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Daniell Lima Costa Muniz EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE E METABOLISMO DOS CARBOIDRATOS Sumário INTRODUÇÃO ������������������������������������������������� 3 NOÇÕES DE EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE ���������� 5 Sistemas tampão ������������������������������������������������������������������ 7 Alterações do equilíbrio ácido-base ������������������������������������ 9 METABOLISMO DE CARBOIDRATOS �����������11 Glicólise e fermentação ������������������������������������������������������ 15 Vias das pentoses ��������������������������������������������������������������� 22 Neoglicogênese ������������������������������������������������������������������ 24 Metabolismo do glicogênio ������������������������������������������������ 26 CONSIDERAÇÕES FINAIS ����������������������������33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS & CONSULTADAS ��������������������������������������������35 2 INTRODUÇÃO Durante o desenvolvimento dos seres vivos, muito fenômenos ocorreram, fazendo com que os pro- cessos biológicos fossem cada vez mais especia- lizados� Desde o surgimento das primeiras células ocorreu a evolução biológica, na qual as espécies foram se modificando e adaptando ao longo do tempo� Muitos desses processos biológicos são imprescindíveis para a manutenção da vida, seja o aprimoramento e especificidade das atividades enzimáticas, as respostas celulares para algum estímulo ocorrido ou a função dos sistemas tampão� São adaptações e modificações que foram ne- cessárias na evolução das espécies para que se pudesse evoluir, seguir a se reproduzir e continuar vivos frente aos diferentes fenômenos e estímulos que ocorreram� Tratando-se de obtenção e degradação de energia para a sobrevivência, os primeiros seres vivos obti- nham o alimento de duas hipóteses: a heterotrófica e a autotrófica. Seres heterotróficos obtinham ener- gia de forma pronta, já processada em seu meio, já os seres autotróficos são capazes de sintetizar seus próprios alimentos� E na degradação desses alimentos nos primeiros seres da terra, em um ambiente que não tinha oxigênio, os processos eram feitos pelas vias anaeróbias, as fermentações 3 láticas e aláticas� Com a melhora das condições climáticas, a disponibilidade de oxigênio aumentou e os seres se adaptaram, começando a processar os alimentos pelas vias aeróbias� Portanto, compreender como funcionam os pro- cessos biológicos do corpo trará conhecimento e fundamentos para melhor agir em determinados momentos, principalmente tomar a melhor decisão para a prática profissional. Neste e-book vamos entender os níveis normais de ácidos no corpo e como o corpo age para regula- rizá-los, além de conhecermos o que é o sistema tampão� Discutiremos, ainda, sobre como nosso corpo usa a energia proveniente do carboidrato e como faz para armazená-la e degradá-la� Sabere- mos o quanto é importante que as reações estejam sincronizadas para um funcionamento normal do organismo, sem comprometer a saúde� 4 NOÇÕES DE EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE Para compreendermos sobre equilíbrio ácido-base, é importante lembrarmos o que são ácidos e o que são bases� Para explicar os termos, foram criadas algumas teorias, sendo as principais as teorias de Arrenhius (1887) e de Bronsted-lowry (1923)� Na teoria de Arrenhius, bases são substâncias que quando dissolvidas em água geram a hidroxila, o íon OH-, e ácidos são as substâncias que quando dissolvidas em água geram o hidrogênio, H+� To- memos como exemplo o ácido clorídrico, que em meio aquoso vira cloreto de hidrogênio: 𝐻𝐻𝐻𝐻𝑙𝑙 $% → 𝐻𝐻 $% ' + 𝐻𝐻𝑙𝑙 $% ) E o Hidróxido de Sódio 𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝑁𝐻𝐻 𝑁𝑁𝑎𝑎 + 𝑁𝑁𝑁𝑁(𝑁𝑁𝑎𝑎)+ +𝑁𝑁𝐻𝐻(𝑁𝑁𝑎𝑎)− Perceba que em meio aquoso (aq) o ácido clorí- drico dissocia e gera o H+, já a base NaOH gera o OH-� No entanto, essa teoria de Arrenhius se limita a substâncias em água e sabemos que as subs- tâncias também reagem em meios não aquosos� Dessa forma, os cientistas Bronsted e Lowry teoriza- ram que os ácidos são espécies químicas capazes de doar um próton (H+) em uma reação química e bases são as espécies capazes de receber esses 5 prótons em uma reação química� Porém, para se- rem considerados ácidos e bases nessa teoria, o ácido precisa estar na presença de uma base, pois o ácido não doa o próton “sozinho”, irá doar para uma base. Podem ser classificados como ácidos nessa teoria as substâncias que se dissociam e liberam o próton� Por exemplo, na lista a seguir, todas as substâncias antes das setas (HCL; H2SO4; H3C-COOH; NH4 +; H3C-NH3 +): 𝐻𝐻𝐻𝐻𝐻𝐻 → 𝐻𝐻𝐻𝐻− +𝐻𝐻+ 𝐻𝐻2𝑆𝑆𝑂𝑂4 → 𝐻𝐻𝑆𝑆𝑂𝑂4− + 𝐻𝐻+ 𝐻𝐻3𝐶𝐶 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐻𝐻 → 𝐻𝐻3𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶−+ 𝐻𝐻1 𝑁𝑁𝐻𝐻4+ → 𝑁𝑁𝐻𝐻3 + 𝐻𝐻+ 𝐻𝐻3𝐶𝐶 𝑁𝑁𝐻𝐻3+ → 𝐻𝐻3𝐶𝐶 𝑁𝑁𝐻𝐻2 + 𝐻𝐻1 As substâncias logo após as setas (Cl-; HSO4 -; H3C COO-; NH3; H3C NH2) podem ser consideradas as bases por receberam o próton� Essas bases que receberam os prótons são chamadas de bases conjugadas� Então, perceba, nessa reação que pode ser reação reversa, representada pela seta em dois caminhos: 𝐻𝐻𝐻𝐻𝐻𝐻 +𝐻𝐻2𝑂𝑂 ↔ 𝐻𝐻3𝑂𝑂++𝐻𝐻𝐻𝐻− Forma-se o par ácido-base conjugado HCl e Cl-, em que o HCl doa o próton e se transforma em Cl-� Outro par conjugado dessa reação é o H2O e H3O+, 6 em que o H3O+ doa um próton ao H2O� Com isso, os íons ou moléculas resultantes da dissociação são denominadas bases conjugadas do ácido, já que podem receber o próton e converter-se no- vamente no ácido conjugado, representado pela equação abaixo: Á𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐 ↔ 𝐻𝐻++ 𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵𝐵 É importante entendermos que ácidos ou bases podem ser fortes ou fracos� Essa nomenclatura representa a força que um ácido tem em doar ou que uma base tem em receber prótons� Nesse sentido, existe uma relação de reciprocidade entre o par conjugado ácido-base: se um ácido tem uma grande tendência a doar prótons (ácido forte), sua base conjugada tem pouca tendência a recebê-los (base fraca) e vice-versa� Portanto, um ácido forte dá origem a uma base conjugada fraca e um ácido fraco dará origem a uma base conjugada forte� Dessa forma, existe um equilíbrio químico no qual é verificado o par conjugado. Esse equilíbrio quí- mico pode ser explicado pelos sistemas tampão, que abordaremos a seguir� SISTEMAS TAMPÃO Nos organismos vivos os processos químicos e as moléculas podem sofrer alterações caso o ambiente fique mais ácido ou alcalino (básico) e isso é representado em números pela escala de 7 pH� O pH é a sigla usada para potencial hidroge- niônico, que se refere à concentração de H+ em uma solução� Portanto, se o meio está ácido o pH está abaixo de 7, se o meio está básico o pH está acima de 7, quando igual a 7 o pH está neutro� É aí que entram os sistemas tampão� No sistema tampão, ácidos fracos junto com suas bases conjugadas são capazes de impedir varia- ções no pH, podendo ocorrer a adição de ácidos ou álcalis (base)� Ou seja, um sistema tampão é um sistema que tentará manter em equilíbrio o meio� Por exemplo, durante um exercício vigoroso, a produção de lactato aumenta e concomitante- mente também aumenta a produção de dióxido de carbono, levando a um expressivo aumento de H+, o que torna o ambiente ácido (cerca de 6,80 o pH)� Dessa forma, o corpo aumenta a eliminação de CO2 por meio do aumento da respiração (tampão ventilatório), aumentando o pH� Os tampões têm sua nomenclatura baseada nas bases conjugadas, por exemplo o tampão bicarbo- nato, tampão fosfato e tampão proteico� O tampão bicarbonato é um dos mais conhecidos e estuda- dos: consiste em ácido carbônico e bicarbonato de sódio em solução aquosa� 8 ALTERAÇÕES DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE Existem alguns parâmetros que demonstram se há equilíbrio ácido-base que podem ser quantificados pelo pH (que deve estar em torno de 7,35 a 7,45 em humanos) e pela tensão parcial de carbono no sangue (PCO2)� A tensão parcial de carbono no sangue diz se há algum grau de distúrbio respiratório, sabendo-se que o dióxido de carbonoé toxico ao nosso orga- nismo, os valores devem estar entre 35 e 45mmHg� Observar, então, alterações nesses valores pode demonstrar desequilíbrio ácido-base� Em essência, as variações da concentração de íons de hidrogênio no sangue podem levar a alterações no equilíbrio ácido-base, o aumento na quantidade de íons de hidrogênio irá reduzir o pH e levará a uma acidose� O contrário, uma diminuição de íons de hidrogênio, levará a uma alcalose� Ambas as situações são prejudicais ao funcionamento do organismo� Existe a acidose respiratória, na qual o pH se encon- tra inferior a 7,35 e o PCO2 superior a 45mmHg, o que representa a retenção de CO2 no sangue� Esse quadro pode levar a serias consequências, como deprimir a força e função do miocárdio, favorecendo o desenvolvimento de arritmias, podendo ocorrer 9 edema cerebral� O contrário também ocorre: uma alcalose respiratória, podendo resultar em alterações sérias no cérebro e em todo o sistema nervoso� Existem ainda as acidoses e alcaloses metabólicas� A acidose metabólica é muito comum em pessoas diagnosticadas com diabetes, levando a diversos distúrbios para o organismo e, se persistir, pode levar à morte� 10 METABOLISMO DE CARBOIDRATOS Antes de compreendermos o metabolismo de carboidratos, é importante conhecermos de forma geral qual a principal função do metabolismo dos macronutrientes� Como você já sabe, os seres vivos requerem energia para estar em funcionamento e essa energia vem, principalmente, dos macronu- trientes, carboidratos, lipídeos e proteínas� Portanto, nosso organismo, por meio de muitos processos, degrada esses macronutrientes em nutrientes cada vez menores, até a sua forma mais simples, por exemplo: carboidratos tornam-se glicose, lipídeos se tornam ácidos graxos e proteí- nas se tornam aminoácidos� Todo esse processo ao final irá fosforilar a adenosina difosfato (ADP) para voltar a formar o composto rico em energia, a adenosina trifosfato (ATP)� São três os estágios gerais que acontecem para formar e armazenar essa energia para futuros trabalhos biológicos, como podemos observar na figura a seguir. O estágio 1 refere-se à parte de digestão e absorção dos macronutrientes que serão degradados em unidades menores e serão utilizados no metabolismo celular� 11 O estágio 2 é a degradação das unidades meno- res dos macronutrientes, ou seja, degradação da glicose, ácidos graxos e aminoácidos, formando acetil-CoA (acetil coenzima A) e produzindo pe- quenas quantidade de ATP� No estágio 3 a acetil-CoA na mitocôndria é degrada em dióxido de carbono (CO2) e H2O, e há a produção grande de ATP� 12 Figura 1: Os três amplos estágios do metabolismo para obter energia dos macronutrientes Proteínas Estágio 1 Estágio 2 Estágio 3 Citosol Membranas mitocondriais Membrana plasmática GordurasCarboidratos ATP ATP ATP Glicose ATP ATP NADH Glicerol + Ácidos graxos Açúcares simplesAmioácidos G lic ól is e Piruvato Acetil-CoA Potência redutora Escória metabólica Ciclo do ácido cítrico Fo sf or ila çã o ox id at iv a H O2 H2O CO2 NH3 Digestão, absorção e assimilação dos micronu- trientes para uma forma útil Degradação de subuni- dades em acetil-CoA Oxidação de acetil-CoA a CO2 e H2O Fonte: Adaptado de McArdle, Katch e Katch (2016)� Agora, vamos conhecer de forma específica o metabolismo de carboidratos� Como já discuti- 13 do, a forma mais simples de um carboidrato é a glicose� Vale a pena ressaltar que essa molécula tem muita importância para o organismo, por ser a principal fonte de energia, principalmente para os humanos� Quase todas as células fazem suas funções biológicas por meio da energia da glicose� A glicose terá quatro destinos principais: ela po- derá ser usada na síntese de polissacarídeos para compor a estrutura da matriz extracelular e parede celular, pode ser armazenada nas células como o glicogênio, ser oxidada até formar piruvato por meio da glicólise e pode seguir a via das pentoses- -fosfato, que irá produzir Ribose-5-fosfato, como podemos observar na figura a seguir: 14 Figura 2: As principais vias de utilização da glicose Armazenamento Oxidação por glicose Síntese de polímeros estruturais Oxidação pelas vias das pentoses-fosfatos Glicose Glicogenio, amido, sacarose Ribose-5- fosfato Matriz extracelular e polissacarídeos da parede celular Piruvato Fonte: Adaptado de Nelson e Cox (2018)� Portanto, para chegar à última etapa do metabo- lismo do carboidrato, após a digestão e a absor- ção, dá-se sua degradação em unidade menores, passando então por processos como a glicólise e a fermentação� GLICÓLISE E FERMENTAÇÃO A glicose sofre um processo que requer 10 reações químicas formando duas moléculas de piruvato e duas moléculas de ATP, processo esse conhecido como glicólise� 15 O piruvato que foi formado pode seguir a ser pro- cessado pela via anaeróbia ou pela via aeróbia� Portanto, na presença de oxigênio, o piruvato é metabolizado pela via aeróbia pelo ciclo do ácido cítrico e pela cadeia de transportadores de elétrons, formando CO2 e H2O e energia� Na ausência de oxi- gênio, o piruvato irá fermentar pela via anaeróbia, formando lactato e energia� A glicose, que é constituída por 6 átomos de car- bono, sofre degradação em 10 etapas até formar o piruvato, que tem 3 átomos de carbono� Todo esse processo pode ser dividido em duas fases amplas� A fase 1 é chamada de fase preparatório ou fase de investimento� Essa fase podemos dividir em 5 etapas (reações): y Na etapa 1, a primeira reação, a glicose é convertida em glicose-6-fosfato e o ATP doa seu fosfato catalisado pela enzima hexoquinase; y Na etapa 2, a glicose-6-fosfato é convertida na frutose-6-fosfato, catalisada pela enzima glicose 6-fosfato isomerase em uma reação de isomerização; y Na etapa 3, a frutose-6-fosfato é fosforilada pelo ATP, ou seja, o ATP doa um fosfato transfor- mando a frutose-6-fosfato em frutose-1,6-difosfato, catalisada pela enzima fosfofrutoquinase� y Na etapa 4 a enzima aldose catalisa uma reação clivando a frutose-1,6-difosfato em duas molécu- 16 las de 3 carbonos, a di-hidroxiacetona-fosfato e a gliceraldeido-3-fosfato� y Na etapa 5, a di-hidroxiacetona-fosfato é iso- merada a outra molécula de gliceraldeido-3-fosfato pela enzima triosefosfato isomerase, completando essa etapa e a fase 1, preparatória� Perceba que nessa fase foram investidas duas moléculas de ATP, por isso recebe esse nome de fase de investimento� Dando continuidade aos processos da glicólise, chegamos na fase 2, conhecida como fase de pagamento� Na fase anterior, a glicose de 6 car- bonos foi transformada em duas moléculas de 3 carbonos, a gliceraldeido 3-fosfato� Vamos dividi-la também em etapas: y Na etapa 6, dá-se sequência no processo com a oxidação e fosforilação de gliceraldeido 3-fosfato a 1,3-bifosfoglicerato, catalisado pela enzima glice- raldeido 3-fosfato desidrogenase, sendo oxidado pelo NAD+ e fosforilado por um fosfato inorgânico; y Na etapa 7, a enzima fosfogliceratoquinase transfere um grupo fosfato para a molécula de ADP dando origem a 3-fosfoglicerato e duas mo- léculas de ATP; y Na etapa 8, o 3-fosfoglicerato sofre ação da enzima fosfogliceromutase, na qual a enzima irá reposicionar o grupo fosfato que está no terceiro 17 carbono, posicionando o grupo fosfato no carbono 2, formando o 2-fosfoglicerato, o que irá preparar a molécula para a próxima reação; y Na etapa 9, a enzima enolase catalisa uma reação de desidratação do 2-fosfoglicerato, dando origem ao fosfoenolpiruvato; y Na etapa 10, a enzima piruvatoquinase transfere os grupos fosfatos do 2-fosfoglicerato à molécula de ADP, o que dará origem a duas moléculas de piruvato e quatro moléculas de ATP� 18 Figura 3: Esquema geral das etapas da glicólise Fonte: McArdle, Katch e Katch (2016)� O produto da glicólise, que são as duas molécu- las de piruvato, seguirá para vias distintas� Comoabordado, poderá seguir para via aeróbia ou via anaeróbia� Discutiremos nesse momento a continui- 19 dade da via glicolítica, que é a glicólise anaeróbia, conhecida como fermentação� Toda essa fase anteriormente descrita, que é a glicólise, é a primeira fase para a fermentação, portanto, a glicólise inicial acontece sem a presen- ça de oxigênio, por via anaeróbica, antecedendo a fase dois para a continuidade da via anaeróbia� Existem alguns tipos de fermentação e cada uma dará um produto final diferente, como fermentação alcoólica, que irá gerar etanol, propiônica e láctica� Vamos tratar aqui mais sobre a fermentação láctica, em que o piruvato é reduzido a lactato� Em primeiro lugar, lembre-se de que em um momen- to da glicólise, quando ocorre a desidrogenação do gliceraldeido-3-fosfato, é formado o NADH� Em condições de hipóxia (pouco oxigênio), o NADH não pode ser reoxidado pelo oxigênio, portanto, o organismo nessas condições regenera o NAD+, reduzindo o piruvato a lactato� Ou seja, o piruvato recebe dois elétrons e um próton do NADH, reduzindo-se a lactato catalisado pela enzima lactato-desidrogenase� Essa via anaeróbia, que não usa oxigênio, é observada, por exemplo, em contrações musculares vigorosas, como em um sprint de 10 segundos, nas hemácias, esperma- tozoides e medula renal� As vias de fermentação produzem 2 moléculas de ATP, menos energia 20 do que as produzidas na via aeróbia, que são 38 moléculas de ATP� Figura 4: Equação da reação da redução de Piruvato em Lactato� Piruvato Lactato LactatoDesidrogenase C 2 NADHCOO- O 2H3C 2H+ C 2 NAD+COO- OH H 2H3C Fonte: Adaptado de Marzzoco (2015)� Sabia que a fermentação é muito utilizada na indústria de alimentos? É muito comum e você provavelmente já consumiu algum alimento que passou pela fermentação� No link a seguir você pode conhecer um pouco mais sobre o processo na indústria de alimentos: https://afrebras�org�br/noticias/entenda-sobre-utili- zacao-de-bacterias-laticas-na-industria-de-alimentos/ SAIBA MAIS 21 https://afrebras.org.br/noticias/entenda-sobre-utilizacao-de-bacterias-laticas-na-industria-de-alimentos/ https://afrebras.org.br/noticias/entenda-sobre-utilizacao-de-bacterias-laticas-na-industria-de-alimentos/ VIAS DAS PENTOSES Como mostrado anteriormente, a glicose pode seguir quatro caminhos principais� Um desses caminhos é a via das pentoses, ou via das pento- ses-fosfatos� É uma via em que entram no ciclo 6 moléculas de glicose-6-fosfato, 6 moléculas de CO2 são liberadas, são formadas 6 moléculas de pentose-5-fosfato e essas moléculas de pentose- -5-fosfato se reorganizam formando 5 moléculas de glicose-6-fosfato� Essa via não irá produzir ATP, mas gera nicotida- mida adenina dinucleotideo reduzido (NADPH) e pentoses fosfato� A via da pentose tem grande impacto para o funcionamento do organismo, os produtos gerados, como o NADPH, atuarão no combate a efeitos prejudiciais das espécies reativas de oxigênio e, além disso, a ribose-5-fosfato faz parte das estruturas químicas de RNA, DNA, ATP e de coenzimas� Essa via ocorre em duas fases: a fase denominada oxidativa e a fase não oxidativa� A primeira reação dessa via é a fase oxidativa, em que ocorre a oxidação da glicose-6-fosfato catali- sada pela enzima glicose-6-fosfato desidrogenase, o que dará origem à 6-fosfoglicona-¶ -lactona e um NADPH� A enzima lactonase hidrolisa a lac- tona, formando o 6-fosfogliconato� Em seguida, o 6-fosfogliconato sofrerá oxidação e descarbo- 22 xilação, formando ribulose-5-fosfato, catalisada pela enzima 6-fosfogliconato-desidrogenase e essa reação gera mais uma molécula de NADPH� Por fim, na fase oxidativa a ribulose-5-fosfato é convertida, pela enzima fosfopentose isomerase, em aldose ou ribose-5-fosfato e daí ira para síntese de nucleotídeos, como dito anteriormente� Na fase não oxidativa, as pentoses fosfatos que foram produzidas na fase oxidativa são recicladas dando origem à glicose-6-fosfato, portanto, parte das ribuloses-5-fosfato se epimeriza, formando xilulose-5-fosfato� As enzimas transcetolases e transaldolases agem reciclando a xilulose-5-fos- fato, formando a glicose-6-fosfato, o que pode dar início a nova fase oxidativa e pode gerar mais moléculas de NAPH� Ter deficiência da enzima glicose-6-fosfato desidrogenase pode trazer algum tipo de alteração para o metabolismo? Primeiro temos que lembrar qual a função dessa enzima� Ela dará início à oxidação da glicose-6-fosfato pela via das pentoses, o que irá produzir o NADPH, uma impor- tante molécula para reduzir os efeitos prejudiciais das espécies reativas de oxigênio� Ou seja, a produção da molécula NADPH ficara prejudicada, tal como toda a via das pentoses� Os eritrócitos, uma das principais REFLITA 23 células que usam a via das pentoses, ficará suscetível ao estresse oxidativo, diminuindo sua sobrevida, o que pode levar, em casos graves, a lesão renal aguda� Veja mais neste link: https://bestpractice�bmj�com/topics/ pt-br/704� Figura 5: Esquema geral da via das pentoses-fosfato FASE NÃO OXIDATIVA FASE OXIDATIVA NADP+ 2 GSH GSSG Ácidos, graxos, esteróis, etc. Biossintese redutora Glutationa- redutase Precursores Glicose-6-fosfato 6-Fosfogliconato Transcetolase, transaldolase Ribulose-5-fosfato Nucleotídeos, coenzimas, DNA, RNA Ribose-5-fosfato NADPH NADP+ CO2 NADPH Fonte: Adaptado de Nelson e Cox (2018)� NEOGLICOGÊNESE Como já sabemos, a glicose é uma importante fonte de energia para os seres vivos, principalmente os seres humanos� Muitos organismos dependem exclusivamente da glicose para metabolizar e fazer suas funções� 24 https://bestpractice.bmj.com/topics/pt-br/704 https://bestpractice.bmj.com/topics/pt-br/704 No humano, o encéfalo, os eritrócitos e a medula renal são muito dependentes da glicose sanguínea, ou seja, precisam de uma entrega ininterrupta da glicose� Entretanto, os estoques que nosso corpo consegue armazenar para produzir glicose são muito baixos para a demanda� Por exemplo, o encéfalo requer cerca de 120g de glicose por dia, portanto, mais da metade de toda a glicose que foi armazenada como glicogênio nos músculos e fígado� E se acabar esse estoque? Situações como ficar em jejum prolongado, exercí- cios duradouros e vigorosos e uma dieta baixa em carboidratos pode levar a esgotar todo o estoque de glicogênio� Porém, como a glicose é imprescindível para as células comentadas anteriormente, o organismo usa uma estratégia para sintetizar glicose� Essa produção de glicose ocorre a partir de outras substâncias que não são os carboidratos� Ou seja, a glicose será sintetizada a partir de lipídeos, pro- teínas e compostos relacionados� Essa estratégia é chamada de neoglicogênese ou gliconeogênese, que é a formação de açúcar por meio de compostos não carboidratos� Nos seres humanos, o lactato, piruvato, glicerol e aminoácidos são os principais precursores desse processo, e a maior parte de- les será metabolizada no fígado� As reações da neoglicogenese superpõem-se ao da glicólise, 25 ou seja, a maioria das reações são de caminho inverso da glicólise� As condições mencionadas, como o jejum prolo- gando, exercícios duradouros e vigorosos e dieta com baixo quantidade de carboidratos, provocam uma alteração no metabolismo justamente para tentar manter os níveis de glicose em níveis ade- quados� Com isso, hormônios contrarreguladores como glucagon e adrenalina serão liberados com a função principal de produzir glicose� Portanto, agirão na degradação de substratos que não são os carboidratos, como proteínas, lipídeos e similares, e assim se dá a neoglicogenese� Como já informado, os principais precursores para a gliconeogenese são o lactato, piruvato, glicerol e alguns aminoácidos� O lactato é formado por meio do metabolismo anaeróbico, pelos múscu- los, hemácias e adipócitos� Uma vez esgotadas as reservas de glicogênio, a conversão de lactato em glicose ajuda a repor a reserva de glicogênio nosmúsculos e no fígado� Glicerol é liberado das reservas adiposas de triacilglicerol e entra na rota gliconeogênica como diidroxiacetona fosfato� METABOLISMO DO GLICOGÊNIO O glicogênio é um polímero de glicose, ligado en- tre si, que é armazenado nas células animais, nos músculos e fígado, principalmente� Essas células 26 contêm enzimas que irão sintetizar glicogênio, processo chamado de glicogênese, e enzimas que irão degradar o glicogênio, processo chamado de glicogenólise� O armazenamento de glicogênio tem início quan- do a oferta de glicose supera a sua utilização� Por exemplo, logo após as refeições a oferta de glicose (em situações de alimentação normal e adequada) é grande e não pode ficar totalmente na corrente sanguínea� Nesse sentido, para evitar hiperglicemia, é sintetizado glicogênio para poder ser armazenado e sua degradação irá produzir energia para o trabalho biológico das células que utilizam glicose� Na degradação de glicogênio hepático é usada essa energia para uma manu- tenção da glicemia entre as refeições, além disso essa reserva de glicose pode ser exportada para outros órgãos, como o cérebro� Já a degradação do glicogênio muscular serve para as próprias fibras musculares em que está estocado� Por exemplo, durante uma contração muscular intensa, em uma corrida veloz, ou carre- gar uma carga pesada, essas fibras de contração rápida utilizam como fonte principal de energia a glicose gerada pela degradação do glicogênio� É importante salientar que a síntese e degradação envolvem conjuntos separados de enzimas, por- 27 tanto a via de degradação não é o inverso da via de síntese� Vamos então discutir essas vias� A via de síntese, chamada de glicogênese, “glico” de glicogênio e “gênese” de origem, consiste em uma repetida adição de moléculas de glicose aos fragmentos de glicogênio� Tem início com a ação das enzimas hexoquinase no músculo e pela glico- cinase no fígado, fosforilando a glicose e formando glicose-6-fosfato� Em seguida, a glicose-6-fosfato é isomerizada pela enzima fosfoglicomutase, gerando glicose-1-fos- fato� Essa molécula vai reagir com o trifosfato de uridina (UTP), formando o nucleotídeo ativo uridina-difosfato-glicose (UDP-glicose), catalisada pela enzima UDPglicose-pirofosforilase� Nessa fase, uma proteína chamada de glicogenina catalisa a transferência de mais de 7 resíduos de glicose da UDPglicose, formando um primer (ini- ciador) de glicogênio� Esse primer de glicogênio é o substrato para a glicogênio-sintase, portanto, irá catalisar a formação de uma ligação glicosídica entre o carbono 1 da glicose da UDPglicose com o carbono 4 de um resíduo de glicose, liberando o difosfato de uridina (UDP)� Com a crescente adição de glicose, uma enzima ramificadora irá atuar para estabelecer um ponto de ramificação na estrutura criada, mudando uma ligação que era do carbono 1 28 para carbono 4, indo de carbono 1 para carbono 6� Assim, forma-se o glicogênio para ser armazenado nas células musculares e fígado� Figura 6: Esquema geral da síntese do glicogênio ATP ADP UDPG (Uridina-difosfato-glicose (UTP = uridina trifosfato) (préexistente) HEXOQUINASE GLICOGENIO-SINTETASE Enzima Ramificadora Ligação 1-4 Ligação 1-6 FOSFOGLICOMUTASE Glicose Glicose 1 FosfatoGlicose 6 Fosfato Glicose1Fosfato UTP PPi Nova unidade incorporada (1-4 glicosil)nGlicogenio UDPG UDP Fonte: Elaboração Própria� Quando o suprimento de energia pela glicose sanguínea diminui, provocando uma hipoglicemia, o organismo reage com estratégias para poder degradar compostos, o que dará glicose para as células� Quando fazemos uma contração muscular muito vigorosa, o organismo vai atrás da degrada- ção do glicogênio para sintetizar glicose e suprimir as demandas de energia, então ocorre o processo chamado de glicogenólise� 29 A degradação de glicogênio tem início com a atividade da enzima glicogênio-fosforilase, ela catalisa a fosforólise da ligação entre os carbonos 1 e 4 do glicogênio, liberando a molécula glico- se-1-fosfato� Essa enzima segue catalisando até restar uma cadeia com cerca de 4 resíduos antes de uma ramificação. Em seguida, entra em ação a enzima desramificadora, tirando a ramificação antes feita, da ligação entres os carbonos 1 e 6, levando para a extremidade da cadeia na ligação 1 e 4� Essa ação leva à degradação completa do glicogênio, liberando glicose� Figura 7: Esquema geral da degradação do glicogênio Glicose-6-fosfatase Enzima desramificadora (em fígado, rim, mas não em musculo) Pi Pi FOSFOGLICOMUTASEFOSFORILASE Glicogênio 1-4 Glicose6Fosfato Glicose Glicose Glicose 1 Fosfato Glicose 6 Fosfato Glicogenioligação 1-6 Fonte: Elaboração Própria� O metabolismo do glicogênio é um processo im- prescindível para o funcionamento normal do orga- nismo� Tanto sua síntese quanto sua degradação são de grande importância para muitas funções, mas algumas pessoas podem apresentar distúrbios 30 em alguma das fases desse metabolismo� Não se sabe ao certo as causas para as doenças do metabolismo do glicogênio, mas muitas são com- binações de erros genéticos com erros na síntese e degradação do glicogênio� Por exemplo, quando as moléculas de glicogênio atingem tamanhos maiores do que o normal, o corpo pode passar a ter uma incapacidade em degradar essa molécula e isso pode causar um crescimento patológico das células� Esse cenário de mal funcionamento pode levar à perda funcional do próprio glicogênio como fonte de energia� Entretanto, algumas outras doenças são por causa de deficiência de enzimas. Na tabela a seguir estão resumidas as principais doenças do metabolismo do glicogênio� Trazendo para a prática profissional, é importante sabermos como funciona o normal do metabolismo para entendermos de que maneira profissionais podem atuar tanto junto a pessoas sem essas doenças quanto pessoas que têm doenças do metabolismo do glicogênio� Pois, sabemos agora, o glicogênio tem grande impor- tância como fonte de energia para as células� Se a pessoa tem prejuízos nela, como poderá fazer um exercício, por exemplo? 31 Tabela 1: Doenças do metabolismo do glicogênio Nome Enzima Deficiente Consequências Von Glerke Glicose-6-Fosfatase Acúmulo de glicogênio hepático e hepatomegalia; prejuízos na correção da glicemia em jejum Pompe Alfa-1,4 glicosidase Acúmulo generalizado de glicogênio; insuficiência cardiorrespiratória e pode levar a morte Cori Enzima desrramificadora Leva a hipoglicemia Andersen Enzima Ramificadora Geralmente fatal Fonte: Elaboração Própria� 32 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nosso organismo não é mesmo incrível? Tudo tem um porquê e age como uma dança, bem sincronizada� Porém, se algo sai do eixo, podem ocorrer algumas alterações� Como estudamos nos diferentes metabolismos do carboidrato, nas vias das pentoses, existem pessoas que têm deficiên- cia da enzima glicose-6-fosfato desidrogenase, acarretando alterações nessa via e na produção de moléculas importantes, tal como no metabolismo do glicogênio� Vale lembrar que o glicogênio é um importante polímero de glicose armazenado nas células mus- culares e no fígado de humanos� Pessoas que têm deficiência de enzimas que participam das reações da degradação ou síntese do glicogênio podem apresentar complicações na saúde� Outra atuação incrível é a da neoglicogênese� Se você deixa de se alimentar de forma adequada com carboidratos, como na situação do jejum, o organismo acha uma forma para manter os níveis de glicose alta para você não morrer! Tudo muito bem-organizado e sincronizado� E isso mostra a grande rede complexa que é o organismo, onde uma coisa depende da outra� 33 Sem contar com o equilíbrio ácido-base no nosso organismo� Muitos processos biológicos dependem de um pH variando de 7,35 a 7,45� Se passar muito disso, tanto para cima quanto para baixo, podemos ver prejuízos no funcionamento do corpo e saúde� Portanto, este e-book trouxe informações chaves e bases parao funcionamento normal do nosso corpo e mostra a importância clínica� 34 Referências Bibliográficas & Consultadas BELLÉ, L� P� Bioquímica aplicada: reconhecimento e caracterização de biomoléculas� São Paulo: Érica, 2014� [Minha Biblioteca]� BERG, J� M� Bioquímica� 7� ed� Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017� [Minha Biblioteca]� BROWN, T� A� Bioquímica� Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018� [Minha Biblioteca]� CREMONESE, A� S� Bases da Bioquímica Molecular: estruturas e processos metabólicos� 1� ed� Curitiba: Intersaberes, 2020� [Biblioteca Virtual]� FERRIER, D� R� Bioquímica ilustrada� 7� ed� Porto Alegre: Artmed, 2019� [Minha Biblioteca]� McARDLE, D� W�; KATCH, L� F�; KATCH, L� V� Fisiologia do exercício: energia, nutrição e desempenho humano� 8� ed� Rio Janeiro: Guanabara Koogan, 2016� MARZZOCO, A�; TORRES, B� B� Bioquímica básica� 4� ed� Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017� [Minha Biblioteca]� NELSON, D� L�; COX, M� M� Princípios de Bioquímica de Lehninger� 7� ed� Porto Alegre: Artmed, 2019� [Minha Biblioteca]� RODWELL, V� W� Bioquímica ilustrada de Harper� 31� ed� Porto Alegre: AMGH, 2021� [Minha Biblioteca]� Introdução Noções de equilíbrio ácido-base Sistemas tampão Alterações do equilíbrio ácido-base Metabolismo de carboidratos Glicólise e fermentação Vias das pentoses Neoglicogênese Metabolismo do glicogênio Considerações Finais Referências Bibliográficas & Consultadas