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EPIDEMIOLOGIA Bruna Batista Ensaio clínico controlado e randomizado (ECR) Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir o que é um ensaio clínico controlado e randomizado. � Explicar os parâmetros principais do ensaio clínico controlado e randomizado. � Diferenciar o ensaio clínico controlado e randomizado. Introdução Neste capítulo, você vai estudar o ensaio clínico controlado e rando- mizado (ECR). O ECR é padrão-ouro para avaliar intervenções. É um estudo prospectivo, em que uma intervenção será testada em pelo menos dois grupos aleatórios de indivíduos por tempo determinado. Além disso, existe um guia com os parâmetros que devem ser seguidos para se elaborar um ensaio clínico controlado randomizado, chamado de CONSORT (Consolidated Standards of Reporting Trials). Definição de ensaio clínico controlado e randomizado Quando a causa da doença de um indivíduo é determinada e seus sintomas são preditos, é necessária a obtenção de tratamento adequado para a situação, com o intuito de melhorar o desfecho da doença, ou seja, obter sucesso no prog- nóstico. Para determinar o melhor tratamento e que ele seja o mais adequado para a prática clínica são utilizadas evidências a fim de obter a informação sobre a eficácia para posterior aplicabilidade. Para que novos tratamentos mais eficazes e com menor risco para o paciente sejam introduzidos na prática clínica, é necessária a realização de estudos, e as informações que serão divulgadas devem proceder de fontes rigorosas de obtenção de dados, pois serão aplicadas para toda uma população. E é a partir da importância dessa necessidade e constante busca pelo melhor tratamento para as doenças que os ensaios clínicos são realizados. Para que um ensaio clínico tenha resultados confiáveis e posteriormente seja reproduzido, primeiro é necessário observar vários fatores, entre eles, relatos de casos, biologia de cada indivíduo acometido, epidemiologia da doença, observação clínica dos acometidos com os sintomas presentes, imaginação para propor o novo tratamento e raciocínio para ser possível colocar em prá- tica o que se espera com o estudo. Após a observação geral desses fatores na população acometida, poderão surgir ideias que serão relacionadas à hipótese de introdução de novo tratamento para a cura da doença. Esse tratamento será o resultado baseado nas evidências de melhora ou não dos pacientes com relação à exposição ao novo tratamento (Figura 1). Figura 1. Organização da base de ensaios clínicos. Relatos de casos Biologia Epide- miologia Observação clínica Imaginação Raciocínio Hipóteses Surgem como resultado as informações baseadas em evidências Determinam a base de estudos observacionais e experimentais Ocorre a obtenção de ideias que vão gerar as hipóteses ideais + + + + + Ensaio clínico controlado e randomizado (ECR)2 Após entender as bases de um ensaio clínico, você poderá focar no ensaio clínico randomizado. Esse ensaio tem seus resultados a partir da exposição da população a um tratamento, sendo caracterizados pela seleção de grupos para inclusão no ensaio. A randomização é a seleção de indivíduos para formação dos grupos dentro de um ensaio clínico. Esses grupos poderão receber diferentes tratamentos, placebo ou até mesmo não receber nenhuma intervenção. Para determinar a confiabilidade dos resultados de um ensaio clínico randomizado é preciso que sejam observadas informações completas sobre o delineamento do estudo, execução, análise e resultados e interpretação dos dados. Lembre-se! Para que a validade dos estudos sejam confiáveis, foram criados padrões para relatar esses aspectos, o denominado CONSORT (CONsolidated Standards Of Reportinf Trials – Padrões Consolidados para o Relato de Ensaios Clínicos). Amostragem Os ensaios clínicos exigem que os pacientes se enquadrem em critérios ri- gorosos de inclusão e exclusão. Esses critérios são planejados para aumentar a homogeneidade dos pacientes que estarão no estudo, fornecendo validade interna e facilitando a detecção dos efeitos do tratamento com relação ao viés e ao acaso. Geralmente, os critérios de inclusão de um indivíduo em um estudo são baseados em características em comum entre a população, por exemplo: indivíduos acometidos com esclerose múltipla. Essas condições necessárias para inclusão são confirmadas por diagnósticos rígidos aplicados para a confirmação da doença em questão. Entre critérios de exclusão de pacientes de ensaios clínicos, podemos citar as comorbidades individuais que possam surgir, como baixa esperança de vida ou idade avançada do indivíduo em estudo, negação na participação do estudo ou até mesmo o não seguimento de instruções para a participação. Esses critérios levam a seleção de pacientes em plenas condições de interesse para inclusão no estudo. 3Ensaio clínico controlado e randomizado (ECR) Para a execução de ensaios clínicos, a seleção da amostra é de extrema importância. A amostra corresponde a indivíduos que apresentam determinada doença. Após a primeira seleção levando em consideração uma característica em comum, pode ser possível dar continuidade ao estudo visando à intervenção. A randomização corres- ponde à etapa de divisão dos grupos envolvidos no estudo. Esses grupos sofrerão intervenções diferentes para que se obtenham informações do prognóstico após o tratamento. A heterogeneidade da amostra envolvida no estudo é de extrema importância para que haja validade interna dos resultados, podendo ser comparados e aplicados na população em geral. Parâmetros do ensaio clínico controlado e randomizado Nesse tipo de ensaio, é realizada a seleção de uma amostragem da população por randomização, em que há exposição da amostra a uma intervenção. Essa amostragem é apresentada em dois grupos, um dos grupos receberá intervenção e tratamento para a doença, o outro grupo será definido como o grupo-controle, que não receberão intervenção. Intervenção A intervenção em ensaio clínico controlado e randomizado pode ser descrita em relação a três características gerais: capacidade de generalização, com- plexidade e força. A intervenção deve ser pensada de maneira que sua implementação na prática clínica seja possível, com o objetivo de padronizar as terapias em estudo para que sejam facilmente reproduzidas em outros cenários. As intervenções em estudos devem ser comparadas com outras alternativas terapêuticas exis- tentes, a fim de determinar efetividade clínica entre elas. Ensaio clínico controlado e randomizado (ECR)4 Grupos de comparação Quando se estuda grupos distintos em um ensaio clínico, há determinantes que você deverá observar com relação aos resultados que serão obtidos. Para que se proponha um novo tratamento na prática clínica, esse estudo deve ser realizado em comparação com tratamento já existente. É após a comparação entre o tratamento já existente e o proposto no ensaio, que serão obtidos resul- tados comprovando a eficácia ou não desse novo método. Quando ainda não existir tratamento para determinada doença, e ele ser ineditamente proposto, é que poderá ser considerado um grupo sem tratamento para comparação com o grupo que estará recebendo a intervenção. O grupo sem intervenção será aquele em que serão alocados os pacientes sem intervenção, não recebendo nenhum tratamento, averiguando os efeitos da intervenção com relação ao grupo tratado. Sendo assim, o desfecho da inter- venção é o objeto de estudo. A randomização é sigilosa e o efeito Hawthorne, caracterizado como tendência do indivíduo mudar seu comportamento com relação ao alvo de interesse, deve ser esperado e minuciosamente avaliado. O grupo de tratamento placebo é composto por indivíduos que recebem trata- mento sem nenhum mecanismo de ação, sendo geralmente comparados com o grupo que recebe intervenção. E, por fim, o grupo do tratamento convencional, que resulta em informações que irão determinar seo novo tratamento ou intervenção é melhor que o o utilizado na clínica. Comparações no tempo e espaço Ensaios clínicos randomizados geralmente abrangem pacientes experimentais e controles que podem ser reunidos em diferentes lugares e momentos. Por mais que essa abordagem corresponda ao cenário que comumente é utilizado, devemos observar que o prognóstico está estritamente relacionado com essas variáveis, podendo ocorrer vieses especiais, influenciados por características de vida da população. Avaliação dos desfechos Para o diagnóstico de uma doença, todas as manifestações clínicas que ocorrem precisam ser relatadas a fim de engrandecer as possibilidades de sua detecção. Assim, os ensaios clínicos irão caracterizar essas doenças e partir de ideias 5Ensaio clínico controlado e randomizado (ECR) para formulação de hipóteses de tratamento para melhorar o prognóstico de pacientes acometidos. Portanto, os desfechos apresentados em pacientes incluídos nos estudos têm alto valor. Os cinco desfechos clínicos mais comuns a serem considerados são: morte, doença, desconforto, deficiência funcional e descontentamento. Aqui, você pode verificar a “Lista de informações CONSORT 2010 para incluir no relatório de um estudo randomizado”. https://goo.gl/UwHkhf Diferenças entre ensaio clínico controlado e randomizado Alocação do tratamento Para estudar os efeitos específicos de uma intervenção clínica, a melhor forma para designar os grupos de tratamento é por alocação aleatória, denominada randomização. Para isso, os pacientes são alocados para o grupo que recebe o tratamento experimental ou para o grupo controle com a probabilidade igual de serem alocados nos diferentes grupos. Essa alocação aleatória é bastante utilizada e preferida entre os métodos de formação de grupos de ensaio clínico por ser capaz de gerar grupos ver- dadeiramente comparáveis. No fim, os grupos serão compostos por pacientes propensos a terem as mesmas características. Por mais que a randomização por alocação aleatória geralmente funcione, não é uma garantia que grupos sejam compostos por indivíduos com características semelhantes. As diferenças que possam vir a existir têm relação com o acaso, principalmente quando o número de indivíduos incluídos no estudo é pequeno. Para evitar essas diferenças que possam gerar resultado falso-positivo ou falso-negativo, autores de ensaios clínicos randomizados controlados ge- Ensaio clínico controlado e randomizado (ECR)6 ralmente apresentam uma tabela de características basais, que comparam a frequência de características no grupo tratado e não tratado. Quando grupos pequenos de indivíduos são estudados, é fundamental que algumas características que tenham relação com o desfecho ocorram de forma semelhante entre os dois grupos, portanto, ocorre a randomização estratificada, quando os pacientes são reunidos em grupos com níveis semelhantes de um prognóstico, fazendo com que o resultado final possa ser comparado entre esses grupos. Após a randomização, podem ser encontradas algumas diferenças, estando elas relacionadas com a participação de cada indivíduo. Alguns pacientes não têm a doença como se imaginava quando foram incluídos no estudo, outros abandonam a pesquisa, não tomam medicamentos como recomendado, são retirados do estudo por decorrência de efeitos colaterais indesejados, etc. Isso resulta em grupos de tratamento que tinham chances de serem comparados logo após a randomização, porém, tornaram-se cada vez menos comparáveis em decorrência das diferenças apresentadas ao longo do estudo. A Figura 2 mostra o exemplo de algumas razões dessas diferenças. Figura 2. Diferenças entre grupos identificadas no decorrer do estudo que possam a vir alterar seu resultado. Os pacientes não apresentam a doença em questão para serem incluídos no estudo. A adesão dos pacientes ao tratamento não é seguida conforme a orientação. As intervenções que podem ocorrer nos grupos ultrapassam a intervenção que está sendo estudada, e, quando são diferentes entre os dois grupos, podem afetar o desfecho. Comparação entre indivíduos que respondem e não respondem ao tratamento não necessariamente tem relação com a intervenção, sofrendo in�uências de características como estágios da doença, adesão, dose e efeitos colaterais de fármacos e presença de outras doenças. A modi�cação de comportamento de cada indivíduo ao saber que está participando de um ensaio clínico resulta em vieses. Por isso, o cegamento é uma ferramenta que evita o conhecimento do paciente com relação a qual grupo ele pertence no estudo, a �m de não prejudicar a validade interna dos resultados. 7Ensaio clínico controlado e randomizado (ECR) Por mais que ensaios clínicos randomizados sejam caracterizados como o padrão-ouro para estudos de intervenção, ainda há controvérsias com relação à efetividade de seus resultados. Muitas doenças não apresentam número suficiente de indivíduos acometidos, para que se conduza um ensaio clínico, assim como muitos resultados não apresentam evidências conclusivas de seus benefícios para os pacientes, o que leva os médicos não optarem por essa opção de tratamento. O que são e para que servem os ensaios clínicos? Assista ao vídeo! https://goo.gl/s3h9CZ Estudos observacionais de intervenções Os estudos observacionais sobre os efeitos do tratamento levam em considera- ção o fato de que, para os pacientes doentes, as decisões terapêuticas precisam ser tomadas independentemente da qualidade das evidências sobre o assunto. Quando não há um consenso com relação a melhor opção terapêutica, são utilizadas terapias diversas. Baseado nisso, há grande quantidade de pacientes que recebem os mais diversos tratamentos para as doenças, manifestando os mais diversos efeitos. Na prática, as razões para a discrepância entre os estudos observacionais e os experimentais não apresentam certeza. Como exemplo, podemos citar mulheres que foram incluídas em um estudo observacional que optaram por terapia de reposição hormonal e assim obtiveram vida mais saudável do que aquelas que não fizeram uso da terapia, assim como, se as mulheres que fizeram uso de reposição hormonal acreditaram na eficácia do tratamento, poderiam estar menos focadas na identificação de outros sintomas relacionados. Ensaio clínico controlado e randomizado (ECR)8 Um estudo clínico randomizado foi realizado com origem no resfriado, e pastilhas de zinco foram testadas como intervenção de tratamento. Foram selecionados cem indivíduos que apresentavam os sintomas, sendo eles alocados em dois grupos, um que recebeu intervenção e outro que recebeu placebo. Observaram que os resultados obtidos foram melhores no grupo com intervenção, e o tempo médio para a completa resolução dos sintomas foi de 4,4 dias para o grupo tomando zinco, e 7,6 dias para o grupo placebo. Em contrapartida, o grupo da intervenção relatou efeitos colaterais significativos, como gosto ruim e náusea, fazendo com que o estudo não fornecesse informações suficientes e relevantes com relação à eficácia do novo tratamento. BAPTISTA, F. Ensaios clínicos randomizados. [2012]. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2017. ESCOSTEGUY, C. C. Tópicos metodológicos e estatísticos em ensaios clínicos con- trolados randomizados. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, São Paulo, v. 72, n. 2, p. 139-143, 1999. Disponível em: . Acesso em: 24 nov. 2017. FLETCHER, R. H.; FLETCHER, S. W.; FLETCHER, G. S. Epidemiologia clínica: elementos essenciais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. SOUZA, R. F. de. O que é um estudo clínico randomizado?. Medicina, Ribeirão Preto, v. 42, n. 1, p. 3-8, 2009. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2017. Leituras recomendadas 9Ensaio clínico controlado e randomizado (ECR)