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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 1ª ETAPA REDAÇÃO DE PEÇAS UC: DIREITO PROCESSUAL PENAL TURMA: 202302 - DIR1AN-MCJ PROFESSORES: SERGIO BRAGA E PABLO MOITINHO Adriano Santana dos Santos, RA: 819227143 Alana Oliveira da Silva, RA: 819221756 Gilmar Rodrigues Cardoso, RA: 819220611 Giovanna Rodrigues Porazza, RA: 820150804 Palloma Souza Tribino, RA: 819219932 Daiane Lira, RA: 81920617 S. Paulo 2023 UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 2 DUPLA 01: HABEAS CORPUS – CONTRA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA ************************ EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA [1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SÃO SEBASTIÃO/SP HABEAS CORPUS PARA TRANCAMENTO DE PROCESSO CRIMINAL – CONTRA RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. CASO EXCEPCIONAL DE MANIFESTA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA AÇÃO PENAL LUCAS, qualificação completa, residente e domiciliado à [xxxxx], por intermédio de seu advogado PALLOMA SOUZA TRIBINO ora impetrante, brasileira, casada, advogada inscrita na OAB/SP sob nº [xxxxx], com escritório profissional na R. [xxxxxxx], vem respeitosamente perante Vossa Excelência impetrar a presente ordem de: (conforme procuração anexa – Doc. 01), impetrar, HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR, que se encontra atualmente custodiado no [xxxxxxx], pelos fundamentos a seguir expostos: I - DOS FATOS Consta nos autos que Lucas foi denunciado como incurso no art. 121, § 3º, c/c o art. 13, § 2º, “b”, ambos do Código Penal (homicídio culposo), em razão da morte de Daniel. UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 3 A denúncia alega que Lucas, sendo o único a se dizer sóbrio, assumiu a posição de garantidor, podendo e tendo a responsabilidade de impedir o resultado, mas foi negligente. II - DO DIREITO O artigo 121, § 3º, do Código Penal, que trata do homicídio culposo por omissão, demanda uma análise detalhada da conduta do acusado. No caso em questão, argumentamos que Lucas não agiu com negligência, mas sim adotou providências necessárias ao perceber a situação crítica. O pedido de habeas corpus é ancorado na premissa de que não há risco à ordem pública ou à instrução criminal, considerando a postura responsável do réu. A jurisprudência abaixo nos indica que não a possibilidade de prisão preventivo em casos culposos: HABEAS CORPUS. CRIME DE HOMICÍDIO CULPOSO QUALIFICADO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PRISÃO PREVENTIVA. CRIME CULPOSO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. 1. Nos termos do art. 313 do CPP, não há previsão legal para a prisão preventiva nos delitos praticados na modalidade culposa. Precedentes da Suprema Corte e desta Corte Especial. 2. Não estando configurado o requisito objetivo previsto no art. 313, inciso I, do Código de Processo Penal, para a segregação processual, que exige o cometimento de crime na modalidade dolosa, há que se revogar a prisão preventiva do Paciente. 3. Ordem de habeas corpus concedida. (STJ - HC: 526214 GO 2019/0235287-0, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/10/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/10/2019) Além disso, destaco o artigo 13, § 2º, "b", que estabelece a responsabilidade do agente que assume posição de garantidor, podendo e devendo agir para evitar o resultado. A defesa sustenta que Lucas não se enquadra nessa categoria, uma vez que não participou do consumo da substância em questão, afastando, assim, a imputação de responsabilidade pela omissão. No mesmo sentido, o doutrinador Rogério Sanches Cunha, em sua obra "Manual de Direito Penal", defende a tese de que a posição de garantidor não deve ser confundida com UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 4 a mera possibilidade de evitar o resultado. Para ele, a posição de garantidor exige que o agente tenha o dever jurídico de agir, ou seja, que a lei ou o contrato lhe atribua a obrigação de impedir o resultado." A liberdade provisória se mostra justificada, pois a defesa enfatiza que Lucas respeitou o dever de cuidado e agiu prontamente ao buscar socorro profissional. Neste contexto, a manutenção da prisão preventiva se torna desproporcional diante das circunstâncias apresentadas. Também Luiz Flávio Gomes, em sua obra "Direito Penal Parte Geral", defende uma tese favorável a Lucas. Gomes argumenta que a prisão preventiva deve ser decretada apenas quando houver elementos concretos que justifiquem a necessidade da medida. No caso de Lucas, não há elementos concretos que indiquem que ele represente risco à ordem pública ou à aplicação da lei penal. Desta forma, reitero o pedido de concessão de habeas corpus em favor de Lucas, destacando a inexistência de elementos que justifiquem a prisão preventiva, bem como a presença de argumentos legais que respaldam a soltura do réu. III - DA NECESSIDADE DE LIMINAR À luz do artigo 310, inciso III, do Código de Processo Penal, a prisão preventiva se justifica somente mediante a demonstração inequívoca de sua necessidade. No caso em tela, a defesa destaca a escassez de elementos concretos que justifiquem a custódia provisória de Lucas, tornando-a desproporcional face à robustez da tese defensiva apresentada. O direito à liberdade, consagrado no artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal, é um alicerce UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 5 fundamental do ordenamento jurídico brasileiro. Neste contexto, a prisão de Lucas é questionada como uma coação indevida, visto que não há indícios de que sua liberdade represente ameaça à ordem pública ou à instrução criminal. Cabe citar os ensinamentos do jurista Evandro Lins e Silva, veja-se: É evidente, assim, que apesar da tramitação mais acelerada do remédio constitucional, em confronto com as ações previstas no ordenamento processual penal, o direito de liberdade do cidadão é passível de sofrer flagrante coarctação ilegal e abusiva. Para obviar tal situação é que, numa linha lógica inafastável, foi sendo construído, pretoriamente, em nível de habeas corpus, o instituto da liminar, tomando de empréstimo do mandado de segurança, que é dele irmão gêmeo. A liminar, em habeas corpus, tem o mesmo caráter de medida de cautela, que lhe é atribuída do mandado de segurança. Tal argumento também reforçado na jurisprudência AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. POSSIBILIDADE DA CONCESSÃO LIMINAR DA ORDEM. EXCEPCIONAL SUPERAÇÃO DA DIRETRIZ CONSTANTE DA SÚMULA N. 691 DO STF. ILEGALIDADE PATENTE DA PRISÃO PREVENTIVA, POIS DECRETADA SEM DEMONSTRAÇÃO DE URGÊNCIA. RECURSO DO MPF NÃO PROVIDO. 1. Como registrado na decisão impugnada, que nesta oportunidade se confirma, as disposições previstas nos art. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria. 2. Nesse diapasão, "uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucionalda razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n.º 45/2004 com status de princípio fundamental" ( AgRg no HC n.º 268.099/SP, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013). 3. No mais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na esteira da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, aplicável por UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 6 analogia, efetivamente entende que não cabe habeas corpus contra decisão que indefere liminar na origem. 4. Em situações excepcionais, entretanto, como forma de garantir a efetividade da prestação jurisdicional nas situações de urgência, uma vez constatada a existência de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia, é possível a superação do mencionado enunciado ( HC n.º 318.415/SP, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 4/8/15, DJe 12/8/15). 5. No caso destes autos, verificou-se que a prisão preventiva foi decretada em virtude da simples aparência de crime, sem apontar indícios de que a ré, caso respondesse à ação penal em liberdade, ofereceria risco à ordem pública. 6. Assim, apesar dos argumentos apresentados pelo MPF, não há elementos que justifiquem a reconsideração do decisum. 7. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no HC: 699090 SP 2021/0323266-5, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 23/11/2021, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/11/2021) A concessão de liminar para a soltura imediata de Lucas emerge como uma medida justa e proporcional. A liberdade provisória permitirá a ampla análise da tese defensiva ao longo do processo, sem impor a privação de liberdade que, neste momento, não encontra justificativa razoável. IV - DOS PEDIDOS Ante o exposto, requer-se a Vossa Excelência: a) Concessão de liminar para a soltura imediata de Lucas; b) Notificação da autoridade coatora para prestar informações no prazo legal; c) Após, seja o presente habeas corpus julgado procedente, confirmando a ilegalidade da prisão. Nestes termos, pede deferimento. [Local], [Data]. ADV/OAB UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 7 DUPLA 02 – ACUSAÇÃO, MANIFESTAÇÃO DO PROCURADOR DE JUSTIÇA (MINISTERIO PÚBLICO) HABEUS CORPUS IMPETRADO, PUGNANDO PELO SEU INDEFERIMENTO. ************************ EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Ref.: Habeas Corpus nº [XXX/2023] em favor de Lucas [Sobrenome] Origem: 1ª Vara Criminal da Comarca de São Sebastião/SP MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO Em atenção à impetração de Habeas Corpus nº [XXX/2023], vem a presente, perante Vossa Excelência, apresentar sua manifestação, pugnando pelo seu indeferimento. I. DOS FATOS O paciente, Lucas [Sobrenome], foi denunciado como incurso no art. 121, § 3º, c/c o art. 13, § 2º, “b”, ambos do Código Penal, em razão da morte de Daniel. Conforme se depreende dos autos, o presente caso remonta a uma noite de lazer e celebração entre amigos UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 8 que infelizmente culminou em um trágico incidente. Toda a tragédia se desenrolou na casa de praia localizada no Bairro Praia da Baleia, São Sebastião/SP, pertencente à família de Daniel. Lucas, o acusado, e Daniel, a vítima, haviam estabelecido um relacionamento amoroso recentemente. Sua relação, ainda que breve, era intensa, caracterizada por afeto mútuo e confiança. Três semanas após se conhecerem, Lucas foi convidado por Daniel para passar um final de semana na casa de praia. A ocasião deveria ser de celebração e descontração, e, para ampliar a festividade, Daniel também convidou dois amigos, Tarcísio e Eduardo. O percurso de São Paulo para São Sebastião foi marcado pelo uso de drogas por parte de Daniel, Tarcísio e Eduardo. Lucas, exercendo responsabilidade e bom senso, absteve-se de consumir qualquer substância ilícita, mantendo sua sobriedade em razão de estar conduzindo o veículo. Ao chegarem à residência por volta da meia-noite, todos foram imediatamente seduzidos pela beleza e tranquilidade do local. Lucas, em uma demonstração de cuidado, preparou o jantar para todos. Posteriormente, eles decidiram relaxar ainda mais, com Daniel e Tarcísio mergulhando na piscina e Eduardo aproveitando a vista da espreguiçadeira. Entretanto, a atmosfera de relaxamento logo se tornou preocupante. Tarcísio, talvez atraído pela euforia prometida, apresentou a todos uma droga conhecida como “GHB”. Conhecido por seus efeitos potencialmente perigosos, o GHB pode levar a um estado letárgico, semelhante a um coma transitório. Exceto por Lucas, que demonstrou discernimento ao recusar a droga após uma única prova, todos a consumiram. Lucas, cansado da jornada e do trabalho da semana, decidiu descansar. No entanto, ao despertar pouco antes das duas da manhã, foi confrontado com uma cena aterrorizante: Daniel estava inconsciente na piscina, enquanto Tarcísio e Eduardo também mostravam sinais evidentes de distúrbios. UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 9 Em um momento de puro pânico e desespero, Lucas tentou socorrer Daniel. Simultaneamente, ele ligou para o corpo de bombeiros e seguiu todas as instruções fornecidas por telefone. Na ausência de progresso na tentativa de reanimação, Lucas correu pelas ruas em busca de ajuda. Quando o SAMU chegou, confirmou-se a triste realidade: Daniel estava morto. Com o coração pesado e envolto em tristeza, Lucas foi conduzido à delegacia para prestar esclarecimentos. A investigação subsequente levou ao oferecimento da denúncia em face de Lucas, onde se alega que, como a única pessoa sóbria no local, Lucas tinha a responsabilidade de evitar o desfecho trágico daquela noite. Neste contexto, faz-se necessária uma análise cuidadosa e ponderada dos eventos daquela noite e das alegações contidas na denúncia. II. DO DEVER DE GARANTIDOR E DA NEGLIGÊNCIA A teoria do “dever de garantidor” delineia as situações em que a omissão de uma pessoa pode ser juridicamente relevante, tornando-a responsável pelo resultado produzido pela ação de terceiros. Nos termos do Código Penal Brasileiro, o art. 13, §2º, estabelece que “a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”. Em outras palavras, a responsabilidade criminal pela omissão só pode ser atribuída quando a pessoa tinha o dever jurídico de agir. A jurisprudência e doutrina têm debatido extensivamente sobre quem possui esse dever de garantidor. Conforme Cezar Roberto Bitencourt, em sua obra “Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1”, a condição de garantidor surge da lei, contrato ou de fato específico que coloque UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 10 alguém em posição de garantir que o resultado não ocorra. Logo, não é qualquer relação entre as partes que determina esse dever. A alegação de que Lucas, por ser o único sóbrio, tinha um dever de garantidor para com Daniel, pode não encontrar respaldo em nossa jurisprudência. A relação amorosa entre eles, ainda que possa criar certas expectativas sociais de cuidado, não estabelece automaticamente um dever jurídico de agir. Em relação à negligência, o art. 18, II, do Código Penal define como a “inobservância de regra de conduta que uma pessoa de diligência normal deveria observar”. Aquestão é determinar se Lucas, ao decidir descansar e deixar os demais na piscina, atuou com a diligência esperada de uma pessoa comum em circunstâncias similares. Como observa Guilherme de Souza Nucci, em “Código Penal Comentado”, negligência é a conduta imprudente que, por descuido, omite a cautela necessária, produzindo um resultado não desejado. Concluindo, a configuração do dever de garantidor e a alegada negligência por parte de Lucas demandam uma análise cuidadosa das circunstâncias, da relação entre as partes e do padrão de comportamento esperado em situações semelhantes, levando em conta as diretrizes estabelecidas por nossa legislação e doutrina penal. III. DA PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA Para o regular processamento de uma ação penal, a denúncia deve preencher requisitos essenciais, conforme estabelecidos na legislação processual penal vigente. UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 11 O art. 41 do Código de Processo Penal estabelece que a denúncia ou queixa deve conter a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias. A descrição fática apresentada no caso em tela é clara e precisa, permitindo o pleno exercício do direito de defesa pelo denunciado. A esse respeito, o doutrinador, Nestor Távora em sua obra "Manual de Direito Processual Penal", ele afirma: “A descrição do fato delituoso deve ser precisa e clara, não apenas para a individualização da conduta, mas também para evitar eventual bis in idem. O acusado deve saber exatamente do que está sendo acusado, para que possa exercer seu direito de defesa de forma eficaz. Uma descrição clara do fato delituoso também é essencial para evitar a condenação por bis in idem, que é a condenação por um crime que já foi julgado e absolvido.” (Távora, Nestor. Manual de Direito Processual Penal. 11ª ed. Salvador: Juspodivm, 2022. P. 214.) A respeito da qualificação do acusado ou fornecimento de elementos para sua identificação, a identificação adequada do réu é essencial para garantir sua intimação e o exercício regular de seu direito de defesa. A tipificação correta da conduta é necessária para determinar a pena aplicável e garantir que o acusado possa se defender apropriadamente da imputação. Távora explica que a classificação do crime é importante para que a defesa possa preparar sua estratégia de defesa de forma eficaz. Se a classificação do crime estiver correta, a defesa saberá quais são as provas que o Ministério Público terá que produzir para comprovar a acusação. Isso evita que a defesa seja surpreendida com provas que não estavam previstas na denúncia. O trecho específico da obra de Távora em que ele aborda esse tema é o seguinte: “A correta classificação do crime, embora não seja um elemento essencial à denúncia, orienta a defesa quanto ao teor da imputação, evitando surpresas no decorrer da instrução. A defesa deve ter conhecimento da qualificação jurídica UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 12 do fato delituoso, para que possa preparar sua estratégia de defesa de forma eficaz.” ( Távora, Nestor. Manual de Direito Processual Penal. 11ª ed. Salvador: Juspodivm, 2022. P. 214.) A apresentação do rol de testemunhas no momento da denúncia garante a tempestividade e a regularidade na produção de provas durante a instrução criminal. Diante do exposto, observa-se que a denúncia em questão preenche todos os requisitos legais para seu recebimento, conforme disposto no art. 41 do CPP e em consonância com a doutrina especializada. IV. CONCLUSÃO É pacífico no Direito Penal brasileiro que a omissão, quando há dever de agir, pode, sim, gerar responsabilidade penal. O art. 13, § 2º, "b", do Código Penal Brasileiro, ressalta a responsabilidade daqueles que "deixaram de evitar o resultado, quando podiam e deviam agir para impedir". Assim, não se pode desconsiderar que, no cenário fático em questão, Lucas tinha uma clara obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, especialmente dada sua condição de único indivíduo lúcido no ambiente. Ademais, o art. 41 do Código de Processo Penal é categórico ao estabelecer que a denúncia deve conter a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, sendo esta uma conditio sine qua non para sua admissibilidade. No presente feito, é inegável que a peça acusatória cumpriu esse requisito com maestria, ao detalhar as circunstâncias da negligência atribuída ao paciente. E não para por aí. O art. 395 do CPP elenca as situações em que a denúncia pode ser rejeitada. Entre elas, não consta a situação em tela. Pelo contrário, o que se tem é um fato típico, antijurídico e, em tese, culpável. O jurista Eugênio Pacelli, em sua obra "Curso de Processo Penal", ressalta que para o recebimento da denúncia, não se exige a certeza da autoria e da materialidade, mas apenas indícios suficientes de ambas, situação que se amolda UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 13 perfeitamente ao caso sub judice. Assim, com esteio nos dispositivos legais supracitados e amparado pela doutrina e jurisprudência pátrias, é cristalino que o paciente tinha, sim, o dever jurídico de agir para evitar o resultado, configurando, assim, o crime de homicídio culposo por omissão. Portanto, o Ministério Público do Estado de São Paulo, por seu Procurador que esta subscreve, pugna pelo INDEFERIMENTO do presente habeas corpus, em respeito à legislação penal e processual penal vigentes, bem como em homenagem à justiça e à verdade real que deve nortear todo e qualquer processo penal. São Paulo, 13 de outubro de 2023. [Nome do Procurador de Justiça] Procurador de Justiça do Estado de São Paulo UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 14 DUPLA 03 - VOTO DO DESEMBARGADOR RELATOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, DEFERINDO OU INDEFERINDO O HABEAS CORPUS IMPETRADO. ************************ TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO [SEÇÃO/ CÂMARA CRIMINAL] HABEAS CORPUS Nº [XXX/2023] PACIENTE: LUCAS [SOBRENOME] IMPETRANTE: PALLOMA SOUZA TRIBINO, Advogada, OAB/SP [XXXXX] AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SÃO SEBASTIÃO/SP VOTO DA DESEMBARGADORA RELATORA UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 15 Eminentes colegas, Trata-se de Habeas Corpus impetrado por Palloma Souza Tribino, Advogada inscrita na OAB/SP sob o número [XXXXX], em favor de Lucas [Sobrenome], contra ato do Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Sebastião/SP, que recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público estadual. O impetrante alega a manifesta ausência de justa causa para a instauração da persecução criminal, requerendo o trancamento do processo. I - RESUMO FÁTICO O paciente, Lucas [Sobrenome], foi denunciado pelo Ministério Público como incurso nas penas do art. 121, § 3º, c/c o art. 13, § 2º, "b", ambos do Código Penal, em decorrência dos fatos ocorridos em uma festa na qual, após o paciente se retirar para descansar, três indivíduos consumiram uma substância conhecida por "boa noite cinderela", resultando na morte de um deles. A defesa sustenta a ausência de justa causa, alegando que o paciente não possuía dever de garantidor e que, ao tomar conhecimento da situação, agiu de forma diligente, acionando os serviços de emergência. II - FUNDAMENTAÇÃO DO DEVER DE GARANTIDOR E DA NEGLIGÊNCIA O principal ponto de controvérsianos autos diz respeito à alegação de que o paciente, por ser o único sóbrio na festa, tinha o dever de garantidor em relação aos demais presentes. Conforme a doutrina e jurisprudência, o dever de garantidor não decorre UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 16 automaticamente de relações afetivas, exigindo uma análise mais aprofundada das circunstâncias específicas do caso. A teoria do dever de garantidor, prevista no art. 13, § 2º, "b", do Código Penal, impõe a responsabilidade penal àquele que, podendo e devendo agir para evitar o resultado, deixa de fazê-lo. Entretanto, tal dever não é absoluto e deve ser analisado à luz das circunstâncias concretas. No presente caso, é necessário avaliar se a relação entre o paciente e as demais pessoas na festa estabelecia um dever jurídico de agir para evitar o resultado. A mera condição de ser o único sóbrio não é suficiente para configurar automaticamente tal dever, sendo necessário analisar a extensão da responsabilidade do paciente diante das circunstâncias específicas. Quanto à alegação de negligência, é preciso verificar se a conduta do paciente ao se retirar para descansar foi imprudente ou se, diante das circunstâncias conhecidas por ele até então, era razoável. A diligência esperada de uma pessoa comum em situações similares deve ser considerada. Pois bem, a teor da orientação jurisprudencial desta Corte, o trancamento de ação penal por falta de justa causa só é possível quando se constata, prima facie, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. In casu, não se vislumbra qualquer das hipóteses mencionadas. Com efeito, deve a peça acusatória vir acompanhada com o mínimo embasamento probatório apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado. Dito de outro modo, se não houver um lastro probatório mínimo a respaldar a denúncia, de modo a tornar esta plausível, não haverá justa causa a autorizar a instauração da persecutio criminis. Confiram-se, oportunamente, os seguintes excertos doutrinários, in verbis: UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 17 Fernando da Costa Torinho Filho (in Código de Processo Penal Comentado, vol. 1, 5a edição, Saraiva, 1999, p. 121) ressalta que "... a doutrina ensina que, se por acaso a denúncia ou queixa não vier respaldada em elementos mais ou menos sensatos, sem um mínimo de prova mais ou menos séria, não poderá ser recebida, ante a falta do interesse processual. Não fosse assim, não teriam sentido os arts. 12, 16, 18, 27, 39, § 5o, e 47 do CPP. Sem esses elementos de convicção, não é possível a propositura da ação." Nesse sentido posicionam-se a doutrina e jurisprudência: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EMPRESA Habeas Corpus Criminal no 2264483-21.2023.8.26.0000 -Voto no 19483 8 HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. ART. 155, §§ 3.o E 4.o, INCISOS II E IV, DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DO PROCESSO POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NÃO CABIMENTO. ANÁLISE SOBRE A MATERIALIDADE E A AUTORIA DO DELITO QUE NÃO PODE SER PROCEDIDA NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Na espécie, o Agravante foi denunciado como incurso no art. 155, §§ 3.o e 4.o, incisos II e IV, do Código Penal. Isso porque, supostamente, desviou energia elétrica pertencente a um estabelecimento comercial. 2. O trancamento do processo-crime pela via do habeas corpus (ou do recurso ordinário) é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade do fato, a ausência de indícios capazes de fundamentar a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, circunstâncias não evidenciadas no caso em apreço. 3. Para reconhecer como verdadeiras as alegações do Agravante de impossibilidade de utilização da energia elétrica e da ausência de poderes ao Denunciado nas relações administrativas do imóvel, seria necessário, inevitavelmente, o aprofundado reexame do conjunto fático-probatório, que é impróprio nesta via. 4. Dessa forma, não se pode impedir o Estado, antecipadamente, de exercer a função jurisdicional, coibindo-o de realizar o levantamento dos elementos de prova para a verificação da verdade dos fatos - o que constitui hipótese de extrema excepcionalidade, não evidenciada na espécie. É prematuro, pois, determinar desde já o trancamento do processo-crime, sendo certo que, no curso da instrução processual, poderá a Defesa demonstrar a veracidade das alegações. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 157.053/BA, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 28/6/2022, DJe de 1/7/2022.). (...) 1. Em razão da excepcionalidade do trancamento da ação penal, tal medida somente se verifica possível quando ficar demonstrado - de plano e sem necessidade de dilação probatória - a total ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade. É certa, ainda, a possibilidade de trancamento da persecução penal nos casos em que a denúncia for inepta, não atendendo o que dispõe o Habeas Corpus Criminal no 2264483-21.2023.8.26.0000 -Voto no 19483 art. 41 do Código de Processo Penal, o que não impede a propositura de nova ação UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 18 desde que suprida a irregularidade. (...). (RHC 56.154/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 06/03/2017). Assim, ante a ausência de provas pré-constituídas e inequívocas da alegada ausência de justa causa, impossível o trancamento da ação penal. “o deferimento de habeas corpus para trancar ação penal (ou investigação policial) é medida excepcional. Somente deve o juiz ou tribunal conceder a ordem quando manifestamente indevida a investigação ou o ajuizamento da ação” Habeas Corpus Criminal no 2273036-57.2023.8.26.0000 -Voto no 2772 5 (llNUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal, 13a edição revista, atualizada e ampliada, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2014, p. 1235). “não se pode, todavia, pela via estrita do mandamus, trancar ação penal quando seu reconhecimento exigir um exame aprofundado e valorativo da prova dos autos” (MIRABETE, Júlio Fabbrini, “Código de Processo Penal Interpretado”, Ed. Atlas, 9a edição, 2002, pág. 1698). E ainda o entendimento pacífico dos nossos Tribunais Superiores: "AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. NECESSÁRIO REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. EXCEPCIONALIDADE DEMONSTRADA. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. O habeas corpus é via adequada ao trancamento da ação penal apenas em casos excepcionais, de evidente atipicidade da conduta, extinção da punibilidade ou ausência de justa causa. [...] 3. Agravo interno desprovido." (STF HC 216.203-AgR/SP Rel. Min. NUNES MARQUES Segunda Turma j. em 26/09/2022 DJe de 06/10/2022); DOS REQUISITOS PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA A denúncia apresentada pelo Ministério Público atende aos requisitos legais, conforme estabelecido no art. 41 do Código de Processo Penal. A exposição do fato criminoso UNIVERSIDADE SÃO JUDAS “MOÓCA” Centro de Formação das Ciências Jurídicas e Sociais “Direito” 19 com todas as suas circunstâncias é clara e permite o pleno exercício do direito de defesa pelo denunciado. A qualificação do acusado e a tipificação correta do crime são elementos presentes na peça acusatória. Ademais, o rol de testemunhas apresentadono momento da denúncia possibilita a regularidade na produção de provas durante a instrução criminal. III – DECISÃO Ante o exposto, voto pelo PROVIMENTO PARCIAL do habeas corpus, determinando o trancamento da ação penal apenas no tocante ao crime de homicídio culposo por omissão. IV – CONCLUSÃO O relator entendeu que a denúncia apresentada pelo Ministério Público atende aos requisitos legais, mas que a alegada ausência de justa causa, quanto ao crime de homicídio culposo por omissão, exige uma análise aprofundada das circunstâncias fáticas e jurídicas envolvidas. Assim, o relator concedeu parcialmente a ordem, determinando o trancamento da ação penal apenas no tocante a esse crime. É como voto. [Local e Data] [Assinatura do Desembargador Relator]