homem moderno. É a ideia de que o 
conhecimento está ao alcance da compreensão de qualquer um, pois ele é produzido pelo homem. 
O inverso da proposta de conhecimento produzido com o auxílio do método está concretizado 
na proposta do dogma, daquilo que não está ao alcance de nossa compreensão. É um atestado 
de procedência, sem sombra de dúvidas. Não é à toa que um dos livros que inauguraram a Era 
Moderna foi o paradigmático Discurso do Método, de René Descartes, como já vimos. Vamos voltar 
brevemente à questão da racionalidade.
A defesa do uso da razão pelos iluministas era um dos seus principais alicerces, se não o principal, 
pois se opunham veementemente aos referenciais explicativos usados amplamente durante boa 
parte da Idade Média, especialmente entre os séculos V e XII, baseado no pensamento legado por 
Santo Agostinho, o qual excluía a razão como princípio de acesso ao divino, em benefício da fé, 
para explicação dos mais diversos fenômenos, fossem eles astronômicos, físicos, ou até mesmo 
sociais, ou seja, durante boa parte da Idade Média, o entendimento oferecido sobre as coisas se fez 
baseado no dogma.
Olhando estruturalmente para a História do pensamento, está calçado na origem do processo 
que desembocou no Iluminismo no fim do século XVIII o movimento originado por Aquino através 
da reabilitação da razão, pois, diferente de Santo Agostinho, São Tomas de Aquino negava a 
interpretação que excluía a razão como forma de acesso ao divino. Para ele, a fé não excluiria o 
uso da razão, ou seja, a escolástica reabilitou a razão ainda na Idade Média. A adoção da razão 
não se deteve à Igreja e rompeu fronteiras para além daquelas observadas no horizonte do homem 
medieval, até mesmo do moderno. A era contemporânea inaugura um período em que o uso da 
razão se estende para todas as mediações possíveis.
Você conseguiu perceber que acabamos de fazer um exercício histórico sobre as transformações 
das ideias ao longo dos anos? Você percebeu que buscamos, através dessa exposição, observar 
as raízes de uma das principais revoluções do pensamento e que é a base da forma na qual o 
homem ocidental organiza e entende o mundo emque vive? De fato, o Iluminismo buscou se opor 
completamente a todo e qualquer resquício dogmático que ocultasse o conhecimento entre os 
homens, e se resguardou sobre o amparo da razão a fim de garantir o acesso à multiplicação do 
conhecimento entre os homens.
Quais eram as características principais desse importante momento da História Ocidental? 
Trabalhemos com o antropocentrismo e o racionalismo.
Antropocentrismo seria a postura que adota o homem como perspectiva. O homem como a 
medida de todas as coisas. O racionalismo foi tomado como meio de alcançar o entendimento, 
o conhecimento. O racionalismo seria então a ferramenta para o alcance do conhecimento da 
perspectiva dos homens. Ambas as propostas contrapõem-se aos seus opostos: o teocentrismo e 
o dogmatismo. Perspectivas características do período medieval, do qual o Iluminismo buscava se 
distanciar de uma vez por todas.
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Assim, o trabalho científico é fruto da postura iluminista de tomar conhecimento do conjunto 
de todas as coisas que possam estar ao alcance dos indivíduos. E a garantia de que o conhecimento 
produzido não seria fruto de uma explicação não racional e teocêntrica está no compromisso com 
o método. É ele que mostra o passo a passo, o encadeamento de todas as etapas de elaboração do 
trabalho, vedando qualquer possibilidade de o conhecimento cair em direção ao dogmático, àquilo que 
não pode ser provado.
Método, em poucas palavras, é a garantia de que seu trabalho pode ser verificado pelos seus pares a 
qualquer momento. Isso para qualquer uma das áreas do saber moderno.
Vale lembrar que diferente das Ciências Exatas, nós, das Ciências Humanas, não somos governados 
por leis como as da Física. Não prevemos coisas, não trabalhamos sobre o futuro. Falamos sobre as 
estruturas pelas quais, muitas vezes, o presente está assentado, o que é muito diferente.
Sobre essa importante questão, vejamos como o grande historiador britânico, Eric Hobsbawm, coloca 
a tarefa do historiador diante do futuro:
Todos os seres humanos e sociedades estão enraizados no passado – o de 
suas famílias, comunidades, nações ou outros grupos de referência, ou 
mesmo de memória pessoal – e todos definem sua posição em relação a 
ele, positiva ou negativamente. [...] As estruturas das sociedades humanas, 
seus processos e mecanismos de reprodução, mudança e transformação, 
estão voltados a restringir o número de coisas passíveis de acontecer, 
determinar algumas das coisas que acontecerão e possibilitar a indicação 
de probabilidades maiores ou menores para grande parte das restantes. Isso 
implica certo grau (admitidamente limitado) de previsibilidade – mas, como 
todos nós sabemos, isso não é, de modo algum, o mesmo que presciência. 
Além disso, cumpre ter em mente que a imprevisibilidade se afigura maior 
principalmente porque as discussões sobre previsão tendem a se concentrar, 
por razões óbvias, nas seções do futuro em que a incerteza parece ser maior, 
e não naquelas em que ela é menor (HOBSBAWN, 2013, p. 46).
[...]
O máximo que nós, historiadores, podemos afirmar é que, ao contrário da 
maioria das ciências sociais, não podemos passar ao largo dos problemas 
de nossa ignorância. [...] E talvez, também, apenas nós, no campo dos 
estudos humanos, precisemos pensar em termos e mudança, interação e 
transformação históricas. A História só fornece orientação, e todo aquele 
que encarar o futuro sem ela não só é cego, mas perigoso, principalmente 
na era da alta tecnologia (HOBSBAWN, 2013, p. 61).
[...]
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A História, cujo objeto é o passado, não está em condições de ser uma 
disciplina aplicada nessa acepção, no mínimo porque ainda não se 
descobriu nenhum modo de alterar o que já aconteceu. No máximo 
podemos fazer especulações contrafatuais sobre alternativas hipotéticas. 
Claro que passado, presente e futuro são parte de um continuum, e o 
que os historiadores têm a dizer, portanto, poderia permitir previsões e 
recomendações para o futuro. De fato espero que assim seja. As habilidades 
do historiador não são certamente irrelevantes para tal fim [...]. Em todo 
caso, muito do que fazemos tem que ficar de fora, especialmente tudo 
aquilo o que distingue o passado inalterável do futuro teoricamente 
mutável (HOBSBAWN, 2013, p. 107).
[...]
O interesse desse tipo de abordagem da dinâmica histórica não reside na 
possibilidade de verificar suas previsões [...]. O interesse dessas abordagens 
reside na tentativa de visualizar desenvolvimentos futuros (HOBSBAWN, 
2013, p. 119).
[...]
Entretanto, como historiador, estou sempre preocupado com o futuro – 
seja o futuro conforme já evoluído a partir de algum passado prévio, seja 
como é provável que evolua a partir do continuum do passado e do presente 
(HOBSBAWN, 2013, p. 119).
Ou seja, nossa tarefa de apontar tendências é de extrema relevância para a sociedade e é também 
o limite onde nos encontramos como historiadores. Se pudermos fazer uma analogia, a faremos com 
o papel do geólogo, que estuda os movimentos das placas tectônicas responsáveis pelos terremotos e 
maremotos mas que, por obviamente não ter o controle sobre tais placas, não pode prever quando tais 
fenômenos podem acontecer. Essa é muitas vezes a encruzilhada em que o historiador se encontra: não 
podemos dizer quando certos acontecimentos sociais podem acontecer, ou mesmo se virão um dia, mas 
podemos entender as estruturas que estavam por deles, pois conhecíamos as tramas em que os fios 
puxados no futuro se organizavam no passado.
Portanto, a Historiografia é o trabalho do historiador profissional, que se dedica à pesquisa acadêmica, 
vejamos, assim, o que seria o historicismo.
4.2 Historicismo
O historicismo busca no passado um plano fértil para histórias e/ou romances, busca identificação, 
muitas vezes, afetiva com quem lê e está muito mais voltado para a literatura do que para o 
trabalho acadêmico. Neste livro-texto, trabalhamos com as possibilidades metodológicas da pesquisa 
historiográfica.
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Outra grande e importante diferença entre os trabalhos produzidos pela Historiografia e os produzidos 
pelo historicismo se estende ao manuseio das fontes. No nosso ofício como historiadores, nos dirigimos 
ao passado não como quem busca modelá-lo a partir de ideias concebidas anteriormente – recorremos 
ao passado para observar como os fios da realidade sucessivamente se encadearam. Em nossa prática, 
não procuramos adaptar o passado as nossas convicções de como ele deveria ter sido ou de como 
imaginamos que ele deveria ter se comportado.
Figura 20 – O historiador é como um tecelão que busca o sentido através da criação de uma trama historiográfica
É fato que necessitamos fazer o levantamento de hipóteses de trabalho para elaborar nossa 
investigação, mas jamais podemos coagir nossas fontes, pelo contrário, nosso papel é dar-lhes vazão. 
Essa dificílima tarefa só poderá ser realizada de forma segura e coerente se o pesquisador em História 
tiver claro que só deve se dirigir ao passado se for um bom entendedor sobre seu presente, pois a partir 
do contexto em que está inserido é que o historiador poderá se dirigir ao pretérito de forma coerente.
A postura que adotamos no desenvolvimento da pesquisa historiográfica nos exige a capacidade de 
que, ao observarmos nosso objeto de estudo, sejamos capazes de identificar nele os primeiros sinais de 
outra História.
Ao nos dirigirmos ao passado, precisamos estar aptos a captar os sinais de mudanças,das questões 
que até então não eram levantadas pelos homens da época, mas que, a partir de certo momento, 
passaram a ser feitas pela sociedade, que sejamos hábeis em perceber que na formulação de novas 
leis, contratos e acordos entre os pares, podemos estar diante dos sinais de uma nova fase, diante dos 
germes das transformações históricas que se encaminharão a um novo arranjo histórico conforme o 
tempo se desenvolve.
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É parte do nosso ofício captar as mudanças, nos interessar pelas transformações, pelas rupturas e 
pelas crises. Mas, para isso, precisamos estar atentos às permanências, às constâncias. Por esse exato 
motivo, não devemos nos lançar sobre as fontes com um fórceps em mãos. Não será na base da confissão 
e da tortura que elas nos dirão os segredos da História.
Figura 21 – Os documentos utilizados pelo historiador são diversos e o estabelecimento do recorte deve 
estar afinado com a escolha de fontes
Nosso trabalho com o manuseio das fontes deve ser preciso e fino. Somos investigadores, e para isso 
devemos saber fazer-lhes as perguntas corretas, fazer com que elas falem, e não com que repitam aquilo 
que já esperávamos que fôssemos ouvir delas. Vejamos o que E. P. Thompson, outro notável historiador 
britânico, tem a dizer:
Os historiadores do futuro, que saberão como os fatos se passaram, 
terão uma ajuda poderosa para compreender não porque eles tinham de 
se processar da maneira pela qual se processaram, mas porque de fato 
assim fizeram; isto é, observarão no laboratório dos acontecimentos as 
evidências de determinação, não vistas como lei governada pela regra, 
mas no sentido de “fixação de limites” e “exercício de pressões”. E o 
historiador de hoje se situa exatamente na mesma posição em relação 
ao passado histórico, que é, simultaneamente, objeto de investigação e 
seu próprio laboratório experimental.
A explicação histórica não pode tratar de absolutos e não pode 
apresentar causas suficientes, o que irrita muito algumas almas simples 
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e impacientes. Elas supõem que, como a explicação histórica não pode 
ser tudo, é, portanto, nada, apenas uma narração fenomenológica 
consecutiva. É um engano tolo. A explicação histórica não revela 
como a História deveria ter se processado, mas porque se processou 
dessa maneira, e não de outra; que o processo não é arbitrário, mas 
tem sua própria regularidade e racionalidade; que certos tipos de 
acontecimentos (políticos, econômicos, culturais) relacionam-se não de 
qualquer maneira que nos seja agradável, mas de maneiras particulares e 
dentro de determinados campos de possibilidades; que certas formações 
sociais não obedecem a uma “lei”, nem são os “efeitos” de um teorema 
estrutural estático, mas se caracterizam por determinadas relações e por 
uma lógica particular de processo. E assim por diante. É muito mais. 
Nosso conhecimento pode satisfazer alguns filósofos, mas é bastante 
para nos manter ocupados (THOMPSON, 1981, p. 61).
Nossa investigação exige de nós a capacidade de observar as mudanças sobre os usos e costumes, 
que observemos as rupturas nos seus primeiros sinais de uma nova fase, observar os germes das 
transformações. Dessa perspectiva, diferentemente dos geólogos, não vamos às fontes com picaretas. 
Dito isso, nosso trabalho não consiste em dar uma fala final à História. Muito pelo contrário, no trabalho 
com o passado, vasculhamos um período que deve ser resgatado, reaberto, para que ele nos forneça os 
elementos que elucidem a realidade do seu tempo.
É por isso que pesquisamos a História Antiga, ou mesmo períodos anteriores à escrita, pois toda vez 
que o historiador faz sua viagem às fontes, busca lançar uma nova luz através da formulação de suas 
questões feitas a partir de onde ele se encontra, ou seja, no tempo presente. Vejamos uma passagem 
muito conhecida escrita por Walter Benjamin sobre essa nossa tarefa:
O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio 
exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão 
em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer 
(BENJAMIN, 2008, p. 224).
Mesmo que o nosso material de trabalho seja o passado, nossa justificativa se forma no presente. 
Assim, observamos o que passou sempre de forma nova, não fornecemos explicações definitivas, mas 
interpretações contemporâneas sobre o passado. Não quer dizer que determinados acontecimentos 
históricos não tenham ocorrido conforme nos deslocamos em relação a ele. Somente quer dizer que, 
diante dos fatos, buscamos compreendê-los com questões que são resultado do acúmulo de perguntas 
feitas no nosso presente.
 Observação
A ideia de que a História é sempre “história do presente” encontrou 
certa resistência quando foi formulada na década de 1920. Hoje, temos 
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plena consciência de que a Historiografia obedece a demandas atuais 
e se vincula não somente a projetos políticos, mas ao próprio contexto 
acadêmico de produção. São muitos os fatores atuais que orientam nosso 
olhar para o passado. 
Figura 22 – A pesquisa da História Antiga é sempre ligada a questões do presente
Por isso nosso ofício se renova a todo tempo, contrariando a interpretação do senso comum. Nosso 
trabalho é o de escavar as fontes, de trazê-las à superfície e de não cimentá-las ou enterrá-las de uma 
vez. De certa forma, damos às vozes esquecidas no passado uma chance de falarem no presente. Walter 
Benjamim, em sua famosa tese Sobre o Conceito de História traz uma imagem muito interessante sobre 
os conflitos da nossa atividade:
Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo 
que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos 
estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história 
deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós 
vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que 
acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele 
gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas 
uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força 
que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente 
para o futuro, [para o] qual ele vira as costas, enquanto o amontoando de 
ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso 
(BENJAMIN, 2008, p. 226).
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Figura 23 
4.3 História dos métodos da História
Durante muitos anos, a escrita da História se confundiu com a criação de memórias oficiais. Sua função 
era basicamente a legitimação, a justificativa dos grandes grupos e/ou indivíduos, famílias que buscavam 
perpetuar sua manutenção no status quo. Era uma verdadeira construção da tradição. Será só no século 
XIX que a escrita da História passará a dar seus passos em direção àquilo que conhecemos hoje.
Com Leopold von Ranke e a publicação de História dos Povos Latinos e Germânicos foi introduzido o 
debate sobre o ofício da Historiografia, da pesquisa histórica baseada em métodos apreciáveis por pares. 
Quais são os métodos usados no trabalho historiográfico? Na maior parte do tempo, estamos entretidos 
no levantamento da documentação do nosso objeto pesquisado e na sua interpretação. Podemos dividir 
em princípio as fontes em duas classes, vejamos a seguir:• Fontes primárias ou diretas: podem ser documentos oficiais escritos, censos demográficos, 
estatísticas do período, dados aduaneiros (alfandegários), gravações orais e/ou visuais, dentre 
outros.
• Fontes secundárias ou indiretas: podem ser objetos arqueológicos, utensílios domésticos, obras 
de arte: música, artes, iconografia do período; costumes, códigos sociais, morais e/ou religiosos, 
dentre outros.
Esses dois grupos se entrecruzam, conforme o historiador organiza e verifica sua autenticidade 
para só então poder desenvolver uma interpretação sobre o ocorrido. Tendo em vista a importância do 
método para a atividade do historiador, vejamos como a Historiografia se organizou ao longo do tempo 
em diferentes perspectivas e escolas.
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Duas escolas historiográficas muito relevantes e que serviram de base para as demais 
posteriormente apresentadas, seja por rupturas ou por continuidades sobre seus pontos de 
vista, são a escola materialista histórica e a Escola dos Annales, que veremos adiante. Ambas as 
correntes historiográficas partem do pressuposto de que é necessário ao trabalho historiográfico 
o compromisso com o método científico, do qual já descrevemos a vital importância para o 
pensamento que se baseia no uso da razão.
Mas, afinal, não é condição de partida trabalhar com o auxílio da razão? Ambas as escolas, 
segundo o historiador Ciro Flamarion (apud CARDOSO; VAINFAS, 1997), estão em diálogo direto 
com os desejos e perspectivas do projeto iluminista do uso da razão, conforme já mencionado. 
Assim tanto a Escola dos Annales quanto o materialismo histórico buscam se afastar por completo 
de respostas irracionais e ou inverídicas e se aprofundam no uso do método científico voltado 
para as Ciências Humanas como principal elemento de defesa de suas práticas teóricas, opondo-se 
simultaneamente a toda História que fosse produzida fora desse paradigma científico, o já então 
citado historicismo.
Agora que compreendemos a que se refere a definição dessas duas escolas como herdeiras do 
projeto iluminista, podemos compreender o porquê de sobre elas terem recaído as mais diversas críticas 
dos chamados pós-modernos com relação a suas produções, pois os pós-modernos, dentre outras 
características, são especialmente críticos ao projeto iluminista.
 Resumo
A ciência é uma atividade de conhecimento específica frente a outras 
possibilidades de interpretar a realidade. Seus fundamentos, embora 
retomados dos escritos filosóficos gregos, se estabelecem na chamada 
Revolução Científica, um desdobramento do Renascimento Cultural, que 
pôde ser estabelecida no século XV e XVI. Teorias importantes como o 
heliocentrismo foram concebidas segundo a premissa de que era necessário 
interpretar a realidade tal como um livro a ser lido.
Um dos postulados fundamentais da ciência é que o conhecimento 
nela produzido se baseia na previsibilidade dos fenômenos. No entanto, 
a discussão em torno do estatuto dos conhecimentos científicos tem-se 
tornado complexa e falamos em dois tipos de ciências: as nomotéticas 
(baseadas em leis) e ideográficas (aquelas que lidam com o particular).
Tais ciências demandam distintos processos cognitivos: enquanto as 
primeiras procuram explicar os fenômenos; as segundas levam em conta a 
compreensão, sendo o método das Ciências Humanas por excelência.
A História, tal como a concebemos, nasceu como ciência, mas, 
mesmo dentro das Ciências Sociais, ela apresentava suas especificidades. 
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Primeiramente, se a História lida com o particular, como ela poderá 
apresentar leis gerais? Além disso, como encontrar alguma racionalidade 
na História se ela lida com a transformação e o específico? Tais questões 
podem ser respondidas de maneiras diversas: há aqueles que negam que 
a História seja uma ciência (como o historiador Paul Veyne), e outros que 
afirmam que a História lida, sim, com certas generalidades através dos 
conceitos, tal como afirma Edward Carr.
As discussões em torno das relações entre memória e História têm-se 
tornado mais complexas nos últimos anos. Tradicionalmente, a História 
seria um conhecimento do passado e das transformações sociais com 
caráter científico, enquanto a memória seria uma revisitação do passado 
mais espontânea, sem método e, por isso, sem a mesma credibilidade de um 
conhecimento historiográfico. Hoje seria mais correto falar em memória 
como um conceito mais geral. A História seria uma memória específica, 
produzida em meios acadêmicos: uma memória científica.
Mesmo assim, ainda se faz necessário pontuar algumas diferenças entre 
a memória espontânea e a memória científica. A memória espontânea 
tende a ser mais coerente, é reforçada com certa periodicidade, se vale 
dos monumentos como artefatos que moldam a memória coletiva. Já a 
História (a memória científica) se vale de documentos para a construção 
do conhecimento, vestígios do passado analisados criticamente tanto em 
termos de autenticidade como em relação ao contexto, a intenções do 
produtor e ao destinatário.
Essa documentação é submetida a um rigoroso método: o método 
historiográfico.
O método é nossa garantia de que o resultado de nossas pesquisas pode 
ser considerado fruto de um trabalho sério e ter sua validade reconhecida 
socialmente. Ao fundamentarmos nossa pesquisa sobre parâmetros, 
regras oferecidas pelo método historiográfico pelo qual nos definimos, 
estamos nos filiando a concepções bem estruturadas às quais estaremos 
constantemente nos remetendo em nossos textos, garantindo a coerência 
interna em nossa exposição historiográfica.
Vimos então as duas principais escolas historiográficas: o materialismo 
histórico e a Escola dos Annales. Compreendemos que elas buscam oferecer 
análises panorâmicas ou, em outras palavras, uma História totalizante. 
Cada qual adotando referenciais definidos e distintos, por mais que muitas 
vezes exista o diálogo entre elas.
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Unidade I
 Exercícios
Questão 1. “O desenvolvimento dos estudos históricos é um dos traços distintivos do 
movimento intelectual do século XIX. Tal desenvolvimento é a manifestação, na área das ciências 
morais, do espírito científico ao qual pertence doravante a direção da sociedade moderna“ 
(MONOD, G. Les études historiques en France. Revue internationale de l’enseignement, XVIII, 
1889. p. 587 apud PAYEN, P. A constituição da história como ciência no século XIX e seus modelos 
antigos: fim de uma ilusão ou futuro de uma herança? História da Historiografia, Ouro Preto, n. 6, 
mar. 2011. p. 103-122).
As ideias anteriores são do historiador francês Gabriel Monod, aluno de Jules Michelet e fundador no 
século XIX da importante revista de história francesa Revue Historique. Repercutia, em seus trabalhos, a 
corrente historiográfica então em evidência, a história positiva. 
Sobre o ambiente intelectual da época que se manifestava também na área da História, não podemos 
afirmar que: 
A) A história era definida como “ciência” e, nessa condição, se inseria na herança das Luzes em uma 
linha de progresso.
B) O método científico seria o único a oferecer bases seguras para um conhecimento verdadeiro.
C) Ainda que com aspirações a serem consideradas científicas, reconhecia-se que havia peculiaridades 
relativas às ciências humanas.
D) A Física e a Matemática constituíam as principais referências quando se pensava em ciência 
nessa época.
E) Tendo em vista o fato de que a história é apenas uma narrativa de acontecimentos 
considerados verdadeiros,os historiadores não se ocuparam do século XIX em aproximá-la 
de parâmetros científicos.
Resposta correta: alternativa E.
Análise das alternativas 
A) Alternativa correta.
Justificativa: de fato, o entendimento da história como ciência, próprio da constituição dessa 
disciplina no século XIX, a coloca em linha de continuidade com o racionalismo científico gestado no 
início da Modernidade.
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HISTORIOGRAFIA GERAL
B) Alternativa correta.
Justificativa: o século XIX, também conhecido como “século da ciência”, consagrou o método 
científico como único recurso de validação do conhecimento.
C) Alternativa correta.
Justificativa: sim, reconhecia-se particularidades nas ciências humanas, na História, inclusive, o que 
levou à busca para estabelecer métodos específicos de análise. 
D) Alternativa correta.
Justificativa: sim, serviam de parâmetros, e aqueles conhecimentos que não se enquadrassem em 
critérios deduzidos dessas duas áreas eram vistos como de segunda ordem.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: isso não é verdade, pois houve esforços por parte dos historiadores em aproximar o 
máximo possível a história de padrões científicos. É o caso da História positivista e dos métodos de 
crítica histórica então criados. 
Questão 2. “Muito antiga, a história, narrativa dos acontecimentos, só se iguala às artes e à filosofia; 
por isso, tem uma musa, Clio. Mas isso significa também que a história, como discurso, é anterior às 
demais ciências sociais, anterior às universidades... A história como discurso é muito antiga, e passa por 
transformações (as diferentes formas do fazer historiográfico), nos vários momentos dessa trajetória. 
Momento decisivo nessa travessia é aquele em que se constituem as Ciências Sociais, desde os meados 
do século XVIII e ao longo do século XIX; porque, a partir de então, engaja-se inexoravelmente o diálogo 
entre a história preexistente e as ciências sociais emergentes” (NOVAIS, F. A.; SILVA, R. F. Nova história 
em perspectiva. São Paulo: Cosac Naify, 2011. p. 9).
A história com estatuto científico é produto do século XIX e sofreu interação com as áreas de 
conhecimento então emergentes. Estão, nesse caso, as seguintes disciplinas científicas: 
A) Geografia, Economia e Numismática. 
B) Sociologia, Geografia, Antropologia.
C) Sociologia, Política, Eugenia.
D) Física, Sociologia e Economia.
E) Positivismo, Filosofia Clássica e Frenologia.
Resolução desta questão na plataforma.

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