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<p>BIOQUÍMICA</p><p>AMBIENTAL</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>> Identificar as relações moleculares e seus processos nos organismos vivos.</p><p>> Reconhecer os conceitos básicos de biologia celular e molecular.</p><p>> Analisar de que forma a variabilidade genética pode atuar na diversidade e</p><p>no desenvolvimento dos organismos vivos</p><p>Introdução</p><p>As células de todos os organismos vivos armazenam a informação hereditária em</p><p>moléculas de DNA na forma de um código genético. O DNA é uma macromolécula</p><p>essencial para todos os seres vivos, sendo responsável por transmitir às células</p><p>as informações necessárias para a síntese de proteínas e, assim, determinar as</p><p>funções dos organismos.</p><p>O fluxo da informação genética nos organismos vivos ocorre em um único sen-</p><p>tido: do DNA para o RNA e do RNA para a proteína. Essa sequência da transmissão</p><p>da informação genética é conhecida como dogma central da biologia molecular e</p><p>é universal para todas as células dos seres vivos. Durante a transcrição, o DNA é</p><p>transcrito em RNA. No processo de tradução, o RNA serve de molde para a síntese</p><p>de proteínas. Ainda que esses processos moleculares sejam muito precisos e</p><p>estejam sujeitos a mecanismos de revisão e correção, alguns erros podem ocorrer</p><p>em diferentes etapas, gerando modificações no DNA. A variabilidade genética é</p><p>Interações</p><p>moleculares nos</p><p>organismos vivos</p><p>Luiza Monteavaro Mariath</p><p>responsável por tornar cada indivíduo único e é fonte essencial da evolução dos</p><p>organismos.</p><p>Neste capítulo, você vai estudar os processos moleculares envolvidos na via</p><p>de transmissão da informação genética, seus componentes e funções.</p><p>Importância da estrutura e função</p><p>dos ácidos nucleicos para o fluxo</p><p>da informação genética</p><p>Todos os organismos vivos são formados por células, estruturas que repre-</p><p>sentam a menor unidade de matéria viva. As células dos organismos vivos</p><p>são complexas e diversas, mas todas possuem uma maquinaria capaz de</p><p>desenvolver as funções básicas dos organismos e, assim, modular suas ca-</p><p>racterísticas morfológicas e fisiológicas. Todas as células vivas armazenam a</p><p>informação hereditária em um código comum — o código genético —, na forma</p><p>de moléculas de DNA de fita dupla, como veremos ao longo deste capítulo.</p><p>O material genético é, em última instância, o responsável pelas propriedades</p><p>dos organismos. Ainda que exista significativa similaridade entre as células</p><p>dos variados tipos de organismos, diferenças celulares fundamentais os di-</p><p>videm em dois grupos principais: seres procariotos e eucariotos. Organismos</p><p>procariotos, como as bactérias, são unicelulares e apresentam organização</p><p>celular mais simples, sem a presença de organelas. Os organismos eucario-</p><p>tos, como plantas pluricelulares, animais e fungos, são mais complexos e</p><p>apresentam organelas com funções especializadas, como o núcleo celular,</p><p>responsável por armazenar o material genético (ALBERTS et al., 2010; ZAHA;</p><p>FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).</p><p>Os ácidos nucleicos são macromoléculas essenciais para todos os orga-</p><p>nismos vivos, sendo responsáveis por transmitir às células as informações</p><p>acerca das proteínas que devem ser produzidas, sua sequência de aminoácidos</p><p>e função biológica. Dessa forma, os ácidos nucleicos são os responsáveis por</p><p>estocar e transmitir a informação genética na célula. Existem dois tipos de</p><p>ácidos nucleicos: ácido desoxirribonucleico (DNA) e ácido ribonucleico (RNA).</p><p>O estudo da genética molecular foca na inter-relação entre esses dois ácidos</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos2</p><p>nucleicos e no seu papel para a síntese de polipeptídeos (componentes bási-</p><p>cos de todas as proteínas). Nos organismos eucariotos, o DNA é encontrado</p><p>principalmente nos cromossomos dentro do núcleo das células, embora</p><p>pequenas moléculas de DNA também estejam presentes nas mitocôndrias e</p><p>nos cloroplastos (presentes apenas em células vegetais) (STRACHAN; READ,</p><p>2013; ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).</p><p>O DNA e o RNA são polímeros formados por nucleotídeos unidos de forma</p><p>linear por meio de ligações fosfodiéster. Cada nucleotídeo é formado por um</p><p>grupamento fosfato, uma pentose e uma base nitrogenada. No RNA, o açúcar</p><p>pentose é sempre a ribose, enquanto no DNA é a desoxirribose. Existem cinco</p><p>diferentes bases nitrogenadas: a adenina (A), a guanina (G) e a citosina (C) são</p><p>comuns ao DNA e ao RNA, enquanto a timina (T) é encontrada apenas no DNA</p><p>e a uracila (U), apenas no RNA. A informação genética é estocada na cadeia</p><p>de polinucleotídeos do DNA (ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).</p><p>Nas células vivas, uma nova molécula de DNA é produzida a partir de um</p><p>molde formado por uma fita de DNA pré-existente. As bases da fita existente</p><p>pareiam com as bases da fita que está sendo sintetizada, de acordo com</p><p>a regra da complementaridade de bases: A pareia com T e C pareia com G.</p><p>Assim, uma estrutura de fita dupla é formada, e as duas fitas são torcidas</p><p>(enroladas) entre si para formar a estrutura de dupla-hélice do DNA (Figura 1).</p><p>Isso é o que chamamos de gene corresponde a um segmento único, ou seja,</p><p>uma pequena parte de DNA que é transcrito (copiado), formando uma molé-</p><p>cula de RNA que é, posteriormente, traduzida em uma proteína. Dessa forma,</p><p>diferentes sequências formadas pelas quatro bases do DNA (A, C, T e G)</p><p>são responsáveis por codificar sequências de aminoácidos que compõem</p><p>a estrutura primária das proteínas (ALBERTS et al., 2010; ZAHA; FERREIRA;</p><p>PASSAGLIA, 2012).</p><p>O fluxo da informação genética ocorre em um único sentido: do DNA para</p><p>o RNA e do RNA para a proteína. O DNA é transcrito em RNA que, por sua vez,</p><p>é utilizado para a síntese de polipeptídeos que formarão as proteínas. Todas</p><p>as células expressam sua informação genética nesse mesmo sentido, desde</p><p>bactérias até seres humanos. Dada tal universalidade, essa sequência da trans-</p><p>missão da informação genética é conhecida como dogma central da biologia</p><p>molecular (Figura 2) (ALBERTS et al., 2010; ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos 3</p><p>Figura 1. A estrutura da dupla-fita de DNA. O DNA é um polímero formado por quatro diferentes</p><p>nucleotídeos: adenina, timina, guanina e citosina. A base adenina se liga com a timina e a</p><p>base citosina se liga com a guanina.</p><p>Fonte: Alberts et al. (2017, p. 176).</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos4</p><p>Figura 2. Dogma central da biologia molecular. O fluxo da informação</p><p>genética nas células dos organismos vivos flui sempre num mesmo</p><p>sentido: do DNA ao RNA (transcrição) e do RNA à proteína (tradução).</p><p>O processo de geração de uma nova molécula de DNA a partir de outra</p><p>pré-existente é chamado de replicação.</p><p>Fonte: Girardi, Subtil e Rangel (2018, p. 17).</p><p>A replicação do DNA para a manutenção</p><p>da estabilidade genética</p><p>Antes de iniciarmos os estudos acerca dos processos moleculares que per-</p><p>mitem a decodificação da informação genética a partir do DNA em RNA e</p><p>proteína, é importante entendermos como as células se organizam e garantem</p><p>a estabilidade genética. O desenvolvimento de um ser vivo, bem como sua</p><p>manutenção e reprodução, exige que novas células sejam produzidas. Para</p><p>tanto, todos os organismos devem duplicar, de forma altamente precisa, seu</p><p>DNA antes de cada ciclo de divisão celular. Isso garante que as duas células-</p><p>-filhas, geradas no processo de mitose (divisão celular), sejam geneticamente</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos 5</p><p>iguais à célula-mãe que lhes deu origem. Esse processo de duplicação do DNA</p><p>é conhecido como replicação e se baseia na complementaridade de bases</p><p>do DNA (ALBERTS et al., 2010).</p><p>A replicação tem início quando as duas fitas que formam o DNA se desen-</p><p>rolam por uma enzima denominada helicase. A partir daí, cada uma das fitas</p><p>de DNA serve de molde para a produção de uma fita de DNA complementar</p><p>utilizando os quatro nucleotídeos do DNA (A, C, T e G). As duas fitas de DNA</p><p>recém-sintetizadas (fitas “filhas”) são idênticas à molécula parental que</p><p>serviu de molde. A enzima que catalisa a incorporação dos nucleotídeos e</p><p>a consequente</p><p>polimerização do DNA é conhecida como DNA-polimerase</p><p>(STRACHAN; READ, 2013). A Figura 3 apresenta o processo de replicação do DNA.</p><p>Figura 3. Replicação do DNA. No processo de replicação, a molécula de DNA se “desen-</p><p>rola”, e cada uma de suas fitas serve de molde para a síntese de uma nova fita de DNA.</p><p>Fonte: Strachan e Read (2013, p. 9).</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos6</p><p>Apesar da universalidade do dogma central da biologia molecular,</p><p>os processos moleculares variam em complexidade nos diferentes</p><p>tipos de organismos. Importantes peculiaridades, como a presença de enzimas</p><p>específicas e etapas diferenciadas, podem ser observadas nos processos em</p><p>eucariotos e procariotos. Ainda que o processo biológico geral seja o mesmo</p><p>para todos os tipos de organismos, é importante saber que diferenças existem</p><p>e são essenciais para modular a complexidade dos seres vivos.</p><p>Do DNA à proteína: fluxo da informação</p><p>genética nos organismos vivos</p><p>A primeira etapa da decodificação de um genoma é a transcrição, processo pelo</p><p>qual uma molécula de RNA é sintetizada a partir do DNA de um gene. Genes</p><p>são segmentos de DNA que estão distribuídos ao longo da sequência de DNA</p><p>e servem como molde para a produção de moléculas de RNA complementares</p><p>por meio do processo de transcrição. A tradução, por sua vez, é o processo</p><p>no qual um polipeptídeo é formado a partir da molécula de RNA sintetizada.</p><p>Alguns produtos formados a partir da informação contida em um gene são</p><p>essenciais para o funcionamento de todas as células, enquanto outros são</p><p>produzidos em apenas algumas células e em momentos específicos. Os pro-</p><p>cessos de transcrição e tradução tornam possível, portanto, que as células</p><p>leiam e expressem as instruções genéticas dos seus genes (ALBERTS et al.,</p><p>2010; STRACHAN; READ, 2013).</p><p>A transcrição e a tradução ocorrem em organismos eucariotos e procario-</p><p>tos, mas algumas peculiaridades diferenciam os processos entre esses dois</p><p>grupos de organismos. Nos organismos eucariotos, a transcrição ocorre no</p><p>núcleo celular, enquanto a tradução ocorre no citoplasma. Nos organismos</p><p>procariotos, como não existe um núcleo individualizado, ambos os processos</p><p>acontecem no citoplasma, de forma acoplada. Além disso, os transcritos</p><p>primários de mRNA de eucariotos são amplamente processados após a trans-</p><p>crição, diferentemente dos transcritos de procariotos, que sofrem pouco ou</p><p>nenhum processamento (ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos 7</p><p>A transcrição é o processo de síntese de moléculas de RNA que conecta</p><p>a informação presente no genoma (que chamamos de genótipo) com as ca-</p><p>racterísticas funcionais da célula e dos organismos (que chamamos de fe-</p><p>nótipo), sendo um passo essencial para a expressão gênica, ou seja, para a</p><p>expressão das informações contidas nos genes de cada indivíduo. Durante a</p><p>transcrição, a sequência de nucleotídeos de um gene é copiada sob a forma</p><p>de uma sequência de nucleotídeos de RNA. Como vimos, o RNA é um polímero</p><p>linear quimicamente muito similar ao DNA. O RNA possui a base uracila (U)</p><p>(em vez da timina, presente no DNA), que também estabelece ligação com a</p><p>base adenina (A). Dessa forma, as propriedades de complementaridade por</p><p>pareamento de bases também se aplicam ao RNA. Apesar de quimicamente</p><p>similares, DNA e RNA estruturalmente diferem de forma significativa. Enquanto</p><p>o DNA se apresenta na forma de uma hélice de fita dupla, o RNA se apresenta</p><p>como fita simples (ALBERTS et al., 2010; ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).</p><p>Usualmente, apenas uma das duas fitas de DNA serve como molde para a</p><p>síntese de RNA (Figura 4). A enzima que realiza a transcrição do DNA em RNA é</p><p>a RNA-polimerase. A transcrição inicia com a abertura e desespiralização da</p><p>dupla-hélice de DNA. Ao menos uma das duas fitas de DNA age como molde</p><p>para uma nova molécula de RNA. Assim, durante a transcrição, temporiamente</p><p>se forma um híbrido RNA-DNA com a cadeia nascente de RNA. A enzima RNA-</p><p>-polimerase move-se ao longo do DNA que está sendo transcrito, de forma</p><p>a desenrolar a dupla-hélice e permitir a exposição de uma nova região de</p><p>fita-molde para o pareamento de bases por complementaridade. Quando um</p><p>pareamento adequado é estabelecido entre a fita-molde de DNA e a cadeia</p><p>nascente de RNA, o ribonucleotídeo a ser incorporado é covalentemente</p><p>ligado à cadeia de RNA em formação. Ao final da transcrição, quando a RNA-</p><p>-polimerase encontra um sinal de terminação, a fita de RNA recém-sintetizada</p><p>é liberada (ALBERTS et al., 2010; STRACHAN; READ, 2013).</p><p>A maioria dos genes dos organismos é responsável por determinar a</p><p>sequência de moléculas de RNA que, por sua vez, indicam a sequência de</p><p>aminoácidos de proteínas. Esses RNAs são chamados de RNA-mensageiros</p><p>(mRNA). Entretanto, para um pequeno número de genes, o produto final será</p><p>o próprio RNA, sem que haja a produção de uma proteína. Entre esses dife-</p><p>rentes tipos de RNA existentes, destacam-se o RNA-transportador (tRNA) e o</p><p>RNA-ribossomal (rRNA), que serão importantes para o processo de tradução</p><p>(ALBERTS et al., 2010).</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos8</p><p>Figura 4. Visão geral do processo de transcrição. Durante a transcrição, ocorre a separação</p><p>da dupla-hélice de DNA, que serve de molde para a síntese do transcrito de RNA. Ao longo</p><p>do processo, ribonucleotídeos complementares ao DNA molde são adicionados à cadeia</p><p>nascente de RNA pela ação da enzima RNA-polimerase. Após a transcrição, a fita de RNA-</p><p>-mensageiro recém-sintetizada servirá de molde para a produção de um polipeptídeo durante</p><p>o processo de tradução.</p><p>Fonte: Strachan e Read (2013, p. 13).</p><p>Antes da tradução, as moléculas de mRNA da maior parte dos genes euca-</p><p>rióticos passam por um processamento também chamado de splicing. Quando</p><p>um gene é transcrito, formando uma molécula de RNA, tanto sequências</p><p>chamadas de éxons quanto sequências chamadas de íntrons, que compõem</p><p>os genes, são copiadas. Os éxons são sequências codificantes responsáveis</p><p>por carregar as instruções genéticas para a produção do mRNA maduro.</p><p>Os íntrons são sequências intervenientes não codificantes presentes na</p><p>sequência da maior parte dos genes. No splicing, os íntrons presentes no</p><p>transcrito primário são removidos e descartados para que ocorra a formação</p><p>do mRNA maduro, que contém apenas os segmentos de éxons. O splicing do</p><p>pré-mRNA em mRNA maduro é realizado por um complexo de moléculas de</p><p>RNA e proteínas denominado spliceossomo. O processo de splicing é uma</p><p>etapa primordial que antecede a tradução do mRNA (ALBERTS et al., 2010;</p><p>STRACHAN; READ, 2013).</p><p>Após a produção do mRNA maduro no núcleo celular, ocorre sua migração</p><p>para o citoplasma, onde ele se ligará aos ribossomos para iniciar a tradução e</p><p>a síntese de polipeptídeos. Os ribossomos são grandes complexos formados</p><p>por RNA-proteína e são arranjados em duas subunidades. O processo de tra-</p><p>dução, como o nome indica, envolve a conversão da informação de RNA para</p><p>proteína. A sequência de nucleotídeos do mRNA é traduzida em uma sequência</p><p>de aminoácidos de um polipeptídeo por meio de um sistema conhecido como</p><p>código genético. A sequência nucleotídica do mRNA é lida em grupos de</p><p>três nucleotídeos (trincas ou triplets). Cada conjunto de três nucleotídeos é</p><p>chamado de códon e cada códon especifica um aminoácido (ou o término do</p><p>processo de tradução) (ALBERTS et al., 2010; STRACHAN; READ, 2013).</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos 9</p><p>A tradução do mRNA em proteína utiliza RNAs transportadores (tRNAs).</p><p>Tais tRNAs reconhecem e se ligam aos códons do mRNA ao mesmo tempo que</p><p>carregam e se ligam ao aminoácido correspondente àquele códon. Cada tRNA</p><p>possui seu próprio anticódon, uma sequência de trinucleotídeos que pareia</p><p>com o códon complementar na molécula de mRNA. Além do anticódon, o tRNA</p><p>possui outra região crucial, na sua extremidade 3’, que é responsável por ligar</p><p>o aminoácido correspondente. Para que um aminoácido seja adicionado na</p><p>cadeia crescente de polipeptídeo, o códon no mRNA</p><p>deve ser reconhecido</p><p>pelo pareamento de bases com o anticódon do tRNA que carrega o aminoácido</p><p>correspondente (ALBERTS et al., 2010; STRACHAN; READ, 2013).</p><p>É importante destacar que o ribossomo possui três sítios e, dependendo do</p><p>papel desempenhado por um tRNA na tradução, este pode se localizar em um</p><p>ou outro sítio do ribossomo. O início da tradução ocorre quando o ribossomo</p><p>localiza um códon de iniciação, que contém a sequência de nucleotídeos AUG.</p><p>A partir disso, um tRNA iniciador, carregando uma metionina (aminoácido</p><p>codificado pelo códon de iniciação AUG), se liga ao sítio P do ribossomo. Após</p><p>o pareamento de bases do anticódon desse tRNA iniciador com o códon AUG</p><p>no mRNA, um tRNA complementar ao segundo códon do mRNA se liga ao sítio</p><p>vizinho no ribossomo (sítio A). Forma-se, então, uma ligação peptídica entre os</p><p>dois aminoácidos, que ficam ligados ao tRNA presente no sítio A. Em seguida,</p><p>ocorre o deslocamento do ribossomo pela cadeia de mRNA, posicionando o</p><p>tRNA iniciador no sítio de saída (sítio E) e o tRNA que carrega o dipeptídeo</p><p>no sítio P. O sítio A fica, portanto, livre para receber um novo tRNA com um</p><p>anticódon complementar ao terceiro códon, e uma nova ligação peptídica será</p><p>formada. Esse processo é repetido sucessivas vezes até o aparecimento de</p><p>um códon de parada, que sinaliza que o polipeptídeo está completo e deve</p><p>se desligar do ribossomo. Existem três códons de terminação principais em</p><p>mRNAs transcritos a partir de genes nucleares: UUA, UAG e UGA. Quando um</p><p>códon de terminação é encontrado, um fator de liberação da proteína entra</p><p>no sítio A do ribossomo (em vez de um tRNA), o que serve de sinal de que o</p><p>polipeptídeo deve se desligar do ribossomo. A partir disso, o polipeptídeo</p><p>formado será submetido a diferentes etapas de processamento e modificações</p><p>até a formação da proteína madura (STRACHAN; READ, 2013).</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos10</p><p>A Figura 5 apresenta o processo de tradução de uma molécula de mRNA</p><p>em proteína.</p><p>Figura 5. Tradução de uma molécula de mRNA em proteína. O ribossomo é montado em duas</p><p>subunidades principais: uma maior (onde ocorre o processo de tradução) e uma menor.</p><p>Na etapa 1, um tRNA se liga ao sítio A do ribossomo vazio. Na etapa 2, uma ligação peptídica é</p><p>formada. Na etapa 3, a subunidade ribossômica maior sofre um deslocamento, fazendo com</p><p>que o tRNA do sítio A passe a ocupar o sítio P, e o tRNA do sítio P passe a ocupar o sítio E (sítio</p><p>de saída, para a liberação do tRNA). Na etapa 4, a subunidade menor se desloca, carregando</p><p>o mRNA três nucleotídeos a frente. Isso faz com que processo ocorra novamente, deixando</p><p>um sítio A ribossomal livre para que uma nova molécula de tRNA se ligue.</p><p>Fonte: Alberts et al. (2017, p. 343).</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos 11</p><p>Nesta seção, citamos brevemente dois termos muito utilizados no</p><p>estudo da genética: genótipo e fenótipo. Entender o significado</p><p>desses termos é essencial quando estudamos os processos de biologia molecular</p><p>e as consequências das modificações nesses processos. O genótipo se refere</p><p>à constituição genética total de uma célula individual ou de um organismo.</p><p>É também utilizado para indicar os alelos em um locus específico (em uma</p><p>posição específica do genoma). O fenótipo diz respeito às características físicas,</p><p>fisiológicas e funcionais de uma célula ou organismo, que são influenciadas por</p><p>fatores genéticos e ambientais. Dessa forma, o genótipo em um determinado</p><p>locus pode influenciar no fenótipo, mas outros fatores genéticos e ambientais</p><p>também têm efeitos na apresentação fenotípica.</p><p>Para facilitar seu entendimento acerca do processo de tradução,</p><p>assista à animação “Translation”, do canal NDSU Virtual Cell Anima-</p><p>tions, no YouTube.</p><p>Modificações no DNA que influenciam</p><p>a variabilidade genética e</p><p>o desenvolvimento dos organismos vivos</p><p>As moléculas de DNA dos organismos vivos devem ser transmitidas de geração</p><p>para geração da maneira mais fidedigna possível, visando à perpetuação do</p><p>material genético. Para isso, as taxas de mutação devem ser mantidas em</p><p>valores mínimos. As células vivas necessitam que os genes exerçam suas</p><p>atividades corretamente, pois modificações nas sequências dos genes podem</p><p>resultar em consequências graves para os processos celulares. Ainda que a</p><p>manutenção da integridade do genoma seja importante para a sobrevivência</p><p>dos organismos, as moléculas de DNA não são estáticas. Isso é importante</p><p>para garantir a variação genética, essencial para a evolução. Portanto, para</p><p>a existência da vida e da biodiversidade, é necessário um equilíbrio entre</p><p>a ocorrência de variações e o reparo no DNA (WATSON et al., 2015; ZAHA;</p><p>FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos12</p><p>O termo mutação genética refere-se a qualquer alteração hereditária no</p><p>DNA, sejam mudanças no número de cromossomos, na estrutura cromossô-</p><p>mica ou na sequência dos genes individuais. As mutações genéticas podem</p><p>se originar de diferentes formas. Uma delas é a ocorrência de falhas durante</p><p>o processo de replicação do DNA. A maquinaria enzimática de replicação do</p><p>DNA desenvolve funções de correção de erros por meio de mecanismos de</p><p>revisão de leitura dos nucleotídeos recém inseridos. Entretanto, ainda assim,</p><p>alguns erros permanecem. Além das falhas na replicação, ocorrem lesões no</p><p>material genético por causas ambientais. Substâncias químicas naturais e</p><p>artificiais, além da radiação, atuam ocasionando quebras na molécula de DNA</p><p>e alterando quimicamente suas bases (WATSON et al., 2015; ZAHA; FERREIRA;</p><p>PASSAGLIA, 2012).</p><p>Muitas das variações no DNA não ocasionam qualquer efeito fenotípico, ou</p><p>seja, são silenciosas e não interferem na síntese de proteínas e no funciona-</p><p>mento celular. Por outro lado, muitas das alterações no DNA estão associadas</p><p>a consequências negativas ou positivas, seja no nível individual, seja no nível</p><p>de espécie. Nesta seção, estudaremos as consequências das modificações</p><p>genéticas. Uma grande vantagem na ocorrência de uma taxa pequena e</p><p>controlada de mutações é a variabilidade genética. Essa fonte constante de</p><p>novas variantes possibilita que os organismos vivos se ajustem aos ambientes</p><p>físicos e biológicos em constante modificação (WATSON et al., 2015).</p><p>A variação genética hereditária é a principal responsável pelas diferen-</p><p>ças observadas entre os indivíduos de uma mesma população. A seleção</p><p>natural é um processo biológico segundo o qual a variabilidade genética</p><p>herdada é responsável por fornecer aos indivíduos diferentes capacidades</p><p>de reprodução, de geração de prole saudável e de sobrevivência. A aptidão</p><p>de um organismo leva em consideração sua habilidade para sobreviver e se</p><p>reproduzir. Em alguns casos, variações genéticas em sequências funcional-</p><p>mente importantes podem, sozinhas, interferir na aptidão de um indivíduo.</p><p>Nesses casos, a mutação genética pode remover ou alterar um nucleotídeo ou</p><p>aminoácido importante, alterar o processamento do mRNA e/ou proteína ou,</p><p>ainda, causar a terminação prematura da proteína. Indivíduos que carregam</p><p>variantes associadas a consequências funcionais importantes para a célula</p><p>usualmente apresentam menor sucesso reprodutivo. Mutações danosas são</p><p>negativamente selecionadas a fim de conservar sequências funcionalmente</p><p>importantes. Esse processo é conhecido como seleção purificadora e resulta</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos 13</p><p>em uma redução na diversidade genética. Por outro lado, uma nova variação</p><p>que resulte em vantagem seletiva e aumente a aptidão de seu portador estará</p><p>sujeita à seleção positiva, que promoverá a disseminação dessa variante na</p><p>população (STRACHAN; READ, 2013).</p><p>As mutações são o principal fator que resulta em variabilidade genética,</p><p>permitindo que novos alelos surjam e, com eles, apareçam novas caracterís-</p><p>ticas nos organismos. Essa variabilidade genética é fundamental para que</p><p>existam variações fenotípicas dentro da espécie e para a seleção natural</p><p>e evolução das espécies. Variações genéticas</p><p>são comuns e muitas delas</p><p>não causam alteração no fenótipo. Outras variantes alteram o fenótipo,</p><p>mas estão associadas à variação normal dos organismos. No caso do ser</p><p>humano, por exemplo, variantes genéticas são responsáveis pelas variações</p><p>de pigmentação, estrutura corporal, metabolismo, entre outros, o que torna</p><p>cada indivíduo único. Algumas variantes, entretanto, são patogênicas e estão</p><p>associadas à ocorrência de doenças (STRACHAN; READ, 2013).</p><p>Engenharia genética como ferramenta para novas</p><p>descobertas científicas</p><p>O estudo das mutações genéticas levou pesquisadores a explorarem a pos-</p><p>sibilidade do aparecimento de novas características desejáveis por meio da</p><p>indução de mutações. Muitos estudos, utilizando diferentes tipos de plantas,</p><p>demonstraram resultados promissores da abordagem. Por exemplo, linhagens</p><p>cultivadas de cevada apresentaram maior produtividade e resistência a partir</p><p>de ensaios de indução de mutações (ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).</p><p>A engenharia genética é um termo que engloba um conjunto de técnicas</p><p>de biologia molecular por meio das quais fragmentos de DNA de origens</p><p>distintas são combinados para originar um novo DNA: o DNA recombinante.</p><p>A tecnologia do DNA recombinante é muito utilizada na clonagem de genes e</p><p>na modificação genética de organismos. Assim, metodologias de engenharia</p><p>genética podem ser utilizadas para modificar genes e inseri-los em cromos-</p><p>somos da célula, permitindo que se tornem parte permanente do genoma.</p><p>Quando a célula utilizada para a transferência do gene é um óvulo fertilizado</p><p>em um animal ou uma célula vegetal totipotente em cultura, é possível produzir</p><p>organismos transgênicos que expressam o gene mutante e o transferem para</p><p>sua progênie. A engenharia genética possibilita a modificação de células e</p><p>organismos de maneira muito específica e tem papel cada vez mais impor-</p><p>tante para a agricultura e para o desenvolvimento de terapias para doenças</p><p>genéticas (ALBERTS et al., 2010).</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos14</p><p>Referências</p><p>ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.</p><p>ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.</p><p>GIRARDI, C. S.; SUBTIL, F. T.; RANGEL, J. O. Biologia molecular. Porto Alegre: SAGAH, 2018.</p><p>STRACHAN, T.; READ, A. Genética molecular humana. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.</p><p>WATSON, J. D. et al. Biologia molecular do gene. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.</p><p>ZAHA, A.; FERREIRA, H. B.; PASSAGLIA, L. M. P. (org.). Biologia molecular básica. 4. ed.</p><p>Porto Alegre: Artmed, 2012.</p><p>Leitura recomendada</p><p>TRANSLATION. [S. l.: s. n., 2010]. 1 vídeo (3 min). Publicado pelo canal ndsuvirtualcell.</p><p>Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5bLEDd-PSTQ&t=189s. Acesso em:</p><p>13 abr. 2021.</p><p>Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos</p><p>testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da</p><p>publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas</p><p>páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores</p><p>declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou</p><p>integralidade das informações referidas em tais links.</p><p>Interações moleculares nos organismos vivos 15</p>