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2017 - 04 - 18 © desta edição [2017] Prática Trabalhista - Edição 2017 PRIMEIRA PARTE - TEÓRICA - DIREITO DO TRABALHO PRIMEIRA PARTE - TEÓRICA - DIREITO DO TRABALHO 1. Introdução O Direito do Trabalho pode ser conceituado como o ramo da ciência jurídica dotado de um conjunto de princípios, regras, instituições e institutos próprios que disciplinam a relação de emprego e algumas relações de trabalho semelhantes. A finalidade do Direito do Trabalho é estabelecer normas protetivas para o empregado com o escopo da promoção de condições dignas de labor. Assim, o grande objetivo do Direito Laboral é a melhoria da condição social do trabalhador. Esse ideário encontra respaldo constitucional no princípio da dignidade da pessoa humana plasmado no art. 1.º, III, da CF/1988. 2017 - 04 - 18 Prática Trabalhista - Edição 2017 PRIMEIRA PARTE - TEÓRICA - DIREITO DO TRABALHO 2. PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO 2. Princípios do Direito do Trabalho 2.1. CONCEITO, FUNÇÕES E ESPÉCIES Princípios são regramentos básicos que fundamentam todo o ordenamento jurídico, um determinado ramo do direito ou um instituto jurídico próprio. São mandamentos de otimização, representando vetores e alicerces do sistema jurídico vigente. Por serem de enorme importância, exercem uma tripla função: a) Informativa: inspiram e informam o legislador na elaboração da norma. b) Normativa ou Integrativa: são utilizados como métodos de integração do ordenamento jurídico vigente, suprindo lacunas (arts. 4.º da LINDB, art. 140 do CPC/2015 e 8.º da CLT): Art. 4.º da LINDB – Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Art. 140 do CPC/2015 – O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei. Art. 8.º da CLT – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. c) Interpretativa: são utilizados como parâmetros de interpretação das normas jurídicas. O saudoso jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez trouxe importantes ensinamentos sobre os Princípios do Direito do Trabalho, classificando-os da seguinte forma: a) Princípio da Proteção (Protetivo, Protetor, Tutelar ou Tuitivo): a.1) Princípio in dubio pro operario (in dubio pro misero); a.2) Princípio da Norma Mais Favorável (da Aplicação da Norma Mais Favorável ao Trabalhador); a.3) Princípio da Condição Mais Benéfica (da Cláusula Mais Vantajosa); b) Princípio da Indisponibilidade (Irrenunciabilidade ou Inderrogabilidade) dos Direitos Trabalhistas; c) Princípio da Continuidade da Relação de Emprego; d) Princípio da Primazia da Realidade (Primazia da Realidade sobre a Forma). Vamos estudá-los. 2.2. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO (PROTETIVO, PROTETOR, TUTELAR OU TUITIVO) O princípio da proteção, também conhecido como princípio protetivo, protetor, tutelar ou tuitivo, é o mais importante dos princípios do Direito do Trabalho. É o “Princípio dos Princípios do Direito do Trabalho”. Todos os demais princípios decorrem do princípio da proteção. Com efeito, no plano dos fatos, há uma clara desigualdade entre os sujeitos da relação jurídica trabalhista (empregado e empregador). O empregado é conhecido como hipossuficiente, ou seja, é a parte mais fraca nessa relação. Uma desigualdade somente é solucionada com a criação de outra desigualdade. Nesse contexto, o Direito do Trabalho visa trazer uma superioridade jurídica ao empregado, observando-se o princípio da igualdade, isonomia ou paridade de armas. Conforme consagrada assertiva de Rui Barbosa, proferida na Oração aos Moços, e pautada nos ensinamentos de Aristóteles, observar a igualdade é tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual na medida de suas desigualdades. Assim, o Estado, exercendo o seu dirigismo estatal básico, através de normas jurídicas cogentes, imperativas ou de ordem pública (de observância obrigatória), impõe direitos trabalhistas mínimos, promovendo o respeito na relação empregatícia de um patamar civilizatório mínimo. Diante da atual crise mundial, há uma forte tendência de flexibilização e desregulamentação das leis trabalhistas. A flexibilização significa amenizar o rigor da proteção das normas trabalhistas em prol de uma respectiva adequação às relações trabalhistas modernas e ao contexto atual da Economia. De outra sorte, a desregulamentação significa a retirada da proteção trabalhista em normas jurídicas, privilegiando a livre negociação entre as partes (princípio do negociado sobre o legislado). Neste diapasão, em uma sociedade democrática de direito moderna, a flexibilização deverá ser estudada e admitida em situações pontuais, mas a desregulamentação deverá ser rechaçada. Os direitos trabalhistas foram conquistados com muita luta e suor da classe trabalhadora, que conseguiram inclusive a constitucionalização dos mais importantes direitos laborais. Alinhavando o raciocínio, a desregulamentação representaria um retrocesso social. O princípio da proteção deve ser estudado em 3 (três) âmbitos: a) Princípio in dubio pro operario (in dubio pro misero). b) Princípio da norma mais favorável (da aplicação da norma jurídica mais favorável ao trabalhador). c) Princípio da condição mais benéfica (da cláusula mais vantajosa). 2.2.1. Princípio in dubio pro operario (in dubio pro misero) Uma determinada norma trabalhista poderá ser dúbia, comportando várias interpretações. Neste caso, aplicando-se o princípio em comento, o intérprete deverá optar, entre duas ou mais interpretações possíveis, pela mais favorável ao empregado. Exemplo: um determinado regulamento de empresa estipula uma gratificação aos seus funcionários, sendo que esse direito trabalhista tem como base de cálculo o salário. A palavra salário comporta várias interpretações possíveis: salário mínimo, piso salarial, salário básico, salário contratual etc. Assim, o interprete deverá adotar a interpretação mais favorável ao empregado, qual seja, a do salário contratual, que representa a maior base de cálculo. Uma importante indagação surge no estudo desse princípio – ele também será aplicável no âmbito do Direito Processual do Trabalho, em especial no campo da valoração das provas? Embora haja controvérsia doutrinária e jurisprudencial, prevalece o entendimento que não, devendo ser aplicadas as regras de distribuição do ônus da prova previstas nos art. 818 da CLT e art. 373 do CPC/2015, in verbis: Art. 818 da CLT – A prova das alegações incumbe à parte que as fizer. Art. 373 do CPC/2015 – O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. § 1.º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2.º A decisão previstano § 1.º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. § 3.º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I – recair sobre direito indisponível da parte; II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. § 4.º A convenção de que trata o § 3.º pode ser celebrada antes ou durante o processo. Portanto, caso o empregado ingresse com reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho e não comprove suas alegações, ainda que o juiz do trabalho tenha dúvida se o obreiro é ou não titular do direito pleiteado, deverá proferir sentença de improcedência. Isso evita que o obreiro utilize o Poder Judiciário Trabalhista como uma “aventura judicial”. 2.2.2. Princípio da norma mais favorável (da aplicação da norma mais favorável ao empregado) O princípio da norma mais favorável estabelece que, em havendo mais de uma norma trabalhista igualmente aplicável ao caso concreto, deverá ser aplicada a norma mais favorável, independentemente da sua posição na escala hierárquica. Exemplo: o art. 7.º, XVI, da CF/1988, estabelece que o adicional de hora extra deve ser de, no mínimo, 50% sobre o valor da hora normal. Como o próprio texto indica, foi estipulado o patamar civilizatório mínimo, nada impedindo que uma categoria de empregados tenha o direito de um valor maior. Nesse contexto, art. 20, § 2.º, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB) estipula o adicional de hora extra para o advogado empregado de, no mínimo, 100%. Concluindo, no caso de um empregado advogado, será aplicado o Estatuto da OAB. Art. 7.º da CF/1988 – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; (...) Art. 20 da Lei 8.906/1994 – A jornada de trabalho do advogado empregado, no exercício da profissão, não poderá exceder a duração diária de quatro horas contínuas e a de vinte horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva. § 1.º Para efeitos deste artigo, considera-se como período de trabalho o tempo em que o advogado estiver à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, no seu escritório ou em atividades externas, sendo-lhe reembolsadas as despesas feitas com transporte, hospedagem e alimentação. § 2.º As horas trabalhadas que excederem a jornada normal são remuneradas por um adicional não inferior a cem por cento sobre o valor da hora normal, mesmo havendo contrato escrito. § 3.º As horas trabalhadas no período das vinte horas de um dia até as cinco horas do dia seguinte são remuneradas como noturnas, acrescidas do adicional de vinte e cinco por cento. Com efeito, no tocante à hierarquia das normas jurídicas, podemos perceber uma substancial diferença do Direito do Trabalho em comparação com o Direito Comum. No Direito Comum, é adotado o princípio do racionalismo dogmático ou normativismo jurídico de Hans Kelsen, também conhecido como princípio da supremacia da Constituição ou da compatibilidade vertical. Esse princípio estabelece que toda norma inferior deverá respeitar, ser compatível e encontrar seu fundamento de validade na norma superior, estando no ápice da pirâmide a Constituição Federal. Trata-se de um critério rígido, inflexível, com controle de constitucionalidade. Em contrapartida, no Direito do Trabalho é adotado um critério mais flexível e variável. No ápice da pirâmide aplicamos o princípio da norma mais favorável, de forma que será aplicada a norma mais favorável ao trabalhador independentemente de sua posição na escala hierárquica. Portanto, no Direito do Trabalho, somente haverá inconstitucionalidade ou ilegalidade quando houver a supressão ou redução dos direitos trabalhistas. Continuando o nosso estudo do princípio da norma mais favorável, ele também deverá ser observado no momento da elaboração da norma jurídica, conforme verificamos na redação do art. 7.º, caput, da CF/1988, in verbis: Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social. O princípio em análise está previsto expressamente na Consolidação das Leis do Trabalho, conforme podemos observar na redação do art. 620 da CLT: Art. 620. As condições estabelecidas em Convenção quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo. É importante frisar que esse princípio não é absoluto, encontrando limites nas normas proibitivas governamentais de política econômica e salarial. Veja a redação do art. 623 da CLT: Art. 623. Será nula de pleno direito disposição de Convenção ou Acordo que, direta ou indiretamente, contrarie proibição ou norma disciplinadora da política econômico-financeira do Governo ou concernente à política salarial vigente, não produzindo quaisquer efeitos perante autoridades e repartições públicas, inclusive para fins de revisão de preços e tarifas de mercadorias e serviços. Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, a nulidade será declarada, de ofício ou mediante representação, pelo Ministro do Trabalho e Previdência Social, ou pela Justiça do Trabalho em processo submetido ao seu julgamento. Por fim, vamos estudar uma situação de complexa solução – em alguns momentos, existem dois diplomas normativos aplicáveis ao caso concreto, sendo que cada um deles apresenta regras favoráveis e desfavoráveis ao trabalhador. Para resolver esse impasse, a doutrina e jurisprudência trabalhista apresentam 3 correntes: a) Teoria do Conglobamento: defende a aplicação do diploma normativo que, no conjunto de normas, for mais favorável ao trabalhador, sem fracionar os institutos jurídicos. É a posição tradicional. b) Teoria da Acumulação ou da Atomização: defende a aplicação dos dois diplomas normativos, extraindo-se de cada um as regras mais favoráveis ao trabalhador, isoladamente consideradas. Perceba que um terceiro instrumento normativo será criado, formado pelo conjunto das regras jurídicas mais favoráveis ao trabalhador dos outros dois instrumentos. Embora a aplicação dessa teoria resulte na criação de um diploma normativo superprotetor ao trabalhador, ela é muito criticada por não respeitar regras básicas de hermenêutica jurídica, como o princípio da unidade. c) Teoria do Conglobamento Mitigado, Orgânico, por Instituto, Intermediária ou da Incindibilidade dos Institutos: defende a criação de um terceiro diploma normativo, formado pelas regras jurídicas mais favoráveis ao trabalhador, respeitando-se a unidade do instituto ou matéria (critério da especialização). Comparando a teoria em comento com as outras duas teorias, a diferença reside na criação de um terceiro instrumento normativo, o que a aproxima da Teoria da Acumulação, mas compara os institutos ou matérias (exemplos: férias, duração do trabalho, estabilidades etc.), respeitando a sua unidade, aproximando da Teoria do Conglobamento. Concluindo, o nome Conglobamento Mitigado significa a aplicação das regras jurídicas mais favoráveis ao obreiro, respeitada a unidade não de todo o diploma normativo em análise, mas somente do instituto ou matéria. A Lei 7.064/1982, que dispõe sobre a situação de trabalhadores brasileiros contratados ou transferidos para prestar serviço no exterior, acolheu a Teoria do Conglobamento Mitigado, ao mencionar no art. 3.º, II, que: Art. 3.º A empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido assegurar-lhe- á, independentementeda observância da legislação do local da execução dos serviços: I – os direitos previstos nesta Lei; II – a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria. Parágrafo único. Respeitadas as disposições especiais desta Lei, aplicar-se-á a legislação brasileira sobre Previdência Social, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS e Programa de Integração Social – PIS/PASEP. A doutrina e a jurisprudência modernas defendem a aplicação da Teoria do Conglobamento Mitigado. 2.2.3. Princípio da condição mais benéfica (cláusula mais vantajosa) O princípio da condição mais benéfica, também conhecido como princípio da cláusula mais vantajosa, aduz que as condições mais benéficas previstas no contrato de trabalho ou no regulamento da empresa prevalecerão, serão incorporadas definitivamente ao contrato de trabalho, não podendo ser suprimidas ou reduzidas no curso da relação empregatícia. Com efeito, ainda que haja a superveniência de diploma normativo menos protetivo, ele não atinge os contratos de trabalho já existentes, mas apenas os novos contratos. O princípio em comento consubstancia a Teoria do Direito Adquirido, que é aquele já incorporado definitivamente ao patrimônio jurídico de alguém, encontrando amparo legal no art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 e no art. 6.º da LINDB: Art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; Art. 6.º da LINDB – A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (...) § 2.º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. O próprio Tribunal Superior do Trabalho consagra o princípio da condição mais benéfica, conforme podemos observar nas Súmulas 51, inc. I e 288, I: Súmula 51 do TST. Norma regulamentar. Vantagens e opção pelo novo regulamento. Art. 468 da CLT (incorporada a OJ 163 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005. I – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula n. 51 – RA 41/1973, DJ 14.06.1973) SÚMULA 288 TST. COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DA APOSENTADORIA (nova redação para o item I e acrescidos os itens III e IV em decorrência do julgamento do processo TST-E-ED-RR- 235- 20.2010.5.20.0006 pelo Tribunal Pleno em 12.04.2016) - Res. 207/2016, DEJT divulgado em 18, 19 e 20.04.2016 I - A complementação dos proventos de aposentadoria, instituída, regulamentada e paga diretamente pelo empregador, sem vínculo com as entidades de previdência privada fechada, é regida pelas normas em vigor na data de admissão do empregado, ressalvadas as alterações que forem mais benéficas (art. 468 da CLT); II - Na hipótese de coexistência de dois regulamentos de planos de previdência complementar, instituídos pelo empregador ou por entidade de previdência privada, a opção do beneficiário por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do outro; III - Após a entrada em vigor das Leis Complementares n.ºs 108 e 109 de 29/5/2001, reger-se-á a complementação dos proventos de aposentadoria pelas normas vigentes na data da implementação dos requisitos para obtenção do benefício, ressalvados o direito adquirido do participante que anteriormente implementara os requisitos para o benefício e o direito acumulado do empregado que até então não preenchera tais requisitos. IV - O entendimento da primeira parte do item III aplica-se aos processos em curso no Tribunal Superior do Trabalho em que, em 12/4/2016, ainda não haja sido proferida decisão de mérito por suas Turmas e Seções. Por derradeiro, surge a seguinte indagação – as condições mais favoráveis, previstas em sentença normativa, acordo coletivo ou Convenção Coletiva, também serão incorporadas definitivamente aos contratos de trabalho, como ocorre nas cláusulas mais vantajosas previstas no contrato de trabalho ou no regulamento de empresa? Sobre o assunto, temos 3 (três) correntes na doutrina e na jurisprudência: a) Teoria da Aderência Ilimitada: as condições mais benéficas incorporam-se definitivamente aos contratos de trabalho. É a posição minoritária. b) Teoria da Aderência Limitada pelo Prazo: as condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho apenas vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho. c) Teoria da Aderência Limitada por Revogação (ou da Ultratividade): as condições mais benéficas vigoram até a edição de um novo diploma normativo, que poderá revogar ou manter a vantagem. É a posição atual do TST: Súmula 277 do TST. Convenção Coletiva de Trabalho ou Acordo Coletivo de Trabalho. Eficácia. Ultratividade (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012 – Res. TST 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012). As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho. Nesse sentido, é importante o estudo do recente Precedente Normativo 120 do TST: PN 120 Sentença Normativa. Duração. Possibilidade e limites (positivo) – (Res. TST 176/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011). A sentença normativa vigora, desde seu termo inicial até que sentença normativa, convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho superveniente produza sua revogação, expressa ou tácita, respeitado, porém, o prazo máximo legal de quatro anos de vigência. Por derradeiro, insta consignar recente notícia do Supremo Tribunal Federal, de 14 de outubro de 2016: ““Ministro suspende efeitos de decisões da Justiça do Trabalho sobre ultratividade de acordos O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu nesta sexta-feira (14) medida cautelar para suspender todos os processos e efeitos de decisões no âmbito da Justiça do Trabalho que discutam a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas. A decisão, a ser referendada pelo Plenário do STF, foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 323, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), questionando a Súmula 277 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Segundo a entidade, ao estabelecer que as cláusulas previstas em convenções ou acordos coletivos integram os contratos individuais de trabalho, mesmo depois de expirada sua validade, a súmula contraria os preceitos constitucionais da separação dos Poderes (artigo 2º da Constituição Federal) e da legalidade (artigo 5º). A Confenen relata que a alteração jurisprudencial na justiça trabalhista “despreza que o debate relativo aos efeitos jurídicos das cláusulas coletivas no tempo sempre esteve localizado no plano infraconstitucional, fato evidenciado pela edição da Lei 8.542/1992, que tratou do tema, mas foi revogada”. Argumenta que a teoria da ultratividade das normas coletivas sempre esteve condicionada à existência de lei, não podendo ser extraída diretamente do texto constitucional. Ao conceder a liminar o ministro justificou que “da análise do caso extrai-se indubitavelmenteque se tem como insustentável o entendimento jurisdicional conferido pelos tribunais trabalhistas ao interpretar arbitrariamente a norma constitucional”. Ele ressaltou que a suspensão do andamento de processos "é medida extrema que deve ser adotada apenas em circunstâncias especiais", mas considerou que as razões apontadas pela Confederação, bem como a reiterada aplicação do entendimento judicial consolidado na atual redação da Súmula 277 do TST, "são questões que aparentam possuir relevância jurídica suficiente a ensejar o acolhimento do pedido".”1 2.3. PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE (IRRENUNCIABILIDADE OU INDERROGABILIDADE) DOS DIREITOS TRABALHISTAS Em regra, os empregados não podem dispor de seus direitos trabalhistas. Assim, em regra, os direitos trabalhistas não admitem renúncia ou transação. Caro leitor que está se preparando arduamente para a aprovação no Exame de Ordem ou Concurso Público almejado, veja o teor dos arts. 9.º e 444 da CLT, bem como da Súmula 276 do TST, in verbis: Art. 9.º da CLT – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. Art. 444 da CLT – As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. Súmula 276 do TST. Aviso-prévio. Renúncia pelo empregado (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O direito ao aviso-prévio é irrenunciável pelo empregado. O pedido de dispensa de cumprimento não exime o empregador de pagar o respectivo valor, salvo comprovação de haver o prestador dos serviços obtido novo emprego. Sobre o tema, convém apontarmos as principais diferenças entre renúncia e transação: Renúncia: é um ato unilateral, tendo por objeto um direito certo. A parte tem um direito e dispõe desse direito voluntariamente. Transação: é um ato bilateral, tendo por objeto um direito duvidoso (res dubia). As partes fazem concessões recíprocas para prevenirem ou terminarem um litígio. No tocante à possibilidade ou não de renúncia ou transação de direitos trabalhistas, a doutrina moderna vem defendendo o seguinte: a) Antes da celebração do contrato de trabalho: a indisponibilidade dos direitos trabalhistas é absoluta, por ser o momento em que o trabalhador demonstra maior fragilidade, precisando da celebração do contrato para sustento próprio e de sua família; b) No curso do contrato de trabalho: a indisponibilidade é relativa, admitindo-se a renúncia e a transação quando a lei ou a jurisprudência consolidada assim dispuser. Nesse momento, não obstante a possibilidade excepcional de disposição dos direitos trabalhistas, o empregado ainda goza de grande proteção, pela presença marcante da hipossuficiência e do estado de subordinação inerente ao contrato de trabalho; c) Após a extinção do contrato de trabalho: a indisponibilidade é relativa, sendo que a renúncia e a transação são admitidas quando a lei ou a jurisprudência consolidada assim dispuser. A diferença em relação ao momento anterior reside na maior flexibilidade da disposição dos direitos trabalhistas após a extinção do contrato de trabalho, pois a subordinação ainda existe, mas de forma mais rarefeita, o que permite maior poder de negociação. Concluindo, o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas não é absoluto. A renúncia e a transação são excepcionalmente admitidas, se houver autorização em lei ou na jurisprudência consolidada. Exemplos de renúncia admitida: art. 500 da CLT e Súmula 51, II do TST: Art. 500 da CLT – O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho. Súmula 51 do TST. Norma regulamentar. Vantagens e opção pelo novo regulamento. Art. 468 da CLT (incorporada a OJ 163 da SBDI-I – Res. TST 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005). II – Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ 163 da SBDI-I – inserida em 26.03.1999) Exemplos de transação admitida: arts. 846 e 850 da CLT e OJ 270 da SDI-1/TST: Art. 846 da CLT – Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação. § 1.º Se houver acordo lavrar-se-á termo, assinado pelo presidente e pelos litigantes, consignando- se o prazo e demais condições para seu cumprimento. § 2.º Entre as condições a que se refere o parágrafo anterior, poderá ser estabelecida a de ficar a parte que não cumprir o acordo obrigada a satisfazer integralmente o pedido ou pagar uma indenização convencionada, sem prejuízo do cumprimento do acordo. Art. 850 da CLT – Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo não excedente de 10 (dez) minutos para cada uma. Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação, e não se realizando esta, será proferida a decisão. OJ 270 da SDI-I/TST. Programa de incentivo à demissão voluntária. Transação extrajudicial. Parcelas oriundas do extinto contrato de trabalho. Efeitos (inserida em 27.09.2002) A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo. Sobre esse assunto, verifique importante notícia veiculada no site do STF em 30.04.2015. Sugerimos também ler a íntegra do relatório e o voto do relator (“STF reconhece validade de cláusula de renúncia em plano de dispensa incentivada”: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=290618. OBS.: Notícia STF – Quinta-feira, 30 de abril de 2015 STF Reconhece validade de cláusula de renúncia em plano de dispensa incentivada Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na sessão desta quinta- feira (30) que, nos casos de Planos de Dispensa Incentivada – os chamados PDIs –, é válida a cláusula que dá quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas decorrentes do contrato de emprego, desde que este item conste de Acordo Coletivo de Trabalho e dos demais instrumentos assinados pelo empregado. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 590415, que teve repercussão geral reconhecida pelo STF. Ao dar provimento ao RE, os ministros fixaram a tese de que “a transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado”. Com a decisão neste caso, segundo informou o presidente da Corte, serão resolvidos 2.396 processos sobre o mesmo tema, que estavam sobrestados aguardando o posicionamento do Supremo. Na instância de origem, a Justiça do Trabalho de 1.º grau em Santa Catarina julgou improcedente o pleito de uma ex-empregada do Banco do Estado de Santa Catarina (Besc) que, depois de ter aderido ao PDI, ajuizou reclamação requerendo verbas trabalhistas e questionando a validade dessa cláusula. O juízo de primeiro grau concluiu pela improcedência do pleito, considerando válida a cláusula de renúncia constante do plano, aprovado em convenção coletiva, que previa a quitação ampla de todas as parcelas decorrentes da relação de emprego. A decisãofoi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12.ª Região (TRT-12). O Tribunal Superior do Trabalho (TST), contudo, deu provimento a recurso de revista da trabalhadora. O acórdão do TST asseverou que o art. 477 (§ 2.º) da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê que a quitação somente libera o empregador das parcelas especificadas no recibo de quitação. E que os diretos trabalhistas são indisponíveis e, portanto, irrenunciáveis. O Banco do Brasil (sucessor do Besc) interpôs recurso extraordinário ao STF contra essa decisão. O representante da instituição frisou, durante a sustentação oral no Plenário, que o acórdão do TST teria violado ato jurídico perfeito e ainda o art. 7.º (inc. XXVI) da Constituição Federal, que prevê reconhecimento das Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho. De acordo com ele, o desprovimento do recurso acabaria por levar ao desaparecimento desse importante meio de “desjudicialização”, por gerar insegurança jurídica, e o desinteresse na sua utilização, pois deixaria de atingir seus objetivos. O advogado da empregada, por sua vez, demonstrou que a importância dada a convenções e acordos não pode ser um “cheque em branco” na mão dos sindicatos. Para ele, a renúncia não pode ser considerada válida, por conta do que prevê o art. 477 (§ 2.º) da CLT. O dispositivo prevê que o recibo de quitação, na dissolução do contrato de trabalho, só é válido quanto às parcelas nele especificados. Relator Em seu voto (leia a íntegra), o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, explicou que no direito individual do trabalho, o trabalhador fica à mercê de proteção estatal até contra sua própria necessidade ou ganância. Essa proteção, de acordo com o relator, tem sentido, uma vez que empregado e empregador têm peso econômico e político diversos. Mas essa assimetria não se coloca com a mesma força nas negociações coletivas de trabalho, em que os pesos e forças tendem a se igualar. A incidência da proteção às relações individuais de trabalho é diversa da sua incidência nas negociações coletivas. Na negociação coletiva, o poder econômico do empregador é contrabalançado pelo poder dos sindicatos que representam os empregados. Essas entidades têm poder social, político e de barganha, ressaltou o ministro. E, em matéria de negociação coletiva, os norteadores são outros, disse o relator. Atenua-se a proteção ao trabalhador para dar espaço a outros princípios. Nesse ponto, o ministro Barroso salientou a importância dos planos de dispensa incentivada, uma alternativa social relevante para atenuar o impacto de demissões em massa, pois permite ao empregado condições de rescisão mais benéficas do que teria no caso de uma simples dispensa. O ministro explicou que o modelo da Constituição Federal aponta para a valorização das negociações e acordos coletivos, seguindo a tendência mundial pela auto composição, enfatizada, inclusive, em convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No caso concreto, a previsão de que a adesão ensejaria rescisão e quitação ampla constou do regulamento que aprovou o PDI, do acordo coletivo de trabalho aprovado em assembleia com participação dos sindicatos e do formulário que cada empregado preencheu para aderir ao plano, além de constar do termo de rescisão do contrato de trabalho (TRCT). Acordo coletivo Na votação, o ministro Luiz Fux apontou que “a transação extrajudicial, depois de homologada judicialmente, tem força de coisa julgada, que consta como título executivo judicial”. Segundo ele, sendo voluntária, depois de aderir, a parte firma acordo com força de coisa julgada, o que não poderia ser discutido, salvo se buscasse previamente a anulação do PDI. Também o ministro Gilmar Mendes concordou com o relator no sentido de que, no âmbito do direito coletivo do trabalho, a Constituição valoriza, de forma enfática, as convenções e acordos coletivos. Para o ministro Ricardo Lewandowski, não se trata, no caso, de um contrato individual de trabalho, no qual o trabalhador precisa ser protegido, uma vez que a empresa possui força para compeli-lo a agir até contra sua própria vontade. Nessa situação em que se confrontam sindicato e empresa, existe paridade de armas. Sindicato e empresa estão em igualdade de condições. O presidente lembrou, ainda, que é preciso fomentar formas alternativas de prevenção de conflitos no Brasil, país onde tramitam cerca de 95 milhões de processos, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 2.4. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO O objetivo desse princípio é a preservação do vínculo empregatício, melhorando a condição social do trabalhador. Assim, no Direito do Trabalho, presume-se (presunção relativa – juris tantum) que o contrato de trabalho foi celebrado por prazo indeterminado. Dessa forma, o ordenamento jurídico trabalhista vigente até admite a celebração do contrato de trabalho por prazo determinado, também conhecido como contrato a termo, mas apenas nas hipóteses expressamente definidas em lei, conforme verificamos na leitura do art. 443 da CLT: Art. 443 da CLT. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado. § 1.º Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada. § 2.º O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando: a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; b) de atividades empresariais de caráter transitório; c) de contrato de experiência. O Tribunal Superior do Trabalho corrobora a importância da existência desse princípio, nos termos da sua Súmula 212: Súmula 212 do TST. Despedimento. Ônus da prova (mantida – Res. TST 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003) O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado. Nessa obra, estudaremos o instituto da sucessão de empregadores. Um dos princípios que fundamentam a possibilidade jurídica da sucessão de empresas é o princípio da continuidade da relação de emprego, com fulcro nos arts. 10 e 448 da CLT, in verbis: Art. 10 da CLT – Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. Art. 448 da CLT – A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados. Por fim, podemos mencionar como outros exemplos de aplicação do princípio em análise: a) proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa; b) estabilidade e garantias no emprego; c) aviso-prévio; e d) suspensão e interrupção do contrato de trabalho. 2.5. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE O princípio da primazia da realidade também é conhecido como princípio da primazia da realidade sobre a forma. Com base nesse princípio, quando houver o confronto entre a verdade real e a verdade formal, prevalecerá a verdade real. Assim, sempre que uma forma relacionada ao vínculo empregatício não corresponder à realidade dos fatos, esta deverá prevalecer, tendo em vista a hipossuficiência do trabalhador e o estado de subordinação inerente ao contrato de trabalho. Conforme art. 9.º da CLT, serão nulos de pleno direito quaisqueratos praticados na relação de emprego com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação da proteção prevista na Consolidação das Leis do Trabalho. Por isso, o contrato de trabalho é conhecido como contrato-realidade. Para o Direito do Trabalho, prevalece os fatos que acontecem na prática, rechaçando-se uma forma fraudulenta que não corresponda à essa realidade. Na prática, verificamos muitos comportamentos patronais praticados como forma de fraudar a proteção trabalhista, como, por exemplo, o cartão de ponto britânico ou inglês, a falta de anotação na CTPS, a “pejotização” etc. O cartão de ponto chamado de britânico ou inglês é verificado quando aponta horários de entrada e saída invariáveis do empregado, o que traduz claramente fraude patronal. É impossível no mundo dos fatos um determinado empregado ingressar e sair do ambiente de trabalho exatamente no mesmo horário todos os dias. Nesse sentido é o teor da Súmula 338, III, do TST: Súmula 338 do TST. Jornada de trabalho. Registro. Ônus da prova (incorporadas as OJ’s 234 e 306 da SBDI-I – Res. TST 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005). (...) III – Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ 306 da SBDI-1 DJ 11.08.2003) Também, é cada vez mais comum no ambiente de trabalho o fenômeno da “pejotização”, que é o comportamento patronal que exige do trabalhador a criação de pessoa jurídica como condição para a prestação dos serviços. Nesse caso, tem prevalecido o entendimento na doutrina e na jurisprudência de que esse comportamento é uma fraude aos direitos trabalhistas, tendo por consectário a © desta edição [2017] configuração do vínculo empregatício e a condenação do tomador dos serviços ao pagamento de todos os haveres trabalhistas do período. Isso nada mais é do que a aplicação do princípio da primazia da realidade. Por fim, leia o que diz a Súmula 386 do TST: Súmula 386 TST. Policial militar. Reconhecimento de vínculo empregatício com empresa privada (conversão da OJ 167 da SBDI-1) – Res. TST 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005. Preenchidos os requisitos do art. 3.º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar. (ex-OJ 167 da SBDI-I – inserida em 26.03.1999) 2.6. OUTROS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO DIREITO DO TRABALHO A doutrina preleciona a existência de outros princípios que disciplinam o Direito do Trabalho: a) Princípio da Boa-Fé; b) Princípio da Razoabilidade, da Proporcionalidade e da Ponderação de Interesses; c) Princípio da Vedação à Discriminação; d) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; e) Princípio do Valor Social do Trabalho e da Livre Iniciativa; f) Princípio da Proibição do Retrocesso Social; g) Princípio da Eficácia Vertical e Horizontal dos Direitos Fundamentais etc. FOOTNOTESFOOTNOTES 1 [http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo="327394]." 2017 - 04 - 18 © desta edição [2017] Prática Trabalhista - Edição 2017 SEGUNDA PARTE - TEÓRICA - DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO SEGUNDA PARTE - TEÓRICA - DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO 1. Direito Processual do Trabalho 1.1. CONCEITO Direito Processual do Trabalho é o ramo da ciência jurídica que se constitui de um conjunto de princípios, regras, instituições e institutos próprios que regulam a aplicação do Direito do Trabalho às lides trabalhistas (relação de emprego e relação de trabalho), disciplinando as atividades da Justiça do Trabalho, dos operadores do direito e das partes, nos processos individuais, coletivos e transindividuais do trabalho. Tem por escopo a promoção da legislação trabalhista e social, facilitando o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho. 2017 - 04 - 18 Prática Trabalhista - Edição 2017 SEGUNDA PARTE - TEÓRICA - DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO 2. ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO 2. Organização da Justiça do Trabalho 2.1. INTRODUÇÃO As principais regras sobre a Organização da Justiça do Trabalho encontram-se nos arts. 111 a 116 da CF/1988, in verbis: Art. 111. São órgãos da Justiça do Trabalho: I – o Tribunal Superior do Trabalho; II – os Tribunais Regionais do Trabalho; III – Juízes do Trabalho. Art. 111-A. O Tribunal Superior do Trabalho compor-se-á de vinte e sete Ministros, escolhidos dentre brasileiros com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: I – um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94; II – os demais dentre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da magistratura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior. § 1.º A lei disporá sobre a competência do Tribunal Superior do Trabalho. § 2.º Funcionarão junto ao Tribunal Superior do Trabalho: I – a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira; II – o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonial da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema, cujas decisões terão efeito vinculante. § 3.º Compete ao Tribunal Superior do Trabalho processar e julgar, originariamente, a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões. Art. 112. A lei criará varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas não abrangidas por sua jurisdição, atribuí-la aos juízes de direito, com recurso para o respectivo Tribunal Regional do Trabalho. Art. 113. A lei disporá sobre a constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho. Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II – as ações que envolvam exercício do direito de greve; III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. § 1.º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. § 2.º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadasas disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. § 3.º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito. Art. 115. Os Tribunais Regionais do Trabalho compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região, e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo: I – um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94; II – os demais, mediante promoção de juízes do trabalho por antiguidade e merecimento, alternadamente. § 1.º Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções de atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários. § 2.º Os Tribunais Regionais do Trabalho poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo. Art. 116. Nas Varas do Trabalho, a jurisdição será exercida por um juiz singular. A Justiça do Trabalho é uma das três Justiças Especiais ou Especializadas da República Federativa do Brasil. Com efeito, a Justiça Nacional subdivide-se em: a) Justiça Especial ou Especializada, que é assim composta: Justiça do Trabalho; Justiça Eleitoral; e Justiça Militar. b) Justiça Comum, que é formada pela: Justiça Federal; e Justiça Estadual. Segundo o art. 111 da CF/1988, são órgãos da Justiça do Trabalho: a) o Tribunal Superior do Trabalho (TST); b) os Tribunais Regionais do Trabalho (TRT’s); e c) os Juízes do Trabalho. ATENÇÃO Assim como acabamos de apontar, há três graus de jurisdição trabalhista: o Tribunal Superior do Trabalho (TST); os Tribunais Regionais do Trabalho (TRT); e os Juízes do Trabalho. Não se esqueça! É oportuno destacar que a EC 45/2004, que ficou conhecida por promover a então Reforma do Judiciário, trouxe importantes inovações na organização em análise, conforme iremos detalhar a seguir. 2.2. JUÍZES DO TRABALHO Em primeiro lugar, precisamos lembrar que a EC 24/1999 extinguiu a representação classista da Justiça do Trabalho em todos os graus de jurisdição trabalhista. Em consequência, no primeiro grau, as antigas Juntas de Conciliação e Julgamento deram lugar às Varas do Trabalho. Nesse sentido, nas Varas do Trabalho, a jurisdição será exercida por um juiz singular ou monocrático, conforme prevê o art. 116 da CF/1988. Com efeito, a lei criará as Varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas não abrangidas por sua jurisdição, atribuí-la aos juízes de direito (juiz de direito investido de “jurisdição” trabalhista/juiz de direito investido em matéria trabalhista – art. 112 da CF/1988). Assim, nas comarcas que não tenham Vara do Trabalho criada, a lei poderá atribuir competência trabalhista ao juiz de direito (federal ou estadual), o que traduz uma ideia de facultatividade. Nesse caso, da sentença prolatada por esse juiz de direito caberá recurso ordinário para o respectivo TRT, conforme verificamos no mencionado art. 112 da CF/1988 e no art. 895, I, da CLT, in verbis: Art. 112 da CF/1988. A lei criará varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas não abrangidas por sua jurisdição, atribuí-la aos juízes de direito, com recurso para o respectivo Tribunal Regional do Trabalho. Art. 895 da CLT. Cabe recurso ordinário para a instância superior: I – das decisões definitivas ou terminativas das Varas e Juízos, no prazo de 8 (oito) dias (...); Vale ressaltar que, segundo a Súmula 10 do STJ, instalada a Vara do Trabalho, “cessa a competência do juiz de direito em matéria trabalhista, inclusive para a execução das sentenças por ele proferidas”. Dessa forma, em tese, a partir do momento em que a Vara do Trabalho é criada por lei, os autos que tramitavam perante o juiz de direito investido em matéria trabalhista são encaminhados imediatamente à Vara do Trabalho criada. O raciocínio processual está correto, tendo em vista tratar-se de hipótese de competência absoluta, consubstanciando uma das exceções do princípio da perpetuatio jurisdictionis previsto no art. 43 do CPC/2015. O princípio da perpetuação da jurisdição, ou melhor, o princípio da perpetuação da competência, aduz que se determina a competência no momento em que a ação é proposta. Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara. Assim sendo, são irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia. Não obstante, à luz da Súmula Vinculante 22 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula 367 do Superior Tribunal de Justiça, o “divisor de águas” para a remessa de processos é a prolação da sentença. Em outras palavras, na hipótese de existência de sentença prolatada pelo juiz de direito investido em matéria trabalhista, os autos lá permanecem, não havendo remessa à Justiça do Trabalho, mesmo com a criação posterior de Vara do Trabalho. O art. 113 da CF/1988 prevê que “a lei disporá sobre a constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho”. 2.3. TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO (TRT) A República Federativa do Brasil apresenta 24 (vinte e quatro) TRT, distribuídos nas respectivas regiões. Quanto à sua composição, mencionaremos as principais características, conforme prevê o caput do art. 115 da CF/1988: a) no mínimo, 7 (sete) juízes; b) recrutados, quando possível, na respectiva região;