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HISTÓRIA DO BRASIL
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Sumário
NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 4
PARTE I ................................................................................................... 5
1 – INTRODUÇÃO .................................................................................. 5
2 – ENSINO DA HISTÓRIA: BREVE HISTÓRICO .............................. 7
3 – ENSINO DA HISTÓRIA NO BRASIL .......................................... 10
3.1 - Ensino de História Geral ......................................................... 25
3.2 - Demandas para ampliação dos conteúdos de História
atualmente ................................................................................................... 29
3.3 - Notas Importantes ................................................................... 32
REFERÊNCIA ÀS POPULAÇÕES INDÍGENAS ............................... 33
PARTE II ................................................................................................ 35
1 - ENSINO DA HISTÓRIA – REFLEXÕES IMPORTANTES ........... 35
1.1 - Da importância de variadas abordagens históricas ............. 35
1.2 - A questão do ensino da história do Brasil, no Ensino
Fundamental Médio .................................................................................... 36
1. 3 - Do ponto de vista político, por exemplo, os alunos deveriam
conhecer: ..................................................................................................... 37
1.4 - Do ponto de vista social .......................................................... 39
1.5 - Do ponto de vista econômico é de fundamental importância
...................................................................................................................... 42
1.6 - A questão metodológica no tratamento dos temas .............. 43
PARTE III ............................................................................................... 46
1 - O Que Ensinar em História ........................................................ 46
2 - FATOS RELACIONADOS ............................................................ 48
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As referências entre passado e presente são essenciais para mostrar o
processo histórico. ........................................................................................... 48
2.1 - Racionalidade x patriotismo ................................................... 48
2.2 - Ontem e hoje ......................................................................... 50
2.3 - Mitos Pedagógicos ................................................................ 51
2.4 - Linha do tempo do ensino de História no Brasil ................... 52
2.5 - Metodologias mais comuns no ensino de História ............... 53
PARTE IV .............................................................................................. 55
1 - Os Conteúdos do Ensino da História do Brasil ....................... 55
1.1 - A expansão ultramarina portuguesa ................................... 55
1.2 - Descoberta do Brasil ............................................................... 63
1.3 - Montagem Do Sistema Colonial ............................................. 66
1.4 - A administração colonial ........................................................ 72
OS ÓRGÃOS METROPOLITANOS DA ADMINISTRAÇÃO COLONIAL
......................................................................................................................... 72
1.5 Economia Açucareira ................................................................ 76
SEGUEM OS DEMAIS TEMAS DO PROGRAMA DE HISTÓRIA DO
BRASIL: ....................................................................................................... 92
REFERÊNCIAS ................................................................................. 94
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NOSSA HISTÓRIA
A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empre-
sários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação
e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade ofere-
cendo serviços educacionais em nível superior.
A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de
conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a partici-
pação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação
contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos
e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber atra-
vés do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.
A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma
confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.
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PARTE I
1 – INTRODUÇÃO
As mudanças vividas na atualidade, nas décadas de 80 e 90,em nível
mundial, em termos econômicos, sociais e culturais, com a transnacionalização
da economia e o intercâmbio quase imediato de conhecimentos e padrões soci-
ais e culturais, através das novas tecnologias da comunicação, entre outros fa-
tores, têm provocado uma nova atuação dos Estados nacionais na organização
das políticas públicas, por meio de um movimento de repasse de poderes e res-
ponsabilidades dos governos centrais para as comunidades locais.
Na educação, um efeito deste movimento são os processos de descen-
tralização da gestão escolar, hoje percebidos como uma das mais importantes
tendências das reformas educacionais em nível mundial (Abi-Duhou, 2002) e um
tema importante na formação continuada dos docentes e nos debates educaci-
onais com toda a sociedade.
Como essa tendência é vivida nas escolas e nos sistemas educacionais?
Quais são as diferentes possibilidades de vivenciar processos de descentraliza-
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ção e autonomia nas escolas e nos sistemas? Que desafios precisam ser en-
frentados, considerando uma tradição autoritária e centralizadora, comum em
tantos países, dentre eles o Brasil? De que modo oportunizar a participação da
comunidade educativa, a partir da diversidade dos diferentes atores sociais?
Qual a relação entre democratização da escola e qualidade de ensino? O que
se entende por gestão democrática na educação?
Essas são algumas das preocupações que surgem quando se busca im-
plementar processos de descentralização e autonomia no campo da educação.
A gestão democrática da educação formal está associada ao estabeleci-
mento de mecanismos legais e institucionais e à organização de ações que de-
sencadeiem a participação social:
❖ na formulação de políticas educacionais;
❖ no planejamento;
❖ na tomada de decisões;
❖ na definição do uso de recursos necessidades de investimento;
❖ na execução das deliberações coletivas;
❖ nos momentos de avaliação da escola e da política educacional.
Também a democratização do acesso e estratégias que garantam a permanên-
cia na escola, tendo como horizonte a universalização do ensino para toda a
população, bem como o debate sobre a qualidade social dessa educação uni-
versalizada, são questões que estão relacionadas a esse debate. Esses proces-
sos devem garantir e mobilizar a presença dos diferentes atores envolvidos, que
participam no nívelúnica no desenvolvimento de conteúdos históricos, cria,
na mente dos jovens, um preconceito odioso contra formas políticas, sociais e
econômicas vigentes e um sectarismo, extremamente, perigoso.
Quando pensadores de esquerda criticam o capitalismo, por exemplo, alguém
poderia objetar que o socialismo constituiu-se, comprovadamente, em experiên-
cias fracassadas, em países cuja ineficiência econômica e totalitarismo político
(economia dirigida pelo Estado, regimes políticos de partido único) acabou por
fazê-los ruir, totalmente, nas últimas duas décadas do século XX, e que o se-
gundo, ainda que imperfeito, criou as mais sólidas economias e democracias
mundiais, além de sociedades de elevado bem-estar social do mundo contem-
porâneo.
Seriam verdadeiras as afirmações acima expostas? É o que deveriam perguntar-
se os professores de História, quando de discussões sobre o tema com suas
classes, mormente, os do ensino médio, realmente, interessados em formar o
espírito crítico dos alunos, oferecendo-lhes diversificadas bibliografias e diferen-
tes instrumentos de análise histórica.
1.2 - A questão do ensino da história do Brasil, no Ensino Fundamen-
tal Médio
Muito se discute, sobre a importância de os alunos conhecerem a realidade bra-
sileira. Todavia, sem um estudo do Brasil contemporâneo, a partir de suas estru-
turas sociais, políticas econômicas e culturais, isso se torna de difícil concretiza-
ção.
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Qualquer estudo de História do Brasil, nos ensinos Fundamental e Médio, deve-
ria começar pela situação atual do país a partir de noticiários televisivos, pes-
quisa em jornais, revistas, livros didáticos e paradidáticos, filmes históricos, en-
trevistas com membros de determinados segmentos sociais, de acordo com a
localização e possibilidades de cada escola.
Buscar as conexões entre presente e passado da História brasileira, enrique-
cerá, sobremaneira, os conhecimentos dos alunos dos vários Ciclos do Ensino
Básico. Entretanto, o que se observa, é o hábito de muitos professores monta-
rem seus programas utilizando-se da cronologia tradicional, Colônia, Império e
República, selecionando excessiva quantidade de conteúdo, durante o planeja-
mento. Em decorrência desse fato, os alunos nunca chegam a estudar o Brasil,
no qual estão, realmente, inseridos.
Dada a liberdade de construção dos currículos de História, durante o planeja-
mento, nada impede que os professores iniciem seu trabalho em História do Bra-
sil a partir da análise das estruturas: sociais, políticas, econômicas sociais e cul-
turais, atuais para, a partir daí, estabelecer as conexões necessárias entre o
presente e o passado.
Assim procedendo, o professor teria a oportunidade de selecionar os aspectos
mais significativos dos diversos períodos da História do Brasil, explorando-os
com a necessária pertinência. Essa seleção eliminaria os conteúdos supérfluos
e enxugaria os programas, tornando-os factíveis para o ano letivo.
1. 3 - Do ponto de vista político, por exemplo, os alunos deveriam
conhecer:
➢ As características do atual sistema político:
➢ como funciona o regime presidencialista?
➢ Como funciona o processo eleitoral?
➢ Como evoluiu esse regime político da Colônia aos nossos dias?
➢ Que correntes político-ideológicas estão representadas nas Câmaras Mu-
nicipais, Assembleias e Congresso Nacional?
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Na abordagem desse tema, haveria a oportunidade de estabelecer as relações
entre o presente e o passado:
• A estrutura política atual e a da Colônia;
• Império e República Velha, na medida em que elas deixaram marcas pro-
fundas na vida política brasileira, de hoje.
Ao analisar o presidencialismo e seu funcionamento, o professor retornaria:
I. à administração colonial, ao regime monárquico,
II. ao nascimento da República.
Buscando seus pontos de conexão: a comparação entre o regime imperial e o
presidencialismo republicano. Desde seus primórdios, mostraria inúmeros pon-
tos de contato e permanências do regime imperial no regime político atual, entre
os quais, o excessivo poder do Presidente da República, ao longo da vida repu-
blicana, velha herança do Poder Moderador Imperial. Tudo isso trabalhado por
meio de conteúdos significativos.
O mesmo procedimento poderia ser usado no estudo do coronelismo, ou seja, o
domínio de grupos oligárquicos, ainda existentes, em regiões do norte e nor-
deste, originários dos períodos Colonial, Imperial e da República Velha, quando
o "mandonismo local" era a base do sistema eleitoral nas Câmaras Municipais (
instituição transplantada de Portugal à Colônia) Parlamentos Provinciais e Impe-
rial.
O estudo, ensejaria, a análise do processo eleitoral (desde o voto censitário im-
perial ao sufrágio universal masculino no início da República) nos diversos perí-
odos da História Brasileira e a comparação entre as eleições de hoje às do Im-
pério (1822-1889) e República Velha (1889-1930). Por outro lado, esse estudo
suscitaria ampla discussão sobre o regime cartorial-burocrático até hoje vigente
no país, permeando práticas políticas e econômicas e que, em parte, explicariam
a corrupção nos parlamentos, executivos e judiciários do país, cujos escândalos
são matéria prima cotidiana nos órgãos de imprensa escrita e televisada em todo
o país.
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Outros aspectos da vida política brasileira poderiam ter o mesmo tratamento,
vinculando, sempre, o presente ao passado.
1.4 - Do ponto de vista social
Faz-se necessário o estudo das desigualdades: distribuição de renda, da propri-
edade da terra- seus avanços e retrocessos (a questão do latifúndio e as novas
formas de exploração agrícola), buscando as relações entre os problemas do
presente com os fatos que deram origem a eles, nos diversos períodos históri-
cos.
Se a miséria, englobando grandes bolsões da sociedade brasileira, constitui,
ainda, um grave problema social brasileiro, inegavelmente, o país evoluiu soci-
almente nos últimos 30 anos, sob todos os aspectos. Pesquisa sobre a evolução
econômica brasileira, durante o século XX, demonstrariam os avanços sociais
dela decorrente, obtidos nas últimas décadas.
Entrevistas:
• com favelados;
• com membros do MST;
• com moradores de rua;
• pequenos e grandes empresários;
• membros da classe média.
Essa prática levaria os jovens a compreender melhor a realidade social exclusiva
dos bolsões de miséria das várias regiões brasileiras.
Mais uma vez, o retorno ao passado seria capaz de levar os alunos a desvelar
as origens das desigualdades sociais, ao longo de nossa história. Para isso, a
análise da sociedade Colonial e da Imperial, fundada na mão-de-obra escrava,
no latifúndio e no poder dos senhores rurais, durante os vários ciclos econômicos
brasileiros, mostra-se primordial.
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O sistema de latifúndios, a partir do qual os colonizadores e, depois, os grandes
senhores do Império e República Velha, apropriaram-se da terra, criando imen-
sas propriedades, poderá levar os alunos a entender a luta pela reforma agrária
nos dias que correm e, ao mesmo tempo, constatar o que foi feito ao longo da
última década em relação à propriedade da terra.
Uma pesquisa sobre:
• as novas formas de exploração agrícola;
• sobre os assentamentos de membros do MST já realizados, seus pro-
gressos e retrocessos;
• os vários pontos de vista sobre a reforma agrária em andamento, também,
contribuiriam para esclarecimento do processo de ocupação da terra no
Brasil.
Por outro lado, a análise da assimétrica industrialização brasileira, ajudaria o
alunado:
• a compreender o grande desenvolvimento industrial do Sudeste;
• o crescimento de suas elites urbanas e das classes médias (insignificante,até meados do século XX);
• e o atraso do Norte e Nordeste, dominados ainda pelo latifúndio, pela mi-
séria e exclusão social de grande parte de suas populações.
A evolução dessas distorções sociais, ao longo da história brasileira, e a organi-
zação social brasileira, atual, enriquecerão os conhecimentos dos estudantes e
poderão levá-los a elaborar hipóteses para a superação dos problemas. Do es-
tudo comparativo entre a nossa sociedade e as sociedades avançadas, que con-
quistaram um Estado de bem-estar social, a partir da instituição de sistemas de-
mocráticos e reformas sociais profundas no campo e na cidade (Estados Unidos,
Suécia, Noruega, Dinamarca, França, Inglaterra, Bélgica, Austrália, Canadá, Ja-
pão e mais recentemente os Tigres Asiáticos, entre outros).
Será extremamente motivador, no estudo de problemas ligados à miséria e à
exclusão social brasileiras, levar os alunos a pesquisar sociedades afluentes do
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mundo contemporâneo para descobrir a maneira pela qual essas nações, con-
seguiram superar sérias distorções sociais comuns em países latino-america-
nos, africanos e asiáticos.
Essa análise, contribuiria para a discussão de uma série de meias verdades,
entre as quais, a celebre "teoria da dependência" através da qual algumas cor-
rentes tentam demonstrar que dificuldades sócio-econonômicas, latino-america-
nas, em geral, e do Brasil, em particular, sempre estiveram condicionadas à ex-
pansão econômica de países desenvolvidos, esquecendo-se de que muitos dos
problemas latino-americanos decorreram da falta de democracia, de políticas
equivocadas das elites dominantes, nos diversos períodos históricos nos países
do Continente, e da extrema burocracia e regulamentações econômicas, tra-
vando o desenvolvimento dessas nações, ao longo da História, fossem quais
fossem suas colorações ideológicas. A análise das conquistas econômico-soci-
ais das grandes nações do globo ajudaria, sobremaneira, na compreensão das
dificuldades latino-americanas.
De fundamental importância será o estudo da escravidão, responsável pelo
atraso econômico-social do país, deixando marcas indeléveis na sociedade bra-
sileira - racismo e preconceito, que determinam dificuldades de ascensão social
do negro decorrentes de discriminação no mercado de trabalho, exclusão social,
marginalização, etc. A pesquisa das organizações negras e de suas lutas, para
alcançarem plena igualdade de direitos, hoje, mostra-se relevante.
A pesquisa sobre a escravidão e a discussão em classe, sobre a questão do
preconceito racial existente no Brasil, seria o ponto de partida para o estudo da
escravidão (indígena e negra), durante os diversos períodos da História Brasi-
leira, culminando com a abolição dos escravos, realizada sem a preocupação de
integrar o negro à sociedade, mantendo-o tão excluído, socialmente, quanto o
foram enquanto escravos, fato que se agravaria com a permanência de uma
mentalidade preconceituosa, entre vastas parcelas da população branca, que,
ainda se manifesta em numerosas camadas, nos dias que correm.
A luta das entidades ligadas aos movimentos negros e suas conquistas poderão
levar o aluno ao conceito de cidadania e ganhar um batalhador a mais na busca
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da igualdade de direitos entre os vários segmentos desfavorecidos da sociedade
brasileira.
O estudo das lutas pelos direitos da mulher, ao longo de nossa história, e as
conquistas obtidas. A pesquisa da condição da mulher, na atualidade, incorpo-
rando-se em todos os setores da vida brasileira, deve ser acompanhada do es-
tudo de sua situação social nos vários períodos históricos brasileiros para que o
aluno seja levado a avaliar o quanto elas tiveram de lutar para superar discrimi-
nações sociais de todo tipo, ao longo de nossa história. O professor de literatura
poderá sugerir um estudo sobre mulheres, entre as quais as personagens do
livro "A Moreninha", além de Moema, Iracema, Capitu, Marília de Dirceu, Luzia
Homem, etc...
Uma investigação sobre pioneiras: Maria Quitéria, Ana Nery, Chiquinha Gon-
zaga, entre outras personagens femininas de destaque em nossa História, con-
tribuirá para o enriquecimento discente, que, com certeza, ignora a luta feminina
para se afirmar como membro atuante de nossa sociedade.
1.5 - Do ponto de vista econômico é de fundamental importância
O estudo, não-sectário:
➢ Do neoliberalismo, globalização, relações econômicas e interdependên-
cia entre o Brasil e demais países do globo;
➢ O estudo da evolução econômica do Brasil, enfatizando sua marginaliza-
ção, à época da segunda revolução industrial do início do século XIX, provo-
cando o atraso industrial brasileiro, a duras penas superado nas quatro últimas
décadas.
O neoliberalismo é um tema que, hoje, perpassa matérias jornalísticas, jornais
televisivos, obras acadêmicas e quejandos. Quando estudado no ensino funda-
mental e no ensino médio, é oferecida aos alunos a oportunidade de discutir suas
várias facetas, através de variados instrumentos de análise? Aqui, mais uma vez
a volta ao passado, ou seja, o estudo do liberalismo seria dos mais elucidativos.
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Uma segunda questão, no estudo do liberalismo, seria a maneira como e quando
foi inserido na vida brasileira, após a Revolução Francesa e Revolução Industrial.
Esse fato ensejaria o estudo das lutas pela Independência política, com realce
para a Inconfidência Mineira de l789, com sua conotação nitidamente política e
a Baiana de 1798, com sua conotação social, nos fins do período colonial e a
Independência no 7 de setembro de 1822.
O estudo do neoliberalismo remeteria o professor à questão da globalização,
tema recorrente nos dias que correm e seu caráter quase irreversível, num
mundo dominado pela informação instantânea e elevada tecnologia. Mais uma
vez, mostra-se fundamental levar o aluno a compreender seus aspectos positi-
vos e negativos, evitando o mestre, fórmulas prontas e dogmáticas a respeito
desse processo. A comparação entre a posição dos operários frente às máqui-
nas, durante a Segunda Revolução Industrial e os movimentos antiglobalização,
nos dias que correm, forneceria rico material para a reflexão do aluno sobre o
tema.
A pesquisa e discussão sobre a indústria brasileira na atualidade, possibilitaria,
mais uma vez, a volta ao passado, mormente as dificuldades de inserção do
Brasil na "era da máquina", nos fins do século XIX. A leitura por parte dos pro-
fessores do livro "Mauá Empresário do Império" de Jorge Caldeira (Companhia
das Letras, 1995) explica, com muita clareza, a luta de Mauá pela industrializa-
ção do Brasil no século XIX e os óbices impostos pela elite rural brasileira.
1.6 - A questão metodológica no tratamento dos temas
É óbvio que não se pode desenvolver a mesma História do Brasil nos diversos
Ciclos do Ensino Básico. Tem-se de levar em consideração a faixa etária a que
ela se destina.
Assim, tudo que foi exposto, anteriormente, pode e deve ser desenvolvido com
os alunos do Ciclo II do Ensino Fundamental e Ensino Médio, resguardando-se,
evidentemente, suas pertinentes graduações. Não é o caso das primeiras etapas
do Ciclo. I.
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Com as crianças do Ciclo I, deve-se levar em consideração os aspectos lúdicos,
pitorescos e, até mesmo, os fantásticos, que povoam suas mentes. Não se pode
imaginar "sociologizantes" interpretações históricas para essa faixa etária. É
possível fazê-las entrar em contato com aspectos sociais, econômicos, políticos
e culturais atuais, por meio de entrevistas com populações pobres, empresários,
negros entre outros segmentos sociais, em um primeiro contato com a realidade
que os cerca.
Porém, para introduzi-las no passado,será fundamental levá-las a conhecer as-
pectos da vida cotidiana dos brasileiros nos diversos séculos de nossa civiliza-
ção:
➢ O que pensavam acerca de numerosas questões do dia-a-dia?
➢ Como produziam aquilo que lhes permitia a sobrevivência em meio inós-
pito como no Brasil dos primeiros séculos?
➢ Como os diversos segmentos sociais relacionavam-se entre si e com os
habitantes da terra, os indígenas?
➢ Como deram-se as relações entre os brancos das diversas classes soci-
ais com indígenas e negros escravos?
➢ De que maneira, índios e negros marcaram a civilização brasileira?
Tudo isso permitirá uma visão concreta de nossos primeiros habitantes.
Dir-se-ia, portanto, que, para essa faixa etária, seria fundamental a visão de qua-
dros ou cenas específicas da vida política, social, econômica e cultural da Colô-
nia, Império e República. Para isso, textos de autores da época, pesquisa icono-
gráfica em revistas e jornais não são difíceis de obter. Por outro lado, a leitura
de obras históricas infanto-juvenil e paradidáticas de História do Brasil, produzi-
rão, além de novos leitores, no contexto literário, uma curiosidade por fatos his-
tóricos, que se aprofundarão nos Ciclos II e Ensino Médio
Como se vê, não se trata de se ensinar uma História, apenas, com base em
datas, fatos e heróis brasileiros, comum, entre os professores do Ciclo I, mas
dotar a criança de uma visão, mais próxima possível do país, por meio das for-
mas de vida e pensamento dos brasileiros nas diversas épocas. Visão histórica
amparada pela constante mediação do tempo e espaço históricos.
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Assim, professor algum do Ciclo I deveria trabalhar História do Brasil, sem as
suas respectivas Linhas do Tempo e mapas históricos, a fim de que possa levar
os alunos a localizar fatos e datas fundamentais da História brasileira e o espaço
em que eles se deram, conteúdos esses, que os estarão preparando para etapas
mais complexas de estudo.
Anda muito em voga a ideia de que os conhecimentos dos alunos devem ser por
eles construídos. Qualquer conhecimento é construído pelo aluno, posto que,
seja qual for a metodologia empregada pelo professor, o aprendizado é sempre
uma construção de quem é levado a fazê-lo.
Não fosse assim, os alunos deixariam a escola nas mesmas condições em que
entraram, o que é absolutamente falso. O que ocorre é uma construção de co-
nhecimentos por parte dos alunos, de maior ou menor qualidade, dependendo
de quem ministra o ensino.
No caso específico do ensino de História do Brasil, como em outras disciplinas,
vários elementos entram nessa construção do conhecimento histórico. Ainda que
se deva partir da realidade que cerca o aluno, através de uma série de contatos
deles com essa mesma realidade, o estudo dos "fatos significativos" de nossa
história, é fundamental, posto que, cérebro algum reflete no vazio.
Ninguém pode ser levado a conhecer o passado, sem o estudo de fatos históri-
cos específicos. Contudo, esses fatos só se integrarão à consciência dos alunos,
ou seja, serão apreendidos, na medida em que se liguem ao já conhecido pelo
discente. Daí a importância das aulas dialogadas, nas quais o novo conheci-
mento venha unir-se aos rudimentares, presentes na memória dos alunos. Daí a
importância da leitura de:
✓ obras históricas;
✓ didáticas;
✓ paradidáticas;
✓ de divulgação;
✓ acadêmicas;
✓ quejandos.
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Isto deve ser trabalhado nos diferentes ciclos de estudo, na perspectiva de se
formar o conhecimento histórico necessário à reflexão dos alunos. Não se trata,
pois, de encher a cabeça de crianças e jovens de conteúdos aleatórios, ou seja,
de personagens e datas (ainda que eles sejam imprescindíveis em determinados
contextos) mas de vinculá-los a temas significativos para a compreensão do pro-
cesso histórico.
Observam-se, hoje, que, fatos comezinhos da História brasileira são, absoluta-
mente, desconhecidos da maioria de nossos jovens, que não têm qualquer no-
ção do que seja Colônia, Império e República e, muito menos, o Brasil Contem-
porâneo e a localização de fatos importantes no espaço e no tempo. Que dizer,
então, dos homens que viveram nesses períodos. Portanto, o professor deve
estar atento a sua programação, selecionando, dos períodos históricos, aquilo
que é mais significativo para a compreensão do processo histórico. Daí, repetir-
mos, a importância de se estudar o passado a partir do presente, buscando as
suas conexões.
PARTE III
1 - O Que Ensinar em História
Em todos os tempos, o ensino de História foi permeado por escolhas po-
líticas. No Brasil, após a proclamação da República, em 1889, a construção da
identidade do país tornou-se prioridade. As elites tinham de garantir a existência
de um estado-nação, escolhendo para ser ensinado aos alunos conteúdos que
exaltavam grandes "heróis" nacionais e feitos políticos gloriosos. Desde então,
poucas mudanças aconteceram em termos do que e como ensinar nessa área,
e todas foram influenciadas, sobretudo, pelas visões de quem estava no poder.
Para desenvolver a postura crítica da turma e dar aulas consistentes, é funda-
mental que o professor entenda esse processo.
História é uma disciplina passível de múltiplas abordagens - que até há pouco
tempo não estavam em sala de aula, mas que hoje devem ser vistas com desta-
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que. Por isso, tornou-se premente o trabalho com diversas fontes e o relaciona-
mento do passado com o presente para que se entenda que contra fatos há, sim,
argumentos. Tudo depende do olhar que se lança sobre eles.
Quando os jesuítas chegaram ao Brasil em 1549 e fundaram a primeira escola,
só usavam os textos históricos como suporte para ensinar a ler e escrever e seus
conteúdos sequer eram discutidos. Foi apenas em 1837 que o Colégio Dom Pe-
dro II, no Rio de Janeiro, instituiu a História como disciplina obrigatória e autô-
noma (leia a linha do tempo no box "O ensino de História no Brasil"). O foco era
a formação da civilização ocidental e o estudo sobre o Brasil era apenas um de
seus apêndices. Vale lembrar que a história bíblica também era um conteúdo a
ser abordado - só sendo retirada do currículo em 1870, com a diminuição do
poder da Igreja sobre o Estado.
A maioria dos professores do Colégio Pedro II era formada por membros do Ins-
tituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado em 1838 e adepto de uma visão
político-romantizada do processo de construção do Brasil. Além de pautar o en-
sino pela questão da identidade nacional de maneira ufanista, eles acreditavam
que o ensino de História tinha o papel de formar moral e civicamente - um dos
objetivos da disciplina na época e que está ultrapassado teoricamente.
A metodologia utilizada era a tradicional (conheça outros métodos no quadro da
página ao lado), que tinha como princípio levar os alunos a saber datas e fatos
na ponta da língua. Também houve a influência do historiador prussiano Leopold
von Ranke (1795-1886), que via a história como uma sucessão de fatos que não
aceitavam interpretação. Segundo ele, pesquisadores educadores deveriam se
manter neutros e se ater a passar os conhecimentos sem discuti-los, usando
para isso a exposição cronológica. Na hora de avaliar, provas orais e escritas
eram inspiradas nos livros de catequese com perguntas objetivas e respostas
diretas.
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2 - FATOS RELACIONADOS
As referências entre passado e presente são essenciais
para mostrar o processo histórico.
2.1 - Racionalidade x patriotismo
Essa postura em sala de aula só seria questionada no início do século 20,
quando operários anarquistas de São Paulo e Porto Alegre, que lutavam por
melhores condições de trabalho, criaramescolas inspiradas na pedagogia do
espanhol Francisco Ferrer y Guardia (1849-1909). Nelas, valorizavam-se a raci-
onalidade e o cientificismo e não havia espaço para a exacerbação do patrio-
tismo. A História era explicada por meio das lutas sociais e não pela construção
do Estado. Novas fontes de aprendizagem, como visitas a museus e exposições,
foram incorporadas com o objetivo de fazer o aluno pensar e não apenas decorar
o conteúdo. Além disso, eram abordados temas como a Revolução Francesa
antes do estudo sobre a Antiguidade, quebrando assim o paradigma da lineari-
dade. As ideias revolucionárias, no entanto, foram pontuais e de pouca duração.
As dez escolas com esse perfil foram fechadas com a pressão do governo de
Arthur Bernardes (1875-1955), que sufocou os movimentos trabalhistas.
O cenário ficou ainda mais complicado quando, em 1930, Getúlio Vargas, ferre-
nho nacionalista, subiu ao poder, ficando nele quase ininterruptamente até 1954.
Nesse meio tempo, surgiram os primeiros cursos superiores de História, que
nasciam compactuando com a visão tradicionalista.
Os estudos de Jean Piaget (1896-1980) e Lev Vygotstky (1896-1934), contudo,
começaram a ser divulgados, trazendo teorias que influenciariam a Educação no
geral, ao considerar as hipóteses prévias das crianças sobre os temas aborda-
dos na escola. Sendo assim, as aulas puramente expositivas não funcionariam
mais e a ideia de que aprender é decorar começou a mostrar sinais de fragili-
dade.
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A ditadura militar, nos anos 1960, faria com que as propostas mais avançadas
demorassem para germinar. Em 1971, as autoridades substituíram História e
Geografia por Estudos Sociais nas séries iniciais. Havia o medo de que o poten-
cial político e crítico que o conhecimento mais profundo daquelas áreas poderia
trazer pudesse gerar reações revolucionárias. Segundo Circe Maria Fernandes
Bittencourt, professora de pós-graduação da Faculdade de Educação da Univer-
sidade de São Paulo, a fusão empobreceu os conteúdos de ambas as discipli-
nas, pois a ênfase agora estava no civismo.
As mudanças mais significativas, entretanto, começaram a se desenhar com a
influência:
• da Psicologia cognitiva,
• da Antropologia,
• da Sociologia.
Essas duas últimas trouxeram, respectivamente, novos conteúdos e outras vi-
sões de fatos históricos o que influenciaria a metodologia moderna de ensinar
História. Além de ampliar o espectro de temas escolares introduzindo, por exem-
plo, manifestações culturais locais e de procurar diferentes versões, a metodo-
logia moderna também se caracteriza pela ênfase na relação entre passado e
presente, pelo rompimento com a linearidade e pela consulta a fontes de diver-
sas naturezas. A partir dos anos 1980, cada vez mais professores foram to-
mando contato com essa nova forma de trabalhar.
Hoje não se concebe o estudo histórico sem que o professor apresente diferen-
tes abordagens do mesmo tema, fato ou conceito - iniciativa importante para que
o aluno perceba que, dependendo da visão e da intenção de quem conta a his-
tória, tudo muda. Basta pensar no exemplo de como entender o processo de
formação de um bairro: pode-se vê-lo sob a ótica dos trabalhadores da região e
das relações estabelecidas pelos modos de produção, dos que estiveram no po-
der, dos grupos minoritários que habitam o local ou das manifestações culturais,
entre outras possibilidades.
50
Durante as aulas, é impossível apresentar todas as maneiras de ver a história,
mas é fundamental mostrar que ela não é constituída de uma única vertente (e
que, até mesmo dentro de uma delas, pode haver várias interpretações).
O professor deve favorecer o acesso a:
❖ documentos oficiais,
❖ reportagens de jornais
❖ revistas e a outras fontes.
❖ consulta sites confiáveis,
❖ filmes e documentários,
❖ visita a museus,
❖ entrevista de atores que vivenciaram os acontecimentos estudados.
Tudo com planejamento e registro para que seja possível fazer uma avaliação
minuciosa do processo. O contato com essa diversidade leva o estudante a ter
uma visão ampla e integrada da história.
2.2 - Ontem e hoje
Estabelecer a correspondência entre passado e presente passou a ser um dos
objetivos da disciplina (conheça algumas das expectativas de aprendizagem no
quadro da página ao lado) nos anos 1990, com a publicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs). Daniel Helene, selecionador do Prêmio Victor
Civita Educador Nota 10, diz que relacionar os fatos ajuda na compreensão de
que a História é um processo.
Existe escravidão hoje em dia? Como ela era antigamente? "Isso deve ser feito
de modo que o aluno entenda as transformações no decorrer do tempo. Essa
também é uma forma de aproximar o conteúdo à vida do aluno o que era impos-
sível quando o conteúdo era transmitido cronologicamente. "Esse procedimento
passava a ideia de que a história é uma evolução, o que não é verdade.
51
Hoje o professor pode explorar as diferentes formas de lidar com a temporali-
dade e, assim, estimular a reflexão. O resultado é que, em vez de decorar infor-
mações sem sentido, os jovens são estimulados a analisar o que aprendem e a
memorizar conscientemente", afirma o consultor.
Desde a publicação dos PCNs, temas como ética e pluralidade cultural passaram
a permear o ensino da disciplina, indicando mais uma mudança: se nos tempos
idos o objetivo era fomentar a ideia de identidade nacional, ancorada na detur-
pação e romantização de acontecimentos, hoje o intuito é explorar as diferentes
identidades que existem dentro de uma nação, tornando os alunos sabedores
da diversidade cultural de sua época. Um desafio e tanto para os professores.
2.3 - Mitos Pedagógicos
As metodologias da disciplina levaram à construção de alguns mitos. São eles:
História é decoreba:
A concepção de Educação que está por trás disso é a de que a aprendizagem
se dá pela repetição da fala do professor ou do conteúdo do material didático.
Grande equívoco.
Não é preciso memorizar
Em reação contrária à ideia anterior, alguns educadores defenderam que não
era preciso decorar nada. Porém saber datas e nomes ajuda a relacionar os
fatos. Memorizar significativamente é diferente de decoreba.
Uma lição de moral
A História nasce como disciplina escolar no Brasil em um contexto de criação da
identidade nacional. Daí a ideia de que ela serviria para incutir princípios e valo-
res nacionalistas.
Um fato depois do outro
Não se sustenta a ideia de que para entender um período é preciso estudar o
que veio antes dele. O aluno aprende com base em questões do presente, rela-
cionando ao passado o que lhe é mais próximo.
52
Existe apenas uma verdade
De inspiração positivista, esse mito parte da ideia de que os documentos oficiais
e os fatos políticos são os fiéis guardadores da realidade. A ideia foi sendo der-
rubada ao longo do século 20, quando os historiadores, recorrendo a outras fon-
tes documentais, descobriram diferentes interpretações sobre períodos e fatos.
2.4 - Linha do tempo do ensino de História no Brasil
1549
Os jesuítas chegam ao Brasil e fundam as primeiras escolas elementares brasi-
leiras. Os textos históricos bíblicos eram usados apenas com o intuito de ensinar
a ler e escrever.
1837
O Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, inclui a disciplina como obrigatória. Nesse
ano também é fundado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que defende
uma visão nacionalista.
1870
Com a diminuição da influência política da Igreja sobre as questões de Estado,
os temas que têm como base as ideias bíblicas são abolidas do currículo.
1920
Escolasabertas por operários anarquistas tentam implantar a ótica das lutas so-
ciais para entender a história. Mas elas são reprimidas e fechadas durante o
governo de Arthur Bernardes, alguns anos depois.
1934
É criado o primeiro curso superior de História, na USP. A academia nasce com
uma visão tradicionalista, reforçando a sucessão de fatos como a linha mestra.
1957
Delgado Carvalho publica a obra Introdução Metodológica aos Estudos Sociais,
que serve de base para o processo de esvaziamento da História como disciplina
autônoma.
53
1971
A História e a Geografia deixam de existir separadamente. No lugar delas é cri-
ada a disciplina de Estudos Sociais (empobrecendo os conteúdos escolares) e,
ao mesmo tempo, a licenciatura na área.
1976
O Ministério da Educação determina que, para dar aulas de Estudos Sociais, os
professores precisam ser formados na área, fechando-se assim as portas para
os graduados em História.
1986
A Secretaria de Educação do Município de São Paulo propõe o ensino por eixos
temáticos. A proposta não é efetivada, mas vira uma referência na elaboração
dos PCNs, anos depois.
1997
Abolição de Estudos Sociais dos currículos escolares. História e Geografia vol-
tam a aparecer separadamente. Especialistas começam a pensar novamente
sobre as atuais especificidades de cada uma das disciplinas.
1998
Com a publicação dos PCNs, são definidos os objetivos da área. Entre eles está
o de formar indivíduos de modo que eles se sintam parte da construção do pro-
cesso histórico.
2003
O Conselho Nacional da Educação determina que a história e a cultura afro-
brasileira sejam abordadas em todas as escolas, o que mostra uma iniciativa
oficial para desvincular o ensino da visão eurocêntrica.
2.5 - Metodologias mais comuns no ensino de História
As maneiras de ensinar História que já estiveram ou ainda estão presentes na
sala de aula são:
A) Tradicional
Inspirada no método francês do século XIX.
54
Foco
Memorizar os fatos em ordem cronológica, tendo como referência a construção
dos estados-nação e a importância dos valores morais e cívicos.
Estratégias De Ensino
Aulas expositivas, apoio de livros didáticos e estímulo à decoreba de datas, fatos
e nomes.
B) Anarquista
Surgiu depois da Revolução Francesa e da Comuna de Paris, na Europa, e da
proclamação da República, no Brasil. Foi introduzida em algumas escolas brasi-
leiras nos anos 1920.
Foco
Conhecer o movimento histórico pelas lutas sociais, desconstruindo a visão po-
lítica e romantizada.
Estratégias De Ensino
Visitas a museus para fazer pesquisas e estimular a reflexão crítica.
C) Moderna
Baseada nas teorias cognitivas de Jean Piaget e Lev Vygotsky e na ideia de que
se deve buscar abordagens diversas - sociais, econômicas, políticas e culturais.
Foco
Os alunos a ter uma visão crítica e a percepção de que não existe uma história
verdadeira e única.
Estratégias de ensino
Proposição de eixos temáticos, consultas a diversas fontes e perspectivas para
estabelecer a relação entre o passado e o presente.
55
PARTE IV
1 - Os Conteúdos do Ensino da História do Brasil
1.1 - A expansão ultramarina portuguesa
Ao estudarmos o significado e os mecanismos básicos do antigo sistema colo-
nial, procuramos traçar o esquema teórico do colonialismo moderno. Com efeito,
em função da existência de um sentido comum a todos os empreendimentos
colonizatórios europeus, pudemos elaborar o modelo da colonização mercanti-
lista. Sabemos, no entanto, que um simples quadro dos traços fundamentais do
antigo sistema colonial não consegue explicar, em toda a sua complexidade, a
colonização de cada uma das regiões extra europeias descobertas no curso da
expansão ultramarina.
Realmente, o processo de ocupação e povoamento das diversas zonas coloni-
ais, embora inserido nas linhas mestras do colonialismo mercantilista, envolveu
uma gama rica e variada de situações e eventos originais e atípicos. Noutros
termos, cada esforço colonizatório, apesar de obedecer ao plano maior das ne-
cessidades de desenvolvimento do capitalismo mercantil, tem sua própria histó-
ria, apresentando inevitavelmente facetas específicas. Em consequência, o es-
tudo da formação de um núcleo de colonização numa área periférica supera os
limites de um esboço teórico, necessariamente empobrecedor, de todo o sistema
colonial mercantilista.
Assim também, o movimento colonizador do Brasil, apesar de plenamente inte-
grado no cenário do colonialismo moderno, deve ser entendido como um esforço
particular de uma nação europeia detentora de características originais: Portu-
gal.
Formação de Portugal
A Península Ibérica, berço geográfico da pátria portuguesa, foi primitivamente
habitada por um povo cuja procedência é envolta numa complicada teia de len-
das os iberos. A partir do ano 2000 a.C., um novo grupo étnico os celtíberos,
formado com a assimilação dos iberos pelos celtas povoaria a região.
56
Por volta do século XII a.C., gregos e fenícios estabeleceram feitorias no recor-
tado litoral da península, notadamente em Cádis, Málaga e Sevilha. Tempos de-
pois, também os cartagineses penetraram no disputado solo ibérico.
Toda a Ibéria foi a seguir subjugada pelos romanos, ao serem derrotados os
heroicos combatentes do pastor Viriato, líder da resistência da antiga Lusitânia.
Logo transformado em província do Império Romano, o território sofreria um pro-
cesso de total romanização.
No século V, com o desmantelamento do Império Romano, ondas sucessivas de
bárbaros germânicos vândalos, alanos e suevos assolaram a península.
Sob o comando de Ataulfo, depois instalaram-se na conturbada área os visigo-
dos, unificando-a politicamente e dando, desta maneira, início a um processo de
civilização.
Entretanto, no século VIII, o panorama peninsular seria radicalmente alterado:
atravessando o estreito das Colunas de Hércules (hoje Gibraltar), os árabes ocu-
param quase totalmente as terras ibéricas. Muitos descendentes dos antigos vi-
sigodos, recusando-se a aceitar o jugo muçulmano, refugiaram-se nas Astúrias
e, comandados por Pelágio, iniciaram um conflito que iria durar oito séculos: a
Guerra da Reconquista. Gradualmente, no decorrer dessa prolongada e san-
grenta luta reflexo das Cruzadas, na Península Ibérica , por todo o território his-
pânico começaram a surgir pequenos reinos cristãos. No século XI, três deles -
os de Leão, Castela e Galiza unificaram-se sob a égide de Afonso VI. Este, em-
penhado na luta contra os árabes, buscou o auxílio de fidalgos estrangeiros in-
teressados em participar do esforço militar ibérico.
Dois nobres franceses, Raimundo e Henrique de Borgonha, atenderam ao apelo
do rei. Em recompensa pelos serviços prestados à causa espanhola, Raimundo
recebeu em casamento Dona Urraca filha mais velha de Afonso VI e, a título de
dote, a suserania do Condado da Galiza. Henrique casou-se com Dona Teresa,
filha bastarda do soberano leonês, e ganhou as terras localizadas ao sul do rio
Minho: o Condado Portucalense. Com a morte de Afonso VI, uma grave crise
abalou a Península Ibérica.
57
Os acontecimentos precipitaram quando Dona Urraca, reconhecida como legí-
tima sucessora, exigiu a vassalagem do Condado Portucalense. Entretanto, D.
Teresa, então viúva e ligada a um nobre galego, o Conde Fernando Peres de
Trava, recusou-se a reconhecer a autoridade da irmã. D. Afonso Henriques, filho
de Henrique de Borgonha e Teresa, irritado com a influência exercida pelo
Conde de Trava sobre sua mãe, rebelou-secontra esta, vencendo seus partidá-
rios na Batalha de São Mamede. Em seguida, buscando livrar o Condado Portu-
calense de qualquer presença estrangeira, o jovem nobre lusitano enfrentou su-
cessivamente Afonso VII em Cerneja e os mouros em Ourique. Vitorioso e poli-
ticamente fortalecido, Afonso Henrique proclamou a independência do condado,
intitulando-se rei de Portugal, em 1139.
Quatro anos depois, com o reconhecimento da autonomia portuguesa na Con-
ferência de Zamora, estaria consolidada a primeira dinastia do novo reino: a di-
nastia de Borgonha.
Como vimos, ao assinalarmos os principais eventos de sua formação, Portugal
era a princípio um simples condado resultante do fracionamento da Galiza e foi
forjado no calor de violentas lutas contra espanhóis e árabes. Em decorrência
das necessidades militares impostas por essa situação, o reino luso, anteci-
pando-se às demais nações europeias, apresentou um rápido fortalecimento do
poder real, em detrimento da descentralização política própria às formas feudais.
De fato, a Reconquista e a constante ameaça leonesa, exigindo a manutenção
de um exército permanente, levaram a monarquia lusitana a concentrar o poder
em suas mãos. Dessa forma, embora ainda predominassem relações de vassa-
lagem no campo, a nobreza lusa não era detentora de grandes privilégios políti-
cos. A inexistência em território português de uma Idade Média, no sentido soci-
ológico, acarretou duas consequências fundamentais. Primeiramente, Portugal
conheceria o desenvolvimento de um nacionalismo prematuro, ao tempo em
que, noutras regiões da Europa, o conceito de nacionalidade ainda se encon-
trava num estágio embrionário. Em segundo lugar, a guerra portuguesa contra
os mouros, ao contrário do que ocorreu no resto da Península Ibérica, não seria
travada em nome do Ocidente cristão, assumindo um caráter acentuadamente
nacionalista.
58
Ainda nos momentos iniciais da formação lusitana, sob a dinastia de Borgonha,
surgiu o contraste, que perduraria por longos anos, entre o litoral e o interior. O
primeiro, onde a pesca, a navegação e o comércio conheceram grande desen-
volvimento, era marcado por grandes flutuações sociais, mobilidade populacio-
nal, lucrativas trocas e amplos contatos com mercadores estrangeiros. No inte-
rior, pelo contrário, a atividade agrícola, realizada em bases feudais, vivia em
permanente crise, responsável pelo êxodo de populações inteiras.
De modo geral; pode-se dizer que os grupos interessados na preservação da
autonomia portuguesa e no crescimento econômico habitavam a faixa litorânea.
Os senhores feudais do interior, por outro lado, colocavam-se claramente a favor
do domínio castelhano. Por todos esses fatores, coube à camada mercantil, cuja
ascensão se deveu principalmente à crescente importância dos portos portugue-
ses, o principal papel da consolidação da autonomia e na integração territorial
da nação lusitana, esta última efetivada com a progressiva expulsão dos árabes
para o Continente Africano.
A reconquista cristã do Mediterrâneo, levada a cabo pelo movimento das Cruza-
das, iniciado no século XI, causou profundas transformações no modo de vida
europeu. Com efeito, aberta essa nova rota marítima, proveitosas transações
comerciais passariam a ser realizadas com o mundo oriental. Assim, graças à
existência de prósperos mercados no Levante, o Velho Mundo, dando início a
um acelerado processo de acumulação de riquezas, acabou por superar as bar-
reiras que até aquele momento entravavam seu desenvolvimento econômico.
Inúmeras foram também as alterações sociais então provocadas. Diversas cida-
des europeias, notadamente em Flandres e na Itália, tornaram-se verdadeiros
baluartes da luta dos grupos mercantis emergentes contra as velhas estruturas
agrícolas da ordem feudal.
Pouco a pouco, a presença dos comerciantes foi transformando os modos de
produção e, em consequência, as relações sociais do Velho Continente. Esses
ambiciosos mercadores trouxeram consigo a produção livre e assalariada, a am-
pliação da economia de mercado e a proliferação dos núcleos urbanos.
59
Por longo período, a Europa conheceu notável surto de prosperidade. O cresci-
mento da força de trabalho, em razão da existência de enormes contingentes
disponíveis de mão de obra, e o aumento do mercado consumidor, em função
do incremento da produção agrícola e artesanal sob o regime de assalariamento,
provocaram a elevação dos preços das mercadorias, garantindo uma grande
margem de lucro para os comerciantes e produtores medievais. No entanto, to-
das essas enormes mudanças sofridas pela sociedade ocidental continham as
sementes das convulsões sociais e econômicas que abalariam o Continente Eu-
ropeu nas primeiras décadas do século XIV. Com efeito, o renascimento comer-
cial gerara novas formas de acumulação de riqueza, baseadas na exploração do
simples produtor e na ruína progressiva dos proprietários rurais.
Cada vez mais, os grandes mercadores e banqueiros, detentores de enormes
fortunas privadas, esmagavam os pequenos e médios artesãos e negociantes.
Logo, por toda parte, grassava a intranquilidade social. A instabilidade, motivada
pelas rápidas e profundas mudanças socioeconômicas, delineava nos campos e
nas cidades assustadoras perspectivas para a maior parte da população euro-
peia. Agravando a crise, o rei, interessado em saldar as dívidas decorrentes das
constantes guerras em que se envolvia, desvalorizava a moeda. Essa medida
encarecia os gêneros básicos e, em consequência, inúmeras famílias europeias,
com a diminuição do seu poder aquisitivo, encontraram-se subitamente em enor-
mes dificuldades.
Em contrapartida, as reivindicações dos trabalhadores urbanos e rurais, em ma-
téria salarial, não obtinham mais ressonância. A inflação desorganizava a pro-
dução e as trocas, fomentando um grande número de crises de crédito e inse-
guranças monetárias.
No início do século XIV, o “Velho Continente” foi vítima de sucessivas crises de
subsistência. Realmente, a insuficiência alimentar, gerada pela contínua escas-
sez de trigo, causou a morte de milhares de camponeses e citadinos em todos
os lugares da Europa. Por outro lado, a Guerra dos Cem Anos (1337/1453) tor-
naria a situação ainda mais crítica, fazendo-se acompanhar de peste e carência
de alimentos. A falta de cereais tornou-se uma constante na vida econômica do
século XIV, notadamente na Península Ibérica.
60
Em consequência, a Europa passou a viver um atribulado período de revoluções.
Tensões sociais e inquietações econômicas surgiam de todos os lados, gerando
insegurança. As revoltas que partiam das cidades flamengas, onde as grandes
comunas tomaram a direção do movimento político, eram movimentos seme-
lhantes na França, na Itália, na Inglaterra, em Portugal, em toda parte. As rebe-
liões populares destronaram a oligarquia burguesa dos postos de comando, sem
contudo conseguirem estabelecer uma ordem durável. A guerra, por seu lado,
tornava cada vez mais crítica a situação dos pequenos e dos pobres. A Europa
do século XIV apresentava o triste espetáculo de uma civilização em crise.
Essas revoluções democráticas atestam as profundas transformações da vida
econômica e da estrutura social do Ocidente cristão no decorrer da Baixa Idade
Média. Nessas lutas, a burguesia conjugava todas as suas forças para arrebatar
à nobreza o poder político. Para isso, aproveitava as explosões de desespero
das classes populares, permanentemente sacrificadas. À medida que mingua-
vam os rendimentos do senhor rural, comprimindo-se a aristocracia da terra en-
tre a ameaça da centralização do poder real e as novas forças econômicas emer-
gidas da reconquista cristã do Mediterrâneo, desagregava-seo prestígio da tra-
dicional sociedade campesina, para dar lugar a uma nova classe composta de
comerciantes, marinheiros e armadores, amparada pelo trono. Nessa classe via-
se, cada vez mais nitidamente, a base em que se erguia o edifício da nova Eu-
ropa. As estruturas econômico-sociais sentiam, então, a urgente necessidade de
se libertarem das tradicionais sujeições impostas pelos “consórcios” ítalo-muçul-
manos da orla mediterrânea.
Investindo contra esse monopólio conservador, o incipiente capitalismo comer-
cial do Continente Europeu poderia sobreviver e desenvolver-se. Para isso ne-
cessitava, antes de tudo, quebrar as amarras que o prendiam, desprezando os
problemas ligados ao Mediterrâneo e alargando sua expansão econômica até os
ricos mercados de ouro, dos escravos e das especiarias afro-asiáticas. Foi
quando se colocou à Europa Ocidental a questão da conquista do Atlântico des-
conhecido. Solução arriscada e dispendiosa, mas única.
61
Divisão da História Portuguesa até a Época dos Descobrimentos
• Primeiro Período: da autonomia (1139) à revolução do Mestre de Aviz
(1383)
• Segundo Período: da revolução do Mestre de Aviz (1383) aos descobri-
mentos oceânicos (1497 - viagem de Vasco da Gama à Índia).
Caracterização dos Períodos Históricos Portugueses
Primeiro período
• Autonomia e centralização monárquica
• Conquista Territorial (progressiva expulsão dos árabes)
• Aumento da importância dos portos
• Ascensão do grupo mercantil
• Primeiras técnicas de comércio
• Avultamento da importância da navegação
• Distribuição das especiarias
• Acumulação de capital comercial
Segundo período
• Marcha ascendente da expansão mercantil
• Concentração em Portugal de recursos e técnicas de comércio e navega-
ção
• Descobrimento das Ilhas Atlânticas
• Acirramento da luta entre o grupo mercantil (litoral) e a classe feudal (inte-
rior)
• Edificação da empresa das navegações
• Aumento da importância das operações financeiras (capital usuário).
Fatores do Pioneirismo Português
A crise portuguesa de 1383/1385, conhecida como Revolução de Aviz, foi o re-
flexo ibérico da tragédia econômico-social europeia do século XIV. Nos primeiros
62
séculos de sua história, Portugal tornara-se, graças à sua localização atlântica,
um dos mais movimentados pontos de passagem marítima do Ocidente. Por
esse motivo, em suas cidades litorâneas, bases do comércio luso a longa dis-
tância, um ousado grupo de mercadores rapidamente enriquecidos adquiria
crescente poder. Por sua vez, a dinastia de Borgonha tudo fizera para amparar
as aspirações da burguesia portuária lusitana, cujo raio de ação se estendia do
mar do Norte ao Mediterrâneo Ocidental. Entretanto, em 1383, com a morte do
rei D. Fernando I, o último dos Borgonha, uma grave ameaça pairou sobre a
classe mercantil.
O falecimento do monarca levou a nação portuguesa a terrível impasse. D. Fer-
nando não deixara descendentes varões, e Beatriz, única filha de seu matrimônio
com Dona Leonor Teles, estava casada com João I de Castela. Assim, conforme
acordo assinado em 02 de abril de 1383, o trono português caberia ao primeiro
filho que viesse nascer do enlace de Beatriz com D. João.
No entanto, nessa fase de espera, a viúva de D. Fernando exerceria a regência.
Somente no caso de Beatriz morrer sem filhos e de não haver outro sucessor
legítimo é que a coroa portuguesa passaria ao príncipe castelhano. Como já vi-
mos em tópico anterior, à nobreza lusa, desprovida de privilégios políticos no
reino de Portugal, interessava a União Ibérica. Entretanto, para a classe mercan-
til, ciosa da autonomia nacional, e também para as massas populares a arraia
miúda, temerosas do jogo senhorial, o domínio espanhol era intolerável.
Álvaro Pais, burguês intelectual com grande influência sobre o povo, principal-
mente nas camadas mais humildes de Lisboa, conclamou as massas à rebelião.
No seu modo de ver, o primeiro passa para a salvação de Portugal seria a elimi-
nação do conde Andeiro, amante de Dona Leonor Teles e líder dos setores his-
panófilos. Nuno Álvares Pereira, porta-voz do grupo mercantil, indicou D. João,
Mestre de Aviz, meio irmão de D. Fernando, para assumir o governo lusitano.
Logo após a morte do conde Andeiro ocorreu a sublevação popular que destituiu
Leonor Teles da regência e colocou no trono o Mestre de Aviz. A rainha fugiu
para Santarém, de onde marcou um encontro com seu genro castelhano, que
aguardava um pretexto para invadir o território português. Realmente, ansioso
63
por tomar conta da herança de sua mulher, D. João de Castela mobilizara os
seus exércitos.
A situação era crítica, pois a causa nacional e patriótica vinha sendo defendida
apenas por uns poucos nobres, apoiados na arraia miúda. Tudo lhes faltava:
dinheiro, armas, prestígio e soldados. Somente a burguesia portuária, sobretudo
de Lisboa e Porto, tinha condições materiais para a defesa da soberania lusa.
Com efeito, foi nas riquezas dos mercadores do reino que o Mestre de Aviz en-
controu o amparo financeiro. Com a adesão da classe mercantil, a revolução
perdeu seu caráter popular, transformando-se num movimento burguês. Dessa
forma, as massas populares passaram para segundo plano, revelando-se então
o interesse do grupo mercantil. A burguesia comercial e marítima, comandando
agora a insurreição, tinha um objetivo específico: dirigir os negócios do reino.
Em 1385, graças à hábil argumentação do jurista João das Regras, o Mestre de
Aviz foi aclamado rei sob a denominação de D. João I. Ainda nesse ano, a inde-
pendência portuguesa seria consolidada após as vitórias obtidas pelos exércitos
de Nuno Álvares Pereira contra os castelhanos, nas batalhas de Aljubarrota e
Valverde.
Finalmente, depois de um longo período de intranquilidade, encerrava-se a Idade
Média para o povo lusitano. A nação, agora sob a liderança burguesa, podia
traçar novos rumos, tomando consciência dos seus destinos. Portugal voltava
ao trabalho e a revolução tornava-se, aos poucos, apenas uma lembrança glori-
osa. Com os Aviz no trono, a pátria portuguesa, um Estado livre e coeso, atingira
sua maioridade política. Portugal estava agora pronto para a grande tarefa: a
conquista do Atlântico.
1.2 - Descoberta do Brasil
Em 1500 - seis anos após o Tratado de Tordesilhas, - deu-se, como decorrência
natural do processo de expansão marítima, a descoberta do Brasil. Bartolomeu
Dias dobrara o cabo das Tormentas e, por sua vez, Vasco da Gama acabara de
abrir a rota atlântica das especiarias asiáticas. As naus da carreira da Índia pas-
64
saram a reclamar a criação de postos de abastecimento não só na costa do Ín-
dico, mas também nos mares do ocidente. Impunha-se, portanto, a conquista do
Atlântico sul. Consequentemente, a descoberta do Brasil seria simples questão
de tempo.
O sucesso alcançado por Vasco da Gama e o êxito de Colombo excitariam enor-
memente os portugueses que, havia muitos anos, navegavam em águas ociden-
tais. Tudo isso contribuiu para o descobrimento de nosso país.
A lenta elaboração de um gigantesco plano ultramarino reconhecia-se a cada
passo desde a abordagem da África pelas caravelas henriquinas até a chegada
das naus cabralinas aos ancoradouros do Atlântico brasileiro.
Quando D. Manuel, o “Rei Venturoso”, apregoou a necessidade de combater no
Oriente a expansão islâmica, para glória da Fé e fortalecimento de seu capita-
lismo monárquico, não se esqueceu, previdentemente, de acentuar ao capitão
de sua segunda armada à Índia a conveniência de uma ancoragem na vastidão
marítima do ocidente, suporte e base de operações do tráfico oriental. Das ins-
truções régias paraa viagem de Cabral são conhecidos apenas fragmentos. En-
tretanto, no início do século XVI, Portugal, senhor da rota do Cabo, tinha condi-
ções de ir cada vez mais longe.
O Atlântico, um “lago” dos Aviz, era então a principal via marítima de passagem
mercantil e de disputa política e econômica. Por isso, essa nova rota reclamava
segurança.
A necessidade de organização de bases de apoio no ultramar, para a proteção
do tráfico e da soberania da realeza lusitana, precipitaria a expedição cabralina.
No verão de 1499, após o retorno de Vasco da Gama, D. Manuel achou neces-
sário enviar à Índia uma nova armada.
Por carta régia datada de 15 de fevereiro de 1500, Pedro Álvares Cabral foi no-
meado comandante supremo da expedição. É curioso observar que na Chance-
laria de D. Manuel, no Arquivo da Torre do Tombo, acha-se o registro desse
documento de nomeação, onde se lê:
“Pedro Álvares de Gouveia. Gouveia era o sobrenome de sua mãe. Pedro Álva-
res, fidalgo nascido em Belmonte no ano de 1467, descendia de Fernão Cabral.
Era o segundo filho, cabendo, como costume na época, o sobrenome do pai ao
primogênito, João Fernandes Cabral. A frota cabralina, de treze navios, levava
65
1200 homens, gente escolhida e bem armada, oito frades franciscanos, guarda-
dos por frei Henrique Coimbra, oito capelães e um vigário, todos missionários.”
No primeiro domingo da Quaresma, a 08 de março de 1500, D. Manuel, com
toda a Corte, dirigiu-se à praia do Restelo, onde já se encontrava a armada, para
juntos ouvirem a missa do grandioso mosteiro dos Jerônimos. Após a cerimônia
religiosa, seu oficiante, D. Ortiz, bispo de Ceuta, benzeu o chapéu de Cabral e a
bandeira da Ordem de Cristo, que tremulara no altar durante todo o culto.
Terminada a bênção, o sacerdote entregou os dois objetos ao rei. D. Manuel
colocou, então o chapéu benzido na cabeça do capitão-mor, passando-lhe a
bandeira de pano branco com a cruz vermelha no centro. Depois, seguiram em
procissão até o embarcadouro, onde Cabral e seus subordinados se despediram
do monarca, beijando-lhe a mão esquadra partiu no dia seguinte, em meio às
aclamações do povo que afluiu em massa para contemplar o espetáculo. Na ma-
nhã do dia 14 navegavam entre as Canárias.
No dia 22, ainda em março atravessaram o arquipélago de Cabo Verde. Na noite
seguinte, desgarrou-se da frota a embarcação de Vasco de Ataíde. Tudo foi feito
para encontrar o navio perdido.
Em vão: a nau fora engolida pelas águas. Desfalcados, velejaram para oeste,
até que no dia 21 de abril de 1500, terça-feira da Páscoa, reconheceram sinais
de terra próxima.
No dia seguinte, pela manhã, descortinaram um monte e um negrume prolon-
gado no horizonte, sinal indicativo da continuação da linha litorânea. Cabral deu
ao monte o nome de Pascoal, e à terra a denominação de ilha de Vera Cruz.
No dia 23, navegaram para terra firme, ancorando em frente a um rio, onde se-
riam travados os primeiros contatos com os indígenas. No dia seguinte, sexta-
feira, rumaram para o norte. Os navios maiores fundearam ao largo, os de menor
porte entraram num abrigo, no qual a armada inteira penetraria.
Na manhã seguinte, domingo de Pascoela, armou-se um altar, onde o frei Hen-
rique de Coimbra celebrou a primeira missa no Brasil. Foi cantada e assistida
pelos sacerdotes da expedição, pelos capitães e marinheiros.
Os indígenas, atraídos pela novidade, acompanharam o ritual, imitando os ges-
tos dos cristãos, finalmente, a 02 de maio, Cabral zarparia de Porto Seguro em
direção à Índia, com a missão de dar continuidade à rota aberta por Vasco da
Gama. O Brasil estava, assim, descoberto.
66
1.3 - Montagem Do Sistema Colonial
Período Pré-Colonial
O descobrimento do Brasil não despertou, pelo menos de imediato, grande en-
tusiasmo na metrópole portuguesa. As condições naturais adversas e a aparente
inexistência de gêneros comerciáveis desestimulavam qualquer interesse pela
nova terra. Para o mercantilismo, doutrina orientadora do expansionismo luso,
as áreas periféricas tinham um sentido estritamente comercial.
De fato, o povoamento dos territórios americanos não entrava nos planos do
conquistador europeu.
No início do século XVI, o termo colonização significava somente a instalação
de feitorias nas regiões do ultramar, encarregadas do comércio com as popula-
ções nativas.
Nessa fase, a classe comercial portuguesa não cogitava de outra coisa que não
fossem produtos extrativos. Por isso, a empresa ultramarina lusa, até aquele
momento, limita-se a procurar fontes naturais de mercadorias, transportando-as
em seguida para os mercados europeus.
O grande empreendimento expansionista mercantil, portanto, não objetivava a
princípio produzir, mas trocar. O Brasil, como já dissemos, não tinha uma produ-
ção organizada suscetível de troca: o indígena produzia única e exclusivamente
para seu consumo. Mesmo a terra não proporcionava produtos que fossem de
interesse dos mercadores metropolitanos.
Em consequência, por três décadas nosso país ocupou segundo plano no pano-
rama expansionista português. O reino tinha seus olhos voltados para o Oriente.
Inúmeras eram as diferenças fundamentais entre a América e o Levante.
O Oriente apresentava estas particularidades:
67
❖ população densa e fixa,
❖ civilização complexa e adiantada,
❖ imensa produção de excedentes,
❖ longa experiência com atividades comerciais e forma de produção semi-
feudal.
A América, contrariamente, possuía as seguintes características:
▪ população reduzida,
▪ seminômade,
▪ grupos indígenas vivendo na fase da pedra lascada,
▪ economia de subsistência,
▪ total ausência de comércio,
▪ comunidade primitiva de trabalho.
Em breve, o mercantilismo português achou algo para satisfazer, pelo menos em
parte, suas ambições: o pau-brasil, um tipo de madeira semelhante à que os
mercadores lusos traziam da índia, da qual se extraía uma substância corante
utilizada em tinturaria.
A Coroa portuguesa, após a chegada das primeiras amostras do vegetal, arren-
dou por um prazo de três anos a extração e o comércio da madeira tintorial a um
grupo de comerciantes cristãos-novos, liderados por Fernão de Noronha.
Em 1513, depois de sucessivos arrendamentos, o governo português eliminou
o sistema de concessões e adotou, para o pau-brasil, o regime de livre comércio,
mediante o pagamento de um quinto da carga ao Real Tesouro. No entanto, a
exploração do "pau-de-tinta”, realizada ao longo do litoral brasileiro, era de im-
portância secundária, pois proporcionava lucros muito inferiores àqueles gera-
dos pelo comércio oriental.
Exigindo um árduo trabalho para sua extração e embarque, o pau-brasil deter-
minaria o surgimento das primeiras relações econômicas entre o europeu e o
silvícola, as quais assumiriam a forma de escambo (troca direta). As árvores,
68
extremamente pesadas, eram derrubadas e carregadas pelos indígenas até al-
guma feitoria do litoral, onde eram trocadas por quinquilharias europeias.
O tráfico do pau-brasil, embora não fosse muito compensador para o negociante
luso, atrairia para o nosso litoral barcos de outras nações, principalmente fran-
ceses. O contrabando da madeira, então iniciado, seria desenvolvido com o
apoio direto da monarquia francesa.
Na verdade, o próprio rei da França, Francisco I, ignorando as cláusulas do Tra-
tado de Tordesilhas, proclamaria "o direito de navegar no mar de todos". Portu-
gal, vendo ameaçada a posse da terra brasileira, foi obrigado a dedicar maior
atenção a este lugar até então ignorado. Outro fator, entretanto, incentivaria os
cuidados metropolitanos.A descoberta de minerais preciosos na América espanhola levantou a possibili-
dade de existirem jazidas e minas nas áreas sob domínio português. A coloniza-
ção, isto é, o povoamento e a valorização econômica da terra recém-descoberta,
começava a despontar como a única maneira de conservar o Brasil e, mais im-
portante ainda, torná-lo rentável.
Além disso, durante as primeiras décadas do século XVI, alguns problemas co-
meçaram a reduzir os recursos dos cofres portugueses. Em primeiro lugar, o
grande volume de especiarias introduzido nos mercados europeus provocava
generalizada baixa de preços.
Ademais, o comércio de especiarias com as índias era frequentemente interrom-
pido por ataques corsários. Por outro lado, a nobreza de Portugal, em função
dos volumosos lucros gerados pela expansão ultramarina, vivia ociosa, gastando
dinheiro na compra de manufaturados ingleses e holandeses.
Agravando a situação, em 1506, os judeus que constituíam um dos mais ricos
setores sociais do Reino seriam expulsos de Portugal, fugindo para os Países
Baixos.
69
Em decorrência de todos esses fatores, cada vez maiores eram as dívidas por-
tuguesas com os banqueiros holandeses e italianos que haviam financiado o
início da aventura ultramarina. Portugal, portanto, necessitava desesperada-
mente de novas fontes de renda. Impunha-se, assim, a urgente colonização do
Brasil.
Primeiras Expedições
Apesar do relativo desinteresse inicial português, diversas expedições de explo-
ração e guarda-costas foram enviadas ao Brasil nas três primeiras décadas após
o descobrimento. Essas expedições, de caráter oficial, rivalizavam com as frotas
preparadas por comerciantes dedicados à extração do pau-brasil.
O rei D. Manuel I, o Venturoso, atendendo a uma sugestão de Pedro Álvares
Cabral, armou três navios para melhor explorar o território brasileiro. Não se
sabe, com certeza, a quem competiu o comando da pequena esquadra. Três
são os nomes apontados: Nuno Manuel, André Gonçalves e Gaspar de Lemos.
Modernamente, é mais aceita a hipótese de o comando ter sido entregue a Gas-
par de Lemos, o capitão de Cabral que, partindo da Bahia, levara a Portugal a
notícia da descoberta.
A flotilha partiu de Lisboa em março de 1501, atravessando o Atlântico "debaixo
de tempestades”, de acordo com o depoimento de um ilustre membro da tripula-
ção, Américo Vespúcio. A expedição desembarcou na região do Rio Grande do
Norte, dando então início à sua tarefa exploratória. Ao longo da costa brasileira,
avistou e batizou diversos pontos litorâneos, de acordo com o santo do dia e as
festividades religiosas marcadas no calendário.
Assim, foram conhecidos e denominados, entre outros, o cabo de São Roque, o
rio São Miguel, a baía de Todos os Santos e o porto de São Vicente. Em seguida,
a pequena expedição chegou até a entrada do rio da Prata, daí retornando para
Portugal.
70
A segunda missão exploradora mandada pelo Reino ao Brasil provocaria inúme-
ras controvérsias. Conforme a Lettera a Soderni, duvidoso documento cuja au-
toria é atribuída a Vespúcio, seis navios tomaram parte na expedição. Esta,
ainda segundo Vespúcio, partiu do Tejo em junho de 1503, atingindo dois meses
depois a ilha atualmente denominada Fernando de Noronha. Neste local, dois
navios separaram-se do resto da frota e, sob o comando do próprio Vespúcio,
chegaram a Cabo Frio (onde fundaram um entreposto fortificado). Muitos histo-
riadores, contudo, negam a veracidade das informações prestadas pelo navega-
dor italiano, afirmando que o comandante da segunda expedição foi Gonçalo
Coelho, escrivão da Real Fazenda. Segundo esses especialistas, Gonçalo teria
chegado ao Rio de Janeiro, fundando aí uma feitoria para armazenar pau-brasil.
A existência de pau-brasil, como ressaltamos, atraiu a presença de contraban-
distas franceses ao nosso litoral. Os soberanos lusos, por diversas vezes, pro-
testaram junto aos reis da França, Luís XII e Francisco I.
As reclamações, no entanto, não surtiram o desejado efeito. Por essa razão, o
trono luso resolveu enviar para as terras brasileiras esquadras defensivas ou
guarda-costas. O comandante dessas missões foi Cristóvão Jacques que, entre
1515 e 1519 e de 1526 a 1528, navegou ao longo da costa brasileira, comba-
tendo os franceses e tomando-lhes grande número de feitorias. Apesar da re-
pressão, os contrabandistas estrangeiros continuaram a frequentar o litoral do
Brasil. Portugal seria forçado a tomar medidas mais radicais: a primeira delas foi
o envio da importante expedição de Martim Afonso de Souza, que daria início à
colonização.
A missão de Martim Afonso de Souza, enviada pelo rei D. João III em 1530, re-
cebeu uma tríplice incumbência:
• explorar o litoral brasileiro, do Maranhão ao rio da Prata
• combater a presença francesa
• estabelecer núcleos de povoamento, dotados de caráter político-adminis-
trativo
71
Para atingir esses objetivos, Martim Afonso, fidalgo português, recebeu plenos
poderes, consignados em três cartas régias. Pela primeira, era nomeado capi-
tão-mor da armada e de todas as terras que descobrisse, podendo delas tomar
posse, nomear autoridades e delegar poderes. A segunda outorgava-lhe a ca-
pacidade de nomear tabeliões e oficiais de justiça. Finalmente, a terceira conferia
a Martim Afonso o direito de doar "terras de sesmarias" às pessoas que le-
vasse e às outras que no Brasil quisessem viver.
Composta de cinco navios, a frota partiu da capital portuguesa em dezembro de
1530, chegando ao litoral pernambucano em fins de janeiro seguinte. Imediata-
mente deu início à sua missão de guarda-costas, perseguindo alguns navios
franceses. Em seguida, dirigiu-se para a baía de Todos os Santos. Neste local
foi encontrado, vivendo com indígenas, o português Diogo Álvares - chamado
Caramuru pelos nativos -, que havia vinte e dois anos ali chegara, como náu-
frago ou degredado.
Posteriormente, a flotilha encaminhou-se para o sul, chegando ao Rio de Ja-
neiro, onde permaneceu três meses. Em agosto de 1531, Martim Afonso conti-
nuou a viagem, rumando para o rio da Prata. Decidiu então que era tempo de
regressar ao Brasil, deixando seu irmão Pero Lopes prosseguir no reconheci-
mento da região platina. Em Janeiro de 1532, ao abrigar-se no porto de São
Vicente, Martim Afonso daria início à tarefa propriamente colonizatória, sem dú-
vida a mais importante parte de sua missão.
Inaugurando sua ação administrativa, Martim Afonso distribuiu sesmarias a to-
dos que manifestaram desejo de permanecer no Brasil. Depois ordenou a fun-
dação de duas vilas: a primeira, São Vicente, na ilha do mesmo nome, e a se-
gunda à margem do rio Piratininga. Tomadas essas providências, Martim Afonso
montou uma modesta estrutura administrativa, buscando incentivar as primeiras
atividades sociais e religiosas desses núcleos pioneiros de povoamento. Em se-
tembro de 1532, quando ainda prosseguia em sua missão colonizatória, recebeu
uma carta de D. João III, na qual o monarca solicitava seu regresso. Em março
do ano seguinte, deixando no governo da vila de São Vicente o padre Gonçalves
Monteiro, Martim Afonso de Souza retornou à pátria.
72
1.4 - A administração colonial
OS ÓRGÃOS METROPOLITANOS DA ADMINISTRAÇÃO COLONIAL
A expansão marítimo-comercial portuguesa e a posterior necessidade de ocu-
pação e valorização das terras descobertas exigiram a instalação, tanto na Me-
trópole quanto nas colônias, de um aparato burocrático destinado a administrar
os esforços colonizatórios.
No caso específico do Brasil, a manutenção e o funcionamento do sistema colo-
nial apresentaram três estruturasadministrativas básicas.
* Em primeiro plano - Estavam os órgãos metropolitanos da administração co-
lonial, repartições encarregadas da coordenação geral do processo de coloniza-
ção dos territórios ultramarinos.
* Em segundo plano - Assim que se iniciou o povoamento de terras brasileiras,
o Reino implantou uma segunda estrutura administrativa, de âmbito local: as ca-
pitanias hereditárias, cujo objetivo era providenciar a concretização das metas
perseguidas pelo mercantilismo português.
* Em terceiro plano - Em razão do relativo fracasso dos sistemas das donatá-
rias, a Coroa portuguesa viu-se obrigada a centralizar o aparelho burocrático
colonial, criando dessa maneira uma terceira estrutura administrativa, o governo-
geral, depois substituído pela nomeação de vice-reis.
Nesta primeira lição, dedicada à administração colonial brasileira, examinaremos
as principais instituições que, da Metrópole, orientaram o processo de coloniza-
ção da América brasileira.
Os soberanos portugueses costumavam ser assessorados, também nos assun-
tos coloniais, por elementos de confiança, conhecidos pela designação de “se-
cretários de Estado”. Apesar das proporções do empreendimento, as questões
relativas à colonização ultramarina ficaram, nos primeiros tempos, sob inteira
responsabilidade desses funcionários.
73
Com efeito, foi enorme a influência na elaboração dos projetos colonialistas, de
nomes como:
❖ D. Antônio de Ataíde, secretário do rei D. João III;
❖ D. Cristóvão de Moura, assessor de Felipe II para os problemas america-
nos;
❖ Padre Antônio Vieira e Alexandre de Gusmão paralelamente à Secretaria
de Estado, atuaram, enquanto organismos consultivos, executivos e tributários,
Havia ainda outras instituições também encarregadas da supervisão do império
colonial português
Cabia à Casa das Índias, primeiro ministério das colônias de Portugal, instalar
alfândegas, capitanias de portos e repartições públicas nas zonas ultramarinas.
Além disso, eram também de sua inteira competência a nomeação de funcioná-
rios e a promulgação de regulamentos administrativos e fiscais.
O historiador Varnhagen assinala que as primeiras providências relativas ao iní-
cio da colonização do Brasil foram tomadas pela Casa da Índias. Realmente,
esta, por alvará datado de 1516, ordenava o fornecimento de machados e enxa-
das a todas as pessoas interessadas em povoar o Brasil. Revela-se, assim,
ainda nos primórdios da colonização brasileira, a vocação essencialmente agrí-
cola do desbravador português.
Em 1532, o rei D. João III criou a Mesa da Consciência, que com a incorporação
das Ordens de Nosso Senhor Jesus Cristo e São Bento de Avis, tornar-se-ia a
Mesa da Consciência e Ordens. Competiam a esse órgão as seguintes atribui-
ções:
• orientar o soberano em assuntos eclesiásticos.
• cuidar das questões referentes às heranças de súditos lusitanos que fa-
lecessem fora do Reino.
• administrar as ordens militares.
74
Cabia à Casa da Fazenda, conforme regimento que foi elaborado em 1516, o
controle da arrecadação de rendas, tributos e bens reais. Outra incumbência da
Casa da Fazenda, cujos funcionários (vedores da Fazenda) compunham a Mesa
da Fazenda, era a supervisão das feitorias, do provimento e envio de armas e
da venda e armazenagem de gêneros provenientes dos territórios do ultramar.
O rei Felipe II, durante a união ibérica, criara, em substituição aos antigos vedo-
res da Fazenda, o Conselho da Fazenda. Compunham esse organismo:
• um vedor da Fazenda (presidente do Conselho).
• quatro escrivães da Fazenda.
• quatro conselheiros (dois dos quais deviam ser formados em Direito).
O conselho dividia-se em quatro seções: “das quais a primeira tinha a seu cargo
os negócios do Reino; a segunda, os das Índias, da Mina, Guiné, Brasil, São
Tomé e Cabo Verde; a terceira, os das ordens militares e das ilhas da Madeira
e Açores; a quarta, finalmente, os da África (Marrocos)”. (Rodolfo Garcia).
O Conselho da Índia, criado pelo governo de Madri durante a união das Coroas
ibéricas, visava a estabelecer uma separação entre os órgãos administrativos
coloniais e aqueles voltados aos assuntos metropolitanos. O referido organismo,
cuja jurisdição abrangia todos os domínios lusitanos, era composto de:
• um presidente.
• dois conselheiros.
• dois eruditos.
O Conselho da Índia, apesar de sua sofisticada estrutura administrativa, organi-
zada em seções especializadas nos diversos assuntos ultramarinos, durou
pouco tempo, sendo extinto em 1614.
O Conselho Ultramarino, a mais importante instituição portuguesa de adminis-
tração colonial, foi criado pelo rei D. João IV, o Restaurador, em 1642. A direção
do Conselho foi entregue a:
• um presidente.
75
• um secretário.
• dois conselheiros.
• um letrado.
Cabiam ao Conselho Ultramarino:
• os assuntos referentes à vida financeira das colônias.
• provimento de expedições exploradoras ou militares e a fixação de suas
datas de partida.
O funcionamento do Conselho obedecia a um rigoroso planejamento. As ques-
tões judiciais eram de competência exclusiva do letrado, normalmente um espe-
cialista em leis seculares e canônicas. Aos conselheiros competia a fiscalização
dos negócios militares e dos documentos das principais autoridades coloniais
(vice-reis, governadores e capitães).
Além disso, cada um dos dias de trabalho do poderoso Conselho era reservado
à apreciação de assuntos de uma área colonial em particular. Tal medida foi
tomada em função da grande amplitude do colonialismo português.
O Brasil, por exemplo, merecia as atenções do Conselho Ultramarino somente
às quintas e sextas-feiras. As questões que deveriam ser submetidas à sanção
real passavam, obrigatoriamente, pelo Conselho Ultramarino. Muitas vezes, era
o soberano que pedia o parecer dos membros do influente organismo sobre os
negócios do ultramar. Realizava-se, então, uma consulta de serviço real.
Quando, seguindo caminho inverso, os processos eram iniciados no próprio
Conselho, seguindo daí para o monarca, ocorria a consulta de partes.
Além disso, vários soldados, capitães e funcionários dos territórios coloniais, ao
retornarem ao Reino, habilitavam-se a alguns benefícios, que eram conhecidos
nas consultas mercês. Por fim, quando a consulta era realizada pelo rei, mas
sobre alguma questão de interesse simultaneamente público e privado, dava-se
uma consulta mista ou mística.
76
As inúmeras atribuições do Conselho Ultramarino fizeram com que ele se tor-
nasse um organismo respeitado e influente, sendo sua maior fonte de renda a
tributação imposta aos contratos comerciais. Com efeito, os dízimos, as licenças
alfandegárias, as dízimas das baleias, os subsídios dos vinhos, o direito da na-
vegação fluvial e as taxas sobre os escravos eram recolhidos aos cofres do Con-
selho.
No entanto, diversas foram as acusações feitas à máquina administrativa da por-
tentosa repartição: lenta, ineficiente e corrupta. Apesar disso, o Conselho Ultra-
marino, ouvido em quase todas as questões relacionadas com o Brasil, foi um
dos principais motores do processo de colonização de nosso país.
1.5 Economia Açucareira
A Coroa e o capital mercantilista portugueses, após três décadas de quase total
desinteresse pelas terras americanas, depararam-se com a necessidade de co-
lonizar o Brasil.
Como vimos em lições anteriores, de 1500 a 1530, a presença lusitana em nosso
país limitara-se à ocupação de alguns pontos do litoral. Frustradas as primeiras
tentativas de descoberta de metais preciosos em território brasileiro, Portugaldos sistemas de ensino e no nível da escola (Medeiros,
2003).
Esta proposta está presente hoje em praticamente todos os discursos da reforma
educacional no que se refere à gestão, constituindo um "novo senso comum",
seja pelo reconhecimento da importância da educação na democratização, re-
gulação e "progresso" da sociedade, seja pela necessidade de valorizar e con-
siderar a diversidade do cenário social, ou ainda a necessidade de o Estado
sobrecarregado (Barroso, 2000) "aliviar-se" de suas responsabilidades, transfe-
rindo poderes e funções para o nível local.
7
A EDUCAÇÃO no geral durante muito tempo teve um caráter determinado pelo
tradicionalismo, e o ensino da história também, que levava o aluno a limitar o
seu conhecimento aos grandes acontecimentos das histórias políticas e aos fei-
tos heroicos. Esse tipo de ensino implica na preocupação de não criar questio-
namentos e nem debater os conteúdos estudados em sala de aula, evitando
dessa forma, um posicionamento crítico e a formulação de uma história – pro-
blema.
2 – ENSINO DA HISTÓRIA: BREVE HISTÓRICO
“O tempo é a minha matéria, o tempo presente,os homens presentes, a vida
presente”. Carlos Drumond de Andrade.
As novas configurações mundiais neoliberais da década de 1990 provocaram
mudanças históricas na educação. Organismos internacionais como a
organização mundial do comércio (OMC), Banco Mundial e Fundo Monetário
Internacional (FMI) estabelecem índices que países em desenvolvimento entre
eles o Brasil deve seguir na educação para obter empréstimos e se manter numa
economia globalizada ou interconectada.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1998 do século vinte fazem
parte de uma conjuntura macro política neoliberal transposta para o currículo e
não podem ser desconsiderados quando falamos no trabalho do professor. Um
marco da efetivação dessas mudanças nas políticas públicas para a educação
baseada nessa lógica que impôs aos educadores a tarefa de educar para a
8
lógica do mercado de trabalho mutável e para a política educacional de
resultados.
Para Bauman (2013) uma das mais consideráveis transformações no ambiente
educacional consiste na necessidade do aluno se desvencilhar da estrutura
cognitiva anterior para a aquisição de um novo conhecimento. As informações
apreendidas são descartáveis.
A racionalidade instrumental guia o processo educativo atual e os professores
estão sendo formados com essa necessidade de “aprender depressa”. O
sistema Neoliberal aplicado ao ensino introduz as avaliações externas como
garantia das condições necessárias de aprendizagem principalmente no que
tange a alfabetização e disciplinas básicas; português e matemática. O
Conteúdo Básico Comum (CBC) mineiro está dentro dessa concepção de
educação baseada no desenvolvimento de habilidades e competências.
Dentro dessa lógica capitalista empresarial há a responsabilização e premiação
dos servidores estaduais e suas respectivas escolas diante do progresso dos
alunos medidos por essas avaliações. Para assegurar as condições necessárias
de aprendizagem, bem como sua efetivação na prática docente deu-se através
de um Programa de Intervenção Pedagógica PIP com a supervisão de um
analista especifico para cada área do conhecimento e um programa de
capacitação.
O CBC é uma proposta curricular organizada em eixos temáticos que conforme
(Bitencourt, p. 121, 2008) assim como novas outras propostas para o ensino de
História propõem; “a afirmação de que a História deve contribuir para a formação
do cidadão critico, termo vago, mas indicativo da importância politica da
disciplina.” Como a formação de professores para o ensino de História no século
vinte lida com as exigências de cunho neoliberal que apresentam novas formas
de manusear o conhecimento?
Essas novas formulações para o ensino de História que percebemos tanto nos
Parâmetros Curriculares para a disciplina História como no CBC mineiro
9
possuem a pretensão de tornar a disciplina História mais significativa para os
alunos do século vinte e um. Porém, no CBC percebemos a partir de Bittencourt
(2008) há uma dificuldade em articular a relação existente entre cidadania social
e política, bem como entre cidadania e trabalho. Podemos observar tal visão na
página 17 do CBC. “O CBC de História do Ensino Fundamental tem como eixo
integrador o Tema História e Cidadania no Brasil”. Entretanto, tais propostas
mais recentes possuem uma marca utilitarista, bem como um ensino voltado
para a aprendizagem como conforme,
“As articulações entre a concepção de História acadêmica e de História
escolar, diferenças essas explicitas em várias propostas e explicitas
com mais detalhes pelo PCN, aparecem em dois outros tópicos dos
currículos. Os métodos de ensino são destacados como elementos
decorrentes de uma concepção de história associada a uma
concepção de aprendizagem,..” (Bittencourt,2008, p.117).
Há, portanto uma questão significativa entre a formação de professores para a
disciplina que se efetivou tardiamente no Brasil e as intencionalidades das
propostas que no século vinte e um pretendem tornar a História mais próxima
das novas gerações. Utilizando os significados dos relatos profissionais dos
professores de História busca-se verificar o currículo real e embora o trabalho
do professor pareça isolado.
Segundo Bittencourt (2008) a formação para professores da disciplina História
se efetivou somente na década de 1930 do século vinte. Após um período
Histórico onde a disciplina foi retirada dos currículos temos a elaboração de
novas propostas, com novos focos na década de 1980, quando a disciplina
voltou aos currículos.
De acordo com Bittencourt (2008) o professor de História ao longo de uma
trajetória histórica foi se profissionalizando e especializando-se, bem como se
fortalecendo com a organização de associações representativas da classe que
participam das discussões curriculares a cerca da permanecia e composição da
disciplina nos currículos. Entre as especificidades do trabalho dos professores
estão as curvas que produzem cotidianamente entre a estrutura curricular oficial
10
que deve seguir e suas práticas em sala de aula. Professores não são técnicos,
segundo Bittencourt (2008), mas quem torna o saber que deve ser ensinado em
saber que será aprendido.
3 – ENSINO DA HISTÓRIA NO BRASIL
Proposições do que ensinar histó-
ria na escola foram sendo molda-
das ao longo dos séculos, e podem
ser identificadas na legislação, nos
materiais e nos programas escola-
res. Uma constatação frequente,
por exemplo, desde os mais anti-
gos livros de ensino de História do
Brasil, até os elaborados ao longo dos séculos XX e XXI, é a predominância de
uma narrativa que inicia na Europa - “Saindo do Tejo - e apresenta as façanhas
heroicas de quem vinha de fora, impondo uma exploração e conquista sobre a
terra e os povos que aqui viviam. Mas, claro que existiram exceções. E a pro-
posta aqui é identificar que histórias eram essas contadas às gerações de alunos
brasileiros.
Um dos mais antigos livros didáticos O Compêndio de História do Brasil do Ge-
neral J. L. de Abreu e Lima (1943, p.1), adotado como manual para o ensino
secundário, no Colégio Pedro II, de 1850 até 1862, os conteúdos pautavam a
história da “nação”, que nas palavras do autor “apenas conta com vinte anos de
existência”, mas que retrocedia aos acontecimentos europeus de mais de quatro
séculos.
Com essa orientação, os fatos históricos do livro de Abreu e Lima iniciavam com
as grandes navegações portuguesas, com descrições episódicas,77
passou a procurar uma forma original para valorizar economicamente sua pos-
sessão americana. Somente desta maneira seria possível cobrir os gastos com
a defesa das terras recém-descobertas.
As medidas então tomadas pelo Trono luso levaram ao início da exploração agrí-
cola do solo brasileiro, acontecimento de extraordinária importância para a his-
tória das Américas. Deixando de ser o objeto de mera empresa extrativa e es-
poliativa idêntica à que, na mesma época, estava sendo levada a efeito na África
e na índia, o Novo Mundo passou a participar da economia produtora europeia,
cuja tecnologia e capitais aqui foram aplicados para que se criasse um fluxo per-
manente de bens destinados aos mercados do Velho Mundo.
A exploração econômica do território americano parecia, no início do século XVI,
um empreendimento totalmente irrealizável. Nessa época, nenhum gênero agrí-
cola conhecia ampla comercialização dentro da Europa. O principal produto da
terra - o trigo - era abundante no interior do próprio continente, o que tornava sua
importação desnecessária. Além disso, os fretes eram tão elevados - em virtude
78
dos riscos que envolviam o transporte a longa distância - que somente os pro-
dutos manufaturados e as especiarias orientais podiam comportá-los. E mais:
nenhum empresário europeu desconhecia os enormes custos de um empreen-
dimento agrícola nas longínquas terras da América.
Pressionados pela necessidade de colonização do Brasil, os portugueses foram
os pioneiros na instalação de sistemas produtores agrários em território ameri-
cano. Realmente, se seus esforços não tivessem sido coroados de êxito, a de-
fesa das terras brasileiras ter-se-ia transformado em ônus extremamente pe-
sado, e Portugal não teria perdurado como grande potência colonial no Novo
Mundo.
A colonização do Brasil, em seus momentos iniciais, consistiu, basicamente, na
montagem de um sistema produtor de açúcar. Os portugueses, nessa época, já
eram os maiores produtores mundiais dessa apreciada especiaria. Assim, apro-
veitando sua experiência açucareira nas ilhas atlânticas, Portugal implantou em
nosso país uma solução semelhante, o que, além de propiciar a solução de inú-
meros problemas técnicos relacionados com a produção de açúcar, fomentou o
desenvolvimento em Portugal de uma indústria de equipamentos para os enge-
nhos.
Contudo, a maior vantagem do empreendimento açucareiro português ocorreu
no campo comercial. Numa primeira fase, o açúcar lusitano entrou nos tradicio-
nais canais de troca, controlados pelos mercadores das cidades italianas. Nas
últimas décadas do século XV, porém, o produto sofreu sensível baixa de preço,
indicando que as redes comerciais dominadas pela burguesia da orla mediterrâ-
nea não se ampliaram na medida requerida pela expansão da produção açuca-
reira. Por outro lado, houve também nesse período uma crise de superprodução,
pois dentro dos estreitos limites mercantis estabelecidos pelos negociantes da
Península Itálica, o açúcar não podia ser absorvido senão em escala relativa-
mente limitada.
79
Mas, sem dúvida, a principal consequência da entrada da produção portuguesa
no mercado foi a ruptura do monopólio de acesso às fontes de produção, man-
tido até então pelos venezianos. Assim, desde cedo, o açúcar lusitano passou
também a ser encaminhado para Flandres, e, em 1496, quando a coroa portu-
guesa, em função da baixa do preço, decidiu restringir a produção, quase me-
tade desta já era enviada para os portos flamengos.
Apesar da experiência colhida nas ilhas atlânticas e da crescente diversificação
dos mercados receptores do açúcar português, a instalação de um sistema agrí-
cola produtivo no Brasil tornou-se um problema de difícil resolução, uma vez que
deveria ser superada uma série de obstáculos, a saber:
• a escolha de um produto adequado às condições ecológicas da América.
• a escolha de um gênero de fácil aceitação no mercado europeu.
• resolução do problema da mão de obra.
• resolução do problema do investimento inicial.
• resolução do problema do transporte.
• resolução do problema do aumento do mercado consumidor.
Podemos, pois, facilmente constatar que somente o açúcar poderia superar a
maioria desses obstáculos, uma vez que era o único produto que reunia as se-
guintes vantagens:
• era adequado à ecologia americana.
• seu consumo era tradicional na Europa.
• era capaz de atrair recursos externos para o investimento inicial.
• estava incorporado à experiência lusitana de comércio e produção.
• possibilitava, graças ao interesse europeu, o aumento da área de con-
sumo.
Estrutura da Agroindústria Açucareira
80
A contribuição do capital mercantil holandês para a expansão do mercado açu-
careiro europeu no século XVI foi o fator fundamental para o êxito do processo
de colonização do Brasil. Especializado no comércio intra-europeu, a maior parte
do qual financiava, o povo flamengo era o único que possuía recursos e uma
organização comercial suficientemente sofisticada para criar um mercado de
grandes dimensões para o açúcar brasileiro.
Até o século XVI, época em que o açúcar brasileiro apareceu nos mercados
mundiais, este gênero mantinha ainda algumas das características de especia-
ria: peso reduzido, volume pequeno, alto valor unitário e consumo diminuto.
Como já ressaltamos, a produção portuguesa nas ilhas do Atlântico permitiu a
primeira ampliação do mercado açucareiro, levando o produto a uma queda de
preço. E como, também assinalamos, os holandeses começavam a exercer pa-
pel de destaque na distribuição do açúcar lusitano.
No final do século XV, porém, a expansão do mercado atingiu seu limite máximo.
Sucederam-se então a crise de superprodução e a política de desestímulo aos
novos plantios de cana-de-açúcar, adotada pelo Trono português.
Em consequência, sem uma ampliação do consumo açucareiro em elevadas
proporções, não seria possível a instalação de uma nova área produtora no Bra-
sil, região ultramarina distante.
Assim, o aumento do consumo de açúcar, pela criação de novos mercados e
pelo alargamento dos antigos, constituiu a tarefa específica do capital comercial
holandês, durante o século XVI. E foi graças aos esforços flamengos que o açú-
car perdeu sua condição de especiaria para se tornar um gênero de consumo
corrente.
81
A rota do açúcar brasileiro
A contribuição holandesa para o bom andamento da colonização brasileira não
se limitou ao aspecto comercial. Sabemos que uma grande parte dos capitais
necessários à montagem do sistema produtor açucareiro em nosso país pro-
veio dos Países Baixos: os capitalistas holandeses participaram não só do fi-
nanciamento das instalações produtivas no Brasil, como da importação de mão
de obra escrava.
Realmente, não bastava a experiência técnica dos portugueses na produção de
açúcar, foi necessária a capacidade comercial e o poder financeiro dos holande-
ses para tornar viável o empreendimento colonizador agrícola das terras do Bra-
sil. Fundamentalmente, existia o problema da mão de obra: transportá-la da Eu-
ropa na quantidade necessária teria requerido um volume enorme de investi-
mentos que, com certeza, tornaria antieconômica toda a empresa. Como as con-
dições de trabalho aqui reinantes eram precárias, somente pagando salários
bem mais altos do que os pagos no Velho Mundo seriam possível atrair mão de
obra europeia. E, de qualquer forma isso não seria conveniente, pois, geraria um
mercado interno na colônia, o que sabotaria o processo de acumulaçãode capi-
tal das burguesias metropolitanas, contrariando os postulados mercantilistas.
Por último, havia a considerar ainda a carência de oferta de mão de obra, que
prevalecia em Portugal, em função do novo comércio com o subcontinente indi-
ano.
82
O problema da mão de obra não foi, contudo, para Portugal, de difícil solução: no
início do século XVI, os portugueses dominavam o mercado africano de escra-
vos. As operações militares para a pregação de negros, iniciadas nos tempos do
infante D. Henrique, transformaram-se num bem organizado e lucrativo escambo
(troca direta), que abasteceria inúmeras regiões europeias de mão de obra es-
crava. Mediante recursos suficientes, seria possível ampliar esse negócio e
transferir para o Brasil uma força de trabalho barata, sem a qual a nova colônia
agrícola seria economicamente inviável
Também no tocante ao transporte, Portugal encontrava-se desaparelhado para
enfrentar o gigantesco esforço da colonização do Brasil. A construção naval,
pela sua extrema especialização, era realizada na metrópole, sob o regime de
trabalho assalariado. Em consequência, o progressivo declínio do capital comer-
cial português, vitimado pela concorrência estrangeira, provocaria o colapso da
produção de navios. Com efeito, os operários e artífices navais lusitanos, muito
procurados por todos os fabricantes de embarcações, passaram a buscar no
exterior melhores oportunidades de emprego e salários mais elevados.
Em Portugal, também era clara a deficiência em material de navegação. As per-
das em combate para a conquista ou manutenção de mercados orientais e as
longas e difíceis viagens nas rotas de Levante desgastaram profundamente a
marinha lusitana. Além disso, a cada dia mais faltavam peças e outros materiais
de reposição, em consequência de evasão de capital português para outras
áreas europeias, notadamente a Holanda.
Pouco a pouco, a distribuição de açúcar no mercado europeu foi passando às
mãos de armadores holandeses. Simultaneamente, em Portugal, as frotas parti-
culares eram substituídas por mistas, compostas de navios privados e embarca-
ções oficiais. Em breve, a presença lusa no oceano limitou-se aos barcos per-
tencentes à Coroa. Completando a decadência, a marinha holandesa passou a
fazer, quase com total exclusividade, o transporte de açúcar entre as ilhas do
Atlântico e a metrópole portuguesa.
83
As rotas da América ao Velho Mundo exigiram um esforço no transporte muito
maior do que as travessias das ilhas à Europa. A presença hegemônica dos fla-
mengos na distribuição do açúcar português dos Açores e da Madeira marcou a
progressiva transferência da primazia marítima de Portugal para a Holanda.
Ainda mais grave que isso, representou também a progressiva drenagem do ca-
pital comercial luso para os Países Baixos.
A colonização agrícola do Brasil somente foi viável graças à ajuda naval holan-
desa. O problema do transporte para a colônia americana foi resolvido pela as-
sociação de navios holandeses e barcos portugueses. Isso acelerou o processo
de descapitalização de Portugal, pois a Holanda, além de distribuir o açúcar bra-
sileiro, também o transportava, participando dessa maneira do lucro dos fretes.
Cada um dos problemas referidos técnica de produção, criação e ampliação de
mercados, financiamento inicial, mão de obra e transporte pode ser resolvido no
tempo oportuno, independentemente da existência de um plano geral preesta-
belecido. O importante é que houve uma série de circunstâncias favoráveis, sem
as quais a colonização do Brasil não teria conhecido o enorme êxito que alcan-
çou. Não resta dúvida que por trás de tudo estavam o desejo e o empenho do
Trono português de conservar a parte das terras que lhe cabia na América, ao
lado da sede de lucros imediatos da burguesia mercantil lusitana. No entanto,
esses desejos e ambições só se transformariam em política atuante se encon-
trassem uma base de apoio concreta. Caso a defesa dos novos territórios hou-
vesse permanecido por muito tempo como uma carga financeira para Portugal,
o interesse pelo Brasil tenderia a declinar.
O êxito da grande empresa agrícola do século XVI constituiu, portanto, a razão
de ser da continuidade da presença dos portugueses em uma grande extensão
das terras americanas.
Em Portugal, quando se apresentou o problema da colonização do Brasil, tra-
vava-se de um grande conflito em torno da apropriação dos lucros da expansão
ultramarina. Tratava-se de saber a quem caberiam as rendas geradas pela ex-
84
ploração do Oriente. No decorrer dessa luta, verificaram-se a derrota e a pro-
gressiva e acelerada decadência da burguesia mercantil, cujo papel fora decisivo
no período da autonomia portuguesa e ainda mais na fase inicial das grandes
navegações. Sem base política, o grupo mercantil foi sendo alijado da posição
privilegiada que por muito tempo ocupara.
O antigo afluxo de capital, de elementos humanos e de tecnologia para o Reino
foi substituído por um refluxo. Os recursos que até então eram aplicados em
Portugal e que aí se estabeleceram, numa terra de largas perspectivas, come-
çaram a se transferir para outras áreas, onde as possibilidades de desenvolvi-
mento eram mais amplas.
Foi nesse cenário de declínio e exaustão que se apresentou, em Portugal, o
problema do investimento inicial para a colonização do Brasil. Quem realizaria
as primeiras inversões de capital na agreste terra americana? Não seria a ca-
mada mercantil, pois carecia de recursos para isso e não se interessava pela
aplicação. A nobreza feudal? Também não, porque os poucos fidalgos econo-
micamente realizados estavam inteiramente voltados para a exploração oriental.
Surgiu, assim, o problema da origem classista dos primeiros colonizadores do
Brasil. Hoje, sabemos que esses pioneiros na ocupação e valorização econô-
mica de nosso país eram de pequena nobreza, fidalgos com títulos pomposos,
mas bolsos vazios. Sem dúvida, o esforço inicial da conquista de terras brasilei-
ras foi levado a cabo por nobres ligados à Coroa por serviços prestados, mas
não enriquecidos nesses serviços.
O Trono português logo encontrou uma forma de recrutar colonizadores para a
área americana. A solução consistiu na distribuição de faixas territoriais, conta-
das ao longo da costa as capitanias hereditárias aos que as disputassem ou
aceitassem. Como base jurídica desse sistema, a Coroa transferiu poderes e
privilégios majestáticos aos primeiros donatários. Entretanto, a tarefa da coloni-
zação continuava cheia de obstáculos. Tratava-se, para o capitão hereditário, de
um investimento bastante oneroso, o que obrigou muitos deles a admitirem só-
cios. De fato, os donatários eram obrigados a fretar navios, recrutar auxiliares,
85
enfrentar um severo período de carência enquanto não houvesse produção es-
tabelecida e a satisfazer as exigências da Coroa. Em troca, esta transferia direi-
tos. Na realidade, para governar a distância não havia outra forma senão delegar
poderes e direitos. O importante, no entanto, é que o empreendimento das do-
natárias importava naquilo que a economia moderna define como investimento.
Duas características da implantação do sistema de donatárias merecem um es-
tudo mais detalhado. Preliminarmente, era uma empresa difícil, onerosa e não
sedutora, que exigia a mobilização de volumosos recursos. Muitas vezes, os do-
natários eram obrigados até a vender suas propriedades, ou então a recorrer a
empréstimos. Em segundo lugar, o período inicial da instalação do sistema co-
locava à prova os recursos amealhados pelos donatários. As antigas crônicas
históricas mencionavamo fracasso da maioria das capitanias, atribuindo-o às
hostilidades dos índios. Na verdade, porém, os donatários fracassavam por não
terem condições de mobilizar, no investimento inicial, recursos suficientes para
fazer face ao período de carência, próprio do empreendimento açucareiro.
Realmente, o açúcar era bem diferente do milho, que o indígena cultivava, planta
de ciclo vegetativo curto, o que permitia o nomadismo dos contingentes humanos
nativos. A cana-de-açúcar, pelo contrário, era de vegetação mais demorada, exi-
gindo trabalhos preliminares, que alongavam o prazo entre o plantio e a colheita.
Sabemos que os primeiro colonos os capitães donatários juntaram os seus per-
tences, venderam o que possuíam, lançando-se a um árduo empreendimento. A
doação principal que a Coroa fazia era a da terra, e havia terra de sobra. Real-
mente, é fácil verificar que, na época, a propriedade do solo da colônia carecia
de importância. Não havia semelhança alguma entre o papel que a terra desem-
penhou, no Brasil do século XVI, e o que ela exercia na Europa daquele tempo.
A característica básica do solo brasileiro, na fase inicial da colonização, era a
ausência de posse anterior. Fundamentalmente, a terra não funcionava como
propriedade imobiliária. Não impunha restrições ao emprego de capital ou de
trabalho, ou seja, não influenciava os preços daquilo que nela era produzido,
nem condicionava, portanto, as rendas por ela proporcionadas. Nesse período,
a terra, por si só, nada significava. Só começaria a representar alguma coisa, a
86
ter função, a partir do instante em que se tornasse objeto do trabalho humano.
Em suma, o valor imobiliário da terra brasileira iria depender da instalação de um
sistema colonial de produção.
Ciente de que só a colonização garantia a posse política das terras brasileiras,
a Coroa lusitana tentou despertar o interesse do capital privado para a árdua
empresa de conquista e valorização econômica de seu território americano. Ao
contrário das índias onde já existiam sistemas produtivos e mercados prósperos
o Brasil, cujos habitantes viviam num estágio primitivo de civilização, nada ofe-
recia às ambições imediatistas do mercantilismo português.
Para tornar rentável o processo colonizatório de suas possessões na América,
Portugal precisaria montar, preliminarmente, uma estrutura produtora de gêne-
ros agrícolas. Isto porque, em nosso país, a única forma possível de exploração
econômica viria a ser o cultivo do solo. Por isso, o Reino procurou, desde o início,
dar à colonização brasileira uma orientação adequada à necessidade de aqui
se implantar um núcleo civilizacional baseado na produção agrária. Por exemplo:
o Rei investiu Martim Afonso de Souza, em sua expedição pioneira de 1530, e,
pouco depois, os donatários, do direito de conceder sesmarias às pessoas inte-
ressadas em "fazer lavoura".
A doação de sesmarias não era uma forma genérica de transferência de terras:
estava subordinada a uma estrita regulamentação jurídica. O sesmeiro tinha
pleno direito de propriedade sobre seu lote, com algumas restrições, tais como
os estancos (monopólios reais) e as servidões públicas de águas. Além disso,
era obrigado a pagar os tributos devidos à Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo,
organismo encarregado da expansão marítimo-comercial portuguesa.
As terras concedidas em sesmarias, segundo a livre vontade de seus proprietá-
rios, podiam ser alienadas ou transmitidas a herdeiros. O dono da sesmaria, no
entanto, tinha a obrigação de aproveitá-la economicamente dentro de um prazo
determinado. Esta disposição legal fazia parte das Ordenações Manuelinas (livro
IV, página 67). A violação deste estatuto acarretava a perda da propriedade e o
pagamento de uma multa em dinheiro.
87
A coroa não doava sesmarias indiscriminadamente a todos os interessados na
posse de terras. Na realidade, só se concediam sesmarias "a quem pudesse
cultivar", isto é, aos que comprovassem possuir os recursos necessários à tarefa
de exploração econômica do solo.
Ao se examinar a legislação portuguesa que regulamentou a montagem da co-
lonização do Brasil, verifica-se que seu significado básico não repousava na am-
plitude dos poderes delegados ou transferidos aos donatários ou aos colonos.
Pode-se encontrá-lo, ao contrário, na forma estabelecida para a implantação da
propriedade privada no território da colônia, elemento gerador das primeiras di-
ferenciações classistas em nosso país:
• a Coroa só doava terras a quem tivesse recursos para cultivá-la.
• só se outorgava o privilégio de montar engenhos a quem estivesse em
condições financeiras de fazê-lo funcionar.
Percebe-se assim, no início do processo de colonização, uma clara tendência
discriminatória, que caracterizaria todo o empreendimento e determinaria o tipo
de sociedade da zona açucareira, por exemplo: a necessidade de um investi-
mento inicial impossibilitaria a participação na empresa colonizatória de cida-
dãos metropolitanos desprovidos de fortuna. A própria distribuição da terra obe-
deceu a um critério seletivo. Além disso, acentuando o caráter elitista da coloni-
zação, a montagem e a operação dos engenhos também se tornariam privilégios
reservados a poucos reinóis.
Esse conjunto de fatores contribuiu para que se formasse no Brasil uma socie-
dade aristocrática, na qual o valor do trabalho diminuiu em função da importância
social que o direito de propriedade conferia aos poucos cidadãos que o possu-
íam.
Portanto, no Brasil Colônia não se levava em conta a origem de classe dos pri-
meiros povoadores, e sim a posição de proprietários por eles ocupada: ela os
transformava em aristocratas, independentemente de sua procedência classista.
88
As limitações impostas à capacidade de operar os engenhos revelam a tendên-
cia para a concentração de poder econômico que caracterizou o processo da
colonização. Nesses momentos iniciais da história brasileira, a operação de uma
unidade produtora açucareira dependia das seguintes condições:
• localização.
• qualidade do solo.
• prazo de carência.
• força de trabalho.
• beneficiamento.
As condições de localização dos engenhos exerceram considerável influência
na montagem do sistema da exploração agrícola brasileiro. Entre duas sesma-
rias considerava-se mais valiosa aquela que estivesse próxima ou tivesse maior
facilidade de acesso ao litoral.
Frei Vicente do Salvador, no início do século XVII, dizia que os portugueses, no
Brasil, "arranhavam o litoral como caranguejos". Os colonizadores receavam
afastar-se da orla litorânea devido à extrema precariedade das técnicas de trans-
porte utilizadas na época. Estabelecer-se e operar perto do litoral, nesse sis-
tema econômico em que a produção se destinava exclusivamente aos mercados
externos, tornou-se imperativo. As terras próximas ao mar ou com fácil
acesso a ele (por rios navegáveis, por exemplo) foram objeto de apropriação pri-
vilegiada, desde os primórdios da colonização do Brasil.
A qualidade do solo determinou outro nível de desigualdade nas concessões das
sesmarias. Os canaviais nordestinos normalmente acompanharam as várzeas
férteis dos rios, nas regiões onde predominava o massapé, tipo de solo ade-
quado à lavoura açucareira.
Para implantar a agricultura e transformar a cana em açúcar, os donatários vi-
ram-se obrigados a desmatar suas propriedades e a procurar água corrente e
solo apropriado, a fim de garantir um bom rendimento nas safras.
89
O prazo de carência, que vigorava a partir do investimento inicial, eliminou mui-
tos concorrentes à empresa açucareira. Para os que conseguiamsuperar esse
período, o empreendimento evoluía para uma situação de rotina.
Nos primeiros anos, no entanto, enfrentavam obstáculos por vezes intransponí-
veis. As unidades produtoras de pequenas dimensões não tinham condições de
se manter: para tornar rentável a produção de gêneros agrícolas nessa área pe-
riférica do Brasil era indispensável uma sólida e ampla organização.
A possibilidade de se beneficiar a cana-de-açúcar acentuava a tendência discri-
minatória e elitista inerente ao sistema de colonização implantado na colônia.
Mesmo que houvesse igualdade de condições entre os sesmeiros e que todos,
superado o prazo de carência, se tornassem proprietários de canaviais em plena
produção, logo surgiria a diferença entre os que se mantinham apenas como
agricultores e aqueles que a esta condição acrescentavam a de senhores ou
donos de engenho.
Nos momentos iniciais da colonização, algumas pessoas se dedicaram apenas
à agricultura. Seu trabalho praticamente terminava com a colheita: entregavam
a cana paga em espécie aos senhores de engenho, que a transformavam em
açúcar. A igualdade que existia entre ambos no plano social não subsistia, pois,
no plano econômico.
Progressivamente os simples plantadores (que não possuíam engenho) subor-
dinaram-se aos senhores de engenho. Após lhe entregarem a safra acabaram
por lhes ceder a própria terra. Só se mantinha o sesmeiro que tivesse condições
de dominar a unidade produtora de modo completo, isto é, que possuísse os
canaviais e o engenho. Isto levou à concentração da propriedade, à aristocrati-
zação e ao desaparecimento dos plantadores independentes. Logo se definiram
as linhas mestras da estrutura de produção açucareira:
• grandes propriedades ("plantation").
• regime escravista de produção.
• modo de produção tipo colonial.
90
A economia colonial, que teve como origem jurídica o regime de concessão de
sesmarias, baseou-se na grande exploração agrária. Nos momentos iniciais do
processo colonizatório, a pequena propriedade - o minifúndio, apoiado no traba-
lho individual do pequeno agricultor - não teve condições para se desenvolver.
Inúmeros obstáculos impediram a formação, em nosso país, de uma comuni-
dade de pequenos proprietários.
• o trabalho livre de pequenos agricultores autônomos, cultivando suas pró-
prias terras, não possibilitava o desbravamento de um território virgem e
de penetração extremamente difícil.
• a existência de minifúndios entrava em contradição com o caráter mercan-
tilista da empresa colonizatória (o propósito real do esforço de colonização
era a montagem de zonas produtoras de gêneros primários para os mer-
cados externos. A pequena propriedade, em função de seus recursos li-
mitados, acarretaria, inevitavelmente, uma produção orientada para a sub-
sistência dos próprios lavradores. Isto significaria a negação radical da fi-
nalidade do antigo sistema colonial: a acumulação de capital das econo-
mias centrais e metropolitanas).
• os pequenos proprietários não dispunham de recursos suficientes (a insta-
lação de um engenho de açúcar equipamento técnico indispensável ao su-
cesso da colonização exigia um volume de capital inacessível ao pequeno
lavrador).
• não havia mercados para o pequeno produtor (o simples lavrador não atin-
gia o mercado externo, ao qual se destinava a produção açucareira; o mer-
cado interno no Brasil Colônia quase não existia, principalmente porque
o latifúndio , a grande unidade econômica dos tempos coloniais, produzia
o necessário para seu consumo interno, pouco dependendo de forneci-
mentos exteriores).
• as tribos indígenas eram hostis (o latifúndio dispunha de recursos para for-
mar um forte contingente de homens armados que o defendessem contra
os ataques dos selvagens; a pequena propriedade, ao contrário, era presa
fácil para os índios).
• o latifúndio sufocou o pequeno lavrador (a pequena propriedade pratica-
mente sucumbiu à guerra sem quartel levada a efeito contra os pequenos
91
produtores pelos latifundiários. Quando não atacados diretamente, os mini
fundiários eram vítimas de uma legislação opressora e discriminatória, to-
talmente favorável à "plantation". Diversos entraves legais impediam os la-
vradores independentes de se voltarem para tipos de produção ao alcance
de seus diminutos recursos, por exemplo: a fabricação de aguardente exi-
gia, apenas, molinetes ou engenhos de baixo custo. Como tal produção
desfalcasse os grandes engenhos da cana de que necessitavam, as auto-
ridades metropolitanas e coloniais impediram e até proibiram a fabricação
de "pinga”).
Aos poucos, o latifúndio eliminou a pequena propriedade e tornou-se a base da
colonização do Brasil. A "plantation" foi o único núcleo real da vida econômica
da colônia. Praticamente inexistiu, pelo menos no primeiro século da ocupação
e valorização do Brasil, qualquer tipo de produção urbana. A indústria e o comér-
cio, atividades características das economias citadinas, dependiam da explora-
ção do solo. Modestos mascates ambulantes, que percorriam os latifúndios em
busca de pouquíssimos, fregueses, efetuaram as transações comerciais.
A estrutura básica da plantation açucareira
92
As olarias, carpintarias, serrarias e outras produções do tipo industrial concen-
travam-se, em escala reduzida, nas próprias áreas das grandes fazendas. Os
centros urbanos do Brasil Colônia, meros prolongamentos da vida rural, eram
pequenas vilas. Seus habitantes, quase sempre, eram gente do campo que ne-
las fixava residência temporária.
Ao empresar a instalação de uma zona produtora no Brasil, o mercantilismo co-
nheceu uma nova fase de seu desenvolvimento. Nesse instante, o capital co-
mercial assumiu uma dupla função: tornou-se produtor, conservando, entretanto,
seu caráter original de controlador da circulação de mercadorias e capitais.
O sentido mercantilista do empreendimento colonizatório definiria os aspectos
essenciais do esquema produtor implantado na colônia. Na verdade, pode-se
caracterizar a "plantation" como o modo de produção típico de áreas periféricas
submetidas às normas do antigo sistema colonial.
SEGUEM OS DEMAIS TEMAS DO PROGRAMA DE HIS-
TÓRIA DO BRASIL:
1.6 Ocupação e Expansão Territoriais
1.7 O grande ciclo do ouro e dos diamantes
1.8 A crise do sistema colonial no Brasil
1.9 Movimentos nativistas
1.1 0 Brasil Joanino
1.11 Processo de Independência do Brasil
1.12 O primeiro reinado do Brasil
1.13 O período regencial
1.14 O segundo reinado do Brasil
1.15 A luta pela abolição da escravidão
1.16 O Golpe Republicano
1.17 O período da República da Espada
1.18 Governo de Floriano Peixoto
1.19 Governo de Prudente de Morais
1.20 Governo de Campos Salles
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/ocupacao_e_expansao_territoriais
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_grande_ciclo_do_ouro_e_dos_diamantes
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/a_crise_do_sistema_colonial_no_brasil
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/movimentos_nativistas
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/brasil_joanino
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/processo_de_independencia_do_brasil
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_primeiro_reinado_do_brasil
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_periodo_regencial
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_segundo_reinado_do_brasilhttps://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/a_luta_pela_abolicao_da_escravidao
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_golpe_republicano
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_periodo_da_republica_da_espada
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/governo_de_floriano_peixoto
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/governo_de_prudente_de_morais
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/governo_de_campos_salles
93
1.21 Governo de Rodrigues Alves
1.22 Governo de Afonso Pena / Governo de Nilo Peçanha
1.23 Governo de Hermes da Fonseca
1.24 Governo de Wenceslau Brás
1.25 O Governo de Epitácio Pessoa
1.26 O Governo de Artur Bernardes
1.27 O Governo de Washington Luiz
1.28 Características da República Velha
1.29 Revolução de 30
1.30 Era Vargas
1.31 Estado Novo
1.32 O Governo de Gaspar Dutra
1.34 O Governo de Jânio Quadros e de Jango
1.35 Regime Militar
1.36 O governo Médici
1.37 O governo Geisel
1.38 O Colapso do Regime Militar
1.39 O Governo de José Sarney e de Fernando Collor de Mello
1.40 O Governo Itamar Franco e de FHC
1.41 O Governo Lula
1.42 Dilma Rousseff
1.43 O Impeachment da presidente Dilma Rousseff
1.44 A Operação Lava Jato
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/governo_de_rodrigues_alves
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/governo_de_afonso_pena_governo_de_nilo_pecanha
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/governo_de_hermes_da_fonseca
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/governo_de_wenceslau_bras
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_governo_de_epitacio_pessoa
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_governo_de_artur_bernardes
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_governo_de_washington_luiz
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/caracteristicas_da_republica_velha
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https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_governo_de_janio_quadros_e_de_jango
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https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_governo_medici
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_governo_geisel
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_colapso_do_regime_militar
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_governo_de_jose_sarney_e_de_fernando_collor_de_mello
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_governo_itamar_franco_e_de_fhc
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/o_governo_lula
https://www.educabras.com/ensino_medio/materia/historia/historia_do_brasil/aulas/dilma_rousseff
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Recebido: 15 de Maio de 2018; Aceito: 18 de Junho de 2018
98
99
100
101detalhes dos
principais eventos políticos, ações desencadeadas pelos governantes e nave-
gantes, enfatizando o vínculo do acontecimento com a monarquia lusa e as ben-
ções da igreja católica. Esse “nascimento” da nação era associado ao território,
11
descrito em sua extensão e riquezas naturais: floretas, rios, portos, cabos, ser-
ras, animais, vegetais e minerais. E só adiante, os povos daqui eram apresenta-
dos como sujeitos coadjuvantes dos acontecimentos, caracterizados física e cul-
turalmente, com descrições gerais de seus costumes, divididos em tupis e ta-
puias. Mas quando ao longo do livro focava os contextos das ações administra-
tivas do domínio luso no território, o autor posiciona-se mais criticamente: os
indígenas assumiam outro papel, o de resistência à ocupação.
Os senhores portugueses, que ambicionavam estes meios de grandeza e de
fortuna, não viram ao princípio em seus vastos domínios senão terras, de que
uma cultura pouco dispendiosa provava fertilidade, e nações estúpidas, que po-
deriam subjugar sem perigos, e sujeitar sem esforços.
Eles se enganavam no que respeita a este último ponto: a resistência contumaz
da maior parte as tribos selvagens, os combates sanguinolentos que foi preciso
sustentar contra eles, seu ódio implacável, sua vingança feroz, destruíram por
muitas vezes as mais belas esperanças.
Os esforços de colonização eram detalhadamente descritos, região por região,
capitania por capitania, e os personagens portugueses eram nomeados. Em al-
gumas passagens, o autor expunha negativamente as ações dos indígenas e
também dos administradores lusos. No segundo caso, por exemplo, denunciou
as perseguições feitas no século XVII, no Grão-Pará e Maranhão, pelo militar
Bento Maciel Parente.
[...] o Grão Pará estava mais exposto às crueldades de Maciel do que
aos desígnios hostis dos Holandeses. Este chefe indômito e feroz não
se cansava de fazer aos Índios guerra de extermínio: perseguia com
igual barbaridade aos aliados como os inimigos, os Índios pacíficos
como os revoltosos.
Debaixo do pretexto de novo projeto de sublevação, prendeu vinte e quatro che-
fes Tupinambás, e no mesmo dia e hora mandou-os cortar em pedaços pelo
Tapuyas, seus implacáveis adversários, servindo-se assim do ódio, que entre si
nutriam os Brasileiros, para subjugar e destruir.
12
Diante das guerras da colonização, Abreu e Lima não subestimou os indígenas,
nem os africanos. Sobre a história de Palmares, escreveu:
Inimigos, quase tão formidáveis como os selvagens Janduís, se tinham estabe-
lecido desde 1630 no interior da província de Pernambuco. Eram negros escra-
vos d’esta província, e de outras vizinhas, que aproveitando o ensejo favorável
da guerra com os Holandeses, resolveram recobrar a sua liberdade e indepen-
dência no meio dos bosques. Quarenta foram os primeiros, que se refugiaram
armados em um grande bosque de palmeiras, donde lhes viu o nome de Palma-
res, ou Republica dos Palmares. A estes primeiros desertores reuniram-se ou-
tros muitos, de sorte que em poucos anos o seu número chegou a trinta mil. Em
suas excursões causavam estes negros grandes estragos, levando a devasta-
ção e a morte a todos os estabelecimentos dos colonos, a que podiam alcançar.
Tais foram a origem e progressos desta horda negra, que, tornando-se pode-
rosa, pode resistir aos Holandeses vitoriosos, e aos Portugueses por mais de
meio século, até que, livre inteiramente o Brasil, os poderiam atacar com forças
respeitáveis.
Era uma história de guerras. Com ênfase em uma história heroica, às guerras
indígenas seguiram-se as guerras contra os franceses, depois holandeses, a luta
dos escravos por liberdade em Palmares, o domínio espanhol, a descoberta de
ouro e diamantes, a “revolução” em Minas, a chegada da família real ao Brasil,
a Guerra da Cisplatina, a revolução Pernambucana, a Revolução do Porto, o
governo de D. Pedro I, as Regências e a coroação de D. Pedro II. A História do
Brasil ficava assim dividida em oito períodos históricos, estruturada basicamente
pelas guerras e mudanças políticas e administrativas da nação.
As particularidades dos episódios, a identificação dos feitos e seus autores, as
especificações em notas de rodapé tinham aparentemente como finalidade reu-
nir os dados e contar a história da nação, sem preocupação mais evidente com
uma leitura mais didática dirigida aos jovens estudantes. Todavia, o título com a
designação de “compêndio” já anunciava seu vínculo com o ensino; no seu pre-
fácio, o autor noticiava que a obra era para “uso da mocidade brasileira”; e ainda,
13
talvez como recurso didático, estavam presentes ilustrações - retratos de perso-
nagens históricos. Segundo o autor, não havia a intenção de escrever uma obra
inédita, e declarava:
[...] portanto a minha obra não é uma composição inteiramente original,
mas uma compilação de vários autores, que julguei mais habilitados,
pondo todo o meu esmero em reunir de todos eles o maior número de
fatos, que me foi possível, organizando-os depois em série por meio
de uma muita exata dedução cronológica.
Como analisa Arlete Gasparello, o livro de Abreu e Lima, apesar de orientado
para estudos escolares, foi uma das primeiras obras de síntese da História do
Brasil. E, como tal, foi apresentada ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB). Contudo, foi rejeitada pelo parecer redigido por Francisco Adolfo Var-
nhagen. Segundo a autora, como “militar, patriota altivo e orgulhoso de seus fei-
tos, testemunha e ativo participante nas lutas partidárias da regência, [Abreu e
Lima] não usou meias palavras na apreciação de atitudes e posições assumidas
por pessoas ligadas ao poder e ainda vivas, além de avaliar negativamente os
colonos paulistas”. E, assim, “não se ajustava ao projeto da nação que precisava
ser construído”.
A versão histórica do livro de Abreu e Lima, mesmo rejeitada pelo IHGB, foi di-
fundida no material didático adotado no Colégio Pedro II durante alguns anos, e
foi referência para outros autores posteriores que também escreveram manuais.
Assim, sua versão da história brasileira influenciou, de algum modo, a imagina-
ção de algumas gerações.
A versão oficial do IHGB da história para ser ensinada nas escolas foi elaborada
por outro autor de livro didático, do século XIX, que foi professor do Colégio Pe-
dro II, e que escreveu Lições de História do Brasil - Compêndio para os alunos
do 4º ano, após doze anos de experiência como docente na instituição. Essa
obra tinha como fonte histórica básica o livro História Geral do Brasil de Fran-
cisco Varnhagen. Mais tarde, em 1863, ela teve continuidade, agora destinada
ao 7º ano, com os capítulos seguintes da história do Brasil, chegando à coroação
de D. Pedro I; e quadros cronológicos pontuando datas e eventos de 1823 até
1898. Esse livro foi aprovado para uso da instrução primária e teve onze edições.
14
No livro Lições de História do Brasil, na edição de 1861, Macedo iniciava com
um capítulo sobre as navegações, que tinha dezesseis páginas. Nele narrava
uma história com detalhe das conquistas, com glorificação dos reis e dos nave-
gadores do século XV, “infante mais vivo e impetuoso… grandiosos projetos….
bela memoria se prendem a todos os brilhantes feitos dos navegantes portugue-
ses… inteligência esclarecida e da animação calorosa… realização de outra ver-
dadeiramente admiráveis e estrondosas… herança gloriosa…”. Em uma edição
posterior, de 1898, o mesmo texto passou a ser mais sintético - com quatro pá-
ginas, sem grandes detalhamentos, mas com mais exaltação das realizações
portuguesas: “maravilhou o mundo… admiráveis descobertas… grandeza dos
feitos…dotado de inteligência e vontade… hábeis pilotos… poder de sua von-
tade… inspiração de seu gênio… empenho patriótico… cheio de esperança… o
século décimo sexto ia começar com um esplendor inesperado e ainda mais
precioso e magnifico…”. Assim, era ensinada na escola, por meio de seu livro, a
exaltação dos colonizadores, entendidos como aqueles que foram construtores
e fundadores da nação.
Nos capítulos seguintes do mesmo livro, o texto de Macedo valorizava as ceri-
mônias com estandarte de partida da expedição de Cabral, a data especial do
avistamento da terra na época da Páscoa, a missa em terra no domingo seguinte
(Pascoela) e a missa oficial com “cruz feita de um grande madeiro foi levantada
no continente com as armas d’el-rei de Portugal”, sendo assistida por “muitos
selvagens que procuraram imitar os Portugueses em todos os sinais de externo
culto”. Macedo valorizava o vínculo da presença lusa à Igreja Católica - “Pedro
Alvares Cabral acabava, pois, de plantar a cruz sagrada, divino sinal do Cristia-
nismo, e de assentar o padrão das armas portuguesas na terra que ele chamou
de Vera Cruz”. Essa sequência de acontecimentos, como marcos do início da
história do Brasil, passou a ser também recorrente nos manuais posteriores do
século XIX e XX.
Depois das aventuras dos navegantes, Macedo reforçava a posse sobre a terra
e exaltava suas riquezas naturais “aspecto majestoso e imponente de suas flo-
restas e de suas montanhas, e pelos rios caudais” … “No seu solo correm
os maiores rios do mundo, levantam-se altas e admiráveis serras, dilatam-se
15
extensos e fertilíssimos vales, e campos desmedidos e fecundos”. Mas, contra-
punha a exuberância da natureza à desvalorização da população indígena.
No meio, porém de toda esta brilhante e opulenta natureza, de toda estas pro-
porções gigantescas, que tanto excitarão a ambição europeia, cumpre reconhe-
cer que aos olhos dos descobridores e conquistadores do Brasil o que apresen-
tou menos digno de admiração, mais pequeno, mais mesquinho foi o homem
que habitava, e assenhoreava esta vasta região.
No texto de Macedo, os povos indígenas não conquistavam a posição de sujeitos
históricos. Eram constantemente denominados como “selvagens”, e descritos
como fazendo uso de objetos rudes e atrasados. E descrito com distanciamento
e estranhamento, caracterizados genericamente em alguns aspectos físicos e
culturais.
Todos estes usos e costumes denunciam um povo na sua infância, homens ru-
des e selvagens, alheios à civilização; mas de nenhum modo apenas um Grão
acima do bruto, e incapazes de alguns nobres e generosos sentimentos.
Depois de longa exposição depreciativa da população indígena, sem explicitar
que tinham direito originário ao território e sem detalhar como legitimas as resis-
tências que fizeram à colonização, os capítulos tratavam da construção patriótica
do que seria no futuro o Brasil: capitães donatários, seus direitos e suas ações
administrativas; o primeiro governo geral e “seus esforços para extirpar a des-
moralização que maculava todas a capitanias”; o esforço dos padres jesuítas; o
segundo governo geral; a invasão dos franceses; o terceiro governador geral e
a derrota sobre os franceses e os “selvagens”; e o domínio espanhol.
Como continuidade dos capítulos nas edições posteriores das Lições de História
do Brasil, como a de 1898, Macedo retomava a colonização do século XVI, a
partir de 1581, com o domínio espanhol, combate aos indígenas “Mas a desunião
do gentio veio logo entregar outra vez e para sempre a palma da vitória à civili-
zação”, e o confronto com os franceses, ingleses e holandeses. A principal pre-
ocupação do texto era enfatizar as ações colonizadoras empreendidas pelos go-
vernadores-gerais e demais administradores portugueses.
16
Quanto à presença africana no Brasil, o autor destacou o herói negro Henrique
Dias no contexto da guerra contra os holandeses, e dedicou um capítulo ao qui-
lombo dos Palmares. E ao longo da subsequente história brasileira, até a coroa-
ção de D. Pedro I, a população africana foi mencionada apenas na Revolta de
Beckman no Maranhão. E, no índice cronológico, fez destaque para o negro
Cosme, líder da Balaiada; e para a legislação referente ao processo de fim da
escravidão.
Como é possível constatar em outros manuais didáticos posteriores, a versão da
história brasileira de Macedo, de citar apenas pontualmente a presença dos afri-
canos e afro-brasileiros em contextos heroicos e de revoltas, foi recorrente, ao
menos até a década de 1940.
Ainda no século XIX, foi publicada a obra Lições da História do Brasil adaptadas
à leitura das escolas, de que foi professor no Rio de Janeiro e membro do IHGB.
Diferente das obras anteriormente descritas aqui, a lição número um tinha como
título “O Brasil antes do descobrimento”. Assim, a história começava com as po-
pulações que habitavam o território entre o Rio Amazonas e a bacia do Prata,
denominadas como “gentios guerreiros”, a “grande raça dos indígenas” e a
“grande raça dos Tupis”. Fazia exceção para os Aimorés, considerados descen-
dentes dos “Tapuias”, designados como bárbaros, que comiam carne humana,
selvagens, irracionais, que não sabiam construir cabanas ou tabas.
A grande raça dos indígenas que dominava o país na época da conquista, com-
preendia várias tribos distintas com nomes particulares, que formavam como ou-
tras tantas nações separadas, falando em geral uma linguagem mais ou menos
semelhante. Encontravam-se na maior parte delas quase os mesmos usos e
costumes, manifestando todas uma propensão para a vida errante e o desejo de
perfeita independência; pelo que não só se achavam sempre dispostos a repelir
as invasões dos vizinhos, como a opor resistência à conquista dos descobridores
europeus. Dava um tratamento mais respeitoso à denominação dos povos e à
descrição dos seus costumes.
No estado de pura natureza não tinham ideia de um Deus criador; mas os seus
Pagés lhes ensinavam a existência de um princípio bom e outro malfazejo. Deus
17
ou Tupã se lhes manifestava pelo estrondo do trovão, e tinham medo do
Anhanga ou Jurupari, que assim denominava o o espirito maligno, ou diabo.
Ao longo do livro, Antônio Coruja assinalava os embates entre portugueses e
indígenas, mas em alguns contextos posicionava-se contra as crueldades dos
colonizadores e a escravização. E, em diferentes passagens, pontuava as legis-
lações que estabeleciam ou aboliam o estado de escravidão imposto pelos go-
vernantes, indo além do que os autores citados anteriormente descreviam. Sua
versão da história pode, assim, também ter contribuído para disseminar, entre
seus alunos e leitores, outras interpretações aos embates estabelecidos no pe-
ríodo da colonização.
Não podendo, porém, sujeitar o chefe Jurupari, teve que abandonar a sua em-
presa retirando-se para Jaguaribe, onde cativando e vendendo os índios prisio-
neiros, e usando de barbaridades com os próprios que o ajudarão, foi por eles
abandonado. Iguais perfídias foram exercidas contra os Pitaguares mandados
de Pernambuco a defender a capitania da Bahia, ameaçada então pelos Aimo-
rés.
Estes e outros atos de desumanidade praticados pelos colonos do Brasil para
com os indígenas, e que em parte já tinham sido prevenidos por leis protetoras
não só d’El-Rei D. Sebastião em 1570, como de Filippe I em 1587 e 1595 de
novo obrigarão a Corte de Espanha a revogar as leis tendentes à escravidão dos
índios, promulgando outras a favor de sua liberdade. Mas estas leis enfraqueci-
das pela distância e pela odiosidade do poder donde emanavam, eram quase
sempre neutralizadas em sua execução.
Os livros do final do século XIX e início do XX, no tratamento dado aos indígenas,eram semelhantes ao apresentarem o capítulo sobre populações da terra depois
dos capítulos da chegada dos europeus e seus procedimentos iniciais de admi-
nistração colonial. Mas, variavam no modo de caracterizar quem eram esses
habitantes. Alguns recorriam aos estudos de Karl Friedrich Von Martius, classifi-
cando-os pela língua falada e descrevendo alguns de seus costumes. Outros
recorriam à classificação adotada por Carlos Von Steiner, e outros ainda aos
18
documentos de viajantes, apresentando a diversidade de povos e muitos deta-
lhes de seus hábitos. Outros ainda descreviam costumes gerais para todos os
povos, como sendo eles pertencentes a um único grupo étnico. E a maioria per-
maneceu qualificando-os como selvagens e inferiores aos europeus.
No final do século XIX, contudo, começaram a aparecer novas versões. Passou
a predominar nos manuais didáticos uma história narrada a partir dos processos
civilizatórios, que influenciavam as interpretações dadas à história brasileira. Na
perspectiva dessa história da civilização, os povos eram classificados por seus
domínios técnicos, que lhes conferiam um lugar na escalada evolutiva. Nesse
panorama, permaneciam valores atribuídos aos indígenas como “selvagens” e
sua caracterização pela perspectiva da “raça”. José de Sá Benevides, no seu
livro Resumo de História do Brasil, de 1911, explicava aos seus alunos leitores:
Relativamente ao período de civilização em que se achavam, na época da che-
gada dos portugueses, pode-se afirmar que era o da pedra polida, pois [os indí-
genas] faziam uso do fogo, e conheciam a arte cerâmica. Entretanto, ignoravam
completamente os processos de fusão das metades. As armas, os instrumentos
e utensílios de que se serviam, são todos outros tantos testemunhos em favor
do período da pedra polida.
No livro História do Brasil (Edição das escolas primárias), de João Ribeiro, da-
tado de 1917, o terceiro capítulo recebia o título “Índios selvagens”, e o autor
descrevia-os como tendo “ínfima civilização”.
A terra então descoberta era habitada por uma gente dá mais ínfima civilização;
vivia da caça e pesca, não conhecia outras armas de indústria ou de guerra se-
não o arco e a clava e andava em completa nudez. Entregues á natureza, não
conheciam Deus nem lei, pois não era conhece-los possuir o terror da supersti-
ção e o dos mais fortes.
João Ribeiro, todavia, analisando o contato entre portugueses e indígenas, atri-
buía responsabilidades aos dois povos pelos conflitos desencadeados no pro-
cesso de colonização. Escreveu:
19
Portugueses e índios praticavam-se mutuamente crueldades, porque não se en-
tendiam e nem se podiam entender, atentos os diferentes grãos de civilização.
O índio tinha o sentimento da propriedade coletiva (da tribo), mas não o tinha da
« propriedade privada»; os índios não julgavam fazer mal roubando; e assim
muitos crimes que o eram para os cristãos, para eles nada significavam. Por
outra parte, qualquer ultrage feito a um índio por um só português, d’ele eram
considerados responsáveis todos os portugueses onde os encontravam, o que
fazia parecer má fé, traição ou ferocidade gratuita da parte dos selvagens. Os
civilizados, entretanto, ainda hoje, na guerra, responsabilizam povos inteiros pe-
los erros ou crimes de poucos.
Os primeiros manuais de história do Brasil eram extensos. Mas, no início de sé-
culo XX, grande parte deles foi sendo reduzida. Em 1910, José de Sá Benevides,
professor da Escola Normal de São Paulo, publicou um livro que resumia os
acontecimentos, mas se estendia em questões controversas: Franceses ou es-
panhóis foram os verdadeiros descobridores do Brasil? A descoberta do Brasil
foi obra do mero acaso? Quando, como e de onde vieram tais habitantes da
América? Se não fosse o catolicismo o Brasil seria o grande bloco de continente?
Se não fosse o catolicismo teria sido possível fundir uma nacionalidade homo-
gênea - o índio, o português e o africano? Dúvidas de que a raça branca, e os
seus cruzamentos, adquiriram nessas atrozes correrias, nesses costumes de ra-
pina humana, instintos que fariam do brasileiro o igual do caçador de escravos
sudanês?
Diante das incertezas, Benevides optou por se basear nos estudos de Martius,
que poderiam ser temporariamente aceitos, para apresentar a população indí-
gena, como classificada em oito línguas ou povos: “Tupy, os Gês ou Krans, os
Goytacazes, os Crens ou Guerens, os Grucks ou Côcos, os Parexis ou Parecis,
os Guaicurus ou Lengoas e os Aruaques”. E integrada história indígena estava
a história dos jesuítas. Sua presença no Brasil permaneceu ao longo dos dois
séculos valorizada nos manuais didáticos. Benevides, como outros autores, de-
fendia os jesuítas como tendo sido fundamentais para consolidar principalmente
a moral entre a população do Brasil e civiliza-la. Escreveu em seu livro:
20
Mas, com a expulsão dos Jesuítas, a civilização recuou centenas de léguas dos
centros do Brasil. As povoações do Paraná e do Rio Grande caíram em ruinas;
os índios volveram a vida selvagem; as aldeias do Amazonas despovoaram-se,
e, até hoje, reinam a solidão e o deserto, onde havia já a sociabilidade humana.
(ibidem, p.95)
João Ribeiro também avaliava a ação jesuítica em seu manual como de valiosa
importância, reforçando no imaginário histórico brasileiro a aliança entre o Es-
tado e a Igreja Católica, mesmo depois da consolidação da República laica no
Brasil.
A ação dos padres jesuítas, que logo no primeiro século diligenciaram civilizar
os índios, não os tornou mais cristãos do que o podiam ser; mas conservou-os
agremiados, sem exigir maior trabalho que o que podiam dar e sobre tudo cm
muitos casos poupou-lhes a degradação, os horrores da crueldade, das doenças
e da morte ao contacto dos conquistadores, a cujo cativeiro preferiam muitas
vezes o suicídio.
João Ribeiro, em sua obra História do Brasil para o Ensino Superior, na quinta
edição de 1914, tratou de modo diferenciado a questão da escravidão indígena
e africana. Em seu texto claro e direto, sem se perder na enumeração de acon-
tecimentos, tratou da questão indígena em um item denominado “escravidão ver-
melha”, denunciando e se posicionando diante das situações de violência do
conquistador português, que criava artifícios para burlar a legislação e lucrar com
a escravidão. Avaliando os confrontos entre índios e colonos, ele acreditava, po-
rém, na boa vontade dos jesuítas, que conquistaram a função de aldear, tutelar,
cristianizar e alocar os índios como mão de obra. Lamentou, assim, em seu texto,
a decisão de Pombal de expulsá-los do Brasil em 1759.
Em relação à escravidão africana, João Ribeiro foi uma exceção. Abordou essa
questão especificamente, enquanto autores de sua época apenas citavam raros
episódios da presença negra no Brasil. E diante da escravidão e do tráfico con-
denou o “infame comércio”. E com detalhes descreveu as conquistas, os entre-
postos portugueses na África e as nações a quem pertenciam aqueles que eram
escravizados e embarcados. E concluía:
21
Tais eram as fontes da escravatura. Mas o que excede ao poder de qualquer
imaginação é a narrativa hedionda d’esse comércio, os crimes e as atrocidades
que nele se cometiam […]
São os Tumbeiros que de presidio a presidio levam o bando de escravos, que
por sordidez vão nus, e marcados a ferro em brasa com o carimbo, para o caso
de fuga; ajouja-os pelo pescoço com a pesada cadeia, o libambo, em caso de
rebeldia. Muitos dos miseráveis, famélicos e cansados, sucumbem na dolorosa
marcha e principalmente porque a alegação da moléstia para o tumbeiro é sem-
pre sinal de manhã ou mentira.
Afinal, são embarcados.A coroa portuguesa cobra por cada cabeça a sisa de
desaseis cruzados e meio. No navio amontoam-se quatrocentos, quinhentos no
porão. De dia sobem á coberta para o banho e para dançar, de cada vez uma
porção de negros, e logo depois descem ao porão escuro, onde são guardados
e vigiados. […]
Chegam afinal ao Brasil, em cujos portos descem e acampam no oitão dos tra-
piches, de tangas, seminus ou esfarrapados e alguns agonizantes. Se não em
viagem, às vezes ali o mal de Loanda, o sarampo ou as bexigas os devastam.
Ali são vendidos segundo a figura e a compleição, para os engenhos ou para a
cidade.
Os vínculos do Brasil com a África por meio da escravidão e as condições im-
postas aos africanos e seus descendentes nesse contexto precisaram esperar
longas décadas para serem em parte retomados por outros atores de manuais
didáticos, principalmente aqueles que foram sendo publicados com fundamen-
tação marxista a partir da década de 1980.
Na década de 1940, os estudos dos povos indígenas no Brasil passaram nova-
mente por mudanças na abordagem. Em vez de serem inseridos em um capítulo
após os estudos das navegações e conquista das terras pelos portugueses, pas-
saram a fazer parte de um capítulo sobre a “formação étnica”, que incluía a apre-
sentação dos brancos, dos indígenas e dos negros. Nessa abordagem, estava
22
proposto no programa de História de 1960, do estado de São Paulo, para a Es-
cola Normal: “III. O povoador português; IV. O indígena; V. O elemento africano;
e VI. A etnia brasileira como resultante de contatos raciais e culturais, miscige-
nação e aculturação”
No livro de História do Brasil de Basílio Magalhães, o autor dedicava subitens do
capítulo para dissertar a respeito de cada elemento que compunha a população.
No caso do “elemento branco”, ele salientava a diversidade de europeus que
estiveram no Brasil colonial, mas destacava a importância dos ibéricos por con-
tribuírem para a permanência do catolicismo, expulsando invasores protestantes
(franceses e holandeses). Em segundo lugar, o Brasil teve a felicidade desses
primeiros colonizadores se encontrarem num período de adiantado desenvolvi-
mento intelectual e econômico. Enfim, afirmava que os brasileiros deveriam ter
orgulho de descenderem dos portugueses por todas suas qualidades. E acres-
centava a ideia de que no Brasil não foi construído qualquer preconceito de raça
por conta da presença lusa.
Da missão histórica de Portugal, - a de revelar a imensidão do planeta humano
para a civilização e para a cultura, - e da sua capacidade colonizadora, é incon-
testavelmente o Brasil o mais belo florão.
E o brasileiro deve orgulhar-se de trazer nas veias o nobre sangue dos heróis do
pequeno reino de Afonso Henriques, porque recebeu deles todo um admirável
conjunto de predicados físicos, intelectuais e morais. A robustez e a coragem, a
afetividade, a índole hospitaleira, o espirito de solidariedade beneficente, a fé
religiosa, a tendência constante para a poesia e a arte, tudo isso nos viu em
grande parte de elemento português.
Dedicando um longo capítulo aos indígenas, Magalhães apresentava as hipóte-
ses da origem dos povos da América e os debates classificatórios quanto às
diferenças entre os povos, optando pelas diferenças linguísticas, como fez Mar-
tius no século XIX. Com esse critério, apresentava os tupi-guarani, os gês, os
aruaques e os caraíbas. Na sequência, introduzia informações etnográficas a
respeito de suas organizações políticas, sociais, econômicas e culturais. Esse
23
modo de dividir, para estudar, diferentes dimensões da vida em sociedade per-
maneceram enquanto estrutura para os estudos históricos em manuais didáticos
posteriores.
O capítulo seguinte de Magalhães era dedicado ao elemento negro que, nesse
enfoque, passou a ser estudado em um texto específico, a ele dedicado, como
parte da população brasileira, em vez de só ser mencionado em certos episó-
dios, como herói ou líder de rebelião. O autor, então, justificava a vinda do afri-
cano para o Brasil em função da não adaptação do indígena ao trabalho e por
conta das pressões dos jesuítas pela liberdade dos índios. Para o autor, além de
tudo, o elemento negro era “mais sóbrio e mais submisso”. Apresentava, então,
o vínculo da escravidão africana com as economias agrícolas, a constituição das
companhias de comércio que monopolizaram o tráfico de escravos e as origens
dos diferentes povos que aqui chegaram. Acrescentava ainda as características
étnicas desses grupos, qualificando-os pelo grau de civilização em que se en-
contravam. Afirmava que os bantos estavam mais atrasados do que os sudane-
ses, que receberam alguma influência do islamismo. E que esses “mais adianta-
dos” foram aqueles que promoveram rebeliões, organizaram quilombos e luta-
ram pela liberdade.
De modo geral, desconsiderando a difícil realidade da diáspora, o grande sofri-
mento da escravidão, confundindo o negro com o sistema escravista, o autor
culpou-o pelos péssimos comportamentos desenvolvidos pelos brancos:
Fator preponderante da nossa economia até 1888 o elemento negro não deixou
de concorrer para a indolência e até para a dissolução moral dos seus escravi-
zadores. Assim, bem considerada ao seu aspecto psicológico e amplo, a escra-
vidão moderna foi mais funesta aos brancos do que aos pretos, porquanto estes
formaram para os seus descendentes livres, nas plagas edênicas do Novo-
Mundo, um berço e uma civilização, como provavelmente jamais teriam nas mí-
seras cubatas e nos adustos rincões da África.
É importante salientar que Basílio de Magalhães se fundamentou em estudos
bibliográficos específicos para descrever os aspectos históricos e culturais dos
24
africanos. Em seu texto e notas de rodapé, indicava a consulta aos trabalhos de
Artur Ramos, Nina Rodrigues e Oliveira Martins.
No final do capítulo da formação étnica havia, ainda, uma quarta parte nomeada
de “Etnia brasileira”. Nela, Magalhães defendia a ideia de que o brasileiro des-
cendia dos três elementos - de três raças -, e que estava em processo crescente
de embranquecimento.
Nessa mesma abordagem da formação étnica da população brasileira era o livro
História do Brasil de Joaquim Silva, datado de 1942. A diferença em relação ao
enfoque dado por Basílio de Magalhães era no sentido de acrescentar na apre-
sentação de cada grupo étnico um subitem especificando a influência de cada
um dos elementos na cultura brasileira - vocabulário, alimentação, festas… Já
na versão de Duílio Ramos, nos anos de 1960, eram citados trabalhos de Sérgio
Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro; e o enfoque era mais de
valorização cultural e das resistências à colonização.
Somente não receberam passivamente os efeitos da colonização. Na defesa de
sua terra e de sua gente foram inimigos duros. Defenderam o que era seu, sua
segurança e sua liberdade com unhas e dentes. Foram dois os processos que
usaram: a concentração de esforços para a expulsão dos portugueses e a fuga
para outros pontos quando se lhes afigurou essa a melhor medida.
A “Confederação dos Tamoios”, bem conhecida pela participação que no movi-
mento contrário tiveram Nóbrega e Anchieta, foi o trabalho de maior relevo que
os selvagens realizaram no primeiro empenho. Nessa ocasião formaram uma
superestrutura tribal para opor a mais séria resistência aos invasores brancos.
Mas os lusitanos estavam mais bem organizados e armados. Por isso venceram.
A segunda forma de defesa a que recorreram, foi a fuga para outros pontos, para
terras mais fracas, onde não podiam viver tão bem como nas que deixavam.
O texto de Duílio Ramos, referente ao “elemento africano”, reforçava contribui-
ções relacionadas ao trabalho eatitudes amigáveis. Dizia, entre outras informa-
ções: “Exibia pelo menos três pensamentos claros - agir com suavidade, dedicar-
se ao trabalho e não ser mesquinho”. E continuava: “Amava os animais. Deles
25
contava lindas histórias que faziam o encanto dos meninos brancos. Amava a
música até à paixão”. E ainda: “à dureza de coração dos senhores respondiam
os escravos com o trato ameno, a mísera condição servil, com a dedicação ao
trabalho, cantando suas canções prediletas de suave lirismo”.
Os livros didáticos assinalavam mudanças no modo de apresentar aos estudan-
tes os povos indígenas e africanos. Se décadas anteriores eles estavam à mar-
gem da história, sendo o orgulho histórico a atuação dos europeus, agora apa-
reciam nesse outro contexto como úteis e dando sua contribuição ao desenvol-
vimento da nação. Ainda não emergiam como protagonistas. Mas, alguns de
seus elementos culturais eram eleitos como heranças a serem valorizadas.
O programa de História do Brasil, instituído pela portaria ministerial n.724 de
4.7.1951, para o primeiro ano ginasial, especificava na segunda unidade o es-
tudo dos indígenas - “O Íncola - usos e costumes - principais nações e tribos - o
selvagem brasileiro e seus contatos com os europeus”. A menção aos africanos
e seus descendentes estava no programa do quarto ano, em um capítulo com o
título “Formação Étnica”, dividido entre branco, selvícola, negro e catequese. Se-
guindo esse programa, Alcindo Muniz de Souza, no seu manual didático para a
primeira série ginasial, avançava, em parte, no trato da questão indígena, apre-
sentando o decreto que instituiu o Serviço de Proteção aos índios de 1910.
A legislação educacional da década de 1960 estabeleceu a liberdade de currí-
culo, sendo possível identificar nos materiais didáticos a permanência dos temas
e enfoques anteriores. Mas, na década de 1970, com a Lei 5692/71, durante o
regime militar, foram implantados os Estudos Sociais, permanecendo a disciplina
de História apenas para os últimos anos do Primeiro Grau. Nessas duas décadas
e nas seguintes, mudanças na historiografia e suas repercussões no ensino fa-
voreceram certa revisão das abordagens para a história indígena e afro-brasi-
leira, que podem ser explorados em outros estudos.
3.1 - Ensino de História Geral
A História da Pátria compartilhava com História Geral e História Universal os
estudos históricos ao longo do Império. A legislação dessa época estabelecia
26
incialmente, um programa que incluía estudo da História da Antiguidade, da
Idade Média e da Idade Moderna. Por volta da década de 1870, os programas
passaram a nomear essa história como História Universal. Seus conteúdos eram
descritos nos livros didáticos escritos por professores que lecionaram em esco-
las, como o compêndio Justiniano José da Rocha, que ministrou aulas no Colé-
gio Pedro II. Nesses conteúdos, a história da humanidade era entendida a partir
de uma perspectiva cristã, tendo como referência a Bíblia católica.
Para nós, que felizmente somos católicos, não haveria tanta dificuldade.
Temos nos nossos livros sagrados, naqueles que a fé nos diz escritos sob a
inspiração da verdade eterna, guias infalíveis, se os soubéssemos seguir.
[…] História antiga, começando nos primeiros dias da criação até a divisão defi-
nitiva do império romano entre os filhos de Teodósio (395).
[…] Os tempos primitivos do mundo e da humanidade não podem com certeza
ser conhecidos senão por quem quiser aproveitar a luz da verdade derramada
pela Bíblia. Apagar essa luz para lançar-se no meio de indagações e de conjec-
turas é por orgulho fatal aceitar o erro, engolfar-se em uma multiplicidade de
dúvidas, de obscuridades, por entre as quais é infalível o naufrágio. O Gênesis
nos ensina que a princípio Deus criou o mundo, tirou-o do nada por efeito de sua
onipotente vontade.
No final do século XIX e início do XX, a História Geral passou por mudanças.
Alguns autores de manuais e em alguns programas escolares passaram a no-
meá-la de História da Civilização, com orientações fundamentadas no pensa-
mento científico positivista, e associando civilização e cristianismo. Nessa linha
de estudos históricos escolares, predominava a ideia de que a história tendia a
ser progressiva e que a humanidade estava dividida em raças, e, por sua vez,
defendia a opinião de que a raça branca era superior e construtora da civilização.
Nesse caso, as populações da África e da América eram inferiorizadas ou desa-
pareciam do cenário histórico quando não contribuíssem ou fossem aliadas dos
europeus.
27
História é o registro da vida do mundo civilizado. As gentes selvagens não têm
história. A Pré-história abrange o estado anterior à organização social e à docu-
mentação política. […]
Uma vez descoberta a América e colonizada pelos Europeus, não cessou a bar-
bárie dos indígenas, apenas atenuada pela catequese religiosa […].
[…] a raça negra, localizada no continente africano, é ainda hoje refratária a uma
civilização regular e progressiva. Pode apresentar espécimes individuais de de-
senvolvimento intelectual, mas não oferece exemplo algum coletivo. Suas tribos
nunca chegaram a constituir nações seguindo seu próprio impulso, sua mola in-
terior.
Nos programas escolares, o ensino de história passou a ser oficialmente identi-
ficado com História da Civilização em 1931. Nesse novo contexto, teoricamente,
os conteúdos deveriam tender a se distanciar das versões bíblicas, pois a priori-
dade passou a ser, segundo a portaria do Ministério da Educação e Saúde Pú-
blica, “a formação da consciência social do aluno”, através da “educação política,
baseada na clara compreensão das necessidades da ordem coletiva e no co-
nhecimento das origens, dos caracteres e das estruturas das atuais instituições
políticas e administrativas”. Nas listas dos temas, propostos oficialmente, havia
a preocupação em distinguir os aspectos políticos, socioeconômicos, religiosos
e culturais, com ênfase na ideia de “evolução”. E a orientação era priorizar a
História do Brasil e da América. Contudo, predominava a história europeia. Ha-
via, ainda, a recomendação de estudos dos grandes vultos, desbravadores, li-
bertários, caudilhos e heróis. E era evidente uma quebra na sequência cronoló-
gica, pois o estudo da história geral, do Brasil e das Américas não compartilha-
vam nas séries os mesmos recortes temporais.
Assim, com a reforma do ensino secundário, sob a responsabilidade de Fran-
cisco Campos, História do Brasil e História Universal foram substituídas pela His-
tória da Civilização, indicada para os cinco anos do curso fundamental e para os
dois anos do curso complementar. Isso significava que História do Brasil deixava
de ser disciplina autônoma. E, na portaria ministerial, que estabelecia os progra-
mas, havia a orientação de considerar a História do Brasil e a História da América
28
como histórias integradas. As indicações dos temas por séries estabeleciam dois
recortes históricos, com lista de conteúdos que dessem conta da história euro-
peia e outra parte específica para o Brasil e a América.
No livro de Joaquim Silva, História da Civilização, para o segundo ano ginasial,
cujos temas estavam de acordo com os pontos do programa oficial e também
com o programa do Colégio Pedro II, os capítulos seguiam a reforma implantada
em 1931. Até o capítulo XLI tratava da origem do homem até a história dos anti-
gos romanos. A partir do capítulo XLII, os temas intercalavam história da América
e história do Brasil. No capítulo que tratava dos povos indígenas brasileiros, é
possível identificar mudança na interpretação de até então. O autor classificava-
os comode “civilização muito rudimentar” e os localizava na “idade neolítica” por
não conhecerem os metais. Para o autor, existia até os mais ou menos civiliza-
dos: “os índios das tribos mais civilizadas tinham tabas ou aldeias formadas por
ocas ou ranchos em torno dum pátio, a ocara”. As diferenças entre os povos
existiam por conta do local temporal que ocupavam na escala evolutiva das civi-
lizações, estruturadas em periodizações que ascendiam, tendo como exemplo
máximo o europeu contemporâneo. Os diferentes grupos indígenas eram hierar-
quizados, assim, por grau civilizatório.
É preciso assinalar que as diversas épocas da pré-história não foram simultâ-
neas para todos os povos da terra. Os gregos ainda estavam na idade do bronze
e os habitantes do norte da Europa na da pedra e já os egípcios se organizavam
em nações e conheciam o uso do ferro. Os índios de nosso Brasil estavam na
época neolítica ao tempo de seu descobrimento, e até o começo do século pas-
sado ainda se achavam nessa idade os selvagens da Austrália.
Nessa mesma linha de pensamento, no livro História do Brasil de Joaquim Silva,
apresentava a “civilização” do negro, no capítulo dedicado à formação étnica do
Brasil, como mais desenvolvidos que os indígenas por já chegarem aqui conhe-
cendo alguns metais, habituados à vida sedentária e por facilmente aprenderem
o uso de utensílios e ferramentas.
Para alguns autores, como Joaquim Silva, as questões da raça e da religião
cristã permaneciam junto com o critério civilizatório.
29
A história não se preocupa com a raça preta nos tempos antigos, pois não che-
gou a civilizar-se por si mesma. A raça amarela, dos povos do oriente e do norte
asiático, teve na China uma grande civilização que por muitos séculos ficou es-
tacionária, mas ora se renova.
A raça branca, mais importante por sua civilização, compreende três ramos, cuja
denominação deriva de Sem, Câm. e Jafet, filhos do patriarca bíblico Noé: o
semítico, o camítico e o jafético.
Em alguns desses manuais, que incluíam também História do Brasil e da Amé-
rica, o papel da Igreja Católica era muito valorizado na constituição da moral e
da civilização brasileira, principalmente da ação dos jesuítas junto aos indígenas.
No manual de História da Civilização de Arrobas e Vidal, o texto destacava:
Se não fora o jesuíta, escreve Eduardo Prado, os portugueses ou teriam destru-
ído todos os índios, ou estes teriam destruído todos os primeiros estabelecimen-
tos portugueses, retardando por um ou dois séculos, quem sabe, o povoamento
e a civilização do Brasil.
Com a Reforma Capanema de 1942, e com as portarias dos anos seguintes,
foram instituídas no ginásio as disciplinas de História Geral e História do Brasil,
voltando essa segunda a ser autônoma. Na distribuição dos conteúdos, houve o
retorno à ordem cronológica. E, entre as décadas de 1950 e 1960, ficou estabe-
lecida a disciplina independente de História da América para o segundo ano gi-
nasial, tendo sido publicados muitos livros didáticos, com certa predominância
de conteúdos da história norte-americana. Mas a mudança mais contundente
ocorreu na década de 1970, com a lei 5.682/71, implantando os Estudos Sociais.
A disciplina de História permaneceu nos currículos para os anos finais do Pri-
meiro Grau, retornando para todos os anos só a partir da década de 1980.
3.2 - Demandas para ampliação dos conteúdos de História atualmente
Algumas das solicitações recentes, para os conteúdos de ensino de História,
dizem respeito:
➢ ao valor dado aos protagonistas das transformações históricas;
30
➢ questionam a preocupação em identificar as desigualdades, sejam elas
sociais, políticas, econômicas, desencadeando preconceitos, discriminações,
sejam impedimentos de usufruto comum do poder;
➢ e outras referem-se ao tratamento dado à história ensinada como homo-
gênea, no sentido de não apresentar debates ou divergências, sem explicitar
possíveis controvérsias.
Perpassam essas diferentes questões as demandas dos movimentos sociais
que, legalmente, nas suas lutas por direito e melhores condições de vida, con-
seguiram estabelecer a obrigatoriedade de serem incluídos como atuantes e va-
lorizados nos processos das transformações históricas.
E, em reconhecimento a esse direito, tem sido importante rever e reavaliar os
silêncios, as abordagens e os valores impingidos à imaginação de gerações, pe-
los enfoques históricos disseminados pela historiografia e no ensino de história,
durante mais de dois séculos, justificando a desigualdade e a exploração por
parte de elites e seus referenciais de superioridade.
Há algumas décadas, questionamentos importantes têm instigado reflexões a
respeito das escolhas da ordenação do tempo histórico nas situações de ensino.
Há críticas à apresentação única do tempo linear, influenciando os estudantes
no entendimento da trajetória incondicional dos acontecimentos, impossibili-
tando reflexões que favorecem entender a história como construção, escolha,
embates, conflitos e negociações.
Associada a essa concepção de linearidade, há as críticas de os conteúdos se-
rem encadeados em processos, que também impõem predominantemente aná-
lises macro, estruturais, logicamente encadeadas, que impossibilitam focar re-
cortes temáticos particulares ou desviantes. Nessa linha crítica, nas últimas dé-
cadas, foram sendo tecidas propostas para romper com estruturas temporais
únicas; valorizar a finalidade do ensino de possibilitar reflexões das relações do
presente com o passado, favorecer entendimento de cotidianos e conjunturas e
vislumbrar a possibilidade de cada indivíduo se projetar como sujeito histórico,
capaz de analisar e atuar nos acontecimentos contemporâneos.
31
A crítica ao tempo único e linear também está associada à preocupação da per-
manência do recorte espacial, onde os acontecimentos históricos se desenro-
lam. Há a crítica ao “eurocentrismo”.
A história do mundo sendo traçada pelos acontecimentos europeus (“brancos”
em algumas versões), restando aos outros continentes viverem as consequên-
cias dos fatos lá desencadeados. A predominância de uma centralidade espa-
cial, como o principal palco da história, desdobra-se também nos outros cená-
rios.
No Brasil, por exemplo, a colonização portuguesa e seu modelo de sociedade,
predominantemente desenvolvida no litoral, permanecem como temas principais
dos estudos históricos escolares. Os estudantes pouco estudam histórias de re-
giões com pouca participação na economia rentável voltada para o pacto colo-
nial, desencadeando pouco conhecimento a respeito de outros modos de vida,
como no caso da história das populações indígenas habitantes do interior do
continente.
No século XXI, a concepção de conteúdos escolares também tem sido ampliada
para incluir uma diversidade de saberes decorrentes do campo da didática. No-
vas exigências solicitam dos docentes que organizem, para situações de ensino,
conteúdos que contemplem procedimentos de leitura, pesquisa, comparação,
análise, reflexões críticas, confrontação de pontos de vista, distinções e relações
temporais, análises e confrontação de diferentes tipos de fontes documentais…
E que também trabalhem conteúdos referentes a valores, considerando que
essa também é uma das finalidades da educação escolar.
Ao mesmo tempo, políticas educacionais públicas têm implantado sistemas de
avaliação institucionais, algumas vezes divulgando antecipadamente quais con-
teúdos devem ser utilizados como referência nos itens das provas. Essa anteci-
pação tem induzido professores e escolas a adotarem esses programas, inde-
pendentemente se possuem ou não outros currículos oficiais.32
Outro problema dos sistemas de avaliação é gerar índices educacionais, para
compor indicadores econômicos de desenvolvimento e orientadores de políticas
de investimento de capitais nos países.
Essa política de avaliação e coleta de índices tem reduzido os conteúdos esco-
lares, inclusive o que se ensina e o que se aprende de História, em “competên-
cias” e “habilidades”, que não são nada além do que indicadores de apreensão
de determinada racionalidade, com finalidades que escapam ao compromisso
com a formação de gerações para refletirem e se posicionarem criticamente di-
ante da realidade social e econômica.
As políticas de avaliação de livros didáticos, desde o século XIX, ora indicando
manuais, ora qualificando aqueles que podem ser adquirido por verba pública, é
outro fator que tem influído nos conteúdos ensinados de História. Parâmetros
estabelecidos nesses processos avaliativos tornam-se referência para as edito-
ras e autores lançarem ou manterem as vendas de suas mercadorias. Nesse
sentido, critérios de avaliação cerceiam ou incentivam conteúdo a serem abor-
dados nos manuais.
Como há fortes vínculos da educação com as questões das sociedades contem-
porâneas, os conteúdos de história na escola também têm agregado algumas
de suas problemáticas. É o caso, por exemplo, das relacionadas ao meio ambi-
ente, à qualidade da alimentação e uso e acesso à informatização. Nesse último
tema, a realidade da tecnologia da comunicação tem envolvido também os es-
tudos históricos escolares no reforço de uso de ferramentas de informática; no
acesso aos ambientes digitais; na verificação de veracidade das fontes de infor-
mação e no reconhecimento de autorias; e no desenvolvimento de reflexões
acerca dos limites morais e éticos de seu uso.
3.3 - Notas Importantes
Assim, como hoje em dia tem sido propostas diferentes finalidades para as dis-
ciplinas, estudando a história da disciplina escolar, comenta como no século
XVII, na Europa, os estudos humanísticos assumiam diferentes finalidades: “os
33
estudos humanistas pretendiam conciliar em uma mesma visão três finalidades
que nos acostumamos a separar claramente: uma finalidade prática de domínio
da linguagem, uma finalidade cognitiva de aquisição de conhecimentos, uma fi-
nalidade religiosa de acesso à ciência e à virtude. São esses três objetivos que
encontramos simultaneamente presentes no programa de estudos, inteiramente
constituído de textos vindos da Antiguidade, como nos procedimentos de ensino:
tratava-se, antes de mais nada, de levar os alunos a exprimirem-se através de
inúmeros exercícios, orais ou escritos”.
REFERÊNCIA ÀS POPULAÇÕES INDÍGENAS
Como comparação, é importante destacar que os mesmos episódios foram qua-
lificados de maneiras distintas pelos autores de manuais. É o caso, por exemplo,
da ação contra os indígenas impetrada por Bento Maciel Parente. No livro Histó-
ria do Brasil de esse militar foi citado como herói por ter limpado de índios bravos
a maior parte das margens do Amazonas, recebendo em recompensa a doação
da Capitania Cabo-do-Norte.
Mais adiante no livro, nas páginas 217 até 219, há descrições a respeito de Pal-
mares e repressão ao povoado. E, em nota, nas páginas 142 e 143, o autor teceu
elogios ao herói negro Henrique Dias que atuou ao lado dos portugueses na
guerra contra os Holandeses. No segundo volume ainda, comenta a rebelião de
escravos no Maranhão, em 1838 (A Balaiada), comandada por Cosme, na pá-
gina 126 (v.2).
34
Havia algumas menções aos ataques indígenas, mas sempre de modo pejora-
tivo: “o gentio se mostrava insolente e altanado, e atrevia-se por vezes a apre-
sentar-se para combater, embora sofresse constantes derrotas e fosse perse-
guido e castigado”.
Nesta edição, com tomo I e II integrados, há mudanças nos textos dos capítulos,
que aparecem mais curtos e os acontecimentos apresentados de modo mais
sintético.
O autor era do Rio Grande do Sul, foi professor no Rio de Janeiro e o livro Lições
de História do Brasil foi editado primeiro em 1855, com reedições em 1857, 1861,
1866, 1869, 1873 e 1877. Para saber mais sobre o autor, consultar.
Anos depois, em 1907, outro professor de história, Capistrano de Abreu, também
inovou escrevendo o capítulo “Antecedentes indígenas”, como sendo o primeiro
capítulo de sua obra Capítulos de História Colonial, voltada para os estudos his-
tóricos e não didáticos.
As menções desse autor em relação aos africanos e seus descendentes só fo-
ram feitas aos mesmos heróis e revoltas como do Quilombo dos Palmares.
“tendo para a forma do homem convergido de um modo particular três
raças, a saber: a de cor de cobro ou americana, a branca ou Caucasi-
ana, e enfim a preta ou etiópica. Do encontro, da mescla, das relações
mutuas e mudanças dessas três raças, formou-se a atual população,
cuja história por isso mesmo tem um cunho muito particular”.
Em 1942, foi instituída a Reforma do Ensino Gustavo Capanema que reorgani-
zou o ensino secundário, que ficou com quatro anos de ensino ginasial e dois ou
três anos de curso colegial. Nesse último, o curso poderia propiciar formação
clássica ou científica, com a finalidade de preparação para o ensino superior.
35
PARTE II
1 - ENSINO DA HISTÓRIA – REFLEXÕES IMPORTANTES
1.1 - Da importância de variadas abordagens históricas
Afinal para que serve a História? Como deve ser ensinada na Educação Básica?
Que gradações devem ser observadas nos Ciclos I, II e Ensino Médio?
Devemos considerar que História é a ciência humana básica na formação do
aluno, pela possibilidade de fazê-lo compreender a realidade que o cerca e, con-
sequentemente, dotá-lo de espírito crítico, que o capacitará a interpretar essa
mesma realidade.
Todavia, formação de espírito crítico não significa, necessariamente, levar alu-
nos a posições ideológicas extremadas, mas capacitá-los a discernir as várias
linhas e correntes de interpretações, que se podem dar aos fatos históricos, em
seus devidos contextos, e, a partir daí, permitir aos discentes realizar suas es-
colhas políticas, sociais, econômicas e culturais.
Por outro lado, a ciência histórica tem seus métodos e instrumentos de análise
que se querem respeitados. O ensino de História, necessariamente, deve levar
em consideração essas premissas, também, com a finalidade de estimular vo-
cações para esse ramo do conhecimento humano. Assim, o estudo de documen-
tos e as várias interpretações, suscitadas pela História, são pontos fundamentais
no estudo dessa disciplina.
A afirmação, hoje muito difundida, por certas correntes, segundo a qual, a edu-
cação não é neutra; no fundo, embute a ideia segundo a qual História deveria
ser desenvolvida a partir de uma linha ideológica vinculada à realidade social,
injusta e exclusiva, da qual são vítimas, vastas parcelas da população brasileira
e mundiais. Ora, tal interpretação tende a criar a ideia, segundo a qual, somente
ações radicais teriam o condão de eliminar tais desigualdades e injustiças, o que
desqualifica a possibilidade da existência de vias democráticas de transformação
nos países que enfrentam tais problemas.
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Até aí nada demais, posto que, num sistema democrático, no qual vivemos, os
professores têm o direito de adotar essa ou aquela linha de interpretação histó-
rica, em sala de aula. Ocorre que, ao adotar "uma linha" de interpretação dos
fatos históricos", negam-se aos alunos os instrumentos necessários para desve-
lar o outro ou os outros lados da questão, ou seja, deixam-nos impossibilitados
de refletir sobre outras interpretações, que poderiam enriquecê-lo culturalmente.
Por outro lado, a linha