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Sumário Capa Folha de rosto Sumário Apresentação – André Bueno Introdução – John Minford Nota sobre o texto Lista de comentaristas chineses Cronologias Dinastias Acontecimentos históricos A ARTE DA GUERRA 1. Formulação de planos 2. Deflagração da guerra 3. Ofensiva estratégica kindle:embed:0006?mime=image/jpg 4. Formas e disposições 5. Energia potencial 6. Vazio e cheio 7. O confronto 8. As nove mudanças 9. Em marcha 10. Formas de terreno 11. Os nove tipos de campo 12. Ataque com fogo 13. Espionagem A ARTE DA GUERRA COM COMENTÁRIOS 1. Formulação de planos 2. Deflagração da guerra 3. Ofensiva estratégica 4. Formas e disposições 5. Energia potencial 6. Vazio e cheio 7. O confronto 8. As nove mudanças 9. Em marcha 10. Formas de terreno 11. Os nove tipos de campo 12. Ataque com fogo 13. Espionagem Sugestões de leitura Créditos A ARTE DA GUERRA Pouco se sabe a respeito de SUN TZU, ou Mestre Sun. Acredita-se que ele seja originário do reino de Qi (onde hoje fica a província de Shandong, no nordeste da China) e que talvez tenha atuado como conselheiro para o reino de Wu (atual província de Zhejiang, ao sul) no final do século VI a.C. Nesse caso, ele teria sido contemporâneo de Confúcio (551-479 a.C.). Mas praticamente não existem menções a ele em registros da época, e não se sabe ao certo se esse indivíduo chegou a existir. É, portanto, impossível afirmar quem escreveu o breve tratado conhecido como A arte da guerra. JOHN MINFORD estudou chinês em Oxford e na Universidade Nacional da Austrália, e lecionou na China, em Hong Kong e na Nova Zelândia. Foi organizador (com Geremie Barmé) de Seeds of Fire: Chinese Voices of Conscience, e (com Joseph S. M. Lau) de Classical Chinese Literature: An Anthology of Translations. Traduziu vários títulos do chinês para o inglês, incluindo os dois últimos volumes da edição Penguin Classics do romance Hong Lou Meng [O sonho da câmara vermelha] de Cao Xueqin, do século XVIII, e obras de ficção contemporânea de artes marciais do escritor Louis Cha, de Hong Kong. Atualmente, é professor de chinês na Universidade Nacional da Austrália. LEONARDO ALVES nasceu em 1985, entrou na faculdade de Comunicação Social e se descobriu produtor editorial, profissão abraçada de vez em 2007. Em 2012, teve sua primeira tradução publicada. Já verteu do inglês obras dos mais diversos gêneros, incluindo Deuses americanos, de Neil Gaiman, e a trilogia chinesa O problema dos três corpos, de Cixin Liu, contos clássicos de Arthur Conan Doyle e a fantasia Fogo e sangue, de George R. R. Martin (em parceria com Regiane Winarski). ANDRÉ BUENO é sinólogo e professor de história oriental na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), membro da Associação Europeia de Estudos Chineses, da Associação Europeia de Filosofia Chinesa, da Associação Latino-americana de Estudos Asiáticos e Africanos (Aladaa) e da Rede Ibero-americana de Sinologia (Ribsi). Apresentação ANDRÉ BUENO Passados milênios, A arte da guerra continua a ser um texto polêmico e amplamente discutido em todo o mundo. Concebido como um manual de estratégia, o livro ganhou uma dimensão multifacetada, conquistando espaço dentro dos mais diversos campos do pensamento. Ainda assim, o debate sobre A arte da guerra está longe de se esgotar, e continua a proporcionar abordagens distintas, que buscam captar o sentido essencial do texto — de acordo, claro, com a interpretação de seus tradutores e leitores. Esse vasto panorama de análises enriquece constantemente nossas possibilidades de ler a obra, ampliando suas inúmeras interfaces. Contudo, o Brasil não desenvolveu uma tradição acadêmica em estudos chineses, o que torna a aventura de ler A arte da guerra uma tarefa, por vezes, complicada. Conhecemos pouco sobre a história da China Antiga, seus pensadores, paisagens e cultura. Ouvimos falar vagamente da China nas aulas da escola — e é possível passar por uma faculdade inteira de história e conservar o mesmo desconhecimento. Por essa razão, muitos fazem uma leitura superficial ou deslocada de A arte da guerra, sem conhecer seus fundamentos e compreendendo apenas em parte os conceitos discutidos ao longo da obra. Buscaremos, portanto, fazer uma breve introdução ao contexto histórico da China Antiga em que A arte da guerra surgiu, de modo que se compreendam as razões que teriam levado o livro a se tornar um sucesso já em sua época. Veremos que as propostas de Sun Tzu* continuam atuais em muitos sentidos, fazendo com que esta obra tenha uma permanência incomum para livros não religiosos: por fim, falaremos também um pouco sobre a tradução que se apresenta aqui, e sua importante contribuição para o entendimento da obra em nosso país. A ÉPOCA DAS CALAMIDADES Em torno dos séculos VII-VI a.C., quando os filósofos gregos davam seus primeiros passos, a China já era um vasto e complexo império havia milênios.1 A civilização chinesa era análoga às do Egito, da Índia e dos povos da Mesopotâmia em antiguidade, mas os chineses conseguiriam a proeza de manter uma unidade cultural dinâmica e estável, que atravessaria os séculos e preservaria uma conexão sólida com o passado e com suas raízes. Apesar disso, no fim do século VII a.C., o país passava por uma violenta crise política e social. Uma escala sem precedentes de violência delineava-se no horizonte próximo, afetando a sociedade e o delicado equilíbrio entre o império e seus estados. Denúncias de corrupção, disputas, intrigas políticas, abusos de poder e uma generalizada insatisfação tomavam conta do povo. Havia um sentimento claro de decadência — e, provavelmente, de destruição. As razões para isso estavam no lento e gradual processo de enfraquecimento das instituições políticas. Desde o século XI a.C., reinava a dinastia Zhou, que estabelecera um sistema de governo similar ao feudalismo encontrado na Idade Média europeia.2 Ao assumir o poder em 1027 a.C., os soberanos da casa de Zhou instituíram um conjunto de relações nobiliárquicas de vassalagem para administrar o extenso território chinês, distribuindo terras entre membros da elite e seus associados. Territórios com uma estrutura bastante semelhante aos de nossos conhecidos baronatos, marquesados e ducados medievais foram concedidos em troca do juramento de fidelidade e subserviência à casa de Zhou. Logo, alguns desses territórios mais poderosos se transformariam em estados praticamente autônomos, e seus governantes invocariam o direito de usar a palavra “rei” (Wang). Disputas territoriais, guerras constantes e o aprofundamento da divisão política entre os estados fizeram com que a China se encontrasse em uma situação peculiar: embora os chineses se entendessem pertencentes a uma mesma cultura, eles passaram pouco a pouco a se identificar com suas terras de origem, diluindo a noção de um império maior. Os soberanos da dinastia Zhou não foram capazes de manter o arbítrio nos conflitos entre os diversos “reinos” (guo), e sua representatividade política decaiu de modo considerável. A autoridade de Zhou baseava-se na crença de que essa casa dinástica representava a vontade do “Céu” (Tian). O “Céu” era entendido como um conceito polissêmico, que podia representar tanto uma divindade maior como uma noção de ordem ecológica. O imperador era o “Filho do Céu”, entronizado para manter uma ordem harmônica com a natureza (organizando o calendário produtivo, observando o ritmo das estações do ano), garantindo o funcionamento da sociedade e a estabilidade entre os territórios. No século VI a.C., porém, estava claro que a dinastia Zhou não era mais capaz de garantir nenhuma dessas coisas. A Crônica das primaveras e outonos (Chunqiu),3 livro que conta a história de Lu, terra natal do sábio Confúcio (de quem falaremos adiante), manifesta claramente esses distanciamentos de uma autoridade central. Todos os eventos narrados tratam das intrigas, movimentos, articulações e disputas entre os estadosda guerra, e não é sequer a parte prioritária. O objetivo da guerra é dominar o oponente, ou seja, alterar a postura dele e induzir sua submissão. O caminho mais econômico é o melhor: convencê-lo — por meio de dissimulações, surpresas ou seus próprios esforços falhos para atingir metas inviáveis — de sua inferioridade, de modo que ele se renda ou pelo menos recue sem que seja preciso combatê-lo.63 O lutador de sumô de Arthur Golden é mais direto: “Nunca tento derrotar o homem que estou enfrentando. Tento derrotar sua confiança. Um homem atormentado pela incerteza não consegue se concentrar no rumo à vitória”.64 Mas é importante tomarmos cuidado com o estereótipo do sábio chinês, que observamos ainda no século XX, a imagem sorridente e inescrutável de um estadista chinês idoso (porém, estranhamente atemporal) e familiar (mas não necessariamente benévolo): Mao Tsé- tung, Zhou Enlai, Deng Xiaoping…65 Já no princípio da história da China, a mensagem que o sábio taoista pregava, de harmonia com a natureza e do “poder” que essa harmonia emanava, foi apropriada pelos legalistas (fascistas chineses), que deturparam a “compreensão absoluta” dos taoistas como base ideológica para o “poder absoluto”, para o “governante onipotente do reino legalista ideal”. Burton Watson foi muito feliz em sua definição: O sábio taoista se isola do mundo em um misterioso domínio transcendental. O governante legalista também se isola, afastando deliberadamente o contato com subordinados que poderiam suscitar familiaridade, recolhendo-se ao recôndito de seu palácio, ocultando seus intentos e desejos verdadeiros, cercando-se de uma aura de mistério e inescrutabilidade. Como o líder de uma vasta corporação moderna, ele se acomoda atrás de sua mesa, muito longe de seus inúmeros funcionários, na sala mais reservada, e assina documentos discretamente.66 Os ensinamentos taoistas sobre a Arte do Amor (que nos melhores momentos oferecem noções surpreendentemente modernas) também foram distorcidos e usados em uma busca implacável por poder sexual, uma forma de “magia negra sexual”. Ocultos atrás da fachada de elaboradas técnicas sexuais-alquímicas, os praticantes dessas artes promoviam uma forma de vampirismo sexual, que reduzia as mulheres à condição de objetos concebidos para incrementar a potência masculina e a “vida longa” (caibu, usar a essência do outro para impulsionar a própria).67 Até mesmo o diplomata e acadêmico holandês Robert van Gulik, grande admirador do taoismo e das noções chinesas de sexualidade, condenou essa prática: “Os ensinamentos taoistas relativos a esse assunto […] possuem um caráter pernicioso. Eles nada têm a ver com o amor, nem sequer com a satisfação de desejos carnais ou com o prazer sexual. Esses ensinamentos […] visam a adquirir poder sobrenatural à custa da parceira sexual”. Para os leitores do Mestre Sun, o interessante é que todos os guias de sexo escritos para esse fim (diálogos principalmente entre o onipresente Imperador Amarelo e a Jovem Cândida ou Sombria) eram compostos na mesma linguagem do tratado militar e usavam as antigas ideias estratégicas sobre vitória (isto é, as do Mestre Sun), chegando ao ponto de abrir margem para que os leitores chineses não conseguissem identificar se a obra em suas mãos era de fato um guia sobre sexo ou um tratado sobre a arte da guerra. Van Gulik assim resume as ideias em comum: “Em primeiro lugar, é preciso que um poupe as próprias forças enquanto utiliza as do oponente; e, em segundo, é preciso começar cedendo ao inimigo a fim de pegá-lo desprevenido depois” (“No amor e na guerra vale tudo” ganha um novo sentido aqui). O tratado Chun yang yan zheng fu you dìjun jiji zhen jing [Verdadeiro clássico da união completa], do final da dinastia Ming, começa assim: Um general superior, ao entabular o confronto com o inimigo, antes se concentrará em atrair o oponente, como se sugasse e inalasse suas forças. Ele assumirá uma postura de completo desprendimento, tal como um homem que fecha os olhos em absoluta indiferença. Uma nota observa: “General superior se refere ao Iniciado Taoista. Entabular significa entabular o ato sexual. O inimigo é a mulher”.68 Ou, como Van Gulik explica, “o homem precisa derrotar o inimigo na batalha sexual mantendo-se totalmente sob controle a fim de não emitir o sêmen enquanto excita a mulher, para que ela chegue ao orgasmo e emita sua essência Yin, que então será absorvida pelo homem”. Essa é a Arte da Vitória no campo de batalha sexual. A vitória no campo de batalha do Mestre Sun ou no da Jovem Cândida exige uma astúcia considerável, e também grandes doses de autocontrole e meditação. E, em nossa leitura de A arte da guerra, constatamos que a mensagem sutil de não violência na resolução de conflitos segue lado a lado com a exploração deliberada e cínica de outros seres humanos. É, afinal, já no primeiro capítulo que encontramos o enunciado chocante: “O Caminho da Guerra é um Caminho de Ardis”. No filme Wall Street: poder e cobiça, é esse trecho que Bud Fox, o jovem pupilo de Gordon Gekko, repete para o magnata depois que termina de ler o Mestre Sun e absorver os princípios da Arte da Guerra Corporativa de Gekko. Ao Iniciado Guerreiro é frequente a recomendação de que seja insensível e feroz (assim como o Iniciado Taoista naquele outro campo de batalha entre quatro paredes). A dissimulação como fundamento da estratégia, valores desconsiderados em favor da conveniência, as implicações perturbadoras do culto à astúcia, aos ardis e à inescrutabilidade, todos esses elementos professados pelo Mestre Sun precisam ser encarados sem ilusões. No século XVIII, o padre Amiot não hesitou em contestá- los: “Desnecessário dizer aqui que não aprovo nada do que o autor tem a dizer neste momento a respeito do uso de artifícios e ardis […]. A maioria das máximas nesta seção é repreensível, contrária à honestidade e outras virtudes valorizadas pelos próprios chineses”.69 James Murdoch, historiador especializado no Japão (onde o estudo dos ensinamentos do Mestre Sun é disseminado desde pelo menos o século VIII), reclamou que “Sonshi” (a pronúncia japonesa do nome do Mestre Sun) expressava “a forma mais sórdida de estadismo com níveis inenarráveis de duplicidade…”. Murdoch detestava, por exemplo, “a depravação explícita e absoluta do antigo repertório chinês sobre espionagem”.70 Em um estudo mais recente e altamente provocador sobre a natureza da violência na sociedade chinesa primitiva, Mark Edward Lewis postula que “os estratagemas e ardis que os filósofos militares prometiam que reduziriam a violência produziram ainda mais prejuízos à malha da sociedade humana do que qualquer brutalidade física [estimulando ódio e desonestidade]”.71 Para testemunharmos esses “prejuízos à malha da sociedade” em nossa própria época, basta olharmos para o efeito corrosivo da Revolução Cultural, “suas distorções e mentiras, sua confusão do bom com o mau, do verdadeiro com o falso, as armações e as injustiças intermináveis”.72 De modo geral, os próprios chineses consideraram e ainda consideram o Mestre Sun um “tesouro de sua herança nacional”. Os primeiros confucianos (como já vimos com o Mestre Xun) pouco se interessavam pelo ponto de vista dele. E Zhu Xi, o filósofo neoconfuciano da dinastia Song, mesmo admirando o estilo sintético da escrita, reclamava que o tratado estimulava “uma inclinação do governante à guerra incessante e a um militarismo imprudente”.73 Mas, fora isso, eram incrivelmente esparsas as críticas locais à filosofia do Mestre Sun a favor da sobrevivência e do que é conveniente, de sua promoção da manipulação sutil (mas bem-sucedida) de outras pessoas. É mais fácil compreender isso se visto como parte do que o ensaísta moderno Bo Yang chama de “tanque de pasta de soja” da cultura chinesa, o estrangulamento confuciano da criatividade e a incapacidade de “desenvolver hábitos como autocrítica, introspecção e aprimoramento pessoal”.74Para Bo Yang, isso faz parte da “personalidade nacional”.75 Desde o início do século XX, o povo chinês moderno se viu envolvido em uma luta agonizante para desvendar a natureza problemática de sua própria cultura. Com fúria e frustração recorrentes, eles se viram diante das trevas de sua “Grande Muralha; a muralha de tijolos ancestrais que está sempre sendo reforçada […]. A Grande Muralha da China: uma maravilha e uma maldição!”.76 O Mestre Sun certamente foi um dos arquitetos originais da muralha. He Xin, um intelectual neoconservador proeminente da década de 1990, lamenta com pesar a falência da sociedade e da cultura chinesa contemporâneas, e quase é possível ouvi-lo tentar exorcizar o espectro do Mestre Sun, ainda que o próprio He Xin esteja inserido demais na “estrutura profunda” para conseguir identificar o Mestre como um dos responsáveis: A religião dos chineses de hoje é a trapaça, o artifício, a chantagem e o roubo, é comer, beber, fornicar, jogar e fumar. Fazemos leis para poder quebrá-las; nossas regras e normas são uma farsa. Nossas táticas se limitam à execução de políticas; nossa estratégia é fazer as pessoas caírem nas armadilhas que elas prepararam para os outros. Para nós, qualquer senhor honesto e humilde é estúpido, e qualquer pessoa boa que trabalhe muito e exija pouca retribuição é idiota. Vigaristas são nossos sábios; ladrões e golpistas são nossos super-homens […]. Não há cínico maior do que o povo chinês. Nós nos recusamos a assumir qualquer compromisso que não traga lucros e não demonstramos respeito por qualquer valor que transcenda o utilitarismo.77 O homem que esteve à frente de mais de meio século dessa degradação social foi o discípulo mais notório do Mestre Sun no século XX: Mao Tsé-tung. Como disse Liu Xiaobo, um dos jovens intelectuais mais talentosos do movimento da Praça da Paz Celestial: Considerando-se exclusivamente o contexto da história da China, Mao Tsé-tung sem dúvida foi o indivíduo mais vitorioso de todos. Ninguém compreendeu melhor os chineses; ninguém dominou melhor a política de facções em uma estrutura autocrática; ninguém foi mais cruel e impiedoso; ninguém foi mais camaleônico.78 Mas o melhor representante do pensamento do Mestre Sun no século XX foi, sem sombra de dúvida, um escritor pouco conhecido chamado Li Zongwu, cujo livreto cínico Houheixue daquan [Ciência da espessura e escuridão] se tornou uma bíblia alternativa de sobrevivência desde que surgiu, nos anos 1920, no início da república. Li proclama abertamente uma afinidade com o Mestre Sun (“O Mestre Sun e eu somos idênticos”), e muitas de suas ideias são desenvolvidas à moda dos personagens no Sanguo yanyi.79 Por exemplo, o “Terceiro Nível de Realização” da obra de Li poderia ter saído do próprio Mestre Sun: “Nível 3. Ter casca grossa, porém sem forma, e coração negro, porém sem cor; esse é o nível absoluto de realização. Assim ninguém saberá de sua espessura e escuridão. Isso não é fácil de se conseguir, e os melhores exemplos podem ser encontrados entre os sábios do passado”.80 A ARTE DA LEITURA DE A ARTE DA GUERRA A leitura de A arte da guerra deve ser, segundo o erudito Liu Yin, da dinastia Ming, não cheia de reverência, mas “vivacidade, como pérolas sacudindo-se em uma bacia, sem ordem definida”. Não deve ser superficial ou despretensiosa, mas “pragmática, aplicada, desde o princípio. De que adianta apenas recitar o texto?”. O ponto de equilíbrio para cada leitor (soldado, comerciante, executivo, cônjuge, jogador de tênis, cozinheiro, motorista) se situa em algum lugar entre a sabedoria extraordinária embutida nas páginas da obra e as implicações menos atraentes ou aceitáveis. Cada leitor precisa navegar por esse terreno fascinante, porém traiçoeiro (“Terreno emaranhado, como uma rede, em que é fácil se emaranhar”, capítulo 10, texto comentado). Cada leitor precisa exercer criatividade e reflexão para estabelecer um vínculo com a enorme energia potencial da mensagem de sobrevivência e vitória que o livro apresenta e se fortalecer, sem sucumbir ao pernicioso culto à mentira e conveniência. Como recomendou outro pensador da dinastia Ming: “Erga-se do lodaçal sem máculas; compreenda a astúcia, mas não a use”.81 Ou, como sugeriu Liu Yin: “Ao ler sobre a Arte da Guerra, é preciso que se compreenda a Mutação; se você só conhecer o regular, o imutável, e não conhecer a Mutação, será como o homem que deixou a espada cair na água e tentou encontrá-la fazendo uma marcação na lateral do barco — uma perda de tempo”.82 Notas 1. Citado em Richard Deacon, The Chinese Secret Service (Londres: Grafton, 1989), p. 15. 2. Dr. Connell Cowan; Gail Parent, The Art of War for Lovers. Nova York: Pocket Books, 1998. 3. Joseph Needham; Robin D. S. Yates (com colaboração de Krzysztof Gawlikowski et al.), Science and Civilisation in China. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, v. 5, parte 6: “Military Technology”, pp. 80-1.. 4. Moss Roberts (Trad.), Three Kingdoms: A Historical Novel. Berkeley: University of California Press, 1991, p. 291. 5. Tradução minha. Ver Luo Guanzhong (com comentários de Mao Zong’gang), Sanguo yanyi (Shanghai: Guji, 1989), pp. 1241-2. 6. Ver diversos nianhua sofisticados sobre esse tema, de Suzhou, Fujian e Shandong, na coleção de dois volumes Xichu nianhua (Taipei: Yingwen Hansheng, 1990). 7. Ver Sanshiliuji xinbian (Pequim: Zhanshi, 1981), pp. 96-100; e Ralph Sawyer (Trad.), Unorthodox Strategies for the Everyday Warrior (Boulder, CO: Westview Press, 1996), pp. 126-7. 8. Joseph Needham, op. cit., p. 71. 9. Ver Thomas Cleary, Mastering the Art of War (Boston: Shambhala, 1989), que inclui uma versão da obra The Way of the General. Lionel Giles ignora essa referência em seu Sun Tzu on the Art of War (Londres: Luzac, 1910), p. lii. 10. Alguns estudiosos acreditavam que ele próprio teria reescrito grandes trechos do texto — até a hipótese ser completamente destruída por descobertas arqueológicas. 11. Ver, por exemplo, as várias conversas sobre o Mestre Sun entre o imperador manchu Kangxi e o jovem vadio Trinket no Terceiro Livro de The Deer and the Cauldron (Hong Kong: Oxford University Press, 2002), o picaresco romance de artes marciais de Louis Cha publicado no começo dos anos 1970. 12. Ver a série Strategy and Leadership publicada em Singapura, traduzida a partir da obra do cartunista chinês Wang Xuanming. Ver também Sunzi Speaks: The Art of War (Nova York: Doubleday, 1994), do cartunista taiwanês Tsai Chih Chung, traduzido por Brian Bruya. A edição em seis volumes traduzida e publicada pela Zhejiang People’s Art Press é de qualidade muito inferior, mas até ela serve de interessante exemplo do Mestre Sun como parte da cultura popular. Alguns dos diversos sites que valem a visita: , e . 13. Disponível na internet em . Minha tradução foi adaptada ligeiramente. 14. Yang Chengfu, Yangshi Taijiquan. Hong Kong: Taiping, 1968, p. 5. 15. Donn F. Draeger; Robert W. Smith, Comprehensive Asian Fighting Arts. Tóquio: Kodansha, 1969, p. 38. 16. Wong Kiew Kit, The Art of Shaolin Kungfu. Rockport, MA: Element Books, 1996, p. 151. 17. D. C. Lau, “Some Notes on Sun Tzu”. Bulletin of the School of Oriental and African Studies, v. 28, n. 2, 1965, p. 321. 18. O padre Jean-Joseph-Marie Amiot (1718-93), em sua paráfrase em francês para essa biografia (prefácio à sua tradução do Mestre Sun, Les Treize Articles sur l’Art Militaire, ouvrage composé en Chinois par Sun-tse [Paris: Chez Nyon, 1782], p. 49), acrescenta um belo floreio setecentista aqui: “O rei, que começava a achar que seu repertório habitual de entretenimentos na corte estava um tanto insosso, aproveitou a oportunidade para descobrir uma nova forma de entretenimento”. Difícil não imaginar Versalhes. Mas, considerando que o próprio Amiot trabalhava com o auxílio de uma versão manchu do século XVIII do original chinês, deveríamos também sobreporao palácio do rei He Lü características das excepcionais acomodações para caça do imperador Qianlong em Jehol. 19. Amiot: “O Mestre Sun, ciente de que o rei tratava de fazê-lo parecer ridículo, manteve uma postura de dignidade e passou a impressão de que era uma grande honra receber a permissão de não apenas ver as integrantes do harém de Sua Majestade, mas ainda de ter a chance de conduzi-las pessoalmente”. 20. Amiot: “Prestem muita atenção ao que eu digo e obedeçam cada uma de minhas ordens. Essa é a primeira e mais importante de todas as regras da guerra. Nunca a contrariem”. 21. Na paráfrase de Amiot, uma batida significa frente, duas batidas, trás, três batidas, esquerda, quatro batidas, direita. 22. Amiot: “Depois de alguns instantes de enormes esforços para conter a vontade de rir, elas irromperam em gargalhadas incontroláveis”. 23. Amiot: “‘Elas me desobedeceram’, disse o Mestre Sun. ‘Precisam morrer.’ E, ao dizer isso, sacou sua espada e, com o mesmo sangue-frio que demonstrara até então, cortou-lhes a cabeça”. 24. Amiot: “O rei foi tomado por um pesar extremo. ‘Perdi’, gritou ele, com um profundo suspiro, ‘aquilo que eu mais amava no mundo. […] Que esse homem estranho volte para sua terra. Não quero mais nada dele, nem de seus serviços. […] Ah, bárbaro, o que você fez? Como poderei viver de agora em diante?’ Mas, por maior que fosse o desconsolo do rei, o passar do tempo o fez esquecer o luto […] e ele mandou buscar novamente o Mestre Sun, para aconselhá-lo na campanha contra o reino de Chu”. 25. Tradução minha. Ver Shiji, capítulo 65. Considerei Takigawa Kametaro, Shiki kaichu kosho (Tóquio: Kenkyujo, 1934; reimp.: Taiwan: Zhongxin shuju, 1976), p. 843. 26. Amiot conclui: “Esta máxima, que talvez não seja válida para as nações europeias, é excelente para as asiáticas, onde a honra de forma alguma é sempre a principal motivação”. 27. Entre as tiras de bambu descobertas em Yinqueshan (Montanha do Pardal Prateado) em 1972, havia fragmentos de uma versão semelhante dessa história. O fato de que essa versão em tiras de bambu também se refere aos treze capítulos do tratado do Mestre Sun sugere que também ela possui uma origem muito anterior ao “texto principal”. Ver Roger Ames, Sun-tzu: The Art of Warfare (Nova York: Ballantine, 1993), pp. 190-6. 28. Ver Lionel Giles, Sun Tzu on the Art of War (Londres: Luzac, 1910), pp. xxi-xxii, citação de Wenxian tongkao de Ma Duanlin (1254-1325). 29. Takigawa Kametaro, op. cit., p. 844. 30. Os comentários à obra do Mestre Sun fazem diversas menções a essa história. Ver, por exemplo, o capítulo 5, em que Zhang Yu e Du Mu parafraseiam os Registros. 31. Para as datas desse período e de outras épocas e dinastias importantes da história da China, e para uma breve cronologia de alguns acontecimentos da história antiga relevantes para este livro, ver Cronologias. 32. W. J. F. Jenner, The Tyranny of History. Londres: Penguin, 1994, p. 20. 33. Ibid. 34. Samuel B. Griffith, Sun Tzu: The Art of War. Oxford: Clarendon, 1963, p. 21. Roger Ames, em suas traduções do Mestre Sun e de Sun Bin, faz várias referências aos “campos de morte” desse período. Não é nenhum exagero. 35. Simon Leys (Trad.), The Analects of Confucius. Nova York: Norton, 1997, Introduction, p. xxiii. 36. Tradução minha. Ver Xunzi xinzhu (Pequim: Zhonghua, 1979), pp. 230-1. 37. Por exemplo, o comentarista Du Mu (803-852), da dinastia Tang, desconfiava que Cao Cao (155-220), mais antigo, tivesse reescrito porções consideráveis do texto, reduzindo-o assim aos treze capítulos que hoje conhecemos. 38. Para um registro excelente dessas descobertas, ver a introdução e os apêndices de Roger Ames (op. cit.) e D. C. Lau e Roger Ames, Sun Pin, The Art of Warfare (Nova York: Ballantine, 1996). 39. Joseph Needham, op. cit., pp. 18-9: “Descobertas arqueológicas nos anos 1970 elucidaram muitas dúvidas antigas, confirmaram a autenticidade do texto que conhecemos e ajudaram a reafirmar a confiabilidade da versão tradicional”. 40. Robin D. S. Yates, “New Light on Ancient Chinese Military Texts”. T’oung Pao, v. 74, 1988, p. 219. 41. Samuel B. Griffith, op. cit., p. 12. 42. Niu Guoping; Wang Fucheng, Sunzi shiyi fu yundu. Lanzhou: Gansu Renmin, 1991, p. 164. 43. Jean Levi, Sun Tzu, L’Art de la Guerre. Paris: Hachette, 2000, p. 16. Tradução minha. 44. A. C. Graham, Chuang Tzu: The Inner Chapters. Londres: Allen and Unwin, 1981, p. 27. 45. Ver Iona Opie; Peter Opie, The Oxford Dictionary of Nursery Rhymes (Oxford: Clarendon, 1951), pp. 442-3. Agradeço a Rachel May por essa observação esclarecedora, e espirituosa. 46. Niu Guoping; Wang Fucheng, op. cit., p. 164. Eles comparam o estilo com o do Tao Te Ching e outros textos filosóficos, como Xunzi e Guanzi [O livro do Mestre Guan]. Ver também Guo Huaruo, Sunzi yishu (Shanghai: Guji, 1984), p. 29. 47. Liu Xie, The Literary Mind and the Carving of Dragons. Nova York: The Chinese University Press, p. 49. 48. Ver os comentários de Ouyang Xiu (1007-72) e Zheng Hou (f. 1135), citado e traduzido por Lionel Giles, op. cit., pp. xxxix, xliii. 49. J. J. M. De Groot, The Religious System of China. Leiden, Holanda: Brill, 1897, v. 3, livro 1, p. 996. 50. Ver a tradução de André Lévy, Le Sublime Discours de la fille candide (Arles: Picquier, 2000). 51. Comparar com Mark Edward Lewis, Sanctioned Violence in Early China (Albany: State University of New York Press, 1990), p. 99. A lenda que ele cita é do compêndio Taiping Yulan, do século X. Ver também Anne Birrell, Chinese Mythology (Baltimore: Johns Hopkins, 1993), p. 137. Birrell situa a fonte original da história em algum momento entre os séculos IV e V d.C. 52. Ver Stephan Feuchtwang, An Anthropological Analysis of Chinese Geomancy (Laos: Vithagna, 1974), p. 112. 53. Comentário atribuído a Zhan Zuo (f. 1603-29), citado em George Rowley, Principles of Chinese Painting (Princeton: Princeton University Press, 1947), p. 38. Comparar com Pierre Ryckmans, Les Propos sur la peinture de Shitao (Bruxelas: Institut Belge des Hautes Études Chinoises, 1970), p. 26. 54. Ver o capítulo 30 de The Literary Mind and the Carving of Dragons, “Establishing a Style”. 55. Robert van Gulik, The Lore of the Chinese Lute. Tóquio: Sophia University, 1940, p. 115. 56. Richard Lynn (Trad.), The Classic of Changes. Nova York: Columbia University Press, 1994, p. 125, n. 7. 57. “The Great Commentary”. In: Richard Wilhelm; Cary F. Baynes. The I Ching or Book of Changes. 3. ed. rev. Princeton: Princeton University Press, 1994, p. 342. 58. John Hay, “Boundaries and Surfaces of Self and Desire”. In: ——. Boundaries in China. Londres: Reaktion Press, 1994, pp. 144-5. 59. Lin Yutang, The Importance of Living. Londres: Heinemann, 1938, pp. 426-47. 60. Robert Wilkinson, “Introduction”. In: ——. Sun Tzu: The Art of War. Ware, Inglaterra: Wordsworth Classics, 1998, p. 13. 61. Arthur Golden, Memoirs of a Geisha. Londres: Vintage, 1992, p. 127. 62. Sterling Seagrave, Lords of the Rim. Londres: Corgi Books, 1996, p. 45. 63. John K. Fairbank, “Introduction: Varieties of the Chinese Military Experience”. In: Frank A. Kierman Jr.; John K. Fairbank (Orgs.), Chinese Ways in Warfare. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1974, p. 11. 64. Arthur Golden, op. cit., p. 324. 65. Para Zhou Enlai como sobrevivente político, ver Simon Leys, “The Path of an Empty Boat: Zhou Enlai”. In: ——. The Burning Forest (Nova York: Holt, Rinehart and Winston, 1986), pp. 152-8. Para Deng Xiaoping como idealizador de uma década de repressão muito depois da Revolução Cultural, ver Geremie Barmé; John Minford (Orgs.), Seeds of Fire: Chinese Voices of Conscience (Nova York: Hill & Wang, 1988), pp. 343-53. 66. Burton Watson (Trad.), “Introduction”. In: Han Fei Tzu: Basic Writings. Nova York: Columbia University Press, 1964, p. 10. 67. André Lévy traduz isso como “absorption roborative” (p. 77). Ele também descreve como um processo de vampirismo sexual, em que “um parceiro suga a energiado outro, a fim de fortalecer a sua”. 68. Robert van Gulik, Erotic Colour Prints of the Ming Period with an Essay on Chinese Sex Life from the Han to the Ch’ing Dynasty. Tóquio: [s.n.], 1951, pp. 69, 112-3. 69. Jean-Joseph-Marie Amiot, op. cit., pp. 104, 159. 70. James Murdoch, A History of Japan. Londres: Routledge, 1949, pp. 630-1. Citado por Samuel B. Griffith, op. cit., p. 172. 71. Mark Edward Lewis, op. cit., p. 135. 72.2 Ba Jin, “A Cultrev Museum”. In: Geremie Barmé; John Minford, op. cit., p. 382. 73. Lionel Giles, op. cit., p. xliii. 74. Bo Yang, The Ugly Chinaman and the Crisis of Chinese Culture. Trad. de Don Cohn e Jing Qing. Sydney: Allen and Unwin, 1992, p. 54. 75. Ver Arthur H. Smith, Chinese Characteristics (2. ed. Londres: Kegan Paul, 1894), com seus títulos de capítulo autoexplicativos: “The Disregard for Accuracy” [Descaso com a precisão], “The Talent for Indirection” [Talento para a tergiversação], “The Absence of Sincerity” [Falta de sinceridade]. Curiosamente, a obra de Smith (tendo se baseado nos anos dele como missionário, com bom domínio da língua e familiaridade com a literatura popular e proverbial da China) vem recebendo atenção renovada entre leitores chineses (e chegou até mesmo a ser traduzida para o chinês). Isso faz parte do esforço de “autorreflexão” que inclui obras como “The Ugly Chinaman”, de Bo Yang, e The Deep Structure of Chinese Culture, de Sun Lung-kee. Para estes, ver Geremie Barmé; John Minford, op. cit.; e Geremie Barmé; Linda Jaivin (Orgs.), New Ghosts, Old Dreams (Nova York: Times Books, 1992). 76. Lu Xun, “Chang cheng”. In: Huagaiji (citado por Geremie Barmé; John Minford, op. cit., p. 1). 77. He Xin, “Gudu yu tiaozhan — wode fendou yu sikao”. Zixue zazhi, v. 10, 1988, p. 39 (citado por Geremie Barmé; Linda Jaivin, op. cit., p. 254). 78. “Hunshi mowang Mao Zedong”. Jiefang yuebao, v. 11, 1988, p. 31 (citado por Geremie Barmé; Linda Jaivin, op. cit., p. xxvi). 79. Li Zongwu, Houheixue Daquan. Hong Kong: Xuewen, s.d., pp. 40-1. 80. Citado por Geremie Barmé; Linda Jaivin, op. cit., p. 449. Grifo meu. 81. O quarto ditado da coletânea Caigentan [Raízes da sabedoria], do final da era Ming, atribuído a Hong Zicheng, do período Wanli (1573-1620). Ver Caigentan (Taipei: Zhiliang, 1987), p. 4. 82. Liu Yin, “How to Read the Military Classics”. In: Liu Yin (Org.). Wujing qishu zhijie. Changsha: Yueli, 1992, p. 7. * Embora a grafia mais atual seja “daoista”, nesta edição usaremos a versão consagrada, “taoista”. (N. E.) ** Embora a grafia mais atual seja Daodejing, nesta edição usaremos a versão consagrada, Tao Te Ching. (N. E.) *** Grafia moderna: taijiquan. (N. E.) **** Mao Zedong, também grafado como Mao Tsé Tung. (N. E.) ***** Jiang Jieshi, também grafado como Chiang Kai Shek. (N. E.) Nota sobre o texto JOHN MINFORD TEXTO, TRADUÇÃO E COMENTÁRIO Em geral, seguiu-se o texto tradicionalmente aceito e republicado inúmeras vezes do Shiyijia zhu Sunzi, ainda que, de quando em quando, alterações propostas por outros estudiosos tenham sido adotadas. Como esta é uma tradução para leitores não especializados, só foram incluídos nas notas os detalhes essenciais para a compreensão do texto. A primeira parte apresenta o texto-base, sem adereços, dos treze capítulos do Mestre Sun. A ele se segue a segunda parte com o mesmo material, acompanhado de comentários correspondentes, extraídos sobretudo dos comentaristas chineses tradicionais. Esse formato duplo foi o adotado na tradução mais recente (e a melhor) ao francês feita por Jean Levi. Assim, o leitor será capaz de formar suas impressões iniciais a partir de um contato direto com o texto epigramático original e depois refinar essas impressões com o reforço de materiais explicativos mais detalhados. Ao contrário de Levi, esta tradução foi dividida em linhas curtas, para preservar parte da qualidade formal do texto original. Na segunda parte, o texto original e os comentários são diferenciados graficamente. Quando os leitores chineses leem suas edições comentadas do Mestre Sun, as palavras do texto clássico aparecem em caracteres muito maiores e se destacam com muita clareza do mar de comentários que as cerca. Sempre é possível saber o que é texto e o que é comentário. O Mestre Sun possui um cânone reconhecido de onze comentaristas oficiais, a partir de Cao Cao, incluindo cinco nomes da dinastia Tang e quatro da dinastia Song.1 Os comentários desses indivíduos ocupam cerca de vinte vezes mais espaço do que o sucinto texto original. Em muitas ocasiões, narram episódios históricos extensos (em geral adaptações de uma das histórias chinesas tradicionais) para ilustrar alguma questão levantada pelo Mestre Sun, e esta edição usa alguns desses episódios. Liu Yin recomendou que os leitores devem “compreender e guardar na memória os feitos de grandes comandantes, as vitórias que alguns obtiveram com determinadas ações e as derrotas de outros com outras. É importante”. Além de recontar essas histórias, os comentaristas oferecem paráfrases e extrapolações para os enunciados do Mestre Sun que muitas vezes são secos e enigmáticos. Às vezes, um comentarista emenda nas anotações do anterior: “Sim, concordo com Fulano de Tal, mas gostaria de complementar o comentário dele com uma observação…”. Em algumas ocasiões, comentários desse tipo aparecem nesta edição, produzidos por dois ou três indivíduos, da seguinte forma: “Li Quan/Du You/Zhang Yu”. É estarrecedor o volume de comentários, então foram selecionados os que pareceram mais úteis, com a orientação de editores e tradutores modernos. Sem dúvida haverá alguns estudiosos do Mestre Sun que discordarão da seleção feita por John Minford. Alguns leitores podem questionar por que tantos comentários foram incluídos. O único objetivo desta edição é ajudar os leitores a compreender o que já foi dito. Acredita-se que o hábito chinês de ler um texto clássico (em todos os gêneros — filosofia, história, poesia, ficção) acompanhado de comentários é proveitoso para o leitor ocidental, que muitas vezes precisa de contexto e subtexto para os epigramas. Com isso em conta, algumas vezes foram acrescentados trechos de outros clássicos antigos (como o Tao Te Ching e O livro das mutações) e do Sanguo yanyi. Também foram citados (às vezes com ligeiras alterações) trechos dos comentários de Lionel Giles, cuja tradução de 1910 para o inglês resistiu de maneira admirável ao passar do tempo.2 Além de sua considerável erudição chinesa, Giles demonstra um amplo conhecimento da história ocidental: cita Heródoto, Tucídides e Tito Lívio, e também Baden-Powell, e inclui menções aos feitos militares de Aníbal, César, Turenne, Napoleão, Wellington e “Stonewall” Jackson da mesma forma que os comentaristas chineses citam sua própria história e fazem referência às realizações de seus próprios grandes generais. A tradução e os comentários de Giles também são influenciados por um forte interesse por questões militares (ele dedica a obra a seu irmão, o capitão Valentine Giles). Às vezes, Giles usa seu próprio comentário para resumir de forma concisa o teor geral dos comentários chineses. Em muitas ocasiões, ele os expande, traduzindo diretamente dos anais e registros históricos. Um bom exemplo ocorre no capítulo 11, em que o Mestre Sun fala da necessidade de alimentar os homens e prezar a tropa. Giles faz referência ao comentário de Chen Hao e vai diretamente à fonte de Chen, o Grande Historiador Sima Qian, conta toda a história do general Wang Jian, de Qin, e acaba por dobrar o tamanho do texto de comentário.3 Lionel decerto herdou do pai, Herbert, o dom da narrativa. Em certos momentos, foi adotada uma versão quase inalterada para alguns comentários, e nesses casos a indicação aparece como: “Du Mu/Giles”. Giles, em certo sentido, se uniu ao rol dos onze comentaristas tradicionais. É o 12o homem. Foram consultadas também edições para outros idiomas feitas por Roger Ames, pelo general Samuel Griffithe por Jean Levi. Nesta edição de John Minford também foram incluídas reflexões sobre a guerra elaboradas por outros escritores, europeus ou não, a fim de ampliar um pouco o escopo. Em cinco ou seis pontos, o próprio Minford adiciona uma anotação mais longa de própria autoria. NOTA SOBRE A PRONÚNCIA Neste livro, os nomes e topônimos chineses geralmente são grafados de acordo com o sistema chinês conhecido como hanyu pinyin, ou simplesmente pinyin, que conta com aceitação internacional. (Entre as exceções à regra se incluem nomes geográficos consagrados como o rio Yangtzé e as cidades de Pequim, Nanquim e Cantão.) A breve lista a seguir pode ajudar os leitores com alguns dos sons mais difíceis utilizados pelo sistema pinyin: c = ts q = tch x = sh z = dz zh = dj É preciso explicar desde já, para os leitores com dificuldade de compreender tanto os estilos chineses de dar nomes quanto essa forma moderna de grafar palavras chinesas, que Mestre Sun, Sun Tzu, Sunzi e Sun Wu são todos a mesma pessoa. Tzu é o velho estilo “Wade- Giles” de grafar a sílaba chinesa que no sistema pinyin se torna zi. Nos tempos antigos, a palavra zi era acrescentada a sobrenomes para dar o sentido de “Mestre”. Portanto, Meng Tzu (Wade-Giles) ou Mengzi era o mesmo que Mestre Meng (e que os primeiros jesuítas latinizariam como Mêncio); Lao Tzu ou Laozi era Mestre Lao (o lendário sábio a quem se atribui o clássico taoista Tao Te Ching). Em geral, refere-se a esses indivíduos como Mestre Fulano. A propósito, as vogais em Sun Tzu (ou Sunzi) não têm o mesmo som da palavra “canto” (qualquer que seja a pronúncia de Michael Douglas no filme Wall Street: poder e cobiça). O nome chinês Sun não tem a mesma pronúncia da palavra inglesa “sun”. A vogal tem um som mais aproximado de “u”, como em “rum”. E Tzu, ou zi, soa mais como “dzu”. Quanto a Sun Wu: Wu era o nome dele. Estas equivalências a seguir, muito aproximadas, também podem servir de ajuda aos leitores: Bang = bang Bo = bo Cai = tsai Cang = tsaang Chen = tchen Cheng = tchaang Chong = tchuung Chuan = tchuan Dang = daang Dong = dong Feng = fong Gui = güei Guo = guó Kong = koong Li = li Long = long Lü = liu (como no francês tu) Mo = mo Qi = tchi Qian = tchien Qing = tching Rong = rong Shi = chi Si = su (como no francês tu) Song = suung Shun = chun Sun = sun Wen = uen Xi = xi Xiao = xiao Xin = xin Xing = xing Xiong = xioong Xu = xu Yan = ien Yi = ii You = iou Yu = iu Yuan = iuan Zha = dja Zhe = djã Zhen = djen Zhi = dji Zhou = djou Zhu = dju Zhuang = djuang Zi = dzi Zong = dzong Zuo = dzuo Notas 1. Ver a lista detalhada de comentaristas a partir da p. 69. 2. Lionel Giles compromete seu livro com todo o tempo que passa atacando o desafortunado capitão Calthrop, que teve a audácia de produzir sua própria tradução alguns anos antes, baseando-se em grande parte em fontes japonesas. Lionel claramente herdou as tendências ferinas do pai, o eminente sinólogo Herbert Giles (1845-1935). 3. Lionel Giles, Sun Tzu on the Art of War. Londres: Luzac, 1910, p. 124. Lista de comentaristas chineses E outras autoridades mencionadas pelos comentários Filósofos anteriores à dinastia Qin geralmente recebem a alcunha de “Mestre”. Em chinês, isso é indicado pelo sufixo zi (tzu, na antiga grafia Wade-Giles). Assim, Mestre Sun é Sunzi ou Sun Tzu. Os onze comentaristas do cânone tradicional estão indicados por asterisco (*). Os itens estão dispostos em ordem alfabética em cada seção e período, salvo especificação em contrário. TRADICIONAIS (PRÉ-TANG) CAO CAO (155-220):* O famoso general do Período dos Três Reinos e fundador da dinastia Wei. Ver Giles, pp. xxxv-xxxvi: “Um dos maiores gênios militares que o mundo já viu, e napoleônico em dimensão de suas atividades, ele era especialmente notório pela velocidade maravilhosa de suas marchas, que se expressa pelo ditado ‘Falando de Cao Cao, Cao Cao aparece’. [cf. Falando no diabo…] Segundo Ouyang Xiu (dinastia Song), ‘consta que, sempre que se realizava um conselho de guerra na dinastia Wei à véspera de uma campanha distante, Cao Cao já estava com todos os cálculos prontos [ver Mestre Sun, capítulo 1]; os generais que os usavam não perdiam nenhuma batalha em dez; os que contrariavam qualquer detalhe deles viam seus exércitos impiedosamente derrotados e rechaçados’. Seu comentário é, com frequência, obscuro; fornece alguma pista, mas não desenvolve plenamente seu sentido. Suas notas são modelos de breve austeridade. Às vezes em função da compressão extrema, são quase ininteligíveis e exigem comentários tanto quanto o texto original”. DUQUE DA PEDRA AMARELA: Figura lendária, suposto autor de San lüe [As três estratégias], um dos sete clássicos militares (ver página 439). O capítulo 55 do Shiji apresenta a história de quando Zhang Liang recebeu um tratado de um ancião misterioso que ele encontrou treze anos depois em forma de pedra amarela… Foi esse tratado que permitiu que Zhang ajudasse Liu Bang a estabelecer a dinastia Han. MENG:* Nada se sabe a respeito dele, salvo que viveu durante a dinastia Liang (502-557). MESTRE WANG: Obras desaparecidas, mas é citado em comentários. MESTRE WEILAO (século IV a.C.?): Reza a lenda que ele estudou com o famoso Mestre do Vale dos Espíritos. MESTRE WU, WU QI († 381 a.C.): ver Wuzi bingfa. DINASTIA TANG (618-907) CHEN HAO:* Contemporâneo de Du Mu. DU MU (803-852):* Poeta famoso, que encerrou a carreira oficial como secretário no Grande Conselho. Apesar da imagem popular como autor de poesia lírica e como “habitué das casas azuis” (bordéis) de Yangzhou, nutriu interesse genuíno por assuntos militares e políticos a vida inteira. DU YOU (735-812):* Ascendeu ao posto de presidente do Conselho de Obras e Grande Guardião. Autor de Tongdian, um tratado enciclopédico sobre a constituição, de onde foram extraídas suas notas sobre o Mestre Sun. Ele repete com frequência Cao e Meng e talvez cite referências do desaparecido Mestre Wang. Suas notas foram acrescentadas por Ji Tianbao, da dinastia Song, ao cânone anterior de dez comentaristas. Avô de Du Mu. JIA LIN:* Pouco se sabe a respeito dele. JI LING (571-649): General famoso do início da dinastia Tang. LI QUAN (século VIII):* Li aproveita constantemente episódios da história da China. Também foi autor de diversas obras sobre a guerra. DINASTIA SONG (960-1279) Não é por acaso que os quatro comentaristas da dinastia Song tenham pertencido ao mesmo período. Eles viveram no contexto pós-rebelião tangut de Zhao Yuanhao (1034-43), quando “a corte fez grandes esforços para encontrar homens experientes na guerra, e os assuntos militares entraram em voga em todos os círculos de autoridade”. Foi o imperador Shengzong (governou entre 1068 e 1085) da dinastia Song que classificou os Sete Clássicos Militares como material de estudo oficial. HE YANXI:* Notável principalmente pelos longos excertos que oferece, em forma adaptada, das histórias dinásticas e outras fontes. JI TIANBAO (final da dinastia Song do Norte, c. 1100): Responsável pela edição com dez comentaristas que foi considerada a versão oficial até o século XIX. MEI YAOCHEN (1002-1060):* Poeta conhecido, famoso pela variedade de tópicos que explorava e por sua característica pingdan, “lhanura” ou fadeur. WANG XI:* Segundo Wu Jiulong (1990), Wang consultou textos antigos raros para seus comentários. ZHANG YU:* Seus comentários costumam ser uma ampliação e elucidação dos de Cao Cao. Giles (p. xl): “Sem Zhang Yu, é seguro dizer que grande parte dos comentários de Cao Cao permaneceriam ocultos sob seu véu de imaculada obscuridade e, portanto, inúteis”. DINASTIA MING (1368-1644) LIU YIN (f. 1371): Editor de Wujing qishu zhijie, uma versão comentada dos Sete Clássicos Militares. DINASTIA QING (1644-1911) BI YIXUN: Autor de Sunzi xulu [Citações do Mestre Sun], uma coletânea importante de materiais referentes ao Mestre Sun. SUN XINGYAN (1753-1818): Eminentepesquisador e bibliófilo, que compôs a edição oficial da dinastia Qing de A arte da guerra do Mestre Sun com os comentaristas tradicionais. Cronologias DINASTIAS XIA c. 2100-c. 1600 a.C. SHANG/YIN c. 1600-c. 1028 a.C. ZHOU c. 1027-256 a.C. Zhou do Oeste c. 1027-771 a.C. Zhou do Leste c. 770-256 a.C. Primavera e Outono c. 722-481 a.C. Reinos Combatentes c. 403-221 a.C. QIN 221-207 a.C. HAN 206 a.C.-220 d.C. Han Anterior 206 a.C.-8 d.C. Han Posterior 25-220 d.C. XIN 9-25 d.C. TRÊS REINOS e SEIS DINASTIAS Wei 220-265 Shu Han 221-263 Wu 222-280 Jin do Oeste 265-317 Jin do Leste 317-420 Liu Song (sul) 420-479 Qi (sul) 479-502 Liang (sul) 502-557 Chen (sul) 557-589 Toba/Wei do Norte (norte) 386-534 Wei do Leste (norte) 534-550 Wei do Oeste (norte) 535-577 Qi do Norte (norte) 550-577 Zhou do Norte (norte) 557-581 SUI 581-618 TANG 618-907 CINCO DINASTIAS 907-960 LIAO 916-1125 SONG 960-1279 Song do Norte 960-1126 Song do Sul 1127-1279 JIN (jurchen) 1115-1234 YUAN (mongol) 1260-1368 MING 1368-1644 QING (manchu) 1644-1911 ACONTECIMENTOS HISTÓRICOS Seguem abaixo alguns acontecimentos importantes na história antiga da China, até o final do período dos Três Reinos. As datas indicadas tomam por base Jacques Gernet, O mundo chinês (Lisboa: Cosmos, 1975). A.C. 771 Zhou do Oeste deixa a capital no vale de Wei e estabelece residência em Luoyang. 722 Primeiro ano do Chunqiu [Anais de Primavera e Outono]. 704 Expansão do reino de Chu, do sul (hoje Hunan e Hubei). 667 Início da hegemonia do reino de Qi (hoje Shandong). 632 Hegemonia de Jin (hoje Shanxi). 597 O rei Zhuang de Chu é reconhecido como líder de confederação. 589 Grande batalha entre os reinos de Qi e Jin. c. 551 Nascimento de Confúcio. c. 544 Nascimento de Sun Wu, o Mestre Sun. 506 Ofensiva de Wu contra Chu. Wu ocupa Ying, capital de Chu. c. 496 Morte do Mestre Sun. Morte de He Lü, rei de Wu. 494 O reino de Yue reconhece Wu como líder supremo. 481 Fim do Período de Primavera e Outono. c. 479 Morte de Confúcio. Nascimento do Mestre Mo. 473 Wu é arrasado por Yue, sob a liderança de Gou Jian. Morte de Fu Chai, rei de Wu e filho de He Lü. 453 Divisão de Jin nos três reinos de Han, Wei e Zhao. Alguns consideram este o início do Período dos Reinos Combatentes. 445 Expansão ao leste do reino de Chu, à custa de Wu. c. 430 Nascimento do Mestre Wu (Wu Qi). c. 381 Morte do Mestre Mo. Morte do Mestre Wu. c. 380 Nascimento de Sun Bin (Sun “Aleijado”), autor de Sun Bin bingfa [Arte da guerra de Sun Bin]. c. 371 Nascimento de Mêncio. 361 Lorde Shang chega a Qin e começa as reformas legalistas. 354-351 Cerco de Handan, capital de Zhao (na província de Hebei, no sudoeste). 341 Batalha de Maling. 338 Execução do Lorde Shang. 334 Chu absorve Yue (norte da província de Zhejiang e região inferior do Yangtzé). 325 O príncipe de Qin assume o título de rei. c. 316 Morte de Sun Bin. c. 300 Morte do filósofo taoista Mestre Zhuang. c. 289 Morte de Mêncio. 279 Tian Dan, de Qi, derrota a força de Yan em Jimo. 278-277 Qin se expande à custa de Chu em Hubei e Hunan. 270 Qin ataca Han e é rechaçado por Zhao. 259-257 Qin sitia Handan, capital de Zhao. 257 Morte de Bo Qi, general de Qin. 256 Qin põe fim à casa real de Zhou. 246 Acessão do rei Zheng de Qin, que viria a se tornar o primeiro imperador da dinastia Qin. 230-221 Qin anexa Han, Zhao, Wei, Chu, Yan e Qi. 227 Jing Ke comete um atentado malsucedido contra o futuro primeiro imperador. 221 Fundação do Império Qin. 220 Reconstrução das Grandes Muralhas, iniciadas por volta de 300 a.C. 210 Morte do primeiro imperador. 207 Assassinato do segundo imperador. 206 Fim da dinastia Qin. Fundação da dinastia Han Anterior ou do Oeste, com capital em Chang’an. 203 Xiang Yu (rei de Chu) e Liu Bang (rei de Han) dividem o reino. As façanhas de Han Xin como general de Liu Bang. 202 Liu Bang elimina Xiang Yu e é proclamado imperador de Han. 179 Acessão do imperador Wen de Han. 141 Acessão do imperador Wu de Han. 122 Morte de Liu An, Mestre de Huainan. 122-109 Expansão de Han rumo ao sul. c. 92 Morte de Sima Qian, autor do Shiji. 87 Morte do imperador Wu. 73 Acessão do imperador Xuan. 48 Acessão do imperador Yuan. 32 Acessão do imperador Cheng. 6 Acessão do imperador Ai. D.C. 9-25 Breve dinastia Xin de Wang Mang. Fundação da dinastia Han Posterior ou do Leste, com capital em Luoyang. 27-28 Revolta dos Sobrancelhas Vermelhas. c. 125 Han começa a restabelecer domínio sobre a Ásia Central. 157 Censo: 56 486 856 indivíduos. 169 Grande vitória chinesa sobre o povo prototibetano dos qiang. 184 Revolta dos Turbantes Amarelos. 189 Saque de Luoyang por Dong Zhuo. 190 Começo do poder de Cao Cao. 201 Cao Cao praticamente domina o norte da China. 208 Aliança entre Liu Bei (Shu/Han) e Sun Quan (na região inferior do Yangtzé) contra Cao Cao. Batalha dos Penhascos Vermelhos, no Yangtzé, em que Cao Cao é derrotado. 220 Morte de Cao Cao. Seu filho, Cao Pei, se torna o primeiro imperador de Wei. Fim da dinastia Han. 221 Liu Bei é proclamado imperador de Shu/Han no oeste da China. 222 Sun Quan é proclamado imperador de Wu. Início do Período dos Três Reinos. 223 Morte de Liu Bei. 234 Morte de Zhuge Liang, conselheiro estrategista de Shu/Han. 249 Golpe de Estado de Sima Yi em Wei. 263 Fim de Shu/Han (anexado por Wei). 265 Sima Yan funda a dinastia Jin em Luoyang. A arte da guerra 1 FORMULAÇÃO DE PLANOS Disse o Mestre Sun: A guerra é uma Séria questão de Estado; É um domínio De vida e morte, Rota De sobrevivência e extinção, Algo A se considerar com ponderação. São Cinco Fundamentos Para essas deliberações, Para quaisquer exames E a análise de condições: O Caminho, Céu, Terra, Comando, Disciplina. O Caminho Põe os homens Em harmonia Com o soberano, Para que nunca vacilem E por ele vivam e morram. Céu É Yin e Yang, Frio e calor, O ciclo das estações. Terra É altitude e dimensão, Distância e proximidade, É fluência e perigo, Amplitude e confinamento, É vida e aniquilação. Comando É Sabedoria, Integridade, Compaixão, Coragem, Severidade. Disciplina É organização, Hierarquia, Controle de despesas. Todo comandante conhece Esses Cinco Fundamentos. Aquele que os segue Vence; Aquele que não os segue Perde. Para essas deliberações, Para quaisquer exames E a análise de condições, Descubra: Que soberano Tem o Caminho? Que general Tem a perícia? Que lado tem Céu e Terra? Em que lado A disciplina É mais eficaz? Que exército É mais forte? Que oficiais e homens São mais treinados? Em que exército Recompensas e castigos são Mais claros? Destes Se determina Quem vence e quem perde. Se meu plano seguir, Se me empregar, A vitória decerto será sua; Ficarei aqui. Se não seguir, Mesmo se me empregar, Sua derrota será certa; Irei embora. Opte pelo melhor plano, Explore a dinâmica interior, Desenvolva para o exterior. Acompanhe a vantagem, E domine oportunidades; Essa é a dinâmica. O Caminho da Guerra É um Caminho de Ardis. Quando capaz, Finja incapacidade; Quando enviar tropas, Aparente o contrário. Quando próximo, Aparente longe. Quando longe, Aparente próximo. Atraia com isca; Ataque com caos. Se o inimigo é pleno, Prepare-se. Se forte, Evite-o. Se ele é feroz, Desconcerte-o. Se ele é fraco, Atice seu orgulho. Se está relaxado, Perturbe-o; Se seus homens estão em harmonia, Divida-os. Ataque Onde ele não Está preparado; Apareça Onde você não É esperado. Isso é Vitória na guerra; Não pode ser Proclamada Com antecedência. A vitória pertence àquele Que mais pontua Nos cálculos do templo Antes da batalha. A derrota pertence àquele Que menos pontua Nos cálculos do templo Antes da batalha. Mais prenuncia vitória; Menos prenuncia derrota; Nada,derrota mais certa. Vejo assim, E o resultado é evidente. 2 DEFLAGRAÇÃO DA GUERRA Disse o Mestre Sun: Na Guerra, Para um exército Com mil Bigas velozes de quatro cavalos, Com mil Carroças revestidas de couro, Para cem mil Soldados com armadura, Abastecido para Cem léguas;* A considerar Despesas no reino e na campanha, Tratos com enviados e conselheiros; Cola e laca Manutenção de bigas e armaduras; O custo diário de tudo Excederá Mil peças de prata. Na Guerra, A vitória deve ser Célere. Se a vitória for lenta, Homens se cansam, Moral fraqueja. Cercos Exaurem forças; Campanhas prolongadas Extenuam o tesouro. Com homens cansados, Moral baixo, Forças exauridas, Tesouro gasto; Os senhores feudais Aproveitam a desordem E atacam. Isso até os mais sábios Não terão condições De reparar. Ouvi dizerem que na guerra Pressa pode ser Inimiga Mas nunca vi Atraso que fosse Perfeição. Nenhuma nação jamais se beneficiou De uma guerra prolongada. Sem plena compreensão Dos danos Da guerra, É impossível compreender O modo mais favorável De conduzi-la. O Guerreiro Hábil Nunca recruta exércitos Duas vezes; Nunca transporta provisões Três. Ele traz seus próprios equipamentos Mas se supre do inimigo. E assim seus homens Têm muita comida. Suprir um exército Distante Exaure os cofres públicos E empobrece O povo comum. Quando o exército está próximo, Os preços sobem; Quando os preços sobem, O povo gasta Tudo o que tem; Quando gasta tudo, Sente a pressão Dos impostos. No campo de batalha, A força é esgotada; No reino, as famílias São desprovidas. O povo Perde sete décimos De sua riqueza. Seis décimos do tesouro São gastos com Bigas quebradas, Cavalos cansados, Elmos e armaduras, Flechas e balestras, Dardos e broquéis Lanças e escudos, Bestas de carga. Carroças pesadas. Então o general sábio Nutre o exército Com o inimigo. Uma peça** Do inimigo Vale vinte Trazidas do reino; Uma braçada De rações inimigas Vale vinte Trazidas do reino. A morte do inimigo É resultado Da ira; A luta pelo butim É resultado Do desejo de recompensa. No combate de bigas, Quando se captura Mais de dez bigas, Merece recompensa aquele Que toma a primeira inimiga. Mude o estandarte Das bigas capturadas; Misture-as Às nossas. Trate bem seus prisioneiros, Cuide deles. Use sua vitória E se fortaleça. Na Guerra, Valorize a vitória, Não uma campanha prolongada. O general sábio É Senhor do Destino; Ele detém nas mãos A paz e o perigo À nação. * Em chinês a medida usada, li, equivale a aproximadamente quinhentos metros. Optamos por utilizar a medida de léguas para preservar o caráter antigo do texto. Como A arte da guerra oferece recomendações sobre diversos aspectos logísticos, o leitor encontrará adaptações semelhantes também com medidas de peso, volume etc. (N. T.) ** No chinês, a medida usada, shi, equivale a aproximadamente setenta quilos. (N. E.) 3 OFENSIVA ESTRATÉGICA Disse o Mestre Sun: Na Guerra, Tome Um reino Inteiro, Não um destruído. Tome Um exército, Regimento, Destacamento, Companhia Inteiros, Não destruídos. A primazia suprema vem Não da vitória Em qualquer batalha, Mas da derrota do inimigo Sem sequer um combate. A guerra mais sublime Ataca a própria Estratégia; Depois, Ataca Alianças; Depois, Ataca Exércitos; A guerra mais vulgar Ataca Cidades. Guerra de cerco Só em último caso. Em um cerco, É preciso três meses Para reunir Escudos protetores, Carroças reforçadas, E diversos Armamentos e materiais de cerco; Mais três meses Para a construção De rampas. O general que não tem Poder sobre a raiva Despacha seus homens como Formigas, Envia um em três para A morte, E não toma a cidade. Essa é a calamidade Da guerra de cerco. O Estrategista Hábil Derrota o inimigo Sem combater, Captura a cidade Sem sitiar, Abate o reino inimigo Sem uma guerra longa. Ele busca a supremacia Intacto sob O céu, Forças ainda Ilesas, A conquista Completa. Esse é o método do Ataque estratégico. Na Guerra, Se com dez diante De um do inimigo, Cerque-o; Com cinco, Ataque; Com dois, Divida. Se iguais, Enfrente; Se com menos, Esconda; Se mais fraco, Fuja. Uma força pequena Que luta obstinada Será capturada Por força maior. O general sustenta A nação. Quando é firme A nação é forte. Quando é incerto, A nação é fraca. Um líder pode condenar Seus homens De três formas: Dar ordem de Avanço ou Retirada Na hora errada É Tolher o exército: Interferência ignorante Em decisões militares Confunde Oficiais e homens; Influência ignorante Em atribuições militares Perturba Oficiais e homens. Se o exército está confuso e perturbado, Os príncipes feudais Criam problema; Daí se espalha Caos nas fileiras E se perde a Vitória. Há Cinco Exigências Para a vitória: Saber o momento de lutar E o de não lutar; Entender o uso De grandes e pequenos Contingentes; Ter oficiais e homens de Uma mesma vontade; Estar pronto Para o inesperado; Ter um general capaz, Sem o estorvo do soberano. Essas cinco Dão o caminho da Vitória. Daí o ditado “Conhece o inimigo, Conhece a ti mesmo, E a vitória Será sempre certa, Mesmo em cem batalhas.” Aquele que conhece a si Mas não ao inimigo Sofrerá uma derrota Para cada vitória. Aquele que não conhece A si E ao inimigo, Fracassará Em toda batalha. 4 FORMAS E DISPOSIÇÕES Disse o Mestre Sun: Outrora, O Guerreiro Hábil Garantia antes Invulnerabilidade Para si; Depois esperava A vulnerabilidade Do inimigo. Invulnerabilidade cabe A si; Vulnerabilidade, Ao inimigo. O Guerreiro Hábil Pode obter Invulnerabilidade Para si mesmo; Mas jamais criará A vulnerabilidade Do inimigo. Daí o ditado “Pode-se conhecer A vitória E ainda não alcançá-la.” Invulnerabilidade é Defesa; Vulnerabilidade é Ataque. Defesa implica Carência; Ataque implica Abundância. Um Defensor Hábil Se oculta Sob as Nove Terras; Um Atacante Hábil Se move Sobre os Nove Céus. E assim obtém Proteção E vitória Intacto. Prever A vitória simples Do homem comum Não é habilidade. Obter vitória em batalha E receber elogios Pela habilidade Não é Habilidade. Erguer pelagem de outono Não é Força; Ver sol e lua Não é Percepção; Ouvir trovões Não é Audição aguçada. O Guerreiro Hábil de outrora Conquistava Vitórias fáceis. As vitórias Do Guerreiro Hábil Não são Extraordinárias; Não dão Fama pela sabedoria Nem mérito pela bravura. Suas vitórias São Perfeitas; Sua vitória é Perfeita Porque é Inevitável; Ele derrota Um inimigo já derrotado. O Guerreiro Hábil Se posiciona Em solo invulnerável; Não perde qualquer chance De derrotar o inimigo. O exército vitorioso Chega à vitória antes E busca a batalha depois; O exército derrotado Vai à batalha antes E busca a vitória depois. O Estrategista Hábil Cultiva O Caminho E preserva A lei; E assim tem domínio Sobre vitória e derrota. Na Guerra, Existem Cinco Passos: Medição, Estimativa, Cálculo, Comparação, Vitória. Terra determina Medição; Medição determina Estimativa; Estimativa determina Cálculo; Cálculo determina Comparação; Comparação determina Vitória. Um exército vitorioso É um tijolo no prato Da balança contra Um grão; Um exército derrotadoÉ um grão Na balança contra Um tijolo no prato. Um exército vitorioso É como Uma catarata Que se arroja Por uma vastidão Sem fim. Isso é tudo Questão de Formas e Disposições. 5 ENERGIA POTENCIAL Disse o Mestre Sun: Gerir muitos É o mesmo Que gerir poucos; É uma questão de Divisão. Lutar com muitos É o mesmo Que lutar com poucos; É uma questão de Sinalizar às tropas A formação, Usar bandeiras De identificação. Combinando-se Direto e Indireto, Um exército Pode rechaçar o inimigo Intacto. Compreendendo o que é Fraqueza e Força, Um exército Ataca Qual pedra de mó Contra um ovo. Na guerra, Combata Diretamente; Garanta a vitória Indiretamente. O guerreiro que domina Guerra indireta É infinito Como o Céu e a Terra, Inesgotável Como o rio e o mar, Termina e recomeça Como o sol e a lua, Morre e renasce Como as Quatro Estações. Existem apenas Cinco notas, E há mais combinações Do que Se pode escutar. Existem apenas Cinco cores, E há mais combinações Do que Se pode enxergar. Existem apenas Cinco sabores, E há mais combinações Do que Se pode provar. Na dinâmica da Guerra, Existem apenas estes dois, Indireto E direto, E há mais combinações Que nunca vão se exaurir. Elas geram umas às outras Em um eterno Círculo sem fim. Uma torrente veloz Derruba rochas Em suas águas; Tal é a energia De sua força. O ataque de um falcão Quebra as costas Da presa; Tal é a precisão Da ocasião. A energia do Guerreiro Hábil é Arrasadora; A ocasião, Exata. Sua energia é como A balestra armada, A ocasião é como O aperto no gatilho. No meio da escaramuça, Pode parecer uma Bagunça; Mas não há desordem; No caos da liça, A luta parece não ter Pé nem cabeça, Mas não se admite a derrota. Desordem se rege Pela ordem; Medo, Pela coragem; Fraqueza, Pela força. Desordem ordenada Se baseia Em divisão racional; Medo corajoso, Em energia potencial; Fraqueza forte, Em disposição de pessoal. O guerreiro que sabe Atiçar o inimigo Dá uma forma visível, E o inimigo decerto virá. Põe-se a isca, E o inimigo decerto Arrisca. Ele faz o inimigo Se adiantar E o espera Com força total. O Guerreiro Hábil Explora A energia potencial; Não impõe à tropa A responsabilidade. Ele aplica a tropa Como pode, Mas conta com A energia potencial. Com base em energia, Ele envia tropas à luta Como se Rolasse toras ou pedras. É da natureza que Em solo plano Toras e pedras Sejam imóveis; Se íngreme, Elas tombem; Quadradas, parem; Redondas, rolem. Soldados bem posicionados São como pedras redondas Rodando Por uma montanha. Essas são questões De energia potencial. 6 VAZIO E CHEIO Disse o Mestre Sun: O primeiro a chegar Espera o inimigo Com vigor. O último a chegar Entra na refrega Esgotado. O Guerreiro Hábil Atiça E não se atiça. Ele atrai a vinda Do inimigo Ou impede o avanço Do inimigo. Esgote O descansado; Prive O alimentado; Desaloje O alojado. Apareça no lugar Para onde ele corre; Corra ao lugar Onde ele menos espera. Marche léguas e léguas Sem se cansar Seguindo rotas Sem inimigos. Garanta a vitória Atacando O indefeso. Garanta a defesa Defendendo O intocado. O Guerreiro Hábil ataca Para que o inimigo Não se defenda; Ele defende Para que o inimigo Não ataque. Ó sutil sutileza! Sem forma! Ó mistério misterioso! Sem som! Ele domina a Sina do inimigo. Ele avança, Irresistível, E ataca o vazio. Ele recua, Sem deixar rastro, Veloz demais Para ser alcançado. Se desejo combater, O inimigo, Mesmo trás muralhas E fosso, Não deixará de me enfrentar; Lanço meu ataque Onde ele deve Resgatar. Se não desejo combater, Posso me resguardar Com apenas uma linha Traçada no chão. O inimigo não Me enfrenta Em combate: Eu o distraio Para outro sentido. Sua forma é visível, Mas eu sou Amorfo; Sou concentrado, Ele, dividido. Sou concentrado Em um só; Ele, dividido Em dez. Eu sou Dez Contra um; Muitos Contra Poucos. Com muitos, ataque poucos E o oponente Será fraco. O local que pretendo atacar Será um segredo; Se for segredo, O inimigo terá que Reforçar muitos locais; O inimigo vai Reforçar muitos locais, Mas atacarei Poucos. Ao reforçar a vanguarda, Ele enfraquece atrás; Ao reforçar atrás, Ele enfraquece a vanguarda. Ao reforçar a direita, Ele enfraquece a esquerda; Ao reforçar a esquerda, Ele enfraquece a direita. Ao reforçar tudo, Ele enfraquece tudo. Na fraqueza, Prepara-se Contra algum ataque. Na força, Obriga-se O inimigo a Preparar-se contra o ataque. Sabendo Dia e lugar Da batalha, Podemos lutar Mesmo após léguas E léguas de marcha. Mas sem saber Dia ou Lugar, A esquerda não Ajuda a direita, A direita não Ajuda a esquerda, A vanguarda não Ajuda atrás, Atrás não Ajuda a vanguarda. E é pior Se entre as tropas Há distâncias De léguas e léguas Ou mesmo uma só. Pelo que determinei, O exército de Yue É vasto, Mas isso pouco lhe serve Ao combater. Então Ainda É possível vencer. O inimigo pode ser grande, Mas podemos evitar Um combate. Analise-o Conheça os furos Em seus planos. Incite-o, Descubra o que gera Seus atos. Revele a forma, Descubra seus locais De vida e morte. Teste-o, Conheça suas forças E fraquezas. O epítome Das disposições É não ter forma; Ausência de forma É imune à visão Do mais sutil espião E às maquinações Da mais sábia mente. Use as disposições do inimigo Para chegar à vitória; Isso, o homem comum Não sabe. Ele entende As formas, As disposições Da minha vitória; Mas não Como criei as formas Da vitória. Campanhas vitoriosas Jamais se repetem. Elas se formam em resposta Às infinitas variedades De circunstâncias. Disposições militares Se formam como água. A água evita o alto E corre abaixo. A guerra evita o forte E ataca o fraco. A água molda o curso Pela via do terreno. O guerreiro molda a vitória Pela dinâmica do inimigo. A guerra não tem Dinâmica constante; A água não tem Forma constante. O epítome da prática militar É extrair vitória Das circunstâncias mutáveis Do inimigo. Entre os Cinco Elementos Nenhum possui Supremacia constante. As Quatro Estações Não têm Estação fixa; Há dias longos E curtos; A lua Cresce E Míngua. 7 O CONFRONTO Disse o Mestre Sun: Na Guerra, O general Recebe ordens Do soberano, Reúne as tropas, Forma um exército. E acampa Diante do inimigo. O mais difícil De fato é O confronto. A dificuldade do confronto É endireitar O que é Torto E tirar Proveito De infortúnios. Siga uma rota circular E atraia o inimigo Com vantagens; Saia depois dele, Mas chegue antes; Isso é o domínio Do reto E do torto. O confronto pode dar Frutos; Pode haver Riscos. Pode-se ir com tudo Ao confronto Para ter fruto, E ainda assim perder Tudo. Deixe o acampamento E entre no confronto Para ter fruto, E você pode perder Equipamentos. Dê ordem de marcha A seus homens Com armadura Dia e noite, Sem parar, Por oito léguas A passo duplo Para ter fruto, E perderá Seus comandantes. Os mais vigorosos Estarão na vanguarda; Os mais fracos, Atrás. Chegará Um em dez. Marche quatro léguas Para lucrar, E o comandante Da vanguarda Cairá; Só metade da tropaChegará. Marche duas léguas Para lucrar, E dois em três Chegarão. Sem equipamento, Perde-se um exército; Sem suprimentos, Perde-se um exército; Sem provisões, Perde-se um exército. Sem saber os planos Dos senhores feudais, Não se pode Formar alianças. Sem conhecer Morros e matas, Grutas e penhas, Brejos e charcos, Não se Marcha. Sem usar guias locais, Não se Explora O terreno. A guerra Se baseia em Ardis; Movimentos se determinam Por vantagens; Divisão e unidade São os elementos de Mudança. Seja veloz como o vento; Imponente como um bosque; Ávido como um incêndio; Firme como uma montanha. Inescrutável como a noite; Ágil como trovões ou raios. Saqueie o campo, Divida o butim; Amplie o território, Distribua os lucros. Pondere a situação Antes de agir. A vitória pertence àquele Que domina O estratagema Do reto e Do torto. Essa é a Arte do Confronto. Diz o Manual Militar: Quando ouvidos não ouvem, Use tambores. Quando olhos não veem, Use estandartes. Tambores e Estandartes São os Ouvidos e olhos Do exército. Em um exército concentrado, Os bravos não Avançam sós, Nem os medrosos Recuam sós. Essa é a Arte Da Gestão de Muitos. Se lutar à noite, Use tochas e tambores; Durante o dia, Use estandartes; Para transformar Os ouvidos e olhos Das tropas. É possível privar De espírito Todo um exército; É possível privar De raciocínio Um general. No soldado o espírito É mais agudo De manhã; Durante o dia, Se abate; À noite, Começa a Pensar em casa. O Guerreiro Hábil Evita o espírito agudo, Ataca o abatido E o saudoso; Isso é Domínio do Espírito. Ele confronta o caos Com disciplina; Ele trata tumulto Com calma. Isso é Domínio da Mente. Ele opõe distância Com proximidade; Ele opõe exaustão Com tranquilidade; Ele opõe fome Com abundância; Isso é Domínio da Força. Ele não intercepta Estandartes organizados; Ele não ataca Uma formação perfeita. Isso é Domínio das Mutações. Estes são axiomas Da Arte da Guerra: Não avance morro acima. Não enfrente um inimigo Diante de uma colina. Não persiga um inimigo Que simula fuga. Não ataque Tropas astutas. Não morda Uma isca. Não impeça Um regresso ao lar. Deixe espaço Para um exército cercado. Não pressione Um inimigo acossado. Essa é A Arte da Guerra. 8 AS NOVE MUDANÇAS Disse o Mestre Sun: Na Guerra, O general Recebe ordens Do soberano, Reúne soldados E forma a tropa. Em terreno intransitável, Não acampe; Em terreno de encruzilhada, Una-se a aliados; Em terreno de risco, Não se demore; Em terreno encerrado, Planeje estratégias; Em terreno letal, Combata. Algumas estradas Não se pegam. Alguns exércitos Não se atacam. Algumas cidades Não se sitiam. Alguns terrenos Não se disputam. Algumas ordens do rei Não se cumprem. O general Que entende as vantagens Das Nove Mudanças Compreende a Guerra. O general Que ignora vantagens Das Nove Mudanças Pode entender o terreno, Mas jamais tirará Vantagem Do conhecimento. O guerreiro Que ignora a Arte Das Nove Mudanças Pode conhecer as Cinco Vantagens,* Mas não tirará todo o Proveito da tropa. O líder sábio Quando delibera Sempre considera Vantagem E dores. Com reflexões sobre Vantagens, Pode atingir A meta; Com reflexões sobre Dores, Pode se livrar de Calamidade. Aos senhores feudais impõe Submissão Causando-lhes Dores; Ele os desgasta, Mantendo-os Sempre ocupados; Ele os precipita Com ilusões de Vantagens. O Guerreiro Hábil Não conta com a vinda Do inimigo, Só com seu próprio Preparo. Não conta com a falta de ataque Do inimigo, Só com sua própria Invulnerabilidade. Existem Cinco Perigos Para um general: Descuido, Que leva à Destruição; Covardia, Que leva à Captura; Impaciência, Que aceita Provocação; Honra delicada, Que tende à Vergonha; Preocupação pela tropa, Que leva a Problemas. Esses Cinco Excessos Em generais Na guerra são Desastrosos. Se um exército for derrotado E o general, morto, Certamente será por Essas Cinco Ameaças. Elas exigem toda Atenção e cuidado. * As cinco vantagens foram descritas no capítulo 1: caminho, céu, terra, comando e disciplina. (N. E.) 9 EM MARCHA Disse o Mestre Sun: Ao assumir posição E confrontar o inimigo: Cruze montanhas, Fique perto de vales; Acampe no alto, Defronte ao aberto; Lute em declive, Não o contrário. São as posições da Guerra em montanha. Cruze rios, Mantenha distância Das águas. Se o inimigo cruzar O rio também, Não o confronte Na correnteza. Espere metade da tropa cruzar Antes do ataque. Se desejar batalha, Não confronte o inimigo Perto do rio. Ocupe terreno alto e Se vire para o aberto. Não avance Contra a corrente. São as posições da Guerra em rio. Cruze pântanos Rápido; Não se demore. Se precisar lutar Em pântanos, Fique perto dos Juncos E defronte Às árvores. São as posições em Pântanos. Em planícies, Ocupe terreno fácil. Deixe o terreno alto Para trás e à direita: Deixe a morte à frente E a vida atrás. São as posições em Planície. Por observar Esses quatro tipos de posição, O Imperador Amarelo Derrotou Os Quatro Imperadores. Exércitos prezam terreno alto, Negam o baixo; Eles estimam Yang, Evitam Yin. Nutra a vida, Ocupe terreno sólido. Suas tropas serão fortes, A vitória será certa. Em morro, Colina, Margem Ou barragem, Ocupe Yang, Com terreno alto Atrás e à direita. Use o terreno A favor de seu exército. Quando as chuvas no rio Produzem enchente, Espere a água baixar Antes de cruzar. Se do Céu você vir Torrentes, Poços, Becos, Forros, Trapas, Desfiladeiros: Escape deles O quanto antes. Não se aproxime. Fique longe, Deixe o inimigo Se aproximar. Fique de frente; Deixe que o inimigo Os tenha atrás. Se marchar por Ravinas, Pântanos, Brejos e mangues, Florestas em montanha, Mata densa: Cuidado, Explore com diligência. São locais De emboscadas, De espiões. Quando o inimigo está Próximo E não age, Ele conta com Posição forte; Se está Distante E provoca batalha, Quer que seu oponente Avance. Se está Em terreno fácil, Quer nos atrair. Se árvores balançam, Está a caminho. Se pavilhões aparecem Na mata, Ele quer Nos confundir. Aves que alçam voo São sinal De emboscada; Animais assustados São sinal De ataque-surpresa. Nuvem de poeira alta É sinal De cavalaria; Nuvem de poeira baixa É sinal De infantaria; Poeira em focos dispersos É sinal De coleta de lenha; Poeira em nuvens espalhadas É sinal De acampamento. Palavras gentis, acompanhadas De mais preparativos, São sinal De ataque iminente; Palavras firmes, acompanhadas De avanço agressivo, São sinal de Retirada iminente. Bigas leves Que saem primeiro Nos flancos São sinal de Formação de batalha. Palavras de paz, Mas sem tratado, São sinal de Artifício. Muita correria E agitação de soldados São sinal de Expectativa. Alguns avançando E alguns recuando São sinal de Engodo. Soldados imóveis E apoiados nas lanças Indicam grande Fome. Aguadeiros Bebendo na frente Indicam grande Sede. Vantagem vista, Mas sem ação, Indica total Exaustão. Aves voejam Em área vazia. Gritos à noite São sinal de Medo. Confusão na tropa É sinal de Que o general Não tem respeito. Estandartes em movimento São sinalde Desordem. Se oficiais São irritáveis, Os homens se fartam. Se dão Grãos aos cavalos E carne aos homens; Se não Penduram panelas E não Voltam às barracas; É porque estão No fim. Homens aos sussurros, Em pequenos grupos, São sinal de Desgosto. Recompensas em excesso São sinal de Desespero. Castigos em excesso São sinal de Exaustão. Se o general ora mostra Tirania, Ora temor Aos próprios homens, É sinal de Suprema incompetência. Emissários Com palavras a conciliar Desejam cessar. Conflito prolongado, Intenso, Sem enfrentamento Ou retirada, Há de se ver Com grande cuidado. Na Guerra, Quantidade Não é problema. É caso de Atacar sem Exageração. Concentre sua força, Avalie a oposição E conquiste a confiança de sua tropa: Isso basta. O que, leviano, subestimar o inimigo Certamente será Capturado. Discipline a tropa Ainda não leal, E eles lhe Resistirão E terão pouca utilidade. Permita à tropa leal Indisciplina, E ela será totalmente Inútil. Lidere com Civilidade, Comande com Marcial disciplina, E assim conquistará sua Confiança. Ordens coerentes e eficazes Inspiram obediência; Ordens incoerentes e ineficazes Provocam desobediência. Com ordens coerentes E eficazes, Entre general e tropa a Confiança é mútua. 10 FORMAS DE TERRENO Disse o Mestre Sun: Existem diferentes formas de terreno: Acessível, Emaranhado, Embaraçado, Cercado, Acidentado, Afastado. “Acessível” é onde Os dois lados Circulam sem entraves. Em terreno acessível, Aquele que ocupa Local Yang alto E garante Abastecimento, Combate Com vantagem. “Emaranhado” é onde É possível avançar, Difícil recuar. Em terreno emaranhado, Se o inimigo não tem preparo, Vá derrotá-lo. Mas, se tiver preparo, E nossa ação fracassar, Será difícil recuar. O resultado não nos dará Vantagem. “Embaraçado” é onde Nenhum dos lados vê Vantagem Em agir. Em terreno embaraçado, Mesmo se nosso inimigo Der uma isca, Nós não agimos; Melhor atraí-lo; Melhor recuar. E quando metade da tropa dele Sair, Será o momento Do ataque. Em terreno cercado, Se ocuparmos antes, Há de se bloquear E esperar o inimigo. Se ele ocupar antes e bloquear, Não persiga; Se ele não bloquear, Persiga. Em terreno acidentado, Se ocuparmos antes, É bom dominar a altitude Yang E esperar o inimigo. Se o inimigo ocupar antes, Não persiga, Apenas atraia Com retirada. Em terreno afastado, Onde as forças se equilibram, É difícil provocar batalha, E um confronto Não trará vantagem. Esses seis compõem O Caminho do Terreno. É dever do general Estudar com diligência. Na Guerra, Estas não são Calamidades naturais, Mas culpa Do general: Fuga, Impotência, Declínio, Colapso, Caos, Ruína. Se as forças estão em equilíbrio, Mas o exército enfrenta um Dez vezes maior, O resultado é Fuga. Quando os soldados são fortes, Mas os oficiais, fracos, O resultado é Impotência. Quando os oficiais são fortes, Mas os soldados, fracos, O resultado é Declínio. Quando oficiais superiores se irritam E se rebelam E vão à batalha Por ressentimento, Antes que o general possa avaliar As chances de vitória, O resultado é Colapso. Quando o general é fraco, E de pouca severidade, Quando suas ordens Não são claras, Quando oficiais e soldados Carecem de regras, E a tropa É relapsa, O resultado é Caos. Quando o general Subestima o inimigo E envia uma força menor Contra uma maior, Um contingente fraco Contra um forte; Quando não forma Uma boa vanguarda, O resultado é Ruína. Esses seis compõem O Caminho da Derrota. É dever do general Estudar com diligência. A forma do terreno É aliada do soldado; Avaliação Do inimigo E domínio da vitória; Cálculo da dificuldade, Do perigo E da distância Do terreno; Esses compõem o Caminho Do General Superior. Àquele que entende E pratica na batalha, Certa será a Vitória. Àquele que não entende E não pratica, Certa será a Derrota. Se em um confronto é certa A vitória, E o soberano Proíbe a luta, Combata; Se em um confronto é certa A derrota, E o soberano Exige a luta, Não combata. Aquele que avança Sem buscar Fama, Que recua Sem fugir À infâmia, Cujo único propósito É proteger o povo E servir ao senhor, Esse é A Joia do Reino. Ele vê os soldados Tal como filhos, E todos o seguirão Até qualquer despenhadeiro. Ele os vê Tal como família, E todos o defenderão Até a morte. Se é generoso, Mas não sabe comandar, Se é afetuoso, Mas não sabe dar ordens, Se é caótico E não mantém a ordem, Seus homens Serão crianças Mimadas e Inúteis. Se sabemos que nosso exército É capaz de atacar, Mas não vemos Que o inimigo Não é vulnerável, Temos apenas Meia vitória. Se sabemos que o inimigo É vulnerável, Mas não vemos Que nosso exército É incapaz de atacar, Temos apenas Meia vitória. Se sabemos que o inimigo É vulnerável, E sabemos que nosso exército É capaz de atacar, Mas não vemos Que o terreno É inadequado, Ainda temos apenas Meia vitória. O Guerreiro Sábio, Quando se desloca, Nunca se confunde; Quando age, Nunca hesita. Por isso se diz: “Conhece o inimigo, Conhece a ti mesmo, E a vitória Será sempre certa, Mesmo em cem batalhas.” Conheça o Céu, Conheça a Terra, E sua vitória Será completa. 11 OS NOVE TIPOS DE CAMPO Disse o Mestre Sun: Na Guerra: Existem Nove Tipos de Campo: Dispersivo, Leve, Estratégico, Aberto, Cruzado, Denso, Intransitável, Encerrado, Letal. Quando senhores feudais Lutam em casa, Isso é Campo dispersivo. Se o exército adentra Território inimigo, Mas não muito, Isso é Campo leve. Se o campo Presta vantagem Para os dois, Isso é Campo estratégico. Se aos dois lados O avanço é livre, Isso é Campo aberto. Se o campo faz Fronteira Com três reinos E o primeiro a conquistar Domina O império, Isso é Campo cruzado. Se o exército adentra Longe no território inimigo E toma Cidades fortificadas Na retaguarda, Isso é Campo denso. Se o exército atravessa Montanhas e florestas, Grutas e penhas, Brejos e charcos, Estradas difíceis, Estes são Campos intransitáveis. Se ao campo se chega Por desfiladeiros, Se daí se sai Por trilhas esguias, Em que uma força menor Possa atacar nossa maior, Isso é Campo encerrado. Se a fim de sobreviver Cobra-se um Esforço extremo, E sem esse Esforço extremo Morremos, Isso é Campo letal. Em campo dispersivo, Não lute. Em campo leve, Não pare. Em campo estratégico, Não ataque. Em campo aberto, Não bloqueie. Em campo cruzado, Forme alianças. Em campo denso, Saqueie. Em campo intransponível, Siga em marcha. Em campo encerrado, Formule estratagemas. Em campo letal, Lute. O Guerreiro Hábil de outrora Sabia evitar Que o inimigo unisse Vanguarda e retaguarda, Que divisões pequenas e grandes Trabalhassem em conjunto, Que soldados de elite Ajudassem os fracos, Que oficiais e homens Reforçassem uns a outros. O inimigo, Se separado, Não podia Se reagrupar; Se unido, Não podia Agir de concerto. Quando se podia obter Vantagem, Ele agia; Quando não, Ele parava. À pergunta: “Como confrontar Um inimigo Grande e organizado, Pronto para o ataque?” Respondo: “Capture algo Que ele preze, E ele o atenderá.” Rapidez É a essênciarivais. A ausência da figura soberana de Zhou é notável. O império estava prestes a ruir e as consequências seriam, é claro, catastróficas. OS REINOS COMBATENTES Em torno de 475 a.C., apenas sete reinos haviam sobrevivido às inúmeras guerras entre os territórios: Han, Chu, Qi, Qin, Yan, Wei e Zhao. Estes sete haviam incorporado todos os outros territórios independentes e encurralado o reino Zhou em um diminuto pedaço de terra, encerrando de vez o papel político dessa casa. Jean Levi, em seu livro Los funcionarios divinos,4 nos mostra de maneira esclarecedora um contexto histórico complexo e marcado por inumeráveis artimanhas políticas. Nesse conflituoso período, as alianças alternavam-se de maneira constante e rápida, todos se traíam de forma mútua, e estava claro que apenas um dos sete reinos poderia sobreviver à guerra civil. As ações diplomáticas tentavam de algum modo estabelecer certo equilíbrio entre os reinos, mas era impossível manter a situação por muito tempo. O livro Crônicas dos Reinos Combatentes (Zhanguoce)5 nos fornece um quadro interessante dessa época: ele relata inúmeros episódios, muitas vezes de forma quase anedótica, nos quais as decisões estratégicas e políticas são permeadas por uma tensão vívida entre crenças, artifícios e as antigas tradições culturais, com a visão de um futuro inteiramente distinto e incerto. O texto busca narrar os quase dois séculos de conflitos que marcaram esse tempo sangrento. A ascensão dos militares foi uma característica do período. Antes, a guerra era essencialmente travada entre nobres, que, instalados em suas bigas, combatiam muitas vezes em duelos. Não era raro que certas batalhas fossem inconclusivas. A infantaria — com exceção de certo número de soldados palacianos — era arregimentada entre os camponeses, que, mal armados e pouco motivados, constituíam praticamente todo o cenário da batalha.6 Mas depois do século VII a.C., isso começou a mudar. O aumento das lutas entre os reinos levou a mobilizações constantes e, em consequência, à formação de um corpo militar regular. De maneira rápida, o número de soldados cresceu e se profissionalizou. O exército se tornara um meio de mobilidade social, permitindo que ex-camponeses se transformassem em oficiais importantes. Foi o Reino de Qin que elaborou um amplo projeto de militarização da sociedade, construindo o exército mais poderoso do planeta no século V a.C. É possível que quase 500 mil homens tenham servido nas forças de Qin, criando uma máquina de destruição e conquista nunca antes vista na história chinesa. Esse exército era parte de um programa político radical, que visava construir uma nova China: alicerçado em um Estado centralizado, o país seria reunificado em um único governo, comandado pelo imperador, mas auxiliado por um corpo burocrático de funcionários públicos, substituindo as nobrezas locais — que deveriam ser eliminadas.7 O governo incluía, assim, grupos sociais menos favorecidos na administração pública, gerando uma nova mobilidade social. Mas, por outro lado, aumentava a repressão e o controle sobre a sociedade em níveis igualmente inéditos. O caráter radical desse projeto se revelou eficiente para submeter os combalidos reinos chineses. Qin soube tirar partido de sua posição geográfica, de seus recursos naturais e de seu gigantesco exército para empreender guerras sistemáticas que aos poucos derrubaram seus inimigos. Em 221 a.C., eles conseguiram por fim reunificar a China, estabelecendo um novo sistema imperial. Esse modelo sobreviveria, com algumas variações, nas dinastias subsequentes até 1912, quando o país se tornaria uma República. Parte fundamental do projeto de Qin estava calcada em um novo pensamento sobre o papel das forças militares, como vimos. Nesse sentido, o livro de Sun Tzu foi uma peça decisiva nos planos estratégicos — não apenas de Qin, mas de todos os reinos — para alcançar a supremacia. Em Qin, contudo, A arte da guerra foi empregada de forma profunda e decisiva, mostrando sua eficácia. E, para compreender isso, precisamos voltar um pouco no tempo e conhecer mais sobre o pensamento chinês antigo, o surgimento das principais doutrinas e a formação da escola dos estrategistas. AS CEM ESCOLAS DE PENSAMENTO8 No século VI a.C., os pensadores chineses estavam atentos às mudanças que ocorriam no panorama político e cultural de sua civilização. O crescimento da violência e a ameaça de colapso da sociedade tornaram-se objeto de uma reflexão profunda. Como preservar o ideal de equilíbrio com a natureza, resgatar a harmonia entre os seres e assegurar a manutenção da vida? Esse período foi crucial para uma reviravolta ética no pensamento chinês. Até então, a reflexão filosófica e científica chinesa centrava-se no Tratado das mutações (Yijing no método de transliteração pinyin, ou I Ching na versão brasileira), livro que explicava os conceitos cosmológicos fundamentais da natureza e funcionava como oráculo; e no Livro dos ritos (Liji), ampla seleção sociológica e cultural que explicava os costumes, regras, sacrifícios, crenças etc. Além deles, o Tratado dos livros (Shujing) oferecia uma visão mais ampla de passagens históricas, e as Poesias (Shijing) resgatavam imagens do cotidiano, das aspirações e visões de mundo do povo chinês.9 Todo esse material deveria ser capaz de oferecer os elementos básicos para sustentar a cultura chinesa, preservando seus conceitos e servindo para educar as mais diversas camadas sociais. Porém, estava claro para os pensadores que essas fontes já não seriam mais suficientes, que algo havia se perdido ou estava superado. Foi nesse contexto que a palavra Tao (que a grafia mais corrente diz “Dao”) tomou um novo sentido, tornando-se o principal objetivo dos intelectuais chineses. Tao pode significar caminho ou método, ou seja, começara a busca por uma nova forma de enfrentar os dilemas morais que se apresentavam, e por um sistema que fosse capaz de solucionar os problemas do país. Um grande número de escolas se formou, resultando em um longo período de discussões que se estenderia até o século III a.C. e seria chamado de “Disputa das cem escolas” (Baijia Zhengming). Muitas desapareceram com o tempo, ou não alcançaram prestígio suficiente para serem preservadas. Vamos analisar algumas das mais importantes. O primeiro pensador a se destacar foi Confúcio (Kongzi, 551-479 a.C.), que defendia a elaboração de um amplo projeto educacional para a sociedade como método para restaurar a Harmonia. Ele pretendia preservar a cultura antiga e resgatar as tradições por meio do estudo. Seu objetivo era formar pessoas mais sociáveis e educadas no âmbito moral, e preparar os mais capazes na arte do governo. Apenas assim poderia ser reestabelecido o equilíbrio entre a humanidade e a natureza, promovendo um governo pacífico. Confúcio tornou-se um pilar da cultura chinesa, orientando alguns de seus principais conceitos filosóficos, estruturando uma ideologia política durável, reelaborando sua práxis social e valorizando a educação como principal meio de desenvolvimento dos seres. A escola de Confúcio seria muito bem-sucedida a partir do século III a.C., quando suas teorias foram incorporadas à doutrina oficial da dinastia Han. Na mesma época, mas em sentido oposto, o sábio chamado Lao Tzu (também grafado como Lao-tsé ou Laozi) propunha um abandono total da cultura tal como era entendida. Para ele, a civilização era a origem de todo mal, por ter se afastado da natureza criando rituais e regras artificiais. Seu caminho consistia em buscar a essência original do ser humano, aproximando-o da natureza em seu estado mais primitivo. Esse ideal de desprendimento da sociedade e das questões materiais era inovador e pretendia ser o único caminho verdadeiro para a realização — daí a razão dos seguidores de Lao Tzu denominarem seu método como “O caminho”, por entenderem que seu caminho estaria na origem de todos os outros. Os ensinamentos dessada Guerra. Explore o despreparo do inimigo; Pegue-o desprevenido; Siga uma rota inesperada. O Caminho da Invasão é: Forte penetração Dá coesão; Seu inimigo Não vencerá. Saqueie terreno fértil E alimente seus homens. Preze sua tropa, Não a desgaste. Nutra sua energia; Concentre-a. Movimente seus homens; Crie estratagemas Que sejam insondáveis. Ponha seus homens Onde não haja fuga, E antes vão Morrer que correr. Quem se vê Diante da morte É capaz de tudo; Dedicará Tudo de si, Oficial e soldado. Um exército desesperado Ignora o medo. Quando não há fuga, Resiste; Se fez largo avanço, Persiste; Se não há esperança, Combate. É alerta Sem demandar Disciplina; Age Sem demandar Instruções; Dedica-se Sem demandar Incentivo; É leal Sem demandar Ordens. Proíba os áugures, E o medo, E ele avançará Para a morte. Nossos homens não possuem Fartura de bens, Mas não odeiam Fortuna; Eles não esperam Viver muito, Mas não odeiam Vida longa. E no dia De seguir para a batalha, Sentam-se e choram, E as lágrimas suas roupas molham; Deitam-se e choram, E se esbugalham. Ponha-os Onde não haja fuga, E vão lutar Com a coragem Dos heróis Zhu e Gui.* O Guerreiro Hábil Usa a tropa Como a cobra shuairan Do monte Heng. Ataque a cabeça, E a cauda revida; Ataque a cauda, E a cabeça se vinga; Ataque o centro, E cabeça e cauda Atacarão. À pergunta: “Um exército pode ser como a shuairan?”, Digo: “Pode, sim.” Os homens de Wu E os homens de Yue** São inimigos, Mas, se cruzarem um rio No mesmo barco E encontrarem vento, Eles se ajudarão, Como uma mão à outra. Não basta Amarrar cavalos E prender Carroças. Deve existir uma só Coragem; É o Caminho Da gestão de um Exército. Fortes e fracos, Ambos servem, Graças ao princípio Do campo. O Guerreiro Hábil Dirige a tropa Como se um só Homem fosse. E a única opção É obedecer. Incumbe ao general Ser firme E inescrutável. Ser rigoroso E imparcial. Ele deve saber Manter seus homens Ignorantes, Enganar-lhes os olhos E os ouvidos. Ele muda seus meios E altera seus planos Para manter o inimigo Ignorante. Ele se desloca E segue rotas circulares Para manter o inimigo Alheio. Ele leva os homens à luta Como alguém Que escala um muro E chuta a escada; Ele os leva Para dentro das terras Dos senhores feudais E dispara as setas. Queima barcos, Quebra panelas. Como um pastor, Conduz o rebanho Lá e cá; Ninguém sabe Aonde vai. Ele reúne as tropas E as lança Ao perigo; Isso é o que faz O líder. Tudo isso se deve estudar: As Variações Dos Nove Tipos de Campo; As Vantagens Da Manobra Flexível; Os Princípios Da Natureza Humana. É este o Caminho da Invasão: Penetração aguda Dá coesão; Penetração branda Dá dispersão. Quando sai de seu território E com seus homens Cruza a fronteira, Adentra terreno de risco. Quando houver canais de comunicação Por todos os lados, Você estará em Terreno cruzado. Quando a penetração for aguda, Você estará em Terreno denso. Quando a penetração for branda, Você estará em Terreno leve. Quando houver baluartes para trás E desfiladeiros à frente, Você estará em Terreno encerrado. Quando não houver saída, Você estará em Terreno letal. Em campo dispersivo, Unimos o moral dos homens. Em campo leve, Mantemos os vínculos. Em campo estratégico, Recolhemos a retaguarda. Em campo aberto, Cuidamos das defesas. Em campo cruzado, Fortalecemos alianças. Em campo denso, Garantimos o abastecimento. Em campo intransitável, Seguimos em movimento. Em campo encerrado, Bloqueamos as trilhas. Em campo letal, Demonstramos O desespero Da situação. É da natureza do soldado que, Cercado, Resista; Quando parece o fim, Ele persiste; Quando em perigo, Ele segue ordens. Sem saber os planos Dos senhores feudais, Não se pode Formar alianças. Sem conhecer Morros e matas, Grutas e penhas, Brejos e charcos, Não se Marcha. Sem usar guias locais, Não se Explora O terreno. Ignorar qualquer um Desses aspectos Não convém Ao exército de um grande rei. Quando o exército de um grande rei Ataca uma cidade forte, Não permite que o inimigo Concentre as forças. Ele espanta o inimigo E esvazia suas alianças. Ele não busca Se aliar A todos os reinos; Não favorece Poder alheio; Ele persegue Seus projetos secretos E espanta os inimigos. Assim ele captura As cidades do inimigo E destrói O reino inimigo. Distribua prêmios Sem tanto respeito por normas; Divulgue ordens Sem tanta atenção por precedentes; Trate um grande exército Como se fosse um homem só. Ponha-o para trabalhar Sem prestar explicações. Apresente os benefícios, Mas não explique o perigo. Mande-os para Campos de risco, E sobreviverão; Mande-os para Campos letais, E eles viverão. Quando uma força Corre perigo, Ela pode Chegar à vitória Na última hora. Sucesso na Guerra É pesar As intenções inimigas. E aproveitá-las. Analise o inimigo, E poderá matar o general Em lugares distantes. Isso é Sucesso Por astúcia. Assim que Decidir atacar, Feche as trilhas, Destrua placas, Rompa o contato Com emissários; Tenha firmeza no templo Para executar Seus planos. Se o inimigo abre uma porta, Avance. Tome o que ele preza E orquestre em segredo Um confronto. Dispense regras, Siga o inimigo E trave a Batalha decisiva. No início, Seja qual uma donzela; Quando o inimigo abrir a porta, Corra qual uma lebre; Seu inimigo não Resistirá. * Chuan Zhu, ou Chuan Chu, herói contemporâneo de Sun Tzu. Teria se destacado pela tentativa fracassada de assassinato do rei de Liao em 515 a.C. Cao Gui foi outro herói famoso; em 616 a.C., ele se atreveu, de forma arriscada e imprudente, a ameaçar o rei de Qi com um punhal, arrancando dele a promessa de que devolveria as terras de Lu, seu país natal. (N. E.) ** Wu e Yue são reinos poderosos do período conhecido como Reinos Combatentes. (N. E.) 12 ATAQUE COM FOGO Disse o Mestre Sun: Existem Cinco Formas de Ataque com Fogo. O primeiro é contra Homens; O segundo é contra Estoques; O terceiro é contra Equipamentos; O quarto é contra Armazéns; O quinto é contra Linhas de comunicação. Ataque com fogo Exige recursos; O material deve Estar preparado. Há momentos Para causar incêndios; E há dias Para acender pavios. A melhor época é Se o clima for Quente e seco; Os melhores dias são Com a lua em Sagitário, Pégaso, Cratera, Corvo.* São as Quatro Constelações Do Vento Forte. Ao atacar com fogo, Adapte-se Às Cinco Mutações do Fogo: Se o fogo surge No campo inimigo, Reaja logo Do lado de fora. Se o fogo surge Mas o inimigo mantém a calma, Espere, Não ataque. Aja apenas, se Possível, Quando o fogo Subir ao máximo; Se não, Espere. Se é possível usar fogo De fora, Não espere O fogo aparecer Dentro; Acenda Na hora certa. Crie um incêndio A favor do vento; Nunca ataque Contra o vento. Um vento que cresce Ao longo do dia Dura muito; Um vento noturno Acaba cedo. Na Guerra, Saiba as Cinco Mutações do Fogo E fique alerta. O fogo Presta a um ataque Grande auxílio. A água Presta a um ataque Forte auxílio. A água Pode isolar, Mas não pode Eliminar. A vitória obtida, O objetivo cumprido, Mas sem prosseguimento, É um desperdício Trágico. Daí o ditado: “O rei esclarecidoPondera; O general eficaz Prossegue.” Aja apenas Por vantagem; Marche apenas Para a vitória; Lute apenas Quando em crise. Um rei Não deve Ativar a tropa Por raiva; Um general Não deve Dar batalha Por melindre. Aja Se há vantagem; Pare Se não há vantagem. Raiva Pode virar Prazer; Melindre Pode virar Alegria. Mas a nação destruída Não pode Ser reformada; Um morto Não pode Ser revivido. O rei esclarecido É prudente; O general eficaz, Cauteloso. Esse é o Caminho Para manter a paz Da nação, A integridade Do exército. * Os ramos celestes chineses são: 箕 peneira (Sagitário), 壁 muralha (Pégaso), 翼 asa (Cratera), 軫 carruagem (Corvo). (N. E.) 13 ESPIONAGEM Disse o Mestre Sun: Formar um exército De cem mil homens E marchar com eles Por cem léguas Consome dos bolsos Do povo comum E do erário da nação A quantia diária de Mil peças de prata. Causa comoção No reino e afora E põe milhares De homens a vagar Exaustos. E impede setecentas mil famílias De trabalhar. Dois exércitos podem Se enfrentar Anos a fio Por uma Batalha decisiva. E assim é crueldade Renegar o gasto De cem peças De prata Para conhecer a Situação do inimigo. Esse avaro não é Nem líder de homens, Nem ajuda para o rei, Nem dono da vitória. O conhecimento Permite a reis sábios E generais dignos Avançar E conquistar, Alcançar sucesso Para além das massas. Esse conhecimento Não se obtém Com espíritos; Não se deduz Por analogia; Não se calcula Por medições. Só se pode obtê-lo Com homens, Com quem sabe As disposições do inimigo. Existem Cinco Tipos de Espiões: Locais, Internos, Duplos, Mortos, Vivos. Quando esses cinco tipos de espionagem Estão em ação, Ninguém sabe O Caminho. Essa é a Misteriosa Malha, O Tesouro do Rei. Espiões locais Vêm dos compatriotas Do inimigo; Espiões internos, Vêm dos agentes Do inimigo, Espiões duplos, Vêm dos espiões Do inimigo. Espiões mortos São os que usamos Para engendrar Informações falsas; E eles as passam Ao inimigo. Espiões vivos São os que voltam Com informações. Em todo o exército, Os mais próximos ao Comandante São seus espiões, Agraciados com grandes recompensas, Tratados com imenso sigilo. Sem sabedoria, É impossível Usar espiões. Sem humanidade e justiça, É impossível Usar espiões. Sem sutileza e engenho, É impossível Determinar A validez dos informes. Sutileza das sutilezas! Espiões têm Utilidades sem conta. Se informações confidenciais Se revelam antes da hora, Executam-se Espião e receptador. Ao atacar um exército, Ao cercar uma cidade, Ao matar um indivíduo, É preciso saber antes O nome do general E de seus auxiliares. Seus assessores, Suas sentinelas, Seus guarda-costas. Nossos espiões devem ter ordens Para descobrir tudo isso Em detalhes. Espiões inimigos, Que vêm nos espiar, Devem ser descobertos, Subornados, Conquistados, Atendidos. Assim poderão Ter uso como Agentes duplos. Com o agente duplo Descobrimos Espiões locais e internos. Com o agente duplo, Descobrimos como Levar desinformação Ao inimigo. Com o agente duplo Sabemos como e quando Usar Espiões vivos. O rei Precisa conhecer os cinco Tipos de espiões; Esse conhecimento deve vir Do agente duplo; Então o agente duplo Deve ter Tratamento generoso. Outrora, A ascensão da dinastia Yin Deveu-se a Yi Zhi, Que servira à Xia; E a ascensão da dinastia Zhou Deveu-se a Lü Ya, Que servira à Yin. Só o rei esclarecido, O general digno, Pode usar O ápice da inteligência Para espionar E assim obter Vasto sucesso. Espiões São cruciais Na guerra. Deles depende Todo e qualquer Movimento. A arte da guerra com comentários 1 Formulação de planos CAO CAO: Planejar é escolher generais, avaliar o inimigo, examinar o terreno, contar as tropas, medir distâncias e conhecer o terreno: tudo isso acontece dentro do templo cerimonial.* DU MU: Planejar é questão de cálculo, realizado no templo cerimonial de acordo com os Cinco Fundamentos listados a seguir. Calculamos nossas próprias forças e fraquezas, e as do inimigo, de acordo com esses Cinco Fundamentos, e com tais cálculos podemos estimar vitória ou derrota. É a partir daí, e apenas então, que mobilizamos nossos soldados. Essa é a etapa mais importante de toda a estratégia militar e, portanto, assume prioridade máxima no tratado. Disse o Mestre Sun: LI LING (1997): Essa fórmula, presente em outros clássicos antigos de filosofia, sugere a possibilidade de que o texto de A arte da guerra tenha sido compilado por discípulos do Mestre. A guerra é uma Séria questão de Estado; ZUOZHUAN, DUQUE CHENG, ano 13: Duas questões de grande importância para o Estado são o Ritual e a Guerra. É um domínio De vida e morte, Rota De sobrevivência e extinção, Algo A se considerar com ponderação. LI QUAN: A guerra é um instrumento de mau augúrio. Traz vida e morte, sobrevivência e extinção. Uma empreitada deveras grave, e algo que os homens, lamentavelmente, encaram com muita leviandade. SUN BIN BINGFA, capítulo 2: A vitória na guerra pode recuperar um reino que tenha perecido, pode reviver linhagens extintas. Mas a derrota pode levar à perda de territórios, pode trazer perigo aos altares. Assim, é preciso que se pondere a guerra com cuidado. Aquele que se deleita com a guerra perece. Aquele que se beneficia da vitória se desonra. A guerra não é algo a se apreciar. A vitória não é algo de que se beneficiar. TAO TE CHING, capítulo 31: A guerra e suas armas são instrumentos de infortúnio. Aquele que segue o Caminho não precisa lidar com elas. Não são instrumentos do cavalheiro genuíno, que só recorre a elas como última opção, valorizando antes a paz e a tranquilidade. Ele não vê beleza na vitória. Ver beleza na vitória é desfrutar a morte de outros. MOZI, capítulo 17, “Contra a guerra ofensiva”: Considera-se criminoso o assassinato de um homem, algo que se castiga com a pena de morte. Pelo mesmo critério, o assassinato de dez homens deveria ser dez vezes mais criminoso e castigado com dez penas de morte. E assim também o assassinato de cem homens. O cidadão do mundo sabe que esses atos são crimes. Mas o grande crime de atacar um reino, isso ele não considera criminoso, e sim o louva e diz que é virtude. Ele sequer sabe que é um crime. MENGZI, I, xiv, 2-3: Quando lutam em uma disputa por uma cidade, os homens matam uns aos outros até que a cidade esteja cheia de cadáveres. Isso é o mesmo que levar o monstro da terra para devorar carne humana. A morte não basta para tamanho crime. Por isso os Guerreiros Hábeis deveriam sofrer o pior castigo. MENGZI, VII, ii, 4: Existem aqueles que dizem: “Tenho grande habilidade para liderar tropas, sou um Guerreiro Hábil”. Eles são grandes criminosos. Se o soberano de um reino ama a benevolência, não terá inimigo algum em todo o império. JOHN MINFORD: Ou, como disse o poeta Edward Young (1683-1765) em seu poema “Love of Fame”: A um destruído, julga a lei assassínio, No cadafalso, castigo e fascínio; À morte de massas, um nome irreal, Guerra, de glória e arte, e fama imortal.** São Cinco Fundamentos Para essas deliberações, Para quaisquer exames E a análise de condições: O Caminho, Céu, Terra, Comando, Disciplina. ZHANG YU: A ordem aqui é clara. Quando se formam tropas para rechaçar uma força agressora, o conselho do templo cerimonial considera antes a compaixão e a boa-fé do soberano [o Caminho]; em seguida, examina-se a conjunção favorável ou não das estações [o céu]; depois, a facilidade ou o perigo do terreno [a terra]. Após um cuidadoso examedesses três aspectos, o conselho determina então que general assumirá o comando da campanha [o comando]. Por fim, quando o exército cruza a fronteira, a autoridade para dar ordens cabe ao general comandante [a disciplina]. Essa é a ordem correta. O Caminho Põe os homens Em harmonia Com o soberano, Para que nunca vacilem E por ele vivam e morram. ZHANG YU: Governe com compaixão e boa-fé, com integridade [o Caminho] e justiça, e o exército estará em harmonia e exultará diante da tarefa. Como diz O livro das mutações [Hexagrama 58, Dui, Alegria]: Lidere as pessoas rumo ao perigo com alegria, e elas esquecerão a morte. SUN BIN BINGFA, capítulo 20: O que determina a vitória ou a derrota é o Caminho. TAO TE CHING, capítulo 32: Tudo sob o céu será atraído ao Caminho, tal qual córregos e torrentes que descem para um grande rio ou mar. ZHUANGZI, capítulo 12, “Céu e Terra”: Encare as distinções sob a luz do Caminho — e as obrigações do soberano e dos súditos ficarão claras. […] Os governantes de outrora eram desprovidos de desejos, e o mundo estava contente; eram desprovidos de ação, e as Dez Mil Coisas se transformaram. Eram profundos e silenciosos, e os Cem Clãs tinham paz. SHANGJUN SHU, capítulo 10, “Métodos de Guerra”: Todos os métodos da guerra devem se basear em um governo competente. Com isso, os homens não disputarão entre si e, sem disputas, não nutrirão ideias de interesse próprio; eles considerarão como seus os interesses do soberano. HUAINANZI, capítulo 15: Um exército que tenha perdido o Caminho é fraco, mas, se possuir o Caminho, será forte. Se um general perde o Caminho, perderá o poder, mas, se tiver o Caminho, será eficaz. Se um país é dotado do Caminho, persistirá; se perder o Caminho, perecerá. GUO HUARUO (1984): O Caminho aqui se refere à política de governo praticada pela classe governante. Os “homens” são as massas de trabalhadores, os servos e escravos. Quando o governo é relativamente esclarecido, os homens e o governo se encontram em harmonia e cooperam. JOHN MINFORD: Esta é a primeira ocorrência do termo fundamental dao, que costuma ser transliterado como Tao, o Caminho. O termo pode ter uma variedade quase infinita de significados. Toda área do conhecimento humano (guerra, estadismo, arco e flecha, caligrafia, só para listar os primeiros quatro que me vêm à mente) tem seu Caminho. Mas cada Caminho específico e limitado também é abarcado por um Caminho cósmico maior, o Caminho do Céu e da Terra. Portanto, “o Caminho que pode ser declarado não é o verdadeiro Caminho” (as famosas palavras introdutórias da maravilhosa obra taoista Tao Te Ching, capítulo 1). Aqui é evidente que estamos falando do Caminho do Bom Governo, em que os súditos reconhecem que seus soberanos “têm o Caminho”. Apesar da frequente acusação de que o Mestre Sun foi um oportunista, um proponente da “forma mais escusa de estadismo, com uma dimensão inenarrável de ambiguidade” (ver Griffith, p. 172, ao citar History of Japan [Londres, 1949], de James Murdoch), deve-se observar que aqui, logo no início do tratado atribuído a ele, é dado lugar de destaque ao caminho, à importância do sistema de valores de qualquer unidade política, ao se contemplar a guerra. Pode-se discutir o que há de comum entre o Caminho do Mestre Sun e o Caminho místico do Tao Te Ching. O grande erudito Yu Yue (1821-1907), da dinastia Qing, via forte afinidade entre o Mestre Sun e o taoismo e reforçava o ditado popular de que “todos os autores de tratados militares partiram do Tao Te Ching“ (Wu, 1990, p. 5). O Mestre Sun trata de sucesso militar, e seu Caminho da Guerra é, de certa forma, um dom, uma habilidade, uma “virtude” semelhante ao Caminho taoista que conduz ao “sucesso” espiritual. Mas aqui ele se limita a lembrar seus discípulos de que (em termos empíricos) o poder moral confere poder militar. Nesse aspecto, ele encontra eco em Napoleão: “Na guerra, considerações morais constituem três quartos do jogo; a verdadeira disputa de poder representa apenas o último quarto” (Observations sur les affaires d’Espagne, 1808). Céu É Yin e Yang, Frio e calor, O ciclo das estações. CAO CAO: O Sima fa enuncia: Não mobilize tropas no inverno ou no verão, por amor ao povo comum. MENG: A guerra se espelha nos movimentos do Céu. Yin e Yang se alternam, duro e suave, crescente e minguante. Uma tática de Yin é oculta, vazia, estática, imóvel; uma tática de Yang é ligeira, veloz, súbita, intensa. Ao recuar, usa-se Yin; ao atacar, usa-se Yang. […] As duas assumem formas em constante mutação. E assim o guerreiro se espelha no Céu. ZHANG YU: Aqui, Yin e Yang nada têm a ver com os cálculos divinatórios [como tantas vezes tinham]. A guerra segue seu próprio sentido de Yin e Yang. Como disse Fan Li [o grande ministro de Gou Jian, rei de Yue no século V a.C.]: “Use Yin por último; use Yang primeiro. Esgote a energia Yang do inimigo, cultive sua própria energia Yin, e assim prevalecerá”. Os seres humanos têm Yin e Yang, feminino e masculino; o Céu tem Yin e Yang, manhã e noite; [na guerra], as variações de suave e duro, de estratégia indireta e direta, são a mescla de Yin e Yang humanos e celestiais. Frio e calor se referem a inverno e verão. Na dinastia Han, durante a campanha contra os bárbaros xiongnu [das estepes do Norte], muitos soldados perderam dedos; e, quando Ma Yuan liderou uma campanha [43 d.C.] contra os bárbaros man [do Sul], muitos de seus homens foram abatidos por enfermidade. Isso foi resultado de eles terem combatido durante o inverno e o verão. O movimento das estações se associa à variação das condições físicas no ciclo sazonal do ano, como cheias e secas. […] Mais uma vez, isso nada tem a ver com adivinhações. WANG XI: O trecho se refere a todo o Caminho [Giles: a Economia Geral] do Céu, dos Cinco Elementos, das Quatro Estações, do vento e das nuvens, e de outros fenômenos. Uma transição hábil com esses elementos contribui para a vitória. O LIVRO DAS MUTAÇÕES, Hexagrama 55, Feng, Comentário sobre o Juízo: Quando o sol está a pino, ele começa a se pôr; quando a lua está cheia, ela começa a minguar. A plenitude e o vazio do céu e da terra se alternam com o tempo. Quão mais verdadeiro isso é para os homens, ou para espíritos e deuses! JOHN MINFORD: O Mestre Sun apresenta um segundo conceito fundamental do pensamento chinês antigo, o da “complementaridade” ou “polaridade alternante” de Yin e Yang. Cada fenômeno, cada processo é visto como uma mistura única dessas duas forças, desses dois modos de energia. “Um Yin, um Yang, esse é o Caminho” (Comentário para O livro das mutações). De fato, os próprios elementos que constituem O livro das mutações são a linha interrompida (Yin) e a linha contínua (Yang). Os dois termos mais tarde adquiriram um conjunto específico de significados e foram aplicados a todas as categorias da experiência humana, todos os alimentos, todos os órgãos do corpo, todas as doenças, todas as entidades terrestres e celestiais. Mas, nesse contexto, para o Mestre Sun, eles representam algo mais simples, o amplo movimento da natureza, como se revela pelo ciclo das estações. “Para os chineses, o ordenamento fundamental do universo se baseia na inter-relação desses dois grupos de aspectos contrários e complementares do princípio da energia” (Manfred Porkert, Chinese Medicine [Nova York: Morrow, 1982], p. 68). Temos aqui a primeira declaração sobre a importância da flexibilidade, a qualidade que permite que o guerreiro do Mestre Sun se adapte e reaja adequadamente ao ambiente em constante mutação. Terra É altitude e dimensão, Distância e proximidade, É fluência e perigo, Amplitude e confinamento, É vida e aniquilação. MEI YAOCHEN: O trecho se refere ao conhecimento do terreno, suas vantagens e seus perigos. ZHANG YU: Ao posicionar tropas, é essencial conhecer o terreno. Com uma compreensão das distâncias relevantes, é possível optar entre um plano de ações diretoou indireto. Com uma compreensão da facilidade ou não do terreno, é possível optar entre o uso de infantaria ou cavalaria. Com uma compreensão da natureza aberta ou confinada do terreno, é possível determinar o tamanho da força necessária. Com uma compreensão da “vida e morte” do terreno, é possível decidir combater ou se dispersar. GILES: A segurança do exército (vida e morte) depende em grande parte da celeridade com que se levam em conta esses elementos de geografia. WU JIULONG (1990): Os dois primeiros itens (altitude e dimensão) só aparecem nas Tiras de Bambu de Han. Como são detalhes importantes, foram acrescentados ao texto utilizado. JOHN MINFORD: O terreno é uma das maiores preocupações de qualquer general. É compreensível que seja importante para o Mestre Sun, e uma exploração de seus vários aspectos ocupa grande parte dos capítulos 8, 10 e 11. Comando É Sabedoria, Integridade, Compaixão, Coragem, Severidade. CAO CAO: Essas são as cinco virtudes do general. DU MU: Os reis de outrora apreciavam [a virtude da] compaixão acima de tudo, mas aqueles que escreviam sobre a guerra punham a sabedoria no topo da lista. Um comandante sábio reconhece mudanças e age de acordo. Um comandante íntegro inspira seus homens a jamais questionarem recompensas e castigos. Um comandante compassivo ama seus homens, nutre empatia pelo inimigo e dá valor ao trabalho pesado. Um comandante corajoso aproveita oportunidades sem delongas e assim obtém a vitória. Um comandante severo inspira admiração e disciplina em seus homens. JIA LIN: Sabedoria em excesso pode levar à revolta; compaixão desmedida pode causar fraqueza; integridade absoluta pode causar insensatez; coragem bruta pode produzir violência; severidade em excesso pode ser cruel. Um general deve possuir todas as cinco virtudes em conjunto; cada uma tem seu papel a cumprir. GILES: As cinco virtudes [confucianas] cardeais do povo chinês são Humanidade ou Benevolência [aqui traduzida como Compaixão]; Retidão Mental [às vezes traduzida como Justeza, não incluída aqui]; Amor-Próprio, autocontrole, “sentimento apropriado” [às vezes traduzido como Ritual, também não incluído aqui]; Sabedoria; e Sinceridade ou Boa-Fé [aqui traduzida como Integridade]. Aqui, Sabedoria e Sinceridade [Integridade] são dispostas acima de Compaixão, e as duas virtudes militares de Coragem e Severidade tomaram o lugar de Retidão Mental e Amor-Próprio. JOHN MINFORD: A disciplina de Júlio César [100-44 a.C.] “se baseava genuinamente em compreensão mútua e amor-próprio; e seu exército aprendeu a amá-lo como homem e como soldado, e a acreditar nele como líder, da mesma forma como os soldados ingleses seguiam o ‘cabo John’ e os franceses adoravam ‘le Petit Caporal’. Assim como Marlborough e Napoleão, César sabia a importância do moral para um exército — sabia como criá-lo e preservá-lo. Uma tropa com esse treinamento, essa liderança, é capaz de ir a qualquer lugar, fazer qualquer coisa…” (H. J. Edwards, “Introduction”, The Gallic War, Loeb Classical Library, 1958). Aqui o Mestre Sun busca identificar a difícil definição de liderança. O visconde Montgomery dedicou um breve livro a essa definição e incluiu, em sua galeria de grandes líderes mundiais, um discípulo do Mestre Sun no século XX: Mao Tsé-tung (1893-1976). Onassandro, o estrategista grego do século I e autor do tratado Strategikos [Estratégico], forneceu sua própria lista de qualidades desejáveis para um general: “Creio que seja necessário escolher um general que seja moderado, dotado de autocontrole, vigilante, frugal, resistente ao trabalho, alerta (como diz Homero, ‘velozes qual a pluma e o pensamento’),*** livre de avareza…” (Chaliand, The Art of War in World History [Berkeley: University of California Press, 1994], p. 154). Disciplina É organização, CAO CAO: Organização adequada de regimentos, de bandeiras e insígnias, de gongos e tambores [para retiradas e ataques]. Hierarquia, CAO CAO: Distinção adequada entre [as diversas esferas de responsabilidade de] oficiais variados. Controle de despesas. JOHN MINFORD: César de novo: “A superioridade moral, por si só, não garante o sucesso na guerra; os soldados são humanos, e exércitos não sobrevivem ou combatem sem provisões, nem se deslocam sem transporte. É característica de um bom general que ele saiba compreender e planejar as necessidades materiais; e é óbvio e evidente que a celeritas [celeridade] de César no campo de batalha só era possível graças à cuidadosa e constante atenção a todos os detalhes da administração” (Edwards, “Introduction”, The Gallic War). Todo comandante conhece Esses Cinco Fundamentos. Aquele que os segue Vence; Aquele que não os segue Perde. JOHN MINFORD: Essa é a referência constante que o Mestre Sun faz à dicotomia vencer/perder, vitória/derrota, sucesso/fracasso. Para essas deliberações, Para quaisquer exames E a análise de condições, Descubra: Que soberano Tem o Caminho? MEI YAOCHEN: Que soberano é capaz de conquistar a confiança de seus homens? Que general Tem a perícia? DU MU: Que general tem sabedoria, integridade, compaixão, coragem e severidade? Que lado tem Céu e Terra? ZHANG YU: Ver que lado age de acordo com as vantagens da estação e do terreno. Quando Cao Cao atacou o reino de Wu no meio do inverno, ele cometeu um erro. Em que lado A disciplina É mais eficaz? CAO CAO: Quando se estabelece uma determinação, ela deve ser obedecida; qualquer infrator deve ser executado. GILES: Du Mu faz alusão ao notório episódio em que Cao Cao, tão rigoroso disciplinador que era, seguiu suas próprias severas normas contra danos a plantações e condenou-se à morte por ter permitido que seu cavalo recuasse para dentro de um trigal! Contudo, para não perder a cabeça, ele aceitou saciar sua sede de justiça cortando apenas o cabelo. SANGUO YANYI, capítulo 17: Era verão, o quarto mês do terceiro ano do Período Jian-an (199 d.C.) […]. O exército foi embora. Na rota da marcha, eles passaram por um trigal, e o grão estava a ponto de ceifa, mas os camponeses haviam fugido de medo, e o cereal não fora colhido. Cao Cao fez saber por todos que sua expedição fora enviada, a mando do imperador, para capturar um rebelde e salvar o povo. Seria impossível evitar a temporada de colheita, mas qualquer um que pisoteasse as espigas seria executado. A disciplina militar era tão rigorosa que o povo não precisava recear qualquer dano. Os camponeses ficaram muito contentes e saíram à estrada, para desejar sucesso à expedição. Quando passaram por trigais, os soldados desmontaram e afastaram os colmos para que nada fosse pisoteado. Certo dia, quando Cao Cao atravessava os campos, uma pomba levantou voo de repente e assustou o cavalo, que se desviou para dentro da plantação e pisoteou uma boa porção. Cao chamou imediatamente o delegado e exigiu que ele declarasse a sentença correspondente ao crime de pisotear cereais. “Como posso lidar com seu crime?”, perguntou o delegado. “Estabeleci a regra e a infringi. De que outra forma eu satisfaria a opinião pública?” Ele segurou a espada que carregava e fez menção de tirar a própria vida. Todos se apressaram para impedi-lo, e Guo Jia disse: “Nos velhos tempos de Primavera e Outono, as leis não se aplicavam aos indivíduos mais honrados. O senhor é o líder supremo de um exército poderoso e não pode se ferir”. Cao Cao ponderou por muito tempo. Por fim, respondeu: “Como existe esse motivo declarado, é possível que eu escape à pena de morte”. E então, com a espada, ele cortou o próprio cabelo e o arremessou ao chão, dizendo: “Corto o cabelo que me toca a cabeça”. […] O ato foi um estímulo à disciplina de todo o exército, para que nenhum homem se atrevesse a desobedecer [tradução de C. H. Brewitt-Taylor]. Que exército É mais forte? ZHANG YU: Em que exército as bigas são mais robustas, os cavalos, mais sadios, os oficiais, mais valentes, as armas, maisafiadas; em que acampamento os tambores do ataque inspiram brados de alegria e o gongo da retirada provoca lamentos indignados? Que oficiais e homens São mais treinados? DU YOU: Disse o Mestre Yang: “Sem treinamento constante, os oficiais serão medrosos e indecisos ao confrontarem o inimigo; sem treinamento constante, o general será vacilante e irresoluto ao enfrentar a crise”. Em que exército Recompensas e castigos são Mais claros? DU MU: Nenhum dos dois pode ser excessivo. GILES: Isto é, em qual dos lados é mais absoluta a certeza de que os méritos serão recompensados e os delitos, sumariamente castigados? Destes Se determina Quem vence e quem perde. MEI YAOCHEN: Ao se desvelarem as circunstâncias verdadeiras [avaliadas as condições], o resultado — quer seja a vitória ou a derrota — será conhecido. ZHANG YU: Sendo favoráveis todos esses sete fatores, a vitória será certa antes mesmo do início da batalha; se desfavoráveis, a derrota será igualmente certa. É a isso que se refere o “determinar”. Se meu plano seguir, Se me empregar, A vitória decerto será sua; Ficarei aqui. Se não seguir, Mesmo se me empregar, Sua derrota será certa; Irei embora. ZHANG YU: O Mestre Sun está tentando convencer o rei de Wu a empregar seus serviços. GUO HUARUO: O Período dos Reinos Combatentes possuía a característica peculiar de que os conselheiros militares podiam escolher a quem serviriam — como Wu Qi, no reino de Wei, e Yue Yi, em Yan. Opte pelo melhor plano, Explore a dinâmica interior, Desenvolva para o exterior. CAO CAO: Para além das regras habituais. MEI YAOCHEN: Opte pelo plano [básico] interior, desenvolva-o estrategicamente para o exterior, e assim permita que se obtenha a vitória. JIA LIN: Calcule as vantagens, opte por um plano e, então, avalie o inimigo e desenvolva ardis para explorar estrategicamente a situação. Entre essas manobras se incluem ataques nos flancos ou emboscadas na retaguarda do inimigo, a fim de suplementar o confronto direto frontal. JOHN MINFORD: Esta é a primeira ocorrência da palavra crucial shi, energia potencial ou dinâmica da situação, que será explorada mais a fundo no capítulo 5. Acompanhe a vantagem, E domine oportunidades; Essa é a dinâmica. CAO CAO: O domínio advém da própria oportunidade; a oportunidade é dominada no decorrer dos acontecimentos. DU MU: Essas são as iniciativas estratégicas “para além das regras habituais” [em referência a Cao Cao]. A situação estratégica não é visível com antecedência. Às vezes, o que representa desvantagem ao inimigo se revela vantajoso para nós, e vice-versa. Esses são os elementos que nos permitem dominar a oportunidade e obter a vitória. GILES: O Mestre Sun, sendo um soldado prático, não tem lugar para “teóricos eruditos”. Ele aqui nos adverte a não depositarmos nossa fé em princípios abstratos. “Pois”, como diz Zhang Yu, “ainda que as principais leis da estratégia [as regras habituais] possam ser afirmadas com bastante clareza para benefício de todos, havemos de nos orientar pelas ações do inimigo que tenta assumir uma posição favorável na guerra de fato.” À véspera da batalha de Waterloo, o lorde Uxbridge, comandante da cavalaria, foi ao duque de Wellington a fim de se informar sobre os planos e cálculos para o dia seguinte, explicando que, diante da possibilidade de se tornar de repente o comandante- chefe, ele seria incapaz de formular planos novos em um momento crítico. O duque ouviu em silêncio e então respondeu: “Quem atacará primeiro amanhã, eu ou Bonaparte?”. “Bonaparte”, respondeu o lorde Uxbridge. “Bom”, prosseguiu o duque, “Bonaparte não me forneceu nenhuma ideia de suas intenções; e, como meus planos dependem dos dele, como o senhor espera que eu lhe diga quais são as minhas?” (Sir W. Fraser, Words on Wellington). JOHN MINFORD: Em conjunto com o par sheng/bai (vitória/derrota), o par li/hai (vantagem/desvantagem, benefício/dano) exerce uma influência muito grande no pensamento do Mestre Sun. O Caminho da Guerra É um Caminho de Ardis. CAO CAO: Na guerra, nada é constante. O Caminho consiste de ardis e astúcia. ZHANG YU: A guerra deve se basear na justiça, mas a vitória depende de ardis e astúcia. LI QUAN: Na guerra, astúcia nunca é demais. MEI YAOCHEN: Sem astúcia, é impossível dominar oportunidades e derrotar o inimigo. GILES: Qualquer soldado reconhece o valor dessa máxima profunda e sucinta [do Mestre Sun]. O coronel Henderson [1854-1903] nos diz que Wellington, dotado de prodigiosas qualidades militares, distinguia-se especialmente pela “habilidade extraordinária com que disfarçava seus movimentos e enganava tanto amigos quanto inimigos”. JOHN MINFORD: Como François Jullien destaca (pp. 167-8), esse não é apenas um axioma clichê de capciosidade gratuita. É com base em ardis, dissimulação e sigilo que se estrutura todo o princípio de “manipulação” do inimigo, que constitui o cerne do raciocínio estratégico do Mestre Sun. É uma questão de abalar o inimigo, de deixá-lo em uma situação de fraqueza (ébranler l’adversaire), ou de fazê-lo se estabelecer a si mesmo nessa situação, em vez de confrontá- lo diretamente e “lutar” (o heroísmo da ação). Dessa forma, erodimos pouco a pouco a capacidade de resistência do inimigo. Quando capaz, Finja incapacidade; ZHANG YU: Quando forte na realidade, aparente fraqueza; quando corajoso na realidade, aparente medo. Quando enviar tropas, Aparente o contrário. DU MU: Use astúcia para disfarçar a situação verdadeira. Oculte-a do inimigo. Se o inimigo puder observar as condições genuínas, saberá como reagir. Como diz o Shiji [na biografia de Gou Jian, rei de Wu]: “Um gavião deve se manter oculto antes do mergulho”. Quando próximo, Aparente longe. Quando longe, Aparente próximo. MEI YAOCHEN: Para que o inimigo não possa prever seus movimentos. Atraia com isca; DU MU: O general Li Mu [ † 229 a.C.; encarregado de defender a fronteira ao norte contra os nômades xiongnu], de Zhao, liberou grande quantidade de rebanhos e pastores em campo aberto, o que induziu os bárbaros xiongnu a avançarem um pouco. Em seguida, o general Li simulou uma retirada, usando alguns milhares de retardatários como engodo. O cã dos xiongnu, ao saber disso, ficou extasiado e avançou à frente de uma grande força. O general Li então os pegou de surpresa e atacou com uma formação em pinça da esquerda e da direita, esmagando-os e matando mais de 100 mil homens da cavalaria deles. Ataque com caos. ZHANG YU: Finja caos, atraia o inimigo, e então ataque. Na guerra entre Wu e Yue, Wu usou 3 mil criminosos, para passar a impressão de desordem e atrair as forças de Yue. Os criminosos correram [caoticamente] para todos os lados ou se renderam. Como resultado, Yue iniciou a batalha, e acabou derrotado por Wu. Se o inimigo é pleno, Prepare-se. Se forte, Evite-o. ZHANG YU: Como diz o clássico, “ao enfrentar o inimigo, descubra onde ele é abundante e onde é deficiente”. Abundante significa pleno ou sólido. Deficiente significa vazio ou fraco. Onde a situação do inimigo for sólida, precisamos adotar um plano adequado para lidar com um inimigo invencível e não agir com leviandade. Nas palavras de Li Jing em seu O espelho da guerra, “Observe o vazio e avance; observe a plenitude e pare”. DU YOU: Quando as reservas dele estão abastecidas e plenas e seus homens, alertas, recue e espere até que ele fique fraco e negligente; observe a mudança e reaja de acordo. JOHN MINFORD: Para o par essencial vazio/cheio, ver o capítulo 6. Se ele é feroz, Desconcerte-o. ZHANG YU: Quando ele é [de natureza] renitente e irascível, insulte-o e o enfureça. Ele se sentirá provocado e confuso e avançará com descuido, sem refletir nas consequências. HE YANXI: Como quando as tropas de Han conseguiram, graças a repetidas provocações e afrontas, instigar as forças de Chu, sob o comando do [marechal] Cao Jiu, à batalha no rio Si. [Em 203 a.C., CaoJiu, enfurecido, desobedeceu às ordens do soberano Xiang Yu e liderou uma ofensiva fatal a partir da cidade de Chenggao. Seus homens estavam no meio do rio quando o exército de Han se abateu sobre eles e os massacrou. Cao Jiu depois cortou a própria garganta. Esse incidente histórico é muito apreciado pelos comentaristas. Ver o capítulo 3.] Se ele é fraco, Atice seu orgulho. DU YOU: Quando o inimigo mobiliza suas forças e avança com raiva, exiba uma aparência de fraqueza e docilidade e, com isso, intensifique as ambições dele; espere até que relaxe e então ataque. O Mestre Wang, de outrora, disse que o Tático Hábil brinca com o adversário tal como o gato brinca com um rato, confrontando o inimigo com sabedoria, antes fingindo fraqueza e imobilidade e então dando o bote súbito. JOHN MINFORD: Du You adotou outra interpretação para essa frase: “Finja fraqueza também…”. Diversos outros comentaristas extraíram do mesmo trecho sentidos radicalmente distintos. Incluí aqui o comentário de Du You pela memorável comparação do Mestre Wang com um gato. Se está relaxado, Perturbe-o; ZHANG YU: Mantenha suas forças intactas; deixe que ele se desgaste por conta própria. WANG XI: Aplique grande quantidade de táticas de surpresa. Quando o inimigo avançar, recue; quando o inimigo recuar, avance; quando ele sair ao resgate do flanco esquerdo, ataque o direito; quando ele reforçar o flanco direito, ataque o esquerdo; perturbe-o assim. Se seus homens estão em harmonia, Divida-os. CAO CAO: Envie espiões para dividir as forças dele. LI QUAN: Desintegre a compreensão do inimigo, aparte senhor e súdito, e então ataque. Quando o reino de Qin lançou um ataque contra o reino de Zhao [260 a.C.], o marquês de Ying, ministro de Qin, enviou espiões a Zhao, que disseram: “Nós, de Qin, tememos que vocês ponham Zhao Gua no comando; Lian Po [então o comandante] seria muito mais fácil de lidar”. O rei de Zhao caiu nesse pequeno ardil e substituiu Lian Po por Zhao Gua. Como resultado, na Batalha de Changping, 400 mil soldados de Zhao se renderam e foram mortos. [Ver Shiji, capítulo 73, biografias de Bo Qi e Wang Jian.] ZHANG YU: Divida senhor e súdito, divida aliado e aliado; divida-os, e depois os ataque. Ataque Onde ele não Está preparado; Apareça Onde você não É esperado. MENG: Ataque o vão [o ponto mais fraco]; enfrente-o onde ele é mais frágil; nunca permita que o inimigo saiba onde preparar suas defesas. Daí o ditado: “Na guerra, o segredo é ser amorfo [invisível]”. Como disse o Duque Ancestral: “O movimento mais eficaz é o inesperado. O melhor plano é o desconhecido”. Isso é Vitória na guerra; Não pode ser Proclamada Com antecedência. CAO CAO: Como um segredo. A guerra não possui dinâmica constante, assim com a água não possui forma constante. Trata-se de adaptar com flexibilidade às circunstâncias mutáveis do inimigo, e não se pode [saber, quanto mais] proclamá-las com antecedência. Daí o ditado: “Avalie o inimigo com a mente, encontre a oportunidade com o olho”. MEI YAOCHEN: É quando estamos diante do inimigo que devemos reagir às novas circunstâncias e decidir estratégias. Como se discutiria essas questões com antecedência? A vitória pertence àquele Que mais pontua Nos cálculos do templo Antes da batalha. A derrota pertence àquele Que menos pontua Nos cálculos do templo Antes da batalha. Mais prenuncia vitória; Menos prenuncia derrota; Nada, derrota mais certa. Vejo assim, CAO CAO: Segundo a Arte da Guerra. E o resultado é evidente. SHANGJUN SHU, capítulo 10, “Métodos de Guerra”: Estimando-se o poderio do inimigo e examinando-se as próprias forças, é possível identificar com antecedência se haverá vitória ou derrota. […] Se a política tem origem nos cálculos do templo, ela levará à vitória, seja o líder bom ou inferior. SHIJI, capítulo 8: O Primeiro Imperador de Han disse para Wang Ling: “Sei planejar campanhas com varas de contar na barraca do quartel- general”. ZHANG YU: Em tempos passados, antes do início de uma campanha, o general realizava deliberações cerimoniais em seu templo de campo e fazia cálculos. Com estratégias profundas e cuidadosas, o planejamento é de grande importância, e assim se conquista a vitória antes que a batalha comece. Com planejamento superficial, pouco se ganha, e a derrota é certa. Muito planejamento prenuncia a vitória; com menos planejamento, menos certo é o resultado; sem planejamento, a derrota é certa. Daí o ditado: “O exército vitorioso chega à vitória antes e busca a batalha depois; o exército derrotado vai à batalha antes e busca a vitória depois. [Ver capítulo 4, p. 240-1.] A vitória e a derrota residem na presença ou na ausência de planejamento”. LI LING (1997): Foram encontrados em escavações recentes muitos exemplos de equipamentos de cálculo antigos (varas de contar), com varetas de bambu ou madeira de tamanho específico. Este capítulo se refere aos cálculos com essas varas, usadas para mensurar as vantagens relativas das forças adversárias (nossas próprias forças e fraquezas, e as do inimigo). Esse uso de cálculos para determinar ações é muito antigo, e etnógrafos descobriram muitas relíquias disso. As palavras chinesas para “calcular” (suan), “medir” (chou), “conspirar” (ce) e “planejar” (ji) contêm o radical “Bambu” e estão associadas a essa forma de contagem. WANG XI: Receando que o discípulo pudesse ficar confuso com a declaração anterior de que “A vitória não pode ser proclamada com antecedência”, o Mestre Sun aqui reafirma os princípios gerais de sua primeira parte sobre planejamento. JOHN MINFORD: Alguns comentaristas contemporâneos compararam esse conselho pré-guerra no templo da época do Mestre Sun a uma forma de jogo de guerra primitivo: uma simulação cuidadosa que leva em conta diversos fatores e parte deles para calcular a dinâmica subjacente da situação (e o resultado quase certo). No final deste primeiro capítulo, o Mestre Sun volta à importância crucial dessas reflexões. * O templo cerimonial era um espaço reservado pertencente aos palácios, onde eram realizadas discussões dos mais diversos tipos — inclusive estratégicas. (N. E.) ** “One to destroy, is murder by the law;/ And gibbets keep the lifted hand in awe;/ To murder thousands, takes a specious name,/ War’s glorious art, and gives immortal fame.” (N. T.) *** Homero, A odisseia. Trad. de Manuel Odorico Mendes. São Paulo: Ars Poética; Edusp, 1992. (N. T.) 2 Deflagração da guerra CAO CAO: O guerreiro que deseja deflagrar a guerra deve antes calcular o custo e sempre alimentar seu exército com as provisões do inimigo. ZHANG YU: Concluídos os planos e cálculos, as bigas e os cavalos devem ser postos de prontidão; armas, afiadas; equipamentos, organizados; suprimentos, transportados; despesas, estimadas, tudo em preparo para a batalha. Por isso esta parte se segue à “Formulação de planos”. Disse o Mestre Sun: Na Guerra, Para um exército Com mil Bigas velozes de quatro cavalos, Com mil Carroças revestidas de couro, ZHANG YU: As bigas mais leves e ligeiras eram usadas para combate; as carroças de couro, mais pesadas, para a defesa. Para cem mil Soldados com armadura, LI QUAN: Soldados de infantaria. Abastecido para Cem léguas; CAO CAO: Cem léguas depois da fronteira. A considerar Despesas no reino e na campanha, Tratos com enviados e conselheiros; JOHN MINFORD: Como destacam Niu Guoping e Wang Fucheng (1991), entre os conselheiros a se considerar para as despesas havia indivíduos como o próprio Mestre Sun (nativo do reino de Qi, no nordeste), e Wu Zixu (nativo do reino de Chu, no centro-sul), ambos a serviço do reino de Wu, no sudeste. Cola e laca Manutenção de bigas e armaduras; O custo diário de tudo Excederá Mil peças de prata. ZHANG YU: Uma quantia redonda para os gastos pesados relevantes, sem incluir o dinheiro necessário para subornos [para serviços de inteligência?].SHIJI, capítulo 112: Em A arte da guerra se diz que, “Para um exército de 100 mil soldados, deve-se gastar mil peças de prata por dia”. As forças de Qin reuniam com frequência enormes contingentes, sempre centenas de milhares. Ainda que conseguissem derrotar exércitos, matar generais e capturar prisioneiros dos bárbaros, isso só acabava por inspirar intenso ódio e ressentimento contra Qin; não compensava o custo imenso para o reino. Não é sensato esvaziar os cofres públicos e desgastar o povo comum apenas para levar a melhor sobre outra nação. Na Guerra, A vitória deve ser Célere. JOHN MINFORD: Júlio César mais uma vez: “O fator mais crucial da liderança de César era a velocidade (celeritas). Ele calculava e decidia com rapidez, movia-se com rapidez e, movendo-se, mantinha a iniciativa, e surpreendia e dividia as forças do inimigo; com rapidez, no momento da batalha, ele aproveitava oportunidades táticas, compensava erros táticos; sempre com rapidez ele perseguia, pois compreendia muito bem que apenas aquele que persegue até não mais poder garante plenamente a vitória. Essa velocidade de César na guerra não era acaso: dependia de certas condições presentes nele próprio e em seu exército. Ele era dotado de uma energia invencível e irresistível: tinha aquela coragem que ignora o medo ou o perigo, mas que se recusa a ser temerária. Em suas expedições, ele combinava ousadia e cautela; travava suas batalhas não apenas de acordo com planos, mas também conforme as oportunidades que se apresentassem” (Edwards, citando Suetônio em sua introdução a The Gallic War). Se a vitória for lenta, Homens se cansam, Moral fraqueja. Cercos Exaurem forças; ZHANG YU: Quando uma campanha se prolonga a fim de se alcançar a vitória, os homens se esgotam e o moral fraqueja. Um exército que sitia uma cidade a cem léguas do reino natal invariavelmente esgotará as próprias forças. JOHN MINFORD: (Em um episódio extraído do popular romance Sanguo yanyi, narra-se que Cao Cao recorreu, com crueza característica, a um estratagema para aumentar o moral combalido de seus homens e concluir com sucesso o cerco a Shouchun.) Durante o cerco, o exército de Cao Cao, de 170 mil homens, demandava grandes quantidades de grãos, mas os distritos vizinhos, afligidos pela seca, não eram capazes de abastecê-lo. Cao tentava iniciar batalha, mas o general Li Feng se mantinha atrás dos muros. Depois de mais um mês, Cao Cao, diante do desabastecimento, pegou emprestado com Sun Ce 100 mil sacas de grãos. Mas não as distribuiu. Durante a emergência, o intendente-chefe Ren Xun e o oficial de provisões Wang Hou perguntaram a Cao Cao: “Não temos comida suficiente para alimentar tantos. O que fazemos?”. Cao Cao deu ordem para “apertar o cinto”. “E se reclamarem?”, perguntou Wang Hou. “Tenho um plano caso isso aconteça”, prometeu Cao Cao. [Mao Zong’gang comenta: “É claro que ele não ia contar o plano a Wang nesse momento”.] Conforme ordenado, o oficial racionou a comida. Nesse meio-tempo, Cao Cao enviou homens aos acampamentos e foi informado de que os soldados o acusavam de enganá-los. Ele então mandou chamar em segredo Wang Hou, o oficial de provisões, e disse: “Você tem algo que eu gostaria de pegar emprestado para apaziguar os soldados. Espero que você não se ofenda”. [Mao Zong’gang: “Ele provavelmente não se ofenderia com o empréstimo. Mas seria uma única transação”.] “O que eu tenho”, perguntou Wang, “que possa ter utilidade para Vossa Excelência?” “Sua cabeça”, respondeu Cao. “Para mostrar aos homens.” “Mas não cometi nenhum crime!”, gritou o oficial, apavorado. “Eu sei”, disse Cao. “Mas preciso executá-lo, para evitar uma rebelião no exército. Cuidarei pessoalmente de sua família, então não se preocupe com essa questão.” Antes que Wang Hou pudesse reagir, os carrascos já haviam recebido ordens e o levaram para fora. Eles lhe cortaram a cabeça e a cravaram em uma estaca com uma placa que dizia: “Wang Hou: Devidamente castigado de acordo com a lei marcial por racionar deliberadamente a comida e roubar do estoque”. Essa medida aumentou o moral do exército (ver Brewitt-Taylor, p. 180). Campanhas prolongadas Extenuam o tesouro. ZHANG YU: Em uma campanha prolongada, com um gasto diário de mil peças, é claro que o tesouro público será insuficiente. O imperador Wu da dinastia Han [governou entre 141 e 87 a.C.] embarcou em uma campanha extensa de exploração e expansão prolongada do império que exauriu o tesouro público. Ele viria a se arrepender disso. HANSHU, capítulo 94: O conselheiro Yan You [século I d.C.] deu a seguinte recomendação ao [usurpador] Wang Mang [a respeito da dificuldade inerente de abastecer exércitos em campanhas prolongadas contra os bárbaros xiongnu]: “Em média, para uma viagem de trezentos dias, um soldado consome dezoito sacas de arroz, que devem ser transportadas por animais de carga. Também o animal precisa ser alimentado, o que acrescenta vinte sacas ao peso. Considerando a natureza desértica do terreno xiongnu, com escassez de água ou pasto, o animal não sobreviverá cem dias. O peso do alimento restante será grande demais para os soldados carregarem”. Com homens cansados, Moral baixo, Forças exauridas, Tesouro gasto; Os senhores feudais Aproveitam a desordem E atacam. Isso até os mais sábios Não terão condições De reparar. ZHANG YU: Como quando o reino de Wu atacou Chu [506 a.C.], conquistou a cidade de Ying e permaneceu muito tempo lá, em vez de voltar para casa. Durante a ausência prolongada do exército, as forças de Yue invadiram Wu. Nem mesmo os distintos conselheiros Wu Zixu e o Mestre Sun foram capazes de resguardar Wu contra as consequências desastrosas. JOHN MINFORD: A expressão “senhores feudais” era usada de modo geral para se referir aos diversos reinos rivais que surgiram depois da desintegração do reino feudal de Zhou nos períodos de Primavera e Outono (722-481 a.C.) e dos Reinos Combatentes (403-221 a.C.). Ouvi dizerem que na guerra Pressa pode ser Inimiga Mas nunca vi Atraso que fosse Perfeição. CHEN HAO: Como reza o ditado, o estrondo de um trovão não espera até se cobrirem os ouvidos; o relâmpago irrompe antes que os olhos tenham chance de piscar. DU MU: Para se obter a vitória, o que conta é a velocidade superior, ainda que as táticas sejam insensatas. A velocidade evita a armadilha dupla de gasto e exaustão. Isso é sabedoria. HE YANXI: A pressa pode ser insensatez, mas pelo menos não consome energia e tesouro; operações prolongadas podem ser muito sábias, mas também podem acarretar calamidades. ZHANG YU: Desde que se obtenha a vitória, pressa insensata é melhor do que atraso sábio. GILES: O que o Mestre Sun diz é que, embora a velocidade às vezes possa ser desajuizada, atrasos jamais serão algo sensato — no mínimo porque levam ao empobrecimento da nação. É inevitável relembrar o exemplo clássico de Fabius Cunctator [Quinto Fábio Máximo, “o Protelador”, general romano durante a Segunda Guerra Púnica contra Aníbal, † 203 a.C.]. Esse general [famoso pelas cautelosas “táticas de protelação”] contrapôs deliberadamente a resistência de Roma à do exército isolado de Aníbal, porque acreditava que seria mais provável que este sofresse com uma campanha extensa em terreno desconhecido. [Ver a famosa referência de Ênio no livro XII de seus Anais: “Unus homo nobis cunctando restituit rem”, “Um homem, ao protelar, salvou-nos o estado”.] Mas jamais se saberá se suas táticas teriam se revelado eficazes a longo prazo. Nenhuma nação jamais se beneficiou De uma guerra prolongada. LI QUAN: Está no Chunqiu: “A guerra é como o fogo. Aqueles que não conseguem encerrar as hostilidades acabam por se queimar”. JOHN MINFORD: Como observou John Dryden (1631-1701) na tragédia Tyrannical Love [Tirânico amor], “Todo atraso é um perigo na guerra”. O general Westmoreland citou justamente esse trecho do Mestre Sun para defender o argumento de retiraras tropas do Vietnã. Sem plena compreensão Dos danos Da guerra, É impossível compreender O modo mais favorável De conduzi-la. GILES: Isto é, com rapidez. Apenas quem conhece os efeitos desastrosos de uma guerra longa compreende a importância absoluta de se encerrá-la rápido. DU YOU: Ao planejar uma campanha, quem não considera os desastres em potencial não será capaz de colher os benefícios. O Guerreiro Hábil Nunca recruta exércitos Duas vezes; Nunca transporta provisões Três. CAO CAO: Garanta a vitória assim que formar seu exército. Não volte para recrutar mais homens. GILES: Declarada a guerra, ele não perderá tempo precioso esperando reforços, nem voltará com o exército para se reabastecer; ele atravessará a fronteira do inimigo imediatamente. Pode parecer uma recomendação audaciosa, mas para todos os grandes estrategistas, de Júlio César a Napoleão Bonaparte, o valor do tempo — isto é, uma pequena antecipação em relação ao adversário — teve mais peso do que superioridade numérica ou os cálculos mais apurados a respeito de logística. Ele traz seus próprios equipamentos Mas se supre do inimigo. E assim seus homens Têm muita comida. ZHANG YU: É difícil transportar grandes quantidades de comida. Se o exército precisa transportar grãos por uma grande distância de cem léguas, os homens terão um aspecto faminto. SHIJI, capítulo 92, biografia de Han Xin, marquês de Huaiyin: [O exército de Han ameaçava o reino de Zhao.] Li Zuoche, lorde de Guangwu, deu a seguinte recomendação a Chen Yu, ministro do rei de Zhao: “Ouvi dizer que, quando as provisões precisam ser transportadas por cem léguas, os soldados ficam com um aspecto faminto, e, quando é preciso coletar combustível antes do preparo das refeições, o exército raramente dorme de estômago cheio. […] Em uma marcha de cem léguas nessas circunstâncias, é certo que as provisões sejam trazidas na retaguarda. Peço que me conceda uma força de 30 mil soldados, para que eu possa liderar um ataque-surpresa a partir de uma rota secreta e capturar as carroças de suprimentos deles…”. Suprir um exército Distante Exaure os cofres públicos E empobrece O povo comum. ZHANG YU: É claro que isso acontece, se é preciso que a força de 700 mil famílias forneça alimento para um exército de 100 mil homens a cem léguas de distância. DU MU: Está escrito em Guanzi que “o transporte de grãos por trinta léguas consome o estoque de um ano de grãos; para 45 léguas, dois anos; para sessenta, o povo comum começa a parecer faminto”. Quando o exército está próximo, Os preços sobem; Quando os preços sobem, O povo gasta Tudo o que tem; Quando gasta tudo, Sente a pressão Dos impostos. No campo de batalha, A força é esgotada; No reino as famílias São desprovidas. JOHN MINFORD: Aqui, considero o texto na Tira de Bambu de Shandong, como defendem Li Ling (1997, p. 43) e Wu Jiulong (1990, pp. 28-9). O povo Perde sete décimos De sua riqueza. Seis décimos do tesouro São gastos com Bigas quebradas, Cavalos cansados, Elmos e armaduras, Flechas e balestras, Dardos e broquéis Lanças e escudos, Bestas de carga. Carroças pesadas. Então o general sábio Nutre o exército Com o inimigo. Uma peça Do inimigo Vale vinte Trazidas do reino; Uma braçada De rações inimigas Vale vinte Trazidas do reino. ZHANG YU: Pois vinte carroças serão consumidas no processo de se transportar uma carroça até a linha de frente — ou até mais, se o terreno for difícil. JOHN MINFORD: Tomei algumas liberdades com as medidas exatas, visto que o Mestre Sun se preocupa mais com valores relativos. A esta altura do texto, comentaristas antigos e modernos entram em grandes detalhes quanto às quantidades exatas indicadas pelos termos utilizados. A morte do inimigo É resultado Da ira; DU MU: Como quando o general Tian Dan, de Qi, defendia a cidade de Jimo e provocou deliberadamente o exército de Yan a decepar o nariz de seus prisioneiros e exumar o corpo dos mortos de Qi. HE YANXI (complementando Du Mu): Quando o exército de Yan cercou a cidade de Jimo no reino de Qi [279 a.C.], todos os prisioneiros de Qi perderam o nariz. [Na história narrada por Sima Qian em seu Shiji, capítulo 82, que He Yanxi repete em grande parte ipsis litteris, na verdade foi um estratagema ardiloso do general Tian Dan, de Qi, que sugeriu tal ideia escabrosa aos homens de Yan.] Os homens de Qi se enfureceram e, por isso, defenderam a cidade com mais bravura. Depois, Tian Dan enviou um agente duplo para disseminar desinformação no exército de Yan, dizendo: “Nosso povo receia que vocês abram os túmulos junto das muralhas e desonrem nossos antepassados. Ficamos horrorizados só de pensar!”. E, fatalmente, os soldados de Yan foram abrir os túmulos e queimar os cadáveres. Os habitantes de Jimo presenciaram a profanação desde as muralhas da cidade e derramaram lágrimas de raiva. Estavam ansiosos para sair e lutar, e sua ira era dez vezes maior. Tian Dan compreendeu que suas forças estavam prontas e infligiu uma derrota acachapante ao exército de Yan. JOHN MINFORD: O Shiji atribui a Tian Dan outros estratagemas ardilosos, incluindo a ideia de caracterizar mil touros como dragões, cobrindo-os de seda vermelha e tintas coloridas, ateando-lhes fogo à cauda e fazendo-os sair pelas brechas nas muralhas. Sima Qian, o historiador, comenta, citando o Mestre Sun: “Na guerra, combata diretamente; garanta a vitória indiretamente. O General Hábil usa infinita variedade de ações diretas e indiretas. As táticas de Tian Dan não eram convencionais: no início, ele foi dócil como uma virgem jovem; depois, ágil como uma lebre em fuga”. Todo esse episódio histórico volta a ser mencionado diversas vezes pelos comentaristas tradicionais do Mestre Sun. ZHANG YU: No [clássico militar] Weiliaozi está escrito: “O que impulsiona as pessoas à guerra é o espírito delas [qi]”. Quando o espírito delas é inflamado, elas vão ao combate. A luta pelo butim É resultado Do desejo de recompensa. DU YOU: Se os homens souberem que a vitória será amplamente recompensada, enfrentarão qualquer perigo e entrarão com prazer no conflito. Esse é o poder sedutor das recompensas materiais. No combate de bigas, Quando se captura Mais de dez bigas, Merece recompensa aquele Que toma a primeira inimiga. Mude o estandarte Das bigas capturadas; CAO CAO: Deixe-as iguais às nossas. Misture-as Às nossas. ZHANG YU: Elas não devem ser enviadas à batalha em uma formação só delas. Trate bem seus prisioneiros, Cuide deles. ZHANG YU: Trate os prisioneiros de guerra com compaixão e boa-fé, e eles serão ainda mais úteis. Use sua vitória E se fortaleça. HE YANXI: Use o inimigo para derrotar o inimigo e aumente sua própria força. Na Guerra, Valorize a vitória, Não uma campanha prolongada. MENG: Valorize uma vitória rápida e um retorno veloz. MEI YAOCHEN: Celeridade poupa gastos e preserva o povo. O general sábio É Senhor do Destino; Ele detém nas mãos A paz e o perigo À nação. HE YANXI: O general é responsável pelo destino e bem-estar da nação. A escassez de bons generais sempre foi causa de calamidade. 3 Ofensiva estratégica DU MU: O planejamento e os cálculos foram realizados no templo cerimonial; equipamentos e provisões foram preparados; agora é o momento da ofensiva estratégica. Disse o Mestre Sun: Na Guerra, Tome Um reino Inteiro, Não um destruído. LI QUAN: Não dê valor à perda de vidas. HE YANXI: Fazer com que um inimigo se renda exclusivamente por meio do impacto psicológico [no original, a expressão literal é “por meio de movimento vigoroso”] de nossa estratégia; essa é a melhor de todas as estratégias. ZHANG YU: Em Weiliaozi está escrito: “A vitória pelo Tao consiste em avaliar o inimigo e então fazer com que ele se desmotive e disperse seu exército. Ele permanece externamenteintacto, mas não terá condições de agir. A vitória pela força inclui combate, morte, destruição e saque”. “Conquistar um reino intacto” é vitória pelo Tao, e “destruí- lo” é vitória pela força. JIA LIN: Conquistar o reino inimigo intacto e ao mesmo tempo manter o próprio reino intacto — isso é o melhor. Tome Um exército, Regimento, Destacamento, Companhia Inteiros, Não destruídos. WANG XI: Por maior ou menor que seja a entidade, seja reino, exército, regimento, destacamento ou companhia, conquistá-la intacta incrementa o prestígio e o poder; destruí-la reduz o prestígio e o poder. A primazia suprema vem Não da vitória Em qualquer batalha, ZHANG YU: A vitória pela batalha acarreta grande perda de vidas. Por isso não é excelente. Mas da derrota do inimigo Sem sequer um combate. CAO CAO: O inimigo se rende sem que se tenha travado qualquer batalha. DU MU: A derrota do inimigo pelo planejamento. CHEN HAO: O general Han Xin [discípulo confesso de A arte da guerra do Mestre Sun] adotou o plano de Li Zuoche e [em vez de enviar as tropas já exaustas à batalha novamente] despachou um emissário com uma carta ao rei de Yan [que descrevia em termos convincentes a vasta superioridade de seu exército], e Yan então se rendeu sem lutar. TAO TE CHING, capítulo 68: O Guerreiro mais Hábil jamais é beligerante; o Guerreiro mais Hábil jamais se enfurece; o que melhor sabe derrotar seus inimigos jamais se esforça. TAO TE CHING, capítulo 73: O Caminho do Céu é saber vencer sem esforço. GILES: Não há estrategista moderno que não aprove as palavras dos antigos chineses. O maior triunfo do general Moltke — a capitulação do imenso exército francês em Sedan [1870] — foi realizado praticamente sem derramamento de sangue. JOHN MINFORD: Todo o tratado do Mestre Sun gira em torno desse famoso axioma. Ele é reafirmado de forma admirável por Mark Lewis (1990, pp. 116-7): “O princípio de que o comandante genuíno conquistava sem lutar, ou que produzia a vitória na própria mente antes de dar batalha, aparece na maioria dos tratados militares e constituía uma síntese da nova arte do comando. […] A batalha deixara de ser um teste de habilidade ou honra pela glória da dinastia, tornando-se uma lousa em que o comandante sábio dava aulas a seus colegas de menos talento”. O teórico militar marxista Guo Huaruo (1984, p. 100) vê a questão com mais ceticismo: “A vitória sem batalhas às vezes é resultado de um extenso período anterior de combates preparatórios. […] Por exemplo, não teríamos conseguido conquistar Pequim sem luta durante a Guerra de Libertação se já não tivéssemos vencido a Batalha de Tientsin [janeiro de 1949] que houve antes. […] E a subsequente rendição ‘sem sangue’ de seis capitais de província também pode parecer uma ‘vitória sem lutar’ na superfície, mas na realidade foi fruto de 22 anos de guerra…”. O americano J. K. Fairbank, especialista em políticas para a China, oferece um resumo contemporâneo mordaz: “Como deixa claro A arte da guerra do Mestre Sun, a violência só constitui uma parte da guerra, e não é sequer a parte prioritária. O objetivo da guerra é dominar o oponente, ou seja, alterar a postura dele e induzir sua submissão. O caminho mais econômico é o melhor: convencê-lo — por meio de dissimulações, surpresas ou seus próprios esforços falhos para atingir metas inviáveis — de sua inferioridade, de modo que ele se renda ou pelo menos recue sem que seja preciso combatê-lo. […] O autor de A arte da guerra veria com um sorriso a exaltação americana do poder de fogo, que facilmente se torna um fim em si mesmo” (Fairbank, 1974). A guerra mais sublime Ataca a própria Estratégia; CAO CAO: Enquanto o inimigo ainda se encontra formulando uma estratégia, é fácil atacar. LI QUAN: Ataque a estratégia logo na origem. Durante a dinastia Han Posterior, Kou Xun sitiou Gao Jun. Gao mandou Huangfu Wen, seu conselheiro em estratégia, para negociar com Kou. Huangfu foi grosseiro e descortês, e Kou mandou decapitá-lo. O próprio Kou comunicou o fato a Gao: “Seu ministro foi descortês. Decapitei-o. Se estiver disposto a se render, que seja agora. Caso contrário, defenda-se bem”. No mesmo dia, Gao abriu os portões da cidade e se rendeu. Os generais de Kou abordaram o comandante: “Permita-nos perguntar, senhor? O senhor matou o mensageiro, e ainda assim ele entregou a cidade? Como foi possível?”. A resposta de Kou foi: “Huangfu era o principal ministro de Gao, o estrategista em que ele mais confiava. Se eu o tivesse poupado, Huangfu teria conquistado seus objetivos. Ao matá-lo, aniquilei a própria fonte da coragem de Gao. Quando se diz que a melhor forma de guerra é atacar a estratégia, é isso que significa”. “Não sabíamos disso”, falaram os generais. HE YANXI: Enquanto o inimigo formula seu plano inicial de ataque contra nós, precisamos nos antecipar e atacá-lo primeiro. Isso é fácil. Precisamos sondar o teor dos planos do inimigo, enviar soldados de acordo e atacar sua própria linha de raciocínio. MEI YAOCHEN: Vitória pela sabedoria. DU MU: O duque Ping de Jin [governou entre 557 e 532 a.C.] queria atacar o reino de Qi e enviou Fan Zhao para observar a situação. O duque Jing de Qi lhe ofereceu um cálice de vinho; Fan Zhao, ao ficar ligeiramente embriagado, perguntou se poderia beber do cálice especial do soberano. O duque Jing deu ordem para que trouxessem seu cálice pessoal ao convidado. Fan Zhao já estava bebendo quando o Mestre Yan [foi encontrada uma obra com seu nome em meio aos textos das Tiras de Bambu descobertas em Shandong] tirou o cálice dele e o substituiu por outro. Fan Zhao fingiu-se de bêbado e se levantou frustrado para dançar. Ele pediu ao mestre da música: “Podem tocar a melodia de Zhengzhou para mim? Eu gostaria de dançá-la”. A isso, o mestre da música respondeu: “Receio que não conheça essa”. Fan Zhao então foi embora. “Jin é um grande reino”, disse o duque Jing. “Esse homem veio para observar nosso governo; agora, você irritou o representante de um reino vizinho. O que faremos?” O Mestre Yan disse: “Percebi que Fan Zhao conhecia as normas de etiqueta, mas queria nos ofender deliberadamente. Eu me recusei a corresponder”. O mestre da música disse: “Zhengzhou é a melodia do Filho do Céu. Só o soberano pode dançá-la. Fan Zhao é um mero súdito, mas mesmo assim queria dançar a melodia do Filho do Céu. Eu me recusei a tocá-la para ele”. Quando voltou a Jin, Fan Zhao comunicou ao duque Ping: “Não podemos atacar Qi. Tentei insultar o governante deles, mas o Mestre Yan sabia [o que eu estava fazendo]. Tentei contrariar as normas de etiqueta deles, e o mestre da música sabia”. Mais tarde, Confúcio diria: “Não sair do próprio salão de banquetes e mesmo assim destruir o inimigo a mil léguas de distância: isso se refere ao Mestre Yan”. [Em outras palavras, ao “saber”, isto é, ao atacar ou minar a própria estratégia, o Mestre Yan e o mestre da música neutralizaram as intenções hostis contra Qi.] DU YOU: A forma mais sofisticada de guerra é dominar o inimigo enquanto ele ainda está formulando seus planos e mobilizando suas tropas. Como disse o Duque Ancestral, “a melhor maneira de evitar infortúnios é lidar com eles antes que surjam; a melhor maneira de derrotar um inimigo é quando as tropas dele ainda não se formaram”. SANGUO YANYI, capítulo 87: Na guerra, é melhor atacar mentes, não cidades; a guerra psicológica é melhor do que o combate com armas. [Mao Zong’gang: Essas palavras não aparecem em A arte da guerra. São o ápice da arte, superiores até mesmo aos ensinamentos do Mestre Sun e do Mestre Wu.] Depois, Ataca Alianças; LI QUAN: Ataque quando as alianças ainda estão se formando. MEI YAOCHEN: Vitória pela intimidação. WANG XI: Se não for possível frustrar a estratégia do inimigo, comprometa as alianças dele e as faça ruírem. GILES: Isole o inimigo de seus aliados. Não nos esqueçamos jamais de que o Mestre Sun, ao falar de hostilidades, sempre estáconsiderando os diversos reinos ou principados que integravam a China em sua época. JOHN MINFORD: Mas a destruição de alianças pode ser custosa. Li Ling (1997, p. 50) cita o erudito Zheng Youxian, da dinastia Song: “A destruição de estratégias produz vitória sem custo; a destruição de alianças pode custar muito e não produzir vitória”. Depois, Ataca Exércitos; CAO CAO: Quando o exército já tiver sido formado. MEI YAOCHEN: Vitória pela batalha. LI QUAN: Decidir no combate é uma forma mais básica de guerra. JIA LIN: Disse o Duque Ancestral: “A vitória obtida no confronto de aço com aço não é característica de um grande general”. A guerra mais vulgar Ataca Cidades. Guerra de cerco Só em último caso. DU YOU: O cerco a cidades e o massacre de populações são formas vulgares de ofensiva. Produzem uma quantidade excessiva de baixas. MEI YAOCHEN: Prodigioso desperdício de recursos humanos e materiais. WANG XI: Acarreta grandes baixas e talvez nem resulte da conquista da cidade. JOHN MINFORD: A maneira como Giles ilustra essa máxima é um reflexo do espírito de sua época: “Outro excelente conselho militar. Se os bôeres o tivessem seguido em 1899 e preservado suas forças sem dissipá-las antes de Kimberley, Mafeking ou até Ladysmith, é altamente provável que tivessem dominado as circunstâncias antes que os britânicos pudessem fazer séria oposição”. O visconde de Turenne (1611-75), marechal de Luís XIV e um dos estrategistas preferidos de Giles, fazia eco à visão do Mestre Sun nesse tópico: “Talvez se possa considerar cautela estratégica e precisão logística, combinadas ao brilhantismo em combates pequenos e coerência em quaisquer circunstâncias de sucesso ou fracasso, como os elementos de destaque da genialidade de Turenne para a guerra. Ele evitava grandes batalhas. ‘Poucos cercos e muitos combates’, essa era sua máxima” (Encyclopaedia Britannica, 11. ed. [1910-1], v. 27, p. 414). Em um cerco, É preciso três meses Para reunir Escudos protetores, LI QUAN: Usados para proteger a cabeça dos soldados enquanto escalam as rampas da cidade. Carroças reforçadas, LI QUAN: Veículos de madeira com quatro rodas e à prova de projéteis, movidos por força interna e com capacidade para transportar dez homens, eram usados para preencher com terra os fossos em torno das cidades. E diversos Armamentos e materiais de cerco; LI QUAN: Como torres e escadas. Mais três meses Para a construção De rampas. CAO CAO: Acumular rampas de terra altas junto das muralhas da cidade. O general que não tem Poder sobre a raiva Despacha seus homens como Formigas, Envia um em três para A morte, E não toma a cidade. Essa é a calamidade Da guerra de cerco. CAO CAO: Se o general se enfurece demais para esperar até o equipamento de cerco ficar pronto e manda os homens tentarem subir as rampas da cidade, como formigas infestando uma parede, muitos acabarão mortos ou feridos. DU MU: Como no caso de um general que se sente ofendido pelo inimigo e não consegue manter o sangue-frio. O imperador Taiwu, de Wei do Norte [Tuoba Tao, 408-452 d.C.], liderou uma força de 10 mil homens contra Zang Zhu, do reino de Song, ao sul, na cidade de Yutai. O imperador pediu um cálice ritual de vinho a Zang, e este então encheu um jarro com urina e lhe ofereceu. O imperador foi tomado de ira e decidiu atacar a cidade imediatamente. Seus homens travaram combate cerrado, sem armadura, e fizeram várias tentativas para escalar as muralhas da cidade. Mal eram rechaçados e logo voltavam à carga, sendo abatidos e amontoando cadáveres sob as muralhas. Essa situação se estendeu por trinta dias, até que mais de metade de seu exército tivesse morrido. Outros estavam morrendo de enfermidades. Por fim, o imperador deu ordem de retirada. Há um ditado que afirma que uma única mulher é capaz de defender uma cidade sitiada contra dez homens. Essa história sugere que o ditado é generoso em relação aos homens. JOHN MINFORD: O historiador grego Políbio (c. 202-c. 120 a.C.) dizia o seguinte a respeito de generais irascíveis: “Imprudência, temeridade e impetuosidade impensada, e também insensata ambição e vaidade, proporcionam uma vitória fácil para o inimigo” (The Histories, trad. Evelyn Shuckburgh [Londres: Macmillan, 1889], v. I, p. 238). Giles se refere à sua própria época ao comentar sobre guerras de cerco: “Aqui nos lembramos das perdas terríveis dos japoneses em Porto Arthur, no caso mais recente de cerco registrado pela história”.* O Estrategista Hábil Derrota o inimigo Sem combater, LI QUAN: Ele o derrota com planejamento, não o subjuga com batalha. Captura a cidade Sem sitiar, LI QUAN: Ele a captura com planejamento. Durante a dinastia Han Posterior, Zang Gong, marquês de Zan, sitiou os rebeldes “demoníacos” em Yuanwu, mas passou meses sem conseguir tomar a cidade. Seus próprios oficiais e soldados contraíram doenças e úlceras. O príncipe de Donghai lhe disse: “Aqui está você com suas tropas, cercando um inimigo determinado a lutar até a morte. Não há planejamento algum aqui. Você devia abandonar o cerco e lhes oferecer uma escapatória visível. Com certeza eles fugirão e se dispersarão, e assim até um recruta conseguirá derrotá-los”. O marquês seguiu o conselho e conquistou Yuanwu. Abate o reino inimigo Sem uma guerra longa. LI QUAN: O reino é derrotado por meio de astúcia e logo tomba. DU MU: Ele enxerga a dinâmica potencial da situação, uma fraqueza no acampamento inimigo, e aproveita a oportunidade. É como derrubar uma árvore podre. JIA LIN: Ele derrota o reino, mas não prejudica o povo. Quando o rei Wu atacou Yin, o povo de Yin o aclamou como pai e mãe. Ele busca a supremacia Intacto sob O céu, Forças ainda Ilesas, A conquista Completa. Esse é o método do Ataque estratégico. CAO CAO: Sem enfrentar o inimigo em campo, ele atinge seus objetivos com as forças intactas, conquista a vitória “sob o céu” e não sujeita seus soldados ao sangue e à espada. JOHN MINFORD: Essa premissa crucial do Mestre Sun forma um paralelo forte com Nasir al-Din al-Tusi (1201-74), vizir de Hülegü, o cã mongol responsável pelo saque de Bagdá em 1258: “Não é prudente recorrer às armas se é possível dispersar e aniquilar o inimigo por meio de ardis e estratagemas. Ardashir disse: ‘Não use um graveto quando um chicote resolve, ou uma espada quando basta uma clava’. A guerra deve ser a última opção. […] Para romper a união do inimigo e dispersar suas tropas, não é repreensível o uso de ardis, engodos, desinformação e mentiras, mas nunca será permitido o exercício de atos traiçoeiros. Em qualquer guerra, as disposições mais importantes são a manutenção do estado de alerta e o envio de espiões e batedores” (citado em Chaliand, 1994, p. 445). Na Guerra, Se com dez diante De um do inimigo, Cerque-o; DU MU: Um cerco é posicionar homens nos quatro lados, para que o inimigo não possa escapar. O posicionamento tem de ser feito a certa distância da cidade sitiada e deve ocupar um espaço considerável. Há de se estabelecer uma guarda rigorosa e, sem um contingente grande, fatalmente haverá lacunas. Por isso é preciso haver uma força dez vezes maior. ZHANG YU: Quando nossos homens estiverem em dez para um do inimigo, cerque-o pelos quatro lados e o domine. Isso vale para quando os dois lados estão equilibrados em todos os outros aspectos. Porém, se somos fortes e o inimigo é fraco, não é necessário que haja uma superioridade numérica tão grande antes de cercá-lo. Como disse o Mestre Weiliao: “Ao defender, um homem é capaz de resistir a dez, dez são capazes de resistir a cem, cem são capazes de resistir a mil”. Em outras palavras, bastam cem para cercar dez. A ideia é a mesma. AMIOT: Cerque totalmente o inimigo, para que ele não consiga escapar nem receber quaisquer reforços. Com cinco, Ataque; CAO CAO: Isso permite três manobras diretas e duas indiretas. DU MU: Divida nossas forçasescola se disseminaram por entre os pensadores chineses, alcançando tanto sucesso como a escola de Confúcio. Outras escolas também foram importantes: Mozi (século V a.C.) defendia um governo comunitário, que refutasse as tradições ancestrais e privilegiasse uma relação igualitária entre as pessoas; a Escola das Leis, de Shang Yang (século IV a.C.) defendia que o método correto era a reconstrução do Estado por meio de leis eficazes, que controlassem todas as atividades sociais e produtivas, centralizando o poder e anulando as discordâncias políticas. A Harmonia seria produzida, assim, de modo artificial, pois seria da natureza humana criar regras e leis. Hanfeizi (século III a.C.), seguidor dessas teorias, foi o principal articulador do projeto de Qin, que levou à reunificação em 221 a.C. No programa da Escola das Leis estava a ênfase nas atividades militares, como principal meio de controle social e de conquista de recursos. Isso os aproximou intimamente das obras dos estrategistas, tais como Sun Tzu. A ESCOLA DOS ESTRATEGISTAS A estratégia era um assunto conhecido pela nobreza, mesmo antes do Período dos Reinos Combatentes. Sun Tzu, por exemplo, cita o Livro da guerra (Bingshu), atualmente perdido, que devia ser um manual bem conhecido na época da dinastia Zhou. Todavia, é o recrudescimento dos combates que dará um destaque crescente aos estrategistas, e depois do século VI a.C. eles se tornam figuras importantes nas cortes. Alguns desses pensadores produziriam seus próprios livros, defendendo um novo método (Tao) para a resolução dos conflitos: simplesmente vencer. Essa seria a marca principal dos textos da Escola Militar (Bingjia); o sistema dos estrategistas buscava estabelecer a supremacia, e, alcançando o poder, o governante poderia definir suas prioridades e preferências. Foram vários os textos e autores classificados como pertencentes a essa escola: As seis lições secretas da guerra, de Taigong; o Livro de Wuzi, de Wuzi; o Livro dos cavaleiros, de Sima Jiang; o Livro de Wei Liaozi, de Wei Liaozi; e finalmente A lei da guerra (ou mais usualmente A arte da guerra, em chinês Sun Tzu bingfa), de Sun Tzu, e o Livro de Sunbin, que teria sido escrito por um descendente de Sun Tzu como comentário à sua obra. Todos esses textos tratavam de estratégia e foram razoavelmente preservados até os nossos dias. No entanto, o que fez com que o livro de Sun Tzu sobressaísse? Um olhar para os outros textos pode nos indicar alguns pontos: em primeiro lugar, Sun Tzu não tenta propor qualquer elemento para além da própria estratégia. Já no primeiro capítulo, entre as cinco condições necessárias para prever o desfecho de uma guerra, a primeira delas é o Tao — ou seja, como o governante lida com seu povo, qual opção político-filosófica ele escolheu. Ele não sugere nenhuma postura, apenas informa que um governante, ou um general, deve ter regras para essa questão. Isso fazia todo o sentido em um contexto no qual as políticas variavam de estado para estado, e muitos governantes não viam com bons olhos a interferência em seus modos de governar. Livros como o de Taigong ou Sima Jiang eram cheios de conselhos morais e orientações administrativas locais, o que tornava sua aceitação reduzida. Em segundo lugar, o texto de Sun Tzu é simples, direto e eficaz, como devem ser os comandos militares. Não há digressões, as orientações são simples e podem ser memorizadas. O livro era perfeito para a formação de oficiais e para a vulgarização entre os soldados. Isso tornava A arte da guerra muito mais atraente do que seus congêneres, que por vezes recorriam a uma linguagem rebuscada ou indireta. Apenas o livro de Wuzi poderia ser comparado, em estrutura, ao de Sun Tzu; mas é um texto muito mais sucinto e limitado, que não cobria diversos aspectos analisados pela obra A arte da guerra. Com isso, foi amplamente difundido como manual de instrução dos exércitos, sobretudo em Qin. As sucessivas vitórias alcançadas comprovaram a efetividade das propostas de Sun Tzu. Depois da ascensão do império Qin em 221 a.C., a Escola dos Estrategistas continuou a se desenvolver, encontrando uma durabilidade notável no pensamento chinês; e, ao longo dos séculos, novos especialistas surgiriam, acrescentando suas teorias e pontos de vista ao método militar. No entanto, o livro de Sun Tzu continuou a ser a maior e mais destacada expressão dessa linha de pensamento, sendo considerada a referência fundamental em estratégia. O LIVRO E SEUS COMENTARISTAS Chega a ser estranho que, mesmo tendo alcançado tanto sucesso, A arte da guerra tenha um autor quase desconhecido. Sabemos muito pouco sobre Sun Tzu. Supostamente ele teria vivido entre 544 e 496 a.C., sendo contemporâneo de Confúcio; no entanto, o texto de A arte da guerra torna isso inviável, pois citações como a do uso da balestra — que só surge no século IV a.C. — indicam que o texto é mais recente. A única biografia disponível sobre ele é um trecho sucinto no capítulo 65 das Recordações históricas [Shiji] de Sima Qian. As Primaveras e outonos dos estados de Wu e Yue [Wu Yue Chunqiu] falam brevemente sobre ele, e nada mais. Devido a uma ou outra citação esparsa, podemos dizer que Sun Tzu parece mesmo ter existido, mas lembremos que essas indicações são feitas séculos depois, e sua confiabilidade é precária. Por conta disso, as mais diversas teorias sobre a autoria da obra foram cunhadas, porém nenhuma delas foi relevante para os próprios chineses. Eles simplesmente tratam Sun Tzu como alguém que existiu e sobre o qual se sabe pouco; e isso em nada influenciou a apreciação que o livro teve ao longo da história. Para termos uma ideia da recepção do livro desde a China Antiga até os nossos dias, podemos observar a questão dos comentaristas de A arte da guerra. Um dos procedimentos mais comuns entre os intelectuais chineses é o de comentar uma obra importante, apresentando seus pontos de vista sobre determinadas questões. É provável que esse sistema tenha surgido do hábito absolutamente trivial de anotar os textos que lemos; contudo, alguns comentários foram considerados tão elucidativos que, pouco a pouco, foram sendo anexados à obra de Sun Tzu. Atualmente, A arte da guerra conta com uma relação de onze comentaristas mais conhecidos, das mais diversas épocas da história chinesa. É fascinante pensar que um comentarista do século IV, por exemplo, poderia ser analisado e respondido por outro pensador do século XII, mostrando um aspecto peculiar da mentalidade chinesa: séculos depois, portanto, a discussão sobre uma mesma passagem do texto continuava atual, envolvendo diferentes contextos históricos e intelectuais das mais diversas escolas. NO OCIDENTE Em 1772, o jesuíta francês Jean Joseph Marie Amiot fez a primeira tradução de A arte da guerra para uma língua ocidental. Amiot era missionário na China e conhecedor profundo da língua chinesa. Ao traduzir o livro, ele provavelmente escolheu o termo “arte” em lugar de “lei” para fazer o livro dialogar com outras obras similares, como o Compêndio militar de Flávio Vegécio (século IV d.C.), A arte da guerra de Nicolau Maquiavel (1520) e Arte da guerra — ou apenas Da guerra no original alemão — de Carl Clausewitz (1832). O livro despertou um amplo interesse entre os pensadores e militares, e recebeu mais algumas versões ao longo do século XIX. Em 1910, Lionel Giles fez a tradução que seria considerada “padrão” em língua inglesa, e sobre a qual John Minford fez a revisão que agora apresentamos. Curiosamente, porém, a vulgarização do livro foi feita por James Clavell — autor de novelas históricas asiáticas, como Xógum e Tai-pan —, que em 1983 revisitou a obra de Giles e produziu uma versão própria (e simplificada) do texto, alcançando um grande público leigo. Depois disso, sinólogos experientes como Ralph D. Sawyer (1994)10 e Jean Levi (2000)11 fizeram excelentes traduções de A arte da guerra, privilegiando pontos específicos de abordagem.em cinco partes. Use três dessas partes para realizar um ataque e mantenha duas de prontidão para uma ofensiva-surpresa contra uma abertura nas defesas do inimigo. ZHANG YU: Quando nossos homens estiverem em cinco para um do inimigo, poderemos surpreendê-lo na dianteira e atacar sua retaguarda; avance desde o leste e acosse-o do oeste. Sem uma superioridade de cinco para um, é impossível adotar esse plano [de muitas frentes]. Com dois, Divida. CAO CAO: Quando nosso exército tiver o dobro do tamanho do inimigo, use uma estratégia dupla: ataque direto por um lado, ataque- surpresa por outro. ZHANG YU: Divida nossas tropas em duas, usando metade para um ataque frontal e outra para avançar contra a retaguarda do inimigo. Se o inimigo reagir na frente, ataque a retaguarda; se ele reagir na retaguarda, ataque na frente. É a isso que Cao Cao se refere com estratégia dupla. Se iguais, Enfrente; MEI YAOCHEN: Se as forças potenciais são iguais, combata. ZHANG YU: Use subterfúgios; use direto como indireto, execute variações infinitas, confunda o inimigo. Use todos os métodos de surpresa para conquistar a vitória. Se com menos, Esconda; LI QUAN: Se você for mais fraco do que o inimigo, fortaleça suas defesas e não se exponha. Espere o ímpeto do inimigo relaxar para só então fazer sua ofensiva. Foi isso que o general Tian Dan de Qi fez durante o cerco em Jimo. Ele usou o estratagema dos touros em chamas para destruir o exército de Yan. DU MU: Se seus números forem menores, evite por um tempo a morte do inimigo, espere uma abertura e então avance com espírito resoluto e conquiste a vitória. Para isso é preciso ter paciência e autocontrole diante das provocações do inimigo, algo de que o general Cao Jiu, de Chu, não foi capaz no rio Si [quando, em 203 a.C., foi provocado pelas forças de Han a agir de forma impetuosa e mandar seus homens atravessarem o rio, onde foram mortos]. JIA LIN: Quando o inimigo é numeroso e você tem poucos homens, mantenha suas formações longe dos olhos do inimigo. Enquanto isso, prepare uma emboscada, confunda-o com subterfúgios e ardis; isso também pode levar à vitória. Outra interpretação: esconda as formações de suas tropas e mantenha o inimigo ignorante de seus planos. Ele pode desconfiar de algum ardil e fugir por conta própria. Se mais fraco, Fuja. ZHANG YU: Quando for mais fraco em todos os aspectos, em termos de contingente, estratégia, moral, então o que se deve fazer é recuar e esperar uma nova oportunidade. MEI YAOCHEN: Quando o inimigo for numeroso e estivermos em pouca quantidade, fuja; não combata. Uma força pequena Que luta obstinada Será capturada Por força maior. DU MU: Uma relutância contumaz a recuar ou fugir resultará em captura. MENG: Uma força pequena não é capaz de resistir a uma grande. Isso significa que, se um reino pequeno não fizer uma avaliação adequada das próprias forças e se atrever a enfrentar uma maior, acabará, independentemente das medidas defensivas adotadas, sujeitando-se à captura. Como se diz no Chunqiu: “Não puderam ser fortes nem souberam ser fracos, então foram derrotados”. LI QUAN: Se um exército pequeno não sabe avaliar a própria força e insiste em lutar, com certeza será capturado por um maior. Quando o comandante Li Ling de Han enviou sua infantaria de 5 mil homens para enfrentar uma força de 100 mil xiongnu, ele foi aniquilado. GILES: Em outras palavras: “C’est magnifique; mais ce n’est pas la guerre” [famoso comentário do marechal Bosquet sobre a Carga da Brigada Ligeira, em 1854]. O general sustenta A nação. Quando é firme A nação é forte. Quando é incerto, A nação é fraca. JIA LIN: Quando o general é um amparo sólido para o soberano, a nação é forte; quando há sequer uma mínima divisão entre general e soberano, a nação é fraca. JOHN MINFORD: Como seria de esperar, Guo Huaruo (1984, p. 107) comenta: “Essa ênfase indevida na importância do comandante individual não condiz com o materialismo dialético”. O duque de Wellington discordava: “Eu dizia que a presença de Napoleão no campo de batalha fazia a diferença de 40 mil homens” (Stanhope, Notes of Conversations with the Duke of Wellington, 1831-1851, p. 9, citado por Giles). Um líder pode condenar Seus homens De três formas: Dar ordem de Avanço ou Retirada Na hora errada É Tolher o exército; LI QUAN: A ignorância quanto ao momento de avançar ou recuar leva à derrota certa. É como tentar amarrar as pernas de um puro-sangue; ele não conseguirá galopar. JIA LIN: A decisão de avançar ou recuar deve ser tomada pelo general com flexibilidade, em resposta a uma situação que pode mudar. Nada é mais desastroso do que o soberano enviar ordens desde a segurança da corte. Como disse o Duque Ancestral, “a nação não pode ser governada do campo de batalha; nem a guerra pode ser dirigida da corte”. WANG XI: Para se livrar desse infortúnio nocivo, ao general devem ser concedidos poderes irrestritos, e por isso é ainda mais importante que se indique um general ao mesmo tempo leal e talentoso. Interferência ignorante Em decisões militares Confunde Oficiais e homens; CAO CAO: O militar e o civil são esferas distintas; não se pode dirigir um exército em termos de ritual. ZHANG YU: Compaixão e justiça são os princípios que devem reger o governo de um reino, mas não de um exército; flexibilidade tática é antes uma virtude militar do que civil. Há de ser assim. Influência ignorante Em atribuições militares Perturba Oficiais e homens. MEI YAOCHEN: Definir atribuições sem conhecer a arte da estratégia causa perturbação. GILES: Isto é, o soberano não toma o cuidado de usar o homem certo no lugar certo. Se o exército está confuso e perturbado, Os príncipes feudais Criam problema; Daí se espalha Caos nas fileiras E se perde a Vitória. MEI YAOCHEN: Nós mesmos criamos o caos; nós mesmos entregamos a vitória. Há Cinco Exigências Para a vitória: Saber o momento de lutar E o de não lutar; ZHANG YU: Se for possível lutar, avance e parta para a ofensiva; se não for, recue e se mantenha na defensiva. Aquele que sabe determinar o curso adequado, ofensivo ou defensivo, invariavelmente sairá vitorioso. DU MU: É o mesmo que o “conhece a ti mesmo” e “conhece o inimigo” que o Mestre Sun aborda depois. MENG: A vitória decorre de uma correta avaliação do inimigo, da análise de suas forças e fraquezas. Entender o uso De grandes e pequenos Contingentes; ZHANG YU: Segundo a Arte da Guerra, uma força menor é capaz de derrotar uma maior, e vice-versa. O segredo é realizar as avaliações adequadas e não permitir que o momento certo se perca. Ter oficiais e homens de Uma mesma vontade; Estar pronto Para o inesperado; Ter um general capaz, Sem o estorvo do soberano. DU YOU: Um General Hábil, versado em estratégia militar, deve contar com plena liberdade de seu soberano. Como disse o Mestre Wang, “o soberano dá instruções vagas, e o general toma decisões de batalha”. GILES: Grande parte do sucesso extraordinário de Napoleão definitivamente se devia ao fato de que ele não sofria quaisquer restrições de uma autoridade central — que, na realidade, ele era ao mesmo tempo general e soberano. Essas cinco Dão o caminho da Vitória. Daí o ditado “Conhece o inimigo, Conhece a ti mesmo, E a vitória Será sempre certa, Mesmo em cem batalhas.” ZHANG YU: Essas palavras decerto se referem tanto ao ataque quanto à defesa. Ao conhecer o inimigo, é possível realizar uma ofensiva adequada; ao conhecer a si mesmo, é possível adotar uma estratégia defensiva adequada. O segredo da defesa é o ataque; o planejamento do ataque é defesa. Se souber disso, você jamais fracassará, mesmo em cem batalhas. TAO TE CHING, capítulo 33: Conhecer os outros é sabedoria, compreender a si mesmo é iluminação. A conquista de outros demanda força; a conquista de si mesmo demonstra poder. JOHN MINFORD: O historiadorgrego Políbio disse o seguinte de Aníbal: “É mera ignorância cega a crença de que possa haver algo mais importante para um general do que o conhecimento acerca do caráter e da disposição do oponente” (The Histories, citado por Chaliand, p. 113). Essa máxima, uma das mais famosas do Mestre Sun, foi endossada por Mao Tsé-tung: “Esse ditado do Mestre Sun, o grande pensador militar chinês da Antiguidade, inclui [no conhecimento] as etapas de conhecimento teórico e prático; inclui o respeito às leis do desenvolvimento da prática objetiva, e o processo de se determinar as próprias ações em conformidade com essas leis, de modo a superar o inimigo atual. Não havemos de subestimar [a sabedoria desse] ditado” (Selected Works, p. 166). Aquele que conhece a si Mas não ao inimigo Sofrerá uma derrota Para cada vitória. LI QUAN: Se o general conhece a própria força, mas não avaliou corretamente o inimigo, a vitória não é garantida. Fu Jian, o príncipe de Qin, liderou em 383 d.C. um exército de 1 milhão de soldados rumo ao sul para enfrentar as forças de Jin. Alguém comentou que Jin contava com homens do nível de Xie Na e Huan Chong, e que ele não devia subestimá-los. A isso, Fu Jian respondeu: “Tenho o poderio reunido de oito províncias em meu exército, 1 milhão de cavalos e homens. Eles seriam capazes de obstruir o próprio rio Yangtzé só de lançar seus açoites na água. O que tenho a temer?”. Mais tarde, ele sofreu uma séria derrota. Aquele que não conhece A si E ao inimigo, Fracassará Em toda batalha. * Giles se remete à Guerra Russo-Japonesa, de 1904-5, primeira vitória na era moderna de um país asiático sobre um império “ocidental”. Apesar das inúmeras perdas, os japoneses venceram a batalha, realizando um feito até então considerado “impossível” pelos países europeus. (N. E.) 4 Formas e disposições CAO CAO: Disposições militares. Marcha e contramarcha, cada exército investido em descobrir a condição do outro. DU MU: É pelas disposições exteriores [formas] que se pode descobrir a condição verdadeira de um exército. Se você for “amorfo” [suas disposições não forem visíveis], sua condição verdadeira permanecerá em segredo. Quando suas disposições forem reveladas, sua condição verdadeira será evidente. O segredo produz a vitória; o evidente, a derrota. WANG XI: O Guerreiro Hábil pode obter a vitória se adaptar suas disposições às do inimigo. ZHANG YU: Este capítulo se refere à disposição dos dois exércitos, no ataque e na defesa. Se as próprias disposições permanecerem ocultas, o inimigo não as conhecerá. Quando forem visíveis, o inimigo poderá explorar qualquer mínima fresta ou oportunidade. Como as disposições se tornam perceptíveis no ataque e na defesa, este capítulo se segue ao que trata de “Ofensiva estratégica”. JOHN MINFORD: A palavra usada no título deste capítulo — xing — tem o sentido fundamental de “forma, formato, aparência” e é usada na terminologia tradicional da geomancia chinesa (feng shui) para se referir às configurações da terra, às maneiras como as formas da terra, os montes e rios, revelam e expressam a dinâmica subjacente (shi). Aqui, o termo se refere às formações e posições militares que revelam também a força ou fraqueza subjacente de um exército. Mas, no raciocínio estratégico do Mestre Sun, as insinuações filosóficas de forma [isto é, as disposições militares] são mais sutis do que as apresentadas por um estrategista mais mecânico como Clausewitz (1780-1831). Em certos momentos, o Mestre Sun possui um toque taoista inconfundível. O leitor há de se lembrar da noção taoista fundamental de “não ação” (wuwei), de interferência mínima e espontaneidade máxima, pela qual a situação se sairá “bem na medida em que as pessoas estejam cientes de suas próprias circunstâncias e das dos outros” (Angus Graham, Disputes of the Tao [La Salle, IL: Open Court, 1989], p. 233). “O maior escultor é o que menos corta” (Tao Te Ching, capítulo 28). “O Caminho constantemente não faz nada, mas não há nada que ele não faça” (capítulo 37). “Se eu não fizer nada, por si só as pessoas se transformam” (capítulo 57). Em certos momentos, o Guerreiro Hábil parece o sábio taoista quase invisível. No capítulo 6, por exemplo, somos lembrados de que “O epítome das disposições é não ter forma; ausência de forma é imune à visão do mais sutil espião e às maquinações da mais sábia mente”. Disse o Mestre Sun: Outrora, O Guerreiro Hábil Garantia antes Invulnerabilidade Para si; ZHANG YU: Em outras palavras, ele conhecia a si mesmo. Depois esperava A vulnerabilidade Do inimigo. ZHANG YU: Ele conhecia o inimigo. MEI YAOCHEN: Escondia as disposições no interior e esperava as fraquezas ou os lapsos do outro. JOHN MINFORD: Ao longo deste trecho, as palavras traduzidas como “invulnerabilidade” e “vulnerabilidade” (bukesheng, literalmente “imbatível”, e kesheng, “batível”) podem ser interpretadas de forma mais geral como “força” e “fraqueza”. Invulnerabilidade cabe A si; Vulnerabilidade, Ao inimigo. CAO CAO: Deve-se cultivar a si mesmo e esperar um lapso do inimigo. O Guerreiro Hábil Pode obter Invulnerabilidade Para si mesmo; ZHANG YU: Ele pode realizar isso se ocultar a disposição de suas tropas, disfarçar seus rastros e tomar precauções rigorosas. Isso tudo faz parte de sua esfera de ação. Mas jamais criará A vulnerabilidade Do inimigo. DU MU: Se meu inimigo não apresenta qualquer disposição visível, ou lapso que possa ser aproveitado, então, mesmo se eu tiver aprimorado à perfeição todos os instrumentos para a vitória, como posso derrotá- lo? Daí o ditado “Pode-se conhecer A vitória E ainda não alcançá-la.” DU MU: Só o que posso saber é se minha força basta para derrotar o inimigo. Não posso fazer o inimigo relaxar e me proporcionar a abertura necessária para a vitória. DU YOU: Isso acontece porque o inimigo tomou precauções. Se eu puder avaliar corretamente o inimigo e observar suas disposições, a vitória será conhecida. Mas, se o inimigo for discreto e mantiver as disposições invisíveis, não poderei obrigá-lo a ser derrotado. Daí o ditado de Fan Li: “Se o tempo não convém, não se pode forçar as circunstâncias; se o assunto não está pronto, não se pode acelerar sua conclusão”. Invulnerabilidade é Defesa; CAO CAO: É questão de se manterem ocultas as disposições. DU MU: Se não fui capaz de observar as disposições e a vulnerabilidade do inimigo, pelo menos posso ocultar minhas próprias disposições; posso manter minha própria invulnerabilidade e me defender. MEI YAOCHEN: É questão de esperar. Vulnerabilidade é Ataque. CAO CAO: Se o inimigo me ataca, ele se torna vulnerável. DU MU: Quando o inimigo revelar uma disposição vulnerável, saia e ataque. MEI YAOCHEN: É questão de identificar o lapso. Defesa implica Carência; Ataque implica Abundância. CAO CAO: Defendo porque careço de força. Ataco porque tenho abundância de força. Um Defensor Hábil Se oculta Sob as Nove Terras; CAO CAO: Tira proveito da proteção de montanhas, rios e outras formações naturais. DU YOU: O Defensor Hábil precisa tirar proveito das obstruções causadas por montanhas e rios e morros menores, de modo que o inimigo não saiba onde atacar. Ele se oculta em segredo “sob as Nove Terras”. Um Atacante Hábil Se move Sobre os Nove Céus. CAO CAO: Tira proveito das variações no clima. DU YOU: O Atacante Hábil precisa tirar proveito das transformações do clima e do terreno, usando enchentes e o fogo conforme a situação exigir, de modo que o inimigo não saiba onde se preparar. Ele se movimenta como um raio “sobre os Nove Céus”. E assim obtém Proteção E vitória Intacto. Prever A vitória simples Do homem comum Não é habilidade. CAO CAO: É preciso enxergar as origens mais sutis. LI QUAN: A previsão de uma vitória simples não é indicativo de habilidade. Quando o general Han Xin destruiu o reino de Zhao [uma vitória realmenteextraordinária], ele atravessou o desfiladeiro de Jingxing antes do desjejum e anunciou a seus homens: “Faremos um banquete depois de destruir Zhao”. Seus generais ficaram em choque, mas balbuciaram um consentimento apático. Han dispôs seus homens de costas para o rio [uma posição “letal” e evidente contradição das normas táticas], e, quando os homens de Zhao viram essa formação desde as muralhas da cidade, todos se dobraram de rir, dizendo que Han Xin não entendia nada de guerra. Mas ele logo derrotou Zhao [por meio de um estratagema sutil], e seus homens se banquetearam. Isso aconteceu porque o general Han teve visão para além do homem comum. JOHN MINFORD: Esse episódio, muito apreciado pelos comentaristas, é relatado de forma muito mais detalhada no final do capítulo 11. Obter vitória em batalha E receber elogios Pela habilidade Não é Habilidade. CAO CAO: É só vitória. LI QUAN: A vitória em um combate graças à força é muito visível, mas não marca de habilidade. DU MU: Aclamada pelo “homem comum” já mencionado. Essa vitória é a que aniquila um exército e elimina os generais. Meu entendimento de habilidade tem a ver com planejamento sutil, movimentos secretos, a “mente” do inimigo como alvo, estratégia de ataque — uma vitória sem sangue. JIA LIN: Defesa sólida, ataque decisivo, proteção intacta de si mesmo, percepção nítida da vitória e da derrota antes que qualquer uma aconteça — esses são os sinais de um genuíno iniciado nas artes militares, um guerreiro de verdadeira sutileza e perspicácia. Isso é muito superior à vitória simples do homem comum. TAO TE CHING, capítulo 22: Portanto, o Sábio aceita a Unidade e faz dela a Medida de Tudo Sob o Céu. Ele não se exibe, e é visto; ele não se declara, e é manifesto; ele não se gaba, e assim atinge o sucesso; ele não se orgulha, e assim se torna o líder. É porque ele não resiste que ninguém Sob o Céu pode resistir a ele. Erguer pelagem de outono Não é Força; ZHANG YU: A pelagem da lebre, mais fina (e leve) no outono. Ver sol e lua Não é Percepção; Ouvir trovões Não é Audição aguçada. ZHANG YU: Todo mundo é capaz desses feitos. Eles sugerem a vitória simples do homem comum. HE YANXI: Essas são realizações simples do homem comum. Wu Huo conseguia erguer um tripé de mil jin [um jin correspondente a cerca de quinhentos gramas] — isso era força; Li Zhu conseguia distinguir objetos do tamanho de um grão de mostarda a cem passos de distância — isso era percepção; Shi Kuang, o Músico Cego, conseguia escutar os movimentos de um mosquito ou uma formiga — isso era audição. LI QUAN: O general realmente sábio e capaz é intensamente inescrutável, imerso em seus estratagemas. Como disse o Mestre Sun [capítulo 7], ele é “inescrutável como a noite”. O Guerreiro Hábil de outrora Conquistava Vitórias fáceis. CAO CAO: A vitória fácil consiste em sutilezas, em ataques ao vulnerável, não ao invulnerável. MEI YAOCHEN: Enxergar o óbvio resulta em uma vitória difícil; enxergar o sutil resulta em uma vitória fácil. TAO TE CHING, capítulo 63: Ele [o Caminho] age sem ação, faz sem feito, encontra sabor no insípido. Ele faz do pequeno, grande, e dos poucos, muitos. […] Enfrenta o difícil no fácil, o grande no pequeno. As questões difíceis do império são abordadas quando são fáceis; as questões grandiosas do império são abordadas quando são pequenas. Assim, o Sábio nunca realiza ações grandes, mas sempre consegue ser grande. As vitórias Do Guerreiro Hábil Não são Extraordinárias; JOHN MINFORD: As palavras “não são extraordinárias” não aparecem no texto tradicional, mas estão nas Tiras de Bambu. Ver Wu (1990, p. 59). Não dão Fama pela sabedoria Nem mérito pela bravura. DU MU: Suas vitórias se baseiam na percepção das “origens mais sutis”, então o mundo em geral nada sabe delas, e elas não conferem fama pela sabedoria. O inimigo se rende, a vitória é conquistada sem derramamento de sangue, e o general vitorioso não recebe crédito algum por sua bravura. TAO TE CHING, capítulo 17: Os [estadistas, sábios] mais elevados foram aqueles de quem nada se sabia. […] A tarefa era cumprida, e o povo comum considerava que ela tinha se realizado por conta própria. TAO TE CHING, capítulo 20: O mundo está cheio de luzentes; só eu sou escuro… Suas vitórias São Perfeitas; CHEN HAO: Ele não planeja gestos supérfluos, não formula estratégias fúteis. ZHANG YU: Aquele que conquista pela força bruta, por mais hábil que seja, é também passível de derrotas ocasionais; já aquele que é capaz de enxergar o que não é visto e distinguir condições ainda não manifestas será vitorioso sempre. Sua vitória não terá qualquer imperfeição. Sua vitória é Perfeita Porque é Inevitável; Ele derrota Um inimigo já derrotado. ZHANG YU: Suas vitórias são perfeitas porque ele detecta as disposições inevitáveis da derrota dentro do acampamento inimigo antes de posicionar suas próprias tropas. O Guerreiro Hábil Se posiciona Em solo invulnerável; Não perde qualquer chance De derrotar o inimigo. DU MU: Solo invulnerável é estratégia invulnerável, uma estratégia que nega ao inimigo qualquer possibilidade ínfima de vitória. Não permitir qualquer possibilidade é vigiar atentamente todas as mínimas falhas na guarda do inimigo, sem deixar passar nem mesmo a oportunidade mais insignificante. O exército vitorioso Chega à vitória antes E busca a batalha depois; O exército derrotado Vai à batalha antes E busca a vitória depois. DU MU: Como disse o Mestre Guan: “As estações do Céu, as vantagens da Terra, a contagem de soldados, todos esses elementos devem fazer parte dos planos”. Um planejamento cuidadoso deve vir antes de qualquer envio de tropas para além das fronteiras. HE YANXI: Na guerra, antes prepare os planos que garantirão a vitória e só depois leve seu exército à batalha; se você não tiver estratagema e contar apenas com força bruta, a vitória não será nada certa. O Estrategista Hábil Cultiva O Caminho E preserva A lei; E assim tem domínio Sobre vitória e derrota. DU MU: O Caminho é o da compaixão e justiça; a lei é a soma das normas de organização militar. ZHANG YU: Ele cultiva o Caminho da Guerra; preserva a lei da dominação do inimigo. E assim ele garante a vitória. JOHN MINFORD: Esta é uma das evocações frequentes que o Mestre Sun faz do Iniciado Guerreiro. A sabedoria da Arte da Guerra era uma habilidade mental que podia ser formulada verbalmente e ensinada. Os estrategistas transmitiam e ensinavam uma “sabedoria esotérica que expressava traços divinos inerentes no cosmo” (Lewis, 1990, p. 98), e era o domínio que o Iniciado Guerreiro tinha dessa “guerra da mente” que lhe permitia levar seu exército à vitória (Lewis, p. 104). Na Guerra, Existem Cinco Passos: Medição, JIA LIN: Do terreno. Estimativa, JIA LIN: Da força numérica e do abastecimento de grãos. Cálculo, JIA LIN: Em termos numéricos. Muitos ao contrário de poucos, fortes ao contrário de fracos. Comparação, JIA LIN: Tendo calculado os números e determinado o peso e a habilidade relativa de ambos os lados. WANG XI: Pesando-os com uma balança de bastão. JOHN MINFORD: A palavra cheng se refere ao dispositivo chinês de “bastão de aço suspenso com extremidades desiguais”. Vitória. ZHANG YU: Aqui se refere à [provável vitória por se ter uma] disposição adequada no acampamento e em formações de batalha. Como disse o duque Li: “Treinar um exército é como dispor peças em um tabuleiro de Go. Sem um curso estabelecido, como é possível posicionar os homens?”. Terra determina Medição; CAO CAO: Fazemos medições de acordo com a forma externa [xing] e a energia dinâmica [shi] da terra [terreno]. Medição determina Estimativa; DU MU: Depois da medição adequada da terra [terreno], podemos estimar a força relativa do inimigo. Estimativa determina Cálculo; DU MU: Cálculo da maneira mais estratégica de aproveitaroportunidades. Cálculo determina Comparação; DU MU: Comparação das probabilidades relativas para nós e para o inimigo. Comparação determina Vitória. DU MU: Quando fizermos a comparação, a vitória ficará clara. TAO TE CHING, capítulo 25: O homem se fundamenta pela terra; a terra se fundamenta pelo céu; o céu se fundamenta pelo Tao; o Tao se fundamenta pela natureza. JOHN MINFORD: Joseph Needham (1994, p. 47) destaca que esse trecho (que ele acredita que possa ser citação de um texto muito antigo, mais do que A arte da guerra do Mestre Sun) “não chegou a ser plenamente compreendido e sempre intrigou os comentaristas”. Ele mesmo o interpretou da seguinte forma: “Pelo princípio da guerra, a primeira medida é Distância, a segunda é Volume, a terceira é Número, a quarta é Peso, a quinta é Vitória…”. Ou, em paráfrase: “O território determina distâncias e delimitações físicas [minha ‘medição’], e estas determinam a força necessária para um exército [‘estimativa’], porque existem áreas potencialmente fortes e fracas que indicam a quantidade de soldados que devem ser usados em lugares específicos. A distribuição dos soldados determina o poderio a ser concentrado em qualquer lugar específico [‘cálculo’], e isso, por sua vez, afeta o equilíbrio de poder [‘comparação’]; este último fator é o que determina a vitória”. Um exército vitorioso É um tijolo no prato Da balança contra Um grão; Um exército derrotado É um grão Na balança contra Um tijolo no prato. Um exército vitorioso É como Uma catarata Que se arroja Por uma vastidão Sem fim. Isso é tudo Questão de Formas e Disposições. ZHANG YU: Pela própria natureza, a água evita partes altas e corre para as baixas. Quando uma barragem se rompe, a água desce com força irresistível. Ora, as formas e disposições de um exército se assemelham às da água. Tire proveito do despreparo do inimigo; ataque-o quando ele menos espera; evite suas forças e avance contra suas fraquezas. Assim, você será como a água, e nada poderá impedi-lo. 5 Energia potencial CAO CAO: Na guerra, conte com a energia potencial da situação. WANG XI: Isso se refere às permutações de energia potencial acumulada. O Guerreiro Hábil, ao utilizar energia potencial para alcançar a vitória, jamais exaure a própria força. JOHN MINFORD: A palavra usada no título deste capítulo — shi — constitui o âmago de A arte da guerra. Já tratei disso em minha Introdução. O termo significa literalmente “situação”, portanto a energia ou dinâmica inerente de uma situação ou um momento específico (para o bem ou para o mal), a força ou fraqueza de um local (em termos de feng shui, ou geomancia chinesa). Mas a palavra também é usada em diversos contextos: é o termo para as posições sexuais descritas nos guias de sexo chineses (o título do capítulo 2 de Su nu miao lun, por exemplo, é “As nove posições [ou shi]”); para as linhas de força nos contornos de uma paisagem (que revelam ao olho do pintor, em um nível mais profundo do que as formas externas, a energia interna da paisagem); para a força inerente das pinceladas na caligrafia chinesa; para a tendência ou o estilo em uma obra literária (o título do capítulo 30 de Wen Xin Diao Long é “Formação de um estilo [ou shi]”). No contexto de A arte da guerra, a palavra remete à energia potencial, ou vantagem estratégica, em determinada configuração de espaço e tempo. A partir daí, passa a significar o poderio ou a influência resultante de um indivíduo ou grupo e, portanto, em um contexto estritamente militar, “o poder conferido a um exército pelas circunstâncias da campanha” (Lewis, 1990, p. 117). Como o grande sinólogo francês Marcel Granet expressou em seu primoroso La Pensée chinoise (nova edição, Paris: Albin Michel, 1988, p. 351 [ed. bras.: O pensamento chinês. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997]): “As diversas situações e condições de tempo e espaço contêm, em si mesmas, oportunidades latentes cuja influência e poder devemos nos permitir a capacidade de explorar se quisermos tirar o máximo proveito de tudo o que o destino nos proporciona”. Esse frágil equilíbrio entre ação e não ação, entre a sensibilidade aos sinais do que é e a disposição a agir de acordo, expressa uma dicotomia fundamental subjacente a grande parte do pensamento na China Antiga sobre o tratamento de assuntos humanos em geral, seja na esfera militar, civil ou pessoal, seja pela perspectiva filosófica do taoismo, do confucianismo ou de alguma outra linha “independente” da filosofia chinesa. Sua primeira expressão ocorre no monumental repositório de pensamento chinês que é O livro das mutações, que parte justamente da premissa de que é possível enxergar transformações potenciais antes que elas ocorram, captar as configurações sutis de Yin e Yang e assim nos sintonizarmos às energias que atuam no mundo à nossa volta. “Disse o Mestre: ‘Conhecer as sementes [os mananciais ou o mecanismo de oportunidade] é mesmo divino. […] As sementes são o início, o imperceptível princípio de movimento, o primeiro sinal de sorte ou infortúnio a se revelar. O indivíduo superior percebe a semente e age imediatamente. Ele não espera um dia sequer’” (Lewis, p. 119, citando o Grande Tratado a partir da versão de Wilhelm; Baynes, 3. ed. revista, 1994, p. 342). Referindo-se aos líderes guerreiros durante o caótico Período dos Reinos Combatentes em que o Mestre Sun viveu, Granet acrescenta: “Eles viviam em um estado de constante expectativa revolucionária. Estavam se preparando para ocupar o trono do Filho do Céu, ou seja, para impor uma nova ordem civilizatória. Assim, qualquer transformação mínima poderia ser uma transformação total; e o ato de aproveitar qualquer sinal mínimo de transformação seria o mesmo que aproveitar a oportunidade de realizar uma transformação total” (p. 351). Disse o Mestre Sun: Gerir muitos É o mesmo Que gerir poucos; É uma questão de Divisão. DU MU/GILES: Isso é possível mediante a organização de regimentos e a delegação cuidadosa de autoridade e responsabilidade. Dessa forma, só alguns homens se encontram sob meu comando direto. O Primeiro Imperador de Han disse, certa vez, a seu general Han Xin: “Você acredita que eu poderia liderar um exército de que tamanho?”. Han Xin então lhe respondeu: “Não mais do que 100 mil homens, Majestade”. “E você?”, perguntou o imperador. “Quanto mais, melhor”, disse Han Xin. Lutar com muitos É o mesmo Que lutar com poucos; É uma questão de Sinalizar às tropas A formação, Usar bandeiras De identificação. ZHANG YU: Quando se mobilizam muitos soldados e as distâncias entre eles são vastas, eles não têm como se ver ou se ouvir; com o uso de gongos para sinalizar retiradas e bandeiras para sinalizar ataques, os valentes não avançam isolados, e os medrosos não acabam recuando sozinhos. [Compare com o capítulo 7.] Combinando-se Direto e Indireto, Um exército Pode rechaçar o inimigo Intacto. CAO CAO: Ir à batalha pela frente é direto; aparecer pela retaguarda é indireto. LI QUAN: O confronto é direto; excursões laterais são indiretas. Sem táticas indiretas [ou contingentes de surpresa], a vitória é impossível. JIA LIN: Quando diante do inimigo, use formações diretas; mas reaja com táticas indiretas [ou contingentes de surpresa] nos flancos e na frente e na retaguarda, e assim a vitória será uma certeza. HE YANXI: São infinitamente variadas as configurações das tropas; todas apresentam potencial para ser direta ou indireta. […] Desde que o inimigo encare nossas táticas diretas como indiretas e nossas táticas indiretas como diretas, o direto se torna indireto e o indireto, direto. Quando o general Han Xin posicionou seus homens de costas para o rio e ao mesmo tempo mandou uma tropa de surpresa contornar a colina, capturar os estandartes de Zhao e destruir o reino, ele usou os dois tipos de tática — direta (de costas para o rio) e indireta (em volta da colina).O mesmo general reuniu suas tropas diante da cidade de Linjin, simulando um ataque frontal, e simultaneamente lançou um ataque-surpresa, com canoas de madeira, a partir de Xiayang, e assim capturou o rei de Wei. A formação frontal em Linjin foi tática direta, e o ataque via Xiayang, indireta. A combinação de direto e indireto é o segredo da vitória. [Comparar com Shiji, capítulo 167; Hanshu, capítulo 34.] ZHANG YU: São diversos os entendimentos quanto ao que significam direto e indireto. O Mestre Weiliao disse que as táticas diretas privilegiam ataques frontais, enquanto táticas indiretas favorecem ataques contra a retaguarda. Era a mesma opinião de Cao Cao. O duque Li pensava de modo semelhante. Todos esses eruditos tratavam o direto e o indireto como ideias separadas e não percebiam que os dois são interligados, mesclam-se e se transformam um no outro. O imperador Taizong, da dinastia Tang, foi a única pessoa a compreender isso: “Transforme uma manobra indireta em uma direta fazendo com que o inimigo a perceba como direta; assim, um ataque frontal se torna indireto. E vice-versa. O segredo é confundir totalmente o inimigo, para que ele não consiga vislumbrar nossas intenções”. GILES: Para dizer em termos um pouco mais claros, talvez: qualquer ofensiva ou operação é “direta” se o inimigo estiver com a atenção concentrada nela; por sua vez, a “indireta” o pega de surpresa ou surge de um lado inesperado. Se o inimigo percebe uma movimentação que se pretendia “indireta”, ela imediatamente se torna “direta”. JOHN MINFORD: Esta é a primeira ocorrência, em A arte da guerra, do par de termos zheng e qi, “direto” e “indireto”, tão cruciais para as ideias de estratégia do Mestre Sun. Eles também poderiam ser traduzidos como “ortodoxo” e “heterodoxo”, “regular” e “irregular”, “franco” e “surpresa”, “explícito” e “encoberto”. O Mestre Sun está fazendo referência à complementaridade entre o ataque fixo e a manobra flexível. Como disse o general Sam Griffith (pp. 34-5): “Nascia a ciência (ou arte) das táticas. O inimigo, confrontado pela força zheng (ortodoxa), era derrotado pela força, ou forças, qi (heterodoxa, peculiar, rara, maravilhosa); o método normal era um esforço de fixação pelo zheng enquanto grupos qi atacavam os flancos e a retaguarda. A distração adquiriu grande importância, e as comunicações do inimigo se tornaram um alvo primário”. O tradutor francês Jean Levi (pp. 177-8), assim como He Yanxi, ilustra o caso com um dos episódios de Han Xin, refletindo sobre a questão com típico gênio e humor francês: “O general Han Xin, ao fazer reparos nas pontes suspensas entre Chang’an e Sichuan, convenceu o inimigo de que havia escolhido essa rota (normalmente ‘indireta’) e, assim, fê-lo acreditar que seria sua operação ‘direta’ e se preparar para recebê-la. Ao mesmo tempo, o general na realidade estava planejando um ataque a partir de Chencang, e essa rota (que poderia ter sido perfeitamente ‘normal’) se tornou seu ataque de ‘surpresa’. […] Quando o ataque frontal é a norma, um ataque nos flancos se torna a exceção; quando o ataque nos flancos é a norma, o ataque frontal se torna a exceção. Tanto a norma quanto a exceção dependem da expectativa do adversário. É com base no que o outro espera que as decisões devem ser tomadas, e assim ele será surpreendido com a guarda abaixada. Precisamos sempre estar um passo à frente do oponente e especular o que ele está pensando sobre nossos planos, para usar seus cálculos contra ele próprio. Essa dialética de ‘direto’ e ‘indireto’ nos deixa frente a frente com as infinitas modalidades do paradoxo do mentiroso. Às vezes, um excesso de ‘maquinações’ pode levar a erros, enquanto a total falta de ‘maquinações’ é o ápice da ‘maquinação’. Se um lado maquina contra um inimigo que não faz maquinação alguma, ele pode acabar sofrendo por sua própria astúcia, se supor, sem razão, que o oponente maquinava. E assim a sutileza e a estupidez se tornam um só. Portanto, compreende-se por que certos generais, no desespero, decidiram consultar O livro das mutações antes de tomar alguma decisão” (Tradução minha). Compreendendo o que é Fraqueza e Força, Um exército Ataca Qual pedra de mó Contra um ovo. CAO CAO: Ao atacar aquele que é mais fraco com aquele que é mais forte. HE YANXI: Na guerra, conhecer as fraquezas e as forças da energia potencial de uma situação é garantia de vitória. ZHANG YU: Ao reunir suas tropas, determine antes a correta divisão de unidades; depois, aperfeiçoe os estandartes e outras formas de comunicação; depois, compreenda as táticas diretas e indiretas; uma vez que esses elementos estejam esclarecidos, a força e a fraqueza da situação serão evidentes. JOHN MINFORD: A rigor, a pedra a que o texto remete é um esmeril grande; uma pedra de mó parece transmitir melhor a proporção de tamanho e peso. Na guerra, Combata Diretamente; Garanta a vitória Indiretamente. CAO CAO: Confronte o inimigo diretamente; ataque indiretamente nos flancos quando menos se esperar. ZHANG YU: Antes enfrente o inimigo diretamente, ao mesmo tempo em que elabora constantemente uma ofensiva indireta, seja açoitando os flancos do inimigo ou se abatendo sobre sua retaguarda. GILES: Um exemplo excepcional de “tática indireta” que decidiu os rumos de uma campanha foi a marcha noturna de lorde Roberts pelo Peiwar Kotal na Segunda Guerra Anglo-Afegã. TAO TE CHING, capítulo 57: Governe o reino diretamente; promova a guerra indiretamente; conquiste o império por meio de “não ação”. O guerreiro que domina Guerra indireta É infinito Como o Céu e a Terra, LI QUAN: Nas variações e alternâncias de movimento e imobilidade. Inesgotável Como o rio e o mar, LI QUAN: Infinitamente flexível e móvel. ZHANG YU: Infinitamente capaz de lançar ataques indiretos como reação às novas circunstâncias. Termina e recomeça Como o sol e a lua, Morre e renasce Como as Quatro Estações. LI QUAN/DU YOU/ZHANG YU: O sol e a lua transcorrem por suas fases, põem-se e voltam a nascer, crescem e mínguam; as estações se alternam, se deslocam por ciclos de calor e frio; as infinitas variações de direto e indireto são como o ocaso e o nascer do sol e da lua, como a alternância das estações. SUN BIN BINGFA, capítulo 31, “Direto e indireto”: A natureza fundamental do Céu e da Terra é que, quando algo atinge seu apogeu, deve reiniciar [seu ciclo]; quando se enche, míngua. […] Isso se percebe com o sol e a lua, e se percebe com as Quatro Estações. […] A guerra é a vitória pela forma. […] As mutações da vitória pela forma são tão infinitas quanto as mutações do Céu e da Terra. Existem apenas Cinco notas, LI QUAN: Gong, shang, jue, zhi, yu [as cinco notas da antiga escala pentatônica]. E há mais combinações Do que Se pode escutar. LI QUAN: Tocadas nos instrumentos dos oito sons [moringa, argila, couro, madeira, pedra, metal, seda e bambu], constituem um repertório infinito de músicas. Existem apenas Cinco cores, LI QUAN: Azul, amarelo, vermelho, branco e preto. E há mais combinações Do que Se pode enxergar. Existem apenas Cinco sabores, LI QUAN: Acre, pungente, salgado, doce, amargo. E há mais combinações Do que Se pode provar. LI QUAN: Essa é a arte do cozinheiro. ZHANG YU: Essas são analogias das infinitas variações de direto e indireto. Na dinâmica da Guerra, Existem apenas estes dois, Indireto E direto, E há mais combinações Que nunca vão se exaurir. Elas geram umas às outras Em um eterno Círculo sem fim. WANG XI: Indireto e direto são a chave que abre as portas da guerra, a força crucial para a conquista da vitória. Elas giram em um círculo inesgotável. A ruptura desse círculo é a derrota. ZHANG YU: Indireto também é direto; direto também é indireto. Em suas infinitas combinações, cada um dá origem ao outro [como Yin e Yang], tal qual um círculo que não tem começo nem fim; é inesgotável. Uma torrenteveloz Derruba rochas Em suas águas; Tal é a energia De sua força. DU YOU: A natureza da água é suave e flexível, e a natureza da pedra é dura e pesada; no entanto, a água é capaz de levar grandes pedregulhos na correnteza, graças ao ímpeto da torrente. JOHN MINFORD: A palavra shi assume diversos sentidos em momentos diferentes deste capítulo e ao longo de toda a obra: energia potencial, dinâmica, ímpeto. Todos estão interligados. O ataque de um falcão Quebra as costas Da presa; Tal é a precisão Da ocasião. GILES: Creio que este trecho se refira àquele instinto de autocontrole que impele a ave a descer sobre sua presa apenas no momento certo, bem como à capacidade de determinar quando é o momento certo. [Comparar com o comentário de Du Mu no capítulo 1, onde ele cita o Shiji: “Um gavião deve se manter oculto antes do mergulho”.] JOHN MINFORD: A imagem da palavra jie, que aqui foi traduzida como “ocasião”, remete às saliências ou articulações em um caule de bambu, então o termo passou a significar divisão, encruzilhada, marcações no tempo e no espaço, senso de ritmo ou ocasião (necessário para um ataque bem situado). A energia do Guerreiro Hábil é Arrasadora; A ocasião, Exata. WANG XI: O guerreiro deve aproveitar o momento [a oportunidade] da mesma forma que o falcão. GILES: A qualidade análoga presente nos soldados é a importantíssima capacidade de conter o fogo até o momento preciso de máxima eficácia. Quando o Victory entrou em ação em Trafalgar, avançando a uma velocidade irrisória, a embarcação passou alguns minutos exposta a uma tormenta de canhões e bombas sem responder com um tiro sequer. Nelson esperou friamente até chegar a curto alcance, e então a canhonada que ele descarregou produziu terríveis estragos nos navios mais próximos do inimigo. Isso foi um exemplo de jie [“senso de ocasião”]. Sua energia é como A balestra armada, A ocasião é como O aperto no gatilho. GILES: A força [energia] é potencial, armazenada na balestra armada até ser liberada pelo dedo no gatilho. JOHN MINFORD: A introdução da poderosa balestra por volta de 500 a.C. revolucionou a guerra na China, e o dispositivo do gatilho era uma imagem potente. O livro das mutações (Julgamentos Anexos) utiliza a mesma imagem: “As palavras e os atos do Sábio são como o mecanismo de uma balestra. Honra e vergonha dependem da pressão no gatilho” (Comparar com Wilhelm; Baynes, p. 305). No capítulo 11, p. 397, o Mestre Sun volta a fazer referência ao disparo de uma balestra para descrever a descarga súbita da energia potencial de um exército. No meio da escaramuça, Pode parecer uma Bagunça; Mas não há desordem; No caos da liça, A luta parece não ter Pé nem cabeça, Mas não se admite a derrota. MEI YAOCHEN: As divisões foram reparadas; sinais e estandartes foram ordenados; portanto, apesar de todas as idas e vindas, da dispersão e reformação das fileiras, ainda que o combate pareça desordenado, não é o caso. A disposição da batalha pode parecer sem dianteira nem retaguarda, tudo parece estar dando voltas e voltas, mas a derrota é inadmissível. GILES: É um pouco difícil decidir se as palavras [que significam desordem e confusão] não deveriam ser interpretadas como imperativos: “lute em desordem (a fim de enganar o inimigo), e assim você se protegerá da verdadeira desordem”. JOHN MINFORD: Niu e Wang (1991) de fato adotam esta interpretação: “Finja desordem e caos em suas fileiras, e assim a vitória será alcançada. Esse é um exemplo do uso da energia potencial da situação para enganar o inimigo”. Desordem se rege Pela ordem; Medo, Pela coragem; Fraqueza, Pela força. DU MU: Em outras palavras, se a intenção é simular desordem e instigar o inimigo a entrar na batalha, é preciso antes alcançar um alto nível de ordem; se a intenção é simular medo e atrair o inimigo para uma armadilha, é preciso antes alcançar um alto nível de coragem; se a intenção é simular fraqueza e inspirar arrogância no inimigo, é preciso antes alcançar um alto nível de força. Desordem ordenada Se baseia Em divisão racional; ZHANG YU: A desordem aparente, disfarçando uma ordem verdadeira, se fundamenta em cuidadosa divisão e organização. Medo corajoso, Em energia potencial; ZHANG YU/DU MU/SHIJI, Biografia de Sun Bin: O medo aparente, disfarçando uma coragem verdadeira, se fundamenta na energia potencial de uma situação favorável. O general Pang Juan, de Wei, atacou o reino de Han [em 341 a.C.], e o general Tian Ji, de Qi, saiu em socorro do aliado Han. Sun Bin [Sun “Aleijado”, descendente do Mestre Sun e inimigo mortal de Pang Juan, o homem responsável pela amputação de suas pernas na altura dos joelhos] disse ao general Tian: “Os exércitos daqueles três reinos ocidentais [Wei, Han e Zhao] sempre trataram os homens de Qi com crueldade e desprezo. Na verdade, para eles a reputação de Qi é de medo e covardia. O Guerreiro Hábil tiraria proveito da energia potencial dessa situação. Marche com as tropas de Qi para o território de Wei e lá, a cada noite, faça parecer que o número de fogueiras no acampamento está se reduzindo, 100 mil, 50 mil, 20 mil, como se os homens de Qi estivessem desertando aos bandos”. A força expedicionária de Qi fez exatamente isso. Quando a notícia chegou ao general Pang Juan, ele ficou extasiado e exclamou: “Sempre soube que os homens de Qi eram covardes e desertores!”. Ele os perseguiu avidamente por alguns dias. Os homens de Qi chegaram ao desfiladeiro estreito de Maling, onde Sun Bin deu ordem para que se gravassem em uma árvore as palavras “Pang Juan morreu sob esta árvore”. E, então, ele posicionou em segredo 10 mil homens com balestras nas duas laterais do desfiladeiro e os instruiu a disparar suas setas quando fosse acesa a primeira tocha. Com efeito, o general Pang chegou naquela mesma noite e, ao ver a inscrição na árvore, exigiu uma tocha acesa para que ele pudesse ler. Nesse instante, antes que ele tivesse chance de terminar a leitura, 10 mil balestras dispararam suas setas, e o exército dele foi aniquilado. Pang Juan tirou a própria vida com a espada, exclamando: “Que a glória vá para Sun Bin!”. Fraqueza forte, Em disposição de pessoal. ZHANG YU: Liu Bang, o imperador que fundou a dinastia Han, desejava atacar os bárbaros xiongnu e enviou espiões para avaliarem a condição das forças deles [em 200 a.C.]. Os xiongnu esconderam seus homens mais fortes e os cavalos mais robustos e exibiram apenas os soldados mais fracos e os cavalos mais esquálidos. Todos os espiões recomendaram que o imperador atacasse, exceto Liu Jing, que disse: “Quando duas nações combatem, geralmente elas exageram a própria força. Mas nossos espiões viram apenas soldados velhos e enfermos. Deve ser um ardil. Eles estão escondendo as tropas de elite. Não é recomendável atacar”. O imperador ignorou seu conselho, atacou e foi prontamente cercado pelos xiongnu no monte Baideng. O guerreiro que sabe Atiçar o inimigo Dá uma forma visível, E o inimigo decerto virá. CAO CAO: Dá os sinais aparentes de fraqueza. DU MU: Não só fraqueza. O significado aqui é que, se somos fortes e o inimigo é fraco, então precisamos aparentar fraqueza, e isso fará com que o inimigo avance; se, por outro lado, somos fracos e o inimigo é forte, precisamos aparentar força, e isso fará com que o inimigo se afaste. Os movimentos do inimigo seguirão os nossos. JOHN MINFORD: O estrategista e pesquisador marxista Guo Huaruo (1984, p. 13) cita o presidente Mao: “Podemos criar de maneira artificial os erros do inimigo, tal como diz o Mestre Sun, ‘dando uma forma visível’. Damos um sinal [uma forma] no leste e, ao mesmo tempo, atacamos no oeste; esse é o estratagema [o sexto dos famosos ‘36 estratagemas’] conhecido como Grite no Leste e Ataque no Oeste” (Selected Works, v. 1, p. 193). Põe-se a isca, E o inimigo decerto Arrisca. MEI YAOCHEN: Ele exibe medo, e o inimigo certamentereagirá. ZHANG YU: Ele tenta o inimigo com alguma pequena vantagem, e o inimigo com certeza morderá a isca. Ele faz o inimigo Se adiantar E o espera Com força total. JOHN MINFORD: François Jullien (pp. 164-5) apresenta muito bem essa ideia: “Lucro e perigo são apresentados ao inimigo como uma armadilha. Esse é justamente o princípio de manipulação (no raciocínio do Mestre Sun), e é o que o torna tão fascinante. Manipular o ‘outro’ [o inimigo] é obrigá-lo a fazer ‘por livre e espontânea vontade’ exatamente aquilo que quero que ele faça, e que eu prevejo que lhe será prejudicial (mas que ele acredita que será vantajoso). Ele pensa que está tomando suas próprias decisões, mas, na verdade, sou eu quem o move de forma indireta”. O Guerreiro Hábil Explora A energia potencial; Não impõe à tropa A responsabilidade. Ele aplica a tropa Como pode, Mas conta com A energia potencial. DU MU: Ele antes avalia a dinâmica militar [energia potencial] e então mede o talento humano disponível. Usa seus homens de acordo com suas capacidades e não exige perfeição. Com base em energia, Ele envia tropas à luta Como se Rolasse toras ou pedras. É da natureza que Em solo plano Toras e pedras Sejam imóveis; Se íngreme, Elas tombem; Quadradas, parem; Redondas, rolem. CAO CAO: Ele conta com a energia natural das tropas. MEI YAOCHEN: Toras e pedras são objetos pesados. É a própria energia delas que lhes permite se deslocar com facilidade. É difícil forçá-las a se mover. Pois um exército que luta com a energia natural da situação, e não com força, é o Caminho da Natureza [ziran, a qualidade natural “própria” do Tao]. Soldados bem posicionados São como pedras redondas Rodando Por uma montanha. DU MU: A descida implacável se deve à montanha, não às próprias pedras. A ideia principal deste capítulo é a importância de se considerar a energia da situação na guerra, usando-se velocidade e ataques súbitos. Dessa forma, é possível grandes realizações com pouco dispêndio de força. MEI YAOCHEN: Quando há pedras redondas na montanha, a energia delas é vasta; um homem consegue empurrá-la montanha abaixo, e mil não conseguiriam conter a descida. WANG XI: As pedras não rolam por conta própria; é pela energia potencial da montanha que elas são implacáveis. ZHANG YU: Da mesma forma, é pela energia potencial que um exército atinge a vitória. Segundo Li Jing [e também no Huainanzi], existem três tipos de energia potencial na guerra. O primeiro é quando um general odeia o inimigo e seus oficiais adoram lutar, quando a ambição alça voo entre as nuvens e os espíritos rugem como os ventos; é a energia do entusiasmo. O segundo é quando um dos lados se encontra em um desfiladeiro estreito entre as montanhas, onde a estrada dá voltas e há muitos passos apertados, onde um homem é capaz de defender o lugar e mil não conseguirão atravessar; essa é a energia do terreno. O terceiro é quando o inimigo está fraco, cansado, faminto e sedento, quando seu acampamento de vanguarda ainda não está armado e sua retaguarda ainda não terminou de cruzar o rio; se um exército tira proveito dessa situação, é energia estratégica. Assim, o envio de homens à batalha com base em energia potencial é o mesmo que deixar rolar uma bola por uma encosta íngreme; um mínimo esforço pode produzir imensos resultados. Essas são questões De energia potencial. 6 Vazio e cheio LI QUAN: O Guerreiro Hábil transforma o vazio em cheio. DU MU: Na guerra, evite o cheio e forte, ataque o vazio e fraco; mas, antes de mais nada, conheça seus próprios aspectos vazios e cheios [limitações e pontos fortes], e os do inimigo. NIU E WANG: Vazio significa temeroso, fraco, desordenado, faminto, exausto, insuficiente, despreparado. Cheio significa corajoso, forte, organizado, nutrido, descansado, abundante, preparado. WU JIULONG: Vazio significa oco, no sentido de que o poderio militar se encontra disperso e vulnerável. Cheio significa sólido, no sentido de que o poderio militar se encontra concentrado e forte. Vazio e cheio são opostos, mas se transformam um no outro ao longo de um processo contínuo. Este capítulo explica como um guerreiro que compreende e domina a relação entre vazio e cheio pode tomar a iniciativa do conflito; ele “atiça e não se atiça”. JOHN MINFORD: Na medicina chinesa, “cheio” (shi) se refere ao estado Yang de “abundância de energia” ou “repletio”, enquanto “vazio” (xu) se refere ao estado Yin de “exaustão de energia” ou “inanitas”. (Ver Manfred Porkert, Chinese Medicine [Nova York, 1982], p. 71.) Guo Huaruo sintetiza a ideia central deste capítulo (1984, p. 130): “Evitar o cheio e atacar o vazio é um princípio essencial do raciocínio estratégico do Mestre Sun. Ele destaca a importância de se tomar a iniciativa e evitar a passividade; de se criar as fraquezas do inimigo e fazê-lo se dispersar e se esgotar, enquanto nossas forças se concentram; portanto, confrontamos exaustão com tranquilidade descansada. E, assim que detectamos um ponto fraco no inimigo, reagimos imediatamente e aproveitamos o momento para atacar quando ele está despreparado. Conquistamos a vitória ao adaptarmos nossas ações às do inimigo”. Disse o Mestre Sun: O primeiro a chegar Espera o inimigo Com vigor. JIA LIN: Ele ocupa uma posição vencedora e espera o inimigo. Está preparado. Seus homens e cavalos estão relaxados e descansados. O último a chegar Entra na refrega Esgotado. JIA LIN: Se, por outro lado, o inimigo ocupar uma posição de vantagem, devo recolher minha tropa em vez de avançar, e passar a impressão de que não desejo confrontá-lo. Ele concluirá que não tenho estratégia e certamente atacará. Assim, conseguirei exaurir o inimigo, e não meu exército. O Guerreiro Hábil Atiça E não se atiça. DU MU: Atiço meu inimigo para que ele venha até mim, enquanto reúno minhas forças e o espero. Não vou até ele para não me exaurir. ZHANG YU: Atiço meu inimigo para a batalha, e ele é vazio; não entro na batalha, e permaneço cheio. Essa é a arte do vazio e do cheio, para mim e para o inimigo. Ele atrai a vinda Do inimigo Ou impede o avanço Do inimigo. DU YOU: Vá aonde ele fatalmente irá, ataque onde ele fatalmente defenderá. Defensa as trilhas e passagens cruciais, e assim ele não conseguirá atravessar. Como disse o Mestre Wang: “Um único gato guarda o buraco, e 10 mil ratos não se atrevem a sair; um único tigre guarda o vau, e 10 mil cervos não se atrevem a atravessar”. JOHN MINFORD: Parece que o Mestre Wang gostava bastante dos dotes táticos do gato. Ver o comentário de Du You no final do capítulo 1. Esgote O descansado; CAO CAO: Acosse-o. Prive O alimentado; CAO CAO: Interrompa sua linha de abastecimento. Desaloje O alojado. CAO CAO: Ataque aquilo que ele preza, vá aonde ele precisa ir, e ele terá de sair ao resgate. Apareça no lugar Para onde ele corre; Corra ao lugar Onde ele menos espera. SHIJI, capítulo 65: O reino de Wei atacou o de Zhao [em 354 a.C.] e sitiou a capital, Handan. Na dificuldade, Zhao pediu ajuda ao reino de Qi. O soberano de Qi pretendia dar o comando de seu exército a Sun Bin, mas este o rejeitou, devido à mutilação física [amputação do joelho] que havia sofrido recentemente. Tian Ji então foi posto no comando, e Sun Bin, na função de conselheiro, viajou em uma carruagem de cortinas e dossel, de onde refletia sobre suas estratégias. Tian Ji pretendia seguir diretamente para romper o cerco à cidade de Handan. Mas Sun Bin contestou que, assim como não se deve bater em um emaranhado de seda para desembolar, tampouco adianta mergulhar na briga para ajudar alguém que se vê imerso em um conflito. Uma opção melhor seria evitar obstáculos e tirar proveito dos pontos vazios de fraqueza. Assim, o emaranhado se desfaz por conta própria. Ora, como Wei estava em guerra com Zhao, as melhores tropas haviam sido mobilizadas para fora das fronteiras doreino, de modo que lá restavam apenas os velhos e frágeis. Portanto, a melhor decisão seria marchar para Daliang, a capital de Wei, e romper as comunicações do inimigo. O exército de Wei então seria obrigado a sair de Zhao e vir socorrer seu próprio território ameaçado. A uma só vez, o sítio a Handan seria desfeito e também o próprio Wei sofreria um forte golpe. Tian Ji seguiu o plano dele, e o exército de Wei desfez o sítio de Handan. Eles enfrentaram o exército de Zhao em Guiling e sofreram uma derrota arrasadora. [Esse estratagema, de evitar o “cheio” (Handan, a capital sitiada de Zhao) e atacar o “vazio” (Daliang, a capital sem defesas de Wei), é o segundo dos “36 estratagemas”, Ataque a Wei para Salvar Zhao.] Marche léguas e léguas Sem se cansar Seguindo rotas Sem inimigos. CAO CAO: Parta no abismo; ataque o vazio; evite aquilo que possui defesa; ataque onde não se espera. Garanta a vitória Atacando O indefeso. WANG XI: Ataque um ponto vazio (fraco), onde o general seja incompetente ou os soldados, incapazes; onde as fortificações não sejam sólidas ou as precauções, firmes; onde os reforços tardem a chegar, ou o abastecimento seja escasso, ou onde os defensores se encontrem em discórdia. ZHANG YU: Aquele que sabe atacar lança sua ofensiva desde as alturas dos Nove Céus [ver capítulo 4], de modo que seja impossível para o inimigo se proteger. Os lugares atacados são justamente os que o inimigo não pode defender. Garanta a defesa Defendendo O intocado. ZHANG YU: Aquele que sabe defender se oculta sob as Nove Terras, de modo que seja impossível para o inimigo deduzir seu paradeiro. Assim, os lugares que defenderei são justamente os que o inimigo não pode atacar. O Guerreiro Hábil ataca Para que o inimigo Não se defenda; Ele defende Para que o inimigo Não ataque. WANG XI: O Atacante Hábil espera até o inimigo exibir algum sinal de vulnerabilidade e então ataca com máxima rapidez; assim, o inimigo não pode se defender. O Defensor Hábil garante a própria invulnerabilidade sempre; assim, o inimigo não pode atacar. GILES: Um aforismo que resume toda a arte da guerra. JOHN MINFORD: Wu Jiulong (1990, pp. 88-9) parafraseia: “O sucesso da força de ataque habilidosa acontece quando ela impede que o inimigo saiba onde defender; o sucesso da força defensiva acontece quando ela impede que o inimigo saiba onde atacar”. Ó sutil sutileza! Sem forma! Ó mistério misterioso! Sem som! Ele domina a Sina do inimigo. WANG XI: Sutil e inescrutável, para que não possa ser visto; misterioso e veloz, para que não seja possível reagir. É assim que ele controla a sina do inimigo. HE YANXI: O método “vazio e cheio” do Mestre Sun é deveras sutil e misterioso, e os resultados são excepcionais. Fazemos o inimigo perceber nossa força como fraqueza e nossa fraqueza como força; já nós conseguimos transformar a força do inimigo em fraqueza e, quanto à fraqueza do inimigo, sabemos reconhecê-la. Então o inimigo desconhece nossa fraqueza e nossa força, mas nós conhecemos as dele. Se desejarmos atacá-lo, sabemos que o lugar que ele defende deve ser um local de força e que o lugar que ele não defende é fraco; assim, podemos evitar o ponto forte e atacá-lo em seu ponto mais frágil. Podemos avançar na garganta dele. Podemos atingir seu ponto mais vulnerável. […] Portanto, quando enfim atacamos, ele não sabe onde se defender; e, quando defendemos, ele não sabe onde atacar. Todas as prodigiosas permutações de ataque e defesa se originam nesse método de “vazio e cheio”. […] O Guerreiro Hábil conhece essas permutações e sabe penetrar nos recônditos internos desse mistério tão sutil… ZHANG YU: As técnicas de ataque e defesa são sutis e astutas, misteriosas e secretas. Não são visíveis ou audíveis para o exterior. É por intermédio delas que podemos dominar a sina do inimigo, sua vida e sua morte. Ele avança, Irresistível, E ataca o vazio. JOHN MINFORD: Como o Cozinheiro Ding, em Zhuangzi, capítulo 3, “O segredo da valorização da vida”: “O que me importa é o Caminho, que é mais avançado do que a mera habilidade. Quando comecei a separar cortes bovinos, o que eu via era o animal inteiro. Depois de três anos, eu já não via mais o animal inteiro. E agora… agora, trato o animal com o espírito e não o vejo com os olhos. Meus sentidos pararam, e meu espírito se desloca livremente. Sigo as linhas da natureza. Penetro nos grandes vazios, deslizo a faca pelas articulações grandes e me oriento pela natureza do animal…” (Comparar com Watson, The Complete Works of Chuang Tzu, pp. 50-1). Ele recua, Sem deixar rastro, Veloz demais Para ser alcançado. ZHANG YU: Ele chega como o vento e se vai como um raio. Se desejo combater, O inimigo, Mesmo trás muralhas E fosso, Não deixará de me enfrentar; Lanço meu ataque Onde ele deve Resgatar. DU MU: Digamos que o inimigo tenha invadido meu território; posso romper a linha de abastecimento dele e ocupar as estradas por onde ele terá de voltar. Se, por outro lado, for eu o invasor, posso lançar meu ataque contra o próprio soberano. Se não desejo combater, Posso me resguardar Com apenas uma linha Traçada no chão. JIA LIN: Mesmo que eu não tenha construído muralha ou vala. O inimigo não Me enfrenta Em combate: Eu o distraio Para outro sentido. LI QUAN: Confunda-o com disposições estranhas e atípicas e, assim, faça com que seja impossível para ele dar combate. Na dinastia Han [144 a.C.], o general Li Guang [ao constatar que sua cavalaria de cem homens era ameaçada por milhares de cavaleiros xiongnu, em vez de fugir] deu ordem para que seus soldados desmontassem, tirassem as selas dos cavalos e os soltassem, e então se deitassem no chão; os xiongnu desconfiaram de emboscada [e assim ele pôde levar seus homens de volta para casa em segurança]. DU MU/ZHANG YU: [O grande general e estrategista] Zhuge Liang [o Dragão Adormecido — ver a Introdução], acampado em Yangping, deu ordem para que Wei Yan e outros comandantes marchassem rumo ao leste enquanto ele manteria uma força reduzida de 10 mil soldados para defender a cidade. Sima Yi, o general inimigo, observou que Zhuge Liang tinha poucos homens da cidade e que seus generais e oficiais pareciam ter perdido a coragem. Na realidade, o moral de Zhuge estava alto. Ele deu ordens para que seus homens abaixassem os estandartes e interrompessem os tambores e os proibiu de sair. Depois, abriu os quatro portões da cidade e mandou alguns homens varrerem as ruas e regarem o solo. O general Sima suspeitou que fosse uma emboscada e se retirou com seu exército para as colinas ao norte. Mais tarde, quando descobriu o que havia acontecido de fato, ele se sentiu extremamente constrangido. [Esse é o famoso Estratagema da Cidade Vazia, o 32o dos “36 estratagemas”, onde está classificado como um estratagema para uso em situações desesperadas, um aproveitamento astuto e deliberado da própria fraqueza para enganar o inimigo. Historiadores já contestaram a veracidade do episódio, mas ele sempre foi um tema popular junto a escritores e dramaturgos chineses. Em sua versão no capítulo 95 do romance Sanguo yanyi, da dinastia Ming, o astuto Zhuge Liang aparece claramente para o inimigo, tocando seu alaúde nas ameias, com um sorriso no rosto, incenso aceso e a companhia de apenas dois pajens.] GILES: O que o Mestre Sun propõe aqui é nada mais, nada menos que a aplicação pertinente de “blefes”. [Com certeza ele teria sido um excelente jogador de pôquer.] Sua forma é visível, Mas eu sou Amorfo; Sou concentrado, Ele, dividido. ZHANG YU: Se as formas (disposições) do inimigo são visíveis, podemos atacar como um só corpo; por outro lado, desde que nossas próprias formas (disposições) permaneçam secretas, o inimigo será obrigado a dividir suas forças a fim de se proteger contra ataques vindos de qualquer lugar. JOHN MINFORD: Qualquer disposição/forma é, forçosamente,uma limitação; somos restringidos (pela perda do dinamismo); as possibilidades são concretizadas e reduzidas. Ao adquirir uma forma, o inimigo se embota, enquanto eu, que me mantenho amorfo, também me mantenho alerta e flexível. O inimigo é alcançado “abaixo” da realidade; eu me mantenho “acima” e consigo manipular a situação a meu favor. (Ver Jullien, p. 168.) Sou concentrado Em um só; Ele, dividido Em dez. Eu sou Dez Contra um; Muitos Contra Poucos. Com muitos, ataque poucos E o oponente Será fraco. DU MU: Posso usar tropas ligeiras e cavalaria robusta para atacá-lo em um local “vazio”; posso usar balestras fortes e arqueiros para capturar uma de suas posições estratégicas. Ataco-o pela esquerda e pela direita; surpreendo-o à frente e atrás. Durante o dia, confundo-o com bandeiras; à noite, confundo-o com faróis e tambores. E assim meu oponente se enche de medo e divide suas forças para se defender. Conheço suas disposições, mas ele não conhece as minhas. Estou unido, e ele, dividido. Tenho certeza da vitória. O local que pretendo atacar Será um segredo; Se for segredo, O inimigo terá que Reforçar muitos locais; O inimigo vai Reforçar muitos locais, Mas atacarei Poucos. GILES: Certa vez, [o general Philip Henry] Sheridan [1831-88] disse, para explicar o motivo das vitórias do general Grant [1822-85], que, “enquanto os oponentes se concentravam completamente em imaginar o que ele faria, ele também estava pensando em grande parte do que faria”. ZHANG YU: Ele nem imaginará onde minhas bigas atacarão, nem de onde minha cavalaria sairá, nem para onde minha infantaria avançará, e, portanto, ele se dispersará e dividirá, a fim de se defender contra mim em todos os lugares. Consequentemente, suas forças estarão espalhadas e enfraquecidas, e sua potência, dividida e dissipada, e poderei usar um contingente grande contra suas unidades isoladas onde quer que eu decida enfrentá-lo. Ao reforçar a vanguarda, Ele enfraquece atrás; Ao reforçar atrás, Ele enfraquece a vanguarda. Ao reforçar a direita, Ele enfraquece a esquerda; Ao reforçar a esquerda, Ele enfraquece a direita. Ao reforçar tudo, Ele enfraquece tudo. JOHN MINFORD: Giles cita um trecho de Des Königs von Preussen Majestät Unterricht von der Kriegs-Kunst an seine Generals [Lições sobre a arte da guerra aos generais por Sua Majestade, o rei da Prússia], de Frederico, o Grande (1712-86): “Uma guerra defensiva tende a nos fazer ceder a deslocamentos frequentes. Os generais com escassa experiência tentam proteger todos os pontos, enquanto aqueles mais familiarizados com a profissão, concentrados apenas no objetivo principal, se guardam contra um golpe decisivo e acatam infortúnios menores para evitar os maiores”. Na fraqueza, Prepara-se Contra algum ataque. Na força, Obriga-se O inimigo a Preparar-se contra o ataque. JOHN MINFORD: Giles cita o coronel Henderson (George Francis Robert Henderson [1854-1903]), instrutor de táticas, legislação militar e administração na Royal Military College, Sandhurst, e autor de The Science of War [A ciência da guerra], publicado postumamente em 1905: “O máximo domínio do generalato é forçar o inimigo a dispersar o próprio exército e, posteriormente, concentrar uma força superior contra cada uma das frações”. Sabendo Dia e lugar Da batalha, Podemos lutar Mesmo após léguas E léguas de marcha. DU YOU: O Guerreiro Hábil precisa saber onde e quando uma batalha será travada. Precisa medir as estradas [que serão percorridas] e estabelecer a data [do confronto]. Precisa dividir seu exército e marchar em colunas distintas. As que estão longe começam antes; as mais próximas começam depois. Assim, as tropas que partem de locais a centenas de léguas de distância convergem ao mesmo tempo, como uma multidão que converge para o mercado da cidade. DU MU: O imperador Wu da dinastia Liu-Song [Liu Yu, o imperador que fundou essa breve dinastia, eliminou o último imperador da dinastia Jin anterior e reinou por dois anos até morrer, também, em 422] mandou Zhu Lingshi atacar Qiao Zong em Shu [a região no oeste que hoje é conhecida como Sichuan]. “No ano passado”, disse o imperador, “Liu Jingxuan rumou para Huangwu a partir do Yangtzé. Ele voltou derrotado. Os rebeldes normalmente pensariam que eu sairia de mais acima no Yangtzé, mas imaginarão que desta vez eu tentarei pegá-los de surpresa com outro ataque a partir da mesma parte do Yangtzé. Se isso acontecer, com certeza eles defenderão a cidade de Fucheng com uma força poderosa e vigiarão as estradas do interior. Então, se eu avançar contra Huangwu, cairei imediatamente na armadilha. Em vez disso, levarei a força principal pelo Yangtzé acima e tomarei a cidade de Chengdu, o que distrairá as tropas deles para a região inferior do rio. Essa é minha tática indireta para controlar o inimigo.” Mas o imperador receava que o inimigo descobrisse seu plano e que os rebeldes assim conheceriam sua fraqueza e sua força, onde se localizavam seus pontos vazios e cheios. Portanto, ele entregou ao general Zhu uma carta lacrada e instruções para que ele a abrisse apenas quando chegasse à Cidade do Imperador Branco [à margem do Yangtzé]. Desse modo, o exército saiu sem saber para onde ou como seria dividido. Quando chegou à Cidade do Imperador Branco, o general Zhu abriu a carta e leu: “A força principal deve tomar Chengdu rio acima; Zhang Xi e Zhu Lin tomarão Guanghan a partir da estrada central do rio; as tropas mais fracas serão enviadas pelo rio em dez veleiros rumo a Huangwu”. Com efeito, Qiao Zong defendia a região inferior do rio com uma força prodigiosa, e o general Zhu o destruiu. GILES: O raciocínio do Mestre Sun aqui, evidentemente, é que um bom cálculo das distâncias e a aplicação exímia de estratégia permitem que um general divida o exército para uma marcha longa e veloz e, depois, consiga convergi-lo precisamente no local e momento certo para confrontar o inimigo com força irresistível. Das muitas convergências bem-sucedidas na história militar, uma das mais dramáticas e decisivas foi a chegada de Blücher ao campo no momento crucial de Waterloo. Mas sem saber Dia ou Lugar, A esquerda não Ajuda a direita, A direita não Ajuda a esquerda, A vanguarda não Ajuda atrás, Atrás não Ajuda a vanguarda. E é pior Se entre as tropas Há distâncias De léguas e léguas Ou mesmo uma só. ZHANG YU: Se não soubermos o local onde nosso inimigo pretende reunir suas forças ou o dia em que elas darão combate, nossa unidade se dissipará em nossos preparativos para a defesa, e as posições que detemos serão fracas. Então, se encontrarmos de repente um inimigo poderoso, travaremos uma batalha em estado de confusão, e não haverá condições de amparo entre os flancos, a vanguarda ou a retaguarda, sobretudo se for grande a distância entre a divisão posterior e a dianteira do exército. GILES: A imagem mental que devemos formar provavelmente é a de um exército que avança em colunas distintas rumo a um ponto de encontro, e que cada coluna tem ordem para chegar lá em uma data específica. Se o general permite que os diversos destacamentos avancem de modo desordenado, sem instruções precisas quanto ao momento e o local do encontro, o inimigo poderá aniquilar completamente o exército. JOHN MINFORD: Mais de um comentarista moderno destacou que um dos melhores exemplos recentes disto (impedir que se saiba “dia ou lugar”) foi o desembarque na Normandia, cujo sucesso se deveu em grande parte ao fato de que os alemães não sabiam o dia ou lugar. Pelo que determinei, O exército de Yue É vasto, Mas isso pouco lhe serve Ao combater. Então Ainda É possível vencer. GILES: O Mestre Sun servia [o antigo reino de] Wu. [O reino de] Yue se localizava aproximadamente onde hoje é a província de Zhejiang. Palavras tão valentes, mas tão trágicas! O longoconflito entre os dois reinos se encerrou em 473 a.C., com a derrota absoluta de Wu por Gou Jian e a incorporação de seu território ao de Gou, em Yue. O inimigo pode ser grande, Mas podemos evitar Um combate. JIA LIN: O inimigo pode ser numeroso, mas, se ele não conhece nossas circunstâncias militares, sempre podemos fazer com que ele se ocupe com seus próprios preparativos e não tenha tempo para planejar um confronto. ZHANG YU: Divida-os e dissipe o poderio deles, para que não possam reunir suas forças e avançar. Assim, como eles nos enfrentariam? Analise-o Conheça os furos Em seus planos. Incite-o, Descubra o que gera Seus atos. ZHANG YU: Com o tempo, se reconhecermos a alegria ou fúria do inimigo, poderemos concluir qual é sua mentalidade. Zhuge Liang conseguiu isso enviando a Sima Yi, o general inimigo, um presente ofensivo: um adereço feminino para o cabelo. Mas Sima [apesar da raiva] ainda assim se recusou a dar combate [pois seu imperador lhe dera ordem para se manter no posto]. [Ver Sanguo yanyi, capítulos 103-4.] Revele a forma, Descubra seus locais De vida e morte. Teste-o, Conheça suas forças E fraquezas. O epítome Das disposições É não ter forma; Ausência de forma É imune à visão Do mais sutil espião E às maquinações Da mais sábia mente. ZHUANGZI, capítulo 6, “O grande e venerável professor”: O Caminho possui sua realidade, seus sinais, mas não tem ação ou forma. É possível ofertá-lo a alguém, mas não recebê-lo; é possível obtê-lo, mas não enxergá-lo. [Comparar com Watson, The Complete Works of Chuang Tzu, p. 71.] Use as disposições do inimigo Para chegar à vitória; Isso, o homem comum Não sabe. Ele entende As formas, As disposições Da minha vitória; Mas não Como criei as formas Da vitória. GILES: Qualquer um é capaz de perceber, na superfície, como se vence uma batalha; o que não se pode ver é a longa série de planos e combinações que precederam a batalha. JOHN MINFORD: Jean Levi (p. 195) destaca que a obra taoista Huainanzi (c. 140 a.C.) retoma repetidamente este paradoxo subjacente: o de que o epítome das formas ou disposições militares é não apresentar forma alguma. Campanhas vitoriosas Jamais se repetem. Elas se formam em resposta Às infinitas variedades De circunstâncias. WANG XI: Existe apenas um princípio básico por trás da vitória, mas as formas e disposições que levam a ele são infinitas. JOHN MINFORD: Comparar o comentário de Wang Xi com o trecho que Giles cita do The Science of War, do coronel Henderson: “As regras da estratégia são poucas e simples. Basta uma semana para aprendê- las. Mas esse conhecimento não ensinará um homem a liderar um exército como Napoleão, da mesma forma que o conhecimento de gramática não o ensinará a escrever como Gibbon”. Disposições militares Se formam como água. A água evita o alto E corre abaixo. TAO TE CHING, capítulo 8: O ápice da excelência é como a água. A água beneficia toda a criação, mas jamais resiste. TAO TE CHING, capítulo 78: Nada no mundo é mais suave e flexível do que a água, mas, quando ela ataca algo duro, nada é capaz de superá- la. JOHN MINFORD: Jean Levi (p. 196) chama atenção para o modo como o Mestre Sun “defende uma concepção feminina da guerra, a força inerente à fraqueza. Ele faz eco ao Tao Te Ching ao demonstrar que a guerra não é questão de força e heroísmo, e sim de ardis e humildade”. A guerra evita o forte E ataca o fraco. GILES: Como a água, ela segue o caminho de menor resistência. JOHN MINFORD: É comum a opinião de que o domínio dessa máxima foi o segredo do sucesso para os vietcongues. E Mao e suas forças tinham “uma habilidade quase sobrenatural de determinar pontos de fraqueza nos nacionalistas, o que lhes permitiu explorar essas características e produziu fatalmente a desintegração acelerada da posição nacionalista” (Griffith, p. 55). A água molda o curso Pela via do terreno. O guerreiro molda a vitória Pela dinâmica do inimigo. LI QUAN: De que outro modo posso elaborar a vitória a não ser pela dinâmica do inimigo? DU MU: Pelo “vazio” [a fraqueza] do inimigo. A guerra não tem Dinâmica constante; MEI YAOCHEN: Sua energia evolui de acordo com o inimigo. A água não tem Forma constante. MEI YAOCHEN: Sua forma evolui de acordo com o terreno. JOHN MINFORD: “Por si só, a água não possui forma. Está sempre se conformando, evolui por meio de adaptação. É porque sempre se adapta que ela sempre progride. Da mesma forma, posso triunfar apenas se me adaptar à situação do inimigo. A situação do inimigo para mim é o que o terreno é para a água. Eu me moldo a partir da situação do inimigo; eu o envolvo, em vez de agredi-lo. Nunca me endureço em forma alguma, apenas me conformo. O resultado é que a vitória é irresistível, irreversível, como a água que segue seu curso, sem jamais se desviar, sempre fluindo para baixo, sem um instante de hesitação!” (Traduzido a partir de Jullien, p. 205, que com tanta maestria, como de praxe, reinterpreta os comentaristas chineses.) O epítome da prática militar É extrair vitória Das circunstâncias mutáveis Do inimigo. DU MU: Na guerra, a energia potencial emerge das circunstâncias do inimigo. Ela não depende de nós, então não é constante. É como a água, que assume a forma de acordo com o terreno; a forma não existe na água, não é uma constante. Em sua reação ao declive do terreno, a água pode transportar pedregulhos pela corrente; em reação às circunstâncias do inimigo, o guerreiro é capaz de mudar e se adaptar ao máximo. Entre os Cinco Elementos Nenhum possui Supremacia constante. JOHN MINFORD: Como destaca Wu Jiulong (1990, p. 105), “na China Antiga, considerava-se que esses cinco elementos, ou fases [terra, água, fogo, metal e madeira], eram a base pela qual toda matéria se organizava. Segundo a Escola dos Cinco Elementos no Período dos Reinos Combatentes, eles ‘produzem’ e ‘controlam’ uns aos outros. O que o Mestre Sun diz aqui é que as permutações relativas a esse complexo processo natural são tão sutis e insondáveis quanto as relativas ao campo da estratégia militar”. As Quatro Estações Não têm Estação fixa; WANG XI: Elas se alternam e substituem umas às outras. Há dias longos E curtos; A lua Cresce E Míngua. WANG XI: Como as mutações [os improvisos sempre flexíveis e inconstantes] do Iniciado Guerreiro: não existe um único Caminho imutável. 7 O confronto ZHANG YU: Os dois exércitos se enfrentam cara a cara no confronto. Antes do confronto, precisamos saber “o vazio e o cheio”, nossas fraquezas e forças e as do inimigo. Esta parte dá continuidade à anterior. Disse o Mestre Sun: Na Guerra, O general Recebe ordens Do soberano, Reúne as tropas, Forma um exército. E acampa Diante do inimigo. O mais difícil De fato é O confronto. CHEN HAO: Existem normas antigas e consagradas para a consolidação de tropas e a formação de um exército, e para a montagem de acampamentos. É no confronto propriamente dito que a dificuldade começa. A dificuldade do confronto É endireitar O que é Torto CAO CAO: Simule uma grande distância e então marche com a máxima rapidez para chegar antes do inimigo. DU MU: Engane o inimigo, faça-o ser negligente enquanto você avança com celeridade. TAO TE CHING, capítulo 22: Seja incompleto e, portanto, completo; seja torto e, portanto, reto. JOHN MINFORD: Como diz Giles: “Esta é uma daquelas expressões extremamente condensadas e um tanto enigmáticas que o Mestre Sun tanto aprecia”. Parte do problema é a ambiguidade do par yu/zhi da língua chinesa, que pode significar ao mesmo tempo “torto/reto” e “convoluto/direto”. E tirar Proveito De infortúnios. HE YANXI: Digamos que o país que você pretende atacar é muito distante e que o caminho até lá siga por montanhas e rotas sinuosas. Para conseguir vantagem, divida suas forças e envie ofensivasContudo, as perspectivas teóricas e metodológicas dos tradutores são responsáveis pela maneira como o texto foi traduzido, aproximando-o ora de uma linguagem literária clássica, ora de um manual militar, ora de um texto filosófico. Essa abordagem interdisciplinar deu margem para as mais diversas interpretações — e aplicações — da obra de Sun Tzu. Não é raro vermos hoje estudos sobre A arte da guerra conectados ao mundo da administração, dos negócios, da vida pessoal etc. Essas questões são importantes, pois aproximam o leitor da visão do tradutor — mas como atingir uma interpretação mais próxima do que realmente o próprio Sun Tzu queria dizer? A TRADUÇÃO DE JOHN MINFORD A presente tradução de A arte da guerra de Sun Tzu representa uma contribuição importante para o quadro das versões ocidentais desse livro. Minford atualizou e reinterpretou a obra de Giles para o inglês, mantendo os vastos comentários feitos pela tradição chinesa, o que enriquece sobremaneira a leitura de Sun Tzu. As copiosas notas nos proporcionam uma introdução histórica segura, calcada nos estudos anteriores sobre A arte da guerra, incluindo aí autores ocidentais e chineses. Aliás, tanto Giles como Minford se inserem na seção dos comentaristas, fazendo importantes analogias entre o texto chinês e episódios destacados da tradição militar ocidental. A versão de Minford reestrutura o texto, deixando-o sintético e versificado, conseguindo reproduzir a concepção original de A arte da guerra: ser um texto de fácil memorização e assimilação. Alguns conceitos específicos se apresentam em novas versões, ampliando o debate sobre como traduzir os termos originais chineses, trabalho essencial para a construção de um vocabulário sinológico. Penso ser necessário assinalar que a tradução de Leonardo Alves para o português foi primorosa, contando com um amplo esforço de pesquisa e capacidade de adaptação dos termos e passagens em inglês e chinês. A transliteração de certos termos chineses exige grande sensibilidade, de modo que capte o sentido essencial que eles representam. Nessa versão, manteve-se a originalidade, a fluência e a clareza do texto, alcançando uma fidelidade gratificante em relação ao texto chinês e à tradução de Minford. A versão que agora se apresenta significa, portanto, um novo passo para aprofundarmos nosso conhecimento sobre A arte da guerra de Sun Tzu, tornando-se indispensável para aquele que deseja conhecer mais sobre essa obra e as estratégias clássicas chinesas. Notas 1. Duas excelentes obras podem servir de introdução a esse período: de Ana Maria Amaro, O mundo chinês: Um longo diálogo entre culturas (Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 1998); e de Ricardo Joppert, O alicerce cultural da China (Rio de Janeiro: Avenir, 1979). 2. Apesar de o uso do termo ser anacrônico, já que esse sistema político e econômico teria surgido na China muito antes de o feudalismo aparecer na Europa, o termo “feudalismo” tornou-se um facilitador para compreender aquilo que os chineses chamavam de sistema Fengjian. Esse tema foi abordado no basilar estudo do sinólogo francês Marcel Granet, La Feodalité chinoise [1952] (Paris: Imago, 1981). 3. Uma versão em português desse livro é a do padre Joaquim Guerra, Quadras de Lu e relação auxiliar (Macau: Jesuítas Portugueses, 1983. 5 v.). 4. Jean Levi, Los funcionarios divinos: Política, despotismo y mística en la China antigua. Madri: Alianza, 1991. 5. James Crump, Chan-kuo ts’e. Oxford: Clarendon, 1970. 6. Uma descrição mais detalhada da questão da guerra na China Antiga pode ser vista em Ralph D. Sawyer, Ancient Chinese Warfare (Nova York: Basic Books, 2011). O livro de Marcel Granet, A civilização chinesa (Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1979), traz a visão das fontes chinesas sobre o cotidiano do período. 7. Yuri Pines, The Birth of an Empire: The State of Qin Revisited. Berkeley: University of California Press, 2014. 8. Novamente, uma sugestão para aprofundar essa seção é o livro de Anne Cheng, História do pensamento chinês (Petrópolis: Vozes, 2008). 9. A única versão completa desses textos foi feita, em português, pelo mesmo padre Joaquim Guerra, que publicou o Livro dos cantares (1979) [Shijing], Escrituras selectas (1980) [Shujing], O cerimonial (três volumes, 1983) [Liji] e O livro das mutações (1984) [Yijing], todos pela editora Jesuítas Portugueses, de Macau. 10. Ralph D. Sawyer, The Art ot of War. Nova York: Basic Books, 1994; Id., The Seven Military Classics Of Ancient China. Nova York: Basic Books, 2007. 11. Jean Levi, Sun Tzu, L’Art de la guerre. Paris: Hachette, 2000. * A grafia mais atual é Sunzi, mas nesta edição usaremos a versão consagrada, Sun Tzu. (N. E.) Introdução JOHN MINFORD O Caminho da Guerra é um Caminho de Ardis. Mestre Sun, capítulo 1 O breve tratado A arte da guerra, do Mestre Sun, é ao mesmo tempo inspirador e sinistro. É belo e tenebroso. Concentra uma parte da essência irredutível da cultura chinesa e é uma obra conhecida há séculos pela elite cultural do país. Só esses fatos já conferem uma importância extraordinária a este livro, que precisa ser lido por qualquer pessoa que pretenda lidar com a China ou o Japão. Durante a Segunda Guerra Mundial, E. Machell-Cox produziu uma versão para a Royal Air Force (RAF), a força aérea britânica. “O Mestre Sun”, escreveu ele, “é fundamental, e sua leitura, se feita com discernimento, expõe o mecanismo mental de nosso inimigo. Estude-o, e volte a estudá-lo. Não se deixe enganar por sua simplicidade.”1 Hoje, com a atuação cada vez mais presente da China no mundo, o Mestre Sun se tornou leitura obrigatória para empreendedores globais. “A primazia suprema vem não da vitória em qualquer batalha, mas da derrota do inimigo sem sequer um combate” (capítulo 3). Ou, nas palavras de Gordon Gekko, o especulador agressivo do genial Wall Street: poder e cobiça, filme de Oliver Stone sobre o capitalismo americano do final do século XX: “Eu faço apostas certeiras. Sun Tzu: ‘Toda batalha é vencida antes de começar’. Pense nisso”. Contudo, A arte da guerra oferece mais do que um vislumbre sobre o modo chinês de fazer as coisas (incluindo os negócios). Como seu venerável predecessor, O livro das mutações, é uma obra que permite infinitas aplicações. Já foi até usada como base para um livro americano de autoajuda sobre relacionamentos.2 Com certeza também poderia servir para um livro sobre tênis, culinária ou direção defensiva. Os conselhos estratégicos que o texto oferece referem-se a muito mais do que conduta durante a guerra. É um livro antigo de sabedoria proverbial, um livro para a vida. PLANOS ASTUTOS, CULTURA POPULAR A cidade vazia O livro Sanguo yanyi [Romance dos três reinos], composto em algum momento dos séculos XIV ou XV, foi descrito como uma expansão vernácula das ideias do Mestre Sun, uma versão romanceada de “guia popular de guerra, uma descrição da estratégia clássica e das soluções táticas que faziam parte da antiga teoria da guerra, uma lição simplificada sobre a teoria clássica [da guerra]”.3 Em uma cena do capítulo 38, o “Dragão Adormecido” Zhuge Liang (181-234), o mais famoso de todos os magos estratégicos da China, finalmente encontra Liu Bei (161-223), aspirante ao trono da dinastia Han — que estava em declínio. É a terceira vez que Liu visita o refúgio do ermitão, depois de duas tentativas infrutíferas. O Dragão está em casa, e Liu o encontra pessoalmente, uma figura marcante trajada com véu de seda e um manto taoista* forrado de penas de ganso que emanava o “ar complacente de transcendência espiritual”.4 Liu por fim consegue recrutar os serviços do ermitão, e o Dragão, “mesmo sem jamais ter saído de sua choça de palha”, começa a “demonstrar sua presciência sobre as relações de poder”. Em seguida, ele concebe a campanha militar de Liu com extraordinária astúcia. Uma das vitórias estratégicas mais famosas das inúmeras do Dragão acontece cerca de vinte anos maisde surpresa. Aconselhe-se com guias locais, siga atalhos, pegue o inimigo desprevenido, ataque-o quando ele não estiver preparado. Com o uso pertinente da velocidade, você tirará proveito de um infortúnio. GILES:* Há de se ver exemplos notórios deste conselho nas duas famosas travessias dos Alpes — a de Aníbal [247-183 a.C.], que subjugou a Itália, e a de Napoleão, dois milênios mais tarde, que resultou na grande vitória em Marengo [1800]. Siga uma rota circular E atraia o inimigo Com vantagens; Saia depois dele, Mas chegue antes; Isso é o domínio Do reto E do torto. CAO CAO: Siga uma rota circular [torta] e passe a impressão de que é uma vasta distância. Pode ser que seu exército comece depois do inimigo, mas, com cálculos cuidadosos e corretas estimativas da distância, ainda será possível chegar antes dele. DU MU: Deixe o inimigo acreditar que sua rota é longa e tortuosa, e ele abaixará a guarda; instigue-o com a perspectiva de obter lucros, e ele perderá a concentração. Marche, então, com a máxima rapidez e pegue-o de surpresa; parta depois dele, mas chegue antes [no local da batalha], a tempo de ocupar as posições estratégicas. Quando as forças de Qin atacaram Han [270 a.C.], o rei de Zhao [aliado de Han] consultou Lian Po, o qual alertou que a distância seria grande demais e o terreno a transpor, acidentado e difícil demais [para eles intervirem em Han]. O rei então se voltou para Zhao She, que admitiu o caráter perigoso da marcha, mas disse: “Seremos como dois ratos lutando dentro de um buraco — e o mais corajoso vencerá!”. Então ele partiu de Handan, a capital de Zhao, mas, depois de viajar apenas umas três léguas, deu ordem para que seus homens armassem acampamento. Por 28 dias eles mantiveram essa posição. O general Zhao fez questão de passar aos espiões de Qin a imagem de que ele e seus homens não desejavam seguir viagem até Han. E então, assim que os espiões voltaram para comunicar a seus líderes o que haviam visto, Zhao partiu em marcha forçada por duas noites e um dia. Ele surpreendeu o exército de Qin, ocupou o terreno elevado ao norte do inimigo e conquistou uma estrondosa vitória. O confronto pode dar Frutos; Pode haver Riscos. CAO CAO: Tudo depende da habilidade do guerreiro. Pode-se ir com tudo Ao confronto Para ter fruto, E ainda assim perder Tudo. CAO CAO: Você pode chegar tarde. MEI YAOCHEN: É trabalhoso e leva tempo ocupar um exército todo com uma manobra. JIA LIN: Melhor formular um plano sutil, mantê-lo em segredo e convencer o inimigo de que você está seguindo por uma rota longa e circular [torta]. E então pegá-lo de surpresa. Deixe o acampamento E entre no confronto Para ter fruto, E você pode perder Equipamentos. DU MU: Usar o exército inteiro [incluindo as carroças de equipamentos] em um ataque é trabalhoso e leva tempo. Mas, se atacar com tropas ligeiras, os equipamentos talvez fiquem desprotegidos e se percam. DU YOU: O inimigo talvez tire proveito desse ponto “vazio” [fraco] e aniquile sua retaguarda enquanto você ataca com tropas ligeiras. Dê ordem de marcha A seus homens Com armadura Dia e noite, Sem parar, Por oito léguas A passo duplo Para ter fruto, E perderá Seus comandantes. Os mais vigorosos Estarão na vanguarda; Os mais fracos, Atrás. Chegará Um em dez. CAO CAO: Não lute depois de marchar por oito léguas. Todos os seus comandantes serão capturados. DU MU: Um dia de marcha corresponde em média a duas léguas, e ao final disso os homens normalmente armam acampamento. Eles podem fazer marchas forçadas de oito ou dez léguas, mas, se iniciarem uma batalha logo em seguida, estarão exaustos, e todos os oficiais serão capturados. LI QUAN: Certa vez, quando perseguia Liu Bei, Cao Cao percorreu trinta léguas em 24 horas. […] Isso o levou à derrota na famosa Batalha dos Penhascos Vermelhos [208 d.C.]. E, quando Pang Juan perseguiu Sun Bin [c. 341 a.C.], foi morto em Maling. Marche quatro léguas Para lucrar, E o comandante Da vanguarda Cairá; Só metade da tropa Chegará. Marche duas léguas Para lucrar, E dois em três Chegarão. Sem equipamento, Perde-se um exército; Sem suprimentos, Perde-se um exército; Sem provisões, Perde-se um exército. Sem saber os planos Dos senhores feudais, Não se pode Formar alianças. Sem conhecer Morros e matas, Grutas e penhas, Brejos e charcos, Não se Marcha. Sem usar guias locais, Não se Explora O terreno. DU MU: Como diz o Mestre Guan: “Na guerra, o general precisa estudar os mapas da região. Precisa conhecer os passos que são difíceis para carroças, os trechos dos rios que apresentam cheias; precisa se familiarizar com serras, vales e rios, com a topografia e o relevo em geral, as variações de vegetação, as distâncias associadas às diversas rotas, o tamanho e a importância relativa das diversas cidades fortificadas, a pobreza relativa das várias regiões. Tudo isso ele precisa saber. Apenas quando sua memória armazenar toda essa informação é que ele poderá tirar proveito do terreno”. E o duque Li Jing disse, certa vez: “Revista seu ataque de sigilo, como fazem os bandos de ladrões nas estradas. Escolha homens corajosos e comandantes inteligentes. Com a ajuda de guias locais, penetre a fundo nas montanhas e florestas, sem emitir ruído, sem deixar rastros. Às vezes, esses homens usam nos pés calçados cortados em imitação à pata de animais, produzindo nas montanhas apenas pegadas animais; às vezes, eles se escondem na vegetação rasteira, usando na cabeça adereços que imitam as plumas das aves. Assim, eles conseguem escutar os sons mais distantes, conseguem enxergar as cenas mais remotas. Podem alcançar o máximo de concentração e determinar o momento exato para agir. Podem alcançar o máximo de atenção e perceber os sinais mais sutis. A partir de um resquício de movimento na água, eles sabem quando o inimigo atravessa um vau; pelo tremular de um galho, eles sabem quando se aproximam os reforços do inimigo”. JOHN MINFORD: Os últimos catorze versos do texto do Mestre Sun voltam a aparecer no capítulo 11. A guerra Se baseia em Ardis; DU MU: Engane o inimigo, mantenha-o ignorante de sua situação, e a vitória será sua. WANG XI: Isso significa endireitar o torto, tirar proveito de infortúnios. JOHN MINFORD: Houve quem destacasse que o general Schwarzkopf estava seguindo o Mestre Sun ao pé da letra na Guerra do Golfo, quando enganou Saddam Hussein quanto à natureza verdadeira de seu ataque, ao ameaçar uma ofensiva anfíbia no leste e lançar um ataque desimpedido no oeste. Giles faz alusão a Turenne (1611-75, o marechal da França de Luís XIV), cujas táticas conferiam uma posição de destaque aos ardis usados para iludir o inimigo, em especial quanto ao poderio numérico das tropas francesas. Movimentos se determinam Por vantagens; ZHANG YU: Mova-se apenas quando perceber alguma vantagem; não faça ataques fúteis. Divisão e unidade São os elementos de Mudança. CAO CAO: Divisão e união de tropas — essas mudanças resultam [da observação] do inimigo. DU MU: Em certas ocasiões, divida, em outras, una; confunda o inimigo. Observe a reação dele às suas disposições e então improvise de acordo e obtenha a vitória. ZHANG YU: Em certas ocasiões, divida e disperse suas disposições; em outras, una e concentre seu potencial. Essas mudanças resultam das ações do inimigo. JOHN MINFORD: Como destacou o general Sam Griffith (p. 51), o presidente Mao parafraseia esse trecho diversas vezes. Por exemplo: “Um comandante se revela sábio […] quando é capaz de dispersar, concentrar ou deslocar suas forças a tempo de acordo com circunstâncias específicas. Não é fácil adquirir essa sabedoria que consegue antever mudanças e essa noção de tempo apropriado…”. Seja veloz como o vento; CAO CAO: Ao atacar o vazio. MEI YAOCHEN: Ao chegar sem deixar rastros. Imponentecomo um bosque; MENG: Quando em marcha lenta, há de se preservar a ordem e as fileiras tal qual [uma linha de árvores em] uma floresta, a fim de se proteger contra ataques-surpresa. Ávido como um incêndio; ZHANG YU: Como se diz no Livro das canções: “Feroz como um incêndio, que ninguém pode conter”. Firme como uma montanha. ZHANG YU: Como diz o Mestre Xun [capítulo 15, “Sobre questões militares”]: “Quando se encontra no acampamento [isto é, imóvel], [o exército do Homem Perfeito] é sólido como uma rocha; quem se debater contra ele acabará quebrado, destruído”. JOHN MINFORD: Segundo Griffith (p. 106), essas quatro frases foram usadas como bordões nos estandartes de um guerreiro japonês do século XVI chamado Takeda Harunobu (o monge zen “arcebispo Shingen”, † 1573). Esse mesmo general, conhecido por ser um erudito estudioso e contemplativo, também era um comandante impiedoso e brutal, e seus materiais de acampamento provavelmente incluíam três caldeirões grandes para cozinhar criminosos. Inescrutável como a noite; ZHANG YU: Quando nuvens escuras cobrem o céu e é impossível detectar a luz do amanhecer. Ágil como trovões ou raios. ZHANG YU: Ataque de repente, como um trovão ou um raio, rápido demais para ser rechaçado. Como diz o Duque Ancestral, “o estrondo de um trovão não espera até se cobrirem os ouvidos; o relâmpago irrompe antes que os olhos tenham chance de piscar”. [Comparar com o comentário de Chen Hao no capítulo 2.] Saqueie o campo, Divida o butim; CAO CAO: Permita que o inimigo crie sua vitória. ZHANG YU: Aqui se trata simplesmente de aplicar o conselho anterior do Mestre Sun de que “o general sábio precisa nutrir seu exército com o inimigo”. O inimigo relutará em ceder seus modestos pertences. Amplie o território, Distribua os lucros. CHEN HAO: Aquartele seus homens no território e permita que eles cuidem da semeadura e colheita. GILES: Foi graças a esse princípio, e ao aproveitamento das terras invadidas, que os chineses conseguiram realizar algumas de suas expedições mais memoráveis e vitoriosas, como a de Ban Chao [32-102 d.C.], que avançou pela região do Cáspio, e as mais recentes [do general manchu] Fukangan [† 1796] e de Zuo Zongtang [1812-85]. JOHN MINFORD: Fukangan liderou diversas expedições à Ásia Central e ao Tibete; Zuo Zongtang foi um dos principais responsáveis pela criação da província de Xinjiang (conhecida antigamente como Turquestão Oriental) em 1884. Convém lembrar que Giles escrevia durante os últimos dias do imperialismo, quando as ambições da China na Ásia Central pareciam perfeitamente razoáveis. Pondere a situação Antes de agir. A vitória pertence àquele Que domina O estratagema Do reto e Do torto. Essa é a Arte do Confronto. GILES: Com essas palavras, seria natural que se encerrasse o capítulo. Mas a partir daqui se segue um longo apêndice na forma de excerto de um livro anterior sobre Guerra, agora perdido, mas aparentemente acessível na época do Mestre Sun. Diz o Manual Militar: MEI YAOCHEN/WANG XI: Um antigo clássico militar. GILES: Considerando que ao longo dos séculos antes da época do Mestre Sun era extraordinária a quantidade de conflitos entre os diversos reinos e principados chineses, não chega a ser improvável a formulação e o registro de um conjunto de máximas militares em algum período anterior. Quando ouvidos não ouvem, Use tambores. Quando olhos não veem, Use estandartes. Tambores e Estandartes São os Ouvidos e olhos Do exército. ZHANG YU: Se a visão e a audição se concentram simultaneamente no mesmo objeto, as manobras de 1 milhão de soldados serão iguais às de um único homem. Daí a afirmação anterior do Mestre Sun: “Lutar com muitos é o mesmo que lutar com poucos; é uma questão de sinalizar às tropas a formação, usar bandeiras de identificação”. Em um exército concentrado, Os bravos não Avançam sós, Nem os medrosos Recuam sós. DU MU: Quando o Mestre Wu enfrentou o reino de Qin, havia um oficial que, antes do início da batalha, foi incapaz de controlar o próprio ímpeto. Ele avançou e voltou com duas cabeças. O Mestre Wu determinou que ele fosse decapitado. Um comandante protestou: “Ele é um oficial talentoso. Não devia ser decapitado”. O Mestre Wu então respondeu: “Não questiono esse fato. Mas ele agiu sem ordens”. O homem foi decapitado. ZHANG YU: Como reza o ditado, aqueles que avançam sem ordens e aqueles que recuam sem ordens são igualmente condenáveis. Essa é a Arte Da Gestão de Muitos. Se lutar à noite, Use tochas e tambores; Durante o dia, Use estandartes; Para transformar Os ouvidos e olhos Das tropas. CHEN HAO: No final da era Tian-bao [742-756 d.C.], Li Guangbi avançou rapidamente com uma cavalaria de quinhentos homens até Heyang, exibindo uma vasta quantidade de tochas. [O líder rebelde] Shi Siming, diante dessa força grande, não se atreveu a interferir. É possível privar De espírito Todo um exército; LI QUAN: Privá-lo do ímpeto e da coragem. O reino de Qi atacou o de Lu em Changshao. Os tambores de Qi soaram, e o duque de Lu estava prestes a ir à batalha quando Cao Gui, seu conselheiro, recomendou que ainda não era o momento certo. Depois de soarem três vezes os tambores de Qi, Cao disse que chegara o momento. Eles foram à batalha, e o exército de Qi foi completamente derrotado. O duque de Lu perguntou a Cao qual havia sido seu raciocínio. “Batalha”, respondeu o conselheiro, “é uma questão de coragem e espírito. Depois de um toque dos tambores, o espírito deles estava elevado; depois de dois, eles haviam começado a esmorecer; depois de três, estavam desmotivados. Eles estavam desmotivados, nós estávamos com o espírito em alta. Foi por isso que vencemos.” ZHANG YU: Na guerra, pode-se inspirar uma sensação de raiva no exército para que ele se torne irresistível. O inimigo chegará no auge de sua motivação, e em vez de enfrentá-lo nesse momento devemos desgastá-lo, esperar até que seu ímpeto e a coragem fraquejem, e só então atacar. Assim, podemos privá-los do espírito. WUZI BINGFA, capítulo 4, “Generalato”: Na guerra, existem quatro elementos vitais: espírito, terreno, situação, força. É possível privar De raciocínio Um general. ZHANG YU: A mente é o principal recurso do general. Ela lhe permite criar ordem a partir da desordem, substituir medo por coragem. O Guerreiro Hábil perturba e desorganiza o inimigo, ele o acossa e o confunde, ele o persegue e o enche de medo. Priva-o da presença de espírito, de sua capacidade de raciocínio estratégico. […] Disse o duque Li: “Ataques não se limitam a cidades e formações militares. Nós dominamos a arte de atacar a mente”. O ataque à mente inclui nutrirmos nossa própria mente, nossa própria ideia de tranquilidade e ordem, e então privar a mente do inimigo. MEI YAOCHEN: Quando um exército perde o moral, o general perde a presença de espírito. No soldado o espírito É mais agudo De manhã; JOHN MINFORD: É irresistível acrescentar o comentário tipicamente eduardiano de Giles (que não deixa de fazer referência a Tito Lívio): “Contanto que não se dispense, claro, o desjejum. Na batalha do Trébia [218 a.C.], os romanos cometeram a insensatez de combater em jejum, enquanto os homens de Aníbal haviam comido à vontade”. Durante o dia, Se abate; À noite, Começa a Pensar em casa. O Guerreiro Hábil Evita o espírito agudo, Ataca o abatido E o saudoso; JOHN MINFORD: O presidente Mao usa essa máxima do Mestre Sun: “Durante a resistência em Jiangxi contra a terceira Campanha de Extermínio de Chiang Kai-shek, o Exército Vermelho realizou um recuo extremo. […] Mas isso foi essencial para nossa vitória final, visto que, na época do Terceiro Extermínio, as forças inimigas eram dez vezes maiores que as do Exército Vermelho. Quando o Mestre Sun fala de ‘evitar o espírito agudo e atacar o abatido e o saudoso’, ele se refere a deixar que o inimigo se esgote e perca o moral,para então derrotar seu poderio superior” (Selected Works, p. 192). Isso é Domínio do Espírito. ZHANG YU: Nutrir o próprio espírito e privar o inimigo do dele. Ele confronta o caos Com disciplina; Ele trata tumulto Com calma. Isso é Domínio da Mente. DU MU: Como se diz no Sima fa, “sua mente é firme”. Ele deixa que o inimigo conceba sua vitória. Sua mente já é firme, mas ele a regula e a mantém plácida e forte, para que não se perturbe por acontecimentos nem se iluda por percepções de vantagem. Ele espera o inimigo se tornar caótico, espera o inimigo se tornar tumultuoso, e então realiza o ataque. HE YANXI: O general precisa usar a sutileza de sua própria mente e, com ela, confrontar as vastas forças inimigas e resistir aos lobos famintos; precisa contemplar sabiamente as oscilações das circunstâncias, os altos e baixos da vitória e da derrota; precisa manter a calma; caso contrário, como seria possível sempre reagir aos acontecimentos com infinito engenho, como seria possível evitar a confusão? Ele precisa se manter impassível diante de grandes adversidades; precisa não se deixar iludir pelas infinitas complexidades do mundo. Sua disciplina precisa bastar para se opor ao caos do inimigo; sua calma precisa bastar para se opor ao tumulto do inimigo; aí ele poderá ver o inimigo como se fosse um mero ladrão. Ele opõe distância Com proximidade; Ele opõe exaustão Com tranquilidade; Ele opõe fome Com abundância; Isso é Domínio da Força. ZHANG YU: O perfeito domínio da própria força e da exaustão do inimigo. Ele não intercepta Estandartes organizados; Ele não ataca Uma formação perfeita. Isso é Domínio das Mutações. ZHANG YU: É essencial o conhecimento e a compreensão das circunstâncias mutáveis. Esse Caminho da Mutação, o perfeito domínio das mutações, é reagir às circunstâncias do inimigo. Estes são axiomas Da Arte da Guerra: Não avance morro acima. Não enfrente um inimigo Diante de uma colina. CAO CAO: O trecho diz respeito à energia potencial do terreno. ZHANG YU: Disse Zhuge Liang que: “Ao combater em terreno montanhoso, não se posicione de frente para a encosta. Quando o inimigo descer, não o confronte. O potencial da situação não é favorável. Faça-o ir até terreno plano e o combata ali”. Não persiga um inimigo Que simula fuga. DU MU/LI QUAN: Por risco de emboscada. Não ataque Tropas astutas. Não morda Uma isca. MEI YAOCHEN: O peixe que anseia a isca é fisgado; o exército que anseia a isca é derrotado. Quando o inimigo tenta nos fisgar, não podemos jamais aceitar a isca. ZHANG YU: No San lüe, diz-se: “Por trás de todo bocado suculento de isca há um peixe fisgado”. Não impeça Um regresso ao lar. MENG: Quando os homens pensam em voltar para casa, eles lutam até a morte, e ninguém é capaz de impedi-los. ZHANG YU/DU MU/GILES: Quando os soldados estão em território estrangeiro, todos pensam em voltar para casa. Eles lutarão até a morte contra qualquer um que se puser em seu caminho. Como disse o [grande general] Han Xin: “Quem seria capaz de derrotar soldados que estão pensando na volta ao lar?”. [Em 198 a.C.] Cao Cao se viu cercado entre dois inimigos, que controlavam cada um dos acessos ao desfiladeiro. Ele sabia que sua situação era desesperadora. Abriu um túnel na montanha e preparou uma emboscada. E então seguiu em marcha com as carroças de equipamentos. Quando clareou o dia, Zhang Xiu, o general inimigo, viu que Cao Cao havia recuado e ordenou uma perseguição impetuosa. Assim que todo o exército deles passou, as tropas ocultas de Cao Cao se abateram sobre sua retaguarda, e o próprio Cao se virou e enfrentou os perseguidores pela dianteira, lançando-os num estado de confusão e aniquilando-os. Mais tarde, Cao Cao disse que “os bandoleiros tentaram impedir que meu exército voltasse para casa e me levaram a combater em uma posição desesperada [em campo letal]: por isso eu sabia o caminho da vitória”. [Comparar com Sanguo yanyi, capítulo 18.] Deixe espaço Para um exército cercado. DU MU: Permita que o inimigo acredite que existe uma rota para a segurança. Essa crença o impedirá de lutar com a coragem do desespero. E então ataque. HE YANXI: Cao Cao cercou a cidade de Huguan e deu a seguinte ordem: “Quando a cidade cair, todos os habitantes serão enterrados vivos”. Passaram-se meses, e a cidade não caiu. Cao Ren disse ao senhor que, “durante um cerco, é sempre importante que se permita uma saída para a segurança [uma abertura para a vida]. Mas o senhor mandou avisar que serão todos executados, então eles estão lutando pela própria vida. Além do mais, a cidade é fortificada, e eles estão bem abastecidos. Se atacarmos, uma grande quantidade de soldados e oficiais acabará ferida. […] Prolongar esse cerco a uma cidade forte, combater homens determinados a lutar até a morte, não é um bom plano”. Cao Cao seguiu o conselho, e a cidade se rendeu. Não pressione Um inimigo acossado. CHEN HAO: Aves e feras, quando acossadas, vão arranhar e morder. ZHANG YU: Se seu adversário queimou os barcos, destruiu as panelas dele e está preparado para apostar tudo na batalha, não se deve pressioná-lo muito. HE YANXI/GILES: o general chinês Fu Yanqing da [breve] dinastia Jin Posterior, no período das Cinco Dinastias, e o colega Du Zhongwei foram cercados por um exército muito superior de kitais [em 945 d.C.]. A região era árida e desértica, e a pequena força chinesa logo se viu em desespero com a falta d’água. […] Mais e mais homens e cavalos morriam de sede. Por fim, Fu Yanqing disse: “Estamos desesperados e acossados! Muito melhor morrer pelo reino do que permitir que nos capturem e amarrem nossas mãos!”. Por acaso, uma ventania forte soprava desde o nordeste e escurecia o céu com pesadas nuvens de areia. Du Zhongwei preferia esperar até que o vento passasse para então decidir um ataque final. Mas, felizmente, um oficial chamado Li Shouzhen conseguiu perceber a oportunidade e disse: “Eles estão em muitos, e nós somos poucos, mas no meio da tempestade de areia será impossível definir nosso tamanho. A vitória irá para o combatente esforçado, e o vento será nosso melhor aliado”. Fu Yanqing então lançou uma ofensiva súbita e totalmente inesperada com a cavalaria, derrotou os bárbaros e conseguiu se salvar. DU MU: O rei Fu Chai [de Wu, filho de He Lü, soberano do Mestre Sun] disse certa vez que “animais selvagens, quando cercados, lutarão desesperadamente. Quanto mais não fariam os homens?”. Durante o reinado do imperador Xuan, da dinastia Han [74-49 a.C.], o general Zhao Chong’guo marchou para reprimir os bárbaros qiang [no sudoeste]. Quando viram seu vasto exército, os qiang abandonaram suas carroças de equipamentos e rumaram para o rio a fim de atravessá-lo. O caminho passava por um desfiladeiro estreito, e Zhao os seguiu a um ritmo tranquilo. Um de seus oficiais perguntou: “Por que estamos avançando tão devagar, quando a presa está ao nosso alcance?”. Zhao respondeu: “Não se deve pressionar um inimigo acossado. Se eu o perseguir com tranquilidade, ele não vai se virar. Se eu o pressionar, ele vai se virar e lutar até a morte”. Seus oficiais o saudaram pela habilidade. Na ocasião, muitos qiang se afogaram e foram completamente derrotados. Essa é A Arte da Guerra. * Sobre o comentário de He Yanxi, acima. [N. T.] 8 As nove mudanças WANG XI: Nove representa simplesmente uma quantidade grande. Na guerra, existem infinitas variedades. ZHANG YU: As mudanças aqui se referem à classe de improviso que ignora precedentes e normas, à flexibilidade que descobre um expediente para toda situação. JOHN MINFORD: As Nove Mudanças provavelmente são as nove determinações, desde “Em terreno intransitável, não acampe” até “Alguns terrenos não se disputam”. A última (décima) determinação, “Algumas ordens do rei não se cumprem”, pode ser aplicada a todas as nove. Disse o Mestre Sun: Na Guerra, O general Recebe ordens Dosoberano, Reúne soldados E forma a tropa. ZHANG YU: Esse trecho faz eco com o capítulo anterior. JOHN MINFORD: Giles ressalta que o trecho se “repete no capítulo 7, onde com certeza faz mais sentido. É possível que tenha sido inserido aqui apenas a fim de fornecer um início para o capítulo”. Ames comenta que “a extensão atipicamente breve deste capítulo pode sugerir um problema textual mais sério”. Em terreno intransitável, Não acampe; ZHANG YU: Montanhas e florestas, grutas, penhas, brejos, charcos — qualquer terreno que seja difícil de transpor é considerado intransitável. Não fornece qualquer recurso vantajoso, então o exército não pode acampar nele. JOHN MINFORD: Esses terrenos voltam a ocorrer com algumas variações no capítulo 11 (assim como a descrição que Zhang Yu faz de “terrenos intransitáveis”, palavra por palavra). Em terreno de encruzilhada, Una-se a aliados; ZHANG YU: Terreno com ligações por todos os quatro lados, onde convém recorrer aos vizinhos e formar alianças. Em terreno de risco, Não se demore; ZHANG YU: Terreno situado para além da fronteira, em território hostil. LI QUAN: Terreno onde não haja fontes ou poços, rebanhos, plantações ou lenha. JIA LIN: Gargantas, abismos e precipícios, sem estradas. Em terreno encerrado, Planeje estratégias; JIA LIN: Quando estamos cercados de precipícios por todos os lados, quando o inimigo pode se deslocar enquanto não temos condições de nos movimentar livremente, nesse tipo de terreno, é deveras necessário o uso de raciocínio estratégico e engenhoso para nos salvarmos e impedirmos que o inimigo nos prejudique. Em terreno letal, Combata. LI QUAN: Posicione tropas onde eles enfrentem a morte certa, e assim eles se identificarão com o conflito. Foi o que aconteceu quando Han Xin derrotou o exército de Zhao [ao atravessar com seus homens o desfiladeiro, utilizando um estratagema sutil]. MEI YAOCHEN: Há obstáculos à frente e atrás. Decide-se lutar até a morte. Algumas estradas Não se pegam. LI QUAN: Especialmente as que atravessam passos estreitos, onde há perigo de emboscada. TIRAS DE BAMBU DA MONTANHA DO PARDAL PRATEADO: Onde uma penetração superficial impede que nossa vanguarda atue de modo adequado ou uma penetração aguda nos separe de nossa própria retaguarda. Em uma situação dessas, o avanço não proporciona vantagem alguma, e a permanência ainda resulta em captura. JOHN MINFORD: Esse trecho das Tiras de Bambu acima e os quatro a seguir foram extraídos do texto reconstituído com o título “As quatro mudanças”. Ver Li Ling (1997, p. 176). Alguns exércitos Não se atacam. TIRAS DE BAMBU DA MONTANHA DO PARDAL PRATEADO: Como quando dois exércitos estão acampados um de frente para o outro. Calculamos que temos forças para derrotar o inimigo e capturar o comandante. Mas, a longo prazo, é possível que eles tenham elaborado algum estratagema astuto. […] Em uma situação dessas, seria melhor não atacar. CAO CAO: Ainda que seja possível atacar um exército, talvez o terreno seja acidentado e inóspito. O exército que nele permanece corre o risco de perder alguma vantagem anterior; e qualquer vantagem obtida com a ocupação do terreno é irrisória. Por sua vez, as forças inimigas, pressionadas, lutariam até a morte. WANG XI: Em minha opinião, não se deve atacar soldados oferecidos como isca, soldados de elite, soldados com estandartes organizados e em perfeita formação. CHEN HAO: Quando observar alguma vantagem trivial, mas não for possível derrotar o inimigo, não ataque, para não esgotar as forças de seus homens. DU MU: Entre os exércitos que não se deve atacar incluem-se: tropas astutas, exércitos em regresso, exércitos desesperados, exércitos em terreno letal. Algumas cidades Não se sitiam. TIRAS DE BAMBU DA MONTANHA DO PARDAL PRATEADO: Podemos calcular que temos forças para conquistar uma cidade, mas, se sua conquista não conferir vantagem alguma, e se, depois de conquistá-la, venha a ser difícil preservá-la […], seria melhor não sitiá-la. CAO CAO: Se uma cidade é pequena, fortificada e bem abastecida, não se deve sitiá-la. Eu mesmo decidi ignorar Huabi e adentrar o coração de Xuzhou, e o resultado foi a conquista de catorze cidades importantes. DU MU: O trecho provavelmente se refere a um inimigo em posição estratégica, protegido por muralhas e fossos profundos, com bom estoque de grãos e comida. O propósito dele é conter nosso exército. Mesmo se atacarmos essa cidade e a conquistarmos, não haveria nenhuma vantagem especial; e, se a atacarmos e não a conquistarmos, a ofensiva certamente desgastaria nosso próprio poderio militar. Então nem devemos sitiá-la. ZHANG YU: Não se deve sitiar uma cidade que, se conquistada, não possa ser mantida ou, se ignorada, não venha a causar problemas. Xun Ying, ao ser instado a atacar Biyang, respondeu: “A cidade é pequena e fortificada; mesmo se eu a conquistar, não seria nenhum grande feito; contudo, se fracassar, eu me tornaria motivo de chacota”. GILES: No século XVII, grande parte das guerras [na Europa] ainda incluía cercos. Foi Turenne quem chamou atenção para a importância das marchas, contramarchas e manobras. Disse ele: “É um erro grave desperdiçar homens para tomar uma cidade quando os mesmos recursos de soldados podem conquistar uma província”. Alguns terrenos Não se disputam. TIRAS DE BAMBU DA MONTANHA DO PARDAL PRATEADO (fragmentos): Montanhas e vales que não oferecem sustento […] vazios […]. Não dispute esses. DU MU: Wu Zixu deu a Fu Chai [rei de Wu] o seguinte conselho: “Se atacarmos o reino de Qi, mesmo se o conquistarmos, seria o mesmo que [possuir] um pedregal”. Algumas ordens do rei Não se cumprem. TIRAS DE BAMBU DA MONTANHA DO PARDAL PRATEADO: Quando as ordens contrariam as […] mudanças descritas, não as cumpra. CAO CAO: Se as ordens do soberano não são adequadas para as circunstâncias, não se atenha a elas. DU MU: Disse o Mestre Weiliao: “A guerra é um instrumento de mau agouro. O combate é contrário à virtude. Generais são arautos da morte. Eles não conhecem Céu ou Terra, não respeitam o inimigo ou seu próprio soberano”. ZHANG YU: Disse o rei Fu Chai: “Se é o correto, faça; não espere ordens”. JOHN MINFORD: Esta não é uma décima determinação, apenas uma observação geral que pode ser aplicada a todas as outras nove. O general Que entende as vantagens Das Nove Mudanças Compreende a Guerra. JIA LIN: Ele se fundamenta pela dinâmica da oportunidade, adapta-se às circunstâncias mutáveis, segue a perspectiva de vantagens e deixa que as vantagens decidam, não segue com rigor os precedentes. Assim, ele pode colher os frutos (vantagens) da flexibilidade total. O general Que ignora vantagens Das Nove Mudanças Pode entender o terreno, Mas jamais tirará Vantagem Do conhecimento. JIA LIN: Pode ser que entenda o terreno, mas, se sua mente não estiver sintonizada às mudanças, ele não apenas será impedido de colher as vantagens, como também estará sujeito ao perigo. Um general tem de prezar a adaptabilidade às mudanças. ZHANG YU: Todo tipo de campo ou território tem certas características naturais fixas (o terreno) e contém ainda certa dinâmica de mudança. Um mero conhecimento das características topográficas de pouco adiantará por conta própria, a menos que seja acompanhado da compreensão da dinâmica [às vezes imprevisível] de mudança. O guerreiro Que ignora a Arte Das Nove Mudanças Pode conhecer as Cinco Vantagens, Mas não tirará todo o Proveito da tropa. JIA LIN: Se ele for capaz de mudar quando se vir diante do potencial da situação, a vantagem permanecerá intacta e o perigo continuará com o inimigo. Não existem modelos constantes. Se ele for capaz de assimilar esse princípio, poderá tirar o máximo proveito da tropa. Uma estrada pode ser curta [em termos topográficos], mas pode também conter numerosos obstáculos naturais e ser um local suscetível [dinâmico] a emboscadas; portanto,não deve ser percorrida. Um exército pode estar sujeito [topograficamente] a ataques, mas, se estiver desesperado e disposto a lutar até a morte [a dinâmica], não deve ser atacado. Uma cidade pode ser isolada e, portanto, topograficamente sujeita a um cerco, mas, se estiver bem abastecida, se o moral das tropas estiver alto, se o líder for inteligente e seus conselheiros, leais, um elemento [imprevisível, dinâmico] de mudança se infiltra, e o lugar não deve ser cercado. Um terreno pode ser disputado, mas, se soubermos que, uma vez conquistado, será difícil mantê-lo, e que ele não proporcionará vantagens e provavelmente resultará em contra-ataques e baixas, mais uma vez há de se levar em conta o elemento de mudança, e o terreno não deve ser disputado. Em circunstâncias normais, é justo obedecer às ordens do soberano, mas há circunstâncias em que interferências da corte podem ser prejudiciais, e nesses casos não se deve obedecer às ordens. Mudanças como essas precisam ser assimiladas [com flexibilidade] à luz das circunstâncias; não podem ser determinadas com antecedência. Uma postura inflexível levará apenas à derrota. GILES: Percebemos a inutilidade da competência para identificar fraquezas na armadura do inimigo quando não está acompanhada da perspicácia de reformular os próprios planos no calor do momento. O líder sábio Quando delibera Sempre considera Vantagem E dores. CAO CAO: Em uma situação vantajosa, ele pondera sobre as desvantagens [as dores]; em uma situação de desvantagem, ele pondera sobre as vantagens. Com reflexões sobre Vantagens, Pode atingir A meta; DU MU: Se queremos obter alguma vantagem do inimigo, não podemos dedicar a mente apenas a essa vantagem, mas considerar também o risco [de dores] que o inimigo representa e levá-lo em conta em nossos cálculos. MEI YAOCHEN: Se refletirmos sobre as vantagens levando em consideração as dores, nossa meta será alcançável. Com reflexões sobre Dores, Pode se livrar de Calamidade. HE YANXI: Vantagens e dores podem suscitar umas às outras. O iluminado sempre reflete sobre isso. DU MU: Se desejarmos nos livrar de uma calamidade provocada pelo inimigo, não nos basta considerar o poder que o inimigo tem de nos prejudicar. Jamais podemos perder de vista nossa própria capacidade de obter vantagem sobre o inimigo. Essa consciência deve complementar nossa percepção de calamidade e fazer parte de nosso planejamento. Assim será possível evitar a calamidade. É por isso que o Mestre Sun acabou de dizer que “o líder sábio, quando delibera, sempre considera vantagem e dores”. Por exemplo, se o inimigo nos cerca e só pensamos na ideia [negativa] de debandar e fugir, o moral de nossos homens fraquejará e o inimigo certamente nos perseguirá e atacará. Precisamos instar nossos homens a lutar e contra-atacar e permitir que a perspectiva [positiva] de vitória, a reflexão sobre vantagens, os motive a romper o cerco. Aos senhores feudais impõe Submissão Causando-lhes Dores; JIA LIN: Existem muitas formas de se fazer isso. Ele pode atrair para si os melhores e mais sábios conselheiros do inimigo, de modo a deixá-lo sem ministros. Pode introduzir traidores nas fileiras do inimigo e comprometer seu governo. Pode se utilizar de intrigas e ardis para semear discórdia entre o soberano e os ministros. Pode provocar exaustão nos homens do inimigo e, com estratagemas sutis, fazê-lo desperdiçar o próprio tesouro. Pode corromper a moral do inimigo com prazeres sensuais. Pode abalar sua mente com belas mulheres. Todos esses métodos, se executados com sutileza e sigilo, podem prejudicar o inimigo e subjugá-lo. ZHANG YU: Obrigue o inimigo a se colocar em posição de danos inevitáveis, e assim ele se submeterá por vontade própria. JOHN MINFORD: Giles observa que Jia Lin lista algumas maneiras de provocar esses danos que “só poderiam ocorrer a uma mente oriental”. Ele os desgasta, Mantendo-os Sempre ocupados; DU YOU: Ele os impede de descansar, tal como o reino de Han fez com o de Qin ao recomendar que se construísse um canal. Ele os precipita Com ilusões de Vantagens. MENG: Nós os fazemos esquecer as Mudanças (Giles: os motivos para ignorar o primeiro impulso e agir de outra forma) e correr em nossa direção. Ao mesmo tempo, manipulamos as Mudanças e obtemos vantagem. Tiramos o máximo proveito de nossas tropas. O Guerreiro Hábil Não conta com a vinda Do inimigo, Só com seu próprio Preparo. GILES: O lorde Roberts [general britânico na Índia, no Afeganistão e na Guerra dos Bôeres, nascido em 1832], a quem as páginas do presente trabalho foram apresentadas antes da publicação, escreve: “Muitas das máximas do [Mestre] Sun Wu são perfeitamente aplicáveis ao momento atual, e [esta] é uma que o povo deste país deveria apreender”. Não conta com a falta de ataque Do inimigo, Só com sua própria Invulnerabilidade. ZHANG YU: Ele deve sempre pensar em calamidade e tomar precauções. Existem Cinco Perigos Para um general: Descuido, Que leva à Destruição; JOHN MINFORD: Descuido: no original, literalmente, a noção de que se está fadado a morrer. CAO CAO: Bravura sem raciocínio. ZHANG YU: O guerreiro descuidado, disposto a lutar até a morte, talvez não sucumba à força bruta, mas ainda pode ser atraído para uma emboscada e eliminado. Por isso se diz no Sima fa: “Cortejar a morte não garante a vitória”. Se o general não tiver estratégia, enviará a vanguarda para a morte e ainda assim acabará derrotado. DU MU: Um general insensato que é também corajoso é uma calamidade. Disse o Duque da Pedra Amarela: “Os valentes são resolutos na busca pela meta; os insensatos são inabaláveis pela morte”. Disse o Mestre Wu: “As pessoas sempre esperam ver a coragem no general. Mas coragem é apenas parte do todo. Um homem corajoso pode lutar de forma descuidada e ignorar perspectivas de vantagem [de longo prazo]. Um homem assim não é um General Hábil”. Covardia, Que leva à Captura; JOHN MINFORD: Covardia: no original, literalmente, o desejo de sobreviver a qualquer custo. CAO CAO: Aquele que enxerga a vantagem, mas tem medo demais de avançar. DU MU: Durante a dinastia Jin do Leste [317-420 d.C.], Liu Yu atravessou o Yangtzé para perseguir o rebelde Huan Xuan e o enfrentou na ilha Zhengrong. Liu tinha apenas alguns milhares de homens, muito menos do que as tropas rebeldes. Mas Huan, por medo das consequências da derrota, mantinha um pequeno bote de fuga sempre amarrado à lateral de seu navio, o que comprometeu em muito o moral de seus homens. Como resultado, quando as forças imperiais usaram fogo a favor do vento para atacar, derrotaram completamente o exército de Huan. MENG: O general covarde, determinado a voltar vivo para casa e relutante a combater, compromete o moral de seus homens e os deixa vulneráveis a ataques. Como disse o Duque Ancestral, “ao deixar passar [uma oportunidade de] vantagem, ele se sujeita ao desastre”. HE YANXI: Diz o Sima fa: “Aquele que preza a sobrevivência acima de tudo tende a hesitar”. Hesitação é uma grande calamidade. Impaciência, Que aceita Provocação; DU MU: Um inimigo que possua esse temperamento se insulta com facilidade e pode ser provocado para realizar um gesto destemperado que o levará à derrota. [Em 357 d.C.], quando foi atacado por uma força liderada por Deng Qiang, Fu Huangmei e outros, o príncipe tibetano Yao Xiang se trancou atrás de suas muralhas e se negou a lutar. Deng Qiang disse a Huangmei que “Yao Xiang tem um temperamento obstinado, e é fácil provocá-lo. Devemos manter a pressão, e com o tempo ele vai perder a paciência e sair, e então poderemos derrotá-lo em uma batalha”. Huangmei seguiu o conselho dele; Yao Xiang saiu para lutar, furioso, e foi prontamente vencido. DU YOU: É fácil provocar e matar um homem irritado e impulsivo. Sua raiva o impede de enxergar as dificuldades. WANG XI: A grande qualidade de um general é a firmeza.Honra delicada, Que tende à Vergonha; GILES: Aqui não significa necessariamente que a noção de honra seja um defeito para um general. Na realidade, o que o Mestre Sun condena é uma sensibilidade exagerada a relatos caluniosos, o indivíduo frágil que se deixa afetar [sem necessidade] pela ignomínia, por mais que não a mereça. Preocupação pela tropa, Que leva a Problemas. DU MU: Um general [excessivamente] compassivo e preocupado com seus homens, por medo de sofrer baixas, não abrirá mão de uma vantagem a curto prazo em troca de outra a longo prazo. GILES: Aqui, mais uma vez, o Mestre Sun não está dizendo que o general deva ignorar o bem-estar de seus soldados. Ele deseja apenas destacar o perigo de se sacrificar alguma vantagem militar importante em nome do conforto imediato de seus homens. Trata-se de uma política míope, porque, a longo prazo, os homens sofrerão mais com a derrota ou, na melhor das hipóteses, com a prolongação da guerra, que será sua consequência. É comum que um sentimento equivocado de pena leve o general a prestar auxílio a uma cidade sitiada ou reforçar um destacamento sob ataque, contrariando assim seus instintos militares. Hoje é opinião comum que nossos repetidos esforços para liberar a cidade de Ladysmith na Segunda Guerra dos Bôeres [1899-1902] foram repetidos erros estratégicos que de nada serviram. E, no final, o socorro chegou justamente por aquele que adotou a resolução específica de não condicionar os interesses do todo aos sentimentos a favor de uma parte. Um velho soldado de um dos nossos generais que fracassaram tão notoriamente nessa guerra tentou defendê-lo uma vez, pelo que me lembro, com o argumento de que ele sempre foi “muito bom para os homens”. Soubesse ele que, com esse apelo, estava apenas condenando-o com as palavras do Mestre Sun. Esses Cinco Excessos Em generais Na guerra são Desastrosos. Se um exército for derrotado E o general, morto, Certamente será por Essas Cinco Ameaças. Elas exigem toda Atenção e cuidado. 9 Em marcha ZHANG YU: Conhecendo-se as Nove Mudanças, pode-se definir a meta e marchar. Disse o Mestre Sun: Ao assumir posição E confrontar o inimigo: ZHANG YU: O trecho abaixo, desde “Cruze montanhas” até “São locais de emboscadas, de espiões”, diz respeito ao posicionamento; o trecho seguinte, desde “Quando o inimigo está próximo e não age” até “Há de se ver com grande cuidado”, diz respeito ao confronto com o inimigo. GILES: O restante do capítulo [após os dois trechos já identificados por Zhang Yu] contém algumas observações aleatórias, sobretudo no tópico da disciplina. Cruze montanhas, Fique perto de vales; DU MU: Depois de cruzar as montanhas, o exército deve se manter perto dos vales, que possuem a vantagem de água e pasto. Como disse o Mestre Wu: “Não fique nos Fornos do Céu — a entrada de vales grandes”. Em outras palavras, fique perto dos vales, mas não neles. ZHANG YU: Fique perto dos vales por causa do abastecimento de água e pasto, mas também porque é um lugar mais seguro. Na dinastia Han Posterior, Ma Yuan recebeu ordens de exterminar os bárbaros qiang de Wudu. Os bandoleiros qiang estavam nas colinas, e Ma ocupou uma posição favorável, sem dar batalha e no controle de todas as fontes de água e pasto. Com o tempo, devido à fome e exaustão, os qiang foram obrigados a se render. Eles claramente não compreendiam a vantagem de se ficar perto dos vales. Acampe no alto, GILES: Não em montes altos, mas em colinas ou outeiros que se elevem acima do território circundante. Defronte ao aberto; CAO CAO: O lado Yang, ou ensolarado. Lute em declive, Não o contrário. CAO CAO: Não confronte o inimigo a partir de uma posição inferior. São as posições da Guerra em montanha. Cruze rios, Mantenha distância Das águas. CAO CAO: Para provocar no inimigo a tentação de vir em seu encalço e cruzá-los. ZHANG YU: A fim de não restringir seus próprios movimentos. Se o inimigo cruzar O rio também, Não o confronte Na correnteza. Espere metade da tropa cruzar Antes do ataque. WUZI BINGFA, capítulo 2: Quando o inimigo estiver cruzando um rio e apenas metade de seus homens tiver chegado à margem, esse é o momento de atacar. ZHANG YU: Espere até ele chegar ao meio do rio. Suas fileiras estarão em desordem, a vanguarda, distante da retaguarda, e um ataque levará a uma vitória certa. HE YANXI: No Período de Primavera e Outono, o duque de Song veio ao reino de Chu para combater em Hong. Antes que o exército de Chu cruzasse o rio, os homens de Song já se encontravam em formação de batalha. O marechal de Song disse: “As forças do inimigo são vastas, e as nossas são pequenas. Solicito permissão para atacar antes que eles cruzem”. O duque não concedeu permissão. As forças de Chu cruzaram, e, antes que tivessem tempo de reunir suas fileiras, o marechal perguntou de novo. Mais uma vez o duque recusou. O exército de Chu se posicionou em formação de batalha, e o exército de Song finalmente atacou e sofreu uma sonora derrota. O próprio duque sofreu um ferimento da coxa, e sua vanguarda foi totalmente destruída. Foi porque o duque de Song contrariou essa máxima que suas forças foram derrotadas. JOHN MINFORD: Como o general Griffith destaca, essa história inspirou o presidente Mao a comentar que “não somos como o duque de Song”. LI QUAN: Como na grande vitória conquistada por Han Xin contra Long Ju [o general de Chu] no rio Wei. JOHN MINFORD: Giles descreve essa famosa batalha entre Han e Long com base no que registra o Hanshu: “Os dois exércitos [Han e Chu] estavam posicionados em margens opostas do rio. Durante a noite, Han Xin deu ordem para que seus homens juntassem 10 mil sacos de areia e construíssem uma barragem um pouco mais acima na correnteza. Depois, ele cruzou o rio com metade da tropa e atacou Long Ju; porém, depois de algum tempo, ele fingiu que a tentativa foi um fracasso e fez uma rápida retirada para a outra margem. Long Ju ficou jubilante com esse sucesso inesperado. Exclamou que ‘tinha certeza de que Han Xin era um covarde’ e começou a cruzar o rio para persegui-lo. Han Xin então mandou um destacamento romper os sacos de areia, o que liberou um grande volume de água, que desceu o rio e impediu que a maior parte do exército de Long Ju atravessasse. Em seguida, Han Xin avançou contra a força isolada e a aniquilou, matando inclusive o próprio Long Ju. O restante do exército, na outra margem, se dispersou e fugiu para todos os lados”. Se desejar batalha, Não confronte o inimigo Perto do rio. DU MU: Ou ele terá ressalvas e não atravessará. DU YOU: Se você esperar o inimigo perto demais do rio, ele não atravessará [e, portanto, o privará da oportunidade de atacar]. Ocupe terreno alto e Se vire para o aberto. ZHANG YU: Agrupe suas tropas na margem ou baixe as âncoras de seus barcos no próprio rio; qualquer que seja o caso, é essencial se manter acima do inimigo e ficar voltado para campo aberto e ensolarado. Não avance Contra a corrente. DU MU: Não se posicione a jusante, para que o inimigo não abra as comportas e inunde seu exército. ZHANG YU: [O reino de Wu atacou o de Chu.] Chu deu ordem para que seu ministro consultasse o oráculo [quanto ao resultado da batalha]. A resposta não foi favorável. O marechal Sima disse: “Nós estamos a montante, como pode não ser favorável?”. Então eles atacaram Wu e venceram. JOHN MINFORD: Este é o sétimo estratagema no Baizhan qilüe, uma obra que provavelmente data do início da dinastia Ming e que se fundamenta em máximas do Mestre Sun e outros tratados militares. O exemplo histórico é o mesmo que o descrito por Zhang Yu. São as posições da Guerra em rio. Cruze pântanos Rápido; Não se demore. WANG XI: Terrenos salobres e baixos não oferecem sustento algum. ZHANG YU: Atravesse rapidamente esses terrenos úmidos e nocivos, de vegetação escassa. Se precisar lutar Em pântanos, Fique perto dosJuncos E defronte Às árvores. LI QUAN: Se você for obrigado a permanecer e lutar, essa posição será menos perigosa e vulnerável. São as posições em Pântanos. Em planícies, Ocupe terreno fácil. CAO CAO: Terreno adequado para bigas e cavalaria. JOHN MINFORD: Isso é ideia de Cao Cao. O uso de cavalaria se difundiu no século IV a.C. graças principalmente aos bárbaros nômades (os xiongnu). Mas, na época do Mestre Sun, se o situarmos na primeira metade do século V a.C., havia bigas e arqueiros a cavalo, mas não uma cavalaria constituída. DU MU: Terreno fácil é liso e firme. ZHANG YU: Planície, sem depressões e cavidades, adequada para ataques rápidos e súbitos. Deixe o terreno alto Para trás e à direita: DU MU: Disse o Grande Duque: “Um exército deve manter um córrego ou pântano à esquerda e uma colina ou um moledro à direita”. JOHN MINFORD: Perceba a semelhança entre esse conselho e os prestados por especialistas em geomancia no que tange à localização de residências. Nos dois casos, ao “cliente” se recomenda que extraia o máximo de proveito da “dinâmica” da situação e das características topográficas. Deixe a morte à frente E a vida atrás. DU MU: Morte é baixo; vida é alto. ZHANG YU: Embora o Mestre Sun chame de “planície”, existem pequenas elevações, e essas devem estar situadas atrás e à direita, para que possamos tirar proveito do terreno; o terreno baixo deve ficar à nossa frente e o alto, atrás, para que possamos lançar um ataque veloz. São as posições em Planície. Por observar Esses quatro tipos de posição, ZHANG YU: Montanha, rio, pântano e planície. O Imperador Amarelo Derrotou Os Quatro Imperadores. LI QUAN: O Imperador Amarelo recebeu o tratado militar de seu ministro, Feng Hou. JOHN MINFORD: Era comum a noção de que o conhecimento de estratégia militar, assim como o de sexualidade, medicina, geomancia e outras áreas das ciências ocultas, teria sido revelado misteriosamente ao Imperador Amarelo, o grande ancestral mítico da civilização chinesa, em geral por uma mulher (guardiã dos assuntos arcanos). Segundo uma versão (provavelmente muito posterior) da lenda, o Imperador Amarelo repousou por três noites em uma bruma no cume sagrado do monte Tai e lá lhe foram revelados os segredos de um tratado militar, não por um ministro, mas pela Jovem Sombria, uma criatura meio humana, meio pássaro. Dizia-se também que Zhang Liang teria recebido seu tratado militar (As três estratégias do Duque da Pedra Amarela) de um ancião estranho que ele reencontrou treze anos depois com a forma de uma pedra amarela; e Sun Bin foi instruído pelo misterioso Mestre do Vale dos Espíritos. Essa referência ao Imperador Amarelo ocorre de forma bastante expandida no texto das Tiras de Bambu, que lista os outros quatro imperadores que ele derrotou (Vermelho, Verde, Preto e Branco). Exércitos prezam terreno alto, Negam o baixo; MEI YAOCHEN: Terreno alto não é só cômodo e salutar, mas também estrategicamente superior; terreno baixo não é só úmido e nocivo, mas também prejudicial para o combate. Eles estimam Yang, Evitam Yin. ZHANG YU: Yang é leste e sul; Yin é oeste e norte. MEI YAOCHEN: Terreno Yang é luminoso e fácil; terreno Yin é escuro e resistente. JOHN MINFORD: Neste trecho, tanto o tradutor francês Jean Levi quanto seu antecessor, Marcel Granet, usam para Yang e Yin os termos provençais adret e ubac, a face ensolarada e a escura da montanha, alinhados à interpretação tradicional dos comentaristas chineses, o que parece perfeitamente natural neste contexto. Mas Levi destaca, com razão, que as palavras chinesas têm uma gama de sentidos muito mais ampla e abstrata. Nos primeiros versos do capítulo 1, o Mestre Sun já se refere a Yin e Yang como um aspecto do Céu, um dos Cinco Fundamentos de todo planejamento militar. Isso inspira os comentaristas chineses a se lançarem em longas especulações. Mas não se deve esquecer que até mesmo os primeiros comentaristas viveram séculos depois do Mestre Sun, que por sua vez tinha muito menos interesse pelos mistérios da polaridade Yin-Yang. O tratado de seu descendente, Sun Bin, é muito mais carregado com a terminologia e filosofia de Yin e Yang. Nutra a vida, Ocupe terreno sólido. Suas tropas serão fortes, A vitória será certa. DU MU: A força vital é Yang; terreno sólido é elevado. Nutra a força vital de seu exército em terreno elevado e assim não sofrerá com a umidade e outras mazelas de Yin. Você terá saúde e a vitória. Em morro, Colina, Margem Ou barragem, Ocupe Yang, Com terreno alto Atrás e à direita. DU MU/MEI YAOCHEN: Ocupe o flanco oriental e o sul, não necessariamente em locais elevados, mas em uma posição com visibilidade clara à frente e o terreno “sólido” elevado atrás e à direita. ZHANG YU: Um aspecto Yang significa clareza; o terreno alto atrás significa segurança. Use o terreno A favor de seu exército. MEI YAOCHEN: A dinâmica estratégica do terreno trabalha a seu favor. Quando as chuvas no rio Produzem enchente, Espere a água baixar Antes de cruzar. Se do Céu você vir Torrentes, CAO CAO/MEI YAOCHEN: Águas portentosas em ravinas profundas. JOHN MINFORD: Sigo aqui a correção textual de Wang Xi, tal como propõe Wu Jiulong. Poços, CAO CAO/MEI YAOCHEN: Lugares cercados por encostas íngremes de todos os lados, com lagos no fundo que recolhem a água das torrentes. Becos, MEI YAOCHEN: Lugares cercados por precipícios em três lados — fáceis de entrar, mas difíceis de sair. Forros, MEI YAOCHEN: Matas de vegetação tão densa que impedem o uso de lanças. Trapas, MEI YAOCHEN: Lodaçais rebaixados que impedem a passagem de bigas e cavaleiros. Desfiladeiros: MEI YAOCHEN: Passos estreitos entre penhascos elevados. JOHN MINFORD: Em um fragmento citado por uma fonte posterior, esses Desfiladeiros do Céu aparecem junto com “moledros obscuros e muralhas antigas” como lugares a se evitar em uma guerra. Ver Li Ling (1991, p. 181). Escape deles O quanto antes. Não se aproxime. Fique longe, Deixe o inimigo Se aproximar. Fique de frente; Deixe que o inimigo Os tenha atrás. SUN BIN BINGFA, capítulo 8: Os cinco terrenos letais são: Poços do Céu, Becos do Céu, Forros do Céu, Desfiladeiros do Céu e Fossos do Céu. Essas Cinco Tumbas são a morte [armadilhas]. Não fique nelas. Se marchar por Ravinas, Pântanos, Brejos e mangues, Florestas em montanha, Mata densa: Cuidado, Explore com diligência. São locais De emboscadas, De espiões. ZHANG YU: Precisamos também nos resguardar contra traidores que possam aguardar à espreita, espiando nossas fraquezas e escutando nossas ordens. Quando o inimigo está Próximo E não age, Ele conta com Posição forte; WANG XI: Sua posição é forte, então ele não tem medo. GILES: Aqui começam os comentários do Mestre Sun sobre a leitura dos sinais, muitos dos quais são tão bons que quase poderiam fazer parte de um manual moderno como Aids to Scouting, do general Baden-Powell. Se está Distante E provoca batalha, Quer que seu oponente Avance. GILES: Provavelmente porque estamos em uma posição forte que o inimigo quer que abandonemos. DU MU: Se ele se aproximasse de nós e tentasse nos impor uma batalha, seria um aparente gesto de desdém contra nós, e provavelmente não responderíamos ao desafio. Então ele mantém a distância. CHEN HAO: Ao instigar nosso avanço, ele aproveitará a oportunidade para atacar. Se está Em terreno fácil, Quer nos atrair. ZHANG YU: Se o inimigo abandonou o terreno forte e se posicionou em lugar exposto, deve ser porque há alguma vantagem desconhecida ou porque ele quer nos atrair para a batalha. Se árvores balançam, Está a caminho. CAO CAO: Eles estão derrubando árvores para abrir caminho. ZHANG YU: Todo exército envia batedores para escalar lugares elevados e observar o inimigo. Se um batedor vê que as árvores de uma floresta se mexem e balançam,pode deduzir que elas estão sendo derrubadas para abrir caminho para a marcha do inimigo. Outra interpretação possível é de que estão coletando lenha para fazer armas. Se pavilhões aparecem Na mata, Ele quer Nos confundir. DU YOU: A presença de pavilhões ou abrigos no meio de uma vegetação densa é sinal certo de que o inimigo fugiu e, com receio de ser perseguido, construiu esses esconderijos para nos fazer desconfiar de emboscadas. GILES: Parece que esses “pavilhões” eram tecidos às pressas com qualquer capim que o inimigo em retirada encontrasse pelo caminho. Aves que alçam voo São sinal De emboscada; ZHANG YU: Se os pássaros que estão voando em linha reta sobem de repente para as alturas, é sinal de que os soldados estão preparando uma emboscada abaixo. Animais assustados São sinal De ataque-surpresa. ZHANG YU: Ataques-surpresa geralmente partem de algum ponto elevado ou de um lugar de vegetação densa, e isso assusta as criaturas que se abrigam ali e as faz se movimentar de repente. Nuvem de poeira alta É sinal De cavalaria; MEI YAOCHEN: Cavalos e bigas são mais pesados do que homens e produzem uma nuvem mais alta de poeira. ZHANG YU: Eles também se mantêm na mesma trilha, de modo que a poeira sobe mais em colunas. Todo exército em marcha envia batedores à frente que, ao ver a poeira erguida pelo inimigo, voltam a galope para informar o comandante. JOHN MINFORD: Giles nos oferece uma frase de Aids to Scouting, de Baden-Powell: “Conforme você avança, digamos, por território hostil, seus olhos precisam contemplar a distância, em busca do inimigo ou de qualquer sinal que o denuncie: vultos, poeira, pássaros alçando voo, reflexo de armas etc.”. Nuvem de poeira baixa É sinal De infantaria; DU MU: Soldados de infantaria avançam devagar, lado a lado, então a poeira fica mais baixa e espalhada. Poeira em focos dispersos É sinal De coleta de lenha; ZHANG YU: Os homens são enviados em grupos para coletar lenha em lugares diversos, de modo que a poeira sobe em focos dispersos. Poeira em nuvens espalhadas É sinal De acampamento. ZHANG YU: Para se planejar as defesas do acampamento, pequenos grupos de cavalaria ligeira serão enviados em todas as direções a fim de examinar a posição e determinar os pontos fracos e fortes. Daí as pequenas nuvens espalhadas de poeira. Palavras gentis, acompanhadas De mais preparativos, São sinal De ataque iminente; DU MU: Os emissários do inimigo vêm a nós com palavras conciliatórias. Enquanto isso, o inimigo se ocupa de fortificar sua posição. Eles parecem nos temer, mas o objetivo verdadeiro é inspirar desprezo e nos fazer relaxar, e depois eles nos atacarão. ZHANG YU/SHIJI/GILES: O general Tian Dan, de Qi, defendia a cidade de Jimo, cercada pelas forças de Yan sob o comando do general Qi Jie [partes desta história famosa já foram mencionadas pelos comentaristas do capítulo 2, onde ela ilustra a importância da raiva para a motivação das tropas, e também no capítulo 3, onde serve de exemplo de vitória conquistada a partir de uma situação de fraqueza, em que o exército reserva suas forças e aguarda uma oportunidade]. [Quando soube que seus homens estavam prontos para a luta], o general Tian [para surpresa geral] pegou um sacho e começou a trabalhar junto com seus soldados, e também incluiu as esposas e concubinas dos homens nas fileiras. Ele distribuiu as últimas rações. Soldados de carreira receberam ordens para se esconder, e as mulheres, para subir às muralhas da cidade. Emissários foram enviados ao acampamento inimigo para se render. O comandante de Yan ficou em júbilo. O general Tian então recolheu uma grande quantidade de prata dos cidadãos e mandou os moradores ricos de Jimo levarem tudo ao comandante de Yan e suplicar que, “quando nossa cidade se render, por favor, não saqueie nossas casas nem capture nossas esposas e concubinas”. Qi Jie, felicíssimo, atendeu à súplica deles; mas, como resultado, seus homens no acampamento relaxaram e ficaram mais negligentes do que nunca. Enquanto isso, Tian Dan reuniu mil touros, cobriu-os com pedaços de seda vermelha, pintou seus corpos com listras coloridas, para imitar dragões, e prendeu lâminas afiadas nos chifres e ramos de junco embebidos de óleo nos rabos. Ao anoitecer, ele acendeu a ponta dos juncos e fez os touros saírem por alguns buracos que havia aberto nas muralhas, e enviou também uma força seleta de 5 mil homens. Os animais, enlouquecidos de dor, correram furiosamente até o acampamento do inimigo, onde provocaram imensa confusão e angústia; seus rabos pareciam tochas, iluminando os desenhos monstruosos no corpo dos animais, e as armas nos chifres mataram ou feriram qualquer um que passasse pelo caminho. Enquanto isso, os 5 mil haviam se aproximado com a boca escancarada e se lançaram contra o inimigo. No mesmo instante, um estardalhaço assustador ressoou da própria cidade, quando todos os que ficaram para trás começaram a fazer o máximo de barulho possível, batendo em tambores e recipientes de bronze, e céu e terra explodiram com os estrondos. Apavorados, os soldados de Yan fugiram caoticamente, acossados pelos homens de Qi, que conseguiram matar o general Qi Jie. O resultado da batalha foi a posterior recuperação de cerca de setenta cidades que haviam pertencido ao reino de Qi. Palavras firmes, acompanhadas De avanço agressivo, São sinal de Retirada iminente. CAO CAO: Ardis. Bigas leves Que saem primeiro Nos flancos São sinal de Formação de batalha. CAO CAO: Eles querem lutar. Palavras de paz, Mas sem tratado, São sinal de Artifício. LI QUAN: Se começam conversas sobre paz, mas nada de tratado, há um artifício em curso. Foi o que Tian Dan fez em Jimo. CHEN HAO: Se o inimigo pedir paz sem motivo, deve ser porque seu país está com dificuldades e ele deseja obter uma trégua. Ou ele sabe de alguma maneira de nos prejudicar e quer despistar nossa desconfiança com promessas de paz. E então ele avançará. Muita correria GILES: Todos os homens correndo para o devido posto junto ao estandarte de seu regimento. E agitação de soldados São sinal de Expectativa. LI QUAN: Estão prestes a ir à batalha. GILES: É chegado o momento crucial. Alguns avançando E alguns recuando São sinal de Engodo. DU MU: Confusão dissimulada, pensada para nos fazer avançar. Soldados imóveis E apoiados nas lanças Indicam grande Fome. LI QUAN: Estão fracos demais para se manter em pé. Aguadeiros Bebendo na frente Indicam grande Sede. ZHANG YU: Se os aguadeiros bebem antes de voltar ao acampamento com a água, há de se imaginar a sede do resto do exército. Vantagem vista, Mas sem ação, Indica total Exaustão. ZHANG YU: Eles sabem que estão esgotados demais para lutar, então, mesmo se virem uma oportunidade, não se atreverão a aproveitá-la. Aves voejam Em área vazia. CHEN HAO: Se o inimigo abandonou o acampamento, as aves já não terão medo e se agruparão no solo. […] O Mestre Sun nos mostra como distinguir entre a verdade e a mentira na situação do inimigo. Gritos à noite São sinal de Medo. DU MU: O medo deixa os homens inquietos. Eles gritam à noite, para dar coragem. Confusão na tropa É sinal de Que o general Não tem respeito. CHEN HAO: Quando as ordens do general são irresolutas e seu comportamento, desonroso, os oficiais ficarão confusos. Estandartes em movimento São sinal de Desordem. DU MU: Quando o duque Zhuang de Lu derrotou Qi em Changshao, Cao Gui pediu para perseguir o exército de Qi. O duque perguntou o motivo, e ele respondeu: “Vi que os rastros das bigas deles são caóticos, e que seus estandartes estão caídos. É por isso que quero persegui-los”. (Ver Zuozhuan, tradução de Legge, pp. 85-6.) Se oficiais São irritáveis, Os homens se fartam. CHEN HAO: Quando o general embarca de forma impetuosa em projetos desnecessários, seus homens se esgotam. Sedão Grãos aos cavalos E carne aos homens; GILES: Tipicamente, os homens se alimentam de grãos e os cavalos comem sobretudo feno. JOHN MINFORD: Os comentaristas não sabem ao certo se isso se refere a carne de cavalo ou a gado abatido. De qualquer forma, são medidas desesperadas. Se não Penduram panelas E não Voltam às barracas; É porque estão No fim. MEI YAOCHEN: Eles abandonam as panelas para não cozinhar mais; dormem ao relento e não voltam às barracas; isso significa que pretendem travar uma batalha decisiva, que estão determinados a alcançar a vitória. JOHN MINFORD: A última palavra no texto do Mestre Sun, qiongkou (literalmente, “acossado”) parece ser original dele, que também a usa no capítulo 7. Levi utiliza o expressivo termo francês aux bois, que evoca a imagem de um cervo “acossado” enquanto a matilha de cães uiva, ou seja, um inimigo “contra a parede”. Como o Mestre Sun ressalta diversas vezes, esses homens são perigosos. Homens aos sussurros, Em pequenos grupos, DU MU: Sussurros baixos. São sinal de Desgosto. Recompensas em excesso São sinal de Desespero. DU MU/GILES: Quando um exército está cercado, é constante o medo de revolta, e os homens recebem recompensas vultosas para ficarem contentes. Castigos em excesso São sinal de Exaustão. GILES: Porque, nesse caso, a disciplina relaxou, e é preciso recorrer a severidade extraordinária para obrigar os homens a cumprir com suas obrigações. Se o general ora mostra Tirania Ora temor Aos próprios homens, É sinal de Suprema incompetência. HE YANXI: O general competente precisa encontrar o equilíbrio entre tolerância e severidade. Emissários Com palavras a conciliar Desejam cessar. DU MU: Ou estão desesperados ou desejam fim das hostilidades por algum outro motivo. Conflito prolongado, Intenso, Sem enfrentamento Ou retirada, Há de se ver Com grande cuidado. CAO CAO/GILES: Esse tipo de manobra talvez seja apenas um estratagema para ganhar tempo até um ataque a um flanco inesperado ou enquanto se prepara uma emboscada. Na Guerra, Quantidade Não é problema. É caso de Atacar sem Exageração. WANG XI: Não conte apenas com força militar. Use planejamento, sabedoria estratégica e avaliação precisa do inimigo antes de agir. JOHN MINFORD: Como Giles comenta, esse trecho marca o começo da última parte do capítulo, que contém “algumas observações aleatórias, sobretudo no tópico da disciplina”. Alguns comentaristas modernos estabeleceram um paralelo com o esforço americano no Vietnã, onde uma força com recursos muito superiores foi impotente contra as táticas de guerrilha. Concentre sua força, Avalie a oposição E conquiste a confiança de sua tropa: Isso basta. O que, leviano, subestimar o inimigo Certamente será Capturado. CHEN HAO/GILES: Diz-se no Zuozhuan: “Abelhas e escorpiões produzem veneno; que dirá um reino hostil!”. Não se deve subestimar nem sequer um adversário minúsculo. Discipline a tropa Ainda não leal, E eles lhe Resistirão E terão pouca utilidade. Permita à tropa leal Indisciplina, E ela será totalmente Inútil. CAO CAO: Mesmo se já existir uma relação cordial de confiança e empatia, é preciso que haja disciplina, para que os homens não fiquem arrogantes, relaxados e pouco aproveitáveis. Lidere com Civilidade, Comande com Marcial disciplina, WANG XI/GILES: Nas palavras do Mestre Wu: “O comandante ideal junta cultura [wen] com temperamento marcial [wu]; a profissão das armas exige uma combinação de dureza e brandura”. E assim conquistará sua Confiança. Ordens coerentes e eficazes Inspiram obediência; Ordens incoerentes e ineficazes Provocam desobediência. Com ordens coerentes E eficazes, Entre general e tropa a Confiança é mútua. DU MU: Em tempos de paz, um general precisa demonstrar compreensão e confiança em relação aos homens e também cobrar respeito à sua autoridade, para que, quando se virem diante do inimigo, as ordens possam ser cumpridas e a disciplina, preservada, porque todos confiam nele e o admiram. ZHANG YU/GILES: O general confia nos homens sob seu comando, e os homens confiam na obediência que lhe devem. E assim a confiança é mútua. Disse o Mestre Weiliao: “A arte de dar ordens é não corrigir erros pequenos e não se deixar influenciar por dúvidas banais…”. GILES: Hesitação e contumácia são os caminhos mais diretos para a perda de confiança de um exército. 10 Formas de terreno ZHANG YU: Quando um exército sai em marcha e atravessa a fronteira, é preciso examinar as formas de terreno e [a partir daí] criar o rumo à vitória. Por isso, este capítulo se segue a “Em marcha”. JOHN MINFORD: A palavra xing, “forma”, serve bem de contraponto à palavra shi, que aparece no título do capítulo 5 e que foi traduzida muitas vezes (mas não sempre) como “energia potencial (ou dinâmica)”. Xing chegou a ser usada no título do capítulo 4 e aparece com frequência ali e no capítulo 6, em referência às formas externas, ou disposições, de um exército, que podem revelar muito a respeito das forças ou fraquezas subjacentes desse exército. Aqui, a palavra está sendo usada em conjunção com terra ou terreno. A energia latente da terra se manifesta em formas, modelos ou configurações reconhecíveis, ou seja, visíveis (no feng shui, certos formatos de montanhas e cursos d’água). No contexto militar, as formas ou configurações de terreno e as maneiras como elas são usadas por exércitos adversários são elementos essenciais do planejamento estratégico. Isso vem desde o capítulo 1, onde a Terra é o terceiro fundamento, depois do Tao e do Céu. O Mestre Sun já começou a tratar de terreno no capítulo anterior (abordando as manobras adequadas para montanhas, rios, pântanos e planícies). Ele se aprofunda no tema neste capítulo e no próximo. Mas, além de tratar de terreno, ele explora também algumas questões detalhadas e práticas relativas ao generalato. Disse o Mestre Sun: Existem diferentes formas de terreno: Acessível, MEI YAOCHEN/GILES: Terreno onde há abundância de estradas e outros meios de comunicação. Emaranhado, MEI YAOCHEN/GILES: Como uma rede, em que é fácil se emaranhar. JOHN MINFORD: Wu (1990, p. 170) cita Zhao Benxue, comentarista da dinastia Qing: “O terreno à sua frente é um declive fácil de percorrer, mas, na volta, o aclive é desfavorável”. Levi chama simplesmente de scabreux, que significa “irregular” ou “difícil”. Griffith usa entrapping, ou “traiçoeiro”. Embaraçado, MEI YAOCHEN: Terreno em que os dois lados protelam. JOHN MINFORD: Levi: neutralisant. Griffith: indecisive. Ames: standoff.* Cercado, MEI YAOCHEN: Um vale cercado por duas montanhas. Acidentado, MEI YAOCHEN: Montanhas e rios, sopés e penhascos. Afastado. MEI YAOCHEN: Terreno plano [em que dois exércitos ou acampamentos estejam separados por uma grande distância]. JOHN MINFORD: Giles trata a classificação em seis categorias com certo desdém: “É desnecessário destacar as deficiências dessa classificação. Há de se identificar uma estranha falta de percepção lógica na aceitação cega dos chineses em face de divisões tão indefinidas como essas”. Mais adiante, ele escreve: “Das seis formas de terreno acima, observe-se que a terceira [embaraçado] e a sexta [afastado] não fazem qualquer referência à configuração topográfica, e que apenas o quarto [cercado] e o quinto [acidentado] aparentam transmitir alguma noção definida de geografia”. Levi usa vez ou outra o termo théâtre [teatro] no lugar de terrain [terreno], terre [terra] ou lieu [lugar]. “Acessível” é onde Os dois lados Circulam sem entraves. Em terreno acessível, Aquele que ocupa Local Yang alto E garante Abastecimento Combate Com vantagem. JIA LIN/DU YOU: Não permita que o inimigo interrompa sua linha de abastecimento [e comunicação]. GILES: Du Mu, que não era soldado e provavelmente não desfrutava de qualquerexperiência prática de combate, entra em maiores detalhes e fala de usar uma muralha para proteger a linha de comunicação, ou de cercá-la de barrancos dos dois lados! Levando-se em conta a máxima de Napoleão de que “o segredo da guerra é a comunicação” (Pensées de Napoléon ier, n. 47),** poderíamos desejar que o Mestre Sun não tivesse se limitado a abordar apenas a superfície desse tópico importante nos capítulos 1 e 7. Diz o coronel Henderson: “Pode-se afirmar que a linha de abastecimento é vital para a existência do exército tanto quanto o coração é para a vida do ser humano. Assim como o duelista que se vê sob a ameaça de morte certa pelo sabre do adversário, e com sua própria guarda desfeita, é obrigado a se conformar aos movimentos do oponente e se limitar a rechaçar seus avanços, o comandante cujas comunicações se encontram de repente em perigo se vê em posição falsa, e ele será um homem de sorte se não tiver de alterar todos os planos, dividir suas forças em destacamentos mais ou menos isolados e combater com números inferiores em um terreno para o qual ele não teve tempo de se preparar, e onde a derrota não será mero fracasso, mas acarretará a ruína ou rendição de todo o exército” (The Science of War, capítulo 2). JOHN MINFORD: Local Yang alto e altitude Yang se referem às posições elevadas e ensolaradas voltadas para o sul. “Emaranhado” é onde É possível avançar, Difícil recuar. Em terreno emaranhado, Se o inimigo não tem preparo, Vá derrotá-lo. Mas, se tiver preparo, E nossa ação fracassar, Será difícil recuar. O resultado não nos dará Vantagem. ZHANG YU: Se você examinar cuidadosamente a situação do inimigo e concluir que ele está despreparado, pode realizar uma única ação e derrotá-lo. Mas, se ele estiver minimamente preparado e sua ação fracassar, você não terá condições de resistir e lutar, e tampouco terá rota de fuga. “Embaraçado” é onde Nenhum dos lados vê Vantagem Em agir. DU YOU: Nenhum dos lados vê vantagem em agir, e a situação permanece embaraçada. Em terreno embaraçado, Mesmo se nosso inimigo Der uma isca, Nós não agimos; Melhor atraí-lo; Melhor recuar. E quando metade da tropa dele Sair, Será o momento Do ataque. WANG XI: O inimigo se recusa a agir; prepare alguma emboscada astuta e simule uma retirada. Engane-o com um ardil e o faça lançar uma ofensiva contra você. ZHANG YU: A Arte da guerra de Li Jing [571-649] diz: “Em terreno que não ofereça vantagem para nenhum dos lados, devemos simular retirada para atrair o inimigo, esperar até que metade de seu exército tenha se exposto, e interceptá-lo”. Em terreno cercado, Se ocuparmos antes, Há de se bloquear E esperar o inimigo. Se ele ocupar antes e bloquear, Não persiga; Se ele não bloquear, Persiga. ZHANG YU: Existem montanhas altas dos dois lados e um vale plano no meio. Somos obrigados a usar destacamentos para bloquear os acessos e evitar que o inimigo adentre o vale. Assim, podemos realizar ataques-surpresa, e ele não poderá nos acossar. Mas, se o inimigo ocupar essa posição antes, se conseguir bloquear os acessos ao vale, não podemos persegui-lo. Se ele não tiver soldados suficientes para defender os acessos ao vale, aí podemos atacá-lo e conquistar a vitória. É a esse tipo de terreno que o Mestre Wu chama de Forno do Céu, onde “não se deve entrar”. JOHN MINFORD: Compare os Fornos do Céu (já mencionados por Du Mu no capítulo anterior) com a lista oferecida depois no mesmo capítulo (Torrentes, Poços, Becos, Forros, Trapas e Desfiladeiros do Céu). Em terreno acidentado, Se ocuparmos antes, É bom dominar a altitude Yang E esperar o inimigo. Se o inimigo ocupar antes, Não persiga, Apenas atraia Com retirada. CAO CAO/GILES: A vantagem de se ocupar locais altos e desfiladeiros é que suas ações não poderão ser determinadas pelo inimigo. ZHANG YU/GILES: Se convém que um exército seja o primeiro a ocupar uma planície, que dirá um terreno difícil e perigoso? Aqui, a iniciativa jamais deve ser permitida ao inimigo. Ocupe a altitude Yang e espere o inimigo se cansar — isso trará a vitória. Se o inimigo já controlar a altitude, recue com toda celeridade e não ataque. Pei Xingjian [619-682] foi enviado em uma expedição contra as tribos túrquicas e, ao anoitecer, armou acampamento. Depois de construídos os muros e fossos, ele deu ordem para que o exército se deslocasse para uma colina próxima. Os oficiais não gostaram e reclamaram que não queriam deixar seus homens esgotados. Pei insistiu e deu ordem para que a mudança fosse feita o mais rápido possível. Naquela noite houve uma tempestade violenta, e o acampamento anterior foi inundado por uma enchente com metros de profundidade. Os oficiais ficaram espantados. Daí se percebe que a altitude não é vantajosa apenas para a conquista da vitória, mas também serve de proteção contra o perigo das enchentes. Em terreno afastado, Onde as forças se equilibram, É difícil provocar batalha, E um confronto Não trará vantagem. ZHANG YU: Quando os dois acampamentos estão afastados um do outro e os dois exércitos têm poderio semelhante, o melhor é não sairmos de onde estamos, esperar que o inimigo aja antes e não provocar batalha. MEI YAOCHEN: Se as forças estão equilibradas [e os dois exércitos estão distantes um do outro], seria exaustivo fazermos uma longa marcha para desafiar um inimigo descansado. JOHN MINFORD: A palavra que o Mestre Sun usa aqui (e que foi traduzida como “força”) é shi, que em outras partes foi traduzida como “dinâmica” ou “energia potencial”. Há controvérsias entre os comentaristas quanto a se, nesse trecho, ele se refere à shi do terreno ou dos exércitos em conflito. Como ressalta Giles, o mais importante é que “não podemos considerar uma marcha longa e cansativa que acabará nos deixando exaustos diante de um adversário arguto e cheio de vigor”. Esses seis compõem O Caminho do Terreno. É dever do general Estudar com diligência. MEI YAOCHEN: As formas de terreno são um fator fundamental para auxiliar um exército a chegar à vitória e precisam ser examinadas com cuidado. Na Guerra, Estas não são Calamidades naturais, Mas culpa Do general: ZHANG YU: Estas são as seis formas de derrota que podem ser atribuídas a causas humanas. Fuga, JOHN MINFORD: O 36o e último estratagema de Sanshiliu ji (o sexto no último grupo de estratégias reservadas para a derrota) tem como título apenas “Fugir é melhor”. Hoje em dia, existe na China uma expressão coloquial que alude à “36a opção” — isto é, à fuga, ou a sair antes que seja tarde demais. Impotência, JOHN MINFORD: A palavra chinesa remete literalmente ao desprendimento da corda de um arco, ou seja, a relaxamento, negligência, fraqueza, indisciplina, talvez insubordinação. Como observado pelos comentaristas, isso é resultado da liderança ruim dos comandantes. Declínio, JOHN MINFORD: A palavra chinesa xian significa atolar-se ou afundar- se em pântanos ou areia movediça, ou decadência, ou vícios. Aqui, remete ao declínio ou colapso do moral nos níveis inferiores da hierarquia. Colapso, Caos, Ruína. Se as forças estão em equilíbrio, MEI YAOCHEN: Além do tamanho dos contingentes. ZHANG YU: Forças aqui se referem à valentia e inteligência dos comandantes e à qualidade de suas armas. JOHN MINFORD: Aqui, mais uma vez, força é shi, a força ou dinâmica potencial subjacente. Mas o exército enfrenta um Dez vezes maior, O resultado é Fuga. CAO CAO: O general avaliou incorretamente a força dos exércitos. LI QUAN: Entretanto, com a vantagem do terreno e ajuda de estratagemas como um ataque-surpresa ou uma emboscada, talvez ainda seja possível [evitar a fuga]. WANG XI: Fuja antes de entrar na batalha. Quando os soldados são fortes, Mas os oficiais, fracos, O resultado é Impotência. DU MU: Quando os soldados são cheios de arrogância e seus comandantes, incompetentestarde, em 228 d.C., cinco anos depois da morte do próprio Liu Bei. No capítulo 95 do livro, Zhuge está encurralado na cidade de Xicheng (Cidade Ocidental), com uma força irrisória de 5 mil homens, contra 150 mil soldados do reino de Wei, do Norte, liderados pelo renomado marechal Sima Yi: O Dragão Adormecido destacou metade de seus homens para levar grãos e forragem da cidade até o acampamento onde se encontrava o grupo principal de suas forças, restando meros 2500 soldados na cidade. [Neste ponto, o perspicaz comentarista Mao Zong’gang, do século XVII, observa: Dois mil e quinhentos contra 150 mil? Vamos ver como o Mestre Dragão Adormecido se sai agora!] Seus oficiais ficaram horrorizados com as circunstâncias. O Dragão Adormecido subiu às ameias para observar a situação pessoalmente e, com efeito, lá se encontravam as duas colunas do vasto exército de Wei, levantando enormes nuvens de poeira em seu caminho rumo à cidade. Ele então deu ordens para esconderem todos os estandartes e pendões militares [Mao: Estranho! Curioso!] e anunciou que todos os soldados deveriam permanecer em seus alojamentos. Qualquer um que fizesse barulho ou fosse flagrado nas ruas seria decapitado no mesmo instante. [Definitivamente curioso!] Ele deu ordem para que fossem abertos os quatro portões da cidade, e que em cada portão fossem posicionados vinte soldados, com trajes civis e a instrução de agir com naturalidade, regando o solo e varrendo as ruas. [Mais e mais curioso! Dois mil e quinhentos não seriam capazes de resistir a 150 mil, mas vinte, sim! Que engenhoso!] “Quando o inimigo chegar”, determinou Zhuge Liang, “ninguém se mexa. Deixem tudo comigo. Tenho um plano.” [O que será que o Dragão Adormecido está escondendo?] O Mestre então vestiu seu manto taoista, forrado com penas de ganso da maior qualidade, e o véu de seda e subiu até a torre acima do portão principal, acompanhado de dois pajens e levando consigo seu alaúde. Ali, ele acendeu incenso, sentou-se e se pôs a tocar tranquilamente uma melodia. [Curioso! Engenhoso! Como em seus velhos tempos de ermitão! Sem dúvida a melodia que ele estava tocando nas cordas de seda do instrumento aniquilaria o inimigo…] Os batedores do marechal Sima Yi, o líder inimigo, já se encontravam diante da cidade e, ao verem esse estranho cenário, decidiram voltar às pressas para informar ao comandante, em vez de se aventurar para além das muralhas. Sima deu risada e achou inacreditável o que seus homens lhe disseram. [E eu também, até hoje!] Ele deu ordem para que seu exército interrompesse a marcha e se adiantou a galope até um local de onde poderia observar a situação com seus próprios olhos. E, com efeito, lá estava o Dragão Adormecido, sentado acima do portão, com um sorriso no rosto e o alaúde nas mãos, cercado por nuvens de incenso. À sua esquerda estava um pajem, segurando uma espada cerimonial; à direita, outro pajem, com um moscadeiro, símbolo do sacerdote-mago taoista. Nos arredores do portão, cerca de vinte pessoas pareciam limpar a cidade, casualmente. Não havia mais vivalma à vista. O marechal Sima se encheu de dúvida. [Também eu, até hoje! Deve ter sido uma cena extraordinária!] Ele voltou para o seu exército e deu ordem para que os homens se voltassem ao norte e recuassem para as colinas. Seu filho protestou: “O Dragão Adormecido sem dúvida está fazendo isso justamente porque não tem homens. Por que está recuando, pai?”. [Mais esperto do que o pai…] “Eu conheço o Dragão Adormecido”, respondeu o marechal. “Ele sempre foi um homem muito cauteloso. Nunca se arrisca. Tenho certeza de que os portões abertos são apenas um estratagema. Com certeza ele preparou uma emboscada. Se entrarmos, cairemos em sua armadilha. Você é jovem demais para entender. Precisamos recuar a toda velocidade.” Então as duas colunas do exército de Wei deram meia-volta e recuaram. Zhuge, vendo-os irem embora, riu e juntou as mãos. Seus oficiais ficaram impressionados e suplicaram uma explicação ao comandante. [Sem dúvida o Dragão Adormecido havia entoado algum “feitiço de retirada” em seu instrumento…] “O marechal sempre me teve por um homem cauteloso”, começou Zhuge. “Ele sabe que eu nunca me arrisco. Fatalmente desconfiaria de uma emboscada. É por isso que decidiu recuar. [Ele sabia que o inimigo conhecia seu comportamento típico; e, portanto, agiu de forma atípica… Brilhante! Genial!] Não foi uma aposta. Eu simplesmente não tinha alternativa…” Seus oficiais ficaram espantados diante da genialidade inescrutável de seu comandante.5 Dois antigos comentaristas de A arte da guerra relatam uma versão mais abreviada dessa fábula (que provavelmente é apócrifa — em termos históricos, o marechal Sima Yi estava em outro lugar na época). Os comentários deles são inseridos logo depois do enunciado do Mestre no capítulo 6: “Se não desejo combater, posso me resguardar com apenas uma linha traçada no chão. O inimigo não me enfrenta em combate: eu o distraio para outro sentido”. Sem dúvida o mago Zhuge Liang estava separado do gigantesco exército de Wei por algo mais do que uma linha. O “Ardil da Cidade Vazia”, como se tornaria conhecido o caso, foi reproduzido graficamente por muitos cronistas medievais e viria a inspirar óperas e xilogravuras populares (nianhua — em algumas dessas, o Dragão completa a cena relaxando com uma taça de vinho diante de si).6 É o 32o estratagema de Sanshiliu ji [Os 36 estratagemas] (uma compilação popular de peças de sabedoria militar chinesa tradicional, de origem obscura), apresentado como uma estratégia psicológica astuta para ser usada em circunstâncias desesperadas. Também contribui para ilustrar a 43a estratégia em Baishan qilüe [Cem estratégias incomuns] (mais uma compilação popular, provavelmente da dinastia Song).7 Aqui, a “estratégia incomum” descrita é o uso sutil de ilusão, como mentira ou blefe, contra um inimigo numericamente superior, o que Joseph Needham chama de “obter o efeito desejado por meio do uso discreto das aparências, evitando assim uma batalha de fato”.8 Essas duas obras posteriores se baseavam em grande parte no tratado muito mais antigo do Mestre Sun. Ao próprio Zhuge Liang, o Dragão Adormecido, é atribuído o (improvável) crédito por uma breve análise em A arte da guerra,9 enquanto Cao Cao, adversário de Zhuge em suas primeiras campanhas (ele morrera antes da época da Cidade Vazia), é o principal comentarista de A arte da guerra do Mestre Sun.10 Tanto Cao Cao quanto o Dragão Adormecido são referências clássicas na China, símbolos de perícia militar e astúcia estratégica, enquanto A arte da guerra do Mestre Sun e Sanguo yanyi seguiram fascinando a imaginação popular chinesa no século XXI.11 Tanto o tratado quanto o romance exerceram influência considerável no presidente Mao, e a deslumbrante adaptação serializada de Sanguo yanyi para a televisão nos anos 1990 conquistou enormes índices de audiência em Hong Kong, Taiwan e na China. Versões de A arte da guerra em tirinhas de quadrinhos costumam ser sucesso de vendas junto ao público falante de chinês, e também continua crescendo a quantidade de sites (em chinês, japonês e inglês) dedicados ao Mestre Sun.12 Dos provérbios à cultura popular O Guerreiro Hábil jamais busca a guerra; o Guerreiro Hábil jamais se enfurece; o que tem habilidade para derrotar o inimigo jamais se esforça. (Tao Te Ching,** capítulo 68) O Estrategista Hábil derrota o inimigo sem combater. (A arte da guerra, capítulo 3) Na guerra, é melhor atacar mentes, não cidades; a guerra psicológica é melhor do que o combate com armas [Mao Zong’gang: Estas palavras não aparecem em A arte da guerra. São o ápice da Arte, superiores até mesmo aos ensinamentos do Mestre Sun e do Mestre Wu]. (Sanguo yanyi, capítulo 87) “Conhece o inimigo, conhece a ti mesmo, e a vitória será sempre certa, mesmo em cem batalhas.” Não se deve subestimar a sabedoria dessas palavras do Mestre Sun, o grande pensador militar da China Antiga.e incapazes de liderar, o resultado é um estado generalizado de declínio e impotência. No início da era Chang- qing de nossa dinastia atual [ou seja, Tang, 821 d.C.], Tian Bu foi posto à frente de um exército para enfrentar Wang Tingcou. Mas seus soldados o tratavam com o máximo desprezo e vadiavam pelo acampamento aos milhares, montados em burricos. Tian Bu não conseguia controlá-los. Meses depois, quando ele finalmente quis ir à batalha, seus homens deram meia-volta e fugiram. Tian Bu acabou se suicidando. Quando os oficiais são fortes, Mas os soldados, fracos, O resultado é Declínio. CAO CAO: Os oficiais são fortes e querem avançar, mas os soldados são fracos e se dispersam. O resultado é derrota. DU MU: Se os soldados são medrosos e fracos, e sua força é avaliada de forma incorreta, eles serão enviados para uma armadilha mortal. Quando oficiais superiores se irritam E se rebelam E vão à batalha Por ressentimento, Antes que o general possa avaliar As chances de vitória, CHEN HAO: Eles lutam sem se importar com sua capacidade de vencer. Por isso, são derrotados. O resultado é Colapso. GILES: Du Mu oferece um extenso trecho do Zuozhuan [Duque Xuan, XII, 3], demonstrando como a grande batalha de Bi [597 a.C.] foi perdida para o reino de Jin devido à impetuosidade de Xian Gu e ao ressentimento de Wei Yi e Zhao Zhan. [Compare com Watson, The Tso Chuan, p. 89: “O gesto impetuoso de Xian Gu de cruzar o rio Amarelo com a tropa sob seu comando, contrariando as ordens do comandante supremo da expedição, levou à travessia do restante do exército de Jin e, com o tempo, precipitou a onerosa batalha de Bi”. Na página 94, Watson faz referência a Wei Yi e Zhao Zhan como “dois insatisfeitos” de Jin que conseguiram enfurecer o reino de Chu com seu comportamento provocante.] JOHN MINFORD: Levi destaca a indisciplina e impetuosidade dos “tenentes”. Foi o que aconteceu com os oficiais franceses na Batalha de Azincourt (1415), como ele comenta: “Soldados valentes, mas sem absolutamente qualquer disciplina”. Quando o general é fraco, E de pouca severidade, Quando suas ordens Não são claras, WEILIAOZI, capítulo 4/GILES: Se o oficial dá as ordens sem hesitar, os homens não precisarão ouvir duas vezes; se ele age sem hesitar, os homens jamais perderão a vontade de lutar. WUZI BINGFA, capítulo 3/GILES: O maior erro na guerra é a hesitação; as piores calamidades que podem afligir um exército resultam de indecisão. JOHN MINFORD: Giles cita Baden-Powell, Aids to Scouting, p. xii: “O segredo para fazer com que seus homens treinados realizem um trabalho de qualidade reside em um simples fator: a clareza das instruções que lhes são dadas”. Quando oficiais e soldados Carecem de regras, DU MU: Sem rotina regular. E a tropa É relapsa, O resultado é Caos. Quando o general Subestima o inimigo E envia uma força menor Contra uma maior, Um contingente fraco Contra um forte; Quando não forma Uma boa vanguarda, O resultado é Ruína. CAO CAO: Nessa situação, é certo que suas tropas fujam. ZHANG YU/GILES: Se os homens mais corajosos não forem escolhidos para a vanguarda, a derrota será inevitável. Sempre que houver uma batalha a travar, há de se designar os espíritos mais argutos para servir na linha de frente, a fim de fortalecer a resolução de nossos homens e desmoralizar o inimigo. Esses seis compõem O Caminho da Derrota. É dever do general Estudar com diligência. CHEN HAO: Os seis são [recapitulando]: incapacidade de estimar a força do inimigo [o que leva à fuga], falta de autoridade [o que leva à impotência], falta de treinamento [o que leva ao declínio], raiva irracional [o que leva ao colapso], disciplina insuficiente [o que leva ao caos], incapacidade de usar soldados de elite [o que leva à ruína]. A forma do terreno É aliada do soldado; CHEN HAO/GILES: As vantagens do clima e da estação não equivalem às que têm relação com o terreno. Avaliação Do inimigo E domínio da vitória; Cálculo da dificuldade, Do perigo E da distância Do terreno; Esses compõem o Caminho Do General Superior. ZHANG YU: A avaliação das forças e fraquezas do inimigo, o cálculo da dificuldade, do perigo e da distância do terreno são o início e o fim da Arte do General. Àquele que entende E pratica na batalha, Certa será a Vitória. Àquele que não entende E não pratica, Certa será a Derrota. Se em um confronto é certa A vitória, E o soberano Proíbe a luta, Combata; Se em um confronto é certa A derrota, E o soberano Exige a luta, Não combata. DU MU/GILES: O Duque da Pedra Amarela disse certa vez: “Quando um exército está em marcha, a autoridade deve caber ao general; se a corte der ordem de ofensiva ou retirada, será difícil obter sucesso. É por isso que o rei sábio, o monarca iluminado, ‘se põe de joelhos e empurra a roda da biga’ [paráfrase de Giles: ‘se contenta em desempenhar uma função humilde na promoção da causa do reino’], ciente de que os assuntos para além do domínio da corte são de responsabilidade absoluta do general”. ZHANG YU: Daí o ditado “Os decretos do Filho do Céu não chegam ao acampamento militar”. JOHN MINFORD: Giles cita as Maximes de Guerre, n. 72,*** de Napoleão: “Um general não se isenta de suas responsabilidades se uma ordem advém de seu soberano ou ministro, quando este se encontra distante do campo de operações e pouco ou nada sabe das circunstâncias mais recentes”. Aquele que avança Sem buscar Fama, Que recua Sem fugir À infâmia, Cujo único propósito É proteger o povo E servir ao senhor, Esse é A Joia do Reino. LI QUAN: As decisões dele servem à proteção de outrem, não a seus próprios interesses. DU MU: Joias desse tipo são raras. JOHN MINFORD: Giles comenta que “foi Wellington, creio, quem disse que o mais difícil para qualquer soldado é recuar”. Como Levi destaca, a expressão “Joia do Reino” possui um tom místico e também é usada para se referir a tesouros físicos, como os veneráveis Nove Tripés que desde os primórdios da civilização representavam misteriosamente a virtude ou a energia vital da dinastia imperial. Ele vê os soldados Tal como filhos, E todos o seguirão Até qualquer despenhadeiro. Ele os vê Tal como família, E todos o defenderão Até a morte. DU MU/GILES: Durante o Período dos Reinos Combatentes, Wu Qi [é o Mestre Wu, mencionado diversas vezes, que morreu em 381 a.C. e compôs seu próprio tratado sobre a Arte da Guerra], quando era general, usava roupas iguais às de seus homens e comia a mesma comida. Não tinha almofadas especiais para dormir nem cavalo especial para cavalgar. Levava consigo suas próprias rações em um farnel e partilhava de todas as dificuldades vividas pelos soldados. Certa vez, quando um de seus homens teve um abscesso, ele sugou o pus. A mãe do rapaz, ao receber a notícia, se desmanchou em lágrimas. “Seu filho é um soldado humilde”, protestou alguém. “E o general está limpando a ferida dele! Por que você está chorando?” Ela então respondeu: “Anos atrás, o lorde Wu fez o mesmo por meu marido, pai desse meu rapaz, e a partir desse momento ele se tornou fiel seguidor do lorde Wu, até o dia de sua morte pelas mãos do inimigo. Agora só posso esperar pela morte do meu filho, em algum campo de batalha desconhecido!”. LI QUAN: Se o general preza seus homens dessa forma, eles o servirão com todas as forças. O visconde de Chu consolava seu exército com uma única palavra, e eles se sentiam como se tivessem sido envoltos em mantos de seda. [Giles acrescenta que “o visconde de Chu invadiu o pequeno reino de Xiao durante o inverno. O duque de Shen lhe disse: ‘Vários soldados estão sofrendo muito com o frio’. Então ele caminhou por todo o acampamento, consolando e incentivando os homens; e imediatamente eles se sentiram como se estivessem vestidos com trajes forrados de suave seda”(Mao Tsé-tung, Obras escolhidas, v. 1) Nos tempos antigos havia um homem chamado Han Xin [ † 196 a.C.], um dos principais generais [episódios das atividades militares de Han Xin aparecem de forma recorrente nos comentários de A arte da guerra] de Liu Bang [247-195 a.C.]. Por que ele teve tanto sucesso como general? Mesmo na juventude, Han Xin foi uma pessoa extraordinária. Quando jovem, ele gostava de praticar artes marciais e, certo dia, estava andando pela rua com sua espada quando um encrenqueiro se pôs no meio do caminho, com as mãos na cintura. “Por que você está andando com essa espada? Tem coragem de matar alguém? Se tiver, corte minha cabeça.” Ele esticou o pescoço. Han Xin pensou consigo mesmo: “Por que eu cortaria a cabeça desse homem?”. O encrenqueiro viu que Han Xin não ia matá-lo e disse: “Se você não tem coragem, passe por baixo das minhas pernas”. Então Han Xin passou por baixo das pernas dele. [Essa história baseia-se na biografia de Han Xin, em Shiji (Recordações históricas).] O fato de Han Xin ter aceitado essa humilhação demonstrava que seu coração era dotado de enorme tolerância. Contudo, ele era só uma pessoa comum. Nós, praticantes [de Falun Gong], deveríamos ser muito melhores que ele. Nossa meta é nos elevarmos acima e além do nível de pessoas comuns e buscar níveis superiores. (Li Hongzhi, fundador do movimento clandestino Falun Gong, na Palestra Nove em seu site)13 Formas de pensar como essas, estratégias psicológicas como o Ardil da Cidade Vazia, para uso na guerra e em conflitos, integram um campo das atividades humanas que nos interessam de imediato. Elas nada têm a ver com a torre de marfim da filosofia pura. Pouco surpreende que tenham se disseminado de tal modo na cultura popular chinesa. O domínio fundamentalmente chinês das artes marciais, por exemplo, se baseia em ideias desse tipo. O sexto dos Dez Princípios do Mestre Yang Chengfu (1862-1935) no tai chi chuan,*** registrado pelo discípulo Chen Weiming, diz o seguinte: “Use a mente, não a força. Seu corpo deve estar absolutamente relaxado; não é necessário nenhum esforço físico”.14 O próprio Chen Weiming, ao descrever a prática tuishou (“empurrar com as mãos”) do tai chi, escreveu: Quando você ataca, é como a penetração desimpedida de um projétil (gancui), sem recorrer à força […]. Esse é o genuíno tai chi. Se usar a força, você pode deslocar seu adversário, mas não será gancui. Se ele tentar usar força para controlá-lo ou empurrá-lo, será como um homem tentando capturar o vento ou perseguindo sombras.15 No kung fu shaolin, observamos os mesmos ideais: As táticas e estratégias usadas por um discípulo de shaolin durante o combate são a aplicação inteligente dos princípios generalizados por alguns dos melhores guerreiros do passado. Entre esses princípios incluem-se: Sinalize para o leste, ataque para o oeste; Evite os pontos fortes do oponente, ataque os fracos; Ludibrie o oponente para fazê-lo avançar sem sucesso, E então faça um ataque decisivo com um único golpe; Se o oponente é forte, avance pelo lado; Se ele é fraco, avance pela frente; Use o mínimo de força Para neutralizar o máximo de poder.16 E, se recuarmos mais ainda no passado, veremos ideias e histórias semelhantes em todos os clássicos taoistas e n’O livro das mutações. Quando observamos A arte da guerra, quando nos ocupamos de suas ideias e da maneira como elas foram recebidas, estamos lidando com uma concatenação de texto antigo e contexto medieval; de tratado, história e romance; de comentários e lendas; de teoria e prática. Estamos lidando com um livro cujas ramificações se estendem por toda a cultura de entretenimento vernáculo da Idade Média na China até o popular meio contemporâneo da televisão estatal no país. A arte da guerra é um dos principais textos proverbiais da China. Suas influentes ideias permeiam a cultura chinesa como as lendas e os ideais arturianos permeiam a europeia. E, no entanto, se recorrermos a esse texto propriamente dito, seremos confrontados por um autor sobre quem quase nada se sabe e um livro que (nas palavras de um pesquisador chinês contemporâneo) “apresenta ao leitor dificuldades maiores do que quase qualquer outra obra de semelhante antiguidade”.17 Comecemos com o próprio “sábio”, o Mestre Sun. O MESTRE SUN E SUA ÉPOCA O sargento do harém A maior parte do que se “sabe” sobre o Mestre Sun está em sua biografia no Shiji, do cronista e historiador Sima Qian (c. 145-c. 85 a.C.): O Mestre Sun Wu vinha do reino de Qi. Em função de seu tratado sobre a Arte da Guerra, ele obteve uma audiência com He Lü, rei de Wu [governou entre 514 e 496 a.C.]. “Estudei com atenção os treze capítulos de seu tratado”, disse o rei. “Seria possível você me fazer uma pequena demonstração do treinamento de uma tropa?”18 “Certamente”, respondeu o Mestre Sun. “Essa demonstração pode ser realizada com mulheres?” “Pode.”19 O rei o autorizou a agir. Foram convocadas 180 das mais belas concubinas de Sua Majestade da ala interna do palácio, e o Mestre Sun as dividiu em duas companhias, dispondo as favoritas do rei no comando de cada uma. Todas as guerreiras receberam uma alabarda. O Mestre Sun então se dirigiu a elas. “Vocês são capazes de distinguir a frente das costas, e a mão esquerda da direita?”20 “Somos”, responderam as mulheres. “Quando eu der a ordem ‘Olhos à frente!’, vocês deverão se virar para a frente”, disse o Mestre Sun. “Quando eu disser ‘Olhos à esquerda!’, vocês deverão se virar para a esquerda. ‘Olhos à direita!’, virem-se para a direita; ‘Olhos para trás!’, virem-se para trás. Compreendido?” “Sim”, responderam as mulheres. Tendo estabelecido essas regras, o Mestre Sun mandou o carrasco erguer o machado [para demonstrar sua seriedade], repetiu as ordens e as explicou algumas vezes.21 E então ele bateu no tambor e deu ordem para virar à direita. Todas as mulheres começaram a rir. “Se minhas ordens não foram claras”, disse o Mestre Sun, “nem compreendidas, a culpa cai sobre mim, seu general.” Ele então repetiu mais uma vez as ordens, explicando-as em detalhes. Dessa vez, bateu o comando para virar à esquerda. Mais uma vez, as moças do harém desataram a rir.22 “Quando minhas ordens não foram claras nem compreendidas, a culpa caía sobre mim, seu general. Mas agora, como minhas ordens estavam claras, e como vocês as compreenderam, a culpa cai sobre suas comandantes.” E ele deu ordem para que as concubinas postas à frente de cada companhia fossem decapitadas. O rei observava a tudo de sua varanda. Ele ficou horrorizado com essa ordem de decapitar as duas concubinas que ele mais amava em seu harém e mandou um servo com a seguinte ordem: “Sua Majestade já presenciou provas suficientes de sua habilidade como general. Sem essas duas concubinas, Sua Majestade perderia o apetite. Portanto, ele deseja que a ordem de executá-las seja cancelada.” “Por favor, informe à Sua Majestade”, respondeu o Mestre Sun, “que, na condição de general designado pessoalmente por ele, tenho plena autoridade nesta questão. Não posso obedecer a certas ordens de Sua Majestade.” E assim ele confirmou a decapitação das duas concubinas, como exemplo para as demais.23 As duas concubinas seguintes nas fileiras foram posicionadas como novas comandantes de suas companhias. Mais uma vez o Mestre Sun bateu no tambor. Dessa vez, as moças se viraram para a esquerda, para a direita, marcharam à frente, marcharam para trás, ajoelharam-se, levantaram-se, sempre em total conformidade com as ordens do Mestre Sun, e em absoluto silêncio. Depois, ele apresentou o seguinte relatório ao rei: “As tropas de Vossa Majestade encontram-se devidamente treinadas, e Vossa Majestade pode inspecioná-las. Elas realizarão qualquer comando de Vossa Majestade. Atravessarão chamas e inundações em nome de Vossa Majestade.” “Pode descansar”, disse o rei, “e voltar aos seus aposentos. Não desejo inspecionar minhas tropas.” “Percebo queVossa Majestade se interessa apenas por palavras”, respondeu o Mestre Sun. “O senhor não deseja colocá- las em prática.” Com isso, o rei He Lü soube que o Mestre Sun era um comandante competente e o designou seu general.24 No oeste, ele conquistou o reino de Chu e entrou na cidade de Ying. No norte, ele inspirou medo nos reinos de Qi e Jin e obteve renome entre os senhores feudais. E o Mestre Sun partilhou do poder do rei.25 A moral dessa história destoa um pouco do teor principal de A arte da guerra que conhecemos hoje. O padre jesuíta Amiot (o primeiro tradutor do Mestre Sun para o Ocidente) tenta identificar um paralelo entre as duas: “A partir desse incidente, assim como descreveram, e como descrevi à moda deles, seja genuíno ou imaginário, pode-se concluir que a severidade é a base da autoridade do general”.26 Mas o Mestre que conhecemos a partir do livro nos diz muitas outras questões mais interessantes a respeito dos generais e é definitivamente muito mais sutil no tópico da disciplina: Discipline a tropa ainda não leal, e eles lhe resistirão e terão pouca utilidade. Permita à tropa leal indisciplina, e ela será totalmente inútil. Lidere com civilidade, comande com marcial disciplina, e assim conquistará sua confiança. Ordens coerentes e eficazes inspiram obediência; ordens incoerentes e ineficazes provocam desobediência. Com ordens coerentes e eficazes, entre general e tropa a confiança é mútua. (Capítulo 9) É quase certo que todo o incidente com o Mestre Sun e as moças do harém seja apócrifo.27 O eminente erudito Ye Shi (1151-1223), da dinastia Song, o considerava “completamente absurdo e não crível”.28 Mas o fato impressionante é que, descontando esse incidente e mais um punhado de referências breves nos Registros, sabemos muito pouco sobre Sun Wu (o nome Wu significa “guerreiro”). Se ele tivesse servido de fato como conselheiro do rei He Lü (que definitivamente é uma figura histórica), então também teria sido contemporâneo de Confúcio (551-479 a.C.). Contudo, não há uma menção sequer a ele em Zuozhuan [Comentários de Zuo], a principal fonte de informações sobre a história do período. Apesar disso, na época da dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.), todo mundo já conhecia o estrategista Mestre Sun, e seu nome se tornara indissociável de seu tratado sobre a arte da guerra. Sabemos um pouco mais sobre outro estrategista da família Sun, um homem chamado Sun Bin, cuja biografia sucede a de Sun Wu nos Registros. Ali, somos informados de que Sun Bin viveu cerca de cem anos depois da morte de Sun Wu.29 A academia hoje o situa em cerca de 380-316 a.C., e assim ele seria contemporâneo do segundo maior filósofo confuciano, Mêncio (371-289 a.C.). O nome Bin significa “amputado no joelho”, e Sun “Aleijado” sofrera essa mutilação (e marcação) por Pang Juan, seu antigo colega de estudos sobre estratégia militar, quando os dois serviam como conselheiros no reino de Wei. A biografia oferece uma descrição detalhada da história da famosa batalha de Maling (341 a.C.), em que Sun Bin (na época a serviço do reino rival de Qi) se vingou de Pang Juan.30 Os reinos combatentes e as cem escolas A época em que os dois membros da família Sun teriam vivido — o final do Período de Primavera e Outono e o dos Reinos Combatentes, do século VI a.C. ao final do século II a.C. — foi um tempo tremendamente turbulento no mundo chinês.31 Já havia muito que a autoridade central do regime feudal Zhou se desintegrara, e variava a quantidade de reinos engajados em um conflito perpétuo por predominância. Era, nas palavras do historiador contemporâneo William Jenner, “um mundo de insegurança absoluta, em que qualquer reino podia ser atacado por uma combinação de quaisquer outros. Diante de ameaças absolutas, os reinos precisavam ser capazes de mobilizar todos os recursos humanos e materiais para a guerra total”.32 Entre esses recursos materiais se incluíam a recém- desenvolvida balestra (entre os séculos V e IV a.C.) e a disposição da cavalaria profissional (um pouco mais tarde). Esse conflito pela hegemonia terminou apenas em 221 a.C., quando o reino despótico de Qin, no noroeste, conseguiu reunir os chineses mais uma vez sob uma única dinastia (ainda que breve), estabelecendo “uma nova forma de poder estatal com algum controle direto sobre a população geral que dificilmente encontraria paralelo em qualquer Estado de porte significativo no resto do mundo anterior ao século XVIII”.33 Enquanto isso, esses séculos foram um período de violência extrema e guerras incessantes, em que centenas de milhares de soldados marchavam para a morte com regularidade. Como um pesquisador contemporâneo observou, “é altamente improvável que muitos generais tenham morrido na cama”.34 Os reinos rivais disputavam os melhores conselheiros disponíveis, tanto em termos de estratégia quanto de ideologia. He Lü, soberano do reino de Wu na costa leste (governou entre 514 e 496 a.C.), o desafortunado que permitiu que o Mestre Sun brincasse de exército com seu harém (se pudermos confiar nos Registros), também estava envolvido em um conflito de vida ou morte com seus vizinhos e precisava de toda a ajuda possível. (Sob seu filho Fu Chai, o reino de Wu seria conquistado e anexado pelo reino meridional de Yue em 473 a.C.) Confúcio, nascido no reino de Lu, ao norte de Wu, viajava de reino em reino, pregando uma doutrina ética de benevolência, virtude e ritual, de convenções civilizadas de decência, de poder do exemplo moral, na esperança de salvar a sociedade chinesa do caos, sem precisar recorrer aos artifícios de estrategistas militares como o Mestre Sun ou à imposição agressiva de leis draconianas que o reino de Qin viria a praticar mais tarde. Confúcio “estava contemplando o colapso da civilização — ele via seu mundo se afundar em violência e barbárie”.35 Ao contrário do Mestre Sun, Confúcio nunca “partilhou do poder do rei”. Foi apenas mais um dentre muitos filósofos itinerantes da época, cujas proposições fizeram desse século e dos dois seguintes uma das eras douradas do pensamento chinês, um período de intenso debate e exploração de questões filosóficas fundamentais. As “cem escolas” de filosofia floresceram, cada uma com sua própria receita para o sucesso, regras de conduta da vida pública e pessoal: Confúcio (Mestre Kong), Lao Tzu (ou Laozi; Mestre Lao), Mestre Sun, Mestre Mo, Mêncio (Mestre Meng), Mestre Zhuang, o Mestre conhecido como Lorde Shang, e Mestre Hanfei. Foi o pensamento desses dois últimos que prevaleceu quando o reino de Qin conseguiu, por um breve período, estabelecer sua forma impiedosa de totalitarismo na China inteira, em 221 a.C. Depois, durante a dinastia Han, a doutrina mais branda do confucianismo foi adotada como ideologia oficial do Estado (e assim permaneceu até ser suplantada pelo marxismo no século XX), mas sempre houve uma forte veia autoritária subjacente à vida pública na China, assim como sempre houve uma forte veia taoista subjacente à vida pessoal. O pensamento do Mestre Sun, refletido em A arte da guerra, representa uma perspectiva fundamentalmente diversa da postura dos confucianos (o próprio Confúcio, o Mestre Meng [Mêncio] e o Mestre Xun [c. 298-239 a.C.]). Para o cavalheiro confuciano, a guerra era maligna, mas, se precisava acontecer, a questão mais importante era de ordem ética — se a causa era válida, e se o governante contava com o apoio moral de seu povo. No capítulo 15 de Xunzi [O livro do Mestre Xun], o Mestre ouve um general do reino de Chu detalhar alguns princípios aceitos do pensamento estratégico do Mestre Sun: O importante na Guerra é [a dinâmica da] situação, e [o aproveitamento de] vantagens, astúcia e agilidade de manobra. O Guerreiro Hábil se movimenta de forma súbita e sigilosa. Ninguém sabe onde ele vai aparecer. [O Mestre] Sun e [o Mestre] Wu seguiam esse método e não tinham inimigos. Por que é preciso ter o apoio moral do povo? E o Mestre Xun responde: Você se enganou.Estou falando das tropas do Homem Benevolente, do propósito do Rei Legítimo. Você dá valor a [coisas como] complôs, artimanhas, o uso de situações e vantagens, ataques e manobras súbitas, mentiras. Esses métodos pertencem aos governantes inferiores. As tropas do Homem Benevolente não podem ser combatidas com mentiras…36 Em contraste, os taoistas (Mestre Lao, Mestre Zhuang) se interessavam sobretudo pela sintonia do microcosmo humano e suas energias com as harmonias mais amplas do universo. Para eles, toda guerra e violência ia “contra o Tao. E tudo o que vai contra o Tao logo desaparece” (Tao Te Ching, capítulo 30). O Mestre Sun partilhava (há quem diga que abusava) de muitas noções básicas dos taoistas, assim como os supostos legalistas (Lorde Shang, Mestre Hanfei), a quem melhor seria aplicar o termo “fascistas chineses”, que extrapolavam certos elementos do taoismo para formar uma justificativa temerária para seu Estado orwelliano. O capítulo 10 do Shangjun shu [O livro do Lorde Shang], “Métodos de guerra”, é composto a partir de uma série de citações do Mestre Sun. É uma linhagem que não pode ser ignorada durante a leitura desse livro. Mas já começamos a repetir algo que todo leitor tende a fazer: tratar o Mestre Sun e seu livro como uma unidade indivisível. Talvez seja melhor esquecermos por completo o sargento do harém por enquanto. A ARTE DA GUERRA: UM LIVRO DA VIDA Tiras de bambu Até pouco tempo atrás, era considerável o ceticismo em torno do pequeno tratado militar conhecido como A arte da guerra. Havia quem duvidasse até mesmo da autenticidade da obra, e dizia-se que ela teria passado por fortes revisões ou que até mesmo teria sido concebida muitos séculos depois da suposta existência do próprio Mestre Sun.37 E então, na década de 1970, foram descobertas cópias do texto em tiras de bambu e madeira em dois sítios arqueológicos muito distantes entre si (Shandong e Qinghai), ambas datadas da dinastia Han Anterior, e uma chegava a ser do século II a.C.38 Curiosamente, quando decifrados, os textos dessas tiras se revelaram, talvez para surpresa geral, muito próximos do que se aceitava como os treze capítulos tradicionais.39 Com essa descoberta, o livro começou a inspirar um respeito renovado da comunidade acadêmica. É claro que, em termos de popularidade, a obra nunca deixara de exercer influência e fascínio. Foi um dos livros que ajudaram o líder comunista Mao Tsé-tung**** e o generalíssimo nacionalista Chiang Kai-shek***** (e os comandantes japoneses durante a Segunda Guerra Mundial) a formular seus raciocínios estratégicos. Mas enfim se tornara legítimo considerá-lo (ao lado de outros dois textos estranhamente curtos: os Analectos de Confúcio e o taoista Tao Te Ching) um produto genuíno daqueles primórdios do pensamento conceitual chinês, quando o povo estava “começando a aprender e desenvolver técnicas de escrita em prosa contínua em que se elaboravam e defendiam proposições filosóficas e políticas por meio do uso de estilo literário e estrutura lógica cada vez mais sofisticados”.40 Os textos podem ter tido pouco ou nada a ver com uma figura histórica chamada Mestre Sun, se é que essa pessoa existiu. É provável que eles tenham evoluído ao longo do tempo, a partir dos ensinamentos de algum “estrategista desconhecido dos Reinos Combatentes”,41 até acabar por se estabelecer num formato definitivo depois de muitos anos.42 Provavelmente seria melhor descrever o texto final como o “produto [coletivo] de um longo processo de sedimentação de reflexões estratégicas, que com o tempo tomaram a forma de guia”.43 Guias para o imperador amarelo Que tipo de livro é esse? Bom, na verdade não é livro nenhum, não no sentido moderno da palavra. “Os pensadores da China Antiga não escreviam livros”, disse certa vez o respeitado sinólogo, poeta e filósofo Angus Graham. “Eles anotavam dizeres, versos, histórias e ideias, e a partir do século III a.C. compunham ensaios, em tiras de bambu que eram amarradas e depois enroladas.”44 A arte da guerra foi um desses rolos (ou conjunto de rolos) de tiras de bambu, um grupo de ditados e axiomas mais ou menos organizados com temática militar ou variada, escritos em um estilo de prosa epigramática, com elementos de verso livre. Pode até mesmo ter incorporado velhas cantigas, semelhantes a algumas ocidentais, como a nossa: Escravos de Jó jogavam caxangá. Tira, bota, deixa ficar. Guerreiros com guerreiros fazem Zigue-zigue-zá.45 Assim como O livro das mutações deve ter incluído em suas diversas camadas velhos ditados semelhantes ao nosso “Sol e chuva, casamento de viúva”, é quase certo que A arte da guerra tenha incorporado provérbios populares. Considere-se, por exemplo, este trecho do capítulo 4: “Erguer pelagem de outono não é força; ver sol e lua não é percepção; ouvir trovões não é audição aguçada”. Ou este, do capítulo 5: “Compreendendo o que é fraqueza e força, um exército ataca qual pedra de mó contra um ovo”. Ou este, do mesmo capítulo: “É da natureza que em solo plano toras e pedras sejam imóveis; se íngreme, elas tombem; quadradas, parem; redondas, rolem”. Ou este, do capítulo 6: “A água evita o alto e corre abaixo. A guerra evita o forte e ataca o fraco”. Tomemos a expressão no comentário do capítulo 12: “Sem entrar no covil do tigre, não se capturam os filhotes”, que significa mais ou menos a mesma coisa que o nosso “Quem não arrisca, não petisca”. Aparentemente, o Mestre Sun apreciava bastante uma forma simples de paralelismo repetitivo. Isso, combinado ao uso de rimas imperfeitas, destaca o sentido que ele busca, revela as ênfases e associações do texto.46 E também dá ao livro estilo e força próprios. Foram muitos os admiradores do estilo literário de A arte da guerra. O crítico Liu Xie (c. 465-c. 520) chamou a atenção para o fato de que o Mestre Sun, mesmo sendo um homem das armas, possuía forte domínio da língua (nas palavras dele, “sua escrita tinha a beleza de pérolas e jade”).47 Críticos e comentaristas sem conta teceram elogios à escrita sucinta e elegante, à combinação de concisão e profundidade.48 Tanto em termos de forma quanto de conteúdo, o livro pertence a um gênero peculiar à cultura chinesa: a versão escrita de um conjunto de orientações para o sucesso e o bem-estar, um guia para algum aspecto da vida. Esse tipo de guia existe desde os primórdios da história em diversos campos: medicina, sexualidade, autoconhecimento, artes marciais, feng shui (a arte geomântica do posicionamento de residências), alquimia, arte, caligrafia, culinária, estratégia no jogo Go, política, guerra. Os mais antigos clamavam autoridade em nome de alguma lenda de revelação, geralmente relacionada a um contato entre o Imperador Amarelo, o ancestral mítico do povo chinês, e uma agente feminina. Por exemplo, o Zhai jing, clássico da geomancia, foi atribuído ao Imperador Amarelo.49 O guia de sexo Su nu miao lun [Sublime tratado da jovem cândida] foi composto (assim como praticamente todos os livros do tipo) em forma de diálogo entre o Imperador Amarelo e uma mulher conhecedora das atividades do quarto.50 Reza a lenda que esse mesmo Imperador Amarelo, depois de sofrer nove derrotas no campo de batalha e três noites desconfortáveis na encosta enevoada do monte Tai, encontrou uma mulher com cabeça humana e corpo de ave, e ela se apresentou como a Jovem Sombria (ou Jovem Cândida ou Alva, dependendo da versão). Quando essa mulher perguntou o que ele buscava, o Imperador Amarelo respondeu: “A Arte da Vitória”. Então ela lhe deu um tratado sobre a Arte da Guerra.51 Na verdade, os guias (de todos os temas) muitas vezes eram compilados por um discípulo (ou discípulos) qualquer de um mestre qualquer, alguma figura carismática em torno da qual as pessoas se agregavam. É bem possível que tenha sido essa a origem de livros como os Analectos de Confúcio, o poderoso clássico taoista Tao Te Ching (do qual cito diversos trechos curtos em meus comentários)e A arte da guerra do Mestre Sun. SHI: ENERGIA COMPARTILHADA A arte da guerra e outros guias de temáticas diversas têm em comum o uso de um termo crucial: shi, “posição” ou “energia de situação”. É essa a palavra adotada no título “Energia potencial” do capítulo 5 do Mestre Sun, onde expliquei o termo como “a energia ou dinâmica inerente de uma situação ou um momento específico”, um potencial latente para exploração sutil e plena por parte do Guerreiro Hábil. É também um termo fundamental na geomancia chinesa, o feng shui, e se refere à energia ou ao poder da terra (dishi) em determinado lugar.52 Na pintura e na caligrafia, shi é a energia estrutural ou o movimento vitalizador desejado em cada pincelada ou na composição de uma paisagem. “Se existe shi na pintura de uma floresta, então, apesar de quaisquer irregularidades e convoluções, a floresta será perfeitamente robusta e viva…”53 Na arte das letras, shi é representado pelo estilo literário do escritor, pelo espírito, por sua tendência, inclinação, postura.54 Na delicada arte do qin, ou alaúde chinês (o instrumento musical por excelência da aristocracia chinesa), cada posicionamento cuidadoso da mão é um shi (por exemplo, “a posição de mão direita conhecida como Dragão Voador que Agarra as Nuvens”).55 Na Arte do Amor (os guias de sexo), shi é o termo usado para “posições” ou “posturas” sexuais. O título do capítulo 2 do Su nu miao lun, por exemplo, é “As nove posições [ou shi]”, incluindo “Dragão Voador”, “Passo do Tigre” e outras. Nas artes marciais, shi aparece como abertura ou encerramento em uma série que pode conter movimentos como “Tigre Abaixado” e “Dragão Oculto” (de onde Ang Lee tirou inspiração para o título de seu filme O tigre e o dragão). O uso comum desse termo específico em tamanha diversidade de campos indica uma forma de pensar que permeia todas essas áreas. É resultado da observação e contemplação das forças em ação no ambiente, da sintonia entre o microcosmo pessoal e as energias do macrocosmo, um elemento intrínseco à filosofia perene chinesa. Está no cerne da visão taoista para a natureza e a vida, pregando que, em vez de lutarmos cegamente contra os obstáculos, deveríamos compreender a dinâmica verdadeira da situação em que nos encontramos e agir de acordo, de forma harmônica. Essa perspectiva já se faz presente no grande clássico O livro das mutações, que repousa imponente por trás dos Analectos de Confúcio, do Tao Te Ching taoista e de A arte da guerra do Mestre Sun. “O Mutações nos proporciona meios para saber quando e como uma situação se formou e para segui-la até onde estamos agora. Esse processo é definido como ‘ir com a corrente’ (shun, literalmente ‘obediência’).”56 A premissa toda do Mutações (assim como em A arte da guerra) é que é possível vislumbrar as mutações em potencial antes que elas aconteçam, compreender as configurações sutis de Yin e Yang e assim atingir sintonia com as energias em ação no mundo que nos cerca. Disse o Mestre [Confúcio]: “Conhecer as sementes [os mananciais de oportunidade] é mesmo divino. […] As sementes são o início, o imperceptível princípio de movimento, o primeiro sinal de sorte ou infortúnio a se revelar. O indivíduo superior percebe a semente e age imediatamente. Ele não espera um dia sequer”.57 A semelhança com o Mestre Sun é notável. Uma formulação recente de shi foi oferecida por John Hay, historiador da arte: O mundo [tal como é concebido pela estética chinesa tradicional] é antes imerso em energia do que explicado pela geometria. O homem é inserido desde o princípio nessa interatividade […]. Fixar-se é ser temporário, entrar e sair é perdurar […]. O termo mais comum para essas configurações mutáveis e mutantes de energia é shi.58 O multifacetado ensaísta Lin Yutang forneceu uma descrição mais antiquada em 1938, depois de sua própria definição múltipla de shi: […] gesto, postura, posição social, formação de batalha, tudo o que proporciona vantagem de posição em qualquer confronto. Essa noção é extremamente importante e se liga a todas as formas de beleza dinâmica, em contraposição à mera beleza do equilíbrio estático. Assim, uma pedra pode ser “postura de pedra”, um galho estendido tem sua própria postura de galho (que pode ser boa ou má, elegante ou banal); e existem na escrita e na pintura a “postura do traço”, a “postura do caractere [ideograma]” e a “postura do pincel”, e a “postura de uma colina”, a “postura de uma nuvem” etc. […] Uma situação se concebe como estática, enquanto um shi denota aquilo em que a situação se tornará, ou “o aspecto que ela tem”: fala-se de shi do vento, da chuva, da cheia ou da batalha como o aspecto que o vento, a chuva, a cheia ou a batalha têm em relação ao futuro, se estão se intensificando ou arrefecendo, se acabarão em breve ou continuarão por tempo indeterminado, se estão avançando ou regredindo, em que direção, com que força etc.59 Outros termos importantes da perspectiva do Mestre Sun se relacionam a essa ideia de “energia potencial” da situação: as permutações de Yin e Yang; o ciclo dos Cinco Elementos e das Quatro Estações; o processo de bian, ou “mudança” (o ambiente em constante transformação em que o estrategista precisa agir); variações da estratégia entre qi e zheng (o indireto e o direto), improviso e reação flexíveis ao shi específico do momento; xing, ou as “disposições externas e visíveis” de determinada situação militar, incluindo disposição de tropas e abastecimento de provisões; a compreensão de xu e shi, vazio e cheio, fraqueza e força, e a exploração das fraquezas do inimigo; o conceito de yin ou “conformidade”, “correspondência” à situação do inimigo (por exemplo, a adoção de um curso de menor resistência, o uso da comida e forragem do inimigo em vez de mandar virem mais suprimentos da base). Grande parte disso tudo pode ser sintetizada pelo enunciado geral de que “o epítome da prática militar é extrair vitória das circunstâncias mutáveis do inimigo” (capítulo 6). É uma filosofia de efeito máximo obtido pelo gasto mínimo de energia. É a movimentação fluida do praticante de tai chi, a força branda, porém irresistível, do pincel de um calígrafo. Esses elementos se refletem na vitória tranquila do Guerreiro Hábil do Mestre Sun, de seu Sábio General ou Estrategista, de seu Iniciado Guerreiro. “A primazia suprema vem não da vitória em qualquer batalha, mas da derrota do inimigo sem sequer um combate” (capítulo 3). O CAMINHO DA ASTÚCIA E DISSIMULAÇÃO, O TAO DE PODER E CONVENIÊNCIA Incumbe ao general ser firme e inescrutável, ser rigoroso e imparcial. Ele deve saber manter seus homens ignorantes, enganar- lhes os olhos e os ouvidos. Mestre Sun, capítulo 11 Nos melhores momentos, o Iniciado Guerreiro do Mestre Sun pode ser inspirador: seu general esclarecido nutre uma “reação holística às complicações humanas”, e A arte da guerra comunica “um encontro pessoal transformador com a realidade definitiva, que pode e de fato influencia todos os aspectos da vida, desde as práticas do monge até as artes marciais”.60 É a mesma sabedoria perene chinesa que a gueixa japonesa de Arthur Golden descreve com palavras tão simples: “Nós seres humanos somos apenas parte de algo muito maior. […] Precisamos utilizar todo método possível para compreender o movimento do universo à nossa volta e situar nossas ações no tempo para que não nademos contra a corrente, mas a favor”.61 O Guerreiro Definitivo trava seus combates fora do campo de batalha. Aí reside a genialidade particular do Mestre Sun, que soube expressar “a importância do artifício, da astúcia e do bom senso nos conflitos humanos — ao contrário da força bruta”.62 É uma mensagem que forma intenso contraste com a natureza da guerra tal qual se difundiu pelo mundo. O Mestre Sun decerto teria sorrido diante da exaltação americana do poder de fogo, que facilmente transforma um meio em fim […]. Como ele deixa claro, a violência só constitui uma parte