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1 A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL Os povos indígenas, que habitavam o Brasil há centenas de anos, enfrentavam enfermidades tratadas por meio do conhecimento dos curandeiros, utilizando plantas e ervas. Com a colonização, os portugueses trouxeram doenças comuns na Europa naquele período, resultando na morte de milhares de indígenas (POLIGNANO, 2020). A trajetória das políticas de saúde no Brasil está intrinsecamente ligada à evolução política, social e econômica da sociedade brasileira, sendo impossível dissociá-las. O processo evolutivo sempre seguiu a perspectiva do avanço do capitalismo, sujeito a fortes pressões e intervenções internacionais (ROUQUAYROL; SILVA, 2018). Com a chegada da família real ao Brasil em 1808, foi necessário estabelecer uma estrutura sanitária mínima no Rio de Janeiro, então capital do país. Até 1850, as condições de saúde pública eram precárias. Durante esse período, a principal preocupação era o controle sanitário de navios e portos, visando evitar barreiras sanitárias impostas pelos países europeus e garantir o fluxo de exportação dos produtos brasileiros (BAPTISTA; MACHADO; LIMA, 2007).Os períodos entre o Brasil Colônia e o Brasil Império foi de carência de profissionais médicos, somente em 1808, foi fundada a primeira escola de Medicina em Salvador na Bahia, no mesmo ano foi criada a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro, anexa ao Real Hospital Militar (PÔRTO, 2006). A economia colonial foi abalada com uma crise demográfica devido a uma epidemia de sarampo, em meados do século 17. Desde então as epidemias passaram a receber a atenção governamental, sobretudo em razão dos prejuízos causados à política econômica, pois os navios estrangeiros passaram a evitar os nossos portos com medo do contágio (CORREA; RANGEL; SPERANDIO, 2004). As primeiras ações de saúde pública no Brasil Colônia concentraram-se na proteção e saneamento das cidades, especialmente aquelas portuárias, assim como no controle e monitoramento das doenças e dos doentes. Essas práticas visavam aprimorar, de maneira mais eficaz, o controle das enfermidades. Evidenciava-se uma preocupação não apenas com a saúde da população urbana, mas também com a preservação da saúde dos produtos comercializados. Nesse contexto, a assistência ao trabalhador limitava-se, em grande parte, à aplicação da prática de quarentena como medida preventiva para evitar a disseminação de doenças (BAPTISTA; MACHADO; LIMA, 2007). O Brasil deixou de ser uma monarquia e tornou-se uma república em 1889. A mudança do regime político envolveu a substituição do sistema monárquico pelo republicano, com a eleição do primeiro presidente, Marechal Deodoro da Fonseca. Após a Proclamação da República, estabeleceu-se uma forma de organização jurídico-política típica do Estado capitalista. A manutenção do controle político pelos grandes proprietários de terras impôs ainda normas de exercício do poder que representavam os interesses capitalistas dominantemente agrários. Apenas a eleição do presidente da República pelo voto direto, de quatro em quatro anos, produziu lutas efetivas em que se condensavam os conflitos no interior do sistema (POLIGNANO, 2020). Os municípios brasileiros enfrentavam desafios significativos em relação às epidemias devido à ausência de um modelo sanitário eficaz. No início do século 21, a cidade do Rio de Janeiro encontrava-se em uma situação sanitária caótica, marcada pela prevalência de diversas doenças graves entre a população, como varíola, malária, febre amarela e, subsequentemente, a peste. Essa condição resultou em sérias repercussões não apenas para a saúde coletiva, mas também para setores como o comércio exterior, uma vez que navios estrangeiros hesitavam em atracar no porto do Rio de Janeiro devido à precária situação sanitária da cidade (BERTOLLI FILHO, 1996). O Brasil testemunhou um marco significativo no seu modelo sanitário durante o governo de Rodrigues Alves (1902-1906). Nesse período, o presidente nomeou Oswaldo Cruz para liderar o Departamento Federal de Saúde Pública. Oswaldo Cruz, médico, cientista, sanitarista e epidemiologista brasileiro, desempenhou um papel fundamental no avanço da saúde pública no país, contribuindo de maneira significativa no enfrentamento de epidemias e na modernização da prática médica. Oswaldo Cruz propôs eliminar a epidemia de febre amarela na cidade do Rio de Janeiro, mobilizando um contingente de 1.500 pessoas dedicadas à desinfecção e ao combate ao mosquito, vetor da doença. No entanto, a falta de comunicação adequada e as práticas arbitrárias dos "guardas sanitários" geraram revolta entre a população. Esse modelo de intervenção, conhecido como "campanhista", foi concebido dentro de uma abordagem militar, na qual os objetivos justificavam os meios, e em que o uso da força e da autoridade era considerado o método preferencial de ação (COSTA e SILVA et al., 2010). A onda de descontentamento aumentou com outra iniciativa de Oswaldo Cruz, a Lei Federal nº 1.261, de 31 de outubro de 1904, que estabeleceu a vacinação obrigatória contra a varíola em todo o território nacional. Isso deu origem a um extenso movimento popular de resistência conhecido na história como a "revolta da vacina". Apesar das críticas e abusos ocorridos, a abordagem "campanhista" alcançou conquistas significativas no controle de doenças epidêmicas, inclusive conseguindo erradicar a febre amarela na cidade do Rio de Janeiro. Esses sucessos fortaleceram e consolidaram o modelo proposto, tornando-o predominante como estratégia de intervenção na área da saúde coletiva por muitas décadas (BERTOLLI FILHO, 1996). Durante esse período, Oswaldo Cruz buscou reestruturar a Diretoria Geral de Saúde Pública, instituindo uma seção demográfica, um laboratório bacteriológico, um serviço de engenharia sanitária e profilaxia da febre amarela, a inspetoria de isolamento e desinfecção, bem como o Instituto Soroterápico Federal, que mais tarde foi renomeado como Instituto Oswaldo Cruz. Foram integrados como componentes das iniciativas de saúde o registro demográfico, permitindo a compreensão da composição e dos eventos vitais relevantes da população, a introdução do laboratório como apoio para diagnóstico etiológico, e a produção organizada de produtos profiláticos destinados ao uso em larga escala (OLIVEIRA, 2000). Em 1920, Carlos Chagas sucedeu a Oswaldo Cruz e promoveu uma reestruturação do Departamento Nacional de Saúde, anteriormente vinculado ao Ministério da Justiça. Carlos Chagas foi um médico, cientista e sanitarista brasileiro, que desempenhou um papel crucial no campo da medicina e da saúde pública no Brasil. Ele introduziu a propaganda e a educação sanitária como elementos rotineiros de ação, inovando o modelo "campanhista" anteriormente empregado por Oswaldo Cruz, que era predominantemente fiscal e policial. Sob a liderança de Chagas, foram estabelecidos órgãos especializados no combate à tuberculose, lepra e doenças venéreas. A assistência hospitalar, infantil e a higiene industrial tornaram-se questões individualizadas. As atividades de saneamento foram expandidas para além do Rio de Janeiro, alcançando outros Estados, e a Escola de Enfermagem Anna Nery foi fundada (COSTA e SILVA et al., 2010). Ao longo do tempo, à medida que as epidemias foram controladas nas grandes cidades brasileiras, o modelo "campanhista" deslocou as suas ações para o campo, concentrando-se no combate das chamadas endemias rurais. Essa abordagem foi amplamente adotada pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) no enfrentamento de diversas endemias, incluindo a doença de Chagas, esquistossomose, entre outras, e posteriormente foi incorporada à Fundação Nacional de Saúde (LUZ, 1991). Vamos Exercitar?2 A ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE A PARTIR DAS CAIXAS DE PREVIDÊNCIA ATÉ A CRIAÇÃO DO INSTITUTO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL A evolução histórica das políticasde saúde pública no Brasil caracteriza-se, inicialmente, pela construção de um Sistema Sanitário ineficaz e ineficiente no enfrentamento dos problemas de saúde da população, agindo de acordo com os interesses econômicos de cada período. Com aumento da população urbana e industrialização criou-se a necessidade de organizar a forma como os serviços de saúde eram ofertados a população. No início do século XX, as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPS) foram estabelecidas no Brasil em resposta à necessidade de criar um sistema previdenciário adaptado às demandas dos trabalhadores urbanos. Diante das condições precárias de trabalho e da falta de proteção social, os trabalhadores buscavam garantir segurança financeira em situações de invalidez, aposentadoria ou morte. Os movimentos operários e sindicatos que surgiram nesse período pressionaram por melhorias nas condições de trabalho e proteção social. As Caixas foram criadas para atender às demandas específicas dos trabalhadores urbanos e adaptar modelos previdenciários estrangeiros à realidade brasileira. Com o objetivo de estender os benefícios da previdência a todas as categorias do operariado urbano, as antigas Caixas foram substituídas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs). Esses institutos organizavam os trabalhadores por categoria profissional e não por empresa. Em 1933, o primeiro IAP, o Instituto dos Marítimos (IAPM), foi estabelecido no Brasil. Outros surgiram posteriormente para diferentes categorias profissionais. Até meados da década de 1950, os IAPs desempenharam um papel crucial no desenvolvimento econômico, sendo considerados um mecanismo de controle social. A assistência médica previdenciária não era prioritária até a década de 1950, quando a pressão por serviços de saúde aumentou com o desenvolvimento industrial e a urbanização. Em 1953, o Ministério da Saúde foi criado, seguido, em 1956, pelo Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERU), incorporando serviços nacionais de febre amarela, malária e peste (NICZ, 1988). Com o advento do golpe militar e o estabelecimento de um regime autoritário no Brasil em 1964, a situação da saúde pública deteriorou-se significativamente, especialmente para a parcela mais vulnerável da população (COSTA E SILVA et al., 2010). Nesse período, a política de saúde passou a focar na ampliação de serviços médicos privados (VASCONCELOS, 1999). O governo começou a adquirir serviços de assistência médica, resultando em condições ainda mais críticas para os brasileiros (PAIM, 2003). Durante o período militar, diversas ações foram implementadas, incluindo a promulgação do Decreto-Lei 200 (1967). Esse documento estabeleceu as competências do Ministério da Saúde, atribuindo-lhe a formulação e coordenação da política nacional de saúde, responsabilidade pelas atividades médicas ambulatoriais, ações preventivas em geral, controle de drogas, medicamentos e alimentos, bem como pesquisa médico-sanitária. Em 1970, foi criada a Superintendência de Campanhas da Saúde Pública (Sucam), com a incumbência de executar atividades relacionadas à erradicação e ao controle de endemias, sucedendo o Departamento Nacional de Endemias Rurais (Deneru) e a campanha de erradicação da malária (Cunha; Cunha, 1998). Em 1975, foi oficialmente estabelecido o Sistema Nacional de Saúde, delineando sistematicamente o campo de atuação na área de saúde, tanto nos setores públicos quanto privados, com foco no desenvolvimento de atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde. O documento formalizou a dicotomia na abordagem da saúde, atribuindo a Medicina curativa ao Ministério da Previdência e a Medicina preventiva ao Ministério da Saúde. No entanto, o Governo Federal alocou recursos limitados ao Ministério da Saúde, impossibilitando a efetiva implementação das propostas de saúde pública. Na prática, isso representou uma clara preferência pela medicina curativa, apesar de ser mais dispendiosa, por contar com recursos garantidos pela contribuição dos trabalhadores para o INPS (VASCONCELOS, 1999). O modelo econômico instituído pela ditadura militar entrou em crise em 1975. Os pobres ficaram mais pobres e a concentração de renda aumentou consideravelmente, com o país sendo um dos que apresentavam um dos maiores índices de concentração de renda em âmbito mundial. A população com baixos salários, contidos pela política econômica e pela repressão, passou a conviver com o desemprego e as suas graves consequências sociais, como o aumento da marginalidade, das favelas, da mortalidade infantil (LUZ, 1991). O modelo de saúde previdenciário, ao priorizar a medicina curativa, revelou as suas fragilidades ao ser incapaz de resolver efetivamente os principais problemas de saúde coletiva, como endemias e epidemias. Os indicadores de saúde, especialmente a taxa de mortalidade infantil, apresentaram aumentos significativos. O aumento contínuo dos custos da medicina curativa, centrada em serviços médico-hospitalares de complexidade e custo crescentes, com a diminuição do crescimento econômico e a consequente redução na arrecadação do sistema previdenciário, contribuíram para a insuficiência de receitas. O sistema também enfrentou dificuldades em atender a uma população crescente de marginalizados, que, sem carteira assinada e contribuição previdenciária, ficaram excluídos. Além disso, houve o desvio de verbas do sistema previdenciário para cobrir despesas de outros setores e realizar obras pelo governo federal (PAIM, 2003). Em 1966, ocorreu a unificação de todos os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Os impostos eram deduzidos mensalmente dos salários dos contribuintes, principalmente os trabalhadores com carteira assinada. Como resultado, houve uma concentração significativa de recursos financeiros nas mãos do Estado, que posteriormente os repassou à iniciativa privada, seja na aquisição de serviços médicos ou na construção de hospitais. A intervenção do Estado impulsionou o setor privado, uma vez que a expansão dos hospitais dependia dos recursos do INPS. A população economicamente ativa contava com os serviços desse órgão, resultando em um aumento significativo na contratação de hospitais e clínicas credenciados no INPS. Dessa forma, as ações implementadas nesse período direcionaram o sistema de saúde para uma trajetória crescente de privatização. A saúde passou a ser tratada como uma mercadoria, inacessível para a maioria da população. Os hospitais, embora privados, eram utilizados pelo Estado para atender aos trabalhadores contribuintes do INPS (trabalhadores formais). Aqueles que não contribuíam por meio de impostos eram obrigados a arcar com os custos dos tratamentos ou, caso não tivessem condições, dependiam da filantropia. A filantropia, caracterizada por ajudar de maneira sem fins lucrativos, era praticada em hospitais e Casas de Misericórdia, geralmente administradas pela Igreja Católica. Essas instituições prestavam assistência aos indigentes, pessoas incapazes de pagar pelos serviços de saúde. Nessa época, predominava a abordagem curativa assistencial, marcada pela construção de hospitais com uma forte inclinação para a privatização. Acreditava-se que a solução envolvia a criação de parcerias entre a iniciativa privada e o Estado. Como era o investimento do governo em compra de serviços terceirizados? Durante o governo militar, os serviços de saúde eram estruturados de forma centrada nos hospitais, na fabricação de medicamentos e na cura de doenças, caracterizando o que chamamos de modelo hospitalocêntrico curativista. Nesse modelo, a ênfase estava na cura das doenças, resultando em significativos investimentos na construção de hospitais, os quais nem toda a população tinha acesso. O governo não atribuía importância adequada e relegava a segundo plano questões importantes, comoo cuidado com a população pobre e trabalhadora que não dispunha de moradia nem de recursos para uma alimentação adequada. Esses eram problemas determinantes para as condições de saúde dos cidadãos e demandavam atenção. Se o governo propusesse uma reforma da Previdência em meados da década de 1920, não haveria mobilizações, embates, impasses, polêmica. Pelo menos não na intensidade que se veem hoje. As mudanças só preocupariam os funcionários das estradas de ferro e os servidores de uma ou outra repartição pública. Esses eram os únicos que tinham a aposentadoria garantida por lei. Para saber mais sobre o tema, leia “Evolução das aposentadorias”. O seguinte artigo busca compreender como o Golpe Militar instaurado em 1964 impactou as discussões e as políticas públicas direcionadas para a universalização da saúde no Brasil. O direito à saúde no brasil: uma análise dos impactos do golpe militar no debate sobre universalização da saúde. Apesar das conquistas alcançadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a implantação dos seus princípios e diretrizes ainda não aconteceu de forma plena. Diante disso, refletiremos ao longo deste artigo sobre a integralidade e a reorganização tecnológica a partir das tecnologias leves e da clínica ampliada, não só como diretrizes, mas como elementos norteadores de uma nova forma de pensar/fazer saúde. A integralidade da atenção à saúde como eixo da organização tecnológica nos serviços. 3 O MOVIMENTO PELA REFORMA SANITÁRIA A evolução histórica das políticas de saúde pública no Brasil caracteriza-se inicialmente pela construção de um Sistema Sanitário ineficaz e ineficiente no enfrentamento dos problemas de saúde da população, agindo de acordo com os interesses econômicos de cada período. Os serviços de saúde estavam organizados por meio do modelo curativista hospitalocêntrico. O ponto central era ter hospitais, fabricar remédios e curar doenças. O governo não dava valor a questões importantes, como cuidar da população pobre e trabalhadora que não possuía condições de moradia, nem renda para se alimentar bem. No Brasil não havia uma política de saúde que considerasse todos os cidadãos igualmente. O direito aos cuidados médicos era reconhecido apenas aos contribuintes com a previdência, aqueles trabalhadores de carteira assinada. Essa situação gerou descontentamento da população, o que desencadeou a necessidade de mudanças https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/primeira-lei-da-previdencia-de-1923-permitia-aposentadoria-aos-50-anos https://periodicos.ufba.br/index.php/rppgd/article/view/15209 https://periodicos.ufba.br/index.php/rppgd/article/view/15209 https://periodicos.ufba.br/index.php/rppgd/article/view/15209 https://www.scielo.br/j/csc/a/8VxDmKwcrjyknyc5hVj5FNt/ https://www.scielo.br/j/csc/a/8VxDmKwcrjyknyc5hVj5FNt/ na forma como a saúde era ofertada para a população. Foi gestado durante muitos anos o processo de Reforma Sanitária cuja perspectiva fundamental foi a construção de um Sistema Nacional de Saúde que deveria ser único para todos os brasileiros. Na década de 70, no Brasil, não existia uma política de saúde que contemplasse todos os cidadãos de maneira equitativa. O acesso aos cuidados médicos era garantido apenas aos contribuintes da previdência, ou seja, aos trabalhadores formais com carteira assinada. Essa abordagem excluía parte da população que não se enquadrava nesse sistema, contribuindo para desigualdades no acesso aos serviços de saúde. No Brasil do final dos anos 1970, a saúde era entendida cada vez mais como uma mercadoria. O setor privado passou a controlar a prestação de serviços de assistência à saúde individual. Muitas crianças chegaram a morrer com sarampo e meningite, por exemplo, na década de 1970. A censura militar não permitia a divulgação dos números de doenças que aconteciam entre as crianças. Diante dessa situação, o número de trabalhadores urbanos aumentava consideravelmente. As ações de saúde pública ficaram em segundo plano, uma vez que não eram consideradas produtivas para o crescimento do país. No final dos anos 1970, surgiu um movimento pela Reforma Sanitária Brasileira que contestava esse quadro de exclusão e lutava pela universalização da saúde e pela redemocratização do país. Após a crise econômica que resultou na falência do modelo do regime militar, a situação no Brasil se agravou, principalmente devido ao descontrole inflacionário, que se manifestou a partir do final dos anos 70. Nesse contexto, a sociedade mobilizou-se novamente, demandando liberdade, democracia e eleições diretas para presidente da República. O último presidente militar, João Figueiredo (1979-1985), acelerou o processo de democratização do país, extinguindo o bipartidarismo imposto pelos militares e criando partidos políticos. A censura sobre a imprensa foi abolida, os sindicatos ganharam maior liberdade e autonomia, e as greves voltaram a ser uma realidade nas cidades brasileiras. No campo da saúde, o movimento sanitarista foi o precursor da proposta de construção do Sistema Único de Saúde (SUS). A reforma sanitária defendia uma série de mudanças essenciais para a saúde, contando com a participação de diversas representações sociais, incluindo profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, entre outros), intelectuais, partidos políticos de diferentes correntes ideológicas e movimentos sociais. Ao final da década de 70, o movimento amadureceu, impulsionado por estudos acadêmicos e práticos realizados, principalmente, nas faculdades de Medicina. Nas universidades, a concepção da Medicina passou a ser mais social, considerando a saúde como um conjunto de fatores que vão além do bem-estar físico (PAIM, 2003). Em 1986, ocorreu em Brasília a 8ª Conferência Nacional de Saúde, que contou com a participação expressiva de trabalhadores, representantes do governo, usuários e parte dos prestadores de serviços de saúde. Antecedida por conferências municipais e estaduais, a 8ª CNS representou um marco na elaboração de propostas para a reforma do setor de saúde, consolidando a Reforma Sanitária Brasileira. O seu documento final sistematizou o processo de construção de um modelo reformador para a saúde, concebendo-a como resultado das condições relacionadas à alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra, além do acesso aos serviços de saúde (CUNHA; CUNHA, 1998). Em 1988, a Assembleia Nacional Constituinte aprovou a nova Constituição Brasileira, incorporando pela primeira vez uma seção dedicada à saúde. Essa seção sobre saúde, em grande medida, incorporou os conceitos e propostas da 8ª Conferência Nacional de Saúde, refletindo, em essência, a adoção da proposta da Reforma Sanitária e do Sistema Único de Saúde (SUS). Resultado dos debates e das diversas propostas relacionadas ao setor de saúde presentes na Assembleia Nacional Constituinte, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a criação do SUS, reconhecendo a saúde como um direito a ser garantido pelo Estado e fundamentado nos princípios de universalidade, equidade, integralidade, organização descentralizada, hierarquizada e com participação da população (COSTA e SILVA et al., 2010). No que se refere ao processo saúde-doença, é relevante destacar que a promoção da saúde transcende a esfera das atividades clínico-assistenciais. Isso implica que o Estado deve proporcionar não apenas consultas médicas centradas no ambiente hospitalar e no tratamento de doenças por meio de abordagens curativas. É fundamental reconhecer que as condições de vida de um indivíduo desempenham um papel determinante em sua saúde. O cotidiano pode tanto contribuir para a promoção da saúde quanto para o surgimento de doenças. A reforma sanitária propunha um modelo distinto que privilegiava a saúde coletiva. O indivíduo estava intrinsecamente ligado ao seu ambiente,sendo este um fator determinante no processo de adoecer ou manter-se saudável. Adicionalmente, o movimento sanitário buscava estabelecer um sistema de saúde que atendesse a toda a população, sem qualquer forma de exclusão. 4 MARCO REGULATÓRIO DA SAÚDE NO BRASIL: CONSTITUIÇÃO DE 1988, TRANSIÇÃO DO INAMPS PARA O SUS, SUDS E LEGISLAÇÕES FUNDAMENTAIS (LEIS 8080/90 E 8142/90 A Constituição Federal Brasileira de 1988 introduziu o conceito de Seguridade Social, que engloba ações relacionadas à saúde, previdência e assistência social. Essas ações devem ser financiadas pelos Orçamentos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além de contribuições sociais. No âmbito das políticas sociais, o Estado é responsável por garantir o direito à educação e à saúde a todos os cidadãos. Na área da saúde, a Constituição estabeleceu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), com uma estrutura descentralizada, hierarquizada e regionalizada, assegurando o acesso universal. O Art. 196 da Constituição Federal define que “A saúde é direito de todos e dever do Estado...” determinando assim, de maneira clara, a universalidade da cobertura do Sistema Único de Saúde. O Parágrafo Único do Art. 198 da Constituição Federal diz: “O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”. No final dos anos 1980, surgiu o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) como uma medida de adaptação à criação e implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUDS foi estabelecido em 1987, durante a Assembleia Constituinte que elaborou a Nova Constituição Brasileira. Podemos considerar o SUDS como uma iniciativa que antecipou a implementação do SUS, preparando o terreno para a sua criação após a aprovação da Constituição de 1988. Essencialmente, esse projeto serviu como um modelo de transição para o SUS, visando gradualmente transferir a responsabilidade do INAMPS para os estados e municípios, ou seja, descentralizando ou municipalizando a gestão dos serviços de saúde. Foi assim que as propostas do movimento sanitário, que iniciou a sua caminhada lá nos anos 1970, começaram a ser efetivadas. A partir de 1990, o INAMPS foi incorporado à estrutura do Ministério da Saúde. A sua extinção só ocorreu quase três anos após a promulgação da lei que instituiu o SUS, por meio da Lei n° 8.689, datada de 27 de julho de 1993. Ao manter o INAMPS, também foram preservados os seus recursos e a lógica de financiamento e alocação desses recursos financeiros. Assim, o SUS iniciou as suas operações na área da assistência à saúde com uma abordagem universal, utilizando uma instituição originalmente criada para atender a uma parcela específica da população. O SUDS teve como principais objetivos: a unificação dos sistemas (Ministério da Saúde e INAMPS - Ministério da Previdência e Assistência Social) com consequente universalização da cobertura e a descentralização. A Lei 8.080/90 institui o Sistema Único de Saúde (SUS), com comando único em cada esfera de governo, e designa o Ministério da Saúde como gestor na União. No Capítulo II - Dos Princípios e Diretrizes, Art. 7º, a lei estabelece a "universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência" como um dos princípios fundamentais do SUS. Essa mudança representa uma significativa alteração em relação à situação anterior, formalizando a existência de um Sistema Público de Saúde único e universal no Brasil. A Lei 8.080/90, conhecida como Lei Orgânica da Saúde, é uma legislação fundamental que estabelece as condições para a organização e o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Promulgada em 19 de setembro de 1990, ela define as diretrizes para a prestação de serviços de saúde; a formulação e a execução de políticas de saúde; o controle e avaliação das ações e serviços de saúde, entre outros aspectos relacionados à saúde pública no país. Alguns pontos-chave da Lei 8.080/90 incluem: • Universalidade: garante o acesso amplo, igualitário e sem discriminação a ações e serviços de saúde para toda a população. • Integralidade: busca assegurar o conjunto articulado de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. • Equidade: visa à redução das desigualdades no acesso aos serviços de saúde. • Descentralização: propõe a regionalização e a hierarquização das ações e serviços de saúde. • Participação da Comunidade: estabelece a participação da comunidade na gestão do SUS por meio dos Conselhos de Saúde e das Conferências de Saúde. A Lei 8.142 de dezembro de 1990 dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde. Com relação à participação da 32, a comunidade instituiu, em cada esfera de governo, a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) é um sistema público, nacional e universal, fundamentado no direito à saúde como cidadania, na concepção de unicidade e nas diretrizes de descentralização, integralidade do atendimento e participação da comunidade. A participação da comunidade é realizada por meio de Conferências de Saúde, que ocorrem de forma quadrienal em níveis municipal, estadual e nacional, envolvendo representantes de diversos setores sociais para avaliar a situação de saúde e propor políticas. Os Conselhos de Saúde, órgãos permanentes e deliberativos, são compostos por representantes do governo, prestadores de serviços e usuários, sendo estes últimos detentores de 50% dos membros. Atuam na formulação de estratégias e controle da execução da política de saúde em esferas municipais, estaduais e nacional. A implementação do SUS enfrenta desafios relacionados às desigualdades no país, particularidades dos problemas de saúde e características do federalismo brasileiro. A Lei 8.142/90 complementa a Lei 8.080/90 e trata especificamente da participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Ambas as leis, conhecidas como Leis Orgânicas da Saúde, foram promulgadas em setembro de 1990. Principais pontos da Lei 8.142/90: • Participação Social: estabelece a participação da comunidade na gestão do SUS, por meio de instâncias colegiadas, como os Conselhos de Saúde e as Conferências de Saúde. • Conferências de Saúde: determina que as Conferências de Saúde sejam realizadas em todos os níveis de governo (municipal, estadual e federal), com representação dos vários segmentos da sociedade, para avaliar a situação de saúde e propor diretrizes para as políticas de saúde. • Conselhos de Saúde: institui os Conselhos de Saúde em cada esfera de governo (municipal, estadual e federal), compostos por representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e usuários. Os usuários têm a maioria dos membros nos conselhos. • Recursos Financeiros: regula a destinação dos recursos financeiros para a saúde e estabelece critérios para as transferências intergovernamentais. A Lei 8.142/90 reforça o caráter participativo do SUS, garantindo a voz da sociedade na formulação, execução, controle e avaliação das políticas de saúde. A participação da comunidade, por meio dos Conselhos e das Conferências, é considerada um elemento fundamental na construção de um sistema de saúde mais democrático e alinhado às necessidades da população. Vamos Exercita O que é saúde? O conceito de saúde é amplo e pode ter diferentes abordagens dependendo do contexto, da perspectiva cultural e das definições adotadas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade." Essa definição da OMS enfatizanão apenas a ausência de doença, mas também o bem-estar físico, mental e social. Portanto, a saúde não é apenas a condição física do corpo, mas também inclui aspectos emocionais e sociais, refletindo a interconexão entre diferentes dimensões da vida. De acordo com o dicionário Aurélio, saúde “é o estado do indivíduo cujas funções orgânicas, físicas e mentais se encontram em situação normal”. Assimile A saúde pública no Brasil, do Período Pré-colonial até antes da reforma sanitária. A trajetória das políticas de saúde no Brasil está intimamente ligada à evolução política, social e econômica, seguindo a perspectiva do avanço do capitalismo. Até 1850, as condições de saúde pública eram precárias, com foco no controle sanitário de navios e portos para facilitar o comércio exterior. A saúde pública no início do século 20, especialmente no Rio de Janeiro, apresentava condições caóticas, afetando não apenas a população, mas também o comércio exterior devido a epidemias, como varíola, malária, febre amarela e peste. Durante o governo de Rodrigues Alves, Oswaldo Cruz liderou o Departamento Federal de Saúde Pública, desempenhando um papel importante no combate a epidemias e modernização da prática médica. Oswaldo Cruz buscou reestruturar a Diretoria Geral de Saúde Pública, integrando registro demográfico, laboratório bacteriológico e produção de produtos profiláticos. Ao longo do tempo, o modelo “campanhista” deslocou-se para o combate de endemias rurais, sendo adotado pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública e, posteriormente, incorporado à Fundação Nacional de Saúde. No início do século XX, as Caixas de Aposentadorias e Pensões foram criadas no Brasil para atender às demandas dos trabalhadores urbanos no âmbito previdenciário. A assistência médica previdenciária ganhou destaque apenas na década de 1950, com a criação do Ministério da Saúde. Com o golpe militar em 1964, a saúde pública enfrentou declínio, concentrando esforços na expansão de serviços médicos privados. A unificação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) em 1966, formando o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), centralizou recursos nas mãos do Estado. O modelo previdenciário, com foco na medicina curativa, mostrou fragilidades, resultando em aumentos nos indicadores de saúde e insuficiência de receitas. A partir de 1966, a privatização ganhou impulso com a unificação do INPS, destacando uma abordagem curativa assistencial e a construção de hospitais com viés para a privatização. A saúde pública no Brasil, do Período Pré-colonial até antes da reforma sanitária. A trajetória das políticas de saúde no Brasil está intimamente ligada à evolução política, social e econômica, seguindo a perspectiva do avanço do capitalismo. Até 1850, as condições de saúde pública eram precárias, com foco no controle sanitário de navios e portos para facilitar o comércio exterior. A saúde pública no início do século 20, especialmente no Rio de Janeiro, apresentava condições caóticas, afetando não apenas a população, mas também o comércio exterior devido a epidemias, como varíola, malária, febre amarela e peste. Durante o governo de Rodrigues Alves, Oswaldo Cruz liderou o Departamento Federal de Saúde Pública, desempenhando um papel importante no combate a epidemias e modernização da prática médica. Oswaldo Cruz buscou reestruturar a Diretoria Geral de Saúde Pública, integrando registro demográfico, laboratório bacteriológico e produção de produtos profiláticos. Ao longo do tempo, o modelo “campanhista” deslocou-se para o combate de endemias rurais, sendo adotado pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública e, posteriormente, incorporado à Fundação Nacional de Saúde. No início do século XX, as Caixas de Aposentadorias e Pensões foram criadas no Brasil para atender às demandas dos trabalhadores urbanos no âmbito previdenciário. A assistência médica previdenciária ganhou destaque apenas na década de 1950, com a criação do Ministério da Saúde. Com o golpe militar em 1964, a saúde pública enfrentou declínio, concentrando esforços na expansão de serviços médicos privados. A unificação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) em 1966, formando o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), centralizou recursos nas mãos do Estado. O modelo previdenciário, com foco na medicina curativa, mostrou fragilidades, resultando em aumentos nos indicadores de saúde e insuficiência de receitas. A partir de 1966, a privatização ganhou impulso com a unificação do INPS, destacando uma abordagem curativa assistencial e a construção de hospitais com viés para a privatização. Essa parceria entre iniciativa privada e Estado gerou uma crise no sistema de saúde, elevando os custos e tornando-o inacessível para a maioria da população. 1 A Saúde Pública no Brasil Vamos Exercitar?2 A Organização do Sistema de Saúde a partir das Caixas de Previdência até a criação do Instituto Nacional de Previdência Social 3 O movimento pela Reforma Sanitária 4 Marco Regulatório da Saúde no Brasil: Constituição de 1988, Transição do INAMPS para o SUS, SUDS e Legislações Fundamentais (Leis 8080/90 e 8142/90 Assimile