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Teoria Geral do Direito Civil II 
1 
Marta Lima e Silva 
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 
 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
 
® Lições de Teoria Geral do Direito Civil, Mafalda Miranda Barbosa, 
GestLegal; 
® Aulas teóricas da Profª. Dra. Mafalda Miranda Barbosa; 
® Aulas práticas da Profª. Dra. Mafalda Miranda Barbosa 
® Aulas práticas do Prof. Dr. Pedro Mendes. 
 
 
Ano Letivo 2020/2021 
Marta Lima e Silva 
Teoria Geral do Direito Civil II 
2 
Marta Lima e Silva 
Capítulo I – Teoria geral do objeto da relação jurídica 
 
1. Noção de objeto da relação jurídica 
 
A relação jurídica é composta por vários elementos, sendo um destes elementos o objeto. O 
objeto da relação jurídica é aquilo sobre que incide a relação jurídica; é aquilo sobre que incide 
o direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo dessa relação jurídica. 
 
Na relação jurídica temos o senhor A, que é identificado como o titular ativo do direito, e temos 
o senhor B, que é o titular passivo. O titular do direito tem um direito sobre alguma coisa. Este 
quid sobre que incide a relação jurídica – o direito subjetivo – é o objeto da relação jurídica. 
 
2. Objeto mediato e imediato 
 
A doutrina costuma, dentro do objeto da relação jurídica, distinguir entre o chamado objeto 
mediato e o objeto imediato: 
Ø O objeto mediato é aquele em que os poderes do titular do direito apenas incidem de 
forma indireta ou mediata; 
Ø No objeto imediato, os poderes do titular do direito vão incidir de forma direta sobre o 
objeto da relação jurídica. 
 
Esta distinção só é relevante por referência a alguns direitos, designadamente, só é relevante 
por referência aos direitos de crédito, em que se tem um objeto mediato que é a coisa. Por 
exemplo, se se estiver a falar de um arrendamento, tem-se a coisa como objeto mediato, mas 
tem-se um objeto imediato que é a prestação – a conduta do devedor sobre o qual incidem os 
meus poderes enquanto credor. Fala-se aqui de uma distinção que faz referência aos direitos de 
crédito que impliquem a prestação de uma coisa certa e determinada. 
 
Nos outros direitos, esta distinção entre o objeto mediato e o objeto imediato não faz particular 
sentido. 
 
3. O artigo 202º CC e a sua crítica 
 
O art. 202º do CC fala do objeto da relação jurídica, fazendo equivaler este objeto da relação 
jurídica à coisa: “diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas”. Para este 
artigo, o objeto da relação jurídica é igual à coisa. 
 
Ora, a verdade é que, contra aquilo que dispõe o art. 202º CC, podemos confrontar-nos com 
mais objetos do que simples coisas – a coisa é apenas um dos possíveis objetos da relação 
jurídica. Estes possíveis objetos correspondem a diferentes tipos de objetos de relação jurídica 
e a diferentes tipos de direitos subjetivos com que já nos confrontámos. 
 
4. Possíveis objetos da relação jurídica 
 
Os possíveis objetos da relação jurídica são: 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
3 
Marta Lima e Silva 
Ø As outras pessoas, dado que têm poderes/direitos funcionais que, por sua vez, têm 
como objeto as pessoas de outrem. Isto não equivale a uma objetivação da pessoa, nem 
tão pouco a uma menorização ou degradação da pessoa, dado que estes direitos vão 
ser exercidos em função do interesse da própria pessoa que é objeto desses mesmos 
direitos. 
 
Ø As próprias pessoas, pois os direitos de personalidade também podem ser objeto de 
relação jurídica. Aqui, o objeto é a própria pessoa globalmente considerada – se 
estivermos a falar do direito geral de personalidade – ou, então, são considerados 
determinados aspetos da personalidade humana. 
 
Ø As prestações, que são necessariamente objeto de relação jurídica nos direitos de 
crédito. Nestes direitos, o objeto é o comportamento do devedor, ou seja, é a ação ou 
omissão a que o devedor se vincula. 
 
Ø As coisas, que se exemplificam em direitos reais, sendo o objeto imediato. Estes direitos 
reais definem-se como poderes diretos e imediatos sobre uma coisa. 
 
A “coisa”, no sentido comum, não corresponde ao conceito de coisa para o direito nem 
corresponde ao conceito de coisa para o direito civil. Há determinados entes que são 
considerados coisas para o direito que não o são na linguagem comum (a eletricidade é um 
exemplo típico). 
 
Do ponto de vista jurídico, as coisas são definidas como bens de caracter estático (é importante 
para as distinguir das prestações, que têm um caráter dinâmico), que são desprovidos de 
personalidade e não integram o conteúdo necessário dessa personalidade (é importante para 
distinguir as coisas das pessoas e dos bens da personalidade humana tutelada ao nível dos 
direitos de personalidade). 
 
Para além de serem bens de carácter estático desprovidos de personalidade e não integrantes 
do conteúdo necessário dessa personalidade, estes bens são também bens suscetíveis de 
constituir o objeto da relação jurídica ou de relações jurídicas. Para isso, é necessário que estes 
bens apresentem algumas características: 
 
1) Ter uma existência autónoma e separada, dado que, se assim não fosse, não eram 
consideradas coisas. 
Exemplo: se, depois de se construir um edifício, se pensar num dos tijolos que integra 
aquele edifício, pode falar-se de uma parte integrante e não de uma coisa, pois deixou 
de ter existência autónoma e separada. 
 
2) Têm de ser apropriáveis de forma exclusiva por alguém. Não se exige que sejam 
efetivamente apropriadas, dado que, no Direito, existem res nulius (coisas de ninguém). 
Por exemplo, os animais bravios podem ser configurados como este tipo de res nulius. 
 
3) É necessário que estes bens sejam aptos a satisfazer interesses ou necessidades 
humanas; se não o forem, não podem ser consideradas coisas para o direito. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
4 
Marta Lima e Silva 
Estas são as três características essenciais para que um bem de carácter estático e desprovido 
de personalidade possa ser considerado objeto de relações jurídicas privadas. 
 
Dentro das coisas podem ter-se diversas qualificações, contidas no artigo 203º do CC, sendo 
explicitadas nos artigos subsequentes – 204º e seguintes, até ao 219º. Existem duas 
classificações relevantes: 
 
1) Distinção entre coisas móveis e imóveis – para efeitos de forma do negócio jurídico, 
encontra-se no art. 204º o elenco de coisas imóveis. Tudo aquilo que não for coisa 
imóvel é considerado coisa móvel. 
 
2) Distinção entre coisas corpóreas e coisas não corpóreas – esta distinção é importante 
e não consta do elenco classificativo do CC. As coisas corpóreas têm existência exterior 
e podem ser apercebidas pelos sentidos, ao contrário das coisas incorpóreas que são 
meras criações do espírito. Esta distinção é relevante porque só podem ser objeto de 
direito de propriedade as coisas corpóreas. 
 
Há uma série de regimes ligados à responsabilidade civil e à responsabilidade do 
produtor que envolvem algumas considerações atinentes às coisas corpóreas e 
incorpóreas, dado que a responsabilidade do produtor só se efetiva quando o dano é 
causado ou na vida ou na integridade de uma pessoa ou, então, numa coisa diferente 
da coisa tida por defeituosa. 
 
Coloca-se o problema de saber se alguns tipos de bens se podem ou não configurar 
como um elemento integrante de uma coisa. Por exemplo, na compra de um 
computador defeituoso, se o dano provocado for no próprio computador, esse dano não 
é ressarcível no abrigo da responsabilidade do produtor. A questão que se coloca é a de 
saber se eu posso ou não configurar como uma coisa, para estes efeitos, os dados que 
tenho dentro do disco do meu computador. Coloca-se aqui uma série de problemas de 
saber se se podem ou não configurar estes dados coisas corpóreas. 
 
A eletricidade, por exemplo, não deve ser compreendida como uma coisa corpórea 
porque não é captada pelos sentidos. Da mesma maneira, o conteúdo de um livro será 
classificado como uma coisa incorpórea, enquanto o papel do livro é classificadode forma é o casamento porque se exige, para a sua celebração, um ritual. Tem-se, aqui, 
uma forma que não é apenas formal – não se traduz apenas na forma escrita, no 
documento. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
27 
Marta Lima e Silva 
 
Atualmente, vão-se colocando diversos problemas a propósito dos documentos e, sobretudo, 
em função da digitalização do mundo. Portanto, há problemas interessantes do ponto de vista 
jurídico como, por exemplo, a equivalência das assinaturas eletrónicas e da assinatura digital em 
relação à assinatura manuscrita. 
 
9.2.3. Âmbito da forma legal exigida 
 
O âmbito da forma legal exigida está tratado no art. 221º do CC. 
 
Exemplo: o António celebrou um contrato de compra e venda com o Bernardo, sendo que o 
objeto deste contrato é um apartamento (um imóvel), cujo valor era de 100.000€. No momento 
da celebração do contrato, o António e o Bernardo acordaram que o preço seria pago nestes 
moldes: no momento em que estavam a uns minutos de outorgar a escritura pública, pagar-se-
iam 50.000€; os outros 50.000€ pagar-se-iam ao fim de 1 ano. Isto ficou acordado entre eles, 
mas não consta da escritura – foi um acordo verbal que eles fizeram. 
 
Outorgada a escritura pública, o Bernardo pagou ao António 50.000€ e estava à espera do 
decurso do prazo de um ano para pagar os outros 50.000€. Ao fim de um mês, o António vem 
exigir-lhe mais 50.000€, dizendo que ele estava numa situação de atraso no cumprimento. O 
Bernardo diz que não tem de pagar os 50.000€ euros agora porque eles acordaram que seriam 
pagos ao final de 1 ano. O António contrapõe, dizendo que isso não consta da escritura e que, 
portanto, esse acordo não é válido porque não obedece à forma legal exigida. 
 
O problema do âmbito da forma legal exigida é exatamente este: saber o que é que tem de 
constar da escritura. O art. 221º/1 CC vem dizer que estas estipulações acessórias, quer sejam 
anteriores à declaração quer sejam contemporâneas dela, são nulas – salvo se a razão 
determinante da forma não se aplicar e se se provar que correspondem à vontade do autor da 
declaração. 
 
Pode concluir-se, então, que as estipulações não são válidas, exceto se se verificarem três 
requisitos: 
1) Elas têm de ser mesmo cláusulas acessórias e, portanto, têm de complementar o acordo 
das partes e não podem contradizê-lo. 
2) Elas não podem estar abrangidas pelas razões determinativas da forma. Ou seja, as 
razões que justificam que, excecionalmente, o legislador imponha uma forma têm de 
estar verificadas, em concreto. 
3) Tem de se provar que correspondem à vontade das partes (remissão do art. 221º/1 
para o art. 394º CC). Nesta prova exigida pelo art. 221º/1, vamos estar limitados pelas 
regras do art. 394º, que nos diz que não é possível a prova por testemunhas. Então, 
vamos ter de provar isto por confissão (no nosso caso, o António confessa que 
efetivamente acordou que 50.000€ só seriam pagos após um ano) ou por um 
documento, ainda que seja um documento menos solene (por exemplo, se houvesse 
um e-mail, uma carta ou um bilhete redigido pelo António a comprovar aquela versão 
que ele estava agora a tentar refutar). 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
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Marta Lima e Silva 
No que diz respeito às estipulações acessórias posteriores, ou seja, aquelas que vão modificar 
o negócio ou que vão abolir parte do negócio, tem de se aplicar o art. 221º/2 CC – que, por sinal, 
não é exigente nesta matéria. 
 
9.2.4. Consequências da inobservância da forma 
 
9.2.4.1. Legal 
 
Faz-se uma distinção entre as formalidades ad substantiam e as formalidades ad probationem: 
Ø As formalidades ad substantiam são aquelas que são efetivamente requisito de 
validade de um negócio; 
Ø As formalidades ad probationem não configuram um elemento de validade do negócio, 
sendo que servem apenas para efeitos probatórios. Por exemplo, veja-se o art. 1069º 
CC. No caso da forma do contrato de arrendamento, está-se perante uma formalidade 
ad probationem. Isto significa que a forma não é exigida como requisito de validade 
formal. Se ela faltar, é possível provar por outros meios a verificação e a existência 
daquele contrato. Esta formalidade só existe para efeitos probatórios. 
 
Quando se pergunta qual é a consequência da falta de forma, fala-se da formalidade ad 
substantiam e não da formalidade ad probationem. Se faltar uma formalidade quando ela seja 
uma formalidade ad substantiam, segundo o art. 220º do CC, gera-se a nulidade do negócio. 
 
Uma questão interessante, a propósito da nulidade do negócio por vício de forma, é a questão 
de saber se se pode ou não obstar à invocação desta nulidade invocando o abuso de direito. 
 
Exemplo: A e B que celebram um contrato de compra e venda de um imóvel, mas A foi, durante 
muitos anos, empregado de B e tem uma dívida de gratidão enorme por ele. Então, B insiste na 
não formalização do negócio aproveitando a sua situação de supremacia e impede a 
regularização da exigência legal. Diz-lhe que não vale a pena estarem a gastar dinheiro com 
questões notariais porque confiam um no outro e nenhum irá invocar a invalidade do negócio. 
A quase tem medo de que B possa ficar melindrado com ele. O negócio é formalizado apenas 
por um documento particular sem ser outorgada a escritura pública e, mais tarde, zangam-se. A 
nulidade do negócio é invocada com base no vício de forma. A questão que se coloca é a de 
saber se se pode obstar a esta invocação de nulidade com base no vício de forma invocando o 
abuso do direito. 
 
Tradicionalmente, há duas posições contrárias a este propósito: 
1) Uma posição que sustenta que a natureza imperativa das normas formais impede o 
recurso ao abuso do direito; 
2) Outra posição que defende que é possível obstar à invocação da nulidade com base no 
referido abuso do direito. 
 
A preocupação será sempre, no fundo, definir os contornos do abuso do direito. De facto, é 
possível que se invoque o abuso a este propósito para obstar ou para impedir a invocação da 
nulidade por parte do contraente que deu origem à invalidade formal. 
 
O que é necessário é que se possa discernir, na situação concreta, um comportamento que 
configure um venire contra factum proprium. Não será toda e qualquer situação que dá origem 
Teoria Geral do Direito Civil II 
29 
Marta Lima e Silva 
a esta possibilidade de invocação do abuso. É efetivamente necessário que haja aqui uma 
violação dos ditames impostos pela boa fé e que haja uma violação da confiança que se 
consubstancie num venire contra factum proprium. 
 
9.2.4.2. Convencional 
 
É possível a celebração de pactos determinativos da forma do negócio. A consequência da sua 
violação encontra-se consagrada no art. 223º do CC. 
 
Conclui-se, a partir deste artigo, que, quando as partes estipulam uma forma especial que o 
legislador não tinha determinado, elas só se quiseram vincular através dela. Portanto, isto 
significa que o negócio só será válido se se cumprir aquela forma, mas admite-se prova em 
contrário. 
 
O nº2 do art. 223º admite que, se a forma apenas for convencionada depois de o negócio estar 
concluído ou no momento da sua conclusão, as partes quiseram, então, desde logo, vincular-se. 
Quiseram, portanto, sedimentar/consolidar o negócio jurídico e não pretenderam substituí-lo. 
 
9.3. A formação do negócio jurídico 
 
A questão da perfeição negocial trata o problema de saber quando é que o negócio jurídico é 
celebrado – quando é que se considera perfeito o negócio jurídico e, portanto, quando é que 
começa a produzir efeitos. Então, há que fazer aqui uma distinção entre os negócios jurídicos 
unilaterais e os contratos. 
 
9.3.1. Negócios unilaterais 
 
Os negócios jurídicos unilaterais podem ser recetícios ou não recetícios. 
 
Ø Um negócio jurídico unilateral não recetício torna-se perfeito com a emissão da 
declaração negocial. Basta o declarante emitir a declaração para que o negócio comece 
a produzir os seus efeitos. 
 
Ø Um negócio recetício torna-se perfeito no momento em que a declaraçãoentra na 
esfera de poder do destinatário. Consagramos, aqui, a chamada teoria da receção. Não 
se exige o conhecimento efetivo, exige-se sim que se garantam as condições para que o 
destinatário/declaratário possa vir a conhecer efetivamente. 
 
9.3.2. Contratos – proposta e convite a contratar; aceitação; teoria da receção; 
eficácia e ineficácia da proposta; prazos de duração da proposta 
 
Para que haja celebração de um contrato, são necessárias uma proposta e uma aceitação. 
Então, o contrato considera-se perfeito quando a resposta, contendo a aceitação, entra na 
esfera de poder do proponente. 
 
Exemplo: A emite uma proposta dirigida a B. B recebe aquela proposta e redige uma carta 
dirigida a A a dizer “sim, eu aceito”. 
Ø No momento em que redige e envia a carta, ainda não há um contrato. Este é o 
momento da emissão, em que ainda não há contrato. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
30 
Marta Lima e Silva 
Ø Depois, o momento em que ele sai de casa para colocar a carta no correio é o momento 
da expedição. Aqui, também ainda não há contrato. 
Ø De seguida, um terceiro momento é o momento da receção – o momento em que a 
resposta, contendo a aceitação, entrou na caixa de correio do proponente. O 
proponente ainda não conhece aquela resposta e ele até pode rasgar aquela carta, mas 
ele tem condições efetivas/materiais para vir a conhecer. Então, neste momento da 
receção, dá-se a perfeição do negócio jurídico. 
Ø Há, ainda, um quarto momento: o momento do conhecimento. No momento do 
conhecimento, não se exige este conhecimento efetivo. Exige-se apenas que o 
contraente esteja em condições de vir a conhecer. 
 
Imagine-se, agora, que não houve receção. A carta não chegou, mas o destinatário 
(proponente), que estava à espera daquela resposta, tomou dela conhecimento por outra via – 
chamada telefónica. Esta carta não entra na sua esfera de poder, mas ele tomou conhecimento 
do seu conteúdo por outra via. Neste caso, não temos receção, mas temos conhecimento. 
Então, aqui, o negócio também está perfeito e também começa a produzir efeitos. 
 
Este processo de formação dos contratos só faz sentido para contratos entre ausentes. Se se 
estiver a negociar face a face com alguém, não faz sentido escalpelizar estas diferentes fases. 
Ademais, ao negociar através do telefone também não faz sentido pensar neste esquema. Um 
negócio celebrado e fechado por telefone é um negócio entre presentes, apesar de as pessoas 
estarem ausentes na linguagem comum. 
 
Note-se que a proposta enviada, no sentido de celebrar o negócio: 
Ø Tem de ser completa; 
Ø Tem de relevar e revelar inequivocamente a intenção de contratar; 
Ø Tem de revestir a forma exigida para a celebração do negócio. 
 
Porque é que estes três requisitos são exigidos? Para que, com a simples aceitação, o negócio 
se tenha por concluído. Isto permite distinguir a proposta do convite a contratar. Este último é 
uma declaração dirigida ao público em geral e que se destina a provocar a emissão de propostas 
tendentes à ulterior celebração do negócio. 
 
Exemplo: eu coloco um anúncio num jornal a perguntar se alguém está interessado em comprar 
o meu automóvel. Neste caso, eu estou a dirigir uma declaração ao público em geral e não me 
quero vincular com a mera aceitação de alguém. Se assim fosse, estava a sujeitar-me a uma 
multiplicidade de possíveis vinculações. O que eu quero é que as pessoas me dirijam 
propostas. Se eu aceitar alguma dessas propostas, celebra-se o negócio. 
 
Há determinadas situações que têm causado dificuldade em determinar a classificação. Uma 
dessas situações prende-se com a exposição de produtos nas prateleiras das grandes superfícies 
comerciais ou com a exposição de produtos nas máquinas que dispensam bens alimentares. 
Estas duas situações têm colocado dúvidas na doutrina. O que se tem entendido é que, quando 
haja a indicação do preço, elas devem ser vistas como verdadeiras propostas e não como 
convites a contratar. 
 
Exemplo: se se retirar qualquer produto de uma prateleira num supermercado, o negócio 
considera-se celebrado quando se chega à caixa para pagar. É neste momento que o negócio se 
encontra perfeito. O declarante – a superfície comercial – não reserva para si a última palavra 
em matéria de vinculação contratual. A vinculação fica dependente, única e exclusivamente, de 
o cliente levar ou não o produto até à casa registadora. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
31 
Marta Lima e Silva 
Outra nota importante é que a proposta se torna irrevogável depois de ter sido recebida pelo 
destinatário ou depois de por ele ser conhecida – artigo 230º do CC. A proposta só perde efeito 
se esse mesmo destinatário receber uma retratação ao mesmo tempo que recebe a proposta 
ou antes de receber a proposta. Isto significa que, na esfera jurídica do destinatário da proposta 
– que depois poderá ou não aceitar o negócio –, se criou um direito potestativo de chegar à 
conclusão do contrato. 
 
• Nota: o artigo 228º do CC estabelece quais são os prazos de validade e de eficácia da 
proposta. 
 
A morte ou a incapacidade do proponente não vão impedir a conclusão do contrato. Contudo, 
se, por acaso, o destinatário perder o poder de disposição do direito a que aquela proposta se 
refere antes de receber a proposta ou antes de ter dela conhecimento, então, a proposta torna-
se ineficaz. 
 
Como se sabe, a proposta não basta para que o contrato se dê por celebrado. Para que haja 
contrato, a proposta tem de ser aceite e essa aceitação tem que ser completa. Tem de haver 
acordo sobre todos os aspetos que as partes reputem como essenciais. Então, o que acontece 
em caso de uma aceitação com modificações ou de uma aceitação com limitações? A aceitação 
com modificações/limitações/aditamentos corresponde a uma rejeição da proposta. No 
entanto, essa rejeição pode valer como uma nova proposta, caso seja precisa. 
 
Este é o esquema de celebração de um contrato – regime geral. Depois, há uns processos 
especiais de formação dos contratos, designadamente, no que diz respeito à contratação 
eletrónica – Decreto-Lei nº7 de 2004. 
 
9.4. A interpretação do negócio jurídico 
 
9.4.1. O correto entendimento acerca da interpretação: problema normativo e 
não hermenêutico 
 
Um negócio formado/perfeito tem de ser interpretado. Como qualquer comportamento 
declarativo, as declarações negociais têm de ser interpretadas. Não se pode dizer que uma 
declaração é bastante clara e que, por isso, não tem de ser interpretada. A própria clareza da 
declaração já resulta de uma interpretação. 
 
Além disso, a interpretação vai ser fundamental para duas coisas: 
Ø Para qualificar o próprio comportamento como declaração negocial; 
Ø Para determinar o sentido juridicamente relevante do negócio. 
 
A interpretação do negócio jurídico, para além de me dizer qual é o sentido daquela declaração, 
vai ter que remeter necessariamente o negócio para o sistema jurídico. Só remetendo para o 
sistema jurídico é que eu vou conseguir perceber quais são as especificidades jurídicas daquelas 
declarações, ou se as partes estão ou não a violar determinadas normas imperativas ou 
determinados princípios fundamentais do ordenamento. 
 
Então, posso concluir que a interpretação não é só um problema hermenêutico, é também um 
problema normativo. 
 
9.4.2. Teorias subjetivistas e objetivistas 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
32 
Marta Lima e Silva 
Esta questão da interpretação do negócio jurídico é tributária, ou seja, fica dependente do 
modo como concebemos/perspetivamos o negócio jurídico: 
Ø Se se conceber o negócio jurídico de um prisma subjetivista, dando mais importância à 
vontade, então, adere-se a uma posição mais subjetivista em matéria de interpretação. 
Ø Se se reforçar o papel da declaração negocial, então, o caminho será uma teoria 
objetivista da interpretação. 
 
Então, em teoria, pode interpretar-se o negócio jurídico de uma de duas formas: 
• Procurando saber qual é a vontade real do declarante– posição subjetivista; 
• Interpretando de acordo com o sentido objetivo da declaração – posição objetivista. 
 
9.4.3. A teoria da impressão do destinatário 
 
O Código Civil consagra uma teoria objetivista mitigada – não é uma teoria objetivista radical, 
mas é uma teoria objetivista. É a teoria da impressão do destinatário – artigo 236º/1 CC. 
 
Então, como se interpreta uma declaração? 
 
A declaração vai ter o valor/sentido que lhe seria atribuído por um declaratário normal (bonus 
pater familias) colocado na posição do real declaratário. Releva, portanto, o sentido que seria 
dado por uma pessoa medianamente sagaz, medianamente diligente, medianamente 
experiente àquela declaração, em face de todas as circunstâncias que eram conhecidas pelo real 
declaratório. Portanto, segundo Mota Pinto, tem de se ter em conta aquilo que o declaratário 
conhecia e aquilo que o declaratário devia conhecer. 
 
9.4.3.1. Limites à teoria da impressão do destinatário 
 
Esta teoria da impressão do destinatário sofre um limite na parte final do artigo 236º/1: o 
sentido correspondente à impressão do destinatário tem de ser imputável ao declarante. 
 
O que acontece se não houver coincidência entre o sentido correspondente à impressão do 
destinatário e um dos sentidos imputáveis ao declarante? Se não houver a possibilidade de 
imputar aquele sentido ao declarante, há duas respostas possíveis em abstrato: 
1) Interpreta-se de acordo com a vontade real; 
2) Considera-se o negócio inválido. 
A resposta que parece corresponder à melhor posição é aquela que advoga a invalidade do 
negócio. 
 
O nº2 do artigo 236º vem dizer que, se o declaratário conhecer a vontade real do declarante, 
então, é de acordo com a vontade real que tem de se interpretar a declaração. Deve notar-se 
que, neste ponto, não há qualquer desvio no sentido de um subjetivismo, uma vez que a vontade 
real releva porque ela é conhecida do declaratário real, passando a ser aquela que deve ser 
compreendida pelo declaratário normal colocado na sua posição. 
 
9.4.3.2. Casos duvidosos 
 
O art. 237º dá-nos a resposta sobre o que fazer quanto aos casos duvidosos. Então, de acordo 
com este preceito, em caso de dúvida: 
® Se o negócio for um negócio gratuito, o sentido que prevalece é aquele que for menos 
oneroso para o disponente (p.e., para o doador); 
Teoria Geral do Direito Civil II 
33 
Marta Lima e Silva 
® Se o negócio for um negócio oneroso, o sentido que prevalece é aquele que conduz 
ao maior equilíbrio das prestações. 
 
Naquelas situações em que, ainda assim, mesmo com a aplicação destes critérios, não se 
consegue eliminar dúvidas e determinar o sentido negocialmente relevante, o negócio é nulo. O 
negócio considera-se nulo porque é indeterminável e, então, gera-se a nulidade nos termos do 
art. 280º. 
 
9.4.3.3. Os desvios no sentido de um maior objetivismo – os negócios formais 
 
Há um desvio à teoria da impressão do destinatário no sentido de um maior objetivismo 
quando estamos perante negócios formais. Nos termos do art. 288º CC, nos negócios formais, 
tem de haver um mínimo de correspondência entre o sentido correspondente à impressão do 
destinatário e o texto do documento. 
 
Isto significa que nos estamos a desviar num sentido de um maior objetivismo, em função da 
solenidade ou da formalidade do negócio. Se é exigida uma forma num determinado negócio, 
nessa forma tem de estar impresso o sentido da declaração – ainda que de forma imperfeita. 
Em última instância, estamos aqui perante um problema relativo à forma do negócio jurídico. 
O legislador exige uma determinada forma do negócio e, portanto, ele não pode admitir que os 
contraentes se venham a exprimir com uma linguagem diferente daquela que se inscreve no 
próprio documento. 
 
A consequência da inexistência de qualquer correspondência ou do mínimo de correspondência 
entre o sentido da impressão do destinatário e o texto do documento é a nulidade do negócio, 
com fundamento no vício de forma (art. 220º CC). 
 
9.4.3.4. Os desvios no sentido de um maior subjetivismo – o testamento 
 
Há um desvio à teoria da impressão do destinatário no sentido de um maior subjetivismo no 
caso da interpretação dos testamentos. O art. 2187º do CC diz-nos que a interpretação do 
testamento tem de ser feita de acordo com o que parecer mais ajustado com a vontade do 
testador, conforme o contexto do testamento. Então, interpreta-se o testamento de acordo com 
a vontade do testador. 
 
O sentido disto reside em duas razões primordiais: 
1) O negócio em causa – o testamento – não gera expectativas dignas de confiança porque 
só vai produzir efeitos depois da morte. Então, se temos aqui uma retração da 
confiança, podemos orientar-nos por uma posição mais subjetivista. 
2) Estamos perante um negócio mortis causa, entendendo-se que este negócio 
corresponde àquela que foi a última vontade do falecido. Então, tenta preservar-se a 
sua vontade e salvaguardá-la até quando for possível. 
 
O nº2 do art. 2187º vai admitir a prova complementar. Ou seja, vamos poder recorrer a provas 
complementares (documentos, papéis que o testador haja escrito, etc) para conseguir 
reconstituir a vontade do testador. 
 
9.5. Integração do negócio jurídico 
 
Por vezes, mesmo depois de interpretar o negócio jurídico, ele não diz tudo – isto é, por vezes, 
as partes no negócio não preveem todos os aspetos que possam vir a suscitar-se a propósito do 
Teoria Geral do Direito Civil II 
34 
Marta Lima e Silva 
negócio jurídico. Quando assim seja – quando se conclui através da interpretação que a 
regulamentação criada pelas partes não permite resolver um problema que se suscite a 
propósito do contrato –, estamos perante um problema de integração de uma lacuna. 
 
Se se estiver perante uma lacuna – uma falha no plano construído pelas partes –, então, vamos 
ter de lançar mão de expedientes que permitam integrar essa lacuna. Esses expedientes 
constam do art. 239º CC. 
 
Para resolver a este problema, recorre-se primeiramente às normas dispositivas do 
ordenamento jurídico – há que averiguar se o ordenamento jurídico tem alguma norma que 
solucione aquele problema. 
 
Se essa norma não existir, integra-se essa lacuna com recurso a um segundo expediente: a 
vontade hipotética ou conjuntural das partes. Esta vontade hipotética ou conjuntural das 
partes significa que se vai integrar aquela lacuna e solucionar aquele problema de acordo com 
a vontade que as partes teriam tido, no momento da celebração do contrato, se tivessem 
previsto o compromisso. Nesta medida, recorre-se à vontade hipotética ou conjuntural das 
partes. 
 
Contudo, esta vontade hipotética ou conjuntural das partes não pode valer se contrariar as 
exigências da boa fé – o que significa que a boa fé não vai funcionar como um terceiro 
expediente de integração das lacunas, mas vai limitar a própria relevância da vontade hipotética 
ou conjuntural das partes. 
 
10. Divergências entre a declaração e a vontade 
 
10.1. Noção 
 
O negócio jurídico é integrado por declarações negociais que, por sua vez, são integradas por 
dois elementos: 
® Um elemento externo – a declaração propriamente dita; 
® Um elemento interno – a vontade que é exteriorizada pela declaração, sendo que esta 
vontade pode ser uma vontade de ação, uma vontade de declaração ou uma vontade 
negocial. 
 
É normal que a declaração propriamente dita corresponda com a vontade. Porém, há 
determinadas situações em que podemos encontrar uma anomalia/uma divergência entre estes 
dois elementos, em que o elemento externo não coincide com o elemento interno (digo uma 
coisa, mas queria dizer outra). Este problema está intimamente ligado com a forma como 
interpretamos o negócio jurídico. 
 
Exemplo: A declara X e dirige essa declaração a B. Porém, ele queria declarar Y. Se 
interpretássemos esta declaração de acordo com a vontade real do declarante, ou seja, se 
interpretássemos subjetivamente esta declaração, ela valeria Y e o que o A queria era Y. 
Contudo, comointerpretamos de acordo com a teoria objetivista, o A quer Y, mas o sentido 
correspondente à impressão do destinatário é X. 
 
Se assim é, percebe-se que este posicionamento objetivista em matéria de interpretação pode 
conduzir a este problema relativo às divergências entre a vontade e a declaração. Por sua vez, 
para o problema das divergências entre a vontade e a declaração podem encontrar-se diversas 
respostas, sendo que, ao longo dos tempos, foram-se forjando determinadas respostas. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
35 
Marta Lima e Silva 
 
10.2. Teorias da vontade e teorias da declaração ou confiança 
 
A primeira resposta que se procurou dar corresponde à chamada teoria da vontade, que afirma 
que o peso primordial deve ser dado à vontade. Portanto, se o peso primordial deve ser dado à 
vontade, sempre que haja uma divergência deve-se tentar afastar a validade do negócio. 
 
Esta ideia corresponde a uma posição voluntarista que, atualmente, não pode ser aceite porque 
não nos podemos esquecer do peso e da importância das expectativas da contraparte e da 
confiança desta. Aquele que confia na declaração deve, de alguma forma, ser protegido. 
 
Então, aquela posição que tendencialmente vamos adotar é uma teoria que se baseia na 
proteção da confiança. Contudo, isto não significa que haja uma posição uniforme, ou seja, não 
é possível determinar uma mesma solução para todos os problemas relativos às divergências 
entre a vontade e a declaração. 
 
A teoria da confiança vai determinar a invalidade do negócio apenas e só quando a divergência 
seja conhecida ou cognoscível pelo declaratário. 
 
10.3. Divergências intencionais e não intencionais 
 
Dentro das divergências entre a vontade e a declaração, podem distinguir-se dois grupos: 
® As divergências intencionais são aquelas que são queridas, desejadas ou pretendidas – 
são elas a simulação, a reserva mental e as declarações não sérias; 
® As divergências não intencionais são aquelas que não são voluntariamente provocadas 
ou queridas – são elas a coação física ou absoluta, a falta de consciência da declaração 
e o erro obstáculo ou erro na declaração. 
 
11. Divergências intencionais 
 
11.1. Simulação 
 
11.1.1. Noção 
 
A simulação (art. 240º CC) é uma divergência intencional entre a vontade e a declaração que 
resulta de um conluio entre declarante e declaratário e que tem como objetivo enganar 
terceiros. Esta noção de simulação contém, em si, todos os requisitos da simulação. 
 
11.1.2. Requisitos 
 
São vários os requisitos que têm de estar preenchidos para haver lugar a uma simulação: 
 
1) Intencionalidade – sendo que há uma divergência intencional entre a vontade e a 
declaração, está aqui presente a intencionalidade; 
 
2) Esta falta de concordância tem de resultar necessariamente de um acordo entre 
declarante e declaratário, ao qual se dá o nome de pacto simulationis. É essencial que 
haja um acordo simulatório. Sem este, não é possível falar de simulação e não será 
possível distinguir a interposição fictícia de pessoas da interposição real de pessoas 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
36 
Marta Lima e Silva 
Note-se que este acordo pode ser estabelecido entre um declarante e alguém que não 
seja parte do negócio. Isso é algo que acontece sempre que estamos perante a 
simulação de negócio unilateral. A este propósito, o art. 2200º do CC prevê 
expressamente a simulação de um testamento. 
 
Atente-se agora na distinção entre a interposição fictícia de pessoas e a interposição 
real de pessoas: 
 
Exemplo: O António quer celebrar um negócio com o Bernardo, mas sabe que o 
Bernardo não lhe vai vender aquele apartamento. Então, o António entrega dinheiro ao 
Carlos e mandata-o para que este adquira, por sua conta, o dito apartamento que o 
Bernardo jamais lhe venderia. Temos aqui um negócio de mandato celebrado entre o 
António e o Carlos e, depois, temos Carlos a celebrar um contrato de compra e venda 
com o Bernardo. Posteriormente, temos o Carlos a celebrar um contrato com o António 
para retransmitir aquela propriedade dando cumprimento ao mandato. 
 
Temos um acordo entre o Carlos e o António, mas não temos nenhum pacto simulatório 
entre o Carlos e o Bernardo. Então, estamos aqui perante a chamada interposição real 
de pessoas, que não configura uma simulação justamente porque não há pacto 
simulatório. 
 
O que configura uma hipótese de simulação é a chamada interposição fictícia de 
pessoas. Só no caso da interposição fictícia de pessoas é que podemos falar 
efetivamente de simulação. 
 
Exemplo: O António não pode doar um automóvel à Benedita porque são amantes e 
esse negócio seria nulo. Então, vai fingir que doa ao Carlos e depois este finge que doa 
a Benedita. Na realidade, aconteceu uma doação direta do António à Benedita, logo, 
aqui temos uma interposição fictícia porque temos uma pessoa a fingir para esconder 
que o negócio foi todo ele celebrado diretamente entre o António e a Benedita. Nesta 
interposição fictícia, tem-se um acordo entre o A, o B e o C – portanto, tem-se um pacto 
simulatório. 
 
3) Intenção de enganar terceiros – a simulação não tem de visar causar um prejuízo a 
terceiros, bastando a intenção de enganar terceiros. Nesta medida, distingue-se, dentro 
da simulação, a simulação fraudulenta da simulação inocente. 
 
A este propósito, temos um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Maio de 
2009. O António pretendia obter um crédito de fundo de banco para a aquisição de uma 
fração de um imóvel. Para que o banco cedesse na apreciação do risco inerente àquele 
crédito, o António simulou com o Bernardo que tinha adquirido um outro apartamento. 
O objetivo era enganar o banco para criar as condições necessárias à concessão de um 
mútuo bancário com o objetivo de comprar um outro apartamento. 
 
O Tribunal da Relação de Lisboa veio dizer que existiu uma divergência intencional entre 
a vontade e a declaração e que existiu um pacto simulatório, mas, quando se debruça 
sobre a intenção de enganar terceiros, veio dizer que o engano não era suficientemente 
relevante. Veio dizer, então, que o engano tem de ter relevância – não basta que ponha 
em causa situações que não envolvam propriamente o merecimento da tutela do 
Direito. Portanto, neste caso em concreto, esta simulação não era relevante. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
37 
Marta Lima e Silva 
Esta posição do Tribunal da Relação de Lisboa deve ser rejeitada. Aliás, este acórdão 
pode ser criticado em vários sentidos: 
 
® Desde logo, porque não é irrelevante para a instituição bancária a titularidade 
ou não de um direito real na esfera do cliente que solicita um crédito. Pelo 
contrário, o conhecimento do efetivo património detido pelo contraente 
afigura-se fundamental para efeitos de avaliação do risco e, nessa medida, para 
a formação da vontade e a definição dos termos do negócio (apesar de não ter 
sido prejudicado, uma vez que a sua posição jurídica ficou efetivamente 
protegida com a constituição da garantia). 
 
® Em segundo lugar, a conclusão do Tribunal da Relação de Lisboa torna 
irrelevantes, para efeitos de determinação da presença de uma simulação, as 
hipóteses de simulação inocente: onde está ausente o intuito de prejudicar 
terceiros não haverá, em regra, qualquer efeito ao nível dos interesses 
englobados na esfera desse mesmo terceiro. 
 
Ora, para lá do pendor sancionatório que anda associado ao regime da simulação – e 
que pode ser encontrado no art. 243º CC, quando interpretado no sentido da restrição 
do seu âmbito de relevância aos casos em que a nulidade do negócio simulado é 
invocado por um dos simuladores –, o que justifica a invalidade do negócio simulado 
parece ser: 
® Por um lado, a necessidade de tutelar terceiros; 
® Por outro lado, a ausência de uma confiança da contraparte digna de tutela, e, 
necessariamente, a falta de vontade negocial. 
 
Esta diferença entre a simulação inocente ou fraudulenta não é muito relevante, exceto 
no que diz respeito à legitimidadepara os herdeiros legitimários arguirem a nulidade 
do negócio simulado. Nessa medida, agiu mal o Tribunal da Relação de Lisboa ao 
desqualificar a simulação no caso concreto. 
 
11.1.3. Modalidades 
 
A simulação pode ser: 
® Fraudulenta – além do intuito de enganar terceiros, estará presente a intenção de os 
prejudicar; 
® Inocente – apenas existe a intenção de enganar. 
 
Para além disso, a simulação pode ser: 
® Absoluta – quando a única coisa que existe é um negócio simulado; 
® Relativa – quando, por detrás do negócio simulado, existe um outro negócio que é real 
ou dissimulado, que é um negócio que as partes efetivamente quiseram celebrar. 
 
Dentro da simulação relativa, pode ainda distinguir-se entre: 
® Simulação relativa subjetiva – corresponde àquela interposição fictícia de pessoas; 
® Simulação relativa objetiva – pode dizer respeito à natureza do negócio jurídico – p.e., 
o A declarava vender ao B quando, na realidade, A e B estão a celebrar um contrato de 
doação – ou, então, pode ser relativa quanto ao preço. 
 
11.1.4. Regime 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
38 
Marta Lima e Silva 
O regime varia consoante a simulação for absoluta ou relativa: 
® Se a simulação for absoluta, apenas se coloca o problema de saber qual é o valor do 
negócio simulado; 
® Se a simulação for relativa, colocam-se dois problemas: saber qual é o valor do negócio 
simulado e saber qual é o valor do negócio dissimulado ou real. 
 
Quanto ao valor do negócio simulado, nos termos do art. 240º/2, “o negócio simulado é nulo”. 
 
Quanto a quem tem legitimidade para arguir a nulidade do negócio simulado, veja-se o art. 
242º em articulação com o art. 286º CC: 
 
1) Em primeiro lugar, podem arguir a nulidade os próprios simuladores, mas com 
limitações: 
® Vão estar limitados no que diz respeito os meios de prova (remissão do art. 
242º para o art. 394º/2). O acordo simulatório só pode ser provado quando 
invocado pelos simuladores, por confissão ou por documento. Não se admitem 
as provas por presunção nem se admite a prova testemunhal. 
® Os simuladores não podem invocar a nulidade em relação a terceiros de boa 
fé, como resulta do art. 243º CC. 
 
2) Em segundo lugar, podem arguir a nulidade os herdeiros legitimários (aqueles que não 
podem ser afastados da sucessão). Em relação a estes, há que ter algumas cautelas e 
estabelecer algumas diferenças: 
® Em vida dos simuladores, os herdeiros legitimários só podem invocar a nulidade 
se a simulação tinha como intenção prejudicá-los. Não basta que a simulação os 
prejudique, é necessário que haja mesmo a intenção de causar prejuízo aos 
herdeiros legitimários. 
® Depois da morte do simulador, eles podem invocar a nulidade sem qualquer 
limitação, mas apenas se atuarem como herdeiros legitimários. Se atuarem em 
representação de cujus – ou seja, se não atuarem para defesa da sua legítima, 
mas sim porque ocupam o papel do simulador –, então, ficam sujeitos às 
mesmas limitações que impendem sobre o próprio simulador. 
 
3) Em terceiro lugar, podem invocar a nulidade os credores (arts. 286º e 605º CC), os 
preferentes e, em geral, qualquer interessado. 
 
Quanto ao negócio dissimulado, o art. 241º CC diz-nos que vamos aplicar ao negócio 
dissimulado o regime que lhe caberia se tivesse sido concluído sem a simulação. Vamos 
esquecer que aquele negócio ficou encoberto, vamos trazê-lo à luz do dia e tratá-lo como 
qualquer negócio jurídico, sendo que, como qualquer negócio jurídico, pode ser válido e 
inválido. 
 
Então, o valor do negócio dissimulado depende do tratamento que lhe corresponde, 
independentemente da haver ou não haver simulação. Vamos olhar para o negócio como um 
negócio qualquer, que pode ser válido ou inválido quer do ponto de vista substancial quer do 
ponto de vista formal. 
 
Há que ter em atenção de que há negócios que são formais. Se o negócio for formal, temos de 
ter particular atenção a essa questão. O nº2 do art. 241º diz-nos que, se o negócio for de 
natureza formal, só é válido se tiver observada a forma exigida por lei. Neste ponto, abre-se uma 
divergência na doutrina: 
Teoria Geral do Direito Civil II 
39 
Marta Lima e Silva 
 
® Para um grupo de autores, esta exigência do art. 241ª/2 cumprir-se-ia desde que o 
negócio dissimulado tivesse sido celebrado de acordo com a forma exigida. 
Exemplo: A vendeu a B um imóvel quando, na realidade, o que o A fez foi doar a B. A 
compra e venda de imóveis carece de escritura pública ou escrito particular autenticado, 
tal como a doação. Para este grupo de autores, bastaria que a compra e venda constasse 
da escritura pública e a doação aproveitar-se-ia da forma do negócio dissimulado. 
 
® Para outros autores, isto não é suficiente e exigem que haja uma contradeclaração da 
qual conste o negócio dissimulado e que tem de obedecer à forma legal exigida. Mesmo 
estes autores que são mais exigentes consideram que, no caso da simulação de preço, 
não seria necessário a contradeclaração e bastar-nos-ia sempre a forma do negócio 
dissimulado. 
 
11.1.5. Prova de simulação 
 
A prova da simulação está sujeita a restrições: 
 
1) Quando a simulação seja invocada pelos simuladores, proíbe-se a prova testemunhal. 
 
No entanto, a doutrina e a jurisprudência têm tentado mitigar o rigor desta solução 
porque se entende que isto pode ser de tal modo exigente que nunca se conseguiria 
provar a simulação. Então, admite-se o recurso à prova testemunhal naquelas situações 
em que há um princípio de prova por escrito – ou seja, naquelas situações em que se 
encontra um qualquer escrito proveniente do simulador ou do outro simulador que faz 
tornar verossímil aquele facto que está a ser alegado. 
 
2) Se a simulação for invocada por outro sujeito que não os simuladores, não há qualquer 
limitação de prova. 
 
11.2. Reserva Mental 
 
11.2.1. Noção 
 
A reserva mental (art. 244º e segs. CC) traduz-se numa divergência intencional entre a vontade 
e a declaração, sendo o objetivo o de enganar o declaratário. É isto que permite distinguir a 
reserva mental da simulação: na reserva mental não há pacto simulatório porque a intenção é 
enganar o próprio declaratário e não enganar terceiros. 
 
11.2.2. Modalidades 
 
A reserva mental pode ser: 
® Absoluta – quando o declarante não pretende celebrar qualquer negócio; 
® Relativa – quando há a intenção de celebrar um negócio diferente daquele que foi 
celebrado. 
 
Por outro lado, a reserva mental pode ser: 
® Unilateral – se apenas um dos contraentes agiu sobre reserva mental; 
® Bilateral – se ambos tiverem declarado sobre reserva mental; no fundo, temos duas 
reservas mentais. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
40 
Marta Lima e Silva 
Por último, a reserva mental pode ser: 
® Inocente – quando há a intenção de enganar o declaratário; 
® Fraudulenta – quando, para além da intenção de enganar, há a intenção de prejudicar. 
 
11.2.3. Regime 
 
Em termos de regime, ao contrário do que vimos para a simulação, é muito relevante para o 
ponto de vista da reserva mental saber se ela é inocente ou fraudulenta. Mais do que isso, há 
determinadas hipóteses em que não só não há a intenção de prejudicar, como pode haver a 
intenção ou a vontade de beneficiar o declaratário. Então, mais do que uma reserva mental 
inocente, pode falar-se de uma reserva mental benemérita. 
 
Em regra, a reserva mental é irrelevante, ou seja, em regra, ela não prejudica a validade da 
declaração. No entanto, se a reserva mental for conhecida do declaratário, esta passa a ter os 
mesmos efeitos da simulação, ou seja, no caso de ser conhecida, o negócio é nulo. 
 
Há que ter atenção ao aspeto particular da reserva mental dita benemérita feita com intuito de 
ajudar um determinado sujeito. 
 
Exemplo: O António estava profundamente deprimido e o Bernardo, seu amigo de longa data e 
conhecedor da depressão profunda que o António se via mergulhado, resolveu declarar que lhe 
doava o seu barco de recreio. Fê-lo sem qualquer intençãode doar. A única coisa que ele queria 
era conseguir animar o amigo. Ao fim de um tempo, o António já estava recuperado daquela 
depressão e vem exigir que o Bernardo lhe entregue o dito barco de recreio. 
 
Neste caso, tem a doutrina considerado que não era necessário o conhecimento por parte do 
declaratário para que o negócio fosse considerado inválido – bastaria a cognoscibilidade. 
 
11.3. Declarações não sérias (art.º245 do CC) 
 
11.3.1. Noção 
 
As declarações não sérias caracterizam-se por haver uma divergência que é intencional – o 
sujeito diz uma coisa, mas quer dizer outra. No entanto, a declaração é feita na expectativa de 
que a falta de seriedade não seja desconhecida, ou seja, na expectativa de que o declaratário se 
aperceba da falta de seriedade. É o caso das declarações jocosas, das declarações didáticas, etc. 
 
11.3.2. Regime 
 
A declaração não séria não produz qualquer efeito. Portanto, o negócio dá-se por inexistente. 
 
12. Divergências não intencionais 
 
As divergências não intencionais são a coação física ou coação absoluta, a falta de consciência 
da declaração e o erro obstáculo ou erro na declaração. 
 
12.1. Coação física: noção e regime 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
41 
Marta Lima e Silva 
A coação física é uma divergência não intencional entre a vontade e a declaração que resulta do 
facto de o declarante estar submetido a uma força de tal modo irresistível que ele é 
transformado num autómato. 
 
Quanto às três modalidades de vontade que subjazem à declaração propriamente dita – vontade 
de ação, vontade de declaração e vontade negocial – a vontade que falha é a própria vontade 
de ação. O comportamento nem sequer é voluntário e isto vai fazer com que a consequência 
seja extremamente grave. 
 
Exemplo: O António é tetraplégico e não tem movimentação nos membros inferiores e nos 
superiores. O Bernardo pega na sua mão, conduz a sua mão e faz com que ele assine uma 
declaração de um negócio de doação ou de um negócio de compra e venda. Isto significa que o 
comportamento do António nem chega a ser voluntário – ele está reduzido a um autómato por 
força dessa constrição absoluta de que é alvo. 
 
Exemplo: O António e o Bernardo acordaram que o primeiro enviaria uma proposta negocial ao 
segundo e combinaram que, se o Bernardo nada dissesse durante 15 dias, aquela proposta se 
tinha por aceite. Como o silêncio releva como declaração negocial excecionalmente nesta 
hipótese, o António contratou uns sujeitos para raptar o Bernardo e deixou-o em cativeiro, 
impossibilitado de comunicar por três semanas. Ou seja, durante aqueles 15 dias que ele tinha 
possibilidade de dizer que não aceitava, foi forçado ao silêncio por uma força de tal modo 
irresistível que retirou completamente a voluntariedade do seu comportamento. 
 
Nestes dois casos, estamos perante a coação física ou absoluta. Para haver coação física ou 
absoluta não basta que haja uma mera ameaça nem basta que haja uma ameaça física. Na 
coação física ou absoluta, a liberdade está totalmente excluída. 
 
Exemplo: se o António apontar uma pistola à cabeça do Bernardo e lhe disser “ou me vendes o 
teu computador ou eu mato-te”, isto é uma ameaça contra a integridade física. Contudo, ainda 
assim, a coação não é física ou absoluta porque, embora haja uma limitação da liberdade do 
sujeito, ele mantém uma margem mínima de liberdade – ele pode optar por vender ou pode 
optar por não vender e submeter-se à concretização daquela ameaça. 
® Este ato vai ter consequências, mas estas não resultam da assimilação do âmbito de 
relevância da coação física. Num caso como este, o problema será tratado como um 
vício da vontade e estaremos perante a coação moral ou relativa, uma vez que se 
mantém essa margem de liberdade por mínima que seja. 
 
Na coação física ou absoluta, o negócio não produz quaisquer efeitos porque vai ser 
considerado inexistente. Os negócios nulos ainda podem produzir alguns efeitos – art. 291º CC. 
Se um negócio for inexistente, nem sequer é possível mobilizar o art. 291º. 
 
A existência desta categoria da inexistência não é unânime por toda a doutrina, pois há autores 
que recusam a sua autonomização. Ela surgiu inicialmente no âmbito do Direito da Família como 
sanção para determinados casamentos que eram celebrados sem as condições necessárias – 
p.e., o casamento entre pessoas do mesmo sexo determinava a inexistência desse casamento. 
 
A doutrina entendeu que, para além dessa específica previsão da inexistência no tocante ao 
casamento – e o problema surge originalmente no ordenamento jurídico francês –, era possível 
aproveitar esta categoria para fazer face a outras situações. 
 
Neste caso concreto, devemos considerar que, de facto, o negócio é inexistente porque nem 
sequer chega a apresentar um corpus mínimo que permita olhar para ele do ponto de vista da 
Teoria Geral do Direito Civil II 
42 
Marta Lima e Silva 
formação do próprio negócio. A ausência da vontade é total e sem declaração negocial (sem 
vontade) não é possível encontrar aquele corpus mínimo que vai permitir a corporização do que 
é o negócio jurídico. 
 
12.2. Falta de consciência da declaração: noção e regime 
 
A falta de consciência da declaração também é uma divergência não intencional entre a 
vontade e a declaração. Contudo, aqui, a divergência resulta do facto de o sujeito declarante 
não se aperceber de que o seu comportamento – que é voluntário – tem o valor de declaração 
negocial. Em regra, a vontade que aqui falta é a vontade de declaração. Geralmente, o 
comportamento é voluntário, mas não há consciência de que àquele comportamento se atribui 
o valor de declaração negocial. 
 
Exemplo: o senhor A está a assinar uma série de postais de boas festas e, no meio daquelas 
cartas, acaba por assinar, sem ter consciência de que o estava a fazer, uma carta contendo a 
aceitação de uma proposta negocial que lhe tinha sido enviada. Neste caso, estamos perante 
uma hipótese de falta de consciência da declaração. 
 
No art. 246º CC encontra-se a previsão do legislador no que diz respeito à falta de consciência 
da declaração. Nos termos do preceito, havendo falta de consciência da declaração – havendo 
desconhecimento de que o comportamento que foi voluntário teria o valor de uma declaração 
negocial –, então, o negócio celebrado não produz nenhum efeito. 
 
No entanto, aqui, a situação é menos grave do que na coação física. O comportamento é 
voluntário – há voluntariedade. O que falta é a vontade de declaração. Por isso, a não produção 
de efeitos no que diz respeito à falta de consciência da declaração deve ser interpretada no 
sentido da nulidade. 
 
Significa isto que tem de se interpretar duplamente o art. 246º CC. No que diz respeito à coação 
física ou absoluta, o que está em causa é a inexistência; no que diz respeito à falta de consciência 
de declaração, o que está em causa é a nulidade. 
 
Se houver culpa do sujeito nessa falta de consciência da declaração, então, ele terá de 
indemnizar a contraparte com base no interesse contratual negativo. 
 
Algumas notas importantes: 
 
1) Na prática judiciária, os nossos tribunais têm muitas vezes questionado o critério 
distintivo entre esta falta de consciência da declaração e determinadas situações de 
incapacidade do sujeito (incapacidade acidental). 
 
2) Há determinadas situações que podem ser mais graves, em que, para além da falta de 
consciência da declaração, está ausente a vontade de ação. Se estiver ausente a vontade 
de ação, a consequência é a inexistência. Serão casos residuais, mas eles podem existir. 
 
3) Há autores que se mostram particularmente críticos da disciplina do art. 246º no que 
diz respeito à falta de consciência da declaração. Entre esses autores destaca-se o Prof. 
Menezes Cordeiro, que nos diz que o art. 246º entra em contradição com outros dois 
artigos: o art. 236º CC (interpretação dos negócios jurídicos) e o art. 247º (erro 
obstáculo). 
 
Teoria Geral do Direito CivilII 
43 
Marta Lima e Silva 
Exemplo (art. 246º VS art. 236º): A emite uma declaração negocial – que é interpretada 
com o sentido que o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, teria 
atribuído à declaração –, mas não tem consciência de que o seu comportamento 
corresponde a uma declaração de vontade. Esta é uma hipótese de falta de consciência 
de declaração. 
Ø De acordo com o art. 236º, se o B – destinatário da declaração –, a entender 
como uma declaração negocial, então, é de acordo com isso que ela deve valer. 
Nos termos do art. 236º, ela vai assumir-se como uma declaração negocial. 
Ø Não obstante, o art. 246º retira esse valor. Parece que a solução deste artigo 
não se coaduna com o previsto em matéria de interpretação do negócio jurídico 
– há aqui um desvio no sentido de dar um maior peso. Já não há a ideia de 
confiança, mas sim a ideia de vontade, sendo que a confiança apenas será 
tutelada negativamente através da atribuição de uma indemnização. 
 
Exemplo (art. 246º VS art. 247º): o António emite uma declaração negocial e ele quer 
dizer uma coisa, mas engana-se e diz outra. Estamos perante um erro obstáculo ou erro 
na declaração e aplica-se o regime do erro, considerando que o negócio é anulável desde 
que se verifiquem determinados requisitos. 
Ø Isto significa que a pessoa pode ficar vinculada a um negócio que não queria 
celebrar porque o negócio será anulável, mas é necessário que se verifiquem 
determinados pressupostos – que são estabelecidos em nome da tutela da 
confiança da contraparte. 
Ø Nas hipóteses em que a pessoa não quer de todo celebrar o negócio jurídico e 
não tem sequer consciência de que o está a fazer, esse perigo de vinculação fica 
totalmente afastado. 
Ø Portanto, o Dr. Menezes Cordeiro diz que há um tratamento muito discrepante: 
num caso facilita-se demasiado a desvinculação e no outro caso só se permite a 
desvinculação mediante determinados pressupostos, parecendo não se atender 
verdadeiramente à confiança da contraparte. 
 
O que está aqui em causa não é uma falta de consciência íntima e não detetável, mas 
sim uma falta de consciência que possa ser percetível no próprio contexto do negócio. 
É esta a proposta do Dr. Menezes Cordeiro para contabilizar estas diversas disciplinas 
jurídicas. 
 
12.3. Erro obstáculo ou erro na declaração 
 
12.3.1. Noção 
 
Estamos perante uma divergência entre a vontade e a declaração não intencional que motiva 
um engano/lapso. O declarante quer dizer uma coisa e, por engano, diz outra. 
 
Este engano/lapso pode ser devido a: 
® Um erro mecânico – estava a escrever no computador e queria escrever 100, mas 
escrevi 1000; 
® Um lapsos linguee – queria dizer branco mas estava tão cansada que disse preto; 
® Um erro de ajuizamento – A julgava ter nascido no nº3 da rua X em Coimbra e, por isso, 
declara que quer comprar este nº3 da rua X quando, na verdade, o que queria era ter 
comprado o nº30 da mesma rua. Não queria dizer 3, mas sim 30 – achou que tinha 
nascido no 3, mas nasceu no 30. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
44 
Marta Lima e Silva 
A integração do erro de juízo ao nível do erro obstáculo pode levar-nos a algumas dificuldades, 
designadamente, em distinguir, numa situação concreta, o erro obstáculo do erro vício – que 
é um vício da vontade e não uma divergência entre a declaração e a vontade. 
 
Este erro obstáculo pode incidir sobre qualquer elemento do negócio, tanto elementos 
essenciais como elementos acessórios. 
 
12.3.2. Regime 
 
Nos termos do art. 247º CC, a consequência da verificação do erro é que o negócio é anulável. 
Contudo, para que o negócio seja anulável, exige-se que o declaratário conhecesse ou não 
devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro. Ou seja, não se exige 
o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro, mas sim o conhecimento ou a cognoscibilidade 
da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro. 
 
Exemplo: A declara querer comprar o nº3 quando, na verdade, queria comprar o nº30 porque 
foi onde que nasceu. A declaração negocial foi emitida com destinatário – B. Se se exigisse que 
este tivesse conhecimento ou cognoscibilidade do erro, estaríamos a exigir que B soubesse que 
o A não tinha nascido no nº3, mas sim no nº30. Mas não é isto que é exigido – o que é exigido é 
que ele conheça a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro. Estamos a exigir que 
ele saiba que, para o A, não é indiferente comprar o nº3 ou o nº 30 porque ele quer efetivamente 
comprar a casa onde nasceu e que, se não fosse por nascer naquela casa, não teria comprado. 
 
É mais fácil a desvinculação de acordo com o regime que está no CC do que se se exigisse o 
conhecimento do erro. 
 
Se o negócio é anulável, tem de se saber quem e dentro de que prazo pode arguir a anulabilidade 
do negócio (remissão do art. 247º para o art. 287º CC). O art. 287º CC, ao consagrar o regime 
geral da anulabilidade, diz-nos quem e dentro de que prazo pode arguir a anulabilidade: 
 
® A pessoa no interesse da qual essa anulabilidade foi estabelecida: o declarante. O 
declarante que errou (o errante) pode anular o negócio dentro do prazo de um ano a 
contar da cessação do vício, sendo que o vício cessa quando ele descobre que se 
enganou – é a partir desse momento da descoberta do erro que se conta o prazo de um 
ano. 
 
12.3.3. Os casos especiais de dissídio e a teoria da aparência eficaz 
 
Quid Iuris se o erro for culposo? 
 
Se houver culpa ao incorrer naquele engano, o negócio continua a ser anulável, mas pode haver 
responsabilidade do errante. Ele poderá ter de indemnizar a contraparte pela confiança 
frustrada. 
 
Quid Iuris se o declaratário aceitar o negócio como o declarante o queria? 
 
Exemplo: o António declarou querer comprar a X – que é uma empresa de venda de automóveis 
– um automóvel vermelho. Contudo, na realidade, queria comprar um automóvel azul. Houve 
um lapso. O negócio é anulável desde que o stand de automóveis ou o órgão responsável do 
stand conhecesse ou devesse conhecer que não era indiferente para o António comprar um 
automóvel vermelho ou um azul. O stand sabia que não era indiferente e que ele dava particular 
Teoria Geral do Direito Civil II 
45 
Marta Lima e Silva 
atenção às cores. Apesar de não conhecer o erro, conhecia a essencialidade do elemento. 
António vem tentar anular o negócio e X – o vendedor dos automóveis – diz que aceita vender 
o automóvel azul em vez de vender o vermelho. 
 
Neste caso, o negócio é válido de acordo com o art. 248º CC. A anulabilidade fundada em erro 
na declaração não procede se o declaratário aceitar o negócio como o declarante o queria. Não 
poderá, contudo, haver lugar à aplicação deste art. 248º quando não se verifiquem as exigências 
formais nas declarações de vontade emitidas porque, nesses casos, a consequência será a 
nulidade por vício de forma. 
 
Impõe-se o requisito do conhecimento ou cognoscibilidade da essencialidade do elemento 
sobre o qual incide o erro para que o negócio seja anulável para garantir que a confiança da 
contraparte é protegida. 
 
Exemplo: A emite uma declaração negocial a dizer Y, mas o que A queria era dizer X. A disse uma 
coisa e queria outra, por engano. Estamos perante uma situação de erro obstáculo ou de erro 
na declaração. Ele diz Y, quer dizer X e o B – que é o declaratário – vai compreender Z. 
Compreende um sentido que é diferente tanto da vontade declarada como da vontade real. 
 
Num caso como este, não há nenhuma confiança digna de tutela. Uma coisa é tutelar-se a 
confiança que o B tem naquilo que foi dito e outra coisa é tutelar-se a confiança do B (do 
declaratário) num terceiro sentido que ninguém sabe de onde surgiu. Vai considerar-se que o 
negócio é anulável sem mais requisitos. É a chamada teoria da aparência eficaz. Estamos 
perante uma forma especial de dissenso – digo uma coisa, quero outra e o B aceita outra 
completamente diferente – e esta forma especial de dissensogera a invalidade do negócio. 
 
12.3.4. Erro de cálculo ou de escrita 
 
Exemplo: António enviou um email a Bernardo em que lhe perguntava “Pretendes comprar 100 
pares de sapatos ao preço unitário de 5,40€ o par? Caso aceites, o valor final da proposta é 
530€”. O António quer dizer 540€, mas, por lapso, diz 530€ – isto é um erro obstáculo. 
 
A diferença deste erro obstáculo é que este erro acaba por se revelar no próprio contexto da 
declaração. Sendo percetível no próprio contexto da declaração, vai-lhe ser aplicado um 
tratamento especial previsto no art. 249º CC. Trata-se de um simples erro de cálculo ou de 
escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a 
declaração é feita, dando apenas direito à retificação desta. Não há direito à anulação – apenas 
direito à retificação. 
 
Exemplo: António tinha dito que queria vender 100 pares de sapatos pelo valor unitário de 4,5€ 
quando, na realidade, queria dizer 5,4€ e não diz mais nada. Neste caso, apesar de estarmos 
perante uma hipótese muito parecida – um erro de escrita –, o regime que se vai aplicar é o de 
erro obstáculo ou erro na declaração (regime do art. 247º) porque, no contexto da declaração, 
o erro não é percetível. 
 
12.3.5. Erro na transmissão da declaração 
 
O art. 250º CC trata outra hipótese: o erro na transmissão da declaração. 
 
Exemplo: António, ao invés de enviar um email ao Bernardo a propor-lhe a venda do seu 
automóvel, pediu ao Bernardo que transmitisse ao Carlos que estava proposto a vender o seu 
Teoria Geral do Direito Civil II 
46 
Marta Lima e Silva 
automóvel por 5000€. Bernardo enganou-se e, em vez de dizer que o António queria vender o 
automóvel ao Carlos por 5000€, disse 4000€. 
 
Diz-nos o art. 250º que, numa situação como esta, a declaração pode ser anulada nos termos do 
art. 247º – ou seja, vai aplicar-se o mesmo regime do erro obstáculo ou erro na declaração. 
 
Se o Bernardo tivesse feito de propósito porque achava que o António estava a exagerar no 
preço e queria de algum modo beneficiar o Carlos, então, nesse caso, há dolo do intermediário 
(há intenção). Determina o nº2 do art. 250º que, nesse caso, a declaração é sempre anulável. 
 
13. Vícios da vontade 
 
Há determinadas situações em que aquilo que o declarante diz coincide exatamente com aquilo 
que ele quer dizer, mas a sua vontade que coincide com a declaração não foi formada de um 
modo natural e são. Foi, de algum modo, perturbada, sendo que são essas perturbações no 
processo formativo da vontade que se designam por vícios da vontade. 
 
Os vícios da vontade dizem respeito à formação da vontade. Se o problema for de formação, há 
alguma coisa que não é normal e saudável no processo formativo da vontade. Esta vontade é 
debilitada por algum lado e não corresponde a uma vontade livre. Então, o problema é um 
problema atinente aos vícios da vontade. 
 
Há vários vícios da vontade: erro vício, dolo, coação moral ou coação relativa, estado 
necessidade e incapacidade acidental. 
 
13.1. Erro vício 
 
13.1.1. Noção 
 
O erro vício traduz-se na incorreta ou inexata representação da realidade, sendo que é essa 
incorreta ou inexata representação da realidade que foi determinante na vontade de celebrar o 
negócio. Nesta medida, o erro vício não se confunde e não se pode confundir com o erro 
obstáculo. 
 
Exemplo: se A declara que quer comprar o terreno X quando, na verdade, quer comprar o 
terreno Y, estamos perante uma divergência entre a vontade e a declaração. Mas, se A declara 
que quer comprar o terreno X porque acha, por engano, que aquele terreno é um terreno 
propício para o cultivo de laranjeiras quando, na realidade, aquele terreno não permite o cultivo 
de laranjeiras, então, o problema não é de divergência entre o que ele diz e o que ele quer. A 
sua vontade está viciada pela sua inexata representação da realidade e foi essa inexata 
representação da realidade que foi determinante da sua vontade de celebrar o negócio. 
 
13.1.2. Modalidades 
 
Quando nos depararmos com um problema atinente ao erro vício, vamos ter de operar uma 
tarefa qualificativa porque há várias modalidades de erro vício. Vamos ter de determinar qual 
é o erro vício concretamente em causa – não só pela questão de saber qual é o regime jurídico 
aplicável, mas também porque o erro vício só é relevante se atingir os motivos determinantes 
da vontade que se refiram a três elementos: 
1) Erro sobre a pessoa do declaratário; 
2) Erro sobre o objeto; 
Teoria Geral do Direito Civil II 
47 
Marta Lima e Silva 
3) Erro sobre os motivos. 
 
No erro sobre a pessoa do declaratário (1), integram-se: 
® O erro sobre a identidade do declaratário – p.e., Carlos quer arrendar um apartamento 
a Miguel porque acha que Miguel é filho do seu melhor amigo de infância quando, na 
realidade, não é; 
® O erro sobre as qualidades do declaratário – p.e., António celebrou um contrato de 
prestação de serviços com Bernardo para que Bernardo lhe fabricasse uma mesa e umas 
cadeiras convencido de que ele tinha uns especais dotes enquanto carpinteiro quando, 
na realidade, não tinha. 
 
Em algumas situações pode não ser fácil distinguir o erro sobre a pessoa do declaratório quando 
diga respeito à identidade do erro obstáculo ou erro na declaração. Ou seja, às vezes pode não 
ser clara a distinção entre o erro obstáculo e o erro vício quando o erro vício incida sobre a 
identidade do declaratário. 
 
Dentro do erro sobre o objeto (2) cabem: 
® O erro sobre a identidade do objeto; 
® O erro sobre as qualidades do objeto. 
 
A doutrina tem colocado aqui alguns problemas, designadamente, o problema de saber se o 
erro sobre o valor sobre o preço pode ou não ser configurado como um erro sobre o objeto. 
 
Devemos concluir que o erro sobre o valor não é um erro sobre o objeto. O valor de mercado 
de um objeto não é algo que, intrinsecamente, diga respeito àquele objeto. Não faz parte das 
características intrínsecas infindavelmente ligadas ao objeto. Pelo contrário, o valor é flutuante 
em função das condições de mercado e em função de determinadas circunstâncias externas. 
 
Exemplo: o senhor A, colecionador de antiguidades, comprou um faqueiro de prata que pensava 
ter sido fabricado no século XVI pelo preço de 100 mil euros. Ao fim de um mês, A descobre que 
aquele faqueiro tinha sido fabricado no século XX, sendo uma réplica. Por isso, o senhor A vem 
invocar um erro sobre o objeto para se poder desvincular do negócio. 
 
Neste caso, embora se chame à atenção para o valor do objeto, estamos a considerar o valor 
em função das qualidades intrínsecas daquele bem. Então, aqui, estamos efetivamente perante 
um erro sobre o objeto. 
 
A situação é completamente diferente se: A comprou a B um faqueiro de prata fabricado no 
século XIV pelo preço de 700€ e, ao fim de um mês, descobre que o valor de mercado de uma 
peça como aquela é, no mínimo, 100 mil euros. Neste caso, o engano já não reside numa 
característica intrínseca que determine uma alteração do valor, mas sim no próprio cálculo do 
preço/valor. Portanto, nesta hipótese clara de erro sobre o valor, não estamos perante um erro 
sobre o objeto. 
 
Concluindo, o erro sobre o objeto poderá incidir sobre a identidade do objeto ou sobre um 
elemento identitário do objeto (uma qualidade intrínseca e duradoura do objeto). A qualidade 
intrínseca consiste nas características substanciais, no estado de conservação e nas suas 
qualidades. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
48 
Marta Lima e Silva 
Podemos ainda considerar um erro sobre o objeto o erro sobre determinados pressupostos 
que, embora sejam externos à coisa, por não serem mutáveis ao longo do tempo, se 
assemelham a qualidades intrínsecas ao próprio objeto. 
 
Exemplo: o António comprou um terreno porque achava que o mesmo era abastecido pela rede 
elétrica nacional e que, portanto, podia facilmente ter ligação elétrica numa futura casa que 
construísse nesse terreno. Depois, vem a descobrir quenão há abastecimento de rede 
elétrica. Neste caso, o erro incide sobre pressupostos que são externos à coisa, mas que estão 
ligados de tal maneira de forma incindível e duradoura à coisa que podem ser configurados 
como um erro sobre o objeto. 
 
Ainda se integra dentro do erro sobre o objeto o erro sobre a natureza negócio. 
 
Exemplo: António celebra um contrato com Bernardo estando convencido que estava a celebrar 
um comodato. O comodato é um empréstimo de um bem e, portanto, é um negócio gratuito. 
Contudo, afinal, o negócio que celebraram não foi um comodato, mas sim um aluguer – uma 
locação daquele bem. Então, neste caso, também estaremos perante um erro sobre o objeto. 
 
A doutrina tem ainda colocado o problema de saber se o erro sobre as qualidades da coisa que 
aumentam o valor da coisa enquanto erro do vendedor pode ser configurado como um erro 
sobre o objeto. 
 
Exemplo: o vendedor vende determinado quadro porque pensava que era uma pintura vulgar e 
depois descobre que afinal era uma obra prima de um pintor famoso. Aqui, o erro é do vendedor 
e a questão que se coloca é a de saber se este erro do vendedor pode ou não relevar como erro 
sobre o objeto. 
 
É neste ponto que a doutrina não é totalmente pacífica: 
® Há autores alemães que vêm dizer que tem de se ter em conta as peculiaridades do erro 
do vendedor e a uma ideia de risco negocial inerente à natureza deste objeto do 
contrato. Por isso, consideram que este risco negocial cabe ao vendedor. Isto significa 
que este erro não relevaria e que não seria possível invalidar o negócio. 
® Outros autores vêm dizer que, como no momento do negócio não se sabia que aquele 
era um quadro de um pintor famoso e só mais tarde é que se descobre, o benefício da 
descoberta pertence ao proprietário no momento da descoberta. 
® Segundo a Dra. Mafalda, devemos entender que o erro do vendedor sobre as 
qualidades da coisa que aumentam o seu valor pode ser considerado um erro sobre o 
objeto se, no momento da contratação, ele fosse detetável. 
§ Se o estado da arte e da ciência naquele momento já permitissem detetar 
aquele erro, era possível considerá-lo um erro sobre o objeto; 
§ Se não fosse possível, então, isso significaria que, naquele momento, eu celebrei 
o negócio sem ter uma perceção errada da realidade. 
Este travão coloca-se para não se correr o risco de qualquer sujeito poder vir 
indefinidamente invocar invalidades de negócios que celebrou. 
 
Por fim, o erro sobre os motivos (3) surge como uma categoria residual. Ou seja, tudo aquilo 
que não seja erro sobre a pessoa do declaratário ou sobre o objeto, mas diga ainda respeito aos 
motivos determinantes da celebração do negócio deve ser visto como erro sobre os motivos. 
 
Dentro do erro sobre os motivos, faz-se uma distinção entre: 
® O erro sobre os motivos propriamente ditos – será efetivamente a categoria residual; 
Teoria Geral do Direito Civil II 
49 
Marta Lima e Silva 
® O erro sobre a base do negócio – implica que aquele motivo configure a base do 
negócio. 
 
A base do negócio é um conjunto de circunstâncias que foram pressupostas pelos contraentes 
e nas quais ambos edificaram a vontade de celebrar o negócio ou, então, que não foram 
pressupostas por ambas (apenas por uma delas), mas que, de acordo com a boa fé, o contraente 
que não as teve em conta não poderia deixar de tê-las em conta. 
 
A distinção entre erro sobre os motivos propriamente ditos e erro sobre a base do negócio é 
extremamente importantes porque a cada um deles vai corresponder um regime jurídico 
diferente. 
 
Exemplo de um erro sobre os motivos propriamente ditos: António trabalha numa empresa de 
construção automóvel na zona de Coimbra e achou, por engano, que a sua entidade patronal 
tinha decidido transferi-lo para Lisboa. Então, celebrou um contrato de arrendamento em 
Lisboa. Se não fosse esse motivo, ele não teria celebrado o contrato. Contudo, a verdade é que 
ele se enganou, porque nunca tinha havido a intenção da entidade patronal de o transferir para 
Lisboa. Neste caso, este motivo diz apenas respeito ao António e o senhorio com quem ele 
celebrou aquele contrato de arrendamento não tinha como aceder a este motivo. 
 
Exemplo de um erro sobre a base do negócio: António e Bernardo celebraram um contrato de 
compra e venda de um terreno nas margens do rio Mondego porque acharam, erradamente, 
que a Câmara Municipal de Coimbra tinha deliberado construir ali ao lado um parque que 
valorizava muito aqueles terrenos. Os motivos que estiveram na base da celebração daquele 
negócio foram o Bernardo querer vender para beneficiar dessa valorização e o António querer 
comprar em nome dessa valorização para fazer um bom investimento. Contudo, enganaram-se 
e afinal a Câmara Municipal de Coimbra nunca tinha tido a intenção de construir ali aquele 
parque. Então, neste caso, estamos perante uma circunstância que foi determinante na vontade 
de celebrar o contrato, na qual ambas as partes edificaram essa vontade e com base na qual 
ambas estabeleceram as próprias condições do contrato. Ambas tiveram presente aquela 
circunstância para definirem, p.e., o valor de transação do terreno. Estamos perante uma 
circunstância comum a ambos ou que, pelo menos, eles não podem deixar de considerar de 
acordo com o princípio da boa fé. 
 
É isto que distingue o erro sobre os motivos propriamente dito do erro sobre a base do 
negócio. 
 
13.1.3. Requisitos gerais de relevância: essencialidade e propriedade 
 
Para que o erro seja relevante, é necessário que apresente dois requisitos essenciais. Para que 
o negócio possa ser anulado com base em erro, é necessário que: 
• O erro seja essencial; 
• O erro seja próprio. 
 
Quanto à essencialidade do erro, um erro é essencial quando é determinante da vontade de 
celebrar um negócio. Ou seja, sem o erro, o sujeito jamais teria celebrado aquele negócio. 
 
Isto mostra-nos que o parâmetro de determinação da essencialidade é subjetivo. É o sujeito 
que determina o que é que o levou a contratar ou não; é o sujeito que determina se determinado 
motivo é ou não essencial. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
50 
Marta Lima e Silva 
Exemplo: António comprou um cão de raça a achar que era um pastor alemão porque é criador 
de cães e era necessário para a continuação da sua exploração. Se o António soubesse que o cão 
não era de raça pastor alemão, ele jamais teria celebrado o negócio. Aqui, o erro é essencial por 
determinação do sujeito. Para outro sujeito, aquele erro pode já não ser essencial. 
 
Em determinadas situações, o erro não é irrelevante, pois condiciona a vontade do declarante, 
mas não é determinante da vontade de celebração do negócio. Nesses casos em que o erro não 
é determinante da vontade de celebrar o negócio, mas apenas influencia os termos em que o 
negócio foi celebrado, estamos perante um erro que não é essencial, mas sim incidental. 
 
Exemplo: o senhor António, sabendo que o cão que ia comprar não era um cão de raça, tê-lo ia 
comprado na mesma, mas, em vez de ter dado 1000€, tinha dado 500€. Neste caso, estamos 
perante um erro incidental. 
 
Então, podem distinguir-se três tipos de erros: 
® Irrelevante – quando não é determinante de nada; 
® Essencial – quando é determinante da celebração do próprio negócio; 
® Incidental – quando é determinante dos termos em que o negócio foi celebrado. 
 
O erro incidental não é fundamento da anulação do negócio. Ele apenas vai determinar a 
modificação dos termos do negócio. O negócio passa a valer, se possível, com os termos em que 
teria sido celebrado sem o erro. 
 
Há, porém, situações em que o erro incidental conduz à anulação: 
® Quando não se consiga determinar com segurança quais os termos em que o negócio 
teria sido celebrado; 
® Quando a contraparte prove que, com esses novos termos, não teria celebrado o 
negócio. Como é que se fundamenta juridicamente esta situação? 
§ Alguns autores fundamentam-na com base na aplicação analógica do artigo 
411º do CC; 
§ Outrosautores entendem que o fundamento está incorporado no regime da 
redução do negócio – artigo 292º. 
Seja qual for a fundamentação jurídica, a consequência é sempre a modificação dos 
termos do negócio. 
 
Quanto à propriedade do erro, um erro é próprio quando não recai sobre nenhum requisito 
legal de validade do negócio. Esta propriedade do erro compreende-se porque, se o erro incide 
sobre um requisito legal da validade do negócio, tornar-se-ia desnecessário recorrer ao regime 
do erro porque conseguiríamos anular ou declarar nulo o negócio por outra via. 
 
Exemplo: A celebrou com B um contrato de compra e venda de um imóvel através de um escrito 
particular. O negócio é nulo por vício de forma. A diz que quer invalidar o negócio com 
fundamento em erro porque, se soubesse que o negócio tinha de ser celebrado por escritura 
pública ou por escrito particular autenticado, jamais teria celebrado o negócio. Só celebrou por 
achar que se podia fazer escrito particular. Neste caso, o erro é impróprio e não releva para 
efeitos de desvinculação do negócio. 
 
Exemplo: C tem 16 anos e compra a D um automóvel. O C pode desvincular-se deste negócio 
(regime de incapacidade dos menores – art. 125º CC), mas o D já não pode fazê-lo. Então, D vem 
invocar o erro sobre as qualidades da pessoa do declaratário. Se soubesse que A era menor, 
jamais teria celebrado esse negócio. Neste caso, embora o erro incida sobre um requisito de 
Teoria Geral do Direito Civil II 
51 
Marta Lima e Silva 
validade do negócio (incapacidade das partes), porque o D não pode beneficiar desse regime 
para se desvincular desse negócio, considera-se que este erro é próprio. 
 
Não se exige que o erro seja individual ou singular nem se exige que o erro seja desculpável. No 
entanto, se houver culpa no erro, pode haver lugar a um dever de indemnizar. 
 
Alguns autores entendem que, no domínio de atuação de pessoas coletivas, se poderia justificar 
que o erro fosse desculpável, dado que sobre pessoas coletivas recai um dever mais intenso de 
autoinformação e de autoindagação. 
 
13.1.4. Requisitos especiais de relevância: erro sobre a pessoa do 
declaratário, erro sobre o objeto, erro sobre os motivos, erro sobre a 
base do negócio 
 
Os requisitos especiais de relevância já não dizem respeito a toda e qualquer modalidade de 
erro, mas são antes específicos de cada uma das modalidades de erro. 
 
Quanto aos requisitos de relevância do erro sobre a pessoa do declaratário e do erro sobre 
o objeto, o regime jurídico dos dois é o mesmo (artigo 251º CC). Para além dos requisitos gerais 
do erro sobre a pessoa do declaratário e sobre o objeto do negócio – essencialidade e 
propriedade –, temos, ainda, de ter em conta um outro requisito: 
® Conhecimento ou cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu 
o erro. 
 
Exemplo: António, que quer comprar um cão, disse a B que precisava daquele cão porque era 
criador de cães de raça pastor alemão e, portanto, precisava do cão para o desempenho da sua 
atividade. O vendedor não fazia ideia de que o cão não era um pastor alemão porque não 
entende do assunto. Ele não conhece o erro nem isso lhe é exigível. Contudo, a verdade é que, 
ao ter-lhe sido dito o motivo pelo qual o António estava a adquirir o cão, então, ele tornou-se 
conhecedor da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro. 
 
Nessa medida, era possível arguir a anulabilidade do erro. O artigo 251º não nos esclarece sobre 
mais nada, pelo que fazemos uma remissão para o artigo 287º. Segundo este último, pode arguir 
a anulabilidade o errante, no prazo de um ano a contar da cessação do vício – ou seja, no prazo 
de um ano a contar do momento em que ele tem conhecimento do erro. 
 
Quanto ao erro sobre os motivos propriamente ditos, nos termos do artigo 252º/1, o erro que 
recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem 
ao objeto do negócio só é causa de anulação se as partes tiverem reconhecido por acordo a 
essencialidade do motivo. É necessário que haja um acordo entre as partes acerca da 
essencialidade dos motivos/do motivo. 
 
Compreende-se que assim seja, porque o motivo diz respeito exclusivamente ao declarante. 
Portanto, se não exigíssemos este acordo, não estávamos a salvaguardar devidamente as 
expectativas do declaratário e sua confiança. Aqui, somos particularmente exigentes para 
anular o negócio. Através deste acordo, o legislador impõe que o motivo que é exclusivo do 
declarante passe a ser partilhado pelas partes do contrato. De outro modo, o erro sobre os 
motivos – porque é próprio – não vai relevar. 
 
Ao erro sobre a base do negócio aplica-se o artigo 252º/2, com remissão para o artigo 437º. O 
artigo 437º diz-nos que, se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar 
Teoria Geral do Direito Civil II 
52 
Marta Lima e Silva 
tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato ou à 
modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela 
assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios 
do contrato. 
 
Exemplo: a 26 de março de 2021 (momento X), eu celebro um contrato. O erro, enquanto 
incorreta ou inexata representação da realidade, diz respeito ao passado ou ao momento X. No 
momento X, as circunstâncias são umas e eu acho que elas são outras. No momento X, eu achei 
que a Câmara Municipal de Coimbra tinha aprovado a construção de umas piscinas ao lado do 
terreno que eu resolvi comprar, mas não o tinha feito. Portanto, eu pressupus umas 
circunstâncias e a realidade era outra. 
 
Quando eu celebro um negócio, no futuro, tudo pode acontecer. Porque o futuro é aberto a 
todas as possibilidades, eu hoje pressuponho determinadas circunstâncias, mas elas podem 
mudar no futuro. Portanto, aquela que era a base em que eu sustentei a celebração do negócio 
pode modificar-se radicalmente amanhã e, modificando-se radicalmente amanhã, o contrato 
que eu hoje celebrei amanhã já vai ser outro, porque o equilíbrio contratual foi afetado. 
 
No futuro, o meu problema não é de erro porque, no momento da celebração do contrato, eu 
pressupus a realidade que existia e não me enganei. Simplesmente, essa realidade é mutável e 
mudou. Então, para o futuro, o meu problema não é de erro, mas sim um problema de 
pressuposição ou alteração superveniente das circunstâncias. Este problema de alteração 
superveniente das circunstâncias é um problema complexo, relevante e ficou na ordem do dia 
por causa da pandemia. 
 
O artigo 437º vem dar resposta a este problema de alteração superveniente das circunstâncias. 
Não pode ser qualquer alteração que não seja relevante – caso contrário, não havia estabilidade 
contratual. Tem de ser uma alteração que efetivamente afete a base negocial, que ponha em 
causa a estabilidade contratual, que ponha em causa as exigências ditadas pelo princípio da boa 
fé e que não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 
 
O artigo 252º/2 remete-nos para este artigo 437º, mas os problemas são diferentes: um diz 
respeito ao passado e outro diz respeito ao futuro. Então, o que vamos buscar ao artigo 437º? 
Quando o artigo 252º/2 remete para este artigo, está a remeter apenas em termos parciais. Está 
apenas a remeter para a hipótese da norma. A este artigo vamos buscar a noção de base de 
negócio. 
 
Então, se o problema for um problema de alteração superveniente das circunstâncias, 
independentemente dos requisitos de relevância, a consequência é a resolução do negócio ou 
a sua modificação. A resolução é uma forma de fazer findar um contrato que foi celebrado 
validamente. 
 
Mas, se o problema for um problema de erro, não faz sentido dizer que vamos resolver um 
contrato. Se o problema é de erro, que diz respeito ao passado ou ao momento de celebração 
do negócio, isso significa que aquele negócio está afetado na sua génese com alguma coisa. Não 
faz sentido ficcionarcomo 
uma coisa corpórea. 
 
Ø Os próprios direitos subjetivos podem ser objeto de relação jurídica, como o penhor de 
direitos, o usufruto de direitos ou a hipoteca de um usufruto – direitos que têm como 
objeto outros direitos subjetivos. Exemplo: o senhor A é titular de um direito de usufruto 
e pede um empréstimo a um banco que lhe exige a constituição de uma garantia. O 
senhor A constitui uma hipoteca não sobre o objeto porque ele não é proprietário, mas 
sobre o direito de usufruto que tem sobre a coisa. 
 
Ø Os animais, que existem desde 2017, são também objeto de relação jurídica (artigos 
201º-B, 201º-C e 201º-D do CC). 
 
Até 2017, os animais eram considerados coisas, dado que estes têm em si mesmos as 
características próprias das coisas. São bens que são desprovidos de personalidade e não são 
Teoria Geral do Direito Civil II 
5 
Marta Lima e Silva 
integradores do conceito necessário desta. Não têm um carácter dinâmico como as prestações. 
Os animais são suscetíveis de existência autónoma, podem ser apropriados exclusivamente por 
alguém e são aptos a satisfazer necessidades e interesses humanos. Portanto, eram 
considerados coisas para todos os efeitos jurídicos. 
 
Hoje em dia, deixam de ser qualificados como coisas, mas existe uma espécie de paradoxo 
normativo porque não são qualificados como coisas, mas são tratados como coisas. Portanto, 
continuam a ser objeto de direitos reais, tal como as coisas. Isto significa que, hoje, não se pode 
dizer, à partida, que os direitos reais têm como objeto coisas. Há direitos reais que podem não 
ter como objeto coisas e podem ter como objeto animais. 
 
Alguns doutores contestam esta ideia. Por exemplo, o Dr. Pais Vasconcelos continua a afirmar 
que os animais devem ser qualificados como coisas, sendo que são coisas semoventes. Segundo 
a Dra. Mafalda, este entendimento percebe-se porque criar este termo/esta categoria 
intermédia entre as pessoas e as coisas apenas para uma ideia de libertação animal parece não 
fazer sentido, até porque isto não traz consequências ao nível da proteção que é dispensada aos 
próprios animais. 
 
Ø Os direitos potestativos – muitos autores afirmam que os direitos potestativos não têm 
objeto e outros defendem que estes têm efetivamente objeto e este seria o próprio 
efeito jurídico que se veria produzido. Há ainda outros autores que entendem que o 
objeto dos direitos potestativos não seria o efeito jurídico produzido, mas sim a relação 
jurídica que se se constituiria ou modificaria ou extinguiria. No caso da relação jurídica 
constitutiva, isto implicaria a ausência do objeto ou confluência entre o objeto e o efeito 
daquele direito ou do exercício do direito. 
 
Seja como for, o mais importante é reter que os direitos potestativos são direitos que 
não implicam o poder ou uma faculdade de exigir um determinado comportamento, 
mas sim direitos/poderes/faculdades de desencadearem determinados efeitos 
jurídicos, daí esta diferença e subtileza também ao nível da compreensão do próprio 
objeto da relação jurídica. 
 
5. O problema do património: global, ilíquido, líquido, autónomo e 
conjunto; a herança como um património autónomo 
 
Muitas vezes, pensa-se, na linguagem corrente, que o património constitui um conjunto de 
coisas que a pessoa tem. Do ponto de vista jurídico, este pensamento não está correto. Para se 
falar corretamente de património, tem de se pensar neste como o conjunto de todas as relações 
jurídicas avaliáveis em dinheiro de que um sujeito é titular. Definindo o património assim, 
percebe-se que este não é, em si mesmo, objeto de relações jurídica, porque ele é o conjunto 
das relações jurídicas de natureza patrimonial de que o sujeito é titular. 
 
Isto é extremamente importante porque nos permite perceber que não existe um direito sobre 
o património. Ao não existir um direito sobre o património, não se pode dizer que, ao ser lesado 
um interesse patrimonial, se vai desencadear responsabilidade civil. Muitas vezes, um 
determinado sujeito pode ser afetado nos seus interesses patrimoniais e, se essa lesão não for 
acompanhada da lesão concreta de um direito dotado de eficácia absoluta (de eficácia erga 
Teoria Geral do Direito Civil II 
6 
Marta Lima e Silva 
omnes), a conclusão é que, à partida, não haverá direito a uma indemnização justamente porque 
não existe um direito com eficácia absoluta sobre o património. 
 
Existem várias acessões para o termo património: 
Ø O património bruto ou ilíquido é efetivamente o conjunto de todas as relações jurídicas 
avaliáveis em dinheiro de que um sujeito é titular. No património bruto ou ilíquido 
vamos considerar o ativo do sujeito. 
Ø Se nós descontarmos ao ativo do sujeito o seu passivo, vamos encontrar o património 
líquido. 
Ø Se juntarmos o passivo e o ativo, então, confrontamo-nos com o património global. 
 
 
 
 
 
 
Património global = Património Passivo + Património Ativo 
 
Património Bruto ou Ilíquido = Património Ativo 
 
Património líquido = Património Ativo – Património Passivo 
 
Este património não é objeto de relações jurídicas. O património vai desempenhar um papel 
extremamente importante ao nível da relação jurídica, designadamente, ao nível das relações 
jurídicas de natureza obrigacional como garante das obrigações – ele surge como garantia geral 
das obrigações. 
 
Exemplo: O A é credor e o B é devedor. O B não paga a dívida. O A pode recorrer a tribunal com 
uma ação de condenação para o B pagar e, se ainda assim o B insistir em não pagar, pode 
executar o património do B. O tribunal vai apreender/penhorar algum ou alguns dos bens do B, 
vai vendê-los judicialmente através de uma venda executiva e vai pagar ao devedor à custa do 
dinheiro que obteve com aquele bem pertencente ao património do B. 
 
Isto significa que o património vai funcionar como a garantia geral das obrigações. Pode haver 
garantias especiais, mas se elas não existirem, então, em última instância, há essa garantia geral 
das obrigações. 
 
Existe, ainda, o património autónomo ou separado. Este significa que há uma parte do 
património – um conjunto de relações jurídicas avaliáveis em dinheiro – que vai ser submetido 
a um tratamento jurídico próprio especial e é por isso que ele é autónomo ou separado. O 
critério dessa autonomia é o critério de responsabilidade por dívidas. 
 
Um exemplo típico de um património autónomo é a herança, porque: 
 
1) Pelas dívidas da herança (do de cujus), apenas vão responder os bens da herança – art. 
2071º do CC. O nº1 e o nº2 deste artigo dizem o mesmo no que diz respeito à limitação 
da responsabilidade da herança pelas dívidas do de cujus. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
7 
Marta Lima e Silva 
Exemplo: Se o senhor A faleceu, deixou uma conta bancária com 100 mil euros e deixou 
dívidas no valor de 200 mil euros, os herdeiros apenas vão ter de responder pelas dívidas 
até ao valor de 100 mil euros – a partir deste valor não há responsabilidade. 
 
O nº1 e o nº2 do art. 2071º apenas diferem no que diz respeito à prova. Se houver 
aceitação a título de inventário ou benefício de inventário, são os credores que têm de 
provar que existem outros bens. Se a herança for aceite pura e simplesmente, será o 
herdeiro que tem de provar que não existem valores suficientes na herança para o 
cumprimento dos encargos devidos. 
 
2) A herança vai responder pelas dívidas da herança e só quando estas não existirem é que 
depois poderá responder pelas dívidas dos próprios herdeiros – artigo 2070º do CC. 
 
Por fim, existe o património conjunto. Aqui, temos uma outra realidade: temos um só 
património e esse património unido é titulado por mais de um sujeito – tem mais do que um 
titular. 
 
Aqui, não se trata apenas e só de uma situação de copropriedade, porque na copropriedade 
cada um dos coproprietários é titular de uma quota ideal da propriedade. No caso do património 
conjunto, estamos perante o que se designa de comunhão de mão comum – o património é 
tratado globalmente como unitárioque aquele negócio é válido para depois o resolver, porque ele está 
perturbado desde o seu nascimento. Verificado um erro na base do negócio, a consequência é 
a anulação do negócio. 
 
• No art. 252º/2 devemos remeter para o art. 437º e também para o art. 287º. Embora a 
remissão do legislador seja para o art. 437º, essa é uma remissão parcial que diz respeito 
apenas à hipótese da norma. A consequência/sanção jurídica encontra-se no art. 287º. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
53 
Marta Lima e Silva 
 
Quem pode arguir a anulabilidade do negócio é o errante, no prazo de um ano a contar do 
conhecimento/descoberta do erro. Se houver culpa da parte do errante, pode haver direito a 
uma indemnização a favor da contraparte. Esta indemnização, em regra, abrange o interesse 
contratual negativo. 
 
A anulabilidade tem um ano para ser requerida, mas, se o negócio não estiver cumprido, ela 
pode ser invocada a qualquer tempo – artigo 287º/2. A anulabilidade pode ser sanada por 
confirmação. 
 
13.2. Dolo 
 
13.2.1. Noção 
 
Nos termos do art. 253º CC, entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém 
utilize com a intenção ou a consciência de induzir ou manter em erro o outro sujeito que vai 
emitir a declaração, bem como a dissimulação pelo declaratário do erro de declarante. 
 
Em primeiro lugar, pode concluir-se que o dolo é um erro qualificado. O erro traduz-se na 
incorreta representação da realidade. O dolo não é mais do que um erro, mas é um erro 
qualificado porque, em vez de ter sido o declaratário ou o declarante a incorrer 
espontaneamente em erro, foi antes aquele que emitiu a declaração que foi induzido pelo 
comportamento da contraparte (do declaratário ou de um terceiro). 
 
Contudo, o art. 253º vai ainda mais longe, dado que permite qualificar como dolo aquelas 
situações em que o declaratário ou o terceiro mantêm o declarante em erro e não o 
esclarecem e situações em que alguém simula o próprio erro. 
 
Pode ter-se uma atuação positiva – no sentido de induzir ou manter em erro – ou uma atuação 
negativa – no sentido de omitir um dever de esclarecimento, dissimulando assim o erro que já 
existia da parte do próprio declarante. 
 
13.2.2. Requisitos de relevância 
 
Faz-se uma distinção entre dolo ativo e dolo omissivo: 
 
® O dolo ativo implica uma ação, um comportamento positivo. Para haver dolo, tem de 
se ter o emprego de determinadas sugestões/artifícios no sentido de induzir em erro. 
Estas sugestões podem ir desde simples mentira até a esquemas de engano complexos 
e elaborados. 
 
® O dolo omissivo – também conhecido como dolo negativo – implica que o sujeito já 
estava em erro e que foi omitido um dever de esclarecimento. Este dever de 
esclarecimento só existirá quando o declaratário, de acordo com o princípio da boa-fé, 
tivesse o dever de elucidar a sua contraparte. 
 
É necessário que o engano seja efetivamente causado pelas sugestões/artifícios usados pelo 
terceiro ou pelo declaratário ou, no caso do dolo negativo, a omissão dos deveres de 
esclarecimento tem de ser determinante para a manutenção daquele equívoco. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
54 
Marta Lima e Silva 
Este é um dolo enquanto vício de vontade e não um dolo enquanto forma de culpa (não se 
podem confundir estes dois dolos). Tendo em conta esta diferença, os autores têm concluído 
que este dolo a que se refere implica necessariamente o dolo enquanto forma de culpa porque 
o dolo, enquanto vício de vontade, implica a intenção de induzir ou manter em erro. Portanto, 
implica sempre um comportamento intencional da parte de quem engana. 
 
É certo que bastaria, segundo a doutrina tradicional, o dolo eventual, mas exigir-se-ia que 
houvesse essa correspondência entre dolo como vício de vontade e dolo como forma de culpa. 
 
Contudo, imagine-se o seguinte exemplo: A, o declaratário, induz B, declarante em erro. Não o 
induz em erro intencionalmente, mas porque presta informações erradas. Ele não tem 
verdadeira consciência da exatidão dessas ações, mas age com negligência no cumprimento de 
um dever de responder acerca das características do bem. Aqui, temos uma situação em que se 
quer configurar como dolo como um comportamento negligente. 
 
Tradicionalmente, perante uma situação destas, entendia-se que não havia dolo. A única 
hipótese para o declarante seria tentar invalidar o negócio com base no erro vício. Contudo, há 
requisitos apertados para invalidar um negócio com base em erro vício e pode acontecer que 
eles não estejam verificados em concreto. 
 
Mais tarde, surgiram outras respostas perante este problema: 
 
® Um grupo de autores dizia que, de facto, não há dolo, mas há culpa por parte do 
declaratário, que foi negligente. Então, A poderia vir exigir uma indemnização com base 
na responsabilidade civil pré-contratual (art. 227º CC). 
 
A responsabilidade civil tem como consequência gerar uma obrigação de indemnizar, 
sendo que há várias formas de indemnização. A primeira delas é a reconstituição 
natural. Só se não for possível operar a reconstituição natural é que se pode recorrer à 
indeminização em dinheiro. Aqui, a reconstituição natural traduzir-se-ia na 
desvinculação do próprio contrato porque, através dela, estar-se-ia a pôr o lesado na 
situação em que ele estaria se não tivesse confiado na celebração do contrato sem erro. 
 
Esta solução tem alguns problemas, designadamente, gera algumas contradições no 
sistema. Se o negócio fosse anulável por dolo, teríamos um ano a contar da cessação do 
vício para o fazer. Contudo, aqui, vamos ter três anos para que o direito à indemnização 
se prescreva. É por isto que alguns autores procuraram encontrar outra solução. 
 
® O segundo grupo de autores vem dizer que se pode recolocar esta questão ao nível do 
dolo. Podemos, apesar de não existir o dolo enquanto forma de culpa, tratar uma 
situação como esta com um problema de dolo porque, apesar de faltar essa intenção, 
consegue estabelecer-se uma analogia bastante com as hipóteses de dolo. 
 
O fundamento para esta analogia baseia-se no facto de a invalidade do negócio causada 
pelo erro não ser automática. Ela fica dependente da verificação de alguns requisitos 
para se tutelar a confiança da contraparte. No caso do dolo, porque também temos uma 
vontade que não foi formada de modo são, o negócio também vai considerado 
anulável, mas vai ser considerado independente da verificação de requisitos 
adicionais – porque se há um comportamento do declaratário no sentido de induzir o 
declarante em erro, então, não há expetativas dignas de confiança para tutelar a 
contraparte (o declaratário). 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
55 
Marta Lima e Silva 
Estes autores vêm dizer que, embora o sujeito não tenha atuado intencionalmente, ao 
ter agido de forma negligente e ao ter violado determinados deveres impostos pela boa-
fé, então, ele também não é detetor de uma confiança digna de proteção – porque a 
confiança que é protegida não é uma confiança fáctica, mas sim uma confiança 
normativamente densificada. 
 
Quer isto dizer que, ainda que o sujeito confie na validade do negócio, porque esta 
confiança não é meramente fáctica, ele não é merecedor de tutela. Portanto, faz-se uma 
interpretação corretiva, integrando no âmbito da relevância do art. 253º CC 
estas hipóteses de indução negligente em erro. 
 
Faz-se uma distinção entre dolos bonus e dolos malus: 
® Para efeitos da invalidação do negócio jurídico, apenas releva o dolos malus. O dolos 
maus só é relevante se efetivamente existir o dever de esclarecer por parte do 
declaratário. 
® O dolos bonus traduz-se no conjunto de artifícios ou sugestões que sejam considerados 
legítimos segundo as conceções dominantes no comércio jurídico (art. 253º/2 CC). 
 
O critério que permite distinguir estes dois dolos é o critério da usualidade/normalidade. Este 
critério deve ser valorativamente densificado/normativamente recortado e é por isso que se 
pode ter variações históricas nas fronteiras entre o dolosbonus e o dolos malus, não havendo 
uma fronteira estanca entre os dois. Pode até dizer-se que, hoje em dia, a intensificação de 
deveres de proteção e deveres de informação na fase pré-contratual determina um recuo 
do dolos bonus e uma expansão da relevância do dolos malus. 
 
Estas considerações têm razão de ser, sobretudo no âmbito do direito do consumidor. Neste, 
há autores que entendem que o dolos bonus foi mesmo afastado pelo dever de informação que 
resulta da lei. Contudo, isto não significa que desapareceu o relevo da distinção, até porque fora 
do domínio da proteção do consumidor há um amplo campo de atuação de contratação de 
profissionais e é nesse âmbito que se mantém espaço para a distinção destes dolos. 
 
Um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23 de abril de 2015 veio mostrar que o 
tal critério da normalidade deve ser compreendido à luz de um padrão valorativo que não pode 
deixar de chamar a si dados atinentes à boa-fé. 
 
 
 
A boa-fé vai impor, em face da discrepância de forças entres os contraentes, deveres de 
informação acrescidos quando em causa está um profissional diante de um consumidor. Se em 
causa estiverem dois profissionais, entende-se que cada um deles tem meios próprios para 
poder fazer a sua própria investigação quanto ao negócio. Isto significa que os deveres de 
informação se retraem e que pode aumentar o espaço para o dolos bonus que, no âmbito das 
relações de consumo, se parece retrair. 
 
Faz-se uma distinção entre dolo essencial e dolo incidental: 
® O dolo essencial será aquele que é determinante da vontade de celebrar o negócio. 
® O dolo incidental será determinante não da vontade de celebrar o negócio, mas dos 
termos em que este é celebrado. 
 
O regime do dolo incidental conduz, em regra, à modificação dos termos do negócio, podendo 
conduzir, porém, à invalidade do negócio – nos mesmos termos em que o erro incidental conduz 
Teoria Geral do Direito Civil II 
56 
Marta Lima e Silva 
à anulabilidade. No entanto, há uma exceção: o autor do dolo incidental não pode vir provar 
que a sua vontade hipotética se opõe à modificação do negócio. 
 
Preenchidos todos estes requisitos – que configuram o dolo enquanto dolo – estamos perante 
uma hipótese de dolo relevante e a consequência é, nos termos do art. 254º/1 CC, 
a anulabilidade do negócio. 
 
• Nota: remissão do art. 254º/1 para os arts. 287º e 227º CC. 
 
O art. 287º CC diz-nos quem pode arguir a anulabilidade do negócio e dentro de que 
prazos. Pode arguir a anulabilidade aquele que foi enganado, no prazo de um ano a contar do 
momento em que descobriu que foi enganado. 
 
13.2.3. Regime do dolo do declaratário 
 
Para além da invalidade do negócio, o dolo gera também responsabilidade do declaratário que 
induziu o declarante em erro. Esta responsabilidade civil vai seguir os termos da 
responsabilidade pré-contratual. 
 
13.2.4. Regime do dolo de terceiro 
 
Se o dolo for proveniente de um terceiro (art. 254º/2), os requisitos para que o negócio seja 
anulado são: 
 
® Se o declaratário conheceu o dolo do terceiro, o negócio é anulável. Aliás, aqui, o 
declaratário tem o dever de avisar o declarante e, portanto, o dolo de terceiro 
corresponde a um dolo omissivo/negativo do declaratário. 
 
® Se o declaratário não conhecia o dolo, mas tinha o dever de o conhecer (ou seja, há 
cognoscibilidade do dolo), o negócio é anulável. 
 
® Se o declaratário não conhece nem devia conhecer o dolo, o negócio pode ser 
parcialmente anulável, se alguém possa ter diretamente pelo negócio um direito, desde 
que o beneficiário tenha sido o autor do dolo. 
 
Exemplo: A e B celebram um contrato de arrendamento. O A celebra aquele contrato 
porque está convencido de que o B é filho de um grande amigo de infância porque o C 
o convenceu disso. O B não sabia de nada nem era exigível que soubesse. O C fez isto 
porque queria que A arrendasse a casa porque iria ganhar uma comissão. 
 
Nestes casos, temos um terceiro que é beneficiário autor do dolo. O que se vai anular é 
o benefício que este terceiro tenha adquirido. O contrato de arrendamento entre A e B 
seria válido, mas era automaticamente anulável a cláusula do contrato nos termos da 
qual o C tinha direito a uma determinada comissão sobre o arrendamento. 
 
13.3. Coação moral 
 
13.3.1. Noção 
 
A coação física determina que o sujeito é submetido a uma força de tal modo irresistível que 
deixa de ter vontade de ação e passa a ser um autómato. Na coação moral (art. 255º CC), aquilo 
Teoria Geral do Direito Civil II 
57 
Marta Lima e Silva 
que se verifica é o receio de um mal que resulta de uma ameaça ilícita que é feita com o 
objetivo de extorquir a declaração negocial. O sujeito, quando emite a declaração negocial, tem 
efetiva vontade de a emitir, mas essa vontade é determinada pela necessidade de afastar aquele 
mal com que está a ser ilicitamente ameaçado. 
 
Exemplo: António descobriu que o Bernardo tinha praticado um crime há uns anos atrás e 
ameaça Bernardo de que ou ele lhe vende por determinado valor o seu apartamento ou, então, 
ele vai denunciá-lo às autoridades. 
 
13.3.2. Requisitos de relevância 
 
É necessário que haja uma ameaça e que esta seja ilícita, sendo que pode ser ilícita em duas 
situações: 
® Porque são ilícitos os meios utilizados; 
® Porque é ilegítima a prossecução daquele fim com aquele meio. 
 
Não há coação moral se o sujeito apenas ameaçar o declarante com o exercício normal de um 
direito. 
 
Exemplo: António é credor e B é devedor. António tem medo de que Bernardo não possa pagar 
a dívida e ameaça-o, dizendo: “ou constituis uma hipoteca a meu favor ou eu vou executar o 
pagamento do crédito, porque tenho medo de que não consigas pagar”. O credor está apenas a 
exigir o seu direito ao reforço da garantia do crédito e, portanto, não há coação moral – estamos 
no âmbito do exercício normal de um direito. 
 
Também não há coação moral quando o medo resulte do temor reverencial. Este traduz-se na 
sensação de medo de desagradar em relação a um superior hierárquico ou a alguém numa 
posição superior. 
 
Para a coação relevar, é necessário que a ameaça – que é ilícita – tenha como finalidade 
extorquir a negociação negocial, sendo que esta última tem de ter sido efetivamente emitida 
por força da ameaça que foi feita. 
 
Então, a coação tem de ser essencial. A coação tem de ser determinante da vontade de celebrar 
o negócio – sem aquela coação, o negócio jamais teria sido celebrado. Se a coação for incidental, 
ela releva nos mesmo termos em que relevam o dolo e o erro incidentais. 
 
13.3.3. Regime 
 
Quid Iuris quando se verificam todos estes requisitos? O negócio é anulável, nos termos do art. 
256º CC (remissão para o art. 287º CC). Pode arguir a anulabilidade aquele que foi coagido, no 
prazo de um ano a contar da cessação do vício. O vício cessa quando a ameaça deixa de surtir 
efeito/deixa de fazer sentido. 
 
Exemplo: No ano passado, António celebrou um contrato com o Bernardo de doação de um 
automóvel porque o Bernardo o ameaçou de que, se não lhe doasse aquele automóvel, iria 
contar à sua mulher que tinha uma amante. Celebrou o negócio em janeiro de 2020 e, hoje, 
ainda nem sequer começou a contar o prazo para arguir a anulabilidade porque aquela ameaça 
ainda continua a surtir efeito. Ela deixa de surtir efeito quando a ameaça já é indiferente, p.e., 
quando a mulher de António já sabe que ele tem uma amante. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
58 
Marta Lima e Silva 
13.4. Estado de necessidade 
 
13.4.1. Noção 
 
O estado de necessidade (art. 282º CC) traduz-se nas situações em que o sujeito celebra 
determinado ato jurídico pela necessidade de remover um perigo que existe, verificando-se que 
a contraparte explora essa situação de necessidade obtendo dela benefícios excessivos ou 
injustificados. 
 
Tem de se ter, então: 
® Um receio que é gerado por um grave perigo; 
® A exploração dessa situação de necessidade pela contraparte; 
® A obtenção de benefícios excessivos ouinjustificados. 
 
Temos aqui requisitos objetivos e subjetivos, sendo que é necessário que todos eles 
se verifiquem para estarmos perante um estado de necessidade. 
 
O benefício é excessivo ou injustificado quando há uma desproporção clara entre as 
prestações – quando o benefício que se retira com a celebração do negócio ultrapassa o limite 
do razoável/justificável. Alguns autores vêm propor o critério do valor do dobro como o limite a 
partir do qual se deve averiguar se existem (ou não) os demais requisitos para que se possa falar 
de uma situação de estado de necessidade. 
 
13.4.2. Regime 
 
Verificados todos os requisitos, a consequência é a anulabilidade – o negócio é anulável. Pode 
arguir a anulabilidade o sujeito que se encontrava em estado de necessidade no momento da 
celebração do negócio, no prazo de um ano a contar do fim da situação de necessidade (art. 
287º – regime regra). Pode haver lugar à modificação do contrato, nos termos do art. 283º CC. 
 
13.4.3. O problema da violação dos bons costumes 
 
Há, no entanto, uma situação especial, em que a pessoa que explora a situação de necessidade 
tinha o dever moral ou legal de agir ou auxiliar. Neste caso, mais do que a anulabilidade, o 
negócio deve ser considerado nulo, nos termos do art. 280º CC. 
 
Exemplo: António encontra-se gravemente doente numa localidade onde apenas existe um 
médico especialista naquela área e recorre a esse profissional de saúde. Este trata-o desde que 
ele lhe transmita a propriedade do seu apartamento. Aqui, temos uma situação de necessidade. 
O que determina a invalidade do negócio é o facto de o médico estar a exigir algo injustificado. 
Neste caso concreto, o médico tem o dever moral e legal de agir. Então, numa situação como 
esta, mais do que considerar que o negócio é anulável, considera-se nulo porque há violação 
dos bons costumes. 
 
13.5. Incapacidade acidental 
 
13.5.1. Noção 
 
A incapacidade acidental encontra-se prevista no art. 257º/1 CC. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
59 
Marta Lima e Silva 
13.5.2. Requisitos de relevância 
 
É necessário que a pessoa se encontre acidentalmente incapacitada, ou seja, é necessário que, 
no momento em que celebra o negócio, a pessoa não fosse capaz de determinar a sua vontade 
de acordo com o pré-entendimento que tivesse da realidade. O sujeito tem de ter as suas 
capacidades cognitivas diminuídas no momento em que a declaração negocial é emitida. 
 
O declaratário tem de conhecer essa incapacidade acidental ou, então, ela tem de ser notória. 
Diz o art. 257º/2 CC que é notória quando um homem de comum diligente poderia ter notado. 
 
Exemplo: António declara vender a Bernardo o seu automóvel por 200€ num momento em que 
se encontra visivelmente embriagado e Bernardo acorda comprá-lo assim num momento em 
que estava embriagado. António arrependeu-se e, portanto, quer anulá-lo. Apesar de Bernardo 
não ter percebido que António estava assim por também estar embriagado, o negócio vai ser 
anulável porque era notório, dado que um homem diligente poderia ter notado. 
 
13.5.3. Regime 
 
Se estes requisitos se verificarem, o negócio é anulável. 
 
• Nota: remissão do art. 257º para o art. 287º. 
 
O prazo para arguir a anulabilidade é de um ano a contar da cessação do vicio, sendo que 
este cessa quando a incapacidade passar. Pode arguir a anulabilidade quem emitiu a declaração 
naquele estado. 
 
14. O problema da alteração superveniente das circunstâncias 
 
O problema da alteração superveniente das circunstâncias surge, em primeiro lugar, porque um 
contrato é celebrado por um determinado período de tempo, não sendo um contrato de 
execução imediata ou instantânea. Significa isto que, entre o momento da celebração do 
contrato e o terminus da execução do contrato, pode mediar um período de tempo mais ou 
menos longo. 
 
Entre o momento da celebração e o momento da execução do contrato podem alterar-se as 
circunstâncias que estiveram na base da celebração desse mesmo negócio jurídico. 
 
Uma nota importante prende-se exatamente com a distinção entre: 
® Por um lado, o que é a alteração superveniente das circunstâncias – também conhecido 
por problema da pressuposição; 
® Por outro lado, o que é o problema do erro. 
 
Traçando uma linha do tempo e pondo a meio uma data (por exemplo, 01/01/2019), essa data 
corresponde ao momento da celebração do negócio jurídico entre A e B. Nesse momento, A e B 
supuseram determinadas circunstâncias – circunstâncias X –, sendo que foi o facto de terem 
pressuposto essas circunstâncias X que fez com que tivessem vontade de celebrar aquele 
contrato nos termos em que foi celebrado. 
 
Imagine-se que, antes dessa data (antes de 01/01/2019), as circunstâncias que eles 
pressupuseram eram, afinal, outras. Portanto, eles tinham uma incorreta ou inexata 
representação da realidade. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
60 
Marta Lima e Silva 
 
® Se o problema se situar antes da celebração do contrato, é um problema de erro; 
® Se as circunstâncias que foram pressupostas nesse dia (01/01/2019) se alteraram 
posteriormente, no futuro, então, o problema é um problema de pressuposição ou um 
problema de alteração superveniente das circunstâncias. 
 
Este problema de alteração superveniente das circunstâncias é um problema recorrente que 
ocorre muitas vezes e que, nos nossos dias, tem ocorrido em grande escala fruto do surgimento 
de uma circunstância imprevisível: a pandemia do COVID-19. Todos os contratos que foram 
celebrados antes do surgimento da pandemia e das medidas restritivas de combate à pandemia 
foram afetados no seu equilíbrio por essa alteração das circunstâncias. 
 
Desta forma, conseguimos claramente perceber a distinção entre o erro e a pressuposição ou 
alteração superveniente das circunstâncias. 
 
Sistematizando os três vetores que nos orientam neste problema: 
 
1) Alterando-se as circunstâncias que existiam na data de celebração do contrato, o 
negócio que foi celebrado pode ser, hoje, radicalmente outro. Ou seja, hoje, o negócio 
pode não corresponder ao exercício da autonomia privada por parte dos contraentes. 
 
2) Um contrato, seja ele qual for, envolve sempre um risco. Quando celebramos um 
contrato, vinculamo-nos a determinadas obrigações – da mesma forma que a nossa 
contraparte se vincula a determinadas obrigações. Ficamos vinculados para o futuro e o 
futuro é sempre incerto. Desta forma, um contrato envolve sempre um elemento de 
gestão de risco. Esta alteração das circunstâncias a que nos referimos terá de ser uma 
alteração significativa e, portanto, vamos ter de concretizar os pressupostos de 
relevância desta alteração superveniente das circunstâncias. 
 
3) É necessário ter em conta uma ideia de segurança e de certeza do direito. Não podemos 
deixar a contraparte à mercê de uma qualquer tentativa de desvinculação por parte de 
um dos contraentes – unilateral – que não tenha em conta determinado realidade que 
deve ser valorada ao ponto dessa desvinculação ser permitida. 
 
Então, se tivermos em conta estes três vetores ou estas três ideias-chave, podemos a 
priori rejeitar, quanto a esta matéria, duas posições extremas: 
 
1) Uma posição que vem afirmar que deve ser cumprido o pacta sunt servanda – o que 
significa que os contratos têm de ser pontualmente cumpridos. “Pontualmente 
cumpridos” não significa apenas pontualidade temporal, ou seja, não significa que têm 
apenas de ser cumpridos no momento em que as obrigações devam ser realizadas, mas 
sim que têm de ser pontualmente cumpridos no sentido de “ponto por ponto”. 
 
De acordo com uma posição formalista, entendia-se que os contratos tinham de ser 
pontualmente cumpridos independentemente de haver (ou não) alguma alteração das 
circunstâncias. Ora, esta ideia tem de ser rejeitada. 
 
2) Da mesma forma, temos de rejeitar uma outra posição radical que nos diz que qualquer 
contrato integra uma cláusula implícita – cláusula rebus sic stantibus. Esta cláusula 
implícita (não expressa) vinha dizerque qualquer alteração das circunstâncias tinha de 
relevar de alguma maneira. Portanto, esta ideia rebus sic stantibus corresponderia a 
subjetivismo liberal radical. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
61 
Marta Lima e Silva 
 
Não podemos aceitar nenhuma destas posições extremas porque elas deixam de lado e não 
têm em conta aqueles três vetores que temos necessariamente de harmonizar ou tentar 
harmonizar na resolução deste problema da alteração superveniente das circunstâncias. 
 
Então, afastando estas posições radicais, como podemos resolver este problema? 
 
® Primeiro, temos de ver se as partes apuseram no contrato uma cláusula para resolver 
o problema. É uma hipótese as partes terem previsto que as circunstâncias poderiam 
modificar-se e terem delineado uma solução para o caso de acontecer. A esta cláusula 
que as partes podem ter integrado no acordo chama-se cláusula de hardship. Nessa 
situação, vamos seguir aquela que é a vontade das partes. 
 
® Contudo, pode acontecer – e acontece muitas vezes – que as partes nada tenham 
previsto. Então, é necessário saber em que medida e em que termos releva a alteração, 
sendo que foi a este propósito que foram surgindo ao longo dos tempos diversas teorias 
para resolver o problema: 
 
1) Doutrina da imprevisão – a doutrina da imprevisão vem dizer que, se o contexto 
económico e social se alterar de forma radical e imprevisível, o contrato deve 
dar-se por extinto. Esta doutrina acaba por ser criticada por alguns autores e 
não a podemos aceitar por dois motivos principais: 
§ Torna demasiado fácil a desvinculação – podemos ter uma alteração do 
contexto económico e social imprevisível ou mesmo radical e nem por 
isso ser afetado o equilíbrio daquele contrato; 
§ Não tem em conta que as partes podem ter previsto esse risco no 
momento da celebração do contrato. 
Abandonou-se esta doutrina da imprevisão e surgiu a doutrina da 
pressuposição. 
 
2) Doutrina da pressuposição – doutrina de pressuposição deve-se a um autor 
alemão que nos diz que qualquer contrato integra uma cláusula não 
desenvolvida, que é uma condição não desenvolvida. Uma condição é uma 
cláusula que as partes podem integrar no contrato nos termos da qual os efeitos 
de um contrato ficam dependentes da verificação de um acontecimento futuro 
e incerto. 
 
Segundo este autor, qualquer contrato incluiria uma condição não desenvolvida 
– a pressuposição. As partes, quando celebram um contrato, pressupõem 
determinadas circunstâncias e o contrato incluiria uma condição. Ou seja, o 
contrato apenas produziria efeito se essas circunstâncias se mantivessem. 
 
Para esta doutrina, havia um requisito: era necessário que a pressuposição fosse 
cognoscível da outra parte. Se for cognoscível da outra parte, ou seja, se for 
exigível que a outra parte conheça esse conjunto de circunstâncias que foram 
pressupostos, se se alterarem estas circunstâncias, então, o contrato extingue-
se e deixa de produzir efeitos. 
 
Para esta doutrina também temos críticas a apontar: 
§ Estamos a sujeitar o contrato a uma condição que a outra parte não 
conhece e que, verdadeiramente, nenhuma das partes previu; 
§ Torna demasiado fácil a desvinculação do contrato. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
62 
Marta Lima e Silva 
 
Isto fez com que esta doutrina da pressuposição também fosse abandonada e 
passou a considerar-se uma outra doutrina. 
 
3) Doutrina da base do negócio – a doutrina da base do negócio tem diversas 
versões, umas mais antigas do que outras. 
 
O que é a base do negócio? A base do negócio corresponde à representação de 
uma das partes acerca da existência de determinadas circunstâncias, desde que 
a outra parte a aceite como importante. Já não é qualquer circunstância que 
releva, mas será apenas uma circunstância que integre esta base do negócio. 
 
Então, para a primeira versão, se a alteração ocorresse na base do negócio, isso 
poderia conduzir à extinção do negócio. Contudo, esta primeira versão torna a 
desvinculação do negócio demasiado fácil, permitindo a desvinculação do 
negócio mesmo quando a boa fé não seja posta em causa. 
 
Por exemplo, se o senhor A toma de arrendamento uma casa de praia para 
passar as férias de verão na pressuposição de que é reconhecível pelo senhorio 
de que terá férias nessa época – em agosto –, então, permitir-se-ia a 
desvinculação se ele não viesse a ter férias em agosto por, p.e., o mapa de férias 
da empresa se alterar. 
 
Por isto, passamos a considerar uma segunda versão. De acordo com esta 
segunda versão, a alteração das circunstâncias só é relevante se a base do 
negócio for conhecida ou cognoscível da contraparte no momento da conclusão 
do negócio e desde que essa contraparte, nesse mesmo momento, se lhe 
tivesse sido proposto o condicionamento do negócio, teria aceitado de acordo 
com a boa fé. 
 
O Prof. Manuel de Andrade introduziu uma pequena alteração a esta doutrina 
da base do negócio na sua segunda versão, dizendo que também deveria haver 
lugar à modificação ou à resolução do contrato quando tal fosse imposto pela 
boa fé no momento em que se coloque o problema – mesmo que à data da 
celebração do negócio não se impusesse esse condicionamento do negócio. 
 
Por outras palavras, mesmo que no momento da celebração do negócio não se 
fosse exigível a aceitação do condicionamento do negócio, se a boa fé o 
impusesse no momento atual em que o problema se coloca, então, deve ser 
relevante essa alteração da base do negócio. 
 
Portanto, integra-se aqui aquilo que se designa por situações de turbação da 
equivalência. Ou seja, situações em que, na sequência de um evento 
imprevisível, a relação das partes se torna uma grosseira “não-relação” – de tal 
maneira que o contrato perderia o seu sentido enquanto relação sinalagmática 
e passaria a haver um absoluto desequilíbrio das prestações. 
 
Do ponto de vista normativo, encontra-se a solução deste problema no art. 437º do Código Civil. 
 
Quando é relevante uma alteração das circunstâncias? 
 
Em primeiro lugar, é necessário que a alteração ocorra na base do negócio: 
Teoria Geral do Direito Civil II 
63 
Marta Lima e Silva 
 
® Esta base do negócio pode ser a base subjetiva, ou seja, o conjunto de circunstâncias 
que foram pressupostas e que foram conhecidas ou cognoscíveis pela contraparte no 
momento da celebração do negócio e às quais, de acordo com a boa fé, ela deveria ter 
condicionado o negócio. 
® Mas também pode haver uma alteração do sentido objetivo da base do negócio e, aqui, 
integram-se as hipóteses de turbação da equivalência – ou seja, prestação e 
contraprestação deixam de ser equivalente em termo de relação de valor – ou, então, 
aquelas hipóteses que envolvem a frustração do escopo contratual. 
 
O segundo pressuposto é que esta alteração tem de afetar as exigências ditadas pelo princípio 
da boa fé. À luz da boa fé, a manutenção do contrato como foi celebrado levaria a uma injustiça. 
 
Por fim, é necessário que esta alteração não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 
 
Imagine-se que A e B celebraram um contrato de SWAP de taxas de juro. A, pessoa singular, 
tinha celebrado com B, banco, um crédito à habitação a uma determinada taxa variável. A certa 
altura, celebraram um contrato e trocaram esta taxa de juro por uma taxa de juro fixa. Isto pode 
beneficiar uma das partes ou outra. 
 
Contudo, imagine-se que há uma grave crise financeira que afeta os mercados e as taxas de juro 
e as taxas de juro afundam e tornam-se negativas. Isto afetaria o equilíbrio do contrato, mas é 
um risco que está integrado dentro dos riscos daquele contrato. Portanto, aqui, não haveria 
lugar à aplicação do regime da alteração superveniente das circunstâncias. 
 
No entanto, isto tem levantado alguns problemas, designadamente, o problema de saber se 
este regime da alteração superveniente das circunstâncias se pode (ou não) aplicar aos 
negócios aleatórios. 
 
• Nota: negócios aleatórios são negócios onerosos em que a operosidadese traduz na 
sujeição a um risco (de ganhar ou de perder). 
 
Imagine-se que A e B celebraram um contato de aposta sobre o resultado do jogo da equipa de 
futebol X. A dizia que a equipa ia ganhar e B dizia que ia perder, acordando entre si o pagamento 
de 500€. Aqui, não se sabia quem ia pagar porque não se sabia qual das equipas ia ganhar ou 
perder o jogo. Entretanto, no dia em que o jogo ia ocorrer, já depois da celebração do contrato, 
a equipa visitante apanhou um avião para se deslocar para o local de jogo, houve um acidente 
e a equipa morreu toda. Isto significa que não foram jogar e perderam por falta de comparência. 
 
Como se percebe, houve aqui uma alteração superveniente das circunstâncias. O negócio é um 
negócio aleatório e está submetido a uma álea. Contudo, o risco que se verificou era um risco 
que ultrapassava a álea do contrato. Esta passava por uma equipa jogar melhor ou pior e ganhar 
ou perder, não passava por ser dizimada uma das equipas e não comparecer ao jogo. 
 
Isto significa que este regime de alteração superveniente das circunstâncias pode ser aplicado 
a negócios aleatórios. 
 
Por vezes, colocam-se ainda problemas relativos à articulação ou à possibilidade de articulação 
entre esta disciplina do art. 437º e a disciplina do risco que está prevista no art. 796º CC. 
 
Imagine-se que A vendeu a B um automóvel. A partir do momento em que aquele negócio foi 
celebrado e em que o automóvel foi entregue ao adquirente, mesmo que B ainda não tenha 
Teoria Geral do Direito Civil II 
64 
Marta Lima e Silva 
pago o preço, o risco vai correr por conta do B. Se, na primeira noite em que o B tem o carro 
estacionado na sua garagem, houver um incêndio que destrua por completo o automóvel, o 
risco corre por conta do adquirente. Ou seja, ele vai ter de continuar a pagar o preço e fica sem 
o automóvel. 
 
Então, a certa altura, no nosso país, colocou-se um problema de compatibilização entre o 
regime do risco e o regime da alteração superveniente das circunstâncias. Este problema 
colocou-se a propósito da compra e venda de uma empresa que ocorreu pouco tempo antes do 
25 de abril de 1974. A vendeu uma empresa a B. Entretanto, na sequência da Revolução, houve 
uma série de nacionalizações e aquela empresa foi nacionalizada. 
 
® Se aplicarmos o regime do risco, significa que o risco vai correr por conta do adquirente. 
Ou seja, o B tem de pagar o preço correspondente à venda da empresa ao A, mas vai 
ficar sem ela. 
® Se aplicarmos o regime da alteração superveniente das circunstâncias, a solução vai 
ser exatamente a contrária. Há uma alteração superveniente das circunstâncias, afetou-
se o equilíbrio que tinha sido pressuposto pelas partes e, dessa forma, vamos ter de 
resolver o negócio. Se se resolver o negócio, como a resolução tem eficácia retroativa, 
a propriedade volta a pertencer ao A e o B fica desonerado de pagar o preço. 
 
A doutrina mostrou-se profundamente dividida quando este problema ocorreu, com pareceres 
contraditórios entre os autores. Contudo, parece à Dra. Mafalda que a melhor solução é 
entender que, nestes casos que envolvem a transmissão da propriedade, deve prevalecer o 
regime do risco. Da mesma maneira, parece que não se deve aplicar o regime do risco quando 
os contratos já estejam cumpridos – ou seja, parece que o regime só faz sentido por referência 
a contratos de execução continuada que ainda estejam em execução. 
 
Verificados todos estes pressupostos – ou seja, verificada uma alteração superveniente das 
circunstâncias que seja relevante – qual é a consequência? A consequência será a resolução do 
negócio (extinção com eficácia retroativa, “destruindo” os efeitos já produzidos) ou a 
modificação do contrato segundo juízos de equidade. 
 
15. Representação 
 
15.1. Noção 
 
A representação traduz-se no instituto pelo qual um sujeito atua em nome do outro sujeito. 
Isto significa que o A atua, mas que os efeitos jurídicos dessa atuação se vão produzir na esfera 
jurídica do B, que é o representado. 
 
Há uma dissociação entre quem age – A, o representante – e aquela pessoa em cuja esfera 
jurídica se vão produzir os efeitos dessa ação – B, o representado. Esta dissociação – esta 
diferença em quem age e quem vai suportar os efeitos jurídicos da ação – não implica qualquer 
limitação da autonomia do sujeito ou da sua capacidade de exercício. 
 
Em rigor, a representação surge como uma forma de exercício da capacidade e da autonomia 
do sujeito. O campo de autonomia do sujeito alarga-se, porque este passa a ter possibilidade de 
chamar um terceiro para, em situações de ausência, de impossibilidade ou de insuficiência de 
meios, agir como se fosse ele próprio. 
 
15.2. Modalidades 
Teoria Geral do Direito Civil II 
65 
Marta Lima e Silva 
 
Existem várias modalidades de representação. 
 
1) Representação legal 
 
A representação legal caracteriza-se porque a fonte de legitimação/os poderes de 
representação são estabelecidos por lei. Essa representação legal vai surgir como uma forma de 
suprimento de uma incapacidade de exercício – assim o é no caso dos menores e, de forma 
excecional, no caso dos maiores acompanhados. 
 
2) Representação voluntária 
 
Na representação voluntária, a fonte de legitimação representativa/dos poderes de 
representação é a vontade do sujeito. Por exemplo, é o A, porque está ausente e não se pode 
deslocar naquele dia ao local da celebração do negócio ou porque não tem conhecimentos 
suficientes para acautelar todos os seus interesses no momento da celebração do negócio, que 
confere poderes a B para que este atue em seu nome. 
 
3) Representação orgânica/estatutária 
 
A representação orgânica ou estatutária é aquela na qual os poderes de representação 
resultam dos estatutos de uma pessoa coletiva. Esta representação orgânica não é uma 
verdadeira relação de representação porque, entre as pessoas coletivas e os titulares dos seus 
órgãos, estabelece-se uma verdadeira relação de organicidade, que permite dizer que a pessoa 
coletiva tem capacidade de exercício de direitos. 
 
Estas diferentes modalidades, além da origem dos poderes de representação, também se 
distinguem pela sua intencionalidade: 
 
1) Ao nível da representação legal, o interesse que é necessariamente prosseguido é o 
interesse do representado. 
 
2) No caso da representação voluntária, os poderes de representação podem ser 
conferidos no interesse de outrem (no interesse do representado, no do próprio 
representante ou no de um terceiro) – tudo vai depender da finalidade de atribuição 
desses poderes de representação. 
 
3) No caso da representação orgânica, o interesse a salvaguardar vai sempre ser o da 
pessoa coletiva, mas não estaremos diante de uma verdadeira representação, sendo 
preferível falar de uma relação de organicidade. 
 
15.3. Requisitos de relevância 
 
O primeiro elemento essencial para que haja representação é o facto de ser necessário que 
haja uma atuação em nome de outrem (alguém que atua e os efeitos jurídicos produzem-se na 
esfera jurídica de outra pessoa – o representado). 
 
Não se exige a atuação no interesse de outrem. Os poderes de representação podem ser 
atribuídos no interesse do representado, no do representado ou no de um terceiro. Também 
não se exige que haja atuação por conta de outrem, o que permite distinguir a representação 
do mandato. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
66 
Marta Lima e Silva 
 
O mandato é um contrato nos termos do qual uma pessoa se obriga a praticar um ou mais atos 
jurídicos por conta de outro. Eu posso encarregar alguém de praticar atos jurídicos por minha 
conta, atribuindo-lhe, para isso, poderes de representação. Assim, temos atuação por conta de 
outrem e atuação em nome de outrem. Contudo, também é possível que eu encarregue alguém 
de praticar atos jurídicos por minha conta, sem lhe atribuir poderes de representação. Isto 
permite distinguir mandato com representação de mandato sem representação. 
 
Exemplo de mandatosem representação: eu quero comprar um automóvel e não tenho 
possibilidade de ir ao stand. Então, vou encarregar B de adquirir o automóvel por minha conta. 
Vou entregar os meios necessários a B e ele vai adquirir, enquanto meu mandatário, aquele 
automóvel com o dinheiro que eu lhe entreguei. Ele atua por minha conta, mas não atua em 
meu nome. Quando ele adquirir o automóvel, é ele o proprietário do automóvel. Depois, ele fica 
obrigado a transferir para a minha esfera jurídica os direitos adquiridos em execução do 
mandato, ou seja, ele fica obrigado a transferir para a minha esfera jurídica a propriedade 
daquele automóvel. 
 
Diz-se que existe aqui uma dupla transferência. Temos um primeiro negócio jurídico em que o 
B adquire um automóvel e, depois, temos um segundo negócio jurídico para transmitir o direito 
de propriedade para a minha esfera jurídica. Este segundo negócio seria um negócio alienatório 
específico de execução do mandato. 
 
Podemos ter um mandato com representação e um mandato sem representação. Da mesma 
maneira, podemos ter representação com mandato ou sem mandato, ou seja, posso atribuir 
poderes de representação fora de relação de mandato. 
 
O segundo elemento essencial para que haja representação é a existência de uma vontade 
própria do representante. É esta existência de uma vontade própria do representante que 
permite distinguir o representante do núncio. O representante vai decidir, pelo menos, se o 
negócio vai ser (ou não) celebrado, enquanto o núncio se limita a transmitir a declaração. O 
núncio é um mero transmissor. 
 
Esta diferença entre o núncio e o representante é importante em termos práticos, porque a 
capacidade destes dois não tem de ser necessariamente a mesma: 
® O núncio limita-se apenas a transmitir uma declaração. Basta-lhe a capacidade natural 
para a transmitir a declaração e não se exige mais nada, podendo ter-se até uma criança 
como núncio. 
® Para o representante, não vamos exigir uma capacidade plena, mas vamos exigir uma 
capacidade natural para ser representante. 
 
O terceiro elemento para que haja representação é a chamada legitimação representativa, ou 
seja, o ato do representante tem de estar integrado dentro dos poderes de representação. Tem 
de haver poderes para representar. Fora daqueles casos em que esses poderes são atribuídos 
ou resultam da lei ou dos estatutos de uma pessoa coletiva, temos a necessidade de os atribuir 
através de um ato voluntário. 
 
15.4. A legitimação representativa 
 
15.4.1. Procuração 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
67 
Marta Lima e Silva 
O ato voluntário através do qual “eu atribuo poderes de representação” chama-se procuração. 
A procuração qualifica-se como um negócio jurídico unilateral, não recitício que tem como 
destinatário o terceiro com quem o representante vai celebrar o negócio. 
 
A forma exigida para a procuração consta do art. 262º/2 CC. Esta deve ter a mesma forma que 
é exigida para o negócio que o procurador vai celebrar. 
 
Exemplo: António outorga uma procuração em que confere a Bernardo poderes de 
representação para ele comprar em seu nome um automóvel. Se, para a compra e venda, não 
preciso de qualquer forma, então, para esta procuração, não precisamos de qualquer forma. 
 
É normal que a procuração depois conste de um documento escrito, nos termos do art. 260º 
CC. A prova de poderes torna-se mais fácil perante a existência de um documento, mas isto não 
tem nada a ver com a validade formal. Com a validade formal, bastamos-mos com aquilo que 
era exigido para a celebração do negócio que o procurador venha a realizar. 
 
Por exemplo, se o A outorga poderes de representação para a celebração de um negócio de 
compra e venda de um imóvel, como para a compra e venda de um imóvel é necessário escritura 
pública ou escrito particular autenticado, para a procuração também se vai exigir escritura 
pública ou escrito particular autenticado. 
 
Quanto à capacidade do procurador, nos termos do art. 263º CC, não se exige uma plena 
capacidade de exercício. Exige-se mais do que exige ao núncio porque o representante vai, em 
última instância, decidir se celebra (ou não) o negócio, mas bastamo-nos com a capacidade para 
entender e querer exigida pela natureza do negócio. 
 
Nos termos do art. 259º/1 CC, se tivermos um problema relativo a um vício da vontade ou uma 
divergência entre a vontade e a declaração, vamos ter de ver se os requisitos para que seja 
relevante esse vício ou essa divergência estão (ou não) preenchidos por referência à pessoa do 
representante, exceto naquelas situações em que a vontade do representado tenha sido 
decisiva. Em termos práticos, isto é extremamente importante. 
 
15.4.2. Ratificação 
 
Exemplo: não temos procuração e o A celebrou, em nome do B, um negócio sem ter poderes 
para tal. É possível que o B, em nome do qual aquele negócio foi celebrado, venha conferir estes 
poderes superveniente através de um ato que se designa por ratificação. 
 
A ratificação tem eficácia retroativa e tem de obedecer à mesma forma que é exigida para a 
procuração (art. 268º/1 CC). 
 
15.5. A falta de poderes de representação 
 
15.5.1. A ineficácia do negócio 
 
Contudo, pode acontecer que o A celebre um negócio jurídico em nome do B sem, para tanto, 
estar autorizado e ter poderes. A solução para esta situação é dada pelo art. 268º/1 CC. 
 
Ineficácia em relação ao representado significa que, para o representado, tudo se se passa 
como se aquele negócio não tivesse existido – ele não o afeta. Se A celebra, em nome do B, sem 
poderes para isso, uma compra e venda de um automóvel em que o vende a C, como não há 
Teoria Geral do Direito Civil II 
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Marta Lima e Silva 
poderes de representação, tudo se passa como se aquele negócio não existisse. Portanto, ele 
continua a ser o proprietário do automóvel. 
 
15.5.2. A tutela negativa da confiança – a responsabilidade 
 
Numa hipótese como a descrita acima, o representante vai ser chamado a responder. Vai ter 
responsabilidade e, assim sendo, vai emergir aqui uma obrigação de indemnizar. Esta 
indeminização, que funciona aqui como uma tutela negativa da confiança, pode estender-se ao 
próprio representado – este pode vir a ter de responder, nos termos do art. 800º CC. 
 
15.5.3. A tutela positiva da confiança – a procuração tolerada e aparente 
 
Há, no entanto, situações em que se pode tutelar positivamente a confiança. Isto significa que, 
nessas situações excecionalíssimas, podemos conferir eficácia ao negócio. Pode falar-se aqui de 
duas hipóteses: 
 
1) Procuração tolerada – quando o representado tolera a conduta. No fundo, o A atua em 
nome de B sem ter poderes de representação para isso, mas o B conhece essa conduta 
de A e tolera. Essa tolerância, de acordo de boa-fé, pode ser interpretada pela 
contraparte (pelo C com quem o A vai celebrar o negócio) no sentido de que há uma 
procuração e, portanto, há poderes de representação. 
 
2) Procuração aparente – o representado não conhecia, de facto, a conduta do 
representante, mas, com o devido cuidado, teria podido conhecer e teria podido 
impedir esse comportamento. Portanto, a contraparte, o C, de acordo com a boa fé, 
interpretou aquela conduta do representante no sentido de que não era possível ela ter 
ficado escondida do representado porque este, com a diligência devida, ter-se-ia 
apercebido dela e, portanto, entende que ele, no mínimo, a tolera. 
 
Nestas hipóteses, vamos conferir eficácia ao negócio. São situações excecionais porque têm de 
se verificar todos estes requisitos para se tutelar positivamente a confiança. 
 
Encontramos o fundamento para esta solução no art. 23º do Decreto-Lei 178/1986, que 
estabelece o regime legal do contrato de agência. Este artigo vem conferir eficácia às situações 
de tutela da aparência, em que há um agente que atua sem poderes de representação em nome 
do principal e o terceiro com quem ele celebra o negócio, atentas as circunstâncias, é titular de 
uma confiança que é justificadae que merece tutela. 
 
A doutrina tem entendido que o âmbito de relevância deste artigo deve ser alargado, pelo 
menos a todos os casos em que a representação ocorre no quadro no quadro dos contratos de 
índole comercial. Contudo, em regra, nas hipóteses de representação sem poderes, a 
consequência é a ineficácia. 
 
15.6. Abuso de Representação 
 
Há situações que são diferentes, em que o problema não é de falta de poderes de representação 
ou de representação sem poderes, mas sim de abuso de representação. O abuso de 
representação surge quando o representante, atuando dentro dos poderes de representação 
que lhe foram conferidos, contraria os fins da representação. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
69 
Marta Lima e Silva 
Nestas hipóteses, aplica-se o art. 269º CC. A estas hipóteses de abuso de representação vai-se 
aplicar o regime da falta de poderes de representação, mas exige-se um requisito adicional. 
Exige-se agora que a outra parte conhecesse ou devesse conhecer o abuso – outra parte que é 
o terceiro com quem o representante vai celebrar um negócio. 
 
Exemplo: António conferiu poderes de representação ao Bernardo para que ele lhe adquirisse 
um imóvel em seu nome. Quando o faz, explica que precisa daquele imóvel para montar o seu 
escritório de advocacia. Temos aqui poderes de representação que legitimam a atuação do 
Bernardo em nome do António na aquisição de imóveis ou em negócios de disposição que têm 
como objeto imóveis, mas temos uma finalidade específica daquela representação, que é a 
possibilidade de este vir a satisfazer a sua necessidade de ter um apartamento para instalar o 
seu escritório de advocacia. O Bernardo, em nome do António, dentro dos poderes de 
representação que lhe foram conferidos, vai comprar um terreno para cultivo. Neste caso, ele 
atua dentro dos poderes de representação, mas, materialmente, contraria o fim dessa 
representação. 
 
15.7. O negócio consigo mesmo 
 
Ao nível da representação voluntária, coloca-se outro problema extremamente importante e 
interessante que diz respeito ao negócio consigo mesmo, previsto no art. 261º CC. 
 
Exemplo: A outorga uma procuração e confere poderes de representação a B. Na procuração, 
confere poderes de representação para a prática de todos os atos de administração e disposição 
sobre bens móveis e imóveis. Munido destes poderes, o B vende um imóvel de A a si mesmo. 
Aqui, temos um negócio consigo mesmo porque, de um lado e de outro da relação, está o B – 
num lado, surge como representante de A e, no outro lado, surge em nome próprio. 
 
Exemplo: A outorga poderes de representação a B e B vende, em nome do A, um imóvel à 
sociedade comercial Y, representada pelo B, ou a C, que também lhe tinha outorgado poderes 
de representação, acabando B por ser o representante quer do A quer do C. 
 
O problema deste negócio consigo mesmo é um conflito de interesses, porque o ordenamento 
jurídico permite que o contrato se assuma como um instrumento privilegiado de gestão dos 
interesses de cada um, pois cada um vai zelar pelos seus interesses. O legislador considera que 
isto não pode ser assim, considerando-se que o negócio é anulável. O nº2 do art. 261º CC vai 
estender esta proibição para que se evitem situações potenciais de fraude à lei. 
 
O negócio consigo mesmo é, em regra, anulável. No entanto, há exceções e o art. 261º CC 
aponta para essas exceções. As hipóteses em que o negócio consigo mesmo pode ser 
considerado válido são duas: consentimento específico do representado e inexistência de um 
conflito de interesses, sendo que são diversas as hipóteses em que o conflito está ausente. 
 
Exemplo: A, representante, celebra em nome de B, representado, um contrato de compra e 
venda com C, que também é representado por A. Este contrato de compra e venda surge na 
sequência de um contrato-promessa que B e C tinham celebrado. B celebrou, há dois anos, um 
contrato promessa de compra e venda com C, em que B se vincula a, no futuro, vender um 
imóvel pelo preço X. Ao fim de um tempo, B nomeou A seu procurador e C nomeou A seu 
procurador. Temos A a celebrar um negócio consigo mesmo. 
 
Este negócio consigo mesmo pode ser celebrado, pois não há conflito de interesses porque 
todas as condições contratuais já foram estabelecidas pelo B e pelo C. Aliás, se não cumprissem 
Teoria Geral do Direito Civil II 
70 
Marta Lima e Silva 
aquele contrato-promessa, B e C entrariam numa situação de incumprimento. Aqui, deveríamos 
considerar válido o negócio consigo mesmo. 
 
Exemplo: A nomeia seu procurador B e, na procuração, confere-lhe poderes de disposição sobre 
meios imóveis, especificando claramente que ele poderia vender o seu apartamento de férias 
pelo preço mínimo de 300 mil euros, que deviam ser pagos numa só prestação. Nesta hipótese, 
A determinou especificamente o conteúdo do contrato, fixando o preço e as condições do 
negócio. Aqui, B pode ser ele o comprador, pois vai-se eliminar qualquer conflito de interesses. 
 
Exemplo: A doa a B, representado por A, um imóvel. Neste caso, porque o negócio não causa 
qualquer prejuízo ao representado e antes envolve um enriquecimento e um acréscimo 
patrimonial na esfera do representado, ele é possível. 
 
Celebrado um negócio consigo mesmo fora destas hipóteses, o negócio deve ser considerado 
anulável. Quem tem legitimidade para arguir a anulabilidade será o próprio representado – 
remissão do art. 261º CC para o art. 287º CC. 
 
1) 1º Acórdão – 9 de Dezembro de 2008 – A e B são casados no regime de separação bens 
e C tinha outorgado uma procuração conferindo poderes de representação a A, para 
vender pelo melhor preço um apartamento. A, munido daqueles poderes de 
representação, vendeu em nome de C, a B, com quem era casado, o referido 
apartamento. O Supremo Tribunal de Justiça veio considerar que não existia negócio 
consigo mesmo. 
 
2) 2º Acórdão – 28 de Novembro de 2013 – veio considerar que também não houve 
negócio consigo mesmo naquela hipótese em que A outorga poderes de representação 
a B e B, em nome do A, vende um imóvel à sua filha. 
 
Isto significa que, nestes dois casos, o critério que o Supremo Tribunal de Justiça seguiu foi 
o critério da identidade dos sujeitos, em que atendeu apenas à entidade dos sujeitos e não teve 
em conta a relação que cada um deles pudesse manter com o representante. 
 
Há diversos indícios no ordenamento jurídico português que levam a considerar que o legislador 
tende a afastar os conflitos de interesses, sendo que parece ser clara a ratio/o fundamento da 
proibição do negócio consigo mesmo. Por isso, aquilo que se deve extrair do art. 261º CC, uma 
vez que a norma tem de ser interpretada à luz do seu fundamento, é um princípio de proibição 
geral do conflito de interesses. 
 
Portanto, isto significa que, contra aquele que é o entendimento do Supremo Tribunal de 
Justiça, devemos aplicar o art. 261º CC quando em causa esteja a celebração de um negócio por 
A, em nome do B, com C, que é casada com A. 
 
Tendo em conta alguns regimes de bens que não a separação de bens, pode até estar implicada 
a entrada de um determinado bem no património do representante. Ainda que a separação de 
bens seja um regime estabelecido na convenção nupcial, materialmente, não se pode deixar de 
ter em conta que, na relação matrimonial, poderá existir uma tendência de beneficiar a mulher 
ou o marido em detrimento daquele cujos interesses o representante deveria estar a acautelar. 
 
No que diz respeito ao negócio que o representante celebrou com o filho, se o filho fosse menor, 
era inequívoco que estaríamos perante um negócio consigo mesmo, porque o filho estaria 
também a ser representado por ele. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
71 
Marta Lima e Silva 
Se estivermos a falar de um filho maior, embora, em termos formais, não exista um negócio 
consigo mesmo, devemos sustentar esta adaptação extensiva do art. 261º, porque a relação de 
pai e filho é caracterizada por laços de afeição que ultrapassam qualquernormativização de 
deveres, podendo impedir a isenção que deveria existir para o representante e impedir que este 
se identifique com o representado e queira defender os interesses deste. 
 
A conclusão é que o art. 261º CC se deve aplicar a todas as situações de conflito de interesses, 
exceto naquelas situações em que o legislador tenha estabelecido um regime mais gravoso. 
Tirando essas hipóteses em que o próprio legislador intervém para estabelecer num regime mais 
rigoroso, não devemos ficar presos a uma visão meramente formalista e devemos aplicar 
materialmente o preceito, admitindo estas formas de extensão teleológica da norma. 
 
16. O objeto do negócio jurídico 
 
A autonomia privada torna impossível de definir a priori o conteúdo do negócio dos negócios 
jurídico. No caso dos contratos, as partes podem inserir neles as cláusulas que lhes podem 
aprouver e podem celebrar contratos atípicos, típicos, contratos que misturem cláusulas e 
regimes próprios de vários tipos contratuais. O conteúdo do negócio jurídico é aquele que as 
partes quiserem, mas conseguimos delimitar negativamente o conteúdo do negócio jurídico, 
ou seja, consigo dizer quais são as “linhas vermelhas” que não podem ser ultrapassadas. 
 
16.1. Requisitos da validade do negócio jurídico 
 
O art. 280º CC diz-nos quais são esses limites. 
 
16.1.1. Possibilidade física e legal, o problema da impossibilidade 
originária e superveniente, a impossibilidade física, legal, prática e moral 
e a diferença relativamente à impossibilidade económica (remetido para 
o problema da alteração superveniente das circunstâncias) 
 
O primeiro requisito é a possibilidade física e legal: o negócio jurídico tem de ser física e 
legalmente possível. O negócio jurídico tem que ser fisicamente possível, isto é, tem de existir e 
tem de poder cumprir a finalidade inerente ao negócio que foi celebrado. 
 
Esta impossibilidade que gera a nulidade do negócio é uma impossibilidade objetiva e não 
subjetiva. Ou seja, não basta que a impossibilidade se verifique quanto ao devedor para que o 
negócio seja considerado nulo. Tem de ser uma impossibilidade que diga respeito a toda a gente. 
 
Há, no entanto, uma hipótese em que a impossibilidade subjetiva se vai equiparar à 
impossibilidade objetiva. Estas hipóteses são todas aquelas situações em que está em causa 
uma prestação de facto não fungível. É uma prestação de facto e só eu é que a posso realizar. A 
impossibilidade subjetiva traduz-se numa impossibilidade objetiva. 
 
Por outro lado, o negócio tem de ser legalmente possível. Temos de ter não só esta possibilidade 
física, mas também a hipótese legal, sendo que haverá uma impossibilidade legal quando a lei 
ergue um obstáculo insuperável àquele objeto. 
 
Exemplo: A e B celebraram um contrato de promessa relativo a um negócio jurídico que era 
impossível de celebrar – temos uma impossibilidade legal. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
72 
Marta Lima e Silva 
A impossibilidade é originária. Só a impossibilidade originária, aquela que se verifica no 
momento da celebração de negócio, é que determina a nulidade do negócio. Se a 
impossibilidade for superveniente, ou seja, se ela só vier a ocorrer depois do negócio estar 
celebrado, o negócio é válido e a consequência será: 
 
® 1ª hipótese: a impossibilidade não é imputável ao devedor, ou seja, ou devedor não tem 
culpa nem possibilidade, o que conduz à extinção da obrigação. A obrigação deixa de 
existir e ele deixa de estar vinculado. 
® 2ª hipótese: se houver culpa, se for imputável ao devedor e, então, desencadeia-se uma 
situação de incumprimento. 
 
É importante sublinhar que a impossibilidade superveniente conduz ou à extinção da obrigação 
ou a uma hipótese de responsabilidade contratual. A impossibilidade superveniente não 
imputável, que conduz à extinção da obrigação, não se confunde com a mera dificuldade de 
prestação. 
 
 
A prestação pode ter-se tornado mais gravosa, mas isso não é suficiente para desvincular/liberar 
o devedor. A hipótese de excessiva onerosidade ou de dificuldade da prestação pode conduzir 
a um problema de alteração superveniente das circunstâncias, mas não se confunde com esta 
impossibilidade. 
 
Exemplo: António, fruto da pandemia e com a impossibilidade de trabalhar com os 
confinamentos sucessivos, vê-se a braços com uma grande dificuldade para pagar as prestações 
do seu crédito à habitação. Não há impossibilidade. Pode haver excessiva onerosidade, 
dificuldade económica e impossibilidade económica, mas isso não se equipara a uma situação 
de impossibilidade que estamos aqui a tratar. Teria de ser analisada do ponto de vista da 
alteração superveniente das circunstâncias. A boa fé poderia determinar uma modificação do 
contrato e mesmo a resolução do contrato, mas não pode ser confundida com estas hipóteses 
de impossibilidade. 
 
Há situações em que a prestação não se tornou inviável, mas que a sua realização envolve um 
sacrifício demasiado elevado para o devedor que parece contrariar os ditames da boa fé. Uma 
coisa é a dificuldade ou a impossibilidade económica e outra coisa são estas situações em que a 
realização de prestação vai um esse sacrifício demasiado elevado e vai contrariar os ditames de 
boa fé. São as situações de impossibilidade moral e de impossibilidade prática. 
 
Estas hipóteses passaram a ser introduzidas no ordenamento jurídico alemão. A doutrina 
portuguesa vem admitir que se possa também admiti-las no nosso país, lançando mão destas 
hipóteses de impossibilidade prática e de impossibilidade moral. 
 
As situações de impossibilidade prática são aquelas em que a prestação do devedor requer um 
esforço que se mostra que se mostra gravemente desproporcional, à luz da boa-fé, em face do 
interesse do credor da prestação. 
 
Exemplo: A vendeu a B um anel e tinha de entregar esse anel a B. Ainda não tinha cumprido esta 
obrigação de entrega. Aquele anel vale 100€ e caiu ao fundo de um lago, sendo que o custo da 
drenagem do lago é de 100 mil euros. Se ponderarmos o esforço que é exigido ou exigível ao 
devedor com o interesse do credor na prestação, iluminando isto pela boa fé, concluímos que 
não é razoável que o devedor incorra nestas despesas para satisfazer o interesse do credor. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
73 
Marta Lima e Silva 
As hipóteses de impossibilidade moral são hipóteses em que o devedor deve realizar 
pessoalmente a prestação e, ponderados os impedimentos do devedor perante o interesse do 
credor, a prestação deixa de ser exigível à luz da boa-fé. 
 
Exemplo: A obrigou-se a realizar um concerto no restaurante de B, mas o filho de A encontra-se 
numa situação de iminência de morte, sendo que A quer acompanhar os últimos momentos de 
vida do filho. Não há uma impossibilidade física, pois ele pode ir lá cantar – na realidade fáctica, 
é possível. Se tivermos em conta o impedimento ou a injustificação que o devedor apresenta, 
os interesses do credor que alicerçam o seu impedimento, e se os compararmos com o interesse 
do devedor e também iluminarmos isto à luz da boa fé, concluímos que não é exigível dizer ao 
A para ir ao restaurante do B. 
 
Neste contexto de pandemia, colocaram-se muitas hipóteses relativas a estas situações de 
impossibilidade prática e de impossibilidade moral. Uma das hipóteses em que se invocava esta 
impossibilidade moral era a hipótese em que um trabalhar recusava-se a prestação de serviço 
em determinadas condições à sua entidade patronal, logo naquele início de contexto pandémico 
em que não havia medidas de segurança, porque vivia com pais que eram pessoas de alto risco 
e temia contaminá-los. Não havia um impedimento físico, mas havia aqueles valores pessoais, 
atendíveis à luz da boa fé que justificariam a recusa da realização da prestação. 
 
Exemplo: o preço do barril de petróleo é 1000€ e o preço do barril vem a aumentar 
drasticamente. O devedor não pode invocar este aumento drástico do preço do barril de 
petróleo de 1000 para 2000 para justificara não realização da sua prestação. A hipótese é de 
mera impossibilidade económica e deve ser tratada sob a égide da alteração superveniente das 
circunstâncias. 
 
16.1.2. Não contrariedade à lei 
 
O segundo requisito da validade do negócio jurídico é a não contrariedade à lei, ou seja, a 
licitude do objeto. O objeto será ilícito se ele contrariar as normas legais, mas não todas. Apenas 
haverá ilicitude, determinando-se a nulidade do negócio, se as normas que se violarem forem 
normas legais imperativas, havendo aqui uma conceção mais ampla, uma vez que as partes, ao 
abrigo da sua liberdade contratual, podem afastar normas dispositivas. 
 
Se o fim do negócio jurídico for contrário à lei, ele só deve ser considerado nulo se o fim for 
comum a ambas as partes, como resulta do art. 281º CC. 
 
Sendo que não podemos ser formalistas ou positivistas, há determinadas situações em que não 
há uma violação direta de uma norma legal imperativa, mas, não obstante, essa norma é posta 
em causa. Então, também nessas situações o negócio jurídico será considerado nulo. A 
nulidade não resulta apenas da violação direta de uma norma legal (negócios contra legem), 
mas é antes uma proibição que abarca também negócios em fraude à lei. 
 
Um negócio em fraude à lei é um negócio que A e B celebram com base no qual 
tentam contornar uma proibição legal. Eles tentam chegar ao mesmo resultado que a lei proibia 
através de um caminho diferente. Perante isto, devemos ver qual é a intencionalidade da lei: 
® A lei apenas quis proibir os negócios que especificamente previu; 
® A lei proíbe esses negócios, mas, na sua intencionalidade, queria proibir quaisquer 
outros que visassem o mesmo resultado, sendo que não menciona esses outros porque 
não teve capacidade de previsão – é nesta hipótese que há um negócio em fraude à lei. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
74 
Marta Lima e Silva 
16.1.3. Determinabilidade 
 
O objeto do negócio jurídico deve ser determinável no momento da celebração desse negócio. 
Não se exige que ele seja efetivamente determinado, bastando que ele seja determinável. O que 
se deve ter, no mínimo, é um critério – ou estabelecido por acordo das partes ou que esteja 
fixado na lei – que permita determinar, no futuro, esse objeto. 
 
• Nota: remissão do art. 280º CC para o art. 400º CC. 
 
Qual é a razão de ser deste requisito? Dado que negócio jurídico surge como um instrumento 
de autonomia privada e que esta autonomia não é compatível com a assunção de obrigações 
cujos contornos se desconhecem e podem não se vir a conhecer, quando esse negócio é o 
vínculo de alguma coisa, temos de nos vincular a algo determinável, de acordo com vários 
critérios que nos permitem antecipar aquilo a que nos estamos a vincular. 
 
16.1.4. Não contrariedade aos bons costumes 
 
Os bons costumes são um indício da superação do pensamento positivista no nosso 
ordenamento jurídico, dado que este lidava mal com estas cláusulas abertas/conceitos 
indeterminados. 
 
Primeiramente, os bons costumes não equivalem aos usos dominantes, não sendo sinónimo 
de simples costumes. Isto percebe-se porque, muitas vezes, sobretudo em épocas de crise, os 
consensos maioritários podem não conduzir a um ideal de justiça, que é aquele que tem de estar 
presente na determinação da validade do objeto do negócio. 
 
Em segundo lugar, é difícil, atualmente, concretizar esta cláusula dos bons costumes por 
referência a uma moral predominante. A jurisprudência alemã tem procurado definir os bons 
costumes por uma referência a uma ideia de decoro e de dignidade de todos aqueles que 
pensam de acordo com a justiça e equidade. Contudo, verdadeiramente, este conceito acaba 
por continuar a ser muito fluido. 
 
 
Então, devemos compreender os bons costumes como o conjunto de referências valorativas 
que traduzem a matriz civilizacional a que pertencemos. Aqui, não está em causa a simples 
dignidade da pessoa a fazer apelo aos princípios normativos – isto tem a ver com a ordem 
pública. Do que se trata, aqui, é de concretizações pontuais e setoriais da matriz civilizional. 
® Por exemplo, o Dr. Menezes Cordeiro entende que seriam concretizações desta cláusula 
geral dos bons costumes algumas regras no âmbito do código deontológico de certas 
ordens profissionais. 
 
16.1.5. Não contrariedade à ordem pública 
 
Esta cláusula da ordem pública deve ser entendida como o conjunto de princípios fundamentais 
que sustentam o ordenamento jurídico e o ordenamento jurídico civilístico. Portanto, remete 
muito para os princípios fundamentais do direito civil, embora estes não esgotem todos os 
princípios fundamentantes que podem ser chamados à equação quando estamos perante a 
cláusula de ordem pública. 
 
16.2. Cláusulas acessórias típicas 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
75 
Marta Lima e Silva 
Há determinadas cláusulas que são denominadas de cláusulas acessórias típicas. Elas são 
acessórias porque não são essenciais para a celebração do contrato, mas são típicas pela 
frequência com que são apostas no contrato. 
 
16.2.1. Condição 
 
A condição é uma cláusula acessória típica por meio da qual as partes subordinam a eficácia do 
negócio jurídico à verificação de um acontecimento futuro e incerto (não se sabe se ele vai 
efetivamente ocorrer), estando prevista nos arts. 270º e seguintes CC. 
 
Esta condição pode ser uma condição suspensiva ou pode ser uma condição resolutiva: 
® É suspensiva quando o negócio é celebrado e não produz logo os seus efeitos, só o 
fazendo se o evento condicionante (o evento futuro e incerto previsto pelas partes) se 
verificar; 
® É resolutiva quando A e B celebram um negócio, nele está aposta uma condição e, 
prevendo-se que o negócio jurídico produz os seus efeitos logo, deixa de os produzir a 
partir do momento em que se verifique aquele acontecimento futuro e incerto. 
 
Para que haja condição, têm de estar verificados alguns elementos essenciais: 
 
1) A subordinação dos efeitos do negócio a um evento futuro e incerto. Há condições que 
se referem ao passado ou ao presente, sendo impróprias – ou seja, verdadeiramente, 
não são condições. 
 
Exemplo: A e B celebram um negócio e combinam, entre eles, que aquele negócio só 
produz efeitos se se confirmar que o João vai ser deslocado para a Figueira da Foz. A 
entidade patronal já decidiu, no passado, se ele vai ou não ser transferido para a 
Figueira, mas eles não têm tempo de se certificarem se já houve essa transferência ou 
não. Se assim for, não temos uma condição verdadeira, mas sim imprópria, porque o 
evento condicionante não é referido ao futuro, mas sim ao passado. 
 
Por outro lado, também se poderá falar de condição imprópria naquelas situações de 
condições necessárias. Uma condição necessária é aquela em que o evento futuro se 
vai verificar de qualquer forma, mas, mais uma vez, aqui, não estamos perante uma 
verdadeira condição. 
 
2) A subordinação tem de resultar da vontade das partes e não da lei. Se estivermos 
perante uma condição legal, que seja imposta pelo legislador, não estamos 
verdadeiramente perante uma condição, mas sim, mais uma vez, perante uma condição 
imprópria. 
 
Para além de suspensivas e resolutivas, as condições podem ainda ser qualificadas como 
condições potestativas ou como condições causais: 
® Se a condição for potestativa, significa que a verificação do evento condicionante fica 
dependente da vontade de uma das partes; 
® Na hipótese de uma condição causal, a verificação do evento condicionante depende 
ou de um facto natural ou da vontade de um terceiro. 
 
Dentro das condições potestativas, podemos ter condições potestativas arbitrárias e não 
arbitrárias: 
® Se ela for arbitrária, significa que o evento condicionante é um facto insignificante; 
Teoria Geral do Direito Civil II 
76 
Marta Lima e Silva 
® Ela é não arbitrária se o evento condicionante for um facto com alguma seriedade. 
 
Por outro lado, a condição potestativa pode ser à parte creditoris ou à parte debitoris:® Ela é condição potestativa à parte creditoris se o evento condicionante for um facto do 
credor; 
® Ela é condição potestativa à parte debitoris se o evento condicionante for um facto do 
devedor. 
 
Se a condição for, simultaneamente, potestativa, arbitrária e à parte creditoris, ela é 
inútil porque o evento condicionante fica dependente da vontade do credor. Ela é arbitrária 
porque é um simples querer e, nessa medida, é inútil porque, a qualquer momento, o credor 
pode desencadear a ineficácia do negócio. 
 
Por outro lado, a doutrina entende que se a condição for, simultaneamente, potestativa, 
arbitrária e à parte debitoris, ela é inadmissível. Ao ser potestativa, fica dependente da vontade 
de uma das partes (do devedor porque é à parte debitoris) e, sendo que é arbitrária, baseia-se 
num facto insignificante. Isto significa que o negócio acabava quase por não ser vinculativo 
porque o devedor, por um puro querer insignificante, podia desencadear (ou não) a eficácia do 
negócio. 
 
• Nota importante: nos contratos bilaterais, a condição nunca será verdadeiramente 
arbitrária porque o contraente, que faz desencadear a eficácia do negócio, terá sempre, 
depois, direito a uma contraprestação. Portanto, nunca haverá aqui algo totalmente 
insignificante como um puro querer arbitrário. 
 
Quais são os negócios aos quais pode ser aposta uma condição (os negócios condicionáveis)? 
Em regra, são todos, como resulta do art. 405º CC. Há, porém, determinados atos que não 
podem ser condicionados. A lei estabelece a proibição da aposição de uma condição em relação 
a determinados negócios: 
 
® A compensação do art. 848º CC. Exemplo de compensação: A é devedor e B é credor 
em 3000€. Mas, noutro negócio, é A que é credor de B em 5000€. Então, não faz sentido 
pagar ao B 3000€ que deve ao B, cobrando-se apenas 2000€ a B, havendo aqui uma 
compensação de créditos e dívidas. Nos termos do art. 848º/2 CC, à compensação não 
pode ser aposta uma condição. 
 
® Nos termos do art. 1618º/2, no caso do casamento, também não é possível haver uma 
condição, dado que, tendo em conta a natureza pessoalíssima do casamento, tal 
contraria a intencionalidade do próprio matrimónio. 
 
® No caso da perfilhação (art. 1852º/1) também não pode haver essa sujeição a uma 
condição. Uma vez que, aqui, estamos a estabelecer vínculos de paternidade, não 
podemos submeter estes vínculos sob condição de um determinado evento futuro e 
incerto. 
 
Apondo-se uma condição a um destes negócios, a sanção é, em regra, a nulidade do negócio. 
Contudo, há exceções: em certas situações, a lei prevê sanções especiais, como a ineficácia do 
negócio quando celebrado sob condição, ou determina apenas a nulidade da condição. É o que 
sucede nos atos de natureza pessoal, como o casamento ou a perfilhação. Entende-se que assim 
seja, atenta a necessidade de preservar os atos em questão. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
77 
Marta Lima e Silva 
Para além dos negócios aos quais não pode ser aposta uma condição por determinação da lei, 
há outros negócios em relação aos quais a doutrina tem entendido que também não é possível 
apor uma condição, entendendo que estamos perante negócios cuja disciplina legal procura ser 
garantística, tendo em conta a existência de uma parte mais frágil. Portanto, o legislador, para 
proteger essa parte mais débil e para procurar alcançar uma igualdade material que não existe 
na base da celebração do negócio, estabelece regras protecionistas para a parte mais frágil. 
 
 
 
Dentro desta lógica, deve negar-se a possibilidade de aposição de uma condição ao contrato. 
Nesta medida, há autores que defendem que não se pode apor condições a, por exemplo, um 
contrato de trabalho ou a um contrato de arrendamento. 
 
Tirando estes limites, a condição pode ser aposta a qualquer contrato. Contudo, tem de 
obedecer a determinados requisitos: 
® A cláusula não pode ser contrária à lei, aos bons costumes e à ordem pública; 
® A cláusula não pode ser física e legalmente impossível. 
 
Quid Iuris se se apuser ao contrato uma condição contrária à lei, à ordem pública, ofensiva dos 
bons costumes ou impossível física e legalmente? Nos termos do art. 271º/1 CC, o negócio 
jurídico subordinado a uma condição ilícita é nulo. Tratando-se de uma condição impossível, 
produz-se igualmente a nulidade de todo o negócio se ela for suspensiva e gera-se apenas a 
nulidade da condição no caso de ser resolutiva – art. 271º/2 CC. 
 
• Nota: remissão do art. 271º CC para os arts. 967º e 2233º CC. 
 
Nos termos do art. 2233º CC, há que fazer uma distinção: 
® Se a condição for impossível, ela é nula, mas mantém-se a validade do testamento ou 
doação, a não ser que o testador ou doador tenha dito o contrário; 
® Se a condição for ilícita, a condição é nula, mas o restante negócio mantém-se válido e 
o testador ou doador não pode vir excluir a validade do ato. 
 
Uma nota sobre as condições suspensivas: entre A e B foi celebrado um negócio ao qual foi 
aposta uma condição suspensiva. Entre o momento da celebração do negócio e a verificação 
desse evento condicionante, diz-se que a condição está pendente. Durante esse período de 
pendência da condição, o sujeito que adquire esse direito ainda não é titular do direito, sendo 
apenas titular de uma expectativa jurídica. Aquele que alienou o direito, ou seja, A, deve agir 
segundo a boa-fé, ou seja, deve abster-se da prática de todo e qualquer ato que ponha em causa 
o direito que vai ser adquirido pela outra parte (arts. 272º, 273º e 274º do CC). 
 
Imagine-se que, entretanto, se verifica aquele evento condicionante e que a nossa condição é 
suspensiva. Os efeitos do nosso negócio, que estavam suspensos, tornam-se efetivos e ganham 
eficácia, sendo que esta é uma eficácia retroativa (art. 276º). Se não se verificar a condição, os 
efeitos jurídicos do negócio não se produzem. 
 
No caso da condição resolutiva, o negócio produz logo os seus efeitos, mas deixa de os produzir, 
com eficácia retroativa, se se verificar o tal evento futuro e incerto. Imagine-se que o evento 
futuro incerto não se verifica e que temos a certeza de ele não se pode verificar – aqui, é o 
mesmo que a condição não se verificar (art. 275º/1). 
 
O número 2 do artigo 275º prevê situações de sabotagem da condição. Se aquele que vai 
beneficiar com a condição, de acordo com o seu comportamento, contraria as regras da boa-fé 
Teoria Geral do Direito Civil II 
78 
Marta Lima e Silva 
e provoca a verificação de condição, devemos concluir que ela não se verificou. Ao invés, se, 
contra as regras da boa-fé, o sujeito impedir a verificação da condição, então, ela será tida por 
verificada. 
 
A boa-fé é, aqui, entendida em termos objetivos. Uma nota importante que a doutrina tem 
sublinhado é que não se exige uma conduta dolosa. Apenas se exige uma conduta que contrarie 
aquilo que seria expectável a um contraente honesto, leal e correto. 
 
16.2.2. Termo 
 
O termo é, tal como a condição, uma cláusula acessória típica, nos termos do qual as partes do 
contrato vão subordinar a eficácia do negócio jurídico à verificação de um evento futuro e certo. 
 
Há diferença entre termo e condição. Na condição, a eficácia do negócio jurídico fica 
dependente da verificação de um evento futuro e incerto. No termo, o evento que vai 
condicionar a produção de efeitos jurídicos do negócio é também ele futuro, mas é certo. 
 
O termo pode ser um termo certo ou pode ser um termo incerto: 
® O termo é certo se, a priori, se souber quando ele irá ocorrer: 
® Se, apesar de ser certa a verificação daquele evento, não se sabe quando ele vai ocorrer, 
o termo diz-se incerto. 
 
Exemplo: A e B celebraram um negócio em que determinaram que o negócio jurídico apenas 
produz efeitos a partir do dia 1 de julho de 2021 – temos aqui um termo certo, porque estamos 
perante um evento futuro e certo e sabemos exatamente quando ele irá ocorrer (1 de julho de 
2021). Mas, podemos dizer que A e B estabelecem um termo que preveja que o negócioembora tenha mais do que um titular. 
 
Um exemplo é a comunhão conjugal. Em termos de responsabilidade por dívidas, esse 
património vai responder independentemente das dívidas que pertençam a um ou a outro, se 
ambos forem por elas responsáveis. No património comum, não há uma parte de um e uma 
parte de outro – o património é unitário. Só irá ser dividido com a morte de um dos titulares ou 
com o divórcio. 
 
Capítulo II – Teoria Geral do Facto Jurídico 
 
1. Noção de facto jurídico 
 
O facto jurídico é qualquer facto humano ou qualquer acontecimento natural que seja 
produtor de efeitos jurídicos. É um evento que produz a relação jurídica, de onde promana a 
relação jurídica. 
 
Este facto jurídico está nos antípodas dos factos irrelevantes para o Direito. Tradicionalmente, 
a doutrina apontava uma série de factos irrelevantes para o Direito, dizendo que, por exemplo, 
convidar alguém para um passeio ou usar uma gravata de uma determinada cor seriam factos 
irrelevantes para o Direito e não se podiam qualificar como factos jurídicos. 
 
A verdade é que, sendo absolutamente certa a ideia de que há fatos irrelevantes para o Direito, 
não devemos ser absolutistas nem contundentes, porque é verdade que um convite para um 
passeio é, em regra, um facto neutral do ponto de vista da eficácia jurídica, mas, no entanto, 
pode não ser totalmente desprovido de relevância jurídica. 
 
Exemplo: A convida B para passear numa zona montanhosa cheia de cobras e serpentes, sendo 
B uma pessoa debilitada com uma condição cardíaca grave e tendo A consciência de que toda 
Teoria Geral do Direito Civil II 
8 
Marta Lima e Silva 
aquela situação pode desencadear a morte ou o agravamento do estado de saúde de B. Estamos 
aqui perante um convite para um passeio e, não obstante, não é totalmente irrelevante do 
ponto de vista jurídico. 
 
Há, de facto, factos que são irrelevantes para o Direito e que não têm eficácia jurídica, mas não 
podemos ser contundentes na exclusão de alguns factos dessa relevância. Só o caso concreto é 
que nos permitirá dizer se estamos perante um facto jurídico ou perante um facto irrelevante 
juridicamente. 
 
2. Factos jurídicos involuntários e factos jurídicos voluntários (atos 
jurídicos) 
 
Os factos jurídicos podem ser: 
Ø Involuntários, quando lhes é estranho qualquer intuito volitivo; 
Ø Voluntários, se traduzirem uma manifestação de vontade. 
 
3. Factos jurídicos lícitos e ilícitos 
 
Os factos voluntários podem ser: 
Ø Ilícitos – vão desencadear responsabilidade; 
Ø Lícitos – não desencadearão responsabilidade, porque estão em conformidade com o 
ordenamento jurídico. 
 
Os factos que vamos abordar são os factos jurídicos voluntários lícitos. “Factos jurídicos 
voluntários lícitos” é uma expressão longa que se pode designar de uma forma muito mais 
sucinta, porque equivale à compreensão do que é o ato jurídico. 
 
Facto jurídico voluntário lícito = ato jurídico 
 
4. Factos jurídicos voluntários lícitos: simples atos jurídicos e negócios 
jurídicos 
 
Dentro dos factos voluntários ou atos jurídicos, pode ainda estabelecer-se outra distinção entre 
simples atos jurídicos e negócios jurídicos: 
 
Ø Nos simples atos jurídicos, os efeitos jurídicos produzem-se ex legem (por efeito da lei). 
Estes são voluntários e os seus efeitos produzem-se por determinação da lei, porque a 
vontade tem uma mera eficácia genética – a vontade está na base do ato, mas, depois, 
os efeitos produzem-se de acordo com aquilo que é determinado pela lei. 
 
Exemplo: a perfilhação é um ato jurídico porque é voluntário – nasce de acordo com a 
vontade do pai. Contudo, a partir desse ato genético de vontade, os efeitos vão produzir-
se de acordo com aquilo que é determinado na lei e já não é relevante a vontade. 
 
Ø No caso dos negócios jurídicos, os efeitos vão produzir-se de acordo com a vontade 
manifestada pelo sujeito ou pelos sujeitos. Portanto, os efeitos produzem-se ex 
voluntate (de acordo com a vontade). 
Teoria Geral do Direito Civil II 
9 
Marta Lima e Silva 
 
Dentro dos simples atos jurídicos, pode distinguir-se entre: 
Ø Quase negócios jurídicos – traduzem-se numa pura manifestação de vontade; 
Ø Atos materiais – tem-se, efetivamente, a realização de um ato material ao qual, depois, 
a lei liga determinado efeito. 
Exemplo: O António escreveu um romance. O ato é voluntário e é um mero ato material. 
Não está no plano normativo e realiza-se para além do direito na realidade do ser. 
Contudo, depois, o ordenamento jurídico vai ligar àquele romance uma série de efeitos 
jurídicos porque o vai proteger através dos direitos de autor. 
 
Qual é o regime dos simples atos jurídicos? Não há um regime específico. Aquilo que o CC nos 
diz é que, na medida em que a analogia o justifique, vamos aplicar as regras atinentes aos 
negócios jurídicos – art. 295º do CC. 
 
5. Noção de negócio jurídico 
 
Um negócio jurídico pode definir-se como o facto jurídico voluntário ou ato jurídico cujo núcleo 
essencial é integrado por uma ou mais declarações de vontade tendentes à produção de 
determinados efeitos práticos que os sujeitos pretendem que sejam juridicamente vinculantes 
ou juridicamente tutelados. 
 
O núcleo central do negócio jurídico é integrado por uma declaração negocial ou de vontade, 
sendo que esta se identifica com a vontade do declarante e dirige-se à produção de 
determinados efeitos. 
 
6. O problema da relação entre a vontade e os efeitos que se produzem 
 
Que efeitos são estes que se produzem? 
 
A primeira resposta que se deu a este problema foi dada num período de exaltação da vontade 
e da liberdade individual (da liberdade entendida em termos individualísticos). Portanto, a 
primeira resposta que se deu foi que os efeitos que aqui estão em causa são os efeitos jurídicos. 
Ou seja, entendia-se que os efeitos jurídicos que eram produzidos (determinados por lei) eram 
exatamente os efeitos que se pretendiam, isto é, estes eram exatamente os mesmo das 
vontades das partes, havendo uma total coincidência. 
 
Esta teoria dos efeitos jurídicos não pode ser hoje aceite porque: 
Ø Dado que, se assim fosse, significaria que só um jurista com uma formação completa é 
que poderia celebrar negócios porque só este poderia antecipar todo e qualquer efeito 
que através da manifestação das pessoas se poderia desencadear. Atualmente, com a 
complexidade da ordem jurídica, não se poderiam celebrar negócios jurídicos em todos 
os domínios. 
Ø Há determinadas consequências que são associadas à celebração do negócio jurídico e 
que podem não ter sido pretendidas pela vontade das partes ou da parte e que resultam 
da necessária articulação do negócio jurídico com o ordenamento jurídico em que ele 
está inserido e com o qual ele tem de dialogar. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
10 
Marta Lima e Silva 
Foi na tentativa de superar estas dificuldades que alguns autores propuseram uma compreensão 
do negócio jurídico centrada na produção de efeitos práticos. Na teoria dos efeitos práticos, a 
vontade já não seria dirigida à produção de efeitos jurídicos, mas sim à produção de efeitos 
práticos aos quais, depois, seriam associados determinados efeitos jurídicos. 
 
Contudo, também esta teoria não pode ser aceite, por várias razões: 
 
1) Esta teoria deixa-nos sem critério para distinguir o negócio jurídico de outros acordos 
da vida social, como os chamados negócios de pura obsequiosidade e os acordos de 
cavaleiros (gentleman agreements). 
 
Os negócios de pura obsequiosidade são combinações da vida social às quais é estranho 
o intuito de criar, modificar ou extinguir um vínculo jurídico, ou seja, às quais é estranho 
o intuito de criar uma vinculação jurídica. 
 
Por seu turno, os acordos de cavaleiros são combinações sobre matéria que 
normalmente é objeto de negócios jurídicos, mas, naquele caso concreto, não foram 
acompanhadas da intenção de criar um negócio jurídico. Ou seja, não foram 
acompanhadas da intenção de criar essa vinculação jurídica que lhes é própria.jurídico 
produz efeitos a partir do momento em que a Catarina morra. A morte da Catarina é um evento 
certo, mas não sabemos o momento da sua verificação – temos aqui um termo incerto. 
 
Tal como a condição, o termo pode ser: 
® Suspensivo ou inicial, quando as partes estabelecem o momento a partir do qual o 
negócio jurídico passa a produzir efeitos; 
® Resolutivo ou final, se a produção dos efeitos do negócio jurídico cessar com a 
verificação do termo. 
 
Uma outra classificação possível é que o termo pode ser: 
® Expresso ou próprio – quando ele existe por vontade das partes; 
® Tácito ou impróprio – quando existe por imposição da lei. 
 
O termo pode ainda ser classificado como: 
® Termo essencial, em que a prestação deve ser efetuada até à verificação do termo – se 
essa data for ultrapassada, dado que o termo é essencial, a não realização da prestação 
é equiparada à impossibilidade definitiva da prestação; 
® Termo não essencial – é aquele em que mesmo que se chegue aquele momento 
convencionado, a prestação pode continuar a ser efetivada depois disso. 
 
Em regra, pode ser aposto um termo a qualquer contrato, dado que é isto que resulta 
da liberdade contratual. A liberdade contratual permite concluir que, em regra, qualquer 
contrato pode ter aposto um termo. No entanto, há exceções. Há negócios aos quais não pode 
ser imposto um termo, p.e., o casamento (não se celebra um casamento a prazo). 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
79 
Marta Lima e Silva 
Os artigos 273º a 277º CC, que se aplicam à condição, aplicam-se igualmente ao termo. O artigo 
279º CC estabelece as regras para o cômputo do termo, ou seja, como se contam os prazos. 
 
Cláusula Modal ou Modo 
 
Mais uma vez, estamos perante uma cláusula acessória típica. Esta cláusula acessória típica só 
pode ser aposta nas doações e nas liberalidades testamentárias. De acordo com esta cláusula, o 
doador ou testador impõe ao beneficiário uma determinada obrigação ou encargo. O encargo 
que é imposto impõe a adoção de um certo comportamento, sendo que pode ser imposto: 
® No interesse do doador ou testador; 
® No interesse do próprio beneficiário; 
® No interesse de um terceiro. 
 
Esta cláusula acessória típica não se confunde com a condição ou com a doação. A doutrina tem 
sido particularmente cautelosa a distinguir as duas figuras, sendo que configurou alguns indícios 
de diferenciação: 
 
1) Quando é aposta uma condição suspensiva, o negócio não produz efeitos até à 
verificação do evento futuro e incerto. Quando estamos perante um modo, por sua vez, 
o negócio produz automaticamente efeitos. 
 
2) A condição não nos obriga a nada, enquanto o modo nos obriga a adotar um 
determinado comportamento. 
 
3) Na condição resolutiva, ocorrendo o evento condicionante, há a automática resolução 
do negócio com eficácia retroativa – portanto, todos os efeitos se destroem. Ao invés, 
estando em causa um modo, se não for comprido o encargo, o disponente (o doador e 
os herdeiros) pode requerer a resolução da liberalidade, mas só em certos casos. 
 
Temos aqui três indícios que permitem distinguir a condição do modo. Contudo, este problema 
de distinção é, no fundo, um problema de qualificação de uma cláusula que o contrato tenha 
inserido e, portanto, redunda num problema de interpretação do próprio negócio. 
 
Quid Iuris em casos de dúvida? 
 
Quando, apesar destes índices de diferenciação, se consegue distinguir na teoria, mas não se 
consegue distinguir, na prática, se aquela é uma cláusula de condição ou de modo, na dúvida, 
classifica-se aquela cláusula como modo. Isto acontece devido ao princípio da conservação dos 
negócios jurídicos. 
 
Quid Iuris se a cláusula modal for impossível? 
 
Se a cláusula modal estabelecer um encargo que é física ou legalmente impossível, deve 
considerar-se que ela é nula, mas que se mantém a validade do testamento ou da doação. 
Porém, tal como no caso das condições, o doador ou o testador podem excluir a validade do ato, 
gerando-se a nulidade total, quer da doação quer do testamento – arts. 967º e 2245º CC. Além 
disto, nos termos do art. 2230º CC, o doador ou testador podem excluir a validade da doação 
ou do testamento e gerar a nulidade de todo o caso. 
 
Se o modo for ilícito, então, por esta remissão em cadeia (do art. 967º para o art. 2245º e, 
depois, para o art. 2230º/2), conclui-se que o modo é nulo, mas, ao contrário daquilo que ocorre 
Teoria Geral do Direito Civil II 
80 
Marta Lima e Silva 
no caso de cláusula modal impossível, o doador ou testador não podem excluir a validade do 
ato. Não é possível determinar a nulidade de todo o testamento ou a nulidade de toda a doação. 
 
Quid Iuris em caso de não cumprimento do encargo que foi imposto? 
 
A cláusula modal impõe um encargo. Por exemplo, imagine-se que o António doa ao Bernardo 
um apartamento e impõe que o Bernardo mantenha, naquele apartamento, o seu gato de 
estimação. Quid Iuris em caso de não cumprimento do encargo que foi imposto? Haveremos, a 
este propósito, de considerar várias hipóteses: 
 
1) O comportamento não é imputável ao devedor. Se incumprimento não for imputável 
ao devedor, a consequência será que a obrigação se extingue. 
 
2) O comportamento é imputável ao devedor, caso em que se aplica o art. 965º CC, 
segundo o qual tanto o doador como os seus interessados podem exigir o cumprimento 
daquele encargo, com remissão para o art. 963º/2, nos termos do qual surge uma 
limitação extremamente importante, que também existe no caso do testamento e que 
resulta da natureza de património autónomo do testamento. Além disso, segundo o art. 
966º CT, isto não conduz à resolução do contrato porque esse direito de resolução 
existe apenas quando esteja previsto no próprio contrato. 
 
No caso dos testamentos (remissão do art. 966º para o art. 2248º), o direito à resolução 
existe se o testador tiver determinado que ele existe, tal como no caso da doação ou, 
ainda, se for lícito concluir, através da interpretação do próprio testamento, que a 
posição testamentária não teria sido mantida sem o incumprimento do encargo. 
 
 
 
Como estamos perante um negócio mortis causa, procura-se salvaguardar, até ao 
limite, a vontade do testador (do de cujus) e, nesta medida, permite-se esta resolução 
não só nas hipóteses em que o próprio testamento a prevê, mas também naquelas 
situações em que, a partir da própria interpretação do testamento, se possa concluir 
que a disposição testamentária não seria mantida sem o cumprimento do encargo. 
 
Há autores que contestam esta solução. O Prof. Menezes Cordeiro entende que, em nome da 
boa-fé, se deveria defender que este direito à resolução pode existir mesmo quando o contrato 
não o indique e não se refira a ele. Ou seja, a boa-fé pode impor uma solução diversa daquela 
que o art.º 966 consagra. 
 
16.2.3. Cláusulas de exclusão e de limitação da responsabilidade: 
modalidades e o problema da sua validade 
 
As cláusulas de limitação e exclusão da responsabilidade são cláusulas acessórias típicas, nos 
termos das quais os contraentes estipulam limitar ou excluir a responsabilidade do devedor 
pelo não cumprimento de uma obrigação. Ou seja, perante a hipótese de surgimento de uma 
pretensão indemnizatória, fundada no não cumprimento do contrato, o dever de indemnizar 
que resultaria dessa obrigação (dessa responsabilização) é excluído ou limitado. 
 
Sob esta designação comum, surgem várias cláusulas: 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
81 
Marta Lima e Silva 
® Cláusulas de limitação e exclusão da responsabilidade – as de exclusão da 
responsabilidade excluem ou afastam toda e qualquer responsabilidade, enquanto as 
de limitação da responsabilidade a limitam; 
 
® Cláusulas de exclusão e de limitação da responsabilidade por atos próprios – exclui-se 
a responsabilidade sempre que ela surja como consequência de um ato do próprio; 
 
® Cláusulas de responsabilidade por atos de auxiliares meus – utiliza-se um terceiro no 
cumprimentodas obrigações e, aqui, é o próprio que é responsável pelos atos desse 
terceiro, nos termos do art. 800º CC; 
 
® Cláusulas de limitação do montante – quando se estabelece no contrato que não 
haverá responsabilidade acima de um patamar de um valor x, não haverá 
responsabilidade; 
 
® Cláusula de limitação dos fundamentos da responsabilidade – p.e., uma cláusula que 
preveja que só há responsabilidade caso haja atuação com dolo. Se a atuação for 
meramente negligente, exclui-se ou limita-se a responsabilidade; 
 
® Cláusulas de redução de prazos de prescrição; 
 
® Cláusulas de redução de prazos de caducidade; 
 
Os problemas suscitados por cada uma destas cláusulas não são os mesmos. Estas cláusulas de 
limitação e exclusão da responsabilidade podem também, além da responsabilidade contratual, 
excluir a responsabilidade extracontratual. Surge a dúvida se estas cláusulas são ou não válidas 
porque somos confrontados com o art. 809º CC. 
 
 
 
Os direitos a que este artigo se refere são os direitos que o credor tem em caso de não 
cumprimento ou cumprimento defeituoso por parte do devedor. Tem o direito a exigir o 
cumprimento, o direito à resolução do contrato, o direito a uma sanção pecuniária ou o direito 
a uma indemnização. 
 
Alguns autores, presos ao teor literal deste art. 809º, vêm dizer que estas cláusulas de exclusão 
de responsabilidade configurariam, no fundo, uma renúncia antecipada a um dos direitos do 
credor, previstos no CC, e, portanto, ela não poderia ser considerada válida. Haveria uma 
exceção, que está prevista no art. 800º/2 CC. 
 
A questão que temos de colocar é se, de facto, este art. 809º, em que muitos autores 
tradicionalmente se baseavam para afirmar a nulidade destas cláusulas, nos condena à 
afirmação da nulidade das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade. No entanto, 
há aqui algumas nuances que importa considerar: 
 
® Alguns autores, nomeadamente, o Dr. Pinto Monteiro, vêm esclarecer que o art. 809º 
não abrangeria, no seu âmbito de relevância, as cláusulas de limitação da 
responsabilidade. Quanto muito abrangeria as cláusulas de exclusão de 
responsabilidade. As cláusulas de limitação de responsabilidade não envolvem uma 
renúncia ao direito à indemnização, sendo apenas uma limitação. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
82 
Marta Lima e Silva 
® O art. 810º admite a chamada cláusula penal, mas esta permite que as partes fixem, por 
acordo, o montante da indemnização. Se, numa cláusula de limitação da 
responsabilidade, se estabelece um teto acima do qual não haverá responsabilidade, a 
cláusula penal vai ser estabelecida a priori, de forma invariável e fixando um montante 
da própria indemnização. 
 
Exemplo: A e B apuseram, no contrato, uma cláusula de limitação de responsabilidade a prever 
3000€. Imagine-se que, num primeiro cenário, em concreto, se verificam danos na ordem dos 
5000€. A, credor, tem direito ao pagamento de 3000€, considerando-se a cláusula válida. 
 
Contudo, imagine-se que os danos que se apuraram foram de 1500€. A, credor, terá direito a 
1500€ de pagamento de danos (da indemnização correspondente aos danos), porque a cláusula 
de limitação da responsabilidade apenas limita – apenas estabelece o teto a partir do qual não 
haverá responsabilidade. 
 
Na cláusula penal, não se processa da mesma maneira. Nesta cláusula, prevista no art. 810º, a 
indemnização é fixada de forma invariável e fixa. 
 
Exemplo: A e B apuseram no contrato uma cláusula penal, que prevê uma pena de 3000€ em 
caso de não cumprimento. Imagine-se que, na situação 1, foram apurados danos no valor de 
5000€. O A, como credor, terá direito a uma indemnização de 3000€. Na situação 2, o dano 
verificado foi de 1500€. Aqui, A, enquanto credor, terá direito a uma indemnização de 3000€. 
 
Aqui, não estamos a estabelecer um plafond nem um limite, mas sim a própria indemnização. 
Isto significa que esta cláusula que está prevista no art. 810º pode funcionar tanto como uma 
penalidade, ou seja, tanto pode agravar a indemnização de vida, como pode limitar a 
indemnização. 
 
Portanto, parece um pouco estranho que o legislador permita a limitação da indemnização 
através do funcionamento da cláusula penal e vede totalmente a limitação por via de uma 
cláusula de limitação da responsabilidade. 
 
Para as cláusulas de exclusão da responsabilidade, a melhor doutrina surge na tese de 
mestrado do Dr. Pinto Monteiro, que vem operar uma redução teológica do art. 809º CC. Este 
começa por perguntar qual é a finalidade do legislador ao estabelecer esta proibição no art. 809º 
CC. A intenção do legislador é a de evitar que seja desfigurado o sentido jurídico da obrigação, 
ou seja, é evitar que uma obrigação civil seja transformada numa obrigação natural. 
 
Ora, se assim é, estas cláusulas de exclusão de responsabilidade só devem ser consideradas 
proibidas no que respeita às cláusulas de exclusão por dolo ou culpa grave. Só nesses casos é 
que estamos a deixar à mercê das partes uma regra que não pode ficar submetida ao seu livre 
arbítrio. 
 
A conclusão que se extrai é a de que as cláusulas de exclusão e de limitação da 
responsabilidade são válidas se excluírem a responsabilidade por culpa leve e são nulas se 
excluírem ou limitarem a responsabilidade por dolo ou culpa grave. Esta conclusão é reforçada 
pelos arts. 12º e 18º/c) do Decreto-Lei 446º/85 (decreto-lei que regula as cláusulas contratuais 
gerais). Se são nulas em caso de dolo ou culpa grave, podemos concluir, à contrário, que são 
válidas restritas à culpa leve. 
 
Se isto é assim num quadro de contrato de adesão em que há fortes limitações à contratação 
contratual, é profundamente estranho que essas limitações sejam muito menores no âmbito 
Teoria Geral do Direito Civil II 
83 
Marta Lima e Silva 
dos contratos negociados por não serem permitidas as cláusulas de exclusão e de limitação da 
responsabilidade por culpa leve. Há determinados regimes especiais em que elas são 
consideradas inválidas (p.e., razões de ordem pública ou razões de proteção do consumidor). 
 
Uma segunda nota é que temos de ter em conta a particularidade das cláusulas de exclusão de 
responsabilidade por atos de auxiliares (art. 800º/2 CC). A este propósito, o Prof. Pinto 
Monteiro faz uma distinção entre: 
® Atos de auxiliares independentes relativamente aos quais se poderia admitir a validade 
das cláusulas mesmo em casos de dolo; 
® Hipóteses de responsabilidade por atos de auxiliares dependentes em relação às quais 
haveria de se cumprir as mesmas decisões para as cláusulas de exclusão de 
responsabilidade por ato próprio. 
 
Uma última nota é que as cláusulas de exclusão e de limitação da responsabilidade 
extracontratual não se integram dentro deste art. 809º CC. No entanto, também devemos 
considerar que as cláusulas de exclusão da responsabilidade extracontratual por dolo ou culpa 
grave devem ser consideradas nulas, porque violam um princípio fundamental: o princípio da 
responsabilidade. Nesta medida, contrariam o art. 280º CC. Além disso, devemos considerar 
válidas as cláusulas de exclusão ou de limitação da responsabilidade por culpa leve. 
 
16.2.4. Cláusula penal: noção, função/funções, modalidades e regime 
 
A cláusula penal pode ser definida como uma cláusula acessória típica, sendo que, no âmbito 
desta cláusula, as partes convencionam uma determinada prestação que, normalmente, 
corresponde ao pagamento de uma quantia em dinheiro que o devedor terá de realizar em caso 
de não cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora. 
 
De acordo com a doutrina tradicional, esta cláusula penal era uma figura unitária. Ela cumpria 
simultaneamente uma dupla função: fixar antecipadamente a indemnização e compelir o 
devedor ao cumprimento. P.e., fixar antecipadamente o montante indemnizatório vai compelir 
o devedor a cumprir, porque gera danos no valor de 1500€ e este tem de pagar 3000€. 
 
No entanto, a doutrina mais recente passou a distinguir várias modalidades de cláusula penal 
porquenem sempre esta cumpre estas funções em simultâneo. A cláusula penal pode funcionar 
como um limite ou limitação à própria responsabilidade. Nessa medida, seria um pouco 
irrealista configurar uma cláusula penal como figura unitária independentemente da função 
dessa cláusula ou da pena por ela prevista e independentemente da vontade ou da 
intencionalidade das partes. 
 
 
A doutrina passa, então, a distinguir várias modalidades da cláusula penal, sendo que cada uma 
destas modalidades cumpre uma função e a cada uma delas corresponde um regime jurídico 
diferenciado. Modalidades de cláusula penal: 
 
1) Cláusula de fixação antecipada da indeminização (art. 810º CC) 
 
Esta cláusula estabelece uma pena e esta pena substitui a indemnização porque é a própria 
indemnização. As partes determinam, de forma invariável e fixa, qual é a indemnização que o 
devedor vai ter de pagar ao credor em caso de não cumprimento, cumprimento defeituoso ou 
mora. As partes, com esta cláusula, querem liquidar antecipadamente o dano, sendo que 
querem fazê-lo com vários objetivos. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
84 
Marta Lima e Silva 
 
Desde logo, o credor tem vantagens nisto porque, verificado o incumprimento, deixa de ter de 
provar o dano. O dano tem de existir e sem dano não há direito há pena, mas ele deixa de ter 
de provar o dano e, por vezes, é difícil de fazer esta prova. 
 
No entanto, o devedor pode também ter vantagens nisto, porque ele sabe, a priori, 
independentemente do dano que se venha a verificar – sendo que o dano tem sempre um 
caráter aleatório (não se pode predizer qual vai ser o dano e não se sabe que impacto aquele 
não cumprimento vai ter na esfera jurídica alheia), o que vai pagar. Portanto, olhando para esta 
cláusula do ponto de vista da gestão – e, muitas vezes, de gestão empresarial –, ela também tem 
vantagens para o devedor. 
 
Este regime estabelece que, verificado o incumprimento, o credor não tem de provar o dano e 
tem direito à pena. Contudo, o dano tem sempre de existir. A pena substitui a indemnização 
porque é a própria indemnização, mas não há indemnização sem dano. O dano terá de existir 
necessariamente – pode é ser menor. Se o dano for zero, então, não haverá direito à pena. 
 
Uma segunda nota quanto ao regime é que não se poderá optar por exigir a indemnização nos 
termos gerais, justamente porque o acordo é estabelecido no interesse de ambos os 
contraentes. 
 
Uma última nota quanto ao regime é que o credor só tem direito à pena se o devedor ter agido 
com culpa porque, uma vez que a pena substitui a indemnização e não há indemnização sem 
culpa, se falhar a culpa, não há o sucedâneo da indemnização, que é a pena. 
 
2) Cláusula penal puramente compulsória 
 
Neste caso, a pena não substitui a indemnização. A pena acresce à indemnização porque a 
intencionalidade subjacente a esta cláusula penal é exatamente compelir ao cumprimento. Ora, 
se é compelir ao cumprimento, a pena não vai cumprir qualquer finalidade ressarcitória – ela é 
mesmo uma penalidade que acresce à indemnização. 
 
Isto condiciona o seu regime porque: 
® Em primeiro lugar, se assim é, é possível exigir simultaneamente a pena e a 
indemnização, bem como a execução específica do contrato; 
® Em segundo lugar, é possível exigir a pena mesmo que não haja dano, porque ela não 
visa ressarcir, mas sim visa compelir ao cumprimento; 
® Por fim, exige-se a verificação da culpa, mas já não porque a culpa seja um pressuposto 
da responsabilidade, mas sim porque, se o sujeito cumpre um facto que não lhe é 
imputável, não adianta compelir-lhe ao cumprimento – só faz sentido esta ideia de 
compulsão ao cumprimento se houver culpa por parte do devedor. 
 
Ao contrário da cláusula de fixação antecipada da indemnização, esta cláusula penal puramente 
compulsória não está prevista no CC. No entanto, considera-se que ela é válida ao abrigo do 
princípio da liberdade contratual. Apesar de não estar prevista no CC, o art. 812º é-lhe aplicado. 
Nesta medida, se a pena for manifestante excessiva, é possível que o tribunal intervenha e que 
reduza essa pena com um juízo de equidade. 
 
Embora a cláusula penal puramente compulsória não esteja prevista no CC, a doutrina e, 
designadamente, o Dr. Pinto Monteiro, entende que se deve aplicar este art. 812º e que, 
portanto, se permite essa redução equitativa da pena porque este artigo configuraria um 
Teoria Geral do Direito Civil II 
85 
Marta Lima e Silva 
princípio de alcance geral e não veria o seu âmbito de aplicação restrito à cláusula penal de 
fixação antecipada da indemnização. 
 
3) Cláusula penal em sentido estrito 
 
No caso da cláusula penal em sentido estrito, a pena substitui a indemnização, mas não 
substitui por ser ela própria a indeminização. Substitui porque satisfaz, por outra via, o interesse 
do credor e, portanto, passa a ser satisfeito o interesse do credor e não há dano para indemnizar. 
 
Isto também vai ter repercussões em sede de regime. Desde logo, o credor pode optar 
indistintamente pela pena ou pela indemnização. Na cláusula de fixação antecipada da 
indemnização só pode ter direito à pena e, na cláusula penal puramente compulsória, só pode 
ter direito à pena mais indemnização ou mais execução específica. 
 
Para além disto, a pena é exigível mesmo que não haja danos. A regra será até que esses danos 
não se verifiquem, porque se vai satisfazer, por outra via, o interesse do credor. Então, esta é 
uma forma de satisfação alternativa do interesse do credor que não passa pela via 
indemnizatória. 
 
Esta cláusula também não está prevista no CC, mas, tal como a cláusula penal puramente 
compulsória, ela é admissível ao nível da liberdade contratual e também pode ser reduzida a 
pena nos termos do art. 812º CC. 
 
17. Ineficácia e invalidade do negócio jurídico 
 
17.1. Ineficácia em sentido amplo e ineficácia em sentido estrito 
 
Ineficácia em sentido amplo significa que o negócio jurídico não produz efeitos. Por seu turno, 
a ineficácia em sentido estrito ou próprio implica a não produção de efeitos por força de uma 
circunstância extrínseca que integra a situação complexa que deveria conduzir à produção de 
efeitos jurídicos. 
 
A ineficácia distingue-se da invalidade. A invalidade traduz-se na não produção de efeitos, mas 
esta não produção de efeitos resulta agora de uma falha num elemento interno e essencial do 
negócio. Por isso é que o art. 246º CC, que fala da falta da consciência da declaração e da coação 
absoluta ou coação física, diz que o negócio não produz efeitos. A falha encontra-se num 
elemento interno e essencial do negócio, daí dizer-se que se trata de uma invalidade. 
 
Dentro da ineficácia, faz-se uma distinção: 
 
® A ineficácia é absoluta quando opera erga omnes, ou seja, quando é relativa a toda e 
qualquer pessoa e, portanto, pode ser invocada por qualquer interessado. 
Exemplo: num negócio, ao qual foi aposta uma condição suspensiva, o evento 
condicionante não se verifica. A não verificação do evento condicionante faz com que o 
negócio não produza quaisquer efeitos para toda e qualquer pessoa. 
 
® A ineficácia é relativa quando se verificar apenas em relação a determinada pessoa. 
Exemplo: quer nas situações de falta de poderes de representação quer nas hipóteses 
de abuso de representação, a ineficácia do negócio é relativa porque é uma ineficácia 
em relação ao representado. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
86 
Marta Lima e Silva 
• Nota: A invalidade, ao contrário da ineficácia, é sempre um conceito absoluto. O 
negócio não é inválido para uns e não é inválido para outros. Se o negócio é inválido, é 
inválido para todos, porque algo nuclear do negócio, intrínseco a si, está perturbado. 
 
17.2. Invalidade: anulação e nulidade 
 
A invalidade, tal como caracterizada, conhece duas modalidades: a nulidade e a anulabilidade. 
 
A nulidade é mais grave do que a anulabilidade, o que se vai traduzir em diferenças de regime: 
® A nulidade pode ser invocada a todoo tempo, enquanto a anulabilidade só pode ser 
invocada durante um determinado período de tempo, designadamente, um ano a 
contar da cessação do vício (art. 287º CC – só se aplica se não existir outro prazo definido 
pelo legislador); 
® A nulidade pode ser conhecida oficiosamente, enquanto a anulabilidade tem de ser 
necessariamente invocada; 
® A nulidade pode ser invocada por qualquer interessado, enquanto a anulabilidade só 
pode ser invocada por aquele ou aqueles no interesse do qual/quais foi estabelecida; 
® A nulidade não pode ser sanada, enquanto a anulabilidade pode ser sanada por 
confirmação ou pelo decurso do tempo. 
 
Quanto à invocação da nulidade e da anulabilidade, a formulação do art. 287º, por confronto 
com o 286º, suscita, por vezes, algumas dúvidas: 
 
® No caso da nulidade, qualquer interessado a pode invocar. 
Exemplo: um negócio jurídico de compra e venda de um imóvel feito por escrito 
particular é nulo. Qualquer interessado pode invocar esta nulidade, por exemplo, pode 
ser o A ou o B (os dois contraentes), mas pode também ser o C, que é credor do A, ou o 
D, que é herdeiro legitimário do A. Temos uma panóplia de interessados que, depois, 
tem de se confirmar em concreto se têm ou não interesse para agir. 
 
® No caso da anulabilidade, ela só pode ser invocada no interesse do qual a anulabilidade 
foi estabelecida. 
Exemplo: num negócio que está ferido por erro vício, quem pode arguir a anulabilidade 
é o errante. Não há nenhum artigo que diga isto, mas sabe-se porque aquela 
anulabilidade foi estabelecida no interesse do que foi enganado, do que se enganou, no 
do que foi coagido, no do que estava em estado de necessidade, etc. 
 
® Haverá situações em que o próprio legislador estabelece quem é que tem legitimidade 
para arguir a anulabilidade – p.e., no caso dos menores. Nesses casos, seguem-se as 
regras especiais estabelecidas pelo legislador, em nome do princípio de que a regra 
especial derroga a regra geral. 
 
A nulidade é mais grave do que a anulabilidade. De facto, por via regra de uma distinção que já 
vem longínqua ao nível do direito, entende-se que a nulidade visa sancionar hipóteses mais 
graves, designadamente, quando estejam em causa determinados interesses públicos. Por 
oposição, a anulabilidade corresponderia a hipóteses menos graves. 
 
Esta distinção entre nulidade e anulabilidade tem de ser compreendida com alguma cautela, 
designadamente, porque o legislador tem vindo a estabelecer situações de invalidade mistas, 
ou seja, situações de invalidade que cunha de nulidade ou de anulabilidade, mas que, depois, 
em termos de regime, acabam por conjugar diferentes regras de diferentes regimes. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
87 
Marta Lima e Silva 
 
A verdade é que, quando se diz que a nulidade é mais grave que a anulabilidade, pretende dizer-
se, via de regra, que o negócio nulo não produz efeitos, enquanto o negócio anulável pode 
ainda produzir alguns efeitos. Contudo, a verdade é que esta expressão não corresponde 
totalmente à verdade, pois o negócio nulo pode ainda produzir efeitos. 
 
Ainda que cause espanto, o certo é que nos fomos confrontando com hipóteses de produção 
de efeitos jurídicos por negócios nulos. Exemplos: 
® Negócio nulo celebrado entre A e B, que é uma compra e venda de um automóvel, 
sendo que B nunca adquiriu a propriedade, transmitindo-a a C. C registou, estava de 
boa-fé, já se passaram três anos e o art. 291º vai proteger o C. Portanto, este artigo vai 
fazer com que o negócio nulo produza efeitos. 
® O mesmo se pode dizer do art. 243º, específico para as hipóteses de simulação. 
® Por fim, o efeito central do registo vai, de certo modo, fazer com que o negócio nulo 
produza efeitos. 
 
17.3. Inexistência 
 
Acontece que há determinados negócios que estão de tal modo feridos por um vício de tal modo 
grave que não devem produzir quaisquer efeitos. Em nome dessa consciência, parte da doutrina 
autonomizou uma outra categoria: a inexistência. 
 
A inexistência foi autonomizada em França, a propósito do casamento. Ela visava encontrar uma 
solução para fazer face às situações em que era celebrado um casamento entre pessoas do 
mesmo sexo ou em que era celebrado um casamento em que não havia consentimento de um 
dos nubentes ou, ainda, a um casamento que não obedecia ao ritual previsto na lei. A verdade 
é que, se esta foi pensada para o direito matrimonial, depois, viu alargada a sua existência para 
todo o domínio do direito civil. Atualmente, é aceite como uma categoria em termos genéricos. 
 
Nem toda a doutrina e nem todos os autores aceitam a autonomização da inexistência como 
possível sanção para a verificação de uma falha no negócio jurídico, havendo autores que 
entendem que existe apenas anulabilidade e nulidade. Portanto, esta posição não é unânime. 
 
Em face desta controvérsia, a Dra. Mafalda acha que faz sentido autonomizar-se a inexistência, 
dado que há determinados casos que são de tal modo graves que não se pode falar de negócio 
jurídico. O que existe é apenas uma mera aparência de negócio. Isto acontece sempre que falha 
um elemento essencial do negócio, sendo que pode falhar: 
® Porque ele efetivamente não existe; 
® Porque a sua mera presença acaba por não ser materializada (mera aparência). 
 
Exemplo: pense-se na situação de coação física ou coação absoluta, em que, na aparência, existe 
a declaração negocial, mas, na sua materialidade, não existe um corpus minimus que permita 
falar e materializar aquele negócio, dado que falhou a vontade de ação. O comportamento do 
sujeito nem sequer foi voluntário e, portanto, é como se não existisse. 
 
• Nota: O art. 291º não é aplicável se o primeiro negócio da cadeia de transmissões for 
um negócio inexistente. 
 
Pode concluir-se, então, que é necessário autonomizar a inexistência como categoria jurídica, 
dado que os negócios nulo e anulável podem ainda produzir determinados efeitos. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
88 
Marta Lima e Silva 
Para além destes efeitos residuais do negócio jurídico, todos os outros efeitos são destruídos. A 
declaração de nulidade e a anulabilidade têm eficácia retroativa, nos termos do art. 289º CC. 
Este artigo manda-nos repristinar o status quo (anterior à celebração do negócio) 
 
Exemplo: A vende a B um automóvel e, no âmbito da execução desse contrato, A tinha 
entregado o automóvel a B e B tinha pagado o preço a A. Uma vez anulado esse negócio, A tem 
de devolver o dinheiro a B e B tem de devolver o automóvel a A. 
 
17.4. A relação de liquidação e os problemas que a mesma pode suscitar 
 
A relação de liquidação tem uma estrutura inversa à relação jurídica que foi anulada ou 
declarada nula, sendo que envolve o cumprimento de prestações idênticas às que conformam 
o tipo contratual em causa. As prestações a que se alude são exatamente as mesmas que 
integram o tipo contratual da compra e venda, mas o sentido da prestação é agora inverso. 
 
Porém, há situações em que não é possível a devolução da coisa objeto do negócio. Desde 
logo, estarão aqui em causa situações em que, havendo uma cadeia de transmissões, aquele 
bem já foi alienado a um terceiro e esse terceiro vai ser protegido pelo art. 291º, por exemplo. 
 
Também estarão aqui em causa situações em que o objeto já não existe, p.e., um automóvel 
que teve um acidente e foi para a sucata. Nestas situações, porque o comprador não pode 
entregar a coisa, deve entregar o valor correspondente ao que tinha de devolver. 
 
Por outro lado, o art. 289º/2 diz que, se a coisa tiver sido alienada gratuitamente e não 
podendo tornar-se efetiva a restituição do valor da prestação dela, tem de ser devolvido o valor 
corresponde ao seu enriquecimento, que pode ser menos. 
 
O nº3 do art. 289º manda aplicar o disposto nos arts. 1269º e ss. Esta remissão significa que, 
p.e., aquele que tem de devolver a res, se estiver de boa-fé, não vai responder pela deterioração 
ou destruição dela. Há coisas que geram frutos naturais (p.e.,macieiras em terreno – maçãs) ou 
civis (p.e., rendimentos do arrendamento de um apartamento). De acordo com estes arts. 1269º 
e ss., estas rendas, se o apartamento tiver sido arrendado, são do próprio sujeito e não têm de 
ser devolvidas ao efetivo proprietário. 
 
• Nota: Quando se quiser invalidar um mútuo bancário, esta situação vai ser muito 
relevante, dado que tem de se ver de quem são os juros, pois trata-se de um fruto civil. 
 
Há outras situações em que, pela natureza do próprio negócio, esta eficácia retroativa não se 
pode cumprir. Quando não se possa cumprir, apenas se restitui o valor da coisa correspondente. 
Estamos aqui a falar de situações em que a própria natureza do negócio jurídico torna inviável 
essa restituição. Estas situações são diferentes porque podem dar origem à chamada 
compensação de créditos. 
 
Exemplo: A e B celebraram um contrato de arrendamento e este veio a ser declarado nulo, 
sendo que a nulidade tem eficácia retroativa. Quais são as prestações típicas deste contrato? A, 
senhorio, tem de facultar o gozo da coisa a B e B paga rendas. O momento de celebração do 
contrato e o momento em que foi declarado nulo o contrato medeia um período de três anos. 
Durante três anos, A recebeu rendas e B beneficiou do gozo das coisas. Agora, há que repristinar 
a situação anterior à celebração do contrato. Então, A vai ter de devolver as rendas B, mas B não 
pode devolver o gozo da coisa. Por isso, ele tem de devolver o valor correspondente ao gozo da 
coisa, que é o valor das rendas. A teria de devolver as coisas a B e B teria de devolver as coisas 
Teoria Geral do Direito Civil II 
89 
Marta Lima e Silva 
a B. Então, opera-se uma compensação de crédito: o senhorio não devolve as rendas 
porque B não pode devolver o gozo da coisa. Portanto, aparentemente, não há aqui eficácia 
retroativa, mas essa aparência de não retroatividade justifica-se com a ideia de compensação. 
 
Há outros negócios em que, pela natureza dos próprios bens envolvidos, não pode haver essa 
eficácia retroativa. 
 
Exemplo: A e B realizaram um contrato de compra e venda de um rim de B. Este negócio é nulo 
porque vai contra os bons costumes, o que determina a sua nulidade nos termos do art. 280º 
CC. A declaração da nulidade tem eficácia retroativa, o que significa que A terá de devolver a B a 
quantia que pagou a título de cumprimento do contrato, mas, no entanto, não é viável exigir a 
B a devolução do rim. Seria absurdo porque poria em causa a tutela da personalidade e o sentido 
axiológico do próprio direito civil. Aqui, temos uma retroatividade travada pelos princípios 
fundamentais do ordenamento. 
 
18. Redução e conversão dos negócios jurídicos 
 
18.1. Redução 
 
A redução está prevista no art. 292º CC. Desde logo, estamos a considerar negócios nulos ou 
anuláveis, mas apenas em termos parciais. Como a invalidade diz respeito a parte do negócio, 
o legislador diz que se pode aproveitar a restante parte. Vamos partir de dois princípios: 
® O princípio da divisibilidade do negócio jurídico; 
® O princípio do aproveitamento dos efeitos do negócio jurídico. 
 
Só não haverá redução se a outra parte que se opõe a essa redução vier provar que não teria 
concluído o negócio sem a parte viciada. 
 
Exemplos de hipóteses de redução do negócio jurídico: 
 
® Exemplo 1: A vendeu a B um terreno com 600 m2. Mais tarde, descobre-se que A é 
proprietário de apenas 400 m2. Relativamente a estes 200 m2 que não lhe pertencem, 
temos uma venda de coisa alheia, que é nula. No entanto, não tem de se considerar que 
todo o negócio é nulo, dado há 400 m2 que efetivamente pertenciam ao sujeito que 
vendeu. Então, aqui, reduz-se o negócio jurídico e, reduzindo, passa a ter-se um negócio 
válido de 400 m2 e outro negócio nulo por venda de coisa alheia relativo a 200 m2. Com 
isto, “salva-se” aquele negócio jurídico. Note-se, porém, que a contraparte poderia 
provar que, sem aqueles 200 m2, jamais teria celebrado o negócio. 
 
Exemplo 2: A outorgou uma procuração conferindo plenos poderes para a celebração 
de atos de disposição sobre bens móveis e imóveis a B, sendo que esta procuração foi 
celebrada por escrito particular não autenticado. Ora, a procuração tem a mesma forma 
exigida para a celebração dos negócios que são realizados em nome do representado. 
Não a tendo cumprido, ela é nula por vício de forma. Pode dividir-se a procuração em 
duas partes: uma respeitante aos bens móveis, que é válida, e uma respeitante a bens 
imóveis, que não é valida – é um exemplo claro de redução do negócio jurídico. 
 
• Nota: fazer uma remissão para o art. 1143º CC. 
 
A única forma de se obstar à redução é provar que a vontade hipotética das partes é contrária 
a essa redução. Notamos que há situações em que essa prova é produzida e, não obstante, terá 
Teoria Geral do Direito Civil II 
90 
Marta Lima e Silva 
de haver obrigatoriamente redução do negócio. Isto acontece quando tal for imposto pela boa-
fé – é o que resulta da matéria da integração do negócio jurídico e que consta do art. 239º CC. 
 
Há ainda outras hipóteses em que a redução é obrigatória, ou seja, mesmo que a vontade 
hipotética apontasse no sentido da invalidade total, esta redução tem de ter lugar e, portanto, 
tem de se aproveitar parte do negócio: 
 
® Uma primeira hipótese pode ser a redução teológica, que surge nas situações em que a 
invalidade parcial resulta da infração de uma norma que tem como finalidade proteger 
uma das partes contra a outra. 
Exemplo: o contrato de arrendamento tem regimes protetivos da parte considerada 
mais fraca e, quando violados, geram a nulidade. Essa nulidade é estabelecida para a 
proteção da parte mais fraca, sendo que não é possível que a parte mais forte, que viola 
a “norma protetiva”, se venha, ela própria, opor à redução do negócio. 
 
® A segunda hipótese vem no âmbito dos contratos de adesão – quando haja cláusulas 
abusivas, apenas se considera a cláusula invalidada e vai-se expurgá-la. Há, aqui, 
obrigatoriamente, uma redução – mais uma vez, para salvaguardar a parte mais fraca. 
 
18.2. Conversão 
 
A conversão está prevista no art. 293º CC. Aqui, questiona-se se, uma vez anulado o negócio, 
se pode reconstituir um outro negócio jurídico a partir dos elementos do negócio inválido. 
 
Exemplo: A e B celebram um negócio e esse negócio é invalido, mas tem uma série de 
elementos. A partir desses elementos, reconstitui-se um outro negócio jurídico. Transforma-se 
o negócio anulável num negócio de outro tipo contratual, mas este tipo contratual tem de ter 
um resultado económico aproximado, de algum modo, do que era previsto pelos contraentes. 
Se A e B celebraram um contrato de compra e venda de um imóvel por escrito particular, esse 
negócio é nulo por falta de forma, sendo que podemos transformá-lo num contrato-promessa 
de compra e venda. 
 
Aqui, aproveitamos os elementos do negócio nulo e, a partir destes, celebramos um outro 
negócio que nos permite atingir o fim económico que as partes pretendiam. 
 
Há uma outra perspetiva, que é a perspetiva do Dr. Menezes Cordeiro, que nos diz que, se se 
verifica uma falha que determine a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, esta 
conversão pode ser determinada pela interpretação que se faça do negócio jurídico. 
 
Os requisitos para a conversão do negócio jurídico estão presentes no art. 293º CC: 
® A manutenção dos requisitos de forma e substância para a validade do negócio 
subsequente; 
® A prova de que a vontade hipotético-conjuntural das partes aponta no sentido da 
conversão. 
 
Aqui, há uma inversão da lógica subjacente à lógica da redução. Enquanto há sempre uma 
redução – exceto se se vier provar que a vontade hipotético-conjuntural é contrária à redução 
–, aqui, só pode ser haver conversão se se provar realmente uma vontade hipotético-
conjuntural. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
91 
Marta Lima e Silva 
Porém, tal como na redução, há situações em que a conversão pode ser obrigatória, 
designadamente,nas situações em que a boa-fé o imponha. Estas hipóteses são fundamentadas 
pelos arts. 239º e 334º CC. 
 
Haverá situações em que o negócio é totalmente válido e eficaz, produzindo plenamente os seus 
efeitos, mas, não obstante, há um dia em que o contrato termina. 
 
19. Formas de cessação dos efeitos do negócio jurídico: resolução, revogação, 
denúncia e caducidade 
 
As formas de cessação não correspondem à forma mais usual de extinção dos efeitos do negócio 
jurídico. Normalmente, o negócio jurídico extingue-se pelo cumprimento das suas obrigações. 
 
Há determinados negócios jurídicos cuja execução não é instantânea, sendo deferida no 
tempo. Nesta matéria, há muita ambivalência no ordenamento jurídico, dado que se trata de 
uma matéria não suficiente sedimentada pelo legislador, havendo muitas diretivas da UE que 
tiveram de ser transpostas e nem sempre tiveram em conta as características rigorosas, 
acabando por ter resultado em conceitos um pouco impróprios. 
 
® Revogação – implica a cessação dos efeitos do negócio jurídico, com fundamento 
previsto na lei ou em convenção das partes. A revogação extingue o negócio para o 
futuro, tendo eficácia ex nunc, ou seja, apenas tem eficácia para o futuro. 
 
® Resolução – tem os seus efeitos previstos nos arts. 433º e ss., sendo admitida com base 
num fundamento previsto na lei ou em convenção das partes. Os seus efeitos são 
equiparados à nulidade ou anulabilidade, tendo eficácia retroativa. Contudo, a 
retroatividade pode ter exceções, sendo que não haverá retroatividade: 
§ Se esta contrariar as partes; 
§ Se esta contrariar a finalidade da resolução. 
Nos termos do art. 434º/2 CC, nos contratos de execução continuada ou periódica, a 
retroatividade não vai afetar as prestações já efetuadas, dado que, mais uma vez, não é 
possível apagar o uso da coisa. 
 
® Caducidade – ocorre quando ocorre um facto a que a lei atribui eficácia extintiva e 
também só tem eficácia para o futuro (ex nunc) – remissão para o art. 1051º CC; 
 
® Denúncia – traduz-se na faculdade de um contraente de fazer cessar os efeitos do 
negócio, mediante mera declaração, não sendo, em muitos casos, necessário invocar 
para o efeito qualquer fundamento (denuncia ad nutum). Assume importância extrema 
nos contratos de duração indeterminada, de modo a garantir a inexistência de vínculos 
perpétuos que seriam atentatórios da ideia de autonomia privada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
92 
Marta Lima e Silva 
Caso Prático 1 
 
António e Bernardo celebraram um contrato de prestação de serviços. António obrigou-se, 
perante Bernardo, a pintar as paredes de sua casa. Porém, até hoje, António pintou apenas 
metade do apartamento de Bernardo. Bernardo não pagou qualquer preço. António propõe 
uma ação em tribunal para exigir o pagamento da totalidade do preço acordado e Bernardo 
opõe-se. Qual é o argumento que Bernardo pode utilizar para não ser condenado ao pagamento 
da totalidade do preço? 
 
Resolução: 
 
No caso concreto, estamos perante um contrato bilateral ou sinalagmático – ou seja, integrado 
por pelo menos duas declarações de vontade de sentido oposto, mas convergente –, o que faz 
com que surjam obrigações para ambas as partes. Não são fixados prazos para António e 
Bernardo cumprirem as suas obrigações. 
 
É importante mencionar que o contrato é bilateral porque existem alguns institutos que são 
privativos destes contratos bilaterais, designadamente, a exceção de não cumprimento do 
contrato (art. 428º CC). Segundo esta, o Bernardo tem a faculdade de recusar prestar a sua 
prestação enquanto o António não efetuar prestação que lhe cabe. 
 
Caso Prático 2 
 
António combinou com Bernardo deixar o seu computador em casa do último, a troco do 
pagamento de 100€, durante o tempo em que estivesse no Brasil. Bernardo obrigou-se a guardar 
o computador e a efetuar as atualizações necessárias. Acontece que António não chegou a 
deixar o computador com Bernardo. Bernardo vem exigir o pagamento do preço acordado. Quid 
Iuris? 
 
Resolução: 
 
In casu, a primeira coisa a fazer é ver a classificação dos negócios jurídicos. Quanto à sua 
constituição, os negócios jurídicos podem ser consensuais ou reais: 
® Em regra, os negócios jurídicos são consensuais – são aqueles em que são apenas 
necessárias as declarações de vontade: a proposta e a aceitação. 
® Por seu turno, os negócios reais constituem a exceção – são aqueles em que, para além 
das declarações de vontade, também é necessário um ato material de entrega. Sendo 
uma exceção, existem poucos contratos reais: são eles o depósito (art. 1185º CC), o 
comodato (art. 1129º CC), o mútuo (art. 1142º CC), o penhor (art. 666º CC) e a doação 
de coisas móveis não celebrada por escrito (art. 947º/2 CC). 
 
• Nota: quando se fala em contratos consensuais, pode estar-se a falar de contratos 
consensuais quanto à constituição ou quanto aos efeitos – importa mencionar isto num 
exame. 
 
No caso concreto, estamos perante um contrato de depósito (art. 1185º CC), que é um contrato 
real quanto à constituição. Para estar perfeito, para além do consenso, é precisa a entrega da 
coisa. Antes da entrega, o contrato não está formado – logo, não surgem quaisquer obrigações. 
In casu, houve acordo de vontades, mas não houve entrega da coisa. Acontece que, no entanto, 
a maioria da doutrina vem questionar a utilidade do requisito da entrega, afirmando que este é 
“um mero resquício do direito romano”. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
93 
Marta Lima e Silva 
 
Então, pode o depósito ser qualificado como um contrato consensual, dispensando a entrega 
da coisa? Esta questão é bastante debatida na doutrina. Aos olhos do Dr. Pedro Mendes, de 
acordo com o princípio da liberdade contratual, é possível admitir que o depósito seja celebrado 
como um contrato consensual. 
 
Quanto a celebrar o contrato real como um contrato consensual, a doutrina propõe duas 
soluções diferentes: 
 
1) Alguns autores vêm dizer que: se não existe contrato de depósito por falta da entrega, 
então, vai converter-se o contrato num contrato-promessa de depósito. Nesta situação, 
se houver um contrato-promessa de depósito, uma vez que não houve depósito (o 
António não deixou o computador com Bernardo), há um incumprimento. 
 
 
 
Se assim for, é possível recorrer à execução específica. A execução específica consiste em 
recorrer ao tribunal para que este se substitua a uma pessoa para proferir uma determinada 
declaração. 
 
Nota: é esta a posição que se utiliza na prática, apesar de o Dr. Pedro Mendes não concordar. 
 
2) Outros autores vêm dizer que não é necessário fazer conversão de negócio, afirmando 
que basta haver as declarações de vontade (o acordo) para o negócio ser celebrado e 
estar perfeito, a não ser que as partes só se quiserem vincular com a entrega. Aqui, os 
autores presumem que os contratos são consensuais – sendo que só serão reais se as 
partes assim o acordarem. 
 
 
Apesar de concordar com a não necessidade de fazer conversão de negócio, o Dr. Pedro Mendes 
não concorda com a presunção de contrato consensual. Para ele, tem de se presumir que os 
contratos são reais quanto à sua constituição porque o Código assim o diz. Contudo, se as partes 
o quiserem como consensual, o contrato é consensual. 
 
In casu, uma vez que o enunciado nada indica em relação à vontade das partes sobre celebrar o 
contrato como consensual ou como real, em princípio, o Bernardo receberá o pagamento 
acordado, tal como exigiu. 
 
Caso Prático 3 
 
Durante o tempo a residir em Lisboa, António tomou de arrendamento o R/C de uma habitação. 
No documento que formalizou o contrato, ficou escrito que o andar arrendado era o R/C. No 
entanto, enquanto o António lhe atribuiu o sentido de andar térreo, Bernardo atribuiu-lhe o 
sentido de primeiro andar. O contrato é válido em relação ao andar térreo ou ao primeiro andar? 
 
Resolução: 
 
Quanto à interpretação e integração dos negócios jurídicos existem as teorias subjetivistas– 
que advogam que o negócio jurídico vale de acordo com a vontade real do declarante – e as 
teorias objetivistas – que afirmam que o negócio jurídico vale de acordo com o sentido que é 
exteriorizado através de elementos objetivos. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
94 
Marta Lima e Silva 
 
Dentro das teorias objetivistas, existe uma que se destaca: a teoria da impressão do 
destinatário (art. 236º CC). Segundo esta teoria, a declaração negocial vale com o sentido que 
um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, teria atribuído àquela 
declaração. 
 
In casu, o contrato será válido de acordo com o sentido que lhe foi atribuído por António. 
 
Caso Prático 4 
 
Em março de 2021, António, divorciado, declarou vender a Beatriz, com quem cometera 
adultério, um apartamento. O negócio foi celebrado por escritura pública e, com o negócio, 
ambos pretenderam encobrir uma doação, tendo em conta que o seu objetivo era enganar 
Carlos. Qual é o valor dos negócios celebrados? 
 
Resolução: 
 
Aqui, estamos perante uma divergência intencional entre a vontade e a declaração porque a 
vontade de António e Beatriz era celebrar um contrato de celebração e declararam celebrar um 
contrato de compra e venda. 
 
A simulação (art. 240º CC), para além de pressupor esta divergência intencional entre a vontade 
e a declaração, pressupõe também o intuito de enganar terceiros. In casu, a intenção de António 
e Beatriz era, de facto, enganar Carlos. 
 
As simulações podem ser: 
® Inocentes – quando há intenção de enganar terceiros; 
® Fraudulentas – quando, para além da intenção de enganar, há intenção de prejudicar 
terceiros. 
 
As simulações podem ainda ser: 
® Relativas – quando, por trás do negócio simulado, existe um negócio real; 
® Absolutas – quando não existe qualquer negócio real por trás do negócio simulado. 
 
Nos termos do art. 240º/2 CC, o negócio simulado é nulo, sendo que a nulidade pode ser 
invocada a todo o tempo por qualquer interessado (art. 286º CC) e pode ser declarada 
oficiosamente pelo tribunal. 
 
• Nota: remissão do art. 240º/2 para o art. 286º CC. 
 
In casu, está em causa uma situação de adultério. Porém, esta situação não resulta em qualquer 
nulidade que poderia afetar os negócios celebrados porque o António é divorciado. 
 
Quanto ao negócio dissimulado (real), desde que respeite determinados requisitos formais, o 
negócio pode ser válido independentemente da (in)validade do negócio simulado. Quanto a 
este aspeto: 
 
® Os autores menos exigentes afirmam que bastam as exigências da forma (art. 875º CC) 
estarem cumpridas quanto ao negócio simulado para o negócio dissimulado retirar a 
validade formal do negócio simulado; 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
95 
Marta Lima e Silva 
In casu, o negócio simulado é válido quanto à forma. Foi celebrado por escritura pública e, 
portanto, está perfeito. Então, segundo estes autores, o negócio dissimulado aproveitaria da 
validade formal do negócio simulado. 
 
® Os autores mais exigentes vêm dizer que, para além disto, é ainda necessário que exista 
uma contradeclaração que contenha a vontade real dos intervenientes (declarante e 
declaratário). Mais, esta contradeclaração tem de revestir forma legal. 
 
In casu, não houve qualquer contradeclaração que mostrasse a vontade real dos intervenientes 
nem que revestisse a forma de escrito particular autenticado ou escritura pública. Então, para 
estes autores, o negócio não seria válido. 
 
Note-se que, quando existe a simulação de preço, a doutrina e a jurisprudência são unânimes 
numa coisa: nesses casos, não é necessária a contradeclaração. 
 
• Nota: no exame, temos de mencionar as duas opções (a dos autores mais exigentes e a 
dos autores menos exigentes), invocando o art. 441º CC – de onde partem estas duas 
interpretações. 
 
Caso Prático 5 
 
O António e o Bernardo estão a negociar a venda de um computador. Acordaram entre si que 
Bernardo tinha de responder à proposta num prazo de 15 dias sob pena de a proposta se 
considerar aceite. António contratou Xavier para controlar Bernardo durante três semanas. 
Xavier raptou Bernardo, atou-o numa cadeira e nunca o deixou contactar o exterior. Bernardo, 
nunca tendo respondido a António, deu o negócio por celebrado. Será verdade? 
 
Resolução: 
 
Quanto ao acordo entre Bernardo e António sobre o silêncio valer como aceitação da proposta, 
pode dizer-se que tal é válido e legal nos termos do art. 218º CC. 
 
Contudo, há aqui um caso de coação física/absoluta porque Bernardo foi transformado num 
mero autómato. As consequências da coação física/absoluta estão previstas no art. 246º CC, 
mas existem divergências doutrinas quanto a este aspeto: 
® Para os autores de Lisboa, se houver coação física, o negócio é considerado nulo; 
® Nós, por oposição, consideramos uma outra categoria: a inexistência do negócio – 
justamente porque nem sequer existe vontade da parte do declarante. Isto é bastante 
importante porque, ao contrário da nulidade – em que ainda pode haver lugar, p.e., à 
proteção de terceiros nos termos do art. 291º CC –, a inexistência não gera efeitos e o 
art. 291º não se aplica quando o negócio é inexistente. 
 
In casu, tendo em conta que houve lugar a coação física/absoluta, o negócio considera-se 
inexistente. 
 
Caso Prático 6 
 
António declarou doar ao seu melhor amigo Bernardo um automóvel, quando a sua real 
intenção não era doar. António teve este ato para ajudar Bernardo a sair da sua profunda 
depressão. Passado um ano, Bernardo recuperou e vem agora exigir a entrega do automóvel. 
Quid Iuris? 
Teoria Geral do Direito Civil II 
96 
Marta Lima e Silva 
 
Resolução: 
 
Aqui, está em causa uma divergência intencional entre a vontade e a declaração, porque 
António disse a Bernardo que lhe iria doar um automóvel, mas, na realidade, ele não tinha 
intenção de o fazer, sendo apenas um meio que usou para tentar que o amigo saísse da 
depressão. António teve, então, a intenção de enganar Bernardo. 
 
Isto não é uma simulação absoluta porque não existe um conluio entre as partes (declarante e 
declaratário). 
 
Em causa está uma reserva mental, que pode ser: 
® Fraudulenta ou inocente; 
® Absoluta ou relativa; 
® Unilateral ou bilateral. 
 
O art. 244º CC fala sobre o valor da reserva mental. Contudo, há que ter em conta que, neste 
caso, António teve a intenção de auxiliar Bernardo. Nesta medida, questiona-se se o negócio 
deve ser (ou não) considerado nulo. Ora, quando se trata de uma reserva mental com o intuito 
de auxiliar, o negócio vai considerar-se nulo atendendo ao requisito da cognoscibilidade. 
 
 
 
Se o negócio for cognoscível, é considerado nulo. Considerando-se o negócio nulo, haveria 
direito a indemnização por interesse contratual negativo. Ou seja, teria de se colocar Bernardo 
na situação em que estaria se não houvesse negócio. No entanto, a lei não consagra esta solução 
e, portanto, recorre-se ao art. 244º CC. 
 
• Nota: a reserva mental não costuma sair em exames escritos, mas é provável que seja 
perguntada em oral. 
 
In casu, tendo em conta que António teve a intenção de enganar Bernardo com o intuito de o 
auxiliar e deduzindo que o negócio era cognoscível (tendo em conta que o “homem médio” teria 
percebido a intenção de António), pode dizer-se que o negócio se considera nulo e que, por isso, 
Bernardo já não teria direito a exigir a entrega do automóvel. 
 
Caso Prático 7 
 
António, empresário de renome, estava a assinar diversas cartas para endereçar as boas festas 
aos seus clientes quando, sem se aperceber, assinou uma carta que correspondia a aceitação de 
uma proposta negocial. Bernardo recebeu essa carta – que continha a aceitação – e começou a 
enviar vários sacos de batatas para o estabelecimento comercial de António, exigindo agora o 
pagamento. António recusa-se a efetuar o pagamento. Quid Iuris? 
 
Resolução: 
 
Em causa está a falta de consciência da declaração. Existe falta de consciência da declaração 
quando o declarante emiteuma declaração negocial sem consciência do que está a fazer. Ou 
seja, há uma divergência entre a vontade (o que o declarante quer) e a declaração (o que o 
declarante diz/assina). Trata-se de um comportamento voluntário que, no entanto, não é 
acompanhado da consciência de que se está, de facto, a realizar uma declaração. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
97 
Marta Lima e Silva 
 
Nos termos do art. 246º CC, a consequência para a falta da consciência da declaração é a 
nulidade, sendo que importa notar que existem dois interesses em conflito: 
® Pode realçar-se/proteger-se a vontade de António; 
® Pode realçar-se/proteger-se a confiança de Bernardo. 
 
Então, o nosso Código coloca mais peso na vontade do que na confiança. No entanto, no caso 
de haver culpa, existe um direito à indemnização. Contudo, relativamente à indemnização, não 
existe unanimidade: 
® Há autores que afirmam que os danos indemnizáveis são os danos emergentes do 
interesse contratual negativo, ou seja, colocando Bernardo na situação em que estaria 
caso não tivesse celebrado o negócio – esta é a posição do curso; 
® Um outro autor – o Dr. Menezes Cordeiro – advoga que não se deve limitar a 
indemnização ao interesse contratual negativo, devendo-se incluir todos os danos; 
® Outros autores afirmam que o que aqui está em causa não é a divergência entre a 
vontade e a declaração, mas sim a imputabilidade da declaração ao declarante. Estes 
autores propõem uma redução teleológica/uma interpretação corretiva, dizendo que a 
consciência íntima de cada um não importa para o direito. Nesta medida, quando o art. 
se refere a “falta de consciência da declaração”, estaria a falar de consciência aparente 
– ou seja, aquela de que o declaratário se poderia aperceber. Então, em regra, o negócio 
é válido. Só não será válida a declaração se a falta da consciência da declaração for de 
tal forma aparente que um declaratário normal, diligente e sagaz, colocado nas 
circunstâncias do real declaratário, se teria apercebido desta falta de consciência. 
 
In casu, tendo em conta a posição do curso, o negócio seria nulo, mas Bernardo teria direito a 
uma indemnização pelo interesse contratual negativo. 
 
Caso Prático 8 
 
António publica um artigo no jornal dizendo “vendo apartamento com quatro assoalhadas, três 
casas de banho e cozinha por 350.000€”. Bernardo telefona a António e diz “aceito comprar a 
casa pelos 350.000€”. Contudo, António informa-o que, entretanto, já tinha vendido o 
apartamento a Catarina. Quid Iuris? 
 
Resolução: 
 
A declaração de António traduz-se num convite a contratar porque, desde logo, foi dirigida a 
um número indefinido de pessoas, reservando António, para si, a última palavra em matéria de 
contratação. Para além disso, a declaração de António não reveste a forma legalmente exigida 
e, portanto, nunca poderia ser uma verdadeira proposta. 
 
Sendo que estamos perante um convite a contratar, o telefonema de Bernardo traduz-se numa 
proposta negocial. Portanto, só haveria negócio se António aceitasse a proposta de Bernardo – 
o que não aconteceu. 
 
1) Imagine-se que António e Catarina celebraram este negócio de compra e venda por 
escrito particular porque celebraram, simultaneamente, um acordo nos termos do qual 
prescindiam da escritura pública para a compra e venda do apartamento. Quid Iuris? 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
98 
Marta Lima e Silva 
Os pactos determinativos da forma só podem estabelecer uma forma mais exigente do que 
aquela que o legislador estabelece, porque os artigos respeitantes à forma são imperativos, não 
podendo ser afastados por mero acordo das partes. 
 
Caso Prático 9 
 
António coloca à venda um lote de ações da Sociedade X. Miguel pretende comprá-las para se 
tornar sócio maioritário. Sabendo, porém, que António nunca lhas venderia, combina com Pedro 
que este deve adquiri-las para, depois, lhas transmitir. Para tanto, Miguel entrega a Pedro uma 
avultada quantia de dinheiro. António descobre, hoje, que as ações são propriedade de Miguel. 
 
1) Pode Miguel desvincular-se? 
 
Tendo em conta que não há aqui qualquer simulação e que se trata de uma interposição real de 
pessoas – e não de uma interposição fictícia de pessoas – o Miguel não se pode desvincular. 
 
2) Pode António desvincular-se? 
 
Tendo em conta que não há aqui qualquer simulação, qualquer divergência entre a vontade da 
declaração ou qualquer vício da vontade, o António não se pode desvincular. Não se pode 
invocar aqui qualquer erro sobre a pessoa do declaratário porque essa pessoa é efetivamente o 
Pedro. Também não haveria lugar a dolo omissivo porque não está presente qualquer dever de 
esclarecimento. 
 
A única via que poderia ser possível para que António se desvinculasse seria invocar um erro 
sobre a qualidade da pessoa do declaratário no sentido de que Pedro estaria a funcionar como 
mandante do Miguel e não por sua própria conta. Contudo, à partida, não haveria forma de 
António se desvincular. 
 
Caso Prático 10 
 
Carlos vendeu a Pedro, filho da sua mulher Filipa, um apartamento e um automóvel. Sabendo 
que estes eram os únicos bens que integravam o seu património, diga se os filhos de Carlos 
podem reagir contra o negócio, tendo em conta que ele nunca teve intenção de receber o 
dinheiro. 
 
Resolução: 
 
Este negócio pode ser qualificado como uma simulação, porque aquilo que Carlos e Pedro dizem 
não corresponde àquilo que querem dizer, sendo que essa divergência intencional resulta de 
um acordo entre eles. 
 
Neste caso, o negócio pode prejudicar os filhos de Carlos – designadamente, enquanto herdeiros 
legitimários no futuro –, mas exige-se, nos termos do art. 242º CC, que, para que eles tenham 
legitimidade para, durante a vida do simulador, arguir a nulidade do negócio simulado, tenha 
havido intenção de os prejudicar. Portanto, eles só poderiam reagir contra o negócio se o 
objetivo de Carlos fosse justamente o de impedir que eles se tornassem titulares da propriedade 
sobre aqueles bens. 
 
No entanto, após a morte de Carlos, os filhos podem reagir contra o negócio enquanto herdeiros 
do simulador, podendo fazê-lo a todo o tempo (a nulidade pode ser arguida a todo o tempo). 
Teoria Geral do Direito Civil II 
99 
Marta Lima e Silva 
 
Caso Prático 11 
 
António declara vender e Bernardo declara comprar a fração de um prédio sujeito ao regime da 
propriedade horizontal. António e Bernardo não tinham qualquer intenção de transmitir o 
imóvel e apenas quiseram criar as condições favoráveis à obtenção de um crédito à habitação 
por parte de Bernardo. Pronuncie-se sobre a validade deste negócio. 
 
Resolução: 
 
Neste caso, estamos perante uma simulação. Há uma divergência intencional entre a vontade e 
a declaração que resulta de um acordo entre declarante e declaratário e que tem como objetivo 
enganar terceiros. 
 
Um caso análogo a este foi objeto de uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de 
maio de 2009. O Tribunal, a este propósito, veio dizer que o engano não era relevante. Para que 
o engano fosse relevante, segundo a Relação de Lisboa, era necessário que produzisse efeitos 
ao nível dos interesses englobados na esfera jurídica dos terceiros. Considerou, portanto, que 
aqui não haveria uma simulação relevante. 
 
Parece à Dra. Mafalda que esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa é criticável, por dois 
aspetos: 
® Não é de todo indiferente para um banco saber que o seu cliente é proprietário de um 
imóvel ou não, para efeitos de avaliação de risco; 
® O legislador não exige, para que a simulação seja relevante, que ela tenha intenção de 
prejudicar – basta que haja a intenção de enganar. 
 
Então, in casu, parece que, de facto, devemos considerar que há simulação relevante e, 
portanto, o negócio seria nulo. 
 
Caso Prático 12 
 
António vende a Bernardo um faqueiro que julgava ter sido fabricado no séc. XVII. 
 
1) Descobrindo Bernardo que o faqueiro foi fabricado já no séc. XXI, sendo uma réplica de 
uma antiguidade, podedesvincular-se? 
 
Estamos perante uma situação de erro vício. Para que o erro vício releve, têm de estar 
preenchidos dois requisitos gerais: 
® O erro tem de ser essencial, sendo que é essencial quando é determinante da vontade 
de celebrar o negócio (sem o erro, o negócio jamais teria sido celebrado); 
® O erro tem de ser próprio, sendo que é próprio quando não incidir num elemento legal 
de validade do negócio. 
 
In casu, ambos os requisitos estão preenchidos. O erro incide sobre o objeto do negócio, sendo 
que, nos termos do art. 251º com remissão para o art. 247º CC, é necessário que a contraparte 
(António) conhecesse ou devesse conhecer a essencialidade do elemento sobre qual incidiu o 
erro – neste caso, é o objeto do negócio. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
100 
Marta Lima e Silva 
O António tinha de saber ou, pelo menos, ser-lhe-ia exigível que soubesse que, para o Bernardo, 
não era indiferente comprar um faqueiro no séc. XXI ou no séc. XVII. Pelo enunciado não 
sabemos, pelo que deixamos a questão em aberto. 
 
Caso este requisito fosse provado, então, a consequência seria a anulabilidade do negócio. 
Quem poderia arguir esta anulabilidade seria o errante (Bernardo) no prazo de um ano a contar 
do momento em que descobre o erro. 
 
2) A solução seria a mesma se Bernardo estivesse disposto a comprar o faqueiro por 
apenas 1000€ e não por 7000€? 
 
Neste caso, o erro continua a incidir sobre o mesmo elemento: o objeto do negócio. A diferença 
é que este erro não foi determinante da vontade de celebrar o negócio, mas foi determinante 
dos termos em que o negócio foi celebrado. Então, este erro não é essencial, mas sim incidental. 
 
A consequência da verificação de um erro incidental é a modificação do negócio. Contudo, se 
não for possível determinar em que termos é que o negócio foi celebrado ou se a contraparte 
vier provar que, naqueles novos termos, ela é que não teria celebrado o negócio, pode não haver 
lugar à modificação do negócio – aplica-se, por analogia, o problema da redução do negócio 
(art. 292º CC). 
 
3) Imagine que António descobre que o faqueiro foi efetivamente fabricado no séc. XVII, 
mas que o seu valor de mercado é, no mínimo, de 15.000€. Quid Iuris? 
 
O erro sobre o preço não é relevante, não configurando um erro sobre o objeto. O erro incide 
sobre o valor de mercado e, portanto, não é relevante. António nada poderia fazer porque isto 
se trata apenas de um problema de risco negocial. 
 
Caso Prático 13 
 
Ana escreve a Benedita, dizendo “no dia do teu casamento, dou-te todos os meus anéis”. 
Benedita responde, dizendo “aceito, obrigada”. Ana entrega a Benedita todos os seus anéis, 
exceto aquele que tem um valioso relógio incorporado. Não o faz porque acha que se trata de 
um relógio e não de um anel. Benedita contesta. Quem terá razão? 
 
Resolução: 
 
O problema que se coloca é o de saber como compreender o negócio. Integra apenas os anéis 
ou integra também o relógio? Como se interpreta o negócio jurídico? O problema está na 
interpretação do negócio jurídico. 
 
O negócio jurídico interpreta-se de acordo com a impressão do declaratário. Portanto, ele vale 
com o sentido que o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa 
deduzir do comportamento do declarante (art. 236º CC). 
 
Contudo, in casu, este critério não nos deixa esclarecidos, pelo que vamos ter de recorrer ao art. 
237º CC, que nos ajuda a resolver casos duvidosos. Nos termos deste preceito, interpreta-se o 
negócio no sentido que for mais favorável ao disponente – ou seja, à Ana. Então, a Ana poderá 
ficar com o relógio e o negócio apenas diz respeito ao conjunto dos anéis. 
 
Caso Prático 14 
Teoria Geral do Direito Civil II 
101 
Marta Lima e Silva 
 
Eduardo faleceu em 2016, tendo deixado como únicos herdeiros os seus filhos Francisco e Maria. 
Em fevereiro de 2017, estes partilharam a herança de Eduardo pensando que valia 150.000€. 
Francisco ficou com um automóvel e alguns bens móveis e Maria recebeu um terreno. Em junho 
de 2018, Maria descobriu que, em janeiro de 2017, o terreno já valia muito menos porque estava 
prevista a sua expropriação. Pode Maria impugnar o negócio de partilha? 
 
Resolução: 
 
Haveria aqui uma alteração superveniente das circunstâncias se o terreno tivesse passado a 
valer muito menos depois de o negócio de partilha ser celebrado. Contudo, no momento da 
celebração, ele já valia muito menos do que aquilo que eles achavam que valia. 
 
Nesta medida, trata-se aqui de um erro vício sobre a base do negócio, porque é um erro que 
incide sobre determinadas circunstâncias que a Maria e o Francisco tiveram em conta no 
momento da celebração do negócio, que foram determinantes do modo como celebraram o 
negócio e que o Francisco não poderia deixar de ter em conta de acordo com a boa fé, na 
celebração desse mesmo negócio. 
 
O erro é essencial, é próprio e incide sobre a base do negócio, o que significa que estão 
verificados os requisitos gerais de relevância do erro e que vamos ter de aplicar o art. 252º/2, 
que nos diz que se aplica o regime da alteração superveniente das circunstâncias. Portanto, 
somos remetidos para o art. 437º CC. 
 
Contudo, a remissão do art. 252º/2 para o art. 437º é apenas uma remissão parcial, porque nos 
remete apenas para a hipótese da norma – ou seja, ao art. 437º apenas se vai buscar a noção de 
base do negócio. A consequência é a anulabilidade do negócio, sendo que quem a pode arguir 
é o errante (Maria) dentro do prazo de um ano a contar da cessação do vício (junho de 2018). 
 
Então, in casu, hoje, já passou mais de um ano e, portanto, não é possível a Maria vir arguir a 
anulabilidade do negócio de partilha. O negócio é, portanto, válido – sanou-se a anulabilidade. 
 
Caso Prático 15 
 
Em março de 2020, Carlos escreveu a Daniel, seu amigo e dono de uma empresa de aluguer de 
automóveis, pedindo-lhe que pusesse, à sua disposição, uma viatura familiar durante 15 dias no 
mês de maio. Ao escrever a Daniel, Carlos apenas teve em mente a hipótese daquele lhe 
dispensar gratuitamente o automóvel, pelo que nem sequer fez referência a um aluguer. Em 
maio de 2020, um funcionário de Daniel entregou a Carlos um Mercedes Classe E, tendo Carlos 
devolvido o mesmo no dia 15. Uma semana depois, Carlos recebeu uma conta relativa ao 
aluguer do veículo. Recusa-se, porém, a pagar, com o argumento de que não tinha celebrado 
um contrato de aluguer. Pode Daniel exigir a Carlos o pagamento? 
 
Resolução: 
 
Estamos perante um erro vício sobre o objeto do negócio. Então, aplica-se o art. 251º CC, que 
nos remete para o art. 247º. Portanto, para além de o erro ter de ser essencial e próprio (como 
todos os erros), a essencialidade sobre a qual incide o erro terá de ser cognoscível pela 
contraparte. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
102 
Marta Lima e Silva 
Então, será exigível ao Daniel saber que, para o Carlos, não é indiferente que se trate de um 
comodato ou que se trate de um aluguer. 
 
Caso Prático 16 
 
António anuncia no jornal que tem vários ratos para vender. Bernardo, que precisava de ratos 
para as suas experiências de laboratório, envia 150€ e encomenda 30 ratos. Dez dias depois, 
António entrega no laboratório de Bernardo 30 ratos de computador. Quid Iuris? 
 
Resolução: 
 
António emitiu um convite a contratar e Bernardo, ao responder a António, emitiu uma 
proposta, que António aceita. Bernardo, ao fazer a proposta, diz uma coisa, mas quer dizer 
outra. Ele está a propor comprar 30 ratos de computador quando, na realidade, quer comprar 
30 ratos de laboratório. Temos, aqui, então, um erro na declaração ou erro obstáculo. 
 
Caso Prático 17 
 
António celebrou um testamento em que instituiu herdeiro de toda a quota disponível 
Bernardo, seu filho, em detrimento dos restantes filhos. Os outros filhos vieram, depois, invocar 
que, no momento da celebração do negócio, António estava incapaz de entender o sentido da 
declaração, caracterizando o seu estado por senilidade,abalo mental, falta de consciência das 
coisas, comportamentos agressivos, atirando coisas pela janela, puxando cortinados, despindo-
se à frente de outras pessoas, etc. Qual o valor do negócio? 
 
Resolução: 
 
Neste caso, estamos perante uma situação de incapacidade acidental. A este propósito, houve 
uma decisão do Tribunal da Relação do Porto em 19 de dezembro de 2012. 
 
Note-se que, tratando-se de um testamento, não se aplica, no caso da incapacidade acidental, 
o artigo genérico da incapacidade acidental, mas sim o art. 2199º CC. Nos termos deste preceito, 
como o testamento é um negócio jurídico unilateral e é um negócio que está fora do comércio 
jurídico por ser um negócio mortis causa, não se exige o requisito da anulabilidade da 
incapacidade acidental porque não há, aqui, expectativas de nenhuma contraparte dignas de 
tutela. Portanto, basta a verificação da incapacidade acidental para que o testamento seja 
considerado anulável. 
 
A discussão que houve na jurisprudência foi a de saber se estamos aqui perante uma situação 
de incapacidade acidental ou perante uma hipótese mais grave de falta de consciência da 
declaração, sendo que o mesmo problema foi discutido num acórdão do Tribunal da Relação de 
Lisboa de 10 de abril de 2014. 
 
 
Em causa estava um acordo de revogação de um contrato de arrendamento, em que o sujeito 
tinha tido uma hemorragia cerebral. Como tal, ele não estava em condições de entender o 
alcance do seu ato. Entendeu-se, aí, que estaria em causa a falta de consciência da declaração. 
 
Então, qual é o critério para distinguir as duas situações? 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
103 
Marta Lima e Silva 
® Para haver falta de consciência da declaração é porque não existe vontade de 
declaração – a pessoa não se apercebe que o seu comportamento tem valor de 
declaração negocial; 
® Nas hipóteses de incapacidade acidental, a pessoa tem consciência da natureza 
declarativa do seu comportamento – o que ela não entende é o alcance ou impacto 
daquele ato ou, então, não consegue determinar a vontade de acordo com esse 
entendimento. 
 
Caso Prático 18 
 
António e Benedita viveram 23 anos em união de facto. António adquiriu uma fração autónoma 
sujeita ao regime da propriedade horizontal (um apartamento). No decurso da união de facto, 
António vendeu metade da fração a Benedita, sob ameaça de que, se não o fizesse, esta o 
abandonaria. Hoje, desfeita a união de facto, António quer reaver a propriedade total sobre o 
apartamento. Quid Iuris? 
 
Resolução: 
 
Os meios que Benedita utilizou para prosseguir os seus fins são ilegítimos, o que faz com que a 
sua ameaça seja ilícita. A ameaça integra-se no problema da coação moral, sendo que, para 
haver coação moral, a declaração foi emitida com base no receio de um mal com que o sujeito 
foi ilicitamente ameaçado, com vista a extorquir dele uma declaração negocial. 
 
Há duas vias para que a ameaça seja ilícita: 
® Os meios utilizados são, em si mesmo, ilícitos – o que não é o caso; 
® É ilegítimo prosseguir aquele fim através daqueles meios – o que é o caso. 
 
In casu, estamos perante uma ameaça ilícita para efeitos de coação moral e, portanto, se se 
verificarem os outros pressupostos da coação moral – designadamente, se a coação for principal 
ou essencial –, então, o negócio vai ser considerado anulável. Quem pode arguir a anulabilidade 
é aquele que foi coagido (António) no prazo de um ano a contar da cessação do vício, ou seja, a 
contar do momento em que a ameaça deixa de surtir efeito (a partir do momento em que a 
união de facto se desfaz). 
 
Caso Prático 19 
 
António, estudante da Faculdade de Direito, encontra-se a beber finos no Cartola com os seus 
amigos Bernardo, Carlos e Daniel. António diz para Bernardo que é tão rico que lhe vai vender o 
seu carro por 5€. Todos na mesa se começam a rir. Bernardo diz que compra o carro por 5€. No 
outro dia, Bernardo entrega 5€ a António e exige-lhe que este lhe entregue o carro. Note-se que 
nenhum dos quatro amigos estavam alcoolizados. Quid Iuris? 
 
Resolução: 
 
Estamos perante uma declaração não séria, que se traduz numa divergência entre a vontade e 
a declaração, por parte de António, que foi intencional, mas que não visa enganar ninguém. 
António não quis enganar o seu amigo Bernardo, porque tem a expectativa de que Bernardo 
saiba da não seriedade da declaração. Segundo o art. 245º CC, a declaração não séria carece de 
qualquer efeito. 
 
1) Imagine que António percebeu que aquela brincadeira foi tomada a sério. Quid Iuris? 
Teoria Geral do Direito Civil II 
104 
Marta Lima e Silva 
 
Neste caso, já não se trata de uma declaração não séria, mas sim de uma reserva mental. Se 
António conhecia que Bernardo levou a brincadeira a sério e não o esclareceu de imediato, era 
porque o estava efetivamente a enganar. 
 
Caso Prático 20 
 
Por carta datada de março de 2021, Pedro propôs a Rita a venda de 2000 mil pares de sapatos. 
Devido a um erro tipográfico, definiu um preço de 4€ por cada par, em vez de 5€ – preço este 
presente em catálogos que Rita também tivera visto. Estará Pedro vinculado à venda dos 2000 
mil pares de sapatos a 4€ por cada par? 
 
Resolução: 
 
Aqui, existe uma divergência inconsciente entre a vontade e a declaração. A vontade que Pedro 
declarou é uma e a vontade real do Pedro é outra. A diferença entre o que se diz e o que se quer 
dizer pode resultar de um erro de linguagem, um erro mecânico ou um erro de juízo. 
 
Para o negócio ser anulável, é preciso que se verifique um requisito: o conhecimento ou a 
cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro. In casu, este 
requisito parece estar preenchido. 
 
Quem pode arguir a anulabilidade são as pessoas em cujo interesse a lei estabelece. In casu, é 
Pedro que pode arguir a anulabilidade, no prazo de um ano a contar da cessação do vício (art. 
287º CC), ou seja, a partir do momento em que descobre o engano. 
 
Contudo, o negócio não é sempre anulável. É possível que este negócio ainda fosse válido se a 
Rita aceitasse comprar os sapatos ao preço que Pedro realmente queria, ou seja, a 5€ cada par. 
 
O erro tem de ser desculpável. Contudo, o Dr. Menezes Cordeiro pensa diferente, dizendo que, 
se o erro não for desculpável, não está impedida a arguição da anulabilidade, apesar de se 
poderem tornar mais difíceis estes requisitos. 
 
 
 
O Dr. Mota Pinto afirma que esta solução é demasiado benevolente para aquele que errou, 
afirmando que parece que o negócio é sempre anulável quando o errante erra, não se tutelando 
a confiança da contraparte. Diz este autor que, nos casos de erro na declaração que lesem os 
interesses do declaratário em grande injustiça (ou seja, quando não é viável aplicar-se o art. 
247º CC), há apenas uma válvula de escape: o art. 334º CC – o abuso de direito. 
 
Caso Prático 21 
 
António quer comprar a Bernardo um computador verde, mas Bernardo sabe que António 
queria um computador vermelho. Quid Iuris? 
 
Resolução: 
 
In casu, apesar de haver um erro na declaração, o negócio é válido, nos termos do art. 236º, pois 
vale de acordo real de António e não da vontade declarada. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
105 
Marta Lima e Silva 
Caso Prático 22 
 
O comerciante de selos José encarregou o empregado Carlos de apresentar a António uma 
coleção de selos que tinha à venda. Carlos assim o fez, mas não lhe apresentou a lista de preço 
estabelecidos por José. Pelo contrário, referiu preços mais baixos por achar que José era muito 
ganancioso e por achar que António era um pobre coitado. António ligou a José, declarando 
comprar toda a coleção de selos sem se referir ao preço. 
 
a) Estará José vinculado? 
 
Estamos perante um erro na transmissão da declaração, que consta no art. 250º CC. Nos termos 
do nº2 do mesmo preceito, se houver dolo na transmissão de um intermediário, a declaração é 
sempre anulável. In casu, parece ter havido dolo do intermediário. Então, a declaração vai ser 
anulável semO que caracteriza em conjunto estes negócios de pura obsequiosidade e os acordos de 
cavaleiros é o facto de existir em qualquer um deles a intenção de produzir 
determinados efeitos práticos sem qualquer intenção de vinculação. Se eu apenas 
caracterizar um negócio jurídico por referência aos efeitos práticos, eu não consigo 
distinguir claramente o negócio jurídico destes outros acordos da vida social. 
 
2) Os efeitos práticos podem ser obtidos por mais do que uma via jurídica e cabe às 
partes que celebram o negócio saber qual dessas vias jurídicas pretendem seguir. Mais 
do que isso, às vezes, há discrepâncias entre o efeito prático que se pretende obter e a 
via jurídica que se lança para obter esse efeito prático. 
 
Exemplo: eu posso lançar uma procuração que visa conferir poderes de representação 
a um determinado sujeito e, depois, lançar mão dessa procuração para obter a garantia 
de um crédito. 
 
Exemplo: eu posso lançar mão de um contrato de compra e venda para obter o mesmo 
efeito prático que obteria com uma doação – basta que, para tanto, o preço seja 
simbólico: ao vender um automóvel por 100 euros, estarei a gerar aquele benefício que 
é incito às doações. 
 
Uma terceira teoria, proposta por autores na Alemanha e em Portugal, é a chamada teoria dos 
efeitos prático-jurídicos. Isto significa que os efeitos que pretendem realizar são efetivamente 
efeitos práticos, mas com o objetivo que sejam realizados sob a tutela do direito. Há aqui a 
intenção de vinculatividade – a intenção de que haja a proteção do ordenamento jurídico 
àqueles efeitos que se pretendem ver realizados. 
 
A compreensão do negócio jurídico à luz desta teoria é, ainda, de um determinado ponto de 
vista tributário, de uma visão liberal, que olha para o negócio jurídico como o domínio 
Teoria Geral do Direito Civil II 
11 
Marta Lima e Silva 
privilegiado de criação de uma normatividade particular em que as partes se assumem como 
senhoras e mandadoras, reconhecendo depois o ordenamento jurídico a vinculatividade 
decorrente do exercício de uma liberdade que se invoca. 
 
Esta compreensão do negócio parece não permitir ainda explicar todas as soluções predispostas 
pelo ordenamento jurídico e não permite ainda lidar com todas as situações em que se pretende 
excluir a vinculatividade. Há uma série de hipóteses que se questiona se é possível afastar a 
vinculatividade de um acordo que, à partida, é um acordo negocial. 
 
Contudo, verdadeiramente, parece ser esta teoria a que melhor garante o entendimento acerca 
do negócio jurídico. Então, devemos recheá-la com outras notas a propósito do negócio 
jurídico: 
 
1) O negócio jurídico é um instrumento de exercício da autonomia privada. 
 
2) A autonomia privada é a autonomia da pessoa e, portanto, é uma autonomia material 
e axiologicamente conformada. Por isso, só se vão tutelar manifestações da vontade 
que sejam eticamente valiosas. Se o objeto do negócio for contra a vontade pública, o 
negócio é nulo. 
 
3) O negócio jurídico encontra na sua génese a autonomia da pessoa e não do indivíduo. 
Então, outro vetor importante na conformação do negócio jurídico será uma ideia de 
confiança normativizada pela boa fé, o que permitirá, muitas vezes, descobrir um 
critério para distinguir ou limitar as fronteiras entre o que é um negócio jurídico e o que 
é um acordo não negocial. 
 
4) Com o negócio jurídico pretendem-se alcançar determinados efeitos práticos e 
pretende-se que estes sejam tutelados pelo Direito. Mas, porque o Direito não tutela 
qualquer manifestação de vontade, mas apenas aquela manifestação que corresponda 
a um sentido ético-axiológico da pessoalidade do sujeito, as partes num negócio 
aceitam submeter-se a efeitos que podem ultrapassar a sua previsão inicial. 
 
7. A compreensão do negócio jurídico à luz da compreensão de direito 
ético-axiologicamente conformado 
 
Pode apresentar-se uma definição mais completa de negócio jurídico: é o facto jurídico 
voluntário ou ato jurídico cujo núcleo essencial é integrado por uma ou mais declarações de 
vontade, tendentes à produção de determinados efeitos práticos que se pretende que sejam 
juridicamente vinculantes e que o ordenamento jurídico tutelará em nome de uma autonomia 
ético-axiologicamente conformada e da confiança normativizada pela boa fé. 
 
8. Classificações de negócios jurídicos 
 
8.1. O critério da quantidade, direção e articulação das declarações negociais 
ou critério do número, do sentido e do modo de articulações das 
negociações 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
12 
Marta Lima e Silva 
Atendendo ao número, ao sentido e ao modo de articulação das declarações negociais que 
integram o negócio, podem distinguir-se dois tipos de negócios: os negócios jurídicos 
unilaterais e os negócios jurídicos bilaterais ou contratos. 
 
8.1.1. Negócios jurídicos unilaterais: recetícios e não recetícios 
 
Os negócios jurídicos unilaterais são os negócios que são integrados por uma única declaração 
negocial ou por várias declarações negociais, mas todas elas paralelas, de tal modo que só existe 
um lado/uma parte. 
 
Um exemplo de um negócio jurídico unilateral é o negócio de instituição de uma fundação. Até 
pode haver vários fundadores e, por isso, várias declarações, mas elas estão todas do mesmo 
lado. 
 
Dentro dos negócios jurídicos unilaterais, podem distinguir-se: 
Ø Negócios unilaterais recetícios – são aqueles em que a declaração só se torna eficaz se 
for levada ao conhecimento do destinatário; 
Ø Negócios jurídicos unilaterais não recetícios – são aqueles em que a declaração se torna 
eficaz logo que é emitida. 
 
• Nota: os negócios unilaterais estão submetidos a um princípio da tipicidade. 
 
8.1.2. Negócios jurídicos bilaterais ou contratos: contratos unilaterais (não 
sinalagmáticos) e contratos bilaterais (sinalagmáticos) 
 
Os negócios jurídicos bilaterais ou contratos são aqueles que são necessariamente integrados 
por pelo menos duas declarações negociais de sentido oposto, mas convergente. Para se ter um 
negócio jurídico bilateral, tem de se ter necessariamente pelo menos uma proposta e uma 
aceitação – proposta e aceitação vão unir-se num ponto de consenso. 
 
O exemplo típico de um negócio jurídico bilateral é o negócio de compra e venda, onde temos 
uma proposta e uma aceitação – “queres comprar?”; “sim, aceito comprar”. 
 
Dentro dos negócios jurídicos bilaterais ou contratos, podem distinguir-se os contratos 
bilaterais ou sinalagmáticos dos contratos unilaterais ou não sinalagmáticos. Para se distinguir 
os contratos bilaterais dos contratos unilaterais ou os contratos sinalagmáticos dos contratos 
não sinalagmáticos já não tem de se atender ao número e à direção das declarações negociais, 
mas sim tem de se saber se gera obrigações ou não para as partes. 
 
Ø Num contrato bilateral ou sinalagmático são geradas obrigações para ambas as partes, 
sendo que estas obrigações estão ligadas por um nexo de correspetividade. O exemplo 
de escola é o contrato de compra e venda, do qual resultam obrigações para ambas as 
partes (o A tem obrigação de entregar a coisa e o B tem a obrigação de pagar o preço 
da coisa), que estão ligadas pelo tal nexo de correspetividade. 
 
Ø No caso dos contratos unilaterais ou não sinalagmáticos, o exemplo clássico é a doação, 
em que apenas se geram obrigações para uma das partes. A doação é um contrato 
Teoria Geral do Direito Civil II 
13 
Marta Lima e Silva 
porque há duas declarações negociais: o A propõe doar e o B tem de necessariamente 
aceitar a doação. No entanto, só se geram obrigações para o A, que tem de entregar a 
coisa; B não tem a obrigação de fazer nada, porque ele já aceitou e formou-se o negócio 
jurídico. Depois da formação do negócio jurídico, não há obrigações para o B. 
 
Esta distinção entre contratos bilaterais e contratos unilaterais tem uma relevância prático-
normativa grande na medida em que há determinados institutos em que são precisos contratos 
bilaterais. É o caso da exceçãomais requisitos. 
 
b) Pode António pedir alguma indemnização por, entretanto, os preços dos ditos selos 
terem subido ainda acima dos preços estabelecidos na referida lista de José? 
 
Aqui, há responsabilidade pré-contratual porque houve contrato, mas o contrato foi anulável. 
A indemnização da responsabilidade pré-contratual é o interesse contratual negativo (art. 227º 
CC). O interesse contratual negativo consiste em colocar o sujeito na situação em que ele estaria 
se não tivesse sido celebrado o contrato. 
 
Há quem entenda que a indemnização é pelo interesse contratual positivo, mas a doutrina e a 
posição do curso entendem que se trata de um interesse contratual negativo. Há uma acesa 
discussão na doutrina acerca de quais são os danos indemnizáveis do art. 227º CC. 
 
Caso Prático 23 
 
António e Catarina celebraram uma compra e venda que tinha como objeto um casal de cães de 
raça pastor-alemão. No momento da celebração do negócio, António disse a Catarina que 
necessitava dos cães porque era criador dos animais daquela raça. Catarina, que nada percebia 
de cães, percebeu a importância dessa particularidade para António. O contrato foi celebrado a 
5 de janeiro de 2020. Em maio desse mesmo ano, António descobre que, afinal, os cães eram 
arraçados. 
 
a) Estará António vinculado? 
 
Estamos perante um vício da vontade, em que a vontade declarada corresponde exatamente à 
vontade real. Contudo, a vontade não foi formada de um modo natural/saudável, tendo havido 
alguma incorreta representação de alguma coisa. 
 
Entre os vícios da vontade encontra-se o erro vício, que se traduz numa incorreta/inexata 
representação da realidade, que foi determinante da vontade de celebrar o negócio. Este erro 
vício pode incidir sobre a pessoa do declaratário, sobre o objeto ou sobre os motivos. 
 
O negócio de erro vício é anulável, desde que se verifiquem determinados requisitos: 
® Requisitos gerais: 
§ O erro tem de ser essencial, ou seja, tem de ser determinante da vontade de 
celebração de determinado negócio jurídico e, sem aquele erro, o negócio 
jurídico não teria sido celebrado – in casu, o erro é essencial. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
106 
Marta Lima e Silva 
§ O erro tem de ser próprio, ou seja, não pode incidir sobre um requisito de 
validade legal do negócio – in casu, o erro é próprio. 
® Requisitos especiais. 
 
Das três modalidades do erro vício, a que está em causa é o erro sobre o objeto (art. 251º CC). 
Quando o erro é sobre o objeto, aplica-se o art. 251º, o que significa que é anulável, desde que 
o erro seja próprio e essencial e que se lhe aplique o requisito do art. 247º (conhecimento e 
cognoscibilidade do elemento sobre o qual incidiu o erro). 
 
In casu, a Catarina até conhecia a essencialidade do erro, o que significa que o negócio é 
anulável. Quem pode arguir a anulabilidade é, nos termos do art. 287º, o António, no prazo de 
um ano após a cessação do vício (maio de 2020). 
 
b) Quid Iuris se António estivesse disposto a pagar apenas metade do preço pelos cães? 
 
Se assim fosse, o erro já não seria essencial, mas sim um erro incidental. Ou seja, o negócio teria 
sido celebrado na mesma, mas em termos diferentes. O erro incidental gera, então, a 
modificação do negócio. Isto é, o negócio jurídico deve valer nos termos em que teria sido 
celebrado sem o erro. 
 
Contudo, existem duas situações em que este negócio poderia ser anulado: 
® Se Catarina não aceitasse o negócio nos novos termos; 
® Se não fosse possível determinar em que termos é que o negócio teria sido celebrado. 
 
Caso Prático 24 
 
Pedro, quando estava a consultar o catálogo de livros para a venda a José, ficou entusiasmado 
ao descobrir o número 110, o livro de G. Moreira Instituições. Pensava Pedro que se tratava de 
um famoso livro de Guilherme Moreira Instituições de Direito Civil, mas, afinal, esse livro era o 
220. O número 110 correspondia ao livro de Gonçalo Moreira, que escreveu uma tese de 
mestrado sobre instituições portuguesas de solidariedade social. Ao aperceber-se do equívoco 
ao receber o livro, Pedro pretende desvincular-se do negócio. Terá esse direito? 
 
Resolução: 
 
Estamos perante um caso de uma divergência entre a vontade e a declaração, em que a 
vontade declarada é uma e a vontade real é outra. Esta diferença entre o que se diz e o que se 
quer dizer pode resultar de um: 
® Erro de linguagem; 
® Erro mecânico; 
® Erro de juízo. 
 
Neste caso, houve uma divergência entre a vontade e a declaração devido a um erro de juízo ou 
erro de valoração, sendo que o regime do erro obstáculo/erro na declaração está previsto no 
art. 247º CC. 
 
Ora, há uma diferença entre conhecer o erro e a cognoscibilidade do elemento essencial sobre 
o qual incidiu o erro. Neste caso, não é possível dizer que o negócio é anulável “desde que o 
declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre que incidiu 
o erro”. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
107 
Marta Lima e Silva 
Aqui, o José não saberia o erro, mas haveria a cognoscibilidade de que o livro era essencial. Ele 
só escolheu aquele livro porque era essencial, até porque era aquele livro preciso que Pedro 
queria comprar – se não, teria comprado outro livro e não aquele. Havia uma cognoscibilidade 
do elemento essencial sobre o qual incidiu o erro e a verdade é que ele não tem de conhecer o 
erro, mas sim de conhecer a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro. 
 
Então, in casu, o negócio é anulável. O regime da anulabilidade está previsto no art. 287º CC. 
Aqui, a cessação do vício começa a contar quando Pedro se apercebe do erro, ou seja, desde a 
data em que recebe a encomenda do livro. 
 
Caso Prático 25 
 
Em março de 2021, Carlos escreveu a Daniel, seu amigo e dono de uma empresa de aluguer de 
automóveis. Na carta que enviou, pediu-lhe que pusesse à sua disposição uma viatura familiar 
durante os últimos 15 dias desse mês. Ao escrever a carta, Carlos apenas teve em mente a 
hipótese daquele lhe dispensar gratuitamente o automóvel, pelo que não fez qualquer 
referência a um aluguer. Um funcionário de Daniel entregou, a 15 de março de 2021, um 
automóvel a Carlos, pertencente à empresa, tendo Carlos devolvido o automóvel dia 30 do 
mesmo mês. No dia 3 de abril de 2021, Carlos recebeu uma conta para pagamento do aluguer 
do automóvel. Carlos recusou a pagá-la porque nunca quis celebrar um negócio oneroso. Poderá 
Daniel exigir, em maio de 2022, o valor do aluguer? 
 
Resolução: 
 
In casu, estamos perante um erro vício, que se traduz num vício da vontade. Neste caso, há que 
classificar qual é o erro, se é essencial ou não e se é próprio ou impróprio. 
 
Quanto à propriedade do erro, o erro é próprio, pois não se trata de formalidades de negócio. 
Para além disto, o erro é essencial, pois, se o negócio fosse oneroso, o Carlos não tinha qualquer 
interesse em celebrar o negócio (como é referido no próprio enunciado). 
 
Há três tipos de erros: 
® Erro sobre a pessoa do declaratário; 
® Erro sobre o objeto; 
® Erro sobre os motivos. 
 
Dentro do erro sobre o objeto, tem-se o erro sobre a natureza do negócio, isto é, se o negócio 
é gratuito ou oneroso. In casu, existe um erro sobre o objeto porque se trata de um erro sobre 
a natureza do negócio. O próximo passo é interpretar o art. 251º CC (remissão para o art. 247º 
CC). 
 
Será que há cognoscibilidade ou não? Ele era amigo e o Carlos contactou-o como amigo, não 
falando em nenhum preço. Então, podia ser cognoscível se se quisesse que o negócio fosse 
gratuito. No entanto, pode entender-se o caso de outra forma. A ver do Dr. Pedro Mendes, há 
cognoscibilidade e, havendo cognoscibilidade, diz o art. 251º CC que o negócio é anulável. 
 
Pode ou não, em maio de 2022, Daniel exigir a Carlos o valor do aluguer? Se o negócio é 
anulável, então, o Carlos poderia anular o negócio se assim o entendesse (remissão para o art. 
287º/2 CC). Neste caso, já passou um ano e, nesta medida, em princípio, Carlos já não poderiaarguir a anulabilidade. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
108 
Marta Lima e Silva 
Em princípio porque o art. 287º tem dois números e há que atentar no nº2. Uma vez que Carlos 
não pagou nenhum valor, o negócio não se encontra cumprido e, por isso, seguimos o regime 
do nº2 do 287º e Carlos pode ainda vir a arguir a anulabilidade do negócio, sendo esta uma 
anulabilidade atípica. O regime geral tem o prazo de um ano. Aqui, no nº2 do 287º, a 
anulabilidade pode ser arguida sem dependência de prazo. 
 
Caso Prático 26 
 
Em 2015, Paulo descobriu que João tinha cometido um desfalque na empresa em que trabalhava 
e ameaçou João de denunciá-lo criminalmente a não ser que este lhe doasse um anel que tinha 
um elevado valor. Em maio de 2020, os ilícitos foram descobertos e punidos. Hoje, João 
pretende invalidar o negócio. Terá este algum êxito? 
 
Resolução: 
 
Estamos perante um caso de coação moral – o João foi ameaçado e, devido a essa ameaça, 
afirmou querer celebrar um determinado negócio. Nos termos do art. 255º CC, existe ilicitude 
quando há uma ilegitimidade dos meios ou quando se quer prosseguir um determinado fim 
recorrendo a certos meios. In casu, verificamos ilegitimidade dos fins e, segundo o art. 256º 
CC, este negócio é anulável. 
 
Caso Prático 27 
 
Em 2020, Mário convenceu Nuno a fazer, a favor de Olga, sua namorada, um seguro de vida. 
Para tanto, quis passar Olga por uma amiga de infância de Nuno, a quem este devia grandes 
favores. Olga sabia que Mário a fez passar por outra pessoa. Em maio de 2021, Nuno descobriu 
toda a verdade e pretende anular o negócio. Quid Iuris? 
 
Resolução: 
 
Nesta hipótese prática, está em causa a matéria do dolo, designadamente, um dolo de terceiro. 
O dolo é um engano que foi provocado por alguém. Segundo o art. 253º/1 CC, tem de existir um 
determinado erro que é provocado pelo comportamento de outra pessoa. Existe sempre uma 
pessoa – que pode ser o declaratário, o declarante ou um terceiro – que utiliza certos artifícios 
com a intenção ou a consciência de deduzir em erro ou manter em erro o declarante. 
 
Existe ainda a dissimulação do erro, que se traduz num dolo negativo. A dissimulação é a 
omissão consciente: é o não esclarecimento da dúvida. Claro que só existe este dolo 
negativo/dolo por omissão quando existe um dever de esclarecer, uma vez que há certas 
situações em que não existe nenhum dever de esclarecer. 
 
Existe dolo do declaratário e dolo de terceiros. Quando há dolo do declaratário, quem induz em 
erro é o declaratário; quando existe dolo de terceiro, quem induz em erro é um terceiro. Mário 
é um terceiro, pois ele apenas convenceu uma pessoa a fazer um contrato a favor de outrem. 
 
• Nota: fazer uma remissão para o art. 254º CC – efeitos do dolo. 
 
Atentando à primeira parte do nº2 do art. 254º CC, in casu, não há nem devia haver 
conhecimento do dolo. Contudo, este preceito tem uma segunda parte (que é o que interessa 
para o caso), pois, se alguém tiver adquirido diretamente algum direito por virtude da 
Teoria Geral do Direito Civil II 
109 
Marta Lima e Silva 
declaração, esta é anulável em relação ao beneficiário. Aqui, a declaração é anulável quanto ao 
beneficiário, o que significa que o seguro (prestação principal) ficava anulado em relação a Olga. 
 
• Nota: a declaração é apenas anulável quanto ao beneficiário – não é o negócio todo que 
é anulável. Exemplo: A faz uma compra e venda com B. Há dolo de terceiro porque 
C exige uma comissão. Aqui, é apenas e só a cláusula da comissão que vai ser anulada. 
 
Caso Prático 28 
 
Em outubro de 2016, Rui, médico de profissão, foi ajudar Paulo, que estava gravemente doente. 
Rui era o único médico daquela localidade em condições de o tratar, mas disse a Paulo que só o 
faria em troca da doação do seu automóvel. Uns dias depois, Paulo doou o automóvel a Rui, 
tendo assim recebido o tratamento necessário. Em 2017, Paulo ficou totalmente curado. Hoje, 
abril de 2021, Paulo pretende invalidar o negócio. Conseguirá fazê-lo? 
 
Resolução: 
 
O estado de necessidade é um receio de um mal, que é gerado por uma situação de perigo grave 
que a pessoa quer afastar, sendo que essa necessidade a obriga a celebrar um negócio jurídico. 
O receio existe por causa de uma situação de perigo que não é gerada pela ameaça – a situação 
existe por si mesma. É com base nesta situação de perigo que se determina a celebração do 
negócio jurídico. 
 
Para um negócio ser anulável, existem vários requisitos e há que olhar para o art. 282º, que 
nos fala dos negócios usurários: 
® É necessário que exista uma situação de necessidade; 
® É necessário que exista um aproveitamento da situação de necessidade; 
® É necessário que, dessa exploração ou aproveitamento, resultem benefícios excessivos. 
 
Quem é que pode arguir a anulabilidade? Nos termos do art. 287º CC, poderia arguir a 
anulabilidade Paulo, no prazo de um ano a contar da cessação do vício. 
 
In casu, Paulo não poderia arguir a anulabilidade. No entanto, esta resposta parece um pouco 
estranha, pois existem situações em que o negócio se deve considerar nulo, designadamente, 
todas aquelas situações em que há um dever jurídico de agir e esse dever é violado e todas as 
situações de violação de bons costumes – art. 280º CC. 
 
Ora, este negócio é o ofensivo aos bons costumes e, por isso, é nulo. Se o negócio é nulo, quando 
é que ele pode ser invocado? Segundo o art. 286º, a nulidade é invocável a todo o tempo. Então, 
Paulo poderia arguir a nulidade do negócio. 
 
Caso Prático 29 
 
António e Bernardo estavam bêbedos numa discoteca e António celebra, com Bernardo, um 
negócio de compra e venda de um computador. Este negócio pode ou não pode ser anulado? 
 
Resolução: 
 
Trata-se, aqui, de um caso de incapacidade acidental em que se verifica que a pessoa está 
momentaneamente incapaz. Neste caso, aplica-se o art. 257º CC. In casu, parece que o facto é 
notório (remissão para o art. 257º/2 CC – “padrão do homem médio”) e, se não fosse notório, 
Teoria Geral do Direito Civil II 
110 
Marta Lima e Silva 
diríamos que até era conhecido, sendo que a consequência de tal circunstância é a 
anulabilidade. 
 
Caso Prático 30 
 
Antes de viajar para o estrangeiro, Bernardo outorgou uma procuração, conferindo a Carlos 
plenos poderes de administração dos seus bens e plenos poderes de disposição em relação a 
bens móveis. Carlos, em março de 2020, vendeu em nome de Bernardo um apartamento a 
Miguel e arrendou um outro apartamento de Bernardo pelo prazo de três meses a Filipe. Qual 
o valor dos atos celebrados? 
 
Resolução: 
 
Quando dizemos que o Carlos vendeu “em nome de”, significa que estamos no âmbito 
da representação. A representação implica a atuação em nome de outrem, não implicando a 
atuação por conta de outrem nem no interesse de outrem. Atuar “em nome de” significa que 
quem atua é o Carlos, mas que os efeitos jurídicos se vão produzir direta e automaticamente na 
esfera jurídica do Bernardo. 
 
Para que haja representação, é necessário que haja legitimação representativa. Como é que o 
Bernardo confere poderes de representação ao Carlos? Através de um ato: a procuração. Como 
se qualifica a procuração? É um negócio jurídico unilateral, não recetício, que tem como 
destinatário o terceiro com o qual o negócio vai ser celebrado – neste caso, o Miguel e o Filipe. 
 
Tem Carlos poderes para vender o apartamento? Não, o Carlos tem poderes de disposição 
quanto a bens móveis e não quanto a bens imóveis. Ao vender o apartamento, já está a atuar 
fora dos poderes de representação. Ou seja, nesta primeira hipótese (venda do apartamento), 
estamos perante uma representação sem poderes (ou falta de poderes de representação). 
 
 
 
A consequência será que o negócio é ineficaz em relação ao representado. É um negócio válido, 
mas, para o Bernardo, tudo se passa como se o negócio não existisse. O negócio não vincula 
nem é eficaz em relação ao Bernardo, pelo que ele continua a ser o proprietário. 
 
Por outro lado,gera-se responsabilidade do Carlos, que é responsável perante Miguel. Ele vai 
responder perante Miguel pelo interesse contratual negativo porque desconhecia, com culpa, 
a falta de poderes de representação. Carlos não sabia e não se apercebeu, mas teve culpa nesse 
desconhecimento, ou seja, ele vai responder pelo interesse contratual negativo. Se Carlos 
conhecesse a falta de poderes de representação, responderia pelo interesse contratual positivo. 
 
In casu, na segunda hipótese, o negócio vai ser eficaz. Carlos não tem poderes de disposição de 
bens móveis, mas tem amplos poderes de administração sobre todo o património de Bernardo. 
 
Um negócio de mera administração é aquele que corresponde a uma gestão prudente e 
comedida, não envolvendo grandes riscos (nem de perda nem de grandes ganhos). É um negócio 
que não envolve qualquer alteração no rendimento ou no capital do sujeito. Se for um negócio 
de disposição, envolve já uma alteração na estrutura do capital e do rendimento. Portanto, 
potenciará grandes ganhos, mas envolve riscos consideráveis. 
 
Há determinadas situações em que é o legislador que nos diz se o é de disposição ou de mera 
administração. Tendo em conta o art. 1024º/1 e sabendo que este arrendamento tinha a 
Teoria Geral do Direito Civil II 
111 
Marta Lima e Silva 
duração de três meses, então, concluímos que é um ato de mera administração. Se assim é, 
está dentro dos poderes representativos conferidos a Carlos e, portanto, o negócio é eficaz. 
 
Caso Prático 31 
 
António celebrou com Pedro um contrato promessa de compra e venda de um apartamento. Em 
abril de 2020, António outorgou uma procuração, conferindo a Filipe amplos poderes para a 
prática de atos de disposição sobre bens moveis e bens imóveis. Em maio de 2020, Filipe vendeu, 
em nome de António, à sociedade X de que é sócio-gerente e representante, um automóvel de 
António. Ainda em maio de 2020, Filipe vendeu a Pedro, também representado por si, o 
apartamento objeto do contrato promessa. Quid Iuris? 
 
Resolução: 
 
O que temos, na primeira hipótese, é um negócio consigo mesmo. Se reduzirmos as duas partes 
do negócio ao seu mínimo denominador comum, encontramos a mesma pessoa: o Filipe. O 
Filipe está, de um lado, como comprador e, do outro, como vendedor. O que acontece é que a 
negociação é feita pela mesma pessoa. Por outras palavras, quem pergunta é quem responde. 
 
Temos aqui um conflito de interesses. Ele não vai conseguir acautelar devidamente o interesse 
do António, porque vai estar preocupado, sobretudo, em acautelar o interesse da sociedade de 
que é sócio-gerente. Então, este negócio não é valido – é anulável (art. 261º CC). 
 
No segundo caso, o conflito de interesses está ausente. Entre o António e o Pedro já havia sido 
celebrado um contrato de promessa, ou seja, já se tinham gerado obrigações para os dois 
lados. Como este negócio da venda do apartamento é apenas a concretização de um contrato 
de promessa que já tinha sido celebrado entre os dois representados, não há nenhum conflito 
de interesses. Então, aqui, não faz sentido aplicar a proibição do art. 261º CC. Apesar de este 
negócio ser um negócio consigo mesmo, é um negócio válido. 
 
Caso Prático 32 
 
António outorgou uma procuração conferindo plenos poderes de disposição e de administração 
a Bernardo. Nessa mesma procuração autorizou Bernardo a celebrar negócios consigo mesmo. 
Um mês depois, Bernardo, em nome de António, vendeu a si mesmo um automóvel por um 
preço 30 vezes inferior ao preço do mercado. Quid Iuris? 
 
• Nota: um caso com uma estrutura problemática análoga a esta foi decidido no acórdão 
do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de junho de 2013. 
 
Resolução: 
 
Em regra, um negócio consigo mesmo é anulável. Contudo, há exceções previstas no art. 261º, 
sendo que uma delas é a de que o negócio é válido se for expressamente autorizado. Ora, 
naquela procuração, autorizava-se expressamente a celebração de negócios consigo mesmo. 
 
Contudo, o grande problema é que, apesar de ter sido autorizado a celebrar negócios consigo 
mesmo, o Bernardo não poderia descurar completamente o interesse do António, que é o 
representado. Portanto, esta discrepância entre o valor de mercado do automóvel e o valor que 
foi efetivamente estabelecido naquele contrato traduz-se num atentado ao princípio da boa fé. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
112 
Marta Lima e Silva 
Então, aqui, temos uma situação em que o Bernardo atua formalmente ao abrigo dos poderes 
de representação que lhe são conferidos, mas em que, materialmente, contraria a 
intencionalidade da representação. O Bernardo abusa desses poderes de representação, pelo 
que temos aqui um problema de abuso de representação. 
 
• Nota: a solução seria totalmente diferente se aquela procuração tivesse sido outorgada 
no interesse do representante. 
 
Qual é a consequência do abuso de representação? O negócio é ineficaz se a outra parte 
conhecia ou devia conhecer o abuso – art. 269º CC. Como a outra parte, in casu, é o próprio 
representante, obviamente que este requisito está preenchido. 
 
Caso Prático 33 
 
António outorgou uma procuração, conferindo poderes de disposição sobre bens móveis e bens 
imóveis a Bernardo. Esta procuração foi celebrada por escrito particular não 
autenticado. Munido dos poderes de representação que lhe foram atribuídos, Bernardo vendeu, 
em nome de António, um apartamento a Carlos e vendeu, em nome de António, um automóvel 
a Francisco. Pronuncie-se sobre a validade destes negócios. 
 
Resolução: 
 
Esta procuração deveria revestir que forma? Para o bem móvel, não necessitava de forma 
nenhuma, mas, para o imóvel, necessita de escritura pública ou escrito particular 
autenticado. Isto significa que esta procuração é parcialmente nula, já que gera a nulidade nos 
poderes de disposição referentes aos bens imóveis. 
 
 
 
Então, vamos reduzir o negócio jurídico (será lecionado brevemente) e retiramos a parte que 
não é válida. Vai valer como procuração que outorga poderes de disposição sobre os bens 
móveis. Ou seja, retiramos a parte de disposição de bens imóveis, e isso significa que, através 
daquela procuração, António só conferiu poderes de disposição sobre bens móveis. 
 
Bernardo celebra um contrato de compra e venda de um apartamento com o Carlos, mas, sendo 
a procuração parcialmente inválida, verificamos, quanto a este negócio, uma representação 
sem poderes e o negócio é ineficaz. Portanto, o negócio da venda do apartamento é válido, mas 
é ineficaz. 
® Pode é haver lugar a uma ratificação da representação, mas, caso não exista, o negócio 
mantém-se ineficaz. Importante será referir que esta ratificação também teria de 
cumprir a exigência de forma de escritura pública ou escrito particular autenticado. 
 
Quanto à venda do automóvel, podemos considerar este negócio válido e eficaz, porque havia 
realmente poderes de disposição referentes aos bens móveis. 
 
Caso Prático 34 
 
António e Bernardo celebram um contrato de compra e venda que tem como objeto o único 
exemplar existente de uma edição rara d’Os Maias datada de 1888. No momento em que 
celebram esse negócio, aquele exemplar já não existia porque havia sido destruído por um 
incêndio na véspera. Quid Iuris? 
Teoria Geral do Direito Civil II 
113 
Marta Lima e Silva 
 
Resolução: 
 
O negócio é nulo por impossibilidade física. No momento da celebração do negócio, o objeto 
já não existia. 
 
Mas, e se o objeto do negócio fosse uma edição recente d’Os Maias e tivesse igualmente sido 
destruída? Neste caso, o negócio seria válido porque não haveria impossibilidade física e 
rapidamente se conseguia um sucedâneo. 
 
A impossibilidade física tem de ser uma impossibilidade objetiva, sendo que nunca pode ser 
uma impossibilidade subjetiva. No primeiro caso, a impossibilidade é objetiva, pois o objeto 
desaparece mesmo. No segundo caso, era possível arranjar um outro exemplar. 
 
Caso Prático 35 
 
António, grande admirador do celebre viajante Marcoquando não exista conflito de interesses. Não há consentimento por parte do 
representado quanto ao negócio consigo mesmo, mas, aqui, não existe conflito de interesses. 
Existe um leque de situações em que os negócios consigo mesmo são válidos e é assim porque 
o fundamento da anulabilidade não se vai justificar, ou seja, existem casos em que não existe 
conflito de interesses. 
 
Um dos casos é quando há consenso, ou seja, quando existe uma venda cujo preço do bem já 
estava fixado e, ainda, quando o negócio consigo mesmo se traduza no cumprimento de um 
contrato-promessa já celebrado pelo representado. Neste caso, existe a celebração de um 
Teoria Geral do Direito Civil II 
116 
Marta Lima e Silva 
contrato-promessa e Fernando, depois, celebrou o contrato definitivo. Se uma das partes se 
recusar a assinar o contrato final definitivo, então, pode ir-se a tribunal. 
 
Exemplo: A faz contrato-promessa com B da compra e venda de um apartamento. A não celebra 
o contrato definitivo. B vai a tribunal e expõe a situação. O tribunal vem dizer que o apartamento 
é de B. Existem outras soluções: se B tinha dado um sinal de 100.000€, então, B podia exigir o 
2x 100.000€. 
 
• Nota: nos contratos promessas deve colocar-se sempre um prazo porque, senão, nunca 
existe incumprimento. Note-se que um contrato-promessa é um contrato-promessa da 
celebração de um contrato definitivo, ou seja, promete-se celebrar um contrato no 
futuro, que será o contrato definitivo. 
 
Caso Prático 38 
(poderá sair no exame) 
 
Filipe pretendia adquirir um automóvel para a sociedade comercial de que era gerente e único 
sócio. No entanto, por motivos fiscais, entendeu que não poderia adquirir o automóvel pelos 
45.000€ que eram pedidos pelo stand x. Combinou com Miguel que este compraria o automóvel 
para, depois, o transmitir à sociedade de Filipe. Este valor de 45.000€ foi pago pelo Filipe e, 
entretanto, Miguel morre sem que tenha formalizado a transmissão da propriedade do 
automóvel para aquela sociedade comercial. Pedro, herdeiro de Miguel, considera-se 
proprietário do automóvel por via sucessória e Filipe reivindica a propriedade do veículo. Quem 
terá razão? 
 
Resolução: 
 
Sujeitos: 
® Sociedade y, representada por Filipe; 
® Stand x; 
® Miguel; 
® Pedro, herdeiro de Miguel. 
Relações estabelecidas: 
® Stand x – contrato de compra e venda – Miguel; 
® Miguel – transmissão do automóvel à sociedade de que Filipe era sócio; 
® Miguel falece – herança – Pedro. 
Interposição fictícia de um sujeito – caso de simulação: ocorre quando existe uma relação A-B-
C. Imagine-se que existe uma norma que proíbe a relação entre A e B. A queria doar um imóvel 
a B, mas uma norma proibia e, então, doava a C e C doava a B. Isto seria uma maneira de 
contornar a lei, sendo que existia uma simulação pois A acordou com B e com C fazer este 
esquema negocial. 
 
In casu, o stand não sabia de nada daquilo que se estava a passar e um pressuposto da 
simulação é que tem de haver conluio, ou seja, tem de haver o acordo de todos os 
intervenientes. Neste caso, o stand não participou na simulação. Independentemente de haver 
ou não motivo de enganar, não há conluio, logo, não há simulação. 
 
Aqui, Pedro não interessa, ou seja, ser Miguel ou ser Pedro não faz diferença. Estamos a ver a 
simulação relativa e, mais propriamente, um dos seus casos, que é a interposição fictícia. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
117 
Marta Lima e Silva 
Interposição real – o interposto atua em nome próprio, mas no interesse e por conta de outrem, 
por força de um acordo entre ele e outro sujeito. Imagine-se que A e C são inimigos. C está 
interessado num anel que A tem à venda. A tem o anel à venda por 1000€, mas C sabe que A 
não aceitaria porque não gosta de C. Então, B vai acordar com C que irá comprar o anel a A e 
depois vai vendê-lo a C. Aqui, é como se B não existisse porque o verdadeiro negócio é entre A 
e C. Existe um acordo entre B e C, mas A não conhece esse acordo e, por isso, não existe 
simulação. Isto vai reger-se pelas regras do mandato sem representação. 
 
Parece, in casu, haver simulação, mas, na realidade, existe interposição real de pessoas, porque 
não há conluio. Sem simulação, o negócio não é nulo e, assim sendo, parece que é Pedro que 
tem razão. O problema é que Filipe já entregou o dinheiro. Sendo assim, Pedro tem, neste 
momento, o carro e ainda 45.000€, existindo, neste caso, enriquecimento sem justa causa. 
Então, estes 45.000€ serão posteriormente devolvidos a Filipe com base no instituto do 
enriquecimento sem justa causa. 
 
• Nota: esta pergunta já saiu num exame. 
 
Caso Prático 39 
 
Uma serigrafia de Picasso, com valor de mercado de 30.000€, foi objeto de um contrato de 
compra e venda entre A e B em janeiro de 2020. No entanto, o contrato pretendia a doação do 
referido quadro. 
 
a) Será que os filhos de A podem invalidar o negócio? 
 
A primeira questão que se deve colocar é saber qual é o eventual fundamento de invalidade 
deste negócio. O fundamento para a invalidação deste negócio seria uma simulação, porque 
estamos perante uma divergência entre a vontade e a declaração. Essa divergência é intencional 
e resulta de um conluio entre o declarante e o declaratório com vista a enganar terceiros. O 
valor do negócio simulado é nulo, nos termos do art. 240º/2 CC. 
 
Mesmo que tenha causado prejuízo, se o negócio não foi celebrado com intuito de prejudicar 
os herdeiros legitimários (que são os filhos), então, os filhos não podem, em vida do simulador 
invocar a nulidade. Neste caso, teríamos de deixar a ressalva de que só o poderiam fazer se o 
negócio tivesse sido feito com o intuito de os prejudicar. 
 
b) Os credores podem invalidar o negócio? 
 
Os credores podem invocar a nulidade do negócio com base no art. 605º CC e, mais amplamente, 
podem invocar a nulidade com base no regime geral do art. 286º CC, porque são interessados 
desde que provem o interesse, sendo que o credor poderá ter esse interesse. 
 
c) Qual é o valor da doação? Seria possível impedir a transmissão da propriedade para 
Bernardo? 
 
Aqui, pressupõe-se a qualificação desta simulação como uma simulação relativa. Significa isto 
que, por detrás de um negócio simulado, existe um outro negócio que é um negócio real ou 
dissimulado. O valor deste negócio dissimulado pode ser válido ou inválido, conforme o 
tratamento que teria se não tivesse escondido. Portanto, temos de aplicar este critério à nossa 
doação e temos de analisá-la como qualquer outro negócio jurídico. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
118 
Marta Lima e Silva 
Materialmente, parece, pelo enunciado, que não há nada que afete este negócio. Contudo, nos 
termos do art. 241º CC, não basta olhar para este negócio do ponto de vista substancial. Há que 
olhar para o negócio do ponto de vista formal. Do ponto de vista formal, importa o art. 947º CC. 
 
 
 
A tradição da coisa significa a entrega. Se eu entregar a coisa, a doação basta-se com isso. Se 
não houver tradição da coisa, aquela doação tem de ser celebrada por escrito. 
 
Quanto ao valor da doação, substancialmente, não há nada a afetá-la e, formalmente, depende 
de ter havido ou não tradição da coisa. Se eu tiver entregado a dita serigrafia, então, não há 
nenhum problema. Se não a tiver entregado, então, já poderá haver problema, porque seria 
necessário um escrito particular e este pode não existir porque o enunciado não nos esclarece 
quanto a isso. Se constatarmos essa falha na forma, significa que este negócio dissimulado 
também é nulo, nos termos do art. 220º CC. 
 
Caso Prático 40 
 
O António declarou vender a referida serigrafia a Bernardo, não tendo real intenção de o fazer. 
Fê-lo apenas para enganar a sua contraparte, que insistia em adquirir aquele bem e, portanto, 
não parava de o atormentar. Quid Iuris? 
 
Resolução: 
 
Estamos perante uma reserva mental que, em regra, não afeta a validade da declaração em 
nome da tutela das expectativas da contraparte. Contudo, ela podeo que 
significa que vamos ter de aplicar o regime do art. 254º/2. 
 
A companhia dos seguros, o destinatário, não tinha conhecimento do dolo nem lhe era exigível 
que tivesse. Não temos a cognoscibilidade que se exige no art. 254º/2. Por seu turno, Maria não 
foi autora do dolo, pelo que resta saber se esta sabia da existência deste e o enunciado não nos 
fornece essa informação. 
 
Caso Prático 44 
 
Miguel convenceu Pedro de que Maria era filha de um grande amigo de infância deste que, 
entretanto, tinha falecido em condições trágicas. Fê-lo por pretender que Pedro arrendasse o 
seu apartamento a Maria por um baixo lucro. Pedro celebrou o contrato de arrendamento com 
Maria, que desconhecia por completo a situação e nem tinha sequer a noção mínima de que 
Pedro lhe estava a alugar o imóvel por aquele motivo. Porém, Miguel, de acordo com o contrato, 
teria direito a uma percentagem da renda pela intermediação do negócio. Poderá, hoje, Pedro, 
descoberto o motivo, desvincular-se do contrato 
 
Resolução: 
 
Temos um contrato celebrado entre Pedro e Maria, sendo que Maria é a contratada. Ora, Pedro 
não pode invocar dolo em relação à Maria para se desvincular do negócio. Podem invocar o dolo 
de terceiro para anular aquela cláusula do contrato que determina que o Miguel tem direito a 
um determinado valor. 
 
Pedro pode invocar o erro sobre a pessoa do declaratário, porque ele acha que Maria é uma 
pessoa que, na realidade, não é, sendo que este erro é essencial e próprio. Contudo, temos de 
aplicar o regime do art. 251º, que nos remete para o art. 247º. O art. 247º exige o conhecimento 
ou a cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre o qual que incidiu o erro, sendo 
que é este requisito que pode ser difícil de provar. 
 
Portanto, Pedro corre o risco de ficar vinculado porque Maria não faz ideia de qual tinha sido o 
motivo. Porém, se percebemos que há aqui um arrendamento a baixíssimo custo, poderia haver, 
num sentido de exigibilidade, a possibilidade de perceber que havia ali qualquer motivo, mas 
isso seria especular demasiado. Portanto, pode não conseguir desvincular-se do negócio por 
falta da prova do requisito do art. 247º. 
 
Caso Prático 45 
 
Afonso, com 15 anos, vendeu um automóvel a Guilherme. Guilherme, ao fim de um ano, 
descobre que Afonso é menor e pretende desvincular-se do negócio. Pode fazê-lo? 
 
Resolução: 
 
Guilherme celebrou um negócio porque tinha uma inexata representação da realidade, uma 
vez que achava que Afonso era maior de idade quando, na realidade, era menor. Estamos, então, 
perante um erro vício que incide sobre a pessoa do declaratório. 
 
O problema recai no erro vício, que só é relevante se for essencial. In casu, o erro vício é 
essencial porque, se ele soubesse que era Afonso era menor, jamais celebraria o negócio. Em 
Teoria Geral do Direito Civil II 
122 
Marta Lima e Silva 
segundo lugar, o erro vício só é relevante se for próprio. O erro é próprio quando não recai sobre 
um requisito de validade do negócio. Aqui, recai sobre a capacidade de exercício do Afonso. À 
primeira vista, este erro parece ser impróprio. 
 
• Nota: formula-se esta exigência da propriedade do erro porque não faz muito sentido 
invalidarmos um negócio com base em erro se podermos invalidar por outro motivo. 
Por exemplo, se eu celebro um negócio de compra e venda de um imóvel por escrito 
particular, o negócio é nulo por vício de forma e não faz muito sentido eu tentar 
desvincular-me dele invocando um erro e afirmando que, sabendo que este só se 
celebrava por escritura pública, jamais teria celebrado o negócio. Por isto, exige-se a 
propriedade do erro. 
 
A verdade é que Afonso e os seus representantes legais são os únicos que podem invocar a 
incapacidade de exercício como fundamento da anulabilidade do negócio. Guilherme tem um 
interesse em invocar o erro porque, se não for através do regime do erro, não pode desvincular-
se. A doutrina tem considerado que, nesta situação em particular, o erro é próprio. Portanto, 
o Guilherme pode invocar o erro para se desvincular do negócio. 
 
Caso Prático 46 
 
Miguel celebrou com Pedro um contrato nos termos do qual o primeiro empresta dinheiro ao 
segundo, que se obriga a devolver o capital e o pagamento de juros. 
 
1) Classifique o negócio celebrado entre Miguel e Pedro. 
 
Estamos perante um contrato de mútuo, que é um contrato não sinalagmático porque só gera 
obrigações para uma das partes – Pedro é que se obrigou a devolver o capital e a pagar os juros. 
É um negócio real quanto à constituição e, no caso concreto, é também um negócio oneroso 
porque se prevê um pagamento de juros. 
 
2) Imagine que Pedro outorgou uma procuração constituindo Miguel seu procurador e 
conferindo-lhe poderes para, em caso de não pagamento da dívida, poder alienar um 
ou vários bens de Pedro e fazer-se pagar pelo montante recebido. 
 
2.1.) Qualifique a procuração enquanto negócio jurídico. 
 
Qualificamos esta procuração como um negócio jurídico unilateral não recetício. 
 
2.2.) Imagine que Pedro, até ao momento presente, pagou sempre pontualmente as 
prestações acordadas e que Miguel, munido da procuração em questão, vendeu, em 
nome de Pedro, a Carlota, um imóvel que é propriedade deste. Qual o valor do negócio? 
 
Temos uma procuração que confere determinados poderes sobre bens do património do Pedro, 
mas esta procuração também prevê que estes poderes só possam ser exercidos numa 
determinada circunstância: a circunstância de o Pedro não pagar as prestações. Isto significa que 
se está a fazer depender a eficácia desta procuração à verificação de um evento futuro e 
incerto. Estamos, então, perante uma procuração que, dentro dela, integra uma cláusula 
específica, que é uma condição suspensiva. Então, a não ser que a verificação do evento futuro 
e incerto ocorra, aquela procuração não produz efeitos. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
123 
Marta Lima e Silva 
No momento em que Miguel vende, em nome do Pedro, um imóvel à Carlota, ele estava a agir 
sem poderes de representação. Portanto, tem-se aqui um abuso de representação. Assim, o 
valor do negócio celebrado é ineficaz em relação a Pedro. Esta ineficácia do negócio pode gerar 
responsabilidade perante o terceiro com quem foi celebrado o negócio, sendo que essa 
responsabilidade será pelo interesse contratual negativo se Miguel desconhecia, com culpa, a 
falta de poderes de representação. Se, pelo contrário, Miguel conhecia a falta de poderes de 
representação, então, ele vai ter de responder pelo interesse contratual positivo. 
 
2.3.) Faltando Pedro ao pagamento da dívida, Miguel doou a Francisca, sua filha, um 
apartamento de Pedro. Qual o valor do negócio celebrado? 
 
Estamos perante um negócio indireto, porque se mobiliza um determinado tipo negocial para 
prosseguir finalidades próprias de outro tipo negocial. Em regra, a procuração serve para 
conferir poderes de representação e alargar a esfera de mobilização e atuação da esfera jurídica 
de um sujeito, permitindo a atuação de outro em nome daquele primeiro. 
 
Esta procuração está a ser utilizada como meio de garantia de uma dívida. Então, estes negócios 
indiretos são válidos porque não colocam nenhum problema de validade à procuração, mas 
permitem-nos perceber que, neste caso, esta procuração confere poderes de representação no 
interesse do representante. Em nome do seu interesse, Miguel podia alienar bens e depois 
acabava por, com base no produto dessa alienação, fazer-se pagar pelas dividas. Aqui, ele não 
vendeu, mas doou à sua filha. 
 
O interesse que é necessário salvaguardar não é o do representado, mas o do representante. 
Portanto, enquanto representante munido daquela procuração para garantir o pagamento da 
dívida, vender a um terceiro e ficar com o produto dessa venda não é materialmente diferente 
de doar aquele montante à sua filha. Nesta medida, podemos considerar que ele está a atuar 
dentro dos poderes de representação, que nãohá abuso de representação e que, pelas 
circunstâncias que envolvem a celebração do negócio, também se exclui qualquer conflito de 
interesses porque ele não tinha de salvaguardar o interesse do representado. Desde que se 
considere que aquela dívida foi saldada, não há qualquer conflito de interesses. 
 
Caso Prático 47 
 
António, já com uma idade avançada, necessitava do auxílio do seu sobrinho Rafael para realizar 
as tarefas básicas do dia a dia (a sua higiene, a sua alimentação, etc). A certa altura, Rafael 
informa António de que, se ele não o contemplar num testamento como herdeiro de toda a sua 
quota disponível, deixaria de lhe prestar qualquer tipo de auxílio. Assustado com essa 
possibilidade, António celebra um testamento em que atribui toda a sua quota disponível a 
Rafael. Uma vez falecido, os seus filhos pretendem saber se é possível invalidar este negócio. 
 
Resolução: 
 
Está aqui em causa a matéria de estado de necessidade, porque o António só celebrou aquela 
declaração para afastar a possibilidade de o Rafael se afastar e não o ajudar naquilo que 
necessitava. Rafael resolve explorar essa situação de necessidade do seu tio António. 
 
• Nota: fazer remissão para os arts. 2199º e ss. CC. 
 
Porque é que este não é um caso de coação moral? Porque, na coação moral, temos uma 
situação normal e, depois, tem-se um perigo que resulta da ameaça utilizada para extorquir a 
Teoria Geral do Direito Civil II 
124 
Marta Lima e Silva 
declaração negocial. In casu, a situação de necessidade já existe antes de qualquer ameaça. A 
situação de dependência do António já existe previamente. 
 
Não há uma previsão específica da relevância destes negócios usurários ou de estado de 
necessidade, mas temos os arts. 2199º e ss. que preveem, a este propósito, regimes especiais 
para cada uma destas hipóteses. 
 
Nesta medida, poderíamos ter aqui alguma dificuldade, pois temos a situação de necessidade e 
dependência, a situação de exploração dessa dependência e um outro requisito, que é o de 
resultar dessa situação de exploração da dependência benefícios excessivos ou injustificados. 
Isto é problemático porque o testamento, em si mesmo, já excede benefícios total ou 
parcialmente, tendo em conta o merecimento de quem os recebe. 
 
Portanto, será que podemos ou não aplicar o regime (com as devidas adaptações) do art. 
282º aos testamentos? Quer a doutrina quer a jurisprudência entendem que sim. O STJ proferiu 
um acórdão nesse sentido (Acórdão 23/06 NH de 2016). Entendeu que, em situações ou 
circunstâncias excecionais, era possível aplicar o regime do estado de necessidade a um 
testamento. O negócio seria, portanto, anulável e poder-se-ia aplicar o regime do art. 282º. 
 
• Nota: fazer remissão para o art. 2308º CC. 
 
Caso Prático 48 
 
Pedro celebrou com Miguel um contrato nos termos do qual lhe emprestou uma determinada 
quantia em dinheiro, obrigando-se o segundo a restituir-lhe o capital e a pagar os respetivos 
juros no prazo de dois anos. Tendo em conta que o empréstimo envolvia 300 mil euros e que o 
negócio foi celebrado por escrito particular, pronuncie-se sobre a validade do mesmo. 
 
Resolução: 
 
Foi celebrado um contrato de mútuo, mas o art. 1143º obriga a que, se o contrato for superior 
ao valor de 25 mil euros, só é válido se for celebrado por escritura pública ou documento 
particular autenticado. Portanto, o negócio é nulo nos termos do art. 220º CC. 
 
Contudo, ele é todo nulo? É uma nulidade total? Haverá uma redução do negócio? Ora, o 
negócio é divisível, já que se consegue dividir as quantias de dinheiro em várias parcelas. 
Partindo da ideia do princípio da salvaguarda/manutenção dos efeitos do negócio jurídico, 
tenta-se salvar ao máximo este contrato, considerando que ele é válido até aos 25 mil euros, ou 
seja, até ao montante em que pode ser celebrado por escrito particular assinado pelas partes. 
 
Porém, há autores que entendem que se reduz este negócio jurídico, aproveitando a parte que 
não está ferida por uma invalidade. Só não haverá solução se houver alguma parte cuja vontade 
hipotética ou conjuntural se oponha a essa solução. 
 
Há ainda outros autores que entendem que se poderia dividir os 300 mil euros em vários blocos 
de 25 mil euros. À Dra. Mafalda parece-lhe que se deve apenas reduzir o negócio até ao 
montante dos 25 mil euros. 
 
Caso Prático 49 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
125 
Marta Lima e Silva 
Miguel obrigou-se a efetuar um recital de piano hoje à noite. Tendo recebido a notícia de que o 
filho teve um grande acidente de viação e que corre risco de vida no hospital, Miguel decide 
cancelar o espetáculo. Diga se Miguel terá de pagar alguma indemnização a Pedro, proprietário 
da casa de espetáculos que o tinha contratado enquanto pianista. 
 
Resolução: 
 
Estamos perante uma situação de impossibilidade moral, sendo que o objeto do negócio 
jurídico tem de ser fisicamente possível. Esta é uma daquelas situações em que se pode dizer 
que a prestação da obrigação não se tornou inviável, mas que o sacrifício que o devedor terá de 
fazer pode contrariar o princípio da boa-fé. 
 
Se o objeto do negócio jurídico não for física e legalmente possível no momento da celebração 
do negócio, o negócio é nulo. Contudo, pode acontecer que ele seja física e legalmente possível 
aquando da celebração do negócio e, depois, por algum motivo, se torne impossível. Essa 
impossibilidade superveniente vai gerar a extinção da obrigação. 
 
Há, porém, situações em que essa prestação não se tornou impossível fisicamente. In casu, 
não há nada que impeça fisicamente o Miguel de tocar piano no recital onde se propôs, mas, 
não obstante, estamos perante uma prestação de facto não fungível. O Miguel não pode ser 
substituído, pois estão em causa determinados valores da personalidade cujo peso axiológico 
não devemos deixar de ter em conta. 
 
 
Impor ao Miguel a realização daquele recital de piano acaba por atentar contra o princípio da 
boa-fé, porque a boa-fé implica que, apesar de ele se ter vinculado, estão aqui em causa valores 
superiores e, portanto, não é exigível estar a obrigá-lo a atuar naquele momento. Então, a boa-
fé confere-nos uma solução que, formalmente, não consta do Código Civil. Nesta medida, em 
conclusão, Miguel não teria de indemnizar Pedro. 
 
Caso Prático 50 
 
Carmo e João celebraram um contrato de compra e venda de um imóvel. 
 
a) Imagine que, um dia antes do contrato ser formalizado, o imóvel ficou todo destruído 
num incêndio. Quid Iuris? 
 
Temos aqui uma situação em que o objeto do negócio nem sequer existe. Portanto, trata-se de 
uma impossibilidade, que conduz à nulidade do negócio jurídico, nos termos do art. 280º CC. 
 
b) Quid Iuris se o referido incêndio tiver ocorrido dois dias depois da outorga da escritura 
publica? 
 
• Nota: fazer uma remissão para o art. 796º CC. 
 
Quem vai suportar o risco de incêndio é o João, o que significa que o negócio, neste caso, é 
válido. 
Caso Prático 51 
 
Maria, saturada do confinamento a que foi sujeita, resolveu passear num centro comercial mal 
as lojas reabriram. Passando por uma das superfícies comerciais, viu numa montra um vestido 
Teoria Geral do Direito Civil II 
126 
Marta Lima e Silva 
com indicação de um determinado preço e resolveu comprá-lo. Dirigiu-se ao balcão de 
pagamentos e indicou que queria pagar aquele vestido e levá-lo consigo. Marta, funcionária da 
loja, disse-lhe então que aquele produto não estava à venda e reiterou que, mesmo que 
estivesse, o preço correto não seria 20€, como indicava, mas 200€. Pronuncie-se sobre cada um 
dos argumentos de Marta. 
 
Resolução: 
 
Temos de ver se a exposição do produto corresponderia à emissão de uma declaração. O 
argumento da Marta aponta para um sentido de que o vestido estava ali apenas para chamar à 
atenção do público. Por seu turno, o contra-argumento de Maria seria o de que a exposição do 
vestido numa montra com a indicação precisa do preço corresponde a uma proposta negocial.Estamos, portanto, perante uma proposta, apesar de haver dificuldade em distinguir a proposta 
e o convite a contratar nestas hipóteses em que a proposta é dirigida ao público em geral. A 
doutrina tem entendido que tudo aquilo que implique exposição de produtos em montras ou 
prateleiras em grandes superfícies com indicação de um determinado valor deve ser visto como 
uma proposta. 
 
Quanto à segunda parte do caso, em que o proprietário da loja quis dizer 200€ e disse 20€, in 
casu, verificamos um erro na declaração ou erro obstáculo. Portanto, vamos ter de aplicar aqui 
o regime do art. 247º CC. O negócio é anulável desde que o declaratário conhecesse ou não 
devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro. 
 
Caso Prático 52 
 
António adquiriu a Bernardo, através de um contrato de compra e venda, uma fração de um 
prédio, para aí instalar um bar. Fê-lo acreditando que a Câmara Municipal de Coimbra atribuía 
licenças de exploração de estabelecimentos noturnos naquela zona da cidade. Mais tarde, 
descobre que, por deliberação camarária, tinha ficado decidido que, naquele perímetro da 
cidade, não era possível, por uma questão de proteção da população mais idosa, funcionar 
qualquer tipo de diversão a partir das 20 horas. Pretende, por isso, desvincular-se do negócio. 
Terá fundamento para isso? 
 
Resolução: 
 
In casu, temos um erro vício. António acha que a realidade é uma quando é outra. Este erro é 
essencial, uma vez que, se ele não achasse que a realidade é diferente daquilo que ela realmente 
é, jamais teria celebrado o negócio. Além disso, o erro também se pode considerar próprio. 
 
• Nota: não esquecer que a essencialidade é aferida em termos subjetivos, ou seja, 
sabemos que o erro é essencial ou não em função daquilo que o próprio declarante 
entenda e veja no negócio. 
 
Cabe agora qualificar a modalidade de erro vício concretamente em causa para, depois, lhe 
aplicarmos o regime específico. Aqui, o erro incide sobre os motivos. No quadro do erro sobre 
os motivos somos confrontados com dois regimes: o erro sobre os motivos propriamente dito e 
o erro sobre a base do negócio. 
 
In casu, estamos perante um erro sobre a base do negócio, porque estamos perante um erro 
sobre uma determinada circunstância que foi pressuposta pelos dois ou, então, sendo 
Teoria Geral do Direito Civil II 
127 
Marta Lima e Silva 
pressuposta apenas por um, não podia deixar de ser tida em consideração pela contraparte à 
luz da boa-fé se lhe tivesse sido proposto o negócio com base nessa mesma circunstância. 
 
Aplicamos, então, o art. 252º/2 CC, que nos remete para o art. 437º CC, que fala, por seu turno, 
na alteração superveniente das circunstâncias. Contudo, esta matéria diz respeito ao futuro e, 
portanto, prevê-se, nesse artigo, que, quando haja uma alteração superveniente das 
circunstâncias, a consequência seja a resolução do contrato ou modificação dos termos do 
contrato. 
 
Se estamos a falar de erro, não faz sentido a resolução do contrato e, por isso, a remissão que 
se faz para o artigo 437º CC é uma remissão meramente parcial – remete para a hipótese da 
norma, mas já não para a sua estatuição. Vamos buscar ao art. 437º apenas a noção de base do 
negócio. Verificado o erro, a consequência é a anulabilidade do negócio. 
 
Caso Prático 53 
 
António comprou a Bernardo um terreno que julgava ser abastecido pela rede elétrica nacional. 
Mais tarde, já depois da celebração do negócio, descobre que afinal aquele terreno não era 
abastecido eletricamente e quer desvincular-se do negócio. Pode fazê-lo? 
 
Resolução: 
 
É um erro sobre o objeto porque, apesar de o erro incidir sobre um elemento que é um 
pressuposto externo da coisa, trata-se de um pressuposto externo que não é mutável ao longo 
do tempo, que condiciona o desempenho da coisa e que, por isso, se assemelha às qualidades 
intrínsecas dessa coisa. 
 
Caso Prático 54 
 
João comprometeu-se, diante de Pedro, a transferir para a conta bancária da sociedade X, de 
que era único sócio e gerente, a quantia necessária ao equilíbrio financeiro daquela e para 
garantir o pagamento do empréstimo que Pedro lhe tinha concedido caso se verificassem 
resultados operacionais negativos. Como João não promoveu a elaboração e aprovação das 
contas da sociedade, nunca se chegaram a realizar as referidas transferências de verbas. Pode 
João ser responsabilizado? 
 
Resolução: 
 
Aqui, temos um acordo entre Pedro e João: Pedro emprestou dinheiro a uma determinada 
sociedade e João comprometeu-se, enquanto sócio e gerente único, a, caso se verificassem 
lucros negativos que não permitissem o pagamento da divida, ele próprio, o João, faria 
transferências de dinheiro para a sociedade, de maneira a garantir o equilíbrio financeiro da 
mesma e de maneira a garantir que a prestação daquele empréstimo iria ser paga a Pedro. 
 
Acontece que o cumprimento desta obrigação fica dependente de um evento futuro e incerto: 
ocorrerem resultados operacionais negativos. Ora, para se saber se as contas são negativas, há 
que fazer as contas da sociedade e, nas sociedades, há regras próprias para a elaboração e 
aprovação de contas. No caso concreto, não seria difícil de perceber que, sendo ele sócio único 
e gerente, estaríamos aqui a falar de uma sociedade unipessoal por quotas. Então, ele teria de 
elaborar e aprovar as contas e só depois disso conseguiríamos chegar à conclusão se o resultado 
foi positivo ou negativo. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
128 
Marta Lima e Silva 
 
Ele nunca efetuou nenhuma transferência. Ora, se o resultado tivesse sido negativo e ele não 
tivesse efetuado a transferência, ele era responsável perante o Pedro. Se o resultado 
operacional fosse positivo, ele não teria de fazer nenhuma transferência e, portanto, não seria 
responsável. 
 
O grande problema é que, a partir do momento em que ele tem a obrigação de elaborar as 
contas e promover a aprovação de contas e não o faz reiteradamente, ele está a impedir, contra 
as regras da boa-fé, a verificação da condição, sendo que quem ficaria prejudicado se a condição 
se verificasse era o João. 
 
Estamos aqui, então, perante uma hipótese de sabotagem da condição, prevista no art. 275º/2 
CC. Nesta medida, a condição dá-se por verificada e, assim, ele teria de ter efetuado as 
transferências. Como não as efetuou, incorreu num incumprimento e, não tendo cumprido, 
pode ser responsabilizado perante o Pedro. 
 
Caso Prático 55 
 
António e Benedita viveram 23 anos em união de facto. Dois anos depois do início da situação 
de união de facto, António adquiriu uma fração autónoma num edifício sujeito ao regime da 
propriedade horizontal. No decurso da união de facto, António vendeu metade da sua fração à 
Benedita sob ameaça de que, se não o fizesse, esta o abandonaria. Ao fim de 20 anos, António 
e Benedita põem termo à sua relação. António pretende vir invalidar o negócio. Quid Iuris? 
 
Resolução: 
 
Estamos, aqui, perante uma situação de coação moral. António diz que quer vender e 
efetivamente ele quer vender, mas essa vontade de vender foi determinada por um processo 
que não é natural. Esta vontade foi determinada por receio de um mal com que foi ilicitamente 
ameaçado, com vista a extorquir a declaração negocial que ele acabou por emitir. 
 
Para que haja coação moral tem de existir uma ameaça e essa ameaça tem de ser ilícita, sendo 
que a ameaça é ilícita quando os próprios meios são ilícitos ou ilegítimos e quando não é legítimo 
prosseguir um determinado fim através daquele meio. 
 
No nosso caso concreto, por fim à união de facto não é, em si mesmo, algo ilícito. No entanto, é 
ilícito prosseguir um o objetivo da extorsão da declaração negocial e a celebração do contrato 
de compra e venda dar-se a partir da utilização daquele meio. Esta ameaça visou extorquir a 
declaração negocial. 
 
Esta coação moral é essencial ou principal, o que significa que, sem ela, não teria sido celebrado 
o negócio – é determinante da vontade de celebraro negócio. Nesta medida, ela dá origem à 
anulabilidade do negócio. O prazo para arguir a anulabilidade é o prazo de um ano a partir do 
momento em que a ameaça deixe de sortir efeito. In casu, esse momento é o fim da união de 
facto. 
 
Caso Prático 56 
 
António doa a Bernardo um automóvel. Porém, condiciona os efeitos do contrato ao facto de 
Bernardo concluir o curso de Direito. O negócio foi celebrado em 10 de março de 2018. Hoje, 
Teoria Geral do Direito Civil II 
129 
Marta Lima e Silva 
não tendo Bernardo concluindo ainda o seu curso, António vendeu o dito automóvel a 
Catarina. Qual o valor do segundo negócio? 
 
Resolução: 
 
Aqui, temos uma condição. Esta é uma cláusula acessória, o que significa que não tem 
necessariamente de existir no negócio, mas que pode ser aposta ao mesmo. É também uma 
cláusula típica, pela frequência com que é exercida nos contratos. A condição condiciona os 
efeitos de um negócio à verificação de um evento futuro e incerto. Significa isto que os efeitos 
daquele negócio jurídico só produzem efeitos se e quando aquele evento ocorrer. 
 
• Nota: tirar o curso de Direito não é um evento certo e, por isso, esta cláusula não pode 
ser considerada um termo. 
 
Sabe-se que o negócio foi celebrado a 10 de março de 2018, mas não se sabe o que aconteceu 
desde 10 de março de 2018. Então, em teoria, há duas hipóteses: 
 
® Desde 2018 até agora já se tem a certeza de que a condição não se vai verificar. Se 
assim for, isso significa, segundo o art. 275º/1 CC, que a condição não se verificou. In 
casu, o segundo negócio será válido. 
 
® Desde 2018, é normal que ainda não tenha concluído o curso, até porque o curso tem 4 
anos, sendo que é perfeitamente normal que ainda venha a concluir o curso. Se assim 
for, recorre-se ao art. 274º/1 CC. Isto significa que, se ele vier a concluir o curso, o 
negócio passa a produzir efeitos e, como a condição, uma vez verificada, tem eficácia 
retroativa, ele é proprietário desde o momento da celebração do negócio. Então, 
depois, haverá um conflito entre dois direitos de propriedade e irá prevalecer aquele 
que foi adquirido primeiro, a não ser que interfiram aqui regras próprias do 
registo. Significa isto que, se o negócio vier a ganhar eficácia, como esta eficácia é 
retroativa, o António terá vendido coisa alheia. 
 
Caso Prático 57 
 
António comprou a Bernardo, joalheiro, uns brincos para oferecer à sua namorada. Os brincos 
só podiam ser utilizados por quem tivesse as orelhas furadas. Hoje, António pretende 
desvincular-se do negócio uma vez que descobriu que Catarina, a namorada, não tinha qualquer 
furo nas orelhas. Quid Iuris? 
 
Resolução: 
 
Estamos, aqui, perante um erro vício. O erro vício tem de ser essencial e tem de ser próprio. In 
casu, estes dois pressupostos estão verificados em concreto. O que é necessário saber é qual é 
a modalidade de erro vício propriamente em causa. 
 
Será um erro objeto? Estamos perante um erro sobre o objeto quando estamos perante um 
erro sobre a identidade do objeto, sobre as características intrínsecas do objeto ou, ainda, sobre 
determinadas circunstâncias externas que estão de tal modo ligadas ao objeto que se podem 
considerar equivalentes a essas características intrínsecas. 
 
Neste caso concreto, o António olhou para os brincos e configurou-os tal e qual como eles são 
na realidade. Então, estamos perante um erro sobre os motivos. No fundo, o erro dele foi 
Teoria Geral do Direito Civil II 
130 
Marta Lima e Silva 
comprar os brincos por achar que a namorada os vai usar e, afinal, a namorada não os pode 
usar. Estes motivos são motivos que lhe dizem única e exclusivamente respeito a ele. 
 
Portanto, eles não são pressupostos pelas duas partes no contrato nem a contraparte teria de 
os ter em conta à luz da boa-fé ou teria de ter em conta o condicionamento do negócio a essas 
circunstâncias. A boa-fé não impunha a aceitação ou a consideração desses motivos por parte 
da contraparte. Estamos, então, perante um erro sobre os motivos propriamente dito. 
 
Para que esse erro conduza à anulabilidade do negócio tem de haver um acordo entre o 
declarante e o declaratário acerca da essencialidade do motivo, no sentido de a 
reconhecerem. Isto significa que, quando o António foi à loja, teria de ter dito ao joalheiro algo 
do género: “Eu estou a comprar estes brincos para a minha namorada e, portanto, estou a 
comprá-los na pressuposição de que ela os irá usar e os consegue usar. Se, por acaso, isto não 
corresponder à verdade, eu não quero estes brincos para qualquer outra finalidade”. Por seu 
turno, o joalheiro teria de assentir que o negócio só faria sentido em função da utilização que a 
namorada viesse a fazer dos referidos brincos. 
 
Sem este acordo, não é possível anular o negócio e a verdade é que o enunciado não nos oferece 
dados suficientes para perceber se ele existiu ou não. Concluindo, perante um enunciado como 
este, a única coisa que se pode dizer é que a anulabilidade do negócio depende da existência 
ou não deste acordo. 
 
Caso Prático 58 
 
Pedro descobriu que Filipe, seu devedor, tinha cometido adultério. Ameaça-o, então, de que, se 
ele não constituir a seu favor uma hipoteca sobre o seu apartamento por forma a reforçar o 
crédito de que era titular, conta tudo o que sabe a Teresa, mulher de Filipe. Pedro fê-lo por 
temer que Filipe esbanjasse o seu património com a amante. Hoje, Filipe está divorciado e 
pretende desvincular-se do negócio. Poderá fazê-lo? 
 
Resolução: 
 
Aqui, estamos perante um caso de coação moral. Contudo, por que razão estamos perante um 
caso de coação moral e não perante um mero exercício regular de um direito que não 
configuraria uma hipótese de coação moral? Está aqui em causa uma ameaça ilícita. Esta 
ilicitude traduz-se na prossecução ilegítima do fim de Pedro. Para conseguir o seu objetivo, 
Pedro ameaça Filipe com o seu caso adúltero. 
 
1) Pedro ameaça Filipe, seu devedor, de que, se ele não constituir a seu favor uma 
hipoteca, vai executar de imediato o seu crédito. Fá-lo por temer que Filipe esbanje todo 
o seu património com a sua amante. Hoje, Filipe pretende desvincular-se do 
negócio. Quid Iuris? 
 
Aqui, Pedro já poderia fazê-lo, sendo que já não estamos perante uma situação de coação 
moral. Nesta hipótese, há uma nuance que a distingue da anterior – estamos perante o exercício 
normal de um direito. O credor pode exigir ao seu devedor, dentro do que a boa-fé determina, 
o reforço do seu crédito. 
 
Aliás, Pedro parece ter argumentos suficientemente sólidos para justificar um receio de que o 
Filipe pudesse estar a esbanjar o seu património com a sua relação adúltera. Portanto, numa 
Teoria Geral do Direito Civil II 
131 
Marta Lima e Silva 
situação destas, Pedro pode exigir a constituição da hipoteca para garantia do crédito. Continua 
a haver uma ameaça, mas essa ameaça já não é ilícita. Neste caso, o negócio seria válido. 
 
Caso Prático 59 
 
Filipe constituiu, por documento particular, Eduardo como seu procurador, atribuindo-lhe 
amplos poderes de administração. Eduardo, em nome de Filipe, vende um apartamento a Maria. 
Passado uns dias, Eduardo, em nome de Filipe, recebe as rendas de outro apartamento deste 
(Filipe) e, com elas, manda realizar obras de conservação. Pronuncie-se sobre o valor dos 
negócios. 
 
Resolução: 
 
Quanto ao primeiro negócio – a venda do apartamento –, em primeiro lugar, há insuficiência da 
procuração para fazer negócios de compra e venda, porque teria de ser um documento 
autenticado. Contudo, verdadeiramente, aquela procuração não estava a conferir poderes para 
Eduardo poder vender o apartamento. Esta apenas lhe conferia amplos poderes de 
administração. A compra e venda é um ato de disposição e, portanto, mais do que um problema 
de forma da procuração – que, aliás, nem se coloca –, há um problema de representação sem 
poderes. A consequência é que o negócio é ineficaz em relação ao representado. 
 
Quanto ao segundo negócio – a realização dasde não cumprimento de contrato. 
 
Por exemplo, no contrato de compra e venda, que é um contrato bilateral, geram-se obrigações 
para ambas as partes se as obrigações tiverem de ser cumpridas no mesmo tempo – eu posso 
não entregar a coisa enquanto o B não me pagar. Eu, que estou obrigada a cumprir, posso não 
cumprir: exceciono o não cumprimento da outra parte para justificar o meu não cumprimento. 
Isto só faz sentido num contrato bilateral. Se o contrato for unilateral, apenas irá gerar 
obrigações para uma das partes e, deste modo, não faz sentido aplicar-se. 
 
8.2. Critério da constituição 
 
8.2.1. Negócios reais e consensuais quanto à sua constituição 
 
De acordo com as exigências constitutivas dos negócios jurídicos, estes podem ser qualificados 
como negócios consensuais e como negócios reais quanto à constituição. 
 
Pensemos num negócio jurídico público: os contratos. Ora, os contratos são integrados por 
declarações negociais, que têm de ser necessariamente duas para que haja contrato: uma 
proposta e uma aceitação – que vão unir-se num ponto de consenso. A partir deste momento, 
tem-se um contrato. Portanto, o contrato considera-se perfeito apenas com as declarações de 
vontade das partes. Deste modo, a maioria dos negócios, quanto à sua constituição, são 
considerados negócios consensuais. 
 
No entanto, há um leque pequeno de negócios que só se consideram perfeitos se, além destas 
declarações de vontade, existir um ato material anterior ou simultâneo a estas declarações de 
vontade. Estes são os negócios reais quanto à constituição. Podem ser o depósito, o comodato, 
o mútuo, o penhor e a doação de coisas móveis não celebrada por escrito. 
 
8.2.2. A crítica da doutrina e as necessárias diferenciações 
 
Esta qualificação tem sido muito criticada pela doutrina, dado que considera que se trata de 
um resquício do direito humano que, atualmente, não tem nem razão de ser nem tem utilidade. 
 
Exemplo: imagine-se que o António resolveu viajar para o estrangeiro. Este tem um automóvel 
e, durante o período que vai viajar, quer deixá-lo guardado na garagem do Bernardo. Então, liga-
lhe e pergunta se o pode fazer, pelo período de 4 meses e por uma retribuição de 400 euros. O 
Bernardo aceita. Acontece que, quando foi viajar, o António acabou por não depositar o 
telemóvel na garagem do Bernardo e este vem exigir o pagamento de 400 euros. A questão aqui 
acaba por ser se realmente foi considerado ou não um contrato – neste caso, um depósito. Se 
Teoria Geral do Direito Civil II 
14 
Marta Lima e Silva 
houver contrato, o Bernardo tem direito aos 400 euros; se não tiver sido celebrado um contrato, 
ele não tem direito aos 400 euros. 
 
Ora, um depósito é um daqueles negócios em que se exige excecionalmente o ato material de 
entrega. Parte da doutrina vem dizer que se trata um caso resquício que, hoje em dia, não faz 
sentido. 
 
Então, perante um exemplo como este, há autores que vêm dizer que o que aqui está em causa 
é um contrato depósito, que é tradicionalmente real quanto à constituição, mas que, contudo, 
verdadeiramente, pode considerar-se que aqui está em causa um contrato-promessa de 
depósito, suscetível de execução específica, que conduziria depois à celebração do contrato. 
 
Um contrato-promessa é, no fundo, quando A se obriga a vender e o B se obriga a comprar no 
futuro. Imagine-se que eles se comprometeram a vender no 15 de fevereiro de 2021 e que, 
nesse dia, A arrependeu-se. A está a violar um contrato, sendo que B pode propor uma ação de 
execução específica. Esta ação consiste, no fundo, na decisão do tribunal em proferir ou não 
uma sentença de execução específica, que vai funcionar como a declaração negocial em falta. O 
tribunal substitui-se ao A que não queria vender. 
 
A doutrina diz que temos um contrato de depósito que não é válido, dado que não se formou o 
ato material de entrega. Então, converte-se o contrato de depósito num contrato-promessa e, 
depois, procede-se à execução específica. Através desta, consegue chegar-se à formação de um 
contrato de depósito e, consequentemente, ao incumprimento do B. 
 
Contudo, há outros autores que dizem que não é necessário recorrer a este subterfúgio, porque 
a liberdade contratual viabiliza a celebração de um contrato consensual de mútuo, que seria 
um negócio atípico, não estando previsto na lei. 
 
Há, porém, determinados negócios reais quanto à constituição que escapam a estas 
considerações: o penhor e a doação de coisas móveis não celebrada por escrito – porque, para 
estes, há uma razão de ser para a imposição do ato da entrega. No caso do penhor, a função 
que a entrega desempenha é a publicidade. No caso das doações de coisas móveis, cumpre aqui 
a função de fazer entender ao doador o perigo daquela doação para o seu património. Portanto, 
parece que deve manter-se esta configuração real para estes casos, sendo que, nos outros 
casos, ela poderá não fazer sentido. 
 
Qual é a consequência se falta o ato de entrega? A doutrina divide-se. Para alguns autores, o 
que está em causa é a falta de perfeição do negócio jurídico – ele não chegou a ser celebrado. 
Para outros autores, o problema é um problema de forma e, quando falha a forma do negócio 
jurídico, aquilo que se gera é a nulidade do negócio. 
 
A melhor solução depende das hipóteses: 
Ø Há situações em que, de facto, aquilo que está em causa é a falta de perfeição do 
negócio e, portanto, o que está em causa é a inexistência do negócio. Estas situações 
são aquelas nas quais a configuração real é efetivamente exigida – por exemplo, no caso 
do penhor – e são aquelas em que se prove que as partes não se quiseram se vincular 
exceto através do ato material de entrega. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
15 
Marta Lima e Silva 
Ø Noutras situações, do que se trata é de um problema de forma e, deste modo, a 
consequência será a nulidade do negócio jurídico – é exemplo a falta da entrega da coisa 
no caso da doação das coisas móveis não celebrada por escrito. 
 
8.3. Critério da natureza da relação jurídica constituída, modificada ou 
extinta pelo negócio jurídico – negócios reais, obrigacionais, familiares e 
sucessórios 
 
De acordo com este critério, se se tiver em conta a relação jurídica que se pode constituir, 
modificar ou extinguir por efeito do negócio jurídico, pode estabelecer-se uma distinção entre 
os negócios obrigacionais, os negócios familiares, os negócios sucessórios e os negócios reais 
(reais quanto aos efeitos). 
 
Há negócios que podem ser reais quanto aos efeitos e que não são reais quanto à constituição. 
Tem de se ter cuidado a distinguir as duas realidades porque elas não se confundem. É o 
exemplo da compra e venda – que é um contrato real quanto aos efeitos, mas é um negócio 
consensual quanto à constituição, dado que, para celebrar uma compra e venda, basta a 
proposta e a aceitação, não sendo necessário nenhum ato material de entrega. 
 
8.4. Critério da natureza da relação jurídica a que o negócio se refere, do 
ponto de vista da suscetibilidade de ser avaliado em dinheiro ou não – 
negócios patrimoniais e não patrimoniais 
 
Tendo em conta a suscetibilidade da relação jurídica ser avaliada em dinheiro, pode-se falar de 
negócios pessoais ou de negócios patrimoniais: 
Ø Negócios pessoais – não têm uma avaliação pecuniária (exemplo: casamento); 
Ø Negócios patrimoniais – podem ser avaliados pecuniariamente (exemplo: compra e 
venda). 
 
8.5. Critério do conteúdo e da finalidade do negócio 
 
8.5.1. Negócios onerosos e gratuitos 
 
De acordo com este critério, pode distinguir-se entre negócios onerosos e negócios gratuitos: 
Ø Negócios onerosos – são aqueles que pressupõem atribuições patrimoniais para ambas 
as partes, sendo que, perante elas, existe um nexo de correspetividade, ou seja, uma 
atribuição patrimonial é causa da outra (exemplo: compra e venda); 
Ø Negócios gratuitos – são aqueles que se caracterizam pelo animus donandi/animus 
liberandi, ou seja, por uma intenção de liberalidade – a necessidadeobras com o dinheiro das rendas –, este negócio 
de realização de obras de conservação é um negócio de mera administração e, por isso, é um 
negócio eficaz. 
 
Caso Prático 60 
 
Carlos vendeu a Miguel o automóvel de Pedro. Quando Miguel lhe perguntou se o automóvel 
nunca tinha sofrido qualquer acidente, Carlos respondeu que não, sem sequer se ter certificado 
desse facto. Descobrindo, agora, que, em 2014, o automóvel tinha sofrido um aparatoso 
acidente, diga se Miguel pode reagir. 
 
Resolução: 
 
Haverá aqui uma situação de dolo? Se se considerar que o dolo, enquanto vício da vontade, 
pode ser integrado pela negligência enquanto forma de culpa e não tem de ser propriamente 
integrado pelo dolo de forma de culpa, então, a resposta será sim. Contudo, há divergências na 
doutrina quanto a este aspeto, sendo que existem duas grandes posições: 
 
® Há autores que entendem que o dolo, enquanto vício da vontade, pressupõe o dolo 
enquanto forma da culpa. Isto significa que, numa hipótese como esta, não seria 
possível recorrer ao regime do dolo, mas seria possível recorrer à responsabilidade pré-
contratual, sendo que o primeiro remédio seria a reconstituição natural. Esta 
reconstituição natural poderia passar pela desvinculação do negócio. 
 
® Outro grupo de autores vem dizer que é possível equiparar a indução negligente ao 
erro às hipóteses de dolo. Se a contraparte foi negligente/se se pode fazer cair um juízo 
de censura sobre a contraparte, então, significa que ela não tem uma legítima confiança 
digna de tutela que mereça ser protegida. Então, poder-se-ia anular o negócio sem mais 
requisitos. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
132 
Marta Lima e Silva 
A Dr. Mafalda chama à atenção para outro aspeto. No caso concreto, a qualificação desta 
hipótese como envolvendo dolo ou mera negligência era, em si, mesma problemática. 
® O dolo eventual significa que a pessoa teve noção do possível resultado que poderia 
surgir, ou seja, a pessoa configura o resultado e não confia na não produção do 
resultado, mas, mesmo assim, aceita-o; 
® Por seu turno, na negligência consciente, a pessoa prevê o resulta, mas confia na não 
produção desse resultado. 
 
Podemos, in casu, pensar em duas histórias: 
® O Carlos, quando disse que não sem fazer qualquer esforço para saber a verdade, 
confiou que o carro nunca teria sofrido um acidente; 
• O Carlos, quando disse que não, pensou que não se iria dar ao trabalho de indagar, mas 
aceita que o carro poderia ter sofrido um acidente e, ainda assim, diz que não. 
 
Esta diferença entre o dolo eventual e a negligência consciente é uma diferença muito ténue, 
sendo que apenas se consegue detetar do puro ponto de vista psicológico/interior do 
sujeito. Isto reforça ainda mais a ideia de que, de facto, é possível estabelecer a concreta 
analogia entre as hipóteses de dolo integrado pelo dolo em forma de culpa e as hipóteses de 
negligência consciente. 
 
Caso Prático 61 
 
António declarou vender a Bernardo um apartamento por 50 mil euros. Na realidade, António e 
Bernardo celebraram um acordo de compra e venda desse apartamento por 100 mil euros. 
 
1) Pronuncie-se sobre a validade deste negócio. 
 
Estamos perante uma simulação. O negócio simulado é nulo, enquanto o valor do negócio 
dissimulado depende do valor que aquele negócio teria se não houvesse simulação (art. 241º). 
 
Neste caso concreto, do ponto de vista substancial, o negócio dissimulado não tem qualquer 
problema, sendo que não há razão para a invalidade (pelo que é dito no enunciado). Do ponto 
de vista formal, já não se pode dizer o mesmo porque não está toda a informação no enunciado. 
Estamos aqui a tratar da compra e venda de um apartamento e o legislador estabelece uma 
exigência de forma para este negócio – escritura pública ou escrito particular autenticado. 
 
Contudo, imagine-se que, para esta venda, foi assinada uma escritura pública para a venda do 
apartamento. Nesta escritura pública, consta que o apartamento foi vendido a Bernardo por 50 
mil euros, quando, na realidade, foi por 100 mil. Será válida a compra e venda por 100 mil euros? 
Há divergências na doutrina: 
® Há autores que entendem que o negócio dissimulado se aproveita da forma do negócio 
simulado; 
® Há outros autores que são um pouco mais exigentes e que dizem que o negócio 
dissimulado só é valido se existir uma contradeclaração que revista a forma legalmente 
exigida. 
 
In casu, não se fala dessa contradeclaração, mas estamos perante uma simulação de preço. Ora, 
havendo uma simulação de preço, os autores são unânimes em dizer que, nessa hipótese, não 
é necessária qualquer contradeclaração, bastando a escritura pública ou escrito particular 
autenticado que formalizou o negócio simulado. Concluindo, o negócio simulado é nulo e o 
negócio dissimulado é válido. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
133 
Marta Lima e Silva 
 
2) Imagine que aquele apartamento está arrendado a Maria. Poderá esta exercer o seu 
direito de preferência? Se sim, por que valor? 
 
Maria, enquanto arrendatária, tem o direito de preferência. O direito de preferência só existe 
em relação a negócios que sejam válidos. Portanto, Maria só pode preferir no negócio de compra 
e venda de 100 mil euros. 
 
Contudo, imagine-se que Maria tinha alguns conhecimentos de direito. Então, vinha dizer que é 
uma terceira que está de boa-fé e desconhecia tudo aquilo, incluindo a simulação. Diz também 
que os simuladores, ao abrigo do art. 243º, não podem invocar contra ela a nulidade do negócio 
simulado e, portanto, vai poder proferir por 50 mil euros. Este argumento de Maria não é viável 
e não pode ser usado. O art. 243º existe para evitar um prejuízo para terceiros de boa-fé. Neste 
caso, se o aplicássemos, não estaríamos a evitar um prejuízo, mas sim a conceder um benefício 
a Maria (o terceiro) injustificado. 
 
3) Imagine que o arrendatário não era Maria, mas sim a autarquia de Coimbra (CMC). Quid 
Iuris? 
 
Aqui, estamos perante uma exceção: estando em causa uma autarquia, é possível preferir pelo 
valor simulação. Portanto, a Câmara Municipal de Coimbra poderia preferir por 50 mil euros. O 
objetivo é evitar que sejam feitas estas simulação no sentido de defraudar os entes públicos (o 
fisco, as autarquias locais, etc). 
 
Caso Prático 62 
 
António telefonou ao antiquário Bernardo dizendo-lhe que quer ficar com o contador (móvel) 
de Paulo Santo, disposto na montra à venda por 5 mil euros. O contador que António pretende 
comprar fora, entretanto, substituído por outro, com o único fim de alterar a decoração da 
montra. O preço era exatamente o mesmo. O certo é que António recebe em casa um contador 
completamente diferente daquele que tinha visto que pretende comprar. Constatado o engano, 
pretende reaver o dinheiro. Bernardo opõe-se terminantemente. Quid iuris? 
 
Resolução: 
 
In casu, temos um erro obstáculo ou erro na declaração. António diz que quer comprar o 
contador que está na montra e, afinal, quer comprar outra coisa. Ou seja, queria uma coisa e foi 
dizer outra, por um erro de ajustamento: achar que a montra continuava inalterada. Então, 
neste caso concreto, havendo um erro obstáculo, o negócio é anulável, desde que a outra parte 
conhecesse ou não pudesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu esse 
mesmo erro. 
 
Contudo, Bernardo nega-se a devolver o dinheiro. Imaginando que não consegue argumentar o 
desconhecimento da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro, como é que este 
se poderia opor a devolver o dinheiro? Ora, nos termos do art. 248º, se Bernardo se recusa a 
devolver o dinheiro, o que ele pode fazer é trocar o contador que enviou pelo contador que 
antes estava na montra e que, afinal, era o contador pretendido. Se assim for, não terá mesmo 
que devolver o dinheiro. 
 
Caso Prático 63 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
134 
Marta Lima e Silva 
A sociedade Rendas e Alugueres, LDA enviou uma carta aos diversos arrendatários de Miguel, 
esclarecendocriar um benefício 
para alguém que não é compensado por uma prestação correspondente (exemplo: 
doação). 
 
Há algumas notas que são importantes referir: 
 
1) Esta classificação dos negócios jurídicos, muitas vezes, não se dirige a tipos puros, mas 
sim a concretos negócios que foram celebrados. Significa isto que, muitas vezes, o 
Teoria Geral do Direito Civil II 
16 
Marta Lima e Silva 
mesmo negócio pode assumir-se como oneroso ou gratuito consoante aquilo que seja 
estipulado pelas partes. Por exemplo, o mútuo, que é um empréstimo em dinheiro, 
pode ser oneroso ou gratuito, conforme se houver juros ou não. 
 
2) Há fenómenos de complexidade contratual e, portanto, pode mobilizar-se um tipo 
contratual que é tipicamente oneroso para prosseguir finalidades de um negócio 
gratuito. 
 
Exemplo: A tem um sobrinho e quer criar um benefício para este. A vai vender o seu 
automóvel topo de gama ao sobrinho por 400 euros. Neste caso, A está a mobilizar um 
negócio que é oneroso – a compra e venda – para prosseguir finalidades próprias de um 
negócio gratuito. Portanto, encontramos aqui um fenómeno de complexidade 
contratual: um negócio misto. 
 
Note-se que o que faz este negócio gratuito não é o facto de o preço ser baixo, até 
porque é possível vender um apartamento que tem um preço de mercado de 100 mil 
euros por 30 mil euros simplesmente porque não se tem jeito para o negócio. A 
gratuitidade passará para o animus subjacente ao negócio, pela intenção de criar um 
benefício. Se não houver essa intenção de criar um benefício, não há um negócio 
gratuito. 
 
3) Este equilíbrio das prestações de que se fala ao nível do Direito Civil é um equilíbrio 
subjetivo. Por exemplo, eu posso vender um automóvel abaixo do preço de mercado, 
mas, entre mim e o comprador, subjetivamente, ambos consideramos que aquele é o 
preço justo, não tendo eu nenhum animus donandi. 
 
4) Para que o ato seja gratuito, ele não tem de corresponder a um ato de altruísmo. O 
senhor A pode atribuir vantagens ao senhor B por motivos egoístas. 
 
Exemplo: uma cadeia de hotéis oferece gratuitamente um jornal sobre o turismo da 
região a um número elevado de pessoas. O negócio é gratuito, mas há uma intenção 
egoísta subjacente de fomentar o turismo e trazer pessoas para o hotel. 
 
5) Muitas vezes, pensa-se estar a celebrar negócios gratuitos, mas, na realidade, não o 
são ou podem não ser. 
 
Exemplo: O Facebook surge como uma plataforma gratuita, havendo um contrato 
gratuito entre o Facebook e o utilizador. Contudo, em troca do uso gratuito da 
plataforma, o utilizador está a ceder dados pessoais que podem vir a ser transacionados, 
que podem ser vendidos de maneira a que se criem grandes bancos de dados pessoais. 
Se assim for, pode perder-se aquela lógica de gratuidade destas plataformas. 
 
6) O mútuo, que é um empréstimo de dinheiro: o senhor a celebrou um contrato com o 
banco e o banco empresta dinheiro ao senhor A. Este senhor A tem obrigações de 
devolver o dinheiro no final do empréstimo e pagar juros. O banco, por sua vez, não tem 
obrigações dentro das obrigações principais. Se se tiver em conta o número de 
obrigações que são geradas, o contrato de mútuo é unilateral, dado que só gera 
obrigações para uma das partes – portanto, é um contrato não sinalagmático. No 
Teoria Geral do Direito Civil II 
17 
Marta Lima e Silva 
entanto, este contrato é oneroso porque há duas prestações: a entrega do dinheiro pelo 
banco e o pagamento do crédito e dos juros – há duas atribuições patrimoniais que 
estão unidas de acordo com o nexo de correspetividade. 
 
8.5.2. Negócios onerosos comutativos e aleatórios 
 
Dentro dos negócios onerosos, pode ainda fazer-se a distinção entre negócios onerosos 
comutativos e negócios onerosos aleatórios: 
Ø Negócios onerosos comutativos – envolvem as duas prestações que estão equilibradas 
em termos subjetivos. 
Ø Negócios onerosos aleatórios – são aqueles em que as partes se submetem a uma alia 
(um risco). Não há uma ideia de troca, ou seja, não se sabe que partes vão ganhar com 
este negócio. É esta sujeição à alia que faz com que o negócio seja oneroso. 
 
Há três hipóteses de negócios onerosos aleatórios: 
 
1) Negócios que há apenas uma prestação, mas as partes à priori não sabem quem é que 
vai ter de a efetivar. Por exemplo, um contrato de joga e aposta, em que a efetivação 
da prestação depende de quem ganha a aposta. 
 
2) Negócios em que há duas prestações, sendo que uma das duas é certa e a outra é 
incerta. Por exemplo, um contrato de seguro de responsabilidade civil (por exemplo, 
automóvel), em que há uma prestação que é certa – a que se efetua à seguradora – e 
uma prestação incerta – a da seguradora, porque ela só efetuará uma prestação se se 
verificar um acidente de risco que está coberto pela apólice do seguro. 
 
3) Situações em que há duas prestações que são certas, mas uma delas é incerta quanto 
ao montante. Por exemplo, um contrato de seguro de vida, em que as duas prestações 
são certas, dado que se sabe que a pessoa vai morrer. A prestação que se efetua à 
seguradora é certa quanto ao montante, mas a que ela vai realizar é incerta, pois fica 
dependente da capitalização. 
 
8.6. Critério do momento da produção de efeitos jurídicos do negócio 
 
8.6.1. Negócios inter vivos e mortis causa 
 
Se se tiver em conta o momento relevante para a produção de efeitos jurídicos, pode distinguir-
se entre: 
Ø Negócios jurídicos inter vivos – produzem efeitos em vida das partes; 
Ø Negócios jurídicos mortis causa – produzem efeitos unicamente depois da morte dos 
sujeitos; o exemplo mais clássico dos negócios mortis causa é o testamento. 
 
O professor Menezes Cordeiro apresenta algumas críticas a este critério tradicional de 
distinção, dizendo que o critério não nos satisfaz totalmente porque as partes no negócio, ao 
abrigo da autonomia privada, podem estipular que os negócios apenas produzam efeitos com a 
morte de alguma delas. É o caso, por exemplo, do contrato de seguro de vida, que é um negócio 
inter vivos – por assentar num tipo de regulação que se destina a reger as relações entre os 
Teoria Geral do Direito Civil II 
18 
Marta Lima e Silva 
participantes naquele negócio –, mas que produz efeitos depois da morte do segurado. É esta a 
crítica do professor Menezes Cordeiro. 
 
Ora, é verdade que o contrato de seguro de vida é um negócio inter vivos, mas isso não põe em 
causa o critério clássico de distinção entre os negócios inter vivos e os negócios mortis causa 
– designadamente porque, quando se diz que o negócio mortis causa produz efeitos apenas 
depois da morte do declarante, assume-se que todos os efeitos do negócio são produzidos 
depois da morte. 
 
Por exemplo, o testamento só vai produzir todos os seus efeitos depois da morte. Deste modo, 
só depois da morte é que há transferência da propriedade dos bens para os herdeiros ou 
legatários. Ademais, note-se que o testamento pode ser livremente revogado pelo testador – 
até ao momento da morte, o testador pode revogar aquele negócio. 
 
No que toca ao contrato de seguro de vida, não é assim. Se o A celebra com uma seguradora 
um contrato de seguro de vida, este passa a produzir efeitos imediatamente. O que acontece é 
que há uma prestação que só vai ser realizada depois da morte de um dos contraentes, mas o 
negócio está a produzir efeitos imediatamente. 
 
Portanto, as duas características – a produção dos efeitos única e exclusivamente depois da 
morte e a livre revogabilidade do negócio até a morte – não se verificam por referência a este 
contrato de seguro de vida. 
 
8.6.2. Negócios mistos ou híbridos 
 
Para além do testamento, haverá outro negócio mortis causa? 
 
Ora, o art. 1700º do CC diz-nos o que pode conter uma convenção antenupcial – aquela 
convenção que os nubentes celebram antes do casamento e que visa determinar, entre outras 
coisas, qual o regime de bens que vai vigorar entre o casal. Então, há que tentar perceber como 
se vão qualificar estas disposiçõesfeitas numa convenção antenupcial, mas que visam produzir 
efeitos com a morte de um dos esposados/nubentes. 
 
No que diz respeito à instituição de herdeiro ou de legatário em favor de qualquer um dos 
esposados feita por outro esposado ou por um terceiro, a melhor qualificação é considerar que 
estamos perante um negócio híbrido ou misto – porque um negócio híbrido ou misto conjuga 
características quer dos negócios inter vivos quer dos negócios mortis causa: 
1) A transferência de bens só ocorre depois da morte; 
2) Não é possível revogar o ato unilateralmente após a aceitação – art. 1701º/1 do CC. 
 
Então, estamos perante um negócio que é híbrido ou misto: apesar de a transferência dos bens 
ocorrer apenas depois da morte, não é possível revogar o ato unilateralmente após a 
aceitação. 
 
Por fim, no que diz respeito à instituição de herdeiro ou de legatário feita por qualquer um dos 
esposados em favor de terceiro, há que distinguir duas situações: 
1) Se o terceiro interveio na convenção antenupcial, não é possível revogar livremente e 
estamos mais uma vez perante um negócio híbrido ou misto; 
Teoria Geral do Direito Civil II 
19 
Marta Lima e Silva 
2) Se o terceiro não interveio, a disposição é livremente revogável e, se assim é, tem-se 
aqui as duas características dos negócios mortis causa: livre revogabilidade e 
transmissibilidade da propriedade dos bens apenas depois da morte – deste modo, 
vamos qualificar o negócio como negócio mortis causa. 
 
8.7. Critério do risco e da importância patrimonial do negócio – negócios de 
mera administração e negócios de disposição 
 
Tendo em conta o critério do risco e da importância patrimonial do negócio, pode fazer-se uma 
distinção entre: 
Ø Negócios de mera administração; 
Ø Negócios de disposição. 
 
O que caracteriza um negócio de mera administração é o facto de não envolver uma alteração 
da composição do património nem do capital. Portanto, os negócios de mera administração ou 
de administração ordinária correspondem a uma gestão comedida e prudente – porque eles 
não envolvem grandes riscos, embora também nunca potenciem grandes ou elevados lucros. 
No fundo, são negócios em que apenas se tenta aproveitar as potencialidades que são inerentes 
ao próprio património. 
 
São negócios de mera administração: 
Ø Os atos de conservação dos bens; 
Ø Os atos de frutificação normal dos bens; 
Ø Os atos de frutificação anormal dos bens; 
Ø Os negócios de melhoramento. 
 
Por exemplo, o senhor A tem uma quinta e resolve, à custa do rendimento que obteve com as 
colheitas deste ano: 
Ø Fazer obras de sedimentação de um muro que estava a ruir; 
Ø Comprar adubo para poder voltar a frutificar; 
Ø Comprar umas sementes para começar a produzir tomates. 
Quando faz estas mudanças, o senhor A fá-lo sempre à custa do rendimento que obteve com o 
próprio bem e não através da alienação de partes do capital ou de partes do seu património. 
 
Portanto, qualquer uma das quatro categorias de atos acima referidas são consideradas atos de 
mera administração, mas apenas desde que sejam realizadas à custa do rendimento que se 
obteve com o próprio bem e não através da alienação de partes ou parte do capital ou do 
património. É isto que marca a diferença e que faz com que este negócio seja um negócio de 
mera administração. 
 
É claro que, aqui, há que ter algum cuidado porque, dependendo do destino que se possa 
atribuir ou reconhecer para um determinado bem, poderemos estar perante um negócio de 
mera administração ou um negócio de disposição. 
 
Os negócios de disposição são aqueles que afetam a substância do património, alterando a 
composição do capital administrado. Nessa medida, eles potenciarão grandes ganhos, mas 
envolvem necessariamente o perigo de grandes perdas. É por isso que, em determinadas 
situações, é vedada a possibilidade de celebração destes negócios de disposição (exemplos: 
Teoria Geral do Direito Civil II 
20 
Marta Lima e Silva 
curadorias, poderes dos tutores, poderes dos cônjuges no tocante à administração dos bens do 
outro, medida de acompanhamento de maiores, etc). 
 
Muitas vezes, pode não ser fácil distinguir-se um negócio de mera administração de um 
negócio de disposição. 
 
A primeira coisa a fazer, quando se quer qualificar, é verificar se o legislador se pronunciou 
sobre o assunto porque, às vezes, o legislador especifica se o negócio deve ser visto como um 
ato de mera administração ou se deve ser visto como um ato de disposição (exemplo: art. 1024º 
do CC). Se o legislador não se tiver pronunciado sobre a qualificação, então, aí é que se mobiliza 
este critério distintivo. 
 
8.8. Critério da forma – negócios formais e consensuais 
 
Se se tiver em conta a exigência ou não de forma enquanto requisito de validade do negócio 
jurídico, pode distinguir-se; 
Ø Negócios solenes ou formais – o legislador exige uma determinada formalidade como 
requisito da sua validade; 
Ø Negócios consensuais não formais ou não suplentes – podem ser celebrados por 
qualquer forma, inclusive verbalmente (exemplo: a venda verbal de um automóvel é 
válida). 
 
• Nota: os negócios consensuais quanto à forma não se confundem, de maneira alguma, 
com os negócios consensuais quanto à constituição (por oposição aos negócios reais 
quanto à constituição). Quando falarmos de negócios consensuais, teremos sempre de 
especificar se estamos a falar de negócios consensuais atendendo à constituição ou 
atendendo à forma. 
 
A regra é que os negócios jurídicos não estão submetidos a qualquer forma e podem ser 
celebrados por qualquer meio que seja apto a exteriorizar a vontade negocial – princípio da 
liberdade de forma (art. 219º do CC). No entanto, em determinadas situações excecionais, 
impõe-se uma forma especial, sendo que, se essa forma especial não for cumprida, então, o 
negócio há de ser considerado nulo nos termos do art. 220º do CC. 
 
8.9. Critério da relevância da relação jurídica que constitui a causa do negócio 
– negócios abstratos e negócios causais 
 
Tendo em conta a relevância da relação jurídica que constitui a causa do negócio, pode 
distinguir-se entre: 
Ø Negócios jurídicos causais – a função económica ou social da relação jurídica que 
constitui a sua causa é relevante; 
Ø Negócios jurídicos abstratos – a função económica ou social da relação jurídica que 
constitui a sua causa não é relevante. 
 
A generalidade dos negócios é causal, sendo que a exceção se encontra ao nível dos negócios 
abstratos. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
21 
Marta Lima e Silva 
Por exemplo, relativamente aos negócios causais: não basta que A diga em tribunal que B lhe 
deve mil euros. É necessário que A explique e prove por que razão ele lhe deve esses mil euros. 
Isto significa que a relação que está na base da celebração do negócio é relevante. 
 
Ora, isto não é assim em alguns negócios: no caso da letra, da livrança e do cheque. Estes três 
negócios abstratos são caracterizados pela sua abstração ou pelo princípio da abstração, o que 
significa que valem independentemente da causa que lhes deu origem. 
 
Exemplo do cheque: imagine-se que o A preenche um cheque e entrega a B porque devia lhe 
devia mil euros, uma vez que comprou um automóvel a B e, portanto, tinha de lhe pagar. B 
endossou esse cheque e, deste modo, tem-se um C que nem sequer sabe que A existe e que 
passa a ser portador daquele cheque. Se C for ao banco para levantar o dinheiro inscrito naquele 
cheque, o A não vai poder opor ao C quaisquer exceções e não vai poder dizer que já pagou 
aquela quantia de mil euros ao B. Portanto, o cheque caracteriza-se pelo princípio da abstração, 
pois abstrai-se completamente daquilo que esteve na base do preenchimento inicial do cheque 
e não pode ser oposta qualquer exceção a um terceiro que não faça parte da relação inicial 
(entre A e B). Isto funciona assim também nas letras e nas livranças. 
 
Exemplo da letra: eu pedi dinheiro ao B e, para garantir essa dívida, eu subscrevi uma letra. Uma 
letra é um títulode crédito, em que o B pode executar para que eu pague aquilo que lhe devo. 
Se ele o fizer e não tiver motivos para isso porque eu estou a pagar regularmente, porque eu já 
lhe paguei aquela dívida ou porque o negócio que suscitou aquela dívida é inválido, eu posso 
opor isso ao B. No entanto, se o B tiver transmitido aquele título de crédito ao C, eu não posso 
opor ao C nenhuma destas exceções e, portanto, mesmo que eu já tenha pagado a dívida ao B, 
se o C me vier exigir o pagamento correspondente à quantia inscrita na letra e executar aquele 
título, eu vou ter de arcar com essa execução. 
 
A letra, o cheque e a livrança abstraíram-se completamente da relação de base e 
autonomizaram-se completamente. A relação não é relevante para a eficácia daquele negócio. 
 
9. Formação do negócio jurídico 
 
O problema da formação do negócio jurídico é complexo. Para se um formar negócio jurídico, é 
necessária a existência de pelo menos uma declaração negocial. O elemento primordial do 
negócio jurídico sem o qual ele não existirá são as declarações negociais ou declarações de 
vontade. Pode ser uma, se estivermos perante um negócio unilateral, mas terão de ser no 
mínimo duas se estivermos perante um negócio bilateral ou contrato. 
 
9.1. Declarações negociais ou declarações de vontade 
 
9.1.1. Noção 
 
A declaração negocial é um meio de transmissão da vontade tendente à produção de efeitos 
práticos e que se pretende que sejam vinculantes. De acordo com a doutrina tradicional, podem 
definir-se as declarações negociais como o comportamento que, exteriormente observado, cria 
a aparência de exteriorização de um determinado conteúdo de vontade negocial. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
22 
Marta Lima e Silva 
Estas declarações negociais são integradas por dois elementos: 
Ø Um elemento externo – corresponde à declaração propriamente dita; 
Ø Um elemento interno – corresponde à vontade negocial. 
 
Esta vontade negocial, por seu turno, pode ser tripartida, ou seja, pode ser analisada em três 
tipos de vontade. Estes três tipos de vontade têm de estar sempre presentes: 
 
1) A vontade de ação – significa, desde logo, que o comportamento tem de ser voluntário. 
Sem voluntariedade do comportamento não há declaração negocial. Há determinadas 
situações patológicas em que esta vontade de ação está ausente (por exemplo, a coação 
física ou absoluta), mas isso vai determinar a inexistência do negócio. 
 
2) A vontade de declaração – não basta que o comportamento seja voluntário. É 
necessário que haja a consciência de que ao comportamento voluntário é atribuído o 
sentido de uma declaração negocial. Há que ter a consciência de que o comportamento 
é entendido como uma declaração negocial – como um meio de transmitir uma vontade 
de produção de efeitos práticos para que sejam juridicamente vinculantes. Também há 
situações em que esta vontade de declaração pode não estar presente. 
 
Exemplo: o senhor A está a assinar uns cartões de boas festas para os seus clientes e, 
no meio desses cartões, estava uma carta de aceitação de uma proposta negocial, que 
ele assinou. O seu comportamento foi voluntário, mas ele não tinha consciência que 
estava a declarar que aceitava um negócio jurídico. Neste caso, faltaria a vontade de 
declaração – uma situação patológica, que será assimilada por um regime específico 
previsto pelo legislador (que estudaremos mais à frente). 
 
3) A vontade negocial – consiste na vontade de celebrar um negócio com o conteúdo que 
corresponda à declaração exteriorizada. Pode também falhar em situações (que 
também vamos estudar), como a situação de erro. 
 
Exemplo: eu quero declarar a minha vontade de querer comprar 100 pares sapatos para 
revenda, mas enganei-me e, ao invés de declarar que quero comprar 100 pares de 
sapatos, declaro que quero comprar 1000 pares de sapatos. O meu comportamento é 
voluntário e eu tenho consciência de que ele tem o sentido de uma declaração negocial, 
mas o conteúdo que eu lhe quero imprimir não corresponde àquela declaração que foi 
exteriorizada. Tem-se, aqui, um dissidio entre a vontade e a declaração. 
 
Quando se distingue, ao nível da declaração negocial, a declaração propriamente dita e um 
elemento interno que é a vontade, surge-nos, ao longo de todo o estudo do negócio jurídico, a 
questão de saber se se deve sobrevalorizar a dimensão de vontade ou a dimensão de 
declaração. Há um debate na doutrina no sentido de saber se se deve realçar o aspeto 
subjetivista – ligado à vontade e à manifestação da vontade – ou o aspeto objetivista – que é o 
aspeto relacionado com o comportamento declarativo, com a aparência de vontade, com o ato 
associado em que se traduz esta declaração. 
 
Há duas perspetivas que vêm já desde Savigny e de Ihering que terão de ser questionadas, mas 
que só podem ser assumidas em face dos dados normativos que vamos abordar posteriormente. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
23 
Marta Lima e Silva 
Portanto, ao longo do semestre, vamos perceber se vamos aderir a uma posição objetivista ou 
uma posição tendencialmente subjetivista. 
 
Não devemos esquecer que vamos sempre ter uma tensão entre subjetivismo e objetivismo – 
entre a declaração propriamente dita e a vontade subjacente à declaração –, sendo que vamos 
tendencialmente dar primazia a uma perspetiva objetivista, embora seja uma perspetiva 
objetivista mitigada (compreendida também à luz da tutela da boa-fé e algures da tutela da 
confiança). 
 
9.1.2. Tipos de declarações negociais 
 
O art. 217º do CC consagra o chamado princípio da liberdade declarativa. Segundo este artigo, 
as declarações negociais podem ser: 
Ø Expressas – se forem feitas por palavras (por escrito) ou por qualquer outro meio direto 
de manifestação da vontade; 
Ø Tácitas – quando se deduzem de factos que, com toda a probabilidade, as revelem; ou 
seja, pressupõem a existência de um comportamento concludente. 
 
Exemplo de uma declaração negocial expressa: o António perguntou ao Bernardo se queria 
comprar um chocolate e o Bernardo respondeu que sim. Esta é uma declaração expressa, feita 
por palavras. 
 
Exemplo de uma declaração negocial tácita: o António propõe ao Bernardo que ele compre o 
chocolate por cinco euros e o Bernardo não diz absolutamente nada, mas o chocolate está à sua 
frente e ele começa a comê-lo. Neste caso, tem-se um comportamento concludente. Daquele 
comportamento do Bernardo, pode concluir-se com toda a probabilidade que a resposta é no 
sentido da aceitação – porque ele passa a comportar-se imediatamente como o proprietário do 
chocolate e a consumir aquele bem que é perecível. 
 
9.1.3. Declaração negocial presumida e ficta 
 
As declarações negociais podem ainda qualificar-se como declarações negociais presumidas ou 
declarações negociais fictas: 
 
Ø A declaração negocial é presumida quando a lei ligou um determinado conteúdo de 
vontade negocial a um dado comportamento. No fundo, tem-se aqui uma presunção do 
legislador de que àquele comportamento corresponde um determinado conteúdo de 
vontade negocial. Então, a declaração negocial diz-se presumida. Esta presunção pode 
ser ilidida mediante prova em contrário. 
 
Ø Se não for possível ilidir a presunção, ou seja, se o legislador atribui àquele 
comportamento um determinado conteúdo de vontade negocial e eu não posso sequer 
provar que a minha vontade era outra, então, a declaração negocial diz-se ficta porque 
há uma ficção. 
 
Por exemplo, veja-se o art. 1054º do CC. Se eu não disser nada, ou seja, se não houver 
uma declaração no sentido da denúncia do contrato, ele vai-se renovar. Àquele meu 
nada dizer (àquele comportamento omissivo) o legislador atribui um determinado 
Teoria Geral do Direito Civil II 
24 
Marta Lima e Silva 
conteúdo de vontade negocial e eu não posso provar o contrário. Isto é uma declaração 
negocial ficta. 
 
9.1.4. Reserva e protesto 
 
No âmbito das declarações negociais, fala-se ainda do protesto e da reserva: 
 
Ø O protesto é uma declaração negocial que visaesclarecer sempre que o sujeito tenha 
medo de que o seu comportamento declarativo seja associado a um sentido que ele não 
quer (que não é esse o seu intuito). 
 
Exemplo: A emite uma declaração negocial e tem medo que lhe seja atribuído um 
determinado sentido que não é um sentido que ele quer, mas ele acha que pode suscitar 
algum equívoco. Então, A emite um protesto que visa esclarecer sempre que haja esta 
situação de medo de que possa ser atribuído um sentido que não é o que ele quer. 
 
Ø Se a intenção for esclarecer que o comportamento declarativo não corresponde à 
renúncia a um direito ou ao reconhecimento de um direito alheio, então, o protesto 
chama-se reserva. 
 
Exemplo: A e B celebraram um contrato de arrendamento e o A tem de pagar a renda 
(500€) todos os meses ao B, que é o senhorio. Entretanto, houve umas infiltrações na 
casa que está arrendada e o A acha que tem direito a pagar apenas 200€ para compensar 
as obras e as despesas que teve com a resolução do problema das infiltrações. Assim, 
passa a depositar todos os meses apenas os 200€ e não os 500€ correspondentes ao 
valor do arrendamento. O B, o senhorio, quer levantar aquele dinheiro da conta porque 
necessita dele, mas tem medo de que isso possa ser interpretado como uma renúncia 
ao seu direito aos 500€. O que ele pode fazer é emitir uma reserva, no sentido de 
esclarecer que o seu comportamento não visa, de modo algum, a uma renúncia ao 
direito ou a um reconhecimento de que o arrendatário tem o direito ao abatimento 
daquele valor na renda. 
 
9.1.5. Problema do silêncio 
 
Outro problema a propósito das declarações negociais é o problema do silêncio. Nos termos do 
art. 217º CC, há declarações negociais expressas ou tácitas e as tácitas implicam um 
comportamento concludente. A declaração tácita envolve necessariamente um comportamento 
concludente, mas não é assim no caso do silêncio. 
 
Do ponto de vista jurídico, o silêncio não é apenas estar calado – é nada dizer e nada fazer. Ou 
seja, o silêncio envolve necessariamente uma omissão: envolve nada dizer e nada fazer. Não 
se deve confundir o silêncio com uma declaração tácita. 
 
O problema que se coloca é o de saber se o silêncio vale como declaração negocial. O art. 218º 
do CC vem dizer que, em regra, o silêncio não vale como declaração negocial, como 
comportamento declarativo. Há duas razões que justificam isto: 
 
1) Por um lado, a omissão do comportamento pode ser justificada por muitas razões. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
25 
Marta Lima e Silva 
 
Exemplo: recebíamos uma carta com uma proposta negociada e, se não disséssemos 
nada no espaço de 10 dias, dava-se por celebrado um contrato. No entanto, naqueles 
10 dias estávamos de férias e não vimos a carta. Ficávamos vinculados sem que aquele 
nosso silêncio correspondesse ao que quer fosse. Não havia uma causa ou uma 
justificação para o nosso silêncio – nós nem tínhamos tido o efetivo conhecimento da 
nossa declaração. 
 
2) Por outro lado, não é razoável impor aos sujeitos a quem é enviada uma proposta o 
ónus de recusar essa proposta. No entanto, há exceções – o art. 218º do CC estabelece 
quais são as situações em que excecionalmente o silêncio pode valer como declaração 
negocial: 
 
§ Quando esse valor seja atribuído por lei, ou seja, quando há uma norma que 
determina que aquela omissão vale como declaração negocial (exemplo: art. 
1054º CC). 
§ Quando haja uma convenção, sendo que esta se trata de um acordo entre as 
partes (exemplo: o senhor A e senhor B estão a negociar a celebração de um 
contrato de compra e venda relativo a livros de direito e combinam que um irá 
enviar a proposta e, se o outro não disser nada no prazo 5 dias, isso significa que 
este aceitou a proposta ao envio das obras – isto é uma convenção entre as 
partes no sentido de atribuir valor negocial ao silêncio). 
§ Quando haja um uso a determinar isso mesmo, sendo que os usos a que aqui 
nos referimos tanto podem ser os usos sociais como os usos particulares. Os 
usos sociais referem-se às práticas correntes num determinado setor de 
atividade, enquanto os usos particulares são aqueles que são correntes entre as 
partes. 
 
9.2. Forma do negócio jurídico 
 
9.2.1. Princípio da liberdade de forma e as suas exceções 
 
Em regra, os negócios jurídicos não carecem de forma especial. Nos termos do art. 219º CC, 
vigora um princípio da liberdade de forma. Entende-se perfeitamente que assim seja, uma vez 
que, em face da profusão de negócios jurídicos que celebramos no nosso quotidiano, tornar-se-
ia absolutamente inviável exigir-se uma forma para a celebração dos negócios jurídicos. 
 
No entanto, há situações em que o legislador impôs uma determinada forma. Noutras situações, 
o legislador não impôs uma determinada forma, mas as partes convencionaram uma exigência 
de forma. Tem-se aqui, então, uma distinção entre a forma legal que é imposta pelo legislador 
e a forma convencional que é acordada pelas partes. 
 
Isto significa que o nosso ordenamento jurídico considera válidos os chamados pactos 
determinativos da forma – art. 223º do CC. 
 
Uma nota importantíssima é que estes negócios determinativos da forma não podem conduzir 
ao afastamento das regras legais impostas em matéria de forma, porque estas normas são 
imperativas. Portanto, se o fizerem, esses negócios são nulos por força do art. 280º do CC. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
26 
Marta Lima e Silva 
 
Isto significa que os pactos determinativos da forma apenas podem servir para impor uma 
forma quando o legislador não impôs qualquer forma ou para agravar a exigência de forma 
quando o legislador previa uma qualquer forma. 
 
Exemplo: o legislador prevê como forma para um negócio jurídico o escrito particular e as partes 
determinam que é necessária escritura pública. Neste caso, é válido, porque se vai para além 
daquilo que o legislador exigiu. Contudo, se o legislador tivesse exigido para a validade do 
negócio uma escritura pública, as partes não poderiam, num pacto determinativo da forma, vir 
dizer que basta o escrito particular. Neste caso, o próprio pacto determinativo da forma seria 
inválido – seria nulo por violação de uma norma imperativa nos termos do art. 280º CC e 
continuaria depois a determinar-se a nulidade do negócio que tinha sido celebrado com base 
nesse pacto determinativo da forma. 
 
As razões para a imposição de determinada forma são várias: 
Ø Impor uma maior reflexão às partes; 
Ø Garantir um maior grau de certeza acerca da celebração do negócio; 
Ø Garantir uma maior certeza relativamente aos termos em que o negócio foi celebrado; 
Ø Facilitar a prova da celebração do negócio jurídico; 
Ø Dar publicidade ao ato; 
Ø Separar claramente a fase pré-contratual da efetiva celebração do negócio. 
 
Ao formalizar-se o negócio, tem-se muito mais consciência de que o negócio foi celebrado, de 
quem foram os contraentes, de quais foram os termos efetivos com que o negócio foi celebrado, 
de qual é o objeto e específico do negócio, de quais as cláusulas acessórias que foram 
estipuladas pelas partes, etc. 
 
Depois, garante-se uma maior reflexão, porque uma coisa é celebrar na imediatez um negócio 
jurídico e outra coisa é mediar entre a decisão de celebrar um negócio jurídico e a formalização 
do negócio jurídico (que, quando é uma forma solene, nunca será no mesmo momento). É por 
isto que, muitas vezes, a forma está associada aos negócios que envolvem bens de maior 
valor/importância. 
 
9.2.2. Tipos de forma 
 
Existem vários tipos de forma: 
 
1) A forma escrita, que dá origem a documentos que, por sua vez, podem ser: 
Ø Documentos autênticos, como a escritura pública, que é exarada pelo notário; 
Ø Documentos autenticados, que são elaborados pelas partes, mas depois são 
confirmados perante o notário; 
Ø Documentos particulares, que podem ser assinados pelas partes ou por uma 
delas, dependendo das exigências legais; 
 
2) A forma solene – o negócio jurídico que tem de obedecer à maior solenidade em termoso negócio. Nesta medida, ela dá origem à 
anulabilidade do negócio. O prazo para arguir a anulabilidade é o prazo de um ano a partir do 
momento em que a ameaça deixe de sortir efeito. In casu, esse momento é o fim da união de 
facto. 
 
Caso Prático 56 
 
António doa a Bernardo um automóvel. Porém, condiciona os efeitos do contrato ao facto de 
Bernardo concluir o curso de Direito. O negócio foi celebrado em 10 de março de 2018. Hoje, 
Teoria Geral do Direito Civil II 
129 
Marta Lima e Silva 
não tendo Bernardo concluindo ainda o seu curso, António vendeu o dito automóvel a 
Catarina. Qual o valor do segundo negócio? 
 
Resolução: 
 
Aqui, temos uma condição. Esta é uma cláusula acessória, o que significa que não tem 
necessariamente de existir no negócio, mas que pode ser aposta ao mesmo. É também uma 
cláusula típica, pela frequência com que é exercida nos contratos. A condição condiciona os 
efeitos de um negócio à verificação de um evento futuro e incerto. Significa isto que os efeitos 
daquele negócio jurídico só produzem efeitos se e quando aquele evento ocorrer. 
 
• Nota: tirar o curso de Direito não é um evento certo e, por isso, esta cláusula não pode 
ser considerada um termo. 
 
Sabe-se que o negócio foi celebrado a 10 de março de 2018, mas não se sabe o que aconteceu 
desde 10 de março de 2018. Então, em teoria, há duas hipóteses: 
 
® Desde 2018 até agora já se tem a certeza de que a condição não se vai verificar. Se 
assim for, isso significa, segundo o art. 275º/1 CC, que a condição não se verificou. In 
casu, o segundo negócio será válido. 
 
® Desde 2018, é normal que ainda não tenha concluído o curso, até porque o curso tem 4 
anos, sendo que é perfeitamente normal que ainda venha a concluir o curso. Se assim 
for, recorre-se ao art. 274º/1 CC. Isto significa que, se ele vier a concluir o curso, o 
negócio passa a produzir efeitos e, como a condição, uma vez verificada, tem eficácia 
retroativa, ele é proprietário desde o momento da celebração do negócio. Então, 
depois, haverá um conflito entre dois direitos de propriedade e irá prevalecer aquele 
que foi adquirido primeiro, a não ser que interfiram aqui regras próprias do 
registo. Significa isto que, se o negócio vier a ganhar eficácia, como esta eficácia é 
retroativa, o António terá vendido coisa alheia. 
 
Caso Prático 57 
 
António comprou a Bernardo, joalheiro, uns brincos para oferecer à sua namorada. Os brincos 
só podiam ser utilizados por quem tivesse as orelhas furadas. Hoje, António pretende 
desvincular-se do negócio uma vez que descobriu que Catarina, a namorada, não tinha qualquer 
furo nas orelhas. Quid Iuris? 
 
Resolução: 
 
Estamos, aqui, perante um erro vício. O erro vício tem de ser essencial e tem de ser próprio. In 
casu, estes dois pressupostos estão verificados em concreto. O que é necessário saber é qual é 
a modalidade de erro vício propriamente em causa. 
 
Será um erro objeto? Estamos perante um erro sobre o objeto quando estamos perante um 
erro sobre a identidade do objeto, sobre as características intrínsecas do objeto ou, ainda, sobre 
determinadas circunstâncias externas que estão de tal modo ligadas ao objeto que se podem 
considerar equivalentes a essas características intrínsecas. 
 
Neste caso concreto, o António olhou para os brincos e configurou-os tal e qual como eles são 
na realidade. Então, estamos perante um erro sobre os motivos. No fundo, o erro dele foi 
Teoria Geral do Direito Civil II 
130 
Marta Lima e Silva 
comprar os brincos por achar que a namorada os vai usar e, afinal, a namorada não os pode 
usar. Estes motivos são motivos que lhe dizem única e exclusivamente respeito a ele. 
 
Portanto, eles não são pressupostos pelas duas partes no contrato nem a contraparte teria de 
os ter em conta à luz da boa-fé ou teria de ter em conta o condicionamento do negócio a essas 
circunstâncias. A boa-fé não impunha a aceitação ou a consideração desses motivos por parte 
da contraparte. Estamos, então, perante um erro sobre os motivos propriamente dito. 
 
Para que esse erro conduza à anulabilidade do negócio tem de haver um acordo entre o 
declarante e o declaratário acerca da essencialidade do motivo, no sentido de a 
reconhecerem. Isto significa que, quando o António foi à loja, teria de ter dito ao joalheiro algo 
do género: “Eu estou a comprar estes brincos para a minha namorada e, portanto, estou a 
comprá-los na pressuposição de que ela os irá usar e os consegue usar. Se, por acaso, isto não 
corresponder à verdade, eu não quero estes brincos para qualquer outra finalidade”. Por seu 
turno, o joalheiro teria de assentir que o negócio só faria sentido em função da utilização que a 
namorada viesse a fazer dos referidos brincos. 
 
Sem este acordo, não é possível anular o negócio e a verdade é que o enunciado não nos oferece 
dados suficientes para perceber se ele existiu ou não. Concluindo, perante um enunciado como 
este, a única coisa que se pode dizer é que a anulabilidade do negócio depende da existência 
ou não deste acordo. 
 
Caso Prático 58 
 
Pedro descobriu que Filipe, seu devedor, tinha cometido adultério. Ameaça-o, então, de que, se 
ele não constituir a seu favor uma hipoteca sobre o seu apartamento por forma a reforçar o 
crédito de que era titular, conta tudo o que sabe a Teresa, mulher de Filipe. Pedro fê-lo por 
temer que Filipe esbanjasse o seu património com a amante. Hoje, Filipe está divorciado e 
pretende desvincular-se do negócio. Poderá fazê-lo? 
 
Resolução: 
 
Aqui, estamos perante um caso de coação moral. Contudo, por que razão estamos perante um 
caso de coação moral e não perante um mero exercício regular de um direito que não 
configuraria uma hipótese de coação moral? Está aqui em causa uma ameaça ilícita. Esta 
ilicitude traduz-se na prossecução ilegítima do fim de Pedro. Para conseguir o seu objetivo, 
Pedro ameaça Filipe com o seu caso adúltero. 
 
1) Pedro ameaça Filipe, seu devedor, de que, se ele não constituir a seu favor uma 
hipoteca, vai executar de imediato o seu crédito. Fá-lo por temer que Filipe esbanje todo 
o seu património com a sua amante. Hoje, Filipe pretende desvincular-se do 
negócio. Quid Iuris? 
 
Aqui, Pedro já poderia fazê-lo, sendo que já não estamos perante uma situação de coação 
moral. Nesta hipótese, há uma nuance que a distingue da anterior – estamos perante o exercício 
normal de um direito. O credor pode exigir ao seu devedor, dentro do que a boa-fé determina, 
o reforço do seu crédito. 
 
Aliás, Pedro parece ter argumentos suficientemente sólidos para justificar um receio de que o 
Filipe pudesse estar a esbanjar o seu património com a sua relação adúltera. Portanto, numa 
Teoria Geral do Direito Civil II 
131 
Marta Lima e Silva 
situação destas, Pedro pode exigir a constituição da hipoteca para garantia do crédito. Continua 
a haver uma ameaça, mas essa ameaça já não é ilícita. Neste caso, o negócio seria válido. 
 
Caso Prático 59 
 
Filipe constituiu, por documento particular, Eduardo como seu procurador, atribuindo-lhe 
amplos poderes de administração. Eduardo, em nome de Filipe, vende um apartamento a Maria. 
Passado uns dias, Eduardo, em nome de Filipe, recebe as rendas de outro apartamento deste 
(Filipe) e, com elas, manda realizar obras de conservação. Pronuncie-se sobre o valor dos 
negócios. 
 
Resolução: 
 
Quanto ao primeiro negócio – a venda do apartamento –, em primeiro lugar, há insuficiência da 
procuração para fazer negócios de compra e venda, porque teria de ser um documento 
autenticado. Contudo, verdadeiramente, aquela procuração não estava a conferir poderes para 
Eduardo poder vender o apartamento. Esta apenas lhe conferia amplos poderes de 
administração. A compra e venda é um ato de disposição e, portanto, mais do que um problema 
de forma da procuração – que, aliás, nem se coloca –, há um problema de representação sem 
poderes. A consequência é que o negócio é ineficaz em relação ao representado. 
 
Quanto ao segundo negócio – a realização dasobras com o dinheiro das rendas –, este negócio 
de realização de obras de conservação é um negócio de mera administração e, por isso, é um 
negócio eficaz. 
 
Caso Prático 60 
 
Carlos vendeu a Miguel o automóvel de Pedro. Quando Miguel lhe perguntou se o automóvel 
nunca tinha sofrido qualquer acidente, Carlos respondeu que não, sem sequer se ter certificado 
desse facto. Descobrindo, agora, que, em 2014, o automóvel tinha sofrido um aparatoso 
acidente, diga se Miguel pode reagir. 
 
Resolução: 
 
Haverá aqui uma situação de dolo? Se se considerar que o dolo, enquanto vício da vontade, 
pode ser integrado pela negligência enquanto forma de culpa e não tem de ser propriamente 
integrado pelo dolo de forma de culpa, então, a resposta será sim. Contudo, há divergências na 
doutrina quanto a este aspeto, sendo que existem duas grandes posições: 
 
® Há autores que entendem que o dolo, enquanto vício da vontade, pressupõe o dolo 
enquanto forma da culpa. Isto significa que, numa hipótese como esta, não seria 
possível recorrer ao regime do dolo, mas seria possível recorrer à responsabilidade pré-
contratual, sendo que o primeiro remédio seria a reconstituição natural. Esta 
reconstituição natural poderia passar pela desvinculação do negócio. 
 
® Outro grupo de autores vem dizer que é possível equiparar a indução negligente ao 
erro às hipóteses de dolo. Se a contraparte foi negligente/se se pode fazer cair um juízo 
de censura sobre a contraparte, então, significa que ela não tem uma legítima confiança 
digna de tutela que mereça ser protegida. Então, poder-se-ia anular o negócio sem mais 
requisitos. 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
132 
Marta Lima e Silva 
A Dr. Mafalda chama à atenção para outro aspeto. No caso concreto, a qualificação desta 
hipótese como envolvendo dolo ou mera negligência era, em si, mesma problemática. 
® O dolo eventual significa que a pessoa teve noção do possível resultado que poderia 
surgir, ou seja, a pessoa configura o resultado e não confia na não produção do 
resultado, mas, mesmo assim, aceita-o; 
® Por seu turno, na negligência consciente, a pessoa prevê o resulta, mas confia na não 
produção desse resultado. 
 
Podemos, in casu, pensar em duas histórias: 
® O Carlos, quando disse que não sem fazer qualquer esforço para saber a verdade, 
confiou que o carro nunca teria sofrido um acidente; 
• O Carlos, quando disse que não, pensou que não se iria dar ao trabalho de indagar, mas 
aceita que o carro poderia ter sofrido um acidente e, ainda assim, diz que não. 
 
Esta diferença entre o dolo eventual e a negligência consciente é uma diferença muito ténue, 
sendo que apenas se consegue detetar do puro ponto de vista psicológico/interior do 
sujeito. Isto reforça ainda mais a ideia de que, de facto, é possível estabelecer a concreta 
analogia entre as hipóteses de dolo integrado pelo dolo em forma de culpa e as hipóteses de 
negligência consciente. 
 
Caso Prático 61 
 
António declarou vender a Bernardo um apartamento por 50 mil euros. Na realidade, António e 
Bernardo celebraram um acordo de compra e venda desse apartamento por 100 mil euros. 
 
1) Pronuncie-se sobre a validade deste negócio. 
 
Estamos perante uma simulação. O negócio simulado é nulo, enquanto o valor do negócio 
dissimulado depende do valor que aquele negócio teria se não houvesse simulação (art. 241º). 
 
Neste caso concreto, do ponto de vista substancial, o negócio dissimulado não tem qualquer 
problema, sendo que não há razão para a invalidade (pelo que é dito no enunciado). Do ponto 
de vista formal, já não se pode dizer o mesmo porque não está toda a informação no enunciado. 
Estamos aqui a tratar da compra e venda de um apartamento e o legislador estabelece uma 
exigência de forma para este negócio – escritura pública ou escrito particular autenticado. 
 
Contudo, imagine-se que, para esta venda, foi assinada uma escritura pública para a venda do 
apartamento. Nesta escritura pública, consta que o apartamento foi vendido a Bernardo por 50 
mil euros, quando, na realidade, foi por 100 mil. Será válida a compra e venda por 100 mil euros? 
Há divergências na doutrina: 
® Há autores que entendem que o negócio dissimulado se aproveita da forma do negócio 
simulado; 
® Há outros autores que são um pouco mais exigentes e que dizem que o negócio 
dissimulado só é valido se existir uma contradeclaração que revista a forma legalmente 
exigida. 
 
In casu, não se fala dessa contradeclaração, mas estamos perante uma simulação de preço. Ora, 
havendo uma simulação de preço, os autores são unânimes em dizer que, nessa hipótese, não 
é necessária qualquer contradeclaração, bastando a escritura pública ou escrito particular 
autenticado que formalizou o negócio simulado. Concluindo, o negócio simulado é nulo e o 
negócio dissimulado é válido. 
Teoria Geral do Direito Civil II 
133 
Marta Lima e Silva 
 
2) Imagine que aquele apartamento está arrendado a Maria. Poderá esta exercer o seu 
direito de preferência? Se sim, por que valor? 
 
Maria, enquanto arrendatária, tem o direito de preferência. O direito de preferência só existe 
em relação a negócios que sejam válidos. Portanto, Maria só pode preferir no negócio de compra 
e venda de 100 mil euros. 
 
Contudo, imagine-se que Maria tinha alguns conhecimentos de direito. Então, vinha dizer que é 
uma terceira que está de boa-fé e desconhecia tudo aquilo, incluindo a simulação. Diz também 
que os simuladores, ao abrigo do art. 243º, não podem invocar contra ela a nulidade do negócio 
simulado e, portanto, vai poder proferir por 50 mil euros. Este argumento de Maria não é viável 
e não pode ser usado. O art. 243º existe para evitar um prejuízo para terceiros de boa-fé. Neste 
caso, se o aplicássemos, não estaríamos a evitar um prejuízo, mas sim a conceder um benefício 
a Maria (o terceiro) injustificado. 
 
3) Imagine que o arrendatário não era Maria, mas sim a autarquia de Coimbra (CMC). Quid 
Iuris? 
 
Aqui, estamos perante uma exceção: estando em causa uma autarquia, é possível preferir pelo 
valor simulação. Portanto, a Câmara Municipal de Coimbra poderia preferir por 50 mil euros. O 
objetivo é evitar que sejam feitas estas simulação no sentido de defraudar os entes públicos (o 
fisco, as autarquias locais, etc). 
 
Caso Prático 62 
 
António telefonou ao antiquário Bernardo dizendo-lhe que quer ficar com o contador (móvel) 
de Paulo Santo, disposto na montra à venda por 5 mil euros. O contador que António pretende 
comprar fora, entretanto, substituído por outro, com o único fim de alterar a decoração da 
montra. O preço era exatamente o mesmo. O certo é que António recebe em casa um contador 
completamente diferente daquele que tinha visto que pretende comprar. Constatado o engano, 
pretende reaver o dinheiro. Bernardo opõe-se terminantemente. Quid iuris? 
 
Resolução: 
 
In casu, temos um erro obstáculo ou erro na declaração. António diz que quer comprar o 
contador que está na montra e, afinal, quer comprar outra coisa. Ou seja, queria uma coisa e foi 
dizer outra, por um erro de ajustamento: achar que a montra continuava inalterada. Então, 
neste caso concreto, havendo um erro obstáculo, o negócio é anulável, desde que a outra parte 
conhecesse ou não pudesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu esse 
mesmo erro. 
 
Contudo, Bernardo nega-se a devolver o dinheiro. Imaginando que não consegue argumentar o 
desconhecimento da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro, como é que este 
se poderia opor a devolver o dinheiro? Ora, nos termos do art. 248º, se Bernardo se recusa a 
devolver o dinheiro, o que ele pode fazer é trocar o contador que enviou pelo contador que 
antes estava na montra e que, afinal, era o contador pretendido. Se assim for, não terá mesmo 
que devolver o dinheiro. 
 
Caso Prático 63 
 
Teoria Geral do Direito Civil II 
134 
Marta Lima e Silva 
A sociedade Rendas e Alugueres, LDA enviou uma carta aos diversos arrendatários de Miguel, 
esclarecendo

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