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John Rawls: uma teoria da justiça 
A sociedade é, para Rawls (1921-2002), uma associação de pessoas que reconhecem carácter vinculativo a um determinado conjunto de regras e actuam de acordo com elas. Essas normas existem para cimentar um sistema de cooperação entre todos para benefício de todos. Por isso, numa sociedade existe uma certa identidade de interesses, pois todos têm a ganhar com a cooperação: vivem melhor em sociedade do que viveriam isolados. No entanto, também existe conflito de interesses, pois «os sujeitos não são indiferentes à forma como são distribuídos os benefícios acrescidos que resultam da sua colaboração, já que, para prosseguirem os seus objectivos, todos preferem receber uma parte maior dos mesmos.» Para resolver este conflito são necessários princípios ou regras que nos ajudem a escolher qual será a melhor forma de organizar a sociedade, isto é, a melhor forma de repartir esses benefícios. Desta forma, o papel da justiça na sociedade não se resume à reposição das irregularidades e aos castigos aos criminosos. A função da justiça é mais profunda: é a de definir a atribuição de direitos e deveres e a de distribuir os encargos e os benefícios da cooperação social.
A teoria da justiça como equidade baseia-se em dois princípios de justiça fundamentais, mas antes de os enunciar, vamos analisar o argumento contratualista que Rawls encontrou para lhes dar legitimidade (racional e ética).
Imaginemos que podemos escolher a estrutura sócio-política que organiza a nossa sociedade («estrutura básica»). Rawls convida-nos a pensar no seguinte: «Se fosse possível escolher as regras que determinam a organização da sociedade, quais seriam as regras que eu escolheria?» A esta situação inicial imaginária Rawls chamou «Posição Original».
Imaginemos também que, para escolhermos com imparcialidade, na P.O. não sabemos quem somos, nem que profissão temos, a que classe social pertencemos, etc. Sabemos apenas os factos gerais da sociedade humana, assuntos políticos, económicos. Factos particulares sobre cada um, não são conhecidos, isto é, temos que imaginar que estamos cobertos por um «Véu de ignorância» que nos impede de saber se somos ricos ou pobres, professores ou alunos, atletas ou advogados, etc.
Imaginemos ainda que nessa situação hipotética inicial todos somos iguais, temos as mesmas possibilidades de expressão e argumentação. Todos possuímos os mesmos direitos no processo de escolha das regras de organização da sociedade.
Pode-se perguntar qual a utilidade desta suposição abstracta e impossível de realizar na vida real, e a resposta é simples: trata-se de um argumento racional e lógico do qual devem derivar os princípios de justiça. Uma situação como a posição original garante a imparcialidade e equidade de escolha. Portanto, princípios de justiça escolhidos nessa situação serão imparciais e equitativos.
Segundo Rawls, qualquer pessoa que se imagine na posição original escolheria os dois princípios de justiça que ele enunciou:
Cada pessoa terá direito igual ao mais vasto sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para todos;
As desigualdades sociais e económicas serão dispostas de forma a serem simultaneamente: a) para o maior benefício dos menos favorecidos (…) e b) ligadas a postos e posições acessíveis a todos, em condições de igualdade e oportunidade justas.
Enquanto o primeiro princípio é a garantia das liberdades individuais, tais como a liberdade de expressão, associação, culto, etc., o segundo princípio atinge as desigualdades sociais procurando diminui-las, sem no entanto sacrificar a igualdade de oportunidades.
Mas porquê escolher estes princípios e não outros? Rawls defende que a escolha destes princípios seria feita utilizando o critério de maximin.
A utilização do critério maximin consiste em imaginar quais seriam os piores resultados possíveis das diversas concepções de justiça concorrentes, e ordená-las numa escala. A concepção de justiça que tiver os piores resultados menos maus é a que deve ser escolhida. Dito de outra forma, a concepção que deve ser adoptada é aquela cujo pior resultado possível seja ainda assim melhor do que o pior resultado de qualquer outra concepção concorrente.
Segundo este critério os princípios de justiça que trazem os melhores piores resultados (isto é, os menos maus) para a vida em sociedade são aqueles avançados por Rawls. Outras opções (a utilitarista, por exemplo) teriam resultados piores para as pessoas, e por isso não deveriam ser escolhidas.
John Rawls, Uma teoria da Justiça (1971) - Resumo
A teoria da Justiça de Rawls visa combater principalmente dois tipos de visão filosófica: o utilitarismo (nas variantes total e média do princípio da utilidade) e o perfeccionismo (nas variantes “fraca” e “forte”).
Utilitarismo:
Sistema teórico que estabelece como primeiro princípio a “utilidade”: O bem humano é identificado com a felicidade (definida como uma vida repleta de prazer e pobre em dor). Se este é o bem supremo humano, cabe ao Estado medir e maximizar a felicidade na sociedade. É possível fazer isto duas formas:
a) Maximizando a utilidade total: Mede-se a felicidade de cada indivíduo e soma-se, visando a maximizar esta soma cada vez mais.
Problema: Embora tenha o mérito de considerar a felicidade de cada indivíduo, esta variante, por considerar que a soma total deve ser maximizada, permite que um Estado faça isto simplesmente
aumentando a população (se “x” pessoas geram a soma “y”, então“x+1” gerarão “y+1”). Se o aumento populacional for suficientemente grande, pode-se inclusive aumentar a soma mesmo
que a utilidade das pessoas individualmente esteja caindo.
b) Maximizando a utilidade média: Variante mais aceita do utilitarismo, defende que a utilidade tem de ser medida entre todos os indivíduos e então feita uma média aritmética da utilidade total.
É esta utilidade média que tem de ser medida. Com isto, escapa-se às dificuldades iniciais do sistema e foca-se como prioridade a evolução da sociedade como um todo, mas outras surgem. A
principal é que se o que interessa é tornar o total mais feliz, é possível a aplicação de medidas que reduzam (mesmo drasticamente) a felicidade de uma parte da população para que se
aumente a da outra, a média for maior ao termino do processo. Se tal postura permite políticas de transferência de renda para as classes mais baixas, também poderia permitir sistemas escravistas ou de castas para uma minoria a fim de maximizar a utilidade da
maioria. Mesmo uma política que reduzisse muito pouco a utilidade da grande maioria da população em favor de uma grande utilidade da minoria poderia ser aceita, desde que passasse no teste da utilidade média.
As duas variantes, portanto, não garantem os direitos fundamentais do cidadão, já que estes podem ser suspensos se se considerar que tal ato aumenta as utilidades total ou média.
Perfeccionismo:
Estabelece como o bem da humanidade (ou das pessoas) a maximização das perfeições humanas (arte, filosofia, ciências, virtudes...). Se este é o bem maior, cabe ao Estado medi-lo e maximizá-lo. Pode-se fazer isto de duas formas:
a) Pefeccionismo “forte”: Diz que uma sociedade tem seu mérito avaliado pelo número e nível das pessoas que alcançaram sua perfeição em seu seio. Uma sociedade com grandes filósofos e artistas seria, portanto seria o ideal de sociedade, estando todos os outros fins subordinados a isto. Porém, obviamente, gera-se a mesma dificuldade do utilitarismo médio, já que (assim como na Grécia), uma sociedade de grandes intelectuais, artistas, políticos e cientistas pode ser sustentada pela escravidão.
b) Pefeccionismo “fraco”: Não tão radical quanto a variante forte, sustenta que, por ser a perfeição dos indivíduos o bem maior da sociedade, deve-se buscar acima de tudo implementar políticas que incentivem os cidadãos a alcançar sua plenitude, seja ela na área que for. Assim, poderiam ser criados bibliotecas, cineclubes, ginásios, e universidades públicos que elevem as pefeições dos indivíduos. O problemaé que a além da dificuldade óbvia sobre o que conta como uma perfeição, uma sociedade poderia escolher privar-se de necessidades essenciais para patrocinar as perfeições.
Fora isto, esta variante apresenta as mesmas dificuldades de sua irmã forte e do utilitarismo, já que não garante as liberdades e direitos fundamentais.
Note-se que ambas teorias apresentam o mesmo problema ( a falta de garantia de direitos) pela mesma razão. Isto porque escolhem um bem (a utilidade ou a perfeição) como supremo e em seguida o colocam como o fim, o télos da sociedade.
Mas ao fazerem isto, permitem que qualquer coisa seja feita em nome deste télos. Por elegerem primeiro um fim para depois gerar um sistema jurídico-político que o satisfaça, tais teorias são chamadas teleológicas, e pecam justamente por porem o bem antes do direito. Para Rawls, a única saída para garantirem-se os direitos fundamentais é pôr o direito antes do bem, ajustando o primeiro de maneira a gerar uma sociedade onde a justiça (déon, em grego) impera antes dos objetivos. Por pôr o direito e a justiça antes do bem, trata-se de uma teoria deontológica.
Note-se que não é só nos direitos fundamentais que tal teoria respeita mais o indivíduo. Estabelecer uma concepção prévia do bem, as teorias teleológicas tendem a excluir aqueles que não concordam com o dito bem. Pessoas que acham que o prazer não é determinante para a felicidade, ou que não possuem talentos culturais podem se dizer excluídas do utilitarismo e do perfeccionismo, respectivamente. Já as teorias deontológicas tendem a organizar a sociedade de maneira justa para que os indivíduos busquem o bem se acordo com suas próprias convicções.
O ponto de partida: a posição original
Se é preciso criar um sistema de regras justas, é preciso que tais regras sejam imparciais. Mas como atingir este objetivo se as pessoas tendem a defender seus interesses particulares? Para poder superar esta dificuldade e responder à questão sobre o que é justo, Rawls concebe um artifício engenhoso: a posição original. Segundo o autor, só se pode responder às questões de quais princípios são justos com um experimento hipotético de pensamento.
Imaginemos um grupo de indivíduos que estão prestes a formar uma sociedade (em situação parecida com o momento da assinatura do “contrato”, para os contratualistas). Para isto, precisam escolher que princípios formarão a base de seu sistema jurídico-político. Para isto, não podem decidir baseados em seus interesses particulares, e para garantir que não o façam, joga-se sobre eles um “véu de ignorância”:
Não sabem a que classe social pertencem, se a sociedade é rica ou pobre, seu grau civilizatório, se são de alguma minoria étnica ou religiosa. Devem decidir, portanto, baseados apenas em seu senso de justiça.
Percebamos o quanto este artifício é engenhoso. Uma sociedade de católicos, por exemplo, poderia instituir a inquisição como prática estatal. Como, no entanto, os indivíduos não conhecem suas posições particulares, precisam se precaver contra possíveis perseguições políticas ou religiosas. A fim de evitar futuras complicações, estabelecem como primeiro princípio o de que “Cada um tem um igual direito ao mais extensivo sistema total de liberdades básicas iguais, compatíveis com um similar sistema de liberdades para todos”.
Ao perceberem, no entanto, que não sabem a que classe pertencem, enfrentam um dilema: Precisam se resguardar contra a miséria caso descubram que são da classe mais baixa. Para isto, poderiam determinar uma distribuição igualitária da riqueza, mas, por outro lado, não parece justo que alguém que trabalhou a vida toda receba o mesmo que uma pessoa que não fez nada por si ou pela sociedade. 
Como equilibrar as duas considerações? Em que situações é justo que uma pessoa receba um
quinhão maior que outra? Resolvem este problema colocando as desigualdades sociais em favor do todo, e estabelecem como segundo princípio que “As desigualdades sociais e econômicas têm de ser ajustadas de maneira que sejam tanto para o maior benefício dos menos priviligiados quanto ligadas a cargos e posições abertos a todos, sob condições eqüitativas de oportunidade”. Assim, a desigualdade só é permitida quando beneficia os menos favorecidos.
Por fim, para que suas liberdades não sejam cerceadas em favor de uma maior igualdade de oportunidades ou de riquezas, estabelecem um ordenamento serial, ou léxico entre os dois princípios. Isto significa dizer que o primeiro tem prioridade total sobre o segundo, de maneira que o segundo só pode ser implementado se o primeiro for completamente implantado. Isto significa dizer que a liberdade só pode ser limitada favor da própria liberdade. Um caso emblemático disto é o da tolerância religiosa. Uma eventual seita intolerante tem o direito de existir, pois a mera existência desta não fere a liberdade dos outros. Mas a partir do momento em que esta passa a limitar a liberdade alheia (quando ocorrem perseguições religiosas, por exemplo), esta passa ser passível de extinção. Ou seja, limitou-se a liberdade localmente para que fosse aumentada globalmente. 
Uma outra possível aplicação destes princípios se dá no âmbito do direito internacional, no qual cada Estado é visto como um membro da posição original, estabelecendo princípios semelhantes entre estes.
Percebam que este argumento rebate uma das principais críticas aos sistemas contratualistas, a saber: que o contrato é fictício, nunca foi assinado e, por isto, não precisa ser obedecido. Isto porque os princípios não são válidos porque foram assinados ou validados por todos, e sim porque seriam aceitos na posição original.
Os quatro estágios:
Continuando o processo de formação da sociedade, Rawls imagina um processo d quatro estágios. O primeiro, descrito anteriormente, explicita o momento de total ignorância, no qual são escolhidos os dois princípios. A seguir vem o segundo estágio, no qual, orientados pelos princípios, os membros da sociedade criam uma constituição. Para isto, levanta-se parcialmente o véu da ignorância, de maneira que os legisladores têm acesso aos princípios da teoria social e sobre as condições políticas, econômicas e civilizatórias de sua sociedade. Gerarão, então uma constituição de acordo com os princípios e que se encaixe com estas contingências. Como cada sociedade está exposta a contingências diferentes, cada uma terá uma constituição justa, ainda que diferentes uma da outra (o que já não ocorre com os princípios).
O terceiro estágio refere-se à criação do restante do sistema legislativo, que visa manter os dois princípios sempre intactos. Para isto, levanta-se mais um pouco o véu da ignorância, de maneira que os legisladores já tem acesso aos plenos fatos sociais e econômicos, ainda que desconheçam suas identidades.Assim, geram um sistema que vise a eficiente e mútua cooperação social.
Por fim, no último estágio, levanta-se totalmente o véu, de maneira que as regras passam a ser aplicadas aos casos particulares pelo judiciário. Obviamente, o sistema legislativo não estaria completo apenas com os princípios para as instituições, sem princípios também para os indivíduos. 
Destas considerações, segue-se que três normas de conduta são apropriadas aos indivíduos: Os deveres naturais (princípios que já são inerentes à natureza humana, como não lesar, manter a justiça, não condenar injustamente, manter a justiça..), as obrigações (princípios que nascem do
relacionamento com as instituições, com a fidelidade aos contratos, a equidade, etc..) por fim, as permissões, em especial as super-rogatórias, que não são obrigatórias, mas são desejáveis no ser humano, como piedade, a coragem e a beneficência.
O problema das gerações:
Um problema surge do experimento da posição original: Os membros não sabem a qual geração pertencem. Isto gera uma dúvida sobre como as gerações devem se tratar. Pode a primeira não deixar nada para a posterior em termos de recursos, poupança, cultura, ect? Pode a última torrar tudo o que recebeu das anteriores? Quanto deve deixar uma geração para seus descendentes?Para resolver isto, Rawls apela novamente à posição original. Como as pessoas não sabem a qual geração pertencem, estabelecem uma taxa de poupança razoável de maneira que as primeiras gerações (presumivelmente mais pobres) doem menos e as últimas, mais. Pode-se também aplicar o segundo princípio (“princípio da diferença”) entre as gerações, de maneira que sempre se poupe de maneira a beneficiar os menos favorecidos das gerações seguintes. No entanto, o princípio da diferença não pode ser aplicado integralmente, já que a primeira geração não pode receber nada das demais. No entanto, por ser, provavelmente a mais pobre, pode se contentar em deixar pouco mais que instituições justas para as seguintes.
Dever e desobediência:
Os deveres naturais e as obrigações naturalmente obrigam os cidadãos para com a Lei. Isto porque, numa sociedade com instituições justas publicamente reconhecidas como tal, as pessoas são respeitadas em seu mais alto grau, devido à garantia das liberdades e condições mínimas de sobrevivência. No entanto, como tal sociedade é governada por alguma forma de democracia constitucional, leis injustas, causadas por más interpretações da regra da maioria, podem eventualmente aflorar. É claro que a democracia garante muitos meios legais e políticos para que se filtrem as injustiças ainda no processo legislativo, mas vez por outra todos esses meios falham.
Neste caso, o que fazer?
Segundo Rawls, temos um dever para com a constituição, e devemos respeitá-la.
Caso uma lei injusta passe, devemos obedecê-la, mesmo dela discordando. Isto porque nosso dever para com a constituição nos obriga a não desmoralizá-la em função de uma lei menor. No entanto, a coisa muda figura quando uma lei explicitamente injusta fere os princípios da própria constituição, como quando são aprovadas restrições às liberdades das minorias. Neste caso, a população tem o direito (e porque não, o dever?) de desobedecer, seja através da recusa individual (recusa por motivos de consciência) ou coletiva (desobediência civil).
Diferentemente da recusa por motivo de consciência, a desobediência civil é um ato público e, portanto, político. Visa convencer a maioria que sua decisão foi injusta. Por isto, precisa apresentar razões políticas para seus atos.
Uma visão interessante de Rawls é que como a desobediência civil visa mostrar a injustiça de uma lei, segue-se que ela, mesmo estando à margem da lei, seve como uma última garantia de respeito aos direitos básicos, estando portanto, incorporada nos trâmites políticos, ainda que não nos legais. Nela, desrespeitamos a lei por respeito à constituição. Por isto mesmo, ela é por definição não violenta, já que a violência agride à constituição.
Estabilidade:
Por mais sólida que uma teoria seja do ponto de vista lógico, ela não se manterá se não for sustentada pelos membros da sociedade. Por isto, é necessário demonstrar que teoria de Rawls sustenta uma boa vida para seus cidadãos e que será sustentada por estes.
Para que uma pessoa seja considerada como incluída na teoria, ele deve ter uma concepção de bem ( um plano racional de como levar sua vida de maneira que velha a pena) e um senso de justiça (que a obrigue sinceramente como os dois princípios e para com a comunidade). Neste sentido, a teoria de Rawls é a que melhor se adapta a estas circunstâncias, já que é a que permite a realização destes planos com maior liberdade (em relação principalmente com as teorias teleológicas), enquanto o princípio da diferença garante que os fracassos nunca serão naufragantes para a pessoa. Ademais, por garantir os direitos dos cidadãos, os respeita em sua forma mais básica, tratando-os como fins e não como meios. A demais, é a manifestação máxima do desejo que Kant disse que temos de nos expressar como seres racionais, livres e iguais. Ela é portanto, a concepção que mais tem condições de levar seus cidadãos à felicidade ( definida aqui
como o fato de alguém levar a cabo seu plano racional de vida, alcançando pelo menos
suas metas mais importantes).
John Rawls (Baltimore, 21 de Fevereiro de 1921 — Lexington, 24 de Novembro de 2002) foi um professor de Filosofia Política na Universidade de Harvard, autor de Uma Teoria da Justiça (A Theory of Justice, 1971), Liberalismo Político (Political Liberalism 1993), e O Direito dos Povos (The Law of Peoples 1999).
Justiça
Retomando a teoria do contrato social, Rawls propõe-se a responder de que modo podemos avaliar as instituições sociais: a virtude das instituições sociais consiste no fato de serem justas. Em outros termos, Para o filósofo norte-americano, uma sociedade bem ordenada compartilha de uma concepção pública de justiça que regula a estrutura básica da sociedade. Com base nesta preocupação, Rawls formulou a teoria da justiça como eqüidade. Mas, como podemos chegar a um entendimento comum sobre o que é justo?
Para chegar a tal resultado, ele imaginou uma situação hipotética e histórica similar ao estado de natureza (chamada de posição original) na qual determinados indivíduos escolheriam princípios de justiça. Tais indivíduos, concebidos como racionais e razoáveis, estariam ainda submetidos a um "véu de ignorância", ou seja, desconheceriam todas aquelas situações que lhe trariam vantagens ou desvantagens na vida social (classe social e status, educação, concepções de bem, características psicológicas, etc.). Desta forma, na posição original todos compartilham de uma situação eqüitativa: são considerados livres e iguais.
Ao retomar a figura do contrato social como método, Rawls não deseja fundamentar a obediência ao Estado (como na tradição do contratualismo clássico de Hobbes, Locke Rousseau) e Kant. Ligando-se a Kant (construtivismo kantiano), a idéia do contrato é introduzida como recurso para fundamentar um processo de eleição de princípios de justiça, que são assim descritos por ele:
Princípio da Liberdade: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que sejam compatíveis com um sistema de liberdade para as outras
Princípio da Igualdade: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo: a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável (princípio da diferença); b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos (princípio da igualdade de oportunidades).
Fiel a tradição liberal, Rawls considera o princípio da liberdade anterior e superior ao princípio da igualdade. Também o princípio da igualdade de oportunidades é superior ao princípio da diferença. Em ambos os casos, existe uma ordem lexical. No entanto, ao unir estas duas concepções sob a idéia da justiça, sua teoria pode ser designada como "liberalismo igualitário", incorporando tanto as contribuições do liberalismo clássico quanto dos ideias igualitários da esquerda.
Tais princípios exercem o papel de critérios de julgamento sobre a justiça das instituições básicas da sociedade, que regulam a distribuição de direitos, deveres e demais bens sociais. Eles podem ser aplicados (em diferentes estágios) para o julgamento da constituição política, das leis ordinárias e das decisões dos tribunais. Rawls também esclareceu que as duas formas clássicas de capitalismo (de livre mercado ou de bem-estar social), bem como o socialismo estatal seriam "injustos". Apenas um "socialismo liberal" (com propriedade coletiva dos meios de produção)" ou mesmo uma "democracia de proprietários" poderia satisfazer, concretamente, seus ideiais de justiça.
O liberalismo político (1993)
Após reformular e aperfeiçoar algumas das suas teses, além de incorporar e responder a seus escritos, Rawls apresentou uma nova versão de sua teoria na obra "O liberalismo político", publicada em 1993.
Neste texto, Rawls rebateu a crítica de que sua teoria seria apenas uma alternativa a mais diante das diferentes visões valorativas que existem no mundo moderno. Partindo do fato do pluralismo valorativo, ou seja, da multiplicidade de concepções abrangentes da vida social presentes na cultura contemporânea, ele argumentaque sua teoria tem um caráter político, sem qualquer conotação moral. O desafio fundamental de sua teoria é justamente buscar um consenso sobre o que é justo diante da multiplicidade de doutrinas abragentes de comunidades, grupos e indivíduos. Sua teoria buscar determinar o que é 'justo', não o que é o que é 'moral', 'ético' ou 'bom'.
Diante da fragmentação e da diversidade de visões de mundo atual, ele sustenta a necessidade de um "consenso sobreposto", qual seja, um consenso em torno de uma concepção pública de justiça compartilhada pela comunidade social. A busca deste consenso exige da parte dos cidadãos o uso da razão pública, ou seja, da capacidade de colocar-se na esfera pública buscando alcançar um entendimento em torno dos dissensos resultantes da pluralidade de doutrinas abrangentes.
Neste ponto, a proposta filosófica de Rawls aproxima-se fortemente da visão de democracia deliberativa defendida pelo filósofo alemão Jürgen Habermas.
Críticas e debates
A teoria da justiça de Rawls tornou-se uma das obras centrais da filosofia política contemporânea e ainda hoje é alvo de muitos comentários, críticas, aperfeiçoamentos ou desdobramentos. Dentre as concepções críticas e rivais do liberalismo igualitário podemos citar:
Libertarismo: os defensores do capitalismo anárquico (sem qualquer restrição ao mercado e as demais liberdades) condenam a ênfase de Rawls na igualdade como potencialmente autoritário. Seu principal expoente é o filósofo Robert Nozick. Os princípios desta teoria são similares a teoria econômica do neoliberalismo. Tais autores defendem a vigência exclusiva da idéia de liberdade negativa como o princípio básico das idéias liberais, qual seja, a não interferência do Estado na vida privada (em especial, na esfera do mercado).
Comunitarismo: discordam da visão individualista e atomista do método contratualista. Advogam a inserção do indivíduo no coletivo (comunidade) e a superiodade da moral e da ética sobre a mera justiça procedimental. Tais autores recorrem especialmente as idéias clássicas de Aristóteles e de Hegel e seus principais representantes são: Charles Taylor, Michael Sandel, Michael Walzer e Alasdair MacIntyre. Tais autores defendem a retomada dos ideais gregos de participação cívica e pública nas decisões coletivas, a chamada liberdade positiva.
Habermas: defende uma concepção kantiana de democracia deliberativa. Os princípios e a estrutura básica da sociedade devem ser definidos pelos indivíduos através de um processo democrático radicalmente aberto ao diálogo e ao entendimento. Seus atores fundamentais são os movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Habermas debateu diretamente as ideias de Rawls, mostrando em que aspectos concordava e discordava do autor. Tais ideias estão reunidas em uma livro intitulado "A inclusão do outro". Ambos mantém profundas influências kantianas, o que fez com que Rawls chamasse seu debate com Habermas de "briga de família".
Republicanismo: defende uma síntese entre os ideais liberais clássicos de proteção da liberdade subjetiva e da visão democrática de envolvimento coletivo nas decisões políticas. As raízes desta teória estão nas obras romanas clássicas de Cícero,Políbio, Salústio, Tito Lívio. Outro momento fundamental da tradição republicana são as obras do movimento chamado humanismo cívico que vigorou durante a renascença italiana: seu principal expoente foi Nicolau Maquiavel. Atualmente está sendo retomada nos escritos de Quentin Skinner e Philip Petit.
Dentre os autores que se situam na tradição de pensamento inaugurada por John Rawls destaca-se, contemporâneamente, o filósofo norte-americano Ronald Dworkin. No entanto, para ele, o princípio fundamente do liberalismo não é a liberdade, mas a igualdade. Segundo sua formulação, "todos os cidadãos tem o mesmo direito a igual consideração e respeito (equal concern and respect)".
Também o prêmio nobel de economia Amartya Sen desenvolve elementos do liberalismo igualitário em sua teoria. Tais autores propõe uma visão "social" do liberalismo, incorporando o tema da igualdade no coração das idéias liberais.

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