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O FUTURO DA QUÍMICA aula 7 INTRODUÇÃO Novos elementos continuam sendo descobertos, atualmente à taxa de um a cada dois ou três anos, o que significa que a Tabela Periódica está ficando maior. Algum sujeito mais apressado poderia achar que, em princípio, mais elementos significam mais material para os químicos explorarem. Infelizmente, todos esses novos elementos são multiplamente inúteis: são radioativos e tão instáveis que desaparecem em frações de segundo. Além disso, não mais do que alguns átomos deles são feitos, e imediatamente desaparecem em uma nuvem de partículas fundamentais. A FRONTEIRA DO DESCONHECIDO Há razões teóricas para suspeitar que, apenas um pouco mais adiante na Tabela Periódica, os elementos na região do número atômico 126 formarão o que é conhecido como uma “ilha de estabilidade” e sobreviverão por muito mais tempo do que aqueles ao seu redor. Além de estarmos distantes de alcançar essa ilha, por ainda estarmos no elemento 118, é improvável que qualquer um deles tenha qualquer aplicação útil, exceto como plataforma de testes para teorias da estrutura nuclear. Os químicos não têm motivos para pensar que darão um impulso à Química. Químicos já temos muitos elementos para seguir em frente. Novas técnicas estão sendo desenvolvidas prometendo ampliar a sensibilidade, a precisão e o escopo das observações. A capacidade de detectar quantidades extraordinariamente pequenas de materiais é uma bênção e uma maldição. Conhecer a composição de uma amostra em detalhes requintados aproxima-nos da compreensão. Identificar que explosivos passaram pelas mãos de um terrorista nos ajuda a sobreviver. Porém, encontrar contaminantes em todos os lugares, pois neste mundo sempre agitado sempre será assim, pode apenas confundir e, talvez, alarmar desnecessariamente. NOVOS MUNDOS Técnicas importantes que vêm sendo desenvolvidas incluem aquelas em que uns poucos átomos e moléculas são estudados em vez de observá-los em amostras em massa. Os químicos querem conhecer as intimidades da interação e da transformação molecular. A capacidade de examinar as propriedades das moléculas isoladamente ou à medida que elas se juntam e reagem, com ligações se quebrando, átomos se realocando e formando novos arranjos, é o sonho dos químicos ou, pelo menos, dos físico-químicos. Há alguns anos, tem sido possível observar moléculas evoluindo em escalas de tempo da ordem de femtossegundos (10–15 s) e houve progresso para estender essa escala para attosegundos (10–18 s), um intervalo mil vezes mais curto, quando até os elétrons estão congelados em movimento e a Química finalmente se tornou Física. Quando encontramos pequenos grupos de átomos, questões interessantes e regras especiais entram em jogo. A água, por exemplo: qual é o menor cubo de gelo possível? Descobriu-se que você precisa de pelo menos 275 moléculas de água em um aglomerado antes que ele possa mostrar propriedades semelhantes ao gelo, e cerca de 475 moléculas antes de se tornar verdadeiramente gelo. Esse é um cubo com cerca de oito moléculas de H2O ao longo de cada borda. A importância desse tipo de conhecimento é que ele nos ajuda a modelar o processo de formação de nuvens na atmosfera e a entender como os líquidos congelam. Ao lidar com pequenas porções de átomos em baixas temperaturas, temos de aceitar que seu comportamento é governado pela Mecânica Quântica e que devemos esperar propriedades inesperadas. Toda a matéria, incluindo a matéria cotidiana, também é governada pela Mecânica Quântica, mas lidamos com um número tão grande de átomos, mesmo em uma pitada de sal, que a estranheza quântica é eliminada por compensação de extremos e percebemos apenas médias, médias que representam o familiar comportamento da matéria comum. Esses novos estados da matéria que começam a ser identificados podem ter consequências de pouca importância para a Química, mas, talvez, não: alguns estados podem ser perfeitos para o armazenamento de dados e para o desenvolvimento da computação quântica. Os químicos estão contribuindo enormemente para um campo emergente, onde um pequeno número de moléculas está presente: o mundo da nanociência e nanotecnologia. Nanos, aliás, significa “anão” em grego. Nanossistemas são compostos por entidades com diâmetro de cerca de 100 nanometros, um décimo milésimo do milímetro. São, evidentemente, maiores que as moléculas individuais, umas mil vezes maiores, mas são menores que a matéria visível a olho nu, esta umas mil vezes maior que os nanossistemas. As fronteiras são sempre lugares fascinantes, e essa fronteira entre a noção de grande e a noção de pequeno não é exceção. As nanopartículas são pequenas o suficiente para que os efeitos quânticos sejam relevantes e para que a Termodinâmica, que foi considerada no fim do século XIX uma teoria acabada, fique desorientada e precise ser reconsiderada. Aqui está um terreno fértil para os físico-químicos explorarem e refinarem suas teorias convencionais para poder aplicá-las a esses materiais ainda considerados não convencionais. Os químicos orgânicos e inorgânicos também têm muito a contribuir aqui, particularmente na fabricação de nanomateriais, pois substâncias orgânicas e inorgânicas podem ser formuladas para habitar o nanomundo. A fabricação pode ser “de cima para baixo”, quando as nanoestruturas são esculpidas em materiais macroscópicos, como um escultor trabalhando em mármore, ou pode ser “de baixo para cima”, quando as nanoestruturas são construídas tijolo por tijolo. Este último caminho é particularmente interessante, pois a construção geralmente ocorre por automontagem. Nesse procedimento a dispensar intervenções, são construídas moléculas que, quando agitadas juntas, agregam-se na nanoestrutura desejada, mais ou menos como se, ao sacudir um quebra-cabeça, a imagem se montasse à medida que as peças se entrelaçassem espontaneamente ao se deparar com o encaixe certo, em vez de passar pela cansativa tarefa de unir peça a peça à mão. A nanotecnologia, que é o desenvolvimento e a aplicação de nanomateriais, e a nanociência, que é seu estudo em geral, estão atualmente na moda na Química, e com razão, pois os nanomateriais são uma grande promessa. Institutos inteiros estão sendo dedicados ao seu estudo. As aplicações potenciais dos nanomateriais variam entre as disciplinas e já são centrais para muitas aplicações práticas. Por exemplo, certos nanomateriais mostram qualidades superiores de captação de luz em comparação com as células solares tradicionais de silício. Também foram incorporados em sensores de glicose no sangue com sucesso. Nanobastões, nanofios, nanofibras, nanomisturadores, nanofitas e nanotubos também foram criados, com potenciais aplicações em nanomáquinas e nanocomputadores. A Química está se preparando para desempenhar um papel importante na miniaturização da computação. Vimos o impacto brutal da redução de tamanho e de consumo de energia dos computadores de 1950 para hoje: antes raros, a ocupar completamente salas gigantescas, passamos a tê-los minúsculos, onipresentes e poderosos. Esse impacto na sociedade e na vida cotidiana é inegável. Em comprimento, passou-se da escala de metros para centímetros ou milímetros. Em volume e peso, a redução tem escala de milhões de vezes. E o mais surpreendente é que essa redução, inclusive do preço, foi acompanhada por um enorme aumento no poder computacional. Essa diminuição de tamanho, aliada ao aumento da capacidade e consequente aumento do impacto social pode se repetir se o progresso atual com o desenvolvimento da computação molecular der frutos. Os procedimentos computacionais dependem de duas características: memória e sua manipulação. A memória é bastante fácil de alcançar em nível molecular, fazendo com que uma molécula sofra uma mudança de forma que seja preservada e acessível a algum tipo de observação. Por exemplo, uma molécula pode dobrarem uma certa forma para representar “um” e dobrar em uma forma diferente para representar “zero”. Mais do que isto: em nível molecular, não é preciso limitar-se aos zeros e uns da computação tradicional, porque, agora, estão disponíveis muitas conformações, como uma molécula em forma de anel deslizando e se fixando em qualquer posição de uma outra molécula em forma de haste. O mais difícil é manipular essa informação, que significa obter uma determinada saída a partir de uma determinada entrada. A Química, no entanto, tem tudo a ver com entradas, transformações e saídas, porque é isso o que acontece nas reações químicas, incluindo o envolvimento da luz, seja absorvida ou emitida, quando dois reagentes se encontram. A natureza já resolveu o problema de armazenamento de dados ao desenvolver o DNA e, também, já progrediu na criação dos respectivos métodos para extrair essa informação e transformá-la dentro dos organismos vivos. Nossas memórias são codificadas quimicamente de maneiras ainda desconhecidas no cérebro e fornecem um banco de dados imenso, ainda que frágil e armazenado de forma imperfeita. As moléculas de DNA têm sido usadas para realizar operações aritméticas simples e para determinar a operação necessária a ser feita se for encontrada uma molécula de proteína danificada. Criar computadores biológicos em vez de fabricá-los como máquinas ainda é ficção científica, mas há indícios disso no horizonte. NOVAS DIMENSÕES Um desenvolvimento recente notável foi a migração da Química de três para duas dimensões. O grafite, material comum presente nos lápis, é uma forma do elemento carbono em que os átomos de carbono formam folhas planas, como arame de galinheiro, que deslizam umas sobre as outras, podendo marcar uma página ou agir como lubrificante. As folhas individuais são chamadas de grafeno, e o fato de que elas podem ser retiradas do grafite sólido por um procedimento muito simples ajudou Andre Geim e Konstantin Novoselov a ganhar o Prêmio Nobel de 2010, na área de Física. O próprio grafeno é atualmente visto como um grande prêmio para físicos e potencialmente para engenheiros. É um dos materiais mais fortes conhecidos, com uma tensão de ruptura 200 vezes maior que o do aço, mas é muito leve, pesando menos de um grama por metro quadrado. Na citação do Nobel, observa-se que uma rede de grafeno de um metro quadrado suportaria um gato de 4 kg, mas pesaria apenas tanto quanto um dos bigodes do gato. As suas extraordinárias propriedades eletrônicas, térmicas e ópticas são também de grande interesse. Entre as aplicações potenciais estão a criação de alto-falantes sem partes móveis e moldáveis em diversas superfícies, e a destilação da vodka à temperatura ambiente, essencialmente filtrando a água. Mas onde entram os químicos nessa festa bidimensional? Atualmente estão sendo desenvolvidas técnicas de laboratório com grafeno, como seu uso como peneira para separar moléculas de diferentes tipos e para dessalinização da água. As aplicações facilitariam a produção de biocombustíveis e garantiriam abastecimento de água potável a qualquer cidade litorânea. Embora o próprio grafeno não absorva facilmente moléculas de gás, sua superfície pode ser quimicamente modificada para responder a gases de diferentes tipos. A fixação dos gases, aliás, modifica as propriedades elétricas das folhas de grafeno subjacentes, de modo que sua presença pode ser detectada. Os químicos, naturalmente, se perguntam se esse país das maravilhas bidimensional pode ser habitado por outros materiais e se esses materiais podem contornar algumas das deficiências do grafeno quase milagroso. Novos materiais de forma semelhante à do grafeno foram feitos eletroquimicamente, com compostos como sulfeto de molibdênio, sulfeto de tungstênio e materiais mais exóticos baseados em carbeto de titânio. Alguns desses materiais bidimensionais apresentam propriedades semicondutoras, que o grafeno não possui, e já foram fabricados em minúsculos circuitos integrados. O próprio grafeno está aberto à modificação química, sendo um procedimento já conhecido oxidá-lo para formar óxido de grafeno. Flocos desse material se agregam em folhas de “papel grafeno” que, é o que os cientistas de materiais esperam, podem vir a formar a base de toda uma nova classe de materiais com propriedades elétricas, térmicas, ópticas e mecânicas ajustáveis. NOVAS APLICAÇÕES São tão vastas as aplicações dos novos materiais desenvolvidos por químicos em colaboração com cientistas de materiais, físicos, biólogos e engenheiros que parece certo que deixaremos de tratar de algum desenvolvimento ou de algum exemplo importantíssimo dessa área. O que merece ficar é a percepção de que a vida está sendo transformada por esta colaboração entre as ciências. O vidro autolimpante é um exemplo que não foi esquecido. Este novo dispositivo a poupar trabalho e água é baseado na Fotoquímica e na compreensão das forças de atração ou repulsão entre as moléculas; em particular, a propriedade que torna uma superfície hidrofóbica, ou seja, repelente à água. Um vidro autolimpante típico é revestido com uma fina camada transparente de dióxido de titânio, que responde à luz solar decompondo quimicamente qualquer sujeira que se deposite nele. A superfície repelente de água significa que qualquer água, em particular a água da chuva, lava os produtos desta decomposição fotocatalisada sem deixar rastros de sujeira. Outro exemplo não esquecido são os tecidos inteligentes. Tecidos inteligentes podem brilhar com cores diferentes, talvez representando a distribuição de temperaturas do usuário e, de forma grosseira, seu estado emocional. Ou podem responder às condições ambientais ou ao capricho do usuário alterando sua aparência eletricamente. Esses tecidos não devem apenas ser divertidos, mas também devem suportar os rigores da passagem pela lavanderia e o estresse de serem usados, amarrotados, amassados. Já falamos em aulas anteriores sobre como a catálise é tão importante para a indústria, mas para a eliminação da poluição dos motores de combustão interna, a catálise é vital. O catalisador agora embutido em todos os nossos carros a combustão utiliza um saber químico muito sofisticado, porque precisa entrar em operação rapidamente assim que o motor é ligado quando está frio – até porque uma proporção mais alta de poluição é emitida nesse momento –, mas precisa continuar a agir com eficiência quando o motor já está intocavelmente quente. Além disso, não só os catalisadores devem conseguir a redução de óxidos de nitrogênio para o inofensivo gás nitrogênio, como também devem conseguir a oxidação do monóxido de carbono a dióxido de carbono e completar a oxidação do combustível de hidrocarboneto que não foi devidamente queimado. Além disso, os catalisadores precisam responder às diferentes condições à medida que o motor funciona, como as deficiências ou os excessos da mistura ar/combustível e os picos repentinos de variação de composição na exaustão durante a aceleração. Tudo isso precisa ser desenvolvido por químicos. Talvez em nenhuma outra área a Química moderna seja mais importante do que no desenvolvimento de novas drogas para combater doenças, reduzir a dor e melhorar a experiência de vida. A Genômica, área que trabalha com a identificação de genes e sua complexa interação no controle da produção de proteínas, é central para os avanços atuais e futuros da Farmacogenômica, o estudo de como a informação genética modifica a resposta de um indivíduo às drogas, o que oferece a perspectiva de uma medicina verdadeiramente personalizada, onde coquetéis de drogas são adaptados à composição genética de cada indivíduo. Ainda mais elaborada que a Genômica é a Proteômica, o estudo de todo o conjunto de proteínas de um organismo. As proteínas, afinal, são as entidades que lideram a frente de trabalho da vida, sendo com elas que a maioriadas drogas interage para atuar. Aqui, a Química Computacional está em aliança essencial com a Química Médica, porque, se uma proteína implicada em uma doença pode ser identificada e deseja-se encerrar sua ação, então, a modelagem computacional de possíveis moléculas que podem invadir e bloquear seu sítio ativo é o primeiro passo para a descoberta racional de medicamentos. Este também é outro caminho para a eficiência e para a eficácia da medicina personalizada. NOVAS DESCOBERTAS Não quero dar a impressão de que os avanços da Química estão inteiramente confinados às suas aplicações. Estas, certamente, são as manchetes que capturam nossa atenção e afetam a todos nós imediatamente. No entanto, os químicos também estão envolvidos na tarefa fundamental de descobrir mais sobre a matéria e como ela pode ser modificada. Cada vez mais, eles estão se familiarizando com o funcionamento da natureza em nível molecular, aprendendo seus caminhos. Fazendo isso, os químicos acabam tropeçando em características e fenômenos que podem ser surpreendentes e não ter qualquer aplicação imediata, exceto para a mais preciosa das razões: o conhecimento. A pesquisa básica ou fundamental é absolutamente vital para esse esforço, pois leva a descobertas imprevistas, compreensões imprevistas e aplicações imprevistas, muitas de valor extraordinário. Tal é a alegria, o prazer intelectual que a Química moderna inspira. Espero que este curso tenha apagado em algum grau aquelas memórias que podem ter contaminado sua visão sobre esse assunto extraordinário, e que você tenha compartilhado um pouco desse prazer.