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<p>FUNDAMENTOS</p><p>DE RÍTMICA</p><p>E DANÇA</p><p>PROFESSORA</p><p>Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes</p><p>Quando identificar o ícone QR-CODE, utilize o aplicativo</p><p>Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos online.</p><p>O download do aplicativo está disponível nas plataformas:</p><p>Acesse o seu livro também disponível na versão digital.</p><p>Google Play App Store</p><p>2</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>NEAD - Núcleo de Educação a Distância</p><p>Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jd. Aclimação</p><p>Cep 87050-900 - Maringá - Paraná - Brasil</p><p>www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360</p><p>C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância;</p><p>NUNES, Meire Aparecida Lóde.</p><p>Fundamentos de Rítmica e Dança. Meire Aparecida Lóde Nunes.</p><p>Maringá - PR.:Unicesumar. Reimpresso em 2023.</p><p>212 p.</p><p>“Graduação em Educação Física - EaD”.</p><p>1. Educação Física. 2. Rítmica. 3.Dança. 4. EaD. I. Título.</p><p>ISBN 978-85-459-1869-1 CDD - 22ª Ed. 792.8</p><p>CIP - NBR 12899 - AACR/2</p><p>Ficha Catalográfica Elaborada pelo Bibliotecário</p><p>João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828</p><p>Impresso por:</p><p>DIREÇÃO UNICESUMAR</p><p>Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor</p><p>Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente da Mantenedora Cláudio</p><p>Ferdinandi.</p><p>NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA</p><p>Diretoria Executiva Chrystiano Minco�, James Prestes, Tiago Stachon, Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia</p><p>Coelho, Diretoria de Permanência Leonardo Spaine, Diretoria de Design Educacional Débora Leite, Head de Produção</p><p>de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho, Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima,</p><p>Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia, Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey, Gerência</p><p>de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira, Gerência de Curadoria Carolina Abdalla Normann de Freitas,</p><p>Supervisão de Produção de Conteúdo Nádila Toledo.</p><p>Coordenador(a) de Conteúdo Mara Cecilia Rafael Lopes, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho, Editoração</p><p>Victor Augusto Thomazini, Designer Educacional Ana Claudia Salvadego, Hellyery Agda, Revisão Textual</p><p>Ariane Andrade Fabreti, Ilustração Bruno Pardinho, Fotos Shutterstock.</p><p>Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos</p><p>com princípios éticos e profissionalismo, não</p><p>somente para oferecer uma educação de qualidade,</p><p>mas, acima de tudo, para gerar uma conversão</p><p>integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-</p><p>nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional</p><p>e espiritual.</p><p>Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de</p><p>graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil</p><p>estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro</p><p>campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa</p><p>e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país,</p><p>com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação.</p><p>Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais</p><p>de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos</p><p>pelo MEC como uma instituição de excelência, com</p><p>IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10</p><p>maiores grupos educacionais do Brasil.</p><p>A rapidez do mundo moderno exige dos educadores</p><p>soluções inteligentes para as necessidades de todos.</p><p>Para continuar relevante, a instituição de educação</p><p>precisa ter pelo menos três virtudes: inovação,</p><p>coragem e compromisso com a qualidade. Por</p><p>isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia,</p><p>metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor</p><p>do ensino presencial e a distância.</p><p>Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é</p><p>promover a educação de qualidade nas diferentes áreas</p><p>do conhecimento, formando profissionais cidadãos</p><p>que contribuam para o desenvolvimento de uma</p><p>sociedade justa e solidária.</p><p>Vamos juntos!</p><p>Wilson Matos da Silva</p><p>Reitor da Unicesumar</p><p>boas-vindas</p><p>Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à</p><p>Comunidade do Conhecimento.</p><p>Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar</p><p>tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores</p><p>e pela nossa sociedade. Porém, é importante</p><p>destacar aqui que não estamos falando mais daquele</p><p>conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas</p><p>de um conhecimento dinâmico, renovável em minutos,</p><p>atemporal, global, democratizado, transformado pelas</p><p>tecnologias digitais e virtuais.</p><p>De fato, as tecnologias de informação e comunicação</p><p>têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares,</p><p>informações, da educação por meio da conectividade</p><p>via internet, do acesso wireless em diferentes lugares</p><p>e da mobilidade dos celulares.</p><p>As redes sociais, os sites, blogs e os tablets aceleraram</p><p>a informação e a produção do conhecimento, que não</p><p>reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em</p><p>segundos.</p><p>A apropriação dessa nova forma de conhecer</p><p>transformou-se hoje em um dos principais fatores de</p><p>agregação de valor, de superação das desigualdades,</p><p>propagação de trabalho qualificado e de bem-estar.</p><p>Logo, como agente social, convido você a saber cada</p><p>vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a</p><p>tecnologia que temos e que está disponível.</p><p>Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg</p><p>modificou toda uma cultura e forma de conhecer,</p><p>as tecnologias atuais e suas novas ferramentas,</p><p>equipamentos e aplicações estão mudando a nossa</p><p>cultura e transformando a todos nós. Então, priorizar o</p><p>conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância</p><p>(EAD), significa possibilitar o contato com ambientes</p><p>cativantes, ricos em informações e interatividade. É</p><p>um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá</p><p>as portas para melhores oportunidades. Como já disse</p><p>Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”.</p><p>É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer.</p><p>Willian V. K. de Matos Silva</p><p>Pró-Reitor da Unicesumar EaD</p><p>Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está</p><p>iniciando um processo de transformação, pois quando</p><p>investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou</p><p>profissional, nos transformamos e, consequentemente,</p><p>transformamos também a sociedade na qual estamos</p><p>inseridos. De que forma o fazemos? Criando</p><p>oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes</p><p>de alcançar um nível de desenvolvimento compatível</p><p>com os desafios que surgem no mundo contemporâneo.</p><p>O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de</p><p>Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo</p><p>este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens</p><p>se educam juntos, na transformação do mundo”.</p><p>Os materiais produzidos oferecem linguagem</p><p>dialógica e encontram-se integrados à proposta</p><p>pedagógica, contribuindo no processo educacional,</p><p>complementando sua formação profissional,</p><p>desenvolvendo competências e habilidades, e</p><p>aplicando conceitos teóricos em situação de realidade,</p><p>de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja,</p><p>estes materiais têm como principal objetivo “provocar</p><p>uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta</p><p>forma possibilita o desenvolvimento da autonomia</p><p>em busca dos conhecimentos necessários para a sua</p><p>formação pessoal e profissional.</p><p>Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento</p><p>e construção do conhecimento deve ser apenas</p><p>geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos</p><p>que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita.</p><p>Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu</p><p>Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos</p><p>fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe</p><p>das discussões. Além disso, lembre-se que existe</p><p>uma equipe de professores e tutores que se encontra</p><p>disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em</p><p>seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe</p><p>trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória</p><p>acadêmica.</p><p>boas-vindas</p><p>Débora do Nascimento Leite</p><p>Diretoria de Design Educacional</p><p>Janes Fidélis Tomelin</p><p>Pró-Reitor de Ensino de EAD</p><p>Kátia Solange Coelho</p><p>Diretoria de Graduação</p><p>e Pós-graduação</p><p>Leonardo Spaine</p><p>Diretoria de Permanência</p><p>autores</p><p>Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes</p><p>Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (2015).</p><p>Mestra em Educação (2010) e Especialista em Educação Física Infantil (1996) pela</p><p>mesma</p><p>a Educação Física pelo conhecimento corporal ser superior ao in-</p><p>telectual, refutando o pensamento dos filósofos antigos, como Platão, que</p><p>desconsideravam o conhecimento sensível.</p><p>IV - A Rítmica tinha como finalidade a recuperação da liberdade natural dos cor-</p><p>pos. Dalcroze se opunha ao ritmo mecanizado e, por isto, utilizava, em suas</p><p>aulas, exercícios que proporcionam a sua dissociação, por exemplo: marchas</p><p>em que os braços regiam os tempos de um compasso enquanto as pernas</p><p>seguiam outro. Assim, Dalcroze pretendia que os seus alunos não se tornas-</p><p>sem escravos do automatismo.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>a) Apenas I e II.</p><p>b) Apenas II e III.</p><p>c) Apenas I.</p><p>d) Apenas I, II e IV.</p><p>e) I, II, III e IV.</p><p>42</p><p>atividades de estudo</p><p>3. O ritmo está presente no mundo orgânico e inorgânico, a sua existência está</p><p>condicionada ao movimento. É este o responsável pela produção dos sons, como</p><p>nos mostra Jeandot (1993, p.12), “o som depende do movimento e não existe na</p><p>ausência dele. Em termos físicos, o som é uma vibração que chega a nossos ouvi-</p><p>dos na forma de ondas que percorrem o ar que nos rodeia”. Sobre este assunto,</p><p>leia as assertivas a seguir.</p><p>I - O ouvido nunca para de trabalhar, inclusive, quando dormimos. No entanto,</p><p>há uma diferença entre o ouvir, escutar e entender: estamos escutando o</p><p>tempo todo, mas não temos consciência de tudo que chega ao nosso órgão</p><p>auditivo; ouvimos somente o que nos interessa, ou seja, ouvir é quando se-</p><p>lecionamos sons que nos interessam e neles depositamos a nossa atenção;</p><p>entender é quando temos consciência, é um ato intelectual.</p><p>II - O som possui alguns elementos conhecidos como “qualidades do som”. São</p><p>eles: altura, que é determinada pela frequência dos sons e nos possibilita</p><p>diferenciar o grave do agudo; a duração, que se refere ao período em que se</p><p>estende o som (longo ou curto); o timbre é a diferenciação dos sons que nos</p><p>possibilita identificá-los; a intensidade relaciona-se com a energia (fraca ou</p><p>forte) despendida na produção do som.</p><p>III - Os principais elementos musicais para o desenvolvimento das atividades rít-</p><p>micas são: métrica, ou medida da música, que nos possibilita estabelecer uma</p><p>contagem musical; o pulso, ou pulsação, que é a batida/marcação da música</p><p>e nos permite identificar outros elementos, como andamento e compasso; o</p><p>andamento é a velocidade da música, o espaço de tempo entre as batidas,</p><p>e pode ser medido por um aparelho chamado metrônomo; o compasso é a</p><p>pulsação da música que se repete regularmente e a divide em partes iguais,</p><p>ou seja, em compassos binário, ternário e quaternário.</p><p>IV - Existem símbolos que são utilizados para fazer a escrita musical. Eles são</p><p>chamados de “figuras do ritmo” que, além de nos possibilitar a leitura do</p><p>compasso, têm a função de registrar a duração do som. Cada símbolo recebe</p><p>uma denominação – semibreve, mínima, semínima, colcheia etc. –atribuída</p><p>de acordo com os seus tempos de duração: semibreve tem a duração de 4</p><p>pulsos, mínima de 6 pulsos, semínima de 8 pulsos, e assim sucessivamente.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>a) Apenas I e II.</p><p>b) Apenas II e III.</p><p>c) Apenas I.</p><p>d) Apenas II, III e IV.</p><p>e) I, II, III e IV.</p><p>43</p><p>atividades de estudo</p><p>4. Entende-se que a retomada da compreensão do conceito de corpo, nos diferen-</p><p>tes momentos históricos, é importante para pensarmos o sujeito e o objeto do</p><p>movimento. Em relação a esta questão, discorra sobre a perspectiva cartesiana e</p><p>fenomenológica de corpo e como elas influenciam a prática pedagógica de rítmica.</p><p>5. Ao montar uma coreografia de dança, o professor organizou as frases musicais (8</p><p>tempos/pulsos) de forma que o primeiro movimento sempre era executado em</p><p>2T; o segundo movimento, em 1T; o terceiro e quarto, em 1T; e o quinto, em 4T.</p><p>Represente os tempos das frases coreográficas por meio das figuras do ritmo e</p><p>das suas respectivas denominações.</p><p>44</p><p>LEITURA</p><p>COMPLEMENTAR</p><p>A música na vida humana</p><p>A vida é som. Continuamente estamos cercados de sons e ruídos oriundos da natureza e</p><p>das várias formas de vida que ela produz. O homem fala e canta há incalculáveis milhares</p><p>de anos e, graças ao seu ouvido maravilhosamente construído que se parece a uma harpa</p><p>com infinidade de cordas, percebe sons e ruídos, embora apenas uma parte insignificante</p><p>da imensidão de tudo quanto soa.</p><p>Todas as crianças, sem exceção, nascem com capacidade musical, voz e ouvido: crianças</p><p>da cidade, do interior, das zonas frias, dos trópicos, das montanhas, das planícies, brancas,</p><p>pardas, pretas, amarelas, vermelhas. A própria natureza é que nos dá a música; o que dela</p><p>fazemos varia, conforme o temperamento, a educação, o povo, a raça e a época.</p><p>A natureza está cheia de sons, de música: há milhões de anos, antes que houvesse ouvido</p><p>humano. Para captá-la, borbulhavam as águas, ribombavam os trovões, sussurravam as</p><p>folhas ao vento. Quem sabe quantos outros sons se não propagaram! Talvez cantassem os</p><p>raios do sol nas montanhas que se aqueciam todas as manhãs, como ainda hoje cantam</p><p>misteriosamente nas colunas egípcias de Memnon; durante tempos sem fim deve ter res-</p><p>soado o órgão natural da gruta de Fíngal, muito antes que, os celtas lhe chamassem “llaimh</p><p>bin”, gruta da música, e muito antes, ainda, que um compositor romântico, Mendelssohn,</p><p>transferisse aqueles sons naturais para a moderna orquestra. E o estranho “ouvido de Dio-</p><p>nísio”, da Sicília, aumentou, com certeza, todos os sons que o penetravam muito, muito</p><p>antes que um ser humano lá se achasse para comprovar o milagre. A terra a abrir-se na</p><p>mocidade, as fontes a jorrar, os vulcões e as montanhas a explodir, as águas do dilúvio a</p><p>subir, tudo deve ter constituído gigantesca sinfonia que ninguém nos descreveu.</p><p>O homem nasceu num mundo repleto de sons. O trovão, amedrontando-o, tornou-se sím-</p><p>bolo dos poderes celestiais. No ulular dos ventos percebia ele a voz dos demônios. Os</p><p>habitantes do litoral conheciam o mau ou bom humor dos deuses pelo bramir das águas.</p><p>Os ecos eram oráculos e as vozes dos animais, revelações. Religião e música mantiveram-se</p><p>inseparavelmente ligadas nos antigos tempos da humanidade.</p><p>45</p><p>LEITURA</p><p>COMPLEMENTAR</p><p>Grande foi sempre a influência da música sobre a mente humana. O homem primitivo</p><p>dispõe apenas de poucas palavras. Quase somente o que ele vê é que tem nome, para ex-</p><p>primir o júbilo, a tristeza, o amor, os instintos belicosos, a crença nos poderes supremos e a</p><p>vontade de dançar. Para ele é parte da vida, a música, desde a canção do berço até a canção</p><p>de morte desde a dança ritual até a cura dos doentes pela melodia e pelo ritmo.</p><p>O efeito da música sobre o homem diminui no decorrer dos milênios; apesar disso, podem</p><p>ser encontrados nos tempos históricos e até nos presentes interessantes exemplos do seu</p><p>poder. Davi toca harpa para afugentar os maus pensamentos do Rei Saul; Farinelli, com o</p><p>auxílio da música, cura a terrível melancolia de Filipe V. Timóteo provoca, por meio de certa</p><p>melodia, a fúria de Alexandre, o Grande, e acalma-o por meio de outra. Os sacerdotes celtas</p><p>educam o povo com a música; somente eles conseguem abrandar os costumes selvagens.</p><p>Diz-se que Terpandro, tocando flauta, abafou a revolta dos lacedemônios. Santo Agostinho</p><p>conta que um pastor foi, em virtude das suas melodias eleito imperador. E a história do caça-</p><p>dor de ratos de Hameln é um exemplo conhecidíssimo do efeito da música sobre o homem</p><p>e o animal. Na literatura moderna, deparam-se nas numerosas obras de psicologia profunda</p><p>em que as mais fortes excitações sentimentais são provocadas pela influência da música.</p><p>[...]</p><p>A vida é som, dissemos. A vida é movimento, e o som se origina do movimento. A acústica,</p><p>é verdade, discerne fundamentalmente duas classes de sons: os sons propriamente ditos</p><p>e os ruídos, conforme forem as vibrações uniformes, ou não. A música, segundo a antiga</p><p>teoria, deve ocupar-se apenas dos primeiros. Mas não é tão fácil traçar claramente o limite.</p><p>Muitos são os instrumentos que apenas produzem</p><p>ruídos, e não sons, e que ocupam lugar</p><p>importante na moderna orquestra: tambor, triângulo, pratos, tantãs, castanholas, tambo-</p><p>rins! E quem já ouviu uma orquestra malaia de gongos, sem dúvida sentirá a fantástica har-</p><p>monia desses instrumentos como forte impressão musical, apesar de a física afirmar dife-</p><p>rentemente. Veremos mais tarde como, no nosso tempo, sofre violentos ataques o sistema</p><p>de sons que há séculos constitui a base da música ocidental. Muitos desses ataques visam</p><p>ao verdadeiro ponto fraco, o de nossos sistema, desenvolvido da série de tons superiores,</p><p>ter-se tornado pelo tempero, mais simples, mas matemática e fisicamente tão impuro, que</p><p>a ligação entre ciência e música não passa de simples ficção.</p><p>46</p><p>LEITURA</p><p>COMPLEMENTAR</p><p>Não discutiremos aqui teoria nem ciência. Sejam os números de vibrações puros ou falsos,</p><p>o dó sustenido igual ou não ao ré bemol, o semitom a menor unidade ou não, subtônica</p><p>uma imposição, o sistema dodecafônico um capricho, o que nos interessa apenas são as</p><p>obras que o sistema produziu, é o desenvolvimento da música durante milhares de anos de</p><p>história humana, desde as primeiras expressões de vida, desde o elemento instintivo até a</p><p>obra de arte mais elevada e nobre da humanidade. Será um ciclo? Não, uma série de gran-</p><p>des ciclos misteriosos, um eterno nascer, desaparecer e renascer um caminho misterioso</p><p>pela vida e pela morte através de países e continentes, culturas e épocas, de tudo quanto</p><p>soa ao redor de nós, imperscrutavelmente e de milhões de modos, só uma pequena parte</p><p>é que nos penetra a consciência, pelos ouvidos e pelo cérebro, uma parte ainda menor nos</p><p>penetra o inteiro...</p><p>Que é a música? Quanto eu era jovem, um meu aluno surpreendeu-me com essa pergun-</p><p>ta. Respondi-lhe: - A Música é um fenômeno acústico para o prosaico; um problema de</p><p>melodia, harmonia e ritmo para o teórico; e o desdobrar das asas da alma, o despertar e a</p><p>realização de todos os sonhos e anseios de quem verdadeiramente a ama.</p><p>Ainda hoje assim penso.</p><p>Fonte: Pahlen (1996).</p><p>47</p><p>material complementar</p><p>Os metrônomos são muito utilizados por estudantes de música. Portanto, existem vários sites voltados para</p><p>o ensino de música que disponibilizam esta ferramenta on-line. A seguir o endereço de alguns deles onde é</p><p>possível acessar o metrônomo e utilizá-lo com diferentes andamentos.</p><p>Web: ;</p><p>;</p><p>.</p><p>Indicação para Acessar</p><p>Atividades Rítmicas e Expressivas: no Ritmo do Cotidiano Escolar</p><p>Priscila Raquel Tedesco da Costa Trevisan, Norma Ornelas Montebugnoli Catib,</p><p>Daniel Amato e Gisele Maria Schwartz</p><p>Editora: CRV</p><p>Sinopse: Atividades Rítmicas e Expressivas apresenta, de modo simplificado e de</p><p>fácil assimilação, as concepções teóricas sobre atividades rítmicas e expressivas,</p><p>música, criatividade e temas afins. São também sugeridos exercícios, estratégias e</p><p>princípios pedagógicos práticos sobre ritmo, música, danças circulares e populares.</p><p>Indicação para Ler</p><p>http://wimelo.com/material-multimidia/metronomo-online/</p><p>48</p><p>referências</p><p>ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003.</p><p>ARTAXO, I.; MONTEIRO G. A. Ritmo e Movimento: Teoria e Prática. São Paulo:</p><p>Phorte, 2003.</p><p>BRAIT, L. F. R. Atividades Rítmicas e Linguagem Corporal na Educação Infan-</p><p>til. 2006. 143f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal do Mato</p><p>Grosso, Cuiabá, 2006.</p><p>DESCARTES, R. Meditações metafísicas. São Paulo: Martins Fontes, 2005.</p><p>FAHLBUSCH, H. Dança moderna-contemporânea. Rio de Janeiro: Sprint, 1990.</p><p>GARCIA, A.; HAAS, A. N. Ritmo e dança. Canoas: Ulbra, 2003.</p><p>GREGUOL, M.; COSTA, R. F. Atividade Física Adaptada: qualidade de vida para</p><p>pessoas com necessidades especiais. 3. ed. Barueri: Manole, 2013.</p><p>JAEGER, W. W. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Parrei-</p><p>ra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.</p><p>JEANDOT, N. Explorando o Universo da Música. São Paulo: Scipione, 1993.</p><p>MADUREIRA, J. R. Émile Jaques-Dalcroze: sobre a experiência poética da rítmica</p><p>- uma exposição em 9 quadros inacabados. 2008. 209f. Tese (Doutorado em Educa-</p><p>ção), Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008.</p><p>MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Tradução de Carlos Alberto</p><p>Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.</p><p>NANNI, D. Dança educação: princípios, métodos e técnicas. 2. ed. Rio de Janeiro:</p><p>Sprint, 1998.</p><p>PAHLEN, K. A música na vida humana. In: CLARET, M. O poder da música. São</p><p>Paulo: Martin Claret, 1996.</p><p>PLATÃO. Fédon. Tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo: Abril</p><p>Cultural, 1972. (Coleção Os Pensadores).</p><p>TOMÁS DE AQUINO. Sobre o ensino (De magistro), Os sete pecados capitais.</p><p>Tradução e estudos introdutórios de Jean Luiz Lauand. 2. ed. São Paulo: Martins</p><p>Fontes, 2004.</p><p>WISNIK, J. M. O Som e o Sentido. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.</p><p>referências</p><p>49</p><p>referências</p><p>REFERÊNCIAS ON-LINE</p><p>1Em: . Acesso</p><p>em: 27 mar. 2019.</p><p>2Em: . Acesso em: 23 fev. 2017.</p><p>3Em: . Acesso em: 27</p><p>mar. 2019.</p><p>4Em: . Acesso em: 27 mar. 2019.</p><p>referências</p><p>50</p><p>gabarito</p><p>1. D.</p><p>2. D.</p><p>3. B.</p><p>4. A resposta deve conter as seguintes abordagens: o dualismo cartesiano que</p><p>fragmenta o ser humano em corpo e mente e que possibilita pensar que o</p><p>objeto do movimento é o corpo; a fenomenologia que recoloca a essência na</p><p>existência, ou seja, o homem e o mundo são compreendidos por meio da facti-</p><p>cidade. Nesta perspectiva, o corpo e a mente não são separados e o objeto do</p><p>movimento é o ser humano; a reflexão de como essas duas perspectivas podem</p><p>influenciar as atividades pedagógicas de rítmica.</p><p>5.</p><p>Movimento Nomenclatura Pulsos Figura</p><p>1º Mínima 2</p><p>2º Semínima 1</p><p>3º Colcheia ½</p><p>4º Colcheia ½</p><p>5º Semibreve 4</p><p>gabarito</p><p>UNIDADE II</p><p>Professora Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes</p><p>Plano de Estudo</p><p>A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta</p><p>unidade:</p><p>• Dança e linguagem corporal</p><p>• Dança: arte ou atividade física</p><p>• Dança: construção do conhecimento na área da Educação</p><p>Física</p><p>Objetivos de Aprendizagem</p><p>• Refletir acerca da dança enquanto linguagem não verbal.</p><p>• Investigar as especificidades da dança para entendê-la</p><p>como uma linguagem artística que tem o corpo como</p><p>objeto.</p><p>• Entender a dança como uma possibilidade para a</p><p>construção do conhecimento efetivo na Educação Física.</p><p>A DANÇA</p><p>unidade</p><p>II</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>C</p><p>aro(a) aluno(a), na segunda unidade de nosso livro, temos como</p><p>objetivo central refletir acerca da dança como uma linguagem não</p><p>verbal. Para isto, iniciamos nos questionando sobre o elemento</p><p>presente nas manifestações dançantes que nos permite identificar</p><p>os diferentes movimentos como dança. Esta reflexão nos conduz à com-</p><p>preensão desta como uma linguagem, ou seja, uma linguagem não verbal.</p><p>Contrariando o senso comum, veremos que a comunicação entre os seres</p><p>humanos se efetiva, majoritariamente, pela linguagem “não verbal” e não</p><p>pela “palavra falada”. Esta informação é muito importante para entender-</p><p>mos a dança como um conteúdo necessário no processo educativo humano.</p><p>Ao aceitarmos a dança como uma linguagem que se efetiva por meio</p><p>do corpo, surge-nos a seguinte inquietação: a dança, por ser uma lin-</p><p>guagem, é compreendida como arte; mas o fato de ela se concretizar por</p><p>meio do movimento corporal a insere no contexto das atividades físicas e,</p><p>portanto, é objeto da Educação Física. Esta dupla possibilidade de inser-</p><p>ção da dança em disciplinas diferentes nos mostra que, ao trabalharmos</p><p>com ela, é necessário o estabelecimento de objetivos muito bem defini-</p><p>dos, pois é uma prática que pode ser caracterizada como arte ou atividade</p><p>física, conforme</p><p>a proposta por nós estabelecida.</p><p>Neste sentido, é muito importante nos aprofundarmos acerca da</p><p>compreensão das duas perspectivas (arte e atividade física) para que o(a)</p><p>professor(a) e o(a) profissional de Educação Física desenvolvam a sua</p><p>intervenção conforme o ambiente onde estão inseridos. Uma visão su-</p><p>perficial pode ter, como consequência, discursos e práticas equivocados</p><p>relativos à dança na Educação Física.</p><p>Para pensarmos a potencialidade educativa da dança, recorremos ao</p><p>pensador clássico Aristóteles e ao seu mestre Platão, e uma das principais</p><p>obras aristotélicas que será trabalhada nesta unidade é a Poética. Ao revi-</p><p>sitar os ensinamentos destes filósofos gregos, ampliamos a nossa compre-</p><p>ensão dos processos formativos/educativos dos quais a Educação Física e</p><p>a dança fazem parte.</p><p>56</p><p>Olá, caro(a) aluno(a)! Para compreendermos a dan-</p><p>ça como uma linguagem corporal e a sua importân-</p><p>cia no processo de desenvolvimento da humanida-</p><p>de, é preciso, primeiramente, nos distanciarmos da</p><p>questão específica para ampliarmos o nosso olhar,</p><p>desvencilhando-nos da superficialidade, a qual não</p><p>conduz ao conhecimento propriamente dito. Para</p><p>isto, é necessário recordarmos e exercermos a incli-</p><p>nação a qual, para todos os seres humanos, desde</p><p>a sua gênese, é que “todos os homens, por nature-</p><p>za, desejam conhecer” (ARISTÓTELES, Metafísica,</p><p>I, 980a). No entanto, a inclinação ao conhecimento</p><p>não basta para a sua efetivação, é preciso que os seres</p><p>humanos se espantem, se admirem e se questionem.</p><p>Estas atitudes conduzem a uma situação contrária</p><p>à naturalização dos acontecimentos e fatos (aspecto</p><p>este que propicia o comodismo), exercendo os ques-</p><p>tionamentos das práticas habituais das pessoas e,</p><p>consequentemente, o conhecimento. Desta forma,</p><p>exercendo a natureza humana, que tende ao conhe-</p><p>cimento, e buscando o distanciamento da naturali-</p><p>zação, nos questionamos: o que é a dança?</p><p>Podemos identificá-la quando vemos uma</p><p>pessoa dançando, mas conseguimos defini-la?</p><p>Vamos fazer um exercício. Para isto, observe as</p><p>Figuras 1, 2 e 3.</p><p>Dança e</p><p>Linguagem Corporal</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>57</p><p>Figura 1 - Balé clássico</p><p>Figura 2 - Apresentação de dança cênica</p><p>Figura 3 - Pessoas dançando</p><p>Agora responda: o que essas pessoas estão fazendo?</p><p>Acredito que ninguém hesitou em dizer: “dançando”.</p><p>No entanto o que, nas imagens, nos permite afirmar</p><p>que elas estão praticando tal ação? Vejamos.</p><p>Na Figura 1, a bailarina executa um movimen-</p><p>to denominado grand développé à la second e está</p><p>acompanhada por um bailarino, caracterizando</p><p>o pas de deux, ou passo a dois, que faz parte de</p><p>todas as composições dos balés de repertório. As-</p><p>sim, não temos dúvidas de que a imagem expressa</p><p>a dança.</p><p>Balés de repertório são peças de balé que</p><p>narram histórias e foram conservadas pela</p><p>tradição.</p><p>Há mais de 400 anos, no século XVI, nas</p><p>cortes da Inglaterra e da França, muitas dan-</p><p>ças eram usadas para homenagear reis e</p><p>patronos, mostrando a coragem e a bravura</p><p>deles. Outros contavam um pouco do dia a</p><p>dia das pessoas, os seus hábitos, costumes</p><p>e lendas.</p><p>A partir de então, cada época teve a sua dança</p><p>característica. Além do balé da corte, a sua</p><p>modalidade clássica passou por diversas fa-</p><p>ses. Por exemplo, o balé de ação contava his-</p><p>tórias de homens comuns, e não de deuses,</p><p>como era usual. Ou o romântico, frequente-</p><p>mente dividido em dois planos, bem distintos:</p><p>o mundo real, onde as personagens viviam</p><p>e sofriam, e o mundo dos sonhos, onde a</p><p>vida continuava mesmo para aqueles que</p><p>já haviam morrido, num universo de fadas e</p><p>seres imaginários.</p><p>Fonte: adaptado de Bogea (2007).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>58</p><p>Na Figura 2, identificamos várias pessoas com os</p><p>braços estendidos, energicamente, para cima. Eles</p><p>estão dançando? Sim, mas o que nos possibilita fa-</p><p>zer essa afirmação? As roupas iguais e a ilumina-</p><p>ção nos induzem a afirmar que a cena se passa em</p><p>um palco, ou seja, é uma apresentação artística. O</p><p>movimento igual que as pessoas executam podem</p><p>reforçar a argumentação de que ali acontece uma</p><p>dança.</p><p>Na Figura 3, entretanto, não temos movimentos</p><p>específicos de dança, as roupas que as pessoas</p><p>usam são comuns e não há iluminação de palco.</p><p>Mas aquelas pessoas estão dançando. Então, o que</p><p>nos permite identificar a dança? O movimento dos</p><p>corpos! O que há de diferente entre os movimentos</p><p>dançantes dos não dançantes? Em suma, o que nos</p><p>faz identificar primeiro é a mensagem que eles nos</p><p>transmitem, portanto, a dança é uma comunicação</p><p>que se efetiva por meio da expressão corporal. É</p><p>isso mesmo, o nosso corpo fala!</p><p>Albert Mehrabian foi o pioneiro nas pesqui-</p><p>sas sobre linguagem corporal e “[...] na década de</p><p>1950, apurou que, em toda comunicação interpes-</p><p>soal, cerca de 7% da mensagem é verbal (somente</p><p>palavras), 38% é vocal, incluindo tom de voz, infle-</p><p>xão e outros sons [...] e 55% é não-verbal” (PEASE;</p><p>PEASE, 2005, p.17). Assim, contrariando a ideia</p><p>que, em um primeiro momento, nos parece óbvia,</p><p>o corpo é o nosso maior meio de comunicação, e</p><p>não as palavras.</p><p>A comunicação não se efetiva, em sua totalida-</p><p>de, pelas palavras que dizemos, mas pelo conjun-</p><p>to de elementos que acompanham os signos orais,</p><p>denominado linguagem não verbal. Para enten-</p><p>dermos melhor este processo pelo qual os corpos</p><p>dançantes se comunicam, passaremos a falar sobre</p><p>a linguagem não verbal.</p><p>COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL</p><p>O convívio social requer que os seres humanos se</p><p>comuniquem entre si, esta é uma condição para</p><p>a manutenção de uma sociedade. Portanto, desde</p><p>que o ser humano começou a viver no coletivo,</p><p>percebeu a necessidade e a importância dos proces-</p><p>sos comunicativos. Mas, nem sempre ele dominou</p><p>a fala. Podemos ilustrar este pensamento por meio</p><p>do texto de Engels (1999), Sobre o papel do traba-</p><p>lho na transformação do macaco em homem que, ao</p><p>refletir sobre a função do trabalho no processo de</p><p>desenvolvimento humano, nos mostra que a neces-</p><p>sidade da vida coletiva proporcionou o desenvolvi-</p><p>mento da linguagem.</p><p>Em face de cada novo progresso, o domínio so-</p><p>bre a natureza que tivera início com o desenvol-</p><p>vimento da mão, com o trabalho, ia ampliando</p><p>os horizontes do homem, levando-o a descobrir</p><p>constantemente nos objetos novas proprieda-</p><p>des até então desconhecidas. Por outro lado, o</p><p>desenvolvimento do trabalho, ao multiplicar os</p><p>casos de ajuda mútua e de atividade conjunta, e</p><p>ao mostrar assim as vantagens dessa atividade</p><p>conjunta para cada indivíduo, tinha que contri-</p><p>buir forçosamente para agrupar ainda mais os</p><p>membros da sociedade. Em resumo, os homens</p><p>em formação chegaram a um ponto em que ti-</p><p>veram necessidade de dizer algo uns aos outros.</p><p>A necessidade criou o órgão: a laringe pouco</p><p>desenvolvida do macaco foi-se transformando,</p><p>lenta mas firmemente, mediante modulações</p><p>que produziam por sua vez modulações mais</p><p>perfeitas, enquanto os órgãos da boca apren-</p><p>diam pouco a pouco a pronunciar um som arti-</p><p>culado após outro (ENGEL, 1999, p. 9-10).</p><p>Este processo de desenvolvimento da fala não foi</p><p>imediato, necessitou de muito tempo até o ser huma-</p><p>no dominar o uso da linguagem falada como meio</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>59</p><p>comunicativo. Mas, então, como ele se comunicava</p><p>antes deste momento? Por meio de sua potencialida-</p><p>de visual e sonora.</p><p>A capacidade comunicativa dos sons não se li-</p><p>mita ao sentido que as palavras nos transmitem, é</p><p>muito mais ampla. Pensemos, por exemplo, no que</p><p>um trovão nos informa; ou quando ouvimos um</p><p>carro freando os pneus. Não existem, nestes dois</p><p>casos, o signo verbal, mas, pelo som que ouvimos</p><p>do trovão, concluímos que choverá, e pelo som dos</p><p>pneus, sabemos que um carro, provavelmente em</p><p>alta velocidade, parou bruscamente, transmitindo a</p><p>nós a sensação de perigo.</p><p>Entenda o que é um signo</p><p>Nossos sentidos elementares nos permitem</p><p>perceber e captar signos. A palavra (falada</p><p>ou escrita) é um signo verbal; uma placa de</p><p>trânsito, um signo visual; o apito do guarda</p><p>ou do juiz de futebol, um signo auditivo; um</p><p>beliscão, um signo tátil; um aroma, um signo</p><p>olfativo;</p><p>um gosto (salgado ou doce), um sig-</p><p>no gustativo. É própria dos signos a função</p><p>de representar, segundo um grau maior ou</p><p>menor de convencionalidade.</p><p>O signo representa um objeto (ideia ou coi-</p><p>sa) para alguém, provocando o aparecimen-</p><p>to de outros signos, e assim infinitamente.</p><p>Ao representar uma ideia, a palavra é um</p><p>signo (linguístico ou verbal); ao mostrar,</p><p>indicar ou simbolizar uma emoção, uma</p><p>intenção ou uma atitude, o gesto é um signo</p><p>(não verbal). Assim como a palavra, o gesto</p><p>significativo é codificado segundo normas</p><p>culturais.</p><p>Fonte: Rector e Trinta (1990, p. 14).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Além da comunicação pelos sons, a comunicação</p><p>visual é muito eficiente, pois também podemos en-</p><p>tender que choverá ao olharmos para o céu e visua-</p><p>lizarmos nuvens escuras. A linguagem visual é uma</p><p>das principais fontes que os nossos antepassados nos</p><p>deixaram como registros de suas sociedades. Tanto</p><p>a forma de pensar dos seres humanos quanto a de</p><p>se organizar coletivamente foram expostas em suas</p><p>pinturas. Como exemplo, temos as pinturas rupes-</p><p>tres que nos possibilitam, hoje, afirmar que os indi-</p><p>víduos primitivos dançavam!</p><p>Mesmo após o domínio da linguagem falada, a</p><p>história nos apresenta vários exemplos da eficiência</p><p>da comunicação visual, como é o caso dos vitrais e</p><p>afrescos que decoraram as igrejas medievais. Muito</p><p>mais que ambientar o local sagrado, as imagens trans-</p><p>mitiam mensagens religiosas com o intuito de educar</p><p>o povo. O amplo uso das imagens na Idade Média</p><p>como elemento educativo encontrava as suas justifi-</p><p>cativas nas palavras do Papa Gregório, em 600 d. C.:</p><p>[...] elas permitem aos iletrados compreender</p><p>a história sagrada (“nelas, podem ler aqueles</p><p>que ignoram a escritura”). Elas são um substi-</p><p>tuto do texto sagrado, que implicam, como este,</p><p>uma operação de leitura, mas desvalorizada</p><p>pelo estatuto subalterno de seus destinatários</p><p>(BASCHET, 2006, p. 484).</p><p>Baschet destaca o fato de esta ideia ser usada, tradicio-</p><p>nalmente, para ressaltar a importância das imagens</p><p>na cultura medieval, mas atenta ao fato de que o papa</p><p>tinha consciência das abrangências afetivas das ima-</p><p>gens, pois “[...] a devoção é mais facilmente suscitada</p><p>pelas imagens que vemos do que pelas palavras que</p><p>escutamos” (2006, p. 485). Desta forma, parece-nos</p><p>que os medievais entendiam a amplitude do processo</p><p>comunicativo causado pelas imagens.</p><p>60</p><p>Deste modo, fica-nos claro que os sons e as ima-</p><p>gens são muito eficientes para os seres humanos</p><p>expressarem os seus sentimentos e transmitirem</p><p>informações. A palavra em si constitui apenas uma</p><p>possibilidade comunicativa. Contudo acredita-se</p><p>que a eficiência da comunicação se dá por meio da</p><p>inter-relação destes recursos. Talvez seja por isto</p><p>que Davis (1979, p. 13) menciona:</p><p>Sou o tipo de pessoa que quase não confia em te-</p><p>lefone. Não que eu ache que a companhia esteja</p><p>caindo aos pedaços (embora isso sempre pareça</p><p>verdade...), mas é porque, no telefone, eu nunca</p><p>sei direito o que a outra pessoa está realmente</p><p>querendo dizer. Se eu não posso vê-la, como sa-</p><p>ber se o que ela está dizendo é importante ou</p><p>não, se eu não sei como ela está se sentindo?</p><p>Assim, fica-nos evidente que, para a autora, só é</p><p>possível entender completamente a mensagem quando</p><p>podemos relacionar o sentido das palavras com outros</p><p>elementos, como a expressão facial e os movimentos</p><p>do corpo. Isto nos leva a pensar que os gestos comple-</p><p>tam o sentido das palavras. Conscientemente ou não,</p><p>o nosso corpo as confirmam ou as contradizem. Sobre</p><p>esta questão, Davis (1979, p. 19) menciona que:</p><p>Pintores e escultores sempre souberam o quan-</p><p>to um gesto ou uma pose podem conter. A ha-</p><p>bilidade não-verbal é também a ferramenta do</p><p>ator. Quando conta que o personagem “apagou</p><p>o cigarro com fúria” ou que “esfregou o nariz</p><p>pensativamente”, o romancista está mergulhado</p><p>num folclore comum do gesto. Os psiquiatras</p><p>têm sido também ótimos observadores, ano-</p><p>tando as idiossincrasias não-verbais dos pa-</p><p>cientes, denunciando-as e interpretando-as.</p><p>É importante ressaltar que a linguagem não verbal</p><p>não se limita aos movimentos corporais ou às ex-</p><p>pressões faciais. No entanto, diante de tantos ele-</p><p>mentos que a compõem, por que as palavras pare-</p><p>cem ser a nossa principal fonte de comunicação?</p><p>Historicamente, ocorreu a inversão dos meios</p><p>comunicativos. O gesto foi a primeira forma de</p><p>comunicação entre os humanos, porém, com o</p><p>desenvolvimento da fala, o gesto passou a ser en-</p><p>tendido apenas como um suporte.</p><p>Segundo Francastel (1993), vivemos em uma</p><p>época que, devido à descoberta do livro, toda a</p><p>civilização foi dominada pelos signos escritos,</p><p>mas o autor acredita que caminhamos rumo a</p><p>um período em que o signo figurado e as técni-</p><p>cas artísticas suplantarão o signo escrito. Veja-</p><p>mos, hoje, o cinema, os cartazes, a arquitetura e</p><p>até mesmo os painéis científicos, são apelos aos</p><p>olhos e exigem rápida interpretação. O conhe-</p><p>cimento de imagens (as suas origens e leis), de</p><p>acordo com Francastel (1993), é o ponto-chave</p><p>do nosso tempo. Em relação ao uso da palavra</p><p>em detrimento das demais formas de comunica-</p><p>ção, Davis (1979, p. 22) diz:</p><p>[...] elas são apenas início, pois além delas está</p><p>o solo firme sobre o qual se constroem as re-</p><p>lações humanas: a comunicação não-verbal.</p><p>As palavras são bonitas, excitantes, impor-</p><p>tantes, embora tenham sido superestimadas</p><p>em excesso, uma vez que não representam a</p><p>mensagem total e nem parcial. Na verdade,</p><p>segundo opinião de um cientista, “a palavra é</p><p>aquilo que o homem usa quando todo o resto</p><p>falha’”.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>61</p><p>Gesto</p><p>Você sabe diferenciar um gesto de um mo-</p><p>vimento?</p><p>Toda vez que nos referirmos ao gesto, deve-</p><p>mos saber que ele é resultado de uma ação</p><p>consciente, ou seja, é voluntário e possui um</p><p>significado: “o gesto é, portanto, uma ação</p><p>corporal visível, pela qual um certo significado</p><p>é transmitido por meio de uma expressão</p><p>voluntária”.</p><p>Fonte: adaptado de Rector e Trinta (1990, p. 23).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Nesta perspectiva, se situa a cinética, área de estu-</p><p>do dedicada à linguagem corporal, aos gestos e às</p><p>expressões faciais. Esta ciência dialoga com outras</p><p>áreas – como a Psicologia, a Sociologia e a Antro-</p><p>pologia – mas ela entende que não pode haver sepa-</p><p>ração, todas devem contribuir intrinsecamente para</p><p>entender o movimento comunicativo do corpo. Tal</p><p>questão fica-nos evidente quando Davis (1979, p.</p><p>20) explica que:</p><p>[...] Um de seus princípios básicos é a crença de</p><p>que a comunicação não pode ser estudada em</p><p>unidades isoladas, mas sim, enquanto sistema</p><p>integrado a ser analisado como um todo, dan-</p><p>do-se atenção à maneira como cada elemento</p><p>se relaciona com os demais.</p><p>O pioneiro do estudo da cinética, Ray Birdwhistell</p><p>(1918-1994), após análises de filmagens de sessões</p><p>de psicanálise, conclui que apenas 35% do processo</p><p>comunicativo ocorre no nível das palavras pronun-</p><p>ciadas e 65%, na linguagem não verbal. Entendemos</p><p>que estes números são muito significativos para a</p><p>área da Educação Física, pois o seu objeto de estudo</p><p>é o corpo, ou o movimento corporal.</p><p>Neste sentido, a linguagem corporal se inclui</p><p>como uma importante área de estudo da Educação</p><p>Física, podendo trazer muitos benefícios educativos</p><p>quando os professores conciliarem os objetivos tra-</p><p>dicionais (esportivos, desenvolvimento motor, saú-</p><p>de etc.) aos da linguagem corporal. Assim, destaca-</p><p>mos a responsabilidade da disciplina de dança em</p><p>atentar para essa manifestação humana como um</p><p>processo comunicativo, não se limitando apenas às</p><p>suas contribuições motoras. Passaremos, na sequên-</p><p>cia, a tratar especificamente da dança.</p><p>62</p><p>Dança: Arte</p><p>ou Atividade Física</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>63</p><p>A dança está presente em vários acontecimentos de</p><p>nossas vidas, por exemplo, quando vamos a um show</p><p>musical, dançamos; em festas de casamento, dança-</p><p>mos; quando recebemos uma boa notícia, dançamos.</p><p>Ela acompanha o ser humano desde a sua gênese até</p><p>os dias de hoje, fazendo parte da história da humani-</p><p>dade. Como Portinari (1989, p. 11)</p><p>elucida:</p><p>De todas as artes, a dança é a única que dispensa</p><p>materiais e ferramentas, dependendo só do cor-</p><p>po. Por isso dizem-na a mais antiga, aquela que</p><p>o ser humano carrega dentro de si desde tem-</p><p>pos imemoráveis. Antes de polir a pedra, cons-</p><p>truir abrigo, produzir utensílio, instrumentos e</p><p>armas, o homem batia os pés e as mãos ritmi-</p><p>camente para se aquecer e se comunicar. Assim,</p><p>das cavernas à era do computador, a dança fez e</p><p>continua fazendo história.</p><p>A dança nos acompanha porque é uma manifesta-</p><p>ção expressiva. O ser humano se comunica por meio</p><p>de sua dança. Caminada (1999, p. 22, grifo nosso)</p><p>explica que:</p><p>A dança nasceu da necessidade de expressar</p><p>uma emoção, de uma plenitude particular do</p><p>ser, de uma exuberância instintiva, de um ape-</p><p>lo misterioso que atinge até mesmo o mundo</p><p>animal. Sim, porque até nos macacos aparece</p><p>a dança, embora, só com o homem ela se eleva</p><p>à categoria de arte, em função mesmo de sua</p><p>consciência.</p><p>Podemos perceber que, nas duas citações, as autoras</p><p>remetem a dança à linguagem artística. Todavia, por</p><p>meio da passagem de Caminada (1999), nos parece</p><p>que nem tudo que classificamos como dança é arte,</p><p>nos induzindo a refletir sobre uma questão muito</p><p>importante: quando a dança pode ser considerada</p><p>arte? De acordo com a autora, a dança-arte está re-</p><p>lacionada com a consciência, por isto, no mundo</p><p>animal, onde não há consciência, não há arte. Mas,</p><p>mesmo assim, existe dança.</p><p>Partindo desta análise, podemos elaborar a hi-</p><p>pótese de que existem duas formas de dança: arte e</p><p>não arte. Para entendermos melhor as duas possi-</p><p>bilidades, pensaremos, primeiramente, na Arte em</p><p>uma perspectiva geral. Por isso, usaremos a palavra</p><p>Arte com letra maiúscula: para designar todas as lin-</p><p>guagens artísticas. Todavia a sua ampla compreen-</p><p>são pode ser aproximada, particularmente, à dança,</p><p>já que esta é nosso foco de interesse.</p><p>Vamos iniciar nossa abordagem a partir da in-</p><p>formação presente na reportagem de John Gapper</p><p>(2015, on-line)1 que, ao tratar da arte como um ativo</p><p>financeiro, nos informa que o quadro Swamped, do</p><p>artista Peter Doig, foi vendido por US$ 29,5 milhões</p><p>na noite de 11 de maio de 2015.</p><p>Quando nos deparamos com os valores das obras</p><p>de arte, a admiração é inevitável e surge o questiona-</p><p>mento: por que um valor tão alto? O que faz um qua-</p><p>dro custar tão caro? Por que as pessoas desprendem</p><p>altas quantias para adquirirem um quadro que “não</p><p>serve para nada”, apenas para decorar ambientes? Com</p><p>certeza, todos nós, alguma vez, já fizemos perguntas</p><p>semelhantes. Mas, e as respostas? Conseguimos en-</p><p>contrar? O nosso objetivo não está em responder essas</p><p>questões, mas sim, investigar o que é a arte e, assim,</p><p>entender porque ela pode ser valorizada a ponto de</p><p>custar verdadeiras fortunas e, em outros momentos,</p><p>ser considerada inútil por não ter uma função prática.</p><p>Iniciamos pela sua etimologia: a palavra arte,</p><p>proveniente do grego teknè, e do latim ars; artis,</p><p>refere-se, de forma geral, a habilidades especiais</p><p>relacionadas ao fazer prático ou a um conjunto de</p><p>atividades que pode dirigir o fazer humano. Nesta</p><p>acepção, está implícita a compreensão da Arte como</p><p>64</p><p>um trabalho manual, como uma atividade relacio-</p><p>nada apenas ao aspecto motor. Será que a Arte se</p><p>remete apenas ao aspecto motor humano?</p><p>Para pensarmos sobre isso, preste atenção nesta</p><p>frase: “A poesia é indispensável – se ao menos eu sou-</p><p>besse para quê [...]” (FISCHER, 1987, p. 11). A poesia</p><p>é uma linguagem artística que se distancia da ação mo-</p><p>tora, assim, a compreensão de arte ultrapassa a pers-</p><p>pectiva etimológica do termo. A ideia de que a arte é</p><p>indispensável se relaciona com “necessidade”, mas não</p><p>uma necessidade material. Como vivemos em uma so-</p><p>ciedade que entende a necessidade humana pela utili-</p><p>dade material dos objetos, não temos muita consciên-</p><p>cia da utilidade da Arte, dificultando a sua valorização.</p><p>A necessidade pode ser constatada pela sua pre-</p><p>sença em todos os momentos da história: ela é consi-</p><p>derada tão antiga quanto o ser humano. Os registros</p><p>históricos, a exemplo das pinturas rupestres, compro-</p><p>vam que ela sempre acompanhou a humanidade: nas</p><p>aventuras, nas descobertas; na vitória e na derrota; na</p><p>dor e no prazer, no sonho e na realidade; na vida e na</p><p>morte! Como uma atividade orgânica, ela se mantém</p><p>e se adapta às mudanças temporais, tanto em seu con-</p><p>ceito quanto em sua forma material. Com a sua po-</p><p>tencialidade dinâmica e o seu caráter mutável, a Arte</p><p>desempenhou, na história, papéis sociais distintos.</p><p>Fischer (1987, p. 45) explica-nos que, nos pri-</p><p>mórdios da Arte, a sua função era:</p><p>[...] inequivocamente, a de conferir poder: po-</p><p>der sobre a natureza, poder sobre os inimigos,</p><p>poder sobre o parceiro de relações sexuais, po-</p><p>der sobre a realidade, poder exercido no sentido</p><p>de um fortalecimento da coletividade humana.</p><p>Nos alvores da humanidade, a Arte pouco tinha</p><p>a ver com a beleza e nada tinha a ver com a con-</p><p>templação estética, com o desfrute estético: era</p><p>um instrumento mágico, uma arma da coleti-</p><p>vidade humana em sua luta pela sobrevivência.</p><p>A Arte mágica, que conferia poder ao seu produ-</p><p>tor e caracterizava a sociedade primitiva, adquiriu</p><p>outras conotações com o passar dos tempos. Aos</p><p>poucos, o envoltório mágico que revestia a consci-</p><p>ência do indivíduo primitivo, dando oportunida-</p><p>de à constituição de manifestações artísticas com</p><p>estas mesmas características, começou a se dissol-</p><p>ver. Fischer (1987) explica que a mudança acom-</p><p>panhou o processo de “divisão de classes” e oferece</p><p>como exemplo a passagem da função do feiticeiro,</p><p>um servidor do coletivo nas sociedades primitivas,</p><p>para a função do artista e do sacerdote na gênese da</p><p>sociedade de classes. Segundo o autor, nesta nova</p><p>organização social, o artista assumiu o papel que o</p><p>feiticeiro ocupava anteriormente.</p><p>A tarefa do artista era expor ao seu público a</p><p>significação profunda dos acontecimentos,</p><p>fazendo-o compreender claramente a neces-</p><p>sidade e as relações essenciais entre o homem</p><p>e a natureza e entre o homem e a sociedade,</p><p>desvendando-lhe o enigma dessas relações.</p><p>Cabia-lhe elevar o sentido de autoproteção do</p><p>povo da sua cidade, da sua classe, da sua nação;</p><p>cabia-lhe libertar da insegurança da vida e das</p><p>angústias de uma individualidade ambígua e</p><p>fragmentada os homens que tinham emergido</p><p>da sólida comunidade primitiva para o mundo</p><p>da divisão do trabalho e dos conflitos de classe;</p><p>cabia-lhe conduzir a vida individual de volta à</p><p>existência coletiva, unir o pessoal ao universal;</p><p>cabia-lhe restaurar a unidade humana perdida</p><p>(FISCHER, 1987, p. 52).</p><p>Estes exemplos mostram que a Arte permaneceu</p><p>nos diferentes contextos, mesmo exercendo fun-</p><p>ções sociais diferentes, fato que torna nítida a sua</p><p>“capacidade adaptativa” ao tempo e ao local. O</p><p>uso deste termo ou até mesmo da expressão “mu-</p><p>danças da Arte”, precisa de algumas ressalvas, pois</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>65</p><p>pode ser interpretado de forma equivocada. Ao</p><p>admitir que a Arte se adapta, ou muda em uma</p><p>nova situação, ela pode ser entendida como um</p><p>produto acabado e independente, que pode so-</p><p>frer alterações que garantem a sua permanência.</p><p>Não é isso! A Arte expressa os contextos sociais,</p><p>é condicionada pelo seu tempo e expressa uma</p><p>situação histórica particular. Neste sentido, a sua</p><p>“capacidade adaptativa” deve ser pensada não pela</p><p>sua materialidade, mas por aquilo que a anima, ou</p><p>seja, o ser humano.</p><p>A linguagem artística, a técnica, o estilo, o tema</p><p>e todos os demais elementos que conferem efetivi-</p><p>dade ao objeto de Arte estão subordinados àquilo</p><p>que promove a sua criação: o ser humano. Assim,</p><p>compreendemos que a Arte permanece porque ela</p><p>é uma extensão do próprio indivíduo. Portanto,</p><p>entendemos que, enquanto existir o ser humano,</p><p>existirá a Arte, e a valoração desta está relacionada</p><p>à valoração do indivíduo.</p><p>Se a Arte é extensão do ser humano, e a obra,</p><p>um registro do que ele pensa, como podemos</p><p>pensar esta questão diante da desvalorização</p><p>da Arte? Como entendemos a sociedade</p><p>e</p><p>o ser humano que não têm consciência da</p><p>necessidade dela?</p><p>REFLITA</p><p>A Arte pode ser entendida como um equilíbrio en-</p><p>tre a exterioridade e a interioridade do ser humano:</p><p>ela seria um “portal” para a interação entre as duas</p><p>instâncias que formam a totalidade humana. Esta</p><p>deve-se à necessidade que o indivíduo tem de que-</p><p>rer ser mais do que é, de forma que ele busca absor-</p><p>ver o mundo circundante, ao mesmo tempo em que</p><p>imprime o seu “eu” individual à coletividade. Neste</p><p>contexto, a Arte age como mediadora, possibilitan-</p><p>do a dupla interação entre o social e o singular. Po-</p><p>demos ilustrar o nosso pensamento com uma passa-</p><p>gem de Fischer (1987, p. 13):</p><p>O desejo do homem de se desenvolver e com-</p><p>pletar indica que ele é mais do que um indiví-</p><p>duo. Sente que só pode atingir a plenitude de se</p><p>apoderar das experiências alheias que potencial-</p><p>mente lhe concernem, que poderiam ser dele. E o</p><p>que um homem sente como potencialmente seu</p><p>inclui tudo aquilo de que a humanidade, como</p><p>um todo, é capaz. A Arte é o meio indispensável</p><p>para essa união do indivíduo com o todo; reflete</p><p>a infinita capacidade humana para a associação,</p><p>para a circulação de experiências e ideias.</p><p>Assim, a Arte pode agir como mediadora para a re-</p><p>alidade, fazendo o indivíduo se desvencilhar de seu</p><p>estado de fragmentação, proporcionando-lhe a res-</p><p>tauração da totalidade. Ilustramos esta questão com</p><p>as palavras de Fischer (1987, p. 56), ao mencionar</p><p>que: “mesmo o mais subjetivo dos artistas trabalha</p><p>em favor da sociedade”.</p><p>66</p><p>Concluindo este item, apresentamos algumas infe-</p><p>rências acerca da necessidade da Arte: o ser humano é</p><p>condição da Arte – sem ele, ela não existe –, o que jus-</p><p>tifica a impossibilidade de estudos que os dissociam; a</p><p>Arte atua como mediadora entre os mundos interior e</p><p>exterior do ser humano, por onde transitam informa-</p><p>ções que participam da construção da subjetividade</p><p>humana. Esta ação pode ter, como resultante, o equi-</p><p>líbrio entre os hemisférios que compõem a totalidade</p><p>humana, ou seja, a espiritualidade e a materialidade.</p><p>Em suma, a permanência da Arte pode ser creditada à</p><p>manutenção da totalidade dos indivíduos devido à sua</p><p>potencialidade comunicativa e restauradora do equilí-</p><p>brio entre as partes que os compõem.</p><p>Agora, depois dessa exposição sobre o que é</p><p>Arte, será que conseguimos entender quando a dan-</p><p>ça é arte ou não? Vamos lá, tente elaborar um pe-</p><p>queno texto diferenciando as duas possibilidades de</p><p>compreensão da dança.</p><p>Difícil? Talvez sim. Isto porque nós abordamos</p><p>apenas a dança arte. No que se refere a este conteúdo,</p><p>acreditamos que tenha ficado evidente, nos textos de</p><p>vocês, que a principal característica da dança arte é</p><p>a linguagem que expressa pensamentos, sentimen-</p><p>tos, emoções e informações, relacionando a subje-</p><p>tividade do indivíduo com o mundo que o cerca e,</p><p>assim, possibilitando a efetivação da totalidade hu-</p><p>mana. Em relação à dança não arte, é mais simples,</p><p>ela pode ser entendida quando não tem o objetivo de</p><p>linguagem, mas quando isto acontece? Se o objetivo</p><p>não é a linguagem, qual seria? Para aumentar as nos-</p><p>sas inquietações, inserimos mais uma questão: qual</p><p>dança deve ser trabalhada na Educação Física?</p><p>Todas essas questões não são particulares a</p><p>nós, elas permearam muitas discussões a partir da</p><p>regulamentação da profissão (Lei n. 9.696/1998),</p><p>da criação do Conselho Federal de Educação Físi-</p><p>ca (Confef) e dos Conselhos Regionais de Educação</p><p>Física (CREFs) que, posteriormente, possibilitaram</p><p>a especificação da área de atuação desse profissional</p><p>no Art. 1 da Resolução Confef n. 046/2002.</p><p>Art. 1º - O Profissional de Educação Física</p><p>é especialista em atividades físicas, nas suas</p><p>diversas manifestações - ginásticas, exercícios</p><p>físicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes</p><p>marciais, danças, atividades rítmicas, expres-</p><p>sivas e acrobáticas, musculação, lazer, recre-</p><p>ação, reabilitação, ergonomia, relaxamento</p><p>corporal, ioga, exercícios compensatórios</p><p>à atividade laboral e do cotidiano e outras</p><p>práticas corporais -, tendo como propósito</p><p>prestar serviços que favoreçam o desenvolvi-</p><p>mento da educação e da saúde, contribuindo</p><p>para a capacitação e/ou restabelecimento de</p><p>níveis adequados de desempenho e condicio-</p><p>namento fisiocorporal dos seus beneficiários,</p><p>visando à consecução do bem-estar e da qua-</p><p>lidade de vida, da consciência, da expressão e</p><p>estética do movimento, da prevenção de do-</p><p>enças, de acidentes, de problemas posturais,</p><p>da compensação de distúrbios funcionais,</p><p>contribuindo ainda, para consecução da au-</p><p>tonomia, da auto-estima, da cooperação, da</p><p>solidariedade, da integração, da cidadania,</p><p>das relações sociais e a preservação do meio</p><p>ambiente, observados os preceitos de res-</p><p>ponsabilidade, segurança, qualidade técnica</p><p>e ética no atendimento individual e coletivo</p><p>(CONFEF, 2002, p. 1).</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>67</p><p>A especificação genérica da atuação do profissional</p><p>de Educação Física causou muitos embates envol-</p><p>vendo a dança, justamente devido às várias possibili-</p><p>dades em que ela pode ser compreendida. O fim das</p><p>disputas foi estabelecido quando o Superior Tribunal</p><p>da Justiça (2011, on-line) entendeu que a dança, as-</p><p>sim como as artes marciais e a ioga, não pertencem</p><p>à Educação Física, salvo quando o objetivo não for a</p><p>técnica, e sim, o condicionamento físico, como nas</p><p>aulas de aeroaxé, aeroboxe, zumba, ritmos etc.</p><p>Esta contextualização e a solução para os embates</p><p>sobre qual Conselho deveria fiscalizar o exercício da</p><p>profissão são apresentados com o intuito ilustrativo,</p><p>para refletir sobre o objetivo da dança na Educação</p><p>Física. É importante ressaltar que, quando nos referi-</p><p>mos à atuação do profissional de Educação Física em</p><p>ambiente escolar, é a Lei de Diretrizes e Base (Lei n.</p><p>9.394/1996) que garante a sua obrigatoriedade como</p><p>componente curricular na Educação Básica.</p><p>Os documentos que orientam os conteúdos a</p><p>serem desenvolvidos pela Educação Física escolar</p><p>e que trazem a dança como conteúdo da disciplina</p><p>são: Diretrizes Curriculares, Parâmetros Curricu-</p><p>lares Nacionais e a recente Base Nacional Comum</p><p>Curricular. No entanto, mesmo a dança tendo, na</p><p>Educação Física, diferentes orientações documen-</p><p>tais, parece-nos que, de forma geral, a ampla com-</p><p>preensão de seu objetivo não está atrelado ao prin-</p><p>cípio de arte. A dança na Educação Física, a grosso</p><p>modo, parece estar relacionada à atividade/ao exer-</p><p>cício físico.</p><p>Essa questão, entretanto, merece ser repensada</p><p>para que o(a) profissional tenha clareza em relação</p><p>à potencialidade da dança como conteúdo da Edu-</p><p>cação Física. Sendo assim, passamos para o próximo</p><p>tópico, cuja proposta geral é refletir acerca do papel</p><p>educativo/formativo da dança.</p><p>68</p><p>Dança: Construção do Conhecimento</p><p>na Área da Educação Física</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>69</p><p>A Educação Física está presente em todas as escolas,</p><p>compondo a matriz curricular de cada ano/série,</p><p>em forma de treinamento esportivo e projetos de</p><p>cunho social e, neste caso, a dança é um dos temas</p><p>mais abordados. Assim, nos perguntamos: qual o</p><p>objetivo e a importância da Educação Física e, con-</p><p>sequentemente, de seus conteúdos, em especial a</p><p>dança, na escola?</p><p>Para pensarmos acerca desta questão, é impor-</p><p>tante esclarecermos que, por educação, compreen-</p><p>demos um processo destinado à construção do ser</p><p>humano: desde as sociedades primitivas, a sua fi-</p><p>nalidade é a formação das novas gerações. Com a</p><p>intencionalidade de criar hábitos que favoreçam o</p><p>convívio com outros indivíduos e com o meio cir-</p><p>cundante, o processo envolve todos os segmentos</p><p>sociais e não apenas as instituições de educação for-</p><p>mal (escolas).</p><p>Assim, entendemos a educação como um pro-</p><p>cesso de formação humana que se constrói pela</p><p>substituição ou criação de novos hábitos. Desta for-</p><p>ma, podemos aproximar a educação das reflexões de</p><p>Norbert Elias (2006) sobre o processo civilizatório.</p><p>Para o autor, o ser humano não é, por natureza, ci-</p><p>vilizado, mas possui potencialidade para atingir este</p><p>estado. De forma semelhante,</p><p>muito tempo antes,</p><p>Erasmo de Rotterdam (2008) afirmava que o ser hu-</p><p>mano nasce inacabado e é pela educação que ele se</p><p>aperfeiçoa, por isto, o autor aconselha:</p><p>[...] não te amoldes à opinião e ao exemplo mui-</p><p>to em voga, deixando decorrerem os primeiros</p><p>anos do teu filho sem tirar proveito algum da</p><p>instrução. Faze-o aprender as primeiras noções</p><p>antes que a idade fique menos dúctil e o âni-</p><p>mo mais propenso aos defeitos ou até mesmo</p><p>infestado com as raízes de vícios tenacíssimos</p><p>(ERASMO DE ROTTERDAM, 2008, p. 21).</p><p>Embora, cada qual em seu momento histórico, tanto</p><p>Erasmo, abordando a educação, quanto Elias, a civi-</p><p>lização, mencionam que esses processos são promo-</p><p>vidos por um conjunto de normas e regras voltados</p><p>à constituição de hábitos que possibilitem o convívio</p><p>social. Neste cenário educativo, o corpo ganha um</p><p>papel considerável, pois é por meio dele que o indi-</p><p>víduo expressa um comportamento educado ou não.</p><p>No entanto, ao falarmos de corpo, não separamos</p><p>a parte corpórea da intelectiva e da sensível, pois o</p><p>que nos permite chamar o ser humano de humano é</p><p>justamente essa totalidade.</p><p>Neste contexto, Bracht (1999) menciona que a</p><p>educação corporal deve ser pensada dentro do con-</p><p>texto da educação porque ela é a educação do com-</p><p>portamento que, por sua vez, não é corporal, e sim,</p><p>humano. Educar o comportamento corporal é edu-</p><p>car o próprio indivíduo.</p><p>Assim, a Educação Física deve atender a esta pers-</p><p>pectiva “educacional” e os seus conteúdos devem ser</p><p>pensados e praticados para que esse fim seja alcançado.</p><p>Entretanto, essa finalidade educativa da Educação Físi-</p><p>ca será alcançada por meio da concepção de dança arte</p><p>ou atividade/exercício físico? A opção pela concepção</p><p>é consequência do ambiente (formal, não formal ou</p><p>informal) onde a Educação Física está inserida? Avalie</p><p>as suas respostas considerando estas duas questões:</p><p>• É importante entendermos que a perspectiva</p><p>do trabalho de dança em arte não visa, neces-</p><p>sariamente, a formação de artistas/dançari-</p><p>nos/bailarinos, mas considera a manifestação</p><p>dançante como uma expressão humana.</p><p>• Também é preciso pensar que a dança, en-</p><p>quanto atividade física, é praticada por uma</p><p>pessoa, que, por sua vez, não executa uma</p><p>ação simplesmente por meio de suas capaci-</p><p>dades motoras. A atividade motora é resulta-</p><p>do de sua totalidade.</p><p>70</p><p>Qual é a centralidade da dança apresentada nas duas</p><p>questões? É isto mesmo... O ser humano! Em ambas</p><p>as perspectivas, ele é o ponto de partida para pensar-</p><p>mos a dança. O único problema é que, muitas vezes,</p><p>os(as) professores e profissionais de Educação Física</p><p>têm consciência disso: mesmo quando o objetivo</p><p>da aula de dança seja, por exemplo, o gasto calóri-</p><p>co, sempre ocorrerá um processo educativo que não</p><p>se limita ao aspecto físico do indivíduo. Como nos</p><p>mostra Garaudy (1980, p. 9), a dança integra aspec-</p><p>tos físicos, mentais e espirituais, pois é “[...] uma das</p><p>raras atividades humanas em que o homem se encon-</p><p>tra totalmente engajado: corpo, espírito e coração”.</p><p>Então podemos pensar que toda esta discussão</p><p>é inútil, pois sempre a dança cumprirá a sua função</p><p>educativa de formação integral do ser humano. Não</p><p>é bem assim! Ela tem esta potencialidade, mas o su-</p><p>cesso ou não do processo educativo deve-se à forma</p><p>de sua condução. Isto quer dizer que professores(as)</p><p>e profissionais de Educação Física devem ter em</p><p>mente o seu objetivo para explorar a potencialidade</p><p>da dança neste aspecto.</p><p>Pensemos o seguinte: a dança sempre será uma</p><p>atividade física, pois a sua materialização ocorre por</p><p>meio do movimento corporal. Podemos explorar/</p><p>focar mais ou menos uma habilidade motora do que</p><p>outra durante uma aula de dança, mas sempre esta-</p><p>remos trabalhando a coordenação motora, a agilida-</p><p>de, o ritmo etc. Portanto, não seria mais enriquece-</p><p>dor se o desenvolvimento das atividades dançantes</p><p>conciliasse outros objetivos que extrapolassem o</p><p>âmbito das capacidades físicas? Quando o trabalho</p><p>em dança é fundamentado em sua capacidade co-</p><p>municativa, considerando-a como pertencente ao</p><p>processo histórico/cultural da humanidade, am-</p><p>pliamos o seu campo de atuação e não a limitamos</p><p>ao desenvolvimento físico, pois este acontecerá in-</p><p>dependentemente da nossa vontade. Não estamos</p><p>colocando em detrimento um aspecto em relação</p><p>ao outro, mas sim, propondo um equilíbrio entre os</p><p>objetivos a serem desenvolvidos. Peguemos como</p><p>exemplo o contexto escolar.</p><p>Geralmente, a dança na escola está presente em</p><p>datas comemorativas, como Dia das Mães, festa</p><p>junina e encerramento de períodos letivos. Esses</p><p>eventos tornam a construção coreográfica o conte-</p><p>údo da dança mais requisitado dentro da escola. A</p><p>construção de uma coreografia requer dois proces-</p><p>sos distintos, mas que se entrecruzam: idealização/</p><p>imaginação e execução.</p><p>A primeira questão, a idealização ou imagina-</p><p>ção, é entendida como a mediação entre sensibilida-</p><p>de/racionalidade. Refletiremos sobre isso por meio</p><p>dos ensinamentos de Aristóteles.</p><p>O termo imaginação aproxima-se do sentido de</p><p>aparecer e de phantasis, que significa imagem. Por-</p><p>tanto, imaginar pode ser entendido como produzir</p><p>imagens de algo ausente ou como sínteses de infor-</p><p>mações emitidas pelos sentidos. No primeiro caso, é</p><p>preciso entender que a imaginação não cria imagens,</p><p>mas sim, presentifica o que não é visível no momento</p><p>por meio das imagens armazenadas na memória.</p><p>No segundo caso, a imaginação sintetiza as sen-</p><p>sações provenientes dos órgãos dos sentidos. Pode-</p><p>mos ilustrar, pela observação, o que ocorre quando</p><p>apreciamos um concerto musical. Durante a apre-</p><p>sentação, recebemos informações visuais e sonoras</p><p>que são discriminadas pelos respectivos sentidos</p><p>e, posteriormente, unificadas em uma única sen-</p><p>sação do concerto. As duas ações da imaginação,</p><p>presentificar e sintetizar, são entendidas como co-</p><p>nhecimento sensorial e nos possibilita entendê-las</p><p>como sinônimas do pensar, tal qual compreendiam</p><p>os filósofos antigos:</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>71</p><p>A alma é definida especialmente por duas di-</p><p>ferenças, isto é, pelo movimento espacial e por</p><p>entender e pensar. O percepcionar assemelha-</p><p>-se, com efeito, ao entender e ao pensar. É que,</p><p>de facto, quer um, quer o outro são como per-</p><p>cepcionar alguma coisa. Em ambos os casos,</p><p>com efeito, a alma discrimina e conhece um</p><p>ente. Os antigos diziam, igualmente, que pensar</p><p>e percepcionar são o mesmo (ARISTÓTELES,</p><p>Sobre a Alma, III, 3, 427a).</p><p>Aristóteles, todavia, discordava de seus antecessores:</p><p>“[...] é evidente que percepcionar e pensar não são</p><p>o mesmo: de um participam todos os animais, en-</p><p>quanto do outro participam poucos” (ARISTÓTE-</p><p>LES, Sobre a Alma, III, 3, 427b). Para o filósofo, a</p><p>imaginação, embora dependa da percepção, não é o</p><p>mesmo que pensamento, pois:</p><p>[...] é algo diferente da percepção e do pensa-</p><p>mento discursivo. Ela não sucede, de facto, sem</p><p>a percepção sensorial, e sem ela não existe su-</p><p>posição. Que a imaginação não é, contudo, a</p><p>mesma coisa que [o pensamento], nem que a</p><p>suposição, isso é evidente (ARISTÓTELES, So-</p><p>bre a Alma, III, 3, 427b).</p><p>Desta forma, o autor esclarece que não entende a</p><p>imaginação como pensamento, mas o fato de o uso</p><p>das imagens ser necessário para pensar. Assim, po-</p><p>demos entender que a imaginação transita entre as</p><p>almas sensitivas e intelectivas, atuando como um elo</p><p>entre a sensibilidade e a racionalidade.</p><p>A coreografia, como materialidade da imagina-</p><p>ção, representa, portanto, este equilíbrio entre sensí-</p><p>vel e racional, contribuindo para a perspectiva edu-</p><p>cativa que visa a formação integral do ser humano</p><p>(sensível, racional e físico). No entanto, você deve</p><p>estar se perguntando: o processo de composição co-</p><p>reográfica não cabe aos alunos, mas sim, aos profes-</p><p>sores. Portanto, qual o valor educativo das coreogra-</p><p>fias para os praticantes?</p><p>Esta é uma questão muito importante porque</p><p>a dança, na perspectiva ampla de educação, deve</p><p>propiciar aos alunos várias experiências, como a de</p><p>interpretação (execução das coreografias); criação</p><p>(composição</p><p>coreográfica) e fruição (apreciação da</p><p>dança). Aceitando essa perspectiva, a criação coreo-</p><p>gráfica não é atividade exclusiva do professor, pelo</p><p>contrário, deve ser compartilhada com todos. A in-</p><p>terpretação parece ser o aspecto mais explorado da</p><p>dança, tanto no ambiente escolar como não escolar,</p><p>mas será que os alunos estão executando/reprodu-</p><p>zindo passos ou interpretando a dança? Existe dife-</p><p>rença entre uma ação e outra?</p><p>A resposta é sim, existe! A interpretação extra-</p><p>pola os limites da execução e exige um processo</p><p>de construção de conceitos e intenções, os quais</p><p>são resultantes de experiências anteriores e/ou es-</p><p>tudos. O intérprete cria um personagem, uma nar-</p><p>rativa, um contexto ou, simplesmente, estabelece</p><p>uma intencionalidade e a expressa corporalmente,</p><p>possibilitando a distinção entre as diferentes exe-</p><p>cuções, por exemplo, de um mesmo movimento</p><p>ou coreografia.</p><p>Esse processo propicia ao intérprete autoconhe-</p><p>cimento e, consequentemente, maior domínio de si</p><p>diante das diversidades da vida. Portanto, quando o</p><p>trabalho for desenvolvido por meio de repertórios</p><p>de dança (coreografias de domínio público), con-</p><p>vém que a interpretação seja incentivada e não fi-</p><p>que restrita à execução coreográfica. Neste sentido,</p><p>a interpretação se aproxima da reflexão de Marques</p><p>(2003, p. 24) sobre a dança/arte: “o fazer-sentir dan-</p><p>ça enquanto arte nos permite um tipo diferenciado</p><p>de percepção, discriminação e crítica da dança, de</p><p>suas relações conosco mesmos e com o mundo”.</p><p>72</p><p>Por fim, chegamos à terceira forma de</p><p>experiência que a dança pode proporcio-</p><p>nar, a fruição. Neste contexto, nos pergun-</p><p>tamos: quais os efeitos da dança sobre o seu</p><p>apreciador?</p><p>A apresentação de dança é externa ao</p><p>apreciador, atua sobre os seus órgãos dos</p><p>sentidos, especificamente a visão, ocasio-</p><p>nando sensações. Lembremos Aristóteles,</p><p>que nos mostra que as sensações estão re-</p><p>lacionadas com o conhecimento: “todos os</p><p>homens, por natureza, desejam conhecer.</p><p>Sinal é a nossa afeição pela sensibilida-</p><p>de; pois as sensações nos aprazem por si</p><p>mesmas, utilidade à parte, e, mais que to-</p><p>das as outras, as da vista” (ARISTÓTELES,</p><p>Metafísica, I, 980a).</p><p>Assim, não há dúvidas a respeito da ne-</p><p>cessidade da sensibilidade para o conheci-</p><p>mento, todavia, destacamos a importância</p><p>que o filósofo credita à sensação da vista.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>73</p><p>Desses [sentidos,] a considerar as meras ne-</p><p>cessidades da vida e por si mesmo, a visão é o</p><p>mais importante, embora do prisma do pensa-</p><p>mento e de modo indireto a audição venha em</p><p>primeiro lugar. A faculdade da visão, pelo fato</p><p>de todos os corpos apresentarem cor, informa-</p><p>-nos sobre uma grande quantidade de diferen-</p><p>ças de todos os tipos; por conseguinte, é prin-</p><p>cipalmente por meio dela que percebemos os</p><p>objetos sensíveis comuns (ARISTÓTELES, Dos</p><p>sentidos e dos sensíveis, I, 436b).</p><p>A visão propicia muitas sensações: algumas decor-</p><p>rentes da própria imagem contemplada, e outras, da</p><p>relação com aquelas que se encontram na memória.</p><p>No segundo caso, a imagem captada pelos olhos es-</p><p>timula o surgimento de algo que não está presente.</p><p>Esta dupla possibilidade da imagem é exposta por</p><p>Aristóteles da seguinte forma:</p><p>A figura pintada num painel é, simultaneamen-</p><p>te, uma figura e um retrato e, embora una e</p><p>idêntica, é ambos, mas, ainda assim, a essência</p><p>de ambas não é idêntica, sendo inclusive possí-</p><p>vel pensá-la tanto como uma figura quanto um</p><p>retrato [...] (ARISTÓTELES, Da Memória e da</p><p>Revocação, I, 450b).</p><p>O filósofo grego usa esse exemplo para explicar que</p><p>o mesmo ocorre com a imagem mental. Ela pode ser</p><p>contemplada em si mesma ou representar algo que</p><p>não esteja sendo visto: “[...] é como se contemplásse-</p><p>mos uma figura num quadro como um retrato, por</p><p>exemplo de Corisco, embora não tivéssemos visto</p><p>Corisco” (ARISTÓTELES, Da Memória e da Revo-</p><p>cação, I, 450b).</p><p>É nesse contexto da imagem como figura ou</p><p>retrato que pensamos a fruição em dança, a qual</p><p>pode despertar várias sensações, como prazer, dor,</p><p>euforia, tristeza etc., provocando a catarse.</p><p>A catarse é entendida como purificação ou purga-</p><p>ção, um termo médico que significa a depuração do</p><p>mal. Entretanto, Gazoni (2006, p. 21) mostra que a</p><p>catarse pode ser aplicada com diferentes conotações,</p><p>como: “[...] preponderantemente ética, como prepon-</p><p>derantemente estética/intelectualista ou como uma</p><p>certa terapia medicinal”.</p><p>Segundo esse autor, a conotação ética da catar-</p><p>se pode ser tanto uma simples descarga emocional</p><p>quanto um aprendizado das virtudes. É nesta última</p><p>conotação que concentramos os nossos interesses.</p><p>Para Gazoni (2006, p. 21), “o aprendizado das vir-</p><p>tudes, ainda, pode ter sua ênfase colocada no sen-</p><p>tir as emoções da maneira correta e com a intensi-</p><p>dade correta”. Portanto, aquele que assiste a dança</p><p>pode experimentar sensações sem ter que vivenci-</p><p>á-las realmente, o que desencadeia a catarse desses</p><p>sentimentos, criando a possibilidade de controle</p><p>das emoções. Tal controle pode ser visualizado nas</p><p>ações equilibradas ou virtuosas dos indivíduos, as</p><p>quais constituem o fim dos processos formativos/</p><p>educativos.</p><p>Assim, a apreciação da dança pode provocar a</p><p>catarse ou o controle das paixões, contribuindo na</p><p>construção de um sujeito equilibrado emocional-</p><p>mente. Agora que analisamos a potencialidade da</p><p>dança no processo formativo dos seres humanos,</p><p>possibilitando, além da atividade física, o desenvol-</p><p>vimento da criatividade necessária ao intercâmbio</p><p>entre a sensibilidade e a racionalidade, bem como</p><p>a criação de hábitos virtuosos por meio do controle</p><p>das paixões que a fruição artística propicia, parece-</p><p>-nos evidente que, quando a Educação Física tem</p><p>como objetivo contribuir para a formação humana,</p><p>neste sentido, a educação entendida amplamente, a</p><p>opção de dança arte mostra-se mais completa para</p><p>atuar nos aspectos social, afetivo, cognitivo e motor.</p><p>74</p><p>considerações finais</p><p>Assim, chegamos ao final da segunda unidade de nossa disciplina de Fun-</p><p>damentos de Rítmica e Dança. Os nossos estudos nos possibilitaram</p><p>entender que a dança tem a linguagem como o seu principal elemento</p><p>identificador, ou seja, ela se constitui como uma linguagem não verbal.</p><p>Esta exerce um papel de extrema importância no processo comunicativo humano,</p><p>sendo aceita pelos pesquisadores como 65% do processo geral da comunicação.</p><p>Pelo fato de a dança ser uma linguagem, é considerada arte, mas por se efetivar</p><p>pelos movimentos corporais, pertence também às atividades físicas. Essa questão</p><p>alimentou vários embates e conduziu o estabelecimento da dança como conteúdo</p><p>pertencente a dois campos de atuação: o da Educação Física e o da Arte. No entanto,</p><p>isto não eliminou as dúvidas em relação a qual perspectiva assumir nos diferentes</p><p>ambientes onde professores e profissionais de Educação Física podem atuar, deixan-</p><p>do evidente a necessidade de uma reflexão acerca do conceito de Educação Física.</p><p>Caso entenda-a como uma área do conhecimento que tem como pressuposto a for-</p><p>mação humana, a opção pela dança enquanto um fazer artístico pode ser mais viável.</p><p>Para refletir sobre essa questão, foram fundamentais as análises das potencialidades</p><p>educativas da dança para além da prática física, ou seja, a interpretação, a criação da</p><p>coreografia e a fruição.</p><p>A análise dessas potencialidades da dança nos conduze a considerá-la como um</p><p>conteúdo da Educação Física muito importante no processo de educação/formação</p><p>humana, independentemente das perspectivas teóricas assumidas pelos professores e</p><p>profissionais e os seus locais de trabalho. Todavia quando os objetivos estão atrelados</p><p>à compreensão da dança arte, a sua prática extrapola o aspecto motor, sem deixar de</p><p>desenvolvê-lo eficientemente, contribuindo para a formação de um sujeito criativo,</p><p>autônomo e que exerça o seu papel de agente social.</p><p>considerações finais</p><p>75</p><p>atividades de estudo</p><p>1. A dança é assim denominada devido à sua essência comunicativa, somente mo-</p><p>vimentos expressivos são considerados dançantes. Portanto, a dança</p><p>é uma lin-</p><p>guagem não verbal muito importante no processo de desenvolvimento do ser</p><p>humano, pois, como os historiadores e antropólogos afirmam, ela é a manifesta-</p><p>ção artística mais antiga, nasceu mesmo antes de os seres humanos aprenderem</p><p>a falar. A partir do exposto, analise as afirmativas a seguir.</p><p>I - As pesquisas de Albert Mehrabian, na década de 50 do século passado, iden-</p><p>tificaram que mais de 50% de nossa comunicação ocorre por meio da comu-</p><p>nicação não verbal, ou seja, pelo conjunto de elementos que acompanham</p><p>os signos orais.</p><p>II - Por gesto, podemos entender uma ação corporal visível que pode ou não ter</p><p>significado intencional. A sua importância nos processos educativos remonta</p><p>à própria existência humana, no entanto, com a descoberta de outros signos</p><p>comunicativos, perdeu-se a consciência de seu papel enquanto linguagem</p><p>humana. Mas autores como Francastel acreditam que caminhamos rumo à</p><p>inversão desta situação. Para eles, o signo figurado e as técnicas artísticas</p><p>suplantarão o signo escrito.</p><p>III - A linguagem visual é uma das principais fontes que os nossos antepassados</p><p>nos deixaram como registros de suas sociedades, por exemplo, temos as</p><p>pinturas rupestres que nos possibilitam afirmar que os indivíduos primitivos</p><p>dançavam, e as pinturas nas igrejas medievais que transmitiam mensagens</p><p>religiosas com o intuito de educar o povo. A justificativa para a popularidade</p><p>das imagens medievais pode ser creditada ao fato de que a devoção é susci-</p><p>tada mais facilmente pelas imagens do que pelas palavras.</p><p>IV - A cinética é uma área de estudo que se dedica à linguagem corporal, aos</p><p>gestos e às expressões faciais. Esta ciência dialoga com outras áreas, como</p><p>a Psicologia, a Sociologia e a Antropologia, mas não pode haver separação,</p><p>todas devem contribuir intrinsecamente para entender o movimento comu-</p><p>nicativo do corpo.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>a) I e II, apenas.</p><p>b) II e III, apenas.</p><p>c) I, apenas.</p><p>d) I, III e IV, apenas.</p><p>e) I, II, III e IV.</p><p>76</p><p>atividades de estudo</p><p>2. A dança está presente em vários acontecimentos de nossas vidas, ela acompa-</p><p>nha o ser humano desde a sua gênese até os dias de hoje, fazendo parte da</p><p>história da humanidade. No entanto, a pluralidade de manifestações dançantes</p><p>possibilita a sua compreensão como manifestação artística ou não. Para enten-</p><p>dê-la como arte, é necessário refletir sobre a Arte em uma perspectiva geral. A</p><p>partir do exposto, analise as afirmativas a seguir.</p><p>I - A Arte pode ser entendida como um equilíbrio entre a exterioridade e a in-</p><p>terioridade do ser humano: ela seria um “portal” para a interação entre as</p><p>duas instâncias que formam a totalidade humana. Neste sentido, a Arte age</p><p>como mediadora, possibilitando a dupla interação entre o social e o singular.</p><p>Assim, ela, por favorecer a interlocução com a realidade, pode levar o indiví-</p><p>duo a abandonar o seu estado fragmentado, isolado, reconduzindo-o para</p><p>um estado totalizante.</p><p>II - A principal característica da dança arte é a linguagem, que expressa pensa-</p><p>mentos, sentimentos, emoções e informações, relacionando a subjetividade</p><p>do ser humano com o mundo que o cerca e, assim, possibilitando a efe-</p><p>tivação da totalidade humana. Em relação à dança não arte, ela pode ser</p><p>entendida quando não tem o objetivo de linguagem, mantendo-se no âmbito</p><p>mecânico do movimento.</p><p>III - A etimologia da palavra arte (grego, teknè; latim ars, artis) nos mostra que o</p><p>seu significado relaciona-se às habilidades especiais do fazer prático, ou seja,</p><p>ao trabalho manual. Todavia algumas linguagens compreendidas como artís-</p><p>ticas, a exemplo da poesia, se distanciam do sentido prático, não podendo</p><p>ser denominadas de arte.</p><p>IV - A Arte permaneceu nos diferentes períodos históricos, exercendo papéis</p><p>sociais distintos, o que nos mostra a sua “capacidade adaptativa”. Ela é con-</p><p>dicionada pelo seu tempo e expressa uma situação histórica particular, nos</p><p>permitindo pensar que a sua “capacidade adaptativa” concentra-se na mobili-</p><p>dade dos objetos artísticos que acompanham as características tecnológicas</p><p>de cada período histórico.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>a) I e II, apenas.</p><p>b) II e III, apenas.</p><p>c) I, apenas.</p><p>d) I, III e IV, apenas.</p><p>e) I, II, III e IV.</p><p>77</p><p>atividades de estudo</p><p>3. A dança, como conteúdo da Educação Física, pode ser desenvolvida em âmbito</p><p>formal, informal e não formal, e a sua aplicabilidade, direcionada a uma perspec-</p><p>tiva artística ou não. De acordo com esta premissa, analise as afirmativas a seguir.</p><p>I - A dança sempre será uma atividade física, pois a sua materialização ocorre</p><p>por meio do movimento corporal. Assim, durante uma aula de dança, sempre</p><p>trabalharemos a coordenação motora, a agilidade, o ritmo etc. Este fato vali-</p><p>da a necessidade de a Educação Física objetivar, prioritariamente, o aspecto</p><p>motor da dança quando o seu intuito é estabelecido pelos pressupostos ge-</p><p>rais da educação na contemporaneidade.</p><p>II - Quando a Educação Física assume a dança como uma manifestação artística,</p><p>consegue entender esta como pertencente ao processo histórico/cultural da</p><p>humanidade. Este posicionamento não exclui o desenvolvimento dos aspec-</p><p>tos físicos da dança, mas representa um equilíbrio entre os objetivos a serem</p><p>desenvolvidos pela Educação Física.</p><p>III - Devido às festividades escolares, a construção coreográfica é o conteúdo da</p><p>dança mais requisitado dentro da escola. A construção de uma coreografia</p><p>requer dois processos distintos, mas que se entrecruzam: idealização e exe-</p><p>cução. A idealização é entendida como a mediação entre sensibilidade/racio-</p><p>nalidade e tem como elemento fundamental a imaginação; no que se refere</p><p>à execução, é aconselhável que o(a) professor(a) fomente a interpretação ao</p><p>invés da reprodução mecânica dos passos.</p><p>IV - O espetáculo de dança, por requerer dançarinos tecnicamente preparados,</p><p>não deve ser entendido como um conteúdo da Educação Física, o que não se</p><p>adapta aos objetivos da dança escolar. Os espetáculos se destinam apenas a</p><p>um público fruidor de arte, pois os seus objetivos se concentram na suscita-</p><p>ção de sensações, algumas decorrentes da própria dança contemplada, e ou-</p><p>tras, da relação com aquelas na memória. O despertar de sensações, como</p><p>prazer, dor, euforia, tristeza etc., pode provocar a catarse (termo médico que</p><p>significa depuração do mal).</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>a) I e II, apenas.</p><p>b) II e III, apenas.</p><p>c) I, apenas.</p><p>d) I, III e IV, apenas.</p><p>e) I, II, III e IV.</p><p>78</p><p>atividades de estudo</p><p>4. Rector e Trinta explicam que o ser humano percebe o mundo e o transforma em</p><p>cultura por meio de seu próprio corpo. Isto se efetua por meio dos cinco senti-</p><p>dos: a visão, a audição, o tato, o paladar, o olfato. Os sentidos são o instrumental</p><p>que o ser humano dispõe para a apreensão e o desvelamento intelectual do uni-</p><p>verso no qual o indivíduo está inserido. “É pelo corpo que, de múltiplas maneiras,</p><p>o homem participa do mundo e, do mesmo modo, constitui ele próprio um mun-</p><p>do” (RECTOR; TRINTA, 1990, p. 35). Considerando o exposto, faça uma reflexão</p><p>ressaltando a importância do estudo da linguagem não verbal, e de como ela se</p><p>constitui socialmente para o desenvolvimento das aulas de dança como conteú-</p><p>do da Educação Física.</p><p>5. Davis (1979, p. 22) afirma que “a palavra é aquilo que o homem usa quando todo</p><p>o resto falha”. Ou seja, as relações humanas também são construídas por meio</p><p>da comunicação não verbal. Dado o exposto, explique o seu conceito e como, no</p><p>cotidiano, a comunicação não verbal interfere no estabelecimento das relações</p><p>interpessoais.</p><p>79</p><p>LEITURA</p><p>COMPLEMENTAR</p><p>Linguagem da dança: arte e ensino</p><p>Em situações de ensino e aprendizagem da dança, nem sempre ela é entendida como lin-</p><p>guagem, às vezes, tampouco como arte. Ao contrário, a dança é constantemente compre-</p><p>endida por alunos, pais, professores e gestores como um repertório, ou seja, como “danças</p><p>prontas que devemos aprender”. Neste texto, conversaremos sobre a dança como lingua-</p><p>gem artística na construção de referenciais</p><p>para o ensino de dança nas instituições de</p><p>ensino, partindo dos referenciais das danças de repertório.</p><p>Não começarei este artigo, portanto, pelo conceito de linguagem, mas sim pelo de repertó-</p><p>rio. Chamo de repertórios as “coreografias” já estabelecidas de dança: eles vão de Giselle,</p><p>repertório famoso do balé clássico, às danças das bandas de axé, televisionadas. São re-</p><p>pertórios conhecidos do universo das escolas a Quadrilha, o Maracatu, o Coco, a Capoeira,</p><p>o Frevo, o Samba, o Forró. [...]</p><p>Do ponto de vista do senso comum, coreografias são sequências, conjuntos de passos em</p><p>uma determinada ordem que acompanham uma música. Isso não deixa de ser correto,</p><p>mas podemos ir além do senso comum: as “coreografias” são articulações de signos, são</p><p>escolhas pessoais e/ou da tradição que são in(corpo)radas e corporeificadas pelos intér-</p><p>pretes dançantes para produção de sentidos. As coreografias podem ou não ser acompa-</p><p>nhadas por músicas, e nem sempre se configuram como sequências preestabelecidas de</p><p>passos conhecidos ou decorados a priori.</p><p>Os diferentes repertórios de dança são como livros: necessitamos deles para a fruição da</p><p>arte, para o aprendizado, para a produção pessoal e/ou coletiva de novos textos. Conhe-</p><p>cemos de longa data o inestimável valor da leitura de livros, mas nem sempre estamos</p><p>conscientes da importância de leituras de coreografias, os “textos da dança”. Ou seja, há</p><p>muito tempo a escola rejeita a reprodução (“decoreba”) de textos escritos como processo</p><p>de ensino e aprendizagem da linguagem verbal. Os professores já não aceitam mais – pelo</p><p>menos em tese – processos de leituras que não estejam voltados para compreensões críti-</p><p>cas dos textos lidos e produzidos.</p><p>80</p><p>LEITURA</p><p>COMPLEMENTAR</p><p>Ao contrário disso, na grande maioria das escolas em que a dança é ensinada, crianças,</p><p>jovens e adultos continuam “decorando textos”, ou seja, aprendendo repertórios de dança</p><p>de forma mecânica, superficial, acrítica, por meio de cópia e reprodução de sequências de</p><p>passos preestabelecidas. Por mais significativo que um repertório seja em seu contexto –</p><p>por exemplo, os repertórios das danças brasileiras –, se ele for ensinado de forma mecâni-</p><p>ca e acrítica, pouco estará de fato contribuindo para a educação de nossos alunos e alunas.</p><p>[...]</p><p>Aqui entramos em outra seara do ensino de dança: é importante que o ensino da dança nas</p><p>escolas seja focado nos processos de ensino e aprendizagem da linguagem, pois a dança</p><p>não é só repertório, é, sobretudo, linguagem artística. Não estamos aqui afirmando que o</p><p>ensino de repertórios nas escolas deva ser esquecido ou abandonado, seria o mesmo que</p><p>dizer às crianças que abandonassem os livros. No entanto, a menos que compreendamos</p><p>a dança como linguagem, nossos alunos e alunas serão incapazes de realmente compreen-</p><p>der, perceber e ler criticamente os repertórios que estão dançando.</p><p>A linguagem, por definição, é um “sistema de signos que permite a produção de significa-</p><p>dos”. Ao pensarmos a dança como um sistema, queremos dizer que “a dança é um conjunto</p><p>partilhável de possibilidades de combinação e arranjo dos campos de significação...” (MAR-</p><p>QUES, 2010, p. 102), a dança é uma rede de relações. O signo é tudo aquilo que quer dizer</p><p>alguma coisa para alguém – a palavra “mesa”, por exemplo, é um signo. Os signos produzem</p><p>diferentes significados, pois cada ser humano atribui ao signo um ou mais sentidos além do</p><p>sentido convencional. Por exemplo, no que se refere à palavra “mesa”, a depender do mo-</p><p>mento histórico e da sociedade, há variantes de sentido. Por essa razão, dizemos que a lin-</p><p>guagem – qualquer que seja – não espelha o mundo, ela é uma ação sobre o mundo. A arte,</p><p>compreendida como linguagem, portanto, tampouco espelha o mundo, ela é, isto sim, ação</p><p>sobre ele. Nessa linha de argumentação, a dança, compreendida como linguagem artística –</p><p>e não somente como repertório – tem o potencial de agir sobre o mundo. O jogo articulado</p><p>entre os signos da dança é que permite às crianças, jovens e aos adultos a descoberta de</p><p>suas próprias possibilidades corporais, em diálogo com as possibilidades do sistema da dan-</p><p>ça. Se entendermos a dança como linguagem em situação escolar, estaremos aprendendo/</p><p>ensinando nossos alunos a agir sobre o mundo de forma consciente, crítica e ética.</p><p>81</p><p>LEITURA</p><p>COMPLEMENTAR</p><p>A dança ensinada e aprendida como linguagem pode permitir, além das leituras de reper-</p><p>tório pelos intérpretes e pelos apreciadores, a produção de textos de dança. Ou seja, ao</p><p>conhecerem os elementos da linguagem, alunos e alunas podem “escrever seus próprios</p><p>textos”, compor, coreografar. Conhecendo os elementos da linguagem, crianças, jovens e</p><p>adultos serão capazes de criar suas próprias danças, tornando-se leitores autores, protago-</p><p>nistas dos processos educacionais.</p><p>Para concluirmos, o importante aqui é entendermos que a dança não pode se resumir ao</p><p>aprendizado de repertórios, mesmo que esses sejam escolhidos com critérios e ensinados</p><p>com amplitude e profundidade. Não podemos, como professores, nos limitar a “repassar”</p><p>repertórios – precisamos fazer com que nossos alunos e alunas se tornem leitores críticos</p><p>e, sobretudo, produtores, autores da dança. Com isso, poderão ser também leitores e co-</p><p>criadores do mundo.</p><p>Fonte: adaptada de Marques (2012).</p><p>82</p><p>material complementar</p><p>Corpo, Comunicação e Cultura: a Dança Contemporânea em Cena</p><p>Denise da Costa O. Siqueira</p><p>Editora: Autores Associados</p><p>Sinopse: a dança contemporânea é um setor em expansão na arte brasileira, com</p><p>crescente reconhecimento em países europeus. A sua importância é destacada</p><p>nesta obra, em que corpo e dança são estudados a partir do campo da comuni-</p><p>cação. O livro ocupa-se de um tema pouco frequente no universo da teoria da</p><p>comunicação, ao tomar como objeto de estudo o(s) corpo(s) da dança contem-</p><p>porânea. Nesta pesquisa, a autora alia referencial teórico e trabalho de campo</p><p>com companhias de dança cariocas dos anos de 90, estabelecendo relações, mas</p><p>preservando espaço para os ricos depoimentos dos artistas entrevistados.</p><p>Comentário: o tratamento transdisciplinar torna a obra interessante especial-</p><p>mente para profissionais, professores e estudantes do universo da Comunicação,</p><p>das Artes Cênicas (dança e teatro), da Educação Física e das áreas que se dedicam</p><p>ao estudo do corpo na contemporaneidade.</p><p>Indicação para Ler</p><p>83</p><p>referências</p><p>ARISTÓTELES. Metafísica (livro I e livro II). Ética a Nicômaco. Poética. São Paulo:</p><p>Victor Civita, 1979.</p><p>______. Da memória e da revocação. In: ______. Parva Naturalia. São Paulo: Edipro,</p><p>2012.</p><p>______. Dos sentidos e dos sensíveis. In: ______. ______. São Paulo: Edipro, 2012.</p><p>______. Sobre a alma. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2010. (Obras</p><p>Completas de Aristóteles). Volume 3.</p><p>BASCHET, J. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo:</p><p>Globo, 2006.</p><p>BOGEA, I. Contos do balé. São Paulo: Cosac Naify, 2007.</p><p>BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos</p><p>Cedes, v. 19, n. 48, p. 69-88, ago. 1999. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2019.</p><p>CAMINADA, E. História da dança: evolução cultural. Rio de Janeiro: Sprint, 1999.</p><p>CONFEF. Conselho Federal de Educação Física. Resolução n. 046/2002, de 18 de</p><p>fevereiro de 2002. Dispõe sobre a Intervenção do Profissional de Educação Física</p><p>e respectivas competências e define os seus campos de atuação profissional. Dispo-</p><p>nível em: . Acesso em:</p><p>28 mar. 2019.</p><p>DAVIS, F. A comunicação não-verbal. São Paulo: Summus,1979.</p><p>ELIAS, N. Escritos e ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.</p><p>ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem.</p><p>[S. l.]: Ridendo Castigat Mores, 1999. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2019.</p><p>referências</p><p>84</p><p>referências</p><p>ERASMO DE ROTTERDAM. De pueris (dos</p><p>universidade. Graduada em Educação Física pela UEM (1994). Atualmente</p><p>é professora adjunta da Universidade Estadual do Paraná (Unespar - campus</p><p>de Paranavaí). Tem experiência na área de Educação Física (Fundamentos da</p><p>Educação Física; Dança). Desenvolve pesquisas em História da Educação com</p><p>ênfase em iconografia medieval.</p><p>Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profissional, pesquisas e</p><p>publicações, acesse seu currículo disponível no seguinte endereço:</p><p>.</p><p>apresentação do material</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>Meire Aparecida Lóde Nunes</p><p>Olá, aluno(a)!</p><p>Seja bem-vindo(a) ao livro de Fundamentos de Rítmica e Dança. A nossa</p><p>proposta consiste em apresentar a fundamentação básica necessária ao de-</p><p>senvolvimento de práticas pedagógicas que envolvem atividades rítmicas e de</p><p>dança. Assim, são muitos os conteúdos que se inserem neste tema e, por isto,</p><p>selecionamos aqueles que consideramos fundamentais para que você possa</p><p>estabelecer, com clareza, os princípios norteadores de suas práticas pedagógicas.</p><p>Para os conteúdos serem aprendidos de forma gradual, eles foram organizados</p><p>em dois grupos: primeiramente, trabalharemos a rítmica e, posteriormente, as</p><p>questões referentes à dança.</p><p>Na Unidade 1, a proposta consiste em tratarmos do universo da rítmica, em</p><p>entender o seu significado e a sua relação com o ritmo. O estudo segue pela</p><p>investigação do ritmo, mas, para isto, questões como o movimento, o som e a</p><p>estrutura musical serão abordados.</p><p>O foco do estudo na Unidade 2 se desloca para a dança. Nos questionamos</p><p>sobre a sua essência e como ela pode ser entendida: arte por ser uma linguagem</p><p>não-verbal ou atividade física por se materializar pelo movimento corporal? Esta</p><p>indagação conduz à reflexão de qual perspectiva a Educação Física deve assumir</p><p>para atender às necessidades da sociedade contemporânea.</p><p>A Unidade 3 tem como objetivo apresentar algumas questões relevantes</p><p>da História da Dança e, para tanto, primeiramente, será exposta a importância</p><p>dos estudos históricos. Esta conscientização é indispensável para entender a</p><p>dança como um registro de como os seres humanos pensavam e se organizavam</p><p>socialmente em diferentes períodos históricos. É com este olhar que faremos</p><p>uma incursão da dança na Pré-história, na Antiguidade, na Idade Média, no</p><p>Renascimento, na Modernidade e chegaremos aos dias atuais com a Dança</p><p>Contemporânea.</p><p>A proposta da Unidade 4 é investigar a função educativa da dança. A educação</p><p>é considerada em seu sentido amplo, podendo ser compreendida como um pro-</p><p>cesso de formação humana e, neste sentido, aplicada em ambiente formal, não</p><p>formal e informal. Neste percurso, perceberemos que são escassos os estudos,</p><p>dentro da tradição acadêmica, que a considerem como um elemento relevante</p><p>na constituição do ser humano em sua totalidade. Isto pode ter ocasionado uma</p><p>fragilidade no reconhecimento dos aspectos intelectuais presentes na dança,</p><p>considerando-a apenas como atividade virtuosística ou recreativa. Para ampliar</p><p>essa reflexão, investigamos a possibilidade de estabelecermos um elemento</p><p>central no trabalho com a dança por meio da origem do movimento dançante.</p><p>Por último, a Unidade 5 de nosso curso propõe-se a tratar dos desafios</p><p>atuais da dança na sociedade contemporânea. A organização social atua di-</p><p>retamente nos objetivos e conteúdos presentes nas práticas dos professores</p><p>e profissionais de Educação Física e, inclusive, na abertura de novos espaços</p><p>para a área. Procuramos compreender como o estilo de vida produzido em</p><p>uma sociedade globalizada e tecnológica afeta a saúde das pessoas e eleva o</p><p>status da Educação Física no campo da promoção da saúde. Na esteira deste</p><p>pensamento, veremos como a dança está presente nesse contexto.</p><p>Desta forma, convido você a iniciar os estudos sobre Rítmica e Dança, mas</p><p>ressalto que as questões aqui apresentadas correspondem somente ao início de</p><p>uma longa jornada que requer muita dedicação para construir o conhecimento</p><p>qualitativo nessa área. Bons estudos!</p><p>sumário</p><p>UNIDADE I</p><p>O UNIVERSO DA RÍTMICA</p><p>14 Rítmica e Ritmo</p><p>20 Ritmo e Movimento Corporal</p><p>26 Ritmo e Som</p><p>30 Elementos da Música Aplicados</p><p>às Atividades Rítmicas</p><p>39 Considerações Finais</p><p>48 Referências</p><p>50 Gabarito</p><p>UNIDADE II</p><p>A DANÇA</p><p>56 Dança e Linguagem Corporal</p><p>62 Dança: Arte</p><p>ou Atividade Física</p><p>68 Dança: Construção do Conhecimento</p><p>na Área da Educação Física</p><p>74 Considerações Finais</p><p>83 Referências</p><p>86 Gabarito</p><p>UNIDADE III</p><p>DANÇA: REGISTRO HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO</p><p>DOS HOMENS E DAS SOCIEDADES</p><p>92 A Dança como</p><p>Registro Histórico</p><p>94 Dança: Quando Tudo Começou</p><p>100 A Dança na Antiguidade Ocidental</p><p>106 A Dança na Idade Média e no Renascimento:</p><p>da Proibição à Arte</p><p>120 O Mundo Moderno Expresso na Arte de</p><p>Dançar: Dança Moderna e Contemporânea</p><p>127 Considerações Finais</p><p>135 Referências</p><p>138 Gabarito</p><p>UNIDADE IV</p><p>DANÇA E FORMAÇÃO HUMANA</p><p>144 Dança, Educação e Formação Humana:</p><p>Fragilidades Herdadas do Pensamento</p><p>Clássico</p><p>152 A Origem do Movimento Dançante</p><p>como Aspecto Norteador para a Dança</p><p>na Educação Física</p><p>157 Dança, Educação Física e Saúde</p><p>161 Considerações Finais</p><p>169 Referências</p><p>170 Gabarito</p><p>UNIDADE V</p><p>DANÇA NA EDUCAÇÃO FÍSICA: DESAFIOS PRESENTES</p><p>NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA</p><p>176 Dança e Educação Física</p><p>na Sociedade Contemporânea</p><p>190 A Formação dos Professores e Profissionais</p><p>de Educação Física e o Ensino da Dança</p><p>200 Considerações Finais</p><p>207 Referências</p><p>210 Gabarito</p><p>211 CONCLUSÃO GERAL</p><p>Professor Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes</p><p>Plano de Estudo</p><p>A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta</p><p>unidade:</p><p>• Rítmica e ritmo</p><p>• Ritmo e movimento corporal</p><p>• Ritmo e som</p><p>• Elementos da música aplicados às atividades rítmicas</p><p>Objetivos de Aprendizagem</p><p>• Aproximar os alunos dos principais conteúdos acerca da</p><p>temática rítmica inserida no contexto da Educação Física e</p><p>investigar a relação e a distinção entre rítmica e ritmo.</p><p>• Refletir acerca da importância do conceito de corpo para o</p><p>desenvolvimento do trabalho rítmico.</p><p>• Apresentar as qualidades do som.</p><p>• Estudar os elementos musicais necessários ao</p><p>desenvolvimento das atividades rítmicas.</p><p>O UNIVERSO DA RÍTMICA</p><p>unidade</p><p>I</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Olá, caro(a) aluno(a)! A primeira unidade do livro de Funda-</p><p>mentos de Rítmica e Dança tem como finalidade compre-</p><p>ender o universo da rítmica. Este conteúdo é importante</p><p>para todos os(as) alunos(as), profissionais e professores(as)</p><p>de Educação Física, pois trabalhamos com o movimento, que é o prin-</p><p>cípio do ritmo. Portanto, os conteúdos aqui abordados não se limitam à</p><p>dança, mas englobam todo movimento.</p><p>Iniciamos o estudo da rítmica buscando entender os conceitos dela</p><p>e do ritmo. Estes termos são muito próximos, mas possuem sentidos di-</p><p>ferentes. Esta investigação nos possibilitará entender e identificar a pre-</p><p>sença do ritmo em diferentes situações do cotidiano, o que torna possível</p><p>classificá-lo conforme as suas características.</p><p>Logo depois, direcionaremos a nossa atenção ao ritmo corporal, mas,</p><p>para isto, revisitaremos a compreensão construída historicamente sobre o</p><p>corpo para melhor compreendê-la hoje, na perspectiva fenomenológica. A</p><p>fenomenologia nos permite entender o corpo não como distinto da mente,</p><p>como a tradição nos apresenta, mas sim, corpo e mente em uma perspec-</p><p>tiva totalizante. Essa compreensão é importante para o estudo da Rítmica,</p><p>sistema de ensino musical criado por Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950)</p><p>que muito influenciou e ainda influencia o ensino da ginástica e da dança.</p><p>Estudaremos, ainda, o ritmo e o som, apresentando as distinções en-</p><p>tre som e ruído e as definições dos elementos que compõem o que é en-</p><p>tendido por qualidades do som.</p><p>Em seguida, conheceremos os elementos da estrutura musical, que se</p><p>aplicam às atividades rítmicas de forma geral e, especificamente, à dança.</p><p>Neste momento, a intenção é possibilitar a identificação do pulso, da fra-</p><p>se e do período musical, elementos indispensáveis para o estudo de uma</p><p>música</p><p>meninos). Texto Integral. 2. ed. Tra-</p><p>dução, introdução e notas de Luiz Feracine. São Paulo: Escala, 2008. (Grandes Obras</p><p>do Pensamento Universal). Volume 22.</p><p>FISCHER, E. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: LTC, 1987.</p><p>FRANCASTEL, P. A realidade figurativa. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1993.</p><p>GARAUDY, R. Dançar a vida. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.</p><p>GAZONI, F. M. A “Poética” de Aristóteles: tradução e comentários. 2006. 131f. Dis-</p><p>sertação (Mestrado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huma-</p><p>nas, Departamento de Filosofia, Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Univer-</p><p>sidade de São Paulo, São Paulo, 2006.</p><p>MARQUES, I. Linguagem da dança: arte e ensino. In: MEC. Ministério da Educação.</p><p>Dança na escola: arte e ensino. Brasília: MEC. Boletim 2, a. 21. abr. 2012. (Salto para</p><p>o Futuro). 30p. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2019.</p><p>______. Dançando na escola. São Paulo: Cortez, 2003.</p><p>PEASE, A.; PEASE, B. Desvendando os Segredos da Linguagem Corporal. 7. ed. Rio</p><p>de Janeiro: Sextante, 2005.</p><p>PORTINARI, M. História da Dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.</p><p>RECTOR, M.; TRINTA, A. R. A Comunicação Não-Verbal: a gestualidade brasilei-</p><p>ra. Petrópolis: Vozes, 1990.</p><p>85</p><p>referências</p><p>STJ. Superior Tribunal de Justiça. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.</p><p>AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSELHOS PROFISSIONAIS. EDUCAÇÃO FÍSICA.</p><p>ATIVIDADES DIVERSAS (DANÇA, IOGA, ARTES MARCIAIS) INCLUÍDAS NA</p><p>ATUAÇÃO DO CONSELHO REGIONAL PROFISSIONAL POR MEIO DE RESO-</p><p>LUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. AUSÊNCIA DE</p><p>CORRELAÇÃO COM A LEI. INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA OU</p><p>ULTRA PETITA. ADEQUAÇÃO DA VIAELEITA E LEGITIMIDADE DO PAR-</p><p>QUET FEDERAL DECIDIDAS COM BASE EM FUNDAMENTAÇÃO CONS-</p><p>TITUCIONAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 1º E3º DA LEI N.</p><p>9.696/1998.1. RECURSO ESPECIAL: REsp 1012692 RS 2007/0294222-7. Relator:</p><p>Ministro Benedito Gonçalves. DJe 16/05/2011. Recurso Especial. JusBrasil, 2011.</p><p>Disponível em: . Acesso</p><p>em: 28 mar. 2019.</p><p>REFERÊNCIA ON-LINE</p><p>1Em: . Acesso em: 28 mar. 2019.</p><p>86</p><p>gabarito</p><p>1. D.</p><p>2. A.</p><p>3. B.</p><p>4. A resposta deve conter: reflexão que aborde a importância da linguagem não</p><p>verbal, destacando que a maior parte da comunicação ocorre desta forma; ex-</p><p>plicar que a comunicação não verbal se constitui por meio das relações inter-</p><p>pessoais, as quais devem ser consideradas desde o nascimento do indivíduo;</p><p>estabelecer a relação da dança a uma linguagem não verbal, enfatizando a ne-</p><p>cessidade de ela ser desenvolvida como conteúdo efetivo da Educação Física.</p><p>5. A resposta deve conter: conceito de linguagem não verbal; explicação de que a</p><p>aparência, o modo de se vestir e os gestos das pessoas participam do processo</p><p>comunicativo, interferindo, assim, na recepção da mensagem e, posteriormente,</p><p>na formação de ideias e conceitos.</p><p>gabarito</p><p>UNIDADEIII</p><p>Professora Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes</p><p>Plano de Estudo</p><p>A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta</p><p>unidade:</p><p>• A dança como registro histórico</p><p>• Dança: quando tudo começou</p><p>• A dança na Antiguidade ocidental</p><p>• A dança na Idade Média e no Renascimento: da proibição</p><p>à arte</p><p>• O mundo moderno expresso na arte de dançar: Dança</p><p>Moderna e Contemporânea</p><p>Objetivos de Aprendizagem</p><p>• Propiciar a compreensão da dança como um registro</p><p>histórico.</p><p>• Investigar a dança como um registro histórico na</p><p>Pré-história.</p><p>• Refletir acerca da dança no contexto da Antiguidade.</p><p>• Verificar como as mudanças sociais presentes na Idade</p><p>Média e no Renascimento influenciaram a prática da</p><p>dança.</p><p>• Compreender como as concepções modernas e</p><p>contemporâneas se expressam na dança de nossos dias.</p><p>DANÇA: REGISTRO HISTÓRICO DO</p><p>DESENVOLVIMENTO DOS HOMENS</p><p>E DAS SOCIEDADES</p><p>unidade</p><p>III</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>N</p><p>esta terceira unidade, temos como objetivo nos aproximarmos</p><p>da história da dança. Veremos, logo no início, que este propósito</p><p>é muito complexo, pois a dança acompanha o ser humano desde</p><p>os primeiros vestígios de sua existência. Portanto, falar de sua</p><p>história é o mesmo que falar sobre a história da própria humanidade. Desta</p><p>forma, nos limitaremos a apresentar uma possibilidade de abordagem que</p><p>se estabelece por meio da compreensão de que a dança expressa diferentes</p><p>pensamentos sobre os sujeitos, o mundo e as organizações sociais.</p><p>Assim, lançamos o nosso olhar para a gênese da dança no período</p><p>pré-histórico. O estudo deste período nos ensina que as necessidades hu-</p><p>manas extrapolam as necessidades materiais, e a dança é exemplo disto,</p><p>pois o caráter ritualístico que ela desempenhava constituía a própria es-</p><p>sência daqueles seres humanos.</p><p>O caráter sagrado presente na dança primitiva permanece na Anti-</p><p>guidade. No entanto, podemos observar a dança grega, ao lado do teatro,</p><p>desenvolvendo a sua forma artística e, consequentemente, fazendo parte</p><p>do processo educativo daquela época. Este processo sofre uma interrup-</p><p>ção durante a Idade Média, momento em que as manifestações corporais</p><p>são relacionadas ao pecado, e a dança, especificamente, é aproximada da</p><p>luxúria. No final desse período, ela ganha a simpatia dos nobres e passa a</p><p>fazer parte das boas maneiras dos moradores da corte.</p><p>Durante o Renascimento, a dança da corte italiana se desloca para a</p><p>francesa, onde se desenvolve para a dança que, atualmente, conhecemos</p><p>como balé. No século XIX, a sociedade está organizada diferentemente</p><p>do período renascentista e os interesses e as perspectivas dos indivíduos</p><p>não são mais os mesmos. Isto se expressa nos movimentos de dança que</p><p>originaram as suas modalidades Moderna e Contemporânea.</p><p>Esta é a jornada de uma história que não tem fim, que está em cons-</p><p>trução. Assim como o próprio ser humano, a dança, em cada momento,</p><p>se constrói e reconstrói, buscando novo significado para a sua existência.</p><p>92</p><p>A primeira questão que precisamos entender é</p><p>que a história é uma ciência cujo fio condutor são</p><p>as atividades humanas, ou seja, o seu objeto de in-</p><p>vestigação é o próprio ser humano. Como podemos</p><p>verificar:</p><p>[...] o objecto da história é, por natureza, o ho-</p><p>mem. Ou melhor, os homens [...] são exacta-</p><p>mente os homens que a história pretende apre-</p><p>ender. Quem não conseguir será, quanto muito</p><p>e na melhor das hipóteses, um servente da eru-</p><p>dição. O bom historiador, esse, assemelha-se ao</p><p>monstro da lenda. Onde fareja carne humana é</p><p>que está a sua caça (BLOCH, 1974, p. 28).</p><p>Assim, quando investigamos as manifestações dan-</p><p>çantes ao longo da história da humanidade, não es-</p><p>tamos estudando apenas a dança em si, mas o ser</p><p>humano. As danças são construções humanas e car-</p><p>regam consigo muitas informações sobre os sujeitos</p><p>e as suas sociedades. No entanto, é preciso que haja</p><p>a consciência desta potencialidade da dança, como</p><p>adverte Curt Sachs (apud CAMINADA, 1999, p.1):</p><p>Olá, aluno(a)! Iniciamos este tópico pensando sobre</p><p>a importância do estudo da história da dança. Muitas</p><p>pessoas ou alunos, diante de um texto ou de uma dis-</p><p>ciplina que trata da história, questionam-se: por que</p><p>estudar acontecimentos tão distantes de nossa reali-</p><p>dade? Qual o sentido deste conhecimento para o con-</p><p>texto atual? Se você faz parte desse grupo de pessoas</p><p>que, vez ou outra, se questiona sobre a importância</p><p>do conhecimento histórico, o texto introdutório lhe</p><p>auxiliará a enxergar o passado com outros olhos!</p><p>Nos ateremos, neste primeiro momento, na im-</p><p>portância das pesquisas históricas para, posteriormen-</p><p>te, revisitarmos a dança nos diferentes momentos e</p><p>contextos sociais a fim de, nos próximos capítulos, re-</p><p>fletirmos sobre a dança na sociedade em que vivemos.</p><p>POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA DANÇA?</p><p>Para respondermos a esta pergunta, é preciso reto-</p><p>marmos a importância da história de forma geral,</p><p>pois, assim, compreenderemos, particularmente, a</p><p>história da dança.</p><p>A Dança como</p><p>Registro Histórico</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>93</p><p>Se considerarmos a dança como uma predis-</p><p>posição herdada que se manifesta em diversas</p><p>formas de movimento e em diferentes grupos</p><p>humanos e a associarmos, com todo o seu po-</p><p>tencial de energia, a outros fenômenos da civi-</p><p>lização, sua história poderá se constituir num</p><p>fator de enorme importância para o estudo da</p><p>espécie.</p><p>Desta forma, a história propicia ao(a) estudante/pes-</p><p>quisador(a), enquanto sujeito, o conhecimento de si</p><p>mesmo. Certeau (2008, p. 47) nos leva a refletir sobre</p><p>essa potencialidade da história por meio da seguinte</p><p>afirmação: “efetivamente, ela é humana, não enquan-</p><p>to tem o homem por objeto, mas porque sua prática</p><p>reintroduz no ‘sujeito’ da ciência aquilo que se havia</p><p>diferenciado como seu objeto”. Assim, ao estudar-</p><p>mos a história desenvolvendo um processo que leva</p><p>à aproximação do sujeito pesquisador com o sujeito</p><p>“objeto de estudo”, temos, como resultado, o conhe-</p><p>cimento de nós mesmos. No entanto, é importante</p><p>entender que não estudamos o passado para trazê-lo</p><p>ao presente, a história investiga as ações humanas de</p><p>acordo com o tempo em que elas ocorreram.</p><p>Os acontecimentos não podem ser deslocados de</p><p>seu tempo, pois as ações são determinadas pela tota-</p><p>lidade que envolve os indivíduos, e as necessidades</p><p>coletivas são decorrentes da estrutura social. Para</p><p>Certeau (2008), a pesquisa historiográfica está vin-</p><p>culada a um determinado lugar, no qual se observa</p><p>a produção socioeconômica, política e cultural par-</p><p>ticular. Neste sentido, podemos entender o tempo</p><p>histórico como um invólucro dos fenômenos sociais.</p><p>[...] nunca um fenômeno histórico se explica</p><p>plenamente fora do estudo do seu momento. E</p><p>isto é válido para todas as etapas da evolução.</p><p>Para aquela em que vivemos, como para outras.</p><p>Já um provérbio árabe o dissera: “Os homens</p><p>parecem-se mais com o seu tempo que com os</p><p>seus pais”. Foi por se ter olvidado esta sabedoria</p><p>oriental que se desacreditou, às vezes, o estudo</p><p>do passado (BLOCH, 1974, p. 36).</p><p>Ainda para Bloch, a falta de credibilidade a respeito</p><p>dos estudos históricos pode ser resultante da ausên-</p><p>cia de compreensão de que a sociedade e os indiví-</p><p>duos mudam, mas existe “[...] na natureza humana e</p><p>nas sociedades humanas, um fundo permanente. Se</p><p>assim não fosse, os próprios vocábulos de ‘homem’</p><p>e de ‘sociedade’ não significariam coisa nenhuma”</p><p>(BLOCH, 1974, p. 42).</p><p>O conhecimento desse “fundo permanente”</p><p>contribui para a reflexão sobre o nosso próprio tem-</p><p>po e, consequentemente, para um posicionamen-</p><p>to ético/moral. Ressaltamos que é o interesse pelo</p><p>tempo presente que move os estudos históricos, pois</p><p>concordamos com Marc Bloch (1974, p. 42) ao afir-</p><p>mar que: “a incompreensão do presente nasce fatal-</p><p>mente da ignorância do passado”. Esta questão nos</p><p>remete à relação passado/presente apresentada por</p><p>Panofsky (2007, p.43-44): “Não há nada menos real</p><p>do que o presente. Uma hora atrás, essa conferência</p><p>pertencia ao futuro. Dentro de quatro minutos, per-</p><p>tencerá ao passado”.</p><p>Assim, podemos pensar a transitoriedade tem-</p><p>poral: a dicotomia do pensamento entre passado,</p><p>presente e futuro pode ser considerada inexistente,</p><p>já que o futuro é consequência do hoje, e este é o</p><p>resultado do ontem. É preciso recordar, ainda, que,</p><p>para a compreensão do tempo presente, é preciso</p><p>um referencial possibilitador das analogias que nos</p><p>conduzam a novas propostas.</p><p>Agora que já compreendemos a importância do</p><p>estudo da história, iniciaremos a nossa investigação</p><p>pela história da dança. Iniciaremos pela sua origem.</p><p>94</p><p>No entanto, é importante entender que as mudan-</p><p>ças não ocorreram de “um dia para o outro”, elas</p><p>são gradativas; e mesmo após o marco histórico</p><p>que indica a mudança de período, os indivíduos</p><p>mantêm os seus costumes e a mesma mentalida-</p><p>de por anos. Entretanto é importante termos em</p><p>mente essa divisão, pois trataremos, na medida</p><p>do possível, da história da dança de acordo com</p><p>ela. Então, vamos lá!</p><p>Para nos remetermos à origem da dança, é preci-</p><p>so retomarmos a história do próprio ser humano.</p><p>Por isto, antes de iniciarmos os nossos estudos,</p><p>relembraremos a divisão cronológica da história:</p><p>Pré-história (até 4.000 a. C.); Antiguidade (até</p><p>476 d. C.); Idade Média (1500); Modernidade (até</p><p>1789); Contemporaneidade (dias atuais).</p><p>A divisão cronológica da história tem intuito</p><p>didático e facilita a nossa localização no tempo.</p><p>Dança: Quando</p><p>Tudo Começou</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>95</p><p>Os primeiros registros encontrados que de-</p><p>monstram a presença humana na terra também</p><p>correspondem aos primeiros vestígios da dança.</p><p>Portanto, podemos entender que ela acompanha o</p><p>ser humano desde sua origem, é isto que nos mostra</p><p>Portinari (1989, p. 11) quando explicita que,</p><p>De todas as artes, a dança é a única que dispensa</p><p>materiais e ferramentas, dependendo só do cor-</p><p>po. Por isso, dizem-na a mais antiga, aquela que</p><p>o ser humano carrega dentro de si desde tem-</p><p>pos imemoráveis. Antes de polir a pedra, cons-</p><p>truir abrigo, produzir utensílio, instrumentos e</p><p>armas, o homem batia os pés e as mãos ritmi-</p><p>camente para se aquecer e se comunicar. Assim,</p><p>das cavernas à era do computador, a dança fez e</p><p>continua fazendo história.</p><p>Ao recordarmos, no entanto, as condições de vida</p><p>humana na pré-história, podemos nos perguntar:</p><p>por que aqueles indivíduos que dependiam quase</p><p>que exclusivamente do corpo para sobreviver - para</p><p>comer tinham que caçar e pescar, para se proteger</p><p>dos predadores, se escondiam em lugares de difícil</p><p>acesso e, para vencer as batalhas com os seus seme-</p><p>lhantes, guerreavam utilizando como principal arma</p><p>o próprio corpo - gastavam a energia dançando?</p><p>A resposta para esta questão é que a dança fazia</p><p>parte de sua “sobrevivência”! Além das necessida-</p><p>des materiais para a manutenção da vida, a dança</p><p>possibilitava a manutenção da vida espiritual do in-</p><p>divíduo primitivo e conduzia a organização da vida</p><p>coletiva daquela “sociedade”. Faro (2011, p. 13) nos</p><p>auxilia a entender a dança no mundo primitivo ao</p><p>mencionar que:</p><p>Há quem distinga nas figuras gravadas nas ca-</p><p>vernas de Lascaux, pelo homem pré-histórico,</p><p>figuras dançando. E como o homem da Idade</p><p>da Pedra só gravava nas paredes de suas caver-</p><p>nas aquilo que lhe era importante, como a caça,</p><p>a alimentação, a vida e a morte, é possível que</p><p>essas figuras dançantes fizessem parte de rituais</p><p>de cunho religioso, básicos para a sociedade de</p><p>então, a cujos costumes esse tipo de manifesta-</p><p>ção já estaria incorporado.</p><p>Podemos entender melhor as informações de Faro</p><p>ao olharmos a Figura 1 a seguir, na qual podemos</p><p>identificar pessoas em posturas dançantes. As cinco</p><p>pessoas que foram gravadas na parede da caverna</p><p>demonstram movimentos muito similares aos en-</p><p>contrados nas manifestações dançantes, por exem-</p><p>plo, os dois indivíduos (esquerda para direita) que</p><p>se olham e parecem executar uma dança de pares. A</p><p>inclinação dos troncos, um para frente e outro para</p><p>trás, das pessoas que estão no centro da figura ex-</p><p>pressam posturas que lembram movimentos de dan-</p><p>çarinos. O mesmo acontece com indivíduo que se</p><p>encontra, no lado direito da figura, em uma posição</p><p>próxima ao solo, mas mantém uma postura ereta,</p><p>podendo indicar que aquela posição é intencional.</p><p>Acompanhando as figuras dançantes, observa-se,</p><p>ainda, um grande animal, o qual é um elemento in-</p><p>dispensável à vida do indivíduo primitivo.</p><p>Desta forma, é evidente que a dança exercia uma</p><p>função significativa naquela sociedade e estava pre-</p><p>sente em todos os momentos importantes da vida</p><p>daquelas pessoas. Para refletirmos sobre o papel da</p><p>dança no mundo primitivo, destacaremos três as-</p><p>pectos: dança e religião; dança e poder; dança e con-</p><p>dicionamento físico.</p><p>96</p><p>DANÇA E RELIGIÃO</p><p>Sabe-se que a dança nasce da necessidade comuni-</p><p>cativa dos indivíduos. Assim como as demais artes,</p><p>a sua gênese está pautada na expressividade.</p><p>Esta co-</p><p>municação refere-se ao seu semelhante, mas também</p><p>com as divindades. O indivíduo primitivo acreditava</p><p>que a dança era um veículo de comunicação entre</p><p>ele e os seus deuses. Faro (2011, p. 13) explica que</p><p>se “[...] a arquitetura veio da necessidade de morar, a</p><p>dança, provavelmente, veio da necessidade de aplacar</p><p>os deuses ou de exprimir a alegria por algo de bom</p><p>concedido pelo destino”. O cunho místico da dança</p><p>permeia todas as suas demais execuções, pois, como</p><p>o sujeito daquela época acreditava que tudo o que</p><p>ele não conseguia explicar era vontade dos deuses,</p><p>considerando ser pouco o conhecimento que ele ti-</p><p>Figura 1 - Figuras dançantes e figura animal</p><p>Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)1.</p><p>nha sobre o desenvolvimento da vida, a dança atuava</p><p>como elemento imprescindível naquelas sociedades.</p><p>Era por meio da dança que eles agradeciam aos</p><p>deuses pela boa colheita, que pediam chuva e enca-</p><p>minhavam ao mundo divino a alma de seus mor-</p><p>tos. Esta característica da dança não se perdeu com</p><p>o tempo, sofreu modificações, mas a sua essência</p><p>permanece em muitas culturas, mesmo que passe</p><p>despercebida aos nossos olhos. Para compreender</p><p>melhor esta questão, deixamos, na sequência, um</p><p>fragmento do texto de Faro (2011), no qual ele se re-</p><p>porta às cerimônias religiosas do candomblé. Consi-</p><p>deramos importante este excerto para pensarmos o</p><p>movimento histórico presente na dança, ou seja, as</p><p>suas permanências e mudanças.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>97</p><p>A dança faz parte intrínseca das cerimônias de</p><p>candomblé abertas ao público. Quem já presen-</p><p>ciou esses rituais deve ter notado que eles, nor-</p><p>malmente, se dividem em duas partes: a primei-</p><p>ra delas, chamada xiré, dá início às cerimônias</p><p>– os filhos de santo, ainda não incorporados,</p><p>cantam e dançam, invocando, em determinada</p><p>ordem, cada um dos orixás; na segunda parte,</p><p>alguns membros do culto, com seus “santos”</p><p>incorporados, interpretam as diversas danças</p><p>características das entidades.</p><p>[...]</p><p>No candomblé, a dança funciona, na verda-</p><p>de, como elo entre iniciados e assistentes. Ela</p><p>serve para invocar, apaziguar ou agradecer aos</p><p>deuses por graças obtidas. Trata-se, na verda-</p><p>de, de um dos alicerces sobre os quais se apoia</p><p>toda uma religião, um dos exemplos mais dire-</p><p>tos e claros do que expusemos anteriormente</p><p>(FARO, 2011, p. 21-22).</p><p>DANÇA E PODER</p><p>Fischer (1987) nos auxilia a compreender a impor-</p><p>tância da dança nas sociedades primitivas ao abor-</p><p>dar a arte de maneira geral. Para o autor, a criação da</p><p>arte fez com que aqueles indivíduos desenvolvessem</p><p>a consciência de seu poder.</p><p>As agitadas danças tribais que precediam uma</p><p>caçada realmente aumentavam o sentido do</p><p>poderio da tribo; a pintura guerreira e os gritos</p><p>de guerra realmente tornavam o combate mais</p><p>resoluto e mais apto para atemorizar o inimigo.</p><p>As pinturas de animais nas cavernas realmente</p><p>ajudavam a dar ao caçador um sentido de segu-</p><p>rança e superioridade à presa. As cerimônias re-</p><p>ligiosas, com suas convenções estritas, realmen-</p><p>te ajudavam a instilar a experiência social em</p><p>cada membro da tribo e a tornar cada indivíduo</p><p>parte do corpo coletivo. O homem, aquela fraca</p><p>criatura que se defrontava com uma natureza</p><p>perigosa e incompreensivelmente aterradora,</p><p>era muitíssimo ajudado em seu desenvolvimen-</p><p>to pela magia (FISCHER, 1987, p. 45-46).</p><p>Assim, a fragilidade do ser humano perante a na-</p><p>tureza foi superada com o auxílio de manifestações</p><p>que hoje entendemos como arte, as quais expressam</p><p>a importância do aspecto coletivo presente naquelas</p><p>sociedades. O coletivo constituiu-se com a possibili-</p><p>dade de sobrevivência, pois, para aqueles seres, não</p><p>havia nada de mais terrível do que ser excluído do</p><p>âmbito coletivo: “a separação do indivíduo em rela-</p><p>ção ao grupo ou à tribo significava morte: o coletivo</p><p>significava a vida e o conteúdo da vida” (FISCHER,</p><p>1987, p. 47).</p><p>Neste sentido, as manifestações artísticas expres-</p><p>sam esse caráter coletivo da vida primitiva. Mesmo</p><p>sendo o registro artístico um produto individual,</p><p>ou seja, feito por um indivíduo, tal registro reflete o</p><p>pensar de toda uma sociedade, mesmo que de forma</p><p>inconsciente. Isto pode ser evidenciado na seguinte</p><p>passagem de Fischer:</p><p>A arte em todas suas formas – a linguagem, a</p><p>dança, os cantos rítmicos, as cerimônias má-</p><p>gicas – era a atividade social par excellence,</p><p>comum a todos e elevando todos os homens</p><p>acima da natureza, do mundo animal. A arte</p><p>nunca perdeu inteiramente esse caráter coleti-</p><p>vo, mesmo muito tempo depois da quebra da</p><p>comunidade primitiva e da sua substituição por</p><p>uma sociedade dividida em classes (FISCHER,</p><p>1987, p. 47).</p><p>Desta forma, fica-nos evidente que a dança, que se</p><p>relacionava com as questões mágicas no mundo</p><p>primitivo, contribuiu para o desenvolvimento da</p><p>humanidade ao fazer com que aqueles sujeitos esta-</p><p>belecessem o seu poder sobre a natureza, chegando</p><p>a dominá-la.</p><p>98</p><p>DANÇA E CONDICIONAMENTO FÍSICO</p><p>O aspecto físico da dança nas culturas primitivas</p><p>foi também muito significativo, pois auxiliava no</p><p>condicionamento físico necessário às atividades de</p><p>guerra e caça. Rengel e Langendonck (2006, p. 8) in-</p><p>formam que:</p><p>Em cavernas como as da Serra da Capivara,</p><p>no Piauí (Brasil), de Altamira (Espanha) e de</p><p>Lascaux (França) é possível observar desenhos</p><p>traçados nas paredes com cenas de pessoas em</p><p>roda, correndo, saltando, dançando. Vemos,</p><p>também, nessas pinturas rupestres, homens</p><p>vestidos com peles de animais e imitando suas</p><p>posturas.</p><p>Movimentos como a corrida e os saltos, que faziam</p><p>parte das danças, auxiliavam os indivíduos no de-</p><p>senvolvimento de suas qualidades físicas, tornando-</p><p>-os mais aptos às demais atividades que desempe-</p><p>nhavam. Assim, desenvolvendo o físico e atendendo</p><p>às necessidades emotivas e espirituais, a dança foi</p><p>considerada uma das manifestações físicas mais im-</p><p>portantes no mundo primitivo, como é evidenciado</p><p>por Oliveira (1994, p. 7):</p><p>Uma das atividades físicas mais significativas</p><p>para o homem antigo foi a dança. Utilizada</p><p>como forma de exibir suas qualidades físicas</p><p>e de expressar os seus sentimentos, era prati-</p><p>cada por todos os povos, desde o paleolítico</p><p>superior (60 000 a. C.). A dança primitiva po-</p><p>dia ter características eminentemente lúdicas</p><p>como também um caráter ritualístico, onde</p><p>havia demonstrações de alegria pela caça e</p><p>pesca feliz ou a dramatização de qualquer</p><p>evento que merecesse destaque, como os nas-</p><p>cimentos e funerais.</p><p>Além disso, os primeiros povos perceberam</p><p>que o exercício corporal, produzindo uma ex-</p><p>citação interior, podia levá-los a estados altera-</p><p>dos de consciência. Acompanhadas por ruídos</p><p>que tinham por fim exorcizar os maus espíritos,</p><p>estas danças duravam horas ou mesmo dias,</p><p>levando os seus praticantes a acreditar estarem</p><p>entrando em contato com o poder dos deuses.</p><p>As danças representavam um papel fundamen-</p><p>tal no processo da Educação, na medida em que</p><p>se faziam presentes em todos os ritos que pre-</p><p>paravam os jovens para a vida social. Este fato</p><p>evidenciava-se nas danças rituais a partir do</p><p>culto, pois a religião era a única preocupação</p><p>sistemática na educação primitiva</p><p>A passagem acima, entretanto, nos mostra que o de-</p><p>senvolvimento físico proporcionado pela dança pa-</p><p>rece nunca ser desvinculado das questões religiosas,</p><p>sociais e lúdicas. Fato que evidencia a dança como</p><p>forma de atingir a totalidade do ser humano e não</p><p>uma manifestação isolada, fortalecendo, assim, a</p><p>tese acerca da importância da dança no processo de</p><p>desenvolvimento da humanidade.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>99</p><p>CARACTERÍSTICAS GERAIS DA DANÇA</p><p>NA PRÉ-HISTÓRIA</p><p>As características das danças primitivas expressa-</p><p>vam os valores e a intencionalidade de cada uma</p><p>delas. Uma das principais características presentes</p><p>em todas as danças primitivas era a circularidade,</p><p>ou seja, coreografias executadas em círculos. Che-</p><p>valier (2003) explica a simbologia do círculo, mas,</p><p>para isto, se remete ao significado do ponto, como</p><p>podemos verificar no seguinte excerto:</p><p>Em primeiro lugar, o círculo é um ponto</p><p>es-</p><p>tendido; participa da perfeição do ponto. Por</p><p>conseguinte, o ponto e o círculo possuem pro-</p><p>priedades simbólicas comuns: perfeição, ho-</p><p>mogeneidade, ausência de divisão ou divisão...</p><p>O círculo pode ainda simbolizar não mais as</p><p>perfeições ocultas do ponto primordial, mas os</p><p>efeitos criados; noutras palavras, pode simboli-</p><p>zar o mundo, quando distingue de seu princí-</p><p>pio [...] (p. 250).</p><p>Esta ideia parece justificar a formação circular das</p><p>danças primitivas. Acredita-se que a circularidade</p><p>colocava todos os seus participantes em uma posi-</p><p>ção de igualdade, participando/contribuindo para</p><p>a concentração de energia no centro do círculo e</p><p>abrindo um canal (portal) de comunicação entre os</p><p>indivíduos e as suas divindades. Assim, o círculo ex-</p><p>pressa os valores de uma sociedade que se fortalecia</p><p>pelo coletivo, além de evidenciar a carga religiosa na</p><p>organização social pela crença da interação entre o</p><p>mundo físico e o divino por meio das danças.</p><p>Além da formação circular, os movimentos</p><p>dançantes eram significativos, ou seja, expressavam</p><p>os sentimentos, por exemplo, de alegria e tristeza,</p><p>como podemos conferir na passagem de Rengel e</p><p>Langendonck (2006, p. 9):</p><p>[...] quando sentia alegria em viver, os movimen-</p><p>tos eram vigorosos e rápidos. A morte era mos-</p><p>trada com movimentos pesados e muito lentos.</p><p>As danças de plantio e colheita eram feitas ba-</p><p>tendo-se os pés no chão e com gestos de mãos e</p><p>braços que representavam os atos de espalhar a</p><p>semente e recolher o alimento plantado.</p><p>Estas características estavam de acordo com o tema</p><p>das danças, os quais eram muito variados, mas que</p><p>se destacam três: fecundidade e fertilidade; fúne-</p><p>bres; danças de iniciação.</p><p>• As danças de fecundidade e fertilidade es-</p><p>tavam relacionadas à figura feminina como</p><p>consequência da ideia de “mãe terra”. Essas</p><p>danças se desenvolveram nas sociedades que</p><p>desempenhavam atividades agrícolas.</p><p>• Danças fúnebres tinham como propósito</p><p>estabelecer um vínculo entre o mundo dos</p><p>vivos e dos mortos com o intuito de pedir</p><p>proteção à alma do falecido. O círculo é a for-</p><p>mação estabelecida que tinha, em seu centro,</p><p>um elemento, podendo ser um animal, ali-</p><p>mentos ou qualquer outro item que favore-</p><p>cesse a conexão entre os dois mundos.</p><p>• Danças de iniciação eram de caráter ritualísti-</p><p>co e executadas em cerimônias de circuncisão,</p><p>da menarca e de casamentos. A intenção era</p><p>a passagem de uma forma de viver para outra</p><p>e, para isso, eram utilizados, como referencial,</p><p>o nascer e o pôr do sol. Caminada (1999) ex-</p><p>plica que essas danças eram, geralmente, exe-</p><p>cutadas ao redor do fogo e com o rosto virado</p><p>para o leste, por ser o lado relacionado ao fu-</p><p>turo (o amanhecer), se opondo ao oeste, que</p><p>remete à ideia do passado (o anoitecer).</p><p>Essas características das danças primitivas não se per-</p><p>deram com o passar dos tempos. Nas culturas subse-</p><p>quentes, elas continuaram vivas e incorporaram novos</p><p>valores, desenvolvidos, por sua vez, pelas estruturas que</p><p>organizavam a vida dos sujeitos. Vejamos como isto</p><p>aconteceu no período conhecido como Antiguidade.</p><p>100</p><p>A Dança na</p><p>Antiguidade Ocidental</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>101</p><p>Sabe-se que a dança esteve presente em pratica-</p><p>mente todas as civilizações antigas, mas a grega</p><p>merece um olhar mais atento, pois é considerada</p><p>“o berço da civilização ocidental”. Devemos aos</p><p>gregos muitos dos costumes e valores que ainda</p><p>hoje estabelecem a base de nossa sociedade. Entre</p><p>as heranças que a Grécia nos legou, destacamos a</p><p>filosofia, a arte e o esporte (Olimpíadas). Como</p><p>veremos, a dança está relacionada a estes três seg-</p><p>mentos que faziam parte da totalidade da socie-</p><p>dade grega.</p><p>Todos nós conhecemos um pouco da mitolo-</p><p>gia grega. As produções cinematográficas se en-</p><p>carregaram de nos apresentar alguns deuses, he-</p><p>róis e narrativas que compunham a mitologia, por</p><p>exemplo, os titãs, a guerra de Tróia, Hércules etc.</p><p>A mitologia era muito importante na vida dos gre-</p><p>gos, por meio dela, os valores educativos encon-</p><p>travam as suas justificativas, explicando aquilo que</p><p>era desconhecido aos gregos. Neste conjunto de</p><p>conhecimentos, encontramos a explicação para o</p><p>surgimento da dança!</p><p>De acordo com a mitologia, Crono, o titã que</p><p>reinava sobre o universo, com medo de ser destro-</p><p>nado por seus filhos, os engolia assim que nasciam.</p><p>Reia, a sua esposa, para proteger o caçula (Zeus), o</p><p>escondeu em uma caverna em Creta e o deixou sob</p><p>os cuidados das Ninfas e dos Curetes. Grimal (2010,</p><p>p. 28) explica que os Curetes eram:</p><p>[...] demônios turbulentos que tinham inventa-</p><p>do o uso de armas de bronze e que passavam</p><p>o tempo dançando e entrechocando lanças e</p><p>escudos. Reia achava que a barulheira que eles</p><p>produziam seria capaz de abafar os vagidos do</p><p>bebê, impedindo Crono de descobrir o embus-</p><p>te de que tinha sido vítima.</p><p>Em outras versões do mito, foi Reia quem ensinou</p><p>aos Curetes uma dança guerreira em que os dançari-</p><p>nos batiam fortemente os pés no chão para produzir</p><p>barulho e abafar o choro do bebê. Assim, indiferen-</p><p>temente da versão, é importante observarmos que o</p><p>nascimento de Zeus, o deus dos deuses, é acompa-</p><p>nhado pela dança, o que revela a sua importância na</p><p>sociedade grega.</p><p>Os mitos eram transmitidos oralmente pelos</p><p>aedos e rapsodos, poetas ambulantes que declama-</p><p>vam epopeias de cidade em cidade. O grande poe-</p><p>ta da Antiguidade é Homero, considerado o autor</p><p>de Ilíada e Odisseia, as quais propagavam o ideal de</p><p>indivíduo a ser formado pela sociedade. Em suas</p><p>narrativas, são encontradas várias menções sobre a</p><p>dança, como fica-nos evidente na seguinte passagem</p><p>de Caminada (1999, p. 49):</p><p>O grande poeta épico Homero foi o principal</p><p>informante de quanto se conhecia ao tempo da</p><p>civilização micênica, sucessora da minóica, so-</p><p>bre rituais muito antigos; nessas narrações des-</p><p>tacam-se músicas, cânticos e danças de aqueus</p><p>e feácios, em luta contra Tróia, cinco séculos</p><p>antes de os cantores ambulantes, que recitavam</p><p>poemas heróicos, terem composto seus versos</p><p>em hexâmetros. Esses costumes cretenses, reco-</p><p>lhidos pela tradição, foram mencionados como</p><p>sendo plenos de frescor e beleza. Das danças de</p><p>Dédalo e Ariadne participavam crianças e ado-</p><p>lescentes, utilizando como formação não só fi-</p><p>leiras mais elaboradas, tais como o movimento</p><p>serpentino, tão absolutamente associado ao la-</p><p>birinto. Nas Ilíada e na Odisséia, encontram-se</p><p>várias referências a danças bélicas, funerárias,</p><p>agrícolas, nupciais e astrais, ainda segundo a</p><p>narrativa de Homero; também a poetisa da ilha</p><p>de Lesbos, Safo, mencionava danças de mulhe-</p><p>res cretenses em volta de altares.</p><p>102</p><p>Entre todas as menções da dança na sociedade gre-</p><p>ga, a sua relação mais estreita é com o deus Dioniso.</p><p>De acordo com Grimal (2010), Dioniso representa a</p><p>personificação dos poderes da vinha e do vinho. O</p><p>deus do vinho era filho de Zeus e da mortal Sêmele.</p><p>Esta, por ciúmes de suas irmãs, foi induzida a pedir</p><p>a Zeus que se apresentasse a ela em toda sua glória,</p><p>assim como ele se revelava a Hera, a sua esposa.</p><p>Zeus cedeu ao pedido da amante e surgiu em</p><p>meio de raios e relâmpagos, o que provocou a morte</p><p>de Sêmele. Zeus retirou a criança de seis meses que ela</p><p>carregava em seu ventre e a costurou em sua própria</p><p>coxa, onde Dioniso permaneceu até o final da gesta-</p><p>ção. Mas, com receio da fúria de Hera, Zeus enviou</p><p>a criança para um lugar longe da Grécia – o país de</p><p>Nisa – onde o bebê foi criado pelas Ninfas, sob a for-</p><p>ma de um cabrito (bode) e, assim, esse filho de Zeus</p><p>descobriu a videira e o vinho. Mas Hera soube de tudo</p><p>e provocou em Dioniso a loucura que o impulsionou</p><p>a uma desordenada corrida pelo mundo, que só teve</p><p>fim quando a deusa Cibele o livrou da loucura.</p><p>Desde então, Dioniso inicia as suas conquistas</p><p>viajando por vários lugares acompanhado por um</p><p>cortejo de demônios femininos e masculinos, de-</p><p>nominados bacantes. São várias as representações</p><p>iconográficas do cortejo de Dioniso e os rituais em</p><p>sua homenagem, como o de Bouguereau (Figura 2),</p><p>na qual podemos observar as mênades,</p><p>ou bacantes,</p><p>dançando nuas e seminuas; Sileno (fundo esquerdo</p><p>da pintura) montado em seu burro, sendo apoiado</p><p>pelos sátiros.</p><p>As sacerdotisas de Dioniso, mênades, realiza-</p><p>vam rituais em homenagem ao deus, rituais esses</p><p>que as relacionavam à selvageria, pois, durante os</p><p>cultos, elas dançavam livremente, em concordância</p><p>com as forças da natureza. O estado de êxtase que</p><p>as acometia fazia com que os demais as consideras-</p><p>sem violentas, o que se justificava por suas práticas</p><p>ritualísticas que incluíam derramamento de sangue.</p><p>As mênades dançavam nuas em volta de fogueiras e</p><p>jogavam cinzas sobre os seus corpos, além de come-</p><p>rem carne crua.</p><p>Figura 2 - A juventude de Baco</p><p>Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)2.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>103</p><p>As seguidoras de Dioniso se refugiavam no alto</p><p>das montanhas para realizarem os seus rituais longe</p><p>dos olhos da sociedade. Fischer (1987, p. 49) explica</p><p>que o comportamento das mênades expressa uma</p><p>mudança social:</p><p>Na medida em que os homens se vão separando</p><p>cada vez mais da natureza, na medida em que a</p><p>unidade tribal vai sendo gradualmente destru-</p><p>ída pela divisão do trabalho e pela propriedade</p><p>privada, o equilíbrio entre o indivíduo e o mun-</p><p>do exterior vai sendo cada vez mais perturba-</p><p>do. A falta de harmonia com o mundo exterior</p><p>conduz à histeria, aos transes, aos acessos de</p><p>loucura. A postura característica das mênades</p><p>ou bacantes – corpo arqueado, a cabeça jogada</p><p>para trás, é a postura clássica da histeria.</p><p>Como podemos verificar, a dança das adorado-</p><p>ras de Dioniso expressa uma situação interior, um</p><p>sentimento provocado por uma situação exterior</p><p>(social), que se materializava nos movimentos his-</p><p>téricos dançados por elas. Esta questão parece ser</p><p>consenso entre os pesquisadores, pois Caminada</p><p>(1999, p. 49) expõe um pensamento muito próximo</p><p>ao de Fischer:</p><p>A postura característica das mênades ou bacan-</p><p>tes (possessas) – o corpo arqueado e a cabeça</p><p>jogada para trás –significava a postura clássica</p><p>da histeria provocada pela falta de harmonia</p><p>com o mundo exterior, destruída pela divisão</p><p>do trabalho e pela propriedade privada, ao se</p><p>dar a ruptura com a unidade tribal anterior.</p><p>A dança não estava ligada a Dioniso apenas pelas</p><p>mênades. Os ritos em homenagem ao deus eram</p><p>compostos por música e dança e eram conhecidos</p><p>como ditirambos. São escassos os documentos acer-</p><p>ca dos ditirambos, mas sabe-se que este termo pode</p><p>ter a sua origem no próprio nome Dioniso, sendo</p><p>uma de suas variações. Os ditirambos compõem um</p><p>corpus poético, dedicado ao deus do vinho, os quais</p><p>evidenciam a existência de danças corais direcio-</p><p>nadas pelo arrebatamento das paixões, com movi-</p><p>mentos de instabilidade devido ao efeito do vinho.</p><p>Caminada (1999, p. 49) explica que:</p><p>O ritual ditirâmbico compunha-se de uma</p><p>dança de saltos, acompanhada de movimen-</p><p>tos dramáticos e dotada de hinos apropriados.</p><p>Muita pantomima era executada pelo coro de</p><p>dançarinos, vestidos com pele de bode, numa</p><p>alusão à ressurreição do deus bode; seus líde-</p><p>res trabalhavam sobre uma história completa a</p><p>cujas danças foram acrescentados improvisos.</p><p>Nos ditirambos, encontramos a origem do teatro</p><p>grego, tanto a tragédia como a comédia. O teatro era</p><p>considerado o principal meio de formação do indi-</p><p>víduo grego. Nas peças trágicas, eram encenadas as</p><p>condutas dos heróis e o fim trágico para aqueles que</p><p>infringissem o desejo dos deuses, os quais eram vin-</p><p>gativos e puniam impiedosamente aqueles que os de-</p><p>safiavam. As comédias, consideradas inferiores às tra-</p><p>gédias, tratavam, geralmente, de questões políticas e</p><p>personagens públicos, satirizando-os. Falavam sobre</p><p>assuntos sérios de forma cômica. Mas por que esta-</p><p>mos nos reportando ao teatro? Porque ele e a dança</p><p>são duas linguagens artísticas que o tempo fez com</p><p>que seguissem os seus próprios caminhos, mas, na gê-</p><p>nese, compunham intrinsecamente a arte mimética.</p><p>As apresentações de teatro aconteciam durante</p><p>as festas em homenagem a Dioniso que, conforme</p><p>Berthold (2008), tiveram a sua origem na época de</p><p>Péricles e eram conhecidas como as Grandes Dio-</p><p>nisíacas, ou Dionisíacas Urbanas, e as Rurais. As</p><p>urbanas, que tinham a duração de seis dias, eram</p><p>104</p><p>festividades que abarcavam o âmbito religioso, inte-</p><p>lectual e artístico de Atenas. Podemos compreender</p><p>um pouco mais essas festas quando Berthold (2008,</p><p>p. 103) explica que, na origem do teatro ocidental:</p><p>[...] encontram-se nas ações recíprocas de dar e</p><p>receber que, em todos os tempos e lugares, pren-</p><p>dem os homens aos deuses e os deuses ao homem:</p><p>elas estão nos rituais de sacrifício, dança e culto.</p><p>Para a Grécia homérica, isso significa os sagrados</p><p>festivais báquicos, menádicos, em homenagem a</p><p>Dioniso, o deus do vinho, da vegetação e do cres-</p><p>cimento, da procriação e da vida exuberante. Seu</p><p>séquito é composto por Sileno, sátiros e bacantes.</p><p>Os festivais rurais da prensagem do vinho, em de-</p><p>zembro, e as festas das flores de Atenas, em feve-</p><p>reiro e março, eram dedicadas a ele. As orgias de-</p><p>senfreadas dos vinhateiros áticos honravam-no,</p><p>assim como as vozes alternadas dos ditirambos e</p><p>das canções báquicas atenienses.</p><p>Vemos que, a partir de rituais místicos e festivida-</p><p>des consagradas pela tradição antiga, desenvol-</p><p>veram-se manifestações artísticas com caráter de</p><p>“espetáculo”: estamos nos referindo às danças tea-</p><p>trais. Como a própria denominação já nos indica, as</p><p>danças teatrais surgem conjuntamente com o teatro</p><p>grego (tragédia e comédia), com destaque a Ésquilo</p><p>(525-426), considerado o primeiro grande tragedió-</p><p>grafo grego. Ésquilo é importante para a história das</p><p>danças teatrais devido ao papel que elas tinham no</p><p>desenvolvimento de suas peças, como fica-nos explí-</p><p>cito na passagem de Caminada (1999, p. 50):</p><p>[...] foi diretor de coros, mestre de danças pro-</p><p>fissional e, sob esse aspecto, privilegiou até as</p><p>partes cantadas e dançadas; contudo, logrou</p><p>aumentar as representações em suas peças e</p><p>introduziu mais dois atores; fez também pro-</p><p>gredir a dança trágica. Desenvolvendo grande</p><p>variedade de posturas e movimentos.</p><p>A dança na Antiguidade, no entanto, se destacava</p><p>devido ao seu caráter educativo, tanto na perspecti-</p><p>va intelectual como física, pois não podemos esque-</p><p>cer que as riquezas daquela época eram provenientes</p><p>das guerras, que requeriam corpos saudáveis, ágeis</p><p>e fortes, os quais poderiam ser conquistados com</p><p>o auxílio da prática da dança. As danças guerreiras</p><p>cumpriam muito bem este propósito, as quais “[...]</p><p>faziam parte dos treinamentos militares. De difícil</p><p>execução, tinham movimentos muito atléticos. Sa-</p><p>bemos que os dançarinos usavam, em algumas des-</p><p>sas danças, saltos muito altos e máscaras” (RENGEL;</p><p>LANGENDONCK, 2006, p.13).</p><p>A relação entre a dança e a educação grega é pos-</p><p>sível de ser investigada por meio do grande legado</p><p>que os gregos nos deixaram, a filosofia. De acordo</p><p>com Rengel, para Sócrates (470-399 a. C.) “[...] a</p><p>dança formava um cidadão completo e nunca era</p><p>tarde para se aprender a dançar” (RENGEL; LAN-</p><p>GENDONCK, 2006, p.12). No entanto, é com o dis-</p><p>cípulo de Sócrates, Platão, que se evidencia a impor-</p><p>tância da dança na formação do cidadão. Ela aparece</p><p>em algumas obras do filósofo, mas, no livro II de As</p><p>Leis, a relação entre a dança e a educação é nítida.</p><p>A discussão, que procura definir o que é educa-</p><p>ção, apresenta as relações entre prazer/dor e a dis-</p><p>ciplina destas sensações. Neste momento, a dança é</p><p>abordada da seguinte maneira:</p><p>[...] quase sem exceção, todos os indivíduos</p><p>jovens são incapazes de conservar seja o cor-</p><p>po, seja a língua imóveis, estando tais jovens</p><p>sempre procurando incessantemente se mo-</p><p>verem e gritarem, saltando, pulando e se deli-</p><p>ciando com danças e jogos, além de produzi-</p><p>rem ruídos de todo tipo. Ora, enquanto todos</p><p>os outros animais carecem de qualquer senso</p><p>de ordem ou desordem nos seus movimentos</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>105</p><p>que chamamos de ritmo e harmonia, a nós,</p><p>os próprios deuses, que se prontificaram a ser</p><p>nossos companheiros na dança, concederam a</p><p>agradável</p><p>percepção do ritmo e da harmonia,</p><p>por meio do que nos fazem nos mover e con-</p><p>duzir nossos coros, de modo que nos ligamos</p><p>mutuamente mediante canções e danças; e o</p><p>nome coro provém do júbilo que dele extraí-</p><p>mos (PLATÃO, As Leis, II, 653e- 654b).</p><p>Podemos perceber que, para os gregos, era inacei-</p><p>tável a separação entre educação e religião, portan-</p><p>to, os elementos que constituíam os rituais, como a</p><p>dança, o canto e a poesia, eram entendidos como</p><p>elementos educativos à formação dos indivíduos</p><p>para estes exercerem as suas funções sociais (vida</p><p>pública) na polis.</p><p>Quando o centro do mundo antigo se desloca</p><p>da Grécia para Roma, a dança deixa de ter o mes-</p><p>mo papel social. Caminada (1999) atribui este fato</p><p>à própria característica dos romanos, ou seja, a ra-</p><p>cionalidade e a intelectualidade constituíam uma</p><p>barreira para o desenvolvimento da imaginação e do</p><p>estado de êxtase. A autora menciona que “quando</p><p>Cícero afirmava que ‘quase todas as pessoas que se</p><p>consideravam sérias não dançavam’, nada mais fazia</p><p>do que interpretar um temperamento e uma manei-</p><p>ra de entender a existência, peculiar àquele povo”</p><p>(CAMINADA, 1999, p. 61).</p><p>O temperamento do sujeito romano pode ser</p><p>compreendido por meio dos espetáculos mais apre-</p><p>ciados por eles: as lutas de gladiadores. Os roma-</p><p>nos enchiam as arenas para assistir a estes eventos,</p><p>expressando o espírito conquistador que tornava a</p><p>morte um espetáculo. No entanto, isto não significa</p><p>que as danças foram banidas daquela sociedade, elas</p><p>continuaram a se desenvolver de acordo com as ca-</p><p>racterísticas deste povo.</p><p>Em relação ao teatro, é importante lembrar que o</p><p>romano se mantém inserido na perspectiva de um Es-</p><p>tado militar característico do seu império. Neste senti-</p><p>do, o teatro assumiu o novo caráter político do Estado.</p><p>Este povo racional, técnica e organizadamente</p><p>tão bem dotado, deve ter achado bastante na-</p><p>tural aplicar aos arranjos de suas cerimônias</p><p>religiosas a mesma resoluta determinação que</p><p>distinguia suas expedições militares. O teatro</p><p>de Roma fundamentava-se no mote político</p><p>panem et circenses – pão e circo – que os esta-</p><p>distas astutos têm sempre tentado seguir (BER-</p><p>THOLD, 2008, p.139).</p><p>A autora explica que os teatros se mantiveram, mas</p><p>o espírito que os movia se distinguia completamente</p><p>do grego, pois não eram mais palco dos poetas, mas</p><p>sim, de exibições violentas.</p><p>Servia de palco aos jogos de gladiadores e às</p><p>lutas de animais, para combates navais, espe-</p><p>táculos acrobáticos e de variedades. Quando a</p><p>perseguição aos cristãos se iniciou com Domi-</p><p>ciano, o sangue humano correu aos borbotões</p><p>do Coliseu, no mesmo local onde multidões de</p><p>cinquenta mil pessoas aplaudiam os atletas e os</p><p>atores de mimos e de pantomimas. Seu teatro</p><p>era o espelho do imperium romanum – para</p><p>melhor ou para pior, e era muito mais um show</p><p>business organizado do que um lugar dedicado</p><p>às artes (BERTHOLD, 2008, p.140).</p><p>É com este cenário que a dança finaliza, em tese, a</p><p>sua evidência como elemento constitutivo do indi-</p><p>víduo e da sociedade. O seu caráter religioso, educa-</p><p>tivo e político passa a ser condenado, e a sociedade</p><p>medieval empenha-se em eliminá-la das práticas</p><p>humanas, mediante a alegação de que ela aproxima-</p><p>va as pessoas do pecado. Assim, passamos estudar a</p><p>dança na Idade Média.</p><p>106</p><p>A Dança na Idade Média</p><p>e no Renascimento:</p><p>da Proibição à Arte</p><p>Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)3.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>107</p><p>A Idade Média não foi um período muito promissor</p><p>para o desenvolvimento da dança. O sujeito medie-</p><p>val acreditava que a felicidade plena consistia em sua</p><p>aproximação com Deus, o que não poderia ser al-</p><p>cançado em vida. Para isto, era preciso uma vida não</p><p>pecaminosa, o que tornava o corpo um obstáculo à</p><p>salvação por ser veículo do pecado, principalmente,</p><p>os da gula e luxúria, os pecados corpóreos. O cami-</p><p>nho para o indivíduo se distanciar das tentações e se</p><p>aproximar de Deus era o controle racional de seus</p><p>desejos. O corpo e as suas manifestações se opõem a</p><p>este ideal e passam a ser condenados neste período.</p><p>Na Idade Média, a dança atravessará um perío-</p><p>do marcante, onde as características espontâneas</p><p>das danças pagãs serão fortemente combatidas</p><p>pelos cânones eclesiásticos, por haverem tido seu</p><p>cordão umbilical ligado aos ritos e cerimônias ar-</p><p>caicos, que deixaram arraigados fortes costumes</p><p>da tradição pagã (BERTONI, 1992, p. 48).</p><p>Assim, o teatro e a dança entram em um período</p><p>de pouco desenvolvimento. O caráter ritualístico da</p><p>dança, presente em toda a Antiguidade, deixa de ser</p><p>considerado, mas isto não significa que ela deixou de</p><p>ser praticada. No início da Idade Média, para a conso-</p><p>lidação do cristianismo, foi necessário um movimen-</p><p>to de oposição à cultura pagã, desta forma, a Igreja:</p><p>[...] proibiu toda e qualquer manifestação cor-</p><p>poral, vinculando a dança ao pecado. Mais tar-</p><p>de, felizmente, a dança reapareceu nas festas</p><p>comemorativas dos santos, em grandes procis-</p><p>sões que começavam dentro das igrejas e saíam</p><p>às ruas. Pouco a pouco, o caráter litúrgico foi</p><p>desaparecendo e a dança, por algum tempo,</p><p>tornou-se uma distração popular. Por volta do</p><p>século XII, foi introduzida nos castelos e nas</p><p>festas da nobreza (RENGEL; LANGENDON-</p><p>CK, 2006, p.16).</p><p>Durante esse período, o posicionamento da Igreja</p><p>era impreciso, pois quando as danças tinham cará-</p><p>ter religioso, eram aceitas, quando não, abominadas.</p><p>Como explica Bertoni (1992, p. 48), “a Religiosidade</p><p>Cristã acolherá a Dança na concepção formal de sua</p><p>Liturgia, como um ‘patrimônio Cultural’, no entan-</p><p>to, moldando-a dentro dos parâmetros conceituais</p><p>e retóricos da Igreja”. Assim, a dança medieval era</p><p>dividida em sacra e profana.</p><p>As danças sacras tinham um lugar reservado den-</p><p>tro das próprias igrejas, como explica Ossona (1988, p.</p><p>61): “[...] em algumas catedrais da Idade Média, havia</p><p>um lugar sob a porta que apontava para o Ocidente</p><p>denominado ballatoria ou choraria, que era reservado</p><p>para dança”. Ali os fiéis dançavam para honrar a Deus.</p><p>No entanto, diante de vários obstáculos impostos pela</p><p>Igreja, a dança sacra não foi inserida na liturgia cristã.</p><p>Paralelamente, pode-se encontrar várias evidên-</p><p>cias de danças populares que sobreviveram às proibi-</p><p>ções da Igreja, entre elas, as que mais se destacam são</p><p>a Carola – dança de roda – e o Tripudium – dança</p><p>sem contato físico e executada em três tempos. Es-</p><p>sas danças eram praticadas por qualquer pessoa em</p><p>momentos de festas e comemorações. O fato de elas</p><p>terem sobrevivido às imposições religiosas pode ser</p><p>atribuído ao gosto que os medievais tinham por elas,</p><p>como explica Pernoud (1996, p. 190, grifo do autor):</p><p>Depois do espectáculo, seja de que género for, a</p><p>distracção preferida na Idade Média é a dança.</p><p>Não há banquete que não seja seguido por um</p><p>baile: danças dos donzéis nos castelos, carolas</p><p>aldeãs, rondas em torno da árvore de Maio; ne-</p><p>nhum passatempo é mais apreciado, sobretudo</p><p>pela juventude: romances e poemas fazem-lhe</p><p>frequentes alusões. Aprecia-se a mistura de</p><p>cantos e de danças, e certos refrães servem de</p><p>pretexto para bailar e cantarolar, tal como as</p><p>fogueiras de São João para saltar e fazer ronda.</p><p>108</p><p>Isto nos faz pensar na necessidade de entender os fatos</p><p>históricos sem posicionamento radical. Mesmo diante</p><p>de uma situação que, aparentemente, é geral, podem</p><p>existir movimentos opostos que devem ser considera-</p><p>dos. Este é o caso do jogral, personagem que foi mui-</p><p>to importante para a conservação da dança durante o</p><p>período de sua repressão pela Igreja. Este era um ar-</p><p>tista itinerante que desempenhava várias habilidades,</p><p>como as de cantor, dançarino, poeta, ator e ilusionista.</p><p>Caminada (1999, p. 73) explica que “[...] foi ele</p><p>que, perambulando de terra em terra, manteve vi-</p><p>vas muitas tradições e as expandiu, apresentando-as</p><p>inclusive a povos para quem a arte da dança e seus</p><p>motivos aparentemente foram estranhos”.</p><p>Figura 3 - Psalterium Caroli VIII regis</p><p>Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)4.</p><p>Esses artistas estavam presentes em</p><p>todos os acon-</p><p>tecimentos festivos da nobreza, como nascimentos</p><p>e casamentos, e também nas feiras e festas popula-</p><p>res. Assim, divertindo todos os segmentos sociais,</p><p>os jograis:</p><p>[...] exibem os seus talentos, desde os que reci-</p><p>tam, ao som do alaúde ou da viola, fragmentos</p><p>de canções de gesta, até aos simples lutadores</p><p>que, com as suas carantonhas, acrobacias e</p><p>malabarismos, atraem um círculo de pacóvios;</p><p>por vezes efectuam pantominas —antepassa-</p><p>dos de Tabarin —, mostram animais inteligen-</p><p>tes, ou fazem equilíbrio sobre uma corda esti-</p><p>cada a alturas impressionantes (PERNOUD,</p><p>1996, p.190).</p><p>A partir do século XI, observa-se um movimento</p><p>que ficou conhecido como dançomania, que tinha</p><p>como princípio uma perspectiva pessimista. Esse</p><p>movimento, que faz parte das manifestações folclóri-</p><p>cas medievais, pode ter se desenvolvido porque “[...]</p><p>a segurança obtida pela Igreja Católica levou a um</p><p>óbvio relaxamento dos costumes e, com isso, reavi-</p><p>varam diversas práticas folclóricas, inclusive a dança”</p><p>(FARO, 2011, p. 35). As danças que faziam parte do</p><p>movimento eram a dança do Flautista de Hamelin, a</p><p>Tarantela, a Dança Macabra e a Dança de Vito.</p><p>A dança do Flautista de Hamelin, também co-</p><p>nhecido como o Flautista Mágico, é decorrente do</p><p>conto dos irmãos Grimm. De acordo com o conto,</p><p>a cidade de Hamelin foi invadida por ratos que tudo</p><p>destruíam, e os moradores, sem êxito nenhum, em</p><p>todas as tentativas de se livrarem dos ratos, pro-</p><p>meteram uma recompensa para quem conseguisse</p><p>limpar a cidade daqueles animais. O problema foi</p><p>resolvido por um flautista que, ao tocar uma suave</p><p>melodia, hipnotizou os ratos que o acompanharam</p><p>até um rio, onde morreram afogados.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>109</p><p>Os moradores, depois de se verem livres da pra-</p><p>ga, negaram-se a pagar a recompensa ao flautista. Ele</p><p>novamente tocou o seu instrumento, mas agora quem</p><p>o seguiu foram as crianças da cidade, que nunca mais</p><p>foram vistas por seus pais. Sobre a dança, Camina-</p><p>da (1999, p. 75) conta que “[...] a dança do flautista</p><p>de Hamelin impelia homens e crianças, que, levados</p><p>por uma alucinação mórbida, saiam a pé carregando</p><p>ramos e círios, até sofrerem sérias consequências ou</p><p>morrerem de esgotamento, pelo esforço despendido”.</p><p>A essência trágica contida na dança do Flautista</p><p>de Hamelin traduzia o espírito de todas as danças</p><p>agregadas no movimento da dançomania, assim</p><p>como a Tarantela, que se desenvolveu na Itália do</p><p>século XIII até o século XVIII. Essa dança, que hoje</p><p>conhecemos como pertencente ao folclore italiano,</p><p>se originou:</p><p>[...] do torpor produzido pela mordida da ara-</p><p>nha lycosa tarentula e, segundo consta, o movi-</p><p>mento frenético tinha a propriedade de expelir,</p><p>através do suor, o veneno do animal. A esta dan-</p><p>ça deu-se o nome de “tarantela”, e tanto o nome</p><p>da aranha quanto o da dança derivaram da ci-</p><p>dade de Tarentum (CAMINADA, 1999, p. 75).</p><p>Podemos verificar que a Tarantela é decorrente de</p><p>um mal, mas não tem um fim trágico para os dan-</p><p>çarinos, contrariamente, a dança torna-se condição</p><p>da vida por proporcionar a eliminação do veneno da</p><p>aranha. O mesmo sentido não está presente na dan-</p><p>ça de São Vito, a qual recebeu a denominação devido</p><p>a uma epidemia que acometeu as pessoas no século</p><p>XIV e, posteriormente, no século XVI.</p><p>As pessoas começavam a dançar freneticamente</p><p>“[...] até cair, com a boca espumando, e morto de</p><p>exaustão” (CAMINADA, 1999, p. 75). Sem enten-</p><p>der a causa deste comportamento, acreditavam que</p><p>era uma praga de São Vito, o santo protetor dos epi-</p><p>léticos. O historiador John Waller (2008) investigou</p><p>esses acontecimentos com o intuito de comprovar</p><p>que foram reais e não apenas lendas. Reuniu vári-</p><p>os documentos e escreveu o livro A time to dance</p><p>a time to die: the extraordinary story of the dancing</p><p>plague of 1518.</p><p>A dança que melhor reflete o medo e a angústia</p><p>que pairava no final da Idade Média é denominada</p><p>de Dança Macabra. Sobre os sentimentos dos indi-</p><p>víduos na Baixa Idade Média, Huizinga (1924, p. 22)</p><p>menciona que:</p><p>Nos fins da Idade Média, pesava na alma do</p><p>povo uma tenebrosa melancolia. Quer se leia</p><p>uma crônica, um poema, um sermão ou até um</p><p>documento legal, a mesma impressão de tris-</p><p>teza nos é transmitida por todos eles. Dir-se-ia</p><p>que todo este período foi particularmente in-</p><p>feliz, como se tivesse deixado apenas memória</p><p>de violências, de cobiça, de ódio mortal e não</p><p>tivesse conhecido outras satisfações que não</p><p>fossem as da intemperança, do orgulho e da</p><p>crueldade.</p><p>A Dança Macabra torna-se expressiva no período</p><p>do século XIV, quando a peste negra dizimou em</p><p>torno de 30% da população europeia e, neste mo-</p><p>mento, ocorreu uma grande produção iconográfica</p><p>com o tema dessa dança.</p><p>A ideia da dança macabra é o ponto central de</p><p>todo um grupo de concepções associadas. A</p><p>prioridade pertence ao motivo de três mortos e</p><p>três vivos que se encontra na literatura france-</p><p>sa do século XIII em diante. Três jovens nobres</p><p>encontram subitamente três mortos que os hor-</p><p>rorizam, lhes falam das passadas grandezas e os</p><p>avisam de que o seu fim está próximo. A arte</p><p>não tardou a tomar conta deste sugestivo tema</p><p>(HUIZINGA, 1924, p.108-109).</p><p>110</p><p>Vejamos algumas dessas iconografias:</p><p>Figura 5 - Bernt Notke. Danse Macabre in Tallinn</p><p>Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)6.</p><p>Figura 4 - Dança Macabra na Basileia</p><p>Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)5.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>111</p><p>Para entendermos a importância da dança enquan-</p><p>to forma de expressar e de registrar as mudanças</p><p>de os indivíduos entenderem a si próprios e como</p><p>estão inseridos no mundo, faremos algumas obser-</p><p>vações sobre as Figuras 4 e 5. Para isso, é importan-</p><p>te, primeiramente, lembrarmos que a Idade Média</p><p>era uma sociedade hierarquizada e as pessoas não</p><p>contestavam a posição que ocupavam. Veja o que Le</p><p>Goff (1989, p. 29) menciona:</p><p>O dever do homem medieval era permanecer</p><p>onde Deus o tinha colocado. Elevar-se era sinal</p><p>de orgulho, baixar era um pecado vergonhoso.</p><p>Era necessário respeitar a organização da socie-</p><p>dade pretendida por Deus e essa organização</p><p>estava de acordo com o princípio da hierarquia.</p><p>Edificada sobre o modelo da sociedade celestial,</p><p>devia reproduzir a hierarquia minuciosa dos an-</p><p>jos e dos arcanjos que o monge oriental do século</p><p>VI — traduzido posteriormente para o latim —</p><p>conhecido pelo nome de Dionísio, o Aeropagita</p><p>(Pseudo-Dionísio, para os historiadores moder-</p><p>nos), descrevera nas suas obras. De acordo com</p><p>o seu grau de cultura, sob uma forma erudita ou</p><p>popular, o homem da Idade Média foi dionisia-</p><p>no, adoptando uma concepção hierárquica da es-</p><p>trutura do mundo. Todavia, a partir dos séculos</p><p>XII e XIII, dá-se uma importante evolução nesse</p><p>domínio e, ao lado de uma hierarquia vertical,</p><p>aparece uma hierarquia horizontal, a dos «esta-</p><p>dos» do mundo que terá como consequência, no</p><p>final da Idade Média, a “dança macabra”.</p><p>Essa sociedade hierarquizada era dividia em três</p><p>ordens: dos oratores, belatores e laboratores. Duby</p><p>(1994) explica que:</p><p>• Oratores eram aqueles que deveriam rezar</p><p>pela salvação de toda a sociedade e se consti-</p><p>tuía pelos religiosos.</p><p>• Bellatores eram aqueles que receberam a missão</p><p>de proteger a sociedade, ou seja, são os guerrei-</p><p>ros. Esta ordem era formada pelos nobres.</p><p>• Laboratores eram todos os demais, que têm</p><p>como destino prover a manutenção dos indi-</p><p>víduos, ou seja, os camponeses.</p><p>Os laboratores são aqueles que, pelo seu</p><p>trabalho, procuram a nossa subsistência, os</p><p>oratores são os que intercedem por nós junto</p><p>de Deus, os bellatores são os que protegem</p><p>as nossas cidades e defendem o nosso solo</p><p>contra o exército que nos invade. Na verdade, o</p><p>trabalhador (aqui a palavra vem em saxão) deve</p><p>trabalhar para nos alimentar, o soldado deve</p><p>lutar contra os nossos invasores e os servidores</p><p>de Deus devem orar por nós e combater</p><p>espiritualmente os inimigos invisíveis (DUBY,</p><p>1994, p. 126).</p><p>Para os medievais, essa divisão foi estabelecida por</p><p>Deus e, portanto, os oratores e bellatores eram os</p><p>que mais estavam próximos do Senhor.</p><p>Contudo,</p><p>essa forma de compreender a sociedade apresenta-</p><p>-se diferentemente nas imagens da Dança Macabra.</p><p>Ao olharmos para as Figuras 4 e 5, podemos obser-</p><p>var que o sentimento do fim dos tempos que pairava</p><p>sobre o indivíduo medieval atinge todos os segmen-</p><p>tos sociais, pois todos os sujeitos pintados são con-</p><p>duzidos à morte por um esqueleto.</p><p>As mãos dadas dos mortos aos vivos expressam</p><p>que a vida é uma dança que tem o mesmo fim para</p><p>todos, ou seja, a morte. Desta forma, pode-se en-</p><p>tender que a hierarquia social medieval estava sen-</p><p>do contestada, a desigualdade é anulada e eviden-</p><p>ciada pela dança da morte, como explica Huizinga</p><p>(1924, p. 109-110):</p><p>Enquanto lembra aos espectadores a fragili-</p><p>dade e a vaidade das coisas terrenas, a dança</p><p>da Morte ao mesmo tempo prega a igualdade</p><p>social tal como era compreendida na Idade</p><p>Média, a morte nivelando as várias categorias</p><p>sociais e profissões.</p><p>112</p><p>A Dança Macabra de Notke (Figura 5) recebe acompa-</p><p>nhamento musical, o primeiro esqueleto (da esquerda</p><p>para a direita) toca um instrumento que proporciona</p><p>a constituição do cenário onde aconteciam as danças,</p><p>as festas. Estas últimas, de forma geral, eram divididas</p><p>em religiosas e pagãs, sendo que a dança sempre esta-</p><p>va presente na segunda. Isto nos remete aos princípios</p><p>educativos daquela época, que eram pautados na reli-</p><p>gião cristã e condenava os costumes pagãos.</p><p>Assim, podemos pensar a crítica dos costumes</p><p>presentes naquela sociedade, pois observamos que,</p><p>além dos nobres, os religiosos também estão partici-</p><p>pando da dança, o que pode nos remeter a um des-</p><p>vio de conduta dos clérigos, já que a primeira pessoa</p><p>conduzida pelo esqueleto (Figura 5) é um papa, o</p><p>qual é identificado pelas vestes litúrgicas e a férula</p><p>(haste com uma cruz na extremidade superior).</p><p>Seguindo o papa, Notke pinta um rei, que se</p><p>identifica pela coroa e a espada, símbolo do poder</p><p>temporal, e o globo com a cruz, símbolo do poder</p><p>divino. Logo após o rei, observa-se uma nobre dama</p><p>seguida por outros personagens da nobreza e do</p><p>clero. Isto poderia justificar a compreensão da peste</p><p>como um castigo de Deus à humanidade, principal-</p><p>mente para os dirigentes da sociedade por causa do</p><p>comportamento vicioso.</p><p>Assim, a iconografia da Dança Macabra registra</p><p>um determinado contexto social e a mentalidade cole-</p><p>tiva de uma época. Desta forma, as danças medievais</p><p>que compõem o movimento da dançomania aproxi-</p><p>mam ideias macabras à dança, no entanto, tal carac-</p><p>terística não é inédito do período, mas é resultado do:</p><p>[...] antiqüíssimo e universal conceito de que</p><p>a dança teria enorme poder de permitir a co-</p><p>municação com os mortos, com o não menos</p><p>antigo, de que os mortos se movimentam em</p><p>alguma outra existência ou outro mundo, asso-</p><p>ciado à ideia de que a aparição de um morto</p><p>e sua dança poderiam significar um presságio,</p><p>um aviso de que alguém vivo estava para mor-</p><p>rer (CAMINADA, 1999, p. 74).</p><p>A dançomania não foi a única forma de existência da</p><p>dança no medievo, paralelamente às manifestações</p><p>populares, observa-se o seu desenvolvimento nos</p><p>meios aristocráticos. Neste ambiente, ela deixou o</p><p>seu caráter ritualístico e religioso, passando a de-</p><p>sempenhar uma função de entretenimento.</p><p>O surgimento do feudalismo na Europa e todas</p><p>as mudanças políticas e sociais que se seguiram</p><p>às invasões bárbaras, sem dúvida tiveram parte</p><p>importante na transferência das danças da pra-</p><p>ça da aldeia para os salões da nobreza. E com</p><p>essa transferência veio a diferença entre o que</p><p>pertence à população menos favorecida e o que</p><p>pertence ao grupo mandatário e minoritário</p><p>que, abrigado em suas poderosas fortalezas,</p><p>poderia permitir-se o uso da dança, não mais</p><p>como manifestação ligada a um evento, mas</p><p>como pura diversão (FARO, 2011, p. 34).</p><p>As danças passaram a protagonizar os eventos mais</p><p>importantes que reuniam a nobreza: os bailes. Elas</p><p>ficaram conhecidas como danças da corte, que re-</p><p>ceberam esta denominação devido ao local onde</p><p>eram executadas, ou seja, na corte. A dança prati-</p><p>cada pelos nobres e demais que com eles viviam se</p><p>caracterizava por uma execução “[...] ao rés do chão,</p><p>sem saltos, caracterizando-se por movimentos len-</p><p>tos e deslizados, apresentava-se, no século XV, sem</p><p>passos determinados e com aspecto de dança ceri-</p><p>monial de deslizamento [...]” (GIFFONI, 1974, p. 4).</p><p>Essas danças abandonaram a espontaneidade</p><p>das modalidades populares, assumindo sequências</p><p>coreográficas que exigiam o aprendizado por meio</p><p>de um professor, o mestre-de-baile, figura que pas-</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>113</p><p>sou a ser indispensável no meio aristocrático. Desta</p><p>forma, a dança passou a ser inserida como uma prá-</p><p>tica educativa, pois era entendida como sinônimo de</p><p>requinte. Giffoni (1974, p. 5) explica que as danças</p><p>“[...] constituem lições práticas de boas maneiras, re-</p><p>presentando valiosa contribuição para o refinamen-</p><p>to de gestos e atitudes das crianças e adolescentes”.</p><p>As principais danças da corte eram la gavotte, le</p><p>minuet e la pavane. Elas tinham, em suas gêneses, ins-</p><p>pirações populares que foram adaptadas ao requintado</p><p>gosto da nobreza. Le minuet, ou o minueto, tornou-se</p><p>a dança preferida de Luís XIV, o Rei Sol, personalidade</p><p>de extrema importância para o desenvolvimento artís-</p><p>tico da dança. A sua vertente teatral como conhecemos</p><p>hoje, especificamente o balé clássico, se consolidou du-</p><p>rante o reinado de Luís XIV. Para entendermos como a</p><p>dança de entretenimento, a da corte, tornou-se espetá-</p><p>culo, elevando-a à categoria de arte, direcionaremos o</p><p>nosso olhar para este processo de transição.</p><p>BALÉ: A DANÇA SE TRANSFORMA EM ARTE</p><p>Para iniciamos a nossa abordagem, é importante</p><p>entendermos que o balé não é sinônimo de dança,</p><p>como muitas vezes parece ser. Bertoni (1992, p. 71)</p><p>explica que:</p><p>O Ballet é uma forma de expressão plástica e ciné-</p><p>tica, desenvolvido através do corpo e para deter-</p><p>minado número de pessoas, necessitando uma</p><p>técnica de movimento específica. Sua linguagem</p><p>é regida por determinadas formas estéticas e suas</p><p>estrutura fundamenta-se na Teoria da Poética de</p><p>Aristóteles (na estrutura do Drama).</p><p>A autora afirma que essa arte utiliza a música como</p><p>veículo condutor essencial e requer os seguintes ele-</p><p>mentos externos: roteiro, libreto, cenário, adereços</p><p>e iluminação. Um balé pode ser criado utilizando</p><p>qualquer técnica de dança (clássica, moderna, con-</p><p>temporânea). O nome tem a sua origem no termo</p><p>italiano ballo, que significa baile, dança. É na Itália</p><p>que, a partir do século XV, o balé começa a se cons-</p><p>tituir como tal. Naquela época, os Médici eram uma</p><p>importante família que cultivava o gosto pelas artes</p><p>e foram os principais financiadores da arte renas-</p><p>centista italiana.</p><p>A nobre italiana Catarina de Médici se casou aos</p><p>14 anos com Henrique II da França, para onde se</p><p>transferiu e se tornou rainha. Para divertir a corte</p><p>francesa, Catarina levou bailarinos italianos, cons-</p><p>tituindo, assim, o que podemos chamar de primeira</p><p>companhia de dança, conhecido como Balé Cômico</p><p>da Rainha.</p><p>O primeiro espetáculo da companhia, montado</p><p>na França, foi Circe. Contava a História do herói</p><p>Ulisses que, com ajuda dos deuses, escapou da</p><p>feiticeira Circe, que tinha o poder de transfor-</p><p>mar as pessoas em animais e era capaz também</p><p>de escurecer o céu, escondendo o sol atrás da lua.</p><p>Até então a dança era quase exclusivamente</p><p>masculina, mas no balé Circe algumas damas da</p><p>corte aparecem e formam o que se pode chamar</p><p>de primeiro corpo de baile da história da dança</p><p>(RENGEL; LANGENDONCK, 2006, p.17).</p><p>O espetáculo, apresentado em 15 de outubro de</p><p>1581, foi criado pelo italiano Baldassaro de Belgioso</p><p>que, em solo francês, passou a se chamar Balthasar</p><p>Beaujoieux. Os passos que compunham as coreogra-</p><p>fias estavam de acordo com as condições dos baila-</p><p>rinos que não recebiam treinamento técnico, mas o</p><p>cuidado de Beaujoieux para que a sua criação fosse</p><p>impecável contribuiu para a constituição posterior</p><p>da técnica clássica.</p><p>114</p><p>A base da técnica clássica foi estabelecida</p><p>no sécu-</p><p>lo XVII, quando Pierre Beauchamp (1636-1704) criou</p><p>as cinco posições dos pés pelas quais todos os passos</p><p>do balé clássico são desenvolvidos e nos possibilitam</p><p>entendê-lo como uma dança acadêmica, ou seja, com</p><p>passos codificados conhecidos internacionalmente.</p><p>Figura 6 - Posições de pés do balé</p><p>Fonte: a autora.</p><p>Faro (2011) lembra que a história do desen-</p><p>volvimento do balé está relacionada a do ves-</p><p>tuário porque as longas e pesadas roupas</p><p>usadas na corte de Luís XIV dificultavam os</p><p>movimentos verticais. O autor conta que a</p><p>primeira bailarina a saltar foi Camargo que,</p><p>em 1721, escandalizou a sociedade ao man-</p><p>dar diminuir a sua saia, deixando à vista parte</p><p>do seu pé. O autor conta que:</p><p>A batalha entre as pesadas saias e a liber-</p><p>dade muscular continuou até a Revolução</p><p>Francesa, quando Mailot, modista da Ópera</p><p>francesa, inventou a malha, que daria li-</p><p>berdade de movimento a todos os artistas.</p><p>A malha ganhou o beneplácito do papa,</p><p>que aceitou seu uso nos teatros sob sua</p><p>jurisdição, só insistindo em que elas fossem</p><p>azuis para não sugerirem a perigosa cor da</p><p>carne (p. 41).</p><p>Fonte: adaptado de Faro (2011).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Desde de a gênese do balé, presente em Circe, per-</p><p>cebe-se que o objetivo desses espetáculos, até então</p><p>um entretenimento elegante do monarca e de toda a</p><p>sua corte, relacionava-se com interesses sociais e po-</p><p>líticos. Faro (2011, p. 37) explica que esses eventos:</p><p>Também propiciavam ocasiões para o esbanja-</p><p>mento de fortunas e, principalmente, possibilita-</p><p>va a indecente adulação que a corte fazia ao rei. Os</p><p>temas escolhidos eram geralmente mitológicos, e</p><p>o rei sempre desempenhava o papel da divindade</p><p>vencedora, adorada pela corte circundante. Esse</p><p>gênero de espetáculo serviu até como uma propa-</p><p>ganda nacionalista francesa, pois através dele se</p><p>mostrava aos embaixadores estrangeiros o pode-</p><p>rio francês. Os maiores cérebros artísticos da épo-</p><p>ca contribuíram para esses espetáculos. Cenários,</p><p>roteiros, músicos e roupas luxuosas eram pagos</p><p>com o dinheiro que, sem dúvida, vinha dos es-</p><p>corchantes impostos a que o povo estava sujeito.</p><p>Desta forma, podemos pensar que o processo de</p><p>desenvolvimento da dança como uma linguagem</p><p>artística ocorreu sem desconsiderar o seu caráter</p><p>utilitarista. A dança tinha como função evidenciar</p><p>as diferenças sociais, bem como registrar, inclusive,</p><p>aspirações políticas. Este é o caso do reinado de Luís</p><p>XIV, que, ao impor aos artistas o seu gosto, cons-</p><p>truiu um padrão de comportamento social que se</p><p>tornou referência de conduta a toda a Europa. As-</p><p>sim, o seu reinado representou um momento ímpar</p><p>para o desenvolvimento da:</p><p>[...] arte e cultura. Espelhando o absolutismo</p><p>monárquico, o classicismo, com seu rigor for-</p><p>mal, ditou normas para toda a civilização eu-</p><p>ropéia. Esse rigor reflete o espírito de um so-</p><p>berano que, desde a infância, sob a vigilância</p><p>do cardeal ministro Jules Mazarin, desenvolveu</p><p>apurado gosto pela arte, elegância e ostentação,</p><p>tal como revela o Palácio de Versalhes, símbolo</p><p>do período (PORTINARI, 1989, p. 65-66).</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>115</p><p>Luís XIV influenciou o desenvolvimento de prati-</p><p>camente todas as linguagens artísticas, mas, em es-</p><p>pecial, da música e da dança. O rei ficou conhecido</p><p>como o Rei Sol, pois, quando ele nasceu, foi cunha-</p><p>da uma medalha que o associava ao astro-rei pela</p><p>frase “O Sol nascente da Galia”. Esta designação se</p><p>consolidou com sua participação no Ballet La Nuit</p><p>(A Noite), em 1653. Portinari (1989, p. 66) mencio-</p><p>na que esse balé foi encenado quando o rei tinha 14</p><p>anos, o qual, com a sua aparência esguia e elegante,</p><p>entrou em cena com um “[...] traje magnífico, plu-</p><p>mas brancas, personificando o Rei-Sol que derro-</p><p>tava as trevas. Tal personagem se tornaria símbolo</p><p>permanente daquilo que foi como monarca”. Esta</p><p>interpretação de Luís XIV aconteceu no final, e a en-</p><p>trada do sol tinha a finalidade de trazer a salvação</p><p>a uma casa em chamas. A sua interpretação consis-</p><p>te em uma metáfora: o governo do Rei Sol tiraria</p><p>a França das trevas. A cena do Ballet La Nuit pode</p><p>ser visualizada logo no início de Le Roi Danse, filme</p><p>francês de 2000, dirigido por Gèrard Cobiau, que</p><p>expõe o relacionamento de Luís XIV com Jean-Ba-</p><p>tiste Lully (1632-1687) e Molière (1622-1673).</p><p>No filme de Corbiau, a cena da aparição de Luís</p><p>XIV é antecedida por um diálogo entre o músico</p><p>Lully e o rei. O músico traz um sapato com um salto</p><p>mais alto do que o convencional e insiste para que</p><p>Luís XIV o coloque, pois ele o tornaria mais alto, as-</p><p>sim como deveria ser seu reinado.</p><p>Lully - Venha! Eu tenho uma surpresa.</p><p>Luís XIV - O sol subirá logo. Eu nunca estarei</p><p>pronto.</p><p>Lully - “Per favore”, uma surpresa real. Assim</p><p>eles poderão vê-lo como nunca antes. O Senhor</p><p>é teimoso como eu, mas, felizmente, curioso</p><p>como eu. Uma boa falha, até mesmo em um rei.</p><p>Lully - Um tipo de pequena plataforma pessoal.</p><p>Um pequeno palco para levar consigo, de onde</p><p>Sua Majestade pode dominar o mundo.</p><p>Luís XIV - Você é louco! Eu nunca conseguirei</p><p>dançar com isso.</p><p>Lully - Eu mesmo os usei, para amaciá-los. São</p><p>suaves, veja. E pense, com eles poderá sobressair-</p><p>-se aos mais altos! Eu juro sobre a cabeça de mi-</p><p>nha mãe, eu quero o melhor para você. Eu quero</p><p>que eles babem com temor... O aclamem, porque</p><p>assim eu poderia vê-lo feliz (LE ROI..., 2000).</p><p>Como podemos verificar neste diálogo, Lully não</p><p>está apenas se referindo à performance do rei como</p><p>bailarino, mas expressa um ideal de governo. O mes-</p><p>mo sucesso dos palcos deveria ser transportado ao</p><p>trono. Na sequência do filme, o Rei Sol é elevado do</p><p>subsolo ao palco por uma máquina, dando a impres-</p><p>são de um movimento divino, como a aparição de um</p><p>deus aos mortais. No centro de um círculo formado</p><p>por artifícios luminosos, a roupa do rei reluzia o luxo</p><p>e o esplendor dos bordados e adereços dourados que</p><p>a compunham. À sua volta, bailarinos realizam movi-</p><p>mentos que passam pelo solo, como um rastejar em</p><p>torno do poder absoluto que crescia diante dos olhos</p><p>de todos. Enquanto o rei mantinha uma postura estáti-</p><p>ca, realizava movimentos com os braços em direção ao</p><p>céu, que combinavam leveza e força. O poder de seus</p><p>movimentos e a energia de sua expressão facial são</p><p>acompanhados pela música de Lully que, ao estabele-</p><p>cer o elo entre o audível e o visível, harmoniza a cena.</p><p>A imagem de Luís XIV em sua representação do</p><p>Rei Sol também é registrada pela pintura, por meio</p><p>da obra de Stefano della Bella (Figura 7). Esta imagem</p><p>nos mostra o rei com uma postura elegante, requin-</p><p>tada. Os seus braços, levemente separados do corpo,</p><p>ampliam o seu porte, mas as mãos acentuam a quebra</p><p>da linearidade dos membros e expressam a delicade-</p><p>116</p><p>za e a polidez dos movimentos. As suas pernas estão</p><p>cruzadas (quarta posição de pés do balé clássico) com</p><p>os pés en dehors (voltados para fora). Essa posição,</p><p>assim como a dos membros superiores, nos possibi-</p><p>lita a compreensão do controle e da força, permeado</p><p>pelo refinamento: ao mesmo tempo em as que as suas</p><p>pernas estão separadas, ocupando um lugar maior</p><p>no espaço, estão cruzadas, representado o pudor do</p><p>comportamento civilizado; os pés, delicadamente</p><p>voltados para fora, adquirem maior amplitude, pos-</p><p>sibilitando melhor estabilidade, sendo esta a base de</p><p>sustentação de Luís XIV.</p><p>A conciliação entre força e fragilidade que a postu-</p><p>ra do rei apresenta é acompanhada pelo seu traje na cor</p><p>dourada, representando a força do Sol, mas também a</p><p>preciosidade do ouro. Os adereços na forma do astro,</p><p>com os seus longos e poderosos raios fundidos pela</p><p>delicadeza dos contornos, estão espalhados por todo o</p><p>figurino. É o Sol que se eleva na cabeça de Luís XIV, na</p><p>forma de um chapéu cujo ponto mais alto tem plumas.</p><p>Podemos concluir que o governo do Rei Sol é determi-</p><p>nado pelo intelecto, cujo lócus é a cabeça, a qual tem,</p><p>na sua base, a força e a energia do astro, sendo conduzi-</p><p>da pela delicadeza, suavidade e beleza das plumas.</p><p>A partir da descrição da cena do filme de Corbiau,</p><p>e a breve análise da imagem</p><p>do Rei Sol, podemos des-</p><p>tacar um dos principais elementos que estabelecerão</p><p>a racionalidade da sociedade na corte de Luís XIV: a</p><p>etiqueta. Em relação a ela, entendemos todas as regras</p><p>de comportamento polido, incluindo, nesta esfera, as</p><p>cerimônias que são regidas por convenções preesta-</p><p>belecidas de comportamento. O rei é o maior repre-</p><p>sentante do refinamento, é o exemplo a ser seguido</p><p>por aqueles que almejam a ascensão na sociedade da</p><p>corte. Elias (1983, p. 117-118) nos mostra que o pres-</p><p>tígio e a posição social são mediados pelo comporta-</p><p>mento de cada indivíduo.</p><p>Figura 7 - Luís XIV</p><p>Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)7.</p><p>A prática da etiqueta consiste, em outras pala-</p><p>vras, numa autoapresentação da sociedade de</p><p>corte. Através dela, cada indivíduo, e antes de to-</p><p>dos, o rei, tem o seu prestígio e a sua posição de</p><p>poder relativa confirmados pelos outros. A opi-</p><p>nião social que forja o prestígio dos indivíduos</p><p>se expressa através do comportamento de cada</p><p>um em relação ao outro, dentro de um desem-</p><p>penho conjunto que segue determinadas regras.</p><p>Ao mesmo tempo, nesse desempenho conjun-</p><p>to, torna-se visível imediatamente, portanto, o</p><p>vínculo existencial entre os homens singulares</p><p>e a sociedade na corte. Sem a confirmação de</p><p>seu prestígio por meio do comportamento, esse</p><p>prestígio não é nada. A importância conferida à</p><p>demonstração de prestígio, à observância da eti-</p><p>queta, não diz respeito a meras “formalidades”,</p><p>mas sim, ao que é mais necessário e vital para a</p><p>identidade individual de um cortesão.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>117</p><p>Diante desse cenário, entendemos que a vida na</p><p>corte é direcionada pela aparência e, para man-</p><p>tê-la, é necessário que os indivíduos tenham um</p><p>autoconhecimento que possibilite o domínio dos</p><p>sentimentos, a ponto de tornar os seus atos apre-</p><p>ciados por todos. A descrição do sujeito possui-</p><p>dor desta habilidade é feita por Elias (2001, p. 121)</p><p>como aquele que:</p><p>[...] é senhor de seu gesto, de seus olhos, de seu</p><p>semblante; ele é profundo, impenetrável; dissi-</p><p>mula os maus serviços, sorri a seus inimigos,</p><p>domina o seu humor, disfarça suas paixões,</p><p>desmente seu coração, fala, age contra seus sen-</p><p>timentos.</p><p>Esta disciplina para o convívio em sociedade pode-</p><p>ria ser adquirida pela observação do outro, mas tam-</p><p>bém pelas regras que conduziam a arte. Consciente</p><p>deste potencial, Luís XIV aplicou grande parte do</p><p>tesouro real financiando a arte, como nos lembra</p><p>Portinari (1989, p. 66):</p><p>Cioso de comandar homens e formas de ex-</p><p>pressão, ele criou uma série de instituições des-</p><p>tinadas a promover e regulamentar as artes. E</p><p>como o ballet o entusiasmava, a primeira, em</p><p>1661, foi a Académie Royale de La Danse.</p><p>A criação dessa escola de dança não foi significati-</p><p>va para o desenvolvimento da arte. O balé ganhou</p><p>maior impulso com a criação da Académie Royale</p><p>de Musique, em 1669, composta por uma escola de</p><p>dança, a “[...] semente da futura Ópera de Paris. Di-</p><p>rigida inicialmente por Pierre Perrin, essa Académie</p><p>conheceu extraordinário desenvolvimento sob o co-</p><p>mando de seu sucessor, Jean-Baptiste Lully, a partir</p><p>de 1672” (PORTINARI, 1989, p. 66). Assim, inves-</p><p>tindo na arte, Luís XIV propaga o modelo de com-</p><p>portamento que passa a direcionar e a determinar a</p><p>personalidade dos indivíduos e o seu ideal absoluto</p><p>de governo.</p><p>A dança como um espelho da sociedade não foi</p><p>exclusiva da corte do Rei Sol, posteriormente, pode-</p><p>mos observar que o balé passa por fases que corres-</p><p>pondem ao contexto social onde ele se insere. Como</p><p>exemplo, podemos destacar o período do balé ro-</p><p>mântico e do balé clássico.</p><p>De acordo com Faro (2011), o romântico é um</p><p>dos principais períodos e se estende de 1820 a 1847. O</p><p>autor explica que estes anos representam o apogeu do</p><p>período que teve, como fundamentação, os ideais da</p><p>[...] Revolução Francesa e cuja decadência</p><p>ocorre após 1847, quando o balé romântico se</p><p>transforma, na mão de gênios como Marius Pe-</p><p>tipa, no balé clássico, o qual tem como primeira</p><p>obra de importância uma remontagem russa de</p><p>Paquita (p. 57).</p><p>O balé romântico substituiu as narrativas mitológi-</p><p>cas, acompanhando o espírito revolucionário pre-</p><p>sente na arte no início do século XIX, que buscava</p><p>romper os padrões rígidos do classicismo – princí-</p><p>pio que tinha como inspiração os clássicos gregos e</p><p>romanos. Faro (2011, p. 61) explica que:</p><p>A palavra de ordem dos românticos era a li-</p><p>berdade, o que, na criação artística, significa-</p><p>va, principalmente, libertar-se dos grilhões do</p><p>classicismo. A grande maioria da nova geração</p><p>de artistas crescera durante a instabilidade da</p><p>Revolução Francesa e do Império Napoleônico.</p><p>Crescendo num mundo que ruía à sua volta,</p><p>foram buscar dentro de si mesmos, dentro de</p><p>seus ideais mais pessoais e íntimos, uma nova</p><p>forma de expressão. Esta viria da imaginação,</p><p>do talento e da inspiração desses artistas que,</p><p>em virtude de uma nova era política, puderam</p><p>voar livremente até maiores alturas.</p><p>118</p><p>A liberdade nos balés poderia ser observada nos</p><p>temas que tratavam de questões sobrenaturais. Per-</p><p>sonagens místicos que viviam em mundos paralelos</p><p>estavam presentes nos balés românticos. Estes temas</p><p>já eram percebidos anteriormente, mas, após a Re-</p><p>volução Francesa e o enfraquecimento da Igreja, o</p><p>sobrenatural dominou as composições artísticas. O</p><p>desenvolvimento da técnica dos bailarinos e o avan-</p><p>ço das produções de cenário e adereços caracteriza-</p><p>ram os espetáculos do período e também foram as</p><p>causas de seu declínio.</p><p>O público acabou se cansando de cenários</p><p>complicados e histórias arrebatadoras. E a esse</p><p>cansaço se juntou a decadência do bailarino.</p><p>O endeusamento das grandes bailarinas pela</p><p>imprensa e pela literatura contribuiu para que</p><p>o homem fosse relegado a um segundo plano,</p><p>nada favorável ao balé (FARO, 2011, p. 84).</p><p>Figura 8 - A Bela Adormecida</p><p>Assim, encerra-se a fase do balé romântico e inicia-se</p><p>a da sua vertente clássica. O grande nome deste é Ma-</p><p>rius Petipa (1818-1910), russo, filho de um bailarino e</p><p>de uma atriz, comandou por 42 anos o Balé Imperial</p><p>Russo. As condições de vida na Rússia, naquela época,</p><p>eram bem distintas da França e da Itália, o que propi-</p><p>ciou o desenvolvimento do balé como arte teatral e não</p><p>apenas como divertimento da nobreza. Faro (2011, p.</p><p>90) esclarece essas questões mencionando que:</p><p>O sistema de vida na Rússia teria uma influência</p><p>distinta sobre o balé, muito diferente do que na</p><p>França. A época da Revolução de Outubro ain-</p><p>da estava distante, e o balé não era apenas um</p><p>divertimento do czar e de sua corte, mas uma</p><p>arte teatral que pertencia à vida do povo russo.</p><p>Ao mesmo tempo, as diversas convulsões polí-</p><p>ticas por que haviam passado a França e a Itália</p><p>no século XIX não atingiram a Rússia, pelo que</p><p>não houve quebra de continuidade no trabalho.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>119</p><p>Petipa se dedicou ao desenvolvimento da técnica</p><p>exigindo o máximo de seus bailarinos para que</p><p>eles atingissem um nível técnico primoroso. Utili-</p><p>zava, com recursos didáticos, o estímulo da com-</p><p>petição entre os bailarinos, os quais deveriam se</p><p>preocupar com a qualidade e a quantidade, ou seja,</p><p>não deveriam abandonar a tradicional técnica do</p><p>balé romântico francês, mas tinham que acolher as</p><p>inovações provenientes da inserção de habilidades</p><p>pertencentes à outras artes, a exemplo do circo. Po-</p><p>demos ilustrar essa ideia com o exemplo que Faro</p><p>apresenta a respeito do equilíbrio que as bailarinas</p><p>precisam ter sobre as pontas e os 32 giros fouettés</p><p>que compõem as coreografias finais dos grandes</p><p>balés clássicos que, hoje, para nós, são normais,</p><p>“[...] mas que, na época, foram classificados como</p><p>truques de circo” (FARO, 2011, p. 92).</p><p>Petipa reunia esses elementos em uma fórmu-</p><p>la que aplicava em todos os seus balés, mas com</p><p>raras exceções, pois as suas composições apresen-</p><p>tavam um divertissement, (diversão/divertimen-</p><p>to), que é uma parte desnecessária ao enredo, mas</p><p>cuja função é exibir as habilidades dos bailarinos:</p><p>encerrava-se com uma grande festa apoteótica, na</p><p>qual os</p><p>antes do início de uma montagem coreográfica.</p><p>Finalizamos a unidade chamando a sua atenção para a reflexão sobre</p><p>a relação entre música e dança como conteúdo da Educação Física escolar,</p><p>questão que será retomada em todo o desenvolvimento de nosso curso.</p><p>14</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>Olá, caro(a) aluno(a). Neste tópico, o nosso objeti-</p><p>vo é nos aproximarmos do universo da rítmica. No</p><p>entanto, para isto, entendemos serem necessários,</p><p>primeiramente, alguns esclarecimentos. Então, pen-</p><p>saremos sobre as seguintes questões:</p><p>• O que é rítmica?</p><p>• Rítmica é o mesmo que ritmo?</p><p>E aí, conseguiu responder as questões? Faremos</p><p>uma experiência. Pergunte a três pessoas – podem</p><p>ser familiares ou amigos – se elas sabem as respos-</p><p>tas. Confira se estas que você obteve foram parecidas</p><p>com as da professora na Figura 1.</p><p>Rítmica e Ritmo</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>15</p><p>Os alunos responderam o que é rítmica? Não, eles fala-</p><p>ram onde ela se encontra, mas as respostas foram escla-</p><p>recedoras, possibilitando a construção de um conceito</p><p>que diferencie rítmica de ritmo? Acreditamos que não.</p><p>Muitas vezes, usamos palavras ou termos natu-</p><p>ralmente, sem sabermos os seus significados. Este é</p><p>um dos nossos objetivos, nesta unidade, e o de nos-</p><p>sa disciplina como um todo: sair do senso comum</p><p>e construir conceitos sobre os elementos que com-</p><p>põem o nosso tema, ou seja, a rítmica e a dança. Isto</p><p>é importante para eliminarmos alguns “pré-concei-</p><p>tos”, que podem se transformar em preconceitos</p><p>e atrapalhar a aplicabilidade destes conteúdos na</p><p>Educação Física.</p><p>Figura 1 - Conceito de rítmica</p><p>Fonte: a autora.</p><p>16</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>Assim, você observará que sempre chamaremos</p><p>a atenção à necessidade de entendermos os conceitos</p><p>para não ficarmos apenas nas definições que, por se-</p><p>rem objetivas, podem proporcionar apenas o conhe-</p><p>cimento superficial sobre o assunto tratado. Todavia é</p><p>importante entendermos que todo conceito se articu-</p><p>la com as definições, mas amplia-se estabelecendo ar-</p><p>gumentos que deem sentido intelectual mais amplo.</p><p>ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE DEFINIÇÃO</p><p>E CONCEITO</p><p>Conceito</p><p>Em geral, todo processo que torne possível</p><p>a descrição, a classificação e a previsão dos</p><p>objetos cognoscíveis. Assim entendido, esse</p><p>termo tem significado generalíssimo e pode</p><p>incluir qualquer espécie de sinal ou procedi-</p><p>mento semântico, seja qual for o objeto a que</p><p>se refere, abstrato ou concreto, próximo ou</p><p>distante, universal ou individual etc.</p><p>Definição</p><p>Declaração da essência.</p><p>Fonte: Abbagnano (2003, p. 164-235).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Voltemos às nossas questões! Estudaremos algu-</p><p>mas definições de rítmica. “Ciência ou arte dos</p><p>ritmos, [...] Estudo da expressão musical em suas</p><p>relações com o tempo. Parte da antiga gramática,</p><p>que estudava o ritmo dos versos gregos e latinos”</p><p>(MICHAELIS, [2019], on-line)1.</p><p>O que a leitura dessa definição nos sugere</p><p>como elemento principal ou objeto de estudo da</p><p>rítmica? Antes de responder, veremos a segunda</p><p>definição. O elemento que apareceu na primeira</p><p>se repete na segunda?</p><p>A Rítmica, antes de mais nada, é uma experiên-</p><p>cia pessoal de música, ritmo, sensibilidade, mo-</p><p>vimento e expressão. Seus encantos não podem</p><p>ser descritos. Como obra de arte viva, é preciso</p><p>estar disposto a entregar-se a ela com a inteire-</p><p>za do corpo (MADUREIRA, 2008, p. 12).</p><p>Se você identificou o ritmo na primeira citação,</p><p>verá que ele se repete na segunda. No entanto, po-</p><p>demos verificar que o ritmo aparece relacionado a</p><p>outros elementos, dos quais destacamos sensibili-</p><p>dade, movimento e expressão. Este conjunto nos</p><p>induz a pensar na rítmica com uma experiência</p><p>corporal. Vejamos como esta inferência se apre-</p><p>senta na terceira citação.</p><p>A rítmica pode ser uma ordem e sistematiza-</p><p>ção do ritmo espontâneo, pois ela apresenta</p><p>diversos aspectos, como a música, a dança, a</p><p>ginástica e o ritmo, o que reúne todas as possi-</p><p>bilidades rítmicas espontâneas, permitindo sua</p><p>organização, desenvolvimento e enriquecimen-</p><p>to (BRAIT, 2006, p. 52).</p><p>Mesmo as três referências sendo de áreas distintas</p><p>– a primeira é de um dicionário, a segunda, de um</p><p>autor que estuda um sistema de ensino de música,</p><p>e a terceira, de um autor da área da Educação – fica</p><p>evidente a existência da relação intrínseca entre a</p><p>rítmica e o ritmo. Porém nos parece que o ritmo</p><p>está submetido à rítmica; ele é o objeto de estudo</p><p>da rítmica. Portanto, esta é uma grande área que</p><p>engloba o ritmo e que pode ser sintetizada como</p><p>“ciência do ritmo”. No entanto essa ciência não é res-</p><p>trita, ela constitui-se por meio de um processo que</p><p>requer a experiência do ser humano como um todo.</p><p>Agora que compreendemos o que é a rítmica, te-</p><p>mos condições de responder a nossa segunda ques-</p><p>tão. Lembra-se qual era?</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>17</p><p>RÍTMICA É O MESMO QUE RITMO?</p><p>Não! Mas podemos dizer que todas as atividades</p><p>que possuem ritmo são rítmicas! Está confuso(a)?</p><p>Talvez isto se deva ao fato de estarmos frente a outro</p><p>problema: o que é ritmo?</p><p>Ele é um termo que faz parte de nosso vocabulá-</p><p>rio. Usamos em várias situações em nosso cotidiano,</p><p>sendo comum ouvirmos as pessoas dizendo “eu não</p><p>tenho ritmo” para justificar o não “saber” ou não</p><p>“querer” dançar. Analisando este exemplo, podemos</p><p>entender que o ritmo se relaciona com a música, e o</p><p>movimento, com a dança. Correto?</p><p>Sim. Corretíssimo! Mas o ritmo não se resume</p><p>apenas a esta relação. Observe as imagens da Figura 2.</p><p>Figura 2 - Tipos de ritmo: pássaros, semáforo e soldados</p><p>Essas imagens apresentam cenas muito distintas</p><p>umas das outras. Mas o que elas têm em comum?</p><p>Em todas há a presença do movimento! Se você está</p><p>se perguntando qual a relação entre ritmo – que fa-</p><p>lávamos anteriormente – e movimento, a resposta é:</p><p>não existe ritmo sem movimento. Isto fica claro ao</p><p>nos remetermos à etimologia da palavra ritmo, que</p><p>tem as suas raízes na palavra grega rhytmos, cujo sig-</p><p>nificado é fluir ou mover-se. Essa relação entre ritmo</p><p>e movimento faz com que o primeiro esteja presente</p><p>em todo o universo.</p><p>O ritmo é um fenômeno cósmico, infinito,</p><p>presente no universo e no ser. No ser humano</p><p>é a integração das forças estruturais: corpo/</p><p>mente-espírito/emoção de significado e ex-</p><p>pressão, pois é este que dá emoção, que torna</p><p>viva, colorida, pessoal, a expressão da emo-</p><p>ção que sente o ser naquele momento parti-</p><p>cular (NANNI, 1998 apud GARCIA; HAAS,</p><p>2003, p. 27).</p><p>Podemos entender que, para Nanni (1998), o ritmo</p><p>é o regulador da vida, é por meio dele que o ser hu-</p><p>mano se move e expressa a sua singularidade, tanto</p><p>no que se refere à sua estrutura fisiológica como à</p><p>emocional e à intelectual. Jeandot (1993) nos auxilia</p><p>nessa compreensão ao mencionar que:</p><p>O ritmo vital é marcado por tensões e relaxa-</p><p>mentos energéticos sucessivos, condicionados</p><p>no dia a dia por nossa movimentação e por nos-</p><p>so ritmo fisiológico. Essa noção rítmica instin-</p><p>tiva que mescla elementos sensoriais e afetivos,</p><p>constitui a base de nosso senso de equilíbrio e</p><p>harmonia, essencial para que nos situemos no</p><p>mundo e percebamos seus limites e contornos</p><p>(p. 26).</p><p>18</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>Por meio da compreensão dos excertos de Nanni</p><p>(1998) e Jeandot (1993), podemos inferir que todos</p><p>os seres humanos possuem ritmo. Esta afirmação</p><p>é importante para nos distanciarmos do senso co-</p><p>mum que induz a afirmações como “eu não tenho</p><p>ritmo”. No entanto, é admissível que algumas pes-</p><p>soas tenham ritmos diferentes para desempenhar</p><p>atividades distintas. Sobre esta questão, Fahlbusch</p><p>(1990, p. 90) explica que:</p><p>O ritmo do homem é natural, pois todos nas-</p><p>cem com ritmo, apenas uns o têm mais de-</p><p>senvolvido que outros. Na distribuição do</p><p>movimento, pode-se fazer com os mesmos ele-</p><p>mentos, o mesmo ritmo; e com o mesmo movi-</p><p>mento e mesmos elementos, ritmos diferentes.</p><p>O ritmo pode ser ainda individual ou grupal.</p><p>Como ritmo individual, no movimento, deve-</p><p>-se entender a interação de forças e contrações</p><p>musculares que atuam no mesmo movimen-</p><p>to. A dança apresenta exemplos de ritmo gru-</p><p>heróis eram enaltecidos. Esses elementos</p><p>foram a causa da exuberância das composições de</p><p>Petipa, mas também contribuíram para o fim da</p><p>era do balé clássico.</p><p>Não precisamos ir mais longe para verificar-</p><p>mos os fatores e as razões, ao mesmo tempo,</p><p>do crescimento e da queda desse tipo de balé.</p><p>Bailarinos de técnica cada vez mais primorosa,</p><p>um coreógrafo de gênio que não soube parar</p><p>quando devia, e uma nova fórmula que substi-</p><p>tuía a do balé romântico, mas que, como todas</p><p>as fórmulas, acabou deixando de agradar àque-</p><p>la parcela de público que tem noção de que a</p><p>arte morre se não evolui (FARO, 2011, p. 94).</p><p>A decadência do balé clássico não significa o seu</p><p>fim, mas sim, a abertura para o surgimento de uma</p><p>nova proposta de dança que defendia a expressivida-</p><p>de livre do rigor acadêmico. Estamos nos referindo</p><p>à dança moderna, a qual abordaremos na sequência.</p><p>120</p><p>O Mundo Moderno</p><p>Expresso na Arte de Dançar:</p><p>Dança Moderna e Contemporânea</p><p>As mudanças sociais presentes na moderni-</p><p>dade alteraram o olhar do indivíduo para si</p><p>mesmo e para o mundo em seu entorno. Isto</p><p>provocou um movimento de oposição às pro-</p><p>duções dançantes utópicas e instigou criações</p><p>que contemplassem a liberdade expressiva</p><p>dos corpos. Como consequência, surgem a</p><p>dança moderna e a contemporânea. Vejamos</p><p>cada uma delas separadamente.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>121</p><p>DANÇA MODERNA</p><p>A norte americana Isadora Duncan (1878-1927) é</p><p>considerada a preceptora da dança moderna. Rebel-</p><p>de desde a infância, não aceitava o rigor da dança</p><p>acadêmica e, sob a inspiração da vertente grega, pro-</p><p>pôs uma “dança livre”, como chamava a sua forma</p><p>de dançar por não seguir nenhuma escola ou técnica</p><p>específica, pois como Bourcier (2001, p. 248) mostra:</p><p>A técnica lhe parece sem interesse: fazer gestos</p><p>naturais, andar, correr, saltar, mover seus bra-</p><p>ços naturalmente belos, reencontrar o ritmo</p><p>dos movimentos inatos do homem, perdidos há</p><p>anos, “escutar as pulsações da terra”, “obedecer à</p><p>‘lei de gravitação’, feita de atrações e repulsas, de</p><p>atrações e resistências”, consequentemente, en-</p><p>contra uma “ligação” lógica, onde o movimento</p><p>não para, mas se transforma em outro, respirar</p><p>naturalmente, eis seu método. Quanto aos temas</p><p>de suas danças, inspiram-se na contemplação da</p><p>natureza; será “onda, nuvem, vento, árvore”.</p><p>Figura 9 - Isadora Duncan dança na praia</p><p>Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)8.</p><p>Duncan foi a primeira bailarina a se libertar das sapa-</p><p>tilhas de ponta, dançando de pés descalços, e a substi-</p><p>tuir os apertados tutus por túnicas esvoaçantes, assim</p><p>como as gregas. Para ela, a dança era um movimento</p><p>interno, ou um movimento do espírito que deveria</p><p>rejeitar a herança cultural em prol da liberdade. Aos</p><p>14 anos, a jovem bailarina torna-se professora em sua</p><p>cidade natal – São Francisco – mas logo parte para</p><p>Europa em busca do reconhecimento de sua arte.</p><p>Duncan inicia a sua trajetória por Londres e Paris</p><p>e, na sequência, faz uma turnê de oito anos pela Ale-</p><p>manha, pela Europa Central e pela Rússia. Em 1905,</p><p>a bailarina “[...] funda uma escola em Grünewald,</p><p>nos subúrbios de Berlim: confia sua direção à irmã”</p><p>(BOURCIER, 2001, p. 249). Em 1921, depois de pas-</p><p>sar por Nova York e Paris, viaja para União Soviética</p><p>e cria uma escola em Moscou, que é fechada em 1929.</p><p>Em sua trajetória, propaga uma dança que preza pela:</p><p>[...] volta às origens do ser como a redescober-</p><p>ta da parcela de divindade que, acredita, todo</p><p>homem carrega em si mesmo. Seus mestres de</p><p>pensamento, Schopenhauer e Nietzsche, foram</p><p>escolhidos em função desta profunda convic-</p><p>ção: “Vim à Europa para provocar um renasci-</p><p>mento da religião através da dança, para expri-</p><p>mir a beleza e santidade do corpo humano pelo</p><p>movimento” (BOURCIER, 2001, p. 251).</p><p>A bailarina dos pés descalços, como ficou conheci-</p><p>da, teve uma vida intensa, mas cheia de tragédias,</p><p>assim como a sua própria morte. Em 1913, os seus</p><p>dois filhos morreram afogados no rio Sena, em Pa-</p><p>ris, e “a própria Isadora morrerá tragicamente em</p><p>1927, estrangulada pela sua echarpe que ficara presa</p><p>na roda do automóvel em que passeava com Bugatti”</p><p>(BOURCIER, 2001, p. 250).</p><p>122</p><p>A morte trágica, no entanto, contrasta com o le-</p><p>gado que Duncan deixou para a dança. Ela não só</p><p>lançou as bases para a estruturação de uma nova pro-</p><p>posta de dança que se distanciava do rigor dos balés,</p><p>a dança moderna, mas também contribuiu para a</p><p>inovação das danças acadêmicas, direcionando-as ao</p><p>que podemos denominar de balé moderno, por ter</p><p>influenciado coreógrafos das grandes companhias de</p><p>dança. Entre as personalidades da área que sofreram</p><p>a influência de Duncan, podemos citar Fokine e Dia-</p><p>ghlilev, sobre os quais Faro (2011, p. 101) menciona:</p><p>Se muitos, por exemplo, consideram Michel</p><p>Fokine “o pai do balé moderno”, por ter sido o</p><p>coreógrafo que rompeu definitivamente com</p><p>as regras até então vigentes, Diaghilev seria o</p><p>homem que, como empresário e administrador,</p><p>possibilitaria a emergência do balé moderno</p><p>como organização concreta.</p><p>Assim, o balé moderno, ou o movimento de reno-</p><p>vação de sua vertente clássica, tem, como princi-</p><p>pal local de desenvolvimento, o solo russo do iní-</p><p>cio do século XIX. Fokine, Diaghlilev e Nijinsky</p><p>são as personalidades que contribuíram para essa</p><p>renovação, mas sem abandonar a técnica clássica.</p><p>O desenvolvimento desse movimento possibilitou a</p><p>criação de uma nova maneira de dançar, a qual ficou</p><p>conhecida como dança moderna. Faro (2011, p. 142)</p><p>explica que ela pode ser entendida como “[...] um pas-</p><p>so adiante na liberdade preconizada por Diaghilev”.</p><p>Rengel e Langendonck (2006) nos auxiliam a</p><p>entender a dança moderna explicando que, além do</p><p>abandono das sapatilhas de ponta, pode-se observar</p><p>os movimentos com maior flexibilidade de tronco e a</p><p>exploração dos movimentos no solo. Contrariamen-</p><p>te às bailarinas clássicas, que objetivavam o distan-</p><p>ciamento do solo, visivelmente pelo uso das pontas,</p><p>as modernas o usam como colaborador de seus mo-</p><p>vimentos, os quais ocorrem, frequentemente, com</p><p>os bailarinos sentados, ajoelhados ou deitados. Esta</p><p>característica em relação à execução da dança revela</p><p>a mudança das ideias que orientavam as construções</p><p>coreográficas. Os personagens principais deixaram</p><p>de ser figuras mitológicas e passaram a ser sujeitos</p><p>inseridos no mundo real, com os seus problemas e</p><p>conflitos vivenciados no cotidiano.</p><p>Esta nova forma de execução fez com que a dan-</p><p>ça moderna fosse definida como primitiva, o que,</p><p>no entanto, não deixa de ser verdade. Não primitiva</p><p>no sentido de pouco desenvolvida, mas sim, como</p><p>retorno à essência da dança, como fica claro na pas-</p><p>sagem de Faro (2011, p. 142):</p><p>A dança moderna é primitiva no sentido de que</p><p>voltou aos essenciais, ou seja, ao início da dan-</p><p>ça, liberada de artifícios como sapatos de ponta,</p><p>tutus ou temas fantásticos. Ela procura ser não</p><p>uma criação artificial fertilizada pela fusão de</p><p>ideias literárias com as convenções vigentes na</p><p>dança acadêmica, mas um meio através do qual</p><p>o artista possa expressar seus anseios mais de</p><p>acordo com a vida do homem atual, seja numa</p><p>forma específica ou de maneira comparativa.</p><p>Três pesquisadores contribuíram decisivamente</p><p>para a efetivação da dança moderna: Delsarte, Dal-</p><p>croze e Laban. Os seus estudos não formalizaram</p><p>movimentos específicos de dança moderna, esta não</p><p>era a preocupação deles. O objetivo era o estudo do</p><p>movimento humano para a ampliação da consciên-</p><p>cia do bailarino no momento da execução de seus</p><p>gestos dançantes. Rengel e Langendonck (2006, p.</p><p>42) explicam que “[...] seus amplos estudos abran-</p><p>giam bases de anatomia, ritmo, percepção do espa-</p><p>ço, das sensações e dos sentimentos do corpo que se</p><p>movimenta e dança”.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>123</p><p>O resultado desses estudos proporcionou o apa-</p><p>recimento de certa individualidade por parte dos</p><p>bailarinos, a busca por movimentos que expressas-</p><p>sem ideias e sentimentos fez com que as criações não</p><p>fossem iguais, mas sim, o resultado da idiossincrasia</p><p>de cada dançante. A relação</p><p>ideia/sentimento/mo-</p><p>vimento tornou os espetáculos de dança moderna</p><p>mais intelectualizados, refletindo a própria caracte-</p><p>rística dos coreógrafos:</p><p>Os coreógrafos modernos parecem ser todos</p><p>altamente intelectualizados, o que se reflete,</p><p>sem dúvida, em seus trabalhos, muitos dos</p><p>quais são uma tentativa de colocar diante do</p><p>público seus próprios problemas interiores.</p><p>Nesse aspecto, eles estão em perfeita sintonia</p><p>com a poesia e o romance dos nossos tempos.</p><p>É o uso da arte além, da simples diversão, como</p><p>manifestação do intelecto, através do qual se</p><p>pretende aumentar o nível de experiência e</p><p>de comunicação do intérprete ou da plateia</p><p>(FARO, 2011, p. 148).</p><p>Mesmo não tendo uma técnica específica, como os</p><p>métodos acadêmicos de dança, alguns estilos da</p><p>vertente moderna podem ser reconhecidos, como</p><p>os de Martha Graham e Merce Cunningham. Esses</p><p>estilos direcionam-se à preparação do corpo para</p><p>a execução das criações coreográficas por meio de</p><p>movimentos livres e, inclusive, utilizando elementos</p><p>técnicos da dança clássica. Com quase um centená-</p><p>rio do movimento que deu origem à dança moder-</p><p>na, no entanto, alguns já consideram as perspecti-</p><p>vas consolidadas como ultrapassadas. Faro (2011)</p><p>menciona que a busca desenfreada pela inovação</p><p>faz com que muitos, ao projetarem o seu olhar para</p><p>o futuro, esqueçam que o futuro é consequência</p><p>do passado e, ao tentarem esquecê-lo, estarão “[...]</p><p>apagando as próprias bases da arte que dizem amar.</p><p>E como nenhum edifício se sustenta sem alicerces,</p><p>aquilo que constroem é, na maioria das vezes, um</p><p>castelo de areia” (FARO, 2011, p. 151). Com esta ci-</p><p>tação, Faro nos chama a atenção para a necessidade</p><p>de entendermos a história. É o conhecimento desta</p><p>que nos permite questionar o presente e caminhar</p><p>para o futuro.</p><p>Figura 10 - Dança moderna pela companhia Martha Graham</p><p>Assim como Isadora Duncan, Martha Graham</p><p>(1894-1991) é uma grande personalidade da</p><p>dança moderna por ter influenciado pratica-</p><p>mente todos os que vieram depois dela.</p><p>[...] aperfeiçoou a sua técnica, que se baseia,</p><p>principalmente, em dois movimentos: con-</p><p>tração e descontração do abdômen. Esses</p><p>movimentos trabalham todo o tórax e a res-</p><p>piração, trazendo para a dança uma maior</p><p>expressividade do tronco, o que repercute</p><p>em todo o corpo (RENGEL; LANGENDONCK,</p><p>2006, p. 49).</p><p>Fonte: adaptado de Rengel e Langendonck (2006).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>124</p><p>DANÇA CONTEMPORÂNEA</p><p>Entramos, neste momento, em uma área ainda</p><p>nebulosa. Sim, nebulosa porque a dança contem-</p><p>porânea pode ser compreendida como tudo que</p><p>se cria em nosso tempo, como nos mostra Faro</p><p>(2011, p. 153): “é tudo aquilo feito em nosso tem-</p><p>po, por artistas que nele vivem”. Isto se torna com-</p><p>plicado porque estamos inseridos nesse processo,</p><p>ele ainda está acontecendo, portanto, não há a</p><p>possibilidade de distanciamento do olhar, o que</p><p>permitiria a análise completa. Tudo aquilo que se</p><p>fala e que se faz em dança contemporânea se re-</p><p>fere a processos inacabados, a experiências cujos</p><p>resultados são provisórios.</p><p>Entre esses resultados provisórios, entretanto,</p><p>já é possível identificarmos algumas características</p><p>e tendências da dança contemporânea, ou melhor,</p><p>pós-moderna. Caminada (1999, p. 453) nos possibi-</p><p>lita entender o caminho que a dança está trilhando</p><p>na pós-modernidade, vejamos:</p><p>De uma maneira geral, pode-se admitir, como</p><p>dança de vanguarda ou pós-moderna, aque-</p><p>la que protesta contra o que está estabelecido,</p><p>contra o mundo tal como ele foi construído e,</p><p>consequentemente, também contra o homem,</p><p>tal como ele hoje se apresenta. Nas últimas dé-</p><p>cadas, a dança cindiu, negou, infringiu, sepa-</p><p>rou, para, no fim, fundir todas as tendências</p><p>estéticas, admitir todos os recursos técnicos,</p><p>códigos, concepções de mundo e de vida, o</p><p>Oriente e o Ocidente, o acadêmico e o mo-</p><p>derno, a exaltação da técnica e sua completa</p><p>negação, num retorno, muitas vezes, à dança</p><p>entretenimento, sem, contudo, se distanciar da</p><p>preocupação de integrar o mundo que o cerca.</p><p>Assim, podemos entender que a dança contem-</p><p>porânea não tem os seus limites estabelecidos por</p><p>técnicas e temas, nem precisa ser estabelecida, ne-</p><p>cessariamente, pela inovação. No entanto, o que se</p><p>convencionou a entendermos por dança contem-</p><p>porânea, na perspectiva artística, configura-se, de</p><p>forma geral, por atender, exatamente, a esta falta de</p><p>“limites”. Isto pode ser observado pela própria estru-</p><p>tura das coreografias e dos espetáculos que, diferen-</p><p>temente de outras linguagens dançantes, não eviden-</p><p>cia a superioridade de uns bailarinos sobre os outros.</p><p>A igualdade e a valorização das diferenças pa-</p><p>recem ser algumas das questões que impulsionam a</p><p>dança contemporânea. Tal aspecto fica-nos evidente</p><p>quando Rengel e Langendonck (2006, p. 63) men-</p><p>cionam que “[...] todos têm a mesma importância.</p><p>Pode existir um solo ou um duo num espetáculo,</p><p>porém não com esse sentido de hierarquia, de haver</p><p>um bailarino ‘principal’, que dança melhor do que os</p><p>outros”. A “democracia” presente na dança contem-</p><p>porânea se estende aos espaços de apresentações,</p><p>que deixam de ser, exclusivamente, os teatros. Ruas,</p><p>shoppings centers e praças transformaram-se em</p><p>palcos para receber bailarinos com diferentes bióti-</p><p>pos que, na maioria das vezes, se opõem à “magreza”</p><p>da bailarina clássica. Corpos atléticos, esguios e gor-</p><p>dos se empenham na escrita de um novo capítulo na</p><p>história da dança.</p><p>É preciso, porém, reconhecer que, neste espaço</p><p>insólito da dança contemporânea, nem tudo repre-</p><p>senta uma nova perspectiva da arte de dançar. Faro</p><p>(2011) atenta para o fato da existência de muitos</p><p>“aventureiros” que, segundo ele:</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>125</p><p>[...] são pessoas de técnica e conhecimento de-</p><p>veras incipientes que buscam, através de uma</p><p>atitude agressiva, inscrever à força o seu nome</p><p>no livro da dança. Em nome do contemporâ-</p><p>neo, do atual, procuram demolir o trabalho</p><p>mais acadêmico, declarando, peremptoriamen-</p><p>te, que só eles estão em sintonia com o mundo</p><p>moderno. E como as aplicações da dança vêm</p><p>sendo cada vez maiores, essas suas necessida-</p><p>des de expressão são coibidas, em boa parte,</p><p>por seus parcos conhecimentos sobre as pró-</p><p>prias bases dessa arte (p. 154).</p><p>Neste sentido, não é difícil encontrar declarações de</p><p>coreógrafos e bailarinos que se opõem ao balé clássico</p><p>e às danças acadêmicas, de forma geral, sob a justifi-</p><p>cativa de que essas linguagens não correspondem aos</p><p>anseios dos sujeitos contemporâneos. A recusa total da</p><p>técnica e do conhecimento construído historicamen-</p><p>te na/pela dança para considerar somente a liberdade</p><p>do movimento corporal, pode tornar-se um abismo</p><p>para essa arte. É necessário estabelecer um equilíbrio</p><p>entre a inovação e a liberdade para que as caracterís-</p><p>ticas da dança não se percam, fazendo com que toda</p><p>ou qualquer manifestação corporal seja erroneamente</p><p>denominada de dança. Assim, não podemos esquecer</p><p>as palavras de Faro (2011, p. 156) ao mencionar que:</p><p>Um bom balé, tal como um bom conto, uma</p><p>boa música ou uma boa peça, deve aguçar nos-</p><p>sa vontade de voltar a vê-lo outras vezes. E, cada</p><p>vez que o virmos, haverá sempre uma renova-</p><p>ção das emoções que devem ser despertadas. A</p><p>arte imediatista é como um panfleto político: a</p><p>gente lê, amassa e joga fora.</p><p>Entre aqueles que se dedicam a pesquisar e a cons-</p><p>truir um trabalho consistente em dança contem-</p><p>porânea, podemos nominar duas personalidades</p><p>que ilustram a seriedade nessa nova vertente: Pina</p><p>Bausch (1940-2009) e Deborah Colker.</p><p>Figura 11 - Cravos, por Pina Bausch</p><p>Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)9.</p><p>126</p><p>Pina Bausch é expoente no que conhecemos como</p><p>dança-teatro, cuja proposta é a intensificação da</p><p>expressividade por meio da inter-relação entre</p><p>movimento, música e texto (palavras). A bailarina</p><p>e coreógrafa alemã expõe trabalhos que represen-</p><p>tam bailarinos como pessoas comuns que andam</p><p>pelas ruas, riem, gritam e, hora ou outra, se de-</p><p>param com situações inusitadas. Pina Bausch de-</p><p>monstra grande interesse na reação do público e,</p><p>para observá-la,</p><p>parece provocá-lo, colocando os</p><p>seus bailarinos para executarem</p><p>[...] várias vezes a mesma sequência de passos</p><p>numa repetição exasperante que faz com que</p><p>boa parte do público, ao final de três ou qua-</p><p>tro horas de espetáculo, se levante e saia do</p><p>teatro. Naturalmente, Bausch fica entre o pú-</p><p>blico, prestando mais atenção às reações do</p><p>que ao que acontece no palco (FARO, 2011,</p><p>p.158).</p><p>Assim como Pina Bausch, parece-nos que a brasi-</p><p>leira Deborah Colker constrói as suas coreografias</p><p>fundamentando-se no desafio. No entanto, o desafio</p><p>em questão parece não estar centrado, no primeiro</p><p>momento, na reação do público, mas nos limites dos</p><p>bailarinos, que podem ser confundidos com atle-</p><p>tas. A bailarina que parece brincar com os limites</p><p>da gravidade, do corpo humano e da própria arte,</p><p>ganhou reconhecimento internacional e apresentou</p><p>a vários países a dança contemporânea brasileira.</p><p>De acordo com a ideia de que as linguagens</p><p>artísticas, dança e música, refletem o modo</p><p>como os indivíduos pensam sobre si mesmos e o</p><p>mundo em que estão inseridos, como podemos</p><p>pensar a sociedade contemporânea por meio</p><p>das letras e coreografias dos funks brasileiros?</p><p>REFLITA</p><p>Figura 12 - Coreografia de Deborah Colker para o Cirque du Soleil</p><p>Fonte: Wikimedia ([2019], on-line)10.</p><p>127</p><p>considerações finais</p><p>Chegamos ao final desta unidade. Podemos perceber que a dança expressa</p><p>a essência da humanidade e se modifica conforme a vida se modifica. Os</p><p>seres humanos mudam e ela assume novas características e novos obje-</p><p>tivos, possibilitando a sua distinção, como artística, popular, educativa</p><p>etc. Isto nos faz inferir que a dança, assim como os indivíduos, desempenha vários</p><p>papéis sociais porque pode ser entendida como a própria extensão do ser humano.</p><p>Os nossos mais remotos antepassados tinham a dança como ponto central de</p><p>suas vidas, nela estavam depositados os seus conceitos de ser humano e de mundo,</p><p>ou seja, um ser que possuía crenças, que organizava a vida coletivamente e que se</p><p>constituía como tal pela comunhão do corpo e do espírito. Os questionamentos dos</p><p>seres humanos sobre a sua existência levaram estes à criação de sistemas racionais</p><p>de pensamento que, por sua vez, foram registrados nas danças gregas, as quais eram</p><p>essenciais no processo formativo do sujeito pensante.</p><p>Mesmo quando a dança parece ter sido banida da sociedade, ela continua repre-</p><p>sentando o embate humano na busca pelo seu próprio entendimento. A sua negação,</p><p>no medievo, não significa a sua inferioridade, mas, contrariamente, a sua forte pre-</p><p>sença na constituição do indivíduo. Este precisa lutar contra a carne para se apro-</p><p>ximar do divino, mas a sobrevivência da dança representa a impossibilidade desta</p><p>anulação, pois tal relação (corpo e alma) é o que permite a sua denominação como</p><p>ser humano. Embates como estes são atemporais, representam o desejo de conheci-</p><p>mento e são eles que modelam as diferentes formas dançantes que surgem e desapa-</p><p>recem em cada sociedade.</p><p>Conhecer a história da dança nos possibilita olhar para o presente e questionar</p><p>quem nós somos. Gostar ou não gostar das danças de hoje, é uma questão que extra-</p><p>pola o âmbito do gosto, mas revela se estamos contentes ou não com a nossa socie-</p><p>dade e os valores que a edificam.</p><p>Portanto, agora que conhecemos um pouco de como os seres humanos dança-</p><p>ram em outros momentos, convidamos você a refletir sobre como estamos dançando</p><p>hoje e pensarmos o que essas danças revelam sobre nós.</p><p>128</p><p>atividades de estudo</p><p>1. A dança é uma manifestação humana que acompanha o ser humano desde os</p><p>primeiros vestígios de sua existência, por isso, falar sobre a história da dança é</p><p>falar da própria história da humanidade. O estudo da dança como um registro</p><p>histórico pode nos revelar como os indivíduos pensaram sobre si mesmos e so-</p><p>bre o mundo e como organizaram a vida coletiva em diferentes períodos históri-</p><p>cos. Assim, em relação aos estudos da história e da história da dança, analise as</p><p>afirmativas a seguir.</p><p>I - O estudo do passado não tem o objetivo de trazê-lo para o presente. Os</p><p>acontecimentos não podem ser deslocados de seu tempo, pois as ações são</p><p>determinadas pela totalidade que envolve os indivíduos, e as necessidades</p><p>coletivas são decorrentes da estrutura social. O estudo da história nos co-</p><p>loca em contato com o que o historiador Marc Bloch denomina de “fundo</p><p>permanente”, o qual contribui para a boa leitura da contemporaneidade e,</p><p>em consequência, para a adoção do posicionamento ético/moral diante da</p><p>sociedade.</p><p>II - A pesquisa histórica se concretiza pela investigação de vestígios deixados pe-</p><p>los nossos antepassados. A falta de vestígios (fontes) dificulta os estudos da</p><p>história da dança e, consequentemente, dificulta compreendê-la em outras</p><p>sociedades, fato que nos possibilita inferir que a dança, uma arte efêmera,</p><p>não participou efetivamente da história da humanidade.</p><p>III - A vida dos indivíduos na Pré-história dependia, quase que exclusivamente,</p><p>das atividades corporais e, mesmo assim, eles gastavam energia dançando.</p><p>Isto evidencia que a dança exercia uma função significativa naquela socieda-</p><p>de e estava relacionada à religião, ao poder e ao condicionamento físico.</p><p>IV - O sujeito primitivo acreditava que a dança era um veículo de comunicação</p><p>entre eles e os seus deuses. A sua execução ocorria por meio da formação</p><p>circular, pois acreditavam que a circularidade colocava todos os seus partici-</p><p>pantes em posição de igualdade, participando/contribuindo para a concen-</p><p>tração de energia no centro do círculo, abrindo, desta forma, um canal (por-</p><p>tal) de comunicação entre os indivíduos e as suas divindades. Assim, o círculo</p><p>expressava os valores de uma sociedade que se fortalecia pelo coletivo, além</p><p>de evidenciar a carga religiosa na organização social pela crença da interação</p><p>entre o mundo físico e o divino, o qual se manifesta pelas danças.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>a) I e II, apenas.</p><p>b) II e III, apenas.</p><p>c) I, apenas.</p><p>d) I, III e IV, apenas.</p><p>e) I, II, III e IV.</p><p>129</p><p>atividades de estudo</p><p>2. Devemos aos gregos muitos dos costumes e valores que ainda hoje estabelecem</p><p>a base de nossa sociedade. Entre as heranças que a Grécia nos legou, destaca-</p><p>mos a filosofia, a arte e o esporte, sendo que a dança se relacionava com estes</p><p>três segmentos constituintes da totalidade na sociedade grega. No entanto, para</p><p>a consolidação do cristianismo na Idade Média, foi necessário um movimento de</p><p>oposição à cultura pagã e, assim, manifestações como o teatro e a dança deixaram</p><p>de ocupar o papel social que tinham na Antiguidade. Sobre a dança, nestes dois</p><p>períodos históricos, Antiguidade e Idade Média, analise as afirmativas a seguir.</p><p>I - A mitologia era muito importante na vida do grego porque era por meio dela</p><p>que os valores educativos encontravam as suas justificativas, explicando</p><p>aquilo que era desconhecido a ele. Neste conjunto de conhecimentos, en-</p><p>contramos a explicação para o surgimento da dança, a qual estava relaciona-</p><p>da ao nascimento de Zeus, o deus dos deuses, identificando a importância da</p><p>dança para aquela sociedade.</p><p>II - As sacerdotisas de Dionísio, as mênades, realizavam rituais em homenagem</p><p>ao deus, nos quais dançavam livremente, em concordância com as forças da</p><p>natureza. O estado de êxtase que as acometiam fazia com que os demais</p><p>as considerassem violentas, fato justificado por suas práticas ritualísticas, as</p><p>quais incluíam derramamento de sangue. As mênades dançavam nuas em</p><p>volta de fogueiras e jogavam cinzas sobre os seus corpos, além de comerem</p><p>carne crua. O seu comportamento expressava uma mudança social que cau-</p><p>sava uma situação interior, provocada por um fator exterior (social), materia-</p><p>lizado nos movimentos histéricos dançados por aquelas mulheres.</p><p>III - As danças teatrais surgem posteriormente ao teatro grego, o que revela a</p><p>sua inferioridade educativa frente ao desenvolvimento intelectual. A dança</p><p>fazia parte da formação física, pois não podemos esquecer que as riquezas</p><p>daquela época eram provenientes</p><p>das guerras, as quais, por sua vez, reque-</p><p>riam corpos saudáveis, ágeis e fortes, e estes poderiam ser conquistados</p><p>com o auxílio da prática das danças guerreiras.</p><p>IV - A partir do século XI, observa-se um movimento que ficou conhecido como</p><p>dançomania, cujo princípio era a perspectiva otimista em relação à dança,</p><p>opondo-se à sua negação dos séculos anteriores. As danças que faziam parte</p><p>desse movimento eram a dança do Flautista de Hamelin, a Tarantela, a Dança</p><p>Macabra e a Dança de Vito. Mas a dança que melhor reflete este movimento</p><p>é a Macabra, mais expressiva no século XIV, quando a peste negra extinguiu</p><p>em torno de 30% da população europeia.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>a) Apenas I e II.</p><p>b) Apenas II e III.</p><p>c) Apenas I.</p><p>d) Apenas I, III e IV.</p><p>e) Nenhuma das alternativas está correta.</p><p>130</p><p>atividades de estudo</p><p>3. No final da Idade Média, a dança perde o seu caráter ritualístico e passa a ocupar</p><p>importante papel nos eventos sociais da aristocracia. Essa dança ficou conhecida</p><p>como dança da corte e deu origem, posteriormente, ao balé clássico. A partir de</p><p>então, podemos observar o desenvolvimento da dança artística e o surgimento</p><p>de linguagens dançantes, como as danças moderna e contemporânea. Em rela-</p><p>ção a estas últimas, analise as afirmativas a seguir.</p><p>I - Um balé pode ser criado utilizando qualquer técnica de dança (clássica,</p><p>moderna, contemporânea). Habitualmente, o associamos à técnica clássica</p><p>de dança, a qual foi estabelecida no século XVII, quando Pierre Beauchamp</p><p>(1636-1704) criou as cinco posições dos pés. A origem destes espetáculos</p><p>vincula-se ao entretenimento do monarca e da sua corte, mas atendia tam-</p><p>bém a interesses sociais e políticos. Este é o caso de Luís XIV, o Rei Sol, que</p><p>representou, nos balés, os seus ideais políticos.</p><p>II - Isadora Duncan é considerada a preceptora da dança moderna. Sob a ins-</p><p>piração da dança grega, propôs uma vertente vigorosa, baseada no fortale-</p><p>cimento físico necessário ao guerreiro no mundo antigo. Este pensamento</p><p>pode ser observado pelos movimentos com maior flexibilidade de tronco e</p><p>pela exploração dos movimentos no solo. Estas características revelam a mu-</p><p>dança das ideias que orientavam as construções coreográficas. Os bailarinos</p><p>modernos representam si mesmos, sujeitos inseridos no mundo real, com</p><p>seus problemas e conflitos que muito os aproximam do guerreiro grego.</p><p>III - Por dança contemporânea, podemos entender as danças que não se pren-</p><p>dem a uma técnica específica criada em nosso tempo. Tudo aquilo que se</p><p>fala e que se faz em dança contemporânea se refere a processos inacabados</p><p>e a experiências, cujos resultados são provisórios.</p><p>IV - O movimento de dança contemporânea se opõe ao balé clássico e às dan-</p><p>ças acadêmicas de forma geral, sob a justificativa de que essas linguagens</p><p>não correspondem aos anseios dos indivíduos contemporâneos. A recusa</p><p>total da técnica e do conhecimento construído historicamente na/pela dança</p><p>apenas em nome da liberdade do movimento corporal pode se tornar um</p><p>abismo para a arte da dança, pois qualquer manifestação corporal poderá</p><p>ser denominada de dança.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>a) Apenas I e II.</p><p>b) Apenas II e III.</p><p>c) Apenas I.</p><p>d) Apenas I, III e IV.</p><p>e) Nenhuma das alternativas está correta</p><p>131</p><p>atividades de estudo</p><p>4. As danças teatrais, ou artísticas, desenvolveram-se com o Rei Luís XIV (1638</p><p>-1715), que se autodenominava o Rei Sol. Nas apresentações, o rei era sempre</p><p>o protagonista dos espetáculos, os quais tinham, como intenção, expressar os</p><p>ideais do governo e reforçar o seu poder. De acordo com este pressuposto (as</p><p>danças podem refletir ideias de governo), como podemos analisar as danças pro-</p><p>duzidas na contemporaneidade?</p><p>5. Na Antiguidade, a dança sempre esteve presente nas festas em homenagem a</p><p>Dionísio. Desenvolva uma reflexão, apresentando argumentos fundamentados</p><p>nesta relação (dança e Dionísio), mas que sejam compatíveis com o pensamento</p><p>cristão da Idade Média, o qual condenava a maioria das manifestações dançantes.</p><p>132</p><p>LEITURA</p><p>COMPLEMENTAR</p><p>A dança como modo de viver</p><p>Desde a origem das sociedades, é pelas danças e pelos cantos que o homem se afirma</p><p>como membro de uma comunidade que o transcende.</p><p>É que esse momento ascendente do homem não se registrou apenas uma vez na origem</p><p>das grandes civilizações, com a paixão de Osíris ou de Dioniso, com a dança de Shiva. Ele</p><p>nasce da experiência incessante do trabalho dos homens: em cada organização coletiva do</p><p>trabalho a comunidade se realiza, e se realiza de maneira rítmica. Durante séculos, todas as</p><p>vezes que, cadenciadamente, marinheiros içavam a vela ou davam voltas ao cabrestante,</p><p>que barqueiros sirgavam suas barcas ao longo dos rios, que ferreiros malhavam, no mes-</p><p>mo ritmo, o mesmo ferro, a força do grupo, uma vez coordenada e ritmada, mostrava-se</p><p>superior à soma das forças individuais dos participantes. O homem adquire assim um novo</p><p>poder e toma consciência dessa transcendência da comunidade com relação aos indivídu-</p><p>os. Este poder e essa transcendência estão ligados ao ritmo dos gestos e à comunhão que</p><p>esse ritmo permite concretizar. A dança opera essa metamorfose: transformando os ritmos</p><p>da natureza e os ritmos biológicos em ritmos voluntários, ela humaniza a natureza e dá</p><p>poder para dominá-la.</p><p>Como então não acreditar, com o xamã, que a dança pode curar o indivíduo insuflando-lhe</p><p>a vida maior do todo? Como não crer, com o feiticeiro de Casamance, que ela pode, a um</p><p>só tempo, conjurar os mortos e evocar ou reativar o poder do ancestral nos ritos funerários</p><p>ou nas festas da tribo?</p><p>133</p><p>LEITURA</p><p>COMPLEMENTAR</p><p>Como não crer nas virtudes da dança de guerra para inspirar, naqueles que vão para o</p><p>combate, o sentimento de coesão interna de seu destacamento, quer se trate das danças</p><p>pírricas descritas por Homero no canto XVII da Ilíada, em que os guerreiros dançavam com</p><p>a habilidade necessária para escapar aos golpes no combate, quer da dança de Kriss, de</p><p>Bali, que provoca o transe a tal ponto que o dançarino, voltando sua lâmina contra si pró-</p><p>prio, torna-se insensível à ferida, que sequer sangra.</p><p>A dança torna o deus presente e o homem potente. A dança exprime a coesão e o poder</p><p>transcendente da comunidade. Por isso, revela a grandeza ou o declínio de uma civilização.</p><p>Na China do século VI, o sábio Confúcio dizia: “Mostre-me como dança um povo e eu lhes</p><p>direi se sua civilização está doente ou tem boa saúde”. O explorador Livingstone conta que</p><p>o Banto, quando encontra um estrangeiro, não lhe pergunta “Quem és?” mas “O que dan-</p><p>ça?” Para um africano, o que um homem dança é sua tribo, seus costumes, sua religião, os</p><p>grandes ritmos humanos de sua comunidade.</p><p>Fonte: Garaudy (1980, p.19-20).</p><p>134</p><p>material complementar</p><p>E O Príncipe Dançou... O Conto de Fadas, da Tradição Oral à Dança</p><p>Contemporânea</p><p>Katia Canton</p><p>Editora: Ática</p><p>Sinopse: investiga a incorporação de valores aos contos de fadas, abordando tan-</p><p>to os autores clássicos, os irmãos Grimm, Charles Perrault etc., quanto algumas</p><p>das principais adaptações da dança-teatro contemporânea.</p><p>Indicação para Ler</p><p>135</p><p>referências</p><p>BERTHOLD, M. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008.</p><p>BERTONI, I. G. A dança e sua evolução; o ballet e seu contexto teórico; programa-</p><p>ção didática. São Paulo: Tanz do Brasil, 1992.</p><p>BLOCH, M. Introdução a história. Lisboa: Publicações Europa-América, 1974.</p><p>BOURCIER, P. História da Dança. São Paulo: Martins Fontes, 2001.</p><p>CAMINADA, E. História da dança: evolução cultural. Rio de Janeiro: Sprint, 1999.</p><p>CERTEAU, M. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.</p><p>CHEVALIER, J. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,</p><p>figuras, cores, números. Rio de Janeiro: José Olimpo, 2003.</p><p>DUBY, G. As três ordens ou o imaginário do feudalismo. Lisboa: Estampa, 1994.</p><p>ELIAS, N. A sociedade de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.</p><p>______. O Processo Civilizador. Formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro:</p><p>Zahar, 1983. Volume 2.</p><p>FARO, A. J. Pequena História da Dança. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.</p><p>FISCHER, E. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: LTC, 1987.</p><p>GARAUDY, R. Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.</p><p>GIFFONI, M. A. C. Danças da corte: Gavota, Minueto e Pavana. In: BRASIL. Minis-</p><p>tério da Educação e Cultura. Departamento de Educação Física e Desportos. Danças</p><p>da corte: danças dos salões brasileiros de ontem e de hoje. São Paulo: Abril Cultural,</p><p>1974. p. 4-16.</p><p>136</p><p>referências</p><p>GRIMAL, P. Mitologia grega. Porto Alegre: L&PM, 2010.</p><p>HUIZINGA, J. O declínio da Idade Média. Lisboa: Ulisseia, 1924.</p><p>LE GOFF, J. O homem medieval. Lisboa: Presença, 1989.</p><p>LE ROI Danse. Direção: Gérard Corbiau. Produção: Dominique Janne. França, Bél-</p><p>gica; França; Alemanha: K-Star; France 2 Cinéma, 2000. (108 minutos), son., color.,</p><p>DVD.</p><p>OLIVEIRA, V. M. O que é educação física. São Paulo: Brasiliense, 1994.</p><p>OSSONA, P. A educação pela dança. São Paulo: Summus, 1988.</p><p>PANOFSKY, E. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 2007.</p><p>PERNOUD, R. Luz sobre a Idade Média. Lisboa: Publicações Europa-América, 1996.</p><p>PLATÃO. As leis, ou da legislação e epinomis. São Paulo: Edipro, 1999.</p><p>PORTINARI, M. História da Dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.</p><p>RENGEL, L.; LANGENDONCK, R. V. Pequena viagem pelo mundo da dança. São</p><p>Paulo: Moderna, 2006.</p><p>WALLER, J. A time to dance a time to die: the extraordinary story of the dancing</p><p>plague of 1518. London: Icon Books, 2008.</p><p>referências</p><p>137</p><p>referências</p><p>REFERÊNCIAS ON-LINE</p><p>1Em: . Acesso em: 01 abr. 2019.</p><p>2Em: . Acesso em: 01 abr. 2019.</p><p>3Em: . Acesso</p><p>em: 01 abr. 2019.</p><p>4Em: . Acesso em: 01 abr. 2019.</p><p>5Em: . Acesso em: 01 abr. 2019.</p><p>6Em: . Acesso em: 01 abr. 2019.</p><p>7Em: .</p><p>Acesso em: 01 abr. 2019.</p><p>8Em: . Acesso em: 01 abr. 2019.</p><p>9Em: . Acesso em: 01</p><p>abr. 2019.</p><p>10Em: . Acesso em: 01 abr. 2019.</p><p>referências</p><p>138</p><p>gabarito</p><p>1. D.</p><p>2. A.</p><p>3. D.</p><p>4. A resposta deve apresentar uma ou mais danças produzidas na atualidade</p><p>(ex: funk, axé, dança de rua etc.), identificando características que possam se</p><p>aproximar de possíveis ideais de governo.</p><p>5. A resposta deve abordar o pensamento cristão que entendia o corpo como</p><p>um veículo para o pecado; a dança relacionada ao pecado da carne; Dionísio,</p><p>o deus pagão do vinho, bebida que libera os desejos carnais e provoca o pe-</p><p>cado, distanciando o indivíduo da vontade de Deus.</p><p>gabarito</p><p>UNIDADEIV</p><p>Professora Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes</p><p>Plano de Estudo</p><p>A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta</p><p>unidade:</p><p>• Dança, educação e formação humana: fragilidades</p><p>herdadas do pensamento clássico</p><p>• A origem do movimento dançante como aspecto norteador</p><p>para a dança na Educação Física</p><p>• Dança, Educação Física e saúde</p><p>Objetivos de Aprendizagem</p><p>• Refletir acerca das fragilidades conceituais que interferem</p><p>na compreensão da dança enquanto atividade reflexiva</p><p>que atua no processo de formação humana.</p><p>• Investigar a possibilidade de estabelecer um princípio a ser</p><p>considerado como central na dança para o conteúdo da</p><p>Educação Física.</p><p>• Refletir acerca do impulso interno como princípio da dança</p><p>nos diferentes ambientes e objetivos da Educação Física.</p><p>DANÇA E FORMAÇÃO HUMANA</p><p>unidade</p><p>IV</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>C</p><p>aro(a) aluno(a), neste momento de nosso curso, apresentamos a</p><p>proposta de compreender a dança como uma possibilidade edu-</p><p>cativa. É importante entender que, ao nos referirmos à educação,</p><p>estamos entendendo-a em seu sentido amplo, como um processo</p><p>de formação humana e, neste sentido, aplicada em ambiente formal, não</p><p>formal e informal. Como já estudamos nos capítulos anteriores, a dança</p><p>acompanhou o desenvolvimento da humanidade, no entanto, são escassos</p><p>os estudos, dentro da tradição acadêmica, que a considerem um elemento</p><p>relevante na constituição do indivíduo em sua totalidade. Percebemos que</p><p>a própria tradição filosófica, que tudo questionou, não se preocupou com</p><p>a dança, tratando-a apenas como apêndice para outros interesses. Tratare-</p><p>mos destas questões na primeira seção desta unidade, na qual inferimos</p><p>que esta falta de tradição pode ser a causa de, ainda hoje, existir uma fra-</p><p>gilidade no reconhecimento dos aspectos intelectuais presentes na dança,</p><p>considerando-a apenas como atividade virtuosística ou recreativa.</p><p>Com o intuito de pensarmos a potencialidade da dança em atuar na</p><p>totalidade humana, envolvendo os aspectos motor, biológico, psíquico e</p><p>social, buscamos retomar, da Unidade 2, a sua essência enquanto movi-</p><p>mento que se inicia por meio de impulsos internos e torna-se visível, aos</p><p>olhos dos apreciadores, na forma de dança. Quando esta se constrói desta</p><p>forma, não sendo unicamente condicionada pelo desejo do virtuosismo,</p><p>ocorre uma relação íntima do dançarino consigo e com o seu exterior.</p><p>Desta forma, a dança, como ação motora, é resultado da mobilização afe-</p><p>tiva, intelectual, corporal e social, processo que pode influenciar a forma-</p><p>ção do sujeito: ser físico, intelectual e social.</p><p>144</p><p>Ao olharmos para a história da dança, verificamos</p><p>que a sua presença e função social na vida dos indiví-</p><p>duos se diferencia conforme o contexto onde ela está</p><p>inserida. Vemos a dança passar de linguagem ritua-</p><p>lística para artística e, por fim, para entretenimento.</p><p>Neste processo de mudanças, ocorreu a conscien-</p><p>tização de seu papel educativo e muitos esforços para</p><p>justificar a sua inserção no contexto escolar, princi-</p><p>palmente nas áreas das Artes e da Educação Física.</p><p>De um lado, a Arte reconhece a dança como lingua-</p><p>gem artística que se efetiva por meio da linguagem</p><p>corporal, por outro, a Educação Física a justifica em</p><p>seus currículos por ser uma manifestação da cultura</p><p>corporal que, além de favorecer o desenvolvimento</p><p>das qualidades físicas e promover a saúde, contribui</p><p>para a formação do sujeito social. Nesta perspectiva,</p><p>as políticas educacionais reafirmam a importância</p><p>das danças africanas e indígenas para a conscientiza-</p><p>ção/formação/manutenção da identidade nacional.</p><p>Além dos embates travados para a inserção da</p><p>dança em ambiente escolar, observamos a proliferação</p><p>de aulas de dança com nomenclaturas variadas, substi-</p><p>Dança, Educação e</p><p>Formação Humana:</p><p>Fragilidades Herdadas</p><p>do Pensamento Clássico</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>145</p><p>tuindo, muitas vezes, as tradicionais aulas de ginástica</p><p>nas academias e clubes. A conscientização dos benefí-</p><p>cios físicos, com destaques para o aumento da capaci-</p><p>dade aeróbica, coloca a dança no topo do ranking das</p><p>atividades fitness. Fato que pode ser comprovado pelo</p><p>surgimento de empresas que oferecem, para as acade-</p><p>mias, “pacotes” de aulas coreografadas com embasa-</p><p>mento técnico proveniente de diferentes linguagens de</p><p>dança, como o do balé clássico, do jazz dance, do street</p><p>dance, das danças latinas, entre outras.</p><p>Em contrapartida, parece que se mantêm a ocu-</p><p>pação de diferentes espaços para a dança e a falta</p><p>de tradição em estudos acadêmicos, os quais se pre-</p><p>ocupam em entendê-la de forma desfragmentada.</p><p>É evidente que, dependendo do contexto, público</p><p>e objetivo, os desenvolvimentos das práticas dan-</p><p>çantes se diferenciam, assim como os argumentos</p><p>que as justificam. No entanto, cabe ao professor ou</p><p>profissional conhecer os aspectos gerais que poten-</p><p>cializam a dança como conteúdo da Educação Física</p><p>para haver a consciência de que, por mais que a sua</p><p>prática tenha objetivos específicos, a atuação dela</p><p>não se fragmenta, podendo atuar efetivamente em</p><p>aspectos não objetivados pelo profissional.</p><p>A falta de conhecimento amplo sobre a atuação</p><p>da dança na formação humana pode ser um empe-</p><p>cilho para a sua legitimação como área do conhe-</p><p>cimento. No entanto, podemos nos questionar: por</p><p>que essa falta de tradição acadêmica em relação à</p><p>dança e à formação humana, já que a sua presença</p><p>no percurso da história da humanidade é inques-</p><p>tionável? Por que ela, atividade inerente ao ser hu-</p><p>mano, não foi estudada pelos pensadores de outros</p><p>momentos históricos? Podemos pensar mais pro-</p><p>fundamente estes questionamentos nos reportando,</p><p>na sequência, aos autores clássicos, aqueles que for-</p><p>jaram o conhecimento moderno e contemporâneo.</p><p>DANÇA: UMA RESPOSTA ÀS INDAGAÇÕES</p><p>HUMANAS QUE SE PERDEU NA TRADIÇÃO</p><p>DO PENSAMENTO CLÁSSICO</p><p>O conhecimento, de forma geral e em suas diferen-</p><p>tes áreas, tem as suas raízes nas inquietações dos</p><p>indivíduos que deixaram de aceitar as explicações</p><p>mitológicas e buscaram a racionalidade. A partir</p><p>de então, desenvolvem-se várias formas de conheci-</p><p>mento cada vez mais específicas, mas, ao buscarmos</p><p>as suas gêneses, nos deparamos sempre com a filo-</p><p>sofia. Como mencionam Reale e Antiseri (2003, p.</p><p>3): “[...] por causa de suas categorias racionais, foi a</p><p>filosofia que possibilitou o nascimento da ciência e,</p><p>em certo sentido, a gerou”. As ciências se preocupam</p><p>com as particularidades, enquanto a filosofia, com</p><p>a totalidade, o que faz com que as ciências possam</p><p>ser compreendidas como decorrentes da filosofia</p><p>clássica. As questões particulares investigadas pelas</p><p>diferentes ciências são recortes das grandes preocu-</p><p>pações filosóficas.</p><p>A filosofia nasce da necessidade do saber que to-</p><p>dos os indivíduos possuem. A busca pelo saber, que</p><p>faz parte da natureza humana, é impulsionada pela</p><p>capacidade de os seres humanos se espantarem ou</p><p>se maravilharem com os elementos pertencentes ao</p><p>mundo que os cerca. Reale e Antiseri (2003, p. 12,</p><p>grifos dos autores) explicam o pensamento aristoté-</p><p>lico sobre o princípio da reflexão filosófica mencio-</p><p>nando que os seres humanos:</p><p>[...] no princípio, ficavam maravilhados diante</p><p>das dificuldades mais simples; em seguida, pro-</p><p>gredindo pouco a pouco, chegaram a se colocar</p><p>problemas sempre maiores, como os relativos</p><p>aos fenômenos da lua, do sol e dos astros e, de-</p><p>pois, os problemas relativos à origem de todo o</p><p>universo.</p><p>146</p><p>Podemos, todavia, observar uma discrepância en-</p><p>tre esta hipótese e as produções filosóficas acerca da</p><p>dança, pois, como observou Feitosa (2001), parece</p><p>que a filosofia esqueceu da dança. A comprovação</p><p>desta observação pode vir por meio de investigações</p><p>dos escritos clássicos, como em Platão e em Aris-</p><p>tóteles. A dança aparece, com certa relevância, em</p><p>apenas um diálogo platônico, As Leis. Vejamos rapi-</p><p>damente como isto ocorre.</p><p>O Livro II de As Leis é composto pelo diálogo</p><p>entre o Ateniense (Platão) e Clínias. A questão dia-</p><p>logada é sobre os banquetes: se eles se destinam ape-</p><p>nas à diversão ou se trazem benefícios que merecem</p><p>serem investigados. A hipótese é de que a educação,</p><p>entendida no diálogo como aquisição de virtude,</p><p>acontece, também, durante estas festas, nas quais a</p><p>dança está presente. Platão explica que as virtudes</p><p>são consequências das experiências que as crianças</p><p>têm em relação ao prazer e à dor mesmo antes de</p><p>terem adquirido a razão, como podemos observar</p><p>na seguinte passagem do diálogo:</p><p>Quando o prazer e o amor, a dor e ódio nascem</p><p>com justeza nas almas antes do despertar da ra-</p><p>zão, e uma vez a razão desperta, os sentimentos</p><p>se harmonizam com ela no reconhecimento de</p><p>que foram bem treinados pelas práticas ade-</p><p>quadas correspondentes, e essa harmonização,</p><p>vista como um todo, constitui a virtude; mas a</p><p>parte dela que e corretamente treinada quanto</p><p>aos prazeres e os sofrimentos, de modo a odiar</p><p>o que deve ser odiado desde o início até o fim, e</p><p>amar o que deve ser amado, esta é aquela que a</p><p>razão isolará para denominá-la educação, o que</p><p>é a meu ver, denominá-la corretamente (PLA-</p><p>TÃO, As Leis, Livro II).</p><p>Podemos nos perguntar: por que se remeter à filoso-</p><p>fia se o nosso assunto é dança? A resposta é simples.</p><p>O ser humano, ao maravilhar-se ou espantar-se, co-</p><p>meça a buscar respostas para as suas indagações, é</p><p>neste momento que se constrói a hipótese a qual es-</p><p>tamos nos propondo a refletir: a dança como uma</p><p>resposta para as indagações humanas em diferentes</p><p>momentos históricos. Recordemos a teoria que sus-</p><p>tenta o seu surgimento.</p><p>A origem da dança é creditada às necessidades</p><p>comunicativas dos indivíduos, ou seja, ela surge para</p><p>transmitir ideias. Portanto, é uma resposta ao desejo</p><p>do saber humano, o qual é consequência de ques-</p><p>tionamentos e análises que podem ser desenvolvi-</p><p>dos por meio de movimentos dançantes. Podemos</p><p>pensar essa questão nos reportando a Bardet (2016)</p><p>, quando diz que Xenofonte, no Banquete, menciona</p><p>o fato de Sócrates dançar em frente ao espelho:</p><p>Não um olhar objetivante, mas um Sócrates</p><p>que, por um lado, se vê dançando em um espe-</p><p>lho, estuda seus movimentos e suas atitudes em</p><p>uma confrontação confusa com o seu reflexo; e,</p><p>por outro, faz isso afastado dos olhares alheios.</p><p>Estamos, portanto, em uma situação completa-</p><p>mente diferente de uma medida das mudanças</p><p>em algumas referências espaciais. Estamos em</p><p>um encontro. Um encontro consigo dançando,</p><p>do qual saber, o que ele era para Sócrates, talvez</p><p>permaneça enigmático. O que será que ele exa-</p><p>minava e o que será que procurava observando</p><p>seu corpo em movimento? Que relação havia</p><p>entre os seus gestos e esse eu habitado, ao mes-</p><p>mo tempo, por razão e por um demônio? Quais</p><p>seriam as articulações entre pensar e mover por</p><p>meio de seus gestos e de seus reflexos?</p><p>Apostamos que ele tentava decifrar algumas</p><p>concordâncias e discordâncias, suas atitudes</p><p>conhecidas e desconhecidas, na situação singu-</p><p>lar de dançar e de se ver dançar.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>147</p><p>Podemos perceber que, para o filósofo, a educação,</p><p>ou a aquisição da virtude, é um processo que se</p><p>adquire por meio de experiências, as quais devem</p><p>ser direcionadas para que, desde cedo, as crianças</p><p>se aproximem do bem e se afastem do mal. Neste</p><p>processo educativo, concentra-se a reflexão sobre as</p><p>experiências produzidas nos banquetes, cujos corais</p><p>(dança e música) fazem parte.</p><p>A compreensão de Platão sobre a importância</p><p>dos banquetes no processo formativo é positiva.</p><p>Para ele, o processo de treinamento infantil em re-</p><p>lação aos prazeres e às dores fica fragilizado com o</p><p>decorrer dos anos, e os deuses, compadecidos desta</p><p>situação, ofereceram os banquetes como momen-</p><p>to de se tornarem companheiros dos humanos nas</p><p>danças e músicas. Desta forma, podemos entender</p><p>que, para Platão, a dança e a música são experiências</p><p>disciplinadoras dos prazeres e das dores necessários</p><p>no processo educativo. Tal ideia fica-nos mais evi-</p><p>dente na seguinte passagem:</p><p>O ateniense: Podemos supor que o homem</p><p>não-educado não conta com o treinamento nos</p><p>corais e que o educado conta inteiramente com</p><p>tal treinamento?</p><p>Clínias: Certamente.</p><p>O ateniense: O treinamento nos corais como</p><p>um todo, inclui, é claro, tanto a dança quanto</p><p>as canções.</p><p>Clínias: Não há dúvida.</p><p>O ateniense: E, portanto, o homem bem-educa-</p><p>do terá a capacidade de tanto de cantar quanto</p><p>de dançar bem. (PLATÃO, As Leis, Livro II).</p><p>Assim, por meio desta breve apresentação do diá-</p><p>logo, podemos verificar que a dança está presente</p><p>na reflexão filosófica como um meio educativo. Essa</p><p>ideia também pode ser observada na República, mas</p><p>de forma menos explícita, quando Platão mencio-</p><p>na a função educativa da ginástica,</p><p>na qual a dança,</p><p>de certa forma, era inserida. No entanto, é preciso</p><p>destacar que Platão continua fiel a seu posiciona-</p><p>mento contrário às artes, por estas serem imitações</p><p>das cópias existentes no mundo sensível. Por isto,</p><p>ele indica a necessidade de critérios para determinar</p><p>quando a obra é boa ou má eticamente e, no caso da</p><p>dança, qual deve ser praticada ou não.</p><p>Esta é a mesma vertente – dança e educação – que</p><p>o discípulo de Platão, Aristóteles, atribui à dança. Na</p><p>Poética, ele se dedica a tratar da poesia, ou das artes</p><p>imitativas, especialmente, a tragédia. No capítulo 6,</p><p>que tem como objetivo definir a tragédia, é possível</p><p>verificar a função educativa dessa arte imitativa:</p><p>E pois, a tragédia, imitação de uma ação de ca-</p><p>ráter elevado, completa e de certa extensão, em</p><p>linguagem ornamentada e com as várias espé-</p><p>cies de ornamentos distribuídas pelas diversas</p><p>partes [do drama], [imitação que se efetua] não</p><p>por narrativa, mas mediante atores, e que, sus-</p><p>citando o “terror e a piedade, tem por efeito a</p><p>purificação dessas emoções” (ARISTÓTELES,</p><p>Poética, cap. VI, p. 27).</p><p>148</p><p>Aristóteles entende que a tragédia, pela verossimi-</p><p>lhança – conceito entendido como imitação, mas de</p><p>uma ação possível de acontecimentos reais –, pro-</p><p>porciona a catarse, ou a purificação dos sentimentos.</p><p>Este processo é aceito como educativo, pois possi-</p><p>bilita ao indivíduo experimentar sensações e senti-</p><p>mentos que favorecerão a disciplina das emoções.</p><p>Assim como a tragédia, a dança é entendida como</p><p>uma arte imitativa, podemos verificar no primeiro</p><p>capítulo, no qual o filósofo se propõe a apresentar as</p><p>artes que compõem este gênero:</p><p>Pois tal como há os que imitam muitas coisas,</p><p>exprimindo-se com cores e figuras (por arte ou</p><p>por costume), assim acontece nas sobreditas ar-</p><p>tes: na verdade, todas elas imitam com o ritmo,</p><p>a linguagem e a harmonia, usando estes elemen-</p><p>tos separada ou conjuntamente. Por exemplo, só</p><p>de harmonia e ritmo usam a aulética e a citarís-</p><p>tica e quaisquer outras artes congêneres, como</p><p>a siríngica; com o ritmo e sem harmonia, imita</p><p>a arte dos dançarinos, porque também estes por</p><p>ritmos gesticulados, imitam caracteres, afetos e</p><p>ações. (ARISTÓTELES, Poética, cap. I, 3).</p><p>Assim, para Aristóteles, a dança, ou a arte dos dan-</p><p>çarinos, é imitativa porque, por meio dos gestos rit-</p><p>mados, pode reproduzir ações e sentimentos.</p><p>A dança é mencionada na obra pela segunda vez no</p><p>segundo capítulo, cujo objetivo é abordar as diferen-</p><p>tes poesias imitativas conforme o seu objeto de imi-</p><p>tação. O filósofo explica que a imitação pode ser de</p><p>ações superiores ou inferiores e feita por qualquer</p><p>arte, como menciona: “[...] tanto na dança como na</p><p>aulética e na citarística, pode haver tal diferença”</p><p>(ARISTÓTELES, Poética, cap. II.)</p><p>No capítulo 4, que trata da origem da tragédia,</p><p>a dança é abordada para explicar que a tragédia ad-</p><p>quiriu o seu alto estilo quando abandonou os ele-</p><p>mentos satíricos, inclusive metro tetrâmetro, como</p><p>podemos verificar a seguir:</p><p>Com efeito, os poetas usaram primeiro o tetrâ-</p><p>metro porque as suas composições eram satíricas</p><p>e mais afins à dança; mas, quando se desenvol-</p><p>veu o diálogo, o engenho natural logo encontrou</p><p>o metro adequado; pois o jambo é o metro que</p><p>mais se conforma ao ritmo natural da linguagem</p><p>corrente (ARISTÓTELES, Poética, cap. IV).</p><p>O satírico pode ser interpretado como movimentos</p><p>mais vivos e alegres e, por isto, mais apropriados à</p><p>dança. Tal ideia é retomada no capítulo 24, quando</p><p>o filósofo trata da métrica e menciona que “pelo con-</p><p>trário, são o trímetro jâmbico e o tetrâmetro trocaico</p><p>mais movimentados: este convém à dança, e aquele, à</p><p>ação” (ARISTÓTELES, Poética, cap. XXIV).</p><p>A última referência que Aristóteles faz à dança está</p><p>no capítulo 26, onde ele discute a superioridade entre a</p><p>epopeia épica e o poema trágico. Para tal, remete à ges-</p><p>ticulação exagerada, reprovando-a e aceitando-a con-</p><p>trolada: “[...] nem toda espécie de gesticulação é de re-</p><p>provar, se não reprovamos a dança, mas tão-somente a</p><p>dos maus atores — que tal se repreendia em Calípides,</p><p>e agora nos que parecem imitar os meneios de mulhe-</p><p>res ordinárias” (ARISTÓTELES, Poética, cap. XXVI).</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>149</p><p>Por meio dessa breve investigação da dança no</p><p>primeiro tratado da arte, podemos verificar que</p><p>Aristóteles a entende como uma arte mimética, pois,</p><p>assim como as demais, pode imitar ações e emoções.</p><p>No entanto, apenas se remete a ela para ilustrar ou-</p><p>tras questões, não desenvolvendo nenhuma reflexão</p><p>específica sobre a dança.</p><p>Como podemos compreender, nem Platão e</p><p>nem Aristóteles se dedicaram a refletir sobre a dan-</p><p>ça em si mesma. Parece-nos que ambos entende-</p><p>ram o seu valor educativo, mas não a trataram com</p><p>profundidade.</p><p>Se na Antiguidade, quando a dança fazia parte</p><p>daquela cultura, as preocupações filosóficas eram</p><p>modestas, no período seguinte, na Idade Média, os</p><p>filósofos/teólogos parecem ter excluído a dança de</p><p>seus pensamentos, o que não é difícil de entender,</p><p>devido ao posicionamento medieval em relação ao</p><p>corpo.</p><p>O pensamento cristão, que entendia o corpo</p><p>como veículo do pecado, favoreceu a exclusão, acen-</p><p>tuando a ausência da dança nos textos filosóficos. Esta</p><p>justificativa pode ser aceita para a Idade Média, mas</p><p>o argumento medieval não é válido para o Renasci-</p><p>mento, quando se reformulam as concepções acerca</p><p>do corpo a partir do pensamento greco-romano.</p><p>Neste sentido, podemos nos perguntar: por</p><p>que os renascentistas do século XVI não incluíram</p><p>a dança em suas reflexões, já que ela era elemento</p><p>educativo presente na sociedade greco-romana e</p><p>ocupou, por exemplo, importante papel na corte de</p><p>Luís XIV?</p><p>A falta de resposta permanece se questionarmos</p><p>as produções filosóficas da modernidade. A situação</p><p>permanece sem alterações, mesmo diante de outra</p><p>concepção de sociedade, ser humano e universo.</p><p>Mais admirável é o fato de Hegel, ao ministrar o seu</p><p>curso de Estética na Universidade de Berlim entre</p><p>1820 e 1829 que, posteriormente, originou o livro</p><p>O sistema das Artes, não se reportou à dança. Hegel</p><p>trata de arquitetura, pintura, música, poesia e tragé-</p><p>dia, apresentando a sua admiração pela arte grega,</p><p>mas não menciona a dança, apenas a cita, a exemplo</p><p>da jardinagem, como uma arte imperfeita.</p><p>Diante da falta de resposta para este vazio que</p><p>os filósofos deixaram sobre a dança, o qual, aparen-</p><p>temente, não existe uma razão plausível, podemos</p><p>investigar a argumentação de Feitosa (2001, p. 35),</p><p>fundamentada em Nietzsche.</p><p>Nietzsche diz frequentemente que os filósofos</p><p>temem e odeiam o corpo. Toda arte está rela-</p><p>cionada com o corpo, seja sob o aspecto da per-</p><p>cepção sensorial, seja sob o aspecto dos afetos</p><p>mais fundamentais, tais como a alegria, a tris-</p><p>teza, a angustia etc... Ora, talvez a dança seja</p><p>a forma de manifestação artística que guarda</p><p>a ligação mais íntima com o corpo. É a única</p><p>forma de expressão em que o corpo do artista</p><p>se torna plenamente uma obra de arte. Ainda,</p><p>segundo Nietzsche, toda a história da filosofia</p><p>pode ser resumida como uma má interpretação</p><p>do corpo. Isso talvez ajude a responder por uma</p><p>outra via a incúria frente à dança. Enquanto se</p><p>dança, o corpo não é uma “coisa extensa” carte-</p><p>siana ou um instrumento da alma ou da men-</p><p>te, enquanto se dança, não temos nem alma,</p><p>nem mente. Dançar é a forma mais efetiva de</p><p>superar a metafísica (há de se recordar isso na</p><p>próxima vez em que estivermos dançando). Na</p><p>dança, se mostra toda a inteligência do corpo.</p><p>Se a dança se reduzisse a movimentos aleató-</p><p>rios, então não seria dança, nem arte. A dança</p><p>é uma mistura estranha de espontaneidade e de</p><p>elaboração. O homem é o único ser que dança.</p><p>O homem é capaz de dançar porque existe no</p><p>modo de um corpo que pensa. O desprezo da</p><p>filosofia pelo corpo e por sua irredutível sen-</p><p>sualidade traduz-se em indiferença pela dança.</p><p>150</p><p>Feitosa (2001), ao apresentar a perspectiva nietzs-</p><p>chiana sobre a dança, mostra-nos uma possibilida-</p><p>de de pensar a ausência da dança</p><p>nos pensamentos</p><p>filosóficos por meio do desprezo pelo corpo e pela</p><p>valorização da mente que, historicamente, frag-</p><p>mentaram o ser humano em dois hemisférios. No</p><p>entanto, isto nos conduz a entender a dança como</p><p>a expressão do indivíduo em sua totalidade, pois</p><p>dançar é uma ação mental/espiritual/corpórea in-</p><p>dissolúvel. Ela expressa essa totalidade como uma</p><p>extensão do próprio indivíduo, do que ele é interna</p><p>e externamente. Esta questão nos conduz à relação</p><p>pensamento e movimento, que pode não ter sido</p><p>objeto de estudo dos filósofos, mas parece ter ocu-</p><p>pado papel considerável no pensamento do húnga-</p><p>ro Rudolf von Laban (1879-1958).</p><p>Laban, considerado o maior teórico da dança do</p><p>século XX e fundador dos fundamentos da dança</p><p>moderna, dedicou-se ao estudo do movimento hu-</p><p>mano criando o sistema conhecido como Laban Mo-</p><p>vement Analysis – LMA, ou simplesmente, Sistema</p><p>Laban. Ele desenvolveu um estudo dos movimentos</p><p>no espaço, nos ritmos, nas formas e nos esforços, in-</p><p>cluindo um sistema preciso para a notação dos mo-</p><p>vimentos, denominado de Labanotation.</p><p>No livro organizado por Lisa Ullmann, Domínio</p><p>do Movimento (1978), podemos verificar a relação</p><p>entre movimento e pensamento por meio da reflexão</p><p>desenvolvida por Laban sobre as brincadeiras e dan-</p><p>ças primitivas. Para ele, estas manifestações culturais</p><p>representam tentativas dos sujeitos de tomar a cons-</p><p>ciência por meio de movimentos para a fixação das</p><p>combinações de esforços, os quais são entendidos,</p><p>pelo autor, como estímulos internos que provocam</p><p>movimentos e, posteriormente, podem ser revertidos</p><p>em hábitos. As brincadeiras e danças são compreen-</p><p>didas como um pensar por meio de movimentos:</p><p>Trata-se de uma construção muito singular de</p><p>ideias acerca das qualidades de movimento e de</p><p>seu uso. Talvez não seja muito inusitado introdu-</p><p>zir a ideia de se pensar em termos de movimento,</p><p>em oposição a se pensar em palavras. O pensar</p><p>por meio de movimentos poderia ser considera-</p><p>do como um conjunto de impressões de aconte-</p><p>cimentos na mente de uma pessoa, conjunto para</p><p>o qual falta uma nomenclatura adequada. Este</p><p>tipo de pensamento não se presta à orientação no</p><p>mundo exterior, como faz o pensamento através</p><p>das palavras, mas, antes, aperfeiçoa a orientação</p><p>do homem em seu mundo interior, onde con-</p><p>tinuamente os impulsos surgem e buscam uma</p><p>válvula de escape no fazer, no representar e no</p><p>dançar (LABAN, 1978, p. 42).</p><p>Laban nos possibilita entender que, ao aceitarmos</p><p>este posicionamento do pensar por meio do movi-</p><p>mento, podemos entender a dança como uma forma</p><p>de atividade mental/corporal que auxilia o ser hu-</p><p>mano a trabalhar com o seu mundo interior, com as</p><p>causas que originam os movimentos. Ao fazer isso,</p><p>ele estaria em contato íntimo consigo, desvendando</p><p>e se aproximando da complexidade do seu ser.</p><p>Entender a dança por essa perspectiva, porém, pa-</p><p>rece ser uma tarefa que a maioria das pessoas ainda não</p><p>iniciaram. Como indício desta afirmação, retomemos</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>151</p><p>a própria ausência da dança no pensamento clássico. A</p><p>justificativa para isto, no pensamento de Laban (1978,</p><p>p. 45-46), pode ser: “[..] durante um longo período, o</p><p>homem não foi capaz de descobrir a conexão entre seu</p><p>pensamento-movimento e sua palavra-pensamento”.</p><p>Este parece ser o desafio que aqueles que traba-</p><p>lham com a dança em nosso tempo precisam en-</p><p>frentar. O senso comum nos conduz a pensar que a</p><p>maioria dos professores e profissionais de Educação</p><p>Física que trabalham com tal prática estão distantes</p><p>dessa perspectiva acerca da dança como movimento</p><p>integrador do sujeito e de tudo aquilo que confere a</p><p>ele a condição de “humano”.</p><p>A partir do século XVII, a revolução metodoló-</p><p>gica iniciada por Galileu promove a autonomia</p><p>da ciência e o seu desligamento da filosofia.</p><p>Pouco a pouco, desse período até o século</p><p>XX, aparecem as chamadas ciências particu-</p><p>lares - física, astronomia, química, biologia,</p><p>psicologia, sociologia etc. -, delimitando um</p><p>campo específico de pesquisa. [...] as ciên-</p><p>cias se especializam e observam “recortes”</p><p>do real, enquanto a filosofia jamais renuncia</p><p>a considerar o seu objeto do ponto de vista</p><p>da totalidade. A visão da filosofia é de con-</p><p>junto, ou seja, o problema tratado nunca é</p><p>examinado de modo parcial, mas sempre sob</p><p>a perspectiva de conjunto, relacionando cada</p><p>aspecto com os outros do contexto em que</p><p>está inserido. Se a ciência tende cada vez mais</p><p>para a especialização, a filosofia, no sentido</p><p>inverso, quer superar a fragmentação do real,</p><p>para que o homem seja resgatado na sua inte-</p><p>gridade e não sucumba à alienação do saber</p><p>parcelado. Por isso, a filosofia tem uma função</p><p>de interdisciplinaridade, estabelecendo o elo</p><p>entre as diversas formas do saber e do agir.</p><p>Fonte: Aranha e Martins (1993, p.113-114).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>152</p><p>A Origem do Movimento</p><p>Dançante como Aspecto</p><p>Norteador para a Dança</p><p>na Educação Física</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>153</p><p>Nesta seção, nos propomos a investigar a possibilida-</p><p>de de estabelecermos um princípio a ser considerado</p><p>como central na dança enquanto conteúdo da Educa-</p><p>ção Física. A relevância dessa proposta se estabelece por</p><p>meio do movimento que impulsionou o reconhecimen-</p><p>to da Educação Física nos últimos anos, o qual a inseriu</p><p>em ambientes não ocupados anteriormente. Após os</p><p>embates para o reconhecimento desta disciplina como</p><p>conteúdo educacional, vemos a sua expansão para seto-</p><p>res específicos da saúde, com ênfase na promoção desta.</p><p>Hoje, podemos encontrar profissionais de Educa-</p><p>ção Física atuando em academias, clubes, clínicas, Uni-</p><p>dades Básicas de Saúde (UBS), empresas, hotéis, spas,</p><p>organizações não governamentais (ONGs) etc., além</p><p>dos professores que atuam em escolas da Educação</p><p>Básica. Em consequência desta expansão de locais de</p><p>atuação, muitas dúvidas se estabelecem em relação à</p><p>formação dos profissionais. Neste sentido, questiona-</p><p>mos: o que deve ser prioridade na formação do(a) pro-</p><p>fissional ou professor(a) de Educação Física para atuar</p><p>nestes diferentes segmentos da sociedade que, por sua</p><p>vez, permitem a inserção do vasto rol de conteúdos</p><p>componentes do campo da Educação Física? A dificul-</p><p>dade em responder a esta indagação pode se intensifi-</p><p>car se a redirecionarmos especificamente à dança.</p><p>Atualmente, encontramos a dança nas matrizes</p><p>curriculares dos cursos de Educação Física de acor-</p><p>do com os pressupostos estabelecidos pelas habilita-</p><p>ções: a licenciatura, que, de forma geral, compreende</p><p>a dança sob a concepção da cultura corporal do mo-</p><p>vimento; e o bacharelado, que a insere na perspectiva</p><p>da promoção da saúde e dos seus desdobramentos.</p><p>No entanto, será que, mesmo sendo trabalhado em</p><p>ambientes diversos e com objetivos distintos, não</p><p>existe um princípio no movimento dançante que</p><p>permanece em todas as situações? Esta subseção se</p><p>desenvolve buscando refletir acerca desta indagação.</p><p>Iniciamos pela questão mais elementar: o mo-</p><p>vimento. Toda dança se constrói por ele, mas nem</p><p>todo movimento é dança. Este pensamento é im-</p><p>portante para refletirmos sobre as características</p><p>dele como dançante, pois, mesmo o movimento em</p><p>si constituindo a materialização da dança, compre-</p><p>endê-la apenas sob tal perspectiva parece ser muito</p><p>impreciso. Assim, compreende-se a importância de</p><p>pensarmos sobre o movimento dançante:</p><p>[...] a dança é o meio de dizer o indizível, da</p><p>mesma forma que a característica da poesia é</p><p>ultrapassar o sentido estrito das palavras. Acre-</p><p>dita que a dança seja um meio de introspecção</p><p>profunda: revela ao homem suas tendências</p><p>fundamentais; a partir deste ponto, projeta-o</p><p>para o futuro, fazendo-o pressentir sua perso-</p><p>nalidade virtual, que poderia realizar indo até o</p><p>fim de suas pulsões (BOURCIER, 2001, p. 295).</p><p>Todo movimento humano ocorre para atender a uma</p><p>necessidade, ou seja, tem um propósito. Isto pode ser</p><p>confirmado ao observarmos as imagens a seguir:</p><p>Figura 1 - Movimentos do cotidiano</p><p>154</p><p>Podemos facilmente dizer o objetivo que move as</p><p>pessoas das imagens anteriores.</p><p>Provavelmente, a</p><p>pessoa da Figura 1 está com sede e/ou fome e, para</p><p>satisfazer a esta necessidade, é necessário apanhar</p><p>o copo. Já na Figura 2, a pessoa está pintando uma</p><p>parede, portanto, precisa movimentar um rolo para</p><p>espalhar a tinta sobre a superfície. Estas descrições</p><p>são óbvias porque temos visivelmente a indicação da</p><p>necessidade e do objeto que o atenderá. Mas nem</p><p>sempre estes elementos são explícitos.</p><p>Laban (1978, p. 19) reporta-se a essa questão,</p><p>mencionando que: “é fácil perceber o objetivo do</p><p>movimento de uma pessoa, se é dirigido para algum</p><p>objeto tangível. Entretanto, há também valores in-</p><p>tangíveis que inspiram movimentos”. Ele está cha-</p><p>mando a atenção para a existência de formas dis-</p><p>tintas de movimentos que podem indicar objetivos</p><p>diferentes, ou seja, os movimentos podem atender a</p><p>uma necessidade material, mas também podem ser</p><p>consequência de outras condições: mental, afetiva,</p><p>espiritual, etc.</p><p>Ainda, para o autor, as formas e os ritmos dos</p><p>movimentos “[...] mostram a atitude da pessoa que</p><p>se move numa determinada situação. Pode tanto</p><p>caracterizar um estado de espírito e uma reação,</p><p>como atributos mais constantes da personalidade”</p><p>(LABAN, 1978, p. 20-21). Estas diferentes formas</p><p>de movimentos são construções resultantes da ar-</p><p>ticulação entre valores tangíveis e intangíveis. Todo</p><p>movimento visível possuiu um estado interno que</p><p>não é visível.</p><p>É nesta relação entre valores tangíveis e intangí-</p><p>veis; movimentos internos e externos que estamos</p><p>concentrando a nossa compreensão de movimentos</p><p>dançantes. A arte do bailarino, ou de qualquer pes-</p><p>soa que dança, é construída por meio dos movimen-</p><p>tos de seu próprio corpo, diferentemente do artesão</p><p>que trabalha com objetos externos a si. Portanto, é</p><p>por meio do corpo em movimento interno e externo</p><p>que entendemos a atividade da dança.</p><p>É preciso entender que o dançarino, na maioria</p><p>das vezes, preocupa-se com o aspecto motor e esté-</p><p>tico da atividade, pois este é o resultado visível da</p><p>dança. Todavia, ao deslocarmos a nossa atenção dos</p><p>aspectos externos do movimento, produzimos outra</p><p>forma de movimento, mais amplo e próximo da es-</p><p>sência do movimento dançante.</p><p>Laban (1978, p. 27) nos auxilia a entender a</p><p>questão comentando sobre o trabalho que não visa,</p><p>de imediato, o virtuosismo:</p><p>Este tipo de artista concentra-se na atuação dos</p><p>impulsos internos da conduta, que precedem</p><p>aos seus movimentos, dando pouca atenção,</p><p>em princípio, à habilidade necessária à apre-</p><p>sentação. Resulta, deste modo, uma qualidade</p><p>diferente de contato com o público, quando é</p><p>enfatizada a participação interna ao invés da</p><p>habilidade.</p><p>Laban entende que essas duas formas contrastan-</p><p>tes de trabalhar com o movimento – virtuosismo</p><p>ou impulsos internos – destinam-se a objetivos re-</p><p>presentativos diferentes. Quando o trabalho visa o</p><p>movimento virtuoso, a representação refere-se aos</p><p>aspectos externos da vida; e quando o movimento</p><p>parte dos impulsos internos, espelha os processos</p><p>ocultos do interior humano. Para Laban (1978, p.</p><p>28), o trabalho centrado nesta segunda possibi-</p><p>lidade “[...] tem uma inclinação mais profunda e</p><p>uma chance maior de penetrar nos mais remotos</p><p>recessos daquilo que vimos denominando oficina</p><p>de pensamento”.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>155</p><p>Por meio da afirmação de Laban, podemos estabe-</p><p>lecer a ação do pensar e do dançar como uma ligação</p><p>intrínseca. O raciocinar por meio de movimentos é uma</p><p>potencialidade humana que acompanha o desenvolvi-</p><p>mento das sociedades, por auxiliar os indivíduos na to-</p><p>mada de consciência de si e das organizações onde estão</p><p>inseridos. Isto é o que nos mostra a seguinte passagem:</p><p>A estranha poesia do movimento, que acabou</p><p>sendo expressa na dança sacra, capacitou o ho-</p><p>mem a organizar suas ações de esforço segundo</p><p>uma ordem que, em última instância, é válida e</p><p>compreensível ainda hoje. Somente o homem</p><p>tornou-se consciente da existência dos deuses,</p><p>quer dizer, o homem é único ser vivo que tem</p><p>consciência de suas ações e é responsável por</p><p>ela; deste modo, tornou-se o rei das criaturas</p><p>e o senhor da terra. As convenções das várias</p><p>formas de ordem política e econômica, na so-</p><p>ciedade humana, surgiram da percepção do es-</p><p>forço nas danças regionais e nacionais. Ao en-</p><p>sinar suas crianças e ao iniciar os adolescentes,</p><p>o homem primitivo tentou transmitir padrões</p><p>morais e éticos, por intermédio do desenvolvi-</p><p>mento do raciocínio em termos de esforço, na</p><p>dança. Nessa época tão remota, a introdução</p><p>do jovem ao esforço humanitário constituiu a</p><p>base de toda civilização (LABAN, 1978, p. 45).</p><p>Parece, no entanto, que a consciência desta potencia-</p><p>lidade foi adormecendo, o que provocou o distancia-</p><p>mento entre o pensar e o agir corporalmente materiali-</p><p>zado em dança. Neste sentido, parece que o movimento</p><p>virtuoso tornou-se o único objetivo dos dançarinos,</p><p>fazendo com que a dança pareça uma atividade des-</p><p>provida de pensamento, dependendo apenas das habi-</p><p>lidades motoras dos seus praticantes. Quando a dança</p><p>se reduz ao movimento motor, distancia-se de sua pró-</p><p>pria essência, que se traduz pelo embate que o indiví-</p><p>duo trava constantemente consigo. Esta é a origem da</p><p>dança, uma resposta que as pessoas encontraram para</p><p>comunicar os seus embates internos.</p><p>156</p><p>Tal compreensão da dança, uma manifestação</p><p>corporal que se concentra nos impulsos internos de</p><p>movimentos, precisa chamar a atenção dos profes-</p><p>sores e profissionais de Educação Física como ponto</p><p>de partida para as suas propostas de trabalho com a</p><p>dança. Podemos justificar este posicionamento com</p><p>as palavras de Laban (1978, p. 28):</p><p>Poder-se-ia, atualmente, justificar, até certo pon-</p><p>to, essa preferência, porque parece que o homem</p><p>contemporâneo tem necessidade de uma pro-</p><p>funda penetração nos mais íntimos recessos da</p><p>vida e da existência humana que, se traduzidos à</p><p>tona, poderiam ajudá-lo a recuperar algumas de</p><p>suas qualidades essenciais perdidas. As pessoas</p><p>que parecem ter crescido demais para a venera-</p><p>ção da pura habilidade de movimento buscam</p><p>novos alvos para o seu desejo admirativo.</p><p>O autor, ao expor que essa perspectiva de dança</p><p>pode auxiliar os sujeitos contemporâneos na tomada</p><p>de consciência de si e de sua própria existência, faz</p><p>uma crítica àqueles que se concentram apenas nos</p><p>aspectos externos da dança, ou na sua virtuosidade.</p><p>Para ele, tal fenômeno causa a busca incessante por</p><p>novidades e, além disso, a superficialidade cansa fa-</p><p>cilmente e provoca novas necessidades. Ele explica:</p><p>[...] a simples imitação das peculiaridades dos</p><p>movimentos externos, pois uma imitação deste</p><p>teor não penetra nos mais remotos recantos do</p><p>esforço interior do homem. Temos necessidade</p><p>de um símbolo autêntico da visão interna que</p><p>efetue contato com o público, e ele só é atingido</p><p>quando se aprendeu a raciocinar em termos de</p><p>movimento (LABAN, 1978, p. 46).</p><p>É importante entender que, ao propormos a com-</p><p>preensão da dança como uma atividade reflexiva e</p><p>um pensar corporal, não estamos limitando-a a uma</p><p>atividade puramente intelectualizada, distante dos</p><p>demais objetivos que a ela pode levar os seus prati-</p><p>cantes a alcançar. Pelo contrário, estamos buscando</p><p>ampliar a compreensão da potencialidade da dança</p><p>e, consequentemente, das possibilidades de utiliza-</p><p>ção desse conteúdo na área da Educação Física para</p><p>além dos aspectos puramente físicos.</p><p>Os benefícios físicos sempre ocorrerão com o</p><p>ato de dançar, pois uma atividade física sistemati-</p><p>zada promoverá, assim, como as demais ativida-</p><p>des, muitos ganhos aos praticantes. No entanto,</p><p>a conscientização de que o impulso para o movi-</p><p>mento dançante é resultante da integração de vá-</p><p>rios elementos que nos possibilitam denominar o</p><p>animal homem de humano, poderá tornar o tra-</p><p>balho dos professores e profissionais de Educação</p><p>Física mais significante e eficiente, no sentido de</p><p>atender aos diferentes objetivos quando a dança é</p><p>desenvolvida em ambientes distintos.</p><p>Partindo desse pressuposto, da origem de um</p><p>movimento interior que se torna visível</p><p>por meio</p><p>dos movimentos dançantes, os professores e profis-</p><p>sionais de Educação Física podem elaborar as suas</p><p>propostas de trabalho atendendo às demandas dos</p><p>ambientes onde estão lotados sem desconsiderar a</p><p>essência da dança e a questão que norteia, de for-</p><p>ma geral, a Educação Física: a promoção da saúde.</p><p>Para entender melhor esta questão, passaremos para</p><p>a próxima seção.</p><p>Como podemos aproximar/justificar a rela-</p><p>ção/importância da filosofia e da dança na</p><p>sociedade contemporânea, na qual a valori-</p><p>zação material se sobrepõe às necessidades</p><p>humanas?</p><p>REFLITA</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>157</p><p>Dança, Educação Física</p><p>e Saúde</p><p>158</p><p>De acordo com o que estudamos até o momento, é</p><p>possível aceitarmos o impulso interno que se mate-</p><p>rializa em movimento dançante, ou simplesmente a</p><p>dança, como uma possibilidade eficaz para estabele-</p><p>cermos uma centralidade para a dança na Educação</p><p>Física. No entanto, como justificar esta premissa de</p><p>forma mais evidente quando pensamos nos diferen-</p><p>tes locais de atuação e, consequentemente, nos obje-</p><p>tivos da dança no campo da Educação Física? É esta</p><p>questão que nos propomos a tratar nesta seção.</p><p>Parece ser consenso entre os profissionais da</p><p>Educação Física a aceitação da dança como cultu-</p><p>ra corporal do movimento. No livro Metodologia</p><p>do Ensino de Educação Física (1992), um clássico da</p><p>área, a dança é compreendida como:</p><p>[...] uma expressão representativa de diversos</p><p>aspectos da vida do homem. Pode ser consi-</p><p>derada como linguagem social que permite a</p><p>transmissão de sentimentos, emoções da afe-</p><p>tividade vivida nas esferas da religiosidade, do</p><p>trabalho, dos costumes, hábitos, da saúde, da</p><p>guerra etc. (SOARES et al., 1992, p. 58).</p><p>Coletivo de Autores é como ficou conhecido o</p><p>livro Metodologia do Ensino de Educação Física,</p><p>que tem como autores seis personalidades</p><p>da Educação Física: Carmen Lúcia Soares;</p><p>Celi Nelza Zülke Taffarel; Elizabeth Varjal;</p><p>Lino Castellani Filho; Micheli Ortega Escobar e</p><p>Valter Bracht. O livro é entendido como re-</p><p>ferência na área por trazer, sob a perspecti-</p><p>va Crítico-Superadora, reflexões sobre o ob-</p><p>jeto da Educação Física escolar. Assim, é uma</p><p>leitura indispensável para todo(a) professor(a)</p><p>desta disciplina.</p><p>Fonte: a autora.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Assim, podemos entender que a dança se efetiva</p><p>pelo movimento humano influenciado pelos aspec-</p><p>tos históricos, sociais e culturais de cada sociedade.</p><p>A dança como conteúdo escolar é reconhecida</p><p>nos documentos que regem a educação brasileira.</p><p>Por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais</p><p>(PCNs). Marques (2003, p. 15) reconhece a impor-</p><p>tância deste fato, “em 1997, a Dança foi incluída nos</p><p>Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e ga-</p><p>nhou reconhecimento nacional como forma de co-</p><p>nhecimento a ser trabalhado na escola”.</p><p>Os PCNs são formados por uma coleção de do-</p><p>cumentos cujo objetivo é orientar o trabalho docen-</p><p>te, norteando as atividades para que as práticas pe-</p><p>dagógicas atinjam os propósitos almejados.</p><p>Nos PCNs, a dança é mencionada como con-</p><p>teúdo pertencente à Artes e à Educação Física. Em</p><p>Artes, é compreendida como “[...] parte das culturas</p><p>humanas e sempre integrou o trabalho, as religiões e</p><p>as atividades de lazer. Os povos sempre privilegiaram</p><p>a dança, sendo esta um bem cultural e uma ativida-</p><p>de inerente à natureza do homem” (BRASIL, 1997,</p><p>p. 49). No documento referente à Educação Física,</p><p>a compreensão é similar. A dança está inserida no</p><p>bloco denominado “Atividades Rítmicas e Expressi-</p><p>vas”, o qual indica que o PCN de Artes deve ser con-</p><p>sultado para o aprofundamento dos conteúdos da</p><p>dança enquanto um fazer artístico. O fato da indi-</p><p>cação do PCN de Artes nos possibilita entender que,</p><p>mesmo no âmbito da Educação Física, o caminho da</p><p>dança escolar é o da arte, como podemos verificar</p><p>no próprio documento:</p><p>Este bloco de conteúdos inclui as manifestações</p><p>da cultura corporal que têm como característi-</p><p>cas comuns a intenção de expressão, comunica-</p><p>ção mediante gestos e a presença de estímulos</p><p>sonoros como referência para o movimento</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>159</p><p>corporal. Trata-se das danças e brincadeiras</p><p>cantadas. O enfoque aqui priorizado é com-</p><p>plementar ao utilizado pelo bloco de conteúdo</p><p>“Dança”, que faz parte do documento de Arte.</p><p>O professor encontrará, naquele documento,</p><p>mais subsídios para desenvolver um trabalho</p><p>de dança, no que tange aos aspectos criativos e</p><p>à concepção da dança como linguagem artística</p><p>(BRASIL, 1997, p. 38-39).</p><p>Esta ideia de a dança ser trabalhada na escola se-</p><p>guindo os pressupostos da arte também é admitida</p><p>pelos autores da Educação Física. Para Soares et al.</p><p>(1992), a questão fica explícita ao mencionar que o</p><p>ensino da dança escolar deve considerar a sua exe-</p><p>cução como resultado do confronto entre os aspec-</p><p>tos expressivos e técnicos.</p><p>[...] deve-se entender que a dança como arte</p><p>não é uma transposição da vida, senão sua re-</p><p>presentação estilizada e simbólica. Mas, como</p><p>arte, deve encontrar os seus fundamentos na</p><p>própria vida, concretizando-se numa expressão</p><p>dela e não numa produção acrobática (SOA-</p><p>RES et al., 1992, p. 58).</p><p>Por meio das indicações dos PCNs e de Soares et al.</p><p>(1992), é evidente a aceitação da dança como conteúdo</p><p>escolar e também que o encaminhamento pedagógico</p><p>deve ser estabelecido pela compreensão dela enquan-</p><p>to linguagem artística. Entretanto, devemos conside-</p><p>rar que estas referências já possuem quase 20 anos, o</p><p>que as tornam passíveis de questionamentos em re-</p><p>lação ao posicionamento atual do encaminhamento</p><p>pedagógico referente à dança escolar.</p><p>Podemos investigar a permanência ou não de</p><p>posicionamento por meio da Base Nacional Co-</p><p>mum Curricular (BNCC), elaborada com o propó-</p><p>sito de estabelecer um referencial para Educação</p><p>Básica brasileira.</p><p>A BNCC é um documento plural, contempo-</p><p>râneo, e estabelece com clareza o conjunto de</p><p>aprendizagens essenciais e indispensáveis a que</p><p>todos os estudantes, crianças, jovens e adultos,</p><p>têm direito. Com ela, redes de ensino e insti-</p><p>tuições escolares públicas e particulares passam</p><p>a ter uma referência nacional obrigatória para</p><p>a elaboração ou adequação de seus currículos</p><p>e propostas pedagógicas (BRASIL, 2017, p. 5).</p><p>Vejamos como o documento apresenta a Educação</p><p>Física:</p><p>É fundamental frisar que a Educação Física</p><p>oferece uma série de possibilidades para</p><p>enriquecer a experiência das crianças, jovens</p><p>e adultos na Educação Básica, permitindo</p><p>o acesso a um vasto universo cultural. Esse</p><p>universo compreende saberes corporais,</p><p>experiências estéticas, emotivas, lúdicas</p><p>e agonistas, que se inscrevem, mas não se</p><p>restringem, à racionalidade típica dos saberes</p><p>científicos que, comumente, orienta as práticas</p><p>pedagógicas na escola. Experimentar e analisar</p><p>as diferentes formas de expressão que não</p><p>se alicerçam apenas nessa racionalidade é</p><p>uma das potencialidades desse componente</p><p>na Educação Básica. Para além da vivência,</p><p>a experiência efetiva das práticas corporais</p><p>oportuniza aos alunos participar, de forma</p><p>autônoma, em contextos de lazer e saúde</p><p>(BRASIL, 2017, p. 211).</p><p>A inserção autônoma dos sujeitos em contextos de</p><p>lazer e saúde como consequência das experiências</p><p>oportunizadas pela Educação Física, que aparece na</p><p>redação final da BNCC, estava presente na segunda</p><p>versão preliminar revisada (abril de 2016), no entan-</p><p>to, quando o documento tratava especificamente da</p><p>dança. O anterior, ao trazer a dança como conteúdo</p><p>da Educação Física, entendia-a como um conjunto</p><p>de práticas corporais que se caracteriza por:</p><p>160</p><p>[...] movimentos rítmicos, organizados em</p><p>passos e evoluções específicas, muitas vezes</p><p>também integradas a coreografias. As danças</p><p>caracterizam-se por serem realizadas de for-</p><p>ma individual, em duplas ou em grupos, sen-</p><p>do estas duas últimas as formas mais comuns.</p><p>Diferentemente de outras práticas corporais</p><p>rítmico-expressivas, estas se desenvolvem em</p><p>codificações particulares, historicamente cons-</p><p>tituídas, que permitem identificar movimentos</p><p>e ritmos musicais peculiares, associados</p><p>pal, cuja sincronia se alcança por meio, de um</p><p>modo geral, de estímulos acústicos.</p><p>O autor indica a existência de dois tipos de ritmos, o</p><p>individual e o grupal, mas é possível identificarmos</p><p>outras classificações de acordo com as suas caracte-</p><p>rísticas. Vejamos algumas delas.</p><p>Figura 3 - Ritmo individual</p><p>Individual: cada um de nós tem o seu próprio</p><p>ritmo, que pode, inclusive, nos caracterizar. O ritmo</p><p>individual pode ser identificado no caminhar e cor-</p><p>rer; na leitura e na escrita; em nosso “relógio bioló-</p><p>gico”, o qual indica as nossas necessidades de comer</p><p>e dormir, por exemplo; nos movimentos fisiológicos</p><p>como batidas do coração e corrente sanguínea. Além</p><p>destes exemplos, temos ainda o ritmo de aprendiza-</p><p>do, que pode ser diferente em cada indivíduo.</p><p>Grupal ou coletivo: o ritmo grupal ou coletivo</p><p>é aquele em que as pessoas executam os seus movi-</p><p>mentos individuais obedecendo a um mesmo ritmo</p><p>– o do grupo. Garcia e Hass (2003) atribuem a este</p><p>ritmo a denominação de externo, e explicam que ele</p><p>se relaciona com a capacidade humana de se adap-</p><p>tar a uma indicação externa, grupal. Portanto, para</p><p>os autores, “está basicamente relacionado com o que</p><p>ocorre em nível exterior, modificando, muitas vezes,</p><p>o ritmo interior do ser humano” (p. 31).</p><p>Podemos observá-lo na marcha dos soldados, em</p><p>apresentações de ginástica em conjunto e em espetá-</p><p>culos de dança. O balé é um ótimo exemplo de ritmo</p><p>grupal, pois é exigido o sincronismo total do “corpo de</p><p>baile”. Enfim, todas as atividades e os movimentos sin-</p><p>cronizados requerem o ritmo grupal que, por sua vez,</p><p>necessita da adaptação do ritmo individual ao do grupo.</p><p>Figura 4 - Ritmo coletivo</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>19</p><p>Mecânico: é aquele ritmo que, via de regra, não</p><p>sofre alterações. Pelo fato de se caracterizar pela</p><p>uniformidade é, geralmente, produzido por má-</p><p>quinas. O movimento dos ponteiros do relógio</p><p>é um ótimo exemplo para observarmos o ritmo</p><p>mecânico, mas também podemos ouvi-lo em um</p><p>metrônomo – aparelho que marca batidas sonoras</p><p>por minutos – o qual estudaremos mais à frente. O</p><p>importante é entendermos que o ritmo mecânico</p><p>é determinado, constante, mais comum nas má-</p><p>quinas, entretanto, também pode ser produzido</p><p>por humanos.</p><p>Natural: na natureza, podemos observar vários</p><p>ritmos. Como vimos, ritmo é uma substituição de</p><p>movimentos, os quais podem ser agrupados em ci-</p><p>clos. O movimento dos ventos pode ser visualizado</p><p>no ritmo da movimentação dos galhos e das folhas</p><p>das árvores. O movimento de translação da Terra é</p><p>percebido pelo ritmo/movimento da troca das es-</p><p>tações do ano. Em suma, “[...] é considerado como</p><p>sendo o ritmo dos crescimentos, dos fenômenos</p><p>da natureza animal, vegetal e universal (atômico e</p><p>astronômico)” (GARCIA; HASS, 2003, p. 33).</p><p>Além desses que são os mais evidentes no coti-</p><p>diano, Garcia e Hass (2003) identificam, ainda, os</p><p>ritmos: disciplinado, que se refere a movimentos</p><p>predeterminados; espontâneo, entendido pelas au-</p><p>toras como as reações espontâneas frente a situações</p><p>esperadas ou inesperadas; refletido, que é entendido</p><p>como o estudo da medida do ritmo, ou métrica.</p><p>Todos esses ritmos são importantes para a atu-</p><p>ação do(a) professor(a) e profissional de Educação</p><p>Física. Contudo, para a sistematização de nossos</p><p>estudos, nos concentraremos em dois aspectos: os</p><p>ritmos provocados por movimentos desenvolvidos</p><p>pelo nosso corpo e os ritmos sonoros, provocados</p><p>por movimentos externos ao corpo.</p><p>Figura 5 - Ritmo mecânico</p><p>Figura 6 - Ritmo natural</p><p>A sociedade contemporânea tem como carac-</p><p>terística a “velocidade”. Tudo acontece muito</p><p>rápido! No entanto, muitas pessoas têm os</p><p>seus ritmos individuais lentos. Como inserir</p><p>essas pessoas nas exigências contemporâ-</p><p>neas sem desrespeitar a sua individualidade</p><p>rítmica?</p><p>REFLITA</p><p>20</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>Ritmo e</p><p>Movimento Corporal</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>21</p><p>Para abordarmos o ritmo corporal, é necessário re-</p><p>tomarmos o conceito de corpo construído historica-</p><p>mente. Vamos lá!</p><p>Desde a Antiguidade Clássica, podemos consta-</p><p>tar a divisão entre corpo e mente. Platão (428/427-</p><p>348/347 a. C.) entendia que o objetivo da vida do filó-</p><p>sofo era a busca pela verdade e, neste processo, o corpo</p><p>era um obstáculo. O pensamento de Platão acerca do</p><p>corpo pode ser observado no diálogo Fédon, no qual</p><p>Sócrates, condenado à morte, espera a sua execução</p><p>sem demonstrar nenhuma aflição. A sua tranquilida-</p><p>de inquieta os seus amigos, eles o questionam e obtêm,</p><p>como resposta do mestre, a reflexão sobre o objetivo</p><p>da vida do filósofo. Sócrates explica que o filósofo pas-</p><p>sa a vida buscando a verdade e, nesta trajetória, a sua</p><p>ação “[...] se diferencia dos demais homens: no empe-</p><p>nho de retirar quanto possível a alma na companhia</p><p>do corpo” (PLATÃO, 1972, Fédon, IX). A justificativa</p><p>para este distanciamento é de que a alma,</p><p>[...] raciocina melhor, precisamente, quando</p><p>nenhum empecilho lhe advém de nenhuma</p><p>parte, nem do ouvido, nem da vista, nenhum</p><p>sofrimento, nem sobretudo dum prazer —</p><p>mas sim, quando se isola o mais que pode em</p><p>si mesma, abandonando o corpo à sua sorte,</p><p>quando, rompendo tanto quanto lhe é possível</p><p>qualquer união, qualquer contato com ele, an-</p><p>seia pelo real? (PLATÃO, Fédon, X).</p><p>Podemos entender que, para Platão, todas as sen-</p><p>sações provenientes do corpo prejudicam o exer-</p><p>cício do pensamento e, consequentemente, a fina-</p><p>lidade do filósofo: alcançar a verdade. Portanto,</p><p>ele entende que “[...] enquanto tivermos corpo e</p><p>nossa alma se encontra atolada em sua corrupção,</p><p>jamais poderemos alcançar o que almejamos. E o</p><p>que queremos, declaremo-lo de uma vez por to-</p><p>das, é a verdade” (PLATÃO, Fédon, XI).</p><p>Esse pensamento fez com que o filósofo grego</p><p>estabelecesse uma hierarquia entre espírito e corpo,</p><p>sendo o primeiro superior, e o segundo, inferior.</p><p>Esta ideia permanece na Idade Média, mas, neste</p><p>período, ela recebe uma interpretação cristã.</p><p>Para o cristão, a inferioridade do corpo era atri-</p><p>buída a duas questões centrais: o ser humano se</p><p>aproxima de Deus pelo desenvolvimento de seu in-</p><p>telecto e se distancia Dele por meio do pecado. Nes-</p><p>te sentido, o corpo era entendido como o veículo</p><p>do pecado, principalmente da gula e da luxúria. Em</p><p>relação a esta, Tomás de Aquino (1225-1274) men-</p><p>ciona que:</p><p>o prazer sexual, finalidade da luxúria, é o mais</p><p>intenso dos prazeres corporais e, assim, a luxú-</p><p>ria é o mais capital e tem, como mostra Gre-</p><p>gorio (mor. XXXI, 45), oito filhas: ‘cegueira da</p><p>mente, irreflexão, inconstâncias, precipitação,</p><p>amor de si, ódio de Deus, apego ao mundo, e</p><p>desespero em relação ao mundo futuro’.</p><p>Há um fato evidente: quando a alma se volta</p><p>veemente para um ato de uma faculdade infe-</p><p>rior, as faculdades superiores se debilitam e se</p><p>desorientam em seu agir. No caso da luxúria,</p><p>por causa da intensidade do prazer, a alma se</p><p>ordena às potências inferiores – à potência con-</p><p>cupiscível e ao sentido do tato. E é assim que,</p><p>necessariamente, as potências superiores, isto</p><p>é, a razão e a vontade, sofrem uma deficiência</p><p>(TOMÁS DE AQUINO, 2004, p.108).</p><p>Fica evidente que o prazer sexual, promovido pelo</p><p>corpo, deveria ser evitado por afastar o ser huma-</p><p>no do caminho reto da razão, o qual o conduziria a</p><p>Deus. O corpo inferiorizado, condenado e castiga-</p><p>do durante a Idade Média permanece com o mesmo</p><p>status na Idade Moderna, não mais por meio de ar-</p><p>gumentos teológicos, mas pela luz da razão.</p><p>22</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>A Modernidade é uma época marcada por mui-</p><p>tos acontecimentos, como o desenvolvimento cientí-</p><p>fico e, neste período, viveram grandes homens, como</p><p>Galileu Galilei (1564-1642) e Isaac Newton (1642-</p><p>1727), mas é com Descartes (1596-1650) que vemos</p><p>a continuação e a efetivação do pensamento dualis-</p><p>ta. Descartes, considerado o pai da filosofia moder-</p><p>na, estruturou o seu método de pensar por meio da</p><p>dúvida. Ao duvidar, inclusive da própria existência,</p><p>ele desenvolve o seguinte raciocínio: se estou duvi-</p><p>dando, estou pensando; se estou pensando, eu existo</p><p>(cogito ergo</p><p>a cada</p><p>uma das danças. Nesse sentido, é importante</p><p>salientar que a Educação Física, neste docu-</p><p>mento, entende esse universo a partir das in-</p><p>terfaces específicas com o campo do lazer e da</p><p>saúde, ocupa-se dos conhecimentos que poten-</p><p>cializam o envolvimento dos/as estudantes com</p><p>manifestações populares dessas práticas, cen-</p><p>tradas na sociabilidade e na diversão (BRASIL,</p><p>2016, p. 103-104, grifo nosso).</p><p>Podemos perceber, de forma subliminar, a tendência</p><p>em entender a dança como um exercício físico que</p><p>pode proporcionar a saúde e o bem-estar decorrente</p><p>de sua potencialidade recreativa e, também, a atua-</p><p>ção na promoção da saúde. Esta ideia parece ter sido</p><p>reconsiderada e, na versão final da BNCC (2017), a</p><p>redação omitiu “o lazer e a saúde” ao se referir à dan-</p><p>ça, como podemos verificar:</p><p>[...] a unidade temática Danças explora o con-</p><p>junto das práticas corporais caracterizadas por</p><p>movimentos rítmicos, organizados em passos</p><p>e evoluções específicas, muitas vezes, também</p><p>integradas a coreografias. As danças podem ser</p><p>realizadas de forma individual, em duplas ou</p><p>em grupos, sendo essas duas últimas as formas</p><p>mais comuns. Diferentes de outras práticas cor-</p><p>porais rítmico-expressivas, elas se desenvolvem</p><p>em codificações particulares, historicamente</p><p>constituídas, que permitem identificar movi-</p><p>mentos e ritmos musicais peculiares associados</p><p>a cada uma delas (BRASIL, 2017, p. 216).</p><p>O fato de o lazer e a saúde terem sido relacionados</p><p>à dança na versão de 2016 da BNCC e manterem-se</p><p>na perspectiva geral da Educação Física na versão</p><p>de 2017, possibilita inferir que a compreensão da</p><p>atuação da Educação Física no ambiente escolar, na</p><p>atualidade, foi ampliada para além da cultura cor-</p><p>poral do movimento e se aplica também à promo-</p><p>ção da saúde.</p><p>Esta questão é de extrema relevância, pois a</p><p>promoção da saúde configura-se como um dos</p><p>principais objetivos da Educação Física e, conse-</p><p>quentemente, da dança nos ambientes não formais</p><p>de ensino. Diante deste pressuposto de a dança es-</p><p>tar relacionada à saúde tanto em ambiente formal</p><p>quanto informal de ensino, será que ainda é pos-</p><p>sível considerar, como centralidade de sua prática,</p><p>os impulsos internos que geram os movimentos/</p><p>externos, enfim, a dança?</p><p>Para refletirmos sobre essa questão, é preciso</p><p>retomarmos o conceito de saúde, o que faremos</p><p>com mais propriedade na próxima unidade. Para</p><p>o momento, é importante ressaltarmos que a au-</p><p>sência ou a presença da doença na vida das pes-</p><p>soas é compreendida, na atualidade, como uma</p><p>situação decorrente das relações afetivas, sociais</p><p>e do estilo de vida das pessoas. Portanto, a saúde</p><p>é resultante de um processo amplo, que envolve</p><p>o indivíduo em sua totalidade, assim, ao conside-</p><p>rarmos a dança nesta mesma perspectiva, estamos</p><p>aproximando-a dos objetivos da Educação Física</p><p>e contribuindo com a formação de uma sociedade</p><p>saudável por meio das práticas que não fragmen-</p><p>tam os sujeitos em corpo e alma, mas que os en-</p><p>tendam pela união intrínseca de ambos. Assim,</p><p>um corpo que dança é um corpo que pensa, sente</p><p>e se relaciona com outros corpos e se reconhece</p><p>como um ser único.</p><p>161</p><p>considerações finais</p><p>Chegamos ao final da Unidade 4 e esperamos que as reflexões desenvolvi-</p><p>das tenham possibilitado a compreensão de nossa proposta para a fun-</p><p>ção da dança como elemento educativo, sendo próximo do conceito de</p><p>“formação humana”. Vimos que, apesar de ela ser considerada uma das</p><p>mais antigas artes, não possui tradição entre os pensadores clássicos. Quando é men-</p><p>cionada, o intuito é auxiliar o pensamento sobre outras questões, como educação e</p><p>arte. A sua ausência como objeto filosófico pode ser atribuída ao medo dos filósofos</p><p>em relação ao corpo, como foi denunciado por Nietzsche. A ausência da dança como</p><p>objeto de estudo pode interferir na formação de seus conceitos e na forma como os</p><p>professores de Educação Física desenvolvem as suas práticas pedagógicas.</p><p>Seguindo o pressuposto de uma educação integral por meio da aproximação da</p><p>dança e da filosofia, na última seção desta unidade, nos dedicamos a investigar a</p><p>possibilidade de estabelecermos um princípio a ser considerado como central na</p><p>dança enquanto conteúdo da Educação Física. O ponto de partida foi a origem do</p><p>movimento dançante, estudado por meio do pensamento de Laban. Inferimos que,</p><p>ao considerarmos a dança como resultado de um movimento que se origina de as-</p><p>pectos internos e se materializa em movimentos externos, poderemos desenvolver</p><p>um trabalho mais amplo e contribuir, assim, para que a Educação Física alcance os</p><p>seus objetivos efetivamente.</p><p>Esperamos que essas questões tenham ficado claras para que possamos evoluir</p><p>em nossos estudos!</p><p>162</p><p>atividades de estudo</p><p>1. De acordo com o filósofo grego Aristóteles, todos os seres humanos aspiram,</p><p>por natureza, o conhecimento. Portanto, é deste desejo de conhecer que nasce a</p><p>filosofia. Neste sentido, a dança pode ser entendida como uma forma de filosofia,</p><p>pois o seu surgimento nos revela que ela nasce como resposta às inquietações</p><p>e necessidades comunicativas dos indivíduos. Sobre a dança e a filosofia, leia as</p><p>assertivas a seguir.</p><p>I - O diálogo de Platão em As Leis apresenta uma inquietação: se os banquetes</p><p>se destinam apenas à diversão ou se trazem benefícios que merecem ser</p><p>investigados. A hipótese é de que a educação, entendida no diálogo como</p><p>aquisição de virtude, acontece também durante estas festas, onde as danças</p><p>estão presentes. Para o filósofo, as virtudes são consequências das experi-</p><p>ências que as crianças têm em relação ao prazer e à dor, mesmo antes de</p><p>terem adquirido a razão. Desta forma, podemos entender que, para Platão, a</p><p>dança e a música são experiências disciplinadoras dos prazeres e das dores,</p><p>necessários ao processo educativo.</p><p>II - O pensamento cristão, que entendia o corpo como veículo do pecado, fa-</p><p>voreceu a exclusão ao acentuar a ausência da dança nos textos filosóficos.</p><p>Devido ao fato de o argumento medieval não ser válido para o Renascimento,</p><p>quando se reformulam as concepções acerca do corpo a partir do pensa-</p><p>mento greco-romano. Assim, observa-se a retomada reflexiva sobre a dança,</p><p>que se materializa como elemento educativo presente na corte de Luís XIV.</p><p>III - Na Poética, Aristóteles se dedica a tratar da poesia, ou artes imitativas, espe-</p><p>cialmente da tragédia. No entanto, a dança também é compreendida como</p><p>uma arte mimética, pois, assim como as demais, ela pode imitar ações e emo-</p><p>ções. Mas, nesta obra, o filósofo se atém à dança apenas para ilustrar outras</p><p>questões, não desenvolvendo nenhuma reflexão específica sobre ela.</p><p>IV - A perspectiva nietzschiana sobre a dança nos mostra a possibilidade de pen-</p><p>sar a ausência da dança nos pensamentos filosóficos por meio do desprezo</p><p>pelo corpo e pela valorização da mente, o que, historicamente, fragmentou</p><p>o ser humano em dois hemisférios. Possibilita-nos entender, ainda, que a</p><p>dança é a expressão do sujeito em sua totalidade, pois dançar é uma ação</p><p>mental/espiritual/corpórea indissolúvel.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>a) I e II, apenas.</p><p>b) II e III, apenas.</p><p>c) I, apenas.</p><p>d) I, III e IV, apenas.</p><p>e) I, II, III e IV.</p><p>163</p><p>atividades de estudo</p><p>2. A expansão de locais de atuação da Educação Física trouxe dúvidas às questões</p><p>centrais a serem trabalhadas na formação de seus profissionais. Em busca de</p><p>estabelecer um ponto de partida para todo o trabalho em dança, para que esta</p><p>possa proporcionar todos os benefícios que carrega em potencial, é proposta a</p><p>reflexão acerca da origem do movimento dançante. Sobre esta questão, leia as</p><p>assertivas a seguir.</p><p>I - Toda dança se constrói pelo movimento, e este sempre é dança. Tal pensa-</p><p>mento é importante para refletirmos sobre as características do movimento</p><p>dançante, pois, sempre que houver movimento, a dança estará presente.</p><p>II - Todo movimento humano ocorre para atender a uma necessidade, ou seja,</p><p>tem um propósito (ex.: quando estamos com sede, nos movimentamos para</p><p>apanhar um copo d’água). Os objetivos dos movimentos</p><p>podem ser direcio-</p><p>nados a algo (objeto) tangível ou intangível, o segundo caso pode se aplicar</p><p>à dança.</p><p>III - Na dança, os movimentos podem ser focados no virtuosismo e/ou nos im-</p><p>pulsos internos. Quando o trabalho visa o movimento virtuoso, a represen-</p><p>tação refere-se aos aspectos externos da vida, e quando o movimento parte</p><p>dos impulsos internos, espelha os processos ocultos do interior humano. Por</p><p>meio deste pensamento, podemos estabelecer as ações do pensar e do dan-</p><p>çar como uma ligação intrínseca.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>a) I e II, apenas.</p><p>b) II e III, apenas.</p><p>c) I, apenas.</p><p>d) III, apenas.</p><p>e) I, II e III.</p><p>164</p><p>atividades de estudo</p><p>3. Os documentos que regem a Educação Física, de forma geral, entendem que o</p><p>seu propósito está centrado na promoção da saúde. Neste sentido, surge a dúvi-</p><p>da acerca da permanência de considerar “os impulsos internos que geram a dan-</p><p>ça” como a centralidade do seu exercício em ambientes formais e não formais de</p><p>ensino. Sobre esta questão, leia as assertivas a seguir.</p><p>I - A saúde é resultante de um processo amplo, que envolve o indivíduo em</p><p>sua totalidade, assim, ao considerarmos a dança nesta mesma perspectiva,</p><p>estamos aproximando-a dos objetivos da Educação Física, contribuindo com</p><p>a formação de uma sociedade saudável por meio das práticas que não frag-</p><p>mentam os sujeitos em corpo e alma, mas que o entenda pela união intrín-</p><p>seca de ambos.</p><p>II - Os objetivos da Educação Física voltados à promoção da saúde se concen-</p><p>tram na melhoria da saúde física, o que torna imprescindível o trabalho da</p><p>dança voltado para o virtuosismo e a performance. Quando o(a) professor(a)</p><p>ou profissional de Educação Física foca a sua prática profissional em dança</p><p>neste aspecto, as qualidades físicas são melhoradas e, consequentemente, a</p><p>qualidade de vida do praticante é potencializada.</p><p>III - Ao considerarmos a saúde como resultante de um processo amplo que en-</p><p>volve o sujeito em sua totalidade, entendemos que a dança pode contribuir</p><p>muito para essa totalidade pelo fato de trabalhar com precisão os aspectos</p><p>físicos do indivíduo. Quando há a saúde física, os demais aspectos determi-</p><p>nantes da boa saúde mental tornam-se menos relevantes e, de forma geral,</p><p>aumenta-se o bem-estar e a qualidade de vida do indivíduo.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>a) I e II, apenas.</p><p>b) II e III, apenas.</p><p>c) I, apenas.</p><p>d) III, apenas.</p><p>e) I, II e III.</p><p>165</p><p>atividades de estudo</p><p>4. Elabore um pequeno texto posicionando-se sobre as possíveis causas do esque-</p><p>cimento da dança por parte da filosofia. Construa argumentações por meio do</p><p>conteúdo estudado e, se necessário, pesquise sobre o assunto.</p><p>5. Você concorda com a afirmação de que a falta de tradição teórica sobre a dança</p><p>interfere no direcionamento das práticas pedagógicas na contemporaneidade?</p><p>Justifique o seu posicionamento (positivo ou negativo) de forma argumentativa.</p><p>166</p><p>LEITURA</p><p>COMPLEMENTAR</p><p>Dança e Filosofia</p><p>A dança é a arte do efêmero. Nesse sentido, é possível afirmar que o grande encontro da</p><p>filosofia com a dança, ou vice-versa, dá-se justamente graças à fragilidade que marca am-</p><p>bas, como pensamento, como movimento. No entanto, se o equilíbrio da dança é definido</p><p>pelo desequilíbrio, isto é, por uma forma outra de equilíbrio, esta não poderia ser também</p><p>uma bela definição da filosofia? Filosofia como arte do desequilíbrio. Filosofia como dança</p><p>das palavras e dos conceitos, sempre em movimento, errante, aberta às transfigurações</p><p>e transvalorização? Ao falar, porém, da dança como estética do efêmero, não estaria eu a</p><p>criar um paradoxo entre as duas artes: filosofia e dança? A filosofia, de fato, não se inscreve</p><p>historicamente numa eternidade, numa verdade verdadeira? Não é outra a leitura canônica</p><p>do pensamento, trespassada pela história da filosofia e pela teologia nela inserida como</p><p>uma ferida da língua, desde a emergência do cristianismo. Filosofia e dança não seriam</p><p>opostos: a efemeridade da dança e a suposta eternidade da filosofia? Essa leitura ideoló-</p><p>gica cria um abismo entre a dança e a filosofia: de um lado, o movimento do dançarino,</p><p>de outro, a imobilidade do filósofo. Ora, um pensamento imóvel é uma filosofia morta,</p><p>isto é, uma doutrina, uma crença, uma teologia. Um pensamento imóvel não pertence ao</p><p>campo do pensar, pois o que move a arte e o pensar é a mobilidade, o movimento. Pensar</p><p>e dançar são produções marcadas pelo risco, pelo perigo, pela audácia, cujo traço maior</p><p>é a força imperceptível do equilibrista, do dançarino, do filósofo, sempre em devir, fluxos</p><p>inventivos e instabilidade – criança. O devir criança da dança, o devir criança do pensamen-</p><p>to, como palcos abertos às invenções, sem as quais não há movimento nem vida pensante,</p><p>dançante. Assim, pois, o que mais aproxima a dança e a filosofia é a característica peculiar</p><p>compartilhada por ambas: a alegria, a felicidade, o desejo permanente de novos hábitos.</p><p>O homem é feliz não apenas na supressão de uma insatisfação, mas também no exercício</p><p>da força, da energia, da vontade livre, inventiva. Força como vitalidade, criação constante</p><p>de novos olhares e encontros. A felicidade é a arte de não se deixar morrer pelos hábitos</p><p>duradouros, em todos os campos da existência. Cabe fazer da felicidade uma força, riqueza</p><p>maior de homens plenos, ativos, que não separam a felicidade da ação. Para eles, como diz</p><p>Nietzsche (1998, p. 66), ser ativo é parte necessária da felicidade. Há, pois, uma felicidade</p><p>167</p><p>LEITURA</p><p>COMPLEMENTAR</p><p>que liberta, gera inventores. Na dança, um gesto morre para dar à luz um outro, esboço</p><p>de novos possíveis, escapando, assim, às sacralizações mortíferas. Agir é filho da alegria,</p><p>do movimento, que é puro pensamento: eis por que, para a filosofia como para a dança, a</p><p>beatitude é o intermezzo, e não um fim. Pensar, como dançar, é auto realização, autoinven-</p><p>ção que encontra sua realização na errância, na autonomia inventiva de uma criatura que</p><p>se passa do Criador. Por que marcar, então, a diferença, ao escrever filosofia e dança? Por</p><p>que não escrever filosofia/dança? Porque ambas são multiplicidades transeuntes, singulari-</p><p>dades férteis que levam coreógrafos a se inspirar da filosofia, e filósofos a buscar na dança,</p><p>no teatro, na literatura, na poesia e nas lendas ferramentas para elaborar suas práticas e</p><p>pensamentos – Descartes (1963), Hegel (2008), Nietzsche (1996), Nancy (1988), Deleuze e</p><p>Guattari (1973), Foucault (1979) etc. Nesse sentido, Descartes (1963, p. 61) é exemplar: “as</p><p>ciências estão agora mascaradas; uma vez, porém, retiradas as máscaras, elas aparecem</p><p>em toda a sua beleza”. Ele associa, assim, o trabalho do cientista ao ideal de beleza do</p><p>artista, mediante sua tarefa comum ao desvelamento da verdade. É importante notar que</p><p>não só na dança, como no campo das artes em geral, a filosofia deleuziana – mas não só</p><p>– toma corpo; seus conceitos mesclam-se aos movimentos, às cores, aos sentidos e aos</p><p>sabores/saberes. Não se trata, em absoluto, para artistas, cineastas, coreógrafos, de fazer</p><p>dos conceitos os derivados de sensações, nem, ao inverso, traduzir as obras em termo de</p><p>bula, razão ou verdade verdadeira. Não. O pensamento de Deleuze ama respirar, deixar-se</p><p>contaminar; detesta a prisão, inclusive, quando dourada ou maquilada pelos efeitos de</p><p>moda, ou pela tirania de um modelo ideal, linear. Felizmente, a maioria dos artistas, em</p><p>todas as áreas tocadas pelo sopro inventivo de Deleuze, insere a filosofia vitalista da arte</p><p>para apreender o mundo e seus fluxos de invenção permanente. Inventar ou morrer de</p><p>inanição. Inventar ou correr o risco de se enclausurar no saber transformado em conheci-</p><p>mento, detentor de uma única verdade. Ora, a história da verdade é a história de um erro.</p><p>Nesse universo, os fragmentos do pensamento filosófico, e, sobremodo, alguns textos de</p><p>Deleuze, alimentaram, desde os anos 1980, as obras de coreógrafos situados à margem de</p><p>sua arte. Aqui, Balzac (2003) encontra sua atualidade:</p><p>só há vida nas margens.</p><p>Fonte: Lins (2011, p.101-103).</p><p>168</p><p>material complementar</p><p>A Filosofia da Dança: Um Encontro entre Dança e Filosofia</p><p>Marie Bardet</p><p>Editora: Martins Fontes</p><p>Sinopse: quais posturas uma filosofia deve inventar para capturar os gestos? A</p><p>que passos comuns e divergentes somos convidados quando dançamos e filoso-</p><p>famos? Nesta obra, esboça-se a paisagem de um encontro entre dança e filosofia,</p><p>onde são redistribuídos, por meio da experiência da gravidade, os pesos e as le-</p><p>vezas, as imagens e os gestos, os pensamentos e os movimentos. Uma paisagem</p><p>povoada de verbos, de passos, de pontos de interrogação e de limites móveis.</p><p>Uma paisagem conceitual de Schopenhauer a Bergson, e a Deleuze, atravessada</p><p>por uma inquietude: a da imediatez e do imprevisível como potências limites do</p><p>exercício filosófico, aí onde ela ressoa com a improvisação como questionamen-</p><p>to incessante da composição coreográfica (da geração do Judson Dance Theater à</p><p>criação contemporânea).</p><p>Indicação para Ler</p><p>169</p><p>referências</p><p>ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando, introdução à Filosofia. São</p><p>Paulo: Moderna, 1993.</p><p>ARISTÓTELES. Metafísica (livro I e livro II). Ética a Nicômaco. Poética. São Paulo:</p><p>Victor Civita, 1979.</p><p>BARDET, M. A Filosofia da dança: um encontro entre dança e filosofia. São Paulo:</p><p>Martins Fontes, 2016.</p><p>BOURCIER, P. História da Dança. São Paulo: Martins Fontes, 2001.</p><p>BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC,</p><p>2017.</p><p>______. ______. 2. ed. rev. Brasília: MEC, 2016.</p><p>______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais –</p><p>Educação Física. Brasília: MEC; SEF, 1997. Volume 7. Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2019.</p><p>FEITOSA, C. Por que a filosofia esqueceu a dança? In: BARRENECHEA, M. A.;</p><p>CASANOVA, M. A.; DIAS, R.; FEITOSA, C. (Orgs.). Assim falou Nietzsche III. Rio</p><p>de Janeiro: 7 Letras, 2001.</p><p>LABAN, R. Domínio do movimento. In: ULLMANN, L. (Org.). Domínio do movi-</p><p>mento. São Paulo: Summus, 1978.</p><p>LINS, D. Dança e Filosofia. Trama interdisciplinar, v. 2, n. 1, p.101-108, 2011. Dis-</p><p>ponível em: .</p><p>Acesso em: 03 abr. 2019.</p><p>MARQUES, I. Dançando na Escola. São Paulo: Cortez, 2003.</p><p>PLATÃO. As leis, ou da legislação e epinomis. São Paulo: Edipro, 1999.</p><p>REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: filosofia pagã antiga. São Paulo:</p><p>Paulus, 2003.</p><p>SOARES, C. L. et al. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez,</p><p>1992.</p><p>170</p><p>gabarito</p><p>1. D.</p><p>2. B.</p><p>3. C.</p><p>4. A resposta, de acordo com o conteúdo estudo, deve abordar a perspectiva nietzschiana</p><p>de que o esquecimento da dança pela filosofia deve-se ao fato de os “filósofos não gos-</p><p>tarem do corpo”. No entanto, outros argumentos podem ser aceitos, desde que haja a</p><p>apresentação de argumentos fundamentados teoricamente.</p><p>5. Resposta de caráter subjetivo, mas deve apresentar claramente o posicionamento favo-</p><p>rável ou contrário ao questionamento, incluindo argumentos que validem o posiciona-</p><p>mento.</p><p>gabarito</p><p>UNIDADE V</p><p>Professora Dra. Meire Aparecida Lóde Nunes</p><p>Plano de Estudo</p><p>A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta</p><p>unidade:</p><p>• Dança e Educação Física na sociedade contemporânea</p><p>• A formação dos professores e profissionais de Educação</p><p>Física e o ensino da dança</p><p>Objetivos de Aprendizagem</p><p>• Analisar as características da sociedade contemporânea</p><p>com o intuito de verificar o contexto em que a Educação</p><p>Física e a dança estão inseridas.</p><p>• Verificar como a dança está presente na formação dos</p><p>professores e profissionais de Educação Física.</p><p>DANÇA NA EDUCAÇÃO FÍSICA:</p><p>DESAFIOS PRESENTES NA SOCIEDADE</p><p>CONTEMPORÂNEA</p><p>unidade</p><p>V</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>C</p><p>aro(a) aluno(a), para encerrar a nossa disciplina, a Unidade V, intitulada Dança na Educação</p><p>Física: desafios presentes na sociedade contemporânea, propõe-se a refletir sobre o contexto</p><p>em que a Educação Física e a dança estão inseridas. A organização da sociedade, as relações</p><p>interpessoais, os valores e tudo que constitui o modus vivendi contemporâneo atua diretamente</p><p>nas práticas dos professores e profissionais de Educação Física. Os seus ambientes de inserção, objetivos</p><p>e conteúdos são indicados pelas necessidades e características da sociedade em que vivemos. Portanto,</p><p>se professores e profissionais de Educação Física pretendem atuar em harmonia com os anseios de seus</p><p>alunos, atletas, clientes e/ou praticantes é necessário compreender o lócus de onde emergem estes seres e,</p><p>consequentemente, as suas necessidades.</p><p>A busca pela compreensão da sociedade contemporânea e como a dança e a Educação Física se en-</p><p>contram nesse contexto percorrem toda esta unidade. Assim, temas como corpos adoecidos são tratados</p><p>com o propósito de compreendermos como o estilo de vida produzido em uma sociedade globalizada e</p><p>tecnológica afeta a saúde das pessoas e eleva o status da Educação Física no campo da promoção da saúde.</p><p>A dança, conteúdo da Educação Física, não se desvincula desta realidade e, em todos os ambientes onde</p><p>pode ser aplicada, ela tem como objetivo a formação de sujeitos saudáveis, no sentido amplo do termo, o</p><p>qual nos possibilita agregar predicados para além da saúde física como autoconfiança, equilíbrio emocio-</p><p>nal, interação social e autonomia.</p><p>Para que a dança atenda aos anseios dessa sociedade, no entanto, é preciso que os professores e pro-</p><p>fissionais de Educação Física tenham a formação que os qualifiquem para isto. Na segunda seção desta</p><p>unidade, nos dedicamos a investigar como o componente curricular de dança está presente nos cursos de</p><p>graduação de Educação Física. Destacamos a importância desta questão por entendermos que as experi-</p><p>ências acadêmicas com a dança são cruciais para a ruptura de pré-conceitos e para a tomada de consciên-</p><p>cia acerca de sua importância na formação humana.</p><p>Na terceira e última seção, apresentamos alguns caminhos que podem ser seguidos pelos professores</p><p>e profissionais de Educação Física. Mesmo considerando as diferenças existentes entre os ambientes onde</p><p>a dança pode ser desenvolvida, apresentamos algumas questões que podem ser consideradas e adaptadas</p><p>pelos profissionais diante das especificidades de seu ambiente de trabalho. A dança faz parte da história da</p><p>humanidade e se mantém presente até os nossos dias devido à sua essência, portanto, é nessa essência que</p><p>devemos nos concentrar. A dança, uma atividade completa, sempre atingirá os diferentes objetivos esta-</p><p>belecidos por professores e profissionais de Educação Física quando a consideramos em sua totalidade.</p><p>176</p><p>Ao pensarmos em dança e Educação Física, as pos-</p><p>sibilidades são muitas, tanto uma como a outra nos</p><p>possibilitam um leque de manifestações corporais</p><p>que podem ser desenvolvidas com objetivos</p><p>distintos. Assim, destaca-se a necessidade de</p><p>considerarmos, como conteúdo da Educação Física,</p><p>o local onde a dança será desenvolvida.</p><p>Pereira e Hunger (2006) mencionam que o ensi-</p><p>no da dança no Brasil ocorre em clubes, academias,</p><p>escolas especializadas de dança e em escolas formais</p><p>de ensino como atividade extracurricular, para além</p><p>dos conteúdos programáticos das aulas de Educa-</p><p>ção Física. Esta pluralidade de ambientes reflete a</p><p>sua relevância social, mas pode contribuir para o</p><p>surgimento de dúvidas em relação aos objetivos e às</p><p>práticas propostas.</p><p>Tais dúvidas podem ser amenizadas se professo-</p><p>res e profissionais de Educação Física relacionarem as</p><p>especificidades do seu local de atuação com as carac-</p><p>terísticas da sociedade contemporânea. Por meio des-</p><p>ta relação, o profissional poderá elaborar propostas de</p><p>acordo com a realidade de seus alunos/clientes, traba-</p><p>lhando efetivamente com os motivos que os levaram</p><p>a buscar a prática da dança ou, em caso de ambiente</p><p>escolar, contribuir para a formação de sujeitos aptos</p><p>a lidar com os desafios do meio em que se inserem.</p><p>Dança e Educação Física</p><p>na Sociedade Contemporânea</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>177</p><p>É importante, porém, não perdermos a base</p><p>que edifica o pensamento proposto: a dança na</p><p>Educação Física sempre estará relacionada à saú-</p><p>de e à educação, independentemente do local onde</p><p>ela se insere. Lembremos que, por educação, esta-</p><p>mos entendendo a formação humana que ocorre</p><p>por meio de todas as experiências vividas, as quais</p><p>determinam a forma de pensar e agir dos indivídu-</p><p>os. Os hábitos adquiridos em decorrência das rela-</p><p>ções interpessoais e dos ambientes em que os in-</p><p>divíduos habitam constituem um fator de extrema</p><p>relevância para a promoção da saúde e, consequen-</p><p>temente, para pensar objetivos, conteúdos e práticas</p><p>da dança na Educação Física.</p><p>Neste sentido, propomos, como ponto de parti-</p><p>da para os nossos estudos, olharmos para sociedade</p><p>atual, a qual se constitui de um emaranhado de ca-</p><p>racterísticas que têm forte impacto no estilo de vida</p><p>do sujeito contemporâneo.</p><p>Você sabe a distinção entre educação formal,</p><p>não formal e informal?</p><p>“[...] a educação formal é aquela desenvolvi-</p><p>da nas escolas, com conteúdos previamente</p><p>demarcados; a informal como aquela que os</p><p>indivíduos aprendem durante seu proces-</p><p>so de socialização - na família, bairro, clube,</p><p>amigos etc., carregada de valores e culturas</p><p>próprias, de pertencimento e sentimentos</p><p>herdados: e a educação não-formal é aquela</p><p>que se aprende ‘no mundo da vida’, via os</p><p>processos de compartilhamento de experi-</p><p>ências, principalmente em espaços e ações</p><p>coletivas cotidianas”.</p><p>Fonte: Gohn (2006, p. 28).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: CORPO</p><p>E EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>Ao voltarmos o nosso olhar para o passado, veremos</p><p>que o processo de modernização social é constante,</p><p>mas a sua velocidade, nem tanto. Algumas mudan-</p><p>ças levaram séculos para se concretizarem, provo-</p><p>cando alterações lentas, quase imperceptíveis, no</p><p>modo de vida das pessoas. Situação oposta ao que</p><p>presenciamos nos dias de hoje.</p><p>Vivenciamos um período jamais visto anterior-</p><p>mente, cuja velocidade com que as novidades são</p><p>propagadas modifica drasticamente o modo de vida,</p><p>a ponto de não conseguirmos manter a regularidade</p><p>cotidiana. Harari (2006) expõe esta ideia com a se-</p><p>guinte metáfora:</p><p>No despertar do terceiro milênio, a humani-</p><p>dade acorda, distende os membros e esfrega os</p><p>olhos. Restos de algum pesadelo horrível ain-</p><p>da atravessam sua mente. “Havia algo como</p><p>arame farpado, e nuvens enormes em forma</p><p>de cogumelo. Ah, bem, foi apenas um sonho</p><p>ruim.” A humanidade vai até o banheiro, lava</p><p>o rosto, examina as rugas diante do espelho,</p><p>prepara uma xícara de café e abre o jornal. “O</p><p>que será que nos espera hoje?” (p.11).</p><p>A dúvida que gera a indagação “o que será que</p><p>nos espera hoje?” surge como consequência de</p><p>profundas transformações sociais, culturais, eco-</p><p>nômicas e políticas que desfilam diante de nossos</p><p>olhos e nos fazem experimentar, dia a dia, um</p><p>turbilhão de novas situações que impactam di-</p><p>retamente o nosso estilo de vida. A vida produ-</p><p>zida pela sociedade tecnológica e globalizada se</p><p>distancia, incomensuravelmente, da organização</p><p>social tradicional. A acentuada dinâmica de nos-</p><p>sa sociedade desenha as nossas vidas e os nossos</p><p>178</p><p>seres ao nos proporcionar tantas comodidades</p><p>e, em contrapartida, nos leva à exaustão frente a</p><p>exigências que garantem a sobrevivência em um</p><p>universo regido pela ultravelocidade e a gama de</p><p>informações recebidas a todo instante. Não há es-</p><p>tabilidade, padrão ou certezas. O incerto, as mu-</p><p>danças e o novo movem a nossa sociedade!</p><p>No meio deste contexto de incertezas, um fato é</p><p>certo: estamos inseridos em um processo sem retor-</p><p>no. Sevcenko (2001, p. 55) ressalta a necessidade de</p><p>se compreender que não há</p><p>[...] mais a possibilidade de retorno a um</p><p>contexto anterior, situado no passado remo-</p><p>to ou recente, ao qual pudéssemos regressar.</p><p>As mudanças históricas ou tecnológicas não</p><p>são fatalidades, mas, uma vez desencadea-</p><p>das, estabelecem novos patamares e confi-</p><p>gurações de fatos, grupos, processos e cir-</p><p>cunstâncias, exigindo que o pensamento se</p><p>reformule em adequação aos novos termos</p><p>para poder interagir com eficácia no novo</p><p>contexto (p. 55).</p><p>Diante desta necessidade de compreender as novas</p><p>configurações desencadeadas pela tecnologia, passa-</p><p>mos a expor algumas das questões apresentada por</p><p>Sevcenko na obra Corrida para o século XXI: no loop</p><p>da montanha-russa (2001), as quais nos auxiliarão</p><p>a refletir acerca do contexto em que a dança poderá</p><p>ser trabalhada pelos professores e profissionais de</p><p>Educação Física.</p><p>Para abordar o percurso do desenvolvimento</p><p>tecnológico, Sevcenko utiliza uma metáfora: um</p><p>passeio de montanha-russa. O passeio é dividido</p><p>em três momentos, os quais se remetem a dife-</p><p>rentes tensões que caracterizam o desenvolvi-</p><p>mento tecnológico.</p><p>O autor estabelece, como primeira fase, a subi-</p><p>da na montanha-russa e a relaciona com a ascensão</p><p>do século XVI até meados do século XIX, período</p><p>quando alguns países europeus iniciaram um pro-</p><p>cesso que os proporcionariam “[...] o domínio de</p><p>poderosas forças naturais, de forças de energia cada</p><p>vez mais potentes, de novos meios de transporte e</p><p>comunicação, de armazenamento e conhecimentos</p><p>especializados” (SEVCENKO, 2001, p.14).</p><p>A segunda fase do passeio vem logo após a subi-</p><p>da, é o momento da queda, quando ocorre a perda</p><p>de referências e o controle da consciência. O autor</p><p>interpreta esse momento como:</p><p>[...] um novo salto naquele processo de de-</p><p>senvolvimento tecnológico, em que a incor-</p><p>poração e aplicação de novos potenciais ener-</p><p>géticos de escala prodigiosa. Isso ocorreu ao</p><p>redor de 1870, com a chamada revolução</p><p>Científica-Tecnológica, no curso as quais se</p><p>desenvolveram as aplicações da eletricidade,</p><p>com as primeiras usinas hidro e termelétri-</p><p>cas, o uso dos derivados de petróleo, que da-</p><p>riam origem aos motores de combustão in-</p><p>terna e, portanto, aos veículos automotores; o</p><p>surgimento das indústrias químicas, de novas</p><p>técnicas de prospecção mineral, dos altos-</p><p>fornos, das fundições, usinas siderúrgicas e</p><p>dos primeiros materiais plásticos. No mesmo</p><p>impulso foram desenvolvidos novos meios de</p><p>transporte, como os transatlânticos, carros,</p><p>caminhões, motocicletas, trens expressos e</p><p>aviões, além de novos meios de comunicação,</p><p>como o telégrafo com e sem fio, o rádio,</p><p>os gramofones, a fotografia e o cinema</p><p>(SEVCENKO, 2001, p.15).</p><p>Quando a humanidade passou para o século XX, o</p><p>mundo já estava estruturado da forma como o co-</p><p>nhecemos hoje, sendo a terceira parte do passeio de</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>179</p><p>Sevcenko. Para o autor, estamos vivemos o loop da</p><p>montanha-russa, o momento da “[...] síncope final</p><p>e definitiva, o clímax da aceleração precipitada, sob</p><p>cuja intensidade extrema, relaxando nosso impulso</p><p>de reagir, entregando os pontos entorpecidos, acei-</p><p>tando resignadamente ser conduzidos até o fim pelo</p><p>maquinismo titânico” (SEVCENKO, 2001, p.16).</p><p>Essa fase do desenvolvimento tecnológico se carac-</p><p>teriza pela Revolução da Microeletrônica. A veloci-</p><p>dade do desenvolvimento desse período se dá em</p><p>uma escala vertiginosa que faz o ritmo dos momen-</p><p>tos anteriores parecerem em câmera lenta.</p><p>As inovações tecnológicas ocorrem em escala</p><p>multiplicativa e desenvolvem-se em rede, fazendo</p><p>com que a velocidade das alterações aconteça em</p><p>curtíssimos intervalos de tempo, o que propicia um</p><p>salto qualitativo dos aparatos tecnológicos. A po-</p><p>tencialidade tecnológica proporciona possibilidades</p><p>imprevisíveis, fazendo os sujeitos sentirem-se in-</p><p>capazes de prever o rumo que as situações podem</p><p>tomar. O autor alerta que, diante desse contexto, as</p><p>pessoas, geralmente, adotam o posicionamento de</p><p>relaxar e aproveitar a situação sem se preocuparem</p><p>com os prejuízos.</p><p>A falta de tempo para refletir e, até mesmo, a fal-</p><p>ta de disposição para isto, aumenta a gravidade do</p><p>problema. Essa é a questão central que o autor julga</p><p>necessário compreendermos. Não é negar a impor-</p><p>tância da tecnologia em nossas vidas e na sociedade,</p><p>mas sim, pararmos para pensar, refletir e compreen-</p><p>der o processo</p><p>do qual fazemos parte. Neste sentido,</p><p>Sevcenko (2001, p. 19) destaca que: “nesse momento</p><p>tumultuoso, em que a celeridade das mudanças vem</p><p>sufocando a reflexão e o diálogo, mais que nunca é</p><p>imperativo investir nas funções judiciosas, correti-</p><p>vas e orientadoras da crítica”.</p><p>O autor sugere que este processo reflexivo ocor-</p><p>ra em três momentos distintos, sendo eles sintetiza-</p><p>dos da seguinte forma:</p><p>• Primeiramente, devemos procurar o distan-</p><p>ciamento da realidade, do ritmo acelerado das</p><p>mudanças. Isto possibilitará o discernimento</p><p>crítico, o envolvimento com as constantes</p><p>transformações prejudica a ação reflexiva.</p><p>• Após o distanciamento, é preciso voltar a</p><p>atenção ao tempo histórico. O olhar para o</p><p>momento anterior possibilita compreender</p><p>as mudanças, avaliar os seus benefícios e pre-</p><p>juízos.</p><p>• Por fim, é preciso lançar o olhar para o fu-</p><p>turo a partir do passado, ponderando acerca</p><p>dos benefícios para a humanidade como um</p><p>todo.</p><p>A reflexão realizada por meio desses três passos</p><p>não deve ser direcionada apenas pelos interesses da</p><p>sociedade atual, tal contexto deve ser extrapolado e</p><p>o fio condutor da análise deve ser estabelecido pelas</p><p>questões pertinentes à sobrevivência da humanidade</p><p>e à qualidade de vida das próximas gerações. Assim,</p><p>a reflexão deve ser pautada em:</p><p>[...] valores de longa duração, como participação</p><p>democrática e decisões que dizem respeito a to-</p><p>dos, distribuição equitativa dos recursos e opor-</p><p>tunidades gerados pelas transformações tecno-</p><p>lógicas, luta contra todas as formas de injustiça,</p><p>violência e discriminação, e preservação dos</p><p>recursos naturais (SEVCENKO, 2001, p.19-20).</p><p>Ao retomar a metáfora da montanha-russa, o autor</p><p>afirma que o loop retira das pessoas a percepção de</p><p>tempo, tornando necessário restabelecer a conexão</p><p>entre presente, passado e futuro. Além do tempo, a</p><p>noção de espaço também é, pouco a pouco, retirada.</p><p>180</p><p>O surto vertiginoso das transformações tecno-</p><p>lógicas não apenas abole a percepção do tempo:</p><p>ele também obscurece as referências do espaço.</p><p>Foi esse o efeito que levou os técnicos a for-</p><p>mular o conceito de globalização, implicando</p><p>que, pela densa conectividade de toda a rede</p><p>de comunicações e informações envolvendo o</p><p>conjunto do planeta, tudo se tornou uma coi-</p><p>sa só. Algo assim como um único e gigantesco</p><p>palco onde os mesmos atores desempenham os</p><p>mesmos papéis na única peça em que se resume</p><p>todo o show (SEVCENKO, 2001, p. 20-21).</p><p>A sociedade onde vivemos caracteriza-se pela ten-</p><p>dência contínua de mudanças com efeitos múltiplos</p><p>em toda a esfera da vida humana, não se comparan-</p><p>do a nenhum outro período que o antecedeu, fato</p><p>que também se aplica ao processo adaptativo no que</p><p>se refere à relação ser humano e máquina. “Nessa</p><p>sociedade altamente mecanizada, são os homens e</p><p>mulheres que devem se adaptar ao ritmo e à aceleração</p><p>das máquinas, e não o contrário. Um drama que foi</p><p>representado com singela beleza no clássico Tempos</p><p>Modernos [...]” (SEVCENKO, 2001, p. 60).</p><p>As mudanças comportamentais impactam os</p><p>valores sociais, os quais passaram a ser estabelecidos</p><p>por referenciais valorativos externos à subjetivida-</p><p>de das pessoas. Sevcenko (2001, p. 64) justifica esta</p><p>afirmação pautando-se no acelerado ritmo de vida</p><p>urbano que não permite às pessoas conhecerem as</p><p>diferenças que tornam cada um de nós seres únicos.</p><p>Nessa grandes metrópoles em rápido cresci-</p><p>mento, todos vieram de algum outro lugar;</p><p>portanto, praticamente ninguém conhece nin-</p><p>guém, cada qual tem uma história à parte, e são</p><p>tantos e estão todos o tempo todo tão ocupados,</p><p>que a forma prática de identificar e conhecer os</p><p>outros é a mais rápida e direta; pela maneira</p><p>como se vestem, pelos objetos simbólicos que</p><p>exibem, pelo modo e pelo tom com que falam,</p><p>pelo jeito de se comportar.</p><p>Esta nova forma de reconhecer as pessoas atua-</p><p>rá diretamente na percepção sensível, pois a visão</p><p>assume o papel de orientadora e intérprete dos</p><p>acontecimentos e das pessoas, o que significa uma</p><p>modificação sensorial com efeitos na sensibilidade,</p><p>imaginação e criatividade.</p><p>A modificação da percepção humana trouxe</p><p>muitos avanços, mas as imagens serem valorizadas</p><p>em maior grau que o conteúdo é uma questão que</p><p>afeta diretamente as relações humanas.</p><p>O resultado é uma situação na qual as ima-</p><p>gens são mais importantes do que os conteú-</p><p>dos, em que as pessoas são estimuladas a con-</p><p>correr agressivamente umas com as outras,</p><p>em detrimento de solidariedade, e na qual</p><p>as relações ou comunicações mediadas pe-</p><p>los recursos tecnológicos predominam sobre</p><p>os contatos diretos e o calor humano. É um</p><p>mundo, sem dúvida, vistoso; potencializado</p><p>por novas energias e recursos, mas cada</p><p>vez mais carente de laços e de coesão social</p><p>(SEVCENKO, 2001, p. 89).</p><p>As pessoas estão tornando-se indiferentes aos seus</p><p>próprios destinos e, consequentemente, aos dos pró-</p><p>ximos. O senso de convívio coletivo é prejudicado</p><p>e, assim, os indivíduos tornam-se mais solitários,</p><p>mesmo vivendo rodeados por pessoas.</p><p>[...] se fechando num “nós’ cada vez mais ex-</p><p>clusivo, tendendo a se restringir, no limite, a</p><p>um “eu” conectado numa rede infinita de cir-</p><p>cuitos virtuais. Casais que se falam por meio</p><p>de secretárias eletrônicas, pais que se comu-</p><p>nicam com os filhos pela internet, professo-</p><p>res que ensinam por teleconferência a alunos</p><p>que respondem por e-mail. Ao redor deles,</p><p>um mar de gente relegada, sucateada como</p><p>máquinas obsoletas, abandonadas ao relento</p><p>(SEVCENKO, 2001, p. 92).</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>181</p><p>Assim, podemos verificar que, ao lado de tantos be-</p><p>nefícios proporcionados pela sociedade tecnológica,</p><p>esta nova forma de ser e de viver pode ter consequ-</p><p>ências negativas. Entre elas, destacamos o surgimento</p><p>de doenças que, em outros tempos, não preocupavam</p><p>a população. Para pensarmos especificamente sobre</p><p>esta questão, passamos para a próxima seção, cuja te-</p><p>mática se concentra nos corpos adoecidos.</p><p>SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: CORPOS</p><p>ADOECIDOS</p><p>Na seção anterior, pudemos verificar como as mu-</p><p>danças tecnológicas impactaram o estilo de vida atu-</p><p>al. Destacamos, nesse momento, o crescimento urba-</p><p>no – ambiente que requer características singulares</p><p>de vida – como lócus de reflexão da relação entre o</p><p>ambiente e a saúde, relação essa que já foi estudada</p><p>com perspectivas distintas. Uma delas é a compreen-</p><p>são do ambiente como causa de doenças, e a saúde</p><p>como equilíbrio entre o indivíduo e o ambiente.</p><p>Nesta perspectiva, o equilíbrio pode ser entendi-</p><p>do como a adaptação do sujeito ao ambiente, o qual</p><p>é resultante da própria ação humana. Ribeiro e Var-</p><p>gas (2015, p. 23) mencionam que:</p><p>Finalmente, a vida urbana é afetada pelos avan-</p><p>ços nas comunicações, com o crescimento expo-</p><p>nencial das mídias virtuais e dos equipamentos</p><p>que lhe abrem cada vez mais espaço. A quebra</p><p>das barreiras do tempo e do espaço, que conec-</p><p>tam países distantes em tempo real, o funciona-</p><p>mento 24 horas de atividades que não podem ser</p><p>interrompidas (hospitais, gráficas, indústrias,</p><p>imprensa, abastecimento), o trabalho noturno, o</p><p>aumento de horas efetivamente trabalhadas nem</p><p>sempre contabilizadas e a ausência de descanso</p><p>real (sem interrupções de mídias virtuais) impli-</p><p>cam alterações metabólicas nos seres humanos,</p><p>ainda não devidamente estudadas. O uso exces-</p><p>sivo das mídias virtuais, com impactos na saúde</p><p>ainda desconhecidos, bem como as distrações</p><p>que elas oferecem, facilitando acidentes, no ca-</p><p>minhar ou no dirigir, insinuam novos desafios</p><p>em termos de saúde urbana.</p><p>Como nos mostram as autoras, a nossa vida como</p><p>um todo é alvo dessas transformações. Desde as</p><p>atividades profissionais até os momentos de lazer,</p><p>182</p><p>a população contemporânea está submetida a con-</p><p>dições que implicam em sua saúde física e mental.</p><p>É neste contexto que todas as ações dos professores</p><p>e profissionais de Educação Física devem ser consi-</p><p>deradas, pois a saúde constitui-se como o ponto de</p><p>partida para a prática interventiva. Como está pre-</p><p>visto nos documentos que regularizam a profissão,</p><p>a</p><p>promoção da saúde é o objetivo da ação nessa área.</p><p>Assim, não dá para desvincular a dança, como con-</p><p>teúdo da Educação Física, da saúde.</p><p>Art. 3º A Educação Física é uma área de co-</p><p>nhecimento e de intervenção acadêmico-pro-</p><p>fissional que tem como objeto de estudo e de</p><p>aplicação o movimento humano, com foco</p><p>nas diferentes formas e modalidades do exer-</p><p>cício físico, da ginástica, do jogo, do esporte,</p><p>da luta/arte marcial, da dança, nas perspectivas</p><p>da prevenção de problemas de agravo da saúde,</p><p>promoção, proteção e reabilitação da saúde, da</p><p>formação cultural, da educação e da reeduca-</p><p>ção motora, do rendimento físico-esportivo,</p><p>do lazer, da gestão de empreendimentos re-</p><p>lacionados às atividades físicas, recreativas e</p><p>esportivas, além de outros campos que opor-</p><p>tunizem ou venham a oportunizar a prática</p><p>de atividades físicas, recreativas e esportivas</p><p>(BRASIL, 2004, p. 1).</p><p>Quando falamos de saúde na contemporaneidade,</p><p>dois dados se destacam entre os demais: o índice de</p><p>doenças relacionadas à obesidade e ao estresse. Am-</p><p>bos são problemas relacionados ao estilo de vida e</p><p>não devem ser considerados separadamente. Além</p><p>da diminuição da atividade física e a inserção do</p><p>fast-food no cotidiano das pessoas, é consenso entre</p><p>os profissionais da saúde que a ingestão excessiva de</p><p>alimentos atua como compensação para problemas</p><p>relacionados à saúde mental, o que contribui com o</p><p>aumento de uma população obesa.</p><p>O crescimento exacerbado da obesidade é des-</p><p>taque internacional e o Brasil acompanha este au-</p><p>mento em todas as faixas etárias, em ambos os sexos</p><p>e em vários níveis de renda social. As causas desse</p><p>crescimento são decorrentes de vários fatores que</p><p>perpassam a relação entre o sujeito e o ambiente,</p><p>o que requer estratégias que contemplem desde as</p><p>mudanças de hábitos alimentares, o aumento de ati-</p><p>vidade física na rotina diária e a promoção da saúde</p><p>mental, assim como ações que atingem as indústrias</p><p>alimentícias e a mídia. Diante da complexidade do</p><p>problema, a obesidade no Brasil também é objeto</p><p>de políticas públicas, sendo o Ministério da Saúde</p><p>o principal propositor de ações que visam a promo-</p><p>ção e a prevenção da saúde por meio da prática de</p><p>atividades físicas. Entre as medidas já efetivadas,</p><p>podemos destacar:</p><p>• Inserção do profissional de Educação Física</p><p>no quadro dos profissionais da saúde.</p><p>• Ressalva à importância da prática da ativida-</p><p>de física na Política Nacional de Promoção da</p><p>Saúde (2006).</p><p>• Aprovação da Portaria n. 154/2008, que cria</p><p>os Núcleos de Apoio à Saúde da Família,</p><p>onde o profissional de Educação Física passa</p><p>a trabalhar na Unidades de Atenção Básica à</p><p>Saúde.</p><p>• Aprovação da Portaria n. 719/2011, que cria</p><p>a Academia da Saúde, programa que visa a</p><p>mudança de hábitos e a adoção do estilo de</p><p>vida ativo.</p><p>Essas ações são decorrentes da Política Nacional de</p><p>Promoção da Saúde (PNPS), a qual foi “[...] instituída</p><p>pela Portaria MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006,</p><p>e ratificou o compromisso do Estado brasileiro com a</p><p>ampliação e a qualificação de ações de promoção da</p><p>saúde nos serviços e na gestão do SUS [...]” (BRASIL,</p><p>2015, p. 5). Em 2013, frente aos dos desafios impostos</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>183</p><p>pelo contexto nacional e internacional, a PNPS pas-</p><p>sou por uma reformulação e tornou como seu fun-</p><p>damento “[...] o próprio SUS, que traz em sua base o</p><p>conceito ampliado de saúde, o referencial teórico da</p><p>promoção da saúde e os resultados de suas práticas</p><p>desde a sua institucionalização” (BRASIL, 2015, p. 6).</p><p>É importante destacar que o conceito ampliado</p><p>de saúde entende esta como resultado do contexto</p><p>geral e não se limita à visão reducionista da ausência</p><p>de doença, preconizada pela perspectiva biologicis-</p><p>ta. A partir deste posicionamento é que se estabelece</p><p>o objetivo geral da PNPS:</p><p>Promover a equidade e a melhoria das condi-</p><p>ções e dos modos de viver, ampliando a po-</p><p>tencialidade da saúde individual e coletiva e</p><p>reduzindo vulnerabilidades e riscos à saúde de-</p><p>correntes dos determinantes sociais, econômi-</p><p>cos, políticos, culturais e ambientais (BRASIL,</p><p>2015, p. 11).</p><p>O SUS, Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080,</p><p>de 19 de setembro de 1990), incorporou o</p><p>conceito ampliado de saúde resultante dos</p><p>modos de vida, de organização e de produção</p><p>em um determinado contexto histórico, social</p><p>e cultural, buscando superar a concepção da</p><p>saúde como ausência de doença, centrada</p><p>em aspectos biológicos.</p><p>Fonte: Brasil (2015, p. 7).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>A PNPS ainda nos auxilia a entender um conceito</p><p>muito presente na Educação Física e que se configu-</p><p>ra como a questão motriz da maioria das atividades</p><p>dos profissionais de Educação Física: a promoção da</p><p>saúde, definida como</p><p>[...] um conjunto de estratégias e formas de</p><p>produzir saúde, no âmbito individual e cole-</p><p>tivo, que se caracteriza pela articulação e coo-</p><p>peração intrassetorial e intersetorial e pela for-</p><p>mação da Rede de Atenção à Saúde, buscando</p><p>se articular com as demais redes de proteção</p><p>social, com ampla participação e amplo contro-</p><p>le social. Assim, reconhece as demais políticas</p><p>e tecnologias existentes visando à equidade e à</p><p>qualidade de vida, com redução de vulnerabili-</p><p>dades e riscos à saúde decorrentes dos determi-</p><p>nantes sociais, econômicos, políticos, culturais</p><p>e ambientais (BRASIL, 2015, p. 7).</p><p>Assim, a promoção da saúde, entendida como estra-</p><p>tégias de produção de saúde com o objetivo de me-</p><p>lhorar a condição de vida, tem a mudança de hábitos</p><p>como medida preventiva central no processo. Isto</p><p>indica um desafio, pois o sucesso dessas medidas</p><p>requer a conscientização da população sobre a ne-</p><p>cessidade das mudanças cotidianas, entendendo-as</p><p>como fundamentais na prevenção de doenças e na</p><p>aquisição de uma vida melhor.</p><p>Para alcançar esta meta, o PNPS apresenta oito</p><p>temas prioritários, que são: I. Formação e educação</p><p>permanente; II. Alimentação adequada e saudável;</p><p>III. Práticas corporais e atividades físicas; IV. En-</p><p>frentamento do uso do tabaco e de seus derivados; V.</p><p>enfrentamento do uso abusivo de álcool e de outras</p><p>drogas; VI. Promoção da mobilidade segura; VII.</p><p>Promoção da cultura da paz e dos direitos humanos;</p><p>VIII. Promoção do desenvolvimento sustentável.</p><p>O terceiro tema, práticas corporais/atividade fí-</p><p>sica, tem como objetivo</p><p>Promover ações, aconselhamento e divulgação</p><p>de práticas corporais e de atividades físicas, in-</p><p>centivando a melhoria das condições dos espaços</p><p>públicos, considerando a cultura local e incorpo-</p><p>rando brincadeiras, jogos, danças populares, en-</p><p>tre outras práticas (BRASIL, 2015, p. 22).</p><p>184</p><p>O objetivo geral destas proposições está pautado no</p><p>aumento dos níveis de atividade física da população</p><p>como medida para o controle e a prevenção de do-</p><p>enças crônicas não transmissíveis.</p><p>Para que os objetivos e as metas sejam alcança-</p><p>dos, contudo, não basta a elaboração de políticas,</p><p>programas, projetos. É preciso que a população en-</p><p>tenda a importância da atividade física e, para além</p><p>disso, assuma um estilo de vida ativo. Isto não é fácil!</p><p>A consciência e o incentivo cada vez maiores à</p><p>necessidade da prática de atividades física pode ser</p><p>“torturante” para aquelas pessoas que não conse-</p><p>guem se manter ativas. O fato de estarmos inseri-</p><p>dos em rotinas diárias inchadas de atividades des-</p><p>gastantes contribui para a não regularidade de uma</p><p>atividade física. Ao lado desta situação, as séries de</p><p>exercícios repetitivos que exigem grande esforço fí-</p><p>sico podem ser massacrantes para aqueles que não</p><p>têm predisposição à atividades física. Isto é com-</p><p>provado pela grande rotatividade dos alunos nas</p><p>academias, as quais mantêm baixos números de</p><p>alunos regulares quando comparados ao número de</p><p>alunos evadidos.</p><p>É neste sentido que a dança torna-se grande</p><p>aliada das estratégias voltadas à promoção da saúde,</p><p>pois, entre os seus benefícios, destacam-se: bem-es-</p><p>tar, prazer e alegria. Estas especificidades da dança</p><p>se revertem em aumento do nível de disposição e da</p><p>autoestima, agindo como impulsionadores para que</p><p>o praticante</p><p>não desanime e consiga manter um esti-</p><p>lo de vida mais ativo. Leal (1998, p. 14), ao descrever</p><p>a dança, afirma:</p><p>É puro e simples prazer! Não só pelo fator</p><p>fisiológico que o movimento propicia,</p><p>desencadeando trocas energéticas e ativando</p><p>reações orgânicas, quanto para o bom desen-</p><p>volvimento da mente, visto que, com sua enig-</p><p>mática estrutura, precisa liberar muitos impul-</p><p>sos nervosos para o perfeito funcionamento do</p><p>corpo, necessitando, principalmente, dos mo-</p><p>mentos de descanso e relax.</p><p>Muitos são os benefícios que podem ser elencados</p><p>pela dança, pois ela própria se constitui como uma</p><p>prática ampla que conecta o ser humano consigo e</p><p>com o mundo em seu entorno. Ela requer que os</p><p>seus praticantes organizem os seus movimentos</p><p>considerando o espaço e o tempo, levando-os a con-</p><p>frontar a sua subjetividade com o contexto externo.</p><p>Esta estruturação do movimento corporal oferece a</p><p>experiência completa por meio das ações motora,</p><p>emocional e cognitiva. Vários estudos mostram que:</p><p>[...] a saúde tem sido relatada como um dos</p><p>principais motivos para a prática da dança, alia-</p><p>da ao prazer e estados de ânimo, assim como a</p><p>procura por condicionamento físico, bem-estar</p><p>e sociabilização, destacando-se também que,</p><p>através da dança, proporciona-se a sensação de</p><p>bem-estar, a inclusão em grupo, reduz a ansie-</p><p>dade, gera responsabilidade mútua, promove a</p><p>saúde e o desenvolvimento da função motora,</p><p>equilíbrio, habilidade musical e criatividade</p><p>(ANDRADE et al., 2015, p. 231).</p><p>Entre todos os benefícios da dança para a saúde, a</p><p>mudança da condição física dos praticantes torna-se</p><p>visível, contagiando, inclusive, os seus espectadores.</p><p>Para Haas (2011, p. 7), o ato de dançar é uma extra-</p><p>ordinária demonstração de habilidade física: “Poses</p><p>bem delineadas, coreografias inovadoras e apresen-</p><p>tações impressionantes são as características des-</p><p>sa forma de arte [...] A dança representa equilíbrio</p><p>impecável, controle muscular intenso, graça, ritmo e</p><p>velocidade”. A princípio, parece-nos que estas habili-</p><p>dades físicas mencionadas são exigências específicas</p><p>das linguagens artísticas da dança, no entanto, quan-</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>185</p><p>do analisamos as diferentes formas de sua execução,</p><p>podemos verificar que as afirmações de Haas (2011)</p><p>se aplicam a todas as linguagens. Vejamos alguns be-</p><p>nefícios, de forma geral, proporcionados pela dança.</p><p>A realização das sequências de movimentos</p><p>coreográficos direcionada pelas indicações rítmi-</p><p>cas dos diferentes estilos musicais só é possível por</p><p>meio do equilíbrio. Todo movimento é resultante da</p><p>constante troca de equilíbrio e desequilíbrio corpo-</p><p>ral, o que faz o indivíduo travar uma constantemen-</p><p>te “luta” muscular para realizar as ações desejadas.</p><p>Pees (2010, p. 6) afirma que são “necessárias adapta-</p><p>ções constantes no corpo do indivíduo, em resposta</p><p>à força da gravidade, nas reações musculares e mu-</p><p>danças de equilíbrio; estas servem de treino para fa-</p><p>vorecer maior integração percepto-motora”.</p><p>Na dança esse ‘trabalho’ se intensifica, os movi-</p><p>mentos organizados ritmicamente provocam uma</p><p>constante perda e recuperação de equilíbrio que re-</p><p>quer uma maior atuação muscular para se evitar a</p><p>queda. Como consequência do aumento do traba-</p><p>lho muscular o praticante poderá ter melhor tônus</p><p>muscular.</p><p>A diminuição da força e da potência muscular</p><p>faz parte do processo natural do envelhecimento.</p><p>Com o passar dos anos, as aptidões físicas entram</p><p>em declínio, o que pode ser agravado com o estilo</p><p>de vida sedentário, principalmente nos centros ur-</p><p>banos. O mesmo se aplica à flexibilidade, cujas con-</p><p>sequências podem ser o maior número de lesões, o</p><p>prejuízo na mobilidade e na autonomia do sujeito.</p><p>[...] a dança enquanto atividade física tem mui-</p><p>tos benefícios, melhora a elasticidade muscular,</p><p>melhora os movimentos articulares, diminui o</p><p>risco de doenças cardiovasculares, problemas no</p><p>aparelho locomotor e sedentarismo, reduzindo</p><p>o índice de pressão (SZUSTER, 2011, p. 29).</p><p>Aliado a todos esses benefícios, a dança se desta-</p><p>ca especificamente em relação à potência aeróbica,</p><p>pois o prazer proporcionado por ela faz com que</p><p>o praticante permaneça por períodos prolongados</p><p>em atividade física desenvolvendo, quase que im-</p><p>perceptivelmente, a sua resistência aeróbica, a qual</p><p>é muito importante para a prevenção de doenças</p><p>cardiorrespiratórias e da obesidade. Assim, pode-se</p><p>ressaltar que:</p><p>Como atividade física, a dança talvez seja a mais</p><p>completa de todas, por dar manutenção da for-</p><p>ça muscular, sustentação, equilíbrio, potência</p><p>aeróbica, movimentos corporais de total ampli-</p><p>tude e mudanças no estilo de vida (FRITZEN;</p><p>OLIVEIRA; ARAÚJO, 2015, on-line).</p><p>Quando pensamos, todavia, em dança, em promo-</p><p>ção à saúde e em qualidade de vida, é preciso olhar</p><p>para os indivíduos com vistas não apenas ao corpo</p><p>físico. É importante entendê-lo como um ser cons-</p><p>tituído de outras dimensões, como a psíquica, a so-</p><p>cial, a econômica e a cultural, as quais refletem a sua</p><p>totalidade. O desequilíbrio dessas partes pode afetar</p><p>o estado de saúde e de doença do indivíduo.</p><p>A dança, como prática integradora das di-</p><p>mensões humanas, é importante no tratamento e</p><p>na prevenção das doenças psicossomáticas que, a</p><p>grosso modo, se referem à unidade mente e corpo.</p><p>Aparentemente, a medicina psicossomática é re-</p><p>cente, no entanto, a sua gênese pode ser encontrada</p><p>nos estudos do pai da medicina, Hipócrates (VI a.</p><p>C.), o qual entendia o ser humano como um siste-</p><p>ma integrado composto por corpo (matéria), alma</p><p>(psiquismo) e ambiente.</p><p>Na concepção de Hipócrates, o corpo não po-</p><p>deria ser analisado separadamente da alma por-</p><p>que “o corpo humano é um todo cujas partes se</p><p>186</p><p>interpenetram. Ele possui um elemento interno</p><p>de coesão, a alma; ela cresce e diminui, renasce a</p><p>cada instante até a morte. É uma grande parte or-</p><p>gânica do ser” (VOLICH, 2000, p. 23). Seguindo</p><p>este pressuposto dos resultados positivos da atu-</p><p>ação da dança no bem-estar e do crescente índice</p><p>de doenças mentais, trataremos, na sequência, da</p><p>potencialidade da dança na melhora da qualidade</p><p>de vida por possibilitar a diminuição do estresse</p><p>causado pelo estilo de vida contemporâneo.</p><p>Entre as diferentes formas de compreender o</p><p>termo “qualidade de vida”, podemos ressaltar que</p><p>este estado resulta da forma como as pessoas se co-</p><p>locam diante das situações estressantes impostas</p><p>pela vida. Por situações estressantes, estamos enten-</p><p>dendo aquelas que retiram o sujeito de sua “zona de</p><p>conforto”, exigindo esforço para reagir e se adaptar</p><p>a algo que não lhe é natural. Foi neste sentido que,</p><p>em 1936, Hans Selye utilizou pela primeira vez o</p><p>termo “stress” para conceituar a Síndrome Geral de</p><p>Adaptação ou Síndrome do Stress. Selye entendia o</p><p>estresse como reações, em conjunto, desenvolvidas</p><p>pelo organismo quando submetido a uma situação</p><p>que requer grande esforço de adaptação.</p><p>O estresse, em si, não é necessariamente nega-</p><p>tivo. Pode agir como forma de impulsionar o pró-</p><p>prio desenvolvimento humano, no entanto, quando</p><p>ocorre o esforço exagerado do organismo para en-</p><p>contrar um recurso adaptativo, o resultado pode ser</p><p>o adoecimento. Geralmente, as situações estressan-</p><p>tes são desencadeadas por tensões referentes a desa-</p><p>fios, ameaças e/ou conquistas, as quais podem ser de</p><p>ordem interna ou externa ao indivíduo.</p><p>[...] os fatores relacionados à origem exter-</p><p>na são representados por situações cotidianas</p><p>ou por pessoas com as quais se lida rotineira-</p><p>mente, ou seja, perdas ocasionais, acidentes,</p><p>trabalho em excesso, família em conflito, en-</p><p>tre outros. Os fatores internos correspondem</p><p>à maneira como se imagina e interpreta uma</p><p>situação, sendo essa perigosa ou ameaçadora.</p><p>O organismo se coloca em situação de alerta</p><p>sempre que necessário, provocando uma série</p><p>de modificações fisiológicas nesses momentos</p><p>(SILVA; MÜLLER, 2007, p. 250).</p><p>As consequências das situações de estresse, positivas</p><p>ou negativas, são derivadas das diferenças indivi-</p><p>duais, que também estão interligadas às</p><p>condições</p><p>socioculturais. Uma situação que, para alguns, é re-</p><p>solvida com facilidade, para outros, pode provocar</p><p>um estado de adoecimento. Assim, ao enfrentar as</p><p>consequências negativas do estresse, é imprescindí-</p><p>vel o conhecimento dos estímulos estressantes e de</p><p>como eles podem afetar a vida dos indivíduos para</p><p>que, desta forma, estratégias de como lidar com as</p><p>ameaças sejam encontradas.</p><p>Para o conhecimento das situações e dos elemen-</p><p>tos estressores, é necessário que o indivíduo se dedi-</p><p>que a este propósito, pois, em algumas situações, são</p><p>desencadeados estados de ansiedade em níveis leves,</p><p>moderados e elevados, mas sem que a pessoa consiga</p><p>identificar o que causou/causa a situação. É neste sen-</p><p>tido que o autoconhecimento é de suma importância,</p><p>conhecer a si mesmo é o começo para o controle e a</p><p>prevenção de doenças causadas pelo estresse.</p><p>A dança aplicada a esse propósito tem ótimos</p><p>resultados, pois é pelo corpo que os indivíduos</p><p>interagem com o mundo. O corpo em movimento</p><p>transmite mensagens, exprime individualidades e</p><p>revela o nosso ser como um todo. Ele recebe, sen-</p><p>te e absorve todas as nossas experiências positivas e</p><p>negativas, as quais são expostas pelo movimento, o</p><p>qual expressa sempre as nossas verdades, pois</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>187</p><p>[...] o corpo não pode mentir. Essa linguagem</p><p>não verbal é de uma riqueza enorme e denota os</p><p>estados interiores, ou seja, nosso mundo interno;</p><p>e o faz com tal expressividade que se o analista,</p><p>o psicólogo ou o psiquiatra pudessem reconhe-</p><p>cê-lo, conheceriam mais seus pacientes assim do</p><p>que através da palavra (FUX, 1988, p. 21).</p><p>Considerando que analistas, psicólogos e psiquia-</p><p>tras não dominam a linguagem corporal de seus pa-</p><p>cientes, abre-se uma possibilidade de atuação para</p><p>os profissionais que têm o corpo como objeto de es-</p><p>tudo: bailarinos, dançarinos e profissionais de Edu-</p><p>cação Física. Estes últimos são os mais recorrentes</p><p>na busca da dança com o propósito de melhoria da</p><p>qualidade de vida e de promoção à saúde. A deno-</p><p>minação aceita para a dança com estes objetivos é</p><p>dançaterapia. A sua idealizadora, a bailarina argen-</p><p>tina María Fux (1988, p. 10), nos conta como o seu</p><p>trabalho foi considerado terapêutico:</p><p>Pouco a pouco, essa experiência de ver as trans-</p><p>formações importantes que se manifestavam nos</p><p>meus grupos me fez compreender que as aulas</p><p>cumpriam um papel terapêutico. Eu não usava a</p><p>palavra “terapia”, mas os psiquiatras e psicólogos</p><p>que viam meu trabalho me confirmaram que o</p><p>era e fizeram com que crescesse em mim aquilo</p><p>que estava realizando: dançaterapia.</p><p>A dançaterapia se aproxima dos preceitos da saúde</p><p>pública por prevenir doenças, promover a saúde fí-</p><p>sica/mental e, consequentemente, a longevidade.</p><p>Podemos compreender tais benefícios por meio da</p><p>explicação de Fux (1988, p. 10): “os potenciais ador-</p><p>mecidos no corpo se transformam quando ele, ao</p><p>mover-se, se expressa numa linguagem não-verbal,</p><p>que vai produzindo, ostensivamente, mudanças posi-</p><p>tivas, não apenas corpóreas, mas também psíquicas”.</p><p>A dança como terapia pode despertar o indiví-</p><p>duo para situações que o acelerado ritmo cotidiano</p><p>não permitem, como a percepção e a exploração do</p><p>espaço, estimulando a conscientização acerca do</p><p>ambiente e das relações nele estabelecidas. O resul-</p><p>tado pode ser a percepção do processo de constru-</p><p>ção das respostas aos embates travados diariamen-</p><p>te. É como se desligássemos o “piloto automático”</p><p>e nos tornássemos “donos” de nossas ações. Para</p><p>Santos (2010), a dançaterapia conduz a uma inte-</p><p>gração total do indivíduo, pois estimula o corpo a</p><p>despertar áreas adormecidas.</p><p>Ao despertá-las e expressá-las representamos</p><p>nosso mundo oculto, isto nos faz sentir melho-</p><p>res. Expomos os nossos traumas, dificuldades,</p><p>mágoas em movimentos, sentimentos e formas.</p><p>Existe a possibilidade de liberarmos esta ener-</p><p>gia estagnada que se encontra em nosso corpo,</p><p>acumulado em forma de tensão e dor. Por isto</p><p>é uma terapia não verbal. Diferente da terapia</p><p>tradicional, da psicoterapia, ou mesmo da mu-</p><p>sicoterapia (SANTOS, 2010, p. 7).</p><p>Esta terapia não verbal traz grandes contribuições</p><p>por trabalhar dimensões que outras terapias não</p><p>conseguem atingir, isto porque “[...] através da pa-</p><p>lavra podemos esconder e mentir, mas nosso cor-</p><p>po, unido ao movimento, não pode enganar nem</p><p>mentir” (FUX, 1988, p. 21). Quando não mentimos</p><p>para nós mesmos, nos obrigamos a enfrentar e a su-</p><p>perar fragilidades que buscamos esconder e que nos</p><p>perseguem eternamente.</p><p>Quando ocorre o confronto e a aceitação, esta-</p><p>belece-se a superação, tornando o ser mais confian-</p><p>te em si próprio. Estes resultados são impulsiona-</p><p>dos pela própria característica da dança, ou seja, a</p><p>atuação na sensibilidade, o que é potencializado pela</p><p>música. Esta, por sua vez, agrega muitos aspectos</p><p>188</p><p>positivos. Fux (1988, p. 42) menciona que o movi-</p><p>mento corporal, “[...] unido à música, é vivido numa</p><p>totalidade criadora, como pude comprovar em di-</p><p>ferentes idades: crianças, adolescentes e adultos; em</p><p>todos pude ver que a música se transforma em corpo</p><p>e que o corpo é a música”.</p><p>A inter-relação corpo e música parece ser ine-</p><p>rente ao ser humano, mas conforme as convenções</p><p>sociais são assimiladas por nós por meio dos proces-</p><p>sos educativos aos quais somos submetidos, deixa-</p><p>mos adormecida esta nossa característica.</p><p>É evidente que, se déssemos liberdade a nossos</p><p>corpos, nos movimentaríamos; mas nossos</p><p>tabus culturais, nossos preconceitos, impe-</p><p>dem-nos de mover-nos quando escutamos</p><p>música, apesar de sentirmos que nossos corpos</p><p>querem fazê-lo.</p><p>O corpo é estimulado pela música e produz</p><p>imagens que se comunicam entre si. De que ín-</p><p>dole é essa movimentação que se produz com</p><p>a música, ou a que elementos responde? Res-</p><p>pondem à totalidade. Ou seja, a música é uma</p><p>estrutura que se dá em forma global. O movi-</p><p>mento liberado pode refletir a complexidade</p><p>musical (FUX, 1988, p. 41).</p><p>Assim, ao libertarmos essa relação, podemos propi-</p><p>ciar o desenvolvimento da sensibilidade e da percep-</p><p>ção subjetiva do ser, atuando e despertando para o</p><p>que muito se remete à Educação Física: a corporei-</p><p>dade, ou a forma que o cérebro reconhece o corpo</p><p>como um meio de se relacionar com o mundo.</p><p>A corporeidade, entendida como uma for-</p><p>ma de pensar corporalmente, uma relação entre</p><p>o mundo interior e exterior mediada pela sensi-</p><p>bilidade proveniente do movimento corpóreo,</p><p>pode recuperar memórias sensíveis por meio de</p><p>sensações corporais despertadas pela dança, con-</p><p>tribuindo para o conhecimento do próprio corpo,</p><p>das potencialidades e limitações, favorecendo a</p><p>expressividade e a criatividade.</p><p>Apesar de não haver contraindicação para a</p><p>dançaterapia e nem idade específica para ser pra-</p><p>ticada, nota-se que o seu desenvolvimento ocorre</p><p>quando os indivíduos apresentam algum tipo de</p><p>comprometimento físico ou mental. Geralmen-</p><p>te, os praticantes de dançaterapia são adultos com</p><p>quadros de doença mental, crianças com algum</p><p>tipo de limitação e idosos. Nos questionamos: se a</p><p>dança fosse uma prática sistematizada e inserida no</p><p>cotidiano das pessoas, ela não poderia minimizar</p><p>o surgimento de quadros como os mencionados?</p><p>Seria necessário o desenvolvimento da dança como</p><p>terapia se educadores a utilizassem como um pro-</p><p>cesso de formação humana que preparasse as no-</p><p>vas gerações para os desafios presentes na realidade</p><p>globalizada e tecnológica, a qual impulsiona o sur-</p><p>gimento do estresse?</p><p>Entendemos que a dançaterapia sempre será ne-</p><p>cessária, pois os seus objetivos estão relacionados à</p><p>formação do sujeito como um todo. No entanto, os</p><p>motivos que a tornam necessária podem ser dimi-</p><p>nuídos se considerarmos a dança em sua totalida-</p><p>de: da mesma forma que é uma atividade física que</p><p>sempre trará benefícios para o “corpo biológico”, ela</p><p>também, por sua essência, é uma atividade “espiritu-</p><p>al” que atua na psique humana.</p><p>Assim, os objetivos podem ser estabelecidos de</p><p>forma a intensificar determinadas potencialidades,</p><p>mas a sua atuação nunca será</p><p>limitada a um único</p><p>aspecto. Em função desta compreensão é que a dan-</p><p>ça é indicada no processo de educação, seja em am-</p><p>biente formal ou não formal, por atuar na totalidade</p><p>do ser, favorecendo a formação de sujeitos mais sau-</p><p>dáveis e autônomos.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>189</p><p>Para que a dança, entretanto, alcance estes ad-</p><p>jetivos e exerça a sua potencialidade educativa/</p><p>formativa, necessita-se que os professores e profis-</p><p>sionais de Educação Física, de forma geral, com-</p><p>preendam a sua importância e sintam-se aptos a</p><p>desenvolvê-la. Como a dança não é uma atividade</p><p>“democrática” no Brasil, ou seja, mesmo o nos-</p><p>so país sendo considerado dançante, são baixos</p><p>os índices de pessoas que experienciaram a dança</p><p>de forma sistematizada no decorrer de suas vidas,</p><p>cabem aos cursos de graduação capacitar os seus</p><p>futuros profissionais para a atuação efetiva em</p><p>dança.</p><p>Assim, passamos para a próxima seção, cujo</p><p>propósito é investigar como os professores e</p><p>profissionais de Educação Física estão sendo</p><p>preparados pelos cursos de graduação para atua-</p><p>rem com a dança.</p><p>Para se ter uma ideia da amplitude e densi-</p><p>dade dessas mudanças tecnológicas, conside-</p><p>rando alguns dados relativos ao século XX. Se</p><p>somássemos todas as descobertas científicas,</p><p>invenções e inovações técnicas realizadas pe-</p><p>los seres humanos desde as origens da nossa</p><p>espécie até hoje, chegaríamos à espantosa</p><p>conclusão de que mais de oitenta por cen-</p><p>to de todas elas se deram nos últimos cem</p><p>anos. Dessas, mais de dois terços ocorreram</p><p>concentradamente após a Segunda Guerra.</p><p>Verificaríamos também que cerca de setenta</p><p>por cento de todos os cientistas, engenheiros,</p><p>técnicos e pesquisadores produzidos pela es-</p><p>pécie humana estão ainda vivos atualmente,</p><p>ou seja, compõem o quadro das gerações</p><p>nascidas depois da Primeira Guerra.</p><p>Fonte: Sevcenko (2001, p. 24).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>190</p><p>A Formação dos Professores</p><p>e Profissionais de Educação</p><p>Física e o Ensino da Dança</p><p>Quando os professores de Educação Física são ques-</p><p>tionados sobre o porquê de não trabalharem a dança</p><p>em suas aulas, a maioria responde que a falta de ex-</p><p>periência prejudica a aplicação desse conteúdo. Di-</p><p>ferentemente de outras atividades, como os esportes,</p><p>os quais as crianças têm acesso desde cedo tanto em</p><p>ambiente escolar como não escolar, a prática da dan-</p><p>ça é frequentemente limitada.</p><p>Tradicionalmente, no Brasil, o gênero feminino</p><p>possui mais experiências dançantes do que o mas-</p><p>culino, pois são as meninas que fazem cursos de</p><p>dança, como balé clássico e jazz dance. Mesmo com</p><p>o avanço das discussões sobre os preconceitos rela-</p><p>tivos à dança, percebe-se que esta forma de pensar</p><p>ainda persiste em nossa sociedade. Marques (2003)</p><p>explica que esse preconceito é decorrente de vários</p><p>fatores, mas que está, na maioria das vezes, associa-</p><p>do ao imaginário social, o qual aproxima a dança a</p><p>feminilidades. Ou seja, as pessoas:</p><p>[...] mesmo nunca tendo assistido a um espe-</p><p>táculo de balé clássico, muitas vezes, a dança</p><p>é diretamente associada a ele, e, consequente-</p><p>mente, à “graça, delicadeza, meiguice” que, no</p><p>Brasil, são, muitas vezes, tidas como caracte-</p><p>rísticas absolutamente a avessas à virilidade</p><p>(MARQUES, 2003, p. 39).</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>191</p><p>A autora nos conduz, ainda, a refletir o porquê deste</p><p>pensamento em um país como o nosso, onde existem:</p><p>[...] inúmeros grupos de dança e trios elétricos</p><p>formados majoritariamente por homens du-</p><p>rante o carnaval (o Olodum, por exemplo); nas</p><p>danças de salão que o Brasil exporta; nas dan-</p><p>ças de rua; capoeira; entre tantas outras mani-</p><p>festações em que a dança não está associada</p><p>ao corpo delicado da bailarina clássica, mas,</p><p>ao contrário, à virilidade, à força, à identida-</p><p>de cultural do homem brasileiro (MARQUES,</p><p>2003, p. 20).</p><p>Esta forma de entender a dança torna-se prejudi-</p><p>cial por favorecer a exclusão, principalmente, em</p><p>ambiente escolar. Quando os professores são “obri-</p><p>gados” a criarem coreografias para apresentações,</p><p>valem-se da vivência das meninas, colocando-as na</p><p>frente como modelos para os demais alunos. Isto</p><p>gera um círculo vicioso, pois quem já tem contato</p><p>com a dança se sobressai, inibindo os demais que,</p><p>geralmente, se afastam da prática. Estes alunos, se</p><p>futuros professores de Educação Física, tenderão a</p><p>reproduzir a mesma situação. Marques (2003, p. 21)</p><p>valida tal afirmação, mencionando que:</p><p>Tanto o corpo quanto a dança ainda são cober-</p><p>tos por um mistério, um buraco negro que a</p><p>grande maioria da população escolar ainda não</p><p>conseguiu investigar, explorar, perceber, sentir,</p><p>entender, criticar! Ou seja, embora não se aceite</p><p>mais o preconceito em relação ao contato com o</p><p>corpo e com a arte, as gerações que não tiveram</p><p>dança na escola, muitas vezes, não conseguem</p><p>entender seu significado e sentido em contexto</p><p>educacional. Há, às vezes, um entendimento</p><p>estritamente intelectual em relação a essa</p><p>disciplina, sem que haja um entendimento</p><p>corporal crítico e, portanto, aceitação e</p><p>valorização baseadas na experiência.</p><p>Para que ocorra a quebra desse círculo, é preciso</p><p>a intervenção dos cursos de graduação em Educa-</p><p>ção Física. No entanto, aqui nos deparamos com</p><p>outro problema, como nos lembra Sborquia e</p><p>Gallardo (2006, p. 65), “no contexto curricular da</p><p>formação inicial em Educação Física, a dança qua-</p><p>se não aparece e, quando aparece, se apresenta na</p><p>forma de disciplina ou como conteúdo de outros</p><p>componentes”.</p><p>Geralmente, as matrizes curriculares desses cur-</p><p>sos trazem o conteúdo de dança em disciplinas de,</p><p>no máximo, dois semestres. Assim, nos colocamos</p><p>no lugar dos alunos que nunca tiveram contato an-</p><p>terior com a dança e nos perguntamos: será que um</p><p>ano de estudos de dança poderá superar a falta de</p><p>contato anterior a ponto de qualificar esses professo-</p><p>res a trabalharem com a dança em suas aulas?</p><p>Considerando que muitas linguagens de dança</p><p>requerem anos de aprendizado – por exemplo, no</p><p>balé clássico são nove anos –, a resposta imediata</p><p>será: não! No entanto, uma reflexão menos superfi-</p><p>cial poderá indicar uma resposta contrária. Isto de-</p><p>penderá de como os docentes dos cursos superiores</p><p>estão entendendo e transmitindo os conceitos e ob-</p><p>jetivos da dança na Educação Física. Este é um pro-</p><p>blema que merece ser considerado, pois, como lem-</p><p>bram Sborquia e Gallardo (2006, p. 66) “[...] a dança</p><p>nos cursos de Educação Física tem sido canalizada</p><p>como sequência de exercícios físicos que ressaltam</p><p>mais o aspecto motor, relegando a segundo plano os</p><p>movimentos estéticos e expressivos”.</p><p>Em oposição a essa realidade, as propostas atuais</p><p>sugerem que a formação em Educação Física deve</p><p>ser fundamentada nos aspectos interpretativos que</p><p>se vinculem com o fazer/pensar dança. Marques</p><p>(2003, p. 22) explica-nos a proposta, indicando a</p><p>necessidade de os professores buscarem:</p><p>192</p><p>[...] conhecimento prático-teórico também como</p><p>interpretes, coreógrafos e diretores de dança. Ou</p><p>seja, conhecimento que envolva o fazer-pensar</p><p>dança e não somente seus aspectos pedagógicos.</p><p>A dissociação entre o artístico e o educativo, que</p><p>geralmente é enfatizado na formação dos profis-</p><p>sionais nos cursos de Licenciatura e Pedagogia,</p><p>tem comprometido de maneira substancial o de-</p><p>senvolvimento do processo criativo e crítico que</p><p>poderia estar ocorrendo na educação básica.</p><p>De acordo com a autora, podemos entender que o</p><p>conhecimento do professor transcende a questão</p><p>técnica da dança que, na maioria das vezes, os in-</p><p>timida por acharem que devem ser um exemplo na</p><p>execução técnica. A indicação para a formação do</p><p>professor de dança concentra-se no pensar-fazer que</p><p>envolve, além da interpretação, experiências de cria-</p><p>ção e direção. Desta forma, podemos entender que o</p><p>acadêmico deve vivenciar/experimentar a dança em</p><p>sua amplitude e não receber um processo de ensino</p><p>concentrado na reprodução de repertórios.</p><p>O professor deve ser apto a lidar com os desafios</p><p>coreográficos como pertencentes ao processo edu-</p><p>cativo, e não se “esconder” em repertórios, reprodu-</p><p>zindo-os de forma</p><p>mecanizada, sem conexão como</p><p>a reflexão ou o pensar-fazer dança.</p><p>O professor em formação deve passar por um</p><p>processo de ensino que desenvolva as suas poten-</p><p>cialidades, e não que transmita “receitas prontas” de</p><p>como ensinar dança. Se os professores forem forma-</p><p>dos nesta perspectiva, eles serão capazes de desen-</p><p>volver práticas pedagógicas que tenham os mesmos</p><p>objetivos vivenciados por eles em suas formações.</p><p>Em consequência, a aula de dança assumirá o seu</p><p>papel de formadora de sujeitos conscientes sobre si e</p><p>a sociedade onde vivem, o que se aproxima do pen-</p><p>samento de Marques (2003, p. 23-24) sobre a dança</p><p>em ambiente formal de ensino.</p><p>A escola pode, sim, fornecer parâmetros para</p><p>sistematização e apropriação crítica, consciente</p><p>e transformadora dos conteúdos específicos da</p><p>dança e, portanto, da sociedade. A escola teria,</p><p>assim, o papel não de “soltar” ou de reprodu-</p><p>zir, mas sim de instrumentalizar e de construir</p><p>conhecimento em/por meio da dança com seus</p><p>alunos, pois ela é forma de conhecimento, ele-</p><p>mento essencial para a educação do ser social.</p><p>Apesar de parecer claro o caminho que os cursos e</p><p>professores devem seguir, será que está evidente como</p><p>isto deve ocorrer? Com o intuito de nos aprofundar-</p><p>mos nessa questão, passaremos, na sequência, a tratar</p><p>especificamente dos conteúdos da dança.</p><p>ALGUMAS PERSPECTIVAS PARA O ENSINO</p><p>DE DANÇA EM AMBIENTE FORMAL E NÃO</p><p>FORMAL</p><p>A forma como a sociedade, de forma geral, entende a</p><p>função da dança, se reflete nos conteúdos e objetivos pro-</p><p>postos em suas práticas. Não são raras as vezes em que as</p><p>aulas de dança são entendidas como mero “passatempo”,</p><p>cujos objetivos são a diversão e o relaxamento. Quando</p><p>não, a sua prática é associada à disciplina, o que faz com</p><p>que muitos pais procurem os cursos de dança como auxi-</p><p>liadora do controle comportamental de seus filhos.</p><p>É preciso entender que a dança tem particularida-</p><p>des que devem ser exploradas, elementos que somente</p><p>por meio dela podem ser desenvolvidos. O caminho</p><p>que indicamos é o de compreendê-la como linguagem</p><p>artística/expressiva. Qual a diferença entre entender a</p><p>dança como puramente movimento físico e, por outro,</p><p>como movimento expressivo?</p><p>A dança se torna arte quando o movimento ar-</p><p>ticulado ao som (ou ritmo) e ao espaço for fruto de</p><p>uma relação simbólica, ou seja, quando o movimento</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>193</p><p>é uma ação significativa entre o dançarino e o meio</p><p>que o envolve. Podemos entender a dança/arte como a</p><p>relação do eu com o meio expresso, não por palavras,</p><p>mas por movimentos. O eu é o indivíduo em sua tota-</p><p>lidade que, ao desenvolver a sua potencialidade racio-</p><p>nal, pensa, reflete e se sensibiliza, dando significado ao</p><p>meio (mundo) que o cerca. É dessa relação entre o eu,</p><p>o meio e o movimento simbólico que devem ser retira-</p><p>dos os conteúdos da dança.</p><p>O desenvolvimento da dança, nesta perspectiva,</p><p>pode ocorrer de formas variadas, e destacamos duas</p><p>possibilidades que podem ser adaptadas de acordo</p><p>com o ambiente. São elas: vivência prática (o fazer</p><p>dança); e o olhar reflexivo para a dança como fruidor</p><p>e crítico. Para que estas possibilidades fiquem mais</p><p>claras, passaremos a abordá-las separadamente. No</p><p>entanto, é importante entender que, mesmo se consti-</p><p>tuindo como possibilidades distintas, o fazer, o fruir, o</p><p>pesquisar e o criticar sempre são elementos intrínsecos</p><p>nas práticas de dança.</p><p>O fazer dança na escola</p><p>O fazer dança refere-se ao ato de dançar. No entanto</p><p>podemos nos questionar: toda a vez que dançamos, es-</p><p>tamos fazendo dança? Já que, no caso de repertórios, as</p><p>coreografias estão prontas. Assim, o termo fazer dan-</p><p>ça seria a denominação mais apropriada, uma vez que</p><p>nem sempre estamos construindo danças/coreografias?</p><p>O fazer dança tem sentido mais amplo do que a cria-</p><p>ção ou a construção coreográfica, apesar deste processo</p><p>também fazer parte de seu significado. O fazer dança</p><p>está fundamentado no pensamento de que, cada vez</p><p>que executamos uma dança, estamos reconstruindo-a,</p><p>pois as condições externas e internas não são constan-</p><p>tes. Lembremos o pensamento do filósofo pré-socrático</p><p>Heráclito de Éfeso: há mais de 2.000 anos, ele menciona-</p><p>va que os indivíduos não podiam banhar-se duas vezes</p><p>no mesmo rio porque as águas já teriam passado, assim</p><p>como os indivíduos também não seriam os mesmos.</p><p>Cada vez que dançamos a mesma coreografia, a</p><p>fazemos diferentemente, por isto, fazemos danças di-</p><p>ferentes a cada execução. Assim, quando nos referimos</p><p>ao fazer dança, estamos nos referindo, basicamente, a</p><p>dois processos: o de criação e o de interpretação. Tra-</p><p>temos de cada um deles.</p><p>Criação</p><p>A criação de dança justifica-se, a princípio, por pro-</p><p>piciar a vivência de movimentos dançantes diferen-</p><p>tes das coreografias oferecidas pela mídia ou aquelas</p><p>de fácil acesso. Além de que, por meio da criação, os</p><p>praticantes podem se expressar de acordo com seus</p><p>vocabulários próprios de movimento, libertando-se</p><p>das imposições dos repertórios prontos. Como ex-</p><p>plica Marques (2003, p. 27):</p><p>Ao contrário do que nos dita o senso comum,</p><p>as aulas de dança podem ser verdadeiras prisões</p><p>dos sentidos, das ideias, dos prazeres, da percep-</p><p>ção e das relações que podemos traçar com o</p><p>mundo. De fora para dentro, regras posturais ba-</p><p>seadas na anatomia padrão, sequências de exercí-</p><p>cios preparadas para todas as turmas do mesmo</p><p>modo, repertórios rígidos e impostos (por exem-</p><p>plo, as festinhas de fim-de-ano) podem estar nos</p><p>desconectando de nossas próprias experiências e</p><p>impondo tanto idéias de corpo (em forma e pos-</p><p>tura) quanto de comportamento em sociedade.</p><p>A criação, entretanto, não é algo simples e pode</p><p>trazer frustrações, assim como as exigências técni-</p><p>cas dos repertórios, caso o professor não entenda e</p><p>conduza o processo criativo. Podemos pensar essa</p><p>frustração a partir de uma autoavaliação: quem se</p><p>194</p><p>considera criativo? Será que a resposta da maio-</p><p>ria foi positiva ou negativa? É possível que te-</p><p>nha sido negativa! Imagine, portanto, como</p><p>se sentem os alunos da Figura 1 a seguir.</p><p>Esta cena não está muito distante de</p><p>nossas experiências escolares com a dan-</p><p>ça. Muitos professores, com o intuito de</p><p>desenvolverem um trabalho seguindo as</p><p>indicações de que a criação coreográfica</p><p>é o melhor caminho, transformam as suas</p><p>aulas em um espaço propício a frustrações e</p><p>à inatividade. Para que isto não ocorra, é im-</p><p>portante esclarecermos o que é criação e como</p><p>desenvolvê-la. Comecemos por entender a primeira.</p><p>Sempre que pensamos em criação, temos que</p><p>considerar, primeiramente, que criar é fazer algo,</p><p>uma produção. No entanto, a compreensão do ter-</p><p>mo, na contemporaneidade, nos remete a um fazer</p><p>inédito, inovador, ou seja, em um sentido mais am-</p><p>plo do simples fazer. Para pensarmos nesse proces-</p><p>so, tomemos como base os conceitos grego e medie-</p><p>val de criação.</p><p>Para os medievais, o sentido de criação associa-</p><p>va-se à “criação divina”, que ocorre a partir do nada.</p><p>Deus é o criador do universo, antes dele não existia</p><p>nada. Tal ideia se opõe ao conceito de criação do pe-</p><p>ríodo anterior. Entre os gregos da Antiguidade, este</p><p>pensamento é inaceitável, pois, para eles, a criação</p><p>parte de algo, de uma realidade preexistente. Diante</p><p>dessas duas formas de entender a criação, nós esta-</p><p>mos mais próximos de qual delas hoje?</p><p>Parece-nos que a herança do conceito medie-</p><p>val de criação divina ainda está muito presente em</p><p>nossos dias, tanto que muitos artistas, considerados</p><p>“supercriativos”, recebem a denominação de gênios</p><p>e, muitas vezes, são tratados quase como “deuses”.</p><p>Entretanto, o processo não é bem assim.</p><p>Bom dia pessoal!</p><p>Na aula de hoje iremos</p><p>montar uma coreografia.</p><p>Que tipo de</p><p>movimentos</p><p>podemos usar?</p><p>Que estilo musical</p><p>podemos podemos</p><p>dançar?</p><p>Será indicado um tema</p><p>para a coreografia?</p><p>Quero que formem grupos</p><p>de 5 pessoas e criem uma</p><p>coreografia do jeito que</p><p>quiserem.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>195</p><p>Figura 1 - Aula de dança: processo de criação</p><p>a imaginação artística. O artista presentifica as suas</p><p>experiências</p><p>sum – penso, logo existo). Por meio des-</p><p>ta reflexão, efetiva-se a distinção entre as partes que</p><p>compõem o ser humano e também a sua hierarquia:</p><p>a mente é pensante e, inclusive, pensa sobre o corpo,</p><p>por isto, é superior. Ao corpo cabe obedecer!</p><p>Tal ideia pôde ser observada quando Descar-</p><p>tes(2005) se pôs a questionar os atributos da alma e</p><p>se depara com o pensar:</p><p>[...] noto aqui que o pensamento é um atributo</p><p>que me pertence. Só ele não pode ser despren-</p><p>dido de mim. Eu sou, eu existo: isto é certo; mas</p><p>por quanto tempo? A saber, durante o tempo</p><p>em que penso; pois talvez pudesse ocorrer, se</p><p>eu cessasse de pensar, que cessasse ao mesmo</p><p>tempo de ser ou de existir. Não admiro agora</p><p>nada que não seja necessariamente verdadeiro:</p><p>não sou, então, precisamente falando, senão</p><p>uma coisa que pensa, ou seja, um espírito, um</p><p>entendimento ou uma razão, que são termos</p><p>cujo significado era-me anteriormente desco-</p><p>nhecido (p. 46).</p><p>Esta retomada da compreensão do corpo nos diferentes</p><p>momentos históricos é importante para percebermos</p><p>o quanto o dualismo influenciou e continua influen-</p><p>ciando o nosso modo de pensar e agir. Mesmo estabe-</p><p>lecida há séculos atrás, tal forma de pensar se reflete</p><p>na contemporaneidade e pode ser percebida em nossa</p><p>linguagem no dia a dia. Por exemplo, após um treina-</p><p>mento intenso, o atleta se queixa: “estou com o meu</p><p>corpo todo dolorido”. Esta questão é importante para</p><p>pensarmos quem são o sujeito e o objeto do movimen-</p><p>to. No exemplo anterior, quem é o sujeito? Eu, a mente,</p><p>e o objeto, o corpo. Assim, na perspectiva dualista, po-</p><p>deríamos inferir que a mente é o sujeito, e o corpo, o</p><p>objeto de toda a ação humana. Em oposição, podemos</p><p>encontrar a fenomenologia. Adepto desta perspectiva</p><p>filosófica, Merleau-Ponty (1908-1961) menciona:</p><p>Durante muito tempo, acreditou-se encontrar</p><p>no condicionamento periférico uma maneira se-</p><p>gura de localizar as funções psíquicas “elemen-</p><p>tares” e de distingui-las das funções “superio-</p><p>res”, menos estritamente ligadas à infraestrutura</p><p>corporal. Uma análise mais exata mostra que os</p><p>dois tipos de funções se entrecruzam. O elemen-</p><p>tar não é mais aquilo que, por adição, constituirá</p><p>o todo, nem, aliás, uma simples ocasião para o</p><p>todo se constituir. O acontecimento elementar</p><p>já está revestido de um sentido, e a função su-</p><p>perior só realizará um modo de existência mais</p><p>integrado ou uma adaptação mais aceitável,</p><p>utilizando e sublimando as operações subordi-</p><p>nadas. Reciprocamente, “a experiência sensível</p><p>é um processo vital, assim como a procriação,</p><p>a respiração ou o crescimento”. A psicologia e a</p><p>fisiologia não são mais, portanto, duas ciências</p><p>paralelas, mas duas determinações do compor-</p><p>tamento, a primeira concreta, a segunda, abstra-</p><p>ta (1999, p. 31).</p><p>Por meio do excerto apresentado, podemos perce-</p><p>ber que Merleau-Ponty rompe com a ideia de se-</p><p>paração ou inferioridade das experiências sensíveis</p><p>(corporais). Isto é possível porque a perspectiva fe-</p><p>nomenológica “[...] repõe as essências na existência,</p><p>e não pensa que se possa compreender o homem e o</p><p>mundo de outra maneira senão a partir de sua ‘facti-</p><p>cidade’” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 1).</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>23</p><p>Nesta perspectiva, não há mais a fragmentação</p><p>entre corpo e alma, o primeiro passa a fazer parte</p><p>da totalidade, o que nos possibilita entendê-lo como</p><p>sensível e inteligível, possuidor da essência em si</p><p>mesmo. Os pensadores fenomenológicos entendem</p><p>que todo o conhecimento é proveniente da percep-</p><p>ção que temos do mundo:</p><p>O próprio cientista deve aprender a criticar a</p><p>ideia de um mundo exterior em si, já que os</p><p>próprios fatos lhe sugerem abandonar a ideia</p><p>do corpo como transmissor de mensagens.</p><p>O sensível é aquilo que se apreende com os</p><p>sentidos, mas nós sabemos agora que este</p><p>“com” não é simplesmente instrumental, que</p><p>o aparelho sensorial não é um condutor, que</p><p>mesmo na periferia, a impressão fisiológica se</p><p>encontra envolvida em relações antes consi-</p><p>deradas como centrais (MERLEAU-PONTY,</p><p>1999, p. 32).</p><p>Para compreender melhor a corrente filosófica desenvolvida no século XIX, leia o fragmento do prefácio</p><p>do livro Fenomenologia da Percepção de Maurice Merleau-Ponty:</p><p>“[...] É uma filosofia transcendental que coloca em suspenso, para compreendê-las, as afirmações da</p><p>atitude natural, mas é também uma filosofia para a qual o mundo já está sempre ‘ali’, antes da reflexão,</p><p>como uma presença inalienável, e cujo esforço todo consiste em reencontrar este contato ingênuo com</p><p>o mundo, para dar-lhe, enfim, um estatuto filosófico. É a ambição de uma filosofia que seja uma ‘ciência</p><p>exata’, mas é também um relato do espaço, do tempo, do mundo ‘vividos’. É a tentativa de uma descrição</p><p>direta de nossa experiência tal como ela é [...].</p><p>Fonte: adaptado de Merleau-Ponty (1999).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>É o corpo que possibilita o homem ser homem - ser</p><p>o que é -, pois o eu é resultado da consciência e das</p><p>experiências que o indivíduo tem do/no mundo.</p><p>Para Merleau-Ponty (1999), o ser humano é a fusão</p><p>entre alma e corpo que se evidencia em ato, como</p><p>fica evidente no seguinte excerto:</p><p>Eu não sou o resultado ou o entrecruzamen-</p><p>to de múltiplas causalidades que determinam</p><p>meu corpo ou meu “psiquismo”, eu não posso</p><p>pensar-me como uma parte do mundo, como</p><p>simples objeto da biologia, da psicologia e da</p><p>sociologia, nem fechar sobre mim o universo</p><p>da ciência. Tudo aquilo que eu sei do mundo,</p><p>mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma vi-</p><p>são minha ou de uma experiência do mundo</p><p>sem a qual os símbolos da ciência não pode-</p><p>riam dizer nada. Todo o universo da ciência é</p><p>construído sobre o mundo vivido (p. 3).</p><p>24</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>Você pode estar se perguntando: por que nos repor-</p><p>tarmos às concepções dualista e fenomenológica de</p><p>corpo para estudarmos o ritmo? A resposta é simples:</p><p>ao adotarmos a perspectiva dualista, entendemos o</p><p>ritmo como uma ação mecânica, produzida pelo ob-</p><p>jeto corpo. Se aceitarmos a perspectiva fenomenoló-</p><p>gica do corpo, entendemos que pensamentos, emo-</p><p>ções e ações não são desvinculados e, neste sentido, o</p><p>ritmo passa a ser uma ação produzida pelo ser huma-</p><p>no, em sua totalidade. Esta ideia é muito importante</p><p>porque influenciou um método de ensino musical</p><p>que não se ateve ao universo da música, mas se es-</p><p>tendeu à ginástica e à dança. Estamos nos referindo</p><p>à Rítmica, método de educação musical desenvolvido</p><p>pelo compositor Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950).</p><p>Desde as duas últimas décadas do século XX,</p><p>Jaques-Dalcroze vem sendo continuamente ci-</p><p>tado e discutido pela historiografia como per-</p><p>sonagem central da modernidade na dança, ao</p><p>lado de François Delsarte e Rudolf Laban. Os</p><p>estudos sobre as origens da ginástica moderna</p><p>também elegeram Dalcroze como grande ins-</p><p>pirador dos movimentos rítmicos e expressivos</p><p>novecentistas (MADUREIRA, 2008, p. 22).</p><p>Dalcroze sempre alimentou o desejo de ser compo-</p><p>sitor, mas dificuldades financeiras o conduziram à</p><p>carreira de professor no mesmo conservatório que</p><p>havia estudado. A criação, necessária ao composi-</p><p>tor, não foi abandonada em sua trajetória docente,</p><p>ao contrário, foi a base de sua ação como educador e</p><p>que resultou em um novo sistema de ensino musical.</p><p>Ao deparar-se com as dificuldades de seus alunos</p><p>Dalcroze pôs-se a investigar a “[...] relação música-</p><p>ritmo-movimento-expressão que culminaram na</p><p>criação de um sistema completo de educação musical</p><p>denominado Ginástica Rítmica ou simplesmente</p><p>Rítmica” (MADUREIRA, 2008, p. 23).</p><p>Para ele, a Rítmica consistia em um sistema de</p><p>educação musical totalmente baseado no ritmo,</p><p>considerado como princípio da vida, que tinha</p><p>como finalidade recuperar a liberdade natural dos</p><p>corpos. O seus fundamentos filosóficos, no que se</p><p>refere aos princípios educativos, eram provenientes</p><p>de Platão, que considerava a música e a ginástica in-</p><p>dispensáveis à formação do indivíduo grego.</p><p>Uma educação meramente ginástica cultiva de-</p><p>mais a dureza e a fereza do homem; uma exces-</p><p>siva educação musical torna o homem muito</p><p>mole e delicado.</p><p>anteriores, as reorganiza em forma de</p><p>imaginação e materializa as suas sínteses como ob-</p><p>jeto artístico.</p><p>Assim, cabe ao professor fornecer ex-</p><p>periências sensíveis dançantes para que</p><p>os alunos possam construir a memória</p><p>corporal, a qual subsidiará a criação</p><p>em dança. Por isto, a interpretação de</p><p>repertórios não deve ser descartada,</p><p>mas sim, valorizada, pois a execução</p><p>de criações de outras pessoas pode se</p><p>constituir como importante elemento</p><p>para a criação coreográfica.</p><p>Figura 2 - Imaginação</p><p>Fonte: a autora.</p><p>Interpretação</p><p>Iniciamos convidando todos a pensarem sobre o</p><p>que significa interpretar em dança.</p><p>O termo interpretar está relacionado à ideia de</p><p>“explicar algo” por um mecanismo diferente do qual a</p><p>mensagem original foi enviada. Podemos pensar este</p><p>Vocês têm total liberdade</p><p>para escolher os movimentos,</p><p>o tema e a música, desde que</p><p>tudo seja bem criativo!</p><p>Agora podem começar.....</p><p>no final da aula volto</p><p>para ver o que vocês</p><p>fizeram.</p><p>Aliás, essa será a avaliação</p><p>do bimestre e as notas serão</p><p>atribuídas conforme a</p><p>criatividade dos grupos.</p><p>A criação está diretamente envolvida com a imagi-</p><p>nação, a qual significa “fazer aparecer imagens”. Isto</p><p>quer dizer que, quando temos uma experiência sen-</p><p>sível, a guardamos em nós em forma de “imagem/</p><p>sensação/conceito”. A imaginação necessita das sen-</p><p>sações ou percepções sensoriais anteriores para se</p><p>formar, o que nos leva a entender que são as expe-</p><p>riências concretas e as vivências que proporcionam</p><p>196</p><p>conceito de várias formas: por exemplo, a interpreta-</p><p>ção dos sonhos, que consiste na busca de significados</p><p>para tornar possível a sua compreensão; a interpreta-</p><p>ção como tradução de uma língua para outra; e inter-</p><p>pretação artística, muito conhecida nas artes cênicas.</p><p>Quando uma pessoa, de forma geral, executa uma</p><p>dança (coreografia) de criação própria ou não, ela</p><p>pode estar interpretando ou apenas executando a dan-</p><p>ça. No que consiste a diferença entre as duas ações?</p><p>Para respondermos a esta indagação, lembremos</p><p>que a interpretação requer a transposição de mensa-</p><p>gem/ideia/sentimento de um signo para outro. Há a</p><p>necessidade de o intérprete/bailarino possuir “algo”</p><p>que possa comunicar por meio de seus movimentos.</p><p>Este é um processo que extrapola a execução pura-</p><p>mente física, requer que o sujeito mobilize todas as</p><p>suas potencialidades em prol de um trabalho que</p><p>possibilite a criação/elaboração de uma mensagem a</p><p>ser transmitida. Tal processo não se difere do desen-</p><p>volvido pelos atores, por exemplo. O diferencial está</p><p>na linguagem utilizada para a comunicação: atores</p><p>utilizam a linguagem teatral, e bailarinos, a dançante.</p><p>Assim, para pensarmos tal processo, nos remetere-</p><p>mos a Constantin Stanislavski (1863-1938) que, em sua</p><p>obra A Construção da Personagem (1983), nos mostra</p><p>o procedimento dessa construção, nos auxiliando a re-</p><p>fletir sobre como interpretar em dança e como isto é</p><p>importante no processo de formação humana.</p><p>Cada indivíduo desenvolve uma caracterização</p><p>exterior a partir de si mesmo e de outros; tiran-</p><p>do-a da vida real ou imaginária conforme sua in-</p><p>tuição, e observando a si mesmo e aos outros. Ti-</p><p>rando-a da sua própria experiência da vida ou da</p><p>de seus amigos, de quadros, gravuras, desenhos,</p><p>livros, contos, romances, ou de algum simples in-</p><p>cidente, tanto faz. A única condição é não perder</p><p>seu eu interior enquanto estiver fazendo essa pes-</p><p>quisa exterior (STANISLAVSKI, 1983, p. 31-32).</p><p>Podemos perceber que a caracterização refere-se à</p><p>composição externa do personagem, ou seja, à forma</p><p>com a qual ele se apresentará ao público em relação</p><p>a figurino, adereços e maquiagem. A caracterização</p><p>também é um elemento muito presente na dança, por</p><p>exemplo, quando dançamos a quadrilha, os meninos</p><p>usam roupas remendadas, chapéus de palha e dese-</p><p>nham em seus rostos barbas e bigodes exagerados;</p><p>as meninas vestem vestidos de chita, usam cabelos</p><p>com tranças e se maquiam com cores fortes. Ambos</p><p>costumam pintar os dentes de preto para simular fa-</p><p>lhas, além de adotarem andares, posturas e fala cari-</p><p>caturados. No entanto, quem dança a quadrilha não</p><p>deixa de ser quem é, apenas cede espaço para que o</p><p>“caipira” presente em seu interior possa se expressar.</p><p>Para que esse “caipira” seja real, é preciso mais do</p><p>que roupas estereotipadas, é preciso que o intérprete</p><p>descubra dentro de si esse personagem, para que ele</p><p>próprio possa acreditar no que está mostrando aos</p><p>demais. Stanislavski (1983, p. 51) deixa isto evidente</p><p>quando apresenta o relato de um ator:</p><p>Antes de mais nada, acreditava plena e sincera-</p><p>mente na realidade daquilo que estava fazendo e</p><p>sentindo. Disso nasceu um sentimento de con-</p><p>fiança em mim mesmo e na correção da ima-</p><p>gem que eu criara, na sinceridade de suas ações.</p><p>Assim, podemos pensar que um bailarino, ao dançar</p><p>um repertório tradicional, como as danças da cultu-</p><p>ra popular brasileira, um tango argentino, um funk</p><p>americano etc., precisa da aproximação daquela rea-</p><p>lidade, o que requer um trabalho laborioso para que</p><p>haja verdade em seus gestos. A sua simples execução</p><p>não expressa a verdade do movimento, há a necessi-</p><p>dade de o intérprete entender que existe, por exem-</p><p>plo, um “dançarino de frevo” dentro de si. Todavia é</p><p>importante ressaltar que o propósito não é a fusão</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>197</p><p>da identidade do intérprete com o “dançarino de</p><p>frevo”. Cada um é um, coabitando o mesmo espaço,</p><p>como podemos verificar na seguinte passagem:</p><p>Enquanto tomava banho, lembrei-me de que,</p><p>representando o papel de Crítico, ainda assim</p><p>não perdia a sensação de que era eu mesmo.</p><p>Concluí que isso era porque, enquanto repre-</p><p>sentava, eu sentia um prazer imenso em acom-</p><p>panhar a minha transformação. De fato, era o</p><p>meu próprio observador, ao mesmo tempo que</p><p>outra parte de mim estava sendo uma criatura</p><p>crítica, censuradora.</p><p>Mas, posso acaso afirmar que essa criatura não</p><p>faz parte de mim? Devei-a da minha própria</p><p>natureza. Dividi-me, por assim dizer, em duas</p><p>personalidades. Uma permanência em ator,</p><p>a outra era um observador (STANISLAVSKI,</p><p>1983, p. 42-43).</p><p>Tal processo de construção e a descoberta de outros</p><p>eus que coabitam o mesmo corpo são importantes</p><p>para a conscientização das diferenças sociais e das</p><p>relações interpessoais, pois, somente descobrindo e</p><p>vivenciando “os outros eus” é possível a criação de</p><p>uma visão de mundo mais tolerante às diferenças.</p><p>A interpretação de repertórios pode, ainda, tor-</p><p>nar-se eficiente para que os indivíduos se observem</p><p>e compreendam quem realmente são, podendo</p><p>lidar e trabalhar com as suas dificuldades e limi-</p><p>tações que, na maioria das vezes, são escondidas</p><p>no íntimo de cada um por medo de exposições e</p><p>julgamentos externos. Como Stanislavski (1983, p.</p><p>52-53) questiona:</p><p>[...] será que ele teria a coragem de nos mostrar</p><p>essas mesmas emoções sem usar a máscara de</p><p>uma imagem criada? [...] Mas se você se escon-</p><p>desse atrás da figura de uma personagem, ainda</p><p>ficaria embaraçado?</p><p>Após a resposta negativa, o autor ainda afirma que</p><p>Vimos como um rapaz recatado, que mal seria</p><p>capaz de se dirigir a uma mulher, tornar-se de</p><p>súbito insolente e, detrás da máscara, expor</p><p>os seus traços e instintos mais intimamen-</p><p>te secretos, coisas que, na vida comum, não</p><p>sonharia mencionar nem em secreto a quem</p><p>quer que fosse (STANISLAVSKI, 1983, p. 53).</p><p>A utilização de repertórios nas aulas de dança pode</p><p>ser muito frutífera, propicia vivências com os ou-</p><p>tros eus e, ao mesmo tempo, constrói vocabulários</p><p>em dança que serão requisitados nos processos de</p><p>criação. É necessário que o professor tenha clara a</p><p>diferença entre reproduzir danças consagradas pela</p><p>tradição e interpretá-las. A reprodução traz benefí-</p><p>cios motores, mas não possibilita o alcance de todos</p><p>os benefícios que a dança pode proporcionar.</p><p>Considerando que a justificativa das danças</p><p>folclóricas é o resgate/a construção da iden-</p><p>tidade nacional, e que a quadrilha retrata o</p><p>contexto vivido por nossos pais, avós e bisa-</p><p>vós, podemos pensar: quem eram aqueles</p><p>Quem deixar os sons da flauta</p><p>derramarem-se constantemente na sua alma co-</p><p>meçará a abrandar como o ferro duro e a pôr-</p><p>-se em condições de ser trabalhado; mas com o</p><p>tempo se amolecerá e se converterá em papa, até</p><p>que sua alma fique completamente sem nervo.</p><p>Quem, pelo contrário, submeter-se ao esforço da</p><p>ginástica e comer abundantemente, sem em nada</p><p>cultivar música e a filosofia, sentirá, a princípio,</p><p>crescer em si a coragem e o orgulho, graças à sua</p><p>energia corporal, e ficará cada vez mais valente.</p><p>Mas, ainda que se suponha que a sua alma abri-</p><p>gava de início algum desejo natural de aprender,</p><p>à força de não se alimentar com nenhuma ciência</p><p>nem investigação, acabará por ficar cega e surda.</p><p>Um tal homem se converterá em misólogo, em</p><p>inimigo do espírito e das musas; já não consegui-</p><p>rá persuadir ninguém nem se deixar persuadir</p><p>pela palavra, e o único recurso de que disporá</p><p>para alcançar o que se propuser será a força bru-</p><p>ta, exatamente como um bruto qualquer. Foi por</p><p>isso que um deus deu aos homens a ginástica e a</p><p>música, formando a unidade indivisível da pai-</p><p>deía, não como educação separada do corpo e do</p><p>espírito, mas como forças educadoras da parte</p><p>corajosa e da parte da natureza humana que as-</p><p>pira à sabedoria. Quem as souber combinar na</p><p>harmonia própria será mais favorito das musas</p><p>que aquele herói mítico da pré-história que, pela</p><p>primeira vez, soube combinar as cordas da lira</p><p>(PLATÃO apud JAEGER, 2001, p. 799-800).</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>25</p><p>Sob a inspiração desta concepção de educação, Dal-</p><p>croze propôs um sistema de ensino musical que, a</p><p>nosso ver, ultrapassa o objetivo de formar músicos</p><p>e atua diretamente na formação integral do ser hu-</p><p>mano. Uma pessoa que sente o seu corpo por intei-</p><p>ro percebe o próprio ritmo e expressa, por meio de</p><p>movimentos ordenados, os seus sentimentos, cons-</p><p>tituindo-se um indivíduo com maior probabilidade</p><p>de entender o mundo onde vive, bem como se situar</p><p>e exercer o seu papel social.</p><p>Veja o que Dalcroze fez após retirar seus</p><p>alunos de suas carteiras e adotar a marcha</p><p>como princípio para sua técnica de ensino</p><p>musical.</p><p>O próximo passo foi ornamentar as marchas</p><p>com movimentos dos braços. Para cada tem-</p><p>po do compasso havia um gesto correspon-</p><p>dente. Dalcroze apropriou-se das convenções</p><p>preestabelecidas da regência, em especial</p><p>para os compassos básicos (binário, ternário</p><p>e quaternário), alongando um pouco mais</p><p>os movimentos do braço até a extensão ou</p><p>flexão total dos cotovelos. Dalcroze não ne-</p><p>gligenciou os compassos divididos em 5, 6,</p><p>7, 8 e 9 tempos, pouco usuais no ensino de</p><p>música, criando para estes novas sequências</p><p>de movimento.</p><p>As pernas, que inicialmente marcavam a</p><p>pulsação de modo automático, também so-</p><p>freram alterações. Dalcroze criou, para cada</p><p>tempo do compasso, uma gestualidade das</p><p>pernas inspirando-se nos movimentos do</p><p>ballet clássico, nas flexões de joelhos (demi-</p><p>-pliés) e nos desenhos realizados pelo chão</p><p>(ronds de jambe).</p><p>Fonte: adaptado de Madureira (2008, p. 66).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>26</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>Ritmo</p><p>e Som</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>27</p><p>O ritmo está presente nos mundos orgânico e inor-</p><p>gânico. A sua existência é condicionada ao movi-</p><p>mento. No entanto, por que quando falamos de rit-</p><p>mo, pensamos quase que imediatamente em música</p><p>e não no movimento em si? Podemos responder esta</p><p>questão dizendo: porque música é movimento!</p><p>As músicas são compostas por sons, seja instru-</p><p>mental ou vocal. Então, podemos afirmar que som</p><p>é movimento? Sim! Artaxo e Monteiro (2003, p. 17)</p><p>definem o som como: “tudo que impressiona o ór-</p><p>gão auditivo, resultante do choque de dois corpos</p><p>que produzem a vibração do ar”.</p><p>Em consonância com Artaxo e Monteiro, Jean-</p><p>dot (1993, p. 12) menciona que “o som depende do</p><p>movimento e não existe na ausência dele. Em termos</p><p>físicos, o som é uma vibração que chega a nossos</p><p>ouvidos na forma de ondas que percorrem o ar que</p><p>nos rodeia”.</p><p>Para pensarmos melhor sobre o som, considera-</p><p>remos as seguintes questões:</p><p>• O som é tudo que impressiona o órgão au-</p><p>ditivo.</p><p>• O som é resultante de dois corpos que produ-</p><p>zem a vibração do ar.</p><p>A primeira questão se refere ao que ouvimos, ou</p><p>seja, tudo o que chega ao nosso órgão auditivo (ou-</p><p>vido). Quando, por exemplo, um sino bate, o seu</p><p>movimento produz vibrações que se tornam ondas</p><p>sonoras e se propagam pelo ar até o nosso ouvido</p><p>externo, passando pelo médio e interno, até serem</p><p>decodificadas pelo nosso cérebro como som.</p><p>Em nosso dia a dia, estamos ouvindo sons o</p><p>tempo todo. O ouvido é o órgão do sentido que</p><p>nunca para de trabalhar, mesmo quando não pres-</p><p>tamos atenção, os nossos ouvidos estão capturan-</p><p>do sons. Inclusive quando dormimos – quantas</p><p>vezes você já acordou no meio da noite por ter</p><p>ouvido um barulho? Por isto, a audição é o senti-</p><p>do que mais nos propicia interação com o mundo</p><p>exterior.</p><p>Figura 7 - Como o som chega ao ouvido</p><p>A maioria das pessoas usa a visão para realizar a</p><p>maior parte de sua comunicação com o mundo</p><p>exterior. Entretanto, enquanto a visão possibili-</p><p>ta um campo de apenas 180º de abrangência, a</p><p>audição proporciona para o indivíduo um cam-</p><p>po de 360º. Um exemplo claro que ilustra essa</p><p>característica é a seguinte: se uma pessoa acena</p><p>atrás de mim, sem emitir um único som, certa-</p><p>mente não saberei que estou sendo chamado.</p><p>No entanto, basta um único chamado audível</p><p>para que eu possa identificar a informação,</p><p>independente do lugar que essa pessoa estiver</p><p>ocupando em relação ao meu posicionamento</p><p>(GREGUOL; COSTA, 2013, p.133-134).</p><p>Dentre todos esses sons que chegam aos nossos ou-</p><p>vidos e nos permitem interagir socialmente, alguns</p><p>são mais agradáveis do que outros e existem, ainda,</p><p>aqueles que são totalmente desagradáveis, causado-</p><p>res de desconforto. Estes últimos são os ruídos.</p><p>28</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>A natureza oferece dois grandes modos de expe-</p><p>riência da onda complexa que faz som: frequência</p><p>regulares, constantes, estáveis, como aquelas que</p><p>produzem o som afinado, com altura definida, e</p><p>frequências irregulares, inconstantes, instáveis,</p><p>como aquelas que produzem barulhos, manchas,</p><p>rabiscos sonoros, ruídos (WISNIK, 1989, p. 26).</p><p>Assim, podemos entender que os ruídos são re-</p><p>sultantes de vibrações irregulares, por exemplo,</p><p>quando arrastamos pelo chão uma cadeira ou uma</p><p>mesa. Em suma, são sons sem harmonia, sem uma</p><p>ligação agradável e, por isto, não causam prazer,</p><p>contrariamente, são irritantes.</p><p>Além de entendermos as diferenças entre som</p><p>e ruído, também é importante sabermos que o pri-</p><p>meiro possui alguns elementos conhecidos como</p><p>“qualidades do som”. São eles: altura, duração, tim-</p><p>bre e intensidade. Vejamos cada um.</p><p>A altura pode ser pensada conforme a seguinte si-</p><p>tuação: normalmente, quando temos dificuldade em</p><p>ouvir uma música ou um programa na televisão, au-</p><p>mentamos o volume do aparelho para que o som fique</p><p>mais alto. Correto? Nesse caso, o termo ‘alto’ se refere</p><p>ao volume e não a altura do som. A altura do som:</p><p>É determinada pela frequência dos sons, isto</p><p>é, número de vibrações que cada onda sonora</p><p>emite em determinado intervalo de tempo. Um</p><p>som é mais grave quanto menor for o número</p><p>de vibrações, ou seja, quanto menor for a</p><p>frequência da onda sonora. Quanto maior for</p><p>essa frequência, mais agudo ele será (ARTAXO;</p><p>MONTEIRO, 2003, p. 21).</p><p>Wisnik (1989, p. 21) nos auxilia a compreender a di-</p><p>ferença entre som grave e agudo mencionando que:</p><p>[...] o som grave (como o próprio nome suge-</p><p>re) tende a ser associado ao peso da matéria,</p><p>com os objetos mais presos à terra pela lei da</p><p>gravidade, e que emitem vibrações mais len-</p><p>tas, em oposição à ligeireza leve e lépida do</p><p>agudo (o ligeiro, como no francês léger, está</p><p>associado à leveza).</p><p>Podemos identificar os sons agudos e graves ob-</p><p>servando as nossas próprias vozes. No senso co-</p><p>mum, associamos o agudo ao fino e o grave ao</p><p>grosso, portanto, poderíamos dizer que, geralmen-</p><p>te, os homens têm voz grave, e as mulheres, agu-</p><p>da. Cientificamente, esta análise é feita a</p><p>partir da</p><p>frequência de vibrações que as partículas que pro-</p><p>pagam o som executam por segundo (Hz). A voz</p><p>humana possui a frequência entre 85 Hz e 1.100</p><p>Hz, as vozes com frequência mais próxima de 85</p><p>Hz são graves (baixas), e as que se aproximam de</p><p>1.100 Hz são agudas (altas).</p><p>t</p><p>s</p><p>t</p><p>s</p><p>Frequência baixa --- som grave</p><p>Frequência alta --- som agudo</p><p>F qu n i a x - om r v</p><p>F e u c - om a ud</p><p>Figura 8 - Frequência de som grave e agudo</p><p>Fonte: Áudio Escola (2011, on-line)2.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>29</p><p>A duração do som é o período em que ele se esten-</p><p>de, o qual pode ser longo ou curto. Esta qualidade</p><p>do som é bem importante na relação entre ele e o</p><p>movimento, pois, para estabelecermos harmonia, é</p><p>indicado que o movimento tenha a mesma duração</p><p>do som.</p><p>O timbre refere-se à diferenciação dos sons e</p><p>nos possibilita identificá-los, é chamado, geralmen-</p><p>te, de a “cor” do som. Podemos, por exemplo, saber</p><p>que Maria está próxima de nós sem vê-la, apenas</p><p>por ouvir a sua voz. O mesmo ocorre quando ou-</p><p>vimos música e identificamos o som da guitarra,</p><p>da bateria e dos demais instrumentos, mesmo que</p><p>“[...] estejam produzindo a mesma nota com a mes-</p><p>ma altura e a mesma intensidade. O timbre depen-</p><p>de da forma como a energia se distribui entre as</p><p>várias frequências que determinam a vibração do</p><p>som” (JEANDOT, 1993, p. 23).</p><p>A intensidade se relaciona com a energia des-</p><p>prendida na produção do som, assim, podemos</p><p>produzir sons fortes e fracos. Como explica Wis-</p><p>nik (1989, p. 25): “[...] a intensidade é uma infor-</p><p>mação sobre um certo grau de energia da fonte</p><p>sonora”. Em consonância, Jeandot (1993, p. 23)</p><p>afirma que “a intensidade depende principalmen-</p><p>te da energia emitida pela fonte sonora. Quanto</p><p>mais força for imprimida pelo agente sonoro, mais</p><p>alto será o som”. Conseguir identificar a intensida-</p><p>de dos sons é importante para identificarmos os</p><p>compassos, já que estes são detectados pelos tem-</p><p>pos fortes e fracos.</p><p>Concluímos a importância das qualidades do</p><p>som com a seguinte passagem:</p><p>Através das alturas e durações, timbres e intensi-</p><p>dades, repetidos e/ou variados, o som se diferen-</p><p>cia ilimitadamente. Essas diferenças se dão na</p><p>conjugação dos parâmetros e no interior de cada</p><p>um (as durações produzem as figuras rítmicas;</p><p>as alturas, os movimentos melódicos-harmôni-</p><p>cos; os timbres, a multiplicação colorística das</p><p>vozes; as intensidades, as quinas e curvas de for-</p><p>ça na sua emissão (WISNIK, 1989, p. 26).</p><p>Você sabe a diferença entre ouvir, escutar</p><p>e entender? Usamos esses termos no dia a</p><p>dia quase como sinônimos. Mas eles têm</p><p>sentidos bem distintos. Jeandot (1993) expli-</p><p>ca essas diferenças da seguinte forma: para</p><p>ouvir, basta estarmos expostos ao mundo</p><p>sonoro e possuirmos o aparelho auditivo em</p><p>funcionamento. Nunca cessamos de ouvir, de</p><p>receber as impressões dos ruídos, dos sons.</p><p>A escuta envolve interesse, motivação, aten-</p><p>ção. É uma atitude mais ativa que o ouvir,</p><p>pois selecionamos, no mundo sonoro, aquilo</p><p>que nos interessa. Desta maneira, podemos</p><p>perceber, na música, os seus elementos cons-</p><p>tituintes, como a tonalidade, os timbres, o</p><p>andamento, o ritmo etc.</p><p>A escuta envolve também a ação de entender</p><p>e compreender, ou seja, de tomar consciência</p><p>daquilo que se captou.</p><p>Fonte: adaptado de Jeandot (1993).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>30</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>Elementos da Música Aplicados</p><p>às Atividades Rítmicas</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>31</p><p>Dentro da complexidade dos elementos que podem</p><p>ser abordados sobre o assunto sons e ritmos, o nos-</p><p>so interesse se concentra nos sons musicais, pois é</p><p>em consonância com a música que a maioria das</p><p>atividades rítmicas se desenvolvem. Jeandot (1993)</p><p>explica que, mesmo antes de nascermos, o universo</p><p>musical já faz parte de nossas vidas:</p><p>Na verdade, antes mesmo de nascer, ainda no</p><p>útero da materno, a criança já toma contato</p><p>com um dos elementos fundamentais da músi-</p><p>ca – o ritmo -, através das pulsações do coração</p><p>de sua mãe.</p><p>Antes ainda de começar a falar, podemos ver</p><p>o bebê cantar, gorjear, experimentando os sons</p><p>que podem ser produzidos com a boca. Obser-</p><p>vando uma criança pequena, podemos vê-la</p><p>cantarolando um versinho, uma melodia, ou</p><p>emitindo algum som repetitivo e monótono,</p><p>balanceando-se de uma perna a outra, ou ainda</p><p>para frente e para trás, como que reproduzindo</p><p>o movimento do acalanto. Essa movimentação</p><p>bilateral desempenha papel importante em to-</p><p>dos os meios de expressão que se utilizam do</p><p>ritmo, seja a música, a linguagem verbal, a dan-</p><p>ça etc. (JEANDOT, 1993, p. 18).</p><p>É importante ressaltar, no entanto, que o nosso in-</p><p>teresse não é a música especificamente, mas sim,</p><p>entender alguns elementos presentes nela que são</p><p>importantes no desenvolvimento das atividades rít-</p><p>micas. Dentre esses elementos, iniciamos apresen-</p><p>tando a métrica.</p><p>Por métrica entendemos medida. Assim, é pela</p><p>métrica que realizamos a contagem musical. Ela re-</p><p>presenta a objetividade, pois divide o tempo musical</p><p>em partes iguais, repetindo-as sempre, ou seja, mede</p><p>o tempo entre a repetição de um movimento e outro.</p><p>Mas como fazemos essa medição? Por meio do pul-</p><p>so, ou pulsação.</p><p>O pulso, ou pulsação, é a batida/ marcação da</p><p>música. Quando começamos a nos movimentar ao</p><p>escutar uma música, os nossos movimentos são di-</p><p>recionados pela batida dela. É por meio do pulso</p><p>que conseguimos identificar outros elementos da</p><p>música, como andamento e compasso.</p><p>O andamento é a velocidade da música, ou seja,</p><p>o espaço de tempo entre as batidas. O andamento</p><p>de uma música é medido por um aparelho chamado</p><p>metrônomo. Este foi inventado no século XIX por</p><p>Johann Nepomuk Maezel para medir os batimen-</p><p>tos por minutos (BPM) e até hoje é muito utilizado.</p><p>Atualmente, o modelo mecânico foi substituído por</p><p>digitais, podendo ser instalados, inclusive, em com-</p><p>putadores e celulares.</p><p>Figura 9 - Metrônomo mecânico</p><p>Por meio do metrônomo, o andamento pode ser</p><p>classificado como vagaroso, moderado e rápido (Ta-</p><p>bela 1).</p><p>32</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>Tabela 1 - Andamento</p><p>Vagaroso Batimentos por Minuto (bpm)</p><p>Grave Muito lento</p><p>40 - 60Lento Lento</p><p>Largo Pausado</p><p>Larghetto Pausado, mas não tanto quanto o largo.</p><p>66 - 76</p><p>Adágio De um modo calmo, sem pressa</p><p>Moderado</p><p>Andante De um modo fluente, como quem caminha 76 - 108</p><p>Moderato Moderado</p><p>108 - 120</p><p>Allegretto Um pouco rápido</p><p>Rápido</p><p>Allegro Rápido</p><p>120 - 168</p><p>Vivace Vivo</p><p>Presto Muito rápido</p><p>168 - 208</p><p>Prestíssimo O mais rápido possível</p><p>Fonte: Artaxo e Monteiro (2003, p. 25).</p><p>Ao observarmos a tabela, podemos concluir que va-</p><p>garoso/lento é o andamento que apresenta os BPMs</p><p>entre 40 e 76; moderado entre 76 e 120; e rápido,</p><p>120 a 208.</p><p>Por compasso, podemos entender “[...] a pulsa-</p><p>ção rítmica da música que se repete regularmente,</p><p>dividindo-a em partes iguais, em sequências de 2, 3,</p><p>4 ou mais tempos” (ARTAXO; MONTEIRO, 2003,</p><p>p. 23). Quando a divisão é de 2 tempos, chama-se</p><p>compasso binário, de 3 tempos, ternário, e de 4 tem-</p><p>pos, quaternário. Mas, como essa divisão é feita? Por</p><p>meio dos predicados forte e fraco. Vejamos os exem-</p><p>plos na Figura 10 e na Figura 11:</p><p>Figura 10 - Compasso binário</p><p>Fonte: a autora.</p><p>Figura 11 - Compasso ternário</p><p>Fonte: a autora.</p><p>http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Largo_%28andamento%29&action=edit&redlink=1</p><p>http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Larghetto&action=edit&redlink=1</p><p>http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Moderato&action=edit&redlink=1</p><p>http://pt.wikipedia.org/wiki/Allegro_ma_non_troppo</p><p>http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Presto_%28andamento%29&action=edit&redlink=1</p><p>http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Prestissimo&action=edit&redlink=1</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>33</p><p>Na primeira imagem, podemos contar as palmas de</p><p>duas em duas; na segunda, de três em três; portan-</p><p>to, correspondem, respectivamente, aos compassos</p><p>binários e ternários. Mas e o quaternário? Para iden-</p><p>tificá-lo, é preciso, além das palmas fortes e fracas,</p><p>inserirmos uma palma “meio forte”, ou intermediá-</p><p>ria. Veja a Figura 12.</p><p>Figura 12 - Compasso quaternário</p><p>Fonte: a autora.</p><p>Nestes exemplos, estamos usando palmas para re-</p><p>presentar as batidas, mas existem símbolos especí-</p><p>ficos que são utilizados para fazer a escrita musical.</p><p>Eles são chamados de “figuras do ritmo” que, além</p><p>de nos possibilitar a leitura do compasso, têm a fun-</p><p>ção de registrar a duração do som. Veja a explicação</p><p>de Artaxo e Monteiro (2003, p. 22, grifo nosso) so-</p><p>bre as figuras do ritmo: “a duração do som musical</p><p>faz o ritmo da música, ou seja, o ritmo é a sequên-</p><p>cia de durações, diferentes e repetidas regularmente,</p><p>sendo formado por figuras do ritmo ou por valores</p><p>musicais”. Podemos perceber, portanto, que existem</p><p>diferentes durações dos sons. Isto fica claro na expli-</p><p>cação de Jeandot (1993, p. 24, grifos do autor):</p><p>A duração do som pode ser longa, como o</p><p>som prolongado de um apito, ou como a</p><p>nota sustentada num instrumento. Pode ser</p><p>ainda curta ou breve, quando o início e o fim</p><p>da emissão se confundem, como acontece,</p><p>por exemplo, quando tocamos brevemente a</p><p>borda de uma mesa. O som de duração in-</p><p>termediária é chamado som formado. Nele</p><p>se percebem o toque inicial, sua continuação</p><p>e seu término, como o toque de martelo nas</p><p>lâminas do metalofone.</p><p>Assim, para identificarmos a duração do som, bas-</p><p>ta olharmos para as figuras apresentadas no quadro</p><p>a seguir:</p><p>ESCRITA MUSICAL</p><p>SOM SILÊNCIO</p><p>Figuras</p><p>-representação-</p><p>Figuras</p><p>-nome- Duração Pausas</p><p>-nome-</p><p>Pausas</p><p>-representação-</p><p>semibreve 4 pulsações pausa de semibreve</p><p>mínima 2 pulsações pausa de mínima</p><p>semínima 1pulsação pausa de semínima</p><p>cocheia 0,5 pulsações pausa de colcheia</p><p>Fonte: Carvalho ([2017], on-line)3.</p><p>Quadro 1 - Escrita musical</p><p>34</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>Ao observarmos o quadro, podemos verificar que a</p><p>semibreve é a figura de maior duração, com 4 tem-</p><p>pos (batidas/pulsações). Perceba que a mínima cor-</p><p>responde à sua metade, ou seja, 2 tempos. O mesmo</p><p>ocorre com a semínima, 1 tempo, e assim sucessiva-</p><p>mente. Desta forma, podemos inferir que o valor de</p><p>cada figura corresponde à metade da anterior.</p><p>Assim como temos as figuras que identificam a</p><p>duração do som, também existem as que marcam a</p><p>duração do silêncio. Observe que, quando conversa-</p><p>mos, existe um intervalo entre uma palavra e outra,</p><p>as chamadas pausas, as quais também são expressas</p><p>por figuras, denominadas “figuras negativas” e rece-</p><p>bem o mesmo nome das positivas, ou seja, das que</p><p>registram o som.</p><p>Agora que já conhecemos as figuras rítmicas,</p><p>voltaremos aos compassos. Lembre-se que eles orga-</p><p>nizam os tempos. Conforme a organização, os com-</p><p>passos podem ser binários, ternários e quaternários,</p><p>certo? Desta forma, observe a Figura 13:</p><p>Figura 13 - Compasso binário</p><p>Fonte: a autora.</p><p>O que esta fração na Figura 13 significa? O numera-</p><p>dor da fração (parte superior) indica como o com-</p><p>passo será dividido. Neste caso, a divisão se dará de</p><p>2 em 2 tempos (pulsos), isto significa que é um com-</p><p>passo binário. O denominador indica a figura rítmi-</p><p>ca do compasso que, neste caso, será a semínima, a</p><p>qual corresponde a 1 pulso. Mas como sabemos que</p><p>o número 4 indica a semínima?</p><p>A semibreve tem uma duração de 4 tempos,</p><p>portanto, é considerada uma figura inteira e recebeu</p><p>como referência o número 1; a mínima equivale à</p><p>metade da semibreve, ou seja, precisamos de duas</p><p>mínimas para termos o mesmo tempo da semibreve.</p><p>O número correspondente da mínima é o 2.</p><p>Você, portanto, já entendeu a lógica das</p><p>atribuições numéricas, não é mesmo? Então, por</p><p>que a semínima recebe como referência o número</p><p>4? Porque é preciso 4 semínimas para corresponder</p><p>o tempo da 1 semibreve. Observe o quadro a seguir</p><p>e veja como ocorre essa atribuição numérica para as</p><p>demais figuras.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>35</p><p>Veja estes exemplos de compassos:</p><p>Compasso ternário</p><p>Quadro 2 - Valores das notas musicais</p><p>Compasso quaternário</p><p>Fonte: Darezzo ([2015], on-line)4.</p><p>Figura 14 - Compasso ternário e quaternário</p><p>Fonte: a autora.</p><p>36</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>Além desses compassos, que são os simples, exis-</p><p>tem os compostos. No entanto, não nos aprofunda-</p><p>remos neste estudo, pois estaríamos entrando em</p><p>questões específicas da teoria musical e nos distan-</p><p>ciando de nosso propósito. Todavia é importante</p><p>saber que os compassos compostos podem resultar</p><p>no que chamamos, no universo da dança, de “con-</p><p>tagem quebrada”, ou seja, quando não conseguimos</p><p>contar até 8 em uma música. Um exemplo é o com-</p><p>passo composto 6/8, em que a contagem vai até 6.</p><p>Isto ficará mais claro quando tratarmos de frase</p><p>musical ou coreográfica.</p><p>O domínio das figuras rítmicas positivas e nega-</p><p>tivas é importante, principalmente no processo de</p><p>montagem coreográfica, pois podemos determinar</p><p>a duração de cada movimento por meio da notação</p><p>das figuras. Agora, vamos fazer um exercício práti-</p><p>co? Decore a seguinte sequência de exercícios:</p><p>Figura 15 - Sequência de exercícios</p><p>Fonte: a autora.</p><p>EDUCAÇÃO FÍSICA</p><p>37</p><p>Execute-os de acordo com a notação no Quadro 3:</p><p>Quadro 3 - Sequência de exercícios práticos</p><p>Exercício 1 Exercício 2 Exercício 3</p><p>Semibreve (4t) Mínima (2t) Mínima (2t) 8t</p><p>Exercício 4 Exercício 5</p><p>Semínima (1) Pausa da semínima (1) Semibreve (4t) Pausa da mínima (2) 8t</p><p>Exercício 6</p><p>Semibreve (4) Pausa da semibreve (4) 8t</p><p>Fonte: a autora.</p><p>Você já conseguiu decorar a sequência e executá-</p><p>-la, obedecendo o tempo determinado pelas figuras</p><p>do ritmo, então executaremos a mesma sequência,</p><p>mas com o direcionamento sonoro. Para isso, será</p><p>preciso um metrônomo, o qual poderá ser encon-</p><p>trado em versões on-line ou em vídeos. Execute essa</p><p>sequência de acordo com os andamentos, lembra?</p><p>Vagaroso (40 a 76 BPM); moderado (76 a 120 BPM)</p><p>e rápido (120 a 208 BPM). Esse exercício é indicado</p><p>para observar o ritmo individual dos alunos e esta-</p><p>belecer um ritmo grupal para o desenvolvimento de</p><p>atividades coletivas.</p><p>Agora, trocaremos o metrônomo por uma músi-</p><p>ca que você gosta. Primeiro escute a música identifi-</p><p>cando a sua pulsação e, depois, execute a sequência</p><p>de acordo com as suas batidas. Repita quantas vezes</p><p>for necessário, até dominar a execução.</p><p>Observaremos novamente o Quadro 3. Veja</p><p>que, na última coluna, há uma soma de 8T. O que</p><p>isto significa? Esses 8T significam 8 tempos (bati-</p><p>das/pulsações) e são usados para indicar as frases</p><p>musicais.</p><p>A frase musical, assim como na língua falada</p><p>ou escrita, é composta por início/meio/fim. Não</p><p>existe regra em relação ao seu tamanho, mas, ge-</p><p>ralmente, elas são construídas em 8 tempos. A</p><p>identificação das frases musicais é muito impor-</p><p>tante na dança, pois, geralmente, inicia-se a exe-</p><p>cução dos movimentos simultaneamente com o</p><p>início das frases e o mesmo ocorre em relação ao</p><p>seu término. As frases são agrupadas em períodos,</p><p>os quais costumam ser formados por 8 compassos,</p><p>que pode corresponder a 4 frases e a 32 tempos, se</p><p>o compasso for quaternário.</p><p>38</p><p>FUNDAMENTOS DE RÍTMICA E DANÇA</p><p>A identificação das frases e dos períodos mu-</p><p>sicais é muito importante para a montagem coreo-</p><p>gráfica. Antes de iniciar a criação dos movimentos,</p><p>é indicado o estudo da música para conhecer, por</p><p>exemplo, a quantidade de frases que compõem a in-</p><p>trodução ou o refrão.</p><p>Vamos praticar! Escolha uma música que você</p><p>gosta. Escute-a procurando identificar as frases e</p><p>os períodos musicais. Anote as suas observações.</p><p>Não existe uma única forma de fazer as anotações,</p><p>mas sugerimos fazer da seguinte maneira: para</p><p>cada frase musical, escolha um símbolo, por exem-</p><p>plo, um traço ( I ), e toda vez que perceber mudan-</p><p>ças significativas (instrumental, vocal, refrão etc.)</p><p>mude de linha.</p><p>Para finalizarmos a nossa abordagem da música,</p><p>é importante saber que, além do ritmo, ela possui</p><p>outros dois elementos: melodia e harmonia. Pode-</p><p>mos compreender o que é melodia por meio da ex-</p><p>plicação de Artaxo e Monteiro (2003, p. 20):</p><p>Em música, a melodia consiste na emissão li-</p><p>near de sons apoiados</p><p>no ritmo. Uma sucessão</p><p>de sons não constituiu melodia; é necessário</p><p>possuir, como característica essencial, a can-</p><p>tabilidade, que nos permite poder cantar uma</p><p>linha melódica. Toda melodia é apresentada</p><p>por combinações de tons altos e baixos, graves</p><p>e agudos, fortes e fracos, de intensidade alta ou</p><p>baixa, criando variedade imensa de ritmos. Um</p><p>tom sozinho não cria melodia. Uma frase me-</p><p>lódica só acontece com uma sucessão sonora.</p><p>Harmonia se refere à combinação de sons. Artaxo e</p><p>Monteiro (2003, p. 20) explicam que: “é a combina-</p><p>ção simultânea de dois sons ou mais”. Para Garcia</p><p>e Haas (2003, p. 57), harmonia “refere-se à combi-</p><p>nação de diferentes notas que soam simultaneamen-</p><p>te, formando um acorde; realça o sentimento que o</p><p>compositor expressou ao compor a música”.</p><p>Ritmo, melodia e harmonia possibilitam, então,</p><p>a construção musical. A música faz parte da consti-</p><p>tuição do nosso próprio eu. Ouvimos música quan-</p><p>do estamos tristes ou alegres; para passar o tempo,</p><p>trabalhar ou descansar; com amigos ou sozinho(a).</p><p>A música dialoga com os nossos sentimentos, des-</p><p>perta desejos e sentimentos, reaviva recordações,</p><p>estimula o pensar, o agir e o criar. Por isso, a música</p><p>é tão importante quando o nosso interesse são ativi-</p><p>dades rítmicas, as quais podem ser entendidas como</p><p>a expressão da relação entre gesto corporal e som.</p><p>Jeandot (1993, p. 14) explica que existe um vínculo</p><p>entre o surgimento da música ao:</p><p>[...] interesse do homem primitivo pelos mo-</p><p>vimentos e pelos gestos por eles produzidos e</p><p>pelos sons oriundos da natureza. “A satisfação</p><p>de exercitar seus músculos, o prazer de gritar,</p><p>de bater sobre os objetos sem dissociar o gesto</p><p>de seu efeito, pode ser a origem simultânea da</p><p>dança, do canto, da música”. Essa abordagem</p><p>recupera a relação música-corpo. Seria a músi-</p><p>ca a arte do gesto?</p><p>Por meio da passagem de Jeandot (1993), podemos</p><p>entender que não existe dissociação entre música/</p><p>dança, som/corpo. Esta ideia é importante para</p><p>refletirmos acerca do objeto da Educação Física, o</p><p>movimento corporal, o qual não é simplesmente</p><p>executado pelo corpo, mas reflete o ser em sua to-</p><p>talidade. Nesta perspectiva, as atividades rítmicas</p><p>possibilitam o conhecimento do ser humano e a</p><p>participação na construção social/humana dos su-</p><p>jeitos que a praticam.</p><p>39</p><p>considerações finais</p><p>Chegamos ao final de nossa primeira unidade e agora, você está inseri-</p><p>do(a) no universo da Rítmica!</p><p>Ao trabalharmos os seus principais elementos, neste momento, você</p><p>deve ser capaz de diferenciar a rítmica do ritmo, não é mesmo? A rítmica</p><p>é a ciência do ritmo, o qual não existe sem movimentos e se caracteriza pela sucessão</p><p>regular destes. No entanto, a forma como essa sucessão ocorre possibilita a classifica-</p><p>ção do ritmo, por exemplo, em individual ou coletivo.</p><p>Além disso, vimos como é importante termos claro o conceito de corpo, pois ele</p><p>conduzirá as nossas ações frente aos nossos alunos. Neste caso específico, é a nossa</p><p>compreensão de corpo que nos levará a entender se o ritmo é produzido mecanica-</p><p>mente, como em um relógio, ou como reflexo do que somos em nossa totalidade.</p><p>Pudemos verificar como isto se efetiva na prática com a Rítmica de Dalcroze que,</p><p>por meio da visualização do ritmo mecanizado produzido por seus alunos de mú-</p><p>sica, sistematizou um método de ensino que não expressa a dissociação entre ritmo</p><p>e o ser. A proposta de Dalcroze foi tão importante que não se limitou ao ensino da</p><p>música, mas influenciou as práticas de ginástica e dança.</p><p>O estudo do som nos propiciou entender as suas qualidades, as quais são impor-</p><p>tantes para pensarmos a música. Mesmo que o estudo da teoria musical não seja o in-</p><p>tuito de nossa abordagem, alguns de seus elementos são importantes para trabalhar-</p><p>mos com música nos diferentes campos de atuação do(a) professor(a) e profissional</p><p>de Educação Física. Dentre eles, destacamos como imprescindíveis a percepção e a</p><p>contagem musical, necessárias nas montagens coreográficas e nas aulas de ginástica.</p><p>Contudo a percepção e a contagem não se limitam a essas duas disciplinas, elas po-</p><p>dem ser aplicadas com outros objetivos, em outros conteúdos da Educação Física.</p><p>Desta forma, esperamos que tenha ficado claro a importância de, dia a dia, nos</p><p>aproximarmos dos conteúdos da rítmica para que a Educação Física contribua com</p><p>o processo de formação do ser humano em sua totalidade.</p><p>40</p><p>atividades de estudo</p><p>1. Muitas vezes, empregamos palavras ou termos naturalmente, sem sabermos o</p><p>seu significado. No entanto, para sairmos do senso comum, que pode levar à cria-</p><p>ção de preconceitos que atrapalham a aplicação de alguns conteúdos da Educa-</p><p>ção Física, é preciso ultrapassarmos o uso cotidiano dos termos. É necessário um</p><p>estudo sobre conceitos. Pensando sobre dois conceitos – rítmica e ritmo – que</p><p>estão sempre presentes quando o assunto é dança, leia as assertivas a seguir.</p><p>I - Existe uma relação intrínseca entre a rítmica e ritmo, em que este está sub-</p><p>metido àquela, sendo ele, o ritmo, o objeto de estudo dela, a rítmica. Assim,</p><p>podemos afirmar que a rítmica é uma grande área que engloba o ritmo, a</p><p>qual pode ser sintetizada como “ciência do ritmo”.</p><p>II - Não existe ritmo sem movimento. O ritmo está presente em todo o universo</p><p>e, consequentemente, em todos os seres humanos, sendo compreendido</p><p>como uma sucessão de impulsos energéticos que determinam o movimen-</p><p>to e o repouso. Desta forma, a argumentação de que a falta de ritmo é um</p><p>empecilho para a execução da dança é falsa, pois todos os seres humanos o</p><p>possuem.</p><p>III - O ritmo está relacionado à mecânica do movimento, não sofrendo interfe-</p><p>rência afetiva/emocional em sua execução. Por isto, o desenvolvimento da</p><p>dança justifica-se na Educação Física, cujo objeto de estudo é o movimento</p><p>humano, por melhorar o desempenho físico, podendo acarretar em melhor</p><p>qualidade de vida aos alunos.</p><p>IV - Sobre a classificação dos ritmos, os autores identificam a existência de vários</p><p>deles, como: individual, grupal (ou coletivo), mecânico, natural, disciplinado,</p><p>espontâneo e refletido. Quando pensamos em dança, o desenvolvimento de</p><p>atividades que estimulem o ritmo coletivo e o refletido são muito importan-</p><p>tes, pois a maioria das coreografias são executadas em grupo, o que requer</p><p>que os dançarinos adaptem os seus ritmos individuais aos do grupo ou à</p><p>métrica musical, fundamento do ritmo refletido.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>a) Apenas I e II.</p><p>b) Apenas II e III.</p><p>c) Apenas I.</p><p>d) Apenas I, II e IV.</p><p>e) I, II, III e IV.</p><p>41</p><p>atividades de estudo</p><p>2. A retomada da compreensão do corpo nos diferentes momentos históricos é</p><p>importante para percebermos o quanto o dualismo influenciou e ainda influen-</p><p>cia o nosso modo de pensar/agir e, consequentemente, como compreendemos</p><p>quem é o sujeito e o objeto do movimento. Sobre esta questão, leia as assertivas</p><p>a seguir.</p><p>I - Para Platão, todas as sensações prejudicam o pensamento e, consequente-</p><p>mente, a obtenção da verdade, fato que estabelece a inferioridade do corpo</p><p>em relação ao espírito. A fenomenologia rompe com a ideia de separação</p><p>ou inferioridade das experiências sensíveis, e o corpo passa a fazer parte da</p><p>totalidade do ser humano (inteligível e sensível). Neste sentido, todo o conhe-</p><p>cimento é proveniente da percepção que temos do mundo.</p><p>II - Aceitando a perspectiva dualista, entendemos o ritmo como uma ação mecâ-</p><p>nica, produzida pelo objeto corpo; na perspectiva fenomenológica, emoções</p><p>e ações não são desvinculadas e, neste sentido, o ritmo é uma ação pro-</p><p>duzida pelo ser humano em sua totalidade. Esta segunda perspectiva pode</p><p>ser aproximada ao método musical, a Rítmica, desenvolvido pelo compositor</p><p>Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950).</p><p>III - O método musical de Dalcroze influenciou a dança e a ginástica por consi-</p><p>derar que os seus alunos não teriam bom desempenho se permanecessem</p><p>“sentados em suas carteiras”, ou seja, por entender que o corpo deveria o</p><p>primeiro “instrumento a ser tocado”. Esta concepção pode ser considerada</p><p>atual para</p>