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QUANDO AS QUESTÕES DE GÊNERO, RAÇA E MASCULINIDADES 
INTERROGAM AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS 
 
 
Vivemos em um momento histórico de questionamento ao projeto da modernidade e de 
mudanças no contexto sociopolítico-cultural e epistemológico. Esta fase contemporânea 
tem sido caracterizada por uma explosão de identidades políticas centradas na ascensão 
do feminismo, nas identidades gays, lésbicas e negras, na migração de antigas colônias 
dos países pobres para os países ricos, tudo isso causando grande impacto nas 
sociabilidades em geral. Nas escolas, as identidades de gênero, raça, sexualidades e 
masculinidades, com seus lugares e funções tradicionalmente adjudicadas, vêm sendo 
interpeladas, problematizadas e, em certo ponto, desestabilizadas por outras formas de 
vivê-las. Assim, neste painel, defendemos a necessidade de se tematizar as diferenças e 
identidades nos discursos e nas práticas pedagógicas. No primeiro texto destacam-se as 
práticas pedagógicas de dois professores: uma de educação física e outro de artes que 
buscam discutir e problematizar as questões de gênero e raça em suas práticas. No 
segundo texto procura-se problematizar e desessencializar as masculinidades 
vivenciadas por jovens adolescentes no contexto escolar. Para tal, o autor utilizou a 
narrativa de três jovens estudantes da rede pública. Por fim, aborda-se a formação de 
professores e seu olhar para as diferenças de gênero e sexualidade objetivando refletir 
acerca das estratégias pedagógicas referentes à categoria gênero da disciplina Educação 
Física e ludicidade de uma universidade federal situada na cidade do Rio de Janeiro. 
Nos três trabalhos destacamos práticas pedagógicas que buscam 
desconstruir/problematizar verdades essencializadas e valorizar novas possibilidades de 
sociabilidades. Assim, a proposta central é contribuir para o reconhecimento e 
valorização das diferenças de gênero, raça, masculinidades e ao mesmo tempo para a 
melhoria da qualidade da educação e do ensino nas redes públicas. 
 
Palavras-Chave: Gênero, Raça, Masculinidades. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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A FORMAÇÃO DE DOCENTES DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SEU OLHAR 
ACERCA DAS QUESTÕES DE GÊNERO 
Rita de Cassia Silva 
UNISUAM e Secretaria Municipal de Educação do RJ 
 
Os cursos formadores de professores/as de Educação Física devem acompanhar as 
transformações ocorridas em nossa sociedade para contemplar questões ligadas à 
diferença cultural, no intuito de fornecer aos/às futuros/as docentes pistas para se 
trabalhar com as múltiplas identidades presentes em nossa sociedade e em nossas 
escolas, com estudantes oriundos/as de diferentes classes sociais, de diferentes 
comunidades populares, com características étnico-raciais diferenciadas, que 
apresentem um olhar distinto acerca das questões de gênero, que façam parte de 
diferentes orientações religiosas, que são por vezes transferidos/as de outros estados e 
cidades, que estão inseridos/as em famílias com formação diferente do que 
consideramos em geral “normal” ou “heterossexual”, ou seja, que apresentem distintas 
formas de pensar e enfrentar o mundo, diferentes formas de agir e de dialogar. Sendo 
assim, o presente estudo tem como objetivo refletir acerca das estratégias pedagógicas 
referentes à categoria “gênero” da disciplina “Educação Física e ludicidade”, integrante 
do curso de formação de professores/as de Educação Física, de uma universidade 
federal situada na cidade do Rio de Janeiro. Para tanto foram observadas as aulas desta 
disciplina durante dois períodos letivos. Também foi realizada a análise da ementa e 
programa da mesma. Estudantes e professora foram ouvidos através de entrevistas 
realizadas na instituição de ensino. Uma nova Educação Física parece surgir, mesmo 
através de tentativas isoladas de docentes. O olhar para o “outro” começa adentrar a 
formação destes educadores/as. Contudo, muito ainda deve ser discutido. As questões 
de gênero ainda precisam ser evidenciadas no sentido de se realizar a desconstrução de 
ideários engessados ao longo da história da construção deste campo. A disciplina 
analisada fornece caminhos possíveis para a re(construção) de uma nova Educação 
Física, mas uma longa jornada ainda precisa ser trilhada. 
 
Palavras-chave: Formação de professores/as, Educação Física, Gênero. 
 
Introdução 
 “Hoje é um dia muito feliz, é o primeiro dia de aula de Maria no ano letivo de 
2016. Maria está muito contente, pois irá reencontrar antigas amizades e quem sabe 
conhecer novas pessoas. Ao adentrar a escola Maria, que está no 6º ano do Ensino 
Fundamental, recebe o horário de aulas do dia de hoje: dois tempos de matemática, um 
tempo de música e dois tempos de Educação Física. O olhar de Maria se modifica e 
sugere certa preocupação. Algumas indagações surgem: será que a partir de agora 
poderei participar do Futebol juntamente com os meninos? As aulas serão mistas? As 
atividades levarão em conta as minhas necessidades? E se eu não souber jogar?”. 
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 O trecho acima trata-se de uma pequena provocação, contudo, pode caracterizar 
o que vem ocorrendo em muitas aulas de Educação Física escolar. Estudantes são 
excluídos/as por habilidades físicas e por gênero, alguns/mas docentes não conseguem 
lidar com as diferenças que atravessam os muros da escola e adentram as quadras, se 
inserindo nas práticas hegemônicas historicamente construídas no campo da Educação 
Física. 
 Para Neira (2007), a prática pedagógica do campo da Educação Física tem 
apresentado um grande vínculo com interpretações instrumentais do movimento 
humano, o que caracterizaria seu ensino pela transmissão e reprodução de padrões 
preestabelecidos, retirados de elementos culturais específicos (esportes), o que 
desencadeia a rejeição pelas diferenças técnicas dos/as alunos/as ou ainda, o 
desenvolvimento de habilidades motoras (educação do movimento) e perspectivas 
(educação pelo movimento) voltadas para o desempenho, para o mérito e para o lazer 
funcional. 
Cabe salientar que diversas tendências pedagógicas marcam a história da 
Educação Física brasileira e influenciam, até os dias de hoje, a prática docente deste/a 
educador/a. As tendências higienista, militarista e competitivista fazem parte do 
cotidiano de atuação do campo da Educação Física, com suas práticas disciplinadoras, 
exclusivistas e elitistas. Porém, não podemos ignorar que o público recebido na escola 
brasileira, principalmente na escola pública, advém, em sua maioria, de classes 
populares, é pertencente a várias comunidades e portador das mais diversas bagagens 
culturais. Estas bagagens, muitas vezes, não contemplam experiências de vitória e 
sucesso, no que diz respeito à prática de esportes e por que não dizer, nos diversos 
campos da vida social. 
De acordo com Souza (2007), a Educação Física compromete-se de maneira 
dominante com uma prática eminentemente competitivista, ou seja, princípios 
relacionados ao “selecionar” e ao “vencer” são disseminados sem qualquer reflexão e 
naturalizados de forma a tornar a prática da Educação Física como sendo fortemente 
discriminatória. 
A escola parece contribuir para a exclusão dos/as estudantes a partir da categoria 
gênero e reforça a generificação das atividades e esportes preconizados pela Educação 
Física. Louro (2013) afirma que 
A despeito de todas as oscilações, contradições e fragilidades que 
marcam esse investimento cultural, a sociedade busca, 
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intencionalmente, através de múltiplas estratégias e táticas, “fixar” 
uma identidade masculina ou feminina “normal” e duradoura. Esse 
intento articula,que 
todos e todas têm direito a ter acesso” (CANDAU, 2014, p. 29). 
Esse processo se dá desde ao uso do uniforme até ao tipo de avaliação, que são 
idênticos para os (as) estudantes, o que contribui para o apagamento e silenciamento de 
determinadas identidades. Em relação ao termo diferença, Candau (2014) destaca que 
nos discursos dos professores, é frequentemente associado a um problema a ser 
resolvido, a deficiência, ao déficit cultural e a desigualdade: 
 
Diferentes são aqueles que apresentam baixo rendimento, são 
oriundos de comunidades de risco, de famílias com condições de vida 
de grande vulnerabilidade, que têm comportamentos que apresentam 
níveis diversos de violência e incivilidade, os/as que possuem 
características identitárias que são associadas à ”anormalidade” e/ou a 
um considerado baixo “capital cultural”. Enfim, os diferentes são um 
problema que a escola e os educadores/as têm de enfrentar e esta 
situação vem se agravando e não sabemos como lidar com ela. 
Somente em poucos depoimentos, a diferença é articulada a 
identidades plurais que enriquem os processos pedagógicos e devem 
ser reconhecidas e valorizadas (CANDAU, 2014, p. 30) 
 
Corroboramos com a autora citada quando afirma que somente poderemos 
mobilizar processos de construção de práticas interculturais quando fomos capazes de 
não reduzir igualdade à padronização, mas ao reconhecimento da dignidade de cada um 
e, também, quando não encararmos a diferença como um problema a resolver, mas 
como riqueza pedagógica. 
 
Experiências pedagógicas: quando a Educação Física e a Arte discutem gênero e 
raça 
Trabalhar a partir do regime heteronormativo e da igualdade racial garante o 
funcionamento tranquilo e seguro da escola e acaba por apagar as diferenças, não as 
colocando em questão. Porém, como professor e professora do ensino fundamental 
optamos por problematizar estas questões juntos aos alunos e alunas. 
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Destacamos que os trabalhos apresentados nesta pesquisa foram trabalhados em 
duas escolas. Na escola do município do RJ, situada na zona oeste da cidade, foi 
selecionada para a pesquisa uma turma do 5º ano do ensino fundamental. Na segunda 
escola, localizada em um bairro da periferia da cidade da Baixada Fluminense - Duque 
de Caxias – a pesquisa foi realizada em uma turma de 6º ano do ensino fundamental. 
 
EF e gênero: uma análise a partir das vozes dos estudantesiv 
A pesquisa realizada na escola pública do município do RJ, contou com a 
participação de alunos e alunas de uma turma de 5º ano onde foram percebidas, a partir 
de observações, nas aulas de Educação Física, de situações de divisão entre os meninos 
e as meninas de forma naturalizada, onde os primeiros apresentavam uma atitude de 
domínio aos espaços e materiais utilizados na aula (bolas, cordas, etc). As meninas 
apesar de demonstrarem resistência à situação descrita, não conseguiam revertê-la 
imediatamente, sendo necessária à nossa intervenção, no sentido de tornar o espaço 
igual para todos (as). Tais constatações iniciais serviram de fundamento para iniciarmos 
o presente estudo tendo como objeto de análise as relações de gênero nas aulas de 
Educação Física. 
O encontro ocorreu no início do ano letivo com os/as estudantes sentados 
dispostos em círculo no pátio da escola. As respostas foram anotadas em um diário de 
campo bem como as reações da turma no momento dos questionamentos. 
Ao serem questionados sobre o tema gênero e os preconceitos e discriminações 
inerentes a essa temática, percebemos uma nítida separação entre meninos e meninas 
em relação às brincadeiras e jogos vivenciados na rua e na aula de Educação Física o 
que culminava, segundo os relatos, na exclusão do outro gênero: “na rua, as meninas 
brincam de pique-bandeira, aí quando eu apareço e peço pra brincar, as meninas me 
chamam de boiola” relatou João. Nessa direção, Pedro acrescentou: “na Educação 
Física, as meninas não deixam a gente jogar queimado” e ainda, argumentou Carlos: 
“teve uma vez que os meninos ficaram chamando a gente de „viadinho‟ só porque a 
gente tava brincando com as meninas”. Nessa discussão, Maria ressaltou a sua posição: 
“a gente quer jogar futebol e os meninos não deixam e quando eles querem jogar 
queimado a gente deixa”. 
Sobre este aspecto, Louro (2003) afirma que se em outras áreas escolares as 
diferenças de gênero aparecem de forma implícita, é na Educação Física que esse 
processo se torna mais explícito e evidente. Segundo a autora, mesmo que em várias 
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escolas os/as professores/as venham atuando em regime de coeducaçãov, a Educação 
Física parece ser a área onde a resistência ao trabalho integrado persiste e se renova. 
O discurso biológico, ainda muito presente na disciplina, reproduz a ideia de que 
as mulheres são, fisicamente, menos capazes do que os homens o que resulta na 
diferenciação de maneiras de ser e viver segundo os papéis determinados socialmente 
para cada sexo. Percebemos nas falas dos/das alunos/as uma diferenciação na forma 
como vivenciam as brincadeiras e jogos na rua e nas aulas de Educação Física e a 
consequente exclusão do sexo oposto. 
Em relação à participação ou não nas atividades propostas nas aulas de 
Educação Física e os possíveis preconceitos sofridos por meninos e meninas durante a 
vivencia destas práticas, percebemos um processo de exclusão desenvolvido por conta 
dos estereótipos de gênero. Para Melissa, a situação não se mostrava fácil: “Já deixei de 
jogar futebol por ser menina porque os meninos ficam me zoando”, já Maria destaca um 
ponto para ela traumático: “Já fiquei com medo de jogar queimado porque os meninos 
falaram que iam me estourar porque eu era menina e não ia aguentar”. 
É importante ressaltar que o medo e a submissão não se apresentaram 
exclusivamente nas meninas. No relato de Carlos percebemos a não participação em 
atividades consideradas “femininas” como uma proteção contra a discriminação: 
“Deixei de jogar queimado com as meninas porque os meninos ficavam me chamando 
de „boiolinha‟ e já deixei de dançar porque todo mundo falava que era „coisa de mulher” 
Neste caso, podemos perceber que as falas dos/das estudantes explicitam que 
havia um controle de atividades consideradas próprias de meninos e outras atividades 
consideradas próprias de meninas causando a exclusão do sexo oposto. Qualquer um 
que tentasse romper com esta “norma” era considerado como desviante ou julgado em 
sua sexualidade. Os estudos de Louro (2003) compartilham com as nossas ideias 
quando mencionam que: 
 
A Educação Física parece ser, também, um palco privilegiado para 
manifestações de preocupação com relação à sexualidade das crianças. 
Ainda que tal preocupação esteja em todas as áreas escolares, talvez 
ela se torne particularmente explícita numa área que está, 
constantemente, voltada para o domínio do corpo (LOURO, 2003, 
p.74). 
 
Ainda neste contexto, percebemos a construção de formas de ser masculino e ser 
feminino se caracterizando por emoções, sentimentos, gestos e formas de agir segundo 
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um padrão pré-determinado baseado nas diferenças entre os sexos. Desta forma, 
meninos devem agir com coragem, bravura e força, enquanto as meninas devem agir 
com fragilidade, timidez e delicadeza. Este controle do corpo acaba por ser considerado 
uma norma que vai determinar como meninos e meninas devem se “comportar” na 
sociedade. 
Deste modo, percebemos que os/as estudantes pesquisados apresentaram 
resistência ao trabalho integrado na aula de Educação Física, principalmente por parte 
dos meninosque mostraram insatisfeitos com o tema. Encontramos na maior parte das 
falas, estereótipos de gênero causadores de desigualdades e diferenciações de 
comportamento, linguagem e vivências corporais que impedem que o trabalho integrado 
nas aulas de Educação Física transcorra de forma justa e igualitária. 
 
Artes, gênero e raça: uma experiência 
Esta atividade aconteceu no primeiro dia de aula. Propusemos que os/as 
alunos/as construíssem seus autorretratos, na tentativa de substituir a tradicional 
apresentação que acontece a cada início de ano, quando professor/a e alunos/as se 
apresentam, dizem seus nomes e falam de seus sonhos e objetivos. A atividade 
planejada objetivava conhecer a turma e sondar caminhos para integrar as propostas de 
discussão sobre sexualidades, gênero, masculinidades e raça com a disciplina. Para tal, 
primeiramente apresentamos a vida e os autorretratos de diversos artistas, tais como 
Picasso, Van Gogh e Frida Kahlo, entre outros. Explicamos a diferença entre retrato e 
autorretrato, pedindo então que cada um confeccionasse o seu autorretrato. 
Apesar da relutância inicial de alguns/mas alunos/as que diziam não saber 
desenhar, a turma aceitou de maneira tranquila participar da atividade proposta. É 
importante destacar que a opção pelo trabalho de artistas da corrente moderna em muito 
facilitou essa aceitação, uma vez que eles não privilegiam a forma no processo de 
construção de suas obras. Nesse dia estavam presentes na sala de aula 14 alunos e 10 
alunas. O marcador visível da identidade coletiva desta turma era a cor da pele – a raça 
negra. Dos/as 24 alunos/as presentes, 18 eram negros/as. Contudo, pensando no 
conceito de identidades como múltiplas, em processo, híbridas e marcadas por relações 
de poder, a identidade negra não pode ser vista de maneira essencializada, o que faz 
pensar que nesta sala de aula há uma grande pluralidade cultural. 
Ao permitirmos que sentassem livremente, alguns/mas estudantes foram para o 
chão, outros permaneceram em suas próprias carteiras. Além disso, colocamos à 
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disposição alguns espelhos, lembrando que, caso alguém quisesse ver algum detalhe do 
próprio rosto, poderia usá-lo. No entanto, “apenas umas 4 meninas pegaram o espelho, 
mas estavam mais interessadas em ver como estavam do que utilizar os espelhos para a 
produção do autorretrato”vi. 
Na aula seguinte, posicionamos a turma em círculo para que pudessem 
apresentar seus autorretratos. Nesse dia, 9 de fevereiro, estavam em sala 13 meninos e 
10 meninas. Combinamos que cada um falaria de si, e que a opinião emitida seria 
pessoal. A principal característica do autorretrato é a representação da maneira como a 
pessoa se vê. Durante as apresentações algumas questões despertaram a nossa atenção: 
em uma sala onde a maioria era negra, nenhuma das 10 meninas presentes se apresentou 
como tal. Este fato específico revela como os processos sociais acabam por se desdobrar 
na produção de diferenças e distinções. E estas diferenças terminam por subalternizar o 
outro, como ressalta Walsh (2009b) e ao mostrar as matrizes da colonialidade no 
processo de construção identitária da raça negra, sobretudo a da mulher negra que foi 
construída a partir da negação e da inferiorização. 
Para reforçar esse pensamento, reproduzimos a fala de algumas alunas cujo 
marcador identitário “cor da pele” era muito claro como negro. A primeira se 
apresentou: “Sou morena escura, bonita e vaidosa... (uma pequena pausa para avaliar a 
reação da turma), mas as pessoas me acham feia, eu sei que sou bonita” (Jorgiene, 13 
anos). Vale destacar que o comentário – eu sei que sou bonita – estava diretamente 
relacionado à fala inicial do professor, ou seja, à importância de cada um mostrar como 
se vê, e da turma respeitar a opinião do/a colega; tanto que a aluna fez uma pequena 
pausa depois de dizer que era bonita. Por sua vez, os risinhos e respirações da turma 
revelaram que não concordavam com as palavras dela. 
Outra aluna disse: “Sou morena, gosto muito de desenhar, sou vaidosa, sou 
amiga e meu nome é Kezia” (13 anos). A mesma fala se repetiu com a aluna Monique 
(13 anos): “Tenho cabelo castanho, sou morena, olhos pretos, tenho orelhas grandes, 
meu cabelo é encaracolado, fiz 12 anos na sexta-feira”; com Dalila (16 anos): “Meu 
cabelo está com reflexo, minha boca é pequena, meus olhos são pretos, meu cabelo é 
ondulado, meu nariz é mais ou menos”; com Kamila (12 anos): “A cor do meu cabelo é 
castanho escuro, meus olhos são castanhos bem escuros, cabelo liso e minha cor morena 
escura”; com Joyce (13 anos): “Eu me vejo com lindos olhos, lindo cabelo e linda 
boca”; e com Iara (13 anos): “Eu me acho muito bonita e estudiosa. Muitas vezes os 
garotos me zoa mas eu me gosto porque me olho no espelho e me acho bonita”. 
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A turma não se incomodou com o fato de nenhuma menina se posicionar como 
negra. Pelo que pudemos perceber ao longo das aulas, este marcador identitário, no caso 
das meninas, trazia marcas de inferiorização em relação às demais, seja desde a 
preocupação com os cabelos, passando pelos padrões de beleza e de comportamento, até 
o processo de escolha dos parceiros. No conjunto de falas destacadas ecoam, mais uma 
vez, as matrizes da colonialidade e da força da lógica do colonizador; ou seja, a 
colonialidade do ser (WALSH, 2009b) mostra como a identidade da mulher negra foi 
construída, de forma hierarquizada, em uma classificação social e subalternizada. E 
como, infelizmente, este processo é um dos mais dolorosos, causando grande 
sofrimento para algumas pessoas. Existem diversos aspectos sociais e culturais que 
marcam os processos de inferiorização e rejeição da raça negra. 
Assim, ao se apresentarem como morenas, ao reforçarem que se acham bonitas 
apesar de os outros não acharem, ou ao destacarem o cabelo encaracolado, conclui-se 
que essas meninas estão fugindo de suas próprias marcas identitárias. 
Ao mesmo tempo, tais falas indicam como deve ser trabalhado o caráter híbrido 
das identidades, conforme preconizado pelo multiculturalismo em suas vertentes crítica 
e interativa (CANDAU 2008). Com isso, problematizando a visão essencialista e 
reconhecendo que as identidades não são puras, visto que carregam marcas que se 
mesclam a partir de relações de poder, deixamos para as próximas seções as discussões 
sobre cabelo de forma mais ampla. Limitamos aqui a apenas registrar como o cabelo 
representa uma forte questão identitária para a mulher negra. 
Já entre os meninos a situação foi diferente, pois não tiveram problema de se 
afirmarem como negros. Acredito que estavam publicamente apresentando os ritos e 
provas que os constituiriam como pertencentes ao grupo de homens negros. Desse 
modo, entre os mais velhos alguns se apresentaram como “negão”. O aluno Wanderson 
(15 anos) declarou: “sou negão, magro, alto”, e em seguida exibiu o autorretrato pelo 
qual enfatizava a cor negra. O desenho deste aluno chamou atenção não pela forma em 
si, mas principalmente pela utilização da cor. Ele fez questão de destacar que era negro, 
usando lápis e canetinha preta e reforçando que aquela cor tinha alguns significados. O 
mesmo aconteceu com o aluno Isaac (14 anos), que afirmou “Sou negro, tenho orelha 
grande e tenho nariz pontudo”; Durante a apresentação daquele dia, seis alunos se 
apresentaram dessa forma; em comum entre eles havia o fato de serem os mais velhos, 
com idades entre 14 e 15 anos. 
 
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As questões interrogam nossa prática pedagógica: para não concluirAo refletirmos sobre as escolas investigadas podemos perceber a existência de 
certas normas e padrões que cercam tanto as questões relacionadas à raça quanto às 
questões ligadas à gênero e sexualidade. A presença de um princípio heterossexual, 
branco e masculino parece se evidenciar em diversos momentos de contato com os/as 
estudantes, regendo comportamentos e discursos. 
Na primeira escola, compreendemos que os temas ligados ao corpo se constroem 
como verdadeiros dilemas no que se refere a questão do movimento. Constatamos na 
realidade pesquisada que um dos espaços de maior possibilidade de conflito em relação 
a questão de gênero é na aula de Educação Física. 
A necessidade do domínio e do controle do corpo associado a explícita 
demonstração de gestos e movimentos presentes nas aulas podem contribuir para uma 
certa vigilância sobre o que é adequado para as meninas e para os meninos. Neste 
sentido, identificamos uma nítida diferenciação de manifestações corporais que os/as 
estudantes classificam como sendo masculinas e femininas a partir de padrões culturais 
construídos com base nas diferenças biológicas que, por conseguinte, acabam 
representando a exclusão do outro. 
Na segunda escola destacada percebemos como as questões raciais marcam o 
processo de construção das identidades reforçando sentidos de masculinidades e 
feminilidades que passam a circular no universo cultural dos/das estudantes acentuando 
mecanismos de superioridade e inferioridade. Neste caso, para as meninas, ser negra 
pode colocá-las em uma posição de subalternidade em relação as outras. Podemos 
observar aqui a mesma negação de sua raça, evitando o termo negra. Já para os meninos 
ser negro representa uma questão orgulho, pois, remete a força, ao vigor sexual. 
Dentro desse contexto, defendemos que todos os momentos de conflitos 
ocasionados pelo reconhecimento da diferença podem e devem instigar as práticas 
pedagógicas. É importante sensibilizarmos nossos/as estudantes para a urgência do 
respeito ao outro e para o questionamento dos fatores que têm contribuído para a 
construção e reforço de preconceitos e discriminações. 
Assim, evidenciamos neste trabalho a importância de se colocar a diferença em 
questão, de problematizar os conceitos essencializados que circulam nas salas de aula e 
de se refletir sobre os processos de racialização, sexualização e generificação. 
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defendida pelo autor no ano de 2013, pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro (PPGE-UFRJ). 
ii Paulo Melgaço da Silva Junior estudou as questões de raça, gênero, sexualidades e masculinidades no 
contexto escolar. 
iii Ana Paula da Silva Santos estudou as questões de gênero no contexto escolar 
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iv Ressaltamos a utilização de nomes fictícios para representar os/as alunos/as participantes do presente 
estudo. 
v Coeducação, segundo Auad (2006) refere-se uma política propositiva e implementadora de modos de 
pensar e transformar as relações de gênero na escola. 
vi Notas do diário de campo, 6 de fevereiro de 2012 
 
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12090ISSN 2177-336Xentão, as identidades de gênero “normais” a um único 
modelo de identidade sexual: a identidade heterossexual. Nesse 
processo, a escola tem uma tarefa bastante importante e difícil. Ela 
precisa se equilibrar sobre um fio muito tênue: de um lado, incentivar 
a sexualidade “normal” e, de outro, simultaneamente, contê-la 
(LOURO, 2013, p.25). 
 
 A autora adiciona: 
A competição, no entanto, que é frequentemente enfatizada na 
formação masculina parece dificultar que meninos e jovens “se 
abram” com seus colegas, expondo suas dificuldades e fraquezas. Para 
um garoto (mais do que para uma garota), tornar-se um adulto bem-
sucedido implica vencer, ser o melhor ou, pelo menos, ser “muito 
bom” em alguma área. O caminho mais óbvio, para muitos, é o 
esporte (no caso brasileiro, o futebol), usualmente também agregado 
como um interesse masculino “obrigatório” (LOURO, 2013, p.22). 
 
 A partir destas premissas, nossa “Maria” estaria subvertendo uma lógica imposta 
pela sociedade, uma vez que é menina e supostamente gostaria de participar dos jogos 
de futebol. 
Concordo com Daolio (2004) ao afirmar que a Educação Física pode e deve 
ampliar seus horizontes, abandonando de vez a premissa de investigar o movimento 
humano, o corpo físico ou o esporte na sua dimensão exclusivamente técnica, para 
tornar-se um campo de atuação que considere o ser humano como ator cultural e social. 
 
Mas como preparar os/as futuros/as docentes para uma prática pedagógica mais 
igualitária? 
A formação inicial parece não contribuir para a resposta a este questionamento. 
De acordo com Tardif (2012), a mesma vem sendo marcada pelo predomínio dos 
saberes disciplinares, saberes estes produzidos sem nenhuma ligação com a ação 
profissional. O autor adiciona ainda que educadores/as e pesquisadores/as apresentam-
se como dois grupos cada vez mais distintos, destinados simultaneamente a tarefas 
especializadas de transmissão e de produção dos saberes sem nenhuma relação entre si. 
No sistema escolar esta separação já se encontra bem caracterizada uma vez que o saber 
dos/as professores/as parece residir unicamente na competência técnica e pedagógica 
para transmitir saberes elaborados por outros grupos. 
A partir da problemática apresentada, proponho que os cursos formadores de 
professores/as de Educação Física também devam acompanhar as transformações 
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Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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ocorridas em nossa sociedade e possam contemplar questões ligadas à diferença 
cultural, no intuito de fornecer aos/às futuros/as docentes pistas para se trabalhar com as 
múltiplas identidades presentes em nossa sociedade e em nossas escolas, com 
estudantes oriundos/as de diferentes classes sociais, de diferentes comunidades 
populares, com características étnico-raciais diferenciadas, que apresentem um olhar 
distinto acerca das questões de gênero, que façam parte de diferentes orientações 
religiosas, que são por vezes transferidos/as de outros estados e cidades, que estão 
inseridos/as em famílias com formação diferente do que consideramos em geral 
“normal” ou “heterossexual”, ou seja, que apresentem distintas formas de pensar e 
enfrentar o mundo, diferentes formas de agir e de dialogar. 
Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo refletir acerca das estratégias 
pedagógicas referentes à categoria “gênero” da disciplina “Educação Física e 
ludicidade”, integrante do curso de formação de professores/as de Educação Física, de 
uma universidade federal situada na cidade do Rio de Janeiro. Para tanto foram 
observadas as aulas desta disciplina durante dois períodos letivos. Também foi realizada 
a análise da ementa e programa da mesma. Estudantes e professora foram ouvidos 
através de entrevistas realizadas na instituição de ensino. 
 
Educação Física e Ludicidade: o olhar sobre os gêneros 
 Disciplina oferecida preferencialmente aos/às estudantes de terceiro período de 
licenciatura e quarto período de bacharelado, Educação Física e Ludicidade contava 
com a participação de alunos/as de bacharelado e licenciatura de diversos períodos. 
Suas aulas ocorriam, na maioria das vezes por conta do seu caráter prático, em um dos 
ginásios da instituição e suas aulas teóricas eram ministradas em diferentes salas de 
aula, não tendo local fixo. A disciplina apresenta em seu programa uma carga horária de 
sessenta horas, sendo trinta horas de aulas práticas e trinta horas de aulas teóricas. 
Em geral as aulas práticas ocorriam da seguinte forma: a professora sugeria uma 
atividade ou um jogo prático. Após a sua realização os/as alunos/as eram questionados 
acerca da atividade: suas impressões, pontos positivos e pontos negativos. Logo após, o 
jogo/atividade era novamente realizado/a, seguindo as alterações sugeridas pelos/as 
discentes. Em todas as aulas práticas a grande preocupação da docente era fomentar 
discussões acerca de atividades e jogos que pudessem ser realizados por todos e todas, 
principalmente no que diz respeito à pessoa com deficiência, às questões de gênero e à 
habilidade motora. 
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Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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Outro aspecto observado nas aulas práticas se refere à conduta dos/as alunos/as 
frente às atividades sugeridas. Para a concretização do seu ideal de realização de aulas 
para todos/as, a professora apresentava inúmeras possibilidades, incluindo os jogos 
cooperativos. De acordo com Soler (2006), pensar em jogos cooperativos vai ao 
encontro da valorização do jogar “com o outro” e não “contra o outro”, por meio de 
atividades de cooperação, potencializando a autoestima e a relação social. Procura 
auxiliar na proposta da inclusão das diferenças, pois permite a participação de todos/as, 
independente do seu nível de habilidade motora. 
Os jogos cooperativos em geral, não eram muito bem aceitos pelos/as estudantes. 
As alunas, exclusivamente, reclamavam com frequência das atividades realizadas em 
grupo, pois sinalizavam que os “meninos” se utilizavam de uma força física exagerada 
no intuito de “vencer a qualquer custo”. 
Ainda no que diz respeito à realização de jogos cooperativos, em alguns casos, 
os/as estudantes subvertiam a atividade no sentido de torná-la competitiva. Os jogos 
cooperativos têm como características principais o realizar as atividades por prazer, o 
jogar com o/a outro/a e não contra o/a outro/a. Os jogos nesta perspectiva não têm fim, 
ou seja, não há vencedores e ganhadores para se considerar o término da atividade, o 
grupo que decide quando ela deve ser finalizada. Mesmo assim, por diversas vezes, 
os/as alunos e alunas traçavam estratégias para vencer os jogos sugeridos, não 
compreendendo assim a proposta das atividades. 
A competição é apresentada ainda como um aspecto fortemente presente no curso 
de Educação Física analisado. Alguns/mas alunos/as questionam a proposta da 
professora de trabalhar com jogos mais inclusivos e menos competitivos. 
Um estudante fala da condição dos indivíduos de uma forma fixa, engessada. 
“Quem é habilidoso é habilidoso, quem não é, não é” (Willian). 
 
Estas questões são problematizadas a todo tempo pela professora e este foi o 
cenário que atravessava as aulas práticas; a desconstrução do que está posto, a recriação 
de atividades, a discussão de novas práticas que possibilitassem a participação de todos 
e todas. 
 “Se acreditarmos nisso, se só pensarmos assim, realmente não vamos conseguir 
nada”, nós pensamos em aulas em que todos podem participar?” (Professora Adriana). 
 
 “A Educação Física é o espaço do sucesso! Bem, deveria ser, pra todos” 
(Professora Adriana). 
 
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 Não podemos negar que a construção da identidadeprofissional do campo da 
Educação Física é fortemente influenciada pela visão biologicista e competitivista e sua 
intervenção médica e militar. Até os dias de hoje vemos o esporte como conteúdo 
fortemente ministrado nas aulas e de uma maneira excludente. As aulas observadas não 
negaram o esporte como conteúdo a ser trabalhado pelo campo da Educação Física, mas 
apresentaram uma proposta de releitura e recriação dos diferentes esportes, proposta 
esta que avança no sentido de que os mesmos possam ser praticados por todos/as 
efetivamente, de maneira igualitária. 
A releitura de esporte oficiais e jogos populares era a premissa das aulas práticas e 
embora a mesma tivesse o intuito de fomentar a discussão acerca da inclusão de 
todos/as nas aulas de Educação Física, nem sempre este objetivo era atingido. Em uma 
das aulas a proposta foi a realização de jogos de queimado diferenciados. Foi 
apresentado um tipo de queimado onde o/a participante que é “queimado” não vai para a 
área que fica atrás do outro time (o limbo), mas continua no jogo no sentido de 
continuar participando ativamente. Inicialmente alguns/mas alunos/as reclamam da 
atividade dizendo que a mesma estava “sem graça”. Algumas alterações foram 
sugeridas pela professora no intuito de tornar a atividade mais interessante e os/as 
futuros/as professores/as sinalizaram que a mesma mantinha a exclusão. 
“Achei o jogo mais excludente, cada um lutava pra voltar e não se importava em 
passar a bola pro mais fraco” (Caio). 
 
 Embora o curso de licenciatura seja considerado como o curso de formação 
inicial de professores/as, concordo com Tardif (2012) quando o mesmo salienta que 
antes mesmo de começarem a atuar como docentes, os/as futuros/as professores/as 
vivem nas salas de aulas e nas escolas, seu futuro local de trabalho. Desta forma, esta 
prévia imersão no futuro local de trabalho se caracteriza como formadora, pois a partir 
dela as crenças, representações e certezas sobre a prática do ofício de professor/a são 
adquiridas. Antes mesmo do início da sua atuação profissional, o/a professor/a já sabe, 
de muitas formas, o que vem a ser o ensino, por conta de toda sua história escolar 
anterior. Tardif (2012) adiciona ainda que o saber herdado da experiência escolar 
anterior é muito forte, persiste através do tempo e a formação universitária não 
consegue transformá-lo e nem tão pouco abalá-lo. 
A partir deste olhar concebido por Tardif (2012), tenho como hipótese que o 
caráter competitivo amplamente preconizado pela Educação Física escolar tenha feito 
parte da trajetória escolar dos/as futuros/as professores/as de Educação Física. Sendo 
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assim, os/as professores/as em formação apresentam em seu imaginário a competição 
como a maneira convencional, e por que não dizer, a única forma de se trabalhar com os 
conteúdos específicos do campo da Educação Física, uma vez que o viés competitivo 
sempre esteve presente nestas aulas. 
Em geral, a grande resistência e até dificuldade em compreender e participar de 
jogos cooperativos e com caráter inclusivo é representada, em sua maioria, pelos alunos 
do gênero masculino da turma. Uma das estudantes, fala do seu incômodo nas 
atividades, e adverte quanto ao objetivo do curso de licenciatura. 
“Eu sai desse jogo, muito violento, eu não posso me machucar. Os meninos dessa 
turma acham que vêm pra faculdade pra jogar, eu não, eu vim aqui pra aprender a dar 
aula” (Andréa). 
 
As questões sobre a temática gênero não só eclodem a todo tempo nas aulas 
práticas, como também são provocadas pela docente, no sentido de fomentar as 
discussões. A partir desta premissa, diversas atividades foram propostas no sentido de 
diminuir a supremacia masculina nas aulas de Educação Física, sempre favorecendo a 
reflexão e discussões do tema. 
Em uma das aulas, foi sugerido um jogo de futebol diferente: a atividade seria 
desenvolvida em dupla, ou seja, em duplas mistas, os/as estudantes deveriam estar de 
mãos dadas e o jogo de futebol se desenvolveria de forma convencional, com o objetivo 
de fazer gols. Algumas alunas pareciam ser arrastadas pelos meninos que corriam 
velozmente objetivando ganhar o jogo. Após o término da atividade, no momento da 
discussão, algumas alunas comentaram sobre a velocidade excessiva utilizada pelos 
alunos. Uma aluna questionou a realização da atividade, colocando em pauta a 
existência de atividades específicas para os diferentes gêneros. 
“Mas também né? Geralmente os meninos têm mais habilidade com os pés” 
(Rosana). 
 
 Pareceu-me que todos/as concordavam com a fala da aluna uma vez que nenhum 
comentário foi feito acerca da mesma. Todavia, algumas alunas disseram se sentir 
felizes, pois nunca tinham feito um gol em um jogo de futebol. Para um grupo reduzido 
de alunas, a atividade gerou efeito satisfatório. 
Em uma das aulas alguns jogos populares foram apresentados à turma através de 
um circuito com diversas estações: cordas, taco, elástico (pular), petecas, bambolês, 
raquetes e bolas de tênis, bolas de gude, mini-cones e amarelinha. Mais uma vez as 
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Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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questões de gênero se apresentaram e na verdade, conforme sinaliza a professora 
posteriormente, a atividade tinha esta discussão como objetivo. 
Os alunos do gênero masculino tentavam inicialmente, no momento da troca de 
atividade do circuito, não realizar as atividades consideradas por eles, “brincadeiras de 
meninas”, ou seja, burlavam as regras do circuito e não participavam de atividades 
como peteca, amarelinha e elástico. Alguns verbalizavam suas opiniões. 
“Peteca é brincadeira de menina professora!” (Willian). 
“Mas elástico é uma brincadeira de meninas!” (Pablo). 
Após a intervenção da professora, que sinalizou que a definição de “brincadeiras 
de meninos e brincadeiras de meninas” vem a ser uma construção social e cultural, 
todos e todas participaram de todas as atividades do circuito, sendo que alguns alunos 
ainda generificaram algumas atividades, como é o caso do elástico, onde os alunos 
criaram competições onde verificavam quem realizava o salto mais alto e mais veloz. 
Conforme sinaliza Silva (2012), a escola e principalmente a Educação Física, 
através de seus conteúdos, como a ginástica e o esporte, atuam como agentes 
generificadores das práticas escolares uma vez que, de acordo com o autor, as 
influências dos métodos ginásticos, como o sueco e o alemão, na Educação Física 
brasileira, preconizavam diferentes exercícios para homens e mulheres. Já o esporte 
reforça a ideia de uma Educação Física voltada para o mundo masculino e 
heterossexual, onde qualidades como virilidade, força e agilidade são ligadas ao 
universo masculino, mantendo uma distância segura do universo feminino. 
Ora, se nas competições esportivas de alto nível as categorias são divididas por 
gênero, por que não dividir alunos e alunas nas aulas de Educação Física, se essas 
preconizam o esporte como conteúdo principal? Esta parece ser a proposta 
transformadora hoje em voga para a Educação Física escolar: refletir sobre a 
apropriação de diversos temas como conteúdos a serem ministrados nas aulas, 
conteúdos como as danças, lutas, ginásticas e até mesmo os jogos populares, excluindo 
e até mesmo demonizando a aplicação do conteúdo esporte nas aulas. Porém, ao 
observar as aulas observadas, me parece que a discussão necessita ganhar outros 
contornos, uma vez que mesmo na aplicação de um conteúdo outro (os jogos 
populares),os alunos do gênero masculino, generificam as atividades consideradas por 
eles, femininas. 
Altmann e Sousa (1999) incrementam a discussão quando consideram que 
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Não se pode concluir que as meninas são excluídas de jogos apenas 
por questões de gênero, pois o critério de exclusão não é exatamente o 
fato de elas serem mulheres, mas por serem consideradas mais fracas e 
menos habilidosas que seus colegas ou mesmo de outras colegas. 
Ademais, meninas não são as únicas excluídas, pois os meninos mais 
novos e os considerados fracos ou maus jogadores frequentam bancos 
de reserva durante aulas e recreios, e em quadra recebem a bola com 
menor frequência até mesmo do que algumas meninas (ALTMANN & 
SOUSA, 1999, p.56). 
 
As aulas teóricas eram apresentadas com a leitura de textos e apresentação de 
filmes e animações. Todas, porém, tinham como temática as discussões acerca das 
identidades de gênero. 
Ao assistirem o vídeo For The Birds, da Pixar, os/as discentes foram 
convidados/as pela professora, a exporem suas impressões sobre o filme. A temática 
central do mesmo são episódios de exclusão por conta da diferença. 
Dois alunos defendem que as brincadeiras que enfatizam as diferenças e os 
apelidos não podem ser sempre consideradas como bullying e acreditam que a 
interferência do adulto nestas questões faria com que as crianças perdessem a 
autonomia. 
“Chamar o gordinho de gordinho é uma brincadeira saudável, a gente não tem 
que ficar interferindo em tudo, senão a criança perde a autonomia” (Ezequiel). 
 
Uma aluna defende que nestes casos, a interferência do adulto, do/a professor/a é 
primordial, pois o bullying causa sofrimento à pessoa discriminada. 
“Eu sempre fui vítima de apelidos, de brincadeiras porque eu era baixinha e eu 
sofria muito, o professor tem que intervir sim!” (Mariana). 
A professora direciona a discussão alertando que qualquer brincadeira que 
enfatize as diferenças pode se tornar um sofrimento para quem está sendo discriminado 
e que se faz necessário estar atento/a a toda atitude que hierarquize os indivíduos. 
Pude observar que em geral, os estudantes do gênero masculino encaram a 
aplicação de apelidos a partir de características físicas e habilidades como “algo 
normal”, “uma simples brincadeira”, “uma brincadeira saudável” enquanto as 
estudantes indicam sua preocupação com estas práticas, sinalizando que já foram 
vítimas de tais atitudes e que as mesmas provocaram efeitos negativos. 
O episódio sugere que os alunos que consideram as atitudes discriminatórias 
“brincadeiras saudáveis” não enxergam o preconceito implícito nas mesmas. A 
discriminação tem muitas nuances e normalmente se apresenta de forma disfarçada, 
velada. As relações entre “nós” e os “outros” estão carregadas de ambiguidade. 
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Acabamos incluindo no “nós” todos os grupos e indivíduos que apresentam hábitos de 
vida, valores, estilos, visões de mundo semelhantes aos nossos. Incluímos nos “outros” 
os que se confrontam com a nossa maneira de nos situar no mundo, por características 
diferentes (CANDAU, 2005). 
É importante salientar que as discussões sobre gênero são fomentadas pela 
professora, a partir da sua iniciativa, numa espécie de movimento solitário, uma vez que 
nem a ementa e nem o programa oficiais da disciplina apresentam esta temática como 
conteúdo ou como tema norteador para o desenvolvimento das aulas. 
 
As discussões estão apenas começando... 
 As questões discutidas na disciplina são confrontadas com o viés esportivistas e 
biologizante que historicamente atravessa e embasa essa formação (OLIVEIRA & 
DAOLIO, 2011). Os discursos que permeiam as relações que se estabelecem nas 
práticas pedagógicas se apresentam de forma dialógica, favorecendo uma interação 
igualitária, onde discentes são vistos/as como atores do processo pedagógico e não 
apenas como receptores/as de informações e conteúdos. Estes aspectos observados vão 
ao encontro do estudo de Lüdord (2009) quando a mesma salienta que a Educação 
Física talvez esteja trilhando novos caminhos ao abordar assuntos na sua formação com 
base em perspectivas históricas e socioculturais. 
Reflito, a partir do contato com a disciplina, sobre o esforço em desconstruir a 
visão do/a professor/a de Educação Física que visualize seus/as educandos/as apenas 
como corpos que necessitem ser (con)formados e treinados para a excelência das 
práticas esportivas e para a execução de gestos esportivos, baseados nos modelos de 
corpo e de execução física de atletas de alto nível. 
Para Barbosa-Rinaldi (2008) repensar a formação de professores/a de Educação 
Física é urgente. Faz-se necessária a reflexão e efetivação de uma formação profissional 
capaz de fazer com que os/as futuros/a educadores/as compreendam a complexidade da 
realidade social e sejam capazes de atuar como transformadores/as, co-criadores/as e 
não como reprodutores/as de saberes. Para que isso aconteça, segundo a autora, faz-se 
necessária a superação do modelo de racionalidade técnica ainda presente na educação, 
rumo a uma nova epistemologia da prática docente. 
Uma nova Educação Física parece surgir, mesmo através de tentativas isoladas de 
docentes. O olhar para o “outro” começa adentrar a formação destes educadores/as. 
Contudo, muito ainda deve ser discutido. As questões de gênero ainda precisam ser 
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evidenciadas no sentido de se realizar a desconstrução de ideários engessados ao longo 
da história da construção deste campo. A disciplina analisada fornece caminhos 
possíveis para a re(construção) de uma nova Educação Física, mas uma longa jornada 
ainda precisa ser trilhada. 
 
Referências 
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implicações na educação física escolar. Cadernos Cedes. Campinas-SP, ano XIX, n. 
48, p. 52-68, 1999. 
 
BARBOSA-RINALDI, I.P. Formação inicial em Educação Física: uma nova 
epistemologia da prática docente. Movimento. Porto Alegre-RS, v.14, n. 03, p.185-207, 
2008. 
 
CANDAU, V.M. Sociedade multicultural e educação: tensões e desafios. In: CANDAU, 
V.M. Cultura(s) e educação: entre o crítico e o pós-crítico. Rio de Janeiro: DP&A, 
2005. 165 p. 
DAOLIO, J. Educação Física e o conceito de cultura. Campinas: Autores Associados, 
2004. 77 p. 
LOURO, G.L. O corpo educado. 3.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. 174p. 
 
LÜDORF, S.M.A. Editorial. Arquivos em movimento, Rio de Janeiro-RJ, v.1, n.1, p.5, 
2005. 
NEIRA, M.G. Ensino de Educação Física. São Paulo: Thomson Learning. 2007. 210 
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OLIVEIRA, R.D.; DAOLIO, J. Educação Intercultural e Educação Física escolar: 
possibilidades de encontro. Pensar a Prática, Goiânia-GO, v.14, n.2, p.1-11, 2011. 
SILVA, M.M. Escola e Educação Física: maquinaria disciplinar, biopolítica e 
generificante. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Florianópolis-SC, n.1, v.34. 
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SOLER, R. Educação Física: uma abordagem cooperativa. Rio de Janeiro: Sprint, 
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TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. 14. Ed. Petrópolis: Vozes, 
2012, 325p. 
 
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SIGNIFICAÇÕES DAS MASCULINIDADES NO COTIDIANO ESCOLAR: 
PERFORMANCES E DESCONSTRUÇÕES 
 
Leandro Teofilo de Brito 
Colégio Pedro II - Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
 
 
RESUMO 
 
Discursos heteronormativos, muitas vezes, buscam direcionar os/as jovens a enquadrar-
se em modelos identitários, hierarquizados e fixos, que reproduzem as noções mais 
tradicionais e conservadoras de ser homem e ser mulher, entretanto parte das juventudes 
contemporâneasdesconstroem tais normatizações, apresentando variadas 
performatizações de masculinidades e feminilidades, fazendo tal fato ser visível nos 
cotidianos escolares, atravessando assim questões importantes na Didática 
contemporânea. Pautando-me nos estudos sobre masculinidades de Raewyn Connell, 
nas noções de desconstrução de Jacques Derrida e performatividade de gênero em 
Judith Butler, discuto, neste trabalho, como os chamados jovens mais jovens (des) 
construíam e performatizavam suas masculinidades no cotidiano escolar de uma escola 
pública situada no estado do Rio de Janeiro. A metodologia de pesquisa queer, com 
preceitos de inspiração etnográfica, tendo como referência os estudos de Katherine 
Browne, Catherine Nash e Cristina Reis, me auxiliou na desconstrução e 
desestabilização de concepções fixas sobre corpos e sujeitos no campo empírico, a partir 
de um modo de fazer pesquisa em que o/a pesquisador/a se utiliza de um pensamento 
queer, ou seja, de um olhar desnaturalizado frente às identificações de gênero e 
sexualidade. A partir desta visão, constatou-se que performatizações de masculinidades 
se fizeram presentes entre os jovens mais jovens no contexto da pesquisa, denotando 
ressignificações e rupturas nos processos de identificação de gênero, que se mostraram 
mais livres e menos hierarquizados frente às normas e regulações impostas sobre os 
sentidos atribuídos ao masculino. A Didática, neste contexto, precisa estar atenta a 
significações que emergem nas questões de gênero e sexualidade nos cotidianos 
escolares, tornando as temáticas alvo também de seus olhares. 
 
Palavras-chave: masculinidades, performatividade, cotidiano escolar. 
 
 
 
 
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SIGNIFICAÇÕES DAS MASCULINIDADES NO COTIDIANO ESCOLAR: 
PERFORMANCES E DESCONSTRUÇÕES 
 
 
Leandro Teofilo de Brito 
Colégio Pedro II – Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
 
 
Introdução 
 
As culturas juvenis contemporâneas têm trazido novas delimitações em questões 
relacionadas à sociabilidade, aspectos culturais, socioeconômicos, assim como nas 
discussões sobre gênero e sexualidade tão presentes na condição relacional de jovens, 
como na sociedade em um todo. Discursos heteronormativos, muitas vezes, direcionam 
os/as jovens a enquadrar-se em modelos identitários, hierarquizados e fixos, que 
reproduzem as noções mais tradicionais e conservadoras de ser homem e ser mulher. 
Por outro lado, parte das juventudes contestam tais normatizações, apresentando 
variadas expressões de masculinidades e feminilidades, denotando então desconstruções 
nestas questões e, consequentemente, performatizações de gênero, que se fazem visíveis 
nos cotidianos escolares, atravessando questões também de preocupação da Didática 
contemporânea. 
A noção de gênero em que este trabalho se apoia, está pautada nos estudos da 
filósofa Judith Butler. Como efeito de instituições, discursos e práticas, que determinam 
nossos modos de ser masculino e/ou feminino, o gênero, para Butler (2010), é 
performativo e se dá através da repetição estilizada de atos corporais, gestos e 
movimentos particulares, cujo seu efeito é criado e imposto pelas estruturas reguladoras 
rígidas, que são coerentes com normas instituídas e com o poder do discurso. 
Entretanto, Butler (2014) também afirma que o gênero pode ser o viés pelo qual as 
noções de masculino e feminino podem ser desconstruídas e desnaturalizadas, 
questionando o binarismo que esgotou o campo semântico do termo. Referir-se à 
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“confusão de gênero”, “mistura de gêneros”, “transgêneros” ou “cross-gêneros” sugere 
que o gênero se move além do binarismo naturalizado (idem). 
Dialogando com esta perspectiva teórica, a noção de desconstrução, cunhada 
pelo filósofo Jacques Derrida, também coaduna com os objetivos propostos neste 
estudo. A desconstrução, pela leitura de Haddock-Lobo (2008), se dá pelo deslocamento 
das oposições para além da dicotomia metafísica dualista, ao mesmo tempo se 
respeitando e se desordenando a ordem interna de um objeto, de um texto, por exemplo, 
havendo certa transgressão e promovendo um movimento interno no pensamento. 
Nas palavras de Derrida (1991): 
 
A desconstrução não pode limitar-se ou passar imediatamente para 
uma neutralização: deve, através de um gesto duplo, uma dupla 
ciência, uma dupla escrita, praticar uma reviravolta da oposição 
clássica e um deslocamento geral do sistema. É só nesta condição que 
a desconstrução terá os meios de intervir no campo das oposições que 
critica e que é também um campo de forças não-discursivas (p.372). 
 
 Jacques Derrida, neste contexto, aposta na desestabilização de binarismos 
linguísticos como homem/mulher, masculino/feminino, heterossexual/homossexual, 
dentre outros, buscando não só a fragmentação, para desconstruir suas formas desviadas 
e negadas, mas também para mostrar que cada polo é plural e múltiplo, carregando 
vestígios e dependendo do outro para adquirir sentido (LOURO, 2008). 
 Trago novamente Haddock-Lobo (2008), interpretando a noção de 
desconstrução em Jacques Derrida, ao colocar que: 
 
Enquanto se permanecer preso a um discurso classificatório, seja nos 
discursos machistas dos heterossexuais masculinos ou nos discursos 
libertários das feministas ou dos homossexuais, ainda assim se estará 
insistindo em divisões dualistas, tais como a metafísica tradicional 
sempre impôs. Sob este prisma, o feminino não é a mulher, mas sim a 
possibilidade de se lidar com a ausência da verdade fálica, masculina, 
certa... É a possibilidade do desconhecido e do novo e, por isso, a 
chance de pensarmos para além de qualquer classificação sexual, seja 
hetero, homo, trans, metro ou mesmo pansexual (p.20). 
 
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Com base nas noções enunciadas, esta pesquisa se pauta nos estudos sobre 
masculinidades, oriundos do campo do gênero e sexualidade. Tais discussões 
adentraram a produção acadêmica brasileira em meados da década de 1990, quando 
pesquisadores e pesquisadoras de diversas instituições do país, a partir das críticas e dos 
aportes teóricos dos estudos feministas da época, reconheceram que os sujeitos 
masculinos também faziam parte das discussões sobre gênero, consequentemente, 
tornando-os também uma categoria empírica e de análise nas pesquisas da área 
(CECHETTO, 2004). Estes estudos buscavam reconhecer a existência de 
masculinidades plurais, contestando modelos essencialistas associados ao masculino, 
assim como também buscavam colocar em discussão os homens como vítimas das 
opressões e desigualdades no contexto das relações de poder entre os gêneros 
(OLIVEIRA, 2004). 
Com grande destaque na década de 1980, surgindo nos países anglo-saxões, os 
men’s studies tiveram grande contribuição no desenvolvimento teórico da produção 
acadêmica brasileira, dedicando-se à investigação das construções socioculturais da 
masculinidade, cujos pesquisadores eram em grande parte homens vinculados 
explicitamente aos movimentos feministas (CECCHETTO, 2004). Dentre estes estudos, 
a noção de masculinidade hegemônica, apresentada por Raewyn Connell, foi e é uma 
das principais vertentes teóricas das quais as pesquisas acadêmicas brasileiras se 
apropriaram e se apropriam nas investigações sobre homens e masculinidades, nas 
diferentes áreas do saber, como a Sociologia, Antropologia, Educação, Saúde, etc. A 
masculinidade hegemônica refere-se à dinâmica na qual a estrutura hierárquica das 
relações de gênero é permeada por um modelo de masculinidade normativo, tendo ao 
seu redor outros modelos de masculinidades considerados subalternos e inferiores,em 
conjunto com as feminilidades, apresentando como justificativa para tal hierarquização 
o patriarcado e as relações de poder (CONNELL, 2003). 
De todo modo, questiono se esta estrutura hierárquica de masculinidades ainda é 
um modelo predominante no contexto social ou se novas configurações, pautadas na 
desconstrução da masculinidade hegemônica, já se fazem presentes de forma 
significativa em diferentes instâncias da nossa sociedade, como a escola. A partir destas 
afirmações, tendo como base o recorte de uma Dissertação de Mestradoi, busquei 
compreender como os chamados jovens mais jovens (des) construíam e 
performatizavam suas masculinidades no cotidiano escolar. 
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Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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Leite (2015) nomeia como jovens mais jovens aqueles/as que frequentam as 
salas dos anos finais do ensino fundamental, considerados/as também como aqueles/as 
mais próximos/as da condição de criança do que, por exemplo, do/da jovem que 
frequenta o ensino médio. Para a autora há uma invisibilização de sujeitos com este 
recorte etário nas pesquisas sobre juventudes, ou mesmo uma alternância de 
identificações atribuídas como sinônimos a adolescente, jovem, jovem mais jovem, 
adolescente jovem e jovem adolescente. Para esta pesquisa, me detenho no termo jovem 
mais jovem para designar estes estudantes, problematizando além da identificação etária 
os sentidos atribuídos ao gênero masculino. 
Desta forma, com base na metodologia de pesquisa queer (BROWNE; NASH, 
2010; REIS, 2014), apresento dados construídos no espaço de uma escola pública 
carioca, durante o primeiro semestre do ano de 2012, cujos sujeitos são meninos jovens 
mais jovens com a faixa de idade entre 11 e 13 anos. A teoria queer é uma corrente 
composta por um campo de saberes, reconhecida, dentre outras esferas, na pesquisa 
acadêmica para pensar a ambiguidade, a multiplicidade e a fluidez das identidades 
sexuais e de gênero, assim como novas formas de pensar a cultura, o conhecimento, o 
poder e a educação (LOURO, 2008). 
Browne & Nash (2010) afirmam que o queer busca desconstruir a pesquisa 
convencional, levando em conta o deslocamento das identidades, pois, neste contexto, a 
pesquisa social se debruçará em contextos anti-identitários pautada em uma 
epistemologia de desestabilização. Neste sentido, a metodologia queer busca, além de 
desconstruir e desestabilizar concepções fixas sobre corpos e sujeitos no campo 
empírico, se utilizar de um modo de fazer pesquisa em que o/a pesquisador/a se utiliza 
de um pensamento queer, também para questionar e subverter normatizações nos 
processos de pesquisa, combinando métodos e procedimentos. 
De acordo com Reis (2014): 
 
Esse tipo de análise focada nas posições de sujeito permite-nos utilizar 
a teoria e metodologia queer para pesquisar não apenas aqueles/as 
considerados/as e que se consideram queer, ou seja, pessoas que 
escapam ou ficam nas fronteiras das dicotomias homem/mulher, 
heterossexual/homossexual, masculino/feminino, mas ter como 
sujeitos da pesquisa quaisquer pessoas. O que buscamos, afinal, são os 
significados expressos por meio dos atos corporais, de fala e como 
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Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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esses atos divulgam posições de sujeito com as quais cada um/a 
poderá ou não se identificar (p.254). 
 
Com base em preceitos de inspiração etnográfica (ANDRÉ, 2014), através de 
observações participantes e entrevistas informais, me pautei no pensamento e na análise 
queer para adentrar o cotidiano escolar e investigar performatizações de masculinidades 
dos chamados jovens mais jovens. 
 
Os jovens mais jovens e as masculinidades 
 Apresento os dados construídos no campo de pesquisas, retiradas de um caderno 
de campo utilizado nas observações participantes e através de falas de estudantes, 
registradas por meio de entrevistas informais durante o processo de pesquisa. Os nomes 
apresentados aqui serão fictícios, preservando o anonimato dos sujeitos participantes da 
pesquisa. Performances de masculinidades são citadas em uma aula observada, 
conforme apresento abaixo: 
 
Em aula de português, na qual foi apresentada um texto sobre direitos 
humanos, levantou-se a questão do trabalho infantil. Alguns meninos 
disseram à professora, em tom de deboche, que eram explorados em 
casa pela mãe, pois faziam trabalhos domésticos como arrumar a 
casa e lavar louça. Outros meninos na turma também falaram que 
trabalhavam em casa auxiliando a mães nas tarefas domésticas. 
Questionei o aluno Talmo, que estava ao meu lado, sobre o que ele 
achava dos trabalhos domésticos feitos por um homem, e ele me disse 
que também ajuda a mãe em casa, mas que os homens fazem para 
“dar uma força” às mulheres, e que para ele este não era serviço de 
homem. Claudio, outro aluno que estava próximo, ao ouvir nossa 
conversa fala: “todo homem deve fazer trabalho doméstico, porque 
pode acontecer da esposa trabalhar e ele não, como acontece na 
minha casa, onde minha mãe trabalha fora e meu pai não”. Talmo se 
mostra surpreso e ri (Diário de campo em 05/03/2012). 
 
 Este excerto mostra como desconstruções do masculino já se mostram presentes 
nos diferentes espaços da nossa sociedade, exemplificando a questão do trabalho 
doméstico, expostas pelos alunos na aula. Embora alguns estudantes, através de seus 
discursos, não reconheçam que este tipo de trabalho possa ser feito também pelos 
homens, o aluno Claudio expõe o caso que vivencia em sua casa, no qual o trabalho 
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doméstico é realizado pelo pai. Connell (2000) afirma que não há um padrão de 
masculinidade que se encontra em todos os lugares, por este motivo falamos sobre 
masculinidades, no plural, havendo assim o que chama de relação dinâmica de gênero, 
pois nunca se está diante de processos de identificação homogêneos, sendo estes sempre 
fluídos e, algumas vezes, contraditórios. Os discursos dos jovens meninos, sempre 
performativos, ao mesmo tempo em que buscam fixar um sentido para o masculino, 
acabam sendo ressignificados a partir do exposto por Claudio, que apresenta, como 
exemplo do seu pai, uma performance de masculinidade desconstruída das normas e dos 
padrões instituídos tradicionalmente. 
 Durante o período da pesquisa de campo, pude constatar um modismo que se fez 
presente na escola, referente ao uso de pulseiras coloridas que constavam nomes de 
sentimentos como amor, paz, amizade, etc. entre jovens meninos e meninas. As 
pulseiras eram até mais usadas pelos alunos quando em comparação com as alunas. 
Tanto eles como elas usavam e trocavam pulseiras entre si, embora houvesse 
divergências em suas ideias sobre o uso masculino de pulseiras: 
 
Pulseira é coisa feminina, eu não entendo isso deles usarem (Aluna 
1). 
Pulseira colorida não é coisa de homem, mas eles usam, inclusive na 
cor rosa (Aluna 2). 
Pulseira é tanto masculina, como feminina, não tem problema, é 
unissex (Aluno 1). 
A maioria das meninas gosta de rosa e eu às vezes falo que gosto de 
verde, porque senão todo mundo fica me zoando (Aluno 2). 
Não têm problema em usar pulseiras na cor rosa, todo mundo usa, é 
moda (Aluno 3). 
 
Discutindo os discursos apresentados, as meninas se contrapunham ao uso das 
pulseiras pelos jovens meninos, justificando como algo estritamente feminino. Já os 
meninos defendiam que o uso de pulseiras não iria intervir em suas performances de 
masculinidades, possivelmente pautada em uma masculinidade heterossexual, embora, 
de certa forma, desconstruída, como as pulseiras de várias cores, inclusive na cor rosa. 
Entretanto, a utilização de pulseiras na cor rosa também foi justificadacom a expressão 
“é moda”, constatada pela fala de um dos meninos, buscando um tipo de desculpa para a 
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transgressão. O discurso da masculinidade hegemônica ainda se faz presente de forma a 
intimidar as diferentes manifestações de masculinidades em nossa sociedade, seja na 
justificativa citada pelo aluno ao modismo, seja quando se analisa os discursos das 
alunas, não admitindo o uso de pulseiras pelos meninos, e no jovem garoto que gosta do 
rosa, mas que diz ser obrigado a falar que gosta do verde. 
Para Butler (2014): 
 
Assim, um discurso restritivo sobre gênero que insista no binarismo 
homem e mulher como a maneira exclusiva de entender o campo do 
gênero atua no sentido de efetuar uma operação reguladora de poder 
que naturaliza a instância hegemônica e exclui a possibilidade de 
pensar sua disrupção (p.254). 
 
O uso das pulseiras pelos jovens meninos pode também ser designado como um 
marcador de masculinidade, ou como Paechter (2009), baseada Judith Butler, chama de 
repertório compartilhado. Para a autora: “[...] o repertório compartilhado consiste em 
modos de encenação do eu, tais como estilos de andar, de falar, de se vestir e de se 
comportar, comum aos membros de um grupo” (p.33), ou seja, performances de gênero 
que são compartilhadas em grupos específicos. Nas minhas observações, constatei que 
praticamente todos os meninos envolvidos na pesquisa se utilizavam das pulseiras e 
estas poderiam ser consideradas como uma marca performativa de masculinidade no 
espaço escolar. 
De acordo com Derrida (1991): 
 
[...] o performativo não tem seu referente (mas aqui essa palavra sem 
dúvida não convém e constitui o interesse da descoberta) fora de si ou, 
em todo caso, antes e perante si. Não descreve algo que existe fora da 
linguagem e antes dela. Produz ou transforma uma situação, opera [...] 
(p.363). 
 
 No primeiro dia de observação na escola (Diário de campo em 02/03/2012) me 
chamou a atenção a vaidade dos alunos Jonathan e Eduardo. Negro, com o cabelo em 
corte moicano, com a crista alisada e pintada de loiro, Jonathan também usava as 
variadas e coloridas pulseiras, expressando um modelo de masculinidade que estava 
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pautado, tanto na vaidade, como no modismo de rapazes jovens. Jonathan me conta em 
quem se inspirou no corte de cabelo e que alguns meninos da sala – brancos e negros - 
também passaram a cortar o cabelo no estilo moicano depois dele: 
 
Esse corte de cabelo é uma imitação do Leo Moura, que joga no 
Flamengo [...]. Vários meninos aqui da sala também cortam 
moicano, me imitando [...]. Tem uns que só não tem coragem de 
pintar de loiro e passar alisante como eu passo, mas agora também 
cortam igual ao meu... alguns também não precisam de alisante, 
porque já tem o cabelo liso (Jonathan). 
 
 Jonathan construía suas performances de masculinidades pautadas nos ídolos do 
futebol e da música, associado ao modelo tão enfatizado pela mídia: o metrossexual. 
Anderson (2005) afirma que o metrossexual é a designação de um homem heterossexual 
que se permite agir de maneiras culturalmente atribuídas aos gays, como aquele que não 
dispensa roupas e apetrechos de marcas, dando uma grande ênfase à vaidade na (des) 
construção de sua masculinidade. Embora esta designação de Anderson (idem) esteja 
atribuída a certo essencialismo, este é um modelo muito presente na construção de 
masculinidades juvenis. 
 A masculinidade performativa de Jonathan, um jovem negro, pautada na 
vaidade, e que serve de modelo para os outros jovens mais jovens da turma, brancos e 
negros, pode ser analisada à luz do que Connell (2003) designou como masculinidade 
marginalizada, aquela que é associada aos grupos minoritários, expressas nas relações 
de classe e raça. Segundo a autora alguns grupos de negros não são marginalizados, 
devido à autorização da masculinidade hegemônica ao pertencimento no grupo 
dominante, levando-se em consideração alguma ação que os enquadre na esfera desse 
modelo de masculinidade. Desta forma, o modelo de masculinidade marginalizada passa 
a manter uma relação de cumplicidade com o modelo hegemônico, embora este não seja 
um benefício que se estenderá a todos os homens negros, que continuam em uma 
situação de marginalidade social, conforme exemplo apresentado pela pesquisadora: 
 
A marginalização sempre é relativa à forma de autoridade da 
masculinidade hegemônica como grupo dominante. Assim, nos 
Estados Unidos, os atletas negros podem ser exemplos da 
masculinidade hegemônica. No entanto, a fama e a riqueza individuais 
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destas estrelas não têm nenhuma consequência profunda que se 
traduza em maior autoridade social para os negros (CONNELL, 2003, 
p.122, tradução minha). 
 
A partir desta afirmação de Connell (idem), aponto que Jonathan, embora seja 
um modelo para que os meninos da turma o imitem no corte de cabelo, apresentando 
uma performance de gênero desejada tanto por alunos negros como por alunos brancos, 
encontrava-se dentro dos preceitos da masculinidade marginalizada no cotidiano escolar 
pesquisado, pois conforme sua fala: 
Já me chamaram de “macaco loiro “numa briga, mas eu nem ligo, 
porque foi depois do meu corte de cabelo e da pintura, que todo 
mundo começou a me imitar. [...] Isso é do xingamento mesmo que 
quem é negro passa, ninguém aceita um cara preto pintar o cabelo de 
loiro, acham feio (Jonathan) 
 
 Jonathan, nesta fala apresentada, naturaliza o racismo que vive no espaço da 
escola, afirmando que ser chamado de “macaco” faz parte dos xingamentos que todo 
negro vive, embora também reconheça que seu corte de cabelo trouxe possibilidades 
desconstrutoras no cotidiano escolar, pois outros jovens meninos passaram a imitá-lo no 
corte. Dentro de um contexto de supremacia branca, que ainda é imposto na nossa 
sociedade, as masculinidades negras também desempenham papeis simbólicos para a 
construção do gênero nos brancos, como afirma Connell (ibid.). Essa (des) construção 
está também permeada por deslocamentos de sentidos, como se pôde constatar. 
Bastante vaidoso também, Eduardo era branco, havia clareado o cabelo e 
utilizava também o corte moicano como Jonathan, e, assim como o amigo, não 
dispensava o uso das pulseiras. O jovem era considerado um dos mais populares da sala, 
sendo bastante assediado pelas meninas da turma e de outras turmas da escola. Em 
algumas observações, Eduardo fazia questão de se sentar próximo das meninas que o 
bajulavam, ou, em outras palavras, nutriam uma “paixão” – algumas secretas, outras não 
- por ele (Diário de campo em 23/03/2012 e 25/05/2012). Segundo o aluno, o assédio 
era bom, mas ao mesmo tempo ele se sentia mal frente aos outros jovens meninos, que 
não eram tão assediados como ele: 
 
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Eu sou amigo de todos, mas às vezes parece que eles têm inveja de 
mim, porque nunca vi nenhuma menina gostar deles... isso às vezes é 
ruim na amizade. Eu também queria que eles tivessem meninas que 
gostassem deles, quisessem namoro, comentassem deles... mas não 
tem” (Aluno Eduardo) 
 
 A valorização das amizades entre sujeitos masculinos, pode também ser vista 
como um marcador de um tipo de performance de masculinidade, conforme a fala de 
Eduardo expressou. De qualquer forma, cabe destacar que, muitas vezes, a amizade 
entre homens não possui o mesmo grau de intimidade e aproximação com a qual as 
amizades femininas caracterizam-se, e mesmo que para eles alealdade faça parte de um 
modelo de socialização imposto, os obstáculos culturais ainda repreendem uma maior 
intimidade nas relações masculinas. Este é um modelo performativo normatizador ainda 
muito apropriado pelos homens, mas também passível de desnaturalização, pois como 
coloca Butler (2014) considerar apenas uma definição de gênero normativa é delimitar 
suas possibilidades de desconstrução. Derrida (1991) complementa: “A desconstrução 
não consiste em passar de um conceito para outro, mas em modificar e em deslocar uma 
ordem conceitual assim como a ordem não conceitual à qual se articula” (p.372). Cabe, 
por fim, destacar, que a vaidade de Jonathan e de Eduardo era bem aceita dentro da 
escola, não havendo qualquer “interrogação” em relação a certa identificação 
heterossexual dos dois jovens meninos. 
Considerações finais 
 
 Os jovens mais jovens, sujeitos desta pesquisa, mostraram como a desconstrução 
de masculinidades estão presentes em alguma medida na nossa sociedade, 
exemplificadas nos relatos de um cotidiano escolar. Performatizações de masculinidades 
se fizeram presentes no dia-a-dia escolar destes jovens meninos, denotando 
ressignificações e rupturas, apresentando processos de identificação mais livres e menos 
hierarquizados frente às normas e regulações impostas nos sentidos fixos de ser 
“homem”. 
 Um olhar queerizado no cotidiano escolar, proposto por este estudo, permite que 
se visualizem possibilidades reais de mudanças nas configurações de gênero, 
performatizadas pela juventude contemporânea, e que permitem acreditar que as 
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multiplicidades dos processos identitários, de fato, já estão sendo apropriados pelos 
sujeitos masculinos dentro de um recorte etário. Novos sentidos do masculino emergem 
em diferentes contextos socioculturais de nossa sociedade, como a escola, e, deste modo 
a Didática na contemporaneidade precisa atentar para as significações que emergem nas 
questões de gênero e sexualidade, tornando as temáticas também alvo de seus olhares. 
 
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GÊNERO E RAÇA: SUBSÍDIOS TEÓRICOS PARA A PRÁTICA 
PEDAGÓGICA 
Paulo Melgaço da Silva Junior 
Doutor em educação pela UFRJ - Professor da rede pública municipal de Duque 
de Caxias 
Ana Paula da Silva Santos 
Doutoranda em Educação pela PUC/Rio – Professora da rede pública municipal 
de Duque de Caxias 
 
Nos dias de hoje, pensar em educação escolar nos remete a pensar na questão da função 
social da escola na contemporaneidade: a construção de identidades abertas à 
diversidade cultural, o combate à discriminação dos grupos culturais marginalizados na 
sociedade, a valorização da cultura destes mesmos grupos e o desafio a preconceitos e 
estereótipos limitadores de uma educação mais igualitária e menos excludente. Neste 
sentido, a questão da diferença torna-se o grande desafio a enfrentar por parte dos 
professores no espaço escolar. Dentro deste contexto, este estudo aborda alguns modos 
pelos quais alunos/as de duas escolas da periferia do Rio de Janeiro e de Duque de 
Caxias/RJ constroem suas identidades culturais de raça e gênero e, ainda, como estas 
são vivenciadas no ambiente escolar. A pesquisa realizada na escola pública do 
município do RJ, contou com a participação de uma turma de 5º ano do ensino 
fundamental nas aulas de Educação Física. Na segunda escola, localizada em um bairro 
da periferia da cidade da Baixada Fluminense - Duque de Caxias – a pesquisa foi 
realizada nas aulas de Artes em uma turma de 6º ano do ensino fundamental. 
Destacamos que trabalhar com periferias urbanas abre possibilidades de conhecer como 
determinados discursos e conceitos que circulam nos grandes centros são apropriados e 
reinventados. A proposta das aulas foi investigar e problematizar os conceitos 
apresentados por alunos e alunas diante de questões relativas a gênero e raça. O trabalho 
evidenciou a importância de se colocar a diferença em questão, de problematizar os 
conceitos essencializados que circulam nas salas de aula e de se refletir sobre os 
processos de racialização, sexualização e generificação. 
Palavras-chave: Escola, Gênero, Raça 
 
Introdução 
Este estudo aborda alguns modos pelos quais alunos/as de duas escolas da 
periferia do Rio de Janeiro e de Duque de Caxias/RJ constroem suas identidades 
culturais, de raça e gênero e como estas são vivenciadas no ambiente escolar. O trabalho 
é resultado das discussões entre as pesquisas de doutoradoii e de mestradoiii que 
investigaram como as questões de gênero e raça atravessam as práticas pedagógicas 
nestas comunidades escolares em específico. Destacamos que trabalhar com periferias 
urbanas abre possibilidades de conhecer como determinados discursos e conceitos que 
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circulam nos grandes centros são apropriados e reinventados. As relações de vizinhança 
persistem muito mais do que em bairros de classe média ou alta. As necessidades 
básicas, os espaços de sociabilidade, fazem com que sejam redesenhadas novas formas 
de perceber o mundo social (SILVA JUNIOR e MOREIRA, 2010). 
Neste sentido, o estudo de gênero, segundo Moita Lopes (2006), pode ser 
considerado como uma das categorias cruciais para entender as mudanças sociais e 
culturais da vida contemporânea. Ao mesmo tempo, Butler (2003) afirma que entender 
gênero no contexto global pode levar ao combatede falsas formas de universalismos. 
Em paralelo, de acordo com Barnard (2004) a raça é uma abstração, uma 
fantasia móvel que não tem nada a ver com o determinismo biológico. Nas palavras do 
autor, o corpo é feitichizado. A lógica de mercado constrói o homem negro e a mulher 
negra como sensuais, bons de cama, sempre prontos a realizar desejos. Pelas palavras de 
Wilchins (2004), aprendemos a ser de determinada raça e a agir como tal. 
Para Barnard (2004), as questões de raça, sexualidades, gênero e classe social 
devem ser vistas como interseccionadas, ou seja, não podem ser dissociadas, uma vez 
que se deve olhar para o sujeito social como um todo e não apenas por um ângulo de 
suas subjetividades. 
 
Reflexões sobre escola e culturas 
Nos dias de hoje, pensar em educação escolar nos remete a pensar na questão da 
função social da escola na contemporaneidade: a construção de identidades abertas à 
diversidade cultural, o combate à discriminação dos grupos culturais marginalizados na 
sociedade, a valorização da cultura destes mesmos grupos e o desafio a preconceitos e 
estereótipos limitadores de uma educação mais igualitária e menos excludente. Neste 
sentido, a questão da diferença torna-se o grande desafio a enfrentar por parte dos 
professores no espaço escolar. 
Candau (2008), nos convida a pensar que não há educação que não esteja imersa 
nos processos culturais do contexto em que se situa. A referida autora afirma que existe 
uma relação intrínseca entre educação e cultura e ainda “[...] não é possível conceber 
uma experiência pedagógica „desculturizada‟, isto é, desvinculada totalmente das 
questões culturais da sociedade” (CANDAU, 2008, p. 13). 
Segundo a referida autora, as diferenças socioculturais permeiam nosso 
cotidiano e são componentes centrais nas relações, embora sejam marcadas muitas 
vezes por tensões e conflitos em virtude das desigualdades de poder que as atravessam e 
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que são responsáveis por hierarquizações, preconceitos, discriminações e 
subalternizações em relação a determinados grupos sociais. 
Nesta perspectiva, a escola acaba por reproduzir as estruturas de poder, bem 
como os privilégios de um sexo sobre o outro, tal como ocorre em nossa sociedade. 
Adota-se, assim, o modelo binário de gênero e sexualidade homem/ mulher, 
defendendo-se expectativas de papéis sociais e sexuais naturalizados de gênero e de raça 
nos quais o homem deve ser bruto e a mulher delicada e comportada. Ou, pensando a 
partir da raça negra, espera-se que o menino seja bruto, sexualizado e com habilidades 
para o esporte, e a menina escandalosa, barraqueira e altamente sexualizada. 
Um olhar atento ao cotidiano escolar pode evidenciar diversas relações que 
acentuam a multiplicidade de diferenças e que provocam uma série de tensões nas 
práticas pedagógicas e nas relações sociais. Reconhecemos, neste sentido, que a 
educação intercultural pode se tornar uma importante ferramenta para lidar com estas 
tensões, especialmente no desafio de se promover a articulação ente igualdade e 
diferença no contexto escolar (CANDAU, 2014). 
 
Educação intercultural: em busca de novos caminhos 
No intuito de buscar novas possibilidades para a caminhada rumo a educação 
intercultural é necessário refletirmos sobre as tensões e os princípios que permeiam esta 
perspectiva. Candau (2014), identifica como uma problemática o fato da expressão 
educação intercultural apresentar uma polissemia. Sendo assim, situa a perspectiva 
intercultural no campo do multiculturalismo, onde classifica em três grandes 
abordagens: o multiculturalismo assimilacionista, o multiculturalismo diferencialista ou 
monocultura plural e o multiculturalismo interativo ou interculturalidade. 
Primeiramente a abordagem assimilacionista, no sentido descritivo, refere-se ao 
fato do multiculturalismo ser uma característica das sociedades atuais, imersa na 
pluralidade de ideias, comportamentos, modos de ser, agir e estar no mundo e na 
diversidade cultural de etnia, raça, gênero, classe social, dentre outros marcadores 
identitários. No sentido prescritivo, a ideia é o favorecimento que todos sejam inseridos 
à cultura hegemônica. 
Quanto ao multiculturalismo diferencialista, Candau (2014) afirma que esta 
abordagem parte do princípio que quando se enfatiza a assimilação, se acaba por negar 
ou silenciar a diferença. Logo, propõe a ênfase no reconhecimento da diferença e a 
garantia de espaços para que estas possam se expressar. Segundo a referida autora, estas 
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duas abordagens são as mais comuns em nossa sociedade, convivendo de maneira tensa 
e conflitiva e ocasionando polêmicas sobre a problemática multicultural. 
A terceira abordagem destacada por Candau (2014), a qual nos posicionamos 
para fundamentar o presente estudo, é o multiculturalismo interativo ou 
interculturalidade. Tal perspectiva supõe a inter-relação entre os diferentes grupos 
culturais, rompe com a visão essencialista da construção das culturas e identidades 
culturais e afirma que a sociedade atual é marcada por intensos processos de 
hibridização cultural que definem as identidades como abertas e em permanente 
construção. 
Outra autora que também aborda o conceito de interculturalidade é Walsh 
(2009a). A mesma se apoia em Tubino (2005) para esclarecer a diferença entre 
interculturalidade funcional e interculturalidade crítica. Enquanto a primeira se traduz 
em políticas que buscam promover o diálogo e a tolerância sem tocar nas causas da 
assimetria social e cultural, a segunda vai propor uma crítica cultural no sentido de 
visibilizar as causas do não diálogo e questionar o modelo social vigente. 
Em relação a interculturalidade crítica, a autora destaca que tal perspectiva busca 
alternativas para a globalização neoliberal e a racionalidade ocidental e, também, para a 
luta pela transformação social e condições de poder, ser e saber bem diferentes das 
percebidas atualmente. É, na visão da referida autora, um processo dirigido à construção 
de modos “outros” de poder, ser e saber. Desta forma, torna-se indispensável derrubar 
as barreiras da colonialidade que determinam padrões e inferiorizam sujeitos 
contribuindo, assim, para a reconstrução da escola enquanto espaço de valorização dos 
diferentes conhecimentos e culturas. 
 
Práticas pedagógicas interculturais: um caminho a construir 
Alguns/mas autores/as reconhecem que a perspectiva intercultural da educação 
exige transformações urgentes na escola (CANDAU, 2014; FLEURI, 2000). 
Para Fleuri (2000), a perspectiva intercultural da educação implica em mudanças 
profundas na prática educativa, não só pela necessidade de oferecer oportunidades 
significativas a todos e todas, respeitando pontos de vista e pensamentos, mas pela 
necessidade de desenvolver processos educativos, metodologias e instrumentos 
pedagógicos que possam dar conta da complexidade das relações entre os indivíduos e 
diferentes grupos culturais. O autor destacado também aposta na necessidade de se 
reinventar o papel e o processo de formação dos educadores. 
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Nesse sentido, Candau (2014) afirma que a condição primordial para a 
transformação é a mudança de ótica, ou seja, uma reconstrução dos sentidos e 
significados que atravessam a escola e as práticas educativas. A autora citada ressalta a 
polissemia presente nos discursos dos professores em relação aos termos igualdade e 
diferença, onde o primeiro termo refere-se a um “processo de uniformização, 
homogeneização e padronização orientado à afirmação de uma cultura comum a

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