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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DA VARA DO TRABALHO DE ... RAYELLY NYELLY NAYANNY SHYRRÁ, mulher trans, registrada civilmente como José Raimuscleiton Miranda Cacheado, nacionalidade ..., estado civil ..., profissão ..., CPF ..., RG ..., residente e domiciliada ..., vem, por meio de seu advogado que ao final assina (procuração anexa), OAB ..., com endereço profissional ..., onde recebe intimações, com fulcro no artigo 840, §1º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ajuizar RECLAMAÇÃO TRABALHISTA contra LOJAS BOTA FORA, pessoa jurídica de direito privado, CNPJ ..., com sede na ..., pelas razões de fato e de direito a seguir expostas. 1. DA JUSTIÇA GRATUITA A reclamante declara, conforme termo de hipossuficiência anexa, não possuir condições financeiras de arcar com custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo do seu próprio sustento. Quanto a isso, o artigo 790, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho dispõe, in verbis, que: Art. 790. § 3º É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Dessa forma, requer-se a concessão dos benefícios da justiça gratuita, para que possa litigar sem o ônus de custas processuais e honorários advocatícios, em razão de sua comprovada insuficiência de recursos. 2. DO CONTRATO DE TRABALHO A Reclamante foi admitida pela Reclamada em 01/03/2019, para exercer a função de vendedora, percebendo inicialmente o salário de R$ 1.200,00, sendo seu último salário de R$ 2.680,00, ao ser demitida sem justa causa em 30/09/2024. 3. DO ASSÉDIO MORAL E DISCRIMINAÇÃO POR IDENTIDADE DE GÊNERO Desde o início de sua contratação a Reclamante sempre se identificou como mulher, recebendo respeito de seus colegas de trabalho, todavia, a partir de fevereiro de 2024, com a chegada de Fabiano Jhonny Queiroz, o novo gerente, a Reclamante tornou-se alvo de perseguições e assédios morais em razão de sua identidade de gênero. Fabiano adotou uma postura discriminatória e hostil, chamando a Reclamante de termos pejorativos como “gayzinho”, “viadinho”, “bichinha”, “baitola” e “mal-resolvida”, em público, ou seja, na presença dos demais colaboradores. Além disso, ao ser questionado sobre qualquer assunto profissional, Fabiano frequentemente respondia de forma desdenhosa: “tu é gay, é?”, bem como submetida a Reclamante a situações de constrangimento, pois a forçava a realizar tarefas braçais que não correspondiam a sua função de vendedora sob a justificativa de que ela era “homem como qualquer outro”. Vale ressaltar que colegas da Reclamante questionaram Fabiano sobre esse tratamento discriminatório, contudo, ele se limitou a responder: “sou gay, não!”. Quanto a isso, discorrem os artigos 223-B e 223-C da Consolidação das Leis do Trabalho: Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação. Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física. No mais, soma-se a isso o disposto no artigo 1, inciso III, artigo 3, inciso I, e artigo 5, inciso X, da Constituição da República Federativa de 1988: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Frente ao ocorrido, verifica-se que o comportamento do Sr. Fabiano configura dano extrapatrimonial à esfera moral da Reclamada, pois, mediante a AÇÃO verbal, procurou violar, conscientemente, sua AUTOESTIMA e a SEXUALIDADE. A discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero no ambiente de trabalho ofende bens juridicamente protegidos pela CLT e normas constitucionais, sendo sua violação expressa e conceitualmente proibidas, como é possível observar na decisão do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região: Ato discriminatório por opção sexual. Dano moral. Indenização. O dano moral é aquele que atinge a esfera extrapatrimonial do indivíduo, abalando de modo intenso a sua estabilidade psicológica e interferindo negativamente na sua vida pessoal. É necessário ante o disposto nos arts. 186 e 925 do CCB c/c 818 da CLT e 373, I, do CPC, prova inequívoca nesse sentido. Hipótese em que o trabalhador por meio de testemunha provou ter sido vítima de preconceito relacionado à sua orientação sexual, situação infelizmente ainda comum que envolve uma das mais repugnantes formas de discriminação. O empregador, em razão de seu poder diretivo, tem a obrigação de adotar todas as medidas necessárias para impedir que fatos como esse ocorram dentro do ambiente de trabalho. Não pode, com sua omissão, seu silêncio, compactuar com algo ultrajante que afronta o direito da personalidade e privacidade do trabalhador.(TRT da 2ª Região; Processo: 1001244-91.2017.5.02.0511; Data de assinatura: 14-03-2019; Órgão Julgador: 17ª Turma - Cadeira 4 - 17ª Turma; Relator(a): THAIS VERRASTRO DE ALMEIDA) Como se sabe, a indenização por dano moral destina-se a minorar o sentimento de dor de quem sofreu o dano, devendo o quantum indenizatório ser fixado levando em consideração o binômio razoabilidade, ou seja, sem causar a ruína de quem o pagará e o enriquecimento sem causa de quem o receberá, e proporcionalidade ao fato danoso e seu efeito, servindo de exortação, por fim, ao seu causador, para que não mais tenha conduta da mesma natureza. Em causas trabalhistas, deve o julgador, ao analisar o pedido, se ater a natureza do bem jurídico tutelado, a intensidade do sofrimento ou da humilhação, as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral, entre outras características elencadas no artigo 223-G da Consolidação das Leis do trabalho: Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I - a natureza do bem jurídico tutelado; II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III - a possibilidade de superação física ou psicológica; IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII - o grau de dolo ou culpa; VIII - a ocorrência de retratação espontânea; IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X - o perdão, tácito ou expresso; XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; XII - o grau de publicidade da ofensa. Importante destacar que, procedente o pedido, deve o juiz fixar a indenização mediante o grau de ofensa causado pelo ato ilícito, conforme bem discorre o artigo 223-G, §1º, da Consolidação das Leis do Trabalho: 223-G. (omisso) § 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação: I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o últimosalário contratual do ofendido; IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido. Sobre a responsabilidade de pagamento, discorre o artigo 932, inciso III, do Código Civil: Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; Assim, dado o ataque à autoestima e a sexualidade da Reclamante, entendendo que a ofensa desrespeita o princípio da dignidade da pessoa humana e as normas trabalhistas, deve a reclamada ser condenada ao pagamento de indenização a Reclamante pelos danos morais que lhe foram causados, o qual, pede vênia a Vossa Excelência para sugerir a fixação da indenização no quantum de cinquenta vezes seu último salário contratual, haja vista a natureza gravíssima das ofensas perpetradas ante sua pessoa, acrescido de juros a partir do evento danoso e correção monetária a contar da data do arbitramento. 4. DA DEMISSÃO DISCRIMINATÓRIA A demissão da Reclamante, no dia 30/09/2024, foi justificada pela Reclamada como uma redução de quadro, contudo, no dia seguinte, a empresa contratou quatro mulheres cis para a mesma função, evidenciando a verdadeira motivação discriminatória por trás da rescisão contratual. Quanto a isso, discorre o artigo 1 da Lei nº 9.029/1995: Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal. A dispensa da Reclamante, sob a justificativa de redução de quadro, é claramente uma forma de retaliação à sua identidade de gênero. A contratação imediata de outras vendedoras cis evidencia a intenção discriminatória da Reclamada, configurando a nulidade da demissão. Nesse diapasão, deve a Reclamada, dado o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, além do direito à reparação pelo dano moral acima tratado, ser condenada a facultar entre reintegrar a Reclamante ao seu posto e ressarcir integralmente todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais ou pagar, em dobro, a remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais, conforme disposto no artigo 4, incisos I e II da lei nº 9.029/1995, os quais seguem discriminados: 1 - Reintegração: Última remuneração: R$ 2.680,00 Remuneração diária: R$ 89,33 Dias não pagos: 11 dias Total (não corrigido monetariamente): R$ 982,63 2 - Remuneração: Última remuneração: R$ 2.680,00 Remuneração diária: R$ 89,33 Dias não pagos: 11 dias Total (não corrigido monetariamente): R$ 1965,26 5. DOS PEDIDOS Ante ao exposto, requer o autor este Juízo se digne a: a) determinar a citação da Reclamante para comparecer à audiência de conciliação, na forma do artigo 764 da CLT, a partir de quando, caso não compareçam ou, comparecendo, não havendo autocomposição, ofereça contestação à presente ação, na forma do artigo 847 da CLT, sob pena de confissão quanto à matéria de fato e aplicação dos efeitos da revelia, nos termos do artigo 844 da CLT; b) no mérito, julgar totalmente procedente a presente ação, para: I. condenar a Reclamada ao pagamento de indenização a Reclamante pelos danos morais que lhe foram causados, o qual, pede vênia a Vossa Excelência para sugerir a fixação da indenização em cinquenta vezes seu último salário contratual, somando o quantum de R$ 134.000,00, haja vista a natureza gravíssima das ofensas perpetradas ante sua pessoa, acrescido de juros a partir do evento danoso e correção monetária a contar da data do arbitramento; II. condenar a Reclamada a facultar entre reintegrar a Reclamante ao seu posto e ressarcir integralmente todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas no valor de R$ 982,63, a ser corrigida monetariamente e acrescidas de juros legais e verbas reflexas OU pagar a remuneração do período de afastamento no valor de R$ 1965,26, a ser corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais e verbas reflexas; c) condenar a reclamada ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como de honorários sucumbenciais, a serem arbitrados por Vossa Excelência no percentual de 5% a 15%, nos termos do art. 740-A da Consolidação das Leis do Trabalhos; d) conceder a gratuidade da Justiça, na forma e alcance do artigo 790, §3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, por não se encontrar a reclamante em condições de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo próprio, conforme expressa manifestação em declaração de hipossuficiência anexa; e) provar o alegado por todos os meios de provas em direito admitidos, em especial com uso do depoimento das partes, oitiva de testemunhas e prova documental. Dá-se a causa o valor de R$ 136.947,89 para todos os fins legais Termos em que, Aguarda deferimento. Manaus/AM, 11 de outubro de 2024. SERGIO HUGO MOTA PEREIRA OAB/AM - 03244063