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Sumário
Capa
Folha de rosto
Sumário
Apresentação – André Bueno
Introdução – John Minford
Nota sobre o texto
Lista de comentaristas chineses
Cronologias
Dinastias
Acontecimentos históricos
A ARTE DA GUERRA
1. Formulação de planos
2. Deflagração da guerra
3. Ofensiva estratégica
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4. Formas e disposições
5. Energia potencial
6. Vazio e cheio
7. O confronto
8. As nove mudanças
9. Em marcha
10. Formas de terreno
11. Os nove tipos de campo
12. Ataque com fogo
13. Espionagem
A ARTE DA GUERRA COM
COMENTÁRIOS
1. Formulação de planos
2. Deflagração da guerra
3. Ofensiva estratégica
4. Formas e disposições
5. Energia potencial
6. Vazio e cheio
7. O confronto
8. As nove mudanças
9. Em marcha
10. Formas de terreno
11. Os nove tipos de campo
12. Ataque com fogo
13. Espionagem
Sugestões de leitura
Créditos
 
 
 
 
A ARTE DA GUERRA
Pouco se sabe a respeito de SUN TZU, ou Mestre Sun. Acredita-se que ele seja originário do
reino de Qi (onde hoje fica a província de Shandong, no nordeste da China) e que talvez tenha
atuado como conselheiro para o reino de Wu (atual província de Zhejiang, ao sul) no final do
século VI a.C. Nesse caso, ele teria sido contemporâneo de Confúcio (551-479 a.C.). Mas
praticamente não existem menções a ele em registros da época, e não se sabe ao certo se esse
indivíduo chegou a existir. É, portanto, impossível afirmar quem escreveu o breve tratado
conhecido como A arte da guerra.
JOHN MINFORD estudou chinês em Oxford e na Universidade Nacional da Austrália, e
lecionou na China, em Hong Kong e na Nova Zelândia. Foi organizador (com Geremie
Barmé) de Seeds of Fire: Chinese Voices of Conscience, e (com Joseph S. M. Lau) de Classical
Chinese Literature: An Anthology of Translations. Traduziu vários títulos do chinês para o
inglês, incluindo os dois últimos volumes da edição Penguin Classics do romance Hong Lou
Meng [O sonho da câmara vermelha] de Cao Xueqin, do século XVIII, e obras de ficção
contemporânea de artes marciais do escritor Louis Cha, de Hong Kong. Atualmente, é
professor de chinês na Universidade Nacional da Austrália.
LEONARDO ALVES nasceu em 1985, entrou na faculdade de Comunicação Social e se
descobriu produtor editorial, profissão abraçada de vez em 2007. Em 2012, teve sua primeira
tradução publicada. Já verteu do inglês obras dos mais diversos gêneros, incluindo Deuses
americanos, de Neil Gaiman, e a trilogia chinesa O problema dos três corpos, de Cixin Liu,
contos clássicos de Arthur Conan Doyle e a fantasia Fogo e sangue, de George R. R. Martin
(em parceria com Regiane Winarski).
ANDRÉ BUENO é sinólogo e professor de história oriental na Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ), membro da Associação Europeia de Estudos Chineses, da Associação
Europeia de Filosofia Chinesa, da Associação Latino-americana de Estudos Asiáticos e
Africanos (Aladaa) e da Rede Ibero-americana de Sinologia (Ribsi).
Apresentação
ANDRÉ BUENO
Passados milênios, A arte da guerra continua a ser um texto polêmico
e amplamente discutido em todo o mundo. Concebido como um
manual de estratégia, o livro ganhou uma dimensão multifacetada,
conquistando espaço dentro dos mais diversos campos do
pensamento. Ainda assim, o debate sobre A arte da guerra está longe
de se esgotar, e continua a proporcionar abordagens distintas, que
buscam captar o sentido essencial do texto — de acordo, claro, com a
interpretação de seus tradutores e leitores. Esse vasto panorama de
análises enriquece constantemente nossas possibilidades de ler a obra,
ampliando suas inúmeras interfaces.
Contudo, o Brasil não desenvolveu uma tradição acadêmica em
estudos chineses, o que torna a aventura de ler A arte da guerra uma
tarefa, por vezes, complicada. Conhecemos pouco sobre a história da
China Antiga, seus pensadores, paisagens e cultura. Ouvimos falar
vagamente da China nas aulas da escola — e é possível passar por
uma faculdade inteira de história e conservar o mesmo
desconhecimento. Por essa razão, muitos fazem uma leitura superficial
ou deslocada de A arte da guerra, sem conhecer seus fundamentos e
compreendendo apenas em parte os conceitos discutidos ao longo da
obra.
Buscaremos, portanto, fazer uma breve introdução ao contexto
histórico da China Antiga em que A arte da guerra surgiu, de modo
que se compreendam as razões que teriam levado o livro a se tornar
um sucesso já em sua época. Veremos que as propostas de Sun Tzu*
continuam atuais em muitos sentidos, fazendo com que esta obra
tenha uma permanência incomum para livros não religiosos: por fim,
falaremos também um pouco sobre a tradução que se apresenta aqui,
e sua importante contribuição para o entendimento da obra em nosso
país.
A ÉPOCA DAS CALAMIDADES
Em torno dos séculos VII-VI a.C., quando os filósofos gregos davam
seus primeiros passos, a China já era um vasto e complexo império
havia milênios.1 A civilização chinesa era análoga às do Egito, da Índia
e dos povos da Mesopotâmia em antiguidade, mas os chineses
conseguiriam a proeza de manter uma unidade cultural dinâmica e
estável, que atravessaria os séculos e preservaria uma conexão sólida
com o passado e com suas raízes. Apesar disso, no fim do século VII
a.C., o país passava por uma violenta crise política e social. Uma
escala sem precedentes de violência delineava-se no horizonte
próximo, afetando a sociedade e o delicado equilíbrio entre o império
e seus estados. Denúncias de corrupção, disputas, intrigas políticas,
abusos de poder e uma generalizada insatisfação tomavam conta do
povo. Havia um sentimento claro de decadência — e, provavelmente,
de destruição.
As razões para isso estavam no lento e gradual processo de
enfraquecimento das instituições políticas. Desde o século XI a.C.,
reinava a dinastia Zhou, que estabelecera um sistema de governo
similar ao feudalismo encontrado na Idade Média europeia.2 Ao
assumir o poder em 1027 a.C., os soberanos da casa de Zhou
instituíram um conjunto de relações nobiliárquicas de vassalagem para
administrar o extenso território chinês, distribuindo terras entre
membros da elite e seus associados. Territórios com uma estrutura
bastante semelhante aos de nossos conhecidos baronatos,
marquesados e ducados medievais foram concedidos em troca do
juramento de fidelidade e subserviência à casa de Zhou. Logo, alguns
desses territórios mais poderosos se transformariam em estados
praticamente autônomos, e seus governantes invocariam o direito de
usar a palavra “rei” (Wang).
Disputas territoriais, guerras constantes e o aprofundamento da
divisão política entre os estados fizeram com que a China se
encontrasse em uma situação peculiar: embora os chineses se
entendessem pertencentes a uma mesma cultura, eles passaram pouco
a pouco a se identificar com suas terras de origem, diluindo a noção
de um império maior. Os soberanos da dinastia Zhou não foram
capazes de manter o arbítrio nos conflitos entre os diversos “reinos”
(guo), e sua representatividade política decaiu de modo considerável.
A autoridade de Zhou baseava-se na crença de que essa casa
dinástica representava a vontade do “Céu” (Tian). O “Céu” era
entendido como um conceito polissêmico, que podia representar tanto
uma divindade maior como uma noção de ordem ecológica. O
imperador era o “Filho do Céu”, entronizado para manter uma ordem
harmônica com a natureza (organizando o calendário produtivo,
observando o ritmo das estações do ano), garantindo o funcionamento
da sociedade e a estabilidade entre os territórios. No século VI a.C.,
porém, estava claro que a dinastia Zhou não era mais capaz de
garantir nenhuma dessas coisas.
A Crônica das primaveras e outonos (Chunqiu),3 livro que conta a
história de Lu, terra natal do sábio Confúcio (de quem falaremos
adiante), manifesta claramente esses distanciamentos de uma
autoridade central. Todos os eventos narrados tratam das intrigas,
movimentos, articulações e disputas entre os estadosda guerra, e não é sequer a parte prioritária.
O objetivo da guerra é dominar o oponente, ou seja, alterar a
postura dele e induzir sua submissão. O caminho mais econômico é
o melhor: convencê-lo — por meio de dissimulações, surpresas ou
seus próprios esforços falhos para atingir metas inviáveis — de sua
inferioridade, de modo que ele se renda ou pelo menos recue sem
que seja preciso combatê-lo.63
O lutador de sumô de Arthur Golden é mais direto: “Nunca tento
derrotar o homem que estou enfrentando. Tento derrotar sua
confiança. Um homem atormentado pela incerteza não consegue se
concentrar no rumo à vitória”.64
Mas é importante tomarmos cuidado com o estereótipo do sábio
chinês, que observamos ainda no século XX, a imagem sorridente e
inescrutável de um estadista chinês idoso (porém, estranhamente
atemporal) e familiar (mas não necessariamente benévolo): Mao Tsé-
tung, Zhou Enlai, Deng Xiaoping…65 Já no princípio da história da
China, a mensagem que o sábio taoista pregava, de harmonia com a
natureza e do “poder” que essa harmonia emanava, foi apropriada
pelos legalistas (fascistas chineses), que deturparam a “compreensão
absoluta” dos taoistas como base ideológica para o “poder absoluto”,
para o “governante onipotente do reino legalista ideal”. Burton
Watson foi muito feliz em sua definição:
O sábio taoista se isola do mundo em um misterioso domínio
transcendental. O governante legalista também se isola, afastando
deliberadamente o contato com subordinados que poderiam
suscitar familiaridade, recolhendo-se ao recôndito de seu palácio,
ocultando seus intentos e desejos verdadeiros, cercando-se de uma
aura de mistério e inescrutabilidade. Como o líder de uma vasta
corporação moderna, ele se acomoda atrás de sua mesa, muito
longe de seus inúmeros funcionários, na sala mais reservada, e
assina documentos discretamente.66
Os ensinamentos taoistas sobre a Arte do Amor (que nos melhores
momentos oferecem noções surpreendentemente modernas) também
foram distorcidos e usados em uma busca implacável por poder
sexual, uma forma de “magia negra sexual”. Ocultos atrás da fachada
de elaboradas técnicas sexuais-alquímicas, os praticantes dessas artes
promoviam uma forma de vampirismo sexual, que reduzia as
mulheres à condição de objetos concebidos para incrementar a
potência masculina e a “vida longa” (caibu, usar a essência do outro
para impulsionar a própria).67 Até mesmo o diplomata e acadêmico
holandês Robert van Gulik, grande admirador do taoismo e das
noções chinesas de sexualidade, condenou essa prática: “Os
ensinamentos taoistas relativos a esse assunto […] possuem um caráter
pernicioso. Eles nada têm a ver com o amor, nem sequer com a
satisfação de desejos carnais ou com o prazer sexual. Esses
ensinamentos […] visam a adquirir poder sobrenatural à custa da
parceira sexual”. Para os leitores do Mestre Sun, o interessante é que
todos os guias de sexo escritos para esse fim (diálogos principalmente
entre o onipresente Imperador Amarelo e a Jovem Cândida ou
Sombria) eram compostos na mesma linguagem do tratado militar e
usavam as antigas ideias estratégicas sobre vitória (isto é, as do Mestre
Sun), chegando ao ponto de abrir margem para que os leitores
chineses não conseguissem identificar se a obra em suas mãos era de
fato um guia sobre sexo ou um tratado sobre a arte da guerra. Van
Gulik assim resume as ideias em comum: “Em primeiro lugar, é
preciso que um poupe as próprias forças enquanto utiliza as do
oponente; e, em segundo, é preciso começar cedendo ao inimigo a fim
de pegá-lo desprevenido depois” (“No amor e na guerra vale tudo”
ganha um novo sentido aqui). O tratado Chun yang yan zheng fu you
dìjun jiji zhen jing [Verdadeiro clássico da união completa], do final
da dinastia Ming, começa assim:
Um general superior, ao entabular o confronto com o inimigo,
antes se concentrará em atrair o oponente, como se sugasse e
inalasse suas forças. Ele assumirá uma postura de completo
desprendimento, tal como um homem que fecha os olhos em
absoluta indiferença.
Uma nota observa: “General superior se refere ao Iniciado Taoista.
Entabular significa entabular o ato sexual. O inimigo é a mulher”.68
Ou, como Van Gulik explica, “o homem precisa derrotar o inimigo na
batalha sexual mantendo-se totalmente sob controle a fim de não
emitir o sêmen enquanto excita a mulher, para que ela chegue ao
orgasmo e emita sua essência Yin, que então será absorvida pelo
homem”. Essa é a Arte da Vitória no campo de batalha sexual.
A vitória no campo de batalha do Mestre Sun ou no da Jovem
Cândida exige uma astúcia considerável, e também grandes doses de
autocontrole e meditação. E, em nossa leitura de A arte da guerra,
constatamos que a mensagem sutil de não violência na resolução de
conflitos segue lado a lado com a exploração deliberada e cínica de
outros seres humanos. É, afinal, já no primeiro capítulo que
encontramos o enunciado chocante: “O Caminho da Guerra é um
Caminho de Ardis”. No filme Wall Street: poder e cobiça, é esse
trecho que Bud Fox, o jovem pupilo de Gordon Gekko, repete para o
magnata depois que termina de ler o Mestre Sun e absorver os
princípios da Arte da Guerra Corporativa de Gekko. Ao Iniciado
Guerreiro é frequente a recomendação de que seja insensível e feroz
(assim como o Iniciado Taoista naquele outro campo de batalha entre
quatro paredes). A dissimulação como fundamento da estratégia,
valores desconsiderados em favor da conveniência, as implicações
perturbadoras do culto à astúcia, aos ardis e à inescrutabilidade, todos
esses elementos professados pelo Mestre Sun precisam ser encarados
sem ilusões. No século XVIII, o padre Amiot não hesitou em contestá-
los: “Desnecessário dizer aqui que não aprovo nada do que o autor
tem a dizer neste momento a respeito do uso de artifícios e ardis […].
A maioria das máximas nesta seção é repreensível, contrária à
honestidade e outras virtudes valorizadas pelos próprios chineses”.69
James Murdoch, historiador especializado no Japão (onde o estudo
dos ensinamentos do Mestre Sun é disseminado desde pelo menos o
século VIII), reclamou que “Sonshi” (a pronúncia japonesa do nome do
Mestre Sun) expressava “a forma mais sórdida de estadismo com
níveis inenarráveis de duplicidade…”. Murdoch detestava, por
exemplo, “a depravação explícita e absoluta do antigo repertório
chinês sobre espionagem”.70 Em um estudo mais recente e altamente
provocador sobre a natureza da violência na sociedade chinesa
primitiva, Mark Edward Lewis postula que “os estratagemas e ardis
que os filósofos militares prometiam que reduziriam a violência
produziram ainda mais prejuízos à malha da sociedade humana do
que qualquer brutalidade física [estimulando ódio e desonestidade]”.71
Para testemunharmos esses “prejuízos à malha da sociedade” em
nossa própria época, basta olharmos para o efeito corrosivo da
Revolução Cultural, “suas distorções e mentiras, sua confusão do bom
com o mau, do verdadeiro com o falso, as armações e as injustiças
intermináveis”.72
De modo geral, os próprios chineses consideraram e ainda
consideram o Mestre Sun um “tesouro de sua herança nacional”. Os
primeiros confucianos (como já vimos com o Mestre Xun) pouco se
interessavam pelo ponto de vista dele. E Zhu Xi, o filósofo
neoconfuciano da dinastia Song, mesmo admirando o estilo sintético
da escrita, reclamava que o tratado estimulava “uma inclinação do
governante à guerra incessante e a um militarismo imprudente”.73
Mas, fora isso, eram incrivelmente esparsas as críticas locais à filosofia
do Mestre Sun a favor da sobrevivência e do que é conveniente, de sua
promoção da manipulação sutil (mas bem-sucedida) de outras pessoas.
É mais fácil compreender isso se visto como parte do que o ensaísta
moderno Bo Yang chama de “tanque de pasta de soja” da cultura
chinesa, o estrangulamento confuciano da criatividade e a
incapacidade de “desenvolver hábitos como autocrítica, introspecção e
aprimoramento pessoal”.74Para Bo Yang, isso faz parte da
“personalidade nacional”.75 Desde o início do século XX, o povo
chinês moderno se viu envolvido em uma luta agonizante para
desvendar a natureza problemática de sua própria cultura. Com fúria
e frustração recorrentes, eles se viram diante das trevas de sua
“Grande Muralha; a muralha de tijolos ancestrais que está sempre
sendo reforçada […]. A Grande Muralha da China: uma maravilha e
uma maldição!”.76 O Mestre Sun certamente foi um dos arquitetos
originais da muralha. He Xin, um intelectual neoconservador
proeminente da década de 1990, lamenta com pesar a falência da
sociedade e da cultura chinesa contemporâneas, e quase é possível
ouvi-lo tentar exorcizar o espectro do Mestre Sun, ainda que o
próprio He Xin esteja inserido demais na “estrutura profunda” para
conseguir identificar o Mestre como um dos responsáveis:
A religião dos chineses de hoje é a trapaça, o artifício, a chantagem
e o roubo, é comer, beber, fornicar, jogar e fumar. Fazemos leis
para poder quebrá-las; nossas regras e normas são uma farsa.
Nossas táticas se limitam à execução de políticas; nossa estratégia é
fazer as pessoas caírem nas armadilhas que elas prepararam para
os outros. Para nós, qualquer senhor honesto e humilde é estúpido,
e qualquer pessoa boa que trabalhe muito e exija pouca retribuição
é idiota. Vigaristas são nossos sábios; ladrões e golpistas são nossos
super-homens […]. Não há cínico maior do que o povo chinês.
Nós nos recusamos a assumir qualquer compromisso que não traga
lucros e não demonstramos respeito por qualquer valor que
transcenda o utilitarismo.77
O homem que esteve à frente de mais de meio século dessa
degradação social foi o discípulo mais notório do Mestre Sun no
século XX: Mao Tsé-tung. Como disse Liu Xiaobo, um dos jovens
intelectuais mais talentosos do movimento da Praça da Paz Celestial:
Considerando-se exclusivamente o contexto da história da China,
Mao Tsé-tung sem dúvida foi o indivíduo mais vitorioso de todos.
Ninguém compreendeu melhor os chineses; ninguém dominou
melhor a política de facções em uma estrutura autocrática;
ninguém foi mais cruel e impiedoso; ninguém foi mais
camaleônico.78
Mas o melhor representante do pensamento do Mestre Sun no
século XX foi, sem sombra de dúvida, um escritor pouco conhecido
chamado Li Zongwu, cujo livreto cínico Houheixue daquan [Ciência
da espessura e escuridão] se tornou uma bíblia alternativa de
sobrevivência desde que surgiu, nos anos 1920, no início da república.
Li proclama abertamente uma afinidade com o Mestre Sun (“O
Mestre Sun e eu somos idênticos”), e muitas de suas ideias são
desenvolvidas à moda dos personagens no Sanguo yanyi.79 Por
exemplo, o “Terceiro Nível de Realização” da obra de Li poderia ter
saído do próprio Mestre Sun: “Nível 3. Ter casca grossa, porém sem
forma, e coração negro, porém sem cor; esse é o nível absoluto de
realização. Assim ninguém saberá de sua espessura e escuridão. Isso
não é fácil de se conseguir, e os melhores exemplos podem ser
encontrados entre os sábios do passado”.80
A ARTE DA LEITURA DE A ARTE DA GUERRA
A leitura de A arte da guerra deve ser, segundo o erudito Liu Yin, da
dinastia Ming, não cheia de reverência, mas “vivacidade, como
pérolas sacudindo-se em uma bacia, sem ordem definida”. Não deve
ser superficial ou despretensiosa, mas “pragmática, aplicada, desde o
princípio. De que adianta apenas recitar o texto?”. O ponto de
equilíbrio para cada leitor (soldado, comerciante, executivo, cônjuge,
jogador de tênis, cozinheiro, motorista) se situa em algum lugar entre
a sabedoria extraordinária embutida nas páginas da obra e as
implicações menos atraentes ou aceitáveis. Cada leitor precisa navegar
por esse terreno fascinante, porém traiçoeiro (“Terreno emaranhado,
como uma rede, em que é fácil se emaranhar”, capítulo 10, texto
comentado). Cada leitor precisa exercer criatividade e reflexão para
estabelecer um vínculo com a enorme energia potencial da mensagem
de sobrevivência e vitória que o livro apresenta e se fortalecer, sem
sucumbir ao pernicioso culto à mentira e conveniência. Como
recomendou outro pensador da dinastia Ming: “Erga-se do lodaçal
sem máculas; compreenda a astúcia, mas não a use”.81 Ou, como
sugeriu Liu Yin: “Ao ler sobre a Arte da Guerra, é preciso que se
compreenda a Mutação; se você só conhecer o regular, o imutável, e
não conhecer a Mutação, será como o homem que deixou a espada
cair na água e tentou encontrá-la fazendo uma marcação na lateral do
barco — uma perda de tempo”.82
Notas
1. Citado em Richard Deacon, The Chinese Secret Service (Londres: Grafton, 1989), p. 15.
2. Dr. Connell Cowan; Gail Parent, The Art of War for Lovers. Nova York: Pocket Books,
1998.
3. Joseph Needham; Robin D. S. Yates (com colaboração de Krzysztof Gawlikowski et al.),
Science and Civilisation in China. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, v. 5,
parte 6: “Military Technology”, pp. 80-1..
4. Moss Roberts (Trad.), Three Kingdoms: A Historical Novel. Berkeley: University of
California Press, 1991, p. 291.
5. Tradução minha. Ver Luo Guanzhong (com comentários de Mao Zong’gang), Sanguo
yanyi (Shanghai: Guji, 1989), pp. 1241-2.
6. Ver diversos nianhua sofisticados sobre esse tema, de Suzhou, Fujian e Shandong, na
coleção de dois volumes Xichu nianhua (Taipei: Yingwen Hansheng, 1990).
7. Ver Sanshiliuji xinbian (Pequim: Zhanshi, 1981), pp. 96-100; e Ralph Sawyer (Trad.),
Unorthodox Strategies for the Everyday Warrior (Boulder, CO: Westview Press, 1996),
pp. 126-7.
8. Joseph Needham, op. cit., p. 71.
9. Ver Thomas Cleary, Mastering the Art of War (Boston: Shambhala, 1989), que inclui uma
versão da obra The Way of the General. Lionel Giles ignora essa referência em seu Sun
Tzu on the Art of War (Londres: Luzac, 1910), p. lii.
10. Alguns estudiosos acreditavam que ele próprio teria reescrito grandes trechos do texto —
até a hipótese ser completamente destruída por descobertas arqueológicas.
11. Ver, por exemplo, as várias conversas sobre o Mestre Sun entre o imperador manchu
Kangxi e o jovem vadio Trinket no Terceiro Livro de The Deer and the Cauldron (Hong
Kong: Oxford University Press, 2002), o picaresco romance de artes marciais de Louis
Cha publicado no começo dos anos 1970.
12. Ver a série Strategy and Leadership publicada em Singapura, traduzida a partir da obra do
cartunista chinês Wang Xuanming. Ver também Sunzi Speaks: The Art of War (Nova
York: Doubleday, 1994), do cartunista taiwanês Tsai Chih Chung, traduzido por Brian
Bruya. A edição em seis volumes traduzida e publicada pela Zhejiang People’s Art Press é
de qualidade muito inferior, mas até ela serve de interessante exemplo do Mestre Sun
como parte da cultura popular. Alguns dos diversos sites que valem a visita:
, e .
13. Disponível na internet em . Minha tradução foi adaptada ligeiramente.
14. Yang Chengfu, Yangshi Taijiquan. Hong Kong: Taiping, 1968, p. 5.
15. Donn F. Draeger; Robert W. Smith, Comprehensive Asian Fighting Arts. Tóquio:
Kodansha, 1969, p. 38.
16. Wong Kiew Kit, The Art of Shaolin Kungfu. Rockport, MA: Element Books, 1996, p.
151.
17. D. C. Lau, “Some Notes on Sun Tzu”. Bulletin of the School of Oriental and African
Studies, v. 28, n. 2, 1965, p. 321.
18. O padre Jean-Joseph-Marie Amiot (1718-93), em sua paráfrase em francês para essa
biografia (prefácio à sua tradução do Mestre Sun, Les Treize Articles sur l’Art Militaire,
ouvrage composé en Chinois par Sun-tse [Paris: Chez Nyon, 1782], p. 49), acrescenta um
belo floreio setecentista aqui: “O rei, que começava a achar que seu repertório habitual
de entretenimentos na corte estava um tanto insosso, aproveitou a oportunidade para
descobrir uma nova forma de entretenimento”. Difícil não imaginar Versalhes. Mas,
considerando que o próprio Amiot trabalhava com o auxílio de uma versão manchu do
século XVIII do original chinês, deveríamos também sobreporao palácio do rei He Lü
características das excepcionais acomodações para caça do imperador Qianlong em
Jehol.
19. Amiot: “O Mestre Sun, ciente de que o rei tratava de fazê-lo parecer ridículo, manteve
uma postura de dignidade e passou a impressão de que era uma grande honra receber a
permissão de não apenas ver as integrantes do harém de Sua Majestade, mas ainda de ter
a chance de conduzi-las pessoalmente”.
20. Amiot: “Prestem muita atenção ao que eu digo e obedeçam cada uma de minhas ordens.
Essa é a primeira e mais importante de todas as regras da guerra. Nunca a contrariem”.
21. Na paráfrase de Amiot, uma batida significa frente, duas batidas, trás, três batidas,
esquerda, quatro batidas, direita.
22. Amiot: “Depois de alguns instantes de enormes esforços para conter a vontade de rir, elas
irromperam em gargalhadas incontroláveis”.
23. Amiot: “‘Elas me desobedeceram’, disse o Mestre Sun. ‘Precisam morrer.’ E, ao dizer isso,
sacou sua espada e, com o mesmo sangue-frio que demonstrara até então, cortou-lhes a
cabeça”.
24. Amiot: “O rei foi tomado por um pesar extremo. ‘Perdi’, gritou ele, com um profundo
suspiro, ‘aquilo que eu mais amava no mundo. […] Que esse homem estranho volte para
sua terra. Não quero mais nada dele, nem de seus serviços. […] Ah, bárbaro, o que você
fez? Como poderei viver de agora em diante?’ Mas, por maior que fosse o desconsolo do
rei, o passar do tempo o fez esquecer o luto […] e ele mandou buscar novamente o
Mestre Sun, para aconselhá-lo na campanha contra o reino de Chu”.
25. Tradução minha. Ver Shiji, capítulo 65. Considerei Takigawa Kametaro, Shiki kaichu
kosho (Tóquio: Kenkyujo, 1934; reimp.: Taiwan: Zhongxin shuju, 1976), p. 843.
26. Amiot conclui: “Esta máxima, que talvez não seja válida para as nações europeias, é
excelente para as asiáticas, onde a honra de forma alguma é sempre a principal
motivação”.
27. Entre as tiras de bambu descobertas em Yinqueshan (Montanha do Pardal Prateado) em
1972, havia fragmentos de uma versão semelhante dessa história. O fato de que essa
versão em tiras de bambu também se refere aos treze capítulos do tratado do Mestre Sun
sugere que também ela possui uma origem muito anterior ao “texto principal”. Ver
Roger Ames, Sun-tzu: The Art of Warfare (Nova York: Ballantine, 1993), pp. 190-6.
28. Ver Lionel Giles, Sun Tzu on the Art of War (Londres: Luzac, 1910), pp. xxi-xxii, citação
de Wenxian tongkao de Ma Duanlin (1254-1325).
29. Takigawa Kametaro, op. cit., p. 844.
30. Os comentários à obra do Mestre Sun fazem diversas menções a essa história. Ver, por
exemplo, o capítulo 5, em que Zhang Yu e Du Mu parafraseiam os Registros.
31. Para as datas desse período e de outras épocas e dinastias importantes da história da
China, e para uma breve cronologia de alguns acontecimentos da história antiga
relevantes para este livro, ver Cronologias.
32. W. J. F. Jenner, The Tyranny of History. Londres: Penguin, 1994, p. 20.
33. Ibid.
34. Samuel B. Griffith, Sun Tzu: The Art of War. Oxford: Clarendon, 1963, p. 21. Roger
Ames, em suas traduções do Mestre Sun e de Sun Bin, faz várias referências aos “campos
de morte” desse período. Não é nenhum exagero.
35. Simon Leys (Trad.), The Analects of Confucius. Nova York: Norton, 1997, Introduction,
p. xxiii.
36. Tradução minha. Ver Xunzi xinzhu (Pequim: Zhonghua, 1979), pp. 230-1.
37. Por exemplo, o comentarista Du Mu (803-852), da dinastia Tang, desconfiava que Cao
Cao (155-220), mais antigo, tivesse reescrito porções consideráveis do texto, reduzindo-o
assim aos treze capítulos que hoje conhecemos.
38. Para um registro excelente dessas descobertas, ver a introdução e os apêndices de Roger
Ames (op. cit.) e D. C. Lau e Roger Ames, Sun Pin, The Art of Warfare (Nova York:
Ballantine, 1996).
39. Joseph Needham, op. cit., pp. 18-9: “Descobertas arqueológicas nos anos 1970
elucidaram muitas dúvidas antigas, confirmaram a autenticidade do texto que
conhecemos e ajudaram a reafirmar a confiabilidade da versão tradicional”.
40. Robin D. S. Yates, “New Light on Ancient Chinese Military Texts”. T’oung Pao, v. 74,
1988, p. 219.
41. Samuel B. Griffith, op. cit., p. 12.
42. Niu Guoping; Wang Fucheng, Sunzi shiyi fu yundu. Lanzhou: Gansu Renmin, 1991, p.
164.
43. Jean Levi, Sun Tzu, L’Art de la Guerre. Paris: Hachette, 2000, p. 16. Tradução minha.
44. A. C. Graham, Chuang Tzu: The Inner Chapters. Londres: Allen and Unwin, 1981, p. 27.
45. Ver Iona Opie; Peter Opie, The Oxford Dictionary of Nursery Rhymes (Oxford:
Clarendon, 1951), pp. 442-3. Agradeço a Rachel May por essa observação esclarecedora,
e espirituosa.
46. Niu Guoping; Wang Fucheng, op. cit., p. 164. Eles comparam o estilo com o do Tao Te
Ching e outros textos filosóficos, como Xunzi e Guanzi [O livro do Mestre Guan]. Ver
também Guo Huaruo, Sunzi yishu (Shanghai: Guji, 1984), p. 29.
47. Liu Xie, The Literary Mind and the Carving of Dragons. Nova York: The Chinese
University Press, p. 49.
48. Ver os comentários de Ouyang Xiu (1007-72) e Zheng Hou (f. 1135), citado e traduzido
por Lionel Giles, op. cit., pp. xxxix, xliii.
49. J. J. M. De Groot, The Religious System of China. Leiden, Holanda: Brill, 1897, v. 3, livro
1, p. 996.
50. Ver a tradução de André Lévy, Le Sublime Discours de la fille candide (Arles: Picquier,
2000).
51. Comparar com Mark Edward Lewis, Sanctioned Violence in Early China (Albany: State
University of New York Press, 1990), p. 99. A lenda que ele cita é do compêndio Taiping
Yulan, do século X. Ver também Anne Birrell, Chinese Mythology (Baltimore: Johns
Hopkins, 1993), p. 137. Birrell situa a fonte original da história em algum momento
entre os séculos IV e V d.C.
52. Ver Stephan Feuchtwang, An Anthropological Analysis of Chinese Geomancy (Laos:
Vithagna, 1974), p. 112.
53. Comentário atribuído a Zhan Zuo (f. 1603-29), citado em George Rowley, Principles of
Chinese Painting (Princeton: Princeton University Press, 1947), p. 38. Comparar com
Pierre Ryckmans, Les Propos sur la peinture de Shitao (Bruxelas: Institut Belge des
Hautes Études Chinoises, 1970), p. 26.
54. Ver o capítulo 30 de The Literary Mind and the Carving of Dragons, “Establishing a
Style”.
55. Robert van Gulik, The Lore of the Chinese Lute. Tóquio: Sophia University, 1940, p.
115.
56. Richard Lynn (Trad.), The Classic of Changes. Nova York: Columbia University Press,
1994, p. 125, n. 7.
57. “The Great Commentary”. In: Richard Wilhelm; Cary F. Baynes. The I Ching or Book of
Changes. 3. ed. rev. Princeton: Princeton University Press, 1994, p. 342.
58. John Hay, “Boundaries and Surfaces of Self and Desire”. In: ——. Boundaries in China.
Londres: Reaktion Press, 1994, pp. 144-5.
59. Lin Yutang, The Importance of Living. Londres: Heinemann, 1938, pp. 426-47.
60. Robert Wilkinson, “Introduction”. In: ——. Sun Tzu: The Art of War. Ware, Inglaterra:
Wordsworth Classics, 1998, p. 13.
61. Arthur Golden, Memoirs of a Geisha. Londres: Vintage, 1992, p. 127.
62. Sterling Seagrave, Lords of the Rim. Londres: Corgi Books, 1996, p. 45.
63. John K. Fairbank, “Introduction: Varieties of the Chinese Military Experience”. In: Frank
A. Kierman Jr.; John K. Fairbank (Orgs.), Chinese Ways in Warfare. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 1974, p. 11.
64. Arthur Golden, op. cit., p. 324.
65. Para Zhou Enlai como sobrevivente político, ver Simon Leys, “The Path of an Empty
Boat: Zhou Enlai”. In: ——. The Burning Forest (Nova York: Holt, Rinehart and
Winston, 1986), pp. 152-8. Para Deng Xiaoping como idealizador de uma década de
repressão muito depois da Revolução Cultural, ver Geremie Barmé; John Minford
(Orgs.), Seeds of Fire: Chinese Voices of Conscience (Nova York: Hill & Wang, 1988),
pp. 343-53.
66. Burton Watson (Trad.), “Introduction”. In: Han Fei Tzu: Basic Writings. Nova York:
Columbia University Press, 1964, p. 10.
67. André Lévy traduz isso como “absorption roborative” (p. 77). Ele também descreve como
um processo de vampirismo sexual, em que “um parceiro suga a energiado outro, a fim
de fortalecer a sua”.
68. Robert van Gulik, Erotic Colour Prints of the Ming Period with an Essay on Chinese Sex
Life from the Han to the Ch’ing Dynasty. Tóquio: [s.n.], 1951, pp. 69, 112-3.
69. Jean-Joseph-Marie Amiot, op. cit., pp. 104, 159.
70. James Murdoch, A History of Japan. Londres: Routledge, 1949, pp. 630-1. Citado por
Samuel B. Griffith, op. cit., p. 172.
71. Mark Edward Lewis, op. cit., p. 135.
72.2 Ba Jin, “A Cultrev Museum”. In: Geremie Barmé; John Minford, op. cit., p. 382.
73. Lionel Giles, op. cit., p. xliii.
74. Bo Yang, The Ugly Chinaman and the Crisis of Chinese Culture. Trad. de Don Cohn e
Jing Qing. Sydney: Allen and Unwin, 1992, p. 54.
75. Ver Arthur H. Smith, Chinese Characteristics (2. ed. Londres: Kegan Paul, 1894), com
seus títulos de capítulo autoexplicativos: “The Disregard for Accuracy” [Descaso com a
precisão], “The Talent for Indirection” [Talento para a tergiversação], “The Absence of
Sincerity” [Falta de sinceridade]. Curiosamente, a obra de Smith (tendo se baseado nos
anos dele como missionário, com bom domínio da língua e familiaridade com a literatura
popular e proverbial da China) vem recebendo atenção renovada entre leitores chineses (e
chegou até mesmo a ser traduzida para o chinês). Isso faz parte do esforço de
“autorreflexão” que inclui obras como “The Ugly Chinaman”, de Bo Yang, e The Deep
Structure of Chinese Culture, de Sun Lung-kee. Para estes, ver Geremie Barmé; John
Minford, op. cit.; e Geremie Barmé; Linda Jaivin (Orgs.), New Ghosts, Old Dreams
(Nova York: Times Books, 1992).
76. Lu Xun, “Chang cheng”. In: Huagaiji (citado por Geremie Barmé; John Minford, op. cit.,
p. 1).
77. He Xin, “Gudu yu tiaozhan — wode fendou yu sikao”. Zixue zazhi, v. 10, 1988, p. 39
(citado por Geremie Barmé; Linda Jaivin, op. cit., p. 254).
78. “Hunshi mowang Mao Zedong”. Jiefang yuebao, v. 11, 1988, p. 31 (citado por Geremie
Barmé; Linda Jaivin, op. cit., p. xxvi).
79. Li Zongwu, Houheixue Daquan. Hong Kong: Xuewen, s.d., pp. 40-1.
80. Citado por Geremie Barmé; Linda Jaivin, op. cit., p. 449. Grifo meu.
81. O quarto ditado da coletânea Caigentan [Raízes da sabedoria], do final da era Ming,
atribuído a Hong Zicheng, do período Wanli (1573-1620). Ver Caigentan (Taipei:
Zhiliang, 1987), p. 4.
82. Liu Yin, “How to Read the Military Classics”. In: Liu Yin (Org.). Wujing qishu zhijie.
Changsha: Yueli, 1992, p. 7.
* Embora a grafia mais atual seja “daoista”, nesta edição usaremos a versão consagrada,
“taoista”. (N. E.)
** Embora a grafia mais atual seja Daodejing, nesta edição usaremos a versão consagrada,
Tao Te Ching. (N. E.)
*** Grafia moderna: taijiquan. (N. E.)
**** Mao Zedong, também grafado como Mao Tsé Tung. (N. E.)
***** Jiang Jieshi, também grafado como Chiang Kai Shek. (N. E.)
Nota sobre o texto
JOHN MINFORD
TEXTO, TRADUÇÃO E COMENTÁRIO
Em geral, seguiu-se o texto tradicionalmente aceito e republicado
inúmeras vezes do Shiyijia zhu Sunzi, ainda que, de quando em
quando, alterações propostas por outros estudiosos tenham sido
adotadas. Como esta é uma tradução para leitores não especializados,
só foram incluídos nas notas os detalhes essenciais para a
compreensão do texto.
A primeira parte apresenta o texto-base, sem adereços, dos treze
capítulos do Mestre Sun. A ele se segue a segunda parte com o mesmo
material, acompanhado de comentários correspondentes, extraídos
sobretudo dos comentaristas chineses tradicionais. Esse formato duplo
foi o adotado na tradução mais recente (e a melhor) ao francês feita
por Jean Levi. Assim, o leitor será capaz de formar suas impressões
iniciais a partir de um contato direto com o texto epigramático
original e depois refinar essas impressões com o reforço de materiais
explicativos mais detalhados. Ao contrário de Levi, esta tradução foi
dividida em linhas curtas, para preservar parte da qualidade formal do
texto original. Na segunda parte, o texto original e os comentários são
diferenciados graficamente. Quando os leitores chineses leem suas
edições comentadas do Mestre Sun, as palavras do texto clássico
aparecem em caracteres muito maiores e se destacam com muita
clareza do mar de comentários que as cerca. Sempre é possível saber o
que é texto e o que é comentário.
O Mestre Sun possui um cânone reconhecido de onze comentaristas
oficiais, a partir de Cao Cao, incluindo cinco nomes da dinastia Tang
e quatro da dinastia Song.1 Os comentários desses indivíduos ocupam
cerca de vinte vezes mais espaço do que o sucinto texto original. Em
muitas ocasiões, narram episódios históricos extensos (em geral
adaptações de uma das histórias chinesas tradicionais) para ilustrar
alguma questão levantada pelo Mestre Sun, e esta edição usa alguns
desses episódios. Liu Yin recomendou que os leitores devem
“compreender e guardar na memória os feitos de grandes
comandantes, as vitórias que alguns obtiveram com determinadas
ações e as derrotas de outros com outras. É importante”. Além de
recontar essas histórias, os comentaristas oferecem paráfrases e
extrapolações para os enunciados do Mestre Sun que muitas vezes são
secos e enigmáticos. Às vezes, um comentarista emenda nas anotações
do anterior: “Sim, concordo com Fulano de Tal, mas gostaria de
complementar o comentário dele com uma observação…”. Em
algumas ocasiões, comentários desse tipo aparecem nesta edição,
produzidos por dois ou três indivíduos, da seguinte forma: “Li
Quan/Du You/Zhang Yu”. É estarrecedor o volume de comentários,
então foram selecionados os que pareceram mais úteis, com a
orientação de editores e tradutores modernos. Sem dúvida haverá
alguns estudiosos do Mestre Sun que discordarão da seleção feita por
John Minford. Alguns leitores podem questionar por que tantos
comentários foram incluídos. O único objetivo desta edição é ajudar
os leitores a compreender o que já foi dito. Acredita-se que o hábito
chinês de ler um texto clássico (em todos os gêneros — filosofia,
história, poesia, ficção) acompanhado de comentários é proveitoso
para o leitor ocidental, que muitas vezes precisa de contexto e
subtexto para os epigramas. Com isso em conta, algumas vezes foram
acrescentados trechos de outros clássicos antigos (como o Tao Te
Ching e O livro das mutações) e do Sanguo yanyi.
Também foram citados (às vezes com ligeiras alterações) trechos dos
comentários de Lionel Giles, cuja tradução de 1910 para o inglês
resistiu de maneira admirável ao passar do tempo.2 Além de sua
considerável erudição chinesa, Giles demonstra um amplo
conhecimento da história ocidental: cita Heródoto, Tucídides e Tito
Lívio, e também Baden-Powell, e inclui menções aos feitos militares de
Aníbal, César, Turenne, Napoleão, Wellington e “Stonewall” Jackson
da mesma forma que os comentaristas chineses citam sua própria
história e fazem referência às realizações de seus próprios grandes
generais. A tradução e os comentários de Giles também são
influenciados por um forte interesse por questões militares (ele dedica
a obra a seu irmão, o capitão Valentine Giles). Às vezes, Giles usa seu
próprio comentário para resumir de forma concisa o teor geral dos
comentários chineses. Em muitas ocasiões, ele os expande, traduzindo
diretamente dos anais e registros históricos. Um bom exemplo ocorre
no capítulo 11, em que o Mestre Sun fala da necessidade de alimentar
os homens e prezar a tropa. Giles faz referência ao comentário de
Chen Hao e vai diretamente à fonte de Chen, o Grande Historiador
Sima Qian, conta toda a história do general Wang Jian, de Qin, e
acaba por dobrar o tamanho do texto de comentário.3 Lionel decerto
herdou do pai, Herbert, o dom da narrativa. Em certos momentos, foi
adotada uma versão quase inalterada para alguns comentários, e
nesses casos a indicação aparece como: “Du Mu/Giles”. Giles, em
certo sentido, se uniu ao rol dos onze comentaristas tradicionais. É o
12o homem. Foram consultadas também edições para outros idiomas
feitas por Roger Ames, pelo general Samuel Griffithe por Jean Levi.
Nesta edição de John Minford também foram incluídas reflexões
sobre a guerra elaboradas por outros escritores, europeus ou não, a
fim de ampliar um pouco o escopo. Em cinco ou seis pontos, o
próprio Minford adiciona uma anotação mais longa de própria
autoria.
NOTA SOBRE A PRONÚNCIA
Neste livro, os nomes e topônimos chineses geralmente são grafados
de acordo com o sistema chinês conhecido como hanyu pinyin, ou
simplesmente pinyin, que conta com aceitação internacional. (Entre as
exceções à regra se incluem nomes geográficos consagrados como o
rio Yangtzé e as cidades de Pequim, Nanquim e Cantão.) A breve lista
a seguir pode ajudar os leitores com alguns dos sons mais difíceis
utilizados pelo sistema pinyin:
c = ts
q = tch
x = sh
z = dz
zh = dj
É preciso explicar desde já, para os leitores com dificuldade de
compreender tanto os estilos chineses de dar nomes quanto essa forma
moderna de grafar palavras chinesas, que Mestre Sun, Sun Tzu, Sunzi
e Sun Wu são todos a mesma pessoa. Tzu é o velho estilo “Wade-
Giles” de grafar a sílaba chinesa que no sistema pinyin se torna zi.
Nos tempos antigos, a palavra zi era acrescentada a sobrenomes para
dar o sentido de “Mestre”. Portanto, Meng Tzu (Wade-Giles) ou
Mengzi era o mesmo que Mestre Meng (e que os primeiros jesuítas
latinizariam como Mêncio); Lao Tzu ou Laozi era Mestre Lao (o
lendário sábio a quem se atribui o clássico taoista Tao Te Ching). Em
geral, refere-se a esses indivíduos como Mestre Fulano. A propósito,
as vogais em Sun Tzu (ou Sunzi) não têm o mesmo som da palavra
“canto” (qualquer que seja a pronúncia de Michael Douglas no filme
Wall Street: poder e cobiça). O nome chinês Sun não tem a mesma
pronúncia da palavra inglesa “sun”. A vogal tem um som mais
aproximado de “u”, como em “rum”. E Tzu, ou zi, soa mais como
“dzu”. Quanto a Sun Wu: Wu era o nome dele.
Estas equivalências a seguir, muito aproximadas, também podem
servir de ajuda aos leitores:
Bang = bang
Bo = bo
Cai = tsai
Cang = tsaang
Chen = tchen
Cheng = tchaang
Chong = tchuung
Chuan = tchuan
Dang = daang
Dong = dong
Feng = fong
Gui = güei
Guo = guó
Kong = koong
Li = li
Long = long
Lü = liu (como no francês tu)
Mo = mo
Qi = tchi
Qian = tchien
Qing = tching
Rong = rong
Shi = chi
Si = su (como no francês tu)
Song = suung
Shun = chun
Sun = sun
Wen = uen
Xi = xi
Xiao = xiao
Xin = xin
Xing = xing
Xiong = xioong
Xu = xu
Yan = ien
Yi = ii
You = iou
Yu = iu
Yuan = iuan
Zha = dja
Zhe = djã
Zhen = djen
Zhi = dji
Zhou = djou
Zhu = dju
Zhuang = djuang
Zi = dzi
Zong = dzong
Zuo = dzuo
Notas
1. Ver a lista detalhada de comentaristas a partir da p. 69.
2. Lionel Giles compromete seu livro com todo o tempo que passa atacando o desafortunado
capitão Calthrop, que teve a audácia de produzir sua própria tradução alguns anos antes,
baseando-se em grande parte em fontes japonesas. Lionel claramente herdou as
tendências ferinas do pai, o eminente sinólogo Herbert Giles (1845-1935).
3. Lionel Giles, Sun Tzu on the Art of War. Londres: Luzac, 1910, p. 124.
Lista de comentaristas chineses
E outras autoridades mencionadas pelos comentários
Filósofos anteriores à dinastia Qin geralmente recebem a alcunha de
“Mestre”. Em chinês, isso é indicado pelo sufixo zi (tzu, na antiga
grafia Wade-Giles). Assim, Mestre Sun é Sunzi ou Sun Tzu. Os onze
comentaristas do cânone tradicional estão indicados por asterisco (*).
Os itens estão dispostos em ordem alfabética em cada seção e período,
salvo especificação em contrário.
TRADICIONAIS (PRÉ-TANG)
CAO CAO (155-220):* O famoso general do Período dos Três Reinos e
fundador da dinastia Wei. Ver Giles, pp. xxxv-xxxvi: “Um dos
maiores gênios militares que o mundo já viu, e napoleônico em
dimensão de suas atividades, ele era especialmente notório pela
velocidade maravilhosa de suas marchas, que se expressa pelo ditado
‘Falando de Cao Cao, Cao Cao aparece’. [cf. Falando no diabo…]
Segundo Ouyang Xiu (dinastia Song), ‘consta que, sempre que se
realizava um conselho de guerra na dinastia Wei à véspera de uma
campanha distante, Cao Cao já estava com todos os cálculos prontos
[ver Mestre Sun, capítulo 1]; os generais que os usavam não perdiam
nenhuma batalha em dez; os que contrariavam qualquer detalhe deles
viam seus exércitos impiedosamente derrotados e rechaçados’. Seu
comentário é, com frequência, obscuro; fornece alguma pista, mas não
desenvolve plenamente seu sentido. Suas notas são modelos de breve
austeridade. Às vezes em função da compressão extrema, são quase
ininteligíveis e exigem comentários tanto quanto o texto original”.
DUQUE DA PEDRA AMARELA: Figura lendária, suposto autor de San lüe
[As três estratégias], um dos sete clássicos militares (ver página 439). O
capítulo 55 do Shiji apresenta a história de quando Zhang Liang
recebeu um tratado de um ancião misterioso que ele encontrou treze
anos depois em forma de pedra amarela… Foi esse tratado que
permitiu que Zhang ajudasse Liu Bang a estabelecer a dinastia Han.
MENG:* Nada se sabe a respeito dele, salvo que viveu durante a
dinastia Liang (502-557).
MESTRE WANG: Obras desaparecidas, mas é citado em comentários.
MESTRE WEILAO (século IV a.C.?): Reza a lenda que ele estudou com o
famoso Mestre do Vale dos Espíritos.
MESTRE WU, WU QI († 381 a.C.): ver Wuzi bingfa.
DINASTIA TANG (618-907)
CHEN HAO:* Contemporâneo de Du Mu.
DU MU (803-852):* Poeta famoso, que encerrou a carreira oficial como
secretário no Grande Conselho. Apesar da imagem popular como
autor de poesia lírica e como “habitué das casas azuis” (bordéis) de
Yangzhou, nutriu interesse genuíno por assuntos militares e políticos a
vida inteira.
DU YOU (735-812):* Ascendeu ao posto de presidente do Conselho de
Obras e Grande Guardião. Autor de Tongdian, um tratado
enciclopédico sobre a constituição, de onde foram extraídas suas notas
sobre o Mestre Sun. Ele repete com frequência Cao e Meng e talvez
cite referências do desaparecido Mestre Wang. Suas notas foram
acrescentadas por Ji Tianbao, da dinastia Song, ao cânone anterior de
dez comentaristas. Avô de Du Mu.
JIA LIN:* Pouco se sabe a respeito dele.
JI LING (571-649): General famoso do início da dinastia Tang.
LI QUAN (século VIII):* Li aproveita constantemente episódios da
história da China. Também foi autor de diversas obras sobre a guerra.
DINASTIA SONG (960-1279)
Não é por acaso que os quatro comentaristas da dinastia Song tenham
pertencido ao mesmo período. Eles viveram no contexto pós-rebelião
tangut de Zhao Yuanhao (1034-43), quando “a corte fez grandes
esforços para encontrar homens experientes na guerra, e os assuntos
militares entraram em voga em todos os círculos de autoridade”. Foi o
imperador Shengzong (governou entre 1068 e 1085) da dinastia Song
que classificou os Sete Clássicos Militares como material de estudo
oficial.
HE YANXI:* Notável principalmente pelos longos excertos que oferece,
em forma adaptada, das histórias dinásticas e outras fontes.
JI TIANBAO (final da dinastia Song do Norte, c. 1100): Responsável pela
edição com dez comentaristas que foi considerada a versão oficial até
o século XIX.
MEI YAOCHEN (1002-1060):* Poeta conhecido, famoso pela variedade de
tópicos que explorava e por sua característica pingdan, “lhanura” ou
fadeur.
WANG XI:* Segundo Wu Jiulong (1990), Wang consultou textos antigos
raros para seus comentários.
ZHANG YU:* Seus comentários costumam ser uma ampliação e
elucidação dos de Cao Cao. Giles (p. xl): “Sem Zhang Yu, é seguro
dizer que grande parte dos comentários de Cao Cao permaneceriam
ocultos sob seu véu de imaculada obscuridade e, portanto, inúteis”.
DINASTIA MING (1368-1644)
LIU YIN (f. 1371): Editor de Wujing qishu zhijie, uma versão comentada
dos Sete Clássicos Militares.
DINASTIA QING (1644-1911)
BI YIXUN: Autor de Sunzi xulu [Citações do Mestre Sun], uma
coletânea importante de materiais referentes ao Mestre Sun.
SUN XINGYAN (1753-1818): Eminentepesquisador e bibliófilo, que
compôs a edição oficial da dinastia Qing de A arte da guerra do
Mestre Sun com os comentaristas tradicionais.
Cronologias
DINASTIAS
XIA c. 2100-c. 1600 a.C.
 
SHANG/YIN c. 1600-c. 1028 a.C.
 
ZHOU c. 1027-256 a.C.
Zhou do Oeste c. 1027-771 a.C.
Zhou do Leste c. 770-256 a.C.
Primavera e Outono c. 722-481 a.C.
Reinos Combatentes c. 403-221 a.C.
 
QIN 221-207 a.C.
 
HAN 206 a.C.-220 d.C.
Han Anterior 206 a.C.-8 d.C.
Han Posterior 25-220 d.C.
 
XIN 9-25 d.C.
 
TRÊS REINOS e SEIS DINASTIAS
Wei 220-265
Shu Han 221-263
Wu 222-280
Jin do Oeste 265-317
Jin do Leste 317-420
Liu Song (sul) 420-479
Qi (sul) 479-502
Liang (sul) 502-557
Chen (sul) 557-589
Toba/Wei do Norte (norte) 386-534
Wei do Leste (norte) 534-550
Wei do Oeste (norte) 535-577
Qi do Norte (norte) 550-577
Zhou do Norte (norte) 557-581
 
SUI 581-618
 
TANG 618-907
 
CINCO DINASTIAS 907-960
 
LIAO 916-1125
 
SONG 960-1279
Song do Norte 960-1126
Song do Sul 1127-1279
 
JIN (jurchen) 1115-1234
 
YUAN (mongol) 1260-1368
 
MING 1368-1644
 
QING (manchu) 1644-1911
 
ACONTECIMENTOS HISTÓRICOS
Seguem abaixo alguns acontecimentos importantes na história antiga
da China, até o final do período dos Três Reinos. As datas indicadas
tomam por base Jacques Gernet, O mundo chinês (Lisboa: Cosmos,
1975).
A.C.
771 Zhou do Oeste deixa a capital no vale de Wei e estabelece
residência em Luoyang.
722 Primeiro ano do Chunqiu [Anais de Primavera e Outono].
704 Expansão do reino de Chu, do sul (hoje Hunan e Hubei).
667 Início da hegemonia do reino de Qi (hoje Shandong).
632 Hegemonia de Jin (hoje Shanxi).
597 O rei Zhuang de Chu é reconhecido como líder de
confederação.
589 Grande batalha entre os reinos de Qi e Jin.
c. 551 Nascimento de Confúcio.
c. 544 Nascimento de Sun Wu, o Mestre Sun.
506 Ofensiva de Wu contra Chu. Wu ocupa Ying, capital de
Chu.
c. 496 Morte do Mestre Sun. Morte de He Lü, rei de Wu.
494 O reino de Yue reconhece Wu como líder supremo.
481 Fim do Período de Primavera e Outono.
c. 479 Morte de Confúcio. Nascimento do Mestre Mo.
473 Wu é arrasado por Yue, sob a liderança de Gou Jian. Morte
de Fu Chai, rei de Wu e filho de He Lü.
453 Divisão de Jin nos três reinos de Han, Wei e Zhao. Alguns
consideram este o início do Período dos Reinos
Combatentes.
445 Expansão ao leste do reino de Chu, à custa de Wu.
c. 430 Nascimento do Mestre Wu (Wu Qi).
c. 381 Morte do Mestre Mo. Morte do Mestre Wu.
c. 380 Nascimento de Sun Bin (Sun “Aleijado”), autor de Sun Bin
bingfa [Arte da guerra de Sun Bin].
c. 371 Nascimento de Mêncio.
361 Lorde Shang chega a Qin e começa as reformas legalistas.
354-351 Cerco de Handan, capital de Zhao (na província de Hebei,
no sudoeste).
341 Batalha de Maling.
338 Execução do Lorde Shang.
334 Chu absorve Yue (norte da província de Zhejiang e região
inferior do Yangtzé).
325 O príncipe de Qin assume o título de rei.
c. 316 Morte de Sun Bin.
c. 300 Morte do filósofo taoista Mestre Zhuang.
c. 289 Morte de Mêncio.
279 Tian Dan, de Qi, derrota a força de Yan em Jimo.
278-277 Qin se expande à custa de Chu em Hubei e Hunan.
270 Qin ataca Han e é rechaçado por Zhao.
259-257 Qin sitia Handan, capital de Zhao.
257 Morte de Bo Qi, general de Qin.
256 Qin põe fim à casa real de Zhou.
246 Acessão do rei Zheng de Qin, que viria a se tornar o
primeiro imperador da dinastia Qin.
230-221 Qin anexa Han, Zhao, Wei, Chu, Yan e Qi.
227 Jing Ke comete um atentado malsucedido contra o futuro
primeiro imperador.
221 Fundação do Império Qin.
220 Reconstrução das Grandes Muralhas, iniciadas por volta de
300 a.C.
210 Morte do primeiro imperador.
207 Assassinato do segundo imperador.
206 Fim da dinastia Qin. Fundação da dinastia Han Anterior ou
do Oeste, com capital em Chang’an.
203 Xiang Yu (rei de Chu) e Liu Bang (rei de Han) dividem o
reino. As façanhas de Han Xin como general de Liu Bang.
202 Liu Bang elimina Xiang Yu e é proclamado imperador de
Han.
179 Acessão do imperador Wen de Han.
141 Acessão do imperador Wu de Han.
122 Morte de Liu An, Mestre de Huainan.
122-109 Expansão de Han rumo ao sul.
c. 92 Morte de Sima Qian, autor do Shiji.
87 Morte do imperador Wu.
73 Acessão do imperador Xuan.
48 Acessão do imperador Yuan.
32 Acessão do imperador Cheng.
6 Acessão do imperador Ai.
 
D.C.
9-25 Breve dinastia Xin de Wang Mang. Fundação da dinastia
Han Posterior ou do Leste, com capital em Luoyang.
27-28 Revolta dos Sobrancelhas Vermelhas.
c. 125 Han começa a restabelecer domínio sobre a Ásia Central.
157 Censo: 56 486 856 indivíduos.
169 Grande vitória chinesa sobre o povo prototibetano dos
qiang.
184 Revolta dos Turbantes Amarelos.
189 Saque de Luoyang por Dong Zhuo.
190 Começo do poder de Cao Cao.
201 Cao Cao praticamente domina o norte da China.
208 Aliança entre Liu Bei (Shu/Han) e Sun Quan (na região
inferior do Yangtzé) contra Cao Cao. Batalha dos Penhascos
Vermelhos, no Yangtzé, em que Cao Cao é derrotado.
220 Morte de Cao Cao. Seu filho, Cao Pei, se torna o primeiro
imperador de Wei. Fim da dinastia Han.
221 Liu Bei é proclamado imperador de Shu/Han no oeste da
China.
222 Sun Quan é proclamado imperador de Wu. Início do
Período dos Três Reinos.
223 Morte de Liu Bei.
234 Morte de Zhuge Liang, conselheiro estrategista de Shu/Han.
249 Golpe de Estado de Sima Yi em Wei.
263 Fim de Shu/Han (anexado por Wei).
265 Sima Yan funda a dinastia Jin em Luoyang.
A arte da guerra
1
 
FORMULAÇÃO DE PLANOS
Disse o Mestre Sun:
 
A guerra é uma
 
Séria questão de Estado;
 
É um domínio
 
De vida e morte,
 
Rota
 
De sobrevivência e extinção,
 
Algo
 
A se considerar com ponderação.
São Cinco Fundamentos
 
Para essas deliberações,
 
Para quaisquer exames
 
E a análise de condições:
 
O Caminho,
 
Céu,
 
Terra,
 
Comando,
 
Disciplina.
O Caminho
 
Põe os homens
 
Em harmonia
 
Com o soberano,
 
Para que nunca vacilem
 
E por ele vivam e morram.
Céu
 
É Yin e Yang,
 
Frio e calor,
 
O ciclo das estações.
Terra
 
É altitude e dimensão,
 
Distância e proximidade,
 
É fluência e perigo,
 
Amplitude e confinamento,
 
É vida e aniquilação.
Comando
 
É Sabedoria,
 
Integridade,
 
Compaixão,
 
Coragem,
 
Severidade.
Disciplina
 
É organização,
 
Hierarquia,
 
Controle de despesas.
Todo comandante conhece
 
Esses
 
Cinco Fundamentos.
 
Aquele que os segue
 
Vence;
 
Aquele que não os segue
 
Perde.
Para essas deliberações,
 
Para quaisquer exames
 
E a análise de condições,
 
Descubra:
 
Que soberano
 
Tem o Caminho?
Que general
 
Tem a perícia?
Que lado tem
 
Céu e Terra?
Em que lado
 
A disciplina
 
É mais eficaz?
Que exército
 
É mais forte?
Que oficiais e homens
 
São mais treinados?
Em que exército
 
Recompensas e castigos são
 
Mais claros?
Destes
 
Se determina
 
Quem vence e quem perde.
Se meu plano seguir,
 
Se me empregar,
 
A vitória decerto será sua;
 
Ficarei aqui.
Se não seguir,
 
Mesmo se me empregar,
 
Sua derrota será certa;
 
Irei embora.
Opte pelo melhor plano,
 
Explore a dinâmica interior,
 
Desenvolva para o exterior.
Acompanhe a vantagem,
 
E domine oportunidades;
 
Essa é a dinâmica.
O Caminho da Guerra
 
É um Caminho de Ardis.
Quando capaz,
 
Finja incapacidade;
Quando enviar tropas,
 
Aparente o contrário.
Quando próximo,
 
Aparente longe.
Quando longe,
 
Aparente próximo.
Atraia com isca;
Ataque com caos.
Se o inimigo é pleno,
 
Prepare-se.
 
Se forte,
 
Evite-o.
Se ele é feroz,
 
Desconcerte-o.
Se ele é fraco,
 
Atice seu orgulho.
Se está relaxado,
 
Perturbe-o;
Se seus homens estão em harmonia,
 
Divida-os.
Ataque
 
Onde ele não
 
Está preparado;
 
Apareça
 
Onde você não
 
É esperado.
Isso é
 
Vitória na guerra;
 
Não pode ser
 
Proclamada
 
Com antecedência.
A vitória pertence àquele
 
Que mais pontua
 
Nos cálculos do templo
 
Antes da batalha.
A derrota pertence àquele
 
Que menos pontua
 
Nos cálculos do templo
 
Antes da batalha.
Mais prenuncia vitória;
 
Menos prenuncia derrota;
 
Nada,derrota mais certa.
Vejo assim,
 
E o resultado é evidente.
2
 
DEFLAGRAÇÃO DA GUERRA
Disse o Mestre Sun:
Na Guerra,
 
Para um exército
 
Com mil
 
Bigas velozes de quatro cavalos,
 
Com mil
 
Carroças revestidas de couro,
 
Para cem mil
 
Soldados com armadura,
 
Abastecido para
 
Cem léguas;*
A considerar
 
Despesas no reino e na campanha,
 
Tratos com enviados e conselheiros;
 
Cola e laca
 
Manutenção de bigas e armaduras;
 
O custo diário de tudo
 
Excederá
 
Mil peças de prata.
Na Guerra,
 
A vitória deve ser
 
Célere.
 
Se a vitória for lenta,
 
Homens se cansam,
 
Moral fraqueja.
 
Cercos
 
Exaurem forças;
 
Campanhas prolongadas
 
Extenuam o tesouro.
Com homens cansados,
 
Moral baixo,
 
Forças exauridas,
 
Tesouro gasto;
Os senhores feudais
 
Aproveitam a desordem
 
E atacam.
 
Isso até os mais sábios
 
Não terão condições
 
De reparar.
Ouvi dizerem que na guerra
 
Pressa pode ser
 
Inimiga
 
Mas nunca vi
 
Atraso que fosse
 
Perfeição.
Nenhuma nação jamais se beneficiou
 
De uma guerra prolongada.
Sem plena compreensão
 
Dos danos
 
Da guerra,
 
É impossível compreender
 
O modo mais favorável
 
De conduzi-la.
O Guerreiro Hábil
 
Nunca recruta exércitos
 
Duas vezes;
 
Nunca transporta provisões
 
Três.
Ele traz seus próprios equipamentos
 
Mas se supre do inimigo.
 
E assim seus homens
 
Têm muita comida.
Suprir um exército
 
Distante
 
Exaure os cofres públicos
 
E empobrece
 
O povo comum.
Quando o exército está próximo,
 
Os preços sobem;
 
Quando os preços sobem,
 
O povo gasta
 
Tudo o que tem;
 
Quando gasta tudo,
 
Sente a pressão
 
Dos impostos.
No campo de batalha,
 
A força é esgotada;
 
No reino, as famílias
 
São desprovidas.
O povo
 
Perde sete décimos
 
De sua riqueza.
 
Seis décimos do tesouro
 
São gastos com
 
Bigas quebradas,
 
Cavalos cansados,
 
Elmos e armaduras,
 
Flechas e balestras,
 
Dardos e broquéis
 
Lanças e escudos,
 
Bestas de carga.
 
Carroças pesadas.
Então o general sábio
 
Nutre o exército
 
Com o inimigo.
 
Uma peça**
 
Do inimigo
 
Vale vinte
 
Trazidas do reino;
 
Uma braçada
 
De rações inimigas
 
Vale vinte
 
Trazidas do reino.
A morte do inimigo
 
É resultado
 
Da ira;
A luta pelo butim
 
É resultado
 
Do desejo de recompensa.
No combate de bigas,
 
Quando se captura
 
Mais de dez bigas,
 
Merece recompensa aquele
 
Que toma a primeira inimiga.
Mude o estandarte
 
Das bigas capturadas;
 
Misture-as
 
Às nossas.
Trate bem seus prisioneiros,
 
Cuide deles.
 
Use sua vitória
 
E se fortaleça.
Na Guerra,
 
Valorize a vitória,
 
Não uma campanha prolongada.
O general sábio
 
É Senhor do Destino;
Ele detém nas mãos
 
A paz e o perigo
 
À nação.
* Em chinês a medida usada, li, equivale a aproximadamente quinhentos metros. Optamos
por utilizar a medida de léguas para preservar o caráter antigo do texto. Como A arte da
guerra oferece recomendações sobre diversos aspectos logísticos, o leitor encontrará
adaptações semelhantes também com medidas de peso, volume etc. (N. T.)
** No chinês, a medida usada, shi, equivale a aproximadamente setenta quilos. (N. E.)
3
 
OFENSIVA ESTRATÉGICA
Disse o Mestre Sun:
Na Guerra,
 
Tome
 
Um reino
 
Inteiro,
 
Não um destruído.
Tome
 
Um exército,
 
Regimento,
 
Destacamento,
 
Companhia
 
Inteiros,
 
Não destruídos.
A primazia suprema vem
 
Não da vitória
 
Em qualquer batalha,
 
Mas da derrota do inimigo
 
Sem sequer um combate.
 
A guerra mais sublime
 
Ataca a própria
 
Estratégia;
Depois,
 
Ataca
 
Alianças;
Depois,
 
Ataca
 
Exércitos;
A guerra mais vulgar
 
Ataca
 
Cidades.
 
Guerra de cerco
 
Só em último caso.
Em um cerco,
 
É preciso três meses
 
Para reunir
 
Escudos protetores,
 
Carroças reforçadas,
 
E diversos
 
Armamentos e materiais de cerco;
 
Mais três meses
 
Para a construção
 
De rampas.
O general que não tem
 
Poder sobre a raiva
 
Despacha seus homens como
 
Formigas,
 
Envia um em três para
 
A morte,
 
E não toma a cidade.
 
Essa é a calamidade
 
Da guerra de cerco.
O Estrategista Hábil
 
Derrota o inimigo
 
Sem combater,
 
Captura a cidade
 
Sem sitiar,
 
Abate o reino inimigo
 
Sem uma guerra longa.
Ele busca a supremacia
 
Intacto sob
 
O céu,
 
Forças ainda
 
Ilesas,
 
A conquista
 
Completa.
 
Esse é o método do
 
Ataque estratégico.
Na Guerra,
 
Se com dez diante
 
De um do inimigo,
 
Cerque-o;
 
Com cinco,
 
Ataque;
 
Com dois,
 
Divida.
 
Se iguais,
 
Enfrente;
 
Se com menos,
 
Esconda;
 
Se mais fraco,
 
Fuja.
Uma força pequena
 
Que luta obstinada 
 
Será capturada
 
Por força maior.
O general sustenta
 
A nação.
Quando é firme
 
A nação é forte.
Quando é incerto,
 
A nação é fraca.
Um líder pode condenar
 
Seus homens
 
De três formas:
Dar ordem de
 
Avanço ou
 
Retirada
 
Na hora errada
 
É
 
Tolher o exército:
Interferência ignorante
 
Em decisões militares
 
Confunde
 
Oficiais e homens;
Influência ignorante
 
Em atribuições militares
 
Perturba
 
Oficiais e homens.
Se o exército está confuso e perturbado,
 
Os príncipes feudais
 
Criam problema;
 
Daí se espalha
 
Caos nas fileiras
 
E se perde a
 
Vitória.
Há Cinco Exigências
 
Para a vitória:
Saber o momento de lutar
 
E o de não lutar;
Entender o uso
 
De grandes e pequenos
 
Contingentes;
Ter oficiais e homens de
 
Uma mesma vontade;
Estar pronto
 
Para o inesperado;
Ter um general capaz,
 
Sem o estorvo do soberano.
Essas cinco
 
Dão o caminho da
 
Vitória.
Daí o ditado
 
“Conhece o inimigo,
 
Conhece a ti mesmo,
 
E a vitória
 
Será sempre certa,
 
Mesmo em cem batalhas.”
Aquele que conhece a si
 
Mas não ao inimigo
 
Sofrerá uma derrota
 
Para cada vitória.
Aquele que não conhece
 
A si
 
E ao inimigo,
 
Fracassará
 
Em toda batalha.
4
 
FORMAS E DISPOSIÇÕES
Disse o Mestre Sun:
Outrora,
 
O Guerreiro Hábil
 
Garantia antes
 
Invulnerabilidade
 
Para si;
 
Depois esperava
 
A vulnerabilidade
 
Do inimigo.
Invulnerabilidade cabe
 
A si;
 
Vulnerabilidade,
 
Ao inimigo.
O Guerreiro Hábil
 
Pode obter
 
Invulnerabilidade
 
Para si mesmo;
 
Mas jamais criará
 
A vulnerabilidade
 
Do inimigo.
Daí o ditado
 
“Pode-se conhecer
 
A vitória
 
E ainda não alcançá-la.”
Invulnerabilidade é
 
Defesa;
 
Vulnerabilidade é
 
Ataque.
Defesa implica
 
Carência;
 
Ataque implica
 
Abundância.
Um Defensor Hábil
 
Se oculta
 
Sob as Nove Terras;
 
Um Atacante Hábil
 
Se move
 
Sobre os Nove Céus.
E assim obtém
 
Proteção
E vitória
 
Intacto.
Prever
 
A vitória simples
 
Do homem comum
 
Não é habilidade.
Obter vitória em batalha
 
E receber elogios
 
Pela habilidade
 
Não é
 
Habilidade.
Erguer pelagem de outono
 
Não é
 
Força;
Ver sol e lua
 
Não é
 
Percepção;
Ouvir trovões
 
Não é
 
Audição aguçada.
O Guerreiro Hábil de outrora
 
Conquistava
 
Vitórias fáceis.
As vitórias
 
Do Guerreiro Hábil
 
Não são
 
Extraordinárias;
 
Não dão
 
Fama pela sabedoria
 
Nem mérito pela bravura.
Suas vitórias
 
São
 
Perfeitas;
Sua vitória é
 
Perfeita
 
Porque é
 
Inevitável;
Ele derrota
 
Um inimigo já derrotado.
O Guerreiro Hábil
 
Se posiciona
 
Em solo invulnerável;
 
Não perde qualquer chance
 
De derrotar o inimigo.
O exército vitorioso
 
Chega à vitória antes
 
E busca a batalha depois;
 
O exército derrotado
 
Vai à batalha antes
 
E busca a vitória depois.
O Estrategista Hábil
 
Cultiva
 
O Caminho
 
E preserva
 
A lei;
 
E assim tem domínio
 
Sobre vitória e derrota.
Na Guerra,
 
Existem Cinco Passos:
Medição,
 
Estimativa,
 
Cálculo,
 
Comparação,
 
Vitória.
Terra determina
 
Medição;
 
Medição determina
 
Estimativa;
 
Estimativa determina
 
Cálculo;
 
Cálculo determina
 
Comparação;
 
Comparação determina
 
Vitória.
Um exército vitorioso
 
É um tijolo no prato
 
Da balança contra
 
Um grão;
Um exército derrotadoÉ um grão
 
Na balança contra
 
Um tijolo no prato.
Um exército vitorioso
 
É como
 
Uma catarata
 
Que se arroja
 
Por uma vastidão
 
Sem fim.
Isso é tudo
 
Questão de
 
Formas e
 
Disposições.
5
 
ENERGIA POTENCIAL
Disse o Mestre Sun:
Gerir muitos
 
É o mesmo
 
Que gerir poucos;
 
É uma questão de
 
Divisão.
Lutar com muitos
 
É o mesmo
 
Que lutar com poucos;
 
É uma questão de
 
Sinalizar às tropas
 
A formação,
 
Usar bandeiras
 
De identificação.
Combinando-se
 
Direto e
 
Indireto,
 
Um exército
 
Pode rechaçar o inimigo
 
Intacto.
Compreendendo o que é
 
Fraqueza e
 
Força,
 
Um exército
 
Ataca
 
Qual pedra de mó
 
Contra um ovo.
Na guerra,
 
Combata
 
Diretamente;
 
Garanta a vitória
 
Indiretamente.
O guerreiro que domina
 
Guerra indireta
 
É infinito
 
Como o Céu e a Terra,
 
Inesgotável
 
Como o rio e o mar,
 
Termina e recomeça
 
Como o sol e a lua,
 
Morre e renasce
 
Como as Quatro Estações.
Existem apenas
 
Cinco notas,
 
E há mais combinações
 
Do que
 
Se pode escutar.
Existem apenas
 
Cinco cores,
 
E há mais combinações
 
Do que
 
Se pode enxergar.
Existem apenas
 
Cinco sabores,
 
E há mais combinações
 
Do que
 
Se pode provar.
Na dinâmica da Guerra,
 
Existem apenas estes dois,
 
Indireto
 
E direto,
 
E há mais combinações
 
Que nunca vão se exaurir.
 
Elas geram umas às outras
 
Em um eterno
 
Círculo sem fim.
Uma torrente veloz
 
Derruba rochas
 
Em suas águas;
 
Tal é a energia
 
De sua força.
O ataque de um falcão
 
Quebra as costas
 
Da presa;
Tal é a precisão
 
Da ocasião.
A energia do Guerreiro Hábil é
 
Arrasadora;
 
A ocasião,
 
Exata.
Sua energia é como
 
A balestra armada,
A ocasião é como
 
O aperto no gatilho.
No meio da escaramuça,
 
Pode parecer uma
 
Bagunça;
 
Mas não há desordem;
 
No caos da liça,
 
A luta parece não ter
 
Pé nem cabeça,
 
Mas não se admite a derrota.
Desordem se rege
 
Pela ordem;
 
Medo,
 
Pela coragem;
 
Fraqueza,
 
Pela força.
Desordem ordenada
 
Se baseia
 
Em divisão racional;
 
Medo corajoso,
 
Em energia potencial;
 
Fraqueza forte,
 
Em disposição de pessoal.
O guerreiro que sabe
 
Atiçar o inimigo
 
Dá uma forma visível,
 
E o inimigo decerto virá.
 
Põe-se a isca,
 
E o inimigo decerto
 
Arrisca.
 
Ele faz o inimigo
Se adiantar
 
E o espera
 
Com força total.
O Guerreiro Hábil
 
Explora
 
A energia potencial;
 
Não impõe à tropa
 
A responsabilidade.
Ele aplica a tropa
 
Como pode,
 
Mas conta com
 
A energia potencial.
Com base em energia,
 
Ele envia tropas à luta
 
Como se
 
Rolasse toras ou pedras.
 
É da natureza que
 
Em solo plano
 
Toras e pedras
 
Sejam imóveis;
 
Se íngreme,
 
Elas tombem;
 
Quadradas, parem;
 
Redondas, rolem.
 
Soldados bem posicionados
 
São como pedras redondas
 
Rodando
 
Por uma montanha.
Essas são questões
 
De energia potencial.
6
 
VAZIO E CHEIO
Disse o Mestre Sun:
O primeiro a chegar
 
Espera o inimigo
 
Com vigor.
O último a chegar
 
Entra na refrega
 
Esgotado.
O Guerreiro Hábil
 
Atiça
 
E não se atiça.
Ele atrai a vinda
 
Do inimigo
 
Ou impede o avanço
 
Do inimigo.
Esgote
 
O descansado;
 
Prive
 
O alimentado;
 
Desaloje
 
O alojado.
Apareça no lugar
 
Para onde ele corre;
 
Corra ao lugar
 
Onde ele menos espera.
Marche léguas e léguas
 
Sem se cansar
 
Seguindo rotas
 
Sem inimigos.
Garanta a vitória
 
Atacando
 
O indefeso.
Garanta a defesa
 
Defendendo
 
O intocado.
O Guerreiro Hábil ataca
 
Para que o inimigo
 
Não se defenda;
 
Ele defende
 
Para que o inimigo
 
Não ataque.
Ó sutil sutileza!
 
Sem forma!
Ó mistério misterioso!
 
Sem som!
 
Ele domina a
 
Sina do inimigo.
Ele avança,
 
Irresistível,
 
E ataca o vazio.
Ele recua,
 
Sem deixar rastro,
 
Veloz demais
 
Para ser alcançado.
Se desejo combater,
 
O inimigo,
 
Mesmo trás muralhas
 
E fosso,
 
Não deixará de me enfrentar;
 
Lanço meu ataque
 
Onde ele deve
 
Resgatar.
Se não desejo combater,
 
Posso me resguardar
 
Com apenas uma linha
 
Traçada no chão.
 
O inimigo não
 
Me enfrenta
 
Em combate:
 
Eu o distraio
 
Para outro sentido.
Sua forma é visível,
 
Mas eu sou
 
Amorfo;
 
Sou concentrado,
 
Ele, dividido.
Sou concentrado
 
Em um só;
 
Ele, dividido
 
Em dez.
 
Eu sou
 
Dez
 
Contra um;
 
Muitos
 
Contra
 
Poucos.
Com muitos, ataque poucos
 
E o oponente
 
Será fraco.
O local que pretendo atacar
 
Será um segredo;
 
Se for segredo,
 
O inimigo terá que
 
Reforçar muitos locais;
 
O inimigo vai
 
Reforçar muitos locais,
Mas atacarei
 
Poucos.
Ao reforçar a vanguarda,
 
Ele enfraquece atrás;
Ao reforçar atrás,
 
Ele enfraquece a vanguarda.
Ao reforçar a direita,
 
Ele enfraquece a esquerda;
Ao reforçar a esquerda,
 
Ele enfraquece a direita.
Ao reforçar tudo,
 
Ele enfraquece tudo.
Na fraqueza,
 
Prepara-se
 
Contra algum ataque.
Na força,
 
Obriga-se
O inimigo a
 
Preparar-se contra o ataque.
Sabendo
 
Dia e lugar
 
Da batalha,
 
Podemos lutar
 
Mesmo após léguas
 
E léguas de marcha.
Mas sem saber
 
Dia ou
 
Lugar,
 
A esquerda não
 
Ajuda a direita,
 
A direita não
 
Ajuda a esquerda,
 
A vanguarda não
 
Ajuda atrás,
 
Atrás não
 
Ajuda a vanguarda.
 
E é pior
 
Se entre as tropas
 
Há distâncias
 
De léguas e léguas
 
Ou mesmo uma só.
Pelo que determinei,
 
O exército de Yue
 
É vasto,
 
Mas isso pouco lhe serve
 
Ao combater.
 
Então
 
Ainda
 
É possível vencer.
O inimigo pode ser grande,
 
Mas podemos evitar
 
Um combate.
Analise-o
 
Conheça os furos
 
Em seus planos.
Incite-o,
 
Descubra o que gera
 
Seus atos.
Revele a forma,
 
Descubra seus locais
 
De vida e morte.
Teste-o,
 
Conheça suas forças
 
E fraquezas.
O epítome
 
Das disposições
 
É não ter forma;
 
Ausência de forma
 
É imune à visão
 
Do mais sutil espião
 
E às maquinações
 
Da mais sábia mente.
Use as disposições do inimigo
 
Para chegar à vitória;
 
Isso, o homem comum
 
Não sabe.
 
Ele entende
 
As formas,
 
As disposições
 
Da minha vitória;
 
Mas não
 
Como criei as formas
 
Da vitória.
Campanhas vitoriosas
 
Jamais se repetem.
 
Elas se formam em resposta
 
Às infinitas variedades
 
De circunstâncias.
Disposições militares
 
Se formam como água.
 
A água evita o alto
 
E corre abaixo.
 
A guerra evita o forte
 
E ataca o fraco.
A água molda o curso
 
Pela via do terreno.
O guerreiro molda a vitória
 
Pela dinâmica do inimigo.
A guerra não tem
 
Dinâmica constante;
 
A água não tem
 
Forma constante.
O epítome da prática militar
 
É extrair vitória
 
Das circunstâncias mutáveis
 
Do inimigo.
Entre os Cinco Elementos
 
Nenhum possui
 
Supremacia constante.
As Quatro Estações
 
Não têm
 
Estação fixa;
Há dias longos
 
E curtos;
 
A lua
 
Cresce
 
E
 
Míngua.
7
 
O CONFRONTO
Disse o Mestre Sun:
Na Guerra,
 
O general
 
Recebe ordens
 
Do soberano,
 
Reúne as tropas,
 
Forma um exército.
 
E acampa
 
Diante do inimigo.
 
O mais difícil
 
De fato é
 
O confronto.
A dificuldade do confronto
 
É endireitar
 
O que é
 
Torto
 
E tirar
 
Proveito
 
De infortúnios.
Siga uma rota circular
 
E atraia o inimigo
 
Com vantagens;
Saia depois dele,
 
Mas chegue antes;
 
Isso é o domínio
 
Do reto
 
E do torto.
O confronto pode dar
 
Frutos;
 
Pode haver
 
Riscos.
Pode-se ir com tudo
 
Ao confronto
 
Para ter fruto,
 
E ainda assim perder
 
Tudo.
Deixe o acampamento
 
E entre no confronto
 
Para ter fruto,
 
E você pode perder
 
Equipamentos.
Dê ordem de marcha
 
A seus homens
 
Com armadura
 
Dia e noite,
 
Sem parar,
 
Por oito léguas
 
A passo duplo
 
Para ter fruto,
 
E perderá
 
Seus comandantes.
 
Os mais vigorosos
 
Estarão na vanguarda;
 
Os mais fracos,
 
Atrás.
 
Chegará
 
Um em dez.
Marche quatro léguas
 
Para lucrar,
 
E o comandante
 
Da vanguarda
 
Cairá;
 
Só metade da tropaChegará.
Marche duas léguas
 
Para lucrar,
 
E dois em três
 
Chegarão.
Sem equipamento,
 
Perde-se um exército;
Sem suprimentos,
 
Perde-se um exército;
Sem provisões,
 
Perde-se um exército.
Sem saber os planos
 
Dos senhores feudais,
 
Não se pode
 
Formar alianças.
Sem conhecer
 
Morros e matas,
 
Grutas e penhas,
 
Brejos e charcos,
 
Não se
 
Marcha.
Sem usar guias locais,
 
Não se
 
Explora
 
O terreno.
A guerra
 
Se baseia em
 
Ardis;
 
Movimentos se determinam
 
Por vantagens;
 
Divisão e unidade
 
São os elementos de
 
Mudança.
Seja veloz como o vento;
 
Imponente como um bosque;
Ávido como um incêndio;
 
Firme como uma montanha.
Inescrutável como a noite;
 
Ágil como trovões ou raios.
Saqueie o campo,
 
Divida o butim;
Amplie o território,
 
Distribua os lucros.
Pondere a situação
 
Antes de agir.
A vitória pertence àquele
 
Que domina
 
O estratagema
 
Do reto e
 
Do torto.
Essa é a
 
Arte do Confronto.
Diz o Manual Militar:
Quando ouvidos não ouvem,
 
Use tambores.
Quando olhos não veem,
 
Use estandartes.
Tambores e
 
Estandartes
 
São os
 
Ouvidos e olhos
 
Do exército.
Em um exército concentrado,
 
Os bravos não
 
Avançam sós,
 
Nem os medrosos
 
Recuam sós.
Essa é a Arte
 
Da Gestão de Muitos.
Se lutar à noite,
 
Use tochas e tambores;
Durante o dia,
 
Use estandartes;
 
Para transformar
 
Os ouvidos e olhos
 
Das tropas.
É possível privar
 
De espírito
 
Todo um exército;
É possível privar
 
De raciocínio
 
Um general.
No soldado o espírito
 
É mais agudo
 
De manhã;
 
Durante o dia,
 
Se abate;
 
À noite,
 
Começa a
 
Pensar em casa.
O Guerreiro Hábil
 
Evita o espírito agudo,
 
Ataca o abatido
 
E o saudoso;
 
Isso é
 
Domínio do Espírito.
Ele confronta o caos
 
Com disciplina;
Ele trata tumulto
 
Com calma.
 
Isso é
 
Domínio da Mente.
Ele opõe distância
 
Com proximidade;
Ele opõe exaustão
 
Com tranquilidade;
Ele opõe fome
 
Com abundância;
Isso é
 
Domínio da Força.
Ele não intercepta
 
Estandartes organizados;
Ele não ataca
 
Uma formação perfeita.
Isso é
 
Domínio das Mutações.
Estes são axiomas
 
Da Arte da Guerra:
 
Não avance morro acima.
 
Não enfrente um inimigo
 
Diante de uma colina.
 
Não persiga um inimigo
 
Que simula fuga.
 
Não ataque
 
Tropas astutas.
 
Não morda
 
Uma isca.
 
Não impeça
 
Um regresso ao lar.
Deixe espaço
 
Para um exército cercado.
Não pressione
 
Um inimigo acossado.
Essa é
 
A Arte da Guerra.
8
 
AS NOVE MUDANÇAS
Disse o Mestre Sun:
Na Guerra,
 
O general
 
Recebe ordens
 
Do soberano,
 
Reúne soldados
 
E forma a tropa.
Em terreno intransitável,
 
Não acampe;
Em terreno de encruzilhada,
 
Una-se a aliados;
Em terreno de risco,
 
Não se demore;
Em terreno encerrado,
 
Planeje estratégias;
Em terreno letal,
 
Combata.
Algumas estradas
 
Não se pegam.
Alguns exércitos
 
Não se atacam.
Algumas cidades
 
Não se sitiam.
Alguns terrenos
 
Não se disputam.
Algumas ordens do rei
 
Não se cumprem.
O general
 
Que entende as vantagens
 
Das Nove Mudanças
 
Compreende a Guerra.
O general
 
Que ignora vantagens
 
Das Nove Mudanças
 
Pode entender o terreno,
 
Mas jamais tirará
 
Vantagem
 
Do conhecimento.
O guerreiro
 
Que ignora a Arte
 
Das Nove Mudanças
 
Pode conhecer as
 
Cinco Vantagens,*
 
Mas não tirará todo o
 
Proveito da tropa.
O líder sábio
 
Quando delibera
 
Sempre considera
 
Vantagem
 
E dores.
Com reflexões sobre
 
Vantagens,
 
Pode atingir
 
A meta;
Com reflexões sobre
 
Dores,
 
Pode se livrar de
 
Calamidade.
Aos senhores feudais impõe
 
Submissão
 
Causando-lhes
 
Dores;
Ele os desgasta,
 
Mantendo-os
 
Sempre ocupados;
Ele os precipita
 
Com ilusões de
 
Vantagens.
O Guerreiro Hábil
 
Não conta com a vinda
 
Do inimigo,
 
Só com seu próprio
 
Preparo.
Não conta com a falta de ataque
 
Do inimigo,
 
Só com sua própria
 
Invulnerabilidade.
Existem Cinco Perigos
 
Para um general:
Descuido,
 
Que leva à
 
Destruição;
Covardia,
 
Que leva à
 
Captura;
Impaciência,
 
Que aceita
 
Provocação;
Honra delicada,
 
Que tende à
 
Vergonha;
Preocupação pela tropa,
 
Que leva a
 
Problemas.
Esses Cinco Excessos
 
Em generais
 
Na guerra são
 
Desastrosos.
Se um exército for derrotado
 
E o general, morto,
 
Certamente será por
 
Essas Cinco Ameaças.
Elas exigem toda
 
Atenção e cuidado.
* As cinco vantagens foram descritas no capítulo 1: caminho, céu, terra, comando e disciplina.
(N. E.)
9
 
EM MARCHA
Disse o Mestre Sun:
Ao assumir posição
 
E confrontar o inimigo:
Cruze montanhas,
 
Fique perto de vales;
 
Acampe no alto,
 
Defronte ao aberto;
 
Lute em declive,
 
Não o contrário.
São as posições da
 
Guerra em montanha.
Cruze rios,
 
Mantenha distância
 
Das águas.
 
Se o inimigo cruzar
 
O rio também,
 
Não o confronte
 
Na correnteza.
 
Espere metade da tropa cruzar
 
Antes do ataque.
 
Se desejar batalha,
 
Não confronte o inimigo
 
Perto do rio.
 
Ocupe terreno alto e
 
Se vire para o aberto.
Não avance
 
Contra a corrente.
 
São as posições da
 
Guerra em rio.
Cruze pântanos
 
Rápido;
 
Não se demore.
 
Se precisar lutar
 
Em pântanos,
 
Fique perto dos
 
Juncos
 
E defronte
 
Às árvores.
 
São as posições em
 
Pântanos.
Em planícies,
 
Ocupe terreno fácil.
 
Deixe o terreno alto
 
Para trás e à direita:
 
Deixe a morte à frente
 
E a vida atrás.
 
São as posições em
 
Planície.
Por observar
 
Esses quatro tipos de posição,
 
O Imperador Amarelo
 
Derrotou
 
Os Quatro Imperadores.
Exércitos prezam terreno alto,
 
Negam o baixo;
 
Eles estimam Yang,
 
Evitam Yin.
Nutra a vida,
 
Ocupe terreno sólido.
 
Suas tropas serão fortes,
 
A vitória será certa.
Em morro,
 
Colina,
 
Margem
 
Ou barragem,
 
Ocupe Yang,
 
Com terreno alto
 
Atrás e à direita.
Use o terreno
 
A favor de seu exército.
Quando as chuvas no rio
 
Produzem enchente,
 
Espere a água baixar
 
Antes de cruzar.
Se do Céu você vir
 
Torrentes,
 
Poços,
 
Becos,
 
Forros,
 
Trapas,
 
Desfiladeiros:
 
Escape deles
 
O quanto antes.
 
Não se aproxime.
 
Fique longe,
 
Deixe o inimigo
 
Se aproximar.
 
Fique de frente;
 
Deixe que o inimigo
 
Os tenha atrás.
Se marchar por
 
Ravinas,
 
Pântanos,
 
Brejos e mangues,
 
Florestas em montanha,
 
Mata densa:
 
Cuidado,
 
Explore com diligência.
 
São locais
 
De emboscadas,
 
De espiões.
Quando o inimigo está
 
Próximo
 
E não age,
 
Ele conta com
 
Posição forte;
Se está
 
Distante
 
E provoca batalha,
 
Quer que seu oponente
 
Avance.
Se está
 
Em terreno fácil,
 
Quer nos atrair.
Se árvores balançam,
 
Está a caminho.
Se pavilhões aparecem
 
Na mata,
 
Ele quer
 
Nos confundir.
Aves que alçam voo
 
São sinal
 
De emboscada;
Animais assustados
 
São sinal
 
De ataque-surpresa.
Nuvem de poeira alta
 
É sinal
 
De cavalaria;
Nuvem de poeira baixa
 
É sinal
 
De infantaria;
Poeira em focos dispersos
 
É sinal
 
De coleta de lenha;
Poeira em nuvens espalhadas
 
É sinal
 
De acampamento.
Palavras gentis, acompanhadas
 
De mais preparativos,
 
São sinal
 
De ataque iminente;
Palavras firmes, acompanhadas
 
De avanço agressivo,
 
São sinal de
 
Retirada iminente.
Bigas leves
 
Que saem primeiro
 
Nos flancos
 
São sinal de
 
Formação de batalha.
Palavras de paz,
 
Mas sem tratado,
 
São sinal de
 
Artifício.
Muita correria
 
E agitação de soldados
 
São sinal de
 
Expectativa.
Alguns avançando
 
E alguns recuando
 
São sinal de
 
Engodo.
Soldados imóveis
 
E apoiados nas lanças
 
Indicam grande
 
Fome.
Aguadeiros
 
Bebendo na frente
 
Indicam grande
 
Sede.
Vantagem vista,
 
Mas sem ação,
 
Indica total
 
Exaustão.
Aves voejam
 
Em área vazia.
Gritos à noite
 
São sinal de
 
Medo.
Confusão na tropa
 
É sinal de
 
Que o general
 
Não tem respeito.
Estandartes em movimento
 
São sinalde
 
Desordem.
Se oficiais
 
São irritáveis,
 
Os homens se fartam.
Se dão
 
Grãos aos cavalos
 
E carne aos homens;
Se não
 
Penduram panelas
 
E não
 
Voltam às barracas;
 
É porque estão
 
No fim.
Homens aos sussurros,
 
Em pequenos grupos,
São sinal de
 
Desgosto.
Recompensas em excesso
 
São sinal de
 
Desespero.
Castigos em excesso
 
São sinal de
 
Exaustão.
Se o general ora mostra
 
Tirania,
 
Ora temor
 
Aos próprios homens,
 
É sinal de
 
Suprema incompetência.
Emissários
 
Com palavras a conciliar
 
Desejam cessar.
Conflito prolongado,
 
Intenso,
 
Sem enfrentamento
 
Ou retirada,
 
Há de se ver
 
Com grande cuidado.
Na Guerra,
 
Quantidade
 
Não é problema.
É caso de
 
Atacar sem
 
Exageração.
Concentre sua força,
 
Avalie a oposição
 
E conquiste a confiança de sua tropa:
 
Isso basta.
O que, leviano, subestimar o inimigo
 
Certamente será
 
Capturado.
Discipline a tropa
 
Ainda não leal,
 
E eles lhe
 
Resistirão
 
E terão pouca utilidade.
 
Permita à tropa leal
 
Indisciplina,
 
E ela será totalmente
 
Inútil.
Lidere com
 
Civilidade,
 
Comande com
 
Marcial disciplina,
 
E assim conquistará sua
 
Confiança.
Ordens coerentes e eficazes
 
Inspiram obediência;
 
Ordens incoerentes e ineficazes
 
Provocam desobediência.
Com ordens coerentes
 
E eficazes,
 
Entre general e tropa a
 
Confiança é mútua.
10
 
FORMAS DE TERRENO
Disse o Mestre Sun:
Existem diferentes formas de terreno:
Acessível,
 
Emaranhado,
 
Embaraçado,
 
Cercado,
 
Acidentado,
 
Afastado.
“Acessível” é onde
 
Os dois lados
 
Circulam sem entraves.
 
Em terreno acessível,
 
Aquele que ocupa
 
Local Yang alto
 
E garante
 
Abastecimento,
 
Combate
 
Com vantagem.
“Emaranhado” é onde
 
É possível avançar,
 
Difícil recuar.
 
Em terreno emaranhado,
 
Se o inimigo não tem preparo,
 
Vá derrotá-lo.
 
Mas, se tiver preparo,
 
E nossa ação fracassar,
 
Será difícil recuar.
 
O resultado não nos dará
 
Vantagem.
“Embaraçado” é onde
 
Nenhum dos lados vê
 
Vantagem
 
Em agir.
 
Em terreno embaraçado,
 
Mesmo se nosso inimigo
 
Der uma isca,
 
Nós não agimos;
 
Melhor atraí-lo;
 
Melhor recuar.
 
E quando metade da tropa dele
 
Sair,
 
Será o momento
 
Do ataque.
Em terreno cercado,
 
Se ocuparmos antes,
 
Há de se bloquear
 
E esperar o inimigo.
 
Se ele ocupar antes
 
e bloquear,
 
Não persiga;
 
Se ele não bloquear,
 
Persiga.
Em terreno acidentado,
 
Se ocuparmos antes,
 
É bom dominar a altitude Yang
 
E esperar o inimigo.
 
Se o inimigo ocupar antes,
 
Não persiga,
 
Apenas atraia
 
Com retirada.
Em terreno afastado,
 
Onde as forças se equilibram,
 
É difícil provocar batalha,
 
E um confronto
 
Não trará vantagem.
Esses seis compõem
 
O Caminho do Terreno.
 
É dever do general
 
Estudar com diligência.
Na Guerra,
 
Estas não são
 
Calamidades naturais,
 
Mas culpa
 
Do general:
Fuga,
 
Impotência,
 
Declínio,
 
Colapso,
 
Caos,
 
Ruína.
Se as forças estão em equilíbrio,
 
Mas o exército enfrenta um
 
Dez vezes maior,
 
O resultado é
 
Fuga.
Quando os soldados são fortes,
 
Mas os oficiais, fracos,
 
O resultado é
 
Impotência.
Quando os oficiais são fortes,
 
Mas os soldados, fracos,
 
O resultado é
 
Declínio.
Quando oficiais superiores se irritam
 
E se rebelam
 
E vão à batalha
 
Por ressentimento,
 
Antes que o general possa avaliar
 
As chances de vitória,
 
O resultado é
 
Colapso.
Quando o general é fraco,
 
E de pouca severidade,
 
Quando suas ordens
 
Não são claras,
 
Quando oficiais e soldados
 
Carecem de regras,
 
E a tropa
 
É relapsa,
 
O resultado é
 
Caos.
Quando o general
 
Subestima o inimigo
 
E envia uma força menor
 
Contra uma maior,
 
Um contingente fraco
 
Contra um forte;
 
Quando não forma
 
Uma boa vanguarda,
 
O resultado é
 
Ruína.
Esses seis compõem
 
O Caminho da Derrota.
 
É dever do general
 
Estudar com diligência.
A forma do terreno
 
É aliada do soldado;
Avaliação
 
Do inimigo
 
E domínio da vitória;
 
Cálculo da dificuldade,
 
Do perigo
 
E da distância
 
Do terreno;
 
Esses compõem o Caminho
 
Do General Superior.
Àquele que entende
 
E pratica na batalha,
 
Certa será a
 
Vitória.
 
Àquele que não entende
 
E não pratica,
 
Certa será a
 
Derrota.
Se em um confronto é certa
 
A vitória,
 
E o soberano
 
Proíbe a luta,
 
Combata;
 
Se em um confronto é certa
 
A derrota,
 
E o soberano
 
Exige a luta,
 
Não combata.
Aquele que avança
 
Sem buscar
 
Fama,
 
Que recua
 
Sem fugir
 
À infâmia,
 
Cujo único propósito
 
É proteger o povo
 
E servir ao senhor,
 
Esse é
 
A Joia do Reino.
Ele vê os soldados
 
Tal como filhos,
 
E todos o seguirão
 
Até qualquer despenhadeiro.
 
Ele os vê
 
Tal como família,
 
E todos o defenderão
 
Até a morte.
Se é generoso,
 
Mas não sabe comandar,
Se é afetuoso,
 
Mas não sabe dar ordens,
Se é caótico
 
E não mantém a ordem,
Seus homens
 
Serão crianças
 
Mimadas e
 
Inúteis.
Se sabemos que nosso exército
 
É capaz de atacar,
 
Mas não vemos
 
Que o inimigo
 
Não é vulnerável,
 
Temos apenas
 
Meia vitória.
Se sabemos que o inimigo
 
É vulnerável,
 
Mas não vemos
 
Que nosso exército
 
É incapaz de atacar,
 
Temos apenas
 
Meia vitória.
Se sabemos que o inimigo
 
É vulnerável,
 
E sabemos que nosso exército
 
É capaz de atacar,
 
Mas não vemos
 
Que o terreno
 
É inadequado,
 
Ainda temos apenas
 
Meia vitória.
O Guerreiro Sábio,
 
Quando se desloca,
 
Nunca se confunde;
 
Quando age,
 
Nunca hesita.
Por isso se diz:
 
“Conhece o inimigo,
 
Conhece a ti mesmo,
 
E a vitória
 
Será sempre certa,
 
Mesmo em cem batalhas.”
Conheça o Céu,
 
Conheça a Terra,
 
E sua vitória
 
Será completa.
11
 
OS NOVE TIPOS DE CAMPO
Disse o Mestre Sun:
Na Guerra:
 
Existem
 
Nove Tipos de Campo:
Dispersivo,
 
Leve,
 
Estratégico,
 
Aberto,
 
Cruzado,
 
Denso,
 
Intransitável,
 
Encerrado,
 
Letal.
Quando senhores feudais
 
Lutam em casa,
 
Isso é
 
Campo dispersivo.
Se o exército adentra
 
Território inimigo,
 
Mas não muito,
Isso é
 
Campo leve.
Se o campo
 
Presta vantagem
 
Para os dois,
 
Isso é
 
Campo estratégico.
Se aos dois lados
 
O avanço é livre,
 
Isso é
 
Campo aberto.
Se o campo faz
 
Fronteira
 
Com três reinos
 
E o primeiro a conquistar
 
Domina
 
O império,
 
Isso é
 
Campo cruzado.
Se o exército adentra
 
Longe no território inimigo
 
E toma
 
Cidades fortificadas
 
Na retaguarda,
 
Isso é
 
Campo denso.
Se o exército atravessa
 
Montanhas e florestas,
 
Grutas e penhas,
 
Brejos e charcos,
 
Estradas difíceis,
 
Estes são
 
Campos intransitáveis.
Se ao campo se chega
 
Por desfiladeiros,
 
Se daí se sai
 
Por trilhas esguias,
 
Em que uma força menor
 
Possa atacar nossa maior,
 
Isso é
 
Campo encerrado.
Se a fim de sobreviver
 
Cobra-se um
 
Esforço extremo,
 
E sem esse
 
Esforço extremo
 
Morremos,
 
Isso é
 
Campo letal.
Em campo dispersivo,
 
Não lute.
Em campo leve,
 
Não pare.
Em campo estratégico,
 
Não ataque.
Em campo aberto,
 
Não bloqueie.
Em campo cruzado,
 
Forme alianças.
Em campo denso,
 
Saqueie.
Em campo intransponível,
 
Siga em marcha.
Em campo encerrado,
 
Formule estratagemas.
Em campo letal,
 
Lute.
O Guerreiro Hábil de outrora
 
Sabia evitar
 
Que o inimigo unisse
 
Vanguarda e retaguarda,
 
Que divisões pequenas e grandes
 
Trabalhassem em conjunto,
 
Que soldados de elite
 
Ajudassem os fracos,
 
Que oficiais e homens
 
Reforçassem uns a outros.
 
O inimigo,
 
Se separado,
 
Não podia
Se reagrupar;
 
Se unido,
 
Não podia
 
Agir de concerto.
Quando se podia obter
 
Vantagem,
 
Ele agia;
 
Quando não,
 
Ele parava.
À pergunta:
 
“Como confrontar
 
Um inimigo
 
Grande e organizado,
 
Pronto para o ataque?”
Respondo:
 
“Capture algo
Que ele preze,
 
E ele o atenderá.”
Rapidez
 
É a essênciarivais. A ausência
da figura soberana de Zhou é notável. O império estava prestes a ruir
e as consequências seriam, é claro, catastróficas.
OS REINOS COMBATENTES
Em torno de 475 a.C., apenas sete reinos haviam sobrevivido às
inúmeras guerras entre os territórios: Han, Chu, Qi, Qin, Yan, Wei e
Zhao. Estes sete haviam incorporado todos os outros territórios
independentes e encurralado o reino Zhou em um diminuto pedaço de
terra, encerrando de vez o papel político dessa casa. Jean Levi, em seu
livro Los funcionarios divinos,4 nos mostra de maneira esclarecedora
um contexto histórico complexo e marcado por inumeráveis
artimanhas políticas. Nesse conflituoso período, as alianças
alternavam-se de maneira constante e rápida, todos se traíam de forma
mútua, e estava claro que apenas um dos sete reinos poderia
sobreviver à guerra civil.
As ações diplomáticas tentavam de algum modo estabelecer certo
equilíbrio entre os reinos, mas era impossível manter a situação por
muito tempo. O livro Crônicas dos Reinos Combatentes (Zhanguoce)5
nos fornece um quadro interessante dessa época: ele relata inúmeros
episódios, muitas vezes de forma quase anedótica, nos quais as
decisões estratégicas e políticas são permeadas por uma tensão vívida
entre crenças, artifícios e as antigas tradições culturais, com a visão de
um futuro inteiramente distinto e incerto. O texto busca narrar os
quase dois séculos de conflitos que marcaram esse tempo sangrento.
A ascensão dos militares foi uma característica do período. Antes, a
guerra era essencialmente travada entre nobres, que, instalados em
suas bigas, combatiam muitas vezes em duelos. Não era raro que
certas batalhas fossem inconclusivas. A infantaria — com exceção de
certo número de soldados palacianos — era arregimentada entre os
camponeses, que, mal armados e pouco motivados, constituíam
praticamente todo o cenário da batalha.6 Mas depois do século VII
a.C., isso começou a mudar. O aumento das lutas entre os reinos
levou a mobilizações constantes e, em consequência, à formação de
um corpo militar regular. De maneira rápida, o número de soldados
cresceu e se profissionalizou. O exército se tornara um meio de
mobilidade social, permitindo que ex-camponeses se transformassem
em oficiais importantes.
Foi o Reino de Qin que elaborou um amplo projeto de militarização
da sociedade, construindo o exército mais poderoso do planeta no
século V a.C. É possível que quase 500 mil homens tenham servido nas
forças de Qin, criando uma máquina de destruição e conquista nunca
antes vista na história chinesa. Esse exército era parte de um programa
político radical, que visava construir uma nova China: alicerçado em
um Estado centralizado, o país seria reunificado em um único
governo, comandado pelo imperador, mas auxiliado por um corpo
burocrático de funcionários públicos, substituindo as nobrezas locais
— que deveriam ser eliminadas.7 O governo incluía, assim, grupos
sociais menos favorecidos na administração pública, gerando uma
nova mobilidade social. Mas, por outro lado, aumentava a repressão e
o controle sobre a sociedade em níveis igualmente inéditos.
O caráter radical desse projeto se revelou eficiente para submeter os
combalidos reinos chineses. Qin soube tirar partido de sua posição
geográfica, de seus recursos naturais e de seu gigantesco exército para
empreender guerras sistemáticas que aos poucos derrubaram seus
inimigos. Em 221 a.C., eles conseguiram por fim reunificar a China,
estabelecendo um novo sistema imperial. Esse modelo sobreviveria,
com algumas variações, nas dinastias subsequentes até 1912, quando o
país se tornaria uma República.
Parte fundamental do projeto de Qin estava calcada em um novo
pensamento sobre o papel das forças militares, como vimos. Nesse
sentido, o livro de Sun Tzu foi uma peça decisiva nos planos
estratégicos — não apenas de Qin, mas de todos os reinos — para
alcançar a supremacia. Em Qin, contudo, A arte da guerra foi
empregada de forma profunda e decisiva, mostrando sua eficácia. E,
para compreender isso, precisamos voltar um pouco no tempo e
conhecer mais sobre o pensamento chinês antigo, o surgimento das
principais doutrinas e a formação da escola dos estrategistas.
AS CEM ESCOLAS DE PENSAMENTO8
No século VI a.C., os pensadores chineses estavam atentos às
mudanças que ocorriam no panorama político e cultural de sua
civilização. O crescimento da violência e a ameaça de colapso da
sociedade tornaram-se objeto de uma reflexão profunda. Como
preservar o ideal de equilíbrio com a natureza, resgatar a harmonia
entre os seres e assegurar a manutenção da vida?
Esse período foi crucial para uma reviravolta ética no pensamento
chinês. Até então, a reflexão filosófica e científica chinesa centrava-se
no Tratado das mutações (Yijing no método de transliteração pinyin,
ou I Ching na versão brasileira), livro que explicava os conceitos
cosmológicos fundamentais da natureza e funcionava como oráculo; e
no Livro dos ritos (Liji), ampla seleção sociológica e cultural que
explicava os costumes, regras, sacrifícios, crenças etc. Além deles, o
Tratado dos livros (Shujing) oferecia uma visão mais ampla de
passagens históricas, e as Poesias (Shijing) resgatavam imagens do
cotidiano, das aspirações e visões de mundo do povo chinês.9
Todo esse material deveria ser capaz de oferecer os elementos
básicos para sustentar a cultura chinesa, preservando seus conceitos e
servindo para educar as mais diversas camadas sociais. Porém, estava
claro para os pensadores que essas fontes já não seriam mais
suficientes, que algo havia se perdido ou estava superado. Foi nesse
contexto que a palavra Tao (que a grafia mais corrente diz “Dao”)
tomou um novo sentido, tornando-se o principal objetivo dos
intelectuais chineses. Tao pode significar caminho ou método, ou seja,
começara a busca por uma nova forma de enfrentar os dilemas morais
que se apresentavam, e por um sistema que fosse capaz de solucionar
os problemas do país. Um grande número de escolas se formou,
resultando em um longo período de discussões que se estenderia até o
século III a.C. e seria chamado de “Disputa das cem escolas” (Baijia
Zhengming). Muitas desapareceram com o tempo, ou não alcançaram
prestígio suficiente para serem preservadas. Vamos analisar algumas
das mais importantes.
O primeiro pensador a se destacar foi Confúcio (Kongzi, 551-479
a.C.), que defendia a elaboração de um amplo projeto educacional
para a sociedade como método para restaurar a Harmonia. Ele
pretendia preservar a cultura antiga e resgatar as tradições por meio
do estudo. Seu objetivo era formar pessoas mais sociáveis e educadas
no âmbito moral, e preparar os mais capazes na arte do governo.
Apenas assim poderia ser reestabelecido o equilíbrio entre a
humanidade e a natureza, promovendo um governo pacífico.
Confúcio tornou-se um pilar da cultura chinesa, orientando alguns de
seus principais conceitos filosóficos, estruturando uma ideologia
política durável, reelaborando sua práxis social e valorizando a
educação como principal meio de desenvolvimento dos seres. A escola
de Confúcio seria muito bem-sucedida a partir do século III a.C.,
quando suas teorias foram incorporadas à doutrina oficial da dinastia
Han.
Na mesma época, mas em sentido oposto, o sábio chamado Lao
Tzu (também grafado como Lao-tsé ou Laozi) propunha um
abandono total da cultura tal como era entendida. Para ele, a
civilização era a origem de todo mal, por ter se afastado da natureza
criando rituais e regras artificiais. Seu caminho consistia em buscar a
essência original do ser humano, aproximando-o da natureza em seu
estado mais primitivo. Esse ideal de desprendimento da sociedade e
das questões materiais era inovador e pretendia ser o único caminho
verdadeiro para a realização — daí a razão dos seguidores de Lao Tzu
denominarem seu método como “O caminho”, por entenderem que
seu caminho estaria na origem de todos os outros. Os ensinamentos
dessada Guerra.
 
Explore o despreparo do inimigo;
 
Pegue-o desprevenido;
 
Siga uma rota inesperada.
O Caminho da Invasão é:
 
Forte penetração
 
Dá coesão;
 
Seu inimigo
 
Não vencerá.
Saqueie terreno fértil
 
E alimente seus homens.
 
Preze sua tropa,
 
Não a desgaste.
 
Nutra sua energia;
 
Concentre-a.
Movimente seus homens;
 
Crie estratagemas
 
Que sejam insondáveis.
 
Ponha seus homens
 
Onde não haja fuga,
 
E antes vão
 
Morrer que correr.
 
Quem se vê
 
Diante da morte
 
É capaz de tudo;
 
Dedicará
 
Tudo de si,
 
Oficial e soldado.
Um exército desesperado
 
Ignora o medo.
 
Quando não há fuga,
 
Resiste;
 
Se fez largo avanço,
 
Persiste;
 
Se não há esperança,
 
Combate.
É alerta
 
Sem demandar
 
Disciplina;
 
Age
 
Sem demandar
 
Instruções;
 
Dedica-se
 
Sem demandar
 
Incentivo;
 
É leal
 
Sem demandar
 
Ordens.
Proíba os áugures,
 
E o medo,
 
E ele avançará
 
Para a morte.
Nossos homens não possuem
 
Fartura de bens,
 
Mas não odeiam
 
Fortuna;
 
Eles não esperam
 
Viver muito,
 
Mas não odeiam
 
Vida longa.
E no dia
 
De seguir para a batalha,
 
Sentam-se e choram,
 
E as lágrimas suas roupas molham;
 
Deitam-se e choram,
 
E se esbugalham.
Ponha-os
 
Onde não haja fuga,
 
E vão lutar
 
Com a coragem
 
Dos heróis
 
Zhu e Gui.*
O Guerreiro Hábil
 
Usa a tropa
 
Como a cobra shuairan
 
Do monte Heng.
 
Ataque a cabeça,
 
E a cauda revida;
 
Ataque a cauda,
 
E a cabeça se vinga;
 
Ataque o centro,
 
E cabeça e cauda
 
Atacarão.
 
À pergunta:
 
“Um exército pode ser
 
como a shuairan?”,
Digo:
 
“Pode, sim.”
 
Os homens de Wu
 
E os homens de Yue**
 
São inimigos,
 
Mas, se cruzarem um rio
 
No mesmo barco
 
E encontrarem vento,
 
Eles se ajudarão,
 
Como uma mão à outra.
Não basta
 
Amarrar cavalos
 
E prender
 
Carroças.
Deve existir uma só
 
Coragem;
 
É o Caminho
 
Da gestão de um Exército.
Fortes e fracos,
 
Ambos servem,
 
Graças ao princípio
 
Do campo.
O Guerreiro Hábil
 
Dirige a tropa
 
Como se um só
 
Homem fosse.
 
E a única opção
 
É obedecer.
Incumbe ao general
 
Ser firme
 
E inescrutável.
 
Ser rigoroso
 
E imparcial.
Ele deve saber
 
Manter seus homens
 
Ignorantes,
 
Enganar-lhes os olhos
 
E os ouvidos.
Ele muda seus meios
 
E altera seus planos
 
Para manter o inimigo
 
Ignorante.
Ele se desloca
 
E segue rotas circulares
 
Para manter o inimigo
 
Alheio.
Ele leva os homens à luta
 
Como alguém
 
Que escala um muro
 
E chuta a escada;
 
Ele os leva
 
Para dentro das terras
 
Dos senhores feudais
 
E dispara as setas.
 
Queima barcos,
 
Quebra panelas.
 
Como um pastor,
 
Conduz o rebanho
 
Lá e cá;
Ninguém sabe
 
Aonde vai.
Ele reúne as tropas
 
E as lança
 
Ao perigo;
 
Isso é o que faz
 
O líder.
Tudo isso se deve estudar:
 
As Variações
 
Dos Nove Tipos de Campo;
 
As Vantagens
 
Da Manobra Flexível;
 
Os Princípios
 
Da Natureza Humana.
É este o Caminho da Invasão:
 
Penetração aguda
 
Dá coesão;
 
Penetração branda
 
Dá dispersão.
Quando sai de seu território
 
E com seus homens
 
Cruza a fronteira,
 
Adentra terreno de risco.
Quando houver canais de comunicação
 
Por todos os lados,
 
Você estará em
 
Terreno cruzado.
Quando a penetração for aguda,
 
Você estará em
 
Terreno denso.
Quando a penetração for branda,
 
Você estará em
 
Terreno leve.
Quando houver baluartes para trás
 
E desfiladeiros à frente,
 
Você estará em
 
Terreno encerrado.
Quando não houver saída,
 
Você estará em
 
Terreno letal.
Em campo dispersivo,
 
Unimos o moral dos homens.
Em campo leve,
 
Mantemos os vínculos.
Em campo estratégico,
 
Recolhemos a retaguarda.
Em campo aberto,
 
Cuidamos das defesas.
Em campo cruzado,
 
Fortalecemos alianças.
Em campo denso,
 
Garantimos o abastecimento.
Em campo intransitável,
 
Seguimos em movimento.
Em campo encerrado,
 
Bloqueamos as trilhas.
Em campo letal,
 
Demonstramos
 
O desespero
 
Da situação.
É da natureza do soldado que,
 
Cercado,
 
Resista;
 
Quando parece o fim,
 
Ele persiste;
 
Quando em perigo,
 
Ele segue ordens.
Sem saber os planos
 
Dos senhores feudais,
 
Não se pode
 
Formar alianças.
Sem conhecer
 
Morros e matas,
 
Grutas e penhas,
 
Brejos e charcos,
 
Não se
 
Marcha.
Sem usar guias locais,
 
Não se
 
Explora
 
O terreno.
Ignorar qualquer um
 
Desses aspectos
 
Não convém
 
Ao exército de um grande rei.
Quando o exército de um grande rei
 
Ataca uma cidade forte,
 
Não permite que o inimigo
 
Concentre as forças.
 
Ele espanta o inimigo
 
E esvazia suas alianças.
Ele não busca
 
Se aliar
 
A todos os reinos;
Não favorece
 
Poder alheio;
Ele persegue
 
Seus projetos secretos
 
E espanta os inimigos.
Assim ele captura
 
As cidades do inimigo
 
E destrói
 
O reino inimigo.
Distribua prêmios
 
Sem tanto respeito por normas;
 
Divulgue ordens
 
Sem tanta atenção por precedentes;
Trate um grande exército
 
Como se fosse um homem só.
 
Ponha-o para trabalhar
 
Sem prestar explicações.
 
Apresente os benefícios,
 
Mas não explique o perigo.
Mande-os para
 
Campos de risco,
 
E sobreviverão;
 
Mande-os para
 
Campos letais,
 
E eles viverão.
Quando uma força
 
Corre perigo,
 
Ela pode
 
Chegar à vitória
 
Na última hora.
Sucesso na
 
Guerra
 
É pesar
 
As intenções inimigas.
 
E aproveitá-las.
Analise o inimigo,
 
E poderá matar o general
 
Em lugares distantes.
 
Isso é
 
Sucesso
 
Por astúcia.
Assim que
 
Decidir atacar,
 
Feche as trilhas,
 
Destrua placas,
 
Rompa o contato
 
Com emissários;
 
Tenha firmeza no templo
 
Para executar
 
Seus planos.
Se o inimigo abre uma porta,
 
Avance.
 
Tome o que ele preza
E orquestre em segredo
 
Um confronto.
Dispense regras,
 
Siga o inimigo
 
E trave a
 
Batalha decisiva.
No início,
 
Seja qual uma donzela;
 
Quando o inimigo abrir a porta,
 
Corra qual uma lebre;
 
Seu inimigo não
 
Resistirá.
* Chuan Zhu, ou Chuan Chu, herói contemporâneo de Sun Tzu. Teria se destacado pela
tentativa fracassada de assassinato do rei de Liao em 515 a.C. Cao Gui foi outro herói
famoso; em 616 a.C., ele se atreveu, de forma arriscada e imprudente, a ameaçar o rei de Qi
com um punhal, arrancando dele a promessa de que devolveria as terras de Lu, seu país natal.
(N. E.)
** Wu e Yue são reinos poderosos do período conhecido como Reinos Combatentes. (N. E.)
12
 
ATAQUE COM FOGO
Disse o Mestre Sun:
Existem Cinco Formas de
 
Ataque com Fogo.
O primeiro é contra
 
Homens;
O segundo é contra
 
Estoques;
O terceiro é contra
 
Equipamentos;
O quarto é contra
 
Armazéns;
O quinto é contra
 
Linhas de comunicação.
Ataque com fogo
 
Exige recursos;
 
O material deve
 
Estar preparado.
Há momentos
 
Para causar incêndios;
 
E há dias
 
Para acender pavios.
A melhor época é
 
Se o clima for
 
Quente e seco;
Os melhores dias são
 
Com a lua em
 
Sagitário,
 
Pégaso,
 
Cratera,
 
Corvo.*
 
São as Quatro
 
Constelações
 
Do Vento Forte.
Ao atacar com fogo,
 
Adapte-se
 
Às Cinco Mutações do Fogo:
Se o fogo surge
 
No campo inimigo,
 
Reaja logo
 
Do lado de fora.
Se o fogo surge
 
Mas o inimigo mantém a calma,
 
Espere,
 
Não ataque.
Aja apenas, se
 
Possível,
 
Quando o fogo
 
Subir ao máximo;
 
Se não,
 
Espere.
Se é possível usar fogo
 
De fora,
 
Não espere
 
O fogo aparecer
 
Dentro;
 
Acenda
 
Na hora certa.
Crie um incêndio
 
A favor do vento;
 
Nunca ataque
 
Contra o vento.
Um vento que cresce
 
Ao longo do dia
 
Dura muito;
 
Um vento noturno
 
Acaba cedo.
Na Guerra,
 
Saiba as
 
Cinco Mutações do Fogo
 
E fique alerta.
O fogo
 
Presta a um ataque
 
Grande auxílio.
A água
 
Presta a um ataque
 
Forte auxílio.
A água
 
Pode isolar,
 
Mas não pode
 
Eliminar.
A vitória obtida,
 
O objetivo cumprido,
 
Mas sem prosseguimento,
 
É um desperdício
 
Trágico.
Daí o ditado:
 
“O rei esclarecidoPondera;
 
O general eficaz
 
Prossegue.”
Aja apenas
 
Por vantagem;
Marche apenas
 
Para a vitória;
Lute apenas
 
Quando em crise.
Um rei
 
Não deve
 
Ativar a tropa
 
Por raiva;
 
Um general
 
Não deve
 
Dar batalha
 
Por melindre.
Aja
 
Se há vantagem;
Pare
 
Se não há vantagem.
Raiva
 
Pode virar
 
Prazer;
Melindre
 
Pode virar
 
Alegria.
Mas a nação destruída
 
Não pode
 
Ser reformada;
 
Um morto
 
Não pode
 
Ser revivido.
O rei esclarecido
 
É prudente;
O general eficaz,
 
Cauteloso.
Esse é o Caminho
 
Para manter a paz
 
Da nação,
 
A integridade
 
Do exército.
* Os ramos celestes chineses são: 箕 peneira (Sagitário), 壁 muralha (Pégaso), 翼 asa
(Cratera), 軫 carruagem (Corvo). (N. E.)
13
 
ESPIONAGEM
Disse o Mestre Sun:
Formar um exército
 
De cem mil homens
 
E marchar com eles
 
Por cem léguas
 
Consome dos bolsos
 
Do povo comum
 
E do erário da nação
 
A quantia diária de
 
Mil peças de prata.
 
Causa comoção
 
No reino e afora
 
E põe milhares
 
De homens a vagar
 
Exaustos.
 
E impede setecentas mil famílias
 
De trabalhar.
Dois exércitos podem
 
Se enfrentar
 
Anos a fio
 
Por uma
 
Batalha decisiva.
E assim é crueldade
 
Renegar o gasto
 
De cem peças
 
De prata
 
Para conhecer a
 
Situação do inimigo.
Esse avaro não é
 
Nem líder de homens,
 
Nem ajuda para o rei,
 
Nem dono da vitória.
O conhecimento
 
Permite a reis sábios
 
E generais dignos
 
Avançar
 
E conquistar,
 
Alcançar sucesso
 
Para além das massas.
Esse conhecimento
 
Não se obtém
 
Com espíritos;
 
Não se deduz
 
Por analogia;
 
Não se calcula
 
Por medições.
Só se pode obtê-lo
 
Com homens,
 
Com quem sabe
 
As disposições do inimigo.
Existem Cinco Tipos de Espiões:
Locais,
 
Internos,
 
Duplos,
 
Mortos,
 
Vivos.
Quando esses cinco tipos de espionagem
 
Estão em ação,
 
Ninguém sabe
 
O Caminho.
 
Essa é a
 
Misteriosa Malha,
 
O Tesouro do Rei.
Espiões locais
 
Vêm dos compatriotas
 
Do inimigo;
Espiões internos,
 
Vêm dos agentes
 
Do inimigo,
Espiões duplos,
 
Vêm dos espiões
 
Do inimigo.
Espiões mortos
 
São os que usamos
 
Para engendrar
 
Informações falsas;
 
E eles as passam
 
Ao inimigo.
Espiões vivos
 
São os que voltam
 
Com informações.
Em todo o exército,
 
Os mais próximos ao
 
Comandante
 
São seus espiões,
 
Agraciados com grandes recompensas,
 
Tratados com imenso sigilo.
Sem sabedoria,
 
É impossível
 
Usar espiões.
Sem humanidade e justiça,
 
É impossível
 
Usar espiões.
Sem sutileza e engenho,
 
É impossível
 
Determinar
 
A validez dos informes.
Sutileza das sutilezas!
 
Espiões têm
 
Utilidades sem conta.
Se informações confidenciais
 
Se revelam antes da hora,
 
Executam-se
 
Espião e receptador.
Ao atacar um exército,
 
Ao cercar uma cidade,
 
Ao matar um indivíduo,
 
É preciso saber antes
 
O nome do general
 
E de seus auxiliares.
 
Seus assessores,
 
Suas sentinelas,
 
Seus guarda-costas.
 
Nossos espiões devem ter ordens
 
Para descobrir tudo isso
 
Em detalhes.
Espiões inimigos,
 
Que vêm nos espiar,
 
Devem ser descobertos,
 
Subornados,
 
Conquistados,
 
Atendidos.
Assim poderão
 
Ter uso como
 
Agentes duplos.
Com o agente duplo
 
Descobrimos
 
Espiões locais e internos.
Com o agente duplo,
 
Descobrimos como
 
Levar desinformação
 
Ao inimigo.
Com o agente duplo
 
Sabemos como e quando
 
Usar
 
Espiões vivos.
O rei
 
Precisa conhecer os cinco
 
Tipos de espiões;
 
Esse conhecimento deve vir
 
Do agente duplo;
 
Então o agente duplo
 
Deve ter
 
Tratamento generoso.
Outrora,
 
A ascensão da dinastia Yin
 
Deveu-se a Yi Zhi,
 
Que servira à Xia;
 
E a ascensão da dinastia Zhou
 
Deveu-se a Lü Ya,
 
Que servira à Yin.
Só o rei esclarecido,
 
O general digno,
 
Pode usar
 
O ápice da inteligência
 
Para espionar
 
E assim obter
 
Vasto sucesso.
Espiões
 
São cruciais
 
Na guerra.
 
Deles depende
 
Todo e qualquer
 
Movimento.
A arte da guerra
 com comentários
1
 
Formulação de planos
CAO CAO: Planejar é escolher generais, avaliar o inimigo, examinar o
terreno, contar as tropas, medir distâncias e conhecer o terreno: tudo
isso acontece dentro do templo cerimonial.*
DU MU: Planejar é questão de cálculo, realizado no templo cerimonial
de acordo com os Cinco Fundamentos listados a seguir. Calculamos
nossas próprias forças e fraquezas, e as do inimigo, de acordo com
esses Cinco Fundamentos, e com tais cálculos podemos estimar vitória
ou derrota. É a partir daí, e apenas então, que mobilizamos nossos
soldados. Essa é a etapa mais importante de toda a estratégia militar e,
portanto, assume prioridade máxima no tratado.
Disse o Mestre Sun:
LI LING (1997): Essa fórmula, presente em outros clássicos antigos de
filosofia, sugere a possibilidade de que o texto de A arte da guerra
tenha sido compilado por discípulos do Mestre.
A guerra é uma
 
Séria questão de Estado;
ZUOZHUAN, DUQUE CHENG, ano 13: Duas questões de grande
importância para o Estado são o Ritual e a Guerra.
É um domínio
 
De vida e morte,
 
Rota
 
De sobrevivência e extinção,
 
Algo
 
A se considerar com ponderação.
LI QUAN: A guerra é um instrumento de mau augúrio. Traz vida e
morte, sobrevivência e extinção. Uma empreitada deveras grave, e algo
que os homens, lamentavelmente, encaram com muita leviandade.
SUN BIN BINGFA, capítulo 2: A vitória na guerra pode recuperar um
reino que tenha perecido, pode reviver linhagens extintas. Mas a
derrota pode levar à perda de territórios, pode trazer perigo aos
altares. Assim, é preciso que se pondere a guerra com cuidado. Aquele
que se deleita com a guerra perece. Aquele que se beneficia da vitória
se desonra. A guerra não é algo a se apreciar. A vitória não é algo de
que se beneficiar.
TAO TE CHING, capítulo 31: A guerra e suas armas são instrumentos de
infortúnio. Aquele que segue o Caminho não precisa lidar com elas.
Não são instrumentos do cavalheiro genuíno, que só recorre a elas
como última opção, valorizando antes a paz e a tranquilidade. Ele não
vê beleza na vitória. Ver beleza na vitória é desfrutar a morte de
outros.
MOZI, capítulo 17, “Contra a guerra ofensiva”: Considera-se criminoso
o assassinato de um homem, algo que se castiga com a pena de morte.
Pelo mesmo critério, o assassinato de dez homens deveria ser dez vezes
mais criminoso e castigado com dez penas de morte. E assim também
o assassinato de cem homens. O cidadão do mundo sabe que esses
atos são crimes. Mas o grande crime de atacar um reino, isso ele não
considera criminoso, e sim o louva e diz que é virtude. Ele sequer sabe
que é um crime.
MENGZI, I, xiv, 2-3: Quando lutam em uma disputa por uma cidade, os
homens matam uns aos outros até que a cidade esteja cheia de
cadáveres. Isso é o mesmo que levar o monstro da terra para devorar
carne humana. A morte não basta para tamanho crime. Por isso os
Guerreiros Hábeis deveriam sofrer o pior castigo.
MENGZI, VII, ii, 4: Existem aqueles que dizem: “Tenho grande
habilidade para liderar tropas, sou um Guerreiro Hábil”. Eles são
grandes criminosos. Se o soberano de um reino ama a benevolência,
não terá inimigo algum em todo o império.
JOHN MINFORD: Ou, como disse o poeta Edward Young (1683-1765) em
seu poema “Love of Fame”:
A um destruído, julga a lei assassínio,
 
No cadafalso, castigo e fascínio;
 
À morte de massas, um nome irreal,
 
Guerra, de glória e arte, e fama imortal.**
 
São Cinco Fundamentos
 
Para essas deliberações,
 
Para quaisquer exames
 
E a análise de condições:
 
O Caminho,
 
Céu,
 
Terra,
 
Comando,
 
Disciplina.
ZHANG YU: A ordem aqui é clara. Quando se formam tropas para
rechaçar uma força agressora, o conselho do templo cerimonial
considera antes a compaixão e a boa-fé do soberano [o Caminho]; em
seguida, examina-se a conjunção favorável ou não das estações [o
céu]; depois, a facilidade ou o perigo do terreno [a terra]. Após um
cuidadoso examedesses três aspectos, o conselho determina então que
general assumirá o comando da campanha [o comando]. Por fim,
quando o exército cruza a fronteira, a autoridade para dar ordens
cabe ao general comandante [a disciplina]. Essa é a ordem correta.
O Caminho
 
Põe os homens
 
Em harmonia
 
Com o soberano,
 
Para que nunca vacilem
 
E por ele vivam e morram.
ZHANG YU: Governe com compaixão e boa-fé, com integridade [o
Caminho] e justiça, e o exército estará em harmonia e exultará diante
da tarefa. Como diz O livro das mutações [Hexagrama 58, Dui,
Alegria]: Lidere as pessoas rumo ao perigo com alegria, e elas
esquecerão a morte.
SUN BIN BINGFA, capítulo 20: O que determina a vitória ou a derrota é o
Caminho.
TAO TE CHING, capítulo 32: Tudo sob o céu será atraído ao Caminho,
tal qual córregos e torrentes que descem para um grande rio ou mar.
ZHUANGZI, capítulo 12, “Céu e Terra”: Encare as distinções sob a luz
do Caminho — e as obrigações do soberano e dos súditos ficarão
claras. […] Os governantes de outrora eram desprovidos de desejos, e
o mundo estava contente; eram desprovidos de ação, e as Dez Mil
Coisas se transformaram. Eram profundos e silenciosos, e os Cem Clãs
tinham paz.
SHANGJUN SHU, capítulo 10, “Métodos de Guerra”: Todos os métodos
da guerra devem se basear em um governo competente. Com isso, os
homens não disputarão entre si e, sem disputas, não nutrirão ideias de
interesse próprio; eles considerarão como seus os interesses do
soberano.
HUAINANZI, capítulo 15: Um exército que tenha perdido o Caminho é
fraco, mas, se possuir o Caminho, será forte. Se um general perde o
Caminho, perderá o poder, mas, se tiver o Caminho, será eficaz. Se
um país é dotado do Caminho, persistirá; se perder o Caminho,
perecerá.
GUO HUARUO (1984): O Caminho aqui se refere à política de governo
praticada pela classe governante. Os “homens” são as massas de
trabalhadores, os servos e escravos. Quando o governo é
relativamente esclarecido, os homens e o governo se encontram em
harmonia e cooperam.
JOHN MINFORD: Esta é a primeira ocorrência do termo fundamental
dao, que costuma ser transliterado como Tao, o Caminho. O termo
pode ter uma variedade quase infinita de significados. Toda área do
conhecimento humano (guerra, estadismo, arco e flecha, caligrafia, só
para listar os primeiros quatro que me vêm à mente) tem seu
Caminho. Mas cada Caminho específico e limitado também é
abarcado por um Caminho cósmico maior, o Caminho do Céu e da
Terra. Portanto, “o Caminho que pode ser declarado não é o
verdadeiro Caminho” (as famosas palavras introdutórias da
maravilhosa obra taoista Tao Te Ching, capítulo 1). Aqui é evidente
que estamos falando do Caminho do Bom Governo, em que os súditos
reconhecem que seus soberanos “têm o Caminho”. Apesar da
frequente acusação de que o Mestre Sun foi um oportunista, um
proponente da “forma mais escusa de estadismo, com uma dimensão
inenarrável de ambiguidade” (ver Griffith, p. 172, ao citar History of
Japan [Londres, 1949], de James Murdoch), deve-se observar que aqui,
logo no início do tratado atribuído a ele, é dado lugar de destaque ao
caminho, à importância do sistema de valores de qualquer unidade
política, ao se contemplar a guerra. Pode-se discutir o que há de
comum entre o Caminho do Mestre Sun e o Caminho místico do Tao
Te Ching. O grande erudito Yu Yue (1821-1907), da dinastia Qing, via
forte afinidade entre o Mestre Sun e o taoismo e reforçava o ditado
popular de que “todos os autores de tratados militares partiram do
Tao Te Ching“ (Wu, 1990, p. 5). O Mestre Sun trata de sucesso militar,
e seu Caminho da Guerra é, de certa forma, um dom, uma habilidade,
uma “virtude” semelhante ao Caminho taoista que conduz ao
“sucesso” espiritual. Mas aqui ele se limita a lembrar seus discípulos
de que (em termos empíricos) o poder moral confere poder militar.
Nesse aspecto, ele encontra eco em Napoleão: “Na guerra,
considerações morais constituem três quartos do jogo; a verdadeira
disputa de poder representa apenas o último quarto” (Observations
sur les affaires d’Espagne, 1808).
Céu
 
É Yin e Yang,
 
Frio e calor,
 
O ciclo das estações.
CAO CAO: O Sima fa enuncia: Não mobilize tropas no inverno ou no
verão, por amor ao povo comum.
MENG: A guerra se espelha nos movimentos do Céu. Yin e Yang se
alternam, duro e suave, crescente e minguante. Uma tática de Yin é
oculta, vazia, estática, imóvel; uma tática de Yang é ligeira, veloz,
súbita, intensa. Ao recuar, usa-se Yin; ao atacar, usa-se Yang. […] As
duas assumem formas em constante mutação. E assim o guerreiro se
espelha no Céu.
ZHANG YU: Aqui, Yin e Yang nada têm a ver com os cálculos
divinatórios [como tantas vezes tinham]. A guerra segue seu próprio
sentido de Yin e Yang. Como disse Fan Li [o grande ministro de Gou
Jian, rei de Yue no século V a.C.]: “Use Yin por último; use Yang
primeiro. Esgote a energia Yang do inimigo, cultive sua própria
energia Yin, e assim prevalecerá”. Os seres humanos têm Yin e Yang,
feminino e masculino; o Céu tem Yin e Yang, manhã e noite; [na
guerra], as variações de suave e duro, de estratégia indireta e direta,
são a mescla de Yin e Yang humanos e celestiais.
Frio e calor se referem a inverno e verão. Na dinastia Han, durante
a campanha contra os bárbaros xiongnu [das estepes do Norte],
muitos soldados perderam dedos; e, quando Ma Yuan liderou uma
campanha [43 d.C.] contra os bárbaros man [do Sul], muitos de seus
homens foram abatidos por enfermidade. Isso foi resultado de eles
terem combatido durante o inverno e o verão. O movimento das
estações se associa à variação das condições físicas no ciclo sazonal do
ano, como cheias e secas. […] Mais uma vez, isso nada tem a ver com
adivinhações.
WANG XI: O trecho se refere a todo o Caminho [Giles: a Economia
Geral] do Céu, dos Cinco Elementos, das Quatro Estações, do vento e
das nuvens, e de outros fenômenos. Uma transição hábil com esses
elementos contribui para a vitória.
O LIVRO DAS MUTAÇÕES, Hexagrama 55, Feng, Comentário sobre o
Juízo: Quando o sol está a pino, ele começa a se pôr; quando a lua
está cheia, ela começa a minguar. A plenitude e o vazio do céu e da
terra se alternam com o tempo. Quão mais verdadeiro isso é para os
homens, ou para espíritos e deuses!
JOHN MINFORD: O Mestre Sun apresenta um segundo conceito
fundamental do pensamento chinês antigo, o da “complementaridade”
ou “polaridade alternante” de Yin e Yang. Cada fenômeno, cada
processo é visto como uma mistura única dessas duas forças, desses
dois modos de energia. “Um Yin, um Yang, esse é o Caminho”
(Comentário para O livro das mutações). De fato, os próprios
elementos que constituem O livro das mutações são a linha
interrompida (Yin) e a linha contínua (Yang). Os dois termos mais
tarde adquiriram um conjunto específico de significados e foram
aplicados a todas as categorias da experiência humana, todos os
alimentos, todos os órgãos do corpo, todas as doenças, todas as
entidades terrestres e celestiais. Mas, nesse contexto, para o Mestre
Sun, eles representam algo mais simples, o amplo movimento da
natureza, como se revela pelo ciclo das estações. “Para os chineses, o
ordenamento fundamental do universo se baseia na inter-relação
desses dois grupos de aspectos contrários e complementares do
princípio da energia” (Manfred Porkert, Chinese Medicine [Nova
York: Morrow, 1982], p. 68).
Temos aqui a primeira declaração sobre a importância da
flexibilidade, a qualidade que permite que o guerreiro do Mestre Sun
se adapte e reaja adequadamente ao ambiente em constante mutação.
Terra
 
É altitude e dimensão,
 
Distância e proximidade,
 
É fluência e perigo,
 
Amplitude e confinamento,
 
É vida e aniquilação.
MEI YAOCHEN: O trecho se refere ao conhecimento do terreno, suas
vantagens e seus perigos.
ZHANG YU: Ao posicionar tropas, é essencial conhecer o terreno. Com
uma compreensão das distâncias relevantes, é possível optar entre um
plano de ações diretoou indireto. Com uma compreensão da
facilidade ou não do terreno, é possível optar entre o uso de infantaria
ou cavalaria. Com uma compreensão da natureza aberta ou confinada
do terreno, é possível determinar o tamanho da força necessária. Com
uma compreensão da “vida e morte” do terreno, é possível decidir
combater ou se dispersar.
GILES: A segurança do exército (vida e morte) depende em grande parte
da celeridade com que se levam em conta esses elementos de geografia.
WU JIULONG (1990): Os dois primeiros itens (altitude e dimensão) só
aparecem nas Tiras de Bambu de Han. Como são detalhes
importantes, foram acrescentados ao texto utilizado.
JOHN MINFORD: O terreno é uma das maiores preocupações de
qualquer general. É compreensível que seja importante para o Mestre
Sun, e uma exploração de seus vários aspectos ocupa grande parte dos
capítulos 8, 10 e 11.
Comando
 
É Sabedoria,
 
Integridade,
 
Compaixão,
 
Coragem,
 
Severidade.
CAO CAO: Essas são as cinco virtudes do general.
DU MU: Os reis de outrora apreciavam [a virtude da] compaixão acima
de tudo, mas aqueles que escreviam sobre a guerra punham a
sabedoria no topo da lista. Um comandante sábio reconhece
mudanças e age de acordo. Um comandante íntegro inspira seus
homens a jamais questionarem recompensas e castigos. Um
comandante compassivo ama seus homens, nutre empatia pelo inimigo
e dá valor ao trabalho pesado. Um comandante corajoso aproveita
oportunidades sem delongas e assim obtém a vitória. Um comandante
severo inspira admiração e disciplina em seus homens.
JIA LIN: Sabedoria em excesso pode levar à revolta; compaixão
desmedida pode causar fraqueza; integridade absoluta pode causar
insensatez; coragem bruta pode produzir violência; severidade em
excesso pode ser cruel. Um general deve possuir todas as cinco
virtudes em conjunto; cada uma tem seu papel a cumprir.
GILES: As cinco virtudes [confucianas] cardeais do povo chinês são
Humanidade ou Benevolência [aqui traduzida como Compaixão];
Retidão Mental [às vezes traduzida como Justeza, não incluída aqui];
Amor-Próprio, autocontrole, “sentimento apropriado” [às vezes
traduzido como Ritual, também não incluído aqui]; Sabedoria; e
Sinceridade ou Boa-Fé [aqui traduzida como Integridade]. Aqui,
Sabedoria e Sinceridade [Integridade] são dispostas acima de
Compaixão, e as duas virtudes militares de Coragem e Severidade
tomaram o lugar de Retidão Mental e Amor-Próprio.
JOHN MINFORD: A disciplina de Júlio César [100-44 a.C.] “se baseava
genuinamente em compreensão mútua e amor-próprio; e seu exército
aprendeu a amá-lo como homem e como soldado, e a acreditar nele
como líder, da mesma forma como os soldados ingleses seguiam o
‘cabo John’ e os franceses adoravam ‘le Petit Caporal’. Assim como
Marlborough e Napoleão, César sabia a importância do moral para
um exército — sabia como criá-lo e preservá-lo. Uma tropa com esse
treinamento, essa liderança, é capaz de ir a qualquer lugar, fazer
qualquer coisa…” (H. J. Edwards, “Introduction”, The Gallic War,
Loeb Classical Library, 1958). Aqui o Mestre Sun busca identificar a
difícil definição de liderança. O visconde Montgomery dedicou um
breve livro a essa definição e incluiu, em sua galeria de grandes líderes
mundiais, um discípulo do Mestre Sun no século XX: Mao Tsé-tung
(1893-1976). Onassandro, o estrategista grego do século I e autor do
tratado Strategikos [Estratégico], forneceu sua própria lista de
qualidades desejáveis para um general: “Creio que seja necessário
escolher um general que seja moderado, dotado de autocontrole,
vigilante, frugal, resistente ao trabalho, alerta (como diz Homero,
‘velozes qual a pluma e o pensamento’),*** livre de avareza…”
(Chaliand, The Art of War in World History [Berkeley: University of
California Press, 1994], p. 154).
Disciplina
 
É organização,
CAO CAO: Organização adequada de regimentos, de bandeiras e
insígnias, de gongos e tambores [para retiradas e ataques].
Hierarquia,
CAO CAO: Distinção adequada entre [as diversas esferas de
responsabilidade de] oficiais variados.
Controle de despesas.
JOHN MINFORD: César de novo: “A superioridade moral, por si só, não
garante o sucesso na guerra; os soldados são humanos, e exércitos não
sobrevivem ou combatem sem provisões, nem se deslocam sem
transporte. É característica de um bom general que ele saiba
compreender e planejar as necessidades materiais; e é óbvio e evidente
que a celeritas [celeridade] de César no campo de batalha só era
possível graças à cuidadosa e constante atenção a todos os detalhes da
administração” (Edwards, “Introduction”, The Gallic War).
Todo comandante conhece
 
Esses
 
Cinco Fundamentos.
 
Aquele que os segue
 
Vence;
 
Aquele que não os segue
 
Perde.
JOHN MINFORD: Essa é a referência constante que o Mestre Sun faz à
dicotomia vencer/perder, vitória/derrota, sucesso/fracasso.
Para essas deliberações,
 
Para quaisquer exames
 
E a análise de condições,
 
Descubra:
Que soberano
 
Tem o Caminho?
MEI YAOCHEN: Que soberano é capaz de conquistar a confiança de seus
homens?
Que general
 
Tem a perícia?
DU MU: Que general tem sabedoria, integridade, compaixão, coragem e
severidade?
Que lado tem
 
Céu e Terra?
ZHANG YU: Ver que lado age de acordo com as vantagens da estação e
do terreno. Quando Cao Cao atacou o reino de Wu no meio do
inverno, ele cometeu um erro.
Em que lado
 
A disciplina
 
É mais eficaz?
CAO CAO: Quando se estabelece uma determinação, ela deve ser
obedecida; qualquer infrator deve ser executado.
GILES: Du Mu faz alusão ao notório episódio em que Cao Cao, tão
rigoroso disciplinador que era, seguiu suas próprias severas normas
contra danos a plantações e condenou-se à morte por ter permitido
que seu cavalo recuasse para dentro de um trigal! Contudo, para não
perder a cabeça, ele aceitou saciar sua sede de justiça cortando apenas
o cabelo.
SANGUO YANYI, capítulo 17: Era verão, o quarto mês do terceiro ano do
Período Jian-an (199 d.C.) […]. O exército foi embora. Na rota da
marcha, eles passaram por um trigal, e o grão estava a ponto de ceifa,
mas os camponeses haviam fugido de medo, e o cereal não fora
colhido. Cao Cao fez saber por todos que sua expedição fora enviada,
a mando do imperador, para capturar um rebelde e salvar o povo.
Seria impossível evitar a temporada de colheita, mas qualquer um que
pisoteasse as espigas seria executado. A disciplina militar era tão
rigorosa que o povo não precisava recear qualquer dano. Os
camponeses ficaram muito contentes e saíram à estrada, para desejar
sucesso à expedição. Quando passaram por trigais, os soldados
desmontaram e afastaram os colmos para que nada fosse pisoteado.
Certo dia, quando Cao Cao atravessava os campos, uma pomba
levantou voo de repente e assustou o cavalo, que se desviou para
dentro da plantação e pisoteou uma boa porção. Cao chamou
imediatamente o delegado e exigiu que ele declarasse a sentença
correspondente ao crime de pisotear cereais.
“Como posso lidar com seu crime?”, perguntou o delegado.
“Estabeleci a regra e a infringi. De que outra forma eu satisfaria a
opinião pública?”
Ele segurou a espada que carregava e fez menção de tirar a própria
vida. Todos se apressaram para impedi-lo, e Guo Jia disse: “Nos
velhos tempos de Primavera e Outono, as leis não se aplicavam aos
indivíduos mais honrados. O senhor é o líder supremo de um exército
poderoso e não pode se ferir”.
Cao Cao ponderou por muito tempo. Por fim, respondeu: “Como
existe esse motivo declarado, é possível que eu escape à pena de
morte”. E então, com a espada, ele cortou o próprio cabelo e o
arremessou ao chão, dizendo: “Corto o cabelo que me toca a cabeça”.
[…] O ato foi um estímulo à disciplina de todo o exército, para que
nenhum homem se atrevesse a desobedecer [tradução de C. H.
Brewitt-Taylor].
Que exército
 
É mais forte?
ZHANG YU: Em que exército as bigas são mais robustas, os cavalos,
mais sadios, os oficiais, mais valentes, as armas, maisafiadas; em que
acampamento os tambores do ataque inspiram brados de alegria e o
gongo da retirada provoca lamentos indignados?
Que oficiais e homens
 
São mais treinados?
DU YOU: Disse o Mestre Yang: “Sem treinamento constante, os oficiais
serão medrosos e indecisos ao confrontarem o inimigo; sem
treinamento constante, o general será vacilante e irresoluto ao
enfrentar a crise”.
Em que exército
 
Recompensas e castigos são
 
Mais claros?
DU MU: Nenhum dos dois pode ser excessivo.
GILES: Isto é, em qual dos lados é mais absoluta a certeza de que os
méritos serão recompensados e os delitos, sumariamente castigados?
Destes
 
Se determina
 
Quem vence e quem perde.
MEI YAOCHEN: Ao se desvelarem as circunstâncias verdadeiras
[avaliadas as condições], o resultado — quer seja a vitória ou a
derrota — será conhecido.
ZHANG YU: Sendo favoráveis todos esses sete fatores, a vitória será
certa antes mesmo do início da batalha; se desfavoráveis, a derrota
será igualmente certa. É a isso que se refere o “determinar”.
Se meu plano seguir,
 
Se me empregar,
 
A vitória decerto será sua;
 
Ficarei aqui.
Se não seguir,
 
Mesmo se me empregar,
 
Sua derrota será certa;
 
Irei embora.
ZHANG YU: O Mestre Sun está tentando convencer o rei de Wu a
empregar seus serviços.
GUO HUARUO: O Período dos Reinos Combatentes possuía a
característica peculiar de que os conselheiros militares podiam
escolher a quem serviriam — como Wu Qi, no reino de Wei, e Yue Yi,
em Yan.
Opte pelo melhor plano,
 
Explore a dinâmica interior,
 
Desenvolva para o exterior.
CAO CAO: Para além das regras habituais.
MEI YAOCHEN: Opte pelo plano [básico] interior, desenvolva-o
estrategicamente para o exterior, e assim permita que se obtenha a
vitória.
JIA LIN: Calcule as vantagens, opte por um plano e, então, avalie o
inimigo e desenvolva ardis para explorar estrategicamente a situação.
Entre essas manobras se incluem ataques nos flancos ou emboscadas
na retaguarda do inimigo, a fim de suplementar o confronto direto
frontal.
JOHN MINFORD: Esta é a primeira ocorrência da palavra crucial shi,
energia potencial ou dinâmica da situação, que será explorada mais a
fundo no capítulo 5.
Acompanhe a vantagem,
 
E domine oportunidades;
 
Essa é a dinâmica.
CAO CAO: O domínio advém da própria oportunidade; a oportunidade
é dominada no decorrer dos acontecimentos.
DU MU: Essas são as iniciativas estratégicas “para além das regras
habituais” [em referência a Cao Cao]. A situação estratégica não é
visível com antecedência. Às vezes, o que representa desvantagem ao
inimigo se revela vantajoso para nós, e vice-versa. Esses são os
elementos que nos permitem dominar a oportunidade e obter a vitória.
GILES: O Mestre Sun, sendo um soldado prático, não tem lugar para
“teóricos eruditos”. Ele aqui nos adverte a não depositarmos nossa fé
em princípios abstratos. “Pois”, como diz Zhang Yu, “ainda que as
principais leis da estratégia [as regras habituais] possam ser afirmadas
com bastante clareza para benefício de todos, havemos de nos orientar
pelas ações do inimigo que tenta assumir uma posição favorável na
guerra de fato.” À véspera da batalha de Waterloo, o lorde Uxbridge,
comandante da cavalaria, foi ao duque de Wellington a fim de se
informar sobre os planos e cálculos para o dia seguinte, explicando
que, diante da possibilidade de se tornar de repente o comandante-
chefe, ele seria incapaz de formular planos novos em um momento
crítico. O duque ouviu em silêncio e então respondeu: “Quem atacará
primeiro amanhã, eu ou Bonaparte?”. “Bonaparte”, respondeu o
lorde Uxbridge. “Bom”, prosseguiu o duque, “Bonaparte não me
forneceu nenhuma ideia de suas intenções; e, como meus planos
dependem dos dele, como o senhor espera que eu lhe diga quais são as
minhas?” (Sir W. Fraser, Words on Wellington).
JOHN MINFORD: Em conjunto com o par sheng/bai (vitória/derrota), o
par li/hai (vantagem/desvantagem, benefício/dano) exerce uma
influência muito grande no pensamento do Mestre Sun.
O Caminho da Guerra
 
É um Caminho de Ardis.
CAO CAO: Na guerra, nada é constante. O Caminho consiste de ardis e
astúcia.
ZHANG YU: A guerra deve se basear na justiça, mas a vitória depende
de ardis e astúcia.
LI QUAN: Na guerra, astúcia nunca é demais.
MEI YAOCHEN: Sem astúcia, é impossível dominar oportunidades e
derrotar o inimigo.
GILES: Qualquer soldado reconhece o valor dessa máxima profunda e
sucinta [do Mestre Sun]. O coronel Henderson [1854-1903] nos diz que
Wellington, dotado de prodigiosas qualidades militares, distinguia-se
especialmente pela “habilidade extraordinária com que disfarçava seus
movimentos e enganava tanto amigos quanto inimigos”.
JOHN MINFORD: Como François Jullien destaca (pp. 167-8), esse não é
apenas um axioma clichê de capciosidade gratuita. É com base em
ardis, dissimulação e sigilo que se estrutura todo o princípio de
“manipulação” do inimigo, que constitui o cerne do raciocínio
estratégico do Mestre Sun. É uma questão de abalar o inimigo, de
deixá-lo em uma situação de fraqueza (ébranler l’adversaire), ou de
fazê-lo se estabelecer a si mesmo nessa situação, em vez de confrontá-
lo diretamente e “lutar” (o heroísmo da ação). Dessa forma, erodimos
pouco a pouco a capacidade de resistência do inimigo.
Quando capaz,
 
Finja incapacidade;
ZHANG YU: Quando forte na realidade, aparente fraqueza; quando
corajoso na realidade, aparente medo.
Quando enviar tropas,
 
Aparente o contrário.
DU MU: Use astúcia para disfarçar a situação verdadeira. Oculte-a do
inimigo. Se o inimigo puder observar as condições genuínas, saberá
como reagir. Como diz o Shiji [na biografia de Gou Jian, rei de Wu]:
“Um gavião deve se manter oculto antes do mergulho”.
Quando próximo,
 
Aparente longe.
Quando longe,
 
Aparente próximo.
MEI YAOCHEN: Para que o inimigo não possa prever seus movimentos.
Atraia com isca;
DU MU: O general Li Mu [ † 229 a.C.; encarregado de defender a
fronteira ao norte contra os nômades xiongnu], de Zhao, liberou
grande quantidade de rebanhos e pastores em campo aberto, o que
induziu os bárbaros xiongnu a avançarem um pouco. Em seguida, o
general Li simulou uma retirada, usando alguns milhares de
retardatários como engodo. O cã dos xiongnu, ao saber disso, ficou
extasiado e avançou à frente de uma grande força. O general Li então
os pegou de surpresa e atacou com uma formação em pinça da
esquerda e da direita, esmagando-os e matando mais de 100 mil
homens da cavalaria deles.
Ataque com caos.
ZHANG YU: Finja caos, atraia o inimigo, e então ataque. Na guerra
entre Wu e Yue, Wu usou 3 mil criminosos, para passar a impressão
de desordem e atrair as forças de Yue. Os criminosos correram
[caoticamente] para todos os lados ou se renderam. Como resultado,
Yue iniciou a batalha, e acabou derrotado por Wu.
Se o inimigo é pleno,
 
Prepare-se.
 
Se forte,
 
Evite-o.
ZHANG YU: Como diz o clássico, “ao enfrentar o inimigo, descubra
onde ele é abundante e onde é deficiente”. Abundante significa pleno
ou sólido. Deficiente significa vazio ou fraco. Onde a situação do
inimigo for sólida, precisamos adotar um plano adequado para lidar
com um inimigo invencível e não agir com leviandade. Nas palavras
de Li Jing em seu O espelho da guerra, “Observe o vazio e avance;
observe a plenitude e pare”.
DU YOU: Quando as reservas dele estão abastecidas e plenas e seus
homens, alertas, recue e espere até que ele fique fraco e negligente;
observe a mudança e reaja de acordo.
JOHN MINFORD: Para o par essencial vazio/cheio, ver o capítulo 6.
Se ele é feroz,
 
Desconcerte-o.
ZHANG YU: Quando ele é [de natureza] renitente e irascível, insulte-o e
o enfureça. Ele se sentirá provocado e confuso e avançará com
descuido, sem refletir nas consequências.
HE YANXI: Como quando as tropas de Han conseguiram, graças a
repetidas provocações e afrontas, instigar as forças de Chu, sob o
comando do [marechal] Cao Jiu, à batalha no rio Si. [Em 203 a.C.,
CaoJiu, enfurecido, desobedeceu às ordens do soberano Xiang Yu e
liderou uma ofensiva fatal a partir da cidade de Chenggao. Seus
homens estavam no meio do rio quando o exército de Han se abateu
sobre eles e os massacrou. Cao Jiu depois cortou a própria garganta.
Esse incidente histórico é muito apreciado pelos comentaristas. Ver o
capítulo 3.]
Se ele é fraco,
 
Atice seu orgulho.
DU YOU: Quando o inimigo mobiliza suas forças e avança com raiva,
exiba uma aparência de fraqueza e docilidade e, com isso, intensifique
as ambições dele; espere até que relaxe e então ataque. O Mestre
Wang, de outrora, disse que o Tático Hábil brinca com o adversário
tal como o gato brinca com um rato, confrontando o inimigo com
sabedoria, antes fingindo fraqueza e imobilidade e então dando o bote
súbito.
JOHN MINFORD: Du You adotou outra interpretação para essa frase:
“Finja fraqueza também…”. Diversos outros comentaristas extraíram
do mesmo trecho sentidos radicalmente distintos. Incluí aqui o
comentário de Du You pela memorável comparação do Mestre Wang
com um gato.
Se está relaxado,
 
Perturbe-o;
ZHANG YU: Mantenha suas forças intactas; deixe que ele se desgaste
por conta própria.
WANG XI: Aplique grande quantidade de táticas de surpresa. Quando o
inimigo avançar, recue; quando o inimigo recuar, avance; quando ele
sair ao resgate do flanco esquerdo, ataque o direito; quando ele
reforçar o flanco direito, ataque o esquerdo; perturbe-o assim.
Se seus homens estão em harmonia,
 
Divida-os.
CAO CAO: Envie espiões para dividir as forças dele.
LI QUAN: Desintegre a compreensão do inimigo, aparte senhor e súdito,
e então ataque. Quando o reino de Qin lançou um ataque contra o
reino de Zhao [260 a.C.], o marquês de Ying, ministro de Qin, enviou
espiões a Zhao, que disseram: “Nós, de Qin, tememos que vocês
ponham Zhao Gua no comando; Lian Po [então o comandante] seria
muito mais fácil de lidar”. O rei de Zhao caiu nesse pequeno ardil e
substituiu Lian Po por Zhao Gua. Como resultado, na Batalha de
Changping, 400 mil soldados de Zhao se renderam e foram mortos.
[Ver Shiji, capítulo 73, biografias de Bo Qi e Wang Jian.]
ZHANG YU: Divida senhor e súdito, divida aliado e aliado; divida-os, e
depois os ataque.
Ataque
 
Onde ele não
 
Está preparado;
 
Apareça
 
Onde você não
 
É esperado.
MENG: Ataque o vão [o ponto mais fraco]; enfrente-o onde ele é mais
frágil; nunca permita que o inimigo saiba onde preparar suas defesas.
Daí o ditado: “Na guerra, o segredo é ser amorfo [invisível]”. Como
disse o Duque Ancestral: “O movimento mais eficaz é o inesperado. O
melhor plano é o desconhecido”.
Isso é
 
Vitória na guerra;
 
Não pode ser
 
Proclamada
 
Com antecedência.
CAO CAO: Como um segredo. A guerra não possui dinâmica constante,
assim com a água não possui forma constante. Trata-se de adaptar
com flexibilidade às circunstâncias mutáveis do inimigo, e não se pode
[saber, quanto mais] proclamá-las com antecedência. Daí o ditado:
“Avalie o inimigo com a mente, encontre a oportunidade com o
olho”.
MEI YAOCHEN: É quando estamos diante do inimigo que devemos
reagir às novas circunstâncias e decidir estratégias. Como se discutiria
essas questões com antecedência?
A vitória pertence àquele
 
Que mais pontua
 
Nos cálculos do templo
 
Antes da batalha.
A derrota pertence àquele
 
Que menos pontua
 
Nos cálculos do templo
 
Antes da batalha.
Mais prenuncia vitória;
 
Menos prenuncia derrota;
 
Nada, derrota mais certa.
Vejo assim,
CAO CAO: Segundo a Arte da Guerra.
E o resultado é evidente.
SHANGJUN SHU, capítulo 10, “Métodos de Guerra”: Estimando-se o
poderio do inimigo e examinando-se as próprias forças, é possível
identificar com antecedência se haverá vitória ou derrota. […] Se a
política tem origem nos cálculos do templo, ela levará à vitória, seja o
líder bom ou inferior.
SHIJI, capítulo 8: O Primeiro Imperador de Han disse para Wang Ling:
“Sei planejar campanhas com varas de contar na barraca do quartel-
general”.
ZHANG YU: Em tempos passados, antes do início de uma campanha, o
general realizava deliberações cerimoniais em seu templo de campo e
fazia cálculos. Com estratégias profundas e cuidadosas, o
planejamento é de grande importância, e assim se conquista a vitória
antes que a batalha comece. Com planejamento superficial, pouco se
ganha, e a derrota é certa. Muito planejamento prenuncia a vitória;
com menos planejamento, menos certo é o resultado; sem
planejamento, a derrota é certa. Daí o ditado: “O exército vitorioso
chega à vitória antes e busca a batalha depois; o exército derrotado
vai à batalha antes e busca a vitória depois. [Ver capítulo 4, p. 240-1.]
A vitória e a derrota residem na presença ou na ausência de
planejamento”.
LI LING (1997): Foram encontrados em escavações recentes muitos
exemplos de equipamentos de cálculo antigos (varas de contar), com
varetas de bambu ou madeira de tamanho específico. Este capítulo se
refere aos cálculos com essas varas, usadas para mensurar as
vantagens relativas das forças adversárias (nossas próprias forças e
fraquezas, e as do inimigo). Esse uso de cálculos para determinar ações
é muito antigo, e etnógrafos descobriram muitas relíquias disso. As
palavras chinesas para “calcular” (suan), “medir” (chou), “conspirar”
(ce) e “planejar” (ji) contêm o radical “Bambu” e estão associadas a
essa forma de contagem.
WANG XI: Receando que o discípulo pudesse ficar confuso com a
declaração anterior de que “A vitória não pode ser proclamada com
antecedência”, o Mestre Sun aqui reafirma os princípios gerais de sua
primeira parte sobre planejamento.
JOHN MINFORD: Alguns comentaristas contemporâneos compararam
esse conselho pré-guerra no templo da época do Mestre Sun a uma
forma de jogo de guerra primitivo: uma simulação cuidadosa que leva
em conta diversos fatores e parte deles para calcular a dinâmica
subjacente da situação (e o resultado quase certo). No final deste
primeiro capítulo, o Mestre Sun volta à importância crucial dessas
reflexões.
* O templo cerimonial era um espaço reservado pertencente aos palácios, onde eram
realizadas discussões dos mais diversos tipos — inclusive estratégicas. (N. E.)
** “One to destroy, is murder by the law;/ And gibbets keep the lifted hand in awe;/ To
murder thousands, takes a specious name,/ War’s glorious art, and gives immortal fame.” (N.
T.)
*** Homero, A odisseia. Trad. de Manuel Odorico Mendes. São Paulo: Ars Poética; Edusp,
1992. (N. T.)
2
 
Deflagração da guerra
CAO CAO: O guerreiro que deseja deflagrar a guerra deve antes calcular
o custo e sempre alimentar seu exército com as provisões do inimigo.
ZHANG YU: Concluídos os planos e cálculos, as bigas e os cavalos
devem ser postos de prontidão; armas, afiadas; equipamentos,
organizados; suprimentos, transportados; despesas, estimadas, tudo
em preparo para a batalha. Por isso esta parte se segue à “Formulação
de planos”.
Disse o Mestre Sun:
Na Guerra,
 
Para um exército
 
Com mil
 
Bigas velozes de quatro cavalos,
 
Com mil
 
Carroças revestidas de couro,
ZHANG YU: As bigas mais leves e ligeiras eram usadas para combate; as
carroças de couro, mais pesadas, para a defesa.
Para cem mil
 
Soldados com armadura,
LI QUAN: Soldados de infantaria.
Abastecido para
 
Cem léguas;
CAO CAO: Cem léguas depois da fronteira.
A considerar
 
Despesas no reino e na campanha,
 
Tratos com enviados e conselheiros;
JOHN MINFORD: Como destacam Niu Guoping e Wang Fucheng (1991),
entre os conselheiros a se considerar para as despesas havia indivíduos
como o próprio Mestre Sun (nativo do reino de Qi, no nordeste), e
Wu Zixu (nativo do reino de Chu, no centro-sul), ambos a serviço do
reino de Wu, no sudeste.
Cola e laca
 
Manutenção de bigas e armaduras;
 
O custo diário de tudo
 
Excederá
 
Mil peças de prata.
ZHANG YU: Uma quantia redonda para os gastos pesados relevantes,
sem incluir o dinheiro necessário para subornos [para serviços de
inteligência?].SHIJI, capítulo 112: Em A arte da guerra se diz que, “Para um exército
de 100 mil soldados, deve-se gastar mil peças de prata por dia”. As
forças de Qin reuniam com frequência enormes contingentes, sempre
centenas de milhares. Ainda que conseguissem derrotar exércitos,
matar generais e capturar prisioneiros dos bárbaros, isso só acabava
por inspirar intenso ódio e ressentimento contra Qin; não compensava
o custo imenso para o reino. Não é sensato esvaziar os cofres públicos
e desgastar o povo comum apenas para levar a melhor sobre outra
nação.
Na Guerra,
 
A vitória deve ser
 
Célere.
JOHN MINFORD: Júlio César mais uma vez: “O fator mais crucial da
liderança de César era a velocidade (celeritas). Ele calculava e decidia
com rapidez, movia-se com rapidez e, movendo-se, mantinha a
iniciativa, e surpreendia e dividia as forças do inimigo; com rapidez,
no momento da batalha, ele aproveitava oportunidades táticas,
compensava erros táticos; sempre com rapidez ele perseguia, pois
compreendia muito bem que apenas aquele que persegue até não mais
poder garante plenamente a vitória. Essa velocidade de César na
guerra não era acaso: dependia de certas condições presentes nele
próprio e em seu exército. Ele era dotado de uma energia invencível e
irresistível: tinha aquela coragem que ignora o medo ou o perigo, mas
que se recusa a ser temerária. Em suas expedições, ele combinava
ousadia e cautela; travava suas batalhas não apenas de acordo com
planos, mas também conforme as oportunidades que se
apresentassem” (Edwards, citando Suetônio em sua introdução a The
Gallic War).
Se a vitória for lenta,
 
Homens se cansam,
 
Moral fraqueja.
 
Cercos
 
Exaurem forças;
ZHANG YU: Quando uma campanha se prolonga a fim de se alcançar a
vitória, os homens se esgotam e o moral fraqueja. Um exército que
sitia uma cidade a cem léguas do reino natal invariavelmente esgotará
as próprias forças.
JOHN MINFORD: (Em um episódio extraído do popular romance Sanguo
yanyi, narra-se que Cao Cao recorreu, com crueza característica, a um
estratagema para aumentar o moral combalido de seus homens e
concluir com sucesso o cerco a Shouchun.)
Durante o cerco, o exército de Cao Cao, de 170 mil homens,
demandava grandes quantidades de grãos, mas os distritos vizinhos,
afligidos pela seca, não eram capazes de abastecê-lo. Cao tentava
iniciar batalha, mas o general Li Feng se mantinha atrás dos muros.
Depois de mais um mês, Cao Cao, diante do desabastecimento, pegou
emprestado com Sun Ce 100 mil sacas de grãos. Mas não as distribuiu.
Durante a emergência, o intendente-chefe Ren Xun e o oficial de
provisões Wang Hou perguntaram a Cao Cao: “Não temos comida
suficiente para alimentar tantos. O que fazemos?”. Cao Cao deu
ordem para “apertar o cinto”. “E se reclamarem?”, perguntou Wang
Hou. “Tenho um plano caso isso aconteça”, prometeu Cao Cao.
[Mao Zong’gang comenta: “É claro que ele não ia contar o plano a
Wang nesse momento”.] Conforme ordenado, o oficial racionou a
comida. Nesse meio-tempo, Cao Cao enviou homens aos
acampamentos e foi informado de que os soldados o acusavam de
enganá-los. Ele então mandou chamar em segredo Wang Hou, o
oficial de provisões, e disse: “Você tem algo que eu gostaria de pegar
emprestado para apaziguar os soldados. Espero que você não se
ofenda”. [Mao Zong’gang: “Ele provavelmente não se ofenderia com
o empréstimo. Mas seria uma única transação”.] “O que eu tenho”,
perguntou Wang, “que possa ter utilidade para Vossa Excelência?”
“Sua cabeça”, respondeu Cao. “Para mostrar aos homens.” “Mas não
cometi nenhum crime!”, gritou o oficial, apavorado. “Eu sei”, disse
Cao. “Mas preciso executá-lo, para evitar uma rebelião no exército.
Cuidarei pessoalmente de sua família, então não se preocupe com essa
questão.” Antes que Wang Hou pudesse reagir, os carrascos já haviam
recebido ordens e o levaram para fora. Eles lhe cortaram a cabeça e a
cravaram em uma estaca com uma placa que dizia: “Wang Hou:
Devidamente castigado de acordo com a lei marcial por racionar
deliberadamente a comida e roubar do estoque”. Essa medida
aumentou o moral do exército (ver Brewitt-Taylor, p. 180).
Campanhas prolongadas
 
Extenuam o tesouro.
ZHANG YU: Em uma campanha prolongada, com um gasto diário de
mil peças, é claro que o tesouro público será insuficiente. O imperador
Wu da dinastia Han [governou entre 141 e 87 a.C.] embarcou em uma
campanha extensa de exploração e expansão prolongada do império
que exauriu o tesouro público. Ele viria a se arrepender disso.
HANSHU, capítulo 94: O conselheiro Yan You [século I d.C.] deu a
seguinte recomendação ao [usurpador] Wang Mang [a respeito da
dificuldade inerente de abastecer exércitos em campanhas prolongadas
contra os bárbaros xiongnu]: “Em média, para uma viagem de
trezentos dias, um soldado consome dezoito sacas de arroz, que devem
ser transportadas por animais de carga. Também o animal precisa ser
alimentado, o que acrescenta vinte sacas ao peso. Considerando a
natureza desértica do terreno xiongnu, com escassez de água ou pasto,
o animal não sobreviverá cem dias. O peso do alimento restante será
grande demais para os soldados carregarem”.
Com homens cansados,
 
Moral baixo,
 
Forças exauridas,
 
Tesouro gasto;
Os senhores feudais
 
Aproveitam a desordem
 
E atacam.
 
Isso até os mais sábios
 
Não terão condições
 
De reparar.
ZHANG YU: Como quando o reino de Wu atacou Chu [506 a.C.],
conquistou a cidade de Ying e permaneceu muito tempo lá, em vez de
voltar para casa. Durante a ausência prolongada do exército, as forças
de Yue invadiram Wu. Nem mesmo os distintos conselheiros Wu Zixu
e o Mestre Sun foram capazes de resguardar Wu contra as
consequências desastrosas.
JOHN MINFORD: A expressão “senhores feudais” era usada de modo
geral para se referir aos diversos reinos rivais que surgiram depois da
desintegração do reino feudal de Zhou nos períodos de Primavera e
Outono (722-481 a.C.) e dos Reinos Combatentes (403-221 a.C.).
Ouvi dizerem que na guerra
 
Pressa pode ser
 
Inimiga
 
Mas nunca vi
Atraso que fosse
 
Perfeição.
CHEN HAO: Como reza o ditado, o estrondo de um trovão não espera
até se cobrirem os ouvidos; o relâmpago irrompe antes que os olhos
tenham chance de piscar.
DU MU: Para se obter a vitória, o que conta é a velocidade superior,
ainda que as táticas sejam insensatas. A velocidade evita a armadilha
dupla de gasto e exaustão. Isso é sabedoria.
HE YANXI: A pressa pode ser insensatez, mas pelo menos não consome
energia e tesouro; operações prolongadas podem ser muito sábias, mas
também podem acarretar calamidades.
ZHANG YU: Desde que se obtenha a vitória, pressa insensata é melhor
do que atraso sábio.
GILES: O que o Mestre Sun diz é que, embora a velocidade às vezes
possa ser desajuizada, atrasos jamais serão algo sensato — no mínimo
porque levam ao empobrecimento da nação. É inevitável relembrar o
exemplo clássico de Fabius Cunctator [Quinto Fábio Máximo, “o
Protelador”, general romano durante a Segunda Guerra Púnica contra
Aníbal, † 203 a.C.]. Esse general [famoso pelas cautelosas “táticas de
protelação”] contrapôs deliberadamente a resistência de Roma à do
exército isolado de Aníbal, porque acreditava que seria mais provável
que este sofresse com uma campanha extensa em terreno
desconhecido. [Ver a famosa referência de Ênio no livro XII de seus
Anais: “Unus homo nobis cunctando restituit rem”, “Um homem, ao
protelar, salvou-nos o estado”.] Mas jamais se saberá se suas táticas
teriam se revelado eficazes a longo prazo.
Nenhuma nação jamais se beneficiou
 
De uma guerra prolongada.
LI QUAN: Está no Chunqiu: “A guerra é como o fogo. Aqueles que não
conseguem encerrar as hostilidades acabam por se queimar”.
JOHN MINFORD: Como observou John Dryden (1631-1701) na tragédia
Tyrannical Love [Tirânico amor], “Todo atraso é um perigo na
guerra”. O general Westmoreland citou justamente esse trecho do
Mestre Sun para defender o argumento de retiraras tropas do Vietnã.
Sem plena compreensão
 
Dos danos
 
Da guerra,
 
É impossível compreender
 
O modo mais favorável
 
De conduzi-la.
GILES: Isto é, com rapidez. Apenas quem conhece os efeitos desastrosos
de uma guerra longa compreende a importância absoluta de se
encerrá-la rápido.
DU YOU: Ao planejar uma campanha, quem não considera os desastres
em potencial não será capaz de colher os benefícios.
O Guerreiro Hábil
 
Nunca recruta exércitos
 
Duas vezes;
 
Nunca transporta provisões
 
Três.
CAO CAO: Garanta a vitória assim que formar seu exército. Não volte
para recrutar mais homens.
GILES: Declarada a guerra, ele não perderá tempo precioso esperando
reforços, nem voltará com o exército para se reabastecer; ele
atravessará a fronteira do inimigo imediatamente. Pode parecer uma
recomendação audaciosa, mas para todos os grandes estrategistas, de
Júlio César a Napoleão Bonaparte, o valor do tempo — isto é, uma
pequena antecipação em relação ao adversário — teve mais peso do
que superioridade numérica ou os cálculos mais apurados a respeito
de logística.
Ele traz seus próprios equipamentos
 
Mas se supre do inimigo.
 
E assim seus homens
 
Têm muita comida.
ZHANG YU: É difícil transportar grandes quantidades de comida. Se o
exército precisa transportar grãos por uma grande distância de cem
léguas, os homens terão um aspecto faminto.
SHIJI, capítulo 92, biografia de Han Xin, marquês de Huaiyin: [O
exército de Han ameaçava o reino de Zhao.] Li Zuoche, lorde de
Guangwu, deu a seguinte recomendação a Chen Yu, ministro do rei de
Zhao: “Ouvi dizer que, quando as provisões precisam ser
transportadas por cem léguas, os soldados ficam com um aspecto
faminto, e, quando é preciso coletar combustível antes do preparo das
refeições, o exército raramente dorme de estômago cheio. […] Em
uma marcha de cem léguas nessas circunstâncias, é certo que as
provisões sejam trazidas na retaguarda. Peço que me conceda uma
força de 30 mil soldados, para que eu possa liderar um ataque-surpresa
a partir de uma rota secreta e capturar as carroças de suprimentos
deles…”.
Suprir um exército
 
Distante
 
Exaure os cofres públicos
 
E empobrece
 
O povo comum.
ZHANG YU: É claro que isso acontece, se é preciso que a força de 700
mil famílias forneça alimento para um exército de 100 mil homens a
cem léguas de distância.
DU MU: Está escrito em Guanzi que “o transporte de grãos por trinta
léguas consome o estoque de um ano de grãos; para 45 léguas, dois
anos; para sessenta, o povo comum começa a parecer faminto”.
Quando o exército está próximo,
 
Os preços sobem;
 
Quando os preços sobem,
 
O povo gasta
 
Tudo o que tem;
 
Quando gasta tudo,
 
Sente a pressão
 
Dos impostos.
No campo de batalha,
 
A força é esgotada;
 
No reino as famílias
 
São desprovidas.
JOHN MINFORD: Aqui, considero o texto na Tira de Bambu de
Shandong, como defendem Li Ling (1997, p. 43) e Wu Jiulong (1990, pp.
28-9).
O povo
 
Perde sete décimos
 
De sua riqueza.
 
Seis décimos do tesouro
 
São gastos com
 
Bigas quebradas,
 
Cavalos cansados,
 
Elmos e armaduras,
 
Flechas e balestras,
 
Dardos e broquéis
 
Lanças e escudos,
 
Bestas de carga.
 
Carroças pesadas.
Então o general sábio
 
Nutre o exército
 
Com o inimigo.
 
Uma peça
 
Do inimigo
 
Vale vinte
 
Trazidas do reino;
 
Uma braçada
 
De rações inimigas
 
Vale vinte
 
Trazidas do reino.
ZHANG YU: Pois vinte carroças serão consumidas no processo de se
transportar uma carroça até a linha de frente — ou até mais, se o
terreno for difícil.
JOHN MINFORD: Tomei algumas liberdades com as medidas exatas,
visto que o Mestre Sun se preocupa mais com valores relativos. A esta
altura do texto, comentaristas antigos e modernos entram em grandes
detalhes quanto às quantidades exatas indicadas pelos termos
utilizados.
A morte do inimigo
 
É resultado
 
Da ira;
DU MU: Como quando o general Tian Dan, de Qi, defendia a cidade de
Jimo e provocou deliberadamente o exército de Yan a decepar o nariz
de seus prisioneiros e exumar o corpo dos mortos de Qi.
HE YANXI (complementando Du Mu): Quando o exército de Yan
cercou a cidade de Jimo no reino de Qi [279 a.C.], todos os
prisioneiros de Qi perderam o nariz. [Na história narrada por Sima
Qian em seu Shiji, capítulo 82, que He Yanxi repete em grande parte
ipsis litteris, na verdade foi um estratagema ardiloso do general Tian
Dan, de Qi, que sugeriu tal ideia escabrosa aos homens de Yan.] Os
homens de Qi se enfureceram e, por isso, defenderam a cidade com
mais bravura. Depois, Tian Dan enviou um agente duplo para
disseminar desinformação no exército de Yan, dizendo: “Nosso povo
receia que vocês abram os túmulos junto das muralhas e desonrem
nossos antepassados. Ficamos horrorizados só de pensar!”. E,
fatalmente, os soldados de Yan foram abrir os túmulos e queimar os
cadáveres. Os habitantes de Jimo presenciaram a profanação desde as
muralhas da cidade e derramaram lágrimas de raiva. Estavam ansiosos
para sair e lutar, e sua ira era dez vezes maior. Tian Dan compreendeu
que suas forças estavam prontas e infligiu uma derrota acachapante ao
exército de Yan.
JOHN MINFORD: O Shiji atribui a Tian Dan outros estratagemas
ardilosos, incluindo a ideia de caracterizar mil touros como dragões,
cobrindo-os de seda vermelha e tintas coloridas, ateando-lhes fogo à
cauda e fazendo-os sair pelas brechas nas muralhas. Sima Qian, o
historiador, comenta, citando o Mestre Sun: “Na guerra, combata
diretamente; garanta a vitória indiretamente. O General Hábil usa
infinita variedade de ações diretas e indiretas. As táticas de Tian Dan
não eram convencionais: no início, ele foi dócil como uma virgem
jovem; depois, ágil como uma lebre em fuga”. Todo esse episódio
histórico volta a ser mencionado diversas vezes pelos comentaristas
tradicionais do Mestre Sun.
ZHANG YU: No [clássico militar] Weiliaozi está escrito: “O que
impulsiona as pessoas à guerra é o espírito delas [qi]”. Quando o
espírito delas é inflamado, elas vão ao combate.
A luta pelo butim
 
É resultado
 
Do desejo de recompensa.
DU YOU: Se os homens souberem que a vitória será amplamente
recompensada, enfrentarão qualquer perigo e entrarão com prazer no
conflito. Esse é o poder sedutor das recompensas materiais.
No combate de bigas,
 
Quando se captura
 
Mais de dez bigas,
 
Merece recompensa aquele
 
Que toma a primeira inimiga.
 
Mude o estandarte
 
Das bigas capturadas;
CAO CAO: Deixe-as iguais às nossas.
Misture-as
 
Às nossas.
ZHANG YU: Elas não devem ser enviadas à batalha em uma formação
só delas.
Trate bem seus prisioneiros,
 
Cuide deles.
ZHANG YU: Trate os prisioneiros de guerra com compaixão e boa-fé, e
eles serão ainda mais úteis.
Use sua vitória
 
E se fortaleça.
HE YANXI: Use o inimigo para derrotar o inimigo e aumente sua
própria força.
Na Guerra,
 
Valorize a vitória,
 
Não uma campanha prolongada.
MENG: Valorize uma vitória rápida e um retorno veloz.
MEI YAOCHEN: Celeridade poupa gastos e preserva o povo.
O general sábio
 
É Senhor do Destino;
 
Ele detém nas mãos
 
A paz e o perigo
 
À nação.
HE YANXI: O general é responsável pelo destino e bem-estar da nação.
A escassez de bons generais sempre foi causa de calamidade.
3
 
Ofensiva estratégica
DU MU: O planejamento e os cálculos foram realizados no templo
cerimonial; equipamentos e provisões foram preparados; agora é o
momento da ofensiva estratégica.
Disse o Mestre Sun:
Na Guerra,
 
Tome
 
Um reino
 
Inteiro,
 
Não um destruído.
LI QUAN: Não dê valor à perda de vidas.
HE YANXI: Fazer com que um inimigo se renda exclusivamente por
meio do impacto psicológico [no original, a expressão literal é “por
meio de movimento vigoroso”] de nossa estratégia; essa é a melhor de
todas as estratégias.
ZHANG YU: Em Weiliaozi está escrito: “A vitória pelo Tao consiste em
avaliar o inimigo e então fazer com que ele se desmotive e disperse seu
exército. Ele permanece externamenteintacto, mas não terá condições
de agir. A vitória pela força inclui combate, morte, destruição e
saque”. “Conquistar um reino intacto” é vitória pelo Tao, e “destruí-
lo” é vitória pela força.
JIA LIN: Conquistar o reino inimigo intacto e ao mesmo tempo manter
o próprio reino intacto — isso é o melhor.
Tome
 
Um exército,
 
Regimento,
 
Destacamento,
 
Companhia
 
Inteiros,
 
Não destruídos.
WANG XI: Por maior ou menor que seja a entidade, seja reino, exército,
regimento, destacamento ou companhia, conquistá-la intacta
incrementa o prestígio e o poder; destruí-la reduz o prestígio e o
poder.
A primazia suprema vem
 
Não da vitória
 
Em qualquer batalha,
ZHANG YU: A vitória pela batalha acarreta grande perda de vidas. Por
isso não é excelente.
Mas da derrota do inimigo
 
Sem sequer um combate.
CAO CAO: O inimigo se rende sem que se tenha travado qualquer
batalha.
DU MU: A derrota do inimigo pelo planejamento.
CHEN HAO: O general Han Xin [discípulo confesso de A arte da guerra
do Mestre Sun] adotou o plano de Li Zuoche e [em vez de enviar as
tropas já exaustas à batalha novamente] despachou um emissário com
uma carta ao rei de Yan [que descrevia em termos convincentes a
vasta superioridade de seu exército], e Yan então se rendeu sem lutar.
TAO TE CHING, capítulo 68: O Guerreiro mais Hábil jamais é
beligerante; o Guerreiro mais Hábil jamais se enfurece; o que melhor
sabe derrotar seus inimigos jamais se esforça.
TAO TE CHING, capítulo 73: O Caminho do Céu é saber vencer sem
esforço.
GILES: Não há estrategista moderno que não aprove as palavras dos
antigos chineses. O maior triunfo do general Moltke — a capitulação
do imenso exército francês em Sedan [1870] — foi realizado
praticamente sem derramamento de sangue.
JOHN MINFORD: Todo o tratado do Mestre Sun gira em torno desse
famoso axioma. Ele é reafirmado de forma admirável por Mark Lewis
(1990, pp. 116-7): “O princípio de que o comandante genuíno
conquistava sem lutar, ou que produzia a vitória na própria mente
antes de dar batalha, aparece na maioria dos tratados militares e
constituía uma síntese da nova arte do comando. […] A batalha
deixara de ser um teste de habilidade ou honra pela glória da dinastia,
tornando-se uma lousa em que o comandante sábio dava aulas a seus
colegas de menos talento”. O teórico militar marxista Guo Huaruo
(1984, p. 100) vê a questão com mais ceticismo: “A vitória sem batalhas
às vezes é resultado de um extenso período anterior de combates
preparatórios. […] Por exemplo, não teríamos conseguido conquistar
Pequim sem luta durante a Guerra de Libertação se já não tivéssemos
vencido a Batalha de Tientsin [janeiro de 1949] que houve antes. […] E
a subsequente rendição ‘sem sangue’ de seis capitais de província
também pode parecer uma ‘vitória sem lutar’ na superfície, mas na
realidade foi fruto de 22 anos de guerra…”. O americano J. K.
Fairbank, especialista em políticas para a China, oferece um resumo
contemporâneo mordaz: “Como deixa claro A arte da guerra do
Mestre Sun, a violência só constitui uma parte da guerra, e não é
sequer a parte prioritária. O objetivo da guerra é dominar o oponente,
ou seja, alterar a postura dele e induzir sua submissão. O caminho
mais econômico é o melhor: convencê-lo — por meio de
dissimulações, surpresas ou seus próprios esforços falhos para atingir
metas inviáveis — de sua inferioridade, de modo que ele se renda ou
pelo menos recue sem que seja preciso combatê-lo. […] O autor de A
arte da guerra veria com um sorriso a exaltação americana do poder
de fogo, que facilmente se torna um fim em si mesmo” (Fairbank,
1974).
A guerra mais sublime
 
Ataca a própria
 
Estratégia;
CAO CAO: Enquanto o inimigo ainda se encontra formulando uma
estratégia, é fácil atacar.
LI QUAN: Ataque a estratégia logo na origem. Durante a dinastia Han
Posterior, Kou Xun sitiou Gao Jun. Gao mandou Huangfu Wen, seu
conselheiro em estratégia, para negociar com Kou. Huangfu foi
grosseiro e descortês, e Kou mandou decapitá-lo. O próprio Kou
comunicou o fato a Gao: “Seu ministro foi descortês. Decapitei-o. Se
estiver disposto a se render, que seja agora. Caso contrário, defenda-se
bem”. No mesmo dia, Gao abriu os portões da cidade e se rendeu. Os
generais de Kou abordaram o comandante: “Permita-nos perguntar,
senhor? O senhor matou o mensageiro, e ainda assim ele entregou a
cidade? Como foi possível?”. A resposta de Kou foi: “Huangfu era o
principal ministro de Gao, o estrategista em que ele mais confiava. Se
eu o tivesse poupado, Huangfu teria conquistado seus objetivos. Ao
matá-lo, aniquilei a própria fonte da coragem de Gao. Quando se diz
que a melhor forma de guerra é atacar a estratégia, é isso que
significa”. “Não sabíamos disso”, falaram os generais.
HE YANXI: Enquanto o inimigo formula seu plano inicial de ataque
contra nós, precisamos nos antecipar e atacá-lo primeiro. Isso é fácil.
Precisamos sondar o teor dos planos do inimigo, enviar soldados de
acordo e atacar sua própria linha de raciocínio.
MEI YAOCHEN: Vitória pela sabedoria.
DU MU: O duque Ping de Jin [governou entre 557 e 532 a.C.] queria
atacar o reino de Qi e enviou Fan Zhao para observar a situação. O
duque Jing de Qi lhe ofereceu um cálice de vinho; Fan Zhao, ao ficar
ligeiramente embriagado, perguntou se poderia beber do cálice
especial do soberano. O duque Jing deu ordem para que trouxessem
seu cálice pessoal ao convidado. Fan Zhao já estava bebendo quando
o Mestre Yan [foi encontrada uma obra com seu nome em meio aos
textos das Tiras de Bambu descobertas em Shandong] tirou o cálice
dele e o substituiu por outro. Fan Zhao fingiu-se de bêbado e se
levantou frustrado para dançar. Ele pediu ao mestre da música:
“Podem tocar a melodia de Zhengzhou para mim? Eu gostaria de
dançá-la”. A isso, o mestre da música respondeu: “Receio que não
conheça essa”. Fan Zhao então foi embora.
“Jin é um grande reino”, disse o duque Jing. “Esse homem veio
para observar nosso governo; agora, você irritou o representante de
um reino vizinho. O que faremos?” O Mestre Yan disse: “Percebi que
Fan Zhao conhecia as normas de etiqueta, mas queria nos ofender
deliberadamente. Eu me recusei a corresponder”. O mestre da música
disse: “Zhengzhou é a melodia do Filho do Céu. Só o soberano pode
dançá-la. Fan Zhao é um mero súdito, mas mesmo assim queria
dançar a melodia do Filho do Céu. Eu me recusei a tocá-la para ele”.
Quando voltou a Jin, Fan Zhao comunicou ao duque Ping: “Não
podemos atacar Qi. Tentei insultar o governante deles, mas o Mestre
Yan sabia [o que eu estava fazendo]. Tentei contrariar as normas de
etiqueta deles, e o mestre da música sabia”. Mais tarde, Confúcio
diria: “Não sair do próprio salão de banquetes e mesmo assim destruir
o inimigo a mil léguas de distância: isso se refere ao Mestre Yan”. [Em
outras palavras, ao “saber”, isto é, ao atacar ou minar a própria
estratégia, o Mestre Yan e o mestre da música neutralizaram as
intenções hostis contra Qi.]
DU YOU: A forma mais sofisticada de guerra é dominar o inimigo
enquanto ele ainda está formulando seus planos e mobilizando suas
tropas. Como disse o Duque Ancestral, “a melhor maneira de evitar
infortúnios é lidar com eles antes que surjam; a melhor maneira de
derrotar um inimigo é quando as tropas dele ainda não se formaram”.
SANGUO YANYI, capítulo 87: Na guerra, é melhor atacar mentes, não
cidades; a guerra psicológica é melhor do que o combate com armas.
[Mao Zong’gang: Essas palavras não aparecem em A arte da guerra.
São o ápice da arte, superiores até mesmo aos ensinamentos do Mestre
Sun e do Mestre Wu.]
Depois,
 
Ataca
 
Alianças;
LI QUAN: Ataque quando as alianças ainda estão se formando.
MEI YAOCHEN: Vitória pela intimidação.
WANG XI: Se não for possível frustrar a estratégia do inimigo,
comprometa as alianças dele e as faça ruírem.
GILES: Isole o inimigo de seus aliados. Não nos esqueçamos jamais de
que o Mestre Sun, ao falar de hostilidades, sempre estáconsiderando
os diversos reinos ou principados que integravam a China em sua
época.
JOHN MINFORD: Mas a destruição de alianças pode ser custosa. Li Ling
(1997, p. 50) cita o erudito Zheng Youxian, da dinastia Song: “A
destruição de estratégias produz vitória sem custo; a destruição de
alianças pode custar muito e não produzir vitória”.
Depois,
 
Ataca
 
Exércitos;
CAO CAO: Quando o exército já tiver sido formado.
MEI YAOCHEN: Vitória pela batalha.
LI QUAN: Decidir no combate é uma forma mais básica de guerra.
JIA LIN: Disse o Duque Ancestral: “A vitória obtida no confronto de
aço com aço não é característica de um grande general”.
A guerra mais vulgar
 
Ataca
 
Cidades.
 
Guerra de cerco
 
Só em último caso.
DU YOU: O cerco a cidades e o massacre de populações são formas
vulgares de ofensiva. Produzem uma quantidade excessiva de baixas.
MEI YAOCHEN: Prodigioso desperdício de recursos humanos e materiais.
WANG XI: Acarreta grandes baixas e talvez nem resulte da conquista da
cidade.
JOHN MINFORD: A maneira como Giles ilustra essa máxima é um
reflexo do espírito de sua época: “Outro excelente conselho militar. Se
os bôeres o tivessem seguido em 1899 e preservado suas forças sem
dissipá-las antes de Kimberley, Mafeking ou até Ladysmith, é
altamente provável que tivessem dominado as circunstâncias antes que
os britânicos pudessem fazer séria oposição”. O visconde de Turenne
(1611-75), marechal de Luís XIV e um dos estrategistas preferidos de
Giles, fazia eco à visão do Mestre Sun nesse tópico: “Talvez se possa
considerar cautela estratégica e precisão logística, combinadas ao
brilhantismo em combates pequenos e coerência em quaisquer
circunstâncias de sucesso ou fracasso, como os elementos de destaque
da genialidade de Turenne para a guerra. Ele evitava grandes batalhas.
‘Poucos cercos e muitos combates’, essa era sua máxima”
(Encyclopaedia Britannica, 11. ed. [1910-1], v. 27, p. 414).
Em um cerco,
 
É preciso três meses
 
Para reunir
 
Escudos protetores,
LI QUAN: Usados para proteger a cabeça dos soldados enquanto
escalam as rampas da cidade.
Carroças reforçadas,
LI QUAN: Veículos de madeira com quatro rodas e à prova de projéteis,
movidos por força interna e com capacidade para transportar dez
homens, eram usados para preencher com terra os fossos em torno das
cidades.
E diversos
 
Armamentos e materiais de cerco;
LI QUAN: Como torres e escadas.
Mais três meses
 
Para a construção
 
De rampas.
CAO CAO: Acumular rampas de terra altas junto das muralhas da
cidade.
O general que não tem
 
Poder sobre a raiva
 
Despacha seus homens como
 
Formigas,
 
Envia um em três para
 
A morte,
 
E não toma a cidade.
 
Essa é a calamidade
 
Da guerra de cerco.
CAO CAO: Se o general se enfurece demais para esperar até o
equipamento de cerco ficar pronto e manda os homens tentarem subir
as rampas da cidade, como formigas infestando uma parede, muitos
acabarão mortos ou feridos.
DU MU: Como no caso de um general que se sente ofendido pelo
inimigo e não consegue manter o sangue-frio. O imperador Taiwu, de
Wei do Norte [Tuoba Tao, 408-452 d.C.], liderou uma força de 10 mil
homens contra Zang Zhu, do reino de Song, ao sul, na cidade de
Yutai. O imperador pediu um cálice ritual de vinho a Zang, e este
então encheu um jarro com urina e lhe ofereceu. O imperador foi
tomado de ira e decidiu atacar a cidade imediatamente. Seus homens
travaram combate cerrado, sem armadura, e fizeram várias tentativas
para escalar as muralhas da cidade. Mal eram rechaçados e logo
voltavam à carga, sendo abatidos e amontoando cadáveres sob as
muralhas. Essa situação se estendeu por trinta dias, até que mais de
metade de seu exército tivesse morrido. Outros estavam morrendo de
enfermidades. Por fim, o imperador deu ordem de retirada. Há um
ditado que afirma que uma única mulher é capaz de defender uma
cidade sitiada contra dez homens. Essa história sugere que o ditado é
generoso em relação aos homens.
JOHN MINFORD: O historiador grego Políbio (c. 202-c. 120 a.C.) dizia o
seguinte a respeito de generais irascíveis: “Imprudência, temeridade e
impetuosidade impensada, e também insensata ambição e vaidade,
proporcionam uma vitória fácil para o inimigo” (The Histories, trad.
Evelyn Shuckburgh [Londres: Macmillan, 1889], v. I, p. 238). Giles se
refere à sua própria época ao comentar sobre guerras de cerco: “Aqui
nos lembramos das perdas terríveis dos japoneses em Porto Arthur, no
caso mais recente de cerco registrado pela história”.*
O Estrategista Hábil
Derrota o inimigo
 
Sem combater,
LI QUAN: Ele o derrota com planejamento, não o subjuga com batalha.
Captura a cidade
 
Sem sitiar,
LI QUAN: Ele a captura com planejamento. Durante a dinastia Han
Posterior, Zang Gong, marquês de Zan, sitiou os rebeldes
“demoníacos” em Yuanwu, mas passou meses sem conseguir tomar a
cidade. Seus próprios oficiais e soldados contraíram doenças e úlceras.
O príncipe de Donghai lhe disse: “Aqui está você com suas tropas,
cercando um inimigo determinado a lutar até a morte. Não há
planejamento algum aqui. Você devia abandonar o cerco e lhes
oferecer uma escapatória visível. Com certeza eles fugirão e se
dispersarão, e assim até um recruta conseguirá derrotá-los”. O
marquês seguiu o conselho e conquistou Yuanwu.
Abate o reino inimigo
 
Sem uma guerra longa.
LI QUAN: O reino é derrotado por meio de astúcia e logo tomba.
DU MU: Ele enxerga a dinâmica potencial da situação, uma fraqueza no
acampamento inimigo, e aproveita a oportunidade. É como derrubar
uma árvore podre.
JIA LIN: Ele derrota o reino, mas não prejudica o povo. Quando o rei
Wu atacou Yin, o povo de Yin o aclamou como pai e mãe.
Ele busca a supremacia
 
Intacto sob
 
O céu,
 
Forças ainda
 
Ilesas,
 
A conquista
 
Completa.
 
Esse é o método do
 
Ataque estratégico.
CAO CAO: Sem enfrentar o inimigo em campo, ele atinge seus objetivos
com as forças intactas, conquista a vitória “sob o céu” e não sujeita
seus soldados ao sangue e à espada.
JOHN MINFORD: Essa premissa crucial do Mestre Sun forma um
paralelo forte com Nasir al-Din al-Tusi (1201-74), vizir de Hülegü, o cã
mongol responsável pelo saque de Bagdá em 1258: “Não é prudente
recorrer às armas se é possível dispersar e aniquilar o inimigo por
meio de ardis e estratagemas. Ardashir disse: ‘Não use um graveto
quando um chicote resolve, ou uma espada quando basta uma clava’.
A guerra deve ser a última opção. […] Para romper a união do inimigo
e dispersar suas tropas, não é repreensível o uso de ardis, engodos,
desinformação e mentiras, mas nunca será permitido o exercício de
atos traiçoeiros. Em qualquer guerra, as disposições mais importantes
são a manutenção do estado de alerta e o envio de espiões e
batedores” (citado em Chaliand, 1994, p. 445).
Na Guerra,
 
Se com dez diante
 
De um do inimigo,
 
Cerque-o;
DU MU: Um cerco é posicionar homens nos quatro lados, para que o
inimigo não possa escapar. O posicionamento tem de ser feito a certa
distância da cidade sitiada e deve ocupar um espaço considerável. Há
de se estabelecer uma guarda rigorosa e, sem um contingente grande,
fatalmente haverá lacunas. Por isso é preciso haver uma força dez
vezes maior.
ZHANG YU: Quando nossos homens estiverem em dez para um do
inimigo, cerque-o pelos quatro lados e o domine. Isso vale para
quando os dois lados estão equilibrados em todos os outros aspectos.
Porém, se somos fortes e o inimigo é fraco, não é necessário que haja
uma superioridade numérica tão grande antes de cercá-lo. Como disse
o Mestre Weiliao: “Ao defender, um homem é capaz de resistir a dez,
dez são capazes de resistir a cem, cem são capazes de resistir a mil”.
Em outras palavras, bastam cem para cercar dez. A ideia é a mesma.
AMIOT: Cerque totalmente o inimigo, para que ele não consiga escapar
nem receber quaisquer reforços.
Com cinco,
 
Ataque;
CAO CAO: Isso permite três manobras diretas e duas indiretas.
DU MU: Divida nossas forçasescola se disseminaram por entre os pensadores chineses,
alcançando tanto sucesso como a escola de Confúcio.
Outras escolas também foram importantes: Mozi (século V a.C.)
defendia um governo comunitário, que refutasse as tradições
ancestrais e privilegiasse uma relação igualitária entre as pessoas; a
Escola das Leis, de Shang Yang (século IV a.C.) defendia que o método
correto era a reconstrução do Estado por meio de leis eficazes, que
controlassem todas as atividades sociais e produtivas, centralizando o
poder e anulando as discordâncias políticas. A Harmonia seria
produzida, assim, de modo artificial, pois seria da natureza humana
criar regras e leis. Hanfeizi (século III a.C.), seguidor dessas teorias, foi
o principal articulador do projeto de Qin, que levou à reunificação em
221 a.C. No programa da Escola das Leis estava a ênfase nas
atividades militares, como principal meio de controle social e de
conquista de recursos. Isso os aproximou intimamente das obras dos
estrategistas, tais como Sun Tzu.
A ESCOLA DOS ESTRATEGISTAS
A estratégia era um assunto conhecido pela nobreza, mesmo antes do
Período dos Reinos Combatentes. Sun Tzu, por exemplo, cita o Livro
da guerra (Bingshu), atualmente perdido, que devia ser um manual
bem conhecido na época da dinastia Zhou. Todavia, é o
recrudescimento dos combates que dará um destaque crescente aos
estrategistas, e depois do século VI a.C. eles se tornam figuras
importantes nas cortes. Alguns desses pensadores produziriam seus
próprios livros, defendendo um novo método (Tao) para a resolução
dos conflitos: simplesmente vencer. Essa seria a marca principal dos
textos da Escola Militar (Bingjia); o sistema dos estrategistas buscava
estabelecer a supremacia, e, alcançando o poder, o governante poderia
definir suas prioridades e preferências.
Foram vários os textos e autores classificados como pertencentes a
essa escola: As seis lições secretas da guerra, de Taigong; o Livro de
Wuzi, de Wuzi; o Livro dos cavaleiros, de Sima Jiang; o Livro de Wei
Liaozi, de Wei Liaozi; e finalmente A lei da guerra (ou mais
usualmente A arte da guerra, em chinês Sun Tzu bingfa), de Sun Tzu, e
o Livro de Sunbin, que teria sido escrito por um descendente de Sun
Tzu como comentário à sua obra.
Todos esses textos tratavam de estratégia e foram razoavelmente
preservados até os nossos dias. No entanto, o que fez com que o livro
de Sun Tzu sobressaísse? Um olhar para os outros textos pode nos
indicar alguns pontos: em primeiro lugar, Sun Tzu não tenta propor
qualquer elemento para além da própria estratégia. Já no primeiro
capítulo, entre as cinco condições necessárias para prever o desfecho
de uma guerra, a primeira delas é o Tao — ou seja, como o
governante lida com seu povo, qual opção político-filosófica ele
escolheu. Ele não sugere nenhuma postura, apenas informa que um
governante, ou um general, deve ter regras para essa questão. Isso
fazia todo o sentido em um contexto no qual as políticas variavam de
estado para estado, e muitos governantes não viam com bons olhos a
interferência em seus modos de governar. Livros como o de Taigong
ou Sima Jiang eram cheios de conselhos morais e orientações
administrativas locais, o que tornava sua aceitação reduzida.
Em segundo lugar, o texto de Sun Tzu é simples, direto e eficaz,
como devem ser os comandos militares. Não há digressões, as
orientações são simples e podem ser memorizadas. O livro era perfeito
para a formação de oficiais e para a vulgarização entre os soldados.
Isso tornava A arte da guerra muito mais atraente do que seus
congêneres, que por vezes recorriam a uma linguagem rebuscada ou
indireta. Apenas o livro de Wuzi poderia ser comparado, em estrutura,
ao de Sun Tzu; mas é um texto muito mais sucinto e limitado, que não
cobria diversos aspectos analisados pela obra A arte da guerra. Com
isso, foi amplamente difundido como manual de instrução dos
exércitos, sobretudo em Qin. As sucessivas vitórias alcançadas
comprovaram a efetividade das propostas de Sun Tzu.
Depois da ascensão do império Qin em 221 a.C., a Escola dos
Estrategistas continuou a se desenvolver, encontrando uma
durabilidade notável no pensamento chinês; e, ao longo dos séculos,
novos especialistas surgiriam, acrescentando suas teorias e pontos de
vista ao método militar. No entanto, o livro de Sun Tzu continuou a
ser a maior e mais destacada expressão dessa linha de pensamento,
sendo considerada a referência fundamental em estratégia.
O LIVRO E SEUS COMENTARISTAS
Chega a ser estranho que, mesmo tendo alcançado tanto sucesso, A
arte da guerra tenha um autor quase desconhecido. Sabemos muito
pouco sobre Sun Tzu. Supostamente ele teria vivido entre 544 e 496
a.C., sendo contemporâneo de Confúcio; no entanto, o texto de A arte
da guerra torna isso inviável, pois citações como a do uso da balestra
— que só surge no século IV a.C. — indicam que o texto é mais
recente. A única biografia disponível sobre ele é um trecho sucinto no
capítulo 65 das Recordações históricas [Shiji] de Sima Qian. As
Primaveras e outonos dos estados de Wu e Yue [Wu Yue Chunqiu]
falam brevemente sobre ele, e nada mais.
Devido a uma ou outra citação esparsa, podemos dizer que Sun Tzu
parece mesmo ter existido, mas lembremos que essas indicações são
feitas séculos depois, e sua confiabilidade é precária. Por conta disso,
as mais diversas teorias sobre a autoria da obra foram cunhadas,
porém nenhuma delas foi relevante para os próprios chineses. Eles
simplesmente tratam Sun Tzu como alguém que existiu e sobre o qual
se sabe pouco; e isso em nada influenciou a apreciação que o livro teve
ao longo da história.
Para termos uma ideia da recepção do livro desde a China Antiga
até os nossos dias, podemos observar a questão dos comentaristas de
A arte da guerra. Um dos procedimentos mais comuns entre os
intelectuais chineses é o de comentar uma obra importante,
apresentando seus pontos de vista sobre determinadas questões. É
provável que esse sistema tenha surgido do hábito absolutamente
trivial de anotar os textos que lemos; contudo, alguns comentários
foram considerados tão elucidativos que, pouco a pouco, foram sendo
anexados à obra de Sun Tzu. Atualmente, A arte da guerra conta com
uma relação de onze comentaristas mais conhecidos, das mais diversas
épocas da história chinesa. É fascinante pensar que um comentarista
do século IV, por exemplo, poderia ser analisado e respondido por
outro pensador do século XII, mostrando um aspecto peculiar da
mentalidade chinesa: séculos depois, portanto, a discussão sobre uma
mesma passagem do texto continuava atual, envolvendo diferentes
contextos históricos e intelectuais das mais diversas escolas.
NO OCIDENTE
Em 1772, o jesuíta francês Jean Joseph Marie Amiot fez a primeira
tradução de A arte da guerra para uma língua ocidental. Amiot era
missionário na China e conhecedor profundo da língua chinesa. Ao
traduzir o livro, ele provavelmente escolheu o termo “arte” em lugar
de “lei” para fazer o livro dialogar com outras obras similares, como
o Compêndio militar de Flávio Vegécio (século IV d.C.), A arte da
guerra de Nicolau Maquiavel (1520) e Arte da guerra — ou apenas Da
guerra no original alemão — de Carl Clausewitz (1832). O livro
despertou um amplo interesse entre os pensadores e militares, e
recebeu mais algumas versões ao longo do século XIX. Em 1910, Lionel
Giles fez a tradução que seria considerada “padrão” em língua
inglesa, e sobre a qual John Minford fez a revisão que agora
apresentamos. Curiosamente, porém, a vulgarização do livro foi feita
por James Clavell — autor de novelas históricas asiáticas, como
Xógum e Tai-pan —, que em 1983 revisitou a obra de Giles e produziu
uma versão própria (e simplificada) do texto, alcançando um grande
público leigo.
Depois disso, sinólogos experientes como Ralph D. Sawyer (1994)10 e
Jean Levi (2000)11 fizeram excelentes traduções de A arte da guerra,
privilegiando pontos específicos de abordagem.em cinco partes. Use três dessas partes
para realizar um ataque e mantenha duas de prontidão para uma
ofensiva-surpresa contra uma abertura nas defesas do inimigo.
ZHANG YU: Quando nossos homens estiverem em cinco para um do
inimigo, poderemos surpreendê-lo na dianteira e atacar sua
retaguarda; avance desde o leste e acosse-o do oeste. Sem uma
superioridade de cinco para um, é impossível adotar esse plano [de
muitas frentes].
Com dois,
 
Divida.
CAO CAO: Quando nosso exército tiver o dobro do tamanho do
inimigo, use uma estratégia dupla: ataque direto por um lado, ataque-
surpresa por outro.
ZHANG YU: Divida nossas tropas em duas, usando metade para um
ataque frontal e outra para avançar contra a retaguarda do inimigo.
Se o inimigo reagir na frente, ataque a retaguarda; se ele reagir na
retaguarda, ataque na frente. É a isso que Cao Cao se refere com
estratégia dupla.
Se iguais,
 
Enfrente;
MEI YAOCHEN: Se as forças potenciais são iguais, combata.
ZHANG YU: Use subterfúgios; use direto como indireto, execute
variações infinitas, confunda o inimigo. Use todos os métodos de
surpresa para conquistar a vitória.
Se com menos,
 
Esconda;
LI QUAN: Se você for mais fraco do que o inimigo, fortaleça suas
defesas e não se exponha. Espere o ímpeto do inimigo relaxar para só
então fazer sua ofensiva. Foi isso que o general Tian Dan de Qi fez
durante o cerco em Jimo. Ele usou o estratagema dos touros em
chamas para destruir o exército de Yan.
DU MU: Se seus números forem menores, evite por um tempo a morte
do inimigo, espere uma abertura e então avance com espírito resoluto
e conquiste a vitória. Para isso é preciso ter paciência e autocontrole
diante das provocações do inimigo, algo de que o general Cao Jiu, de
Chu, não foi capaz no rio Si [quando, em 203 a.C., foi provocado pelas
forças de Han a agir de forma impetuosa e mandar seus homens
atravessarem o rio, onde foram mortos].
JIA LIN: Quando o inimigo é numeroso e você tem poucos homens,
mantenha suas formações longe dos olhos do inimigo. Enquanto isso,
prepare uma emboscada, confunda-o com subterfúgios e ardis; isso
também pode levar à vitória. Outra interpretação: esconda as
formações de suas tropas e mantenha o inimigo ignorante de seus
planos. Ele pode desconfiar de algum ardil e fugir por conta própria.
Se mais fraco,
 
Fuja.
ZHANG YU: Quando for mais fraco em todos os aspectos, em termos de
contingente, estratégia, moral, então o que se deve fazer é recuar e
esperar uma nova oportunidade.
MEI YAOCHEN: Quando o inimigo for numeroso e estivermos em pouca
quantidade, fuja; não combata.
Uma força pequena
 
Que luta obstinada
 
Será capturada
 
Por força maior.
DU MU: Uma relutância contumaz a recuar ou fugir resultará em
captura.
MENG: Uma força pequena não é capaz de resistir a uma grande. Isso
significa que, se um reino pequeno não fizer uma avaliação adequada
das próprias forças e se atrever a enfrentar uma maior, acabará,
independentemente das medidas defensivas adotadas, sujeitando-se à
captura. Como se diz no Chunqiu: “Não puderam ser fortes nem
souberam ser fracos, então foram derrotados”.
LI QUAN: Se um exército pequeno não sabe avaliar a própria força e
insiste em lutar, com certeza será capturado por um maior. Quando o
comandante Li Ling de Han enviou sua infantaria de 5 mil homens
para enfrentar uma força de 100 mil xiongnu, ele foi aniquilado.
GILES: Em outras palavras: “C’est magnifique; mais ce n’est pas la
guerre” [famoso comentário do marechal Bosquet sobre a Carga da
Brigada Ligeira, em 1854].
O general sustenta
 
A nação.
Quando é firme
 
A nação é forte.
Quando é incerto,
 
A nação é fraca.
JIA LIN: Quando o general é um amparo sólido para o soberano, a
nação é forte; quando há sequer uma mínima divisão entre general e
soberano, a nação é fraca.
JOHN MINFORD: Como seria de esperar, Guo Huaruo (1984, p. 107)
comenta: “Essa ênfase indevida na importância do comandante
individual não condiz com o materialismo dialético”. O duque de
Wellington discordava: “Eu dizia que a presença de Napoleão no
campo de batalha fazia a diferença de 40 mil homens” (Stanhope,
Notes of Conversations with the Duke of Wellington, 1831-1851, p. 9,
citado por Giles).
Um líder pode condenar
 
Seus homens
 
De três formas:
 
Dar ordem de
 
Avanço ou
 
Retirada
 
Na hora errada
 
É
 
Tolher o exército;
LI QUAN: A ignorância quanto ao momento de avançar ou recuar leva à
derrota certa. É como tentar amarrar as pernas de um puro-sangue; ele
não conseguirá galopar.
JIA LIN: A decisão de avançar ou recuar deve ser tomada pelo general
com flexibilidade, em resposta a uma situação que pode mudar. Nada
é mais desastroso do que o soberano enviar ordens desde a segurança
da corte. Como disse o Duque Ancestral, “a nação não pode ser
governada do campo de batalha; nem a guerra pode ser dirigida da
corte”.
WANG XI: Para se livrar desse infortúnio nocivo, ao general devem ser
concedidos poderes irrestritos, e por isso é ainda mais importante que
se indique um general ao mesmo tempo leal e talentoso.
Interferência ignorante
 
Em decisões militares
 
Confunde
 
Oficiais e homens;
CAO CAO: O militar e o civil são esferas distintas; não se pode dirigir
um exército em termos de ritual.
ZHANG YU: Compaixão e justiça são os princípios que devem reger o
governo de um reino, mas não de um exército; flexibilidade tática é
antes uma virtude militar do que civil. Há de ser assim.
Influência ignorante
 
Em atribuições militares
 
Perturba
 
Oficiais e homens.
MEI YAOCHEN: Definir atribuições sem conhecer a arte da estratégia
causa perturbação.
GILES: Isto é, o soberano não toma o cuidado de usar o homem certo
no lugar certo.
Se o exército está confuso e perturbado,
 
Os príncipes feudais
 
Criam problema;
Daí se espalha
Caos nas fileiras
 
E se perde a
 
Vitória.
MEI YAOCHEN: Nós mesmos criamos o caos; nós mesmos entregamos a
vitória.
Há Cinco Exigências
 
Para a vitória:
Saber o momento de lutar
 
E o de não lutar;
ZHANG YU: Se for possível lutar, avance e parta para a ofensiva; se não
for, recue e se mantenha na defensiva. Aquele que sabe determinar o
curso adequado, ofensivo ou defensivo, invariavelmente sairá
vitorioso.
DU MU: É o mesmo que o “conhece a ti mesmo” e “conhece o inimigo”
que o Mestre Sun aborda depois.
MENG: A vitória decorre de uma correta avaliação do inimigo, da
análise de suas forças e fraquezas.
Entender o uso
 
De grandes e pequenos
 
Contingentes;
ZHANG YU: Segundo a Arte da Guerra, uma força menor é capaz de
derrotar uma maior, e vice-versa. O segredo é realizar as avaliações
adequadas e não permitir que o momento certo se perca.
Ter oficiais e homens de
 
Uma mesma vontade;
Estar pronto
 
Para o inesperado;
Ter um general capaz,
 
Sem o estorvo do soberano.
DU YOU: Um General Hábil, versado em estratégia militar, deve contar
com plena liberdade de seu soberano. Como disse o Mestre Wang, “o
soberano dá instruções vagas, e o general toma decisões de batalha”.
GILES: Grande parte do sucesso extraordinário de Napoleão
definitivamente se devia ao fato de que ele não sofria quaisquer
restrições de uma autoridade central — que, na realidade, ele era ao
mesmo tempo general e soberano.
Essas cinco
 
Dão o caminho da
 
Vitória.
Daí o ditado
 
“Conhece o inimigo,
 
Conhece a ti mesmo,
 
E a vitória
 
Será sempre certa,
 
Mesmo em cem batalhas.”
ZHANG YU: Essas palavras decerto se referem tanto ao ataque quanto à
defesa. Ao conhecer o inimigo, é possível realizar uma ofensiva
adequada; ao conhecer a si mesmo, é possível adotar uma estratégia
defensiva adequada. O segredo da defesa é o ataque; o planejamento
do ataque é defesa. Se souber disso, você jamais fracassará, mesmo em
cem batalhas.
TAO TE CHING, capítulo 33: Conhecer os outros é sabedoria,
compreender a si mesmo é iluminação. A conquista de outros
demanda força; a conquista de si mesmo demonstra poder.
JOHN MINFORD: O historiadorgrego Políbio disse o seguinte de Aníbal:
“É mera ignorância cega a crença de que possa haver algo mais
importante para um general do que o conhecimento acerca do caráter
e da disposição do oponente” (The Histories, citado por Chaliand, p.
113).
Essa máxima, uma das mais famosas do Mestre Sun, foi endossada
por Mao Tsé-tung: “Esse ditado do Mestre Sun, o grande pensador
militar chinês da Antiguidade, inclui [no conhecimento] as etapas de
conhecimento teórico e prático; inclui o respeito às leis do
desenvolvimento da prática objetiva, e o processo de se determinar as
próprias ações em conformidade com essas leis, de modo a superar o
inimigo atual. Não havemos de subestimar [a sabedoria desse] ditado”
(Selected Works, p. 166).
Aquele que conhece a si
 
Mas não ao inimigo
 
Sofrerá uma derrota
 
Para cada vitória.
LI QUAN: Se o general conhece a própria força, mas não avaliou
corretamente o inimigo, a vitória não é garantida. Fu Jian, o príncipe
de Qin, liderou em 383 d.C. um exército de 1 milhão de soldados rumo
ao sul para enfrentar as forças de Jin. Alguém comentou que Jin
contava com homens do nível de Xie Na e Huan Chong, e que ele não
devia subestimá-los. A isso, Fu Jian respondeu: “Tenho o poderio
reunido de oito províncias em meu exército, 1 milhão de cavalos e
homens. Eles seriam capazes de obstruir o próprio rio Yangtzé só de
lançar seus açoites na água. O que tenho a temer?”. Mais tarde, ele
sofreu uma séria derrota.
Aquele que não conhece
 
A si
 
E ao inimigo,
 
Fracassará
 
Em toda batalha.
* Giles se remete à Guerra Russo-Japonesa, de 1904-5, primeira vitória na era moderna de
um país asiático sobre um império “ocidental”. Apesar das inúmeras perdas, os japoneses
venceram a batalha, realizando um feito até então considerado “impossível” pelos países
europeus. (N. E.)
4
 
Formas e disposições
CAO CAO: Disposições militares. Marcha e contramarcha, cada exército
investido em descobrir a condição do outro.
DU MU: É pelas disposições exteriores [formas] que se pode descobrir a
condição verdadeira de um exército. Se você for “amorfo” [suas
disposições não forem visíveis], sua condição verdadeira permanecerá
em segredo. Quando suas disposições forem reveladas, sua condição
verdadeira será evidente. O segredo produz a vitória; o evidente, a
derrota.
WANG XI: O Guerreiro Hábil pode obter a vitória se adaptar suas
disposições às do inimigo.
ZHANG YU: Este capítulo se refere à disposição dos dois exércitos, no
ataque e na defesa. Se as próprias disposições permanecerem ocultas, o
inimigo não as conhecerá. Quando forem visíveis, o inimigo poderá
explorar qualquer mínima fresta ou oportunidade. Como as
disposições se tornam perceptíveis no ataque e na defesa, este capítulo
se segue ao que trata de “Ofensiva estratégica”.
JOHN MINFORD: A palavra usada no título deste capítulo — xing — tem
o sentido fundamental de “forma, formato, aparência” e é usada na
terminologia tradicional da geomancia chinesa (feng shui) para se
referir às configurações da terra, às maneiras como as formas da terra,
os montes e rios, revelam e expressam a dinâmica subjacente (shi).
Aqui, o termo se refere às formações e posições militares que revelam
também a força ou fraqueza subjacente de um exército. Mas, no
raciocínio estratégico do Mestre Sun, as insinuações filosóficas de
forma [isto é, as disposições militares] são mais sutis do que as
apresentadas por um estrategista mais mecânico como Clausewitz
(1780-1831). Em certos momentos, o Mestre Sun possui um toque
taoista inconfundível. O leitor há de se lembrar da noção taoista
fundamental de “não ação” (wuwei), de interferência mínima e
espontaneidade máxima, pela qual a situação se sairá “bem na medida
em que as pessoas estejam cientes de suas próprias circunstâncias e das
dos outros” (Angus Graham, Disputes of the Tao [La Salle, IL: Open
Court, 1989], p. 233). “O maior escultor é o que menos corta” (Tao Te
Ching, capítulo 28). “O Caminho constantemente não faz nada, mas
não há nada que ele não faça” (capítulo 37). “Se eu não fizer nada, por
si só as pessoas se transformam” (capítulo 57). Em certos momentos, o
Guerreiro Hábil parece o sábio taoista quase invisível. No capítulo 6,
por exemplo, somos lembrados de que “O epítome das disposições é
não ter forma; ausência de forma é imune à visão do mais sutil espião
e às maquinações da mais sábia mente”.
Disse o Mestre Sun:
Outrora,
 
O Guerreiro Hábil
 
Garantia antes
 
Invulnerabilidade
 
Para si;
ZHANG YU: Em outras palavras, ele conhecia a si mesmo.
Depois esperava
 
A vulnerabilidade
 
Do inimigo.
ZHANG YU: Ele conhecia o inimigo.
MEI YAOCHEN: Escondia as disposições no interior e esperava as
fraquezas ou os lapsos do outro.
JOHN MINFORD: Ao longo deste trecho, as palavras traduzidas como
“invulnerabilidade” e “vulnerabilidade” (bukesheng, literalmente
“imbatível”, e kesheng, “batível”) podem ser interpretadas de forma
mais geral como “força” e “fraqueza”.
Invulnerabilidade cabe
 
A si;
 
Vulnerabilidade,
 
Ao inimigo.
CAO CAO: Deve-se cultivar a si mesmo e esperar um lapso do inimigo.
O Guerreiro Hábil
 
Pode obter
 
Invulnerabilidade
 
Para si mesmo;
ZHANG YU: Ele pode realizar isso se ocultar a disposição de suas tropas,
disfarçar seus rastros e tomar precauções rigorosas. Isso tudo faz parte
de sua esfera de ação.
Mas jamais criará
 
A vulnerabilidade
 
Do inimigo.
DU MU: Se meu inimigo não apresenta qualquer disposição visível, ou
lapso que possa ser aproveitado, então, mesmo se eu tiver aprimorado
à perfeição todos os instrumentos para a vitória, como posso derrotá-
lo?
Daí o ditado
 
“Pode-se conhecer
 
A vitória
 
E ainda não alcançá-la.”
DU MU: Só o que posso saber é se minha força basta para derrotar o
inimigo. Não posso fazer o inimigo relaxar e me proporcionar a
abertura necessária para a vitória.
DU YOU: Isso acontece porque o inimigo tomou precauções. Se eu
puder avaliar corretamente o inimigo e observar suas disposições, a
vitória será conhecida. Mas, se o inimigo for discreto e mantiver as
disposições invisíveis, não poderei obrigá-lo a ser derrotado. Daí o
ditado de Fan Li: “Se o tempo não convém, não se pode forçar as
circunstâncias; se o assunto não está pronto, não se pode acelerar sua
conclusão”.
Invulnerabilidade é
 
Defesa;
CAO CAO: É questão de se manterem ocultas as disposições.
DU MU: Se não fui capaz de observar as disposições e a vulnerabilidade
do inimigo, pelo menos posso ocultar minhas próprias disposições;
posso manter minha própria invulnerabilidade e me defender.
MEI YAOCHEN: É questão de esperar.
Vulnerabilidade é
 
Ataque.
CAO CAO: Se o inimigo me ataca, ele se torna vulnerável.
DU MU: Quando o inimigo revelar uma disposição vulnerável, saia e
ataque.
MEI YAOCHEN: É questão de identificar o lapso.
Defesa implica
 
Carência;
 
Ataque implica
 
Abundância.
CAO CAO: Defendo porque careço de força. Ataco porque tenho
abundância de força.
Um Defensor Hábil
 
Se oculta
 
Sob as Nove Terras;
CAO CAO: Tira proveito da proteção de montanhas, rios e outras
formações naturais.
DU YOU: O Defensor Hábil precisa tirar proveito das obstruções
causadas por montanhas e rios e morros menores, de modo que o
inimigo não saiba onde atacar. Ele se oculta em segredo “sob as Nove
Terras”.
Um Atacante Hábil
 
Se move
 
Sobre os Nove Céus.
CAO CAO: Tira proveito das variações no clima.
DU YOU: O Atacante Hábil precisa tirar proveito das transformações
do clima e do terreno, usando enchentes e o fogo conforme a situação
exigir, de modo que o inimigo não saiba onde se preparar. Ele se
movimenta como um raio “sobre os Nove Céus”.
E assim obtém
 
Proteção
E vitória
 
Intacto.
Prever
 
A vitória simples
 
Do homem comum
 
Não é habilidade.
CAO CAO: É preciso enxergar as origens mais sutis.
LI QUAN: A previsão de uma vitória simples não é indicativo de
habilidade. Quando o general Han Xin destruiu o reino de Zhao [uma
vitória realmenteextraordinária], ele atravessou o desfiladeiro de
Jingxing antes do desjejum e anunciou a seus homens: “Faremos um
banquete depois de destruir Zhao”. Seus generais ficaram em choque,
mas balbuciaram um consentimento apático. Han dispôs seus homens
de costas para o rio [uma posição “letal” e evidente contradição das
normas táticas], e, quando os homens de Zhao viram essa formação
desde as muralhas da cidade, todos se dobraram de rir, dizendo que
Han Xin não entendia nada de guerra. Mas ele logo derrotou Zhao
[por meio de um estratagema sutil], e seus homens se banquetearam.
Isso aconteceu porque o general Han teve visão para além do homem
comum.
JOHN MINFORD: Esse episódio, muito apreciado pelos comentaristas, é
relatado de forma muito mais detalhada no final do capítulo 11.
Obter vitória em batalha
 
E receber elogios
 
Pela habilidade
 
Não é
 
Habilidade.
CAO CAO: É só vitória.
LI QUAN: A vitória em um combate graças à força é muito visível, mas
não marca de habilidade.
DU MU: Aclamada pelo “homem comum” já mencionado. Essa vitória é
a que aniquila um exército e elimina os generais. Meu entendimento
de habilidade tem a ver com planejamento sutil, movimentos secretos,
a “mente” do inimigo como alvo, estratégia de ataque — uma vitória
sem sangue.
JIA LIN: Defesa sólida, ataque decisivo, proteção intacta de si mesmo,
percepção nítida da vitória e da derrota antes que qualquer uma
aconteça — esses são os sinais de um genuíno iniciado nas artes
militares, um guerreiro de verdadeira sutileza e perspicácia. Isso é
muito superior à vitória simples do homem comum.
TAO TE CHING, capítulo 22: Portanto, o Sábio aceita a Unidade e faz
dela a Medida de Tudo Sob o Céu. Ele não se exibe, e é visto; ele não
se declara, e é manifesto; ele não se gaba, e assim atinge o sucesso; ele
não se orgulha, e assim se torna o líder. É porque ele não resiste que
ninguém Sob o Céu pode resistir a ele.
Erguer pelagem de outono
 
Não é
 
Força;
ZHANG YU: A pelagem da lebre, mais fina (e leve) no outono.
Ver sol e lua
 
Não é
 
Percepção;
Ouvir trovões
 
Não é
 
Audição aguçada.
ZHANG YU: Todo mundo é capaz desses feitos. Eles sugerem a vitória
simples do homem comum.
HE YANXI: Essas são realizações simples do homem comum. Wu Huo
conseguia erguer um tripé de mil jin [um jin correspondente a cerca de
quinhentos gramas] — isso era força; Li Zhu conseguia distinguir
objetos do tamanho de um grão de mostarda a cem passos de
distância — isso era percepção; Shi Kuang, o Músico Cego, conseguia
escutar os movimentos de um mosquito ou uma formiga — isso era
audição.
LI QUAN: O general realmente sábio e capaz é intensamente
inescrutável, imerso em seus estratagemas. Como disse o Mestre Sun
[capítulo 7], ele é “inescrutável como a noite”.
O Guerreiro Hábil de outrora
 
Conquistava
 
Vitórias fáceis.
CAO CAO: A vitória fácil consiste em sutilezas, em ataques ao
vulnerável, não ao invulnerável.
MEI YAOCHEN: Enxergar o óbvio resulta em uma vitória difícil;
enxergar o sutil resulta em uma vitória fácil.
TAO TE CHING, capítulo 63: Ele [o Caminho] age sem ação, faz sem
feito, encontra sabor no insípido. Ele faz do pequeno, grande, e dos
poucos, muitos. […] Enfrenta o difícil no fácil, o grande no pequeno.
As questões difíceis do império são abordadas quando são fáceis; as
questões grandiosas do império são abordadas quando são pequenas.
Assim, o Sábio nunca realiza ações grandes, mas sempre consegue ser
grande.
As vitórias
 
Do Guerreiro Hábil
 
Não são
 
Extraordinárias;
JOHN MINFORD: As palavras “não são extraordinárias” não aparecem
no texto tradicional, mas estão nas Tiras de Bambu. Ver Wu (1990, p.
59).
Não dão
 
Fama pela sabedoria
 
Nem mérito pela bravura.
DU MU: Suas vitórias se baseiam na percepção das “origens mais sutis”,
então o mundo em geral nada sabe delas, e elas não conferem fama
pela sabedoria. O inimigo se rende, a vitória é conquistada sem
derramamento de sangue, e o general vitorioso não recebe crédito
algum por sua bravura.
TAO TE CHING, capítulo 17: Os [estadistas, sábios] mais elevados foram
aqueles de quem nada se sabia. […] A tarefa era cumprida, e o povo
comum considerava que ela tinha se realizado por conta própria.
TAO TE CHING, capítulo 20: O mundo está cheio de luzentes; só eu sou
escuro…
Suas vitórias
 
São
 
Perfeitas;
CHEN HAO: Ele não planeja gestos supérfluos, não formula estratégias
fúteis.
ZHANG YU: Aquele que conquista pela força bruta, por mais hábil que
seja, é também passível de derrotas ocasionais; já aquele que é capaz
de enxergar o que não é visto e distinguir condições ainda não
manifestas será vitorioso sempre. Sua vitória não terá qualquer
imperfeição.
Sua vitória é
 
Perfeita
 
Porque é
 
Inevitável;
Ele derrota
 
Um inimigo já derrotado.
ZHANG YU: Suas vitórias são perfeitas porque ele detecta as disposições
inevitáveis da derrota dentro do acampamento inimigo antes de
posicionar suas próprias tropas.
O Guerreiro Hábil
 
Se posiciona
 
Em solo invulnerável;
 
Não perde qualquer chance
 
De derrotar o inimigo.
DU MU: Solo invulnerável é estratégia invulnerável, uma estratégia que
nega ao inimigo qualquer possibilidade ínfima de vitória. Não
permitir qualquer possibilidade é vigiar atentamente todas as mínimas
falhas na guarda do inimigo, sem deixar passar nem mesmo a
oportunidade mais insignificante.
O exército vitorioso
 
Chega à vitória antes
 
E busca a batalha depois;
 
O exército derrotado
 
Vai à batalha antes
 
E busca a vitória depois.
DU MU: Como disse o Mestre Guan: “As estações do Céu, as vantagens
da Terra, a contagem de soldados, todos esses elementos devem fazer
parte dos planos”. Um planejamento cuidadoso deve vir antes de
qualquer envio de tropas para além das fronteiras.
HE YANXI: Na guerra, antes prepare os planos que garantirão a vitória
e só depois leve seu exército à batalha; se você não tiver estratagema e
contar apenas com força bruta, a vitória não será nada certa.
O Estrategista Hábil
 
Cultiva
 
O Caminho
 
E preserva
 
A lei;
 
E assim tem domínio
 
Sobre vitória e derrota.
DU MU: O Caminho é o da compaixão e justiça; a lei é a soma das
normas de organização militar.
ZHANG YU: Ele cultiva o Caminho da Guerra; preserva a lei da
dominação do inimigo. E assim ele garante a vitória.
JOHN MINFORD: Esta é uma das evocações frequentes que o Mestre Sun
faz do Iniciado Guerreiro. A sabedoria da Arte da Guerra era uma
habilidade mental que podia ser formulada verbalmente e ensinada.
Os estrategistas transmitiam e ensinavam uma “sabedoria esotérica
que expressava traços divinos inerentes no cosmo” (Lewis, 1990, p. 98),
e era o domínio que o Iniciado Guerreiro tinha dessa “guerra da
mente” que lhe permitia levar seu exército à vitória (Lewis, p. 104).
Na Guerra,
 
Existem Cinco Passos:
Medição,
JIA LIN: Do terreno.
Estimativa,
JIA LIN: Da força numérica e do abastecimento de grãos.
Cálculo,
JIA LIN: Em termos numéricos. Muitos ao contrário de poucos, fortes
ao contrário de fracos.
Comparação,
JIA LIN: Tendo calculado os números e determinado o peso e a
habilidade relativa de ambos os lados.
WANG XI: Pesando-os com uma balança de bastão.
JOHN MINFORD: A palavra cheng se refere ao dispositivo chinês de
“bastão de aço suspenso com extremidades desiguais”.
Vitória.
ZHANG YU: Aqui se refere à [provável vitória por se ter uma] disposição
adequada no acampamento e em formações de batalha. Como disse o
duque Li: “Treinar um exército é como dispor peças em um tabuleiro
de Go. Sem um curso estabelecido, como é possível posicionar os
homens?”.
Terra determina
 
Medição;
CAO CAO: Fazemos medições de acordo com a forma externa [xing] e a
energia dinâmica [shi] da terra [terreno].
Medição determina
 
Estimativa;
DU MU: Depois da medição adequada da terra [terreno], podemos
estimar a força relativa do inimigo.
Estimativa determina
 
Cálculo;
DU MU: Cálculo da maneira mais estratégica de aproveitaroportunidades.
Cálculo determina
 
Comparação;
DU MU: Comparação das probabilidades relativas para nós e para o
inimigo.
Comparação determina
 
Vitória.
DU MU: Quando fizermos a comparação, a vitória ficará clara.
TAO TE CHING, capítulo 25: O homem se fundamenta pela terra; a terra
se fundamenta pelo céu; o céu se fundamenta pelo Tao; o Tao se
fundamenta pela natureza.
JOHN MINFORD: Joseph Needham (1994, p. 47) destaca que esse trecho
(que ele acredita que possa ser citação de um texto muito antigo, mais
do que A arte da guerra do Mestre Sun) “não chegou a ser plenamente
compreendido e sempre intrigou os comentaristas”. Ele mesmo o
interpretou da seguinte forma: “Pelo princípio da guerra, a primeira
medida é Distância, a segunda é Volume, a terceira é Número, a
quarta é Peso, a quinta é Vitória…”. Ou, em paráfrase: “O território
determina distâncias e delimitações físicas [minha ‘medição’], e estas
determinam a força necessária para um exército [‘estimativa’], porque
existem áreas potencialmente fortes e fracas que indicam a quantidade
de soldados que devem ser usados em lugares específicos. A
distribuição dos soldados determina o poderio a ser concentrado em
qualquer lugar específico [‘cálculo’], e isso, por sua vez, afeta o
equilíbrio de poder [‘comparação’]; este último fator é o que
determina a vitória”.
Um exército vitorioso
 
É um tijolo no prato
 
Da balança contra
 
Um grão;
Um exército derrotado
 
É um grão
 
Na balança contra
 
Um tijolo no prato.
Um exército vitorioso
 
É como
 
Uma catarata
 
Que se arroja
 
Por uma vastidão
 
Sem fim.
Isso é tudo
 
Questão de
 
Formas e
 
Disposições.
ZHANG YU: Pela própria natureza, a água evita partes altas e corre para
as baixas. Quando uma barragem se rompe, a água desce com força
irresistível. Ora, as formas e disposições de um exército se assemelham
às da água. Tire proveito do despreparo do inimigo; ataque-o quando
ele menos espera; evite suas forças e avance contra suas fraquezas.
Assim, você será como a água, e nada poderá impedi-lo.
5
 
Energia potencial
CAO CAO: Na guerra, conte com a energia potencial da situação.
WANG XI: Isso se refere às permutações de energia potencial
acumulada. O Guerreiro Hábil, ao utilizar energia potencial para
alcançar a vitória, jamais exaure a própria força.
JOHN MINFORD: A palavra usada no título deste capítulo — shi —
constitui o âmago de A arte da guerra. Já tratei disso em minha
Introdução. O termo significa literalmente “situação”, portanto a
energia ou dinâmica inerente de uma situação ou um momento
específico (para o bem ou para o mal), a força ou fraqueza de um local
(em termos de feng shui, ou geomancia chinesa). Mas a palavra
também é usada em diversos contextos: é o termo para as posições
sexuais descritas nos guias de sexo chineses (o título do capítulo 2 de
Su nu miao lun, por exemplo, é “As nove posições [ou shi]”); para as
linhas de força nos contornos de uma paisagem (que revelam ao olho
do pintor, em um nível mais profundo do que as formas externas, a
energia interna da paisagem); para a força inerente das pinceladas na
caligrafia chinesa; para a tendência ou o estilo em uma obra literária
(o título do capítulo 30 de Wen Xin Diao Long é “Formação de um
estilo [ou shi]”). No contexto de A arte da guerra, a palavra remete à
energia potencial, ou vantagem estratégica, em determinada
configuração de espaço e tempo. A partir daí, passa a significar o
poderio ou a influência resultante de um indivíduo ou grupo e,
portanto, em um contexto estritamente militar, “o poder conferido a
um exército pelas circunstâncias da campanha” (Lewis, 1990, p. 117).
Como o grande sinólogo francês Marcel Granet expressou em seu
primoroso La Pensée chinoise (nova edição, Paris: Albin Michel, 1988,
p. 351 [ed. bras.: O pensamento chinês. Rio de Janeiro: Contraponto,
1997]): “As diversas situações e condições de tempo e espaço contêm,
em si mesmas, oportunidades latentes cuja influência e poder devemos
nos permitir a capacidade de explorar se quisermos tirar o máximo
proveito de tudo o que o destino nos proporciona”. Esse frágil
equilíbrio entre ação e não ação, entre a sensibilidade aos sinais do
que é e a disposição a agir de acordo, expressa uma dicotomia
fundamental subjacente a grande parte do pensamento na China
Antiga sobre o tratamento de assuntos humanos em geral, seja na
esfera militar, civil ou pessoal, seja pela perspectiva filosófica do
taoismo, do confucianismo ou de alguma outra linha “independente”
da filosofia chinesa. Sua primeira expressão ocorre no monumental
repositório de pensamento chinês que é O livro das mutações, que
parte justamente da premissa de que é possível enxergar
transformações potenciais antes que elas ocorram, captar as
configurações sutis de Yin e Yang e assim nos sintonizarmos às
energias que atuam no mundo à nossa volta. “Disse o Mestre:
‘Conhecer as sementes [os mananciais ou o mecanismo de
oportunidade] é mesmo divino. […] As sementes são o início, o
imperceptível princípio de movimento, o primeiro sinal de sorte ou
infortúnio a se revelar. O indivíduo superior percebe a semente e age
imediatamente. Ele não espera um dia sequer’” (Lewis, p. 119, citando
o Grande Tratado a partir da versão de Wilhelm; Baynes, 3. ed.
revista, 1994, p. 342).
Referindo-se aos líderes guerreiros durante o caótico Período dos
Reinos Combatentes em que o Mestre Sun viveu, Granet acrescenta:
“Eles viviam em um estado de constante expectativa revolucionária.
Estavam se preparando para ocupar o trono do Filho do Céu, ou seja,
para impor uma nova ordem civilizatória. Assim, qualquer
transformação mínima poderia ser uma transformação total; e o ato
de aproveitar qualquer sinal mínimo de transformação seria o mesmo
que aproveitar a oportunidade de realizar uma transformação total”
(p. 351).
Disse o Mestre Sun:
Gerir muitos
 
É o mesmo
 
Que gerir poucos;
 
É uma questão de
 
Divisão.
DU MU/GILES: Isso é possível mediante a organização de regimentos e a
delegação cuidadosa de autoridade e responsabilidade. Dessa forma,
só alguns homens se encontram sob meu comando direto. O Primeiro
Imperador de Han disse, certa vez, a seu general Han Xin: “Você
acredita que eu poderia liderar um exército de que tamanho?”. Han
Xin então lhe respondeu: “Não mais do que 100 mil homens,
Majestade”. “E você?”, perguntou o imperador. “Quanto mais,
melhor”, disse Han Xin.
Lutar com muitos
 
É o mesmo
Que lutar com poucos;
 
É uma questão de
 
Sinalizar às tropas
 
A formação,
 
Usar bandeiras
 
De identificação.
ZHANG YU: Quando se mobilizam muitos soldados e as distâncias entre
eles são vastas, eles não têm como se ver ou se ouvir; com o uso de
gongos para sinalizar retiradas e bandeiras para sinalizar ataques, os
valentes não avançam isolados, e os medrosos não acabam recuando
sozinhos. [Compare com o capítulo 7.]
Combinando-se
 
Direto e
 
Indireto,
 
Um exército
 
Pode rechaçar o inimigo
 
Intacto.
CAO CAO: Ir à batalha pela frente é direto; aparecer pela retaguarda é
indireto.
LI QUAN: O confronto é direto; excursões laterais são indiretas. Sem
táticas indiretas [ou contingentes de surpresa], a vitória é impossível.
JIA LIN: Quando diante do inimigo, use formações diretas; mas reaja
com táticas indiretas [ou contingentes de surpresa] nos flancos e na
frente e na retaguarda, e assim a vitória será uma certeza.
HE YANXI: São infinitamente variadas as configurações das tropas;
todas apresentam potencial para ser direta ou indireta. […] Desde que
o inimigo encare nossas táticas diretas como indiretas e nossas táticas
indiretas como diretas, o direto se torna indireto e o indireto, direto.
Quando o general Han Xin posicionou seus homens de costas para o
rio e ao mesmo tempo mandou uma tropa de surpresa contornar a
colina, capturar os estandartes de Zhao e destruir o reino, ele usou os
dois tipos de tática — direta (de costas para o rio) e indireta (em volta
da colina).O mesmo general reuniu suas tropas diante da cidade de
Linjin, simulando um ataque frontal, e simultaneamente lançou um
ataque-surpresa, com canoas de madeira, a partir de Xiayang, e assim
capturou o rei de Wei. A formação frontal em Linjin foi tática direta, e
o ataque via Xiayang, indireta. A combinação de direto e indireto é o
segredo da vitória. [Comparar com Shiji, capítulo 167; Hanshu,
capítulo 34.]
ZHANG YU: São diversos os entendimentos quanto ao que significam
direto e indireto. O Mestre Weiliao disse que as táticas diretas
privilegiam ataques frontais, enquanto táticas indiretas favorecem
ataques contra a retaguarda. Era a mesma opinião de Cao Cao. O
duque Li pensava de modo semelhante. Todos esses eruditos tratavam
o direto e o indireto como ideias separadas e não percebiam que os
dois são interligados, mesclam-se e se transformam um no outro. O
imperador Taizong, da dinastia Tang, foi a única pessoa a
compreender isso: “Transforme uma manobra indireta em uma direta
fazendo com que o inimigo a perceba como direta; assim, um ataque
frontal se torna indireto. E vice-versa. O segredo é confundir
totalmente o inimigo, para que ele não consiga vislumbrar nossas
intenções”.
GILES: Para dizer em termos um pouco mais claros, talvez: qualquer
ofensiva ou operação é “direta” se o inimigo estiver com a atenção
concentrada nela; por sua vez, a “indireta” o pega de surpresa ou
surge de um lado inesperado. Se o inimigo percebe uma movimentação
que se pretendia “indireta”, ela imediatamente se torna “direta”.
JOHN MINFORD: Esta é a primeira ocorrência, em A arte da guerra, do
par de termos zheng e qi, “direto” e “indireto”, tão cruciais para as
ideias de estratégia do Mestre Sun. Eles também poderiam ser
traduzidos como “ortodoxo” e “heterodoxo”, “regular” e
“irregular”, “franco” e “surpresa”, “explícito” e “encoberto”. O
Mestre Sun está fazendo referência à complementaridade entre o
ataque fixo e a manobra flexível. Como disse o general Sam Griffith
(pp. 34-5): “Nascia a ciência (ou arte) das táticas. O inimigo,
confrontado pela força zheng (ortodoxa), era derrotado pela força, ou
forças, qi (heterodoxa, peculiar, rara, maravilhosa); o método normal
era um esforço de fixação pelo zheng enquanto grupos qi atacavam os
flancos e a retaguarda. A distração adquiriu grande importância, e as
comunicações do inimigo se tornaram um alvo primário”. O tradutor
francês Jean Levi (pp. 177-8), assim como He Yanxi, ilustra o caso com
um dos episódios de Han Xin, refletindo sobre a questão com típico
gênio e humor francês: “O general Han Xin, ao fazer reparos nas
pontes suspensas entre Chang’an e Sichuan, convenceu o inimigo de
que havia escolhido essa rota (normalmente ‘indireta’) e, assim, fê-lo
acreditar que seria sua operação ‘direta’ e se preparar para recebê-la.
Ao mesmo tempo, o general na realidade estava planejando um ataque
a partir de Chencang, e essa rota (que poderia ter sido perfeitamente
‘normal’) se tornou seu ataque de ‘surpresa’. […] Quando o ataque
frontal é a norma, um ataque nos flancos se torna a exceção; quando
o ataque nos flancos é a norma, o ataque frontal se torna a exceção.
Tanto a norma quanto a exceção dependem da expectativa do
adversário. É com base no que o outro espera que as decisões devem
ser tomadas, e assim ele será surpreendido com a guarda abaixada.
Precisamos sempre estar um passo à frente do oponente e especular o
que ele está pensando sobre nossos planos, para usar seus cálculos
contra ele próprio. Essa dialética de ‘direto’ e ‘indireto’ nos deixa
frente a frente com as infinitas modalidades do paradoxo do
mentiroso. Às vezes, um excesso de ‘maquinações’ pode levar a erros,
enquanto a total falta de ‘maquinações’ é o ápice da ‘maquinação’. Se
um lado maquina contra um inimigo que não faz maquinação alguma,
ele pode acabar sofrendo por sua própria astúcia, se supor, sem razão,
que o oponente maquinava. E assim a sutileza e a estupidez se tornam
um só. Portanto, compreende-se por que certos generais, no desespero,
decidiram consultar O livro das mutações antes de tomar alguma
decisão” (Tradução minha).
Compreendendo o que é
 
Fraqueza e
 
Força,
 
Um exército
 
Ataca
 
Qual pedra de mó
 
Contra um ovo.
CAO CAO: Ao atacar aquele que é mais fraco com aquele que é mais
forte.
HE YANXI: Na guerra, conhecer as fraquezas e as forças da energia
potencial de uma situação é garantia de vitória.
ZHANG YU: Ao reunir suas tropas, determine antes a correta divisão de
unidades; depois, aperfeiçoe os estandartes e outras formas de
comunicação; depois, compreenda as táticas diretas e indiretas; uma
vez que esses elementos estejam esclarecidos, a força e a fraqueza da
situação serão evidentes.
JOHN MINFORD: A rigor, a pedra a que o texto remete é um esmeril
grande; uma pedra de mó parece transmitir melhor a proporção de
tamanho e peso.
Na guerra,
 
Combata
 
Diretamente;
 
Garanta a vitória
 
Indiretamente.
CAO CAO: Confronte o inimigo diretamente; ataque indiretamente nos
flancos quando menos se esperar.
ZHANG YU: Antes enfrente o inimigo diretamente, ao mesmo tempo em
que elabora constantemente uma ofensiva indireta, seja açoitando os
flancos do inimigo ou se abatendo sobre sua retaguarda.
GILES: Um exemplo excepcional de “tática indireta” que decidiu os
rumos de uma campanha foi a marcha noturna de lorde Roberts pelo
Peiwar Kotal na Segunda Guerra Anglo-Afegã.
TAO TE CHING, capítulo 57: Governe o reino diretamente; promova a
guerra indiretamente; conquiste o império por meio de “não ação”.
O guerreiro que domina
 
Guerra indireta
 
É infinito
 
Como o Céu e a Terra,
LI QUAN: Nas variações e alternâncias de movimento e imobilidade.
Inesgotável
 
Como o rio e o mar,
LI QUAN: Infinitamente flexível e móvel.
ZHANG YU: Infinitamente capaz de lançar ataques indiretos como
reação às novas circunstâncias.
Termina e recomeça
 
Como o sol e a lua,
 
Morre e renasce
 
Como as Quatro Estações.
LI QUAN/DU YOU/ZHANG YU: O sol e a lua transcorrem por suas fases,
põem-se e voltam a nascer, crescem e mínguam; as estações se
alternam, se deslocam por ciclos de calor e frio; as infinitas variações
de direto e indireto são como o ocaso e o nascer do sol e da lua, como
a alternância das estações.
SUN BIN BINGFA, capítulo 31, “Direto e indireto”: A natureza
fundamental do Céu e da Terra é que, quando algo atinge seu apogeu,
deve reiniciar [seu ciclo]; quando se enche, míngua. […] Isso se
percebe com o sol e a lua, e se percebe com as Quatro Estações. […] A
guerra é a vitória pela forma. […] As mutações da vitória pela forma
são tão infinitas quanto as mutações do Céu e da Terra.
Existem apenas
 
Cinco notas,
LI QUAN: Gong, shang, jue, zhi, yu [as cinco notas da antiga escala
pentatônica].
E há mais combinações
 
Do que
 
Se pode escutar.
LI QUAN: Tocadas nos instrumentos dos oito sons [moringa, argila,
couro, madeira, pedra, metal, seda e bambu], constituem um
repertório infinito de músicas.
Existem apenas
 
Cinco cores,
LI QUAN: Azul, amarelo, vermelho, branco e preto.
E há mais combinações
 
Do que
 
Se pode enxergar.
Existem apenas
 
Cinco sabores,
LI QUAN: Acre, pungente, salgado, doce, amargo.
E há mais combinações
 
Do que
 
Se pode provar.
LI QUAN: Essa é a arte do cozinheiro.
ZHANG YU: Essas são analogias das infinitas variações de direto e
indireto.
Na dinâmica da Guerra,
 
Existem apenas estes dois,
 
Indireto
 
E direto,
 
E há mais combinações
 
Que nunca vão se exaurir.
 
Elas geram umas às outras
 
Em um eterno
 
Círculo sem fim.
WANG XI: Indireto e direto são a chave que abre as portas da guerra, a
força crucial para a conquista da vitória. Elas giram em um círculo
inesgotável. A ruptura desse círculo é a derrota.
ZHANG YU: Indireto também é direto; direto também é indireto. Em
suas infinitas combinações, cada um dá origem ao outro [como Yin e
Yang], tal qual um círculo que não tem começo nem fim; é
inesgotável.
Uma torrenteveloz
 
Derruba rochas
 
Em suas águas;
 
Tal é a energia
 
De sua força.
DU YOU: A natureza da água é suave e flexível, e a natureza da pedra é
dura e pesada; no entanto, a água é capaz de levar grandes
pedregulhos na correnteza, graças ao ímpeto da torrente.
JOHN MINFORD: A palavra shi assume diversos sentidos em momentos
diferentes deste capítulo e ao longo de toda a obra: energia potencial,
dinâmica, ímpeto. Todos estão interligados.
O ataque de um falcão
 
Quebra as costas
 
Da presa;
 
Tal é a precisão
 
Da ocasião.
GILES: Creio que este trecho se refira àquele instinto de autocontrole
que impele a ave a descer sobre sua presa apenas no momento certo,
bem como à capacidade de determinar quando é o momento certo.
[Comparar com o comentário de Du Mu no capítulo 1, onde ele cita o
Shiji: “Um gavião deve se manter oculto antes do mergulho”.]
JOHN MINFORD: A imagem da palavra jie, que aqui foi traduzida como
“ocasião”, remete às saliências ou articulações em um caule de
bambu, então o termo passou a significar divisão, encruzilhada,
marcações no tempo e no espaço, senso de ritmo ou ocasião
(necessário para um ataque bem situado).
A energia do Guerreiro Hábil é
 
Arrasadora;
 
A ocasião,
 
Exata.
WANG XI: O guerreiro deve aproveitar o momento [a oportunidade] da
mesma forma que o falcão.
GILES: A qualidade análoga presente nos soldados é a importantíssima
capacidade de conter o fogo até o momento preciso de máxima
eficácia. Quando o Victory entrou em ação em Trafalgar, avançando a
uma velocidade irrisória, a embarcação passou alguns minutos
exposta a uma tormenta de canhões e bombas sem responder com um
tiro sequer. Nelson esperou friamente até chegar a curto alcance, e
então a canhonada que ele descarregou produziu terríveis estragos nos
navios mais próximos do inimigo. Isso foi um exemplo de jie [“senso
de ocasião”].
Sua energia é como
 
A balestra armada,
 
A ocasião é como
 
O aperto no gatilho.
GILES: A força [energia] é potencial, armazenada na balestra armada
até ser liberada pelo dedo no gatilho.
JOHN MINFORD: A introdução da poderosa balestra por volta de 500
a.C. revolucionou a guerra na China, e o dispositivo do gatilho era
uma imagem potente. O livro das mutações (Julgamentos Anexos)
utiliza a mesma imagem: “As palavras e os atos do Sábio são como o
mecanismo de uma balestra. Honra e vergonha dependem da pressão
no gatilho” (Comparar com Wilhelm; Baynes, p. 305). No capítulo 11,
p. 397, o Mestre Sun volta a fazer referência ao disparo de uma
balestra para descrever a descarga súbita da energia potencial de um
exército.
No meio da escaramuça,
 
Pode parecer uma
 
Bagunça;
 
Mas não há desordem;
 
No caos da liça,
 
A luta parece não ter
 
Pé nem cabeça,
 
Mas não se admite a derrota.
MEI YAOCHEN: As divisões foram reparadas; sinais e estandartes foram
ordenados; portanto, apesar de todas as idas e vindas, da dispersão e
reformação das fileiras, ainda que o combate pareça desordenado, não
é o caso. A disposição da batalha pode parecer sem dianteira nem
retaguarda, tudo parece estar dando voltas e voltas, mas a derrota é
inadmissível.
GILES: É um pouco difícil decidir se as palavras [que significam
desordem e confusão] não deveriam ser interpretadas como
imperativos: “lute em desordem (a fim de enganar o inimigo), e assim
você se protegerá da verdadeira desordem”.
JOHN MINFORD: Niu e Wang (1991) de fato adotam esta interpretação:
“Finja desordem e caos em suas fileiras, e assim a vitória será
alcançada. Esse é um exemplo do uso da energia potencial da situação
para enganar o inimigo”.
Desordem se rege
 
Pela ordem;
 
Medo,
 
Pela coragem;
 
Fraqueza,
 
Pela força.
DU MU: Em outras palavras, se a intenção é simular desordem e instigar
o inimigo a entrar na batalha, é preciso antes alcançar um alto nível
de ordem; se a intenção é simular medo e atrair o inimigo para uma
armadilha, é preciso antes alcançar um alto nível de coragem; se a
intenção é simular fraqueza e inspirar arrogância no inimigo, é preciso
antes alcançar um alto nível de força.
Desordem ordenada
 
Se baseia
 
Em divisão racional;
ZHANG YU: A desordem aparente, disfarçando uma ordem verdadeira,
se fundamenta em cuidadosa divisão e organização.
Medo corajoso,
 
Em energia potencial;
ZHANG YU/DU MU/SHIJI, Biografia de Sun Bin: O medo aparente,
disfarçando uma coragem verdadeira, se fundamenta na energia
potencial de uma situação favorável. O general Pang Juan, de Wei,
atacou o reino de Han [em 341 a.C.], e o general Tian Ji, de Qi, saiu
em socorro do aliado Han. Sun Bin [Sun “Aleijado”, descendente do
Mestre Sun e inimigo mortal de Pang Juan, o homem responsável pela
amputação de suas pernas na altura dos joelhos] disse ao general Tian:
“Os exércitos daqueles três reinos ocidentais [Wei, Han e Zhao]
sempre trataram os homens de Qi com crueldade e desprezo. Na
verdade, para eles a reputação de Qi é de medo e covardia. O
Guerreiro Hábil tiraria proveito da energia potencial dessa situação.
Marche com as tropas de Qi para o território de Wei e lá, a cada
noite, faça parecer que o número de fogueiras no acampamento está se
reduzindo, 100 mil, 50 mil, 20 mil, como se os homens de Qi estivessem
desertando aos bandos”. A força expedicionária de Qi fez exatamente
isso. Quando a notícia chegou ao general Pang Juan, ele ficou
extasiado e exclamou: “Sempre soube que os homens de Qi eram
covardes e desertores!”. Ele os perseguiu avidamente por alguns dias.
Os homens de Qi chegaram ao desfiladeiro estreito de Maling, onde
Sun Bin deu ordem para que se gravassem em uma árvore as palavras
“Pang Juan morreu sob esta árvore”. E, então, ele posicionou em
segredo 10 mil homens com balestras nas duas laterais do desfiladeiro
e os instruiu a disparar suas setas quando fosse acesa a primeira tocha.
Com efeito, o general Pang chegou naquela mesma noite e, ao ver a
inscrição na árvore, exigiu uma tocha acesa para que ele pudesse ler.
Nesse instante, antes que ele tivesse chance de terminar a leitura, 10
mil balestras dispararam suas setas, e o exército dele foi aniquilado.
Pang Juan tirou a própria vida com a espada, exclamando: “Que a
glória vá para Sun Bin!”.
Fraqueza forte,
 
Em disposição de pessoal.
ZHANG YU: Liu Bang, o imperador que fundou a dinastia Han, desejava
atacar os bárbaros xiongnu e enviou espiões para avaliarem a
condição das forças deles [em 200 a.C.]. Os xiongnu esconderam seus
homens mais fortes e os cavalos mais robustos e exibiram apenas os
soldados mais fracos e os cavalos mais esquálidos. Todos os espiões
recomendaram que o imperador atacasse, exceto Liu Jing, que disse:
“Quando duas nações combatem, geralmente elas exageram a própria
força. Mas nossos espiões viram apenas soldados velhos e enfermos.
Deve ser um ardil. Eles estão escondendo as tropas de elite. Não é
recomendável atacar”. O imperador ignorou seu conselho, atacou e
foi prontamente cercado pelos xiongnu no monte Baideng.
O guerreiro que sabe
 
Atiçar o inimigo
 
Dá uma forma visível,
 
E o inimigo decerto virá.
CAO CAO: Dá os sinais aparentes de fraqueza.
DU MU: Não só fraqueza. O significado aqui é que, se somos fortes e o
inimigo é fraco, então precisamos aparentar fraqueza, e isso fará com
que o inimigo avance; se, por outro lado, somos fracos e o inimigo é
forte, precisamos aparentar força, e isso fará com que o inimigo se
afaste. Os movimentos do inimigo seguirão os nossos.
JOHN MINFORD: O estrategista e pesquisador marxista Guo Huaruo
(1984, p. 13) cita o presidente Mao: “Podemos criar de maneira
artificial os erros do inimigo, tal como diz o Mestre Sun, ‘dando uma
forma visível’. Damos um sinal [uma forma] no leste e, ao mesmo
tempo, atacamos no oeste; esse é o estratagema [o sexto dos famosos
‘36 estratagemas’] conhecido como Grite no Leste e Ataque no Oeste”
(Selected Works, v. 1, p. 193).
Põe-se a isca,
 
E o inimigo decerto
 
Arrisca.
MEI YAOCHEN: Ele exibe medo, e o inimigo certamentereagirá.
ZHANG YU: Ele tenta o inimigo com alguma pequena vantagem, e o
inimigo com certeza morderá a isca.
Ele faz o inimigo
 
Se adiantar
 
E o espera
 
Com força total.
JOHN MINFORD: François Jullien (pp. 164-5) apresenta muito bem essa
ideia: “Lucro e perigo são apresentados ao inimigo como uma
armadilha. Esse é justamente o princípio de manipulação (no
raciocínio do Mestre Sun), e é o que o torna tão fascinante. Manipular
o ‘outro’ [o inimigo] é obrigá-lo a fazer ‘por livre e espontânea
vontade’ exatamente aquilo que quero que ele faça, e que eu prevejo
que lhe será prejudicial (mas que ele acredita que será vantajoso). Ele
pensa que está tomando suas próprias decisões, mas, na verdade, sou
eu quem o move de forma indireta”.
O Guerreiro Hábil
 
Explora
 
A energia potencial;
 
Não impõe à tropa
 
A responsabilidade.
Ele aplica a tropa
 
Como pode,
 
Mas conta com
 
A energia potencial.
DU MU: Ele antes avalia a dinâmica militar [energia potencial] e então
mede o talento humano disponível. Usa seus homens de acordo com
suas capacidades e não exige perfeição.
Com base em energia,
 
Ele envia tropas à luta
 
Como se
 
Rolasse toras ou pedras.
 
É da natureza que
 
Em solo plano
 
Toras e pedras
 
Sejam imóveis;
 
Se íngreme,
 
Elas tombem;
 
Quadradas, parem;
 
Redondas, rolem.
CAO CAO: Ele conta com a energia natural das tropas.
MEI YAOCHEN: Toras e pedras são objetos pesados. É a própria energia
delas que lhes permite se deslocar com facilidade. É difícil forçá-las a
se mover. Pois um exército que luta com a energia natural da situação,
e não com força, é o Caminho da Natureza [ziran, a qualidade natural
“própria” do Tao].
Soldados bem posicionados
 
São como pedras redondas
 
Rodando
 
Por uma montanha.
DU MU: A descida implacável se deve à montanha, não às próprias
pedras. A ideia principal deste capítulo é a importância de se
considerar a energia da situação na guerra, usando-se velocidade e
ataques súbitos. Dessa forma, é possível grandes realizações com
pouco dispêndio de força.
MEI YAOCHEN: Quando há pedras redondas na montanha, a energia
delas é vasta; um homem consegue empurrá-la montanha abaixo, e
mil não conseguiriam conter a descida.
WANG XI: As pedras não rolam por conta própria; é pela energia
potencial da montanha que elas são implacáveis.
ZHANG YU: Da mesma forma, é pela energia potencial que um exército
atinge a vitória. Segundo Li Jing [e também no Huainanzi], existem
três tipos de energia potencial na guerra. O primeiro é quando um
general odeia o inimigo e seus oficiais adoram lutar, quando a
ambição alça voo entre as nuvens e os espíritos rugem como os ventos;
é a energia do entusiasmo. O segundo é quando um dos lados se
encontra em um desfiladeiro estreito entre as montanhas, onde a
estrada dá voltas e há muitos passos apertados, onde um homem é
capaz de defender o lugar e mil não conseguirão atravessar; essa é a
energia do terreno. O terceiro é quando o inimigo está fraco, cansado,
faminto e sedento, quando seu acampamento de vanguarda ainda não
está armado e sua retaguarda ainda não terminou de cruzar o rio; se
um exército tira proveito dessa situação, é energia estratégica. Assim,
o envio de homens à batalha com base em energia potencial é o
mesmo que deixar rolar uma bola por uma encosta íngreme; um
mínimo esforço pode produzir imensos resultados.
Essas são questões
 
De energia potencial.
6
 
Vazio e cheio
LI QUAN: O Guerreiro Hábil transforma o vazio em cheio.
DU MU: Na guerra, evite o cheio e forte, ataque o vazio e fraco; mas,
antes de mais nada, conheça seus próprios aspectos vazios e cheios
[limitações e pontos fortes], e os do inimigo.
NIU E WANG: Vazio significa temeroso, fraco, desordenado, faminto,
exausto, insuficiente, despreparado. Cheio significa corajoso, forte,
organizado, nutrido, descansado, abundante, preparado.
WU JIULONG: Vazio significa oco, no sentido de que o poderio militar se
encontra disperso e vulnerável. Cheio significa sólido, no sentido de
que o poderio militar se encontra concentrado e forte. Vazio e cheio
são opostos, mas se transformam um no outro ao longo de um
processo contínuo. Este capítulo explica como um guerreiro que
compreende e domina a relação entre vazio e cheio pode tomar a
iniciativa do conflito; ele “atiça e não se atiça”.
JOHN MINFORD: Na medicina chinesa, “cheio” (shi) se refere ao estado
Yang de “abundância de energia” ou “repletio”, enquanto “vazio”
(xu) se refere ao estado Yin de “exaustão de energia” ou “inanitas”.
(Ver Manfred Porkert, Chinese Medicine [Nova York, 1982], p. 71.)
Guo Huaruo sintetiza a ideia central deste capítulo (1984, p. 130):
“Evitar o cheio e atacar o vazio é um princípio essencial do raciocínio
estratégico do Mestre Sun. Ele destaca a importância de se tomar a
iniciativa e evitar a passividade; de se criar as fraquezas do inimigo e
fazê-lo se dispersar e se esgotar, enquanto nossas forças se
concentram; portanto, confrontamos exaustão com tranquilidade
descansada. E, assim que detectamos um ponto fraco no inimigo,
reagimos imediatamente e aproveitamos o momento para atacar
quando ele está despreparado. Conquistamos a vitória ao adaptarmos
nossas ações às do inimigo”.
Disse o Mestre Sun:
O primeiro a chegar
 
Espera o inimigo
 
Com vigor.
JIA LIN: Ele ocupa uma posição vencedora e espera o inimigo. Está
preparado. Seus homens e cavalos estão relaxados e descansados.
O último a chegar
 
Entra na refrega
 
Esgotado.
JIA LIN: Se, por outro lado, o inimigo ocupar uma posição de
vantagem, devo recolher minha tropa em vez de avançar, e passar a
impressão de que não desejo confrontá-lo. Ele concluirá que não
tenho estratégia e certamente atacará. Assim, conseguirei exaurir o
inimigo, e não meu exército.
O Guerreiro Hábil
 
Atiça
 
E não se atiça.
DU MU: Atiço meu inimigo para que ele venha até mim, enquanto
reúno minhas forças e o espero. Não vou até ele para não me exaurir.
ZHANG YU: Atiço meu inimigo para a batalha, e ele é vazio; não entro
na batalha, e permaneço cheio. Essa é a arte do vazio e do cheio, para
mim e para o inimigo.
Ele atrai a vinda
 
Do inimigo
 
Ou impede o avanço
 
Do inimigo.
DU YOU: Vá aonde ele fatalmente irá, ataque onde ele fatalmente
defenderá. Defensa as trilhas e passagens cruciais, e assim ele não
conseguirá atravessar. Como disse o Mestre Wang: “Um único gato
guarda o buraco, e 10 mil ratos não se atrevem a sair; um único tigre
guarda o vau, e 10 mil cervos não se atrevem a atravessar”.
JOHN MINFORD: Parece que o Mestre Wang gostava bastante dos dotes
táticos do gato. Ver o comentário de Du You no final do capítulo 1.
Esgote
 
O descansado;
CAO CAO: Acosse-o.
Prive
 
O alimentado;
CAO CAO: Interrompa sua linha de abastecimento.
Desaloje
 
O alojado.
CAO CAO: Ataque aquilo que ele preza, vá aonde ele precisa ir, e ele
terá de sair ao resgate.
Apareça no lugar
 
Para onde ele corre;
 
Corra ao lugar
 
Onde ele menos espera.
SHIJI, capítulo 65: O reino de Wei atacou o de Zhao [em 354 a.C.] e
sitiou a capital, Handan. Na dificuldade, Zhao pediu ajuda ao reino
de Qi. O soberano de Qi pretendia dar o comando de seu exército a
Sun Bin, mas este o rejeitou, devido à mutilação física [amputação do
joelho] que havia sofrido recentemente. Tian Ji então foi posto no
comando, e Sun Bin, na função de conselheiro, viajou em uma
carruagem de cortinas e dossel, de onde refletia sobre suas estratégias.
Tian Ji pretendia seguir diretamente para romper o cerco à cidade de
Handan. Mas Sun Bin contestou que, assim como não se deve bater
em um emaranhado de seda para desembolar, tampouco adianta
mergulhar na briga para ajudar alguém que se vê imerso em um
conflito. Uma opção melhor seria evitar obstáculos e tirar proveito
dos pontos vazios de fraqueza. Assim, o emaranhado se desfaz por
conta própria. Ora, como Wei estava em guerra com Zhao, as
melhores tropas haviam sido mobilizadas para fora das fronteiras doreino, de modo que lá restavam apenas os velhos e frágeis. Portanto, a
melhor decisão seria marchar para Daliang, a capital de Wei, e romper
as comunicações do inimigo. O exército de Wei então seria obrigado a
sair de Zhao e vir socorrer seu próprio território ameaçado. A uma só
vez, o sítio a Handan seria desfeito e também o próprio Wei sofreria
um forte golpe. Tian Ji seguiu o plano dele, e o exército de Wei desfez
o sítio de Handan. Eles enfrentaram o exército de Zhao em Guiling e
sofreram uma derrota arrasadora. [Esse estratagema, de evitar o
“cheio” (Handan, a capital sitiada de Zhao) e atacar o “vazio”
(Daliang, a capital sem defesas de Wei), é o segundo dos “36
estratagemas”, Ataque a Wei para Salvar Zhao.]
Marche léguas e léguas
 
Sem se cansar
 
Seguindo rotas
 
Sem inimigos.
CAO CAO: Parta no abismo; ataque o vazio; evite aquilo que possui
defesa; ataque onde não se espera.
Garanta a vitória
 
Atacando
 
O indefeso.
WANG XI: Ataque um ponto vazio (fraco), onde o general seja
incompetente ou os soldados, incapazes; onde as fortificações não
sejam sólidas ou as precauções, firmes; onde os reforços tardem a
chegar, ou o abastecimento seja escasso, ou onde os defensores se
encontrem em discórdia.
ZHANG YU: Aquele que sabe atacar lança sua ofensiva desde as alturas
dos Nove Céus [ver capítulo 4], de modo que seja impossível para o
inimigo se proteger. Os lugares atacados são justamente os que o
inimigo não pode defender.
Garanta a defesa
 
Defendendo
 
O intocado.
ZHANG YU: Aquele que sabe defender se oculta sob as Nove Terras, de
modo que seja impossível para o inimigo deduzir seu paradeiro.
Assim, os lugares que defenderei são justamente os que o inimigo não
pode atacar.
O Guerreiro Hábil ataca
 
Para que o inimigo
 
Não se defenda;
 
Ele defende
 
Para que o inimigo
 
Não ataque.
WANG XI: O Atacante Hábil espera até o inimigo exibir algum sinal de
vulnerabilidade e então ataca com máxima rapidez; assim, o inimigo
não pode se defender. O Defensor Hábil garante a própria
invulnerabilidade sempre; assim, o inimigo não pode atacar.
GILES: Um aforismo que resume toda a arte da guerra.
JOHN MINFORD: Wu Jiulong (1990, pp. 88-9) parafraseia: “O sucesso da
força de ataque habilidosa acontece quando ela impede que o inimigo
saiba onde defender; o sucesso da força defensiva acontece quando ela
impede que o inimigo saiba onde atacar”.
Ó sutil sutileza!
 
Sem forma!
Ó mistério misterioso!
 
Sem som!
 
Ele domina a
 
Sina do inimigo.
WANG XI: Sutil e inescrutável, para que não possa ser visto; misterioso
e veloz, para que não seja possível reagir. É assim que ele controla a
sina do inimigo.
HE YANXI: O método “vazio e cheio” do Mestre Sun é deveras sutil e
misterioso, e os resultados são excepcionais. Fazemos o inimigo
perceber nossa força como fraqueza e nossa fraqueza como força; já
nós conseguimos transformar a força do inimigo em fraqueza e,
quanto à fraqueza do inimigo, sabemos reconhecê-la. Então o inimigo
desconhece nossa fraqueza e nossa força, mas nós conhecemos as dele.
Se desejarmos atacá-lo, sabemos que o lugar que ele defende deve ser
um local de força e que o lugar que ele não defende é fraco; assim,
podemos evitar o ponto forte e atacá-lo em seu ponto mais frágil.
Podemos avançar na garganta dele. Podemos atingir seu ponto mais
vulnerável. […] Portanto, quando enfim atacamos, ele não sabe onde
se defender; e, quando defendemos, ele não sabe onde atacar. Todas
as prodigiosas permutações de ataque e defesa se originam nesse
método de “vazio e cheio”. […] O Guerreiro Hábil conhece essas
permutações e sabe penetrar nos recônditos internos desse mistério tão
sutil…
ZHANG YU: As técnicas de ataque e defesa são sutis e astutas,
misteriosas e secretas. Não são visíveis ou audíveis para o exterior. É
por intermédio delas que podemos dominar a sina do inimigo, sua
vida e sua morte.
Ele avança,
 
Irresistível,
 
E ataca o vazio.
JOHN MINFORD: Como o Cozinheiro Ding, em Zhuangzi, capítulo 3, “O
segredo da valorização da vida”: “O que me importa é o Caminho,
que é mais avançado do que a mera habilidade. Quando comecei a
separar cortes bovinos, o que eu via era o animal inteiro. Depois de
três anos, eu já não via mais o animal inteiro. E agora… agora, trato o
animal com o espírito e não o vejo com os olhos. Meus sentidos
pararam, e meu espírito se desloca livremente. Sigo as linhas da
natureza. Penetro nos grandes vazios, deslizo a faca pelas articulações
grandes e me oriento pela natureza do animal…” (Comparar com
Watson, The Complete Works of Chuang Tzu, pp. 50-1).
Ele recua,
 
Sem deixar rastro,
 
Veloz demais
 
Para ser alcançado.
ZHANG YU: Ele chega como o vento e se vai como um raio.
Se desejo combater,
 
O inimigo,
 
Mesmo trás muralhas
 
E fosso,
 
Não deixará de me enfrentar;
 
Lanço meu ataque
 
Onde ele deve
 
Resgatar.
DU MU: Digamos que o inimigo tenha invadido meu território; posso
romper a linha de abastecimento dele e ocupar as estradas por onde
ele terá de voltar. Se, por outro lado, for eu o invasor, posso lançar
meu ataque contra o próprio soberano.
Se não desejo combater,
 
Posso me resguardar
 
Com apenas uma linha
 
Traçada no chão.
JIA LIN: Mesmo que eu não tenha construído muralha ou vala.
O inimigo não
 
Me enfrenta
 
Em combate:
 
Eu o distraio
 
Para outro sentido.
LI QUAN: Confunda-o com disposições estranhas e atípicas e, assim,
faça com que seja impossível para ele dar combate. Na dinastia Han
[144 a.C.], o general Li Guang [ao constatar que sua cavalaria de cem
homens era ameaçada por milhares de cavaleiros xiongnu, em vez de
fugir] deu ordem para que seus soldados desmontassem, tirassem as
selas dos cavalos e os soltassem, e então se deitassem no chão; os
xiongnu desconfiaram de emboscada [e assim ele pôde levar seus
homens de volta para casa em segurança].
DU MU/ZHANG YU: [O grande general e estrategista] Zhuge Liang [o
Dragão Adormecido — ver a Introdução], acampado em Yangping,
deu ordem para que Wei Yan e outros comandantes marchassem
rumo ao leste enquanto ele manteria uma força reduzida de 10 mil
soldados para defender a cidade. Sima Yi, o general inimigo, observou
que Zhuge Liang tinha poucos homens da cidade e que seus generais e
oficiais pareciam ter perdido a coragem. Na realidade, o moral de
Zhuge estava alto. Ele deu ordens para que seus homens abaixassem
os estandartes e interrompessem os tambores e os proibiu de sair.
Depois, abriu os quatro portões da cidade e mandou alguns homens
varrerem as ruas e regarem o solo. O general Sima suspeitou que fosse
uma emboscada e se retirou com seu exército para as colinas ao norte.
Mais tarde, quando descobriu o que havia acontecido de fato, ele se
sentiu extremamente constrangido. [Esse é o famoso Estratagema da
Cidade Vazia, o 32o dos “36 estratagemas”, onde está classificado
como um estratagema para uso em situações desesperadas, um
aproveitamento astuto e deliberado da própria fraqueza para enganar
o inimigo. Historiadores já contestaram a veracidade do episódio, mas
ele sempre foi um tema popular junto a escritores e dramaturgos
chineses. Em sua versão no capítulo 95 do romance Sanguo yanyi, da
dinastia Ming, o astuto Zhuge Liang aparece claramente para o
inimigo, tocando seu alaúde nas ameias, com um sorriso no rosto,
incenso aceso e a companhia de apenas dois pajens.]
GILES: O que o Mestre Sun propõe aqui é nada mais, nada menos que
a aplicação pertinente de “blefes”. [Com certeza ele teria sido um
excelente jogador de pôquer.]
Sua forma é visível,
 
Mas eu sou
 
Amorfo;
 
Sou concentrado,
 
Ele, dividido.
ZHANG YU: Se as formas (disposições) do inimigo são visíveis, podemos
atacar como um só corpo; por outro lado, desde que nossas próprias
formas (disposições) permaneçam secretas, o inimigo será obrigado a
dividir suas forças a fim de se proteger contra ataques vindos de
qualquer lugar.
JOHN MINFORD: Qualquer disposição/forma é, forçosamente,uma
limitação; somos restringidos (pela perda do dinamismo); as
possibilidades são concretizadas e reduzidas. Ao adquirir uma forma,
o inimigo se embota, enquanto eu, que me mantenho amorfo, também
me mantenho alerta e flexível. O inimigo é alcançado “abaixo” da
realidade; eu me mantenho “acima” e consigo manipular a situação a
meu favor. (Ver Jullien, p. 168.)
Sou concentrado
 
Em um só;
 
Ele, dividido
 
Em dez.
 
Eu sou
 
Dez
 
Contra um;
 
Muitos
 
Contra
 
Poucos.
Com muitos, ataque poucos
 
E o oponente
 
Será fraco.
DU MU: Posso usar tropas ligeiras e cavalaria robusta para atacá-lo em
um local “vazio”; posso usar balestras fortes e arqueiros para capturar
uma de suas posições estratégicas. Ataco-o pela esquerda e pela
direita; surpreendo-o à frente e atrás. Durante o dia, confundo-o com
bandeiras; à noite, confundo-o com faróis e tambores. E assim meu
oponente se enche de medo e divide suas forças para se defender.
Conheço suas disposições, mas ele não conhece as minhas. Estou
unido, e ele, dividido. Tenho certeza da vitória.
O local que pretendo atacar
 
Será um segredo;
 
Se for segredo,
 
O inimigo terá que
 
Reforçar muitos locais;
 
O inimigo vai
 
Reforçar muitos locais,
 
Mas atacarei
 
Poucos.
GILES: Certa vez, [o general Philip Henry] Sheridan [1831-88] disse, para
explicar o motivo das vitórias do general Grant [1822-85], que,
“enquanto os oponentes se concentravam completamente em imaginar
o que ele faria, ele também estava pensando em grande parte do que
faria”.
ZHANG YU: Ele nem imaginará onde minhas bigas atacarão, nem de
onde minha cavalaria sairá, nem para onde minha infantaria
avançará, e, portanto, ele se dispersará e dividirá, a fim de se defender
contra mim em todos os lugares. Consequentemente, suas forças
estarão espalhadas e enfraquecidas, e sua potência, dividida e
dissipada, e poderei usar um contingente grande contra suas unidades
isoladas onde quer que eu decida enfrentá-lo.
Ao reforçar a vanguarda,
 
Ele enfraquece atrás;
Ao reforçar atrás,
 
Ele enfraquece a vanguarda.
Ao reforçar a direita,
 
Ele enfraquece a esquerda;
Ao reforçar a esquerda,
 
Ele enfraquece a direita.
 
Ao reforçar tudo,
 
Ele enfraquece tudo.
JOHN MINFORD: Giles cita um trecho de Des Königs von Preussen
Majestät Unterricht von der Kriegs-Kunst an seine Generals [Lições
sobre a arte da guerra aos generais por Sua Majestade, o rei da
Prússia], de Frederico, o Grande (1712-86): “Uma guerra defensiva
tende a nos fazer ceder a deslocamentos frequentes. Os generais com
escassa experiência tentam proteger todos os pontos, enquanto
aqueles mais familiarizados com a profissão, concentrados apenas no
objetivo principal, se guardam contra um golpe decisivo e acatam
infortúnios menores para evitar os maiores”.
Na fraqueza,
 
Prepara-se
 
Contra algum ataque.
 
Na força,
 
Obriga-se
 
O inimigo a
 
Preparar-se contra o ataque.
JOHN MINFORD: Giles cita o coronel Henderson (George Francis Robert
Henderson [1854-1903]), instrutor de táticas, legislação militar e
administração na Royal Military College, Sandhurst, e autor de The
Science of War [A ciência da guerra], publicado postumamente em
1905: “O máximo domínio do generalato é forçar o inimigo a dispersar
o próprio exército e, posteriormente, concentrar uma força superior
contra cada uma das frações”.
Sabendo
 
Dia e lugar
 
Da batalha,
 
Podemos lutar
 
Mesmo após léguas
 
E léguas de marcha.
DU YOU: O Guerreiro Hábil precisa saber onde e quando uma batalha
será travada. Precisa medir as estradas [que serão percorridas] e
estabelecer a data [do confronto]. Precisa dividir seu exército e
marchar em colunas distintas. As que estão longe começam antes; as
mais próximas começam depois. Assim, as tropas que partem de locais
a centenas de léguas de distância convergem ao mesmo tempo, como
uma multidão que converge para o mercado da cidade.
DU MU: O imperador Wu da dinastia Liu-Song [Liu Yu, o imperador
que fundou essa breve dinastia, eliminou o último imperador da
dinastia Jin anterior e reinou por dois anos até morrer, também, em
422] mandou Zhu Lingshi atacar Qiao Zong em Shu [a região no oeste
que hoje é conhecida como Sichuan]. “No ano passado”, disse o
imperador, “Liu Jingxuan rumou para Huangwu a partir do Yangtzé.
Ele voltou derrotado. Os rebeldes normalmente pensariam que eu
sairia de mais acima no Yangtzé, mas imaginarão que desta vez eu
tentarei pegá-los de surpresa com outro ataque a partir da mesma
parte do Yangtzé. Se isso acontecer, com certeza eles defenderão a
cidade de Fucheng com uma força poderosa e vigiarão as estradas do
interior. Então, se eu avançar contra Huangwu, cairei imediatamente
na armadilha. Em vez disso, levarei a força principal pelo Yangtzé
acima e tomarei a cidade de Chengdu, o que distrairá as tropas deles
para a região inferior do rio. Essa é minha tática indireta para
controlar o inimigo.” Mas o imperador receava que o inimigo
descobrisse seu plano e que os rebeldes assim conheceriam sua
fraqueza e sua força, onde se localizavam seus pontos vazios e cheios.
Portanto, ele entregou ao general Zhu uma carta lacrada e instruções
para que ele a abrisse apenas quando chegasse à Cidade do Imperador
Branco [à margem do Yangtzé]. Desse modo, o exército saiu sem saber
para onde ou como seria dividido. Quando chegou à Cidade do
Imperador Branco, o general Zhu abriu a carta e leu: “A força
principal deve tomar Chengdu rio acima; Zhang Xi e Zhu Lin
tomarão Guanghan a partir da estrada central do rio; as tropas mais
fracas serão enviadas pelo rio em dez veleiros rumo a Huangwu”.
Com efeito, Qiao Zong defendia a região inferior do rio com uma
força prodigiosa, e o general Zhu o destruiu.
GILES: O raciocínio do Mestre Sun aqui, evidentemente, é que um bom
cálculo das distâncias e a aplicação exímia de estratégia permitem que
um general divida o exército para uma marcha longa e veloz e, depois,
consiga convergi-lo precisamente no local e momento certo para
confrontar o inimigo com força irresistível. Das muitas convergências
bem-sucedidas na história militar, uma das mais dramáticas e decisivas
foi a chegada de Blücher ao campo no momento crucial de Waterloo.
Mas sem saber
 
Dia ou
 
Lugar,
 
A esquerda não
 
Ajuda a direita,
 
A direita não
 
Ajuda a esquerda,
 
A vanguarda não
 
Ajuda atrás,
 
Atrás não
 
Ajuda a vanguarda.
 
E é pior
 
Se entre as tropas
 
Há distâncias
 
De léguas e léguas
 
Ou mesmo uma só.
ZHANG YU: Se não soubermos o local onde nosso inimigo pretende
reunir suas forças ou o dia em que elas darão combate, nossa unidade
se dissipará em nossos preparativos para a defesa, e as posições que
detemos serão fracas. Então, se encontrarmos de repente um inimigo
poderoso, travaremos uma batalha em estado de confusão, e não
haverá condições de amparo entre os flancos, a vanguarda ou a
retaguarda, sobretudo se for grande a distância entre a divisão
posterior e a dianteira do exército.
GILES: A imagem mental que devemos formar provavelmente é a de um
exército que avança em colunas distintas rumo a um ponto de
encontro, e que cada coluna tem ordem para chegar lá em uma data
específica. Se o general permite que os diversos destacamentos
avancem de modo desordenado, sem instruções precisas quanto ao
momento e o local do encontro, o inimigo poderá aniquilar
completamente o exército.
JOHN MINFORD: Mais de um comentarista moderno destacou que um
dos melhores exemplos recentes disto (impedir que se saiba “dia ou
lugar”) foi o desembarque na Normandia, cujo sucesso se deveu em
grande parte ao fato de que os alemães não sabiam o dia ou lugar.
Pelo que determinei,
 
O exército de Yue
 
É vasto,
 
Mas isso pouco lhe serve
 
Ao combater.
 
Então
 
Ainda
 
É possível vencer.
GILES: O Mestre Sun servia [o antigo reino de] Wu. [O reino de] Yue se
localizava aproximadamente onde hoje é a província de Zhejiang.
Palavras tão valentes, mas tão trágicas! O longoconflito entre os dois
reinos se encerrou em 473 a.C., com a derrota absoluta de Wu por Gou
Jian e a incorporação de seu território ao de Gou, em Yue.
O inimigo pode ser grande,
 
Mas podemos evitar
 
Um combate.
JIA LIN: O inimigo pode ser numeroso, mas, se ele não conhece nossas
circunstâncias militares, sempre podemos fazer com que ele se ocupe
com seus próprios preparativos e não tenha tempo para planejar um
confronto.
ZHANG YU: Divida-os e dissipe o poderio deles, para que não possam
reunir suas forças e avançar. Assim, como eles nos enfrentariam?
Analise-o
 
Conheça os furos
 
Em seus planos.
Incite-o,
 
Descubra o que gera
 
Seus atos.
ZHANG YU: Com o tempo, se reconhecermos a alegria ou fúria do
inimigo, poderemos concluir qual é sua mentalidade. Zhuge Liang
conseguiu isso enviando a Sima Yi, o general inimigo, um presente
ofensivo: um adereço feminino para o cabelo. Mas Sima [apesar da
raiva] ainda assim se recusou a dar combate [pois seu imperador lhe
dera ordem para se manter no posto]. [Ver Sanguo yanyi, capítulos
103-4.]
Revele a forma,
 
Descubra seus locais
 
De vida e morte.
Teste-o,
 
Conheça suas forças
 
E fraquezas.
O epítome
 
Das disposições
 
É não ter forma;
 
Ausência de forma
 
É imune à visão
 
Do mais sutil espião
 
E às maquinações
 
Da mais sábia mente.
ZHUANGZI, capítulo 6, “O grande e venerável professor”: O Caminho
possui sua realidade, seus sinais, mas não tem ação ou forma. É
possível ofertá-lo a alguém, mas não recebê-lo; é possível obtê-lo, mas
não enxergá-lo. [Comparar com Watson, The Complete Works of
Chuang Tzu, p. 71.]
Use as disposições do inimigo
 
Para chegar à vitória;
 
Isso, o homem comum
 
Não sabe.
 
Ele entende
 
As formas,
 
As disposições
 
Da minha vitória;
 
Mas não
 
Como criei as formas
 
Da vitória.
GILES: Qualquer um é capaz de perceber, na superfície, como se vence
uma batalha; o que não se pode ver é a longa série de planos e
combinações que precederam a batalha.
JOHN MINFORD: Jean Levi (p. 195) destaca que a obra taoista Huainanzi
(c. 140 a.C.) retoma repetidamente este paradoxo subjacente: o de que
o epítome das formas ou disposições militares é não apresentar forma
alguma.
Campanhas vitoriosas
 
Jamais se repetem.
 
Elas se formam em resposta
 
Às infinitas variedades
 
De circunstâncias.
WANG XI: Existe apenas um princípio básico por trás da vitória, mas as
formas e disposições que levam a ele são infinitas.
JOHN MINFORD: Comparar o comentário de Wang Xi com o trecho que
Giles cita do The Science of War, do coronel Henderson: “As regras
da estratégia são poucas e simples. Basta uma semana para aprendê-
las. Mas esse conhecimento não ensinará um homem a liderar um
exército como Napoleão, da mesma forma que o conhecimento de
gramática não o ensinará a escrever como Gibbon”.
Disposições militares
 
Se formam como água.
 
A água evita o alto
 
E corre abaixo.
TAO TE CHING, capítulo 8: O ápice da excelência é como a água. A água
beneficia toda a criação, mas jamais resiste.
TAO TE CHING, capítulo 78: Nada no mundo é mais suave e flexível do
que a água, mas, quando ela ataca algo duro, nada é capaz de superá-
la.
JOHN MINFORD: Jean Levi (p. 196) chama atenção para o modo como o
Mestre Sun “defende uma concepção feminina da guerra, a força
inerente à fraqueza. Ele faz eco ao Tao Te Ching ao demonstrar que a
guerra não é questão de força e heroísmo, e sim de ardis e
humildade”.
A guerra evita o forte
 
E ataca o fraco.
GILES: Como a água, ela segue o caminho de menor resistência.
JOHN MINFORD: É comum a opinião de que o domínio dessa máxima
foi o segredo do sucesso para os vietcongues. E Mao e suas forças
tinham “uma habilidade quase sobrenatural de determinar pontos de
fraqueza nos nacionalistas, o que lhes permitiu explorar essas
características e produziu fatalmente a desintegração acelerada da
posição nacionalista” (Griffith, p. 55).
A água molda o curso
 
Pela via do terreno.
O guerreiro molda a vitória
 
Pela dinâmica do inimigo.
LI QUAN: De que outro modo posso elaborar a vitória a não ser pela
dinâmica do inimigo?
DU MU: Pelo “vazio” [a fraqueza] do inimigo.
A guerra não tem
 
Dinâmica constante;
MEI YAOCHEN: Sua energia evolui de acordo com o inimigo.
A água não tem
 
Forma constante.
MEI YAOCHEN: Sua forma evolui de acordo com o terreno.
JOHN MINFORD: “Por si só, a água não possui forma. Está sempre se
conformando, evolui por meio de adaptação. É porque sempre se
adapta que ela sempre progride. Da mesma forma, posso triunfar
apenas se me adaptar à situação do inimigo. A situação do inimigo
para mim é o que o terreno é para a água. Eu me moldo a partir da
situação do inimigo; eu o envolvo, em vez de agredi-lo. Nunca me
endureço em forma alguma, apenas me conformo. O resultado é que a
vitória é irresistível, irreversível, como a água que segue seu curso, sem
jamais se desviar, sempre fluindo para baixo, sem um instante de
hesitação!” (Traduzido a partir de Jullien, p. 205, que com tanta
maestria, como de praxe, reinterpreta os comentaristas chineses.)
O epítome da prática militar
 
É extrair vitória
 
Das circunstâncias mutáveis
 
Do inimigo.
DU MU: Na guerra, a energia potencial emerge das circunstâncias do
inimigo. Ela não depende de nós, então não é constante. É como a
água, que assume a forma de acordo com o terreno; a forma não
existe na água, não é uma constante. Em sua reação ao declive do
terreno, a água pode transportar pedregulhos pela corrente; em reação
às circunstâncias do inimigo, o guerreiro é capaz de mudar e se
adaptar ao máximo.
Entre os Cinco Elementos
 
Nenhum possui
 
Supremacia constante.
JOHN MINFORD: Como destaca Wu Jiulong (1990, p. 105), “na China
Antiga, considerava-se que esses cinco elementos, ou fases [terra, água,
fogo, metal e madeira], eram a base pela qual toda matéria se
organizava. Segundo a Escola dos Cinco Elementos no Período dos
Reinos Combatentes, eles ‘produzem’ e ‘controlam’ uns aos outros. O
que o Mestre Sun diz aqui é que as permutações relativas a esse
complexo processo natural são tão sutis e insondáveis quanto as
relativas ao campo da estratégia militar”.
As Quatro Estações
 
Não têm
 
Estação fixa;
WANG XI: Elas se alternam e substituem umas às outras.
Há dias longos
 
E curtos;
 
A lua
 
Cresce
 
E
 
Míngua.
WANG XI: Como as mutações [os improvisos sempre flexíveis e
inconstantes] do Iniciado Guerreiro: não existe um único Caminho
imutável.
7
 
O confronto
ZHANG YU: Os dois exércitos se enfrentam cara a cara no confronto.
Antes do confronto, precisamos saber “o vazio e o cheio”, nossas
fraquezas e forças e as do inimigo. Esta parte dá continuidade à
anterior.
Disse o Mestre Sun:
Na Guerra,
 
O general
 
Recebe ordens
 
Do soberano,
 
Reúne as tropas,
 
Forma um exército.
 
E acampa
 
Diante do inimigo.
 
O mais difícil
 
De fato é
 
O confronto.
CHEN HAO: Existem normas antigas e consagradas para a consolidação
de tropas e a formação de um exército, e para a montagem de
acampamentos. É no confronto propriamente dito que a dificuldade
começa.
A dificuldade do confronto
 
É endireitar
 
O que é
 
Torto
CAO CAO: Simule uma grande distância e então marche com a máxima
rapidez para chegar antes do inimigo.
DU MU: Engane o inimigo, faça-o ser negligente enquanto você avança
com celeridade.
TAO TE CHING, capítulo 22: Seja incompleto e, portanto, completo; seja
torto e, portanto, reto.
JOHN MINFORD: Como diz Giles: “Esta é uma daquelas expressões
extremamente condensadas e um tanto enigmáticas que o Mestre Sun
tanto aprecia”. Parte do problema é a ambiguidade do par yu/zhi da
língua chinesa, que pode significar ao mesmo tempo “torto/reto” e
“convoluto/direto”.
E tirar
 
Proveito
 
De infortúnios.
HE YANXI: Digamos que o país que você pretende atacar é muito
distante e que o caminho até lá siga por montanhas e rotas sinuosas.
Para conseguir vantagem, divida suas forças e envie ofensivasContudo, as
perspectivas teóricas e metodológicas dos tradutores são responsáveis
pela maneira como o texto foi traduzido, aproximando-o ora de uma
linguagem literária clássica, ora de um manual militar, ora de um
texto filosófico. Essa abordagem interdisciplinar deu margem para as
mais diversas interpretações — e aplicações — da obra de Sun Tzu.
Não é raro vermos hoje estudos sobre A arte da guerra conectados ao
mundo da administração, dos negócios, da vida pessoal etc. Essas
questões são importantes, pois aproximam o leitor da visão do
tradutor — mas como atingir uma interpretação mais próxima do que
realmente o próprio Sun Tzu queria dizer?
A TRADUÇÃO DE JOHN MINFORD
A presente tradução de A arte da guerra de Sun Tzu representa uma
contribuição importante para o quadro das versões ocidentais desse
livro. Minford atualizou e reinterpretou a obra de Giles para o inglês,
mantendo os vastos comentários feitos pela tradição chinesa, o que
enriquece sobremaneira a leitura de Sun Tzu. As copiosas notas nos
proporcionam uma introdução histórica segura, calcada nos estudos
anteriores sobre A arte da guerra, incluindo aí autores ocidentais e
chineses. Aliás, tanto Giles como Minford se inserem na seção dos
comentaristas, fazendo importantes analogias entre o texto chinês e
episódios destacados da tradição militar ocidental.
A versão de Minford reestrutura o texto, deixando-o sintético e
versificado, conseguindo reproduzir a concepção original de A arte da
guerra: ser um texto de fácil memorização e assimilação. Alguns
conceitos específicos se apresentam em novas versões, ampliando o
debate sobre como traduzir os termos originais chineses, trabalho
essencial para a construção de um vocabulário sinológico.
Penso ser necessário assinalar que a tradução de Leonardo Alves
para o português foi primorosa, contando com um amplo esforço de
pesquisa e capacidade de adaptação dos termos e passagens em inglês
e chinês. A transliteração de certos termos chineses exige grande
sensibilidade, de modo que capte o sentido essencial que eles
representam. Nessa versão, manteve-se a originalidade, a fluência e a
clareza do texto, alcançando uma fidelidade gratificante em relação ao
texto chinês e à tradução de Minford.
A versão que agora se apresenta significa, portanto, um novo passo
para aprofundarmos nosso conhecimento sobre A arte da guerra de
Sun Tzu, tornando-se indispensável para aquele que deseja conhecer
mais sobre essa obra e as estratégias clássicas chinesas.
Notas
1. Duas excelentes obras podem servir de introdução a esse período: de Ana Maria Amaro, O
mundo chinês: Um longo diálogo entre culturas (Lisboa: Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas, 1998); e de Ricardo Joppert, O alicerce cultural da China (Rio de
Janeiro: Avenir, 1979).
2. Apesar de o uso do termo ser anacrônico, já que esse sistema político e econômico teria
surgido na China muito antes de o feudalismo aparecer na Europa, o termo “feudalismo”
tornou-se um facilitador para compreender aquilo que os chineses chamavam de sistema
Fengjian. Esse tema foi abordado no basilar estudo do sinólogo francês Marcel Granet,
La Feodalité chinoise [1952] (Paris: Imago, 1981).
3. Uma versão em português desse livro é a do padre Joaquim Guerra, Quadras de Lu e
relação auxiliar (Macau: Jesuítas Portugueses, 1983. 5 v.).
4. Jean Levi, Los funcionarios divinos: Política, despotismo y mística en la China antigua.
Madri: Alianza, 1991.
5. James Crump, Chan-kuo ts’e. Oxford: Clarendon, 1970.
6. Uma descrição mais detalhada da questão da guerra na China Antiga pode ser vista em
Ralph D. Sawyer, Ancient Chinese Warfare (Nova York: Basic Books, 2011). O livro de
Marcel Granet, A civilização chinesa (Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1979), traz a visão das
fontes chinesas sobre o cotidiano do período.
7. Yuri Pines, The Birth of an Empire: The State of Qin Revisited. Berkeley: University of
California Press, 2014.
8. Novamente, uma sugestão para aprofundar essa seção é o livro de Anne Cheng, História do
pensamento chinês (Petrópolis: Vozes, 2008).
9. A única versão completa desses textos foi feita, em português, pelo mesmo padre Joaquim
Guerra, que publicou o Livro dos cantares (1979) [Shijing], Escrituras selectas (1980)
[Shujing], O cerimonial (três volumes, 1983) [Liji] e O livro das mutações (1984)
[Yijing], todos pela editora Jesuítas Portugueses, de Macau.
10. Ralph D. Sawyer, The Art ot of War. Nova York: Basic Books, 1994; Id., The Seven
Military Classics Of Ancient China. Nova York: Basic Books, 2007.
11. Jean Levi, Sun Tzu, L’Art de la guerre. Paris: Hachette, 2000.
* A grafia mais atual é Sunzi, mas nesta edição usaremos a versão consagrada, Sun Tzu. (N. E.)
Introdução
JOHN MINFORD
O Caminho da Guerra é um Caminho de Ardis.
Mestre Sun, capítulo 1
O breve tratado A arte da guerra, do Mestre Sun, é ao mesmo tempo
inspirador e sinistro. É belo e tenebroso. Concentra uma parte da
essência irredutível da cultura chinesa e é uma obra conhecida há
séculos pela elite cultural do país. Só esses fatos já conferem uma
importância extraordinária a este livro, que precisa ser lido por
qualquer pessoa que pretenda lidar com a China ou o Japão. Durante
a Segunda Guerra Mundial, E. Machell-Cox produziu uma versão
para a Royal Air Force (RAF), a força aérea britânica. “O Mestre Sun”,
escreveu ele, “é fundamental, e sua leitura, se feita com discernimento,
expõe o mecanismo mental de nosso inimigo. Estude-o, e volte a
estudá-lo. Não se deixe enganar por sua simplicidade.”1 Hoje, com a
atuação cada vez mais presente da China no mundo, o Mestre Sun se
tornou leitura obrigatória para empreendedores globais. “A primazia
suprema vem não da vitória em qualquer batalha, mas da derrota do
inimigo sem sequer um combate” (capítulo 3). Ou, nas palavras de
Gordon Gekko, o especulador agressivo do genial Wall Street: poder e
cobiça, filme de Oliver Stone sobre o capitalismo americano do final
do século XX: “Eu faço apostas certeiras. Sun Tzu: ‘Toda batalha é
vencida antes de começar’. Pense nisso”.
Contudo, A arte da guerra oferece mais do que um vislumbre sobre
o modo chinês de fazer as coisas (incluindo os negócios). Como seu
venerável predecessor, O livro das mutações, é uma obra que permite
infinitas aplicações. Já foi até usada como base para um livro
americano de autoajuda sobre relacionamentos.2 Com certeza também
poderia servir para um livro sobre tênis, culinária ou direção
defensiva. Os conselhos estratégicos que o texto oferece referem-se a
muito mais do que conduta durante a guerra. É um livro antigo de
sabedoria proverbial, um livro para a vida.
PLANOS ASTUTOS, CULTURA POPULAR
A cidade vazia
O livro Sanguo yanyi [Romance dos três reinos], composto em algum
momento dos séculos XIV ou XV, foi descrito como uma expansão
vernácula das ideias do Mestre Sun, uma versão romanceada de “guia
popular de guerra, uma descrição da estratégia clássica e das soluções
táticas que faziam parte da antiga teoria da guerra, uma lição
simplificada sobre a teoria clássica [da guerra]”.3 Em uma cena do
capítulo 38, o “Dragão Adormecido” Zhuge Liang (181-234), o mais
famoso de todos os magos estratégicos da China, finalmente encontra
Liu Bei (161-223), aspirante ao trono da dinastia Han — que estava em
declínio. É a terceira vez que Liu visita o refúgio do ermitão, depois de
duas tentativas infrutíferas. O Dragão está em casa, e Liu o encontra
pessoalmente, uma figura marcante trajada com véu de seda e um
manto taoista* forrado de penas de ganso que emanava o “ar
complacente de transcendência espiritual”.4 Liu por fim consegue
recrutar os serviços do ermitão, e o Dragão, “mesmo sem jamais ter
saído de sua choça de palha”, começa a “demonstrar sua presciência
sobre as relações de poder”. Em seguida, ele concebe a campanha
militar de Liu com extraordinária astúcia. Uma das vitórias
estratégicas mais famosas das inúmeras do Dragão acontece cerca de
vinte anos maisde
surpresa. Aconselhe-se com guias locais, siga atalhos, pegue o inimigo
desprevenido, ataque-o quando ele não estiver preparado. Com o uso
pertinente da velocidade, você tirará proveito de um infortúnio.
GILES:* Há de se ver exemplos notórios deste conselho nas duas
famosas travessias dos Alpes — a de Aníbal [247-183 a.C.], que
subjugou a Itália, e a de Napoleão, dois milênios mais tarde, que
resultou na grande vitória em Marengo [1800].
Siga uma rota circular
 
E atraia o inimigo
 
Com vantagens;
Saia depois dele,
 
Mas chegue antes;
 
Isso é o domínio
 
Do reto
 
E do torto.
CAO CAO: Siga uma rota circular [torta] e passe a impressão de que é
uma vasta distância. Pode ser que seu exército comece depois do
inimigo, mas, com cálculos cuidadosos e corretas estimativas da
distância, ainda será possível chegar antes dele.
DU MU: Deixe o inimigo acreditar que sua rota é longa e tortuosa, e ele
abaixará a guarda; instigue-o com a perspectiva de obter lucros, e ele
perderá a concentração. Marche, então, com a máxima rapidez e
pegue-o de surpresa; parta depois dele, mas chegue antes [no local da
batalha], a tempo de ocupar as posições estratégicas.
Quando as forças de Qin atacaram Han [270 a.C.], o rei de Zhao
[aliado de Han] consultou Lian Po, o qual alertou que a distância seria
grande demais e o terreno a transpor, acidentado e difícil demais [para
eles intervirem em Han]. O rei então se voltou para Zhao She, que
admitiu o caráter perigoso da marcha, mas disse: “Seremos como dois
ratos lutando dentro de um buraco — e o mais corajoso vencerá!”.
Então ele partiu de Handan, a capital de Zhao, mas, depois de viajar
apenas umas três léguas, deu ordem para que seus homens armassem
acampamento. Por 28 dias eles mantiveram essa posição. O general
Zhao fez questão de passar aos espiões de Qin a imagem de que ele e
seus homens não desejavam seguir viagem até Han. E então, assim que
os espiões voltaram para comunicar a seus líderes o que haviam visto,
Zhao partiu em marcha forçada por duas noites e um dia. Ele
surpreendeu o exército de Qin, ocupou o terreno elevado ao norte do
inimigo e conquistou uma estrondosa vitória.
O confronto pode dar
 
Frutos;
 
Pode haver
 
Riscos.
CAO CAO: Tudo depende da habilidade do guerreiro.
Pode-se ir com tudo
 
Ao confronto
 
Para ter fruto,
 
E ainda assim perder
 
Tudo.
CAO CAO: Você pode chegar tarde.
MEI YAOCHEN: É trabalhoso e leva tempo ocupar um exército todo com
uma manobra.
JIA LIN: Melhor formular um plano sutil, mantê-lo em segredo e
convencer o inimigo de que você está seguindo por uma rota longa e
circular [torta]. E então pegá-lo de surpresa.
Deixe o acampamento
 
E entre no confronto
 
Para ter fruto,
 
E você pode perder
 
Equipamentos.
DU MU: Usar o exército inteiro [incluindo as carroças de equipamentos]
em um ataque é trabalhoso e leva tempo. Mas, se atacar com tropas
ligeiras, os equipamentos talvez fiquem desprotegidos e se percam.
DU YOU: O inimigo talvez tire proveito desse ponto “vazio” [fraco] e
aniquile sua retaguarda enquanto você ataca com tropas ligeiras.
Dê ordem de marcha
 
A seus homens
 
Com armadura
 
Dia e noite,
 
Sem parar,
 
Por oito léguas
 
A passo duplo
 
Para ter fruto,
 
E perderá
 
Seus comandantes.
 
Os mais vigorosos
 
Estarão na vanguarda;
 
Os mais fracos,
 
Atrás.
 
Chegará
 
Um em dez.
CAO CAO: Não lute depois de marchar por oito léguas. Todos os seus
comandantes serão capturados.
DU MU: Um dia de marcha corresponde em média a duas léguas, e ao
final disso os homens normalmente armam acampamento. Eles podem
fazer marchas forçadas de oito ou dez léguas, mas, se iniciarem uma
batalha logo em seguida, estarão exaustos, e todos os oficiais serão
capturados.
LI QUAN: Certa vez, quando perseguia Liu Bei, Cao Cao percorreu
trinta léguas em 24 horas. […] Isso o levou à derrota na famosa
Batalha dos Penhascos Vermelhos [208 d.C.]. E, quando Pang Juan
perseguiu Sun Bin [c. 341 a.C.], foi morto em Maling.
Marche quatro léguas
 
Para lucrar,
 
E o comandante
 
Da vanguarda
 
Cairá;
 
Só metade da tropa
 
Chegará.
Marche duas léguas
 
Para lucrar,
 
E dois em três
 
Chegarão.
Sem equipamento,
 
Perde-se um exército;
 
Sem suprimentos,
 
Perde-se um exército;
 
Sem provisões,
 
Perde-se um exército.
Sem saber os planos
 
Dos senhores feudais,
 
Não se pode
 
Formar alianças.
Sem conhecer
 
Morros e matas,
 
Grutas e penhas,
 
Brejos e charcos,
 
Não se
 
Marcha.
Sem usar guias locais,
 
Não se
 
Explora
 
O terreno.
DU MU: Como diz o Mestre Guan: “Na guerra, o general precisa
estudar os mapas da região. Precisa conhecer os passos que são difíceis
para carroças, os trechos dos rios que apresentam cheias; precisa se
familiarizar com serras, vales e rios, com a topografia e o relevo em
geral, as variações de vegetação, as distâncias associadas às diversas
rotas, o tamanho e a importância relativa das diversas cidades
fortificadas, a pobreza relativa das várias regiões. Tudo isso ele precisa
saber. Apenas quando sua memória armazenar toda essa informação é
que ele poderá tirar proveito do terreno”.
E o duque Li Jing disse, certa vez: “Revista seu ataque de sigilo,
como fazem os bandos de ladrões nas estradas. Escolha homens
corajosos e comandantes inteligentes. Com a ajuda de guias locais,
penetre a fundo nas montanhas e florestas, sem emitir ruído, sem
deixar rastros. Às vezes, esses homens usam nos pés calçados cortados
em imitação à pata de animais, produzindo nas montanhas apenas
pegadas animais; às vezes, eles se escondem na vegetação rasteira,
usando na cabeça adereços que imitam as plumas das aves. Assim, eles
conseguem escutar os sons mais distantes, conseguem enxergar as
cenas mais remotas. Podem alcançar o máximo de concentração e
determinar o momento exato para agir. Podem alcançar o máximo de
atenção e perceber os sinais mais sutis. A partir de um resquício de
movimento na água, eles sabem quando o inimigo atravessa um vau;
pelo tremular de um galho, eles sabem quando se aproximam os
reforços do inimigo”.
JOHN MINFORD: Os últimos catorze versos do texto do Mestre Sun
voltam a aparecer no capítulo 11.
A guerra
 
Se baseia em
 
Ardis;
DU MU: Engane o inimigo, mantenha-o ignorante de sua situação, e a
vitória será sua.
WANG XI: Isso significa endireitar o torto, tirar proveito de infortúnios.
JOHN MINFORD: Houve quem destacasse que o general Schwarzkopf
estava seguindo o Mestre Sun ao pé da letra na Guerra do Golfo,
quando enganou Saddam Hussein quanto à natureza verdadeira de
seu ataque, ao ameaçar uma ofensiva anfíbia no leste e lançar um
ataque desimpedido no oeste. Giles faz alusão a Turenne (1611-75, o
marechal da França de Luís XIV), cujas táticas conferiam uma posição
de destaque aos ardis usados para iludir o inimigo, em especial quanto
ao poderio numérico das tropas francesas.
Movimentos se determinam
 
Por vantagens;
ZHANG YU: Mova-se apenas quando perceber alguma vantagem; não
faça ataques fúteis.
Divisão e unidade
 
São os elementos de
 
Mudança.
CAO CAO: Divisão e união de tropas — essas mudanças resultam [da
observação] do inimigo.
DU MU: Em certas ocasiões, divida, em outras, una; confunda o
inimigo. Observe a reação dele às suas disposições e então improvise
de acordo e obtenha a vitória.
ZHANG YU: Em certas ocasiões, divida e disperse suas disposições; em
outras, una e concentre seu potencial. Essas mudanças resultam das
ações do inimigo.
JOHN MINFORD: Como destacou o general Sam Griffith (p. 51), o
presidente Mao parafraseia esse trecho diversas vezes. Por exemplo:
“Um comandante se revela sábio […] quando é capaz de dispersar,
concentrar ou deslocar suas forças a tempo de acordo com
circunstâncias específicas. Não é fácil adquirir essa sabedoria que
consegue antever mudanças e essa noção de tempo apropriado…”.
Seja veloz como o vento;
CAO CAO: Ao atacar o vazio.
MEI YAOCHEN: Ao chegar sem deixar rastros.
Imponentecomo um bosque;
MENG: Quando em marcha lenta, há de se preservar a ordem e as
fileiras tal qual [uma linha de árvores em] uma floresta, a fim de se
proteger contra ataques-surpresa.
Ávido como um incêndio;
ZHANG YU: Como se diz no Livro das canções: “Feroz como um
incêndio, que ninguém pode conter”.
Firme como uma montanha.
ZHANG YU: Como diz o Mestre Xun [capítulo 15, “Sobre questões
militares”]: “Quando se encontra no acampamento [isto é, imóvel], [o
exército do Homem Perfeito] é sólido como uma rocha; quem se
debater contra ele acabará quebrado, destruído”.
JOHN MINFORD: Segundo Griffith (p. 106), essas quatro frases foram
usadas como bordões nos estandartes de um guerreiro japonês do
século XVI chamado Takeda Harunobu (o monge zen “arcebispo
Shingen”, † 1573). Esse mesmo general, conhecido por ser um erudito
estudioso e contemplativo, também era um comandante impiedoso e
brutal, e seus materiais de acampamento provavelmente incluíam três
caldeirões grandes para cozinhar criminosos.
Inescrutável como a noite;
ZHANG YU: Quando nuvens escuras cobrem o céu e é impossível
detectar a luz do amanhecer.
Ágil como trovões ou raios.
ZHANG YU: Ataque de repente, como um trovão ou um raio, rápido
demais para ser rechaçado. Como diz o Duque Ancestral, “o estrondo
de um trovão não espera até se cobrirem os ouvidos; o relâmpago
irrompe antes que os olhos tenham chance de piscar”. [Comparar com
o comentário de Chen Hao no capítulo 2.]
Saqueie o campo,
 
Divida o butim;
CAO CAO: Permita que o inimigo crie sua vitória.
ZHANG YU: Aqui se trata simplesmente de aplicar o conselho anterior
do Mestre Sun de que “o general sábio precisa nutrir seu exército com
o inimigo”. O inimigo relutará em ceder seus modestos pertences.
Amplie o território,
 
Distribua os lucros.
CHEN HAO: Aquartele seus homens no território e permita que eles
cuidem da semeadura e colheita.
GILES: Foi graças a esse princípio, e ao aproveitamento das terras
invadidas, que os chineses conseguiram realizar algumas de suas
expedições mais memoráveis e vitoriosas, como a de Ban Chao [32-102
d.C.], que avançou pela região do Cáspio, e as mais recentes [do
general manchu] Fukangan [† 1796] e de Zuo Zongtang [1812-85].
JOHN MINFORD: Fukangan liderou diversas expedições à Ásia Central e
ao Tibete; Zuo Zongtang foi um dos principais responsáveis pela
criação da província de Xinjiang (conhecida antigamente como
Turquestão Oriental) em 1884. Convém lembrar que Giles escrevia
durante os últimos dias do imperialismo, quando as ambições da
China na Ásia Central pareciam perfeitamente razoáveis.
Pondere a situação
 
Antes de agir.
A vitória pertence àquele
 
Que domina
 
O estratagema
 
Do reto e
 
Do torto.
Essa é a
 
Arte do Confronto.
GILES: Com essas palavras, seria natural que se encerrasse o capítulo.
Mas a partir daqui se segue um longo apêndice na forma de excerto de
um livro anterior sobre Guerra, agora perdido, mas aparentemente
acessível na época do Mestre Sun.
Diz o Manual Militar:
MEI YAOCHEN/WANG XI: Um antigo clássico militar.
GILES: Considerando que ao longo dos séculos antes da época do
Mestre Sun era extraordinária a quantidade de conflitos entre os
diversos reinos e principados chineses, não chega a ser improvável a
formulação e o registro de um conjunto de máximas militares em
algum período anterior.
Quando ouvidos não ouvem,
 
Use tambores.
Quando olhos não veem,
 
Use estandartes.
Tambores e
 
Estandartes
 
São os
 
Ouvidos e olhos
 
Do exército.
ZHANG YU: Se a visão e a audição se concentram simultaneamente no
mesmo objeto, as manobras de 1 milhão de soldados serão iguais às de
um único homem. Daí a afirmação anterior do Mestre Sun: “Lutar
com muitos é o mesmo que lutar com poucos; é uma questão de
sinalizar às tropas a formação, usar bandeiras de identificação”.
Em um exército concentrado,
 
Os bravos não
 
Avançam sós,
 
Nem os medrosos
 
Recuam sós.
DU MU: Quando o Mestre Wu enfrentou o reino de Qin, havia um
oficial que, antes do início da batalha, foi incapaz de controlar o
próprio ímpeto. Ele avançou e voltou com duas cabeças. O Mestre Wu
determinou que ele fosse decapitado. Um comandante protestou: “Ele
é um oficial talentoso. Não devia ser decapitado”. O Mestre Wu então
respondeu: “Não questiono esse fato. Mas ele agiu sem ordens”. O
homem foi decapitado.
ZHANG YU: Como reza o ditado, aqueles que avançam sem ordens e
aqueles que recuam sem ordens são igualmente condenáveis.
Essa é a Arte
 
Da Gestão de Muitos.
Se lutar à noite,
 
Use tochas e tambores;
Durante o dia,
 
Use estandartes;
 
Para transformar
 
Os ouvidos e olhos
 
Das tropas.
CHEN HAO: No final da era Tian-bao [742-756 d.C.], Li Guangbi
avançou rapidamente com uma cavalaria de quinhentos homens até
Heyang, exibindo uma vasta quantidade de tochas. [O líder rebelde]
Shi Siming, diante dessa força grande, não se atreveu a interferir.
É possível privar
 
De espírito
 
Todo um exército;
LI QUAN: Privá-lo do ímpeto e da coragem. O reino de Qi atacou o de
Lu em Changshao. Os tambores de Qi soaram, e o duque de Lu estava
prestes a ir à batalha quando Cao Gui, seu conselheiro, recomendou
que ainda não era o momento certo. Depois de soarem três vezes os
tambores de Qi, Cao disse que chegara o momento. Eles foram à
batalha, e o exército de Qi foi completamente derrotado. O duque de
Lu perguntou a Cao qual havia sido seu raciocínio. “Batalha”,
respondeu o conselheiro, “é uma questão de coragem e espírito.
Depois de um toque dos tambores, o espírito deles estava elevado;
depois de dois, eles haviam começado a esmorecer; depois de três,
estavam desmotivados. Eles estavam desmotivados, nós estávamos
com o espírito em alta. Foi por isso que vencemos.”
ZHANG YU: Na guerra, pode-se inspirar uma sensação de raiva no
exército para que ele se torne irresistível. O inimigo chegará no auge
de sua motivação, e em vez de enfrentá-lo nesse momento devemos
desgastá-lo, esperar até que seu ímpeto e a coragem fraquejem, e só
então atacar. Assim, podemos privá-los do espírito.
WUZI BINGFA, capítulo 4, “Generalato”: Na guerra, existem quatro
elementos vitais: espírito, terreno, situação, força.
É possível privar
 
De raciocínio
 
Um general.
ZHANG YU: A mente é o principal recurso do general. Ela lhe permite
criar ordem a partir da desordem, substituir medo por coragem. O
Guerreiro Hábil perturba e desorganiza o inimigo, ele o acossa e o
confunde, ele o persegue e o enche de medo. Priva-o da presença de
espírito, de sua capacidade de raciocínio estratégico. […] Disse o
duque Li: “Ataques não se limitam a cidades e formações militares.
Nós dominamos a arte de atacar a mente”. O ataque à mente inclui
nutrirmos nossa própria mente, nossa própria ideia de tranquilidade e
ordem, e então privar a mente do inimigo.
MEI YAOCHEN: Quando um exército perde o moral, o general perde a
presença de espírito.
No soldado o espírito
 
É mais agudo
 
De manhã;
JOHN MINFORD: É irresistível acrescentar o comentário tipicamente
eduardiano de Giles (que não deixa de fazer referência a Tito Lívio):
“Contanto que não se dispense, claro, o desjejum. Na batalha do
Trébia [218 a.C.], os romanos cometeram a insensatez de combater em
jejum, enquanto os homens de Aníbal haviam comido à vontade”.
Durante o dia,
 
Se abate;
 
À noite,
 
Começa a
 
Pensar em casa.
O Guerreiro Hábil
 
Evita o espírito agudo,
 
Ataca o abatido
 
E o saudoso;
JOHN MINFORD: O presidente Mao usa essa máxima do Mestre Sun:
“Durante a resistência em Jiangxi contra a terceira Campanha de
Extermínio de Chiang Kai-shek, o Exército Vermelho realizou um
recuo extremo. […] Mas isso foi essencial para nossa vitória final,
visto que, na época do Terceiro Extermínio, as forças inimigas eram
dez vezes maiores que as do Exército Vermelho. Quando o Mestre Sun
fala de ‘evitar o espírito agudo e atacar o abatido e o saudoso’, ele se
refere a deixar que o inimigo se esgote e perca o moral,para então
derrotar seu poderio superior” (Selected Works, p. 192).
Isso é
 
Domínio do Espírito.
ZHANG YU: Nutrir o próprio espírito e privar o inimigo do dele.
Ele confronta o caos
 
Com disciplina;
Ele trata tumulto
 
Com calma.
 
Isso é
 
Domínio da Mente.
DU MU: Como se diz no Sima fa, “sua mente é firme”. Ele deixa que o
inimigo conceba sua vitória. Sua mente já é firme, mas ele a regula e a
mantém plácida e forte, para que não se perturbe por acontecimentos
nem se iluda por percepções de vantagem. Ele espera o inimigo se
tornar caótico, espera o inimigo se tornar tumultuoso, e então realiza
o ataque.
HE YANXI: O general precisa usar a sutileza de sua própria mente e,
com ela, confrontar as vastas forças inimigas e resistir aos lobos
famintos; precisa contemplar sabiamente as oscilações das
circunstâncias, os altos e baixos da vitória e da derrota; precisa
manter a calma; caso contrário, como seria possível sempre reagir aos
acontecimentos com infinito engenho, como seria possível evitar a
confusão? Ele precisa se manter impassível diante de grandes
adversidades; precisa não se deixar iludir pelas infinitas
complexidades do mundo. Sua disciplina precisa bastar para se opor
ao caos do inimigo; sua calma precisa bastar para se opor ao tumulto
do inimigo; aí ele poderá ver o inimigo como se fosse um mero ladrão.
Ele opõe distância
 
Com proximidade;
Ele opõe exaustão
 
Com tranquilidade;
Ele opõe fome
 
Com abundância;
Isso é
 
Domínio da Força.
ZHANG YU: O perfeito domínio da própria força e da exaustão do
inimigo.
Ele não intercepta
 
Estandartes organizados;
Ele não ataca
 
Uma formação perfeita.
Isso é
 
Domínio das Mutações.
ZHANG YU: É essencial o conhecimento e a compreensão das
circunstâncias mutáveis. Esse Caminho da Mutação, o perfeito
domínio das mutações, é reagir às circunstâncias do inimigo.
Estes são axiomas
 
Da Arte da Guerra:
 
Não avance morro acima.
 
Não enfrente um inimigo
 
Diante de uma colina.
CAO CAO: O trecho diz respeito à energia potencial do terreno.
ZHANG YU: Disse Zhuge Liang que: “Ao combater em terreno
montanhoso, não se posicione de frente para a encosta. Quando o
inimigo descer, não o confronte. O potencial da situação não é
favorável. Faça-o ir até terreno plano e o combata ali”.
Não persiga um inimigo
 
Que simula fuga.
DU MU/LI QUAN: Por risco de emboscada.
Não ataque
 
Tropas astutas.
 
Não morda
 
Uma isca.
MEI YAOCHEN: O peixe que anseia a isca é fisgado; o exército que
anseia a isca é derrotado. Quando o inimigo tenta nos fisgar, não
podemos jamais aceitar a isca.
ZHANG YU: No San lüe, diz-se: “Por trás de todo bocado suculento de
isca há um peixe fisgado”.
Não impeça
 
Um regresso ao lar.
MENG: Quando os homens pensam em voltar para casa, eles lutam até
a morte, e ninguém é capaz de impedi-los.
ZHANG YU/DU MU/GILES: Quando os soldados estão em território
estrangeiro, todos pensam em voltar para casa. Eles lutarão até a
morte contra qualquer um que se puser em seu caminho. Como disse o
[grande general] Han Xin: “Quem seria capaz de derrotar soldados
que estão pensando na volta ao lar?”. [Em 198 a.C.] Cao Cao se viu
cercado entre dois inimigos, que controlavam cada um dos acessos ao
desfiladeiro. Ele sabia que sua situação era desesperadora. Abriu um
túnel na montanha e preparou uma emboscada. E então seguiu em
marcha com as carroças de equipamentos. Quando clareou o dia,
Zhang Xiu, o general inimigo, viu que Cao Cao havia recuado e
ordenou uma perseguição impetuosa. Assim que todo o exército deles
passou, as tropas ocultas de Cao Cao se abateram sobre sua
retaguarda, e o próprio Cao se virou e enfrentou os perseguidores pela
dianteira, lançando-os num estado de confusão e aniquilando-os. Mais
tarde, Cao Cao disse que “os bandoleiros tentaram impedir que meu
exército voltasse para casa e me levaram a combater em uma posição
desesperada [em campo letal]: por isso eu sabia o caminho da vitória”.
[Comparar com Sanguo yanyi, capítulo 18.]
Deixe espaço
 
Para um exército cercado.
DU MU: Permita que o inimigo acredite que existe uma rota para a
segurança. Essa crença o impedirá de lutar com a coragem do
desespero. E então ataque.
HE YANXI: Cao Cao cercou a cidade de Huguan e deu a seguinte
ordem: “Quando a cidade cair, todos os habitantes serão enterrados
vivos”. Passaram-se meses, e a cidade não caiu. Cao Ren disse ao
senhor que, “durante um cerco, é sempre importante que se permita
uma saída para a segurança [uma abertura para a vida]. Mas o senhor
mandou avisar que serão todos executados, então eles estão lutando
pela própria vida. Além do mais, a cidade é fortificada, e eles estão
bem abastecidos. Se atacarmos, uma grande quantidade de soldados e
oficiais acabará ferida. […] Prolongar esse cerco a uma cidade forte,
combater homens determinados a lutar até a morte, não é um bom
plano”. Cao Cao seguiu o conselho, e a cidade se rendeu.
Não pressione
 
Um inimigo acossado.
CHEN HAO: Aves e feras, quando acossadas, vão arranhar e morder.
ZHANG YU: Se seu adversário queimou os barcos, destruiu as panelas
dele e está preparado para apostar tudo na batalha, não se deve
pressioná-lo muito.
HE YANXI/GILES: o general chinês Fu Yanqing da [breve] dinastia Jin
Posterior, no período das Cinco Dinastias, e o colega Du Zhongwei
foram cercados por um exército muito superior de kitais [em 945 d.C.].
A região era árida e desértica, e a pequena força chinesa logo se viu
em desespero com a falta d’água. […] Mais e mais homens e cavalos
morriam de sede. Por fim, Fu Yanqing disse: “Estamos desesperados e
acossados! Muito melhor morrer pelo reino do que permitir que nos
capturem e amarrem nossas mãos!”. Por acaso, uma ventania forte
soprava desde o nordeste e escurecia o céu com pesadas nuvens de
areia. Du Zhongwei preferia esperar até que o vento passasse para
então decidir um ataque final. Mas, felizmente, um oficial chamado Li
Shouzhen conseguiu perceber a oportunidade e disse: “Eles estão em
muitos, e nós somos poucos, mas no meio da tempestade de areia será
impossível definir nosso tamanho. A vitória irá para o combatente
esforçado, e o vento será nosso melhor aliado”. Fu Yanqing então
lançou uma ofensiva súbita e totalmente inesperada com a cavalaria,
derrotou os bárbaros e conseguiu se salvar.
DU MU: O rei Fu Chai [de Wu, filho de He Lü, soberano do Mestre
Sun] disse certa vez que “animais selvagens, quando cercados, lutarão
desesperadamente. Quanto mais não fariam os homens?”. Durante o
reinado do imperador Xuan, da dinastia Han [74-49 a.C.], o general
Zhao Chong’guo marchou para reprimir os bárbaros qiang [no
sudoeste]. Quando viram seu vasto exército, os qiang abandonaram
suas carroças de equipamentos e rumaram para o rio a fim de
atravessá-lo. O caminho passava por um desfiladeiro estreito, e Zhao
os seguiu a um ritmo tranquilo. Um de seus oficiais perguntou: “Por
que estamos avançando tão devagar, quando a presa está ao nosso
alcance?”. Zhao respondeu: “Não se deve pressionar um inimigo
acossado. Se eu o perseguir com tranquilidade, ele não vai se virar. Se
eu o pressionar, ele vai se virar e lutar até a morte”. Seus oficiais o
saudaram pela habilidade. Na ocasião, muitos qiang se afogaram e
foram completamente derrotados.
Essa é
 
A Arte da Guerra.
* Sobre o comentário de He Yanxi, acima. [N. T.]
8
 
As nove mudanças
WANG XI: Nove representa simplesmente uma quantidade grande. Na
guerra, existem infinitas variedades.
ZHANG YU: As mudanças aqui se referem à classe de improviso que
ignora precedentes e normas, à flexibilidade que descobre um
expediente para toda situação.
JOHN MINFORD: As Nove Mudanças provavelmente são as nove
determinações, desde “Em terreno intransitável, não acampe” até
“Alguns terrenos não se disputam”. A última (décima) determinação,
“Algumas ordens do rei não se cumprem”, pode ser aplicada a todas
as nove.
Disse o Mestre Sun:
Na Guerra,
 
O general
 
Recebe ordens
 
Dosoberano,
 
Reúne soldados
 
E forma a tropa.
ZHANG YU: Esse trecho faz eco com o capítulo anterior.
JOHN MINFORD: Giles ressalta que o trecho se “repete no capítulo 7,
onde com certeza faz mais sentido. É possível que tenha sido inserido
aqui apenas a fim de fornecer um início para o capítulo”. Ames
comenta que “a extensão atipicamente breve deste capítulo pode
sugerir um problema textual mais sério”.
Em terreno intransitável,
 
Não acampe;
ZHANG YU: Montanhas e florestas, grutas, penhas, brejos, charcos —
qualquer terreno que seja difícil de transpor é considerado
intransitável. Não fornece qualquer recurso vantajoso, então o
exército não pode acampar nele.
JOHN MINFORD: Esses terrenos voltam a ocorrer com algumas variações
no capítulo 11 (assim como a descrição que Zhang Yu faz de “terrenos
intransitáveis”, palavra por palavra).
Em terreno de encruzilhada,
 
Una-se a aliados;
ZHANG YU: Terreno com ligações por todos os quatro lados, onde
convém recorrer aos vizinhos e formar alianças.
Em terreno de risco,
 
Não se demore;
ZHANG YU: Terreno situado para além da fronteira, em território hostil.
LI QUAN: Terreno onde não haja fontes ou poços, rebanhos, plantações
ou lenha.
JIA LIN: Gargantas, abismos e precipícios, sem estradas.
Em terreno encerrado,
 
Planeje estratégias;
JIA LIN: Quando estamos cercados de precipícios por todos os lados,
quando o inimigo pode se deslocar enquanto não temos condições de
nos movimentar livremente, nesse tipo de terreno, é deveras necessário
o uso de raciocínio estratégico e engenhoso para nos salvarmos e
impedirmos que o inimigo nos prejudique.
Em terreno letal,
 
Combata.
LI QUAN: Posicione tropas onde eles enfrentem a morte certa, e assim
eles se identificarão com o conflito. Foi o que aconteceu quando Han
Xin derrotou o exército de Zhao [ao atravessar com seus homens o
desfiladeiro, utilizando um estratagema sutil].
MEI YAOCHEN: Há obstáculos à frente e atrás. Decide-se lutar até a
morte.
Algumas estradas
 
Não se pegam.
LI QUAN: Especialmente as que atravessam passos estreitos, onde há
perigo de emboscada.
TIRAS DE BAMBU DA MONTANHA DO PARDAL PRATEADO: Onde uma
penetração superficial impede que nossa vanguarda atue de modo
adequado ou uma penetração aguda nos separe de nossa própria
retaguarda. Em uma situação dessas, o avanço não proporciona
vantagem alguma, e a permanência ainda resulta em captura.
JOHN MINFORD: Esse trecho das Tiras de Bambu acima e os quatro a
seguir foram extraídos do texto reconstituído com o título “As quatro
mudanças”. Ver Li Ling (1997, p. 176).
Alguns exércitos
 
Não se atacam.
TIRAS DE BAMBU DA MONTANHA DO PARDAL PRATEADO: Como quando
dois exércitos estão acampados um de frente para o outro. Calculamos
que temos forças para derrotar o inimigo e capturar o comandante.
Mas, a longo prazo, é possível que eles tenham elaborado algum
estratagema astuto. […] Em uma situação dessas, seria melhor não
atacar.
CAO CAO: Ainda que seja possível atacar um exército, talvez o terreno
seja acidentado e inóspito. O exército que nele permanece corre o
risco de perder alguma vantagem anterior; e qualquer vantagem
obtida com a ocupação do terreno é irrisória. Por sua vez, as forças
inimigas, pressionadas, lutariam até a morte.
WANG XI: Em minha opinião, não se deve atacar soldados oferecidos
como isca, soldados de elite, soldados com estandartes organizados e
em perfeita formação.
CHEN HAO: Quando observar alguma vantagem trivial, mas não for
possível derrotar o inimigo, não ataque, para não esgotar as forças de
seus homens.
DU MU: Entre os exércitos que não se deve atacar incluem-se: tropas
astutas, exércitos em regresso, exércitos desesperados, exércitos em
terreno letal.
Algumas cidades
 
Não se sitiam.
TIRAS DE BAMBU DA MONTANHA DO PARDAL PRATEADO: Podemos calcular
que temos forças para conquistar uma cidade, mas, se sua conquista
não conferir vantagem alguma, e se, depois de conquistá-la, venha a
ser difícil preservá-la […], seria melhor não sitiá-la.
CAO CAO: Se uma cidade é pequena, fortificada e bem abastecida, não
se deve sitiá-la. Eu mesmo decidi ignorar Huabi e adentrar o coração
de Xuzhou, e o resultado foi a conquista de catorze cidades
importantes.
DU MU: O trecho provavelmente se refere a um inimigo em posição
estratégica, protegido por muralhas e fossos profundos, com bom
estoque de grãos e comida. O propósito dele é conter nosso exército.
Mesmo se atacarmos essa cidade e a conquistarmos, não haveria
nenhuma vantagem especial; e, se a atacarmos e não a conquistarmos,
a ofensiva certamente desgastaria nosso próprio poderio militar.
Então nem devemos sitiá-la.
ZHANG YU: Não se deve sitiar uma cidade que, se conquistada, não
possa ser mantida ou, se ignorada, não venha a causar problemas.
Xun Ying, ao ser instado a atacar Biyang, respondeu: “A cidade é
pequena e fortificada; mesmo se eu a conquistar, não seria nenhum
grande feito; contudo, se fracassar, eu me tornaria motivo de
chacota”.
GILES: No século XVII, grande parte das guerras [na Europa] ainda
incluía cercos. Foi Turenne quem chamou atenção para a importância
das marchas, contramarchas e manobras. Disse ele: “É um erro grave
desperdiçar homens para tomar uma cidade quando os mesmos
recursos de soldados podem conquistar uma província”.
Alguns terrenos
 
Não se disputam.
TIRAS DE BAMBU DA MONTANHA DO PARDAL PRATEADO (fragmentos):
Montanhas e vales que não oferecem sustento […] vazios […]. Não
dispute esses.
DU MU: Wu Zixu deu a Fu Chai [rei de Wu] o seguinte conselho: “Se
atacarmos o reino de Qi, mesmo se o conquistarmos, seria o mesmo
que [possuir] um pedregal”.
Algumas ordens do rei
 
Não se cumprem.
TIRAS DE BAMBU DA MONTANHA DO PARDAL PRATEADO: Quando as ordens
contrariam as […] mudanças descritas, não as cumpra.
CAO CAO: Se as ordens do soberano não são adequadas para as
circunstâncias, não se atenha a elas.
DU MU: Disse o Mestre Weiliao: “A guerra é um instrumento de mau
agouro. O combate é contrário à virtude. Generais são arautos da
morte. Eles não conhecem Céu ou Terra, não respeitam o inimigo ou
seu próprio soberano”.
ZHANG YU: Disse o rei Fu Chai: “Se é o correto, faça; não espere
ordens”.
JOHN MINFORD: Esta não é uma décima determinação, apenas uma
observação geral que pode ser aplicada a todas as outras nove.
O general
 
Que entende as vantagens
 
Das Nove Mudanças
 
Compreende a Guerra.
JIA LIN: Ele se fundamenta pela dinâmica da oportunidade, adapta-se às
circunstâncias mutáveis, segue a perspectiva de vantagens e deixa que
as vantagens decidam, não segue com rigor os precedentes. Assim, ele
pode colher os frutos (vantagens) da flexibilidade total.
O general
 
Que ignora vantagens
 
Das Nove Mudanças
 
Pode entender o terreno,
 
Mas jamais tirará
 
Vantagem
 
Do conhecimento.
JIA LIN: Pode ser que entenda o terreno, mas, se sua mente não estiver
sintonizada às mudanças, ele não apenas será impedido de colher as
vantagens, como também estará sujeito ao perigo. Um general tem de
prezar a adaptabilidade às mudanças.
ZHANG YU: Todo tipo de campo ou território tem certas características
naturais fixas (o terreno) e contém ainda certa dinâmica de mudança.
Um mero conhecimento das características topográficas de pouco
adiantará por conta própria, a menos que seja acompanhado da
compreensão da dinâmica [às vezes imprevisível] de mudança.
O guerreiro
 
Que ignora a Arte
 
Das Nove Mudanças
 
Pode conhecer as
 
Cinco Vantagens,
 
Mas não tirará todo o
 
Proveito da tropa.
JIA LIN: Se ele for capaz de mudar quando se vir diante do potencial da
situação, a vantagem permanecerá intacta e o perigo continuará com o
inimigo. Não existem modelos constantes. Se ele for capaz de assimilar
esse princípio, poderá tirar o máximo proveito da tropa.
Uma estrada pode ser curta [em termos topográficos], mas pode
também conter numerosos obstáculos naturais e ser um local
suscetível [dinâmico] a emboscadas; portanto,não deve ser percorrida.
Um exército pode estar sujeito [topograficamente] a ataques, mas, se
estiver desesperado e disposto a lutar até a morte [a dinâmica], não
deve ser atacado. Uma cidade pode ser isolada e, portanto,
topograficamente sujeita a um cerco, mas, se estiver bem abastecida,
se o moral das tropas estiver alto, se o líder for inteligente e seus
conselheiros, leais, um elemento [imprevisível, dinâmico] de mudança
se infiltra, e o lugar não deve ser cercado. Um terreno pode ser
disputado, mas, se soubermos que, uma vez conquistado, será difícil
mantê-lo, e que ele não proporcionará vantagens e provavelmente
resultará em contra-ataques e baixas, mais uma vez há de se levar em
conta o elemento de mudança, e o terreno não deve ser disputado. Em
circunstâncias normais, é justo obedecer às ordens do soberano, mas
há circunstâncias em que interferências da corte podem ser
prejudiciais, e nesses casos não se deve obedecer às ordens. Mudanças
como essas precisam ser assimiladas [com flexibilidade] à luz das
circunstâncias; não podem ser determinadas com antecedência. Uma
postura inflexível levará apenas à derrota.
GILES: Percebemos a inutilidade da competência para identificar
fraquezas na armadura do inimigo quando não está acompanhada da
perspicácia de reformular os próprios planos no calor do momento.
O líder sábio
 
Quando delibera
 
Sempre considera
 
Vantagem
 
E dores.
CAO CAO: Em uma situação vantajosa, ele pondera sobre as
desvantagens [as dores]; em uma situação de desvantagem, ele
pondera sobre as vantagens.
Com reflexões sobre
 
Vantagens,
 
Pode atingir
 
A meta;
DU MU: Se queremos obter alguma vantagem do inimigo, não podemos
dedicar a mente apenas a essa vantagem, mas considerar também o
risco [de dores] que o inimigo representa e levá-lo em conta em nossos
cálculos.
MEI YAOCHEN: Se refletirmos sobre as vantagens levando em
consideração as dores, nossa meta será alcançável.
Com reflexões sobre
 
Dores,
 
Pode se livrar de
 
Calamidade.
HE YANXI: Vantagens e dores podem suscitar umas às outras. O
iluminado sempre reflete sobre isso.
DU MU: Se desejarmos nos livrar de uma calamidade provocada pelo
inimigo, não nos basta considerar o poder que o inimigo tem de nos
prejudicar. Jamais podemos perder de vista nossa própria capacidade
de obter vantagem sobre o inimigo. Essa consciência deve
complementar nossa percepção de calamidade e fazer parte de nosso
planejamento. Assim será possível evitar a calamidade. É por isso que
o Mestre Sun acabou de dizer que “o líder sábio, quando delibera,
sempre considera vantagem e dores”. Por exemplo, se o inimigo nos
cerca e só pensamos na ideia [negativa] de debandar e fugir, o moral
de nossos homens fraquejará e o inimigo certamente nos perseguirá e
atacará. Precisamos instar nossos homens a lutar e contra-atacar e
permitir que a perspectiva [positiva] de vitória, a reflexão sobre
vantagens, os motive a romper o cerco.
Aos senhores feudais impõe
 
Submissão
 
Causando-lhes
 
Dores;
JIA LIN: Existem muitas formas de se fazer isso. Ele pode atrair para si
os melhores e mais sábios conselheiros do inimigo, de modo a deixá-lo
sem ministros. Pode introduzir traidores nas fileiras do inimigo e
comprometer seu governo. Pode se utilizar de intrigas e ardis para
semear discórdia entre o soberano e os ministros. Pode provocar
exaustão nos homens do inimigo e, com estratagemas sutis, fazê-lo
desperdiçar o próprio tesouro. Pode corromper a moral do inimigo
com prazeres sensuais. Pode abalar sua mente com belas mulheres.
Todos esses métodos, se executados com sutileza e sigilo, podem
prejudicar o inimigo e subjugá-lo.
ZHANG YU: Obrigue o inimigo a se colocar em posição de danos
inevitáveis, e assim ele se submeterá por vontade própria.
JOHN MINFORD: Giles observa que Jia Lin lista algumas maneiras de
provocar esses danos que “só poderiam ocorrer a uma mente
oriental”.
Ele os desgasta,
 
Mantendo-os
 
Sempre ocupados;
DU YOU: Ele os impede de descansar, tal como o reino de Han fez com
o de Qin ao recomendar que se construísse um canal.
Ele os precipita
 
Com ilusões de
 
Vantagens.
MENG: Nós os fazemos esquecer as Mudanças (Giles: os motivos para
ignorar o primeiro impulso e agir de outra forma) e correr em nossa
direção. Ao mesmo tempo, manipulamos as Mudanças e obtemos
vantagem. Tiramos o máximo proveito de nossas tropas.
O Guerreiro Hábil
 
Não conta com a vinda
 
Do inimigo,
 
Só com seu próprio
 
Preparo.
GILES: O lorde Roberts [general britânico na Índia, no Afeganistão e na
Guerra dos Bôeres, nascido em 1832], a quem as páginas do presente
trabalho foram apresentadas antes da publicação, escreve: “Muitas
das máximas do [Mestre] Sun Wu são perfeitamente aplicáveis ao
momento atual, e [esta] é uma que o povo deste país deveria
apreender”.
Não conta com a falta de ataque
 
Do inimigo,
 
Só com sua própria
 
Invulnerabilidade.
ZHANG YU: Ele deve sempre pensar em calamidade e tomar precauções.
Existem Cinco Perigos
 
Para um general:
Descuido,
 
Que leva à
 
Destruição;
JOHN MINFORD: Descuido: no original, literalmente, a noção de que se
está fadado a morrer.
CAO CAO: Bravura sem raciocínio.
ZHANG YU: O guerreiro descuidado, disposto a lutar até a morte, talvez
não sucumba à força bruta, mas ainda pode ser atraído para uma
emboscada e eliminado. Por isso se diz no Sima fa: “Cortejar a morte
não garante a vitória”. Se o general não tiver estratégia, enviará a
vanguarda para a morte e ainda assim acabará derrotado.
DU MU: Um general insensato que é também corajoso é uma
calamidade. Disse o Duque da Pedra Amarela: “Os valentes são
resolutos na busca pela meta; os insensatos são inabaláveis pela
morte”. Disse o Mestre Wu: “As pessoas sempre esperam ver a
coragem no general. Mas coragem é apenas parte do todo. Um homem
corajoso pode lutar de forma descuidada e ignorar perspectivas de
vantagem [de longo prazo]. Um homem assim não é um General
Hábil”.
Covardia,
 
Que leva à
 
Captura;
JOHN MINFORD: Covardia: no original, literalmente, o desejo de
sobreviver a qualquer custo.
CAO CAO: Aquele que enxerga a vantagem, mas tem medo demais de
avançar.
DU MU: Durante a dinastia Jin do Leste [317-420 d.C.], Liu Yu
atravessou o Yangtzé para perseguir o rebelde Huan Xuan e o
enfrentou na ilha Zhengrong. Liu tinha apenas alguns milhares de
homens, muito menos do que as tropas rebeldes. Mas Huan, por
medo das consequências da derrota, mantinha um pequeno bote de
fuga sempre amarrado à lateral de seu navio, o que comprometeu em
muito o moral de seus homens. Como resultado, quando as forças
imperiais usaram fogo a favor do vento para atacar, derrotaram
completamente o exército de Huan.
MENG: O general covarde, determinado a voltar vivo para casa e
relutante a combater, compromete o moral de seus homens e os deixa
vulneráveis a ataques. Como disse o Duque Ancestral, “ao deixar
passar [uma oportunidade de] vantagem, ele se sujeita ao desastre”.
HE YANXI: Diz o Sima fa: “Aquele que preza a sobrevivência acima de
tudo tende a hesitar”. Hesitação é uma grande calamidade.
Impaciência,
 
Que aceita
 
Provocação;
DU MU: Um inimigo que possua esse temperamento se insulta com
facilidade e pode ser provocado para realizar um gesto destemperado
que o levará à derrota. [Em 357 d.C.], quando foi atacado por uma
força liderada por Deng Qiang, Fu Huangmei e outros, o príncipe
tibetano Yao Xiang se trancou atrás de suas muralhas e se negou a
lutar. Deng Qiang disse a Huangmei que “Yao Xiang tem um
temperamento obstinado, e é fácil provocá-lo. Devemos manter a
pressão, e com o tempo ele vai perder a paciência e sair, e então
poderemos derrotá-lo em uma batalha”. Huangmei seguiu o conselho
dele; Yao Xiang saiu para lutar, furioso, e foi prontamente vencido.
DU YOU: É fácil provocar e matar um homem irritado e impulsivo. Sua
raiva o impede de enxergar as dificuldades.
WANG XI: A grande qualidade de um general é a firmeza.Honra delicada,
 
Que tende à
 
Vergonha;
GILES: Aqui não significa necessariamente que a noção de honra seja
um defeito para um general. Na realidade, o que o Mestre Sun
condena é uma sensibilidade exagerada a relatos caluniosos, o
indivíduo frágil que se deixa afetar [sem necessidade] pela ignomínia,
por mais que não a mereça.
Preocupação pela tropa,
 
Que leva a
 
Problemas.
DU MU: Um general [excessivamente] compassivo e preocupado com
seus homens, por medo de sofrer baixas, não abrirá mão de uma
vantagem a curto prazo em troca de outra a longo prazo.
GILES: Aqui, mais uma vez, o Mestre Sun não está dizendo que o
general deva ignorar o bem-estar de seus soldados. Ele deseja apenas
destacar o perigo de se sacrificar alguma vantagem militar importante
em nome do conforto imediato de seus homens. Trata-se de uma
política míope, porque, a longo prazo, os homens sofrerão mais com a
derrota ou, na melhor das hipóteses, com a prolongação da guerra,
que será sua consequência. É comum que um sentimento equivocado
de pena leve o general a prestar auxílio a uma cidade sitiada ou
reforçar um destacamento sob ataque, contrariando assim seus
instintos militares. Hoje é opinião comum que nossos repetidos
esforços para liberar a cidade de Ladysmith na Segunda Guerra dos
Bôeres [1899-1902] foram repetidos erros estratégicos que de nada
serviram. E, no final, o socorro chegou justamente por aquele que
adotou a resolução específica de não condicionar os interesses do todo
aos sentimentos a favor de uma parte. Um velho soldado de um dos
nossos generais que fracassaram tão notoriamente nessa guerra tentou
defendê-lo uma vez, pelo que me lembro, com o argumento de que ele
sempre foi “muito bom para os homens”. Soubesse ele que, com esse
apelo, estava apenas condenando-o com as palavras do Mestre Sun.
Esses Cinco Excessos
 
Em generais
 
Na guerra são
 
Desastrosos.
Se um exército for derrotado
 
E o general, morto,
 
Certamente será por
 
Essas Cinco Ameaças.
 
Elas exigem toda
 
Atenção e cuidado.
9
 
Em marcha
ZHANG YU: Conhecendo-se as Nove Mudanças, pode-se definir a meta
e marchar.
Disse o Mestre Sun:
Ao assumir posição
 
E confrontar o inimigo:
ZHANG YU: O trecho abaixo, desde “Cruze montanhas” até “São locais
de emboscadas, de espiões”, diz respeito ao posicionamento; o trecho
seguinte, desde “Quando o inimigo está próximo e não age” até “Há
de se ver com grande cuidado”, diz respeito ao confronto com o
inimigo.
GILES: O restante do capítulo [após os dois trechos já identificados por
Zhang Yu] contém algumas observações aleatórias, sobretudo no
tópico da disciplina.
Cruze montanhas,
 
Fique perto de vales;
DU MU: Depois de cruzar as montanhas, o exército deve se manter
perto dos vales, que possuem a vantagem de água e pasto. Como disse
o Mestre Wu: “Não fique nos Fornos do Céu — a entrada de vales
grandes”. Em outras palavras, fique perto dos vales, mas não neles.
ZHANG YU: Fique perto dos vales por causa do abastecimento de água e
pasto, mas também porque é um lugar mais seguro. Na dinastia Han
Posterior, Ma Yuan recebeu ordens de exterminar os bárbaros qiang
de Wudu. Os bandoleiros qiang estavam nas colinas, e Ma ocupou
uma posição favorável, sem dar batalha e no controle de todas as
fontes de água e pasto. Com o tempo, devido à fome e exaustão, os
qiang foram obrigados a se render. Eles claramente não
compreendiam a vantagem de se ficar perto dos vales.
Acampe no alto,
GILES: Não em montes altos, mas em colinas ou outeiros que se elevem
acima do território circundante.
Defronte ao aberto;
CAO CAO: O lado Yang, ou ensolarado.
Lute em declive,
 
Não o contrário.
CAO CAO: Não confronte o inimigo a partir de uma posição inferior.
São as posições da
 
Guerra em montanha.
Cruze rios,
 
Mantenha distância
 
Das águas.
CAO CAO: Para provocar no inimigo a tentação de vir em seu encalço e
cruzá-los.
ZHANG YU: A fim de não restringir seus próprios movimentos.
Se o inimigo cruzar
 
O rio também,
 
Não o confronte
 
Na correnteza.
 
Espere metade da tropa cruzar
 
Antes do ataque.
WUZI BINGFA, capítulo 2: Quando o inimigo estiver cruzando um rio e
apenas metade de seus homens tiver chegado à margem, esse é o
momento de atacar.
ZHANG YU: Espere até ele chegar ao meio do rio. Suas fileiras estarão
em desordem, a vanguarda, distante da retaguarda, e um ataque levará
a uma vitória certa.
HE YANXI: No Período de Primavera e Outono, o duque de Song veio
ao reino de Chu para combater em Hong. Antes que o exército de Chu
cruzasse o rio, os homens de Song já se encontravam em formação de
batalha. O marechal de Song disse: “As forças do inimigo são vastas, e
as nossas são pequenas. Solicito permissão para atacar antes que eles
cruzem”. O duque não concedeu permissão. As forças de Chu
cruzaram, e, antes que tivessem tempo de reunir suas fileiras, o
marechal perguntou de novo. Mais uma vez o duque recusou. O
exército de Chu se posicionou em formação de batalha, e o exército de
Song finalmente atacou e sofreu uma sonora derrota. O próprio duque
sofreu um ferimento da coxa, e sua vanguarda foi totalmente
destruída. Foi porque o duque de Song contrariou essa máxima que
suas forças foram derrotadas.
JOHN MINFORD: Como o general Griffith destaca, essa história inspirou
o presidente Mao a comentar que “não somos como o duque de
Song”.
LI QUAN: Como na grande vitória conquistada por Han Xin contra
Long Ju [o general de Chu] no rio Wei.
JOHN MINFORD: Giles descreve essa famosa batalha entre Han e Long
com base no que registra o Hanshu: “Os dois exércitos [Han e Chu]
estavam posicionados em margens opostas do rio. Durante a noite,
Han Xin deu ordem para que seus homens juntassem 10 mil sacos de
areia e construíssem uma barragem um pouco mais acima na
correnteza. Depois, ele cruzou o rio com metade da tropa e atacou
Long Ju; porém, depois de algum tempo, ele fingiu que a tentativa foi
um fracasso e fez uma rápida retirada para a outra margem. Long Ju
ficou jubilante com esse sucesso inesperado. Exclamou que ‘tinha
certeza de que Han Xin era um covarde’ e começou a cruzar o rio para
persegui-lo. Han Xin então mandou um destacamento romper os
sacos de areia, o que liberou um grande volume de água, que desceu o
rio e impediu que a maior parte do exército de Long Ju atravessasse.
Em seguida, Han Xin avançou contra a força isolada e a aniquilou,
matando inclusive o próprio Long Ju. O restante do exército, na outra
margem, se dispersou e fugiu para todos os lados”.
Se desejar batalha,
 
Não confronte o inimigo
 
Perto do rio.
DU MU: Ou ele terá ressalvas e não atravessará.
DU YOU: Se você esperar o inimigo perto demais do rio, ele não
atravessará [e, portanto, o privará da oportunidade de atacar].
Ocupe terreno alto e
 
Se vire para o aberto.
ZHANG YU: Agrupe suas tropas na margem ou baixe as âncoras de seus
barcos no próprio rio; qualquer que seja o caso, é essencial se manter
acima do inimigo e ficar voltado para campo aberto e ensolarado.
Não avance
 
Contra a corrente.
DU MU: Não se posicione a jusante, para que o inimigo não abra as
comportas e inunde seu exército.
ZHANG YU: [O reino de Wu atacou o de Chu.] Chu deu ordem para que
seu ministro consultasse o oráculo [quanto ao resultado da batalha]. A
resposta não foi favorável. O marechal Sima disse: “Nós estamos a
montante, como pode não ser favorável?”. Então eles atacaram Wu e
venceram.
JOHN MINFORD: Este é o sétimo estratagema no Baizhan qilüe, uma
obra que provavelmente data do início da dinastia Ming e que se
fundamenta em máximas do Mestre Sun e outros tratados militares. O
exemplo histórico é o mesmo que o descrito por Zhang Yu.
São as posições da
 
Guerra em rio.
Cruze pântanos
 
Rápido;
 
Não se demore.
WANG XI: Terrenos salobres e baixos não oferecem sustento algum.
ZHANG YU: Atravesse rapidamente esses terrenos úmidos e nocivos, de
vegetação escassa.
Se precisar lutar
 
Em pântanos,
 
Fique perto dosJuncos
 
E defronte
 
Às árvores.
LI QUAN: Se você for obrigado a permanecer e lutar, essa posição será
menos perigosa e vulnerável.
São as posições em
 
Pântanos.
Em planícies,
 
Ocupe terreno fácil.
CAO CAO: Terreno adequado para bigas e cavalaria.
JOHN MINFORD: Isso é ideia de Cao Cao. O uso de cavalaria se difundiu
no século IV a.C. graças principalmente aos bárbaros nômades (os
xiongnu). Mas, na época do Mestre Sun, se o situarmos na primeira
metade do século V a.C., havia bigas e arqueiros a cavalo, mas não
uma cavalaria constituída.
DU MU: Terreno fácil é liso e firme.
ZHANG YU: Planície, sem depressões e cavidades, adequada para
ataques rápidos e súbitos.
Deixe o terreno alto
 
Para trás e à direita:
DU MU: Disse o Grande Duque: “Um exército deve manter um córrego
ou pântano à esquerda e uma colina ou um moledro à direita”.
JOHN MINFORD: Perceba a semelhança entre esse conselho e os
prestados por especialistas em geomancia no que tange à localização
de residências. Nos dois casos, ao “cliente” se recomenda que extraia
o máximo de proveito da “dinâmica” da situação e das características
topográficas.
Deixe a morte à frente
 
E a vida atrás.
DU MU: Morte é baixo; vida é alto.
ZHANG YU: Embora o Mestre Sun chame de “planície”, existem
pequenas elevações, e essas devem estar situadas atrás e à direita, para
que possamos tirar proveito do terreno; o terreno baixo deve ficar à
nossa frente e o alto, atrás, para que possamos lançar um ataque
veloz.
São as posições em
 
Planície.
Por observar
 
Esses quatro tipos de posição,
ZHANG YU: Montanha, rio, pântano e planície.
O Imperador Amarelo
 
Derrotou
 
Os Quatro Imperadores.
LI QUAN: O Imperador Amarelo recebeu o tratado militar de seu
ministro, Feng Hou.
JOHN MINFORD: Era comum a noção de que o conhecimento de
estratégia militar, assim como o de sexualidade, medicina, geomancia
e outras áreas das ciências ocultas, teria sido revelado misteriosamente
ao Imperador Amarelo, o grande ancestral mítico da civilização
chinesa, em geral por uma mulher (guardiã dos assuntos arcanos).
Segundo uma versão (provavelmente muito posterior) da lenda, o
Imperador Amarelo repousou por três noites em uma bruma no cume
sagrado do monte Tai e lá lhe foram revelados os segredos de um
tratado militar, não por um ministro, mas pela Jovem Sombria, uma
criatura meio humana, meio pássaro. Dizia-se também que Zhang
Liang teria recebido seu tratado militar (As três estratégias do Duque
da Pedra Amarela) de um ancião estranho que ele reencontrou treze
anos depois com a forma de uma pedra amarela; e Sun Bin foi
instruído pelo misterioso Mestre do Vale dos Espíritos.
Essa referência ao Imperador Amarelo ocorre de forma bastante
expandida no texto das Tiras de Bambu, que lista os outros quatro
imperadores que ele derrotou (Vermelho, Verde, Preto e Branco).
Exércitos prezam terreno alto,
 
Negam o baixo;
MEI YAOCHEN: Terreno alto não é só cômodo e salutar, mas também
estrategicamente superior; terreno baixo não é só úmido e nocivo, mas
também prejudicial para o combate.
Eles estimam Yang,
 
Evitam Yin.
ZHANG YU: Yang é leste e sul; Yin é oeste e norte.
MEI YAOCHEN: Terreno Yang é luminoso e fácil; terreno Yin é escuro e
resistente.
JOHN MINFORD: Neste trecho, tanto o tradutor francês Jean Levi
quanto seu antecessor, Marcel Granet, usam para Yang e Yin os
termos provençais adret e ubac, a face ensolarada e a escura da
montanha, alinhados à interpretação tradicional dos comentaristas
chineses, o que parece perfeitamente natural neste contexto. Mas Levi
destaca, com razão, que as palavras chinesas têm uma gama de
sentidos muito mais ampla e abstrata. Nos primeiros versos do
capítulo 1, o Mestre Sun já se refere a Yin e Yang como um aspecto do
Céu, um dos Cinco Fundamentos de todo planejamento militar. Isso
inspira os comentaristas chineses a se lançarem em longas
especulações. Mas não se deve esquecer que até mesmo os primeiros
comentaristas viveram séculos depois do Mestre Sun, que por sua vez
tinha muito menos interesse pelos mistérios da polaridade Yin-Yang.
O tratado de seu descendente, Sun Bin, é muito mais carregado com a
terminologia e filosofia de Yin e Yang.
Nutra a vida,
 
Ocupe terreno sólido.
 
Suas tropas serão fortes,
 
A vitória será certa.
DU MU: A força vital é Yang; terreno sólido é elevado. Nutra a força
vital de seu exército em terreno elevado e assim não sofrerá com a
umidade e outras mazelas de Yin. Você terá saúde e a vitória.
Em morro,
 
Colina,
 
Margem
 
Ou barragem,
Ocupe Yang,
 
Com terreno alto
 
Atrás e à direita.
DU MU/MEI YAOCHEN: Ocupe o flanco oriental e o sul, não
necessariamente em locais elevados, mas em uma posição com
visibilidade clara à frente e o terreno “sólido” elevado atrás e à
direita.
ZHANG YU: Um aspecto Yang significa clareza; o terreno alto atrás
significa segurança.
Use o terreno
 
A favor de seu exército.
MEI YAOCHEN: A dinâmica estratégica do terreno trabalha a seu favor.
Quando as chuvas no rio
 
Produzem enchente,
 
Espere a água baixar
 
Antes de cruzar.
Se do Céu você vir
 
Torrentes,
CAO CAO/MEI YAOCHEN: Águas portentosas em ravinas profundas.
JOHN MINFORD: Sigo aqui a correção textual de Wang Xi, tal como
propõe Wu Jiulong.
Poços,
CAO CAO/MEI YAOCHEN: Lugares cercados por encostas íngremes de
todos os lados, com lagos no fundo que recolhem a água das
torrentes.
Becos,
MEI YAOCHEN: Lugares cercados por precipícios em três lados — fáceis
de entrar, mas difíceis de sair.
Forros,
MEI YAOCHEN: Matas de vegetação tão densa que impedem o uso de
lanças.
Trapas,
MEI YAOCHEN: Lodaçais rebaixados que impedem a passagem de bigas
e cavaleiros.
Desfiladeiros:
MEI YAOCHEN: Passos estreitos entre penhascos elevados.
JOHN MINFORD: Em um fragmento citado por uma fonte posterior,
esses Desfiladeiros do Céu aparecem junto com “moledros obscuros e
muralhas antigas” como lugares a se evitar em uma guerra. Ver Li
Ling (1991, p. 181).
Escape deles
 
O quanto antes.
 
Não se aproxime.
 
Fique longe,
 
Deixe o inimigo
 
Se aproximar.
 
Fique de frente;
 
Deixe que o inimigo
 
Os tenha atrás.
SUN BIN BINGFA, capítulo 8: Os cinco terrenos letais são: Poços do Céu,
Becos do Céu, Forros do Céu, Desfiladeiros do Céu e Fossos do Céu.
Essas Cinco Tumbas são a morte [armadilhas]. Não fique nelas.
Se marchar por
 
Ravinas,
 
Pântanos,
 
Brejos e mangues,
 
Florestas em montanha,
 
Mata densa:
 
Cuidado,
 
Explore com diligência.
 
São locais
 
De emboscadas,
 
De espiões.
ZHANG YU: Precisamos também nos resguardar contra traidores que
possam aguardar à espreita, espiando nossas fraquezas e escutando
nossas ordens.
Quando o inimigo está
 
Próximo
 
E não age,
 
Ele conta com
 
Posição forte;
WANG XI: Sua posição é forte, então ele não tem medo.
GILES: Aqui começam os comentários do Mestre Sun sobre a leitura
dos sinais, muitos dos quais são tão bons que quase poderiam fazer
parte de um manual moderno como Aids to Scouting, do general
Baden-Powell.
Se está
 
Distante
 
E provoca batalha,
 
Quer que seu oponente
 
Avance.
GILES: Provavelmente porque estamos em uma posição forte que o
inimigo quer que abandonemos.
DU MU: Se ele se aproximasse de nós e tentasse nos impor uma batalha,
seria um aparente gesto de desdém contra nós, e provavelmente não
responderíamos ao desafio. Então ele mantém a distância.
CHEN HAO: Ao instigar nosso avanço, ele aproveitará a oportunidade
para atacar.
Se está
 
Em terreno fácil,
 
Quer nos atrair.
ZHANG YU: Se o inimigo abandonou o terreno forte e se posicionou em
lugar exposto, deve ser porque há alguma vantagem desconhecida ou
porque ele quer nos atrair para a batalha.
Se árvores balançam,
 
Está a caminho.
CAO CAO: Eles estão derrubando árvores para abrir caminho.
ZHANG YU: Todo exército envia batedores para escalar lugares elevados
e observar o inimigo. Se um batedor vê que as árvores de uma floresta
se mexem e balançam,pode deduzir que elas estão sendo derrubadas
para abrir caminho para a marcha do inimigo. Outra interpretação
possível é de que estão coletando lenha para fazer armas.
Se pavilhões aparecem
 
Na mata,
 
Ele quer
 
Nos confundir.
DU YOU: A presença de pavilhões ou abrigos no meio de uma vegetação
densa é sinal certo de que o inimigo fugiu e, com receio de ser
perseguido, construiu esses esconderijos para nos fazer desconfiar de
emboscadas.
GILES: Parece que esses “pavilhões” eram tecidos às pressas com
qualquer capim que o inimigo em retirada encontrasse pelo caminho.
Aves que alçam voo
 
São sinal
 
De emboscada;
ZHANG YU: Se os pássaros que estão voando em linha reta sobem de
repente para as alturas, é sinal de que os soldados estão preparando
uma emboscada abaixo.
Animais assustados
 
São sinal
 
De ataque-surpresa.
ZHANG YU: Ataques-surpresa geralmente partem de algum ponto
elevado ou de um lugar de vegetação densa, e isso assusta as criaturas
que se abrigam ali e as faz se movimentar de repente.
Nuvem de poeira alta
 
É sinal
 
De cavalaria;
MEI YAOCHEN: Cavalos e bigas são mais pesados do que homens e
produzem uma nuvem mais alta de poeira.
ZHANG YU: Eles também se mantêm na mesma trilha, de modo que a
poeira sobe mais em colunas. Todo exército em marcha envia
batedores à frente que, ao ver a poeira erguida pelo inimigo, voltam a
galope para informar o comandante.
JOHN MINFORD: Giles nos oferece uma frase de Aids to Scouting, de
Baden-Powell: “Conforme você avança, digamos, por território hostil,
seus olhos precisam contemplar a distância, em busca do inimigo ou
de qualquer sinal que o denuncie: vultos, poeira, pássaros alçando
voo, reflexo de armas etc.”.
Nuvem de poeira baixa
 
É sinal
 
De infantaria;
DU MU: Soldados de infantaria avançam devagar, lado a lado, então a
poeira fica mais baixa e espalhada.
Poeira em focos dispersos
 
É sinal
 
De coleta de lenha;
ZHANG YU: Os homens são enviados em grupos para coletar lenha em
lugares diversos, de modo que a poeira sobe em focos dispersos.
Poeira em nuvens espalhadas
 
É sinal
 
De acampamento.
ZHANG YU: Para se planejar as defesas do acampamento, pequenos
grupos de cavalaria ligeira serão enviados em todas as direções a fim
de examinar a posição e determinar os pontos fracos e fortes. Daí as
pequenas nuvens espalhadas de poeira.
Palavras gentis, acompanhadas
 
De mais preparativos,
 
São sinal
 
De ataque iminente;
DU MU: Os emissários do inimigo vêm a nós com palavras
conciliatórias. Enquanto isso, o inimigo se ocupa de fortificar sua
posição. Eles parecem nos temer, mas o objetivo verdadeiro é inspirar
desprezo e nos fazer relaxar, e depois eles nos atacarão.
ZHANG YU/SHIJI/GILES: O general Tian Dan, de Qi, defendia a cidade de
Jimo, cercada pelas forças de Yan sob o comando do general Qi Jie
[partes desta história famosa já foram mencionadas pelos
comentaristas do capítulo 2, onde ela ilustra a importância da raiva
para a motivação das tropas, e também no capítulo 3, onde serve de
exemplo de vitória conquistada a partir de uma situação de fraqueza,
em que o exército reserva suas forças e aguarda uma oportunidade].
[Quando soube que seus homens estavam prontos para a luta], o
general Tian [para surpresa geral] pegou um sacho e começou a
trabalhar junto com seus soldados, e também incluiu as esposas e
concubinas dos homens nas fileiras. Ele distribuiu as últimas rações.
Soldados de carreira receberam ordens para se esconder, e as
mulheres, para subir às muralhas da cidade. Emissários foram
enviados ao acampamento inimigo para se render. O comandante de
Yan ficou em júbilo. O general Tian então recolheu uma grande
quantidade de prata dos cidadãos e mandou os moradores ricos de
Jimo levarem tudo ao comandante de Yan e suplicar que, “quando
nossa cidade se render, por favor, não saqueie nossas casas nem
capture nossas esposas e concubinas”. Qi Jie, felicíssimo, atendeu à
súplica deles; mas, como resultado, seus homens no acampamento
relaxaram e ficaram mais negligentes do que nunca. Enquanto isso,
Tian Dan reuniu mil touros, cobriu-os com pedaços de seda vermelha,
pintou seus corpos com listras coloridas, para imitar dragões, e
prendeu lâminas afiadas nos chifres e ramos de junco embebidos de
óleo nos rabos. Ao anoitecer, ele acendeu a ponta dos juncos e fez os
touros saírem por alguns buracos que havia aberto nas muralhas, e
enviou também uma força seleta de 5 mil homens. Os animais,
enlouquecidos de dor, correram furiosamente até o acampamento do
inimigo, onde provocaram imensa confusão e angústia; seus rabos
pareciam tochas, iluminando os desenhos monstruosos no corpo dos
animais, e as armas nos chifres mataram ou feriram qualquer um que
passasse pelo caminho. Enquanto isso, os 5 mil haviam se aproximado
com a boca escancarada e se lançaram contra o inimigo. No mesmo
instante, um estardalhaço assustador ressoou da própria cidade,
quando todos os que ficaram para trás começaram a fazer o máximo
de barulho possível, batendo em tambores e recipientes de bronze, e
céu e terra explodiram com os estrondos. Apavorados, os soldados de
Yan fugiram caoticamente, acossados pelos homens de Qi, que
conseguiram matar o general Qi Jie. O resultado da batalha foi a
posterior recuperação de cerca de setenta cidades que haviam
pertencido ao reino de Qi.
Palavras firmes, acompanhadas
 
De avanço agressivo,
 
São sinal de
 
Retirada iminente.
CAO CAO: Ardis.
Bigas leves
 
Que saem primeiro
 
Nos flancos
 
São sinal de
 
Formação de batalha.
CAO CAO: Eles querem lutar.
Palavras de paz,
 
Mas sem tratado,
 
São sinal de
 
Artifício.
LI QUAN: Se começam conversas sobre paz, mas nada de tratado, há um
artifício em curso. Foi o que Tian Dan fez em Jimo.
CHEN HAO: Se o inimigo pedir paz sem motivo, deve ser porque seu
país está com dificuldades e ele deseja obter uma trégua. Ou ele sabe
de alguma maneira de nos prejudicar e quer despistar nossa
desconfiança com promessas de paz. E então ele avançará.
Muita correria
GILES: Todos os homens correndo para o devido posto junto ao
estandarte de seu regimento.
E agitação de soldados
 
São sinal de
 
Expectativa.
LI QUAN: Estão prestes a ir à batalha.
GILES: É chegado o momento crucial.
Alguns avançando
 
E alguns recuando
 
São sinal de
 
Engodo.
DU MU: Confusão dissimulada, pensada para nos fazer avançar.
Soldados imóveis
 
E apoiados nas lanças
 
Indicam grande
 
Fome.
LI QUAN: Estão fracos demais para se manter em pé.
Aguadeiros
 
Bebendo na frente
 
Indicam grande
 
Sede.
ZHANG YU: Se os aguadeiros bebem antes de voltar ao acampamento
com a água, há de se imaginar a sede do resto do exército.
Vantagem vista,
 
Mas sem ação,
 
Indica total
 
Exaustão.
ZHANG YU: Eles sabem que estão esgotados demais para lutar, então,
mesmo se virem uma oportunidade, não se atreverão a aproveitá-la.
Aves voejam
 
Em área vazia.
CHEN HAO: Se o inimigo abandonou o acampamento, as aves já não
terão medo e se agruparão no solo. […] O Mestre Sun nos mostra
como distinguir entre a verdade e a mentira na situação do inimigo.
Gritos à noite
 
São sinal de
 
Medo.
DU MU: O medo deixa os homens inquietos. Eles gritam à noite, para
dar coragem.
Confusão na tropa
 
É sinal de
 
Que o general
 
Não tem respeito.
CHEN HAO: Quando as ordens do general são irresolutas e seu
comportamento, desonroso, os oficiais ficarão confusos.
Estandartes em movimento
 
São sinal de
 
Desordem.
DU MU: Quando o duque Zhuang de Lu derrotou Qi em Changshao,
Cao Gui pediu para perseguir o exército de Qi. O duque perguntou o
motivo, e ele respondeu: “Vi que os rastros das bigas deles são
caóticos, e que seus estandartes estão caídos. É por isso que quero
persegui-los”. (Ver Zuozhuan, tradução de Legge, pp. 85-6.)
Se oficiais
 
São irritáveis,
 
Os homens se fartam.
CHEN HAO: Quando o general embarca de forma impetuosa em
projetos desnecessários, seus homens se esgotam.
Sedão
 
Grãos aos cavalos
 
E carne aos homens;
GILES: Tipicamente, os homens se alimentam de grãos e os cavalos
comem sobretudo feno.
JOHN MINFORD: Os comentaristas não sabem ao certo se isso se refere a
carne de cavalo ou a gado abatido. De qualquer forma, são medidas
desesperadas.
Se não
 
Penduram panelas
 
E não
 
Voltam às barracas;
 
É porque estão
 
No fim.
MEI YAOCHEN: Eles abandonam as panelas para não cozinhar mais;
dormem ao relento e não voltam às barracas; isso significa que
pretendem travar uma batalha decisiva, que estão determinados a
alcançar a vitória.
JOHN MINFORD: A última palavra no texto do Mestre Sun, qiongkou
(literalmente, “acossado”) parece ser original dele, que também a usa
no capítulo 7. Levi utiliza o expressivo termo francês aux bois, que
evoca a imagem de um cervo “acossado” enquanto a matilha de cães
uiva, ou seja, um inimigo “contra a parede”. Como o Mestre Sun
ressalta diversas vezes, esses homens são perigosos.
Homens aos sussurros,
 
Em pequenos grupos,
DU MU: Sussurros baixos.
São sinal de
 
Desgosto.
Recompensas em excesso
 
São sinal de
 
Desespero.
DU MU/GILES: Quando um exército está cercado, é constante o medo de
revolta, e os homens recebem recompensas vultosas para ficarem
contentes.
Castigos em excesso
 
São sinal de
 
Exaustão.
GILES: Porque, nesse caso, a disciplina relaxou, e é preciso recorrer a
severidade extraordinária para obrigar os homens a cumprir com suas
obrigações.
Se o general ora mostra
 
Tirania
 
Ora temor
 
Aos próprios homens,
 
É sinal de
 
Suprema incompetência.
HE YANXI: O general competente precisa encontrar o equilíbrio entre
tolerância e severidade.
Emissários
 
Com palavras a conciliar
 
Desejam cessar.
DU MU: Ou estão desesperados ou desejam fim das hostilidades por
algum outro motivo.
Conflito prolongado,
 
Intenso,
 
Sem enfrentamento
 
Ou retirada,
 
Há de se ver
 
Com grande cuidado.
CAO CAO/GILES: Esse tipo de manobra talvez seja apenas um
estratagema para ganhar tempo até um ataque a um flanco inesperado
ou enquanto se prepara uma emboscada.
Na Guerra,
 
Quantidade
 
Não é problema.
É caso de
 
Atacar sem
 
Exageração.
WANG XI: Não conte apenas com força militar. Use planejamento,
sabedoria estratégica e avaliação precisa do inimigo antes de agir.
JOHN MINFORD: Como Giles comenta, esse trecho marca o começo da
última parte do capítulo, que contém “algumas observações aleatórias,
sobretudo no tópico da disciplina”. Alguns comentaristas modernos
estabeleceram um paralelo com o esforço americano no Vietnã, onde
uma força com recursos muito superiores foi impotente contra as
táticas de guerrilha.
Concentre sua força,
 
Avalie a oposição
 
E conquiste a confiança de sua tropa:
 
Isso basta.
O que, leviano, subestimar o inimigo
 
Certamente será
 
Capturado.
CHEN HAO/GILES: Diz-se no Zuozhuan: “Abelhas e escorpiões produzem
veneno; que dirá um reino hostil!”. Não se deve subestimar nem
sequer um adversário minúsculo.
Discipline a tropa
 
Ainda não leal,
 
E eles lhe
 
Resistirão
 
E terão pouca utilidade.
 
Permita à tropa leal
 
Indisciplina,
 
E ela será totalmente
 
Inútil.
CAO CAO: Mesmo se já existir uma relação cordial de confiança e
empatia, é preciso que haja disciplina, para que os homens não fiquem
arrogantes, relaxados e pouco aproveitáveis.
Lidere com
 
Civilidade,
 
Comande com
 
Marcial disciplina,
WANG XI/GILES: Nas palavras do Mestre Wu: “O comandante ideal
junta cultura [wen] com temperamento marcial [wu]; a profissão das
armas exige uma combinação de dureza e brandura”.
E assim conquistará sua
 
Confiança.
Ordens coerentes e eficazes
 
Inspiram obediência;
 
Ordens incoerentes e ineficazes
 
Provocam desobediência.
Com ordens coerentes
 
E eficazes,
Entre general e tropa a
 
Confiança é mútua.
DU MU: Em tempos de paz, um general precisa demonstrar
compreensão e confiança em relação aos homens e também cobrar
respeito à sua autoridade, para que, quando se virem diante do
inimigo, as ordens possam ser cumpridas e a disciplina, preservada,
porque todos confiam nele e o admiram.
ZHANG YU/GILES: O general confia nos homens sob seu comando, e os
homens confiam na obediência que lhe devem. E assim a confiança é
mútua. Disse o Mestre Weiliao: “A arte de dar ordens é não corrigir
erros pequenos e não se deixar influenciar por dúvidas banais…”.
GILES: Hesitação e contumácia são os caminhos mais diretos para a
perda de confiança de um exército.
10
 
Formas de terreno
ZHANG YU: Quando um exército sai em marcha e atravessa a fronteira,
é preciso examinar as formas de terreno e [a partir daí] criar o rumo à
vitória. Por isso, este capítulo se segue a “Em marcha”.
JOHN MINFORD: A palavra xing, “forma”, serve bem de contraponto à
palavra shi, que aparece no título do capítulo 5 e que foi traduzida
muitas vezes (mas não sempre) como “energia potencial (ou
dinâmica)”. Xing chegou a ser usada no título do capítulo 4 e aparece
com frequência ali e no capítulo 6, em referência às formas externas,
ou disposições, de um exército, que podem revelar muito a respeito
das forças ou fraquezas subjacentes desse exército. Aqui, a palavra
está sendo usada em conjunção com terra ou terreno. A energia latente
da terra se manifesta em formas, modelos ou configurações
reconhecíveis, ou seja, visíveis (no feng shui, certos formatos de
montanhas e cursos d’água). No contexto militar, as formas ou
configurações de terreno e as maneiras como elas são usadas por
exércitos adversários são elementos essenciais do planejamento
estratégico. Isso vem desde o capítulo 1, onde a Terra é o terceiro
fundamento, depois do Tao e do Céu. O Mestre Sun já começou a
tratar de terreno no capítulo anterior (abordando as manobras
adequadas para montanhas, rios, pântanos e planícies). Ele se
aprofunda no tema neste capítulo e no próximo. Mas, além de tratar
de terreno, ele explora também algumas questões detalhadas e práticas
relativas ao generalato.
Disse o Mestre Sun:
Existem diferentes formas de terreno:
Acessível,
MEI YAOCHEN/GILES: Terreno onde há abundância de estradas e outros
meios de comunicação.
Emaranhado,
MEI YAOCHEN/GILES: Como uma rede, em que é fácil se emaranhar.
JOHN MINFORD: Wu (1990, p. 170) cita Zhao Benxue, comentarista da
dinastia Qing: “O terreno à sua frente é um declive fácil de percorrer,
mas, na volta, o aclive é desfavorável”. Levi chama simplesmente de
scabreux, que significa “irregular” ou “difícil”. Griffith usa
entrapping, ou “traiçoeiro”.
Embaraçado,
MEI YAOCHEN: Terreno em que os dois lados protelam.
JOHN MINFORD: Levi: neutralisant. Griffith: indecisive. Ames:
standoff.*
Cercado,
MEI YAOCHEN: Um vale cercado por duas montanhas.
Acidentado,
MEI YAOCHEN: Montanhas e rios, sopés e penhascos.
Afastado.
MEI YAOCHEN: Terreno plano [em que dois exércitos ou acampamentos
estejam separados por uma grande distância].
JOHN MINFORD: Giles trata a classificação em seis categorias com certo
desdém: “É desnecessário destacar as deficiências dessa classificação.
Há de se identificar uma estranha falta de percepção lógica na
aceitação cega dos chineses em face de divisões tão indefinidas como
essas”. Mais adiante, ele escreve: “Das seis formas de terreno acima,
observe-se que a terceira [embaraçado] e a sexta [afastado] não fazem
qualquer referência à configuração topográfica, e que apenas o quarto
[cercado] e o quinto [acidentado] aparentam transmitir alguma noção
definida de geografia”. Levi usa vez ou outra o termo théâtre [teatro]
no lugar de terrain [terreno], terre [terra] ou lieu [lugar].
“Acessível” é onde
 
Os dois lados
 
Circulam sem entraves.
 
Em terreno acessível,
 
Aquele que ocupa
 
Local Yang alto
 
E garante
 
Abastecimento
 
Combate
 
Com vantagem.
JIA LIN/DU YOU: Não permita que o inimigo interrompa sua linha de
abastecimento [e comunicação].
GILES: Du Mu, que não era soldado e provavelmente não desfrutava de
qualquerexperiência prática de combate, entra em maiores detalhes e
fala de usar uma muralha para proteger a linha de comunicação, ou
de cercá-la de barrancos dos dois lados! Levando-se em conta a
máxima de Napoleão de que “o segredo da guerra é a comunicação”
(Pensées de Napoléon ier, n. 47),** poderíamos desejar que o Mestre
Sun não tivesse se limitado a abordar apenas a superfície desse tópico
importante nos capítulos 1 e 7. Diz o coronel Henderson: “Pode-se
afirmar que a linha de abastecimento é vital para a existência do
exército tanto quanto o coração é para a vida do ser humano. Assim
como o duelista que se vê sob a ameaça de morte certa pelo sabre do
adversário, e com sua própria guarda desfeita, é obrigado a se
conformar aos movimentos do oponente e se limitar a rechaçar seus
avanços, o comandante cujas comunicações se encontram de repente
em perigo se vê em posição falsa, e ele será um homem de sorte se não
tiver de alterar todos os planos, dividir suas forças em destacamentos
mais ou menos isolados e combater com números inferiores em um
terreno para o qual ele não teve tempo de se preparar, e onde a
derrota não será mero fracasso, mas acarretará a ruína ou rendição de
todo o exército” (The Science of War, capítulo 2).
JOHN MINFORD: Local Yang alto e altitude Yang se referem às posições
elevadas e ensolaradas voltadas para o sul.
“Emaranhado” é onde
 
É possível avançar,
 
Difícil recuar.
 
Em terreno emaranhado,
 
Se o inimigo não tem preparo,
 
Vá derrotá-lo.
 
Mas, se tiver preparo,
 
E nossa ação fracassar,
 
Será difícil recuar.
 
O resultado não nos dará
 
Vantagem.
ZHANG YU: Se você examinar cuidadosamente a situação do inimigo e
concluir que ele está despreparado, pode realizar uma única ação e
derrotá-lo. Mas, se ele estiver minimamente preparado e sua ação
fracassar, você não terá condições de resistir e lutar, e tampouco terá
rota de fuga.
“Embaraçado” é onde
 
Nenhum dos lados vê
 
Vantagem
 
Em agir.
DU YOU: Nenhum dos lados vê vantagem em agir, e a situação
permanece embaraçada.
Em terreno embaraçado,
 
Mesmo se nosso inimigo
 
Der uma isca,
 
Nós não agimos;
 
Melhor atraí-lo;
 
Melhor recuar.
 
E quando metade da tropa dele
 
Sair,
Será o momento
 
Do ataque.
WANG XI: O inimigo se recusa a agir; prepare alguma emboscada astuta
e simule uma retirada. Engane-o com um ardil e o faça lançar uma
ofensiva contra você.
ZHANG YU: A Arte da guerra de Li Jing [571-649] diz: “Em terreno que
não ofereça vantagem para nenhum dos lados, devemos simular
retirada para atrair o inimigo, esperar até que metade de seu exército
tenha se exposto, e interceptá-lo”.
Em terreno cercado,
 
Se ocuparmos antes,
 
Há de se bloquear
 
E esperar o inimigo.
 
Se ele ocupar antes
 
e bloquear,
 
Não persiga;
 
Se ele não bloquear,
Persiga.
ZHANG YU: Existem montanhas altas dos dois lados e um vale plano no
meio. Somos obrigados a usar destacamentos para bloquear os acessos
e evitar que o inimigo adentre o vale. Assim, podemos realizar
ataques-surpresa, e ele não poderá nos acossar. Mas, se o inimigo
ocupar essa posição antes, se conseguir bloquear os acessos ao vale,
não podemos persegui-lo. Se ele não tiver soldados suficientes para
defender os acessos ao vale, aí podemos atacá-lo e conquistar a
vitória. É a esse tipo de terreno que o Mestre Wu chama de Forno do
Céu, onde “não se deve entrar”.
JOHN MINFORD: Compare os Fornos do Céu (já mencionados por Du
Mu no capítulo anterior) com a lista oferecida depois no mesmo
capítulo (Torrentes, Poços, Becos, Forros, Trapas e Desfiladeiros do
Céu).
Em terreno acidentado,
 
Se ocuparmos antes,
 
É bom dominar a altitude Yang
 
E esperar o inimigo.
 
Se o inimigo ocupar antes,
 
Não persiga,
 
Apenas atraia
Com retirada.
CAO CAO/GILES: A vantagem de se ocupar locais altos e desfiladeiros é
que suas ações não poderão ser determinadas pelo inimigo.
ZHANG YU/GILES: Se convém que um exército seja o primeiro a ocupar
uma planície, que dirá um terreno difícil e perigoso? Aqui, a iniciativa
jamais deve ser permitida ao inimigo. Ocupe a altitude Yang e espere
o inimigo se cansar — isso trará a vitória. Se o inimigo já controlar a
altitude, recue com toda celeridade e não ataque. Pei Xingjian [619-682]
foi enviado em uma expedição contra as tribos túrquicas e, ao
anoitecer, armou acampamento. Depois de construídos os muros e
fossos, ele deu ordem para que o exército se deslocasse para uma
colina próxima. Os oficiais não gostaram e reclamaram que não
queriam deixar seus homens esgotados. Pei insistiu e deu ordem para
que a mudança fosse feita o mais rápido possível. Naquela noite
houve uma tempestade violenta, e o acampamento anterior foi
inundado por uma enchente com metros de profundidade. Os oficiais
ficaram espantados. Daí se percebe que a altitude não é vantajosa
apenas para a conquista da vitória, mas também serve de proteção
contra o perigo das enchentes.
Em terreno afastado,
Onde as forças se equilibram,
 
É difícil provocar batalha,
 
E um confronto
 
Não trará vantagem.
ZHANG YU: Quando os dois acampamentos estão afastados um do
outro e os dois exércitos têm poderio semelhante, o melhor é não
sairmos de onde estamos, esperar que o inimigo aja antes e não
provocar batalha.
MEI YAOCHEN: Se as forças estão equilibradas [e os dois exércitos estão
distantes um do outro], seria exaustivo fazermos uma longa marcha
para desafiar um inimigo descansado.
JOHN MINFORD: A palavra que o Mestre Sun usa aqui (e que foi
traduzida como “força”) é shi, que em outras partes foi traduzida
como “dinâmica” ou “energia potencial”. Há controvérsias entre os
comentaristas quanto a se, nesse trecho, ele se refere à shi do terreno
ou dos exércitos em conflito. Como ressalta Giles, o mais importante é
que “não podemos considerar uma marcha longa e cansativa que
acabará nos deixando exaustos diante de um adversário arguto e cheio
de vigor”.
Esses seis compõem
 
O Caminho do Terreno.
 
É dever do general
 
Estudar com diligência.
MEI YAOCHEN: As formas de terreno são um fator fundamental para
auxiliar um exército a chegar à vitória e precisam ser examinadas com
cuidado.
Na Guerra,
 
Estas não são
 
Calamidades naturais,
 
Mas culpa
 
Do general:
ZHANG YU: Estas são as seis formas de derrota que podem ser
atribuídas a causas humanas.
Fuga,
JOHN MINFORD: O 36o e último estratagema de Sanshiliu ji (o sexto no
último grupo de estratégias reservadas para a derrota) tem como título
apenas “Fugir é melhor”. Hoje em dia, existe na China uma expressão
coloquial que alude à “36a opção” — isto é, à fuga, ou a sair antes que
seja tarde demais.
Impotência,
JOHN MINFORD: A palavra chinesa remete literalmente ao
desprendimento da corda de um arco, ou seja, a relaxamento,
negligência, fraqueza, indisciplina, talvez insubordinação. Como
observado pelos comentaristas, isso é resultado da liderança ruim dos
comandantes.
Declínio,
JOHN MINFORD: A palavra chinesa xian significa atolar-se ou afundar-
se em pântanos ou areia movediça, ou decadência, ou vícios. Aqui,
remete ao declínio ou colapso do moral nos níveis inferiores da
hierarquia.
Colapso,
 
Caos,
 
Ruína.
Se as forças estão em equilíbrio,
MEI YAOCHEN: Além do tamanho dos contingentes.
ZHANG YU: Forças aqui se referem à valentia e inteligência dos
comandantes e à qualidade de suas armas.
JOHN MINFORD: Aqui, mais uma vez, força é shi, a força ou dinâmica
potencial subjacente.
Mas o exército enfrenta um
 
Dez vezes maior,
 
O resultado é
 
Fuga.
CAO CAO: O general avaliou incorretamente a força dos exércitos.
LI QUAN: Entretanto, com a vantagem do terreno e ajuda de
estratagemas como um ataque-surpresa ou uma emboscada, talvez
ainda seja possível [evitar a fuga].
WANG XI: Fuja antes de entrar na batalha.
Quando os soldados são fortes,
 
Mas os oficiais, fracos,
 
O resultado é
 
Impotência.
DU MU: Quando os soldados são cheios de arrogância e seus
comandantes, incompetentestarde, em 228 d.C., cinco anos depois da morte do
próprio Liu Bei. No capítulo 95 do livro, Zhuge está encurralado na
cidade de Xicheng (Cidade Ocidental), com uma força irrisória de 5
mil homens, contra 150 mil soldados do reino de Wei, do Norte,
liderados pelo renomado marechal Sima Yi:
O Dragão Adormecido destacou metade de seus homens para levar
grãos e forragem da cidade até o acampamento onde se encontrava
o grupo principal de suas forças, restando meros 2500 soldados na
cidade. [Neste ponto, o perspicaz comentarista Mao Zong’gang, do
século XVII, observa: Dois mil e quinhentos contra 150 mil? Vamos
ver como o Mestre Dragão Adormecido se sai agora!] Seus oficiais
ficaram horrorizados com as circunstâncias. O Dragão
Adormecido subiu às ameias para observar a situação
pessoalmente e, com efeito, lá se encontravam as duas colunas do
vasto exército de Wei, levantando enormes nuvens de poeira em
seu caminho rumo à cidade. Ele então deu ordens para esconderem
todos os estandartes e pendões militares [Mao: Estranho! Curioso!]
e anunciou que todos os soldados deveriam permanecer em seus
alojamentos. Qualquer um que fizesse barulho ou fosse flagrado
nas ruas seria decapitado no mesmo instante. [Definitivamente
curioso!] Ele deu ordem para que fossem abertos os quatro portões
da cidade, e que em cada portão fossem posicionados vinte
soldados, com trajes civis e a instrução de agir com naturalidade,
regando o solo e varrendo as ruas. [Mais e mais curioso! Dois mil e
quinhentos não seriam capazes de resistir a 150 mil, mas vinte, sim!
Que engenhoso!] “Quando o inimigo chegar”, determinou Zhuge
Liang, “ninguém se mexa. Deixem tudo comigo. Tenho um
plano.” [O que será que o Dragão Adormecido está escondendo?]
O Mestre então vestiu seu manto taoista, forrado com penas de
ganso da maior qualidade, e o véu de seda e subiu até a torre acima
do portão principal, acompanhado de dois pajens e levando
consigo seu alaúde. Ali, ele acendeu incenso, sentou-se e se pôs a
tocar tranquilamente uma melodia. [Curioso! Engenhoso! Como
em seus velhos tempos de ermitão! Sem dúvida a melodia que ele
estava tocando nas cordas de seda do instrumento aniquilaria o
inimigo…]
Os batedores do marechal Sima Yi, o líder inimigo, já se
encontravam diante da cidade e, ao verem esse estranho cenário,
decidiram voltar às pressas para informar ao comandante, em vez
de se aventurar para além das muralhas. Sima deu risada e achou
inacreditável o que seus homens lhe disseram. [E eu também, até
hoje!] Ele deu ordem para que seu exército interrompesse a marcha
e se adiantou a galope até um local de onde poderia observar a
situação com seus próprios olhos. E, com efeito, lá estava o Dragão
Adormecido, sentado acima do portão, com um sorriso no rosto e
o alaúde nas mãos, cercado por nuvens de incenso. À sua esquerda
estava um pajem, segurando uma espada cerimonial; à direita,
outro pajem, com um moscadeiro, símbolo do sacerdote-mago
taoista. Nos arredores do portão, cerca de vinte pessoas pareciam
limpar a cidade, casualmente. Não havia mais vivalma à vista.
O marechal Sima se encheu de dúvida. [Também eu, até hoje!
Deve ter sido uma cena extraordinária!] Ele voltou para o seu
exército e deu ordem para que os homens se voltassem ao norte e
recuassem para as colinas. Seu filho protestou: “O Dragão
Adormecido sem dúvida está fazendo isso justamente porque não
tem homens. Por que está recuando, pai?”. [Mais esperto do que o
pai…] “Eu conheço o Dragão Adormecido”, respondeu o
marechal. “Ele sempre foi um homem muito cauteloso. Nunca se
arrisca. Tenho certeza de que os portões abertos são apenas um
estratagema. Com certeza ele preparou uma emboscada. Se
entrarmos, cairemos em sua armadilha. Você é jovem demais para
entender. Precisamos recuar a toda velocidade.”
Então as duas colunas do exército de Wei deram meia-volta e
recuaram. Zhuge, vendo-os irem embora, riu e juntou as mãos.
Seus oficiais ficaram impressionados e suplicaram uma explicação
ao comandante. [Sem dúvida o Dragão Adormecido havia entoado
algum “feitiço de retirada” em seu instrumento…] “O marechal
sempre me teve por um homem cauteloso”, começou Zhuge. “Ele
sabe que eu nunca me arrisco. Fatalmente desconfiaria de uma
emboscada. É por isso que decidiu recuar. [Ele sabia que o inimigo
conhecia seu comportamento típico; e, portanto, agiu de forma
atípica… Brilhante! Genial!] Não foi uma aposta. Eu simplesmente
não tinha alternativa…”
Seus oficiais ficaram espantados diante da genialidade
inescrutável de seu comandante.5
Dois antigos comentaristas de A arte da guerra relatam uma versão
mais abreviada dessa fábula (que provavelmente é apócrifa — em
termos históricos, o marechal Sima Yi estava em outro lugar na
época). Os comentários deles são inseridos logo depois do enunciado
do Mestre no capítulo 6: “Se não desejo combater, posso me
resguardar com apenas uma linha traçada no chão. O inimigo não me
enfrenta em combate: eu o distraio para outro sentido”. Sem dúvida o
mago Zhuge Liang estava separado do gigantesco exército de Wei por
algo mais do que uma linha. O “Ardil da Cidade Vazia”, como se
tornaria conhecido o caso, foi reproduzido graficamente por muitos
cronistas medievais e viria a inspirar óperas e xilogravuras populares
(nianhua — em algumas dessas, o Dragão completa a cena relaxando
com uma taça de vinho diante de si).6 É o 32o estratagema de Sanshiliu
ji [Os 36 estratagemas] (uma compilação popular de peças de
sabedoria militar chinesa tradicional, de origem obscura), apresentado
como uma estratégia psicológica astuta para ser usada em
circunstâncias desesperadas. Também contribui para ilustrar a 43a
estratégia em Baishan qilüe [Cem estratégias incomuns] (mais uma
compilação popular, provavelmente da dinastia Song).7 Aqui, a
“estratégia incomum” descrita é o uso sutil de ilusão, como mentira
ou blefe, contra um inimigo numericamente superior, o que Joseph
Needham chama de “obter o efeito desejado por meio do uso discreto
das aparências, evitando assim uma batalha de fato”.8 Essas duas
obras posteriores se baseavam em grande parte no tratado muito mais
antigo do Mestre Sun. Ao próprio Zhuge Liang, o Dragão
Adormecido, é atribuído o (improvável) crédito por uma breve análise
em A arte da guerra,9 enquanto Cao Cao, adversário de Zhuge em
suas primeiras campanhas (ele morrera antes da época da Cidade
Vazia), é o principal comentarista de A arte da guerra do Mestre
Sun.10 Tanto Cao Cao quanto o Dragão Adormecido são referências
clássicas na China, símbolos de perícia militar e astúcia estratégica,
enquanto A arte da guerra do Mestre Sun e Sanguo yanyi seguiram
fascinando a imaginação popular chinesa no século XXI.11 Tanto o
tratado quanto o romance exerceram influência considerável no
presidente Mao, e a deslumbrante adaptação serializada de Sanguo
yanyi para a televisão nos anos 1990 conquistou enormes índices de
audiência em Hong Kong, Taiwan e na China. Versões de A arte da
guerra em tirinhas de quadrinhos costumam ser sucesso de vendas
junto ao público falante de chinês, e também continua crescendo a
quantidade de sites (em chinês, japonês e inglês) dedicados ao Mestre
Sun.12
Dos provérbios à cultura popular
O Guerreiro Hábil jamais busca a guerra; o Guerreiro Hábil jamais
se enfurece; o que tem habilidade para derrotar o inimigo jamais se
esforça. (Tao Te Ching,** capítulo 68)
O Estrategista Hábil derrota o inimigo sem combater. (A arte da
guerra, capítulo 3)
Na guerra, é melhor atacar mentes, não cidades; a guerra
psicológica é melhor do que o combate com armas [Mao
Zong’gang: Estas palavras não aparecem em A arte da guerra. São
o ápice da Arte, superiores até mesmo aos ensinamentos do Mestre
Sun e do Mestre Wu]. (Sanguo yanyi, capítulo 87)
“Conhece o inimigo, conhece a ti mesmo, e a vitória será sempre
certa, mesmo em cem batalhas.” Não se deve subestimar a
sabedoria dessas palavras do Mestre Sun, o grande pensador
militar da China Antiga.e incapazes de liderar, o resultado é um
estado generalizado de declínio e impotência. No início da era Chang-
qing de nossa dinastia atual [ou seja, Tang, 821 d.C.], Tian Bu foi
posto à frente de um exército para enfrentar Wang Tingcou. Mas seus
soldados o tratavam com o máximo desprezo e vadiavam pelo
acampamento aos milhares, montados em burricos. Tian Bu não
conseguia controlá-los. Meses depois, quando ele finalmente quis ir à
batalha, seus homens deram meia-volta e fugiram. Tian Bu acabou se
suicidando.
Quando os oficiais são fortes,
 
Mas os soldados, fracos,
 
O resultado é
 
Declínio.
CAO CAO: Os oficiais são fortes e querem avançar, mas os soldados são
fracos e se dispersam. O resultado é derrota.
DU MU: Se os soldados são medrosos e fracos, e sua força é avaliada de
forma incorreta, eles serão enviados para uma armadilha mortal.
Quando oficiais superiores se irritam
 
E se rebelam
 
E vão à batalha
 
Por ressentimento,
 
Antes que o general possa avaliar
 
As chances de vitória,
CHEN HAO: Eles lutam sem se importar com sua capacidade de vencer.
Por isso, são derrotados.
O resultado é
 
Colapso.
GILES: Du Mu oferece um extenso trecho do Zuozhuan [Duque Xuan,
XII, 3], demonstrando como a grande batalha de Bi [597 a.C.] foi
perdida para o reino de Jin devido à impetuosidade de Xian Gu e ao
ressentimento de Wei Yi e Zhao Zhan. [Compare com Watson, The
Tso Chuan, p. 89: “O gesto impetuoso de Xian Gu de cruzar o rio
Amarelo com a tropa sob seu comando, contrariando as ordens do
comandante supremo da expedição, levou à travessia do restante do
exército de Jin e, com o tempo, precipitou a onerosa batalha de Bi”.
Na página 94, Watson faz referência a Wei Yi e Zhao Zhan como
“dois insatisfeitos” de Jin que conseguiram enfurecer o reino de Chu
com seu comportamento provocante.]
JOHN MINFORD: Levi destaca a indisciplina e impetuosidade dos
“tenentes”. Foi o que aconteceu com os oficiais franceses na Batalha
de Azincourt (1415), como ele comenta: “Soldados valentes, mas sem
absolutamente qualquer disciplina”.
Quando o general é fraco,
 
E de pouca severidade,
 
Quando suas ordens
 
Não são claras,
WEILIAOZI, capítulo 4/GILES: Se o oficial dá as ordens sem hesitar, os
homens não precisarão ouvir duas vezes; se ele age sem hesitar, os
homens jamais perderão a vontade de lutar.
WUZI BINGFA, capítulo 3/GILES: O maior erro na guerra é a hesitação; as
piores calamidades que podem afligir um exército resultam de
indecisão.
JOHN MINFORD: Giles cita Baden-Powell, Aids to Scouting, p. xii: “O
segredo para fazer com que seus homens treinados realizem um
trabalho de qualidade reside em um simples fator: a clareza das
instruções que lhes são dadas”.
Quando oficiais e soldados
 
Carecem de regras,
DU MU: Sem rotina regular.
E a tropa
 
É relapsa,
 
O resultado é
 
Caos.
Quando o general
 
Subestima o inimigo
 
E envia uma força menor
 
Contra uma maior,
 
Um contingente fraco
 
Contra um forte;
 
Quando não forma
 
Uma boa vanguarda,
 
O resultado é
 
Ruína.
CAO CAO: Nessa situação, é certo que suas tropas fujam.
ZHANG YU/GILES: Se os homens mais corajosos não forem escolhidos
para a vanguarda, a derrota será inevitável. Sempre que houver uma
batalha a travar, há de se designar os espíritos mais argutos para
servir na linha de frente, a fim de fortalecer a resolução de nossos
homens e desmoralizar o inimigo.
Esses seis compõem
 
O Caminho da Derrota.
 
É dever do general
 
Estudar com diligência.
CHEN HAO: Os seis são [recapitulando]: incapacidade de estimar a força
do inimigo [o que leva à fuga], falta de autoridade [o que leva à
impotência], falta de treinamento [o que leva ao declínio], raiva
irracional [o que leva ao colapso], disciplina insuficiente [o que leva
ao caos], incapacidade de usar soldados de elite [o que leva à ruína].
A forma do terreno
 
É aliada do soldado;
CHEN HAO/GILES: As vantagens do clima e da estação não equivalem às
que têm relação com o terreno.
Avaliação
 
Do inimigo
 
E domínio da vitória;
 
Cálculo da dificuldade,
 
Do perigo
 
E da distância
 
Do terreno;
 
Esses compõem o Caminho
 
Do General Superior.
ZHANG YU: A avaliação das forças e fraquezas do inimigo, o cálculo da
dificuldade, do perigo e da distância do terreno são o início e o fim da
Arte do General.
Àquele que entende
 
E pratica na batalha,
 
Certa será a
 
Vitória.
 
Àquele que não entende
 
E não pratica,
 
Certa será a
 
Derrota.
Se em um confronto é certa
 
A vitória,
 
E o soberano
 
Proíbe a luta,
 
Combata;
 
Se em um confronto é certa
 
A derrota,
 
E o soberano
 
Exige a luta,
 
Não combata.
DU MU/GILES: O Duque da Pedra Amarela disse certa vez: “Quando um
exército está em marcha, a autoridade deve caber ao general; se a
corte der ordem de ofensiva ou retirada, será difícil obter sucesso. É
por isso que o rei sábio, o monarca iluminado, ‘se põe de joelhos e
empurra a roda da biga’ [paráfrase de Giles: ‘se contenta em
desempenhar uma função humilde na promoção da causa do reino’],
ciente de que os assuntos para além do domínio da corte são de
responsabilidade absoluta do general”.
ZHANG YU: Daí o ditado “Os decretos do Filho do Céu não chegam ao
acampamento militar”.
JOHN MINFORD: Giles cita as Maximes de Guerre, n. 72,*** de
Napoleão: “Um general não se isenta de suas responsabilidades se
uma ordem advém de seu soberano ou ministro, quando este se
encontra distante do campo de operações e pouco ou nada sabe das
circunstâncias mais recentes”.
Aquele que avança
 
Sem buscar
 
Fama,
 
Que recua
 
Sem fugir
À infâmia,
 
Cujo único propósito
 
É proteger o povo
 
E servir ao senhor,
 
Esse é
 
A Joia do Reino.
LI QUAN: As decisões dele servem à proteção de outrem, não a seus
próprios interesses.
DU MU: Joias desse tipo são raras.
JOHN MINFORD: Giles comenta que “foi Wellington, creio, quem disse
que o mais difícil para qualquer soldado é recuar”. Como Levi
destaca, a expressão “Joia do Reino” possui um tom místico e
também é usada para se referir a tesouros físicos, como os veneráveis
Nove Tripés que desde os primórdios da civilização representavam
misteriosamente a virtude ou a energia vital da dinastia imperial.
Ele vê os soldados
 
Tal como filhos,
 
E todos o seguirão
 
Até qualquer despenhadeiro.
 
Ele os vê
 
Tal como família,
 
E todos o defenderão
 
Até a morte.
DU MU/GILES: Durante o Período dos Reinos Combatentes, Wu Qi [é o
Mestre Wu, mencionado diversas vezes, que morreu em 381 a.C. e
compôs seu próprio tratado sobre a Arte da Guerra], quando era
general, usava roupas iguais às de seus homens e comia a mesma
comida. Não tinha almofadas especiais para dormir nem cavalo
especial para cavalgar. Levava consigo suas próprias rações em um
farnel e partilhava de todas as dificuldades vividas pelos soldados.
Certa vez, quando um de seus homens teve um abscesso, ele sugou o
pus. A mãe do rapaz, ao receber a notícia, se desmanchou em
lágrimas. “Seu filho é um soldado humilde”, protestou alguém. “E o
general está limpando a ferida dele! Por que você está chorando?” Ela
então respondeu: “Anos atrás, o lorde Wu fez o mesmo por meu
marido, pai desse meu rapaz, e a partir desse momento ele se tornou
fiel seguidor do lorde Wu, até o dia de sua morte pelas mãos do
inimigo. Agora só posso esperar pela morte do meu filho, em algum
campo de batalha desconhecido!”.
LI QUAN: Se o general preza seus homens dessa forma, eles o servirão
com todas as forças. O visconde de Chu consolava seu exército com
uma única palavra, e eles se sentiam como se tivessem sido envoltos
em mantos de seda. [Giles acrescenta que “o visconde de Chu invadiu
o pequeno reino de Xiao durante o inverno. O duque de Shen lhe
disse: ‘Vários soldados estão sofrendo muito com o frio’. Então ele
caminhou por todo o acampamento, consolando e incentivando os
homens; e imediatamente eles se sentiram como se estivessem vestidos
com trajes forrados de suave seda”(Mao Tsé-tung, Obras escolhidas, v. 1)
Nos tempos antigos havia um homem chamado Han Xin [ † 196
a.C.], um dos principais generais [episódios das atividades militares
de Han Xin aparecem de forma recorrente nos comentários de A
arte da guerra] de Liu Bang [247-195 a.C.]. Por que ele teve tanto
sucesso como general? Mesmo na juventude, Han Xin foi uma
pessoa extraordinária. Quando jovem, ele gostava de praticar artes
marciais e, certo dia, estava andando pela rua com sua espada
quando um encrenqueiro se pôs no meio do caminho, com as mãos
na cintura. “Por que você está andando com essa espada? Tem
coragem de matar alguém? Se tiver, corte minha cabeça.” Ele
esticou o pescoço. Han Xin pensou consigo mesmo: “Por que eu
cortaria a cabeça desse homem?”. O encrenqueiro viu que Han Xin
não ia matá-lo e disse: “Se você não tem coragem, passe por baixo
das minhas pernas”. Então Han Xin passou por baixo das pernas
dele. [Essa história baseia-se na biografia de Han Xin, em Shiji
(Recordações históricas).] O fato de Han Xin ter aceitado essa
humilhação demonstrava que seu coração era dotado de enorme
tolerância. Contudo, ele era só uma pessoa comum. Nós,
praticantes [de Falun Gong], deveríamos ser muito melhores que
ele. Nossa meta é nos elevarmos acima e além do nível de pessoas
comuns e buscar níveis superiores. (Li Hongzhi, fundador do
movimento clandestino Falun Gong, na Palestra Nove em seu
site)13
Formas de pensar como essas, estratégias psicológicas como o Ardil
da Cidade Vazia, para uso na guerra e em conflitos, integram um
campo das atividades humanas que nos interessam de imediato. Elas
nada têm a ver com a torre de marfim da filosofia pura. Pouco
surpreende que tenham se disseminado de tal modo na cultura
popular chinesa. O domínio fundamentalmente chinês das artes
marciais, por exemplo, se baseia em ideias desse tipo. O sexto dos Dez
Princípios do Mestre Yang Chengfu (1862-1935) no tai chi chuan,***
registrado pelo discípulo Chen Weiming, diz o seguinte: “Use a mente,
não a força. Seu corpo deve estar absolutamente relaxado; não é
necessário nenhum esforço físico”.14 O próprio Chen Weiming, ao
descrever a prática tuishou (“empurrar com as mãos”) do tai chi,
escreveu:
Quando você ataca, é como a penetração desimpedida de um
projétil (gancui), sem recorrer à força […]. Esse é o genuíno tai chi.
Se usar a força, você pode deslocar seu adversário, mas não será
gancui. Se ele tentar usar força para controlá-lo ou empurrá-lo,
será como um homem tentando capturar o vento ou perseguindo
sombras.15
No kung fu shaolin, observamos os mesmos ideais:
As táticas e estratégias usadas por um discípulo de shaolin durante
o combate são a aplicação inteligente dos princípios generalizados
por alguns dos melhores guerreiros do passado. Entre esses
princípios incluem-se:
Sinalize para o leste, ataque para o oeste;
 
Evite os pontos fortes do oponente, ataque os fracos;
 
Ludibrie o oponente para fazê-lo avançar sem sucesso,
 
E então faça um ataque decisivo com um único golpe;
 
Se o oponente é forte, avance pelo lado;
 
Se ele é fraco, avance pela frente;
 
Use o mínimo de força
 
Para neutralizar o máximo de poder.16
E, se recuarmos mais ainda no passado, veremos ideias e histórias
semelhantes em todos os clássicos taoistas e n’O livro das mutações.
Quando observamos A arte da guerra, quando nos ocupamos de suas
ideias e da maneira como elas foram recebidas, estamos lidando com
uma concatenação de texto antigo e contexto medieval; de tratado,
história e romance; de comentários e lendas; de teoria e prática.
Estamos lidando com um livro cujas ramificações se estendem por
toda a cultura de entretenimento vernáculo da Idade Média na China
até o popular meio contemporâneo da televisão estatal no país.
A arte da guerra é um dos principais textos proverbiais da China.
Suas influentes ideias permeiam a cultura chinesa como as lendas e os
ideais arturianos permeiam a europeia. E, no entanto, se recorrermos a
esse texto propriamente dito, seremos confrontados por um autor
sobre quem quase nada se sabe e um livro que (nas palavras de um
pesquisador chinês contemporâneo) “apresenta ao leitor dificuldades
maiores do que quase qualquer outra obra de semelhante
antiguidade”.17
Comecemos com o próprio “sábio”, o Mestre Sun.
O MESTRE SUN E SUA ÉPOCA
O sargento do harém
A maior parte do que se “sabe” sobre o Mestre Sun está em sua
biografia no Shiji, do cronista e historiador Sima Qian (c. 145-c. 85
a.C.):
O Mestre Sun Wu vinha do reino de Qi. Em função de seu tratado
sobre a Arte da Guerra, ele obteve uma audiência com He Lü, rei
de Wu [governou entre 514 e 496 a.C.].
“Estudei com atenção os treze capítulos de seu tratado”, disse o
rei. “Seria possível você me fazer uma pequena demonstração do
treinamento de uma tropa?”18
“Certamente”, respondeu o Mestre Sun.
“Essa demonstração pode ser realizada com mulheres?”
“Pode.”19
O rei o autorizou a agir. Foram convocadas 180 das mais belas
concubinas de Sua Majestade da ala interna do palácio, e o Mestre
Sun as dividiu em duas companhias, dispondo as favoritas do rei
no comando de cada uma. Todas as guerreiras receberam uma
alabarda. O Mestre Sun então se dirigiu a elas.
“Vocês são capazes de distinguir a frente das costas, e a mão
esquerda da direita?”20
“Somos”, responderam as mulheres.
“Quando eu der a ordem ‘Olhos à frente!’, vocês deverão se
virar para a frente”, disse o Mestre Sun. “Quando eu disser ‘Olhos
à esquerda!’, vocês deverão se virar para a esquerda. ‘Olhos à
direita!’, virem-se para a direita; ‘Olhos para trás!’, virem-se para
trás. Compreendido?”
“Sim”, responderam as mulheres.
Tendo estabelecido essas regras, o Mestre Sun mandou o
carrasco erguer o machado [para demonstrar sua seriedade],
repetiu as ordens e as explicou algumas vezes.21 E então ele bateu
no tambor e deu ordem para virar à direita. Todas as mulheres
começaram a rir.
“Se minhas ordens não foram claras”, disse o Mestre Sun, “nem
compreendidas, a culpa cai sobre mim, seu general.”
Ele então repetiu mais uma vez as ordens, explicando-as em
detalhes. Dessa vez, bateu o comando para virar à esquerda. Mais
uma vez, as moças do harém desataram a rir.22
“Quando minhas ordens não foram claras nem compreendidas,
a culpa caía sobre mim, seu general. Mas agora, como minhas
ordens estavam claras, e como vocês as compreenderam, a culpa
cai sobre suas comandantes.”
E ele deu ordem para que as concubinas postas à frente de cada
companhia fossem decapitadas.
O rei observava a tudo de sua varanda. Ele ficou horrorizado
com essa ordem de decapitar as duas concubinas que ele mais
amava em seu harém e mandou um servo com a seguinte ordem:
“Sua Majestade já presenciou provas suficientes de sua
habilidade como general. Sem essas duas concubinas, Sua
Majestade perderia o apetite. Portanto, ele deseja que a ordem de
executá-las seja cancelada.”
“Por favor, informe à Sua Majestade”, respondeu o Mestre Sun,
“que, na condição de general designado pessoalmente por ele,
tenho plena autoridade nesta questão. Não posso obedecer a certas
ordens de Sua Majestade.”
E assim ele confirmou a decapitação das duas concubinas, como
exemplo para as demais.23 As duas concubinas seguintes nas fileiras
foram posicionadas como novas comandantes de suas companhias.
Mais uma vez o Mestre Sun bateu no tambor. Dessa vez, as moças
se viraram para a esquerda, para a direita, marcharam à frente,
marcharam para trás, ajoelharam-se, levantaram-se, sempre em
total conformidade com as ordens do Mestre Sun, e em absoluto
silêncio. Depois, ele apresentou o seguinte relatório ao rei:
“As tropas de Vossa Majestade encontram-se devidamente
treinadas, e Vossa Majestade pode inspecioná-las. Elas realizarão
qualquer comando de Vossa Majestade. Atravessarão chamas e
inundações em nome de Vossa Majestade.”
“Pode descansar”, disse o rei, “e voltar aos seus aposentos. Não
desejo inspecionar minhas tropas.”
“Percebo queVossa Majestade se interessa apenas por
palavras”, respondeu o Mestre Sun. “O senhor não deseja colocá-
las em prática.”
Com isso, o rei He Lü soube que o Mestre Sun era um
comandante competente e o designou seu general.24 No oeste, ele
conquistou o reino de Chu e entrou na cidade de Ying. No norte,
ele inspirou medo nos reinos de Qi e Jin e obteve renome entre os
senhores feudais. E o Mestre Sun partilhou do poder do rei.25
A moral dessa história destoa um pouco do teor principal de A arte
da guerra que conhecemos hoje. O padre jesuíta Amiot (o primeiro
tradutor do Mestre Sun para o Ocidente) tenta identificar um paralelo
entre as duas: “A partir desse incidente, assim como descreveram, e
como descrevi à moda deles, seja genuíno ou imaginário, pode-se
concluir que a severidade é a base da autoridade do general”.26 Mas o
Mestre que conhecemos a partir do livro nos diz muitas outras
questões mais interessantes a respeito dos generais e é definitivamente
muito mais sutil no tópico da disciplina:
Discipline a tropa ainda não leal, e eles lhe resistirão e terão pouca
utilidade. Permita à tropa leal indisciplina, e ela será totalmente
inútil. Lidere com civilidade, comande com marcial disciplina, e
assim conquistará sua confiança. Ordens coerentes e eficazes
inspiram obediência; ordens incoerentes e ineficazes provocam
desobediência. Com ordens coerentes e eficazes, entre general e
tropa a confiança é mútua. (Capítulo 9)
É quase certo que todo o incidente com o Mestre Sun e as moças do
harém seja apócrifo.27 O eminente erudito Ye Shi (1151-1223), da
dinastia Song, o considerava “completamente absurdo e não crível”.28
Mas o fato impressionante é que, descontando esse incidente e mais
um punhado de referências breves nos Registros, sabemos muito
pouco sobre Sun Wu (o nome Wu significa “guerreiro”). Se ele tivesse
servido de fato como conselheiro do rei He Lü (que definitivamente é
uma figura histórica), então também teria sido contemporâneo de
Confúcio (551-479 a.C.). Contudo, não há uma menção sequer a ele em
Zuozhuan [Comentários de Zuo], a principal fonte de informações
sobre a história do período. Apesar disso, na época da dinastia Han
(206 a.C.-220 d.C.), todo mundo já conhecia o estrategista Mestre Sun,
e seu nome se tornara indissociável de seu tratado sobre a arte da
guerra.
Sabemos um pouco mais sobre outro estrategista da família Sun, um
homem chamado Sun Bin, cuja biografia sucede a de Sun Wu nos
Registros. Ali, somos informados de que Sun Bin viveu cerca de cem
anos depois da morte de Sun Wu.29 A academia hoje o situa em cerca
de 380-316 a.C., e assim ele seria contemporâneo do segundo maior
filósofo confuciano, Mêncio (371-289 a.C.). O nome Bin significa
“amputado no joelho”, e Sun “Aleijado” sofrera essa mutilação (e
marcação) por Pang Juan, seu antigo colega de estudos sobre
estratégia militar, quando os dois serviam como conselheiros no reino
de Wei. A biografia oferece uma descrição detalhada da história da
famosa batalha de Maling (341 a.C.), em que Sun Bin (na época a
serviço do reino rival de Qi) se vingou de Pang Juan.30
Os reinos combatentes e as cem escolas
A época em que os dois membros da família Sun teriam vivido — o
final do Período de Primavera e Outono e o dos Reinos Combatentes,
do século VI a.C. ao final do século II a.C. — foi um tempo
tremendamente turbulento no mundo chinês.31 Já havia muito que a
autoridade central do regime feudal Zhou se desintegrara, e variava a
quantidade de reinos engajados em um conflito perpétuo por
predominância. Era, nas palavras do historiador contemporâneo
William Jenner, “um mundo de insegurança absoluta, em que
qualquer reino podia ser atacado por uma combinação de quaisquer
outros. Diante de ameaças absolutas, os reinos precisavam ser capazes
de mobilizar todos os recursos humanos e materiais para a guerra
total”.32 Entre esses recursos materiais se incluíam a recém-
desenvolvida balestra (entre os séculos V e IV a.C.) e a disposição da
cavalaria profissional (um pouco mais tarde). Esse conflito pela
hegemonia terminou apenas em 221 a.C., quando o reino despótico de
Qin, no noroeste, conseguiu reunir os chineses mais uma vez sob uma
única dinastia (ainda que breve), estabelecendo “uma nova forma de
poder estatal com algum controle direto sobre a população geral que
dificilmente encontraria paralelo em qualquer Estado de porte
significativo no resto do mundo anterior ao século XVIII”.33 Enquanto
isso, esses séculos foram um período de violência extrema e guerras
incessantes, em que centenas de milhares de soldados marchavam para
a morte com regularidade. Como um pesquisador contemporâneo
observou, “é altamente improvável que muitos generais tenham
morrido na cama”.34
Os reinos rivais disputavam os melhores conselheiros disponíveis,
tanto em termos de estratégia quanto de ideologia. He Lü, soberano
do reino de Wu na costa leste (governou entre 514 e 496 a.C.), o
desafortunado que permitiu que o Mestre Sun brincasse de exército
com seu harém (se pudermos confiar nos Registros), também estava
envolvido em um conflito de vida ou morte com seus vizinhos e
precisava de toda a ajuda possível. (Sob seu filho Fu Chai, o reino de
Wu seria conquistado e anexado pelo reino meridional de Yue em 473
a.C.)
Confúcio, nascido no reino de Lu, ao norte de Wu, viajava de reino
em reino, pregando uma doutrina ética de benevolência, virtude e
ritual, de convenções civilizadas de decência, de poder do exemplo
moral, na esperança de salvar a sociedade chinesa do caos, sem
precisar recorrer aos artifícios de estrategistas militares como o Mestre
Sun ou à imposição agressiva de leis draconianas que o reino de Qin
viria a praticar mais tarde. Confúcio “estava contemplando o colapso
da civilização — ele via seu mundo se afundar em violência e
barbárie”.35 Ao contrário do Mestre Sun, Confúcio nunca “partilhou
do poder do rei”. Foi apenas mais um dentre muitos filósofos
itinerantes da época, cujas proposições fizeram desse século e dos dois
seguintes uma das eras douradas do pensamento chinês, um período
de intenso debate e exploração de questões filosóficas fundamentais.
As “cem escolas” de filosofia floresceram, cada uma com sua própria
receita para o sucesso, regras de conduta da vida pública e pessoal:
Confúcio (Mestre Kong), Lao Tzu (ou Laozi; Mestre Lao), Mestre
Sun, Mestre Mo, Mêncio (Mestre Meng), Mestre Zhuang, o Mestre
conhecido como Lorde Shang, e Mestre Hanfei. Foi o pensamento
desses dois últimos que prevaleceu quando o reino de Qin conseguiu,
por um breve período, estabelecer sua forma impiedosa de
totalitarismo na China inteira, em 221 a.C. Depois, durante a dinastia
Han, a doutrina mais branda do confucianismo foi adotada como
ideologia oficial do Estado (e assim permaneceu até ser suplantada
pelo marxismo no século XX), mas sempre houve uma forte veia
autoritária subjacente à vida pública na China, assim como sempre
houve uma forte veia taoista subjacente à vida pessoal.
O pensamento do Mestre Sun, refletido em A arte da guerra,
representa uma perspectiva fundamentalmente diversa da postura dos
confucianos (o próprio Confúcio, o Mestre Meng [Mêncio] e o Mestre
Xun [c. 298-239 a.C.]). Para o cavalheiro confuciano, a guerra era
maligna, mas, se precisava acontecer, a questão mais importante era
de ordem ética — se a causa era válida, e se o governante contava com
o apoio moral de seu povo. No capítulo 15 de Xunzi [O livro do
Mestre Xun], o Mestre ouve um general do reino de Chu detalhar
alguns princípios aceitos do pensamento estratégico do Mestre Sun:
O importante na Guerra é [a dinâmica da] situação, e [o
aproveitamento de] vantagens, astúcia e agilidade de manobra. O
Guerreiro Hábil se movimenta de forma súbita e sigilosa. Ninguém
sabe onde ele vai aparecer. [O Mestre] Sun e [o Mestre] Wu
seguiam esse método e não tinham inimigos. Por que é preciso ter o
apoio moral do povo?
E o Mestre Xun responde:
Você se enganou.Estou falando das tropas do Homem
Benevolente, do propósito do Rei Legítimo. Você dá valor a [coisas
como] complôs, artimanhas, o uso de situações e vantagens,
ataques e manobras súbitas, mentiras. Esses métodos pertencem
aos governantes inferiores. As tropas do Homem Benevolente não
podem ser combatidas com mentiras…36
Em contraste, os taoistas (Mestre Lao, Mestre Zhuang) se
interessavam sobretudo pela sintonia do microcosmo humano e suas
energias com as harmonias mais amplas do universo. Para eles, toda
guerra e violência ia “contra o Tao. E tudo o que vai contra o Tao
logo desaparece” (Tao Te Ching, capítulo 30). O Mestre Sun
partilhava (há quem diga que abusava) de muitas noções básicas dos
taoistas, assim como os supostos legalistas (Lorde Shang, Mestre
Hanfei), a quem melhor seria aplicar o termo “fascistas chineses”, que
extrapolavam certos elementos do taoismo para formar uma
justificativa temerária para seu Estado orwelliano. O capítulo 10 do
Shangjun shu [O livro do Lorde Shang], “Métodos de guerra”, é
composto a partir de uma série de citações do Mestre Sun. É uma
linhagem que não pode ser ignorada durante a leitura desse livro.
Mas já começamos a repetir algo que todo leitor tende a fazer:
tratar o Mestre Sun e seu livro como uma unidade indivisível. Talvez
seja melhor esquecermos por completo o sargento do harém por
enquanto.
A ARTE DA GUERRA: UM LIVRO DA VIDA
Tiras de bambu
Até pouco tempo atrás, era considerável o ceticismo em torno do
pequeno tratado militar conhecido como A arte da guerra. Havia
quem duvidasse até mesmo da autenticidade da obra, e dizia-se que ela
teria passado por fortes revisões ou que até mesmo teria sido
concebida muitos séculos depois da suposta existência do próprio
Mestre Sun.37 E então, na década de 1970, foram descobertas cópias do
texto em tiras de bambu e madeira em dois sítios arqueológicos muito
distantes entre si (Shandong e Qinghai), ambas datadas da dinastia
Han Anterior, e uma chegava a ser do século II a.C.38 Curiosamente,
quando decifrados, os textos dessas tiras se revelaram, talvez para
surpresa geral, muito próximos do que se aceitava como os treze
capítulos tradicionais.39 Com essa descoberta, o livro começou a
inspirar um respeito renovado da comunidade acadêmica. É claro que,
em termos de popularidade, a obra nunca deixara de exercer
influência e fascínio. Foi um dos livros que ajudaram o líder
comunista Mao Tsé-tung**** e o generalíssimo nacionalista Chiang
Kai-shek***** (e os comandantes japoneses durante a Segunda
Guerra Mundial) a formular seus raciocínios estratégicos. Mas enfim
se tornara legítimo considerá-lo (ao lado de outros dois textos
estranhamente curtos: os Analectos de Confúcio e o taoista Tao Te
Ching) um produto genuíno daqueles primórdios do pensamento
conceitual chinês, quando o povo estava “começando a aprender e
desenvolver técnicas de escrita em prosa contínua em que se
elaboravam e defendiam proposições filosóficas e políticas por meio
do uso de estilo literário e estrutura lógica cada vez mais
sofisticados”.40 Os textos podem ter tido pouco ou nada a ver com
uma figura histórica chamada Mestre Sun, se é que essa pessoa existiu.
É provável que eles tenham evoluído ao longo do tempo, a partir dos
ensinamentos de algum “estrategista desconhecido dos Reinos
Combatentes”,41 até acabar por se estabelecer num formato definitivo
depois de muitos anos.42 Provavelmente seria melhor descrever o texto
final como o “produto [coletivo] de um longo processo de
sedimentação de reflexões estratégicas, que com o tempo tomaram a
forma de guia”.43
Guias para o imperador amarelo
Que tipo de livro é esse? Bom, na verdade não é livro nenhum, não no
sentido moderno da palavra. “Os pensadores da China Antiga não
escreviam livros”, disse certa vez o respeitado sinólogo, poeta e
filósofo Angus Graham. “Eles anotavam dizeres, versos, histórias e
ideias, e a partir do século III a.C. compunham ensaios, em tiras de
bambu que eram amarradas e depois enroladas.”44 A arte da guerra
foi um desses rolos (ou conjunto de rolos) de tiras de bambu, um
grupo de ditados e axiomas mais ou menos organizados com temática
militar ou variada, escritos em um estilo de prosa epigramática, com
elementos de verso livre. Pode até mesmo ter incorporado velhas
cantigas, semelhantes a algumas ocidentais, como a nossa:
Escravos de Jó jogavam caxangá.
 
Tira, bota, deixa ficar.
 
Guerreiros com guerreiros fazem
 
Zigue-zigue-zá.45
Assim como O livro das mutações deve ter incluído em suas
diversas camadas velhos ditados semelhantes ao nosso “Sol e chuva,
casamento de viúva”, é quase certo que A arte da guerra tenha
incorporado provérbios populares. Considere-se, por exemplo, este
trecho do capítulo 4: “Erguer pelagem de outono não é força; ver sol e
lua não é percepção; ouvir trovões não é audição aguçada”. Ou este,
do capítulo 5: “Compreendendo o que é fraqueza e força, um exército
ataca qual pedra de mó contra um ovo”. Ou este, do mesmo capítulo:
“É da natureza que em solo plano toras e pedras sejam imóveis; se
íngreme, elas tombem; quadradas, parem; redondas, rolem”. Ou este,
do capítulo 6: “A água evita o alto e corre abaixo. A guerra evita o
forte e ataca o fraco”. Tomemos a expressão no comentário do
capítulo 12: “Sem entrar no covil do tigre, não se capturam os
filhotes”, que significa mais ou menos a mesma coisa que o nosso
“Quem não arrisca, não petisca”.
Aparentemente, o Mestre Sun apreciava bastante uma forma
simples de paralelismo repetitivo. Isso, combinado ao uso de rimas
imperfeitas, destaca o sentido que ele busca, revela as ênfases e
associações do texto.46 E também dá ao livro estilo e força próprios.
Foram muitos os admiradores do estilo literário de A arte da guerra.
O crítico Liu Xie (c. 465-c. 520) chamou a atenção para o fato de que o
Mestre Sun, mesmo sendo um homem das armas, possuía forte
domínio da língua (nas palavras dele, “sua escrita tinha a beleza de
pérolas e jade”).47 Críticos e comentaristas sem conta teceram elogios
à escrita sucinta e elegante, à combinação de concisão e
profundidade.48
Tanto em termos de forma quanto de conteúdo, o livro pertence a
um gênero peculiar à cultura chinesa: a versão escrita de um conjunto
de orientações para o sucesso e o bem-estar, um guia para algum
aspecto da vida. Esse tipo de guia existe desde os primórdios da
história em diversos campos: medicina, sexualidade,
autoconhecimento, artes marciais, feng shui (a arte geomântica do
posicionamento de residências), alquimia, arte, caligrafia, culinária,
estratégia no jogo Go, política, guerra. Os mais antigos clamavam
autoridade em nome de alguma lenda de revelação, geralmente
relacionada a um contato entre o Imperador Amarelo, o ancestral
mítico do povo chinês, e uma agente feminina. Por exemplo, o Zhai
jing, clássico da geomancia, foi atribuído ao Imperador Amarelo.49 O
guia de sexo Su nu miao lun [Sublime tratado da jovem cândida] foi
composto (assim como praticamente todos os livros do tipo) em forma
de diálogo entre o Imperador Amarelo e uma mulher conhecedora das
atividades do quarto.50 Reza a lenda que esse mesmo Imperador
Amarelo, depois de sofrer nove derrotas no campo de batalha e três
noites desconfortáveis na encosta enevoada do monte Tai, encontrou
uma mulher com cabeça humana e corpo de ave, e ela se apresentou
como a Jovem Sombria (ou Jovem Cândida ou Alva, dependendo da
versão). Quando essa mulher perguntou o que ele buscava, o
Imperador Amarelo respondeu: “A Arte da Vitória”. Então ela lhe deu
um tratado sobre a Arte da Guerra.51 Na verdade, os guias (de todos
os temas) muitas vezes eram compilados por um discípulo (ou
discípulos) qualquer de um mestre qualquer, alguma figura
carismática em torno da qual as pessoas se agregavam. É bem possível
que tenha sido essa a origem de livros como os Analectos de Confúcio,
o poderoso clássico taoista Tao Te Ching (do qual cito diversos
trechos curtos em meus comentários)e A arte da guerra do Mestre
Sun.
SHI: ENERGIA COMPARTILHADA
A arte da guerra e outros guias de temáticas diversas têm em comum o
uso de um termo crucial: shi, “posição” ou “energia de situação”. É
essa a palavra adotada no título “Energia potencial” do capítulo 5 do
Mestre Sun, onde expliquei o termo como “a energia ou dinâmica
inerente de uma situação ou um momento específico”, um potencial
latente para exploração sutil e plena por parte do Guerreiro Hábil. É
também um termo fundamental na geomancia chinesa, o feng shui, e
se refere à energia ou ao poder da terra (dishi) em determinado
lugar.52 Na pintura e na caligrafia, shi é a energia estrutural ou o
movimento vitalizador desejado em cada pincelada ou na composição
de uma paisagem. “Se existe shi na pintura de uma floresta, então,
apesar de quaisquer irregularidades e convoluções, a floresta será
perfeitamente robusta e viva…”53 Na arte das letras, shi é
representado pelo estilo literário do escritor, pelo espírito, por sua
tendência, inclinação, postura.54 Na delicada arte do qin, ou alaúde
chinês (o instrumento musical por excelência da aristocracia chinesa),
cada posicionamento cuidadoso da mão é um shi (por exemplo, “a
posição de mão direita conhecida como Dragão Voador que Agarra as
Nuvens”).55 Na Arte do Amor (os guias de sexo), shi é o termo usado
para “posições” ou “posturas” sexuais. O título do capítulo 2 do Su
nu miao lun, por exemplo, é “As nove posições [ou shi]”, incluindo
“Dragão Voador”, “Passo do Tigre” e outras. Nas artes marciais, shi
aparece como abertura ou encerramento em uma série que pode
conter movimentos como “Tigre Abaixado” e “Dragão Oculto” (de
onde Ang Lee tirou inspiração para o título de seu filme O tigre e o
dragão).
O uso comum desse termo específico em tamanha diversidade de
campos indica uma forma de pensar que permeia todas essas áreas. É
resultado da observação e contemplação das forças em ação no
ambiente, da sintonia entre o microcosmo pessoal e as energias do
macrocosmo, um elemento intrínseco à filosofia perene chinesa. Está
no cerne da visão taoista para a natureza e a vida, pregando que, em
vez de lutarmos cegamente contra os obstáculos, deveríamos
compreender a dinâmica verdadeira da situação em que nos
encontramos e agir de acordo, de forma harmônica. Essa perspectiva
já se faz presente no grande clássico O livro das mutações, que
repousa imponente por trás dos Analectos de Confúcio, do Tao Te
Ching taoista e de A arte da guerra do Mestre Sun. “O Mutações nos
proporciona meios para saber quando e como uma situação se formou
e para segui-la até onde estamos agora. Esse processo é definido como
‘ir com a corrente’ (shun, literalmente ‘obediência’).”56 A premissa
toda do Mutações (assim como em A arte da guerra) é que é possível
vislumbrar as mutações em potencial antes que elas aconteçam,
compreender as configurações sutis de Yin e Yang e assim atingir
sintonia com as energias em ação no mundo que nos cerca.
Disse o Mestre [Confúcio]: “Conhecer as sementes [os mananciais
de oportunidade] é mesmo divino. […] As sementes são o início, o
imperceptível princípio de movimento, o primeiro sinal de sorte ou
infortúnio a se revelar. O indivíduo superior percebe a semente e
age imediatamente. Ele não espera um dia sequer”.57
A semelhança com o Mestre Sun é notável.
Uma formulação recente de shi foi oferecida por John Hay,
historiador da arte:
O mundo [tal como é concebido pela estética chinesa tradicional] é
antes imerso em energia do que explicado pela geometria. O
homem é inserido desde o princípio nessa interatividade […].
Fixar-se é ser temporário, entrar e sair é perdurar […]. O termo
mais comum para essas configurações mutáveis e mutantes de
energia é shi.58
O multifacetado ensaísta Lin Yutang forneceu uma descrição mais
antiquada em 1938, depois de sua própria definição múltipla de shi:
[…] gesto, postura, posição social, formação de batalha, tudo o
que proporciona vantagem de posição em qualquer confronto. Essa
noção é extremamente importante e se liga a todas as formas de
beleza dinâmica, em contraposição à mera beleza do equilíbrio
estático. Assim, uma pedra pode ser “postura de pedra”, um galho
estendido tem sua própria postura de galho (que pode ser boa ou
má, elegante ou banal); e existem na escrita e na pintura a “postura
do traço”, a “postura do caractere [ideograma]” e a “postura do
pincel”, e a “postura de uma colina”, a “postura de uma nuvem”
etc. […] Uma situação se concebe como estática, enquanto um shi
denota aquilo em que a situação se tornará, ou “o aspecto que ela
tem”: fala-se de shi do vento, da chuva, da cheia ou da batalha
como o aspecto que o vento, a chuva, a cheia ou a batalha têm em
relação ao futuro, se estão se intensificando ou arrefecendo, se
acabarão em breve ou continuarão por tempo indeterminado, se
estão avançando ou regredindo, em que direção, com que força
etc.59
Outros termos importantes da perspectiva do Mestre Sun se
relacionam a essa ideia de “energia potencial” da situação: as
permutações de Yin e Yang; o ciclo dos Cinco Elementos e das Quatro
Estações; o processo de bian, ou “mudança” (o ambiente em constante
transformação em que o estrategista precisa agir); variações da
estratégia entre qi e zheng (o indireto e o direto), improviso e reação
flexíveis ao shi específico do momento; xing, ou as “disposições
externas e visíveis” de determinada situação militar, incluindo
disposição de tropas e abastecimento de provisões; a compreensão de
xu e shi, vazio e cheio, fraqueza e força, e a exploração das fraquezas
do inimigo; o conceito de yin ou “conformidade”, “correspondência”
à situação do inimigo (por exemplo, a adoção de um curso de menor
resistência, o uso da comida e forragem do inimigo em vez de mandar
virem mais suprimentos da base). Grande parte disso tudo pode ser
sintetizada pelo enunciado geral de que “o epítome da prática militar é
extrair vitória das circunstâncias mutáveis do inimigo” (capítulo 6). É
uma filosofia de efeito máximo obtido pelo gasto mínimo de energia.
É a movimentação fluida do praticante de tai chi, a força branda,
porém irresistível, do pincel de um calígrafo. Esses elementos se
refletem na vitória tranquila do Guerreiro Hábil do Mestre Sun, de
seu Sábio General ou Estrategista, de seu Iniciado Guerreiro. “A
primazia suprema vem não da vitória em qualquer batalha, mas da
derrota do inimigo sem sequer um combate” (capítulo 3).
O CAMINHO DA ASTÚCIA E DISSIMULAÇÃO, 
 
O TAO DE PODER E CONVENIÊNCIA
Incumbe ao general ser firme e inescrutável, ser rigoroso e
imparcial. Ele deve saber manter seus homens ignorantes, enganar-
lhes os olhos e os ouvidos.
Mestre Sun, capítulo 11
Nos melhores momentos, o Iniciado Guerreiro do Mestre Sun pode ser
inspirador: seu general esclarecido nutre uma “reação holística às
complicações humanas”, e A arte da guerra comunica “um encontro
pessoal transformador com a realidade definitiva, que pode e de fato
influencia todos os aspectos da vida, desde as práticas do monge até as
artes marciais”.60 É a mesma sabedoria perene chinesa que a gueixa
japonesa de Arthur Golden descreve com palavras tão simples: “Nós
seres humanos somos apenas parte de algo muito maior. […]
Precisamos utilizar todo método possível para compreender o
movimento do universo à nossa volta e situar nossas ações no tempo
para que não nademos contra a corrente, mas a favor”.61 O Guerreiro
Definitivo trava seus combates fora do campo de batalha. Aí reside a
genialidade particular do Mestre Sun, que soube expressar “a
importância do artifício, da astúcia e do bom senso nos conflitos
humanos — ao contrário da força bruta”.62 É uma mensagem que
forma intenso contraste com a natureza da guerra tal qual se difundiu
pelo mundo. O Mestre Sun decerto teria sorrido diante
da exaltação americana do poder de fogo, que facilmente
transforma um meio em fim […]. Como ele deixa claro, a violência
só constitui uma parte

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