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POÉTICAS HÍBRIDAS E 
INTERTEXTUAIS 
AULA 6 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Marcel Albiero da Silva Santos 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Na aula passada, discutimos o conceito de hibridismo. Vimos a história da 
palavra e do conceito e sua apropriação contemporânea por autores como Stuart 
Hall e Donna Haraway. Pudemos acompanhar, nesse percurso, como o termo 
híbrido se constituiu com forte carga pejorativa e negativa nos primórdios do 
ocidente, de maneira que, em detrimento do híbrido, tenha-se valorizado o puro, 
o idêntico a si mesmo – enfim, a identidade. 
Essa carga depreciativa do híbrido, bem como o valor positivo dado à 
identidade, chega até a Modernidade exercendo forte impacto político e cultural: 
tanto a noção de sujeito universal do Iluminismo como as identidades nacionais 
por muito tempo gozaram de hegemonia. Atualmente, porém, experimentamos 
uma ampla crise da noção de identidade, de maneira que o conceito de híbrido 
tem sido resgatado e passa a ser valorizado positivamente, servindo de 
ferramenta para crítica política, cultural, social e estética. As artes 
contemporâneas exprimem essa apropriação atual do hibridismo, tirando daí sua 
potência, como é o caso da poética de Ai Weiwei. 
Discutimos as relações entre noções de hibridismo, transdisciplinaridade 
e intertextualidade. Vimos que esses conceitos possuem pontos de intersecção, 
o que fica bastante evidente quando analisamos as poéticas artísticas. O 
hibridismo liga-se à transdisciplinaridade quando as poéticas híbridas assumem 
seu papel ético, político e cultural de dar voz às minorias silenciadas, e ele se 
liga à intertextualidade quando as poéticas híbridas discutem a influência da 
tradição e experimentam prazer em dissolver as fronteiras entre os gêneros 
artísticos, criando obras que são verdadeiros híbridos de linguagens. 
Na presente aula, discutiremos o tema possibilidades de criação poética 
por meio de diferentes manifestações artísticas: imagéticas, escritas, sonoras e 
corporais. Nosso objetivo será mobilizar os principais conceitos discutidos ao 
longo dessa disciplina para pensar e interpretar casos concretos de poéticas 
híbridas e intertextuais da arte contemporânea. 
A aula será estruturada da seguinte forma: inicialmente, introduziremos 
os conceitos de jogo, símbolo e festa propostos por Gadamer para pensar a 
situação da arte contemporânea. Este recurso conceitual nos permitirá examinar 
algumas possibilidades e/ou elementos de poéticas híbridas e intertextuais 
contemporâneas que serão apresentadas – instalações artísticas, happening, 
 
 
3 
performance e poética do concretismo. Finalizaremos a aula com uma breve 
reflexão de conjunto sobre a disciplina de Poéticas híbridas e intertextuais. 
TEMA 1 – GADAMER E A ARTE COMO JOGO, SÍMBOLO E FESTA 
No ensaio escrito por Gadamer em 1974, A atualidade do belo: arte como 
jogo, símbolo e festa (2011), o filósofo propõe três conceitos para pensar a 
situação da arte contemporânea: jogo, símbolo e festa, que discutiremos 
brevemente a seguir. Gadamer propõe esses conceitos como meios de pensar 
a intertextualidade na arte. A arte contemporânea é vista por ele como um 
esforço criativo que, a um só tempo, se contrapõe à arte do passado, mas 
também retira dela sua própria força, seus estímulos e direções. 
Anteriormente, vimos que a atividade produtiva desemboca na obra, 
sendo a técnica o tipo de saber especificamente produtivo (um saber-fazer ou 
poder-fazer) que permite aos seres humanos criarem obras. Gadamer (2011) 
recorda que desde os gregos a noção de obra implicava descolamento ou 
autonomia em relação ao artista ou ao técnico que a criara por meio de seu 
saber-fazer. Uma vez criadas as obras de arte sobrevivem aos artistas, podendo 
ser interpretadas até mesmo contra ou além das intenções e propósitos de seu 
criador. 
De todo modo, desde a Antiguidade até o século XX, a obra de arte era 
um ponto de referência das produções artísticas e da reflexão sobre a arte, de 
maneira que, basicamente, poderíamos pensar que há arte onde houver uma 
obra de arte, onde houver algo duradouro, estável, que sobreviva ao saber 
empregado em sua criação. A arte contemporânea, porém, subverte de muitas 
maneiras o conceito de obra, tornando difícil a tarefa de quem queira ainda definir 
a arte. Gadamer (2011, p. 163) questiona: 
Como se pretende compreender aquilo que os artistas de hoje e certas 
direções da arte atual designam precisamente como antiarte — o 
happening? Como se pretende compreender a partir daí o fato de 
Marcel Duchamp apresentar repentinamente um objeto de uso, 
isolando-o, e, com isso, exercer uma espécie de estímulo estético de 
choque? Não se pode simplesmente dizer: “Que tosco disparate”! 
O filósofo menciona dois casos da arte contemporânea justamente de 
poéticas híbridas e intertextuais, que implicam um questionamento radical da 
noção central de obra: o happening e a poética dadaísta de Duchamp. O primeiro 
caso, como ainda discutiremos melhor, trata de uma manifestação artística que 
 
 
4 
não possui materialidade alguma, consistindo numa ação que costuma integrar 
os espectadores como copartícipes. Já a menção a Duchamp alude aos ready-
mades, objetos de uso que são apresentados fora do contexto utilitário habitual, 
como obras de arte. Em ambos os casos, a noção tradicional de obra de arte 
vacila. Gadamer (2011) propõe então os conceitos de jogo, símbolo e festa como 
operadores para que possamos pensar as poéticas híbridas hoje para além da 
noção tradicional de obra de arte. Tais conceitos designam aspectos 
fundamentais da existência humana, tornando-se particularmente evidentes no 
caso das produções artísticas. 
Para Gadamer, a noção de jogo indica uma função elementar da vida 
humana, de modo que a cultura não pode ser pensada sem tal noção. A ideia de 
jogo indica um aspecto fundamental ou elementar da vida porque esta é 
essencialmente movimento. Desde os gregos, a vida em geral foi pensada como 
automovimento, ou seja, como algo que se move por si só, como algo que é 
transformação, ação no tempo. A vida (e a vida humana em particular) é, enfim, 
um constante estar em jogo, algo que está constantemente estabelecendo suas 
metas e seus desafios e buscando alcançá-las ou resolvê-los. 
No caso específico da vida humana, o jogo sempre é um jogar-com, ou 
seja, sempre envolve a participação de outros jogadores. Gadamer (2011) 
refere-se, enfim, ao fato de que somos animais políticos ou sociais, na célebre 
definição de Aristóteles: compartilhamos um mundo comum, falamos uma língua 
e vivemos numa cultura que foram e são estabelecidas socialmente. Nesse 
sentido, a arte é sempre jogo; ela imita a vida, repete seu jogo de 
automovimento, convida todos a jogar. Quando visitamos um museu ou quando 
contemplamos uma obra de arte, saímos transformados da experiência, porque 
a arte nos convida a jogar e participar do jogo nela proposto. Mesmo no caso do 
happening, em que não há uma obra propriamente dita, a noção de jogo permite 
compreendê-lo como arte. 
O conceito de símbolo vem da cultura grega: indicava o pedaço de vaso 
que um anfitrião entregava ao seu hóspede, ficando com a outra parte que se 
encaixaria no caco entregue. Se 30 ou 40 anos mais tarde o portador do pedaço 
do vaso ou um descendente seu retornasse à casa do anfitrião, poderia ser 
reconhecido pela junção dos fragmentos e seria considerado digno de 
hospitalidade. Tratava-se de uma espécie de passaporte antigo. 
 
 
5 
Quando algo é um símbolo, portanto, ele é um pedaço ou fragmento de 
algo maior, uma parte de uma totalidade. Isso não significa somente que a arte 
represente a realidade. Pelo contrário: ela pode justamente ser um símbolo do 
que é meramente possível ou desejável. A arte, enfim, simboliza, isto é, leva o 
espectador ou intérprete para além de si e da obra ou da ação que experimenta 
na contemplação. Ela pode,como no caso de um ready-made de Duchamp, nos 
levar a pensar de outro mundo, para além do utilitário, para além da serventia. 
Com o conceito de símbolo, Gadamer (2011) pensa na abertura da arte para a 
construção de mundos possíveis. 
Por fim, temos o conceito de festa. Gadamer tem em vista, em primeiro 
lugar, com essa noção, a ideia básica de que a festa é sempre um momento de 
comunhão, sendo um evento para todos. Essa comunhão não transcorre num 
tempo qualquer. Nos calendários, normalmente a festa indica um período em 
que as atividades úteis cessam, sendo uma interrupção do tempo cronológico 
voltado aos afazeres e cuidados básicos da vida. O tempo da festa, enfim, não 
é o tempo cronológico, mas, sim, o tempo da celebração. O tempo cronológico 
ou dos afazeres é sempre um tempo para algo, um tempo calculado, medido e 
reservado para as atividades do cotidiano, um tempo escasso, um tempo que 
corre, pressiona e acaba. 
Já a celebração envolve uma quebra dessa quantificação do tempo. O 
tempo da festa é um tempo pleno, um estar presente e junto aos outros com 
quem se festeja. A arte é sempre um convite para a festa e para a temporalidade 
própria da festa. O tempo para contemplar um quadro não pode ser medido ou 
quantificado; temos que ficar diante dele o tempo que for necessário para 
interpretá-lo. Do mesmo modo, uma música pede que a escutemos pelo tempo 
que ela durar. Uma obra arquitetônica pede que nos demoremos nela, que 
passeemos e experimentemos seu espaço interior pelo tempo que for necessário 
para uma experiência satisfatória. 
Precisamos, enfim, passear sem pressa ao estar em contato com a arte, 
precisamos nos demorar pelo tempo que for junto dela. A arte nos convida a nos 
deter e nos demorar, a deixar o tempo escasso do relógio para outro momento. 
A partir desses conceitos articulados por Gadamer (2011), podemos refletir nas 
instalações artísticas presentes em muitas poéticas híbridas contemporâneas. É 
o que veremos a seguir. 
 
 
 
6 
 
TEMA 2 – A INSTALAÇÃO ARTÍSTICA 
A instalação é uma modalidade de produção artística, e não uma escola 
ou estilo artístico. As origens das instalações remontam ao surrealismo de Kurt 
Schwitters, com suas montagens Merz; a Marcel Duchamp, com seus ready-
mades e obras como 1200 sacos de carvão (1938) e à arte minimalista. No 
Brasil, nomes importantes são os de Lygia Pape, Hélio Oiticica, Nuno Ramos e 
Cildo Meireles. É um recurso usado em variados domínios artísticos e sobretudo 
nas artes visuais. 
O termo instalação surge na discussão das artes a partir dos anos de 
1960. Ainda hoje se discute o que, afinal, é uma instalação. Por exemplo: a 
chamada land art, arte feita a partir de intervenções humanas na natureza, é uma 
modalidade de instalação? A assemblage, quando disposta espacialmente em 
várias obras ou peças integrantes de uma obra, difere-se da instalação ou não? 
Questões como essas permanecem abertas. 
De todo modo, podemos identificar algumas características da instalação 
artística. Em primeiro lugar, é importante notar que as instalações são formas 
híbridas de produção artística, normalmente conjugando mídias bastante 
diversas (imagens, vídeos, sons, esculturas, textos etc.) num mesmo espaço. 
Em segundo lugar, é preciso destacar a importância do arranjo espacial criado. 
Uma instalação cria espacialidade própria, na qual insere vários elementos ou 
obras de materiais diversos, de gêneros e linguagens artísticos diversos, criando 
uma cena que convida o espectador percorrê-la. A instalação pode solicitar que 
o espectador apenas passeie por ela, pode pedir para que ele se detenha e 
observe ou ouça algo ou pode também exigir participação mais ativa dele, como 
tocar ou manipular objetos, esgueirar-se por suas dobras e entranhas etc. Esse 
espaço pode ser criado tanto dentro quanto fora de um museu. Em terceiro lugar, 
é digna de nota a experiência sensorial peculiar da instalação; ela pode engajar 
diferentes sentidos e experiências do espectador – tato, olfato e audição – para 
além do sentido da visão, que costuma ser o mais solicitado nas artes visuais. 
A instalação é, em primeiro lugar, uma forma transdisciplinar de produção 
artística. O contexto no qual o conceito surge foi o das discussões 
transdisciplinares do feminismo, do Pós-Colonialismo e dos estudos críticos dos 
anos de 1960. Ela se insere, dessa maneira, no campo das poéticas híbridas e 
 
 
7 
intertextuais. O hibridismo da instalação é perceptível no rompimento de 
fronteiras entre gêneros artísticos, já que as instalações são híbridos de artes 
visuais, sonoras, visuais, arquitetônicas etc. A intertextualidade da instalação 
consiste fundamentalmente no questionamento do conceito de obra. 
Tradicionalmente, a obra de arte pede apenas para ser passivamente 
contemplada. Já a instalação mobiliza o espectador de forma mais ativa, 
solicitando que ele percorra um espaço instalado, um ambiente que se confunde 
com a própria produção artística. Trata-se de um diálogo com a tradição artística. 
Os conceitos de jogo e de festa apresentados por Gadamer (2011) são 
especialmente interessantes para entendermos a instalação como produção 
artística. A instalação exige do espectador, primeiramente, que ele jogue o jogo 
por ela proposto. Esse jogo pode, muitas vezes, convocar outras pessoas para 
jogar junto. É comum que as instalações sejam ambientes que obrigam os 
espectadores a interagir uns com os outros, ou pelos menos a se observarem 
uns aos outros. O conceito de festa é particularmente rico para compreendermos 
a experiência artística proposta na instalação. A instalação cria, arranja ou instala 
um espaço onde acontece a experiência estética. 
Esse espaço destacado da instalação é um espaço de festa; há outra 
temporalidade nele, pois a instalação convida a nos determos pacientemente em 
seu interior, a nos desligarmos do tempo cronológico. Ela cria uma espécie de 
templo artístico, um ambiente propício para a reflexão lenta e cuidadosa. Boa 
parte das esculturas gregas da Antiguidade, por exemplo, encontrava-se no 
interior dos templos de adoração religiosa, pois o tempo requerido para sua 
contemplação era distinto daquele dos afazeres diários. A instalação explora 
esse aspecto arquitetônico da temporalidade, sendo uma espécie de arquitetura 
temporal da experiência artística. 
TEMA 3 – O HAPPENING E A PERFORMANCE 
O happening e a performance (ou arte performática) são poéticas 
artísticas híbridas que combinam elementos das artes visuais, do teatro e da 
dança. Muitas vezes, ambos os termos são tratados como sinônimos. De fato, 
nem sempre é simples distinguir uma modalidade de outra, mas há teóricos e 
artistas que estabelecem algumas diferenças entre essas poéticas irmãs que 
tiveram forte influência do dadaísmo e do surrealismo. 
 
 
8 
O termo happening (ou acontecimento-espetáculo) foi cunhado no final 
dos anos de 1950 pelo artista norte-americano Allan Kaprow para se referir a um 
híbrido de artes visuais, dança e teatro, normalmente executado em lugares 
públicos sem roteiro, programa, coreografia ou enredo detalhadamente 
elaborados de forma prévia; espontaneidade, improvisação e acaso são fatores 
valorizados nesses eventos artísticos. 
Os eventos contam, normalmente, com objetos ou instalações dispostos 
de antemão, de maneira que os espectadores são convidados a fazer parte da 
cena ativamente, interagindo uns com os outros e com os artistas, tornando-se 
copartícipes e até mesmo coautores da apresentação ou partes da obra. A 
distância entre espectador, artista e obra de arte é, desse modo, dissolvida. O 
artista deixa de ser criador exclusivo da experiência estética e o espectador deixa 
de ser figura passiva que apenas contempla uma obra de arte, passando a 
compor ativamente a apresentação. 
O happening apresenta ainda um aspecto paradoxal para a história da 
arte: é uma manifestação artísticaque consiste numa simples e fugaz ação que 
toma rumos bastante aleatórios, não deixando materialidade alguma, não 
seguindo roteiro ou coreografia estabelecidos de antemão, e não podendo ser 
reproduzido do mesmo modo em outra apresentação. Trata-se, enfim, de uma 
modalidade artística que é uma antiarte: uma arte sem obra, uma arte que 
questiona a obra como centro de referência do que chamamos arte, uma arte 
que se esgota numa ação efêmera, aleatória e irrepetível. 
A performance conserva muitas das características do happening, mas 
talvez possamos encontrar algumas diferenças entre ambas as linguagens 
artísticas. Um elemento distintivo da arte performática consiste no fato de que 
normalmente há um roteiro para a apresentação, ou um programa definido. As 
performances não deixam de contar com boa margem de improviso e 
aleatoriedade, mas têm propostas políticas e críticas muito bem definidas. Outra 
diferença reside na interação com o público: ela sempre existe de algum modo, 
mas nem sempre de forma tão intensa como no caso do happening. 
Muitas vezes a performance é executada apenas pelo artista, de modo 
que o público conserva seu lugar mais tradicional de espectador. Mas talvez o 
elemento distintivo mais importante da arte performática consista na ênfase que 
se dá ao corpo do artista na apresentação. Este se torna elemento central da 
manifestação artística, torna-se matéria ou espaço de experimentação estética. 
 
 
9 
Há performers que chegam a colocar seu corpo em risco, como foi o caso do 
artista norte-americano Chris Burden, que em Shoot, executada em 1971, pediu 
a um amigo que lhe desse um tiro de fuzil no braço. A performance de Chris 
Burden acontece em meio à guerra do Vietnã e procurava fazer refletir sobre a 
violência e a guerra na política e na cultura dos Estados Unidos. 
Happenings e performances figuram entre os casos mais instigantes e 
radicais de poéticas híbridas e intertextuais atualmente. Essas formas de arte 
estão ainda em desenvolvimento, expandindo-se e abrindo novas possibilidades, 
de maneira que qualquer caracterização que queiramos fazer delas precisa ser 
vista como provisória e insuficiente. O hibridismo dessas poéticas artísticas 
mostra-se tanto no cruzamento de linguagens diferentes (dança, teatro, artes 
visuais etc.) como no propósito transdisciplinar de ligar estética a crítica cultural 
e política. A intertextualidade aparece, sobretudo, na efemeridade dessas 
poéticas: elas questionam radicalmente a ideia de obra de arte que marca a 
tradição artística ocidental. Onde está a obra de arte num happening ou numa 
performance? No caso desta última, temos ainda a entrada em cena do corpo 
do artista na arte, questionando a distância entre obra de arte e artista; é o artista 
como obra ou a obra como ação ou gesto do artista. 
As noções de jogo, símbolo e festa são bastante promissoras para 
entender essas poéticas. No que diz respeito ao jogo, sobretudo o happening se 
insere num registro lúdico, numa convocação para que todos, tanto artistas como 
espectadores, participem do que está em jogo na arte. Já a noção de símbolo 
parece ser interessante para pensar sobretudo a performance. Esta possui 
programa político e crítico para o qual remete o espectador. Trata-se, enfim, de 
uma forma artística radicalmente simbólica, que funciona como manifesto escrito 
na própria carne do artista. 
A noção de festa, por sua vez, nos permite avaliar a experiência 
característica da temporalidade nessas poéticas. Ambas esgotam-se no gesto, 
na ação, naquilo que é efêmero e irrepetível, acenando para o caráter finito da 
vida humana. Temos aqui, afinal, uma obra que coincide com a ação humana ou 
com o gesto do artista, e não um produto que sobreviverá à atuação humana e 
continuará disponível para futuros espectadores. A arte do performer coincide 
com sua execução, não permitindo comercialização ou consumo da arte em 
larga escala ou em tempos futuros. 
 
 
10 
A performance também nos permite refletir no tempo próprio (isto é, finito) 
da vida humana e no seu estar em processo, no seu caráter aberto. Há 
performances que duram muitas horas, dias ou meses, exigindo engajamento 
completo do artista, não permitindo que ele se separe de sua obra. Muitas 
performances retratam e tematizam justamente o processo de criação artística, 
configurando-se como um working in progress, trabalho ou obra em processo de 
vir a ser, um conceito paradoxal para a estética dos séculos passados. 
TEMA 4 – O CONCRETISMO POÉTICO 
A poesia concreta costuma ser estudada na teoria da literatura. Contudo, 
esse não é um gênero exclusivamente literário; estamos diante de uma produção 
artística híbrida e intertextual, que conjuga poesia, prosa, imagem, design gráfico 
e música. No Brasil, alguns dos nomes mais importantes dessa poética híbrida 
e intertextual são os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, Décio Pignatari e 
Arnaldo Antunes. Vejamos alguns aspectos da poesia concreta para que 
possamos discutir suas relações de inter e transdisciplinaridade, hibridismo e 
intertextualidade artísticos. 
No Plano-piloto para a poesia concreta, publicado na revista Noigrandes 
n. 4, em 1958, os irmãos Campos e Décio Pignatari (1965) estabelecem, em 
forma de manifesto, algumas diretrizes dessa poética de vanguarda. Nesse 
manifesto, a poesia concreta é designada como uma evolução crítica de formas, 
como um debate interdisciplinar que envolve a teoria e a história da poesia, a 
semiótica e a teoria da tradução. A poesia passa a ser vista e criada como uma 
tensão de palavras-coisas no espaço-tempo, em que a palavra deixa de ser 
simples veículo de comunicação para se tornar um ideograma que se expande 
para além da mera comunicação verbal. Dessa maneira, a poesia concreta não 
abdicaria das virtualidades da palavra, mas avançaria a um domínio não-verbal 
imagético e fonético, criando o poema como um poema-produto ou objeto 
verbivocovisual. 
As referências intertextuais da poesia concreta são notáveis. As formas 
mais antigas de escrita não eram verbais ou fonéticas. O concretismo resgata, 
portanto, uma dimensão esquecida desde os primórdios da escrita para fazer a 
palavra retornar ao status de ideograma, de símbolo visual. Ao mesmo tempo, 
ao ligarem o som à escrita, os poetas concretistas dialogam com a experiência 
originária da palavra poética. Nas línguas antigas, num tempo anterior ao do 
 
 
11 
aparecimento da escrita, a poesia não era algo para ser lido, mas, sim, uma 
experiência cantada. Nesse sentido, o poema O pulsar, de Augusto de Campos, 
originalmente publicado em Caixa Preta (1975) e relançado na coletânea Viva 
vaia (1979), nos fornece um interessante exemplo. O poema é composto de 
palavras-ideogramasque não são formadas apenas por letras, mas também por 
símbolos visuais (pontos e estrelas). O cantor e compositor Caetano Veloso, 
próximo dos poetas concretistas, interpretou o poema como uma partitura, 
musicando-o em seu álbum Velô, de 1984. O poema, de fato, era um 
experimento verbivocovisual que podia ser lido como partitura de uma 
composição ou um código a ser decifrado. 
Saiba mais 
Confira o texto Augusto de Campos e a interpretação de Caetano Veloso 
em . Acesso em: 21 out. 2020. 
Os conceitos de jogo e de símbolo são especialmente interessantes para 
interpretar as poéticas híbridas da poesia concreta. O aspecto do jogo fica 
evidente no caso do debate com a tradição da poesia e das artes visuais. Os 
poemas concretos propõem outra maneira de ver e lidar com as palavras, 
solicitando do leitor-espectador que ele encontre um caráter de artefato ou de 
objeto naquilo que normalmente vemos como simples meio de comunicação. 
Essa poética nos convida, enfim, a jogar um jogo diferente do habitual 
com a própria linguagem. O símbolo também é um conceito rico de 
possibilidades no caso da poesia concreta, uma vez queessa poética pretende 
justamente conferir à palavra o status de símbolo. A palavra, nesses poemas, 
significa sempre mais do que uma simples palavra. Ela desvela um horizonte 
imagético e sonoro decisivo na experiência da linguagem nos primórdios da 
humanidade. 
TEMA 5 – BREVE REFLEXÃO DE CONJUNTO SOBRE POÉTICAS HÍBRIDAS E 
INTERTEXTUAIS 
Ao longo dessa disciplina, estudamos as poéticas híbridas e intertextuais. 
Nosso objetivo não era, evidentemente, tratar de modo exaustivo o assunto, 
mas, sim, introduzi-lo. Se depois de ter estudado essas seis aulas você 
consegue reconhecer elementos de transdisciplinaridade, intertextualidade e 
hibridismo nas artes visuais, então o principal objetivo foi atingido. Numa área de 
https://youtu.be/NoEiSnuK70c
 
 
12 
estudos complexa e vasta como a das poéticas híbridas e intertextuais, nunca 
poderemos abarcar de uma vez por todas todo o assunto. Essas poéticas 
continuam se desenvolvendo, de modo que compreendê-las adequadamente é 
uma tarefa infinita. 
Em arte e no estudo da arte, nunca é suficiente ter conceitos e conhecer 
teorias. A arte sempre desafia nossos conceitos, sempre desafia nossa maneira 
de compreender as coisas. Se quisermos estudar artes visuais, precisamos estar 
abertos para o fato de que tudo o que fizermos será eternamente um esforço 
provisório de compreensão. Todas as teorias e todos os autores que lemos e 
discutimos são apenas caminhos provisórios para tentar entender o que é arte e 
o que são poéticas híbridas e intertextuais, mas a tarefa sempre estará longe de 
se encontrar concluída ou finalizada. Você pode prosseguir seus estudos 
buscando artistas que trabalhem com linguagens híbridas e intertextuais. Há 
muitos que produzem instalações artísticas atualmente, há muitos performers 
etc. Na época atual, conseguimos pela internet ter farto acesso a catálogos, 
livros e sites que documentam um acervo artístico tão vasto que dificilmente 
conseguiremos conhecer em sua totalidade. 
Por fim, é importante recordarmos o que Guattari (2011) dizia sobre 
transdisciplinaridade, como vimos anteriormente. Não existem fórmulas prontas 
para a transdisciplinaridade; é importante que tenhamos gosto pelo risco e pela 
aventura caso queiramos nos aventurar por ela. Sendo as poéticas híbridas e 
intertextuais modos transdisciplinares de compreender a arte, o mesmo vale 
para elas: se quisermos entender o que é arte, se quisermos entender o que são 
poéticas híbridas e intertextuais, então é importante que tenhamos gosto pelo 
risco e pela aventura. 
Caso você queira também fazer ou criar arte, essa recomendação vale 
ainda mais fortemente. A arte nunca é uma operação lógica de aplicação de 
conceitos prontos para enquadrar, categorizar ou classificar as coisas. A arte, 
como vimos nesta aula, é jogo, é símbolo, é festa. Ela é uma operação muito 
mais complexa, sutil e delicada, uma operação na qual nos colocamos em jogo 
e jogamos com os outros; uma operação na qual simbolizamos mundos 
possíveis, sendo remetidos para além de nós mesmos; uma operação na qual 
festejamos, de maneira que deixamos o tempo escasso do relógio e do 
calendário para trás e passamos a nos dedicar à construção de outro tempo, de 
um tempo vindouro e promissor. 
 
 
13 
A arte não pode deixar nunca de ser uma promessa de felicidade. A 
alegria que experimentamos com ela é exatamente essa promessa que ela nos 
dá ao contemplar obras, ao criá-las ou ao participar de uma performance. 
NA PRÁTICA 
A artista sérvia Marina Abramovic é uma performer contemporânea muito 
importante, uma das mais famosas da atualidade. Uma performance muito 
importante da artista foi realizada em parceria com seu então companheiro Ulay, 
artista performático alemão com quem viveu por muitos anos. Em Rest Energy 
(1980), o casal posicionou-se um diante do outro, mediados por um arco 
carregado com uma flecha. Por pouco mais de quatro minutos ambos ficaram 
pendentes, com Abramovic segurando o arco e Ulay segurando a corda e a 
flecha, que estava perigosamente apontada para o coração da performer. 
Os artistas simbolizavam assim, problematizando por meio da arte, a 
confiança e a vulnerabilidade. 
FINALIZANDO 
Nesta aula, exploramos as poéticas híbridas e intertextuais utilizando todo 
o arsenal conceitual que empregamos ao longo desta disciplina. Iniciamos 
examinando a proposta de Gadamer de utilizar os conceitos de jogo, símbolo e 
festa para entender a arte contemporânea. Vimos que o conceito de jogo aponta 
para o movimento de interação próprio da vida humana, de modo que a arte nos 
convida a jogar e interagir com os outros (com artistas, com outros espectadores 
e com a tradição). O conceito de símbolo mostra que a arte é parte de um todo, 
que ela simboliza, ou seja, que ela nos remete para além de nós mesmos e para 
além da obra que temos diante de nós. Já o conceito de festa trata da 
temporalidade específica que a arte cria: um tempo fora do calendário, um tempo 
distinto do tempo cronológico escasso dos afazeres cotidianos, um tempo que 
nos pede apenas para que nos demoremos e contemplemos. 
Em seguida, passamos a considerar alguns exemplos de arte híbrida. 
Primeiramente examinamos as instalações, que são um modo de produção 
artístico que conjuga diferentes linguagens e mídias. Os conceitos de jogo e de 
festa são interessantes para se compreender as instalações, que são produções 
híbridas e intertextuais. 
 
 
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O happening e a performance também foram considerados. Vimos que o 
primeiro consiste num convite para interação entre artistas e espectadores, 
valorizando a espontaneidade, o acaso e a improvisação, sendo uma ação 
irrepetível e fugaz que subverte o conceito tradicional de obra. Já a arte 
performática costuma seguir um roteiro mais elaborado, distinguindo-se 
sobretudo pelo papel central que confere ao corpo do artista como material de 
exploração estética. Ela é um verdadeiro manifesto inscrito na carne do artista. 
As noções de jogo, símbolo e festa são valiosas para interpretação dessas 
poéticas. 
A poesia concreta une artes visuais, música e poesia principalmente para 
a construção de objetos verbivocovisuais. É um caso interessante de poética 
híbrida que mantém fortes relações intertextuais sobretudo com a tradição da 
literatura. As noções de jogo e símbolo são especialmente importantes para 
essas poéticas. 
Concluindo, dissemos que o trabalho de compreender a arte e as poéticas 
híbridas e intertextuais é sempre provisório. Se essa disciplina serviu para abrir 
o apetite estético para pesquisas futuras, então ela cumpriu bem sua tarefa. 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
AGAMBEN, G. O homem sem conteúdo. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. 
BUENO, L. E. B. Linguagem das artes visuais. Curitiba: InterSaberes, 2013. 
CAMPOS, A. et al. Plano-piloto para a poesia concreta. In: Teoria da poesia 
concreta. São Paulo: Edições Invenção, 1965. 
CUNHA, A. S. T. Caminhos em poéticas visuais bidimensionais. Curitiba: 
InterSaberes, 2017. 
ITAÚ CULTURAL. Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. 
São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: 

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