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Paradigmas estruturalistas e pós- estruturalistas Os fundamentos teóricos das ciências humanas e as características singulares de sua epistemologia. Prof. Rodrigo Perez 1. Itens iniciais Propósito Instrumentalizar analistas dos movimentos intelectuais do século XX, demonstrando como se pode discutir e utilizar em seu trabalho. Objetivos Identificar a modernidade epistemológica e a matriz dos paradigmas teóricos estruturalistas. Listar as principais características conceituais dos paradigmas teóricos estruturalistas. Reconhecer como a crise dos valores racionalistas do século XX é a matriz dos paradigmas teóricos pós-estruturalistas. Introdução As ciências sociais e humanas possuem suas particularidades epistemológicas quando comparadas às ciências exatas e biológicas. Uma dessas particularidades aponta para o jeito de observar o objeto estudado: a aproximação com o objeto acontece de forma mediada pelo que costumamos chamar de paradigmas teóricos –as formas de pensar a realidade que possuem dimensão não apenas epistêmica, mas também política. Toda teoria é também um projeto político e, por isso, são tão comuns os conflitos teóricos/políticos nas ciências sociais e humanas. É como se o paradigma teórico fosse o pressuposto da análise, as premissas existenciais, um tipo de lente que o cientista aciona, consciente ou inconscientemente, em seus esforços de visualização do objeto. Se observamos o objeto a partir de determinado paradigma teórico, visualizamos a realidade de um jeito. Se o fazemos à luz de outro paradigma teórico, a realidade é diferente. São os paradigmas teóricos estruturalistas e pós-estruturalistas. Neste estudo, estamos interessados em compreender as diferenças entre duas racionalidades teóricas distintas que marcam a história das ciências sociais e humanas desde o final do século XIX. Dividimos nossa reflexão em quatro partes: compreendemos como a modernidade epistemológica que se afirmou ao longo do século XVIII serviu como contexto para o surgimento da racionalidade teórica estruturalista. Em seguida, estudamos as principais características conceituais dos paradigmas teóricos estruturalistas, como a sociologia durkheimiana, a antropologia lévi-straussiana, o materialismo histórico e a linguística de Ferdinand Saussure. Depois, examinamos a crise do cientificismo ao longo do século XX, que levou ao colapso a racionalidade teórica estruturalista, servindo como matriz para a racionalidade teórica pós- estruturalista. Por último, analisamos as principais características conceituais dos paradigmas pós- estruturalistas. • • • Frontispício da Encyclopédie (1772) demonstra, pela figura do centro, a verdade — rodeada por luz intensa (o símbolo central do iluminismo). 1. Paradigmas teóricos estruturalistas Definindo a modernidade O conceito “A filosofia da história, mediante a qual o burguês antecipa o fim da crise, garantia que a decisão esperada expressava um juízo moral, pois ‘a razão prática reinante’, como dizia Kant, era capaz de fornecer a interpretação ‘autêntica da história’ – uma história como processo moralmente legal” (KOSELLECK, 1999, p. 138). No livro Crítica e crise, o historiador alemão Reinhart Koselleck apresenta uma sofisticada interpretação daquilo que aprendemos a chamar de modernidade. À luz das considerações de Koselleck, podemos definir a modernidade como uma condição geral de existência (envolvendo aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos), que começa a se afirmar na Europa ocidental no século XVI e se consolida plenamente no século XVIII. Um selo impresso no Quirguistão mostra cena do filme "Tempos Modernos", de Charles Chaplin, que satiriza a industrialização mostrando a adequação da sociedade americana diante da nova realidade social. Segundo Koselleck, a principal característica da modernidade foi a construção de uma forma de tratar o tempo histórico segundo a qual a história é um processo em eterno movimento progressivo, impulsionado para o futuro entendido como o lugar da utopia e do progresso. Esse seria o fundamento da filosofia da história moderna, que costumamos chamar de iluminismo, de que Koselleck fala na citação e que encontrou no filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) seu principal representante. A força propulsora desse movimento do processo histórico seria a razão, entendida como algo intrínseco à natureza humana, o que fica claro no termo que o iluminismo inventou para definir a biologia do ser humano: Homo sapiens, que, apesar de aparentemente pertencer ao vocabulário biológico, é categoria filosófica, que trata o humano como um ser naturalmente dotado de capacidade racional. Evolução, Razão e Progresso estão entre as categorias que expressam os valores de modernidade eufórica com a capacidade humana de dominar racionalmente a realidade. Friedrich Nietzsche, por volta de 1875. Retrato do óleo de René Descartes sobre tela 75,5 cm x 68,5 cm Musée du Louvre, Paris. A modernidade, portanto, trata a razão e a ciência como vetores do progresso e da evolução. Era esse otimismo que Friederich Nietzsche (1844-1900) tinha em mente quando, em sua avaliação irônica e crítica da modernidade, escreveu no livro Além do bem e do mal, publicado em 1886, que nos tempos modernos significa “Deus estava morto”. Esse aforismo costuma ser mal compreendido, como se Nietzsche estivesse decretando a morte de Deus como ser existente. O significado da frase é bastante diferente, pois indica que a modernidade, rompendo com a cosmovisão medieval, “matou Deus” na medida em que não mais pensava a realidade a partir da vontade e do arbítrio divinos. No lugar antes ocupado por Deus, como organizador e pleno conhecedor do mundo, a modernidade colocou a racionalidade científica. É como se tivesse acontecido, ainda segundo as considerações de Nietzsche, um “desencantamento” do mundo, seguido de um “reencantamento”. Diante deste novo cenário, observe a seguir algumas características que lhe são devidas: O desencantamento seria a laicização do pensamento, que tirou de Deus o monopólio da potência cognitiva, transferindo-o ao método científico. O reencantamento teria acontecido pela canonização da ciência como nova detentora do saber perfeito, algo que chegou ao limite na filosofia positivista formulada por Auguste Comte (1798-1857), que fundou uma igreja ateia, na qual o objeto de culto era a ciência. Foi nesse clima de euforia e de crença no potencial progressista da razão que se formulou a ciência como hoje a conhecemos. O filósofo francês René Descartes (1596-1650) verbalizou com precisão essa atmosfera de crença na ciência no livro Discurso sobre o método, publicado em 1650. No texto, o autor opera o deslocamento da autoridade epistemológica da qual falamos há pouco. A possibilidade do conhecimento perfeito foi deslocada de Deus para o método. O cientista, então, seria o operador do método e, se o procedimento for realizado da mesma forma por cientistas distintos, a ideia é que os resultados alcançados sejam os mesmos. É nesse sentido que Descartes idealiza um cientista pretensamente universal, incorpóreo, pois independentemente de gênero, raça, latitude e longitude, o sujeito do conhecimento é o operador do método. Qualquer impossibilidade de conhecer determinado objeto não é mais explicada pelo mistério divino, mas sim pela insuficiência metodológica. A promessa da ciência cartesiana, portanto, apontava para a possibilidade do conhecimento perfeito, desde que os cientistas controlassem os procedimentos metodológicos adequados. É aqui, neste ponto, que a formulação cartesiana se encontra com a ideia de processo histórico progressivo: o avanço da história é o avanço da ciência, sendo a utopia o futuro no qual a ciência é tão desenvolvida a ponto de ser capaz de planificar racionalmente a totalidade da existência humana. Escola de Atenas, de Rafael (1483-1520). A racionalidade estruturalista é um dos produtos dessa atmosfera de euforia com a ciência e crença no potencial ilimitado da racionalidade humana,como afirmou François Dosse, autor de um trabalho paradigmático sobre a história dos estruturalismos. Para o autor: As razões desse êxito espetacular dependeram essencialmente do fato de que o estruturalismo se apresentou como método rigoroso que podia ocasionar esperanças a respeito de certos progressos decisivos no rumo da ciência. [...] O triunfo do paradigma estruturalista resulta, em primeiro lugar, de um contexto histórico marcado, desde o século XIX, pela tendência do ocidente a uma temporalidade progressiva. (DOSSE, 1993, p. 13) A articulação, portanto, entre temporalidade progressista e euforia racionalista criou um tipo de demanda para os estudos sociais que a racionalidade estruturalista atendeu perfeitamente: um método capaz de justificar o ingresso dessas disciplinas no concerto das ciências estabelecidas, todas fundadas, em alguma medida, na lógica cartesiana. Características da racionalidade estruturalista Definição A racionalidade estruturalista pode ser definida a partir das seguintes características: Primeira característica A premissa de que as sociedades humanas funcionam como sistemas estruturais cuja mecânica é impulsionada por leis orgânicas. Caberia, então, às ciências interesses nos estudos das sociedades trazerem à luz a dinâmica de funcionamento estrutural. Segunda característica São consideradas como estruturadas e estruturantes. São estruturadas na medida em que existem como estruturas, construídas lentamente em um processo de longuíssima temporalidade. São estruturantes porque são capazes de condicionar o comportamento e a ação dos atores sociais, mesmo que seja à revelia de suas consciências. As pessoas, portanto, em suas vidas cotidianas, reproduziriam inconscientemente os valores estruturais, como aqueles veiculados pela linguagem, pelas crenças religiosas, pelas normas de conduta moral, pelo senso estético. Terceira característica Os indivíduos não são considerados em suas singularidades. Ou seja, a racionalidade estruturalista não está interessada naquilo que as pessoas têm de específico, mas sim naquilo que possuem em comum. Em última instância, a racionalidade estruturalista trata os indivíduos como epifenômenos, como reflexos dessas estruturas. Por isso, o recorte de análise da abordagem da análise científica estruturalista é sempre macrossocial, jamais se restringindo aos indivíduos ou a grupos sociais pequenos. A escrita biográfica, por exemplo, é um gênero de saber considerado de menor importância científica pela racionalidade estruturalista. Quarta característica A ciência de ambição estruturalista é dotada de grande pretensão a respeito da capacidade da razão em produzir conhecimento sobre objetos complexos. Por isso, o estruturalismo nasce como racionalidade científica hegemônica no contexto de afirmação da modernidade iluminista que, como sabemos, é eufórica em relação ao potencial do conhecimento científico em desvelar os mistérios do mundo e promover o progresso. Essa racionalidade estruturalista se manifestou entre o final do século XIX e o fim do século XX em diversos paradigmas teóricos, nas mais variadas disciplinas dos estudos sociais, tais como a sociologia, a história, a antropologia e a linguística. No próximo módulo, estudaremos esses paradigmas. Vamos praticar? Antes de praticar, vamos ouvir o professor Rodrigo Perez falando sobre a construção da modernidade epistemológica e a racionalidade estruturalista. A modernidade e o estruturalismo Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Atividade discursiva Agora, vamos praticar a escrita. Lembre-se de que é fundamental que você procure praticar, pois a competência escritora é importante para consolidar o papel assumido pelas reflexões teóricas. Segundo François Dosse, o êxito da racionalidade estruturalista se explica pela dinâmica da própria modernidade. À luz da consideração de Dosse, discuta as principais características da racionalidade estruturalista. Chave de resposta Você deve compreender que o fundamento da reflexão de Dosse associa o estruturalismo à temporalidade progressista e à euforia moderna com a racionalidade científica. Sendo assim, o estruturalismo opera com as premissas do funcionamento social sistêmico, da existência de estruturas estruturadas e estruturantes, que condicionam o comportamento social à revelia da consciência dos atores sociais. Vamos ouvir o professor Rodrigo Rainha comentando essa questão. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para ouvir o áudio. Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Conceito de estruturalismo Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Racionalidade estruturalista Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado Questão 1 Assinale entre as alternativas a seguir a que melhor define o lugar ocupado pela racionalidade científica nos valores modernos. A Nos valores modernos, a ciência é definida como a manifestação da onisciência divina, o que fez com que a modernidade tenha mantido os valores epistemológicos herdados da Idade Média. B Nos valores modernos, a ciência é definida como a manifestação da revolução dos trabalhadores, o que fez com que a modernidade tenha aderido à orientação ideológica comunista formulada no século XIX. C Nos valores modernos, a ciência é tratada como a ofensa aos valores tradicionais, tais como eram pregados pela Igreja Católica, o que demonstra o apego da modernidade à religiosidade cristã. D Nos valores modernos, a ciência é tratada como vetor do progresso, o que fez com que o conhecimento científico tenha se tornado objeto de grande euforia e expectativa de progresso. E Nos valores modernos, a ciência é tratada como vetor do atraso rumo ao obscurantismo medieval, já que na modernidade o esoterismo fomentou forte sentimento anticientífico. A alternativa D está correta. A ciência e a razão se tornaram os grandes valores modernos, compreendidos como vetores do progresso e evolução humana. Questão 2 No livro Discurso sobre o método, publicado em 1650, o filósofo francês René Descartes verbalizou a grande característica da cultura científica moderna. Assinale, entre as alternativas a seguir, a que melhor apresenta o argumento de Descartes. A Para Descartes, o método, entendido como procedimento objetivo, é o detentor da autoridade cognitiva. B Para Descartes, o cientista, entendido como sujeito dotado de subjetividade, é o detentor da autoridade cognitiva. C Para Descartes, Deus, entendido como potência onisciente, é o detentor da autoridade cognitiva. D Para Descartes, o povo, entendido como potência de soberania política, é o detentor da autoridade cognitiva. E Para Descartes, a Igreja Católica, entendida como instituição autorizada para interpretar os desígnios divinos, é a detentora da autoridade cognitiva. A alternativa A está correta. Em Descartes, o procedimento metodológico é o detentor da autoridade cognitiva, o que sugere que o método, independentemente da subjetividade do cientista, é o caminho para a verdade do objeto. 2. Paradigmas teóricos estruturalistas Em busca dos paradigmas Durkheim “É preciso que nossa sociedade retome a consciência de sua unidade orgânica. Muito bem, senhores, creio que a sociologia está, mais do que qualquer outra ciência, em condições de restaurar essas ideias” (DURKHEIM, 1888, p. 48). Em 1895, Émile Durkheim (1858-1917) escreveu o livro As regras do método sociológico, texto que ficou conhecido como o tratado de fundação da sociologia científica. Émile Durkheim. Capa da edição francesa de As regras do método sociológico. O projeto durkheimiano de transformar a sociologia em uma disciplina autônoma bebe na fonte das discussões teóricas desenvolvidas inicialmente na filosofia positivista de Auguste Comte (1798-1857). O sistema filosófico desenvolvido por Auguste Comte é um dos principais dos tempos modernos e traduzo otimismo científico característico da modernidade. O ponto de partida do pensamento comtiano foi uma reflexão sobre a contradição interna da sociedade do seu tempo. O lema Ordem e Progresso brasileiro é inspirado no lema do positivismo de Auguste Comte: “Amor como princípio e ordem como base; Progresso como meta". Auguste Comte, por Tony Touillon. Como esse momento histórico é caracterizado pela generalização do pensamento científico e da atividade industrial, Comte acredita que o único meio de pôr fim à crise é acelerar o devir, criando o sistema de ideias científicas que presidirá a ordem social vigente. Atenção Em virtude do grande sucesso que as ciências naturais como a física, a química e a biologia tiveram na época, o positivismo apresentou uma primeira tendência de definir as ciências sociais como um desdobramento das ciências naturais. Antes de criar o termo “sociologia”, o próprio Comte chamou de “física social” as suas análises da sociedade. Porém, em um segundo momento, o positivismo estabeleceu diferenças entre os fatos sociais, que dizem respeito às questões humanas, e os fatos naturais, que dizem respeito aos acontecimentos exteriores aos homens. Na esteira das reflexões de Comte, portanto, Durkheim formulou pela primeira vez os termos de um paradigma estruturalista. Como ocorre em uma torcida, os fatos sociais atingem um grupo social e, portanto, são coletivos e não individuais. A premissa fundamental dizia que a sociedade é uma “unidade orgânica”, cujo funcionamento deveria ser compreendido pela razão. Tratava-se de um tipo de método científico, portanto, com grande potencial heurístico, capaz de debruçar sobre realidades sociais ampliadas. A partir do século XIX, em diversos campos das ciências sociais, paradigmas estruturais diferentes propuseram esse tipo de ambição epistemológica. Nosso objetivo aqui é estudar as particularidades de cada um deles, começando pela sociologia durkheimiana. A sociologia durkheimiana Toda a discussão teórica proposta por Durkheim está fundada na concepção de “fato social”, que seria o objeto do novo campo científico que estava se afirmando na época. É, justamente, na definição de “fato social” que podemos perceber os fundamentos da racionalidade estruturalista delineados pelo autor. Para Durkheim, existe “[...] uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por conseguinte, eles não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, já que consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, os quais só têm existência na consciência individual e através dela. Esses fatos constituem portanto uma espécie nova, e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais” (DURKHEIM, 2007 [1895], p. 03-04). Na reflexão de Durkheim, o fato social é diferente de outros, dos “fatos orgânicos”, inerentes à biologia humana, e dos “fatos psíquicos”, pertencentes à esfera da subjetividade individual. Ao delimitar a especificidade do “fato social”, Durkheim está querendo demarcar as particularidades do método científico que seria adequado ao estudo desse objeto. Queremos, especialmente, entender como o “fato social” durkheimiano traduz a racionalidade estruturalista, podendo mesmo ser considerada sua inauguração em termos teórico/metodológicos mais sistematizados. Saiba mais A primeira característica do fato social afirma o seu poder sobre os indivíduos, coagindo-os a seguirem, ainda que inconsciente e independentemente de suas escolhas, as regras da sociedade em que vivem. Essa força se manifesta, por exemplo, quando um indivíduo aprende na infância a falar, a ler e a escrever em seu idioma nativo, quando é criado e se submete a um determinado tipo de formação familiar ou quando está subordinado a certo código de leis ou regras morais. Nessas circunstâncias, o ser humano experimenta a força da sociedade sobre si. A força coercitiva dos fatos sociais torna-se evidente pelas sanções legais ou espontâneas a que o indivíduo está sujeito quando tenta rebelar-se contra ela. Observe a seguir a minúcia de cada um. Legais São as sanções prescritas pela sociedade sob a forma da lei, na qual se define a infração e se estabelece a penalidade correspondente. Espontâneas São as que afloram como resposta a uma conduta considerada inadequada por um grupo ou sociedade. Outra característica do fato social é a sua externalidade. Durkheim afirma que é externa porque é coletiva, como a religião ou o sistema econômico, por exemplo, independentes dos indivíduos, que já os encontram prontos quando nascem e que morrerão antes que esses deixem de existir. Ou seja, existem fora dos indivíduos e são internalizados pelo processo de socialização. Atenção Essas maneiras de agir e pensar são, além de externas, capazes, pelo seu poder coercitivo, de obrigar um indivíduo a adotar um comportamento determinado. A coerção pode se manifestar direta ou indiretamente. A racionalidade estruturalista desenhada por Durkheim influenciou muitos nomes importantes dos estudos sociais desenvolvidos ao longo do século XX, tais como Claude Lévi-Strauss (1908-2009) e Pierre Bourdieu (1930-2022). Lévi-Strauss e Bourdieu Antropologia estruturalista Tanto nos escritos de Lévi-Strauss como nos de Pierre Bourdieu, podemos perceber as heranças do estruturalismo durkheimiano. Claude Lévi-Strauss em 2010. Pierre Bourdieu em 1969. Na vasta obra de Lévi-Strauss, percebemos, talvez, a que tenha sido a mais sofisticada formulação da racionalidade estruturalista já conhecida. Priorizamos as críticas que o antropólogo fez à ciência histórica, sobretudo, nos textos História e etnologia, de 1949, Raça e História, de 1952, As descontinuidades culturais e o desenvolvimento econômico, de 1960, as entrevistas com Georges Charbonnier (1961), e os dois últimos capítulos de O pensamento selvagem, de 1962. Nas palavras do próprio Lévi-Strauss: Pois tudo indica que, ao menos desde o Iluminismo, a história exerça um certo imperialismo entre nós, apoiado sobre a suposta certeza de que a única forma de compreensão dos fatos humanos passa necessariamente pela recuperação do processo que fez com que chegassem a ser como são. E como acreditamos, nós próprios, apreender nosso devir pessoal como uma mudança contínua, parece-nos que o conhecimento histórico vem ao encontro da evidência mais íntima. [...] O evolucionismo não é bem uma "teoria", mas uma "ideologia", ou seja, "um modo de organizar o conhecimento do mundo […], uma visão de mundo, mais geral, que […] permeou todas as disciplinas nos últimos duzentos anos” (STRAUSS, 1962, p. 292) Segundo Lévi-Strauss, os historiadores analisam as sociedades humanas pela lógica da transformação. Já que a história seria um processo em constante movimento, as sociedades deveriam ser estudadas pela premissa da mudança. A perspectiva de Lévi-Strauss é bem diferente, pois ele parte do princípio de que existem estruturas que organizam a vida social e se transformam muito lentamente, na medida em que essa estruturação se daria à revelia da vontade e da consciência dos atores sociais. Comentário A história seria, então, mais de permanências do que de transformações, sendo o objetivo do cientista da sociedade mostrar como essas estruturas têm grande capacidade de sobrevivência no tempo e no espaço, podendo ser encontradas em grupos que viveram em diferentes épocas e que vivem em diferentes territórios. Por isso, o tema preferido para Lévi-Strauss é a religião, também largamente estudada por Durkheim, que afirmou que as religiões primitivas estabeleceram estruturas que podem ser encontradas, com poucas variações, em todos os sistemas religiosos. O estruturalismo, nesse sentido, está preocupado em compreender aquilo que a sociedades humanas possuem em comum, pois entendem que as eventuais transformações são superficiais, pois as“estruturas profundas”, para usar as palavras do próprio Lévi-Strauss, seriam mantidas relativamente inalteradas. O habitus de Pierre Bourdieu O sociólogo francês Pierre Bourdieu é outro importante nome dos estudos sociais desenvolvidos ao longo do século XX. Tendo produzido ampla e diversificada obra, explorando temas desde o funcionamento dos campos científico e artístico até o sistema educacional e a dimensão sociológica da mídia televisiva na sociedade moderna de massa, Bourdieu é um dos mais sofisticados herdeiros da racionalidade estruturalista. As marcas do estruturalismo na obra de Bourdieu se manifestam especialmente no conceito habitus, presente em praticamente todos os trabalhos do sociólogo: O habitus preenche uma função que, em uma outra filosofia, confiamos à consciência transcendental: é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo como a ação nesse mundo. [...] E quando as estruturas incorporadas e as estruturas objetivas estão de acordo, quando a percepção é constituída de acordo com as estruturas do que é percebido, tudo parece evidente, tudo parece dado. É a experiência dóxica pela qual atribuímos ao mundo uma crença mais profunda do que todas as crenças (no sentido comum) já que ela não se pensa como uma crença. (BOURDIEU, 1996, p. 144) O habitus seria a estrutura “incorporada” na materialidade da vida social por todos os indivíduos, mesmo que eles não se deem conta. Observe a seguir o habitus, que é uma subjetividade socializada, por um mesmo sujeito em diferentes espaços sociais. A incorporação é tão profunda que o habitus chega a ser tratado por Bourdieu como uma espécie de “segunda natureza”, ou uma “natureza socializada”, pois os indivíduos não se dão conta de que aqueles valores e as convicções tão arraigados são elaborações e representações sociais. Atenção O habitus, portanto, é a estrutura estruturada e estruturante que condiciona e prefigura o comportamento social. A racionalidade estruturalista se manifestou, ainda, em outros modelos teóricos nos estudos sociais, como o materialismo histórico de dimensões marxistas representado por Louis Althusser (1918-1990) e na teoria da linguagem desenvolvida por Ferdinand de Saussure (1857-1913). O estruturalismo do materialismo histórico Althusser Althusser afirma que todas as sociedades humanas são estruturalmente organizadas naquilo que o autor, ecoando Marx e Engels, chama de “modo de produção”, que é a forma como se organiza a produção e a distribuição da riqueza material. Na modernidade, essa estrutura é caracterizada pela dominação de uma classe sobre a outra, da burguesia sobre o proletariado, o que faz com que a riqueza material seja desigualmente distribuída. Nas palavras do autor: Toda formação social concreta depende de um modo de produção dominante. Esta afirmação implica que se existe um modo de produção dominante, existem outros modos de produção que não são dominantes, modos de produção dominados. Destes denominados “dominados” uns são subsistentes da formação social anterior, outros são os novos modos que nascem da formação atual em forma germinal. É possível observar nas formações sociais uma complexidade contraditória de seus fatos empíricos e, também, um enfrentamento de tendências igualmente contraditórias, todas evidenciadas pela sua história (transformações políticas, econômicas etc.). Isso é devido, justamente, à pluralidade nos modos de produção, a dominância de um modo de produção presente sobre os antigos (reabsorvidos) e os novos. (ALTHUSSER, 1999, p. 44) Para que essa estrutura continue existindo, ela precisa de aparelhos de dominação que mantenham os explorados sob controle, em seu lugar na estrutura capitalista. Althusser fala em dois tipos de aparelhos de dominação: Aparelhos Repressivos do Estado (ARE) Agem massivamente pela força e secundariamente pela ideologia, são eles: governo, exército e prisões. Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE) Agem massivamente pela ideologia e secundariamente pela força, são eles: religioso, familiar, escolar, jurídico, político, sindical, da informação e cultural. Para Althusser, a ideologia tem uma existência material, ou seja, ela existe a partir de determinadas práticas materiais reguladas por instituições materiais. Saussure Entre 1906 e 19011, Saussure ministrou na Universidade de Paris o seu Curso de Linguística Geral, que viria a ser publicado postumamente em 1916. No curso, o professor tratou das regras da linguística, campo disciplinar ainda em consolidação na época. Segundo Saussure, “língua” e “fala” estão em oposição uma à outra: Língua É a estrutura comum, cuja função é mediar a relação dos seres humanos com a realidade, fazendo-se presente em toda e qualquer cultura. Fala É a expressão singular de cada cultura, é a variável no uso prático da linguagem. Caberia à ciência da linguagem, então, estudar a língua, em perspectiva diacrônica (em sua historicidade) e em perspectiva sincrônica (seu funcionamento sistêmico). Segundo Saussure: A língua é um sistema de valores que se opõem uns aos outros. Ela está depositada como produto social na mente de cada falante de uma comunidade e possui homogeneidade. Por isto é o objeto da linguística propriamente dita. Diferente da fala que é um ato individual e está sujeito a fatores externos, muitos desses não linguísticos e, portanto, não passíveis de análise. (SAUSSURE, 1993, p. 23) Também na ciência histórica, a racionalidade estruturalista foi hegemônica ao longo do século XX, com o movimento historiográfico que ficou conhecido como Escola dos Annales. A história social francesa Escola dos Annales Em 1929, os jovens historiadores medievalistas franceses Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956) fundaram uma revista acadêmica especializada nos estudos históricos, intitulada Annales d’histoire économique et sociale. Marc Bloch. Lucien Febvre. A revista reuniu diversos pesquisadores de outros campos disciplinares, incluindo o sociólogo durkheimiano Maurice Halbwachs. Com o tempo, o periódico se fortaleceu, ganhou prestígio e se tornou símbolo do mais importante movimento historiográfico da historiografia moderna, conhecido como Escola dos Annales. Comentário A proposta era formular uma historiografia interdisciplinar e que priorizasse os aspectos sociais e econômicos das experiências humanas. Os Annales recusavam produzir uma análise centrada apenas nos fatos passados, pois consideravam o evento a “espuma da história”, na formulação bastante conhecida de Fernand Braudel, um dos mais destacados membros da Escola dos Annales. Tratava-se, então, de uma “história total” capaz de conectar os diversos aspectos das experiências humanas no tempo e lançava luz sobre a dinâmica dos processos históricos de longa temporalidade. No livro Apologia da história, o texto mais emblemático de toda a bibliografia produzida pela Escola dos Annales, Marc Bloch deixou clara a influência durkheimiana nesse projeto historiográfico: Ilustração do senso sistêmico e abstrato de comunidade. Diz-se algumas vezes: "A história é a ciência do passado." É [no meu modo de ver] falar errado. [Pois, em primeiro lugar,] a própria ideia de que o passado, enquanto tal, possa ser objeto de ciência é absurda. [...] o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens. Mais que o singular, favorável à abstração, o plural, que é o modo gramatical da relatividade, convém a uma ciência da diversidade. Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou as máquinas,] por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali estáa sua caça. (BLOCH, 2001, p. 53-54) Segundo Bloch, o objeto de estudos da história não é o passado, nem o homem, no singular. Trata-se de um estudo sobre os “homens no tempo”, da coletividade humana em seu processo histórico de longa temporalidade. Os Annales são herdeiros da teoria sociológica durkheimiana, que chegou aos historiadores por intermédio de sociólogos como o já citado Maurice Halbwachs e François Simiand. Como percebemos, a racionalidade estruturalista teorizada por Émile Durkheim, a partir de seu diálogo com a filosofia positivista de Auguste Comte, teve vida longa nos estudos sociais ao longo do século XX. Tratava-se de uma orientação teórica ambiciosa em relação ao potencial da ciência em conhecer o funcionamento total e sistêmico das sociedades humanas. O estruturalismo, portanto, é um dos produtos da euforia racionalista moderna, que se esgotou na segunda metade do século XX, levando a própria racionalidade estruturalista à situação de crise. É isso que estudaremos no próximo módulo. Vamos praticar? Antes de praticar, vamos ver como o professor Rodrigo Perez lida com a complexa lista de autores que nos ajudam a entender o estruturalismo. Os pensadores estruturalistas O professor Rodrigo Perez dialoga com os autores do estruturalismo, costurando o centro dos debates que observamos até aqui. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Atividade discursiva Agora, vamos praticar a escrita. Lembre-se de que é fundamental que você procure praticar, pois a competência escritora é importante para consolidar o papel assumido pelas reflexões teóricas. A concepção durkheimiana de “fato social” traduz a racionalidade estruturalista. Por outro lado, foi no diálogo crítico com os historiadores que Claude Lévi-Strauss desenvolveu uma das principais marcas teóricas da racionalidade estruturalista. Já Aa obra do sociólogo francês Pierre Bourdieu, trata a racionalidade estruturalista se manifestou conceito habitus. Relacione os conceitos desenvolvidos pelos três autores e discuta os paradigmas do estruturalismo. Chave de resposta A concepção durkheimiana de “fato social” está baseada na ideia de que o comportamento individual é estruturado por forças que independem da agência e da vontade dos sujeitos, e que agem à revelia de suas consciências. Lévi-Strauss, criticando os historiadores, propôs que as sociedades humanas fossem estudadas mais pelas suas permanências do que pelas mudanças. Habitus significa a estrutura estruturada e capaz de estruturar o comportamento individual de uma forma tão profunda, que é percebida pelos atores sociais como se fosse parte da natureza. Vamos agora ouvir o professor Rodrigo Rainha comentando essa questão. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para ouvir o áudio. Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Estruturalismo de Lévi-Strauss e Bourdieu Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Estruturalismo de Althusser Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado Questão 1 Tanto Émile Durkheim como Claude Lévi-Strauss dedicaram bastante atenção às religiões. Assinale entre as alternativas a seguir a que explica essa afirmação. A Os autores partem da premissa de que as religiões traduzem a vocação humana para o apego emocional ao sagrado. B Os autores afirmam que as religiões mostram como, ao longo da história, as sociedades humanas jamais saíram da posição do atraso. C Os autores afirmam que as religiões mostram como, ao longo da história, as sociedades humanas sempre foram politeístas. D Os autores afirmam que as religiões primitivistas estabeleceram estruturas simbólicas que se mantiveram relativamente inalteradas em outros sistemas religiosos. E Os autores afirmam que as religiões mostram a vocação humana para a transformação, na medida em que os sistemas religiosos seriam profundamente diferentes entre si. A alternativa D está correta. Tanto Durkheim como Lévi-Strauss viram nos sistemas religiosos a sobrevivência de estruturas comuns estabelecidas pelas religiões primitivas. Questão 2 Tanto Louis Althusser como Ferdinand de Saussure se apropriaram da racionalidade estruturalista, mas fizeram de modos distintos. Assinale entre as alternativas a seguir a que melhor define essa diferença. A Enquanto Althusser trata a cultura como estrutura estruturante da vida social, Saussure define a linguagem. B Enquanto Althusser trata a linguagem como estrutura estruturante da vida social, Saussure define a cultura. C Enquanto Althusser trata o modo de produção como estrutura estruturante da vida social, Saussure define a linguagem. D Enquanto Althusser trata a linguagem como estrutura estruturante da vida social, Saussure define o modo de produção. E Enquanto Althusser trata a cultura como estrutura estruturante da vida social, Saussure define o modo de produção. A alternativa C está correta. Há uma diferença fundamental entre as teorizações de Althusser e Saussure no que se refere à estrutura que é capaz de condicionar a vida social. Para Althusser, essa estrutura é o modo de produção e para Saussure é a linguagem. 3. Crise do estruturalismo A crise da racionalidade estruturalista O fim do estruturalismo? Na utopia iluminista formulada no século XVIII, o século XX era o futuro, o momento da consagração do processo histórico evolutivo impulsionado pela razão. O século XX seria o momento em que o desenvolvimento da ciência chegaria em sua plenitude, e sua máxima capacidade de promover o progresso da humanidade. A vida prometida era o conforto material, o aprimoramento dos meios de comunicação e transporte e a paz universal. O século XX não apenas deixou de cumprir a promessa. Representou mesmo a sua negação. Observe a seguir a descrição dos porquês: 1 Duas guerras de dimensões mundiais em um período de apenas trinta anos. 2 Criação de multiplicação de armas de destruição em massa com potencial nunca antes visto. 3 Ataque nuclear sobre cidades, ocasionando a morte de milhares de civis. 4 Possibilidade de conflito direto entre duas potências nucleares. A ciência que prometia progresso e felicidade mundial se tornou a indutora da barbárie e da destruição. Esse ambiente provocou certo desencantamento em relação às promessas da modernidade, dando origem, em fins do século XX, ao que alguns autores passariam a chamar de “pós-modernidade”. Imagens da Primeira Guerra Mundial. De cima para baixo, da esquerda para a direita: trincheiras na Frente Ocidental, avião bi-planador Albatros D.III, Tanque britânico Mark I cruza uma trincheira, metralhadora comandada por um soldado usando máscara contra gases e o fundamento do navio de guerra HMS Irresistible após bater em mina. Esse clima de frustração e desencantamento foi alegorizado em diversas manifestações artísticas, como demonstra o historiador Albuquerque Júnior: Jean-Francois Lyotard. Em Rapsódia de Agosto, filme de Akira Kurosawa, ao olhar no horizonte e ver o cogumelo atômico, uma japonesa pensa ver um grande olho vermelho, cheio de raios de sangue, a piscar pra ela. Essa talvez tenha sido a primeira piscadela da pós-modernidade. Neste acontecimento simbólico, se condena todo o fracasso da modernidade, a falência do humanismo e o fim do sonho iluminista. Todas as promessas da filosofia da história no século XIX, de uma história teleológica, atravessada pela razão, em direção à civilização, ao progresso, à liberdade, à igualdade e à fraternidade são calcinadas junto com milhões de japoneses. A validade destas metanarrativas que tentaram unificar a totalidade da experiência histórica da modernidade, dentro de um projeto de emancipação humana global, é contestado violentamente. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p. 56) Se nos séculos XVIII e XIX, a modernidade iluminista havia “matado Deus e promovido um desencantamento total do mundo”, como disse Nietzsche, o século XXmatou o “Deus ciência” e desencantou o mundo pela segunda vez. Saiba mais É esse segundo desencantamento que está alegorizado no filme dirigido por Akira Kurosawa e analisado por Durval Muniz. O cogumelo atômico simboliza a racionalidade científica que a modernidade iluminista definiu como provedora do progresso e da felicidade e o século XX mostrou ser o promotor da morte e da destruição. Como argumentou o historiador inglês Keith Jenkins, “após as proclamações oitocentistas da morte de Deus (a metanarrativa teológica), ocorre também a morte dos substitutos temporais dele. O final do século XIX e o século XX assistiram a um solapamento da razão e da ciência. O fenômeno que tornou problemáticos todos aqueles discursos, que se fundamentavam nelas e tinham pretensão à verdade; todo o projeto do iluminismo” (JENKINS, 2007, p. 95). O filósofo francês François Lyotard examinou os impactos dessa crise da modernidade científica na esfera da produção de saberes. Segundo Lyotard, a história do conhecimento é marcada pelo funcionamento de “jogos de linguagem” (conceito que o autor busca no filósofo alemão Wittgenstein), cujo objetivo é legitimar politicamente os dispositivos epistêmicos que regem cognitivamente as sociedades humanas. Observe o esquema a seguir: Antiguidade Na Antiguidade Clássica, por exemplo, a legitimação do conhecimento acontecia deliberadamente pelos valores políticos da vida em comunidade, na aristocracia de letrados de Platão, ou na ética circunstanciada de Aristóteles (phronesis). Idade Média Na Idade Média, a legitimação era garantida pela promessa do domínio do conhecimento autorizado por Deus. Modernidade Na modernidade cartesiano/ iluminista, a legitimação era garantida pela afirmação da viabilidade do conhecimento metodologicamente balizado, dominado por experts, e comprometido com o progresso. Contemporaneidade A contemporaneidade, a partir da segunda metade do século XX com os impactos da Segunda Guerra Mundial, teria inaugurado outra lógica linguística de legitimação, garantida pelas ideias de desempenho, eficiência e informação. O valor do conhecimento, então, passa a ser definido por sua capacidade em oferecer informações para os “tomadores de decisão”, que não mais a classe política tradicional, mas sim os chefes das grandes corporações. Pós-modernidadeee Pós-modernidade, portanto, para François Lyotard, significa a lógica contemporânea, marcada pela rejeição ao valores que fundaram a modernidade, especialmente das filosofias progressistas da história como discursos de legitimação do conhecimento. Segundo Lyotard (2009, p. 05), nesta transformação, a natureza do saber não permanece intacta. Ele não pode submeter-se aos novos canais, e manter-se operacional, a não ser que o conhecimento possa ser traduzido em quantidade de informação. Pode-se então prever que tudo o que no saber constituído não é traduzível será abandonado e que a orientação das novas pesquisas se subordinará à condição de tradutibilidade dos resultados eventuais em linguagem de máquina. [...] O antigo princípio segundo o qual o saber é indissociável da formação (bildung) do espírito, e mesmo da pessoa, cai e cairá cada vez mais em desuso. Ceticismo entre a população. As ruínas de Guernica, Espanha, após os bombardeios. Assembleia da Liga das Nações em Genebra, Suíça, 1930. Durante o conflito, o Eixo teve planos de invadir o território suíço. Aquele conjunto de valores que, como vimos há pouco, sustentou a viabilidade da racionalidade estruturalista, foram implodidos pela história do século XX. Não mais existia a euforia progressista, a convicção de que a ciência fosse capaz de iluminar o funcionamento total e sistêmico das sociedades humanas. A atmosfera era outra, marcada pelo ceticismo, pela dúvida e pela drástica redução das expectativas envolvendo a real capacidade do método científico em desvelar as verdades da realidade. Foi nesse contexto que aconteceu uma profunda reorientação teórica nas ciências humanas e sociais, como surgimento de novos paradigmas, que costumamos chamar de “pós- estruturalistas”. Na próxima seção, estudamos com cuidado esses modelos. Pós-estruturalismo Paradigmas pós-estruturalistas O uso da aviação como arma militar na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O colapso do liberalismo político e a ascensão do nazifascismo na década de 1930. O uso ciência para fins de destruição em massa na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A queda do muro de Berlim, nos anos 1980. Uma por uma, as utopias modernistas colapsaram ao longo do século XX, levando o Ocidente, como sabemos, à atmosfera de desilusão com as promessas derivadas do iluminismo. Esse desencantamento atingiu em cheio as expectativas depositadas em diversos campos da atividade científica, especialmente aqueles dedicados ao estudo das sociedades humanas. A partir da segunda metade do século XX, portanto, as ciências sociais e humanas redimensionaram suas ambições, abdicando da pretensão estruturalista de compreender a totalidade do funcionamento sistêmico das coletividades sociais. Assim, surgiu uma nova modalidade de racionalidade teórica nas ciências sociais e humanas, que costumamos chamar de “pós-estruturalismos”. A antropologia simbólica do antropólogo norte-americano Clifford Geertz (1926-2006) foi a primeira manifestação teórica dessa racionalidade pós-estruturalista, que trouxe a experiência para o primeiro plano das preocupações dos estudos sociais, em detrimento da estrutura, prioridade para a tradição durkheimiana. Para Geertz “[...], esse padrão se confirma no caso do conceito de cultura, em torno do qual surgiu todo o estudo da antropologia e cujo âmbito essa matéria tem se preocupado cada vez mais em limitar, especificar, enfocar e conter. É justamente a essa redução do conceito de cultura a uma dimensão justa, que realmente assegure a sua importância continuada em vez de debilitá-lo, que os ensaios abaixo são dedicados, em suas diferentes formas e direções” (GEERTZ, 2008, p. 04). Atenção Geertz está criticando diretamente o conceito de cultura formulado por Lévi-Strauss, um dos desdobramentos da teoria sociológica durkheimiana, a fundadora da racionalidade estruturalista. Em um ambiente científico menos pretensioso, Clifford Geertz propôs a limitação, a redução e a contenção do conceito de cultura a uma dimensão mais justa que permitisse seu estudo por uma ciência social comprometida com as experiências e que não mais acha viável o projeto de uma análise total do funcionamento das sociedades humanas, como era a ambição dos paradigmas estruturalistas. Mas que conceito é esse que Geertz propõe? “O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo tentam demonstrar, é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significado que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura de significado” (GEERTZ, 2008, p. 4). Geertz Em 1989, Geertz publicou o livro A interpretação das culturas, no qual se apropriou do conceito de cultura tal como havia sido definido pela sociologia weberiana. Posicionamento filosófico Criticou a tradição antropológica lévi- straussiana e, portanto, afastando-se completamente da abordagem característica da racionalidade estruturalista. Antropologia Hermenêutica - Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci. Caboclo por Jean-Baptiste Debret 1834. Antropologia Simbólica - Rinha de galo. Buscando inspiração na tradição weberiana, que em diversos aspectos tensiona com a tradição durkheimiana, Geertz nega que o estatuto de estrutura possa ser atribuído à cultura. Cultura, então, seria uma rede de sentidos na qual os atores sociais estão emaranhados. Esse conceito possui desdobramentos teóricos importantes para a racionalidade científica, como o próprio Geertz evidencia: “A teoria precisa conservar-se mais próxima do terreno do que pareceser o caso em ciências mais capazes de se abandonarem a uma abstração imaginativa. Somente pequenos voos de raciocínio tendem a ser efetivos em antropologia: voos mais longos tendem a se perder em sonhos lógicos, e embrutecimentos acadêmicos com simetria formal. O pontal global da abordagem semiótica da cultura, é, como já disse, auxiliar-nos a ganhar acesso ao mundo conceitual no qual vivem os nossos sujeitos, de forma, a podermos, num sentido um tanto mais amplo, conversar com eles” (GEERTZ, 2008, p. 17). Ferramenta de madeira para tecer. Quaderni storici é um periódico de pesquisa histórica fundado em 1966 e publicado pela editora il Mulino. À luz do conceito de cultura proposto pelo autor, a abordagem científica adequada seria aquela mais modesta em suas pretensões, que ambicionasse estudar os significados simbólicos da especificidade dos fenômenos sociais, das experiências circunscritas, como no exemplo das “piscadelas”, citado por Geertz. Comentário Se toda experiência social é dotada de sentido simbólico, argumenta o autor, até mesmo uma simples piscadela pode ser objeto de uma ciência da sociedade, que, em perspectiva microssocial, deveria se debruçar sobre o evento, buscando situá-lo na rede simbólica dentro da qual possui significado específico. Se é chiste, paquera ou tique nervoso, a priori nenhuma explicação meramente abstrata e teórica poderia dar conta do significado de uma piscadela específica. Apenas a reconstrução empírica, detida e contida nas particularidades daquele fenômeno seria capaz de fazê-lo. Assim, Geertz propõe uma ciência social empírica, fenomenológica, que desconfia dos “grandes voos de raciocínio”, cuja teoria esteja sempre próxima do plano no qual, de fato, desenrolam-se as experiências sociais. Trata-se de uma proposta científica modesta que se não abre completamente do desejo cartesiano em conhecer metodologicamente a realidade, abandona de todo as grandes ambições da ciência total estruturalista. A racionalidade pós-estruturalista de Geertz foi bastante influente nas ciências sociais humanas na virada do século XX para o século XXI, em especial na historiografia, com a micro-história e a nova história cultural. Micro-história e a nova história cultural A historiografia pós-estruturalista A micro-história italiana nasceu dos debates desenvolvidos por um pequeno grupo de historiadores reunidos em torno da revista Quaderni Storici, que questionaram o rendimento das macroanálises historiográficas. Desafiava-se, assim, a hegemonia da história social francesa, propondo o redimensionamento das escalas de análise, observando os atores históricos em suas redes microssociais, partindo da premissa de que gestos cotidianos são dotados de sentido e devem ser examinados pela historiografia. O giro ao concreto, às subjetividades, mudou o estatuto do indivíduo na historiografia. Se nas abordagens estruturalistas, o indivíduo era anônimo, epifenômeno, cujas particularidades eram secundárias em relação às totalidades Carlo Ginzburg. Galileu Galilei, por Justus Sustermans 1636. sociais, agora passa a ser o objeto a ser explorado pela razão historiográfica, capaz de agência própria e dotado de subjetividade. Em 1986, o historiador italiano Carlo Ginzburg sistematizou um método histórico que contrariava os preceitos do estruturalismo historiográfico característico da história social francesa desenvolvida pela Escola dos Annales. O tema do ensaio é o fortalecimento, no âmbito das ciências humanas, de um modelo epistemológico que, segundo o autor, ainda não havia sido alvo da atenção dos cientistas. Trata-se do “paradigma indiciário”, que Ginzburg afirma ser o mais adequado para o atual estágio da historiografia pós-estruturalista. Carlo Ginzburg afirma que “a análise desse paradigma, amplamente operante de fato, ainda que não teorizado explicitamente, talvez possa ajudar a sair dos incômodos da contraposição entre ‘racionalismo’ e ‘irracionalismo’” (GINZBURG; 1989, p. 143). Atenção Em contraposição ao modelo indiciário, o autor apresenta outro modelo científico, que ele chama de galileana: “a ciência galileana tinha uma natureza totalmente diversa, que poderia adotar o lema escolástico do individuum est ineffabile, do que é individual não se pode falar. O emprego da matemática e o método experimental, de fato, implicavam respectivamente a quantificação e a repetibilidade dos fenômenos” (GINZBURG, 1989, p. 156). Ginzburg chama de ciência galileana o que aqui chamamos de estruturalismos. O argumento do autor é que ambos os modelos, o galileano e o indiciário, fazem parte do repertório científico ocidental. Porém, o modelo galileano, ou estruturalista, seria inadequado à história por ela ser “uma disciplina eminentemente qualitativa, que tem por objeto casos, situações e documentos individuais, enquanto individuais, e justamente por isso alcançam resultados que têm uma margem ineliminável de casualidade. [...] Tudo isso explica por que a história nunca conseguiu se tornar uma ciência galileana” (GINZBURG, 2018, p. 157). De modo semelhante à micro-história, a nova história cultural tem como objeto o indivíduo em suas relações sociais, agente de suas vontades, movido por representações coletivamente compartilhadas, e capaz de produzir representações relativamente autônomas. A nova história cultural, portanto, é uma manifestação no campo da historiografia da racionalidade pós- estruturalista, fundada, justamente, nas ideais de experiência, agência e subjetividades. As reflexões desenvolvidas pela historiadora norte-americana Lynn Hunt e pelo historiador francês Roger Chartier foram fundamentais para o desenvolvimento dos pressupostos teórico-metodológicos da nova história cultural. Roger Chartier. Certamente, a noção de que existe uma nova forma de história cultural deve-se ao livro A nova cultura histórica, escrito por Lynn Hunt e publicado em 1989. A partir de então, cada vez mais os historiadores interessados nesse tipo de temática passaram a se distanciar da proposta analítica das mentalidades e a se aproximar dos estudos mais atentos às práticas e representações específicas. Para Roger Chartier, as proposições de Lynn Hunt, de fato, eram inovadoras em relação aos estudos desenvolvidos nos quadros da história das mentalidades: “essa nova história cultural se faz mais de estudos de caso do que de teorização global, levou os historiadores a refletir sobre as suas próprias práticas e, em particular, sobre as escolhas conscientes ou as determinações ignoradas que comandavam o seu modo de construir as narrativas e as análises históricas” (CHARTIER, 1990, p. 30). Novamente, estamos diante daquela que é a principal característica da historiografia pós- estruturalista: a dimensão monográfica do recorte nos objetos de pesquisa. Para Lynn Hunt, essa “nova” história cultural possui uma característica fundamental: “centrar a sua atenção sobre as linguagens, as representações e as práticas, a nova história cultural propõe um modo inédito de compreender as relações entre as formas simbólicas e o mundo social. A uma abordagem clássica, ligada à localização objetiva das divisões e das diferenças sociais, ela opõe a sua construção móvel, instável, conflitual, a partir das práticas sem discurso, das lutas de representação e dos efeitos performativos dos discursos” (HUNT, 1989, p. 45). Como percebemos, a nova história cultural está fundada nos conceitos de discurso, prática e representação, tratados em perspectiva bastante distinta da marxista, que definiu a ideologia como representação. Para a nova história cultural, representação não é o falseamento da realidade produzido deliberadamente pela estrutura do poder, mas sim como os indivíduos, em suas vidas práticas, constroem sentidos para significar suas ações, também práticas. Atenção Toda a representação, nesse sentido, seria sociologicamente verdadeira, na medida em que teria razões práticas para existir. O que está em questão para a nova história cultural não é a dicotomia “verdade X mentira”, comose verdade e mentira fossem dados objetivos da realidade e externos às representações. O objetivo, em vez disso, é compreender o sentido prático das representações culturais, como respondem às urgências da prática social, que mudam de acordo com conjunturas específicas. O declínio da racionalidade estruturalista e a afirmação da racionalista pós-estruturalista provocou mudanças profundas no marxismo, um dos principais sistemas de pensamento criados na modernidade. Marxismo pós-estruturalista Edward Thompson Edward Thompson discursando durante uma manifestação antinuclear em Oxford, 1980. No âmbito do pensamento marxista, a racionalidade pós-estruturalista foi representada pelo historiador inglês Edward Palmer Thompson (1924-1993), que no livro A miséria da Teoria, de 1967, criticou o estruturalismo materialista de Louis Althusser. A crítica de Thompson não pode ser deslocada da atmosfera científica que afirmou a racionalidade pós-estruturalista. Ao criticar o estruturalismo althusseriano, Thompson formou as bases daquilo que se convencionou chamar de “nova esquerda”, caracterizada insatisfação com a dimensão universal do conceito de “classe operária” da esquerda marxista tradicional, que seria insensível a outros marcadores de violência e exploração, como gênero e raça. ”A classe se delineia segundo o modo como os homens e mulheres vivem suas relações de produção e segundo a experiência de suas situações determinadas, no interior do conjunto de suas relações pessoais, com a cultura e as expectativas a eles transmitidas e com base no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural. Em uma análise comparativa, o modelo tem apenas valor heurístico, passível de geralmente redundar em perigo dada sua tendência em direção e uma estase conceitual. Na história, nenhuma formação de classe específica é mais autêntica ou mais real que a outra. As classes se definem de acordo com o modo como tal formação acontece efetivamente” (THOMPSON, 2013, p. 310). A exemplo do que fizeram os outros paradigmas pós-estruturalistas, o marxismo revisado de Thompson traz as experiências ao primeiro plano das suas preocupações analíticas. Antes de ser um conceito formulado pelo analista, a classe é uma experiencia social concreta, que envolve diversos aspectos da existência humana, como trabalho, cultura, família e religião. Vamos praticar? Antes de praticar, o professor Rodrigo Perez apresenta algumas visões importantes do pós-estruturalismo e suas tendências. Caminhos da história Confira agora um resumo do tema. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Atividade discursiva Agora, vamos praticar a escrita. É essencial que você tente praticar, pois a competência escritora é muito importante para consolidar os conceitos aprendidos. Na segunda metade do século XX, a racionalidade estruturalista entrou em crise. Por outro lado, novas concepções epistemológicas entraram em jogo. Podemos pensar, por exemplo, na antropologia simbólica formulada por Clifford Geertz, que criticou tradições teóricas estabelecidas dentro das ciências sociais e humanas. Ou, na abordagem historiográfica da micro-história italiana, bem como a nova história cultural foram inspiradas pela racionalidade pós-estruturalista sistematizada por Clifford Geertz. À luz dessas considerações, discorra sobre a crise da racionalidade estruturalista e relacione-a com as novas epistemologias e abordagens historiográficas. Chave de resposta Você deve compreender que o uso da ciência com finalidade de destruição em massa ao longo do século XX levou ao desencantamento em relação à promessa iluminista, que definia o conhecimento científico como promotor do progresso. Essa atmosfera levou à crise da racionalista estruturalista. Ao buscar inspiração da tradição weberiana, que define a cultura como “rede de sentidos”, Geertz se afastou da tradição francesa de Durkheim e Lévi-Strauss, trazendo as experiências sociais para o primeiro plano da reflexão científica. A bibliografia da historiografia pós-estruturalista mostra como tanto a micro história quanto a nova história cultural propuseram estudos de caso de objetos rigidamente delimitados, em uma lógica científica empírica e fenomenológica, que em diversos aspectos se distanciou da racionalidade estruturalista. Vamos agora ouvir o professor Rodrigo Rainha comentando essa questão. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para ouvir o áudio. Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. Clifford Geertz e a história Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. A micro-história e a nova história cultural Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado Questão 1 A crise do racionalismo moderno ao longo do século XX impactou diretamente o funcionamento dos diversos campos científicos destinados ao estudo das sociedades humanas. Assinale, entre as alternativas a seguir, a que melhor explica essa afirmação. A O impacto se deu na forma do desaparecimento das ciências sociais, restando à atividade científica apenas o estudo dos fenômenos naturais e biológicos. B O impacto se deu na forma do fortalecimento das ciências sociais, que se apropriaram dos estudos dos fenômenos naturais e biológicos. C O impacto se deu no fortalecimento da racionalista estruturalista, o que aumentou ainda mais as ambições epistemológicas das ciências sociais e humanas. D O impacto se deu no fortalecimento da teoria marxista, que se tornou hegemônica no campo das ciências sociais e humanas. E O impacto se deu no colapso da racionalidade estruturalista, o que redimensionou as pretensões epistemológicas das ciências sociais e humanas. A alternativa E está correta. A crise do racionalismo no século XX diminuiu as ambições das ciências sociais e humanas, trazendo as experiências ao primeiro plano da análise em detrimento das estruturas. Questão 2 A racionalidade pós-estruturalista formulada por Geertz influenciou paradigmas dentro da historiografia. Assinale entre as alternativas a seguir a que melhor cita exemplos dessa influência. A A historiografia marxista inspirada na teoria sociológica de Louis Althusser. B A história social francesa desenvolvida pelos Annales de Marc Bloch e Lucien Febvre. C A história social francesa desenvolvida por Louis Althusser. D A micro-história italiana e a nova história cultural francesa. E A micro-história italiana e a história social francesa desenvolvida pelos Annales de Marc Bloch e Lucien Febvre. A alternativa D está correta. Tanto a micro-história italiana como a nova história cultural rejeitaram a abordagem estruturalista, propondo que a perspectiva monográfica de estudo das experiências fosse trazida ao primeiro plano da racionalidade científica. 4. Conclusão Considerações finais Em nosso estudo, vimos como a produção científica é sempre o produto do seu próprio tempo. A ciência traduz, portanto, as expectativas e ambições dos seres humanos dedicados ao estudo metodológico da realidade. Por isso, a ciência moderna, que nasce em um contexto de avanços tecnológicos e grandes descobertas pelas sociedades ocidentais entre os séculos XVII e XIX, era muito pretensiosa e considerava a si mesmo como a viabilizadora do progresso. A partir dessa pretensão, surgiu a racionalidade estruturalista, que, sistematizada pela primeira vez por Émile Durkheim, influenciou os estudos sociais por quase cem anos. Mas o século XX mostrou a dura realidade da desilusão. O colapso das utopias modernistas impactou diretamente o funcionamento das disciplinas voltadas aos estudos das sociedades humanas. Ambições foram redimensionadas e uma nova racionalidade cientifica, pós-estruturalista, ganhou forma, estimulando o desenvolvido de abordagens de dimensão empírica e fenomenológica em diversos campos das ciências sociais e humanas. Nossos estudos tentaram mostrar como a transição da racionalidadeestruturalista para a racionalidade pós- estruturalista dialogam diretamente com a própria história moderna, em suas tensões entre as utopias progressistas e o desalento pós-moderno. Podcast Ouça agora um bate-papo com o professor Rodrigo Rainha sobre os principais pontos sobre o estruturalismo e pós-estruturalismo. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para ouvir o áudio. Explore + Confira as indicações que separamos para você! Leia o livro Além do bem e do mal, de Friedrich Nietzsche, publicado pela Companhia das Letras (2008). Leia o livro Além do bem e do mal, de Friedrich Nietzsche, publicado pela Companhia das Letras (2008). Leia o artigo O que é paradigma estruturalista? Disponível na biblioteca do portal Fazer pergunta. Leia o artigo O que é paradigma estruturalista? Disponível na biblioteca do portal Fazer pergunta. Assista ao vídeo Tempo Histórico e modernidade em Reinhart Koselleck, disponível no canal Diacrônico no YouTube. Assista ao vídeo Tempo Histórico e modernidade em Reinhart Koselleck, disponível no canal Diacrônico no YouTube. Referências ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. de. História: a arte de inventar o passado. Rio de Janeiro: Autêntica, 2013. ALTHUSSER, L. Sobre a reprodução. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. BLOCH, M. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996. CHARTIER, R. et al. A história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa: Difel, v. 1, p. 12, 1990. DESCARTES, R. 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Itens iniciais Propósito Objetivos Introdução 1. Paradigmas teóricos estruturalistas Definindo a modernidade O conceito O desencantamento seria a laicização do pensamento, que tirou de Deus o monopólio da potência cognitiva, transferindo-o ao método científico. O reencantamento teria acontecido pela canonização da ciência como nova detentora do saber perfeito, algo que chegou ao limite na filosofia positivista formulada por Auguste Comte (1798-1857), que fundou uma igreja ateia, na qual o objeto de culto era a ciência. Características da racionalidade estruturalista Definição Primeira característica Segunda característica Terceira característica Quarta característica Vamos praticar? A modernidade e o estruturalismo Conteúdo interativo Atividade discursiva Conteúdo interativo Vem que eu te explico! Conceito de estruturalismo Conteúdo interativo Racionalidade estruturalista Conteúdo interativo Verificando o aprendizado 2. Paradigmas teóricos estruturalistas Em busca dos paradigmas Durkheim Atenção A sociologia durkheimiana Saiba mais Legais Espontâneas Atenção Lévi-Strauss e Bourdieu Antropologia estruturalista Comentário O habitus de Pierre Bourdieu Atenção O estruturalismo do materialismo histórico Althusser Aparelhos Repressivos do Estado (ARE) Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE) Saussure Língua Fala A história social francesa Escola dos Annales Comentário Vamos praticar? Os pensadores estruturalistas Conteúdo interativo Atividade discursiva Conteúdo interativo Vem que eu te explico! Estruturalismo de Lévi-Strauss e Bourdieu Conteúdo interativo Estruturalismo de Althusser Conteúdo interativo Verificando o aprendizado 3. Crise do estruturalismo A crise da racionalidade estruturalista O fim do estruturalismo? 1 2 3 4 Saiba mais Antiguidade Idade Média Modernidade Contemporaneidade Pós-modernidadeee Pós-estruturalismo Paradigmas pós-estruturalistas Atenção Comentário Micro-história e a nova história cultural A historiografia pós-estruturalista Atenção Atenção Marxismo pós-estruturalista Edward Thompson Vamos praticar? Caminhos da história Conteúdo interativo Atividade discursiva Conteúdo interativo Vem que eu te explico! Clifford Geertz e a história Conteúdo interativo A micro-história e a nova história cultural Conteúdo interativo Verificando o aprendizado 4. Conclusão Considerações finais Podcast Conteúdo interativo Explore + Referências