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168 EMÍLIA VIOTTI DA COSTA tos como representantes do povo, mas como padrinhos. O Esta- do aparecia como distribuidor de benesses e os direitos do cida- dão, como concessões ou privilégios. O sistema de patronagem baseada em lealdades pessoais e troca de favores implicava a sub- serviência do eleitorado ao chefão local, a conivência das Cortes de justiça com as classes dominantes, o sistemático desrespeito pela lei e a legitimação do privilégio. A coexistência da ética da patronagem com a ética liberal reproduzia, no nível ideológico, a experiência de pessoas vivendo numa sociedade em que o capitalismo se desenvolveu dentro de uma rede de patronagem. Traduzia também as contradições dessa forma híbrida de burguês-aristocrata (bourgeois gentilhomme), ca- racterístico das elites imperiais brasileiras – um indivíduo que vivia no Brasil com os olhos na Europa, “que tinha um olho no lucro e outro na etiqueta”; que se utilizava de escravos para pro- duzir para o mercado internacional; e que dependia da reprodu- ção de estruturas arcaicas para incrementar o processo de acumulação de capitais. As contradições entre a ética do liberalismo e a ética da patronagem tornaram possível aos brasileiros avaliar o liberalis- mo da perspectiva da patronagem e a patronagem da perspecti- va do liberalismo, o que conferiu às ideologias uma relativa transparência. Nada melhor para definir a especificidade do li- beralismo no Brasil do século XIX do que uma frase de Machado de Assis: “No Brasil a ciência política acha um limite na testa do capanga”.47 47 Machado de Assis, Crônicas (1878-1888). In: Obras completas, v.4, p.10. CAPÍTULO 4 POLÍTICA DE TERRAS NO BRASIL E NOS ESTADOS UNIDOS1 A política de terras e a de mão-de-obra estão sempre relacio- nadas e ambas dependem, por sua vez, das fases do desenvolvi- mento econômico. No século XIX, a expansão dos mercados e o desenvolvimento do capitalismo causaram uma reavaliação das políticas de terras e do trabalho em países direta ou indireta- mente atingidos por esse processo. O crescimento da população, as migrações internas e/ou internacionais, os melhoramentos nos meios de transporte, a concentração populacional nos centros urbanos, o desenvolvimento da indústria e a acumulação de ca- pital estimularam a incorporação da terra e do trabalho à econo- mia comercial e industrial. Conseqüentemente, houve uma expansão das áreas cultivadas para fins comerciais e uma redu- ção da agricultura de subsistência. Nos lugares onde a terra ti- nha sido explorada apenas parcialmente, a expansão do mercado provocou a intensificação do uso da terra e do trabalho, resul- tando freqüentemente na expulsão de arrendatários e meeiros 1 Trabalho apresentado com o título “The Brazilian Land Law of 1850 and the Homestead Act of 1862”, na reunião anual da LASA, Wisconsin, 1972. Traduzido do inglês por Marco Aurélio Nogueira e Regina Maura N. B. Bruno. 170 EMÍLIA VIOTTI DA COSTA ou na expropriação das pequenas propriedades e das terras co- munitárias. Parte da população que antigamente se dedicava à economia tradicional foi absorvida como trabalhador assalaria- do nas fazendas comerciais. Outra parte migrou para as cidades. Onde a terra virgem era disponível, houve uma expansão das fronteiras e novas áreas passaram a ser utilizadas, aumentando a demanda de trabalho agrícola. Essa necessidade foi sentida mais intensamente em áreas onde a oferta de trabalho era inelástica. Como resultado desse processo, os significados atribuídos à pro- priedade da terra mudaram. A fim de regularizar a propriedade da terra de acordo com as novas necessidades econômicas e os novos conceitos de terra e de trabalho, diversas leis importantes foram decretadas em dife- rentes países durante o século XIX. O ritmo da mudança, entre- tanto, variou de um país para outro e, dentro dos limites de um mesmo país, de uma região para outra, de acordo com o grau e a intensidade com que o desenvolvimento da economia industrial e comercial afetou essas áreas. Um estudo comparativo do Homestead Act de 1862, que regulamentou a política de terras nos Estados Unidos,2 e a Lei de Terras de 1850 no Brasil3 dá margem a que se analise a relação entre a política de mão-de- obra e a política de terras em duas áreas em que o desenvolvi- 2 Eric Foner, Free soil, free labor, free men: the ideology of the Republican Party before the Civil War. New York: Oxford Univ. Press, 1970; Malcom J. Rohrbough, The land office business: the settlement and administration of american public lands, 1789-1837. New York: Oxford Univ. Press, 1968; Howard W. Ottoson (Ed.) Land use policy and problems in the United States. Lincoln, Neb.: Univ. of Nebraska Press, 1963; Roy M. Robbins, Our landed heritage: the public domain, 1776-1936. Lincoln, Neb.: Univ. of Nebraska Press, 1962; Harry N. Schreiber, United States Economic History. Selected readings. New York: Alfred A. Knopf, 1964; Henry Nash Smith, Virgin land: the American West as symbol and myth. New York: Harvard Univ. Press, 1950. 3 Warren Dean, Latifúndio and land policy in nineteenth-century Brazil, Hispanic American Historical Review, v.51, n.4, p.606-26, set. 1971; Ruy Cirne Lima, Pequena história territorial do Brasil. Sesmarias e terras devolutas. 2.ed. Porto Alegre, 1954; Brasil Bandecchi, Origens do latifún- dio no Brasil. São Paulo, 1963; Alberto Passos Guimarães, Quatro séculos de latifúndio. São Paulo, 1964 (nova edição, Rio de Janeiro, 1976); José Marcelino Pereira de Vasconcelos, Livro de Terras. Rio de Janeiro, 1860. DA MONARQUIA À REPÚBLICA 171 mento do capitalismo assumiu formas diferentes e conduziu a políticas opostas. A Lei de Terras decretada no Brasil em 1850 proibia a aqui- sição de terras públicas através de qualquer outro meio que não fosse a compra, colocando um fim às formas tradicionais de adquirir terras mediante posses e mediante doações da Co- roa. Tanto os que obtiveram propriedades ilegalmente, por meio da ocupação, nos anos precedentes à lei, como os que recebe- ram doações mas nunca preencheram as exigências para a legitimização de suas propriedades puderam registrá-las e vali- dar seus títulos após demarcar seus limites e pagar as taxas – isso se tivessem realmente ocupado e explorado a terra. O ta- manho das “posses” (terra adquirida por meio da ocupação) foi limitado pela lei: elas não podiam ser maiores do que a maior doação feita no distrito em que se localizavam. Os produtos da venda das terras públicas e das taxas de registro das proprieda- des seriam empregados exclusivamente para a demarcação das terras públicas e para a “importação de colonos livres”. Criou- se um serviço burocrático encarregado de controlar a terra pú- blica e de promover a colonização: a Repartição Geral das Terras Públicas.4 Uma leitura dos debates parlamentares revela um conflito entre duas diferentes concepções de propriedade da terra e de política de terras e de trabalho – concepções estas que represen- tavam uma maneira moderna e outra tradicional de encarar o problema. O conflito entre esses dois diferentes pontos de vista reflete a transição, iniciada no século XVI mas concluída apenas no século XX, de um período no qual a terra era concebida como domínio da Coroa, para um período no qual a terra tornou-se de domínio público; de um período no qual a terra era doada princi- palmente como recompensa por serviços prestados à Coroa, para um período no qual a terra é acessível apenas àqueles que podem 4 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Srs. Deputados. Ano de 1853, tomo 11, p.348 ss. 114 - (ACAFE SC) “Faltava porém um pretexto para reacender o clima golpista. Ele surgiu com o Plano Cohen, cuja verdadeira história tem até hoje muitos aspectos obscuros. (...) O autor do documento seria um certo Cohen – nome marcadamente judaico – que poderia ser também uma corruptela de Bela Khun, líder comunista húngaro. Aparentemente, o “plano” era uma fantasia a ser publicada em um boletim da Ação Integralista Brasileira, mostrando como seria uma insurreição comunista.(...)A insurreição provocaria massacres, saques e depredações, desrespeito aos lares, incêndios de igreja, etc.” (In: FAUSTO, Boris. História do Brasil. 5ª edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997. Página 363.) Assinale a alternativa correta em relação ao contexto político descrito no texto acima. a) Serviu de pretexto para Getúlio Vargas instalar o Estado Novo e suspender as eleições presidenciais. b) Foi a justificativa utilizada pelo General Humberto de Alencar Castelo Branco para iniciar o período da ditadura militar em 1964. c) Foi o argumento utilizado pelo presidente General Médici para desencadear uma violenta e sistemática perseguição aos movimentos de esquerda que atuavam na guerrilha urbana. d) Juscelino Kubitschek utilizou o Plano Cohen em sua campanha à presidência da República. Argumentava que seu governo iria defender a família, a propriedade privada e a Igreja. 115 - (Fac. Direito de Sorocaba SP) A Revolução Constitucionalista de 1932 marca a) a exigência feita pelas elites de todas as unidades da federação de que Vargas promulgasse uma nova Constituição. b) a reação da oligarquia paulista cafeicultora à centralização do poder por Vargas, evidenciada pela ausência de Constituição. c) a revolta popular de caráter socialista que questionava o projeto de industrialização de Vargas. d) o levante de operários paulistas contrários à legislação trabalhista de Vargas inspirada no fascismo. e) a dificuldade de Vargas de implementar o seu projeto de desenvolvimento associado ao capital estrangeiro. 116 - (FATEC SP) Em 2012, o Brasil comemorou os 100 anos de nascimento do escritor baiano Jorge Amado. Uma das características de seus livros é a defesa de suas ideias políticas. Leia atentamente o trecho do romance Jubiabá, publicado em 1937. “Quando eu saio de casa, digo a meus filhos: vocês são irmãos de todas as crianças operárias do Brasil. Digo isso porque posso morrer e quero que meus filhos continuem a lutar pela redenção do proletariado. O proletariado é uma força e se souber se conduzir, se souber dirigir a sua luta, conseguirá o que quiser...” (AMADO, Jorge. Jubiabá. São Paulo: Martins Fontes, s/d, p. 286. Adaptado) Considerando que o trecho expressa o ponto de vista do escritor, conclui-se que Jorge Amado defendia uma posição política a) integralista. b) socialista. c) neoliberal. d) absolutista. e) nazifascista. 117 - (PUC RJ) Brasil pandeiro (Assis Valente – 1940) Chegou a hora dessa/ gente bronzeada/ mostrar seu valor! Eu fui à Penha/ E pedi à padroeira/ Pra me ajudar Salve o morro do Vintém/ Pindura-Saia eu quero ver/ eu quero ver/ eu quero ver O Tio Sam tocar pandeiro/ Para o mundo sambar O Tio Sam está querendo/ conhecer a nossa batucada anda dizendo/ que o molho da baiana/ melhorou seu prato Vai entrar no cuscuz/ acarajé e abará Na Casa Branca/ já dançou a batucada/ com Ioiô e Iaiá Brasil esquentai/ vossos pandeiros/ Iluminai os terreiros/ Que nós queremos sambar! Há quem sambe diferente/ Outras terras, outras gentes/ Num batuque de matar A batucada/ reúne nossos valores/ Pastorinhas e cantores/ Expressões que não têm par Brasil esquentai/ vossos pandeiros/ Iluminai os terreiros/ Que nós queremos sambar! O samba de Assis Valente foi elaborado no contexto de aproximação de relações diplomáticas, políticas e econômicas entre o Brasil e os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Sobre as relações entre os dois países, neste contexto, NÃO É CORRETO afirmar: a) que houve intenso intercâmbio cultural, gerando a criação nos Estados Unidos de um Escritório para Assuntos Interamericanos, chefiado por Nelson Rockfeller. b) que, com a exportação de filmes produzidos em Hollywood, foi usual a visita de artistas e cineastas norte-americanos ao Brasil, como, por exemplo, Walt Disney. c) que um dos efeitos da aproximação foi a imediata adesão ao liberalismo político, por parte do Governo Vargas, a partir de 1940, decretando o fim da ditadura estadonovista. d) que o Brasil participou dos esforços de guerra, aliado aos Estados Unidos, chegando a enviar tropas para o cenário de guerra europeu. e) que o governo norte-americano realizou empréstimos vultuosos para a construção de uma usina siderúrgica no Brasil. 118 - (UFG GO) Leia o fragmento a seguir. Toda organização racional se assemelha ao corpo humano ou às suas partes componentes. Ela deve possuir o órgão de “direção”, como o cérebro, capaz de receber as sensações exteriores, defini-las, conjugá-las e resolvê-las, determinando a reação adequada. AZEVEDO, Aldo. Apud LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas, SP: Papirus, 1986. p. 149. (Adaptado). Neste documento de 1932, o corpo humano é apropriado como metáfora pelo discurso político, orientado pela ação das instituições que abrigavam intelectuais varguistas. O fragmento apresentado é uma expressão de tal apropriação, que pretende justificar a a) disseminação de práticas culturais comunitárias, definindo o cérebro como modulador de equilíbrio para o funcionamento dos sistemas do corpo humano. b) desigualdade regional que advém do pacto federativo, enfocando o papel do hipotálamo na regulação hormonal. c) necessidade de politizar a atuação dos sindicatos, destacando os diferentes córtices cerebrais na tomada de decisão. d) organização hierárquica da sociedade, indicando o cérebro como decodificador dos impulsos nervosos sensoriais em respostas biológicas. e) utilização do sentimento nacionalista, ressaltando o cérebro como o centro da expressão emocional do corpo humano.