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Journal of Medical and Biosciences Research Volume 1, Número 2 (2024), Páginas 233 - 244 . Journal of Medical and Biosciences Research | Gomes et al. A importância da humanização do acolhimento no atendimento de enfermagem no SUS: um relato de experiência Rebecca Nascimento da Silveira Gomes* Graduanda em Enfermagem pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) Juliana de Fatima da Conceição Veríssimo Lopes Graduanda em Nutrição pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) Caroline Momente Martins Saturnino Graduada em Nutrição pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Ariadne Araújo Savioti Dias Graduada em Enfermagem pelo Centro Universitário UNA (UNA) Lilian da Silva Almeida Graduada em Enfermagem pela Universidade Estácio de Sá (UNESA) Katiele Macedo Soares Pinto Cordeiro Graduada em Enfermagem pelo Centro Univesitário (UNIESP) Carlos Antonio Teixiera de Lima Sampaio Graduando em Enfermagem pelo Centro Universitário Celso Lisboa (UCL) Bárbara Heloíza Barbosa da Silva Graduanda em Enfermagem pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) Gilson Carlos Fernandes Júnior Graduando em Enfermagem pela Faculdade de Ciências de Saúde do Trairi (FACISA/UFRN) Beatriz Pinheiro Borges Neta Graduanda em Enfermagem pela Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (FACISA/UFRN) Larissa Cristina de Carvalho Pena Enfermeira Especialista em Oncologia e Hematologia pela Unilago Lívia Rodrigues Carvalho Graduanda em Enfermagem pela Faculdade Kennedy RESUMO: O atendimento na Estratégia de Saúde da Família (ESF) preceitua o acolhimento e a escuta ativa e qualificada das pessoas, com encaminhamento responsável de acordo com as necessidades apresentadas, de modo que a humanização do atendimento em enfermagem configura uma competência ímpar ao enfermeiro no contexto da Atenção Básica em Saúde. Objetivo: relatar experiências e reflexões como Acadêmica Bolsista atuante em uma Clínica da Família, concernentes a humanização do acolhimento como essencial ao atendimento de Enfermagem; e dissertar um caso específico no qual o atendimento humanizado foi imprescindível para a efetivação do processo de enfermagem, com o cuidado integral do paciente. Método: estudo descritivo do tipo relato de experiência, elaborado a partir da vivência de uma graduanda da UNIRIO no programa Acadêmico Bolsista. Resultado: foi relatado o caso de um usuário do serviço de saúde que, graças ao atendimento humanizado, expôs sua condição de usuário de drogas e recebeu encaminhamento aos serviços especializados. Discussão: o caso mostra a importância do atendimento humanizado para o cuidado holístico da pessoa humana. Conclusão: urge ensinar ao profissional desde sua graduação a importância da humanização a fim de formar profissionais aptos a realizar o cuidado integral do usuário dos serviços de saúde. Palavras-chave: Humanização; Processo de Enfermagem; Graduando; Saúde da Família. Journal of Medical and Biosciences Research Volume 1, Número 2 (2024), Páginas 233 - 244 . Journal of Medical and Biosciences Research | Gomes et al. Journal of Medical and Biosciences Research vol. 1, núm. 2, 2024 Rebecca Nascimento da Silveira Gomes *Autor correspondente: rebeccansgomes@gmail.com Recepção: 23/06/2024 Aprovação: 19/07/2024 Publicação: 23/07/2024 ABSTRACT: Care in the Family Health Strategy (ESF) prescribes welcoming and active and qualified listening to people, with responsible referral according to the needs presented, so that the humanization of nursing care constitutes a unique competence for nurses in the context of Basic Health Care. Objective: to report experiences and reflections as a Scholarship Student working in a Family Clinic, concerning the humanization of reception as essential to Nursing care; and discuss a specific case in which humanized care was essential for the implementation of the nursing process, with comprehensive care for the patient. Method: descriptive study of the experience report type, drawn up based on the experience of a UNIRIO undergraduate student in the Academic Scholarship program. Result: the case of a health service user was reported who, thanks to humanized care, revealed his condition as a drug user and was referred to specialized services. Discussion: the case shows the importance of humanized care for the holistic care of the human person. Conclusion: it is urgent to teach professionals from their graduation the importance of humanization in order to train professionals capable of providing comprehensive care to users of health services. Keywords: Humanization; Nursing Process; Graduating; Family Health Strategy. Journal of Medical and Biosciences Research Volume 1, Número 2 (2024), Páginas 233 - 244 . Journal of Medical and Biosciences Research | Gomes et al. INTRODUÇÃO O Sistema Único de Saúde (SUS) foi instituído pela Lei n° 8.080/90, que detalhou no âmbito infraconstitucional as diretrizes asseguradas pela Constituição Federal de 1988. No contexto de redemocratização do país, a ideia de valorização da vida humana por meio da construção de uma medicina social, que percebesse os indivíduos a partir das desigualdades sociais por eles enfrentadas e suas condições de vida como resultado da garantia, ou não, do direito à saúde, germinou no imaginário da sociedade brasileira (Anjos, 2019). Deste modo, a Lei n° 8.080/90 formaliza no sistema normativo brasileiro a ideia do conceito ampliado de saúde instituído pela Organização Mundial de Saúde (OMS), entendido como um bem-estar físico, mental e psicossocial, e não apenas a ausência de doença. Ao definir o SUS e elencar seu conjunto de ações e serviços de saúde, essa diretriz estabelece o modo como são dispostas as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, assim como a sua organização e o funcionamento dos sistemas correspondentes (Spinetti, 2007). Graças aos seus princípios e diretrizes visando a alcançar toda a população com ações e serviços de qualidade, o SUS é celebrado nacional e internacionalmente por programas como o Programa Nacional de Controle de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (PNDST/Aids), Programa Nacional de Imunização (PNI), Sistema Nacional de Transplantes, atuação no campo dos hemoderivados e de urgência e emergência (SAMU), além de ampliar o acesso e a qualidade do cuidado integral da pessoa humana por meio da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Este relato se deterá na Estratégia de Saúde da Família. A ESF apresenta-se como a estratégia prioritária para a expansão e consolidação da Atenção Básica no Brasil, utilizando-se de tecnologia de elevada complexidade e baixa densidade, por meio de alto grau de descentralização e capilaridade, para ser o contato preferencial com os usuários dos serviços de saúde na Rede de Atenção à Saúde (RAS). Orientada pelos princípios da universalidade, da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado, da integralidade da atenção, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação, a Atenção Básica considera o sujeito em sua singularidade e inserção sociocultural, a fim de produzir uma atenção integral (Brasil, 2006). Journal of Medical and Biosciences Research Volume 1, Número 2 (2024), Páginas 233 - 244 . Journal of Medical and Biosciences Research | Gomes et al. A Atenção Básica, por meio da Portaria n° 2.436/17 em seu Art. 2°, é definida como “o conjunto de ações de saúde individuais, familiares e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde, desenvolvida por meio de práticas de cuidado integrado e gestãoqualificada, realizada com equipe multiprofissional e dirigida à população em território definido, sobre as quais as equipes assumem responsabilidade sanitária” (Brasil, 2017). Por ser a ESF uma diretriz da Atenção Básica, propõe o acolhimento e escuta ativa e qualificada das pessoas, com classificação de risco e encaminhamento responsável de acordo com as necessidades apresentadas, demonstrando como o acolhimento do indivíduo aparece, desde sua regulamentação, em local de destaque durante o cuidado integral da pessoa humana. A Política Nacional de Humanização (PNH), com objetivo de garantir a prática dos princípios do SUS nos serviços de saúde, estimula a construção de processos coletivos de enfrentamento de relações de poder, trabalho e afeto que, em muitas circunstâncias, resultam em atitudes e práticas desumanizadoras, que inibem a autonomia e a corresponsabilidade dos profissionais da área de saúde em seu trabalho e dos usuários no cuidado de si (Zonta, 2018). Todos os profissionais de saúde, prioritariamente da Atenção Básica, devem participar do acolhimento dos usuários, receber e escutar as pessoas e suas necessidades, responsabilizando-se pela continuidade da atenção. A Portaria n° 2.436/21 define como atribuição de todos os membros das equipes de saúde, na Atenção Básica, a humanização do atendimento, devendo ser preconizada a formação por meio da educação continuada e especializada, que envolva o usuário a partir de suas dimensões biopsicossociais ao garantir a escuta ativa das queixas relatadas e o protagonismo durante seu processo de saúde-doença no âmbito do SUS. Tendo como foco o atendimento do enfermeiro, o processo de enfermagem é composto por cinco fases, a saber: coleta de dados, diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação. Utilizando-se da Sistematização da Assistência em Enfermagem (SAE) é possível harmonizar todas essas fases a fim de propiciar a Journal of Medical and Biosciences Research Volume 1, Número 2 (2024), Páginas 233 - 244 . Journal of Medical and Biosciences Research | Gomes et al. prestação de uma assistência organizada e humanizada. Apenas com uma coleta de dados adequada é possível fazer o diagnóstico correto do indivíduo a partir de suas necessidades, enquanto essa coleta de dados só será efetiva por meio da construção de um ambiente seguro para o paciente compartilhar suas vivências e percepções sem julgamentos (Bassine, 2023). O processo de trabalho da enfermagem é atravessado por elementos de ordem subjetiva que transcendem a esfera tecnicista imposta pelo modelo hospitalocêntrico. As relações interpessoais e os elementos subjetivos fundamentados no cotidiano das práticas de enfermagem – confiança, amizade, responsabilidade, ética, motivação, cooperação, envolvimento, criatividade, iniciativa e solidariedade – têm como foco o usuário dos sistemas de saúde e suas necessidades integrais, as quais não podem ser alcançadas senão por meio de relações horizontais baseadas na humanização do atendimento (Thofehrn et al., 2011). Nesse ínterim, a problemática encarada é a urgência em realizar atendimentos humanizados por parte dos profissionais de enfermagem para a realização do processo de enfermagem e garantia da cura do paciente, percebido de forma holística e integral em suas esferas biopsicossocial. O graduando de enfermagem deve ser estimulado desde o primeiro contato com o paciente a ampliar sua percepção sobre o processo de cuidar e como acolher o indivíduo, de modo que o mesmo sinta-se confortável para compartilhar todas as suas necessidades, aumentando as possibilidades de cura. Logo, evidencia-se a necessidade de ampliar os horizontes da formação profissional para atuação no SUS considerando o Programa de Estágio Não Obrigatório Acadêmico Bolsista, que oferece a graduandos de diversas áreas a vivência em unidades básicas de saúde. Este trabalho apresenta relevância ímpar ao contribuir com o enriquecimento da formação de profissionais de enfermagem críticos, reflexivos e com percepção para a identificação das diversas demandas apresentadas pela assistência e suas resoluções. O presente trabalho tem como objetivos: relatar experiências e reflexões como Acadêmica Bolsista atuante em uma Clínica da Família localizada na CAP 5.3, concernentes a humanização do acolhimento como essencial ao atendimento de Enfermagem; e, dissertar um caso específico no qual o atendimento humanizado foi Journal of Medical and Biosciences Research Volume 1, Número 2 (2024), Páginas 233 - 244 . Journal of Medical and Biosciences Research | Gomes et al. imprescindível para a efetivação do processo de enfermagem, com o cuidado integral do paciente. MATERIAL E MÉTODOS Trata-se de um estudo com delineamento descritivo do tipo relato de experiência, elaborado a partir da vivência de uma graduanda em Enfermagem da UNIRIO (zona sul) quando se iniciou no programa Acadêmico Bolsista em uma Clínica da Família (zona oeste) da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, no período de maio a dezembro de 2022. O estágio consistia em 12 (doze) horas semanais, que foram divididas nos dias da semana, contemplando ações de puericultura, pré-natal, acolhimento de parturientes, visitas domiciliares, coleta de preventivo, além das consultas de rotina (hipertensão, diabetes, saúde do adulto e saúde da mulher), com maior frequência de demanda livre. A unidade é constituída por 7 equipes de saúde da família, sendo denominadas, neste relato como equipe, utilizando a letra “E”, seguida pelo número arábico conforme os dias e horários de atuação, garantindo o anonimato dos profissionais de cada equipe. O presente trabalho visou apresentar a importância do desenvolvimento de humanização para o acolhimento no atendimento de Enfermagem, enfatizando sua importância na formação profissional voltada para o SUS, oportunizada pelas atividades práticas oportunizadas no Estágio do curso de Graduação em Enfermagem e pelo Programa de Estágio Não Obrigatório Acadêmico bolsista, apesar das desigualdades sociais visíveis entre as áreas territoriais. RESULTADOS A Clínica da Família possui turnos manhã e tarde, beneficiando os moradores do bairro ao oferecer atendimento integral segundo os protocolos da Atenção Básica. Realizei minha prática seguindo a organização da agenda das equipes. Durante o período do estágio, presenciei todos os tipos de consultas, tendo sido a maioria de demanda livre, tanto pelo regime de marcação de consultas quanto pelo grande porte da unidade. Em um desses atendimentos, o usuário GSA (55 a), homem, obeso, parte do programa de hipertensão arterial sistêmica (HAS), compareceu a unidade para Journal of Medical and Biosciences Research Volume 1, Número 2 (2024), Páginas 233 - 244 . Journal of Medical and Biosciences Research | Gomes et al. inserção no SISREG de um exame que, apesar de já ter conseguido vaga, não poderia ser realizado naquele local pois o equipamento para realização do exame não suporta peso superior a 120kg. Enquanto minha preceptora resolvia as questões inerentes à função gestora de equipe, não conseguia despender tempo e atenção adequados para resolução do problema deste usuário, de modo que iniciei a consulta de Enfermagem. Em outra situação o Sr. com índice de massa corpórea (IMC) 47.88 estava realizando exames para avaliar a função cardíaca, tendo em vista um infarto agudo do miocárdio (IAM) ocorrido há menos de 2 meses. Em uso de hidroclorotiazida 25 mg 1x ao dia, captopril 50 mg 2 comprimidos pela manhã e 2 a noite, sinvastatina 20 mg 2 comprimidos pela manhã e Diazepam 10 mg 2 comprimidos a noite, resolvi refletir e analisar o uso do diazepínico, uma vez que todas as outras medicações eram condizentes com o diagnóstico de HAS e dislipidemia, enquanto o remédio controlado tinha sido iniciado antes do IAM. Ao realizar escutaativa, percebi a ansiedade do paciente GSA, ao relatar sua preocupação com a obesidade. Referiu ter sido encaminhado à cirurgia bariátrica, realizado todos os exames por meio de laboratórios particulares, para não precisar esperar o SUS e garantir a realização da operação, porém, sendo advertido com notícias dos efeitos colaterais da cirurgia, na qual amigos o desestimularam, por informar que alguns que submeteram ao procedimento, falecerem após o procedimento cirúrgico. O que me impediu a concretização e culminou em seu não comparecimento no dia programado para a cirurgia. Em seguida, comentou fazer uso de substâncias ilícitas há aproximadamente cinco anos para lidar com essa ansiedade. Ao ser questionada se o uso da substância faz algum mal, tendo em vista o IAM recente, alegando categoricamente não fumar “nunca!”, estando eu na ausência de preceptora, refleti alguns segundos para organizar minha resposta. Deixei de lado questões ideológicas, preconceituosas e em relação a descriminalização dessas substâncias, tendo em vista os fatos. O uso de substâncias ilícitas, as quais a falta de regulamentação, torna inviável saber a quantidade de excipientes (substâncias que não possuem valor terapêutico) e concentração da substância ativa, de modo que Journal of Medical and Biosciences Research Volume 1, Número 2 (2024), Páginas 233 - 244 . Journal of Medical and Biosciences Research | Gomes et al. apesar de possíveis efeitos medicinais no controle da ansiedade, não é possível mensurar o quanto são prejudiciais ao organismo. Expliquei ao usuário que qualquer tipo de fumo é desaconselhado, seja o lícito (cigarros, essências) ou as substâncias ilícitas, principalmente considerando um IAM recente. Esclareci as dúvidas em relação às substâncias, seus excipientes e expliquei que a crença em melhora do quadro com o uso da droga pode ter trazido a sensação de alívio dos sintomas sem efeitos terapêuticos reais tendo em vista o longo período de uso (provavelmente muito maior que o relatado). Por fim, orientei quanto a possibilidade de acompanhamento com os serviços de psicologia, disponíveis no SUS, dizendo que há alternativas, tanto alopáticas quanto não farmacológicas, para o controle dessa ansiedade, deixando claro o papel da Clínica da Família nesse processo. O usuário mostrou-se, então, arredio, dizendo que não conseguiria parar de utilizar essas substâncias de uma vez, mas referiu querer parar por ser o melhor para sua saúde. Expliquei a existência dos CAPS (centro de atenção psicossocial) para auxílio da ansiedade e dos CAPS AD (centro de atenção psicossocial álcool e outras drogas) para auxiliar a largar as substâncias, esclarecendo que esse processo ocorre gradualmente e com a assistência de profissionais capacitados, de modo que seu limite seja respeitado e o objetivo alcançado. A preceptora, ao retornar, ouve minha explicação da situação, e me ajuda a realizar os encaminhamentos para as unidades circunscritas. Apesar de a queixa do paciente ser em relação a um encaminhamento para o SISREG, o cuidado integral da pessoa humana só foi possível ao ouvir aquilo que não foi dito na consulta , utilizando dados disponíveis em prontuário e realizando escuta ativa. DISCUSSÃO Tendo em vista a situação relatada, é perceptível a urgência de um acolhimento humanizado durante o atendimento de Enfermagem, principalmente na Atenção Básica. Ao estreitar os laços entre profissionais de saúde e usuários, o acolhimento configura a peça-chave para compreender as necessidades do indivíduo a partir de uma perspectiva integral da pessoa humana. Journal of Medical and Biosciences Research Volume 1, Número 2 (2024), Páginas 233 - 244 . Journal of Medical and Biosciences Research | Gomes et al. No atendimento cotidiano em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) é possível que ocorram diversos imprevistos, que exijam maior atenção por parte do profissional de saúde, impossibilitando a ele realizar consultas de enfermagem conforme preconizado pelas diretrizes do Ministério da Saúde. A sobrecarga dos profissionais de saúde inseridos em um território cuja população não é amplamente amparada, por políticas públicas adequadas, ilustra o estado lastimável da saúde como um todo. Deste modo, é necessário considerar as limitações inerentes às qualidades do território onde uma UBS está inserida, considerando as características dos usuários e suas necessidades em saúde, a fim de realizar uma avaliação adequada. Segundo Oliveira (2017), a localidade onde está inserida a Unidade de Básica de Saúde, no Rio de Janeiro, é marcada pelo abandono estatal, precariedade de serviços públicos e privados e pobreza da população, sendo tais características ainda mais contrastantes quando comparada à zona sul, foco histórico dos investimentos do Estado e possuidor do maior IDH (índice de desenvolvimento humano) entre os bairros cariocas (Marques et al., 2020). A fim de garantir o direito à saúde principiado pela Constituição Federal de 1988, o profissional de saúde deve ser capaz de perceber necessidades e queixas, de modo a promover um cuidado integral do usuário dos serviços públicos de saúde. Enquanto estudante da área, a protagonização do episódio relatado me permitiu exercitar a escuta ativa, promover um ambiente de acolhimento e realizar um encaminhamento necessário à realidade do paciente, contribuindo para o cuidado integral considerando a equipe multiprofissional de saúde. Ao considerar que o usuário já era acompanhado pela UBS há anos, com acompanhamento de HA e monitoramento da obesidade, é perceptível como o modelo biomédico de saúde é danoso ao usuário, que finda por ser desconsiderado em suas necessidades básicas. Perceber o indivíduo a partir de suas patologias, reduzindo-o às anormalidades fisiológicas, obscurece o componente emocional, permitindo que sintomas somato psíquicos venham à tona, propiciando ao indivíduo buscar a solução de suas ansiedades por meio de álcool e outras drogas. Quando me foi permitido estar sozinha com o usuário, foi disponibilizado a ele uma ouvinte disponível e com certa qualificação (por estar sob tutoria de uma preceptora) para sanar dúvidas, que o acolheu a ponto de sentir segurança no cuidado Journal of Medical and Biosciences Research Volume 1, Número 2 (2024), Páginas 233 - 244 . Journal of Medical and Biosciences Research | Gomes et al. recebido e conforto suficiente para compartilhar algo que, em consultas com outros profissionais, sequer foi citado. Assim, a necessidade de um cuidado mais humano e acolhedor não figura como mera formalidade no contexto acadêmico, mas uma oportunidade de suprir demandas da população e formar profissionais mais humanos. Antes de adentrar no campo de estágio, admito que não tinha grandes perspectivas sobre a atenção básica, tendo em vista o meu pré-conceito de trabalhar com algo que, via de regra, não dá resultados a curto prazo, sendo um acompanhamento do estado de saúde do usuário. Porém a relevância de ter essa vivência e de relatar essa experiência e tantas outras observadas é inegável ao educando, uma vez que criar espaços acolhedores é imprescindível a todo profissional de saúde. Percebe-se a necessidade de que o aluno tenha essa capacidade de saber estreitar os laços com os usuários, para permitir cuidar do que não foi expressado como queixa principal. Na condição de acadêmica, o choque de chegar numa UBS e ser chamada de enfermeira, de ser percebida como profissional de saúde e de ter responsabilidade no cuidado dos usuários me faz refletir o quanto é preciso se dedicar durante a graduação. A prática de um profissional não é construída com um diploma, mas sim com o que foi aprendido, percebido e adquirido por meio de todas as vivências na faculdade e fora dela, no papel de estudante e de profissional de saúde. O estágio permite não apenasrealizar procedimentos, mas perceber que “apenas” sentar e escutar o indivíduo configura-se como um cuidado de Enfermagem. Deste modo, o estágio não obrigatório Acadêmico Bolsista contribui para a formação profissional ao permitir que alunos, como eu, que não tinha interesse de atuar na atenção básica, vivenciem a realidade de uma estratégia de saúde da família, percebendo a criação e o fortalecimento dos laços entre os profissionais e a coletividade em uma relação interpessoal, mostrando a efetividade da equipe multiprofissional no cuidado como um todo, incluído o holístico, estimulando ter um novo olhar de atuação como futura Enfermeira. Ampliar horizontes é permitir vivenciar oportunidades. Journal of Medical and Biosciences Research Volume 1, Número 2 (2024), Páginas 233 - 244 . Journal of Medical and Biosciences Research | Gomes et al. CONCLUSÕES A possibilidade trazida pelo estágio não obrigatório, Acadêmico Bolsista, me permitiu estabelecer laços com a atenção básica, percebendo a importância da humanização do acolhimento no atendimento de Enfermagem durante minha formação, a fim de promover cuidado integral do usuário dos serviços de saúde. A vivência e as reflexões aqui relatadas foram os diferenciais na minha formação acadêmica, estimulando o desenvolvimento contínuo do saber teórico-prático condizente com as necessidades da população. Acredito que minhas experiências são e serão muito úteis durante a prática profissional. O compartilhamento dessa vivência compete para incentivar outros graduandos a adentrar nos campos de prática e perceberem cada contato com o paciente como uma possibilidade de desenvolver o cuidado humanizado, de modo que, quando estiverem exercendo sua atividade profissional, estejam aptos a ouvir e recepcionar os pacientes pela construção de um ambiente acolhedor. Evidencia-se a aplicabilidade adequada da humanização em todos os ambientes de contato com o paciente, estimulando a relação profissional-usuário dos sistemas de saúde e entendendo a importância de elementos subjetivos no processo terapêutico em enfermagem. REFERÊNCIAS ANJOS, Vera Lúcia Honório dos. A redemocratização do Brasil e a política de saúde como uma de suas expressões. Revista Direitos, Trabalho e Política Social, [s. l.], v. 5, n. 9, p. 10-35, 2019. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rdtps/article/view/8900. Acesso em: 01 out. 2022. BASSINE, C. P. de J. . Processo de enfermagem: a importância do diagnóstico de enfermagem. Revista Remecs - Revista Multidisciplinar de Estudos Científicos em Saúde, [S. l.], p. 14, 2023. Disponível em: http://revistaremecs.com.br/index.php/remecs/article/view/1152. Acesso em: 23 out. 2023. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 648/GM, de 28 de março de 2006. 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