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Formação da Sociedade Brasileira: Debates entre Bomfim, Buarque de Holanda e Prado Júnior

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FORMAÇÃO DA SOCIEDADEBRASILEIRA:
UM DEBATE
Wallace dos Santos de Moraes[2: Prof. Dr. Departamento de Ciência Política da UFRJ.]
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo debater a formação da sociedadebrasileiracomtrêsautores – Manoel Bomfim, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior –, que pouco compartilham. Isto é, a metodologia, as hipóteses, os recursosteóricos, a mobilização das fontes, o tempoemque escrevem e, sobretudo, teses e conclusõessãodiferentes. Os aspectosemcomum, aindaassimcom ressalvas, são a concordânciacom Capistrano de Abreu e a discordância com Varnhagen, além, é claro, da discussãosobre o Brasil. Nesse sentido, buscaremos propiciar um debate calcado na diferença que nos permita ampliar nossas possibilidades reflexivas, pensando e repensando a formação da sociedadebrasileiracomestestrêsclássicos do pensamento social. [3: Paratanto, perscrutaremos “América Latina – males de origem” e “Brasil na América – características da formaçãobrasileira” de autoria do primeiro; “Raízes do Brasil”, do segundo; e “Formação do Brasil Contemporâneo”, do último.]
A metodologiaempregadapara o desenvolvimento da questão será abordar as principaisteses, hipóteses e metodologias dos autores, tendo comofococentral o debatesobre a formação da sociedadebrasileira, emespecial o papel do indígena, do negro e do brancoportuguês nesta empreitada.Tudoisso, tendo comopontonevrálgico a herança cultural das trêsraças e a construção da singularidade do povobrasileiro.[4: Desta forma, não iremos tratar dos agregados, quilombolas, tapuias etc., masapenas de uma formageral do negroescravo, do indígena e do brancoportuguês no seucontatocomum na construção da sociedadebrasileira.]
A dificuldadeque temos emcolocarparadialogarautoresquenão estão pensando um no outro, nos fez optarporfazer o debateacontecer, expondo o pensamento de cadaum separadamente através da organização do trabalhoemtipologias, ao invés de uma tradicional discussão bibliográfica emtópicos. Sendo assim, entendemos que a melhorformapara o desenvolvimento da questão é abordarmos nas tipologias a metodologia de cadaautor, o que pensam sobre Portugal e os portugueses, ou seja, aquelesque detêm a direção da formação da sociedadebrasileira, e o significado do indígena e dos negros. Cabe salientar, ainda, queoptaremos pornãofazer uma conclusãoconvencional do pensamento de cadaautor, deixando para fazê-la na parte a que se destina ao epílogo de toda a pesquisa; onde, porfim, traremos à tona as questões debatidas ao longo do paper. 
Sabemos de antemão que Manoel Bomfim está pensando emVarnhagen, Capistrano e no pensamentoeuropeusobre o Brasil; que Caio Prado está com a cabeçaem Alberto Torres, Gilberto Freire, Paulo Prado e em Marx comomodelo de método de análise; já Sérgio Buarque mobiliza Capistrano, Alberto Torres, Escola de Chicago, tendo a teoria de Max Weber comoopção metodológica. Destarte, esperamos fazerumdebaterico, revelador e, principalmente, original, talcomo e digno da sociedadebrasileira.
Comecemos com a tipologia de Manoel Bomfim.
MANOEL BOMFIM E OS MALES DE ORIGEM
As obras de Manoel Bomfim contêm críticaradical ao Estado, à Justiça, aos evolucionistas e ao português pós-degeneração, bem como exaltação ao português pré-degeneração, à miscigenação e ao nacionalismo. E, ainda, uma visão romântica do indígena e céticacomrelação ao negro. Ou seja, trata-se de umpensamentocomplexo, cujaengenharia deve ser apreciada.
Para entendermos melhor as teses e hipóteses de Manuel Bomfim na obra “O Brasil na América”, é misterfazerrelaçãocomoutraobrasua, “América Latina - os males de origem”. Nesta, que é o seuprimeirolivro publicado na área de História e Sociologia, Bomfim utiliza-se dos conceitos de parasita e parasitário, noções da biologia, masaqui aplicadas na leitura dos fatos. Parasitas, nesta perspectiva, sãoaquelesque “sugam” a mais-valia produzida poroutros; comefeito, portugueses e espanhóis ao submeterem indígenas e africanos à servidão, se apropriando das riquezas produzidas pelosúltimos, se encaixam perfeitamente no conceito. Esta é a chave da interpretação das classessociais, também concebida entre os países, isto é, aplica-se à exploraçãoque Portugal fazia do Brasil, porexemplo, considerado parasitado.[5: Ao longo de todoestetrabalho abordaremos as duas obrasconcomitantemente. ][6: Umlivroescrito na Europa no vigor dos seus trinta e cincoanos. Uma obrajovematédemaisparasuaépoca, contendo reflexões inovadoras sobre a América Latina e particularmentesobre o Brasil, abordando o contato de trêsraças e a construção de umnovomundo. Amor e paixão formam os sentimentos incluídos no livro; ousadia é a suaprincipalmarca. A teseprincipal do livro ousa chamar portugueses e espanhóis de parasitas. Ao contrário de Varnhagen, o autortomaposição ao lado dos explorados, oumelhor, parasitados.]
Umaparenteparadoxo da construçãointelectual do pensamento do autor reside na utilização destes conceitosparamelhorexplicar os fatossociais, mas, pari passu, refuta a mesmautilizaçãopelos chamados darwinistas sociais na linha de Spencer. Assim, as homologiasentresociologia, zoologia e biologia, além da idéia linear de progresso dos evolucionistas, que fariam as sociedades evoluírem do maissimples ao maiscomplexo, sãoamplamente refutadas pelointelectualbrasileiro. Deste modo, utiliza-se de exemplos das ciênciasnaturais, porémapenascomorecursodidáticoparamelhorexplicar os fatossociais, desfazendo a contradiçãoaparente.[7: Manoel Bomfim ao utilizarconceitos da biologia, na primeirametade do século XX, paraexplicar os fatossociais, não está demodé. Existem doisaspectosque atenuam talsubterfúgio: a amplautilização dos conceitos da biologia no períodoemque escreve e a suaformaçãoemmedicina.][8: “Está umtanto desacreditado, emsociologia, essevezo de assimilar, emtudo e paratudo, as sociedades aos organismos biológicos. Muito se tem abusado deste processo de crítica, cujovício, emverdade, não consiste emconsiderar as sociedades – digamos os grupossociais – comoorganismosvivos, sujeitos, porconseguinte, a todas as leisque regem a vida e a evolução dos seres, masem considerá-los comosimplesorganismos biológicos. Emsuma, não é o conceitoque é condenável, e sim a estreiteza de vistascomque o aplicam à crítica dos fatossociais, maiscomplexos, semdúvida, que os fatos biológicos, pois dependem das leis biológicas, e ainda das leissociais, peculiares a eles” (Bomfim, 1993: 51).]
A influência do parasitismo das metrópolessobre o organismo das colônias alcança todas as manifestações da vidacoletiva no seuquádruploaspecto: econômico, político, social e moral. Sendo os efeitoseconômicosprimordiais, aos quais se ligam os outroscomoefeitossecundários.[9: “Emsi o parasitismo das metrópoles, como o parasitismosocialemgeral, é umfenômeno de ordemeconômica, cujosefeitos se refletem sobretoda a vidasocial. Esta afirmação equivale a umtruísmo” (Bomfim, 1993: 127). Bomfim tentaestabelecer uma históriatotal, dando à economia uma importânciamaioremsuasupracitadaprimeiraobra; enquantoque, na segunda, esta não desfruta de talprestígio. ]
A metodologiaempregadapor Bomfim consiste, então, na análise do passadocomtentativa de explicar os víciosatuais, percebendo atéquepontotaisvícios derivam da herança, da educação e da economia. Istoposto, percebemos que a herança (cultural e social) e sobretudo a educação têm valorfundamentalemsuasteses, juntamentecom o aspectoeconômico. 
Analisando a história de Portugal, Bomfim percebe que o paíspassa de grandepotência, que desbravou os marescomgrau de desenvolvimentomuito adiantado parasuaépoca, nosséculos XIV e XV, paraapenasumpaísperiféricoeuropeu no século XX. 
A pedra de toque de suaargumentaçãopassapelaseguinteindagação, como uma potência da estirpe de Portugal se degenerou? Paraexplicar, o autor recorre às ciênciasnaturaisdentro da lógica do parasitismo, citando um animal marinho – o Chondracanthus Gibbosus – que nos períodos de vida embrionária e larvar possui organizaçãomuitomaiscomplexa e perfeita do que quando em fase adulta. De acordocomBomfim, emestadoadulto, o animalnão apresenta órgãoslocomotoreslivres, nemtegumentoprotetor, centrosnervososdesenvolvidos, órgãossensoriais, aparelhodigestivocompleto; no entanto, no estadolarvar, existem todosestesórgãos e aparelhos; depoisque o animal vai se desenvolvendo emvolume, eles se atrofiam e desaparecem. Comoexplicartaldegeneração? Isto pode ser considerado uma anomalia, mas a sentença vem com o fato deste animalpoderser considerado umsuperioremidadeinfantil e umvermeemidadeadulta. A resposta é atribuída ao seuparasitismoentre uma fase e outra. Na medidaemque Portugal – o primeiro Estado-nação, pioneiro na navegação dos mares, grandiosapotência – conquista as ricas terras americanas e enquantometrópole suga a novacolônia, deixa de evoluir e, pior, involui. Tornou-se, na prática, umparasita, dependendo exclusivamente da exploração da colônia, perdendo suasqualidades. 
Emsuma, Portugal, antes de chegar às terras na América que fez suas, eraumgrandepaíscom uma nação de heróis, a melhor e maispoderosa da Europa. Sendo aindaumexcelente colonizador, pois, além de seudesenvolvimentopara a época, eraumótimoagricultor.Entretanto, posteriormente no viverintegral de parasita, ou seja, na exploração de suacolônia na América, ele se degrada e degenera profundamente. [10: Manuel Bomfim descreve as qualidades da potência portuguesa com uma ressalva temporal, qualseja, de suaformaçãoenquantoestadonacional, séc. XIV até o século XVII, início de seudeclínioemfunção do parasitismo.][11: Neste sentido: “Novas finanças para a nação, cooperação do Estadoemgrandesempresas de comércio, intuição do novoespíritoemeconomia, reabilitação e nobilitação da mercância, feitoriaspara a exploraçãoproveitosa de regiões afastadas... tudoisto vem de Portugal projetado sobre os mares. (...) Finalmente, no século XVI, com o poder de fazer o comércio das Índias, Portugal realizou umprivilégio – de domíniomercantil, nuncavisto, nemantes, nemdepois: em 1515, não se encontravam na Europa, especiariassenão a de importação portuguesa” (Bomfim, 1997: 56). ][12: Bomfim faz uma exaltação dos primeiroscolonos, afirmando queestes tinham umsentimento de pátriaemrelação ao Brasil. Tudoisso aconteceu pelacompletaadaptação da novasociedadeàterrapormeio da agricultura. Terras maravilhosas faziam umcasamentoperfeitocom o colono, na concepção do autor.]
O autor descreve o quantoeraimportantepara os ibéricosaconquista de novasterras, sobdoisaspectos: 1) as milhões de almas a ganhar para Deus; 2) as montanhas de ouro a trazerparacasa. Segundo o escritorsergipano, a remessa de Deuserafácil: o bispo batizava e abençoava, as centenas de milhares num sógesto – estava o caso concluído. O importanteerarecolher a riqueza e digeri-la. Todomundo correu à obra, todas as classes se incorporaram ao parasitismo, sendo este o meiomaiscomum e fácil de enriquecimento. 
Depois de estabelecer o funcionamento do regimeparasitárioimplementado pelas metrópoles, devemos fazer o seguintequestionamento: comoesteregime influenciou a vidadas colônias? Para Bomfim, o resultado foi bastante negativo, pois o modeloparasitáriosob o qual nasceram e viveram as colônias da América do Sul influiu naturalmentesobre o seuviverposterior, quandojá emancipadas. E esteregime produz efeitos de trêsordens: o enfraquecimento do parasitado; as violênciasque se exercem sobreele, paraquepreste uns tantosserviços ao parasita – além do encargocapital de nutri-lo; finalmente, a adaptação do parasitado às condições de vidaquelhesão impostas. 
Destarte, a síntese da vidaeconômica das novasnacionalidadesportodo o tempo de colônia consubstanciou-se emsenhor extorquindo o trabalho do escravo; o negociante, o padre, o fisco e a chusma dos subparasitas, extorquindo do colono o queele roubara do índio e do negro.Trabalhar, produzir, só o escravo o fazia. Esteideal virou tradição. Logo, o regime de servidãonãoeraruimapenaspara o negro, maspara a sociedadecomoumtodo, pois funcionava comoumfreio ao avançotecnológico. Emconsonânciacom esta visão, o colononãotinhaqueapurar a inteligência, nemdesenvolveratividade laborativa. Se os lucrosnãolhe pareciam bastantes, erasóaumentar o número de escravos. Jáignorante, retrógradoporeducação, como iria elepensaremmodificar os processos de produção, aperfeiçoarinstrumentos de trabalho, dartratos ao talentoparaacharlavourasmais remuneradas, quandotinhaummeioseguro, infalível e simples – avolumar o número de servos? [13: “O Estadoeraparasita das colônias; a Igrejaparasitadireta das colônias, e parasita do Estado. Com a nobreza sucedia a mesmacoisa: ou parasitava nas sinecuras e pensões. A burguesia parasitava nosmonopólios, no tráfico dos negros, no comércio privilegiado. A plebe parasitava nosadros das igrejasounospátios dos fidalgos” (Bomfim, 1993: 108/9).]
Num rompante de críticaradical, no que concerne ao aspecto político-administrativo da metrópolesobre a colônia, segundo Bomfim, tanto o Estadoquanto a Justiça serviriam apenas parafavorecer aos parasitas na sualutacontra os parasitados. Desta forma, a função do Estadoeracobrar, coagir e puniraquelesque se negassem a pagar ao governo centralizador, absolutista, monopolizador. E a Justiça servia somenteparacondenar os que se rebelam contra o Estadooucontra os parasitascriados e patrocinados porele. Nestes termos:
“O Estado existe parafazer o mal, exclusivamente; e esta feição, comquedesde o primeiromomento se apresenta ele às novassociedades, tem uma influênciadecisiva e funestíssima na vidaposterior destas nacionalidades: o Estado é o inimigo, o opressor e o espoliador; a elenão se liga nenhuma idéia de bemou de útil; só inspira ódio e desconfiança... tal é a tradição; aindahoje se notam estessentimentos, porque, aindahoje, elenão perdeu o seucaráter, duplamentemaléfico – tirânico e espoliador.” (Bomfim, 1993: 143).
É dentro deste contextoque Manoel Bomfim é considerado umradicalporalguns de seus comentadores.
Comrelação ao indígena e seucontatocom o português, Bomfim tem uma visão generosa, descrevendo-o comoessencial na formação do Brasil, “sónão teve a importânciaigual a do próprioportuguêsporque a este coube adireção. Mas, afora a isto, a ação dos naturais foi constante, eficaz, essencial” (Bomfim, 1997: 100). [14: De acordocom esta tese, o gentio tem várias qualidades: coragem, valentia, bondadefraternal, bravuraconstantesobre a puravida do coração, jovialidade fácil, aptidãoparatodaprodução, atividades na medida dos apetites e necessidades. ]
Bomfim compara a colonização inglesa à castelhana e à portuguesa, chegando à conclusão de que o português tratava muitomelhor o gentio do que os demais. Ou seja, para o autor, no Brasil não houve extermínio de indígenas. Estes foram vencidos, escravizados, poupados e absorvidos na populaçãoqueentão se formou. Segundoestepensamento, o encontroentre os portugueses e os indígenas foi nãosóimportante, comoum estava preparadopara o outro. Isto é, no trato do portuguêsdominador, espoliador, parasitacom o gentio, toda a radicalidade de Bomfim contra os dominadores cai e ele afirma que o contato foi brando, manso, quasefraterno, tendo comopano de fundo o exaltar das duas etnias.
No seuafã de celebrar o potencial da sociedadebrasileira, Bomfim rechaça todo e qualquerpreconceitocomrelação à miscigenação das raças e uma pseudo superioridade das raças puras. Paratanto, o autor utiliza-se de largadiscussãodentro da medicina e afirma que leram Mendel errado.
O calcanhar de Aquiles de Manoel Bomfim reside na suadescrição da contribuição dos negrospara a sociedadebrasileira e de suavida (sobrevivência) comoescravos, produtores, únicostrabalhadores, como o próprio Bomfim admite em “A América Latina – males de origem”. O autor tem uma preferênciamuitomaiorpeloindígena. Sobreeste, várioscapítulos foram reservadosparadescreverseumodo de vida e a influência de suacultura, costumes, linguagem na formação da sociedadebrasileira. Até pesquisa lexográfica Bomfim utiliza para apontar a herança do vocabulárioindígenapara o Brasil. No entanto, comrelação ao negro, o autor afirma queseulegadocultural é menor do que imaginamos. Desta forma, o intelectual peca ao nãomencionar a enormeherança cultural negra, também nas palavras, na música, na dança, na religião, noscostumes etc..
Bomfim, depois seguido por Gilberto Freire, afirma que os negros no Brasil não eram maltratados como nas Américas espanhola e inglesa. A explicação encontrada peloautor está no fato do portuguêster tido o primeirocontatocom os africanos na costa da África. Entretanto, Bomfim ignora que a questão de serescravo, independente de quem seja o senhor, é semprecruel, humilhante e implica geralmente na perda da identidade, do amorpróprio, da dignidade, na morte precoce, dentre outras graves conseqüências, como várias pesquisas demonstram. O fato de ser vendido empraçapúblicajá é uma humilhaçãoquenão necessita de maiorescomprovaçõespara concluirmos que esta pessoa sofre (e muito). Trata-se, portanto, de umaxioma na nossaconcepção: o negronão foi bemtratado.
O trabalho de Manoel Bomfim destaca os males do presente, a maioriafruto do passado colonial, mas acreditando na possibilidade de superá-los na construção de um Brasil nacional. Outrossim, afirma quenão é a independênciaqueliberta o Brasil do parasita Portugal, ao contrário, considera a independência uma afronta ao nacionalismobrasileiro, ao ideal sonhado de uma pátriademocrática, pois:
“No primeiromovimentorevolucionáriopara a independência, tudo se faz, ali, numa simplesreação legitimista, emfavor da dinastia deposta (...) a nós, foi precisoabsolver a própriaignomínia deles, parafazer uma independênciaemfalso, tirada da traição de uns, da transigência e pusilanimidade, ouestultice de outros. E veio a mentida independência, paraser o começo da verdadeira, quenão é completa, talvez” (1997, 383). 
O PIONEIRISMO DE SERGIO BUARQUE DE HOLANDA
A chavepara entendermos a obra de Sérgio Buarque de Holanda está na compreensão de seuprincipalpostulado, qual seja, cadapovo tem uma característicaprópria. Desta forma, dentro do quenos interessa para o desenvolvimento da nossaquestãocentral, a formação da sociedadebrasileira é fruto da herança cultural dos portugueses e dos indígenas, segundo o autor.
A metodologiaempregadapor Sérgio Buarque busca uma espécie de psicologiacoletiva do brasileiro, percebendo a influência de suas raízes, principalmentenosaspectosresultantes da miscigenação, da religião e do personalismo. A obra é histórica, pois é pioneiraemfazer uma leitura da formação do Brasil, a partir da metodologia e teoria de Max Weber.
Ademais, Holanda examina a formação do Brasil, primeiro discutindo as características dos ibéricos, depois dos portugueses emparticular e, porfim, dos brasileiros, resultado da junção daqueles com os indígenas. Entretanto, há uma lacuna na excelenteobra do autor no que tange à discussão do papelpositivo dos negros na formação do Brasil. Passemos inicialmentepara a discussãosobre Portugal propriamente.
De acordocom a visão do autor, os ibéricossãodiferentes dos demaiseuropeusporsuapeculiarcultura da personalidadedesdetemposimemoriais, ou seja, atribui-se importânciaparticular ao valorpróprio da pessoahumana, à autonomia de cadaum dos homensemrelação aos semelhantes. Esta idéia de cultura da personalidade valoriza o homemquenão depende de outro. A explicaçãoparaisto está na construçãohistórica do povoportuguês, bem acentuada na IdadeMédia.
Além da questão do personalismo, segundo a perspectiva de Buarque, o ibériconão é adepto da religião do trabalho, o que portugueses e espanhóis admiram comoideal é uma vida de grandesenhor, excluindo qualqueresforço, qualquerpreocupação.Pararatificartalhipótese, Buarque recorre à lógica da “Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, semcitar Weber nem a obra – mas, ao queparece,comeles na cabeça –, explicando o gostopelotrabalho do protestante anglo-saxão, diferenciando-o do ibéricocatólico.[15: Isto, comoderivação da cultura da personalidade.]
Considerando-se que o portuguêstinha a direção de todaformação da cultura, da sociedade, da política e da economia, sabe-se tambémque o indígenaeraemnúmeromuitogrande e houve a tentativa frustrada de escravizá-lo, bemcomo o portuguêsnãoeraadepto da religião do trabalho. Porúltimo, o negroafricanofora retirado de suasterrascomoanimal e transportado comotal, vendido empraças públicas e forçado ao trabalhoescravo. Ou seja, toda a produção estaria a cargo deste último. Agora cabe a seguintequestão, como se dava a convivência das três etnias na obra de Buarque de Holanda combase nestes axiomas? O própriopensador responde:
“Entrenós, o domínioeuropeu foi, emgeral, brando e mole, menosobediente a regras e dispositivos do que à lei da natureza. A vida parece ter sido incomparavelmente, maissuave, mais acolhedora das dissonânciassociais, raciais, e morais. (...) a isso cumpre acrescentaroutrafacebemtípica de suaextraordinária plasticidade social: ausênciacompleta, ou praticamente completa, entreeles, de qualquerorgulho de raça.” (Holanda, 2001: 52/3).
Comoexplicar, então, a escravidão do negropelos portugueses, responsáveis, inclusive, pelotráfico? A explicaçãoque o autorencontrapara a “bondade” do portuguêsfrente aos indígenas e negros é que os portugueses eram umpovo de mestiços. De acordocom Buarque, o portuguêserabomcom os negros e índios, assimilavasuaslinguagens, seitas religiosas etc.[16: Devido ao fato do contatoconstantecom os negros na costa da África e da invasãomoura à penínsulaibérica.]
Assim, uma da tesescentrais de Buarque constitui-se emilustrar a capacidade de adaptação do português no contatocomnovospovos. Isto posto, temos uma conseqüência, segundo esta visão, o português foi o melhor colonizador de todos os povoseuropeus, pois tem capacidade de adaptação, abrindo mão de suas próprias características, para, porfim, sagrar-se vitoriosoemsuaempreitada de dominar e colonizarconformeseudesejo: 
“Acredito mesmoque, na capacidadepara amoldar-se a todos os meios, emprejuízo, muitas vezes, de suas próprias característicasraciais e culturais, revelou o portuguêsmelhoresaptidões de colonizador do que os demaispovos, porventuramais inflexivelmente aferrados às peculiaridades formadas no velhomundo. (...) [Desta forma,] os portugueses precisaram anular-se durantelongotempoparaafinal vencerem (...) o resultado é que as relaçõesentrepatrão e empregado costumam sermais amistosas aqui do queemoutraqualquerparte” (Holanda, 2001: 132/33).
Outra conjectura de Buarque de Holanda, que o mesmotratacomoumtruísmo, edifica-se sobre a perspectiva de que os portugueses instauraram no Brasil uma civilização de raízes rurais, tendo toda a estrutura base de nossasociedade colonial fora dos meiosurbanos. Assim, no Brasil, o iberismo e agrarismo confundem-se. Ou seja, quando as cidades passam a ganharespaços, a influência de Portugal também diminui.
Porúltimo, diante da dicotomiaentre os interessespúblicos e os privados, Holanda percebe queestes estão acima daqueles, revelando, nitidamente, o predomínio do interesseemotivosobre o racional. E, emfunção do personalismocaracterístico da conquista da América pelosibéricos, transformou-se emoligarquia, abolindo as resistênciasliberais e assegurando uma estabilidadepolíticaaparente, quenão seria possível de outromodo.
Buscando explicar a opção de Portugal para o trabalho do negroafricanoemregime de escravidão, Buarque afirma que as terras férteis brasileiras faziam comque as propriedadesrurais se tornassem aqui verdadeiras unidades de produção. Precisava-se resolver o problema da mão de obra. O indígena frustrou os portugueses, então a solução foi recorrer ao negro africano, introduzido-o nas terras portuguesas na América. Contudo, Holanda não faz alusão à malevolência da instituição da escravidão, nãosópara o negro, comotambémpara o país. Assim, as características do negro, segundo a obra citada, sintetizam-se em:
“Suavidadedengosa, o gosto do exótico, a sensualidade brejeira, do chichibeísmo, dos caprichos sentimentais (...). Sinuosaaté na violência, negadora de virtudessociais, contemporizadora e narcotizante de qualquerenergiarealmenteprodutiva,a ‘moral das senzalas’ veio a imperar na administração, na economia e nas crenças religiosas dos homens do tempo. A própriacriação do mundo teria sido entendidaporelescomo uma espécie de abandono, um languescimento de Deus.” (Holanda, 2001: 61/2).
Destarte, lamentavelmente, o negro e a própriaescravidão ficam restritas neste pensamento à característica da personalidade, envolvendo muitasexualidade desta etnia, e até a uma influêncianosaspectosnegativos do ponto de vista do trabalhopara o país.
A HISTÓRIATOTAL DE CAIO PRADO
A construçãoteórica de Caio Pradopassapelainextricávelrelaçãoentreeconomia e o sentido da colonização da América Portuguesa. Em outras palavras, a conquista da América está ligada à divisãointernacional do trabalho e à necessidade do capitalemampliarseusdomínios. Logo, a economia é a mola mestra desta empreitada. Entretantonemsó de economia vive o trabalho de Prado, mesmoqueela esteja latenteoupatenteemtodos os aspectos, as visõespolítica, geográfica e social estão presentesemsuasanálises, e é principalmente a relação da primeiracom esta últimaque procuraremos nosdeter neste estudo.
Ao abordar os aspectos econômicos da conquista Européia na América, Caio Prado identifica trêscaracteres: a grandepropriedade, monocultura, trabalhoescravo. De maneiraque a essência de nossaformação esteve baseadacomumsimplesobjetivo, a exportação de produtos (açúcar, tabaco, ouro, diamante, algodão, café e outros). [17: Caio Prado ressalva, ainda, a existência de outras atividades na colônia, sãoelas: a mineração a partir do século XVIII, que adotará uma organização, afora às distinções de naturezatécnica, idêntica a da agricultura, comgrandesunidades trabalhadas porescravos; e o extrativismo, próprio, quasequeexclusivamente, do valeamazônico. Além destas atividadesfundamentais, Caio Prado acrescenta outras, como a pecuária e certasproduçõesagrícolas, entretanto, elealerta tratar-se de atividadessubsidiárias, destinadas a amparar e tornarpossível a realização das primeiras, são, portanto, de outracategoria e de segundaordem. ]
Neste sentido, “é comtalobjetivo, objetivoexterior, voltado parafora do paíssematenção e consideraçãoquenão fossem o interesse daquele comércio, que se organizam a sociedade e a economia brasileiras” (Caio Prado, 1953: 26). A direção estava nas mãos do brancoeuropeu e o trabalho coube aos indígenas e negros, principalmente a estesúltimos. Durante os trêsséculosiniciais, persistiutalorganização.
Emconformidadecom as palavrasacima, a colaboração dos negros e indígenas na formação da sociedade e da culturabrasileira foi marcada pelasubordinação, pelasubmissão à cultura do dominador. Se não fosse porestesaspectos, os negros e indígenas poderiam contribuirmuitomaispara a cultura do país, quiçá do mundo, ressalta Caio Prado. 
	Após o descobrimento para os portugueses de novasterras no novocontinente, a ideia pertinenteerasaber se seria lucrativopovoar; e, se afirmativo, como seria realizado. Perspectiva que surge apenascomvistas a favorecer os fins mercantis. Isto é, de acordocom as teses de Caio Prado, o Brasil nasce de ummovimento do capital. Caio Prado explica:
“A ocupaçãonão se podia fazercomo nas simplesfeitorias, comum reduzido pessoal incumbido apenas do negócio, suaadministração e defesaarmada; eraprecisoampliar estas bases, criarum povoamento capaz de abastecer e manter as feitoriasque se fundassem e organizar a produção dos gênerosque interessassem a seucomércio” (Caio Prado, 1953: 18).
O autor faz uma comparação, que perpassa grandeparte da obra, entre a colonização da América portuguesa com a América inglesa no que concerne ao povoamento. Para a primeira, vieram traficantes e aventureirosambiciosos; para a segunda, perseguidos políticos e religiososcomobjetivo de construirumlardesfeitoou ameaçado. [18: O tipo de colonoque vem para o Brasil não é o trabalhador, camponês, o simples povoador, mas o explorador, o empresário de umgrandenegócio.]
Enquantonos EUA os indígenas foram totalmente excluídos da colonização; no Brasil os portugueses procuraram incorporar os nativosdesde o início. Os colonos viam nele umtrabalhador aproveitável; a metrópole, um povoador para a áreaimensaquetinhaqueocupar. Comefeito, existiam duas propostasparaincorporação do índio na sociedade: a dos jesuítas, liberdadepara os índios, necessidade de educá-los e prepará-los para a vida civilizada, não fazendo deles simplesinstrumentos de trabalho nas mãos ávidas e brutais dos colonos, o quejá resultara no extermínio de boa parte da populaçãolocal; outra dos colonos, defendia a imposição do emprego da língua portuguesa e permissãoparautilização do indígenacomomão de obraassalariada. Todosessespontos foram colocados emprática na EraPombal, numa espécie de síntese da disputaentrejesuítas e colonossobre os destinos do gentio. Todavia algumas propostas dos jesuítasnão foram atendidas, comoseparar os indígenas da comunhão colonial, mas, ao contrário, foi fomentado o intercâmbioentre as duas etnias, incentivando os casamentosmistos.
Caio Pradovê as medidas pombalinas como de fundamentalimportânciapara a absorção do índio na colonização e, conseqüentemente, na formação da naçãobrasileira. Sem as medidas de imposição da língua portuguesa e do cruzamento das duas raçascertamentenão teríamos uma únicanação.[19: Com a abolição da legislaçãopombalinaem 1798, volta a ocorrerescravidão de indígenas, principalmente no Pará, ondeestes forneciam a maiorparte do trabalho, sendo os negrospoucos. ]
O intelectual estabelece algumas hipótesespara a mestiçagem no Brasil. A principal delas constitui-se na defesa de que o português tem uma excelentecapacidadepara estabelecer relações sexuais com outras raças. A explicaçãoqueeleencontra é o fato de os lusitanos terem sofrido a invasãoárabe e estar posicionado geograficamente na Europa, perto da África, de modoque, quandoveioaexpansão colonial no século XV, os portugueses já tinham o knowhow de impulsionar a mestiçagem. Outras hipótesessubjacentes estão no episódio de a vinda dos portugueses para a América ter sido basicamente feitaporhomens. Colaborava para as questõesacima, ainda, a posiçãosocialsubalterna de negros e indígenas, cujas mulheres submissas emrelação à raça “superior”, fazia comque o português buscasse aí a satisfação de suasnecessidadessexuais. Há que se dizerque a miscigenaçãocom o índiosempre foi incentivada, mascomo negrosempre discriminada.
Caio Prado assimila e justifica a indolência do indígena. Eranormal na visão do autor e compreensívelque aquele num meioestranho, fundamentalmentediverso do seu, onde é forçado a fazer uma atividademetódica, sedentária e organizada segundopadrõesquenão compreende, na qualaté os estímulosnada dizem a seus instintos, não quisesse trabalhar.
Comreferência à situação do negro no processo de conquista, é mister abordarmos de início a instituição da escravidãocomotal, tendo emvistaque o negronão entra na sociedadepelocaminho da liberdade.
Para Caio Prado, a questão da escravidão no Brasil acompanhou o Direito Romano, isto é, o escravo era uma ‘coisa’ do seuproprietárioque dela dispunha como melhorlhe aprouvesse. Pari passu, afirma, “nadaquenos autoriza a considerar os senhoresbrasileirosde escravos, humanos e complacentes; e pelocontrário, o que sabemos deles nosleva a conclusõesbem diversas” (Caio Prado, 1953: 275). Não obstante, o autor conclui que o escravo no Brasil, em função do regime patriarcal da colonização portuguesa, parece ter sido maisbemtratadoqueem algumas outras colônias inglesas e francesas na América.
Ao discutir a escravidão, Caio Prado faz uma relaçãocom tempos pretéritos, nas palavras do autor: “a escravidão na Grécia ouem Roma seria como o salariado emnossosdias: embora discutida e seriamente contestada na sualegitimidadeporalguns, aparece, contudo aos olhos do conjuntocomoqualquercoisa de fatal, necessário e insubstituível” (Caio Prado, 1953: 268). E, numa resposta à suaprópriaperguntasobrecomo se deu a escravidão na América, o autor afirma:
“Ao recrutamento de povosbárbaros e semibárbaros, arrancadosdo seuhabitatnatural e incluídos, semtransição, numa civilizaçãointeiramenteestranha. E aí, que os esperava? A escravidão no seupiorcaráter, o homem reduzido a maissimplesexpressão, pouco se nãonadamaisque o irracional. (...) Nadamais se queria dele, e nadamais se pediu o obteve que a suaforçabruta, material. Esforço muscular primário, sob a direção e açoite do feitor. Da mulher, mais a passividade da fêmea na cópula. Num e noutro caso, o atofísicoapenas, comexclusão de qualqueroutroelementoouconcursomoral. A ‘animalidade’ do homem, não a suahumanidade” (Caio Prado, 1953: 270).
Na formação da sociedadebrasileira, o negro é inserido da piorformapossível, comoescravo. A escravidãoemdeclíniodesdefins do ImpérioRomano e jáquaseextinta no século XVI volta a existir. Porquê? Na visão de Caio Prado, Portugal não contava commão de obrasuficienteparaabastecersuacolônia e, comojávimos, o portuguêsnão vem para a América a fim de trabalharcomoassalariado do campo, comonenhumoutrocolonoeuropeu. Ao passoque no Brasil os indígenasnão desempenhavam muitobem o papel de trabalharparaenriqueceroutros, a melhorsolução foi fazer de escravo o negroafricano. 
Evidenciando o contrastecom Bomfim e Sérgio Buarque, Caio Prado entende que o negro traz uma considerávelcontribuição à sociedadebrasileira e certamentemuitosuperior a do índio.
Ao contrário do que acontece com o indígena, o negro entra no processo de conquistalevado a cabopeloportuguêscomoservo e ninguém contestou talcondição. “As ordens religiosas, solícitas emdefender o índio, foram as primeiras a aceitar, a promovermesmo a escravidãoafricana, a fim de que os colonos necessitados de escravoslhes deixassem livres os movimentos no setorindígena” (Caio Prado, 1953: 274).
Caio Prado defende que o grandedomínio de simplesunidades produtoras torna-se desdelogo uma célulaorgânica da sociedade colonial. O senhor deixou de ser o simplesproprietárioque explora comercialmentesuasterras e seupessoal, passando a terrelaçõesque envolvem todasorte de sentimentosafetivos. Disto, teremos doisresultados, nos avisa o autor, porumlado as novasrelações, mais amenas, mais humanas, abrandam e atenuam o poderabsoluto do senhor e seurigor da autoridade; poroutro, elas reforçam o mesmopoder, poistornam-nomais consentido e aceito paratodos. Daí surgem o padrinho, o afilhado, os compadres e agregados.
	Uma das conseqüências da junção das três etnias é a ausência de nexomoral. “Raças e indivíduosmal se unem, não se fundem num todo coeso: justapõe-se uns aos outros; constituem unidades e gruposincoerentesqueapenas coexistem e se tocam” (Caio Prado, 1953: 340). 
Das trêscombinações de sanguepossíveis – branco-negro; branco-índio e negro-índio – segundo Caio Prado, é a primeiraque prepondera e a última a de menorincidência. Tudo se explica peladireção da conquistaestar nas mãos do branco. Logo, se existe o maiornúmero de negros, eramaisfácilpara o branco, geralmentehomem, acasalar com a negra do quecom a índia, emmenornúmero. Jácomrelação aos negros e índios, o contatoera restrito, pois os negrosemsuaamplamaiorianão tinham liberdade, ficando noscativeiros tendo contatoapenascomseussenhores.
Ademais, outras questões foram importantespara a formação da sociedadebrasileira, através de uma amálgama de três etnias tão distintas: a licença de costumes e o instintosexual aguçado do português. Afirma-nos Caio Prado, a mestiçagem, que é o signosob o qual se forma a naçãobrasileira, e que constitui o traçocaracterísticomaisprofundo e notável, foi a verdadeira solução encontrada pela colonização portuguesa para o problemaindígena e sedimentou laços estruturais na formação do país.
CONCLUSÃO
Percebemos ao longo desta análiseque a formação da sociedadebrasileira é bastanterelevante e, de certamaneira, observada de formamúltipla no pensamentobrasileiro. 
Emprincípio, as obras de Bomfim, Buarque e Prado parecem tratar do mesmotemacomabordagemsemelhante, a saber, a sociedadebrasileira se funda a partir da miscigenaçãoentre o brancoportuguês, o indígena e o negro. Os três discutem sobre as características de Portugal e do português impulsionador da formação da sociedade, o legado cultural trazido poreste e seupapel na formação do Brasil. Entretanto, apesar destas semelhanças, os autores diferem emhipóteses, metodologias e conclusões. 
Bomfim discute o tema tendo comofococentral a dicotomiaentreparasita/parasitado e a construção de uma nacionalidadebrasileira. Paraele, a soluçãopararesolver os problemasnacionais deve passarpelaeducação do povo. Buarque, porsuavez, trata das raízes do Brasil, isto é, a herança da sociedadebrasileiraque advém da cultura portuguesa, tendo comopano de fundo a valorização da personalidade, o agrarismo e a dicotomia do público e privado. Já Caio Prado, privilegia a economiaemsuasanálises, chegando à conclusão de que a construção do Brasil estava atrelada à divisãointernacional do trabalho; os acontecimentos tinham interesses mercantis.
Comrelação à miscigenação, Bomfim enfoca o papel do gentio, semesquecerque a direção pertencia ao português, tendo uma visãobastante romantizada sobre o primeiro, comexaltaçãoampla de suasqualidades e influênciaspara a formação do Brasil. Ao pensarmos sobre as qualidades do português, através deste pensamento, percebemos que existe uma linhadivisória, isto é, o português, valente, corajoso, inteligenteantes de se tornarumparasita e o portuguêspreguiçoso, quenão impulsiona o avançotecnológico, vivendo comoumparasita, sugando a suapresa (colônia).
Enquanto Bomfim exalta o papel do indígena na formação da culturabrasileira, Buarque minimiza, os doissó concordam emafirmar a direção do colonizador na formação da cultura e emignorar a contribuição do negro. Assim, na visão de Buarque o português foi o responsávelpelanossaformação cultural e, para Bomfim, sobressai também o papel do indígena. Neste sentido, a grandelacuna demonstrada porestesautores é a desconsideração do papel e importância do negro na construção da culturabrasileira. Diferente dos dois, CaioPrado entende que a colaboração do negroforamaiorque a do indígena e que o portuguêstinha a direção, sim, masnãoera o únicoresponsávelpelaconstrução dos costumes da sociedade, inclusiveque a dominação portuguesa melindrou a colaboração de indígenas e negros.
Comefeito, Bomfim e Buarque vêem comum certo ceticismo o papel do negro na formação da sociedade, enquantoque Caio Prado, dentro de seucontexto de modo de produção, vê a construção do país nas mãos do negro, único a trabalhar na colônia. 
Terminando, Bomfim aponta o gostopelotrabalho dos ibéricos, evidenciado no incessanteavançotecnológicoembusca de riquezas e cessado apenasquando encontram um parasitado e se degeneram, perdendo gosto e a possibilidade de trabalho. Buarque, emcontrapartida, destaca que a moral do trabalho sempre representou fruto exótico; sendo as idéias de solidariedade, em função disto, precárias. Portantoparaesteautor, os ibéricos tinham dificuldadeem se organizarparaatuarcoletivamente.
Nãoobstante, a população colonial é apática: o branconãotrabalha, poisistonão é normalparaumhomemlivre; o gentionãotrabalha, pelomenosnão faz a bel prazer, poisnão compartilha dos valores da culturaimpostapelobranco; os negros trabalham portodos, senãosão açoitados, assassinados. Deste modo, podemos dizerque o trabalhonão é vistocombonsolhosporninguém. 
A partir desta discussão, percebemos quãomundosdiferentes foram pintadospelosnossosteóricossobre a formação da sociedadebrasileira. Conquanto, paranão sermos tautológicos, paremos poraqui.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bomfim, Manoel. A América Latina – Males de Origem. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993.
_____________ .O Brasil na América – Caracterização da FormaçãoBrasileira. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. (2001). São Paulo: Companhia da Letras, 1995. 
Prado Jr., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 4ª ed.. São Paulo: Brasiliense, 1953. 
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