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QUÍMICA E SUAS REALIZAÇÕES aula 6 INTRODUÇÃO Neste curso, já se observou que a vida sem Química nos levaria de volta à Idade da Pedra. Quase toda a infraestrutura e o conforto do mundo atual surgiram da pesquisa química. Nos primórdios, quando essa busca se guiava por curiosidade, tradição e alquimia, enquanto a ciência ainda era uma semente a esperar a rega, a falta de teorias corretas levava a um progresso hesitante. Agora que nossa ciência está madura, com a curiosidade apenas a motivar, mas não a guiar, com o conhecimento e a compreensão advindos da experiência e da racionalidade ocupando esse lugar, suas realizações passaram a ser substanciais. Nos termos mais amplos possíveis, os químicos descobriram como pegar uma forma de matéria e transformá-la em uma forma diferente. Em alguns casos, eles descobriram como tirar matéria-prima da Terra, como petróleo ou minério, e produzir materiais diretamente deles, como combustíveis de petróleo e ferro para aço. Eles também descobriram como fazer colheitas do céu, como ao pegar o gás nitrogênio da atmosfera e convertê-lo em fertilizante. Eles também descobriram como fazer formas altamente sofisticadas de matéria, adequadas para uso como tecidos, adesivos, fármacos ou em aplicações que atualmente consideramos alta tecnologia, mas sabendo que há tecnologia superior ainda por vir e que será alcançada, com certeza, pela Química. TERRA, AR, FOGO E ÁGUA Podemos começar esta aula, em que faremos um relato das inúmeras realizações da Química, guiando-nos pelos ditos “quatro elementos” da Antiguidade: terra, ar, fogo e água. Comecemos pela água, o componente obrigatório e absolutamente essencial da vida, tanto no nível dos organismos individuais, quanto no nível das sociedades globais. A Química tornou possível a vida em comunidade através de seu conhecimento a permitir purificar a água e livrá-la de patógenos. O cloro é o principal agente a permitir a existência das grandes cidades: sem ele, várias doenças seriam espalhadas desenfreadamente e a vida urbana uma aposta tão provável quanto a morte urbana, como costumava ser há poucos séculos. Os químicos encontraram maneiras de extrair esse elemento, cloro, de uma fonte abundante, o cloreto de sódio, sal comum. Usa-se eletrólise para oxidar os íons cloreto, Cl–, da salmoura, a solução saturada desse sal: retira-se um elétron de cada um deles, convertendo-os no cloro elementar, gasoso, Cl2. Então, o altamente reativo gás cloro passa a atacar os patógenos, tornando-os inofensivos. Os químicos também estão na vanguarda da batalha para obter água potável da água salobra, da água envenenada de alguns aquíferos e da fonte mais abundante de todas, os oceanos. Eles contribuíram de maneira direta para essa tarefa crucial desenvolvendo a “osmose reversa”, o processo no qual a água é forçada a atravessar membranas que filtram os íons que a tornam intragável. Eles também contribuem de forma indireta desenvolvendo as membranas que podem suportar as altas pressões envolvidas e que dão eficiência ao processo. Vale lembrar que as habilidades tradicionais de análise dos químicos, descobrindo o que está presente na água, o que pode ser tolerado e o que é essencial remover, são cruciais para esse esforço. Agora, pegue a terra, a fonte do alimento. À medida que a população global cresce e a área produtiva do planeta diminui, torna-se cada vez mais importante garantir às colheitas maior abundância e confiabilidade. A Engenharia Genética, que é uma técnica química, executada em colaboração literalmente frutífera com a Biologia, é uma maneira de trabalhar nessa seara, mas ela permanece controversa por uma variedade de razões, algumas plausíveis, outras não. Já a maneira tradicional de incentivar a abundância é aplicar fertilizantes. Aqui, os químicos contribuíram substancialmente encontrando fontes economicamente viáveis de nitrogênio e fósforo e garantindo que eles possam ser convertidos em uma forma que possa ser assimilada pelas plantas. O ar abastece a terra. O nitrogênio, um dos elementos essenciais à agricultura, é surpreendentemente abundante no ar, constituindo mais de três quartos da atmosfera; mas está em uma forma que não pode ser assimilada pela maioria das plantas. Essa inércia teimosa se deve quase inteiramente ao fato de que os dois átomos de nitrogênio de uma molécula de gás nitrogênio, N2, são unidos por uma poderosa ligação tripla, três pares de elétrons compartilhados, e são notoriamente difíceis de separar. De fato, essa é a principal razão pela qual o nitrogênio atmosférico é tão abundante no ar: ele simplesmente permanece distante da maioria das tentativas de reagir com ele, exigindo raios ou bactérias associadas a certas plantas leguminosas para manipulá-lo quimicamente. Uma das maiores conquistas da Química, alcançada nos primeiros anos do século XX sob o impulso, não de um desejo humano de alimentar, mas de um desejo desumano de matar, foi descobrir como colher nitrogênio do ar e transformá-lo em uma forma que poderia ser usado para fazer explosivos, mas também, colateralmente, veja só, que também pudesse ser absorvido pelas plantações. Essa conquista, de Fritz Haber e Carl Bosch, foi um marco na indústria química, pois, além de implicar a descoberta de catalisadores apropriados para facilitar a reação entre os gases nitrogênio e hidrogênio para formar amônia, NH3, também exigiu o desenvolvimento de uma planta industrial a operar a temperaturas e pressões nunca antes atingidas. Porém, o processo Haber-Bosch, ainda usado globalmente hoje, continua exigindo muita energia. Então, seria maravilhoso se os processos que ocorrem nas bactérias que habitam os nódulos das raízes de alfafa, trevo, feijão, ervilha e outras leguminosas pudessem ser emulados em escala industrial e aproveitados para fixar o nitrogênio atmosférico. Os químicos dedicaram décadas de pesquisa a essa possibilidade, dissecando em detalhes as enzimas que as bactérias usam de maneira silenciosa e eficiente em termos de energia, baixa pressão e baixa temperatura. Há vislumbres de sucesso, mas nenhum método ainda é comercialmente viável. O fósforo também é abundante, especialmente como restos de animais pré-históricos. Seus ossos de fosfato de cálcio e sua fonte especial de energia interna, as moléculas de ATP, trifosfato de adenosina, que alimentavam cada uma das células deles e ainda alimentam nossas células, encontram-se em grandes pilhas compactadas sob os oceanos do mundo como rocha fosfática. Aqui, os químicos ajudam a minerar os mortos para alimentar os vivos, pois encontram maneiras de extrair o fósforo dessas fontes enterradas para usá-lo novamente no grande ciclo da sustentabilidade. Depois da água, do ar e do alimento que brota da terra, precisamos de energia, a representante do fogo neste quarteto. Nada acontece no mundo sem energia, e as civilizações entrariam em colapso se ela deixasse de estar disponível. As civilizações avançam empregando energia em quantidades cada vez maiores, e os químicos contribuem em todos os níveis e em todos os aspectos para o desenvolvimento de novas fontes e aplicações mais eficientes das fontes atuais. O petróleo é, obviamente, uma fonte de energia extraordinariamente conveniente, pois pode ser transportado facilmente, mesmo em aeronaves sensíveis ao peso. Os químicos há muito contribuem para o refinamento da matéria-prima extraída do solo. Eles desenvolveram processos e catalisadores que pegam as moléculas fornecidas pela natureza e cortam-nas em fragmentos mais voláteis ou remodelam-nas para que queimem com mais eficiência. Mas simplesmente queimar a complexa recompensa subterrânea da natureza pode ser visto pelas gerações futuras como a destruição arbitrária de um recurso inestimável, semelhante à extinção de espécies. O petróleo é finito e, embora novas fontes economicamente viáveis, pelo menos por enquanto, estejamconstantemente sendo descobertas, está se mostrando cada vez mais perigoso e caro extraí-lo. Temos de aceitar que, embora uma Terra vazia de petróleo esteja a décadas de distância, um dia ela chegará e, por isso, nosso preparo para ela precisa ser antecipado. Onde os químicos procuram atualmente novas fontes de energia? O Sol, essa fornalha de fusão nuclear distante e furiosa no céu, é uma fonte óbvia, e a captura química de sua energia pela natureza, como a fotossíntese, é um modelo óbvio para tentar emular. Os químicos já desenvolveram materiais fotovoltaicos um tanto eficientes e continuam a desenvolver sua eficiência. A natureza, com sua experiência de química de laboratório há 4 bilhões de anos, já desenvolveu um sistema altamente eficiente, baseado em clorofila. Embora as principais características do processo sejam compreendidas, pegar o modelo da natureza e adaptá-lo à escala industrial é um desafio para os químicos. Uma opção é usar a luz solar para dividir a água em seus elementos componentes, o desejável gás hidrogênio e o já abundante gás oxigênio, levando o hidrogênio para onde ele possa ser queimado. Dissemos “queimado”, mas os químicos sabem que existem maneiras mais sutis e eficientes de usar a energia do hidrogênio e dos hidrocarbonetos do que incendiá-los, capturando o calor gerado para uso em um motor mecânico ou em um gerador elétrico ineficiente. A Eletroquímica, área da Química que estuda o uso de reações químicas para gerar eletricidade e o uso de eletricidade para produzir mudanças químicas, é potencialmente de grande importância para o mundo. Os químicos já ajudaram a produzir as fontes móveis, as baterias, que acionam nossos pequenos dispositivos portáteis, como lâmpadas, tocadores de música, laptops, telefones, dispositivos de monitoramento de todos os tipos e, cada vez mais, nossos veículos. Os químicos estão profundamente envolvidos em colaboração com engenheiros no desenvolvimento de “células de combustível” em todas as escalas, desde pequenos carros para uso individual até o abastecimento de casas e vilas inteiras. Em uma célula de combustível, a eletricidade é gerada ao permitir que reações químicas despejem elétrons em superfícies condutoras e também os extraiam delas, enquanto o combustível, seja hidrogênio ou hidrocarbonetos, é fornecido por uma fonte externa. A viabilidade de uma célula a combustível depende essencialmente da natureza das superfícies onde as reações ocorrem e do meio em que estão imersas. As pesquisas já estão avançadas para o gás hidrogênio como esse combustível, mas, para o Brasil, por exemplo, seria excelente se o etanol que produzimos vastamente e que é líquido e mais fácil de armazenar, também pudesse ser utilizado diretamente em uma célula de combustível. Mesmo a energia nuclear, obtida tanto pela fissão já dominada, quanto, quem sabe um dia, pela fusão, que seria a emulação do Sol na Terra, depende das habilidades dos químicos. A construção de reatores nucleares depende da disponibilidade de novos materiais, e a extração do combustível nuclear na forma de urânio e seus óxidos a partir de seus minérios envolve a Química. Todos sabemos que um dos temores que impede o desenvolvimento e a aceitação pública da energia nuclear, além dos problemas políticos e econômicos, é o problema de como descartar o combustível irradiado altamente radioativo. Os químicos contribuem encontrando maneiras de extrair isótopos úteis do lixo nuclear e encontrando maneiras de garantir que ele não escape ao ambiente e torne-se um perigo por séculos. PRODUTOS PETROQUÍMICOS Mencionamos há pouco a destruição aparentemente arbitrária de um recurso inestimável, quando se queima sem uma razão especial a complexa mistura orgânica que conhecemos como petróleo, tão dificultosamente sugada do solo onde permaneceu por milênios e milênios. O petróleo é um recurso inestimável por ser o ponto de partida de uma impressionante cadeia de reações que os químicos desenvolveram e que constituem a indústria petroquímica. Olhe ao seu redor e identifique o que os químicos conseguiram sintetizar ao pegar o preto e viscoso petróleo cru que emerge da Terra e submetê-lo às reações que eles desenvolveram. Talvez o maior impacto desses processos tenha sido o desenvolvimento dos plásticos. Há um século, o mundo cotidiano era metálico, cerâmico ou natural, com objetos construídos em madeira, lã, algodão, seda e nenhum plástico. Hoje, há uma abundância de objetos construídos a partir de sintéticos derivados do petróleo. Nossos tecidos foram fiados a partir de materiais desenvolvidos por químicos; viajamos com malas e bolsas feitas de materiais sintéticos; nossos equipamentos eletrônicos, nossas televisões, telefones e laptops são todos moldados a partir de materiais sintéticos. Nossos veículos são cada vez mais fabricados a partir de materiais sintéticos. Até mesmo a aparência do mundo agora é diferente do que era há cem anos: toque em um objeto hoje e sua textura é tipicamente a de um material sintético. Por essa transformação, estamos em dívida com os químicos, que descobriram como cortar as longas moléculas extraídas do subsolo e depois remontá-las em cadeias muito longas, no processo de polimerização. Assim, o etileno (CH2=CH2) é transformado em polietileno e usado para tudo, desde sacolas plásticas para compras, aliás, já sendo abandonado para esse fim em função do grave impacto ambiental, até ajudar a vencer a Segunda Guerra Mundial, como no revestimento de cabos de radar. Como mencionamos na aula 4, quando um hidrogênio do etileno é trocado por cloro, esses monômeros polimerizam para formar PVC, policloreto de vinila, que substituiu a madeira e o metal em muitos trabalhos de construção. Embora a conveniência das sacolas plásticas de polietileno, sabemos agora, seja superada por sua praga no ambiente, pense no que não teríamos se não tivéssemos nenhum dos materiais poliméricos inventados pelos químicos e depois fabricados a granel. Pense em um mundo sem nylon e os poliésteres dos tecidos para roupas, estofados e decoração. Pense em um mundo com apenas recipientes de metal pesado para bebidas, alimentos e líquidos domésticos. Pense em um mundo sem todos os pequenos artefatos de plástico da vida cotidiana, interruptores, plugues, tomadas, brinquedos, cabos de facas, teclados, botões… a lista é quase literalmente infinita, tão onipresente é a presença de materiais poliméricos gerados pela Química. Mesmo se você lamentar a morte de muitos materiais naturais, ainda pode agradecer aos químicos por sua preservação onde ainda são empregados. A matéria natural apodrece, mas os químicos desenvolveram materiais que garantem que essa decomposição seja adiada. Em suma, os químicos tanto fornecem novos materiais quando são julgados apropriados ou desejáveis, quanto fornecem meios de prolongar a vida dos materiais naturais quando o julgamento e a escolha levam à sua adoção. Os plásticos são apenas uma das faces da revolução em materiais que caracterizou os últimos cem anos e continua vigorosamente hoje. Os químicos desenvolvem as cerâmicas que começam a substituir os metais que utilizamos nos veículos, tornando-os mais leves e aumentando a eficiência dos nossos sistemas de transporte com a consequente diminuição do seu impacto no ambiente. A cerâmica, é claro, é um material de grande antiguidade e importância, constituindo os velhos recipientes que ajudaram a viabilizar a permanência e a vida social da humanidade na Antiguidade. As cerâmicas modernas são construídas de forma mais sistemática a partir de argila purificada e outros materiais e, às vezes, exibem propriedades surpreendentes. Quem, por exemplo, teria suspeitado que uma classe de cerâmica cozida a partir de uma mistura de elementos quase feiticeira teria a notável propriedade da supercondutividade, a capacidade de conduzir eletricidade sem resistência?Este material opera em temperaturas muito baixas, mas em temperaturas muito mais altas do que os materiais supercondutores anteriormente conhecidos e, portanto, são economicamente mais encorajadores e aceitáveis. Porém, este saber ainda está em busca de aplicações na prática, pois a fabricação de fios e filmes de cerâmica continua sendo um problema desafiador. Cerâmicas incluem vidro: o vidro é um tipo de material cerâmico. O vidro moderno inclui a fibra óptica, que constitui a espinha dorsal do nosso sistema de comunicação global. O vidro é fundamentalmente sílica, dióxido de silício, SiO2, da areia que foi purificada, derretida e depois deixada para esfriar. Ao longo dos séculos, os químicos mexeram com esta composição fundamental e deram-nos os vitrais ricamente coloridos, cujos fascinantes matizes são obtidos por impurezas, adicionadas de forma cuidadosa e seletiva. Nos primórdios, as cores foram desenvolvidas por tentativa e erro, e preservadas pela habilidade e pela sabedoria dos fabricantes de vidro, e não dos químicos. Mas, agora, são os químicos que formulam a composição de vidros que, em alguns casos, são ricamente coloridos, mas, em outros, como as fibras em particular, são surpreendentemente transparentes e capazes de transmitir pulsos de luz a grandes distâncias com atenuação mínima. A CRIAÇÃO DA COR O mundo dos artefatos humanos seria monótono sem as contribuições dos químicos. As cores vibrantes já foram domínio exclusivo dos ricos, que podiam arcar com as despesas da compra de cores naturais, como a púrpura tíria, com mísero um grama, suficiente para tingir somente a bainha de um manto, extraído do fétido muco glandular de 12 mil exemplares esmagados de Bolinus brandaris, ou o vermelho do aniquilado pau-brasil. Então, veio William Perkin (1838-1907), que, ao tentar sintetizar o antimalárico quinino, sem sucesso por não ter a vantagem de conhecer sua estrutura, tropeçou no corante que chamou de mauveína, salvando caracóis do mar em vez de soldados e, incidentalmente, fundando a indústria química britânica. Assim, ele lançou as bases para a geração de toda a sua riqueza pessoal e de parte expressiva da riqueza nacional da Grã-Bretanha. Os químicos adicionaram todo um espectro de cores ao mundo material, que não é mais monótono, exceto quando necessário, como na camuflagem, mas pode ser qualquer coisa, desde recatadamente sutil até vibrantemente escandaloso. Não apenas a gama de cores agora é enorme, com fluorescência e brilho refletivo adicionados à gama, mas as cores são resistentes à luz e podem suportar os rigores da lavanderia. As cores criadas quimicamente não se limitam ao tecido. Pigmentos em geral foram desenvolvidos; não só os próprios materiais de coloração, mas também o suporte, como as tintas usadas em edifícios e os acrílicos usados pelos artistas. Pense nos avanços feitos nas tintas domésticas, com melhorias em sua viscosidade, sua estabilidade em atmosferas agressivas e sua gama de cores, incluindo cores que desbotam intencionalmente para mostrar onde a tinta está sendo aplicada. Até as cores das telas de televisão e monitores de computador fazem uso de sólidos desenvolvidos por químicos. Já se foram os dias dos tubos de raios catódicos volumosos e famintos por energia. Agora, estamos no mundo dos cristais líquidos, das telas de plasma e dos OLEDs, os diodos orgânicos emissores de luz. Os cristais líquidos e os OLEDs são formados por moléculas construídas por químicos, que respondem de maneira especial a campos elétricos e possibilitaram dispositivos portáteis com telas de cores intensas. A INFRAESTRUTURA DO COTIDIANO Os químicos também são responsáveis pelo desenvolvimento dos semicondutores que estão na base do mundo moderno da comunicação e da computação. De fato, uma das principais contribuições da Química atualmente é o desenvolvimento do que poderia ser considerado como a infraestrutura material do mundo digital. Os químicos desenvolvem os semicondutores que estão no centro da computação e as fibras ópticas que estão substituindo cada vez mais o cobre para a transmissão de sinais. As telas que atuam como interfaces com o sistema visual humano são resultado do desenvolvimento de materiais pelos químicos. Atualmente, os químicos estão desenvolvendo computadores moleculares, nos quais os clássicos interruptores e memórias são baseados em mudanças na forma das moléculas. O desenvolvimento bem-sucedido de tais materiais resultará em um aumento sem precedentes no poder computacional e uma miniaturização surpreendente. Também há a perspectiva do desenvolvimento da computação quântica, que dependerá da capacidade dos químicos de desenvolver novos materiais apropriados, e resultará em uma revolução quase imprevisível na comunicação e na computação. QUÍMICA MEDICINAL Uma das grandes contribuições da Química para a civilização humana e, deve-se acrescentar, para o bem-estar dos rebanhos, foi o desenvolvimento de produtos farmacêuticos. Os químicos podem se orgulhar de sua contribuição para o desenvolvimento de agentes que combatem doenças. Talvez sua contribuição mais bem-vinda do ponto de vista pessoal tenha sido o desenvolvimento de anestésicos e a consequente redução da perspectiva de dor. Pense em sofrer uma amputação há 200 anos, apoiando-se apenas em conhaque e dentes cerrados. Mas isso não supera em importância para a humanidade, de forma ampla, o desenvolvimento de antibióticos, muitas vezes com químicos observando a natureza de perto para ter sucesso na missão. Um século atrás, a infecção bacteriana era uma perspectiva mortal, mas agora, ante a disponibilidade de penicilina, seus descendentes quimicamente modificados e outras tantas classes de antibióticos surgidas nestas décadas, é curável. Torcemos para que as coisas continuem assim, mas precisamos nos preparar para o oposto, à medida que as bactérias evoluem para escapar de seu inimigo mortal. Muitas vezes, as empresas farmacêuticas são atacadas pelos lucros e exploração que muitos consideram escandalosos. Pode até ser justo. Mas também é justo admitir que essas indústrias também alcançam o admirável objetivo de reduzir o sofrimento humano e animal, desenvolvendo drogas e outros produtos para saúde que combatem doenças e melhoram a vida. Os químicos estão no centro deste esforço. É lamentável que o desenvolvimento desses fármacos seja tão caro. Técnicas computacionais modernas estão ajudando na busca de novas formas de abordagem, reduzindo também a dependência de testes in vivo em animais. Porém, um cuidado extraordinário precisa ser exercido ao introduzir materiais estranhos em corpos humanos vivos, e anos de pesquisa dispendiosa podem ser subitamente arruinados se, na última fase dos testes, são descobertas consequências inaceitáveis. A contribuição dos químicos para o alívio de doenças chega mais longe, a um envolvimento em nível molecular. A Biologia tornou-se Química há uns setenta anos, quando a estrutura do DNA foi descoberta, em 1953. A Biologia Molecular, que em grande parte surgiu dessa descoberta, é a Química aplicada ao funcionamento dos organismos. Os químicos, muitas vezes disfarçados de biólogos moleculares, abriram as portas para a compreensão da vida e sua principal característica, a hereditariedade, abrindo grandes regiões do mundo molecular para a investigação racional. Eles também transformaram a Medicina Forense e a Antropologia. O interesse da Química pelos processos da vida surgiu em um momento em que os ramos tradicionais da Química – Orgânica, Inorgânica e Físico-Química – atingiram um estágio de considerável maturidade e se prepararam para enfrentar a rede incrivelmente complexa de processos que ocorrem dentro dos organismos vivos, especialmente nós, com corpos humanos. A abordagem do tratamento ou da prevenção das doenças foi colocada em uma base racional pelas descobertas que os químicos continuama fazer. Se você planeja entrar nesse campo, a Genômica e a Proteômica serão de importância crucial para o seu trabalho. Esta é realmente uma região da Química onde você pode se sentir confiante em se apoiar nos ombros dos gigantes que o precederam e saber que está atacando a doença em suas raízes. GUERRA E OUTROS MALES Mas há o lado escuro da Química. Seria inapropriado neste relato das grandes conquistas da Química não o mencionar, escondendo os resultados de pesquisa que aumentaram a capacidade da humanidade de danificar e de matar. Esses resultados tiveram um custo, em alguns casos para a vida humana, em outros para o ambiente. Primeiro, os avanços feitos na matança e mutilação. Os químicos têm sido responsáveis pelo desenvolvimento de gases para a guerra e pela otimização de explosivos. De fato, Fritz Haber, mencionado em conexão com sua invenção do processo de síntese de amônia que levou à ampla disponibilidade de fertilizantes, também foi um líder no desenvolvimento de gás venenoso. Há a esperança de que a eliminação de tais armas nos permita julgar a contribuição líquida de Haber para a vida humana com mais bondade, a despeito de suas intenções originais. Embora sejam os governos e seus governantes a deter a responsabilidade de usar armas tão terríveis, os químicos que contribuíram para o seu desenvolvimento não parecem poder evitar a condenação social em algum grau. Nada de bom veio do desenvolvimento de armas químicas. Não há nada que possa ser colocado no prato oposto da balança para mitigar nossa condenação delas: elas são pura maldade. A maioria dos países rejeita armas químicas, considerando-as oficialmente como armas ilegais de guerra, mas, na prática, muitos dos signatários do tratado internacional seguem utilizando tais armas, inclusive contra sua própria população. A guerra química, porém, pode ser travada por acidente. Foi o caso de Bhopal, na Índia, em 1984, quando a fábrica da Union Carbide ficou fora de controle, resultando, segundo fontes oficiais, em cerca de 4.000 mortes diretamente relacionadas ao desastre e mais 8.000 em duas semanas, e com mais de 500.000 feridos. A causa imediata do desastre foi a entrada de água em um tanque sobrecarregado e mal arrefecido cheio de isocianato de metila (CH3NCO), um intermediário no processo de fabricação de um pesticida. O declínio da demanda por esse produto à época resultou no acúmulo de quantidades anormais desse insumo intermediário. Não se sabe se a água entrou por sabotagem de um funcionário insatisfeito ou acidentalmente em função de completo desprezo por normas de segurança básicas. Fato é que a reação que se seguiu liberou 30 toneladas de gás tóxico na atmosfera, causando morte e sofrimento físico e emocional incalculável nos habitantes da favela densamente povoada ao redor. Comentários sobre os perigos inerentes às plantas químicas seriam mera redundância, e sugerir que os riscos não são maiores que as vantagens seria simplificador. Ainda que muito raramente tais catástrofes ocorram, temos de aprender lições desses terríveis e caros episódios, com implicações em melhores práticas no projeto e na operação dessas indústrias que, principalmente, contribuem para o nosso bem-estar. A outra faceta obscura da Química é seu fornecimento e seu aperfeiçoamento de explosivos. Aqui, a faceta não é inteiramente sinistra, pois os explosivos são úteis em pedreiras e na mineração. O problema reside em seu uso em bombas e no fornecimento da força propulsora de projéteis, como balas, morteiros e similares. Explosivos são compostos que, quando detonados, sofrem uma reação muito rápida – essencialmente, as moléculas se fragmentam em pequenos pedaços gasosos, e a geração muito rápida de gás cria o choque destrutivo ou impulsivo da explosão. Nos primórdios dos explosivos, a pólvora era rainha. Sua ação depende da íntima mistura de agentes oxidantes, como enxofre e nitrato de potássio, com materiais que podem ser oxidados, como carvão vegetal, essencialmente uma forma impura do elemento carbono. A migração dos elétrons para os agentes oxidantes do carbono resulta em um grande número de pequenas moléculas gasosas. Desde então, foram desenvolvidas substâncias e misturas que reagem mais rapidamente e, consequentemente, resultam em ondas de choque mais fortes. Em vez da mistura de diferentes componentes, os químicos trabalharam em direção à integração definitiva, colocando os componentes oxidantes e os oxidáveis como partes da mesma molécula, de modo que a transferência de elétrons, o rearranjo atômico e a fragmentação molecular sejam os mais rápidos possíveis e que grandes números de pequenas moléculas fragmentadas sejam formados para amplificar o choque. Famosa entre esses compostos é a nitroglicerina. Este composto altamente instável foi domado quando Alfred Nobel (1833-1896) descobriu que ele poderia ser absorvido por um tipo de argila porosa, formando dinamite. Por outro lado, no devido tempo, Nobel garantiu fundos para o estabelecimento da Fundação Nobel, que, via de regra, visa a conscientização das pessoas, a melhoria da condição humana e a propagação da paz. PROBLEMAS AMBIENTAIS Sigamos neste canto embaraçosamente negativo da Química. Outro problema que não pode- mos deixar de mencionar é quanto a seus danos ambientais. É impossível negar que efluentes indesejados de fábricas de produtos químicos causaram inúmeros estragos ecológicos. Desde que as fábricas de corante de Perkin tingiram os canais próximos em vermelho, verde e amarelo, de acordo com as prioridades de fabricação da época, a aspiração da humanidade por sua própria melhoria tem um custo ambiental. De fato, as raízes da poluição ambiental podem ser rastreadas até antes dos gregos e romanos, pois a análise dos testemunhos de gelo da Antiguidade mostra vestígios das consequências do trabalho com metais. Dois caminhos se colocam: o da lei e o da Química. O da lei constrange pela perspectiva de punição; o da Química atua pela eliminação na fonte. Este último, sempre o melhor modo de ação, depende dos desenvolvimentos da própria Química, tendo inspirado o movimento político, ambiental e científico da Química Verde. Em termos amplos, a Química Verde visa minimizar o impacto ambiental dos processos de fabricação de produtos químicos por meio de diretrizes rígidas sobre o uso de materiais e sobre a eliminação de resíduos. Os protagonistas da Química Verde começam com a plausível proposição de que é melhor prevenir a geração de resíduo a tratá-lo depois de gerado. A implicação desse princípio fundamental é que tudo o que é usado como matéria-prima em um processo deveria aparecer em sua totalidade no produto final: quaisquer átomos que entrarem deveriam aparecer nas moléculas do produto. Com isso, o mínimo possível de átomos seria descartado como indesejado. Essa implicação tem impactos econômicos e tecnológicos consideráveis e, portanto, relutância comercial, pois processos e plantas precisam ser projetados de acordo e matérias-primas específicas devem ser adquiridas de fontes menos convenientes, muitas vezes a custos maiores. Os procedimentos devem ser projetados para evitar ou pelo menos minimizar o envolvimento de compostos tóxicos, não apenas como resíduos, mas também como intermediários potencialmente evitáveis. Essa exigência também se impõe ao produto final, que deve oferecer risco mínimo de toxicidade para a vida e para o ambiente. A restrição também se aplica a materiais auxiliares empregados no processo, particularmente os líquidos que são usados como solventes e que podem ou acabam sendo, mesmo, liberados para o ambiente, mesmo em pequenas quantidades, à medida que há vazamentos nos processos para sua reciclagem. Os químicos, mesmo para seus procedimentos de laboratório em pequena escala, são essenciais farejadores de solventes benignos e desenvolvedores de adequadas reações a ocorrernesses ambientes ainda novos e pouco conhecidos. Outra aspiração ideal dos proponentes da Química Verde é que a matéria-prima seja renovável. A renovabilidade pode assumir uma variedade de formas, mas todas evitam a extração de recursos da Terra. A natureza fornece colheitas a cada ano, e elas contam como renováveis devido à benevolência do Sol e seu poder de reciclagem de dióxido de carbono por meio da fotossíntese. Outros materiais além do dióxido de carbono podem ser reciclados, tendo sido propostos planos para o uso de aterros sanitários como minas, ou seja, como fontes de materiais preciosos, mas essa opção é perigosa e não está disponível atualmente. Os proponentes da Química Verde apontam para outra fonte de desperdício e de poluição: o papel da energia em um processo químico. Todas as demandas de energia fazem exigências ao ambiente, seja pela disponibilização de combustível ou pelo impacto da exaustão dos gases resultantes na atmosfera. Idealmente, todos os procedimentos devem ocorrer sem a necessidade de aquecimento ou, por ser ainda mais caro e destrutivo, de resfriamento. Depois, há uma série de requisitos técnicos para que o processo seja o mais verde possível. Muitos procedimentos em Química Orgânica, como de fabricação de fármacos, requerem etapas intermediárias nas quais as moléculas são modificadas temporariamente em seu caminho para se tornar o produto final. Cada etapa precisa de condições especiais, de seus próprios reagentes e uma variedade de solventes, muitos deles nocivos. O procedimento muda para o lado verde do espectro de produção quando minimiza esses intermediários e procura rotas mais diretas da matéria-prima para o produto. Químicos verdes brilhantes olham além do processo em si, olham para todo o ciclo de vida de seu produto. Com isso, procuram maneiras de garantir que, no final de sua vida funcional, o produto e qualquer coisa em que ele se decomponha não seja tóxico. A consideração de “todo o ciclo de vida” inclui a antecipação de desastres durante o próprio processo de fabricação – lembremos de Bhopal. A implicação é ter a precaução de que, em caso de acidente, tudo o que é produzido ou armazenado deve ter um efeito mínimo no ambiente. A mitigação da possibilidade de catástrofe envolve a análise incessante e confiável de todos os componentes e condições dos contentores e dos tanques de reação e de armazenamento, acompanhados de procedimentos de monitoramento à prova de falhas que não podem, como em Bhopal, ser ignorados ou contornados. Eis as aspirações da Química Verde. A conclusão subjacente é a de que é essencial recorrer à Química para resolver e, de preferência, evitar os problemas que ela mesma causa ou pode causar. Claro que sempre há uma tensão entre lucro comercial e responsabilidade social e ambiental, tensão essa que se agrava pelos baixos níveis de supervisão em alguns ambientes, que incentivam a indústria a fazer más escolhas. A caixa de Pandora sempre foi assim: intrometer-se na natureza implica, invariavelmente, risco. Os químicos se intrometem nas próprias raízes da natureza material, pegando os átomos que ela fornece e transformando-os em compostos que lhe são estranhos e que, intrometendo-se em seus ecossistemas, podem perturbar os delicados equilíbrios da vida. Com essa capacidade de manipular átomos, vêm responsabilidades, que nem sempre foram reconhecidas no passado, mas, sob pressões sociais, agora vêm se elevando na consciência da indústria química. A consideração crucial, no entanto, é de onde virão soluções confiáveis para os problemas do mundo, se não for incluindo nessas fontes de solução o desenvolvimento da Química. A Química é a chave para o aprimoramento de quase todos os aspectos de nossas vidas diárias, do berço ao túmulo e de todos os pontos intermediários. Ela forneceu a base material de todos os nossos confortos, não apenas na saúde, mas também na doença, e não há razão para supor que tenha atingido seu apogeu. A Química é a única solução para os problemas que causa no ambiente, seja na terra, no ar ou na água. AS CONTRIBUIÇÕES CULTURAIS DA QUÍMICA Há outra conquista da Química que seria inapropriado ignorar nesta aula: o fato de que ela fornece novas visões sobre o funcionamento do mundo material, desde as rochas até os organismos vivos. Estas novas visões de mundo são um aprimoramento da condição humana, pois emprestam compreensão à admiração e, assim, aumentam nosso deleite ante a vida e o universo. Por meio da Química, entendemos a composição e a estrutura dos minerais que constituem a paisagem. Podemos ver as estruturas das rochas e saber por que são rígidas, por que podem brilhar, por que podem fraturar e erodir, podemos saber o que elas contêm. Sabemos por que os metais podem ser moldados e transformados em fios e, através do nosso conhecimento do arranjo de seus átomos, por que alguns se curvam à nossa vontade, mas outros se quebram. Entendemos as mudanças que podem ser feitas com os metais para formar ligas e aços com diferentes propriedades. Entendemos as cores das pedras preciosas e por que podemos ver através do vidro, mas não através da madeira. Por meio da Química, podemos desvendar e compreender os mistérios outrora insondáveis do mundo natural. Podemos entender o verde de uma folha e o vermelho de uma rosa, a fragrância de uma erva e do capim recém-cortado. Podemos compreender, de forma hesitante, mas progressiva, a intrincada e complexa rede de processos no mundo natural que constituem a propriedade impressionante e multifacetada que conhecemos como vida. Estamos começando, ainda mais hesitantemente, a entender os processos químicos em nossos cérebros que nos permitem sentir, admirar e entender. Embora a Química não lide com a matéria última, o zoológico de partículas fundamentais que se encontram no domínio da Física de Partículas, ela lida com combinações delas, os átomos, que têm personalidades distintas. Pelos olhos da Química, entendemos as personalidades dos elementos. Olhando as estruturas de seus átomos, entendemos por que eles têm essas personalidades e por que eles fazem determinadas combinações, mas não outras. Graças à Química, especialmente graças ao núcleo daquilo que define a Química, sabemos como fazer uso dessas personalidades de elementos para construir moléculas e formas de matéria que podem não existir em nenhum outro lugar da nossa galáxia. Compreendemos, por meio da Química, os sabores dos alimentos, as cores dos tecidos, a textura da matéria, as propriedades da água, a mudança de cores das folhas das árvores conforme as estações do ano. Compreendemos, mas não precisamos nos preocupar a todo instante com a compreensão. Algumas vezes, basta que nos deleitemos com o prazer de apreciar as sensações da natureza. Mas a Química acrescenta uma profundidade a esse deleite, pois nos permite olhar além dos prazeres superficiais do mundo e desfrutar o conhecimento de que sabemos como e por que as coisas são como são.