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DESCRIÇÃO Epidemiologia clínica e a saúde baseada em evidências como campo de conhecimento de estratégias em saúde das populações. PROPÓSITO Compreender o conceito e a origem da Epidemiologia e quais são os métodos e as medidas utilizados para a elaboração e o desenvolvimento de estudos epidemiológicos. PREPARAÇÃO Antes de iniciar o conteúdo, tenha em mãos um dicionário, para entender termos específicos da área, ou um computador com acesso à internet, para consultar dicionários online. OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever o conceito de Epidemiologia e as principais medidas e os métodos aplicados na condução de estudos epidemiológicos MÓDULO 2 Descrever as principais medidas de associação utilizadas nos estudos epidemiológicos, os princípios e as etapas do estudo clínico randomizado e os conceitos de revisão sistemática e metanálise INTRODUÇÃO Neste tema, aprenderemos o conceito de Epidemiologia e suas implicações na adoção de medidas em saúde pública por governos e instituições de diferentes locais para promover melhorias nas condições de saúde da população através da identificação das principais medidas e dos métodos aplicados na condução de estudos epidemiológicos, por meio da definição de prevalência e incidência. Vamos identificar os principais indicadores em saúde, medidos através de índices de mortalidade geral e específica, responsáveis por direcionar políticas de saúde pública, além de apresentar quais são os diferentes tipos de estudos epidemiológicos. Além disso, identificaremos as principais medidas de associação – tais como risco relativo, risco atribuído, redução do risco relativo, razão de chances ou odds ratio e número necessário para tratar e número necessário para causar dano – que podem ser utilizadas na interpretação dos achados dos resultados dos diferentes estudos epidemiológicos, como também as vantagens e desvantagens que podem ocorrer no desenvolvimento desses estudos. MÓDULO 1 Descrever o conceito de Epidemiologia e as principais medidas e os métodos aplicados na condução de estudos epidemiológicos O CONCEITO DE EPIDEMIOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA PARA O PROCESSO DE SAÚDE E DOENÇA DA POPULAÇÃO O QUE É EPIDEMIOLOGIA? Epidemiologia pode ser entendida como a ciência da área da saúde que está envolvida diretamente com o estudo dos processos de saúde e doença nas diferentes populações. Por meio dela, é possível entender como os fatores que determinam as doenças podem ser estudados nessas populações. Além disso, conseguimos prever como esses fatores podem resultar em danos e eventos adversos à saúde coletiva dessas populações. Relacionados a eventos adversos, tais fatores serão utilizados como base para que entidades responsáveis proponham ações de controle, prevenção e/ou erradicação de doenças, além de fornecer indicadores para traçar o planejamento, gerenciamento e a avaliação das ações e atividades em saúde. POPULAÇÕES javascript:void(0) Considere como população o grupo de indivíduos da mesma espécie que vivem em determinada região, em um espaço de tempo. Portanto, em estudos epidemiológicos, é possível abordar a população de um país, estado, município ou qualquer outro tipo de localidade. A Epidemiologia está pautada no entendimento de que os eventos relacionados à saúde (como doenças, seus determinantes e o uso de serviços de saúde) não se distribuem ao acaso entre as pessoas. Agora que já sabemos o que é Epidemiologia, vamos conhecer as medidas e os métodos utilizados nesta área que são ferramentas usadas para o desenvolvimento de estratégias em saúde. DIAGNÓSTICO EM SAÚDE DA POPULAÇÃO Basicamente, o diagnóstico em saúde da população pode ser compreendido como a extração, coleta de dados, definida por uma metodologia específica, a partir da população que se deseja estudar, e isso inclui todas as características de interesse dessa população: econômicas, socioculturais e ambientais. Essas características ajudarão a compor o diagnóstico em saúde para identificar o perfil dessa população. Por meio do diagnóstico em saúde, poderemos definir um planejamento, a fim de propor as ações em saúde, com a finalidade de diminuir os problemas identificados e permitir a formulação de hipóteses que estejam diretamente relacionadas aos fatores envolvidos com a geração e manutenção de um estado epidemiológico. Essas hipóteses serão testadas; consequentemente, compreender o diagnóstico da situação de saúde é o primeiro passo para entendermos quais problemas afetam mais determinada população. Por exemplo, um estudante inicia um programa de estágio obrigatório para a faculdade em uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Nesse estágio, ele desenvolve atividades de farmácia clínica com um dos farmacêuticos da unidade em um grupo de pacientes diabéticos. Durante a avaliação dos pacientes, é verificado que todos utilizam metformina – um hipoglicemiante oral – e apresentam glicose mais elevada do que os pacientes que fazem uso de insulina regular (outro tipo de hipoglicemiante, mas de uso injetável). À medida que os dias passam, o estagiário se pergunta por que somente os pacientes que fazem uso de metformina apresentam níveis de glicemia mais alta, depois de verificá-la na avaliação farmacêutica. Então, junto ao farmacêutico, ele elabora um questionário para verificar alguns dados desses pacientes, tais como: idade, peso, grau de escolaridade, hábitos alimentares, prática de atividades físicas, horário em que tomam o medicamento, entre outras perguntas que podem constar no questionário que eles desenvolveram. Após analisar os dados, eles verificam que os pacientes mais idosos, por exemplo, com primeiro grau incompleto, apresentaram piores controles da glicose sanguínea. Também verificaram que a maioria dos pacientes, em qualquer faixa etária, tomavam a metformina em horário errado (antes da alimentação; pelo mecanismo de ação do fármaco, ele deve ser ingerido após as refeições, como café, almoço e jantar). Após essas descobertas, preparam um material informativo para orientar esses pacientes sobre a correta utilização do medicamento. Além disso, elaboram uma oficina para essa população, a fim de informar sobre a diabetes, o que é a doença, como ela se manifesta e a importância de adesão correta ao tratamento, além de alimentação saudável e prática de exercícios. Com o tempo, o estagiário verificou que, após a oficina e a distribuição do material informativo, esses pacientes passaram a apresentar melhores níveis de glicose sanguínea. Ou seja, após o diagnóstico em saúde dessa população de diabéticos atendidos na UBS, que utilizam metformina, as ações propostas puderam melhorar o processo de saúde e doença dessa população estudada. ATENÇÃO É importante termos em mente que indivíduos mais vulneráveis a algum tipo de doença também são conhecidos como uma população em risco. Esse grupo pode ser analisado a partir de diferentes variáveis, tais como: demográficas, ambientais e geográficas. Um exemplo é o estudo desenvolvido na UBS entre o estagiário e o farmacêutico em pacientes diabéticos que utilizavam metformina e apresentavam pior controle da glicose sanguínea e enfrentavam maior risco para desenvolvimento de complicações relacionadas ao diabetes. MEDIDAS DE FREQUÊNCIA APLICADAS EM EPIDEMIOLOGIA: DIFERENÇA ENTRE PREVALÊNCIA E INCIDÊNCIA As medidas de frequências de doenças utilizadas em Epidemiologia têm como principal finalidade mensurar e caracterizar a ocorrência de doenças em determinado grupo populacional, que pode estar inserido no mesmo ambiente geográfico ou não. Para que possamos entender como se calcula a frequência com que as doenças ou os problemas podem acometer a saúde de determinada população, utilizamos duas medidas de frequência, a incidência e a prevalência. Esses dois conceitos são fundamentais em Epidemiologia. Vamos entender a diferença entre essas suas medidas de frequência? INCIDÊNCIA A incidência estipula a frequência com que surgem novos casos de determinada doençaou até mesmo determinado problema de saúde que surge em alguma população em um período definido. A incidência pode ser observada em uma população cujo risco de adoecer é iminente, quando do início da observação desse grupo. COMO PODEMOS ENTENDER OS NOVOS CASOS INCIDENTES PARA MEDIR A FREQUÊNCIA NESSA POPULAÇÃO? RESPOSTA Os novos casos, ou seja, os casos incidentes da população em estudo, podem ser compreendidos como aqueles indivíduos que, no início da observação, não estavam doentes; entretanto, mesmo não estando doentes, eram caracterizados como uma população vulnerável e susceptível, que ficaram doentes durante o período de análise. A incidência (I) pode ser calculada a partir da contabilização da ocorrência de determinado evento, ou agravo, na população observada, em um período estipulado. Essa contagem representará a quantidade (número) de casos incidentes para essa população. I = x 10n número de casos novos em determinado período número de pessoas expostas ao risco no mesmo período Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal TEORIA NA PRÁTICA Vamos supor que, na UBS de saúde na qual você trabalha, foi verificado que usuários de metformina apresentavam maiores níveis de glicose no sangue, e você e sua equipe resolveram investigar quantos, além de diabéticos, também eram hipertensos e utilizavam o anti-hipertensivo Captopril. Esses pacientes passaram a apresentar tosse seca após a utilização do anti-hipertensivo, e vocês identificaram que 280 pacientes apresentaram tosse seca após iniciar tratamento da hipertensão arterial sistêmica (HAS), de um total de 350 pacientes. Sabe-se que essa UBS acompanha um total de 5 mil pacientes. Logo, qual a incidência de pacientes acompanhados pela UBS que utilizam Captopril e apresentaram tosse seca? RESOLUÇÃO Taxa incidência (pacientes com tosse seca e fazendo uso de Captopril) Ou seja: 5,6 casos/100 pacientes da UBS que usam Captopril apresentaram tosse seca (ou 56 casos/1000 pacientes da UBS que usam Captopril apresentam tosse seca). PREVALÊNCIA Ao contrário da incidência, a prevalência é uma medida de frequência compreendida como a frequência de casos que já existem de determinada doença em uma população específica que está sendo avaliada. Essa análise se dá em determinado momento, ou seja, a prevalência é compreendida como a soma dos casos que já existiam (os casos antigos) mais os casos novos (casos incidentes) na população em estudo em determinado período. A prevalência depende da incidência. A prevalência (P) pode ser calculada utilizando-se a seguinte expressão matemática: = = 5, 6 280 x 100 5000 P = x 10n número de pessoas com a doença população em risco Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal Conhecer a prevalência de determinada doença ou de algum evento adverso relacionado à saúde em uma população pode ser útil para aplicar ações e estratégias em diferentes serviços de saúde, além de permitir a identificação da necessidade de recursos humanos e estratégias para ações relacionadas a medidas para fins terapêuticos e diagnósticos, que são revertidos em benefício para essa população vulnerável. Vale destacar que um dos maiores benefícios em se medir a prevalência de determinada doença ou evento adverso relacionado à saúde refere-se ao fato de ela ser uma medida de frequência mais adequada para doenças crônicas ou de longa duração. A medida da prevalência e da incidência está relacionada à mensuração (contagem) de casos em uma população vulnerável. TEORIA NA PRÁTICA Na UBS em que você verificou que pacientes diabéticos e hipertensos apresentavam tosse seca com Captopril, qual a prevalência de pacientes portadores de HAS que utilizam Captopril? RESOLUÇÃO de cada 100 pacientes da UBS apresentam HAS e utilizam Captopril. Ou seja, 7% dos 5000 pacientes que são acompanhadas pela UBS apresentam HAS e se tratam com Captopril, independentemente de apresentarem ou não tosse seca com o uso do medicamento. A prevalência de HAS nessa população é de 7%. Agora que tivemos uma noção dessas duas medidas de frequência utilizadas em Epidemiologia, vamos conhecer os indicadores de saúde que são aplicados e utilizados nesta área. INDICADORES EM SAÚDE UTILIZADOS EM EPIDEMIOLOGIA P = = 7350 x 100 5000 Os indicadores de saúde são utilizados para avaliar, sob o ponto de vista epidemiológico, as condições de saúde humana e fornecer subsídios para o planejamento em saúde. Assim, podemos compreender o comportamento sanitário de determinada população, além das possíveis flutuações desse comportamento epidemiológico. Eles podem ser classificados como: Positivos Quando o indicador em saúde está relacionado à expectativa de vida de determinada população. javascript:void(0) javascript:void(0) Negativos Nesse caso, o indicador reflete a mortalidade, medida por meio de taxas, dessa mesma população. Os indicadores em saúde também podem ser classificados em gerais e específicos (sexo, idade e causa – como causa, devemos entender agravos à saúde, doença ou morte), ou quaisquer outras variáveis de interesse. IDENTIFICAÇÃO E APLICAÇÃO DOS INDICADORES EM SAÚDE INDICADORES DE MORTALIDADE A medida de mortalidade é uma das medidas em saúde mais utilizadas em diferentes países, e permite avaliar a saúde coletiva de determinada população. javascript:void(0) javascript:void(0) MORTALIDADE GERAL E ESPECÍFICA Taxa de Mortalidade Geral (TMG) O indicador de mortalidade mais amplo é a taxa de mortalidade geral. A expressão matemática a seguir serve para calcular a TMG: Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal É importante sinalizar que a TMG reflete a população de determinado espaço geográfico (um país, por exemplo) como um todo, e não somente o número total de óbitos dessa mesma população. Taxa de Mortalidade Específica (TME) A taxa de mortalidade específica (TME) é um indicador em saúde que mede o risco de óbito de parte de determinada população. As principais TME utilizadas, em termos epidemiológicos, são: TME por faixa etária, TME por causa do óbito e TME por gênero (masculino ou feminino). Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal É importante sinalizarmos que o TME por faixa etária serve para nos trazer as informações sobre as condições gerais de vida da população analisada. Ela reflete também a qualidade e o nível dos serviços de saúde oferecidos, além do grau de desenvolvimento dessa população. Essas características podem ser medidas pela Taxa de Mortalidade Infantil (TMI) e refletem o grau de desenvolvimento humano de determinada população. A TMI pode ser calculada pela fórmula a seguir. Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal TMG = x 1000 Número total de óbitos em determinado período População total na metade do período TME(Gênero) = x 1000 Número total de óbitos de um gênero em determinado período População total desse gênero na metade do período TME(Idade) = x 1000 Número total de óbitos por faixa etária em determinado período População total dessa faixa etária na metade do período TME(Causa) = x 1000 Número total de óbitos por causa da morte em determinado período População total na metade do período TMI(Causa – Faixa etária) = x 1000 Número total de óbitos em menores de 1 ano no período Número de nascidos vivos no período PRINCIPAIS DESENHOS DE ESTUDOS EM EPIDEMIOLOGIA Quando resolvemos desenvolver alguma investigação epidemiológica, devemos ter muito bem definido o que queremos resolver com a investigação. Para isso, precisamos desenvolver o melhor método a fim de que a nossa pergunta (o que estamos propondo investigar) seja respondida. ATENÇÃO Os estudos epidemiológicos podem ser compreendidos como a melhor metodologiaa ser aplicada para respondermos à pergunta de determinada investigação em certa população. Eles podem ser divididos em dois tipos principais: os estudos epidemiológicos experimentais e os estudos observacionais. Nos estudos experimentais, o investigador promove alguma intervenção para chegar aos resultados desejados. Quando falamos dos estudos observacionais, devemos ter em mente que, nesses estudos, não há intervenção do investigador. Eles são classificados em dois tipos: estudos descritivos e analíticos. Estudos descritivos Nos estudos descritivos, o investigador apenas descreverá um fenômeno, um evento adverso observado, a frequência de determinada doença, ou qualquer outro fator (variável) de interesse definido nos objetivos do estudo. Estudos analíticos No caso dos estudos analíticos, o investigador intervém, propositalmente, na variável de interesse, naquilo que se prontifica a investigar. O investigador aplica uma mudança na evolução de determinada doença, agravo ou evento adverso, para mudar o curso da variável analisada (uma doença, por exemplo). Os principais tipos de estudos experimentais são: ensaios clínicos randomizados, ensaios de campo e ensaios comunitários. Na Tabela 1, encontra-se uma classificação dos estudos epidemiológicos. Tabela 1. Tipo de estudos epidemiológicos. Tipos de estudos epidemiológicos Compreendem Vantagens Desvantagens Estudos descritivos Estudos ecológicos (ou de correlação) Unidade de estudo é o grupo, e não o indivíduo Fácil realização Permitem gerar uma ou mais hipóteses Dependente de bons sistemas de informação (dados estatísticos) A interpretação dos dados pode ser difícil Relatos de casos ou série de casos Permitem gerar hipóteses Colaboram para o delineamento de casos clínicos Podem levar a conclusões equivocadas Avaliam acontecimentos passados (retrospectivos) Não possuem grupos de comparação Estudos transversais (ou seccionais ou de prevalência) Permitem gerar hipóteses Possuem fácil desenvolvimento econômico Não são úteis na identificação de doenças raras Dificuldade de identificarmos a Muito úteis em saúde pública Permitem avaliar e planejar programas de controle de doenças sequência temporal da exposição de interesse em relação ao efeito Analíticos: podem ser observacionais ou experimentais Observacionais Estudos de coorte (longitudinais ou de incidência) Permitem o cálculo direto de taxas de incidência e medidas de associação (risco relativo) Podem ser mais bem planejados, já que são estudos longitudinais Menor probabilidade de conclusões falsas ou inexatas Custo elevado Longa duração (longitudinais) Dificuldade em manter a uniformidade do trabalho (metodologia do estudo) Estudos de caso e controle Permitem identificar fatores de risco para Dificuldade para a seleção de controles doenças raras Baixo custo Curta duração Permite analisar vários preditores simultaneamente Podem gerar vieses e fatores de confusão Não permitem calcular a incidência de expostos (casos) e não expostos (controles) a determinada doença ou fator de risco Experimentais Ensaios clínicos Ideais para avaliação de intervenções terapêuticas Custos elevados; demorados Por questões éticas, podem ser impossíveis de serem realizados Fonte: Adaptado de Bonita et al. (2010). Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal EPIDEMIOLOGIA OBSERVACIONAL: ESTUDOS DESCRITIVOS ESTUDOS ECOLÓGICOS (ESTUDOS DE CORRELAÇÃO) Esse tipo de estudo serve para descrever diferenças encontradas entre populações no tempo e no espaço. Eles servem para comparar a ocorrência de determinado tipo de doença entre esses grupos (populações). EXEMPLO Por exemplo, eles podem comparar a prevalência de infarto agudo do miocárdio e quais os determinantes de saúde e doença entre as populações de dois países. É importante sinalizar que esse tipo de estudo permite a formulação de diferentes hipóteses, abrindo a possibilidade para novas investigações epidemiológicas. Mesmo com uma aplicação metodologicamente fácil, os resultados podem ser de difícil interpretação, pois, talvez, seja complicado encontrar explicações plausíveis para os resultados obtidos com o estudo. RELATOS DE CASOS OU SÉRIE DE CASOS Os estudos epidemiológicos observacionais descritivos do tipo relato de casos ou série de casos são bem úteis, pois fornecem, por exemplo, descrições pormenores de um evento clínico raro. Por meio dos relatos de casos, podemos descrever uma doença ou um evento incomum em determinado grupo de pacientes. Esses estudos permitem também a formulação de hipóteses, o que pode contribuir para a geração de novos estudos epidemiológicos a partir de um evento (raro) descrito nesses estudos. ESTUDOS TRANSVERSAIS (SECCIONAIS OU DE PREVALÊNCIA) Outro tipo de estudo epidemiológico é o estudo transversal, também conhecido como estudos seccionais ou de prevalência. Esses estudos têm por objetivo medir, aferir, a prevalência de determinada doença. Nesse tipo de estudo, as medidas sob investigação são calculadas simultaneamente, e isso inclui medir, ao mesmo tempo, a exposição e o efeito (a doença). Com essa característica de análises simultâneas entre exposição e doença, as associações encontradas podem ser de difícil avaliação e conclusão. Esses estudos caracterizam-se por não exigirem grandes recursos financeiros por parte do investigador (ou da instituição) para serem realizados. Além disso, são fáceis de serem desenvolvidos (conduzidos) e pretendem investigar exposições individuais na população investigada. Os resultados e as conclusões obtidos são úteis e importantes para identificar, avaliar e aplicar as necessidades em saúde do grupo investigado no estudo. ATENÇÃO É importante observarmos que, nos estudos transversais, a unidade de estudo é o indivíduo, e a mensuração da exposição e do desfecho é efetuada em um único ponto no tempo ou no decorrer de um curto intervalo de tempo. Esses estudos, quando efetuados em população bem definida, permitem a obtenção de medidas de prevalência. ESTUDOS OBSERVACIONAIS Esse tipo de estudos epidemiológicos pode ser classificado como analítico ou experimental. Nele, não há intervenção do investigador; a natureza segue o curso. O investigador analisará os dados de um experimento natural, após aplicação de uma metodologia epidemiológica. Esses estudos podem ser classificados como: estudos de coorte e os de caso-controle. Os estudos observacionais têm como finalidade investigar as relações causais entre determinada exposição (aqui, compreendido como fator de risco) e o desfecho dessa exposição, ou seja, a doença. ESTUDOS DE COORTE (OU LONGITUDINAIS OU DE INCIDÊNCIA) Estudos de coorte caracterizam-se por serem longitudinais (exigem um período longo de acompanhamento). Diferentemente dos estudos descritivos, nos estudos de coorte, o que se analisa é o indivíduo, e não um grupo populacional. Como se forma, monta, a coorte (grupo de pacientes) para a realização do estudo? O investigador forma grupos com pessoas sadias (sem a doença sob investigação). Esses grupos serão subdivididos em grupo exposto e grupo não exposto. Nesse caso, a exposição está relacionada a um fator que tenha relação com a ocorrência da doença que está sendo investigada. A coorte é acompanhada durante todo o período de desenvolvimento do estudo para verificar o surgimento de novos casos da doença investigada. Para isso, todas as variáveis devem ser muito bem definidas e medidas no estudo epidemiológico. Com esse tipo de estudo, o investigador pretende estabelecer se a ocorrência de uma doença difere entre os grupos (exposto e não exposto), ou seja, o investigador busca responder se a exposição (fator de risco) tem relação com o desfecho que está sendo investigado (a doença apurada). Estabelecer essas relações entre exposição e desfecho permite a formulação de novas hipóteses,produzindo medidas de associação diretas, através da análise do risco relativo. A Figura 1 representa o desenho de um estudo do tipo coorte. Delineamento de um estudo de coorte (Figura 1). ESTUDOS DE CASO E CONTROLE Estudos de caso e controle têm como objetivo investigar a causa de doenças, incluindo aquelas que são raras. Nos estudos de caso e controle, os indivíduos com a doença em investigação são definidos como casos. O grupo controle, no estudo, será composto por indivíduos que não apresentam a doença. Uma provável causa para a ocorrência de determinada doença é comparada entre esses dois grupos: doentes (casos) e não doentes (controles). Trata-se de estudos longitudinais, observacionais, em que são analisados indivíduos, e não grupos populacionais. A seleção dos controles deve ser criteriosa e muito bem definida no estudo, visto que eles devem apresentar o máximo de semelhança com os indivíduos definidos como casos. Esses estudos são importantes, pois trazem estimativas relacionadas ao risco relativo de desenvolver determinada doença, o qual é medido através da razão de chances (ou razão de odds ou odds ratio – OR). Entre as vantagens desses estudos, pode ser destacada a fácil execução, pois não exige grande período de tempo nem grandes recursos financeiros para serem executados. As maiores dificuldades para o desenvolvimento de estudos de tipo caso e controle advêm da seleção dos controles e da impossibilidade de se calcular o risco relativo entre expostos e não expostos. A Figura 2 representa a esquematização desse tipo de estudo. Delineamento de um estudo do tipo caso e controle (Figura 2). ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS ANALÍTICOS EXPERIMENTAIS: ENSAIOS CLÍNICOS Nos estudos experimentais, o investigador muda, propositalmente, uma variável. Esses estudos também são conhecidos como estudos de intervenção ou da intervenção aplicada para o desenvolvimento do estudo. Os resultados obtidos terão por finalidade comparar os grupos: experimental (que recebeu ou sofreu a intervenção) e o grupo controle (não sofreu nem recebeu a intervenção sob investigação). Esses estudos incluem: ensaios clínicos randomizados, os ensaios de campo e as intervenções comunitárias. O objetivo de um ensaio clínico randomizado é identificar os efeitos da intervenção aplicada pelo investigador e a evolução da população do estudo em resposta a essa intervenção. A seleção dos indivíduos ocorre de forma aleatória para ambos os grupos (intervenção e controle). No final, os resultados são obtidos comparando os desfechos entre os grupos intervenção e controle, para verificar se a intervenção aplicada oferece benefícios terapêuticos. Para garantir a maior semelhança entre o grupo intervenção e o grupo controle, os pacientes são alocados aleatoriamente, ou seja, ao acaso. Essa alocação é feita com auxílio de programas de computador, que distribuirão os pacientes para estarem ou não no grupo intervenção. VANTAGENS Ideal para avaliação de intervenções terapêuticas, redução de conclusões equivocadas com o desenvolvimento do estudo (os chamados vieses), pode dar origem a uma nova ferramenta (terapêutica, farmacológica, melhoria de um tratamento) e melhor evidência científica para determinada intervenção. DESVANTAGENS Entre as desvantagens, os ensaios clínicos podem ser caros de serem executados, além de demorados. Por questões éticas, às vezes, são impossíveis de serem realizados, por envolverem casos raros ou exigirem longo período de acompanhamento. A Figura 3 demonstra esquematicamente como deve ser o desenho de um estudo do tipo ensaio clínico. Desenho de um ensaio clínico randomizado (Figura 3). O vídeo a seguir abordará, com base em estudos de caso, cálculos de medidas de frequência e os tipos de estudos epidemiológicos. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 2 Descrever as principais medidas de associação utilizadas nos estudos epidemiológicos, os princípios e as etapas do estudo clínico randomizado e os conceitos de revisão sistemática e metanálise MEDIDAS DE ASSOCIAÇÃO EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS A pesquisa epidemiológica tem por finalidade reconhecer quais são as relações causais entre uma exposição e o desfecho da investigação. Entre as principais medidas de associação nos estudos epidemiológicos, podemos destacar: risco relativo (ou razão de risco – RR), razão de chances (RC), risco atribuível (RA), redução de risco relativa (RRR), número necessário para tratar (NNT) e número necessário para causar efeito colateral (NNEC). RISCO RELATIVO OU RAZÃO DE RISCO (RR) O risco relativo, ou a razão de risco, é muito utilizado em Epidemiologia, principalmente nos estudos do tipo coorte. O risco relativo pretende responder, no desenvolvimento do estudo, como o risco de desenvolver determinada doença (que está sendo investigada no estudo) aumenta para os indivíduos que são expostos, quando comparados com os indivíduos que não foram expostos. Para calcular o RR, é importante elaborarmos uma tabela de contingência, também conhecida como tabela 2 x 2 (Figura 4): Esquema aplicado em estudos de coorte para cálculo do risco relativo (Figura 4). Tabela de contingência 2x2 Doentes (D) Não doentes (Nd) Total Expostos (E) a b a + b Não expostos (Ne) c d c + d Total a + c b + d a + b + c + d O QUE CADA “LETRA” NA TABELA DE CONTINGÊNCIA SIGNIFICA? Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal RESPOSTA D – Indivíduos doentes; Nd – indivíduos não doentes; E – Indivíduos expostos; Ne – Indivíduos não expostos; a: doentes expostos; b: doentes não expostos; a + b: todos os expostos; c: doentes não expostos; d: não doentes e não expostos; c + d: não expostos; a + c: doentes; b + d: não doentes. COMO DEVEMOS INTERPRETAR O RR? IMAGINE QUE O RR OBTEVE COMO RESULTADO 1,8 (OU SEJA, RR>1). O QUE ISSO REPRESENTA? Um RR de 1,8 significa dizer que os indivíduos expostos têm um risco 1,8 vezes maior de desenvolver determinada doença, ou um risco 80% maior de desenvolver a doença. TEORIA NA PRÁTICA Vamos supor a seguinte situação hipotética: foi desenvolvido um ensaio clínico, controlado por placebo, a fim de avaliar a eficácia de um novo medicamento para tratamento de câncer de colo de útero. O estudo recrutou 838 pacientes, durante 6 meses, e eles pretendiam avaliar um possível retorno dos sintomas da doença. Os dados da tabela permitem avaliar os riscos de sintomas em caso de recidiva da doença. A tabela de contingência, ou tabela 2x2, deve ser montada da seguinte maneira: Evolução de recidiva de câncer de colo de útero – piora dos sintomas Piora dos sintomas Total Sim (Doentes) Não (Não doentes) Novo medicamento 37 379 416 Placebo 70 142 212 Total 107 521 628 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Pelos dados da tabela, podemos prever os riscos de os pacientes apresentarem sintomas relacionados ao câncer de colo do útero em caso de recidiva da doença? RESOLUÇÃO Em primeiro lugar, devemos obter os riscos em cada grupo, ou seja, os riscos entre os grupos tratados (Rt) e do grupo controle, que utilizou placebo (Rp). Risco no grupo tratado (com o novo medicamento) (Rt): 37/416 = 0,089 ou 8,9%. Risco no grupo controle (utilizou placebo) (Rp): 70/212 = 0,33 0u 33%. Após obtermos os riscos dos grupos tratado e controle (placebo), devemos comparar as duas intervenções pelo cálculo da razão de riscos (RR). Quando os grupos tratado e controle apresentarem o mesmo risco, o RR = 1; se o grupo intervenção apresentar menor risco, RR < 1; se o risco nesse grupo for maior, RR> 1. No nosso exemplo hipotético, RR é: RR = Rt / Rp = 0,089 / 0,33 = 0,27 ou 27%. Ou seja, o grupo de pacientes que fizeram uso do novo medicamento para tratar sintomas de câncer do colo do útero, em caso de recidiva, apresentou um risco que equivale a 27%, quando comparado com o grupo placebo. Essa tabela de contingência do nosso estudo hipotético também permite introduzirmos o conceito de outrasmedidas de associação, também muito utilizadas nos estudos epidemiológicos, que são a redução do risco relativo (RRR), a redução absoluta do risco (RAR) e o número necessário para tratar (NNT). REDUÇÃO DO RISCO RELATIVO (RRR) OU EFICÁCIA A redução do risco relativo (RRR), também conhecida como eficácia, indica como determinado risco pode ser reduzido após a aplicação da intervenção, de acordo com o que o estudo se propôs a investigar. O RRR (ou eficácia) é dado pela seguinte fórmula: No nosso exemplo hipotético, após conhecer o significado dessa medida de associação, podemos calcular a RRR: Ou seja, com o valor de RRR, concluímos que o uso do novo medicamento para tratamento de câncer de colo de útero reduziu em 73% os riscos de apresentar sintomas da doença em caso de recidiva. RRR = (1 – RR) x 100 RRR = (1 – 0, 27) x 100 RRR = 0, 73 x 100 = 73% REDUÇÃO ABSOLUTA DE RISCO (RAR) A redução absoluta de risco (RAR) expressa a redução do risco no grupo que sofreu a intervenção (no caso do nosso estudo hipotético, a intervenção de interesse é utilizar o novo medicamento) em relação ao grupo controle. Para calcularmos a RAR, devemos utilizar a seguinte fórmula: Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal No caso do nosso estudo, a RAR pode ser calculada conforme a seguir: Ou seja, pacientes que receberam o novo tratamento farmacológico têm quase 25% menos chances de apresentarem sintomas em caso de recidiva da doença. A outra medida de associação bastante comum nos estudos epidemiológicos é o número necessário para tratar (NNT). NÚMERO NECESSÁRIO PARA TRATAR (NNT) O NNT é uma medida adicional que tem como objetivo medir o impacto de determinada intervenção. O NNT representa o número de pacientes que devemos tratar, para prevenirmos um evento indesejado (por exemplo, morte, recaída etc.). O NNT é dado como o inverso da RAR, ou seja: No nosso exemplo hipotético, podemos calcular o NNT da seguinte maneira: Redução absoluta do risco (RAR) = [Rp – Rt] x 100 RAR = [0, 33 – 0, 089] x 100 RAR = [0, 241] x 100 RAR = 24, 1% NNT = 1/ RAR NNT = 1/ RAR NNT = 1/0, 249 NNT = 4 Portanto, previne-se piora dos sintomas de câncer de colo de útero em cada quatro pacientes, com recidiva da doença, que fazem uso do novo medicamento. RISCO ATRIBUÍVEL (RA) O risco atribuível (RA) pode ser definido como o número de casos entre expostos atribuídos exclusivamente à exposição. O risco atribuível é aplicado para a análise dos resultados obtidos em estudos de coorte, com o objetivo de se estimar com mais precisão a incidência de determinada doença. O RA pode ser calculado pela seguinte expressão: Onde: Ie refere-se ao risco entre os expostos, e Iē, ao risco entre os não expostos. ATENÇÃO O risco atribuível refere-se à proporção (taxa) de doença ou qualquer outro desfecho que pode ser atribuído à exposição. NÚMERO PARA CAUSAR DANO OU EFEITO COLATERAL (NND) O número necessário para causar dano ou efeito colateral (NND) serve para definir quantos indivíduos deverão sofrer exposição a determinado fator de risco em um período e que tenha a capacidade de causar algum dano. Em termos práticos, o NND, a partir do total de pessoal tratadas, estipula em quantas haverá a manifestação de um evento adverso. O NND é inversamente proporcional ao RA. O cálculo do NND é dado pela seguinte expressão: RA = Ie − Iē NND = 1 / RA RAZÃO DE CHANCES OU ODDS RATIO (OR) A razão de chances ou odds ratio (OR) é outra medida de associação comum nos estudos epidemiológicos que apresentam uma interpretação de resultado muito semelhante ao risco relativo. A diferença, entretanto, refere-se ao fato de que, na interpretação da odds ratio, estamos nos referindo à chance (de ocorrência de um evento), e não ao risco ou à probabilidade (avaliada pelo RR). A associação entre uma exposição e uma doença (risco relativo) em um estudo de caso e controle é uma medida calculada pela razão de odds (RO ou de produtos cruzados), que é a razão de odds de exposição entre os casos dividido pelo odds de exposição entre os controles. Para cálculo da OR, devemos utilizar a seguinte expressão matemática: No caso do nosso estudo hipotético, a razão de chances ou odds ratio (OR) poderia ser calculada da seguinte maneira: Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal Em termos percentuais, OU SEJA, PACIENTES QUE RECEBERAM PLACEBO TÊM UMA PROBABILIDADE 19,8% MAIOR DE APRESENTAREM SINTOMAS, EM CASO DE RECIDIVA DA DOENÇA, QUANDO COMPARADOS COM O GRUPO QUE RECEBEU O TRATAMENTO COM O NOVO MEDICAMENTO. OR = =a x d b x c chance dos expostos chance dos não expostos OR = = =(37/379) ÷ (70/142)= = OR = = 0, 198a x d b x c chance dos expostos chance dos não expostos 37 x 142 379 x 70 5254 26530 OR = 0, 198 x 100 = 19, 8% ENSAIOS CLÍNICOS RANDOMIZADOS, REVISÕES SISTEMÁTICAS E METANÁLISES DE ENSAIOS CLÍNICOS COMPARÁVEIS PRINCÍPIOS E ETAPAS DOS ENSAIOS CLÍNICOS RANDOMIZADOS Os ensaios clínicos randomizados são um tipo de estudo de intervenção. Nos estudos de intervenção, o pesquisador interfere para modificar o fator de exposição. Com isso, ele aplica, de modo intencional, a intervenção na qual ele quer investigar. Estes podem ser classificados em controlados e não controlados. Os estudos controlados podem ainda ser classificados como randomizados e não randomizados, sendo que os estudos randomizados constituem os chamados ensaios clínicos controlados randomizados. Os ensaios clínicos constituem o padrão-ouro em termos de desenho de estudos epidemiológicos. O ensaio clínico controlado randomizado pode ser entendido como um estudo prospectivo que tem como objetivo comparar o efeito e a eficácia de determinada intervenção aplicada intencionalmente pelo pesquisador. Essa intervenção pode ter um caráter terapêutico (tratar determinada patologia) ou profilática (quando se pretende prevenir a manifestação de determinada doença ou agravo). Nesses estudos, o investigador distribui a intervenção em análise de forma aleatória. Para tornar a intervenção entre os grupos (intervenção e controle) aleatória, este tipo de estudo lança mão da randomização para aplicar a intervenção entre os participantes do estudo. A randomização servirá para que o processo de decisão entre os dois grupos (intervenção e controle) seja feito ao acaso e de forma não tendenciosa. FASES DA EXPERIMENTAÇÃO OU DOS ENSAIOS CLÍNICOS Após os estudos pré-clínicos (experimentações em laboratório), os ensaios clínicos com fármacos são frequentemente classificados em quatro fases da experimentação. FASE I FASE II FASE III FASE IV A fase I compreende todos os experimentos com o novo fármaco, em que se pretende realizar ensaios de farmacologia clínica e toxicologia no homem, para identificar a segurança. A fase I de um ensaio clínico pretende definir uma dose aceitável para ser aplicada em seres humanos, sem que ela seja suficientemente capaz de causar um dano. Nessa fase, os indivíduos que participam do estudo são voluntários, e ela é útil para identificar estudos do metabolismo e a biodisponibilidade do fármaco. Tem por objetivo verificar a eficácia e segurança do fármaco, com acompanhamento minucioso de cada indivíduo. É aplicado em pequena escala. Essa fase compreende os estudos-piloto de eficácia. Tem por objetivo avaliar a aplicação do fármaco em análise em larga escala. Após o fármaco ter demonstrado razoável eficácia na etapa anterior, é necessário compará-lo com outro tratamento padrão disponível para a mesma situação clínica. Essa fase engloba um número maior de participantes. Esta fase também é conhecida como fase de vigilância pós-comercialização. Ocorre após registro, aprovação para distribuição e comercialização do fármaco pela agência reguladora do país, que, no caso do Brasil, é feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Nesta etapa,existem questões a serem consideradas com relação ao monitoramento de efeitos adversos (por meio de ações de farmacovigilância), além de estudos adicionais, em larga escala e a longo prazo, de morbidade e mortalidade. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS ENSAIOS CLÍNICOS CONTROLADOS RANDOMIZADOS Entre as principais características dos ensaios clínicos controlados randomizados, podemos destacar: SÃO ESTUDOS EXPERIMENTAIS Consequentemente, envolvem várias questões éticas. SÃO CONDUZIDOS SEMPRE DE FORMA PROSPECTIVA São arquitetados como os estudos de coorte; entretanto, no ensaio clínico, o investigador lança mão de utilizar a randomização (alocação aleatória), com o objetivo de formar grupos semelhantes que irão compor os grupos do estudo. Assim, indivíduos de um grupo incluídos na pesquisa recebem um tipo de tratamento, enquanto os do outro grupo permanecem como controles. SÃO CONTROLADOS O controle rigoroso é necessário para comparar a experiência entre os grupos: intervenção (que recebe o novo tratamento em investigação) com o controle (recebem o tratamento convencional já utilizado na prática clínica). ALOCAÇÃO ENTRE OS GRUPOS DEVE SER ALEATÓRIA A técnica mais apropriada de obter a distribuição entre os grupos é através da randomização, que tem por objetivo distribuir, aleatoriamente, entre os grupos intervenção (tratado) e controle. A RANDOMIZAÇÃO NOS ENSAIOS CLÍNICOS CONTROLADOS O que significa randomização? RESPOSTA Significa aleatorizar o processo de decisão e distribuição entre os grupos. A partir da randomização, o investigador pretende evitar vieses, principalmente de seleção. A randomização também permite reduzir os possíveis vieses de confundimento, que podem ocorrer nas análises dos resultados e conclusões do estudo. CONFUNDIMENTO Vieses das pesquisas, pois impedem tratamentos diferenciados, interpretação de resultados falhos e que o pesquisador seja influenciado no tratamento e na análise dos dados e na conclusão dos resultados. Os dados obtidos em pesquisas randomizadas são mais seguros e confiáveis. O TAMANHO DA AMOSTRA NOS ENSAIOS CLÍNICOS CONTROLADOS RANDOMIZADOS O estudo deve ser desenvolvido com um número suficiente de participantes para que se possa obter resultados satisfatórios na intervenção aplicada e sob investigação, a fim de que se tenha poder estatístico (força da evidência científica) suficiente para ser incorporado na prática clínica. ORGANIZAÇÃO, PLANEJAMENTO E MONITORAMENTO DO ENSAIO CLÍNICO CONTROLADO RANDOMIZADO Em relação à organização e ao planejamento, ele deve ser definido com precisão: javascript:void(0) Quais serão os pacientes elegíveis, pela definição dos critérios e da inclusão e exclusão do estudo. Qual o tratamento (intervenção) que está sendo avaliado pelo ensaio clínico. Quais os desfechos (outcomes ou endpoints) de interesse e que deverão ser analisados. Como o resultado de cada participante do estudo será avaliado. Monitoramento: o ensaio clínico randomizado deve ter monitoramento rigoroso. Deve-se avaliar, entre muitos parâmetros, a adesão dos indivíduos participantes da pesquisa com relação ao tratamento proposto, para evitar perdas de seguimento e quebras do protocolo, com consequente perda de indivíduos. Além disso, deve-se monitorar o desenvolvimento de eventos adversos (e identificar e classificar a gravidade deles), como deverá ser feita a manipulação e análise dos dados, além das análises para comparar o tratamento entre os grupos. ATENÇÃO Possíveis violações e desvios de protocolos devem ser cuidadosamente verificados, tais como a não adesão ao tratamento, perda de participantes, avaliação incompleta, o cruzamento entre os grupos tratado e controle após a randomização. MASCARAMENTO E USO DE PLACEBO NOS ENSAIOS CLÍNICOS RANDOMIZADOS O mascaramento utilizado no desenvolvimento de um ensaio clínico tem por objetivo impedir que o investigador principal do estudo e os pacientes tenham conhecimento sobre a alocação individual dos participantes (pacientes) nos diferentes grupos de tratamento. Na prática clínica, é comum dizer que não se sabe em qual braço do estudo o paciente foi randomizado. Este procedimento é necessário em um ensaio clínico para evitar viés de observação durante todo o desenvolvimento do estudo. Quando o pesquisador e os participantes do estudo (pacientes) não têm conhecimento da alocação dos pacientes (no grupo de intervenção ou no grupo controle), dizemos que o ensaio clínico é duplo cego. Em ensaios clínicos randomizados, onde se pretende, na maioria das vezes, pesquisar uma nova intervenção farmacológica, utiliza-se, como forma de medir a efetividade do novo tratamento farmacológico, produtos conhecidos como placebo. Os produtos utilizados nos grupos intervenção e controle (placebo) devem ter a máxima semelhança entre si, para que não seja possível identificar diferenças entre os indivíduos que recebem o medicamento do estudo ou o placebo. PLACEBO O placebo não exerce nenhum efeito terapêutico, mas deve ser idêntico (visualmente) ao medicamento do estudo. O placebo geralmente é identificado no estudo utilizando-se códigos, que podem ser alfanuméricos. O placebo tem por finalidade permitir que os participantes, ao longo do estudo, apresentem o mesmo comportamento, independentemente do grupo em que estejam alocados. SAIBA MAIS No Brasil, quando temos uma terapia já estabelecida contra determinada doença, não utilizamos o placebo como comparador, e sim o tratamento que é preconizado. Exemplo: uma indústria farmacêutica X quer produzir uma nova vacina para sarampo. Durante o ensaio clínico, o desenho experimental deve ser feito comparando a vacina preconizada pelo Ministério da Saúde com a vacina produzida na indústria X. No entanto, isso não acontece se não tivermos uma vacina já liberada e com segurança e eficácia comprovadas. Por exemplo, a vacina de Oxford contra o coronavírus, quando testada no Brasil (fase III da pesquisa clínica), preconizou que os participantes alocados no braço controle fizessem uso da vacina ACWY – uma vacina contra os sorogrupos de meningo A, C, W javascript:void(0) e Y, não disponibilizada pelo SUS –, em vez do placebo. Lembrando que, no período do estudo, não existiam vacinas disponíveis contra o coronavírus. QUESTÕES ÉTICAS ENVOLVENDO OS ESTUDOS DE INTERVENÇÃO Como envolvem intervenções que serão investigadas com seres humanos, os ensaios clínicos devem ser submetidos a rigorosos critérios e análises éticas. Entre os documentos relacionados com as diretrizes e os padrões éticos a serem seguidos na condução de estudos de intervenção, destacam-se a Declaração de Helsinki, de 1964 (documento internacional). No nosso país, as regulamentações éticas são regidas e direcionadas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Todo estudo desenvolvido no Brasil que envolve seres humanos, antes de começar a ser realizado, deve ser submetido à avaliação e apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Em alguns casos específicos, tais como pesquisas que envolvam genética humana, reprodução humana, novos dispositivos para a saúde, pesquisas em populações indígenas, pesquisas conduzidas no exterior e aquelas que envolvam aspectos de biossegurança, o estudo precisa ser encaminhado à CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa). A CONEP deverá examinar os aspectos éticos de pesquisas encaminhadas pelos CEPs das instituições. ATENÇÃO O CEP avaliará o estudo e emitirá um parecer final. Após aprovação pelo CEP, o estudo pode começar a ser desenvolvido. É importante destacar que todo participante deve formalizar a sua participação no estudo por meio da assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Esse TCLE deve ser aprovado pelas instâncias éticas. Qualquer procedimento do estudo só deve ser realizado após o consentimento dos participantes. Para menores de idade, além da assinatura do TCLE pelos responsáveis legais, os participantes da pesquisa que são crianças, adolescentesou legalmente incapazes devem assinar o TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido). REVISÃO SISTEMÁTICA E METANÁLISE DE ENSAIOS CLÍNICOS COMPARÁVEIS E SUAS APLICAÇÕES DEFINIÇÃO DE REVISÃO SISTEMÁTICA As revisões sistemáticas podem ser definidas como o desenvolvimento de um plano detalhado e abrangente de uma estratégia de pesquisa, que tem como finalidade a redução de vieses, através da identificação, avaliação e sintetização de todos os estudos publicados e que apresentam relevância clínica sobre determinado tópico. Muitas vezes, as revisões sistemáticas incluem uma composição de metanálises, que envolvem o uso de técnicas estatísticas para sintetizar os dados de vários estudos em uma única estimativa quantitativa. Em contraste com o teste de hipótese tradicional, que nos fornece informações sobre a significância estatística (ou seja, o grupo de prevenção difere do grupo de controle), mas não necessariamente pode apresentar significância clínica, os tamanhos de efeito medem a força da relação entre duas variáveis, fornecendo, assim, informações sobre a magnitude do efeito da intervenção. As revisões sistemáticas são mais frequentes, envolvendo a compilação e análise de diferentes resultados de ensaios clínicos publicados. Quando os estudos que foram incluídos na revisão sistemática apresentam metodologias semelhantes, os resultados desses estudos são combinados e avaliados através da metanálise. Para a elaboração de uma revisão sistemática, os seguintes procedimentos devem ser adotados: 1 2 3 4 5 6 7 8 Deve-se elaborar a pergunta de pesquisa, para proceder com a busca de estudos clínicos que tenham relação com essa pergunta. Busca na literatura, a partir análise em diferentes bases de dados com publicação de artigos científicos. Seleção dos artigos: a seleção dos artigos deve ser feita baseada na pergunta de pesquisa definida. Esses artigos também devem apresentar metodologia científica semelhantes, para a compilação dos resultados desses estudos. Extração dos dados dos artigos selecionados pela revisão sistemática. Análise da qualidade da metodologia aplicada no estudo. Metanálise: síntese dos dados contidos nos artigos selecionados pela busca nas bases de dados. Análise das evidências dos estudos. Compilação, desenvolvimento, redação e publicação dos resultados encontrados na revisão sistemática. METANÁLISES A metanálise pode ser compreendida como a análise estatística que tem por objetivo analisar e combinar os resultados de diferentes estudos independentes. A partir da metanálise, pretende- se obter uma estimativa de efeito. A metanálise, como análise estatística, serve para estimar com mais poder e precisão os resultados obtidos em diferentes estudos de intervenção. Nessa análise estatística, os dados de estudos com metodologia descrita semelhantes, para condições clínicas específicas, serão combinados. Essas análises estatísticas fornecerão estimativas de efeitos de tratamentos similares com maior poder de precisão, permitindo a avaliação dos resultados obtidos. Nesse sentido, com os resultados oriundos das análises estatísticas das metanálises, novas perguntas de pesquisas podem ser formuladas, possibilitando o desenvolvimento de outros estudos epidemiológicos e novas investigações, novos estudos de intervenção, visto que os seus resultados permitem gerar novas hipóteses. ATENÇÃO É importante sinalizar que uma revisão sistemática não pode ser desenvolvida de forma individual. Cada participante desta etapa deve ter função claramente definida durante o processo de desenvolvimento da revisão. Assista ao vídeo para compreender como é elaborada a pergunta de pesquisa e as principais etapas na elaboração de uma revisão sistemática. VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo desta leitura, identificamos o conceito de epidemiologia e a importância das medidas e dos métodos empregados em epidemiologia e a relevância para o direcionamento das ações em saúde pública. Além disso, foi possível perceber como é importante o desenvolvimento de diversos tipos de estudos epidemiológicos e as medidas de associação que estão relacionadas ao desenvolvimento desses estudos. Vimos também todas as etapas e os princípios que envolvem a elaboração dos ensaios clínicos randomizados, além de aprendermos sobre os conceitos de revisão sistemática e metanálise que são utilizados na aplicação de ensaios clínicos. PODCAST AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS BONITA, R.; BEAGLEHOLE, R.; KJELLSTRÖM, T. Epidemiologia básica [tradução e revisão científica Juraci A. Cesar]. 2. ed. São Paulo: Ed. Santos, 2010. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas: elaboração de revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados/ Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2012. GALVÃO, F. T.; PEREIRA, M. G. Revisões sistemáticas da literatura: passos para sua elaboração. Epidemiol. Serv. Saúde. Brasília, 23(1):183-184, jan-mar, 2014. GOMES, E. C. de S. Conceitos e ferramentas de epidemiologia. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2015. 83p. MANCUSO, A. C. B. et al. Os principais delineamentos na Epidemiologia: Ensaios Clínicos (Parte I). Revista HCPA. 2013;33(3/4):286-294. MEDRONHO, R. A. Epidemiologia. São Paulo: Atheneu, 2002. 493p. PEREIRA, M. G. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. EXPLORE+ Veja como Ana Piaia Coelho e colaboradores desenvolveram um estudo epidemiológico para identificar intoxicação por plantas tóxicas. O trabalho foi publicado na revista UNIVAG – Centro Universitário, Várzea Grande/MT. Leia o ensaio clínico randomizado, desenvolvido por Reynaldo Jesus Garcia Filho, para avaliar a segurança do tratamento em pacientes com lombalgia e lombocialtagia agudas, publicado na revista científica ACTA ORTOP BRAS 14(1) – 2006. Veja como Carla Simone Duarte de Gouvêa e Claudia Travassos utilizam a revisão sistemática para identificar as estratégias para o desenvolvimento de indicadores de segurança do paciente em hospitais. Consulte Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(6):1061-1078, jun, 2010. Heloisa Helena Ponchio Pachá e colaboradores desenvolveram um estudo de caso e controle para avaliar a relação entre a presença ou ausência de Lesão por Pressão (LP) e os fatores sociodemográficos e da internação relacionados ao desenvolvimento de LP em uma unidade de terapia intensiva. Esse trabalho foi publicado na Rev Bras Enferm. 71(6):3203-10, 2018. A Organização Mundial da Saúde oferece um material rico relacionado à epidemiologia básica. Esse trabalho foi elaborado por R. Bonita, R. Beaglehole e T. Kjellström, e sua segunda edição foi publicada em 2010. Conheça mais sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos lendo a RDC 466/2012. Saiba mais sobre a regulamentação de ensaios clínicos com medicamentos no Brasil na RDC 09/2015. CONTEUDISTA Wagner Decotte Viana CURRÍCULO LATTES javascript:void(0); javascript:void(0);
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