Prévia do material em texto
Tema 02 – JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO – PARTE II Para obtermos uma solução judicial em relação a uma pretensão, logo imaginamos todo o curso do processo, ou seja, a apresentação da inicial, a citação, a contestação, neste meio há apresentação e produção de provas, após teremos a manifestação judicial em relação ao que lhe foi apresentado, para que ao final, pelo menos na primeira instância, seja proferida uma sentença de mérito. Contudo, referida marcha processual pode ser feita de uma outra maneira, dependendo da situação do bem jurídico, como é o caso das tutelas de urgência e evidência, mas, temos outras situações, como é o caso do julgamento conforme o estado do processo, situação na qual iremos verificar neste capítulo. JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO É perfeitamente possível que o pedido seja julgado de forma parcial. O Código de Processo Civil de 2015 rompeu a ideia de que não seria possível o julgamento fracionado do mérito, pois na sistemática do novo código, o julgamento antecipado de mérito é perfeitamente possível. A decisão proferida, que antecipa uma parte do pedido, pode ser atacada por meio de recurso de agravo. Vejamos essas questões na legislação. O julgamento antecipado parcial de mérito está localizado no art. 356 do Código de Processo, oportunidade em que veremos as suas disposições a seguir: Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355 . § 1º A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida. § 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto. § 3º Na hipótese do § 2º, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#art355 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#art355 § 4º A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz. § 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento. Analisando as disposições do art. 356, podemos ver que o juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais pedidos formulados ou uma parcela deles se mostrarem incontroversos, ou seja, não restarem dúvidas quanto a sua existência e razão, não necessitando de dilação probatória para que o juízo seja feito. Outra questão que nos chama atenção no art. 356, é a disposição do inciso II, do art. 356, que deixa claro que o juiz decidirá o mérito quando o pedido estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355 do Código de Processo Civil. As disposições do art. 355 serão vistas a seguir: Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas; II - o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349 . Poderá, conforme disposição do inciso II, do art. 356, quando não houver necessidade de produção de outras provas, e também se o réu for revel (não apresentar contestação por exemplo), ocorrer o efeito previsto no art. 344 do Código de Processo Civil e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349 do mesmo diploma legal. Podemos nos perguntar, como iremos saber se será necessária, ou não, a produção de outras provas? Vamos nos fazer algumas perguntas. - Todo o procedimento tem produção de prova? - Qual a finalidade da prova? Provas são situações que vão se mostrar necessárias, quando no processo houver controvérsia acerca de questões fáticas. Isso se aplica a situações em que estamos discutindo fatos. Se há controvérsia em relação a ocorrência de fatos no processo, demanda produção de prova, caso contrário, não faz sentido a produção de prova. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#art344 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#art349 Ex: O autor ajuíza uma ação contra uma empresa de plano de saúde. O autor, no momento da assinatura do plano de saúde, assinou inúmeros formulários. O autor, levou o contrato para análise de um advogado, e o profissional alertou o autor sobre a existência de uma cláusula abusiva (que não respeita os limites e princípios contratuais). Feito isso, o autor ingressou com uma ação em desfavor da empresa de plano de saúde. Feita a citação, a empresa de plano de saúde (réu), informou no processo que não há no que se falar em cláusula abusiva, e apresentou os seus argumentos para desconstituir a narrativa do autor. Neste interim, o processo foi para a mesa do juiz, para que o mesmo pudesse decidir. Neste caso, seria necessária a produção de provas? As partes se controvertem acerca dos fatos? No presente caso não seria necessária a produção de prova, pois não temos aqui uma discussão sobre fatos (coisas da vida, que acontecem no dia a dia). Em relação aos fatos, as partes estão concordes, pois existe a relação contratual entre o autor, e o plano de saúde. O que realmente está sendo discutido no caso é uma questão de direito e não de fato. Uma matéria de direito significa dizer que “o juiz conhece”, não sendo necessária prova para convencê-lo da existência da situação. Aqui no exemplo, o juiz avaliará a petição inicial do autor, e a contestação do réu, e após poderá decidir, sem a necessidade de produção de provas. Aqui, poderá decidir que a cláusula do contrato é abusiva, ou não. Vamos imaginar agora uma outra situação. O autor ajuíza uma ação dizendo que estava andando de carro em uma avenida, quando o réu passou correndo inadvertidamente no meio da avenida, sendo que o semáforo estava fechado para o mesmo, e tendo em vista tal situação, o autor teve que desviar do réu, colidindo o carro com outro que estava ao lado, e neste sentido, requer o autor que seja ressarcido pelo réu pelas despesas em relação ao veículo que foi batido, pois o réu não poderia atravessar a rua com o sinal vermelho. O réu, recebendo a inicial, rebate o que o autor trouxe dizendo que não estava correndo no meio da avenida, e que estava na faixa de pedestres, e que o sinal estava verde, e não vermelho para a travessia de faixa, dizendo que a versão do autor é mentirosa, e a do réu que é a verdadeira. O juiz no caso conhece o direito, conhece as leis, contudo não sabe sobre os fatos. O juiz no caso, nunca irá saber o que realmente ocorreu na situação, com base apenas em conhecimento jurídico, ele precisará no caso de provas em relação ao que de fato ocorreu, e ao final valorar para verificar quem estava de fato falando a verdade na situação. Há controvérsia no caso. Marcus Vinicius Rios Gonçalves, em relação ao julgamento antecipado parcial de mérito nos esclarece o seguinte: Concluída a fase postulatória, pode acontecer que não seja possível promover o julgamento imediato de todos os pedidos, mas que alguns deles estejam em condições de julgamento. O CPC autoriza o juiz a proferir o julgamento de mérito parcial, de um ou alguns dos pedidos, ou parte deles, sem pôr fim ao processo ou à fase de conhecimento, que devem prosseguir porque os demais pedidos ou parte deles precisam ser instruídos. Essa possibilidade não existia no CPC anterior, que não admitia a cisão do julgamento do mérito. Todos os pedidos, na lei anterior, deviam ser julgados ao mesmo tempo na sentença, ainda que no curso do processo um deles ficasse incontroverso ou não necessitasseno procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13105.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm possibilidade de aplicarmos ou não, a regra dos elementos constitutivos de um negócio jurídico material para o âmbito dos negócios jurídicos processuais. No campo do direito material, por exemplo, sabemos que para constituir um negócio jurídico de acordo com a teoria da “Escada Ponteana” e com os preceitos do Código Civil, há de se obedecer a alguns requisitos, como a capacidade dos agentes, a licitude do objeto, dentre outros fatores. A pergunta aqui seria se no campo dos negócios jurídicos processuais conseguiríamos aplicar regras de direito material a sua essência, e se seria possível aplicarmos os preceitos de existência, validade e eficácia, de acordo com a teoria da “Escada Ponteana” no que se refere aos negócios jurídicos processuais. Pedro Henrique Nogueira nos alerta sobre o seguinte: É preciso perceber, de início, que o negócio jurídico não é e não fora conceito exclusivo do direito privado. É possível tratar o negócio jurídico como categoria geral, o que, por óbvio, não afasta o seu estudo particular no contexto de cada disciplina específica a partir dos diversos setores do ordenamento jurídico, conforme suas respectivas exigências e peculiaridades. Negócio jurídico é um conceito lógico- jurídico, integrante da Teoria Geral do Direito.32 Sendo então o negócio jurídico parte da Teoria Geral do Direito, podemos afirmar que há aqui possibilidade de customização de alguns preceitos vindos do direito material para o direito processual, uma vez que este último ramo do direito, possui suas próprias especificidades e características. Abre a possibilidade então de pensarmos em qual tipo de regime jurídico iremos aplicar aos negócios jurídicos processuais. Pedro Henrique Nogueira nos explica que essa resposta terá que ser dada à luz do direito positivo, pois a disciplina que se impõe aos negócios jurídicos processuais não é algo preestabelecido.33 O autor citado exemplifica essa situação, a partir da análise da regra presente no artigo 486, do antigo CPC de 1973, no qual elucidava que “os atos judiciais, que 32 NOGUEIRA. Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 4 ed. Rev., ampl e atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2020, p. 176 33 NOGUEIRA. Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 4 ed. Rev., ampl e atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2020, p. 187. não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil34, e é o que podemos verificar também, na disposição do § 4º, do artigo 966, do CPC 2015. Se por um acaso o negócio jurídico processual contiver alguma falha, a própria lei processual nos remete a lei civil para efetuar a resolução do problema. Podem ocorrer momentos em que a disposição presente no §4º do dispositivo em comento, não conseguirá enquadrar certas situações, e por isso teremos que nos socorrer nas regras presentes no direito material35. Para ilustrar essa situação, podemos trazer o seguinte exemplo: Em uma audiência de saneamento compartilhado do feito, uma pessoa jurídica convenciona que produzirá determinada prova testemunhal, invertendo ônus que seria da outra parte, porque seu preposto viu os fatos e poderia contribuir com a produção da prova sem qualquer prejuízo. Entretanto, a pessoa jurídica ignorava que, quando se obrigou perante a outra parte e o juiz, aquele preposto, que estava de férias, já havia falecido. Nesse exemplo, verifica-se que a única razão para a celebração do negócio era o fato de que o preposto estaria vivo para prestar seu depoimento. Materialmente, o exemplo trata claramente de um objeto impossível, previsto no artigo 166, inciso II, do Código Civil de 2002, uma vez que, em tese, é impossível um morto depor. Acontece que o sistema de validades do Código de Processo Civil simplesmente não oferece solução para essa situação, porque não há previsão genérica de invalidade de negócio jurídico36. 34 NOGUEIRA. Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 4 ed. Rev., ampl e atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2020, p. 187. 35 NOGUEIRA. Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 4 ed. Rev., ampl e atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2020, p. 188. 36 Exemplo retirado da dissertação de mestrado de ANDRIOTTI, Rommel. Validade dos Negócios Jurídicos Processuais: Uma abordagem material e instrumental / Rommel Andriotti. – 2019. 237 f. Dissertação de mestrado (pós-graduação stricto sensu) – De acordo com a situação exposta, não há que se falar em resolução do problema com normas de direito processual, e sim, com normas de direito material, e o que conseguimos observar no final, é um diálogo, necessário, entre dois ramos do Direito, que é o Diálogo das Fontes37. Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP), Mestrado em Função Social do Direito, com concentração em Direito Civil, 2019. p. 68. 37 A Teoria do Diálogo das Fontes visa propiciar uma aplicação mais harmoniosa e consentânea das normas do ordenamento jurídico a partir da concepção de que há situações nas quais elas se complementam e influenciam. Os postulados da teoria do diálogo das fontes auxiliam na substituição da visão que levava com exacerbada dureza e inflexibilidade a aplicação dos critérios clássicos de solução de antinomias. É preciso, pois, uma visão moderna do ordenamento jurídico, que seja tanto objetiva para impedir aplicações normativas subjetivas e ilógicas, mas aberta para permitir a porosidade do sistema e o diálogo entre suas fontes, estabelecendo premissas sistêmicas gerais e confiáveis. Até porque se torna cada vez menos possível ao estudioso a pretensão de saber todo o regramento jurídico de seu país, dada a multiplicação caleidoscópica das leis. Esse fenômeno foi tratado de forma sublime pelo jurista argentino Ricardo Luís Lorenzetti, autor da alegoria conhecida como Big Bang Legislativo, em que se aduz haver uma perda da centralidade da legislação dita codificada, cujo nome o autor critica, já que uma imensidão de normas é editada dia após dia, tratando de temas cada vez mais específicos e, portanto, afastando muitas vezes as normas gerais, notadamente os códigos. Como, então, aplicar premissas gerais em um sistema cada vez mais assimétrico? Aquele autor responde: a nova baliza para o jurista é a constitucionalização do Direito Privado. Ele diz: “os códigos perderam sua centralidade, porquanto esta se desloca progressivamente. O Código é substituído pela constitucionalização do Direito Civil, e o ordenamento codificado pelo sistema de normas fundamentais” - ANDRIOTTI, Rommel. Validade dos Negócios Jurídicos Processuais: Uma abordagem material e instrumental / Rommel Andriotti. – 2019. 237 f. Dissertação de mestrado (pós-graduação stricto sensu) – Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP), Mestrado em Função Social do Direito, com concentração em Direito Civil, 2019. p. 65. Quanto ao Diálogo das fontes, podemos afirmar que há três tipos de diálogos possíveis, conforme explica Claudia Lima Marques38, que seriam: um diálogo sistemático de coerência, o diálogo sistemático de complementaridade ou subsidiariedade e o diálogo das influências reciprocas sistemáticas.Rommel Andriotti nos explica cada um desses diálogos da seguinte forma: Há um diálogo sistemático de coerência porque realmente uma lei serve de base conceitual para a outra. Por exemplo, quando no Código de Processo Civil se consigna “contrato de adesão”, a compreensão do que seja isso demanda, necessariamente, que se recorra a dispositivos de leis civis materiais, no caso o art. 54 da Lei n. 8.078/90145, ou os arts. 423 e 424 do Código Civil de 2002. Podemos identificar também a presença de diálogos sistemáticos de complementaridade, porque realmente os princípios de um sistema são aplicáveis, no que couber, ao outro, e vice-versa. Também se aplica o diálogo das influências recíprocas sistemáticas nos negócios jurídicos processuais, pois existe uma redefinição do campo de atuação de uma lei pela outra. Assim, a definição da vulnerabilidade no Código de Defesa do Consumidor pode sofrer influências finalísticas do Código de Processo Civil, de modo que determinados consumidores não sejam considerados vulneráveis para os fins de utilização de negócios jurídicos processuais. Ademais, conclusões jurisprudenciais utilizadas para o sistema de negócios jurídicos podem ser transpostas, no que couber, para o âmbito dos negócios jurídicos processuais. Existem, pois, influências recíprocas sistemáticas que justificam a utilização do Diálogo das Fontes39. Podemos ir um pouco mais além em relação aos negócios jurídicos processuais. Podemos afirmar sobre a existência dos três planos do negócio jurídico processual. Os negócios jurídicos processuais, conforme vimos até aqui, são atos voluntários humanos, que possuem a intenção de regular certa situação de cunho 38 BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor, cit., 135. 39 ANDRIOTTI, Rommel. Validade dos Negócios Jurídicos Processuais: Uma abordagem material e instrumental / Rommel Andriotti. – 2019. 237 f. Dissertação de mestrado (pós- graduação stricto sensu) – Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP), Mestrado em Função Social do Direito, com concentração em Direito Civil, 2019. p. 68. procedimental. Algumas perguntas e questionamentos nos vem a mente quando pensamos, por exemplo, em quem seriam as partes de um negócio jurídico processual, ou quais seriam os seus elementos constitutivos. O que define a existência de um negócio jurídico de cunho procedimental? E sua validade, como posso analisá-la? Ou pior, como consigo verificar se esse negócio jurídico é de fato eficaz? São perguntas que merecem respostas, e que conseguiremos responder a partir da análise dos três planos do negócio jurídico, só que agora com ênfase no direito processual, conforme a seguir. Em relação ao plano da existência Como já sabemos, no plano da existência estão os pressupostos para um negócio jurídico, ou seja, os seus elementos mínimos, enquadrados por alguns autores dentro dos elementos essenciais do negócio jurídico40, que são os pressupostos de existência, quais sejam: agente, vontade, objeto e forma. Consoante com o que vimos até aqui, podemos utilizar regras aplicadas ao direito material, para o direito processual, respeitando as suas especificidades. Se aplicarmos tais regras, precisamos antes de tudo, analisar se o acontecimento de fato ocorreu, ou se realmente existiu. É o que alerta Pedro Henrique Nogueira: o plano da existência traça os limites entre o que é e o que não é jurídico. Somente a partir daí é que se poderá cogitar da validade, invalidade, eficácia ou ineficácia do ato jurídico. Só se cogita da nulidade, anulabilidade ou outro tipo de invalidade, ou de ineficácia daquilo que juridicamente existe. É algo que não pode ser disposto pelo legislador41. 40 TARTUCE, Flávio. Direito civil. 16. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2020. v. 1: Lei de Introdução e parte geral, p. 426. 41 NOGUEIRA. Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 4 ed. Rev., ampl e atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2020, p. 206. Os negócios jurídicos processuais, assim como os negócios jurídicos em geral, são oriundos de fatos humanos voluntários, o que decorre naturalmente de uma declaração de vontade, que é o primeiro elemento de um negócio jurídico processual. Em decorrência disso e observando o processo em si, essa manifestação de vontade deverá ser formalizada respeitando os atos do processo, ou seja, se há um procedimento em curso, o destinatário dessa manifestação de vontade deverá ser notificado. Essa exigência não se aplica aos negócios extraprocedimentais, já que esses atos entram no mundo jurídico com a simples manifestação de vontade (renúncia ao direito litigioso feita em documento extrajudicial), gerando inclusive, de regra, as situações jurídicas processuais correspondentes42. Podemos dizer que o primeiro elemento de um negócio jurídico processual é a manifestação de vontade, que ocorrerá dentro um procedimento, e que necessitará de uma notificação ao destinatário, para que este conheça o seu ato de vontade. Em relação ao segundo elemento integrante do negócio jurídico processual, no que tange ao plano da existência, está o autorregramento da vontade, que consiste no poder de escolha da categoria jurídica ou das situações jurídicas que configurarão a sua eficácia. Pedro Henrique Nogueira nos explica que no processo: o autorregramento da vontade é bem mais restrito do que nas relações de direito privado. Em muitos dos negócios processuais, inclusive, os efeitos já estão todos pré-estabelecidos na norma processual (o efeito jurídico-processual da desistência do recurso é a extinção do procedimento recursal e o trânsito em julgado do capítulo da decisão que fora recorrido; não há como o recorrente modificar, com sua vontade, esses efeitos). Isso, contudo, não lhe retira o caráter negocial, porque há, nessas situações, liberdade de escolha, embora em grau mínimo (pode a parte escolher entre desistir ou não, ou entre desistir do recurso no todo ou em parte)43. 42 NOGUEIRA. Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 4 ed. Rev., ampl e atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2020, p. 207. 43 NOGUEIRA. Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 4 ed. Rev., ampl e atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2020, p. 208. O autorregramanto, conforme sugere Pedro Henrique Nogueira, seria o objeto do negócio jurídico processual. O que faz um negócio jurídico ser qualificado como processual, será o procedimento existente no qual ele se faz integrante. Em síntese, o plano da existência nos negócios jurídicos processuais será qualificado a partir da manifestação de vontade das partes integrantes de um procedimento já existente, e que vise o autorregramento de situações processuais. Os agentes serão as partes do processo, a vontade será manifestada por essas partes, o objeto será o autorregramento de situações jurídico-processuais e sua forma será definida a partir dos parâmetros de um processo. Feita a análise do plano da existência do negócio jurídico processual, podemos analisar agora o plano da validade no tópico seguinte. Em relação ao plano da validade dos negócios jurídicos processuais Os elementos do plano da existência, precisam agora ganhar suas respectivas qualidades, e para isso precisamos verificar os requisitos objetivos e subjetivos estabelecidos no sistema processual, no qual determina se esses elementos irão, ou não, entrar no plano da validade dos negócios jurídicos processuais. Em termos subjetivos, exige-se, como nos atos processuais em geral, a capacidade processual e a capacidade postulatória para as postulações, e, em relação aos negócios jurídicos processuais judiciais, a competência e imparcialidade44. Exigências como essas, de ordem subjetiva, não se aplicam a diversos atos-fatos processuais, uma vez que elesnão ingressam no plano da validade. 44 NOGUEIRA. Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 4 ed. Rev., ampl e atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2020, p. 208. Quanto aos termos objetivos, é exigido o respeito ao formalismo do processo, como uma petição inicial apta, ou formalidades da citação. Também, será necessário que do vício resulte um prejuízo, ou seja, que essa falha impeça a obtenção da finalidade do ato. Podemos citar como exemplo, um recurso objeto de desistência ou renúncia formulada em instrumento particular (fora dos autos) deve seguir o regime de direito processual quanto aos requisitos de validade, ele se podendo dizer quanto ao compromisso, celebrado na pendência do processo45. Importante destacar também, que regras sobre invalidade por vício da vontade nos negócios jurídicos civis se aplicam aos negócios jurídicos processuais, quer nos procedimentais, quer nos extraprocedimentais. Destaca-se também o posicionamento de Flávio Tartuce, que entende que os negócios jurídicos processuais estão mais submetidos à teoria das nulidades do Código Civil do que à teoria das invalidades processuais, especialmente pelo fato de serem expressões da autonomia privada. Sendo assim, é importante relembrar o estudo dos requisitos de validade, que constituem elementos essenciais do negócio jurídico, compondo o segundo degrau da Escada Ponteana46. O segundo degrau da “Escada Ponteana” mencionada por Flávio Tartuce, consiste no local em que podemos verificar quatro elementos, que seriam: a capacidade do agente, liberdade da vontade ou do consentimento, licitude, possibilidade e determinabilidade do objeto e adequação das formas. Nos negócios processuais, conforme vimos, existem elementos subjetivos, que são a capacidade postulatória, a competência e a imparcialidade, e os elementos objetivos, que consistem no formalismo do processo, ou seja, o meio apto a se fazer valer suas intenções no procedimento, sendo claro que tanto os elementos subjetivos, 45 NOGUEIRA. Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 4 ed. Rev., ampl e atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2020, p. 209. 46 TARTUCE, Flávio. O Novo CPC e o Direito e o Direito Civil. 2 ed. rev., e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. p. 105. quanto os objetivos, ambos estão sujeitos as invalidades processuais e nas nulidades do Código Civil, por serem expressões de autonomia privada. BIBLIOGRAFIA Bueno, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4-2-2016. 2 ed. São Paulo: Saraiva. 2016. Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17 ed. Salvador. Ed. Jus Podivm, 2015. Donizetti, Elpídio. Curso Didático de direito processual civil. 20 ed. São Paulo. Atlas, 2017. Gonçalves, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8 Ed. São Paulo. Saraiva, 2017. Sá, Renato Montans de. Manual de direito e processo civil. 5 ed. – São Paulo. Saraiva Educação. 2020. NOGUEIRA. Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 4 ed. Rev., ampl e atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2020 TARTUCE, Flávio. O Novo CPC e o Direito e o Direito Civil. 2 ed. rev., e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. TARTUCE, Flávio. Direito civil. 16. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2020. v. 1: Lei de Introdução e parte geral.de outras provas. Em caso de incontrovérsia, o juiz apenas podia conceder tutela antecipada. O CPC atual permite que o julgamento do mérito seja cindido em momentos diferentes. Estabelece o art. 356 que o juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso ou estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355. Imagine-se, por exemplo, que o autor formule duas pretensões na petição inicial. O réu, em contestação, impugna apenas os fatos em que se funda uma delas, tornando necessária a produção de provas, sem impugnar a outra. O juiz decidirá parcialmente o mérito, julgando a pretensão incontroversa, por decisão interlocutória, e determinará o prosseguimento do processo para a produção de provas em relação à outra pretensão. O processo só terá uma sentença, já que ela é o ato que lhe põe fim ou encerra a fase de conhecimento. Todavia, o mérito poderá ser apreciado não apenas na sentença, mas em decisões de mérito, proferidas em caráter interlocutório. Serão decisões interlocutórias de mérito as que, no curso do processo e antes da sentença, julgarem parcialmente as pretensões formuladas. A decisão pode dizer respeito a algumas dessas pretensões, quando houver cumulação, ou a parcela de uma delas. Esse julgamento antecipado parcial de mérito é feito por decisão interlocutória e não sentença, e o recurso cabível será o de agravo de instrumento (art. 1.015, II). Mas é feito em caráter definitivo e em cognição exauriente. Proferido o julgamento parcial, a parte poderá liquidar ou executar desde logo a obrigação reconhecida. Se houver agravo, e enquanto houver recurso pendente, a execução será provisória; se não, será definitiva. O art. 515, I, inclui entre os títulos judiciais a decisão proferida no processo civil que reconhecer a exigibilidade do cumprimento de obrigação, seja essa decisão interlocutória, seja sentença. Interposto o agravo, haverá sempre a possibilidade de retratação da decisão de mérito. Em razão da possibilidade de um dos pedidos ou parte dele ser julgado antes da sentença, por decisão interlocutória de mérito, o art. 502 denomina coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito (decisão aqui em sentido amplo, abrangendo sentenças e decisões interlocutórias) não mais sujeitas a recurso, e o art. 503 estabelece que a decisão que julga total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida. É também por essa razão que o CPC prevê o cabimento de ação rescisória contra decisão de mérito (expressão que abrange as sentenças e decisões interlocutórias de mérito). O prazo para exercer o direito à rescisão continua sendo de dois anos, mas a contar do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. Portanto, se houver mais de uma decisão de mérito, os dois anos não contarão do trânsito em julgado de cada uma delas, mas da última (art. 975).12 Renato Montans, em relação ao julgamento antecipado parcial do mérito, nos traz o seguinte: O sistema processual brasileiro adotou definitivamente a teoria dos capítulos das decisões, permitindo haver julgamento fragmentado da causa. Assim, o magistrado decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos, ou parcela deles, recair em uma destas hipóteses: I - Julgamento antecipado por incontroversibilidade Premissa fundamental: conforme dito, o Brasil sempre viveu sob a égide do princípio da unicidade do julgamento, ou seja, a decisão definitiva sobre o conflito somente poderia se dar em um único momento, por uma única decisão (sentença). Seria inconcebível imaginar o desmembramento da decisão para diversos momentos do procedimento. Aceitavam-se, na égide do CPC/73, poucas situações previstas em procedimentos especiais, como na prestação de contas e na divisão e demarcação de terras. Em 2002, o legislador estabeleceu uma ruptura nesse paradigma ao criar mais uma modalidade de tutela antecipada, acrescendo ao art. 273 (do CPC/73) o § 6º, que assim estabelecia: “A tutela antecipada 12 Gonçalves, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8 Ed. São Paulo. Saraiva, 2017. p. 590. também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. Assim, por exemplo, o autor ingressa em juízo para a cobrança de R$ 1.000,00 contra determinado réu a respeito de certa relação jurídica entre eles avençada. Ao ser citado, este réu confessa a existência da dívida, mas se defende aduzindo que o valor, em verdade, é de R$ 800,00. Este valor, conforme art. 374, II e III, do CPC/2015 é incontroverso. Contudo, como ainda existem R$ 200,00 “controvertidos”, o magistrado deveria prosseguir a demanda analisando integralmente o objeto litigioso para proferir sentença única. Esta sentença estava ainda sujeita a recurso de apelação, bem como os recursos de estrito direito. O longo itinerário do processo e a não fruição pelo autor do valor que lhe é devido decorrem do fato de que o sistema brasileiro não admite a fragmentação da lide para sua resolução em momentos distintos. Dessa forma, no caso apresentado, mesmo o réu confessando oitenta por cento do pedido, todo esse pedido seria levado a julgamento final e submetido ao efeito suspensivo da apelação. Esta realidade mudou com a Lei n. 10.444/2002, permitindo a tutela antecipada pelo incontroverso. Dessa forma, se um dos pedidos cumulados, ou parcela de um pedido, se mostrar incontroverso, poderá o magistrado antecipar esta fração de lide”. Afinal, se o direito poderá ser antecipado por mera verossimilhança (CPC/73, art. 273) com muito mais razão a tutela antecipada pode ser concedida com base em casos de incontrovérsia fática. O que está maduro para que seja julgado será. O que depender ainda de provas (porque ainda controverso) será levado adiante. Quando do advento do novo regramento e a despeito de a criação legislativa ter inserido a regra no procedimento da tutela antecipada, parcela da doutrina defendia o posicionamento de que a regra, em verdade, constituía um verdadeiro julgamento antecipado parcial do mérito. Assim, tínhamos duas correntes. Uma primeira corrente defendia tratar-se de tutela antecipada. O argumento dessa doutrina tinha como ponto principal a opção do legislador. Ademais, aplicar-se-ia o art. 273, § 4º, do CPC/73, e, portanto, a despeito de se tratar de prova mais forte que a verossimilhança, constituía decisão revogável pela decisão final. Entendia ainda que o magistrado, após a concessão da tutela, poderia verificar alguma matéria de ordem pública (de ofício ou a requerimento), revogando o que tivesse sido decidido. Esta tese era defendida por Athos Gusmão Carneiro, Teori Zavascki e José Roberto dos Santos Bedaque. Uma segunda corrente defendia tratar-se de julgamento antecipado parcial do mérito. E isso porque a decisão da parte incontroversa é conferida com base em cognição exauriente (ficta ou presumida) que não pode ser revogada por posterior decisão, pois não haveria novos elementos aptos a modificar o entendimento do magistrado. Constituem, portanto, duas decisões de mesma hierarquia, sem nenhum vínculo de subordinação entre elas. Esta corrente era defendida por Luiz Guilherme Marinoni e Cassio Scarpinella Bueno. O CPC/2015 decidiu (corretamente) alocar essa regra como uma hipótese de julgamento antecipado parcial do mérito em decorrência da irrevogabilidade dessa decisão pela nova sistematização da tutela antecipada, que hoje é concedida exclusivamente com o pressuposto da urgência (tutela provisória de urgência). O direito veiculado no pedido pode tornar-se incontroverso em três situações: a) reconhecimento jurídico do pedido (CPC/2015, art. 487, III, a). Se a parte reconhece que o direito pertence ao autor, dispensa-sea instrução probatória, pois tornam-se os fatos incontroversos e, portanto, sem necessidade de dilação probatória. Trata-se de uma modalidade de cognição exauriente ficta, pois haverá conhecimento total sobre o objeto cognoscente, sem que tenha havido a profundidade necessária de análise; b) revelia (CPC/2015, art. 344). A revelia gera a presunção de veracidade dos fatos. É pacífico o entendimento de que o efeito material da revelia gera presunção relativa, pois o autor pode não conseguir provar a juridicidade do seu direito ou mesmo o magistrado pode verificar a sua inexistência. De toda sorte, a revelia é um grande passo à procedência do pedido do autor. Aqui, diferentemente do reconhecimento jurídico do pedido, a cognição judicial é exauriente presumida, pois o magistrado se contenta com aquilo que foi demonstrado pelo autor, desconsiderando os argumentos que o réu poderia ter trazido já que, no momento oportuno, não o fez; c) não cumprimento do ônus da impugnação específica (CPC/2015, art. 341). Uma terceira situação constitui o não cumprimento do ônus da impugnação específica. Essa hipótese é a mais difícil de constatar na prática, pois o réu nem confessou, nem deixou de se defender: apenas se defendeu mal, ou seja, não cumpriu o seu dever de apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos. Constitui situação em que há contestação, mas não há defesa. Algumas questões importantes: i) a aplicação dessa regra somente será possível quando os pedidos cumulados forem independentes entre si. Dessa forma, numa ação de rescisão do contrato com perdas e danos, sendo o réu revel exclusivamente quanto às perdas e danos, não poderá o magistrado antecipá-la, pois se em sentença final constatar a não rescisão do contrato, as perdas e danos não serão devidos. Esse exemplo constitui caso clássico de cumulação própria sucessiva, ou seja, os pedidos guardam entre si relação de prejudicialidade ou preliminaridade; ii) parcela da doutrina, com razão, assevera que a incontrovérsia se encontra nos fatos (causa de pedir) e não no pedido. Portanto, tecnicamente falando, é a causa de pedir que torna apta a antecipação de parcela da demanda; iii) não havendo recurso, a efetivação dessa parcela do mérito será feita por execução definitiva (não cumprimento provisório), pois não haverá futura decisão apta a ratificá-la ou infirmá-la. Portanto, às naturais limitações impostas a esse tipo de execução não se aplica a regra do art. 356 do CPC/2015. Tanto o cumprimento da decisão como sua eventual liquidação poderão ser formalizados em autos suplementares (em não sendo processo eletrônico) a requerimento da parte ou do juiz; iv) a decisão da parte incontroversa constitui uma decisão interlocutória com conteúdo de mérito e desafia o recurso de agravo de instrumento; v) a decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida. Nesse caso, se poderá proceder à liquidação parcial, independentemente de caução, ainda que a decisão tenha sido recorrida. Com o trânsito em julgado, essa decisão se torna definitiva; vi) esta decisão, por ser definitiva, está apta a fazer coisa julgada material e possui prazo de contagem próprio para eventual ação rescisória (FPPC, Enunciado 336); vii) a sentença não pode alterar a decisão interlocutória de mérito transitada em julgada. São duas decisões de mesma hierarquia sem vínculo de subordinação entre si. Aliás, segundo o Enunciado n. 125 da II Jornada de Direito Processual Civil (CJF): “A decisão parcial de mérito não pode ser modificada senão em decorrência do recurso que a impugna”.13 13 Sá, Renato Montans de. Manual de direito e processo civil. 5 ed. – São Paulo. Saraiva Educação. 2020. p. 743. Elpídio Donizetti nos explica sobre o julgamento antecipado parcial de mérito. Vejamos: Assim como pode ocorrer a extinção parcial do processo, poderá o juiz julgar antecipadamente o mérito de forma não integral. Isso pode ocorrer em duas hipóteses: quando houver vários pedidos cumulados e um ou parte deles se mostrar incontroverso; ou quando o(s) pedido(s) estiver(em) maduro(s) o suficiente para apreciação judicial (art. 356, I e II). A incontrovérsia consiste na ausência do confronto de afirmações em torno de um fato alegado pelo autor, seja porque o réu não se desincumbiu do ônus da defesa especificada, seja pelo fato de ter reconhecido a procedência do pedido com a sua respectiva fundamentação, ou mesmo em decorrência de eventual transação acerca de determinado pedido, ainda que anteriormente tenha sido impugnado pelo réu. Quando a demanda contiver pedidos cumulados19 e um ou parte deles se mostrar incontroverso, pode o juiz decidir parcela da lide, prosseguindo o processo quanto ao remanescente. Nesse caso, a decisão tem feição de sentença, porém, como não põe fim ao processo ou a alguma de suas fases, será impugnável por agravo de instrumento (art. 356, § 5º). Em outras palavras, é como se no processo existissem duas “sentenças”, sendo a primeira referente à parte incontroversa, impugnável por agravo de instrumento, e a segunda referente ao mérito como um todo, que seguirá a regra da impugnação por meio de apelação. Vale ressaltar que mesmo existindo duas (ou até mais) “sentenças”, a decisão que julga antecipada e parcialmente o mérito não dependerá de ulterior confirmação: ela já é definitiva e pode resultar em coisa julgada material antes mesmo de o processo ser extinto. Na segunda hipótese (art. 356, II), se os pedidos estiverem em condições de julgamento, ou seja, se não houver necessidade de produção de provas ou se o réu deixar de contestar algum dos pedidos e incorrer na revelia quanto a um deles, também será possível o julgamento antecipado parcial do mérito. Nesse caso, a decisão não pode concluir pela improcedência de um dos pedidos por suposta ausência de provas, já que o fundamento para a decisão parcial é justamente a desnecessidade de instrução para determinados pedidos. Nesse sentido: STJ, AgRg no AREsp 47.339, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16.04.2013. A decisão que julgar parcialmente o mérito pode reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida (art. 356, § 1º). Se houver liquidez, a decisão poderá ser, desde logo, executada, ainda que esteja pendente de recurso. O cumprimento definitivo depende, por óbvio, do trânsito em julgado da decisão proferida nos termos do dispositivo em comento. O cumprimento provisório, por outro lado, poderá ser realizado independentemente do trânsito em julgado.14 Analisando o art. 355 do Código de Processo Civil, percebemos que em um dos seus incisos, mais precisamente o inciso II, no qual prevê que se o réu for revel, o juiz julgará antecipadamente o pedido, com resolução de mérito. Contudo, há um efeito previsto no art. 344, que é mencionado no inciso II do art. 355, que precisamos entender. O efeito presente no art. 344 é a presunção de veracidade das alegações de fato formuladas pelo autor. Quando o réu é revel, em regra ocorre a presunção de que o que o autor disse na petição inicial é verdade, contudo nem sempre isso acontece. Pode ocorrer do réu ser revel e não ocorrer a situação de considerar o que o autor narrou na petição inicial ser considerado. Quando que essa situação poderia ocorrer? Causa que verse sobre direitos indisponíveis (direito de uma criança por exemplo). Apesar de se ter a revelia, em uma situação em que o réu não apresentar contestação, não ocorrerá o efeito da revelia. Regra, se eu tenho revelia, presume-se o que o autor disse na inicial é verdade. Exceção: direitos indisponíveis. Exemplo de revelia, mas que o pedido do autor não é acolhido: Autor ajuíza uma ação em face de um fraudador de investimentos (pirâmide financeira). Contudo, o autor não traz nos autos qualquer tipo de comprovação de transferênciado dinheiro para o fraudador. Neste caso, o réu foi citado para responder as acusações do autor, contudo, o réu não responde, e não apresenta contestação. Há aqui a presunção de verdadeira a alegação do autor? Neste caso, o juiz irá dizer que há um problema, pois não há qualquer tipo de evidência da ocorrência de fraude, ou qualquer outro tipo de comprovação em relação ao que ocorreu. Não há prova sobre o ocorrido. 14 Donizetti, Elpídio. Curso Didático de direito processual civil. 20 ed. São Paulo. Atlas, 2017. p. 637. REVELIA Revelia é a falta de apresentação de contestação dentro do prazo legal. Renato Montans nos explica acerca da revelia, conforme podemos conferir a seguir: A revelia não ocorre simplesmente quando a parte não apresenta contestação (ou a apresenta fora do tempo), mas também quando não se cumpre o ônus da impugnação específica (CPC/2015, art. 341) ou não sana a falha de representação quando intimada a fazê-lo (CPC/2015, art. 76, II). Ademais, há entendimento no STJ de que ocorre revelia quando se apresenta contestação fora da comarca do juízo, em local distante e errado (STJ, REsp 847.893/SP). Nos juizados especiais cíveis (Lei n. 9.099/95, art. 20) incide também revelia quando “não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do juiz. Não se pode confundir revelia com confissão ficta. Revelia é um fato e a confissão ficta é um efeito. EFEITOS Há dois principais efeitos decorrentes da revelia. Um denominado efeito material e outro processual. - O efeito material é a presunção243 de veracidade dos fatos alegados (CPC/2015, art. 344). Desse efeito gera-se outro periférico: a possibilidade de julgamento antecipado do mérito (CPC/2015, art. 355, II). Aqui há de se destacar um ponto. Sabe-se que os fatos incontroversos, como o caso, independem de prova (CPC/2015, art. 374, III). Todavia, o fato de prescindir de dilação probatória não pode autorizar a necessária procedência do pedido em favor do autor. A presunção é relativa. Do contrário, seria permitido ao autor formular toda sorte de pedidos e, em virtude da não resistência, fosse o réu onerado na condenação de pedido inexequível (como uma dívida de bilhões ou mesmo exigir determinada prestação que exija certo conhecimento técnico que o réu não possui). Não se pode esquecer que o autor possui o ônus de demonstrar os fatos constitutivos do seu direito (CPC/2015, art. 373, I). Assim entende Vicente Greco Filho: “Na realidade, o art. 319 [atual 344] dispensa efetivamente o autor de prova, desde que o réu não conteste a ação, mas os fatos por ele alegados hão de passar pelo crivo da plausibilidade ou verossimilhança”. É exatamente por isso que, sempre que possível, o legislador não perde a oportunidade de deixar consignado, quando possível em lei, que a confissão ficta somente se aplica quando o contrário não resultar da prova dos autos (Lei n. 9.099/95, art. 20). Como bem observa a doutrina, é necessário também analisar a revelia sob a ótica da igualdade substancial. Assim, quando o juiz proceder uma análise sociológica do réu chegar à conclusão de que ele não teve condições de se defender levando em conta seu grau de esclarecimento e a possibilidade de acesso à justiça, poderá elidir os efeitos da revelia. Há casos outros que os efeitos da revelia não serão sentidos: a) citação ficta (edital ou hora certa), já que o curador nomeado promove a defesa do réu revel (arts. 72, II, e 341, parágrafo único, CPC/2015); b) assistente simples que ingressa no processo para ajudar o revel, sendo considerado substituto processual do assistido (CPC/2015, art. 121, parágrafo único); c) se o litisconsórcio for unitário, apenas um deles apresentar defesa (CPC/2015, art. 345, I; CC, art. 213); d) se o direito posto em juízo for indisponível (CPC/2015, art. 345, II). Ainda que seja extremamente difícil divisar o que são direitos indisponíveis dos que não são, é possível colher no ordenamento algumas situações como os direitos da personalidade, as ações que versam sobre o estado das pessoas e algumas situações de direito de família e contra o Poder Público. Assim, a paternidade necessariamente deve ser provada a despeito de não haver resposta (RT 672/199); e) se a inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável para o ato (CPC/2015, arts. 345, III, e 406). “Prova substancial é a que sem a qual o direito não chega a se constituir no plano material. Como exemplo veja o art. 108 do CC: “ Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País; f) se as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos. Aqui se deseja evitar presunções sem fundamento ou completamente implausíveis. Constitui uma nova situação trazida pelo CPC/2015 em seu art. 345, IV. A inverossimilhança dependerá de cognição exauriente, assim, a revelia (no plano material) apenas será utilizada como regra de julgamento (e não de instrução) no momento de prolação da sentença. A contradição entre a alegação e as provas, ao contrário, é possível em certos casos que se proceda à sua análise prima facie, de modo que poderá à revelia ser decretada de imediato; g) Quando a defesa versar sobre matéria exclusivamente de direito. Já que no Brasil se adota majoritariamente a teoria da substanciação, que estabelece a preclusão sobre a matéria de fato e não a de direito. Não obstante o art. 336 fale em exposição “de fato e de direito”, essa regra deve ser interpretada com o sistema, permitindo, por exemplo, que o réu apresente contestação intempestiva ou mesmo petição autônoma alegando que no caso se aplica o Código de Defesa do Consumidor e não o Código Civil; h) Quando o réu reconvir sem apresentar contestação (o que se apresenta possível conforme o art. 343, § 6º, CPC), desde que as alegações trazidas na reconvenção tornem os fatos controvertidos (STJ, REsp 1.335.994). Ademais, a revelia afasta a coisa julgada sobre as questões prejudiciais, já que o art. 503, § 1º, II, exige que tenha havido contraditório prévio e efetivo. Por fim, a despeito da revelia, o magistrado é livre para a apreciação do quantum debeatur em ação de indenização, ainda que o autor tenha deduzido valor. Isso porque o prejuízo deve ser aferido com base nas alegações e provas trazidas, não se autorizando o enriquecimento sem causa (STJ, REsp 1.520.659). - O efeito processual consiste na não intimação dos atos do processo para o réu revel (CPC/2015, art. 346). Seu prazo passa a fluir da data de publicação do ato decisório no Diário Oficial249. Se o réu revel comparecer nos autos, poderá movimentar o processo, mas no estado em que ele se encontra, não podendo praticar os atos já consumados (em atenção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito). Será doravante intimado dos atos, sendo-lhe facultada a produção de provas (Enunciado n. 231 da Súmula do STF) desde que tenha ingressado no processo em momento oportuno. Nessa ocasião, poderá produzir provas contrárias às alegações trazidas pelo autor. Assim estabelece o art. 349 do CPC/2015, ao asseverar: “Ao réu revel será lícita a produção de provas, contrapostas às alegações do autor, desde que se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis a essa produção”. Já entendeu o STJ que o prazo para apelação do réu revel não conta da intimação da parte contrária (que está nos autos), mas da publicação da sentença em cartório. Apenas se não tiver advogado constituídonos autos (advogado ou defensor público), sofrerá os efeitos processuais da revelia (art. 346, CPC/2015). Assim, o réu que simplesmente não compareceu no processo e, portanto, não se defendeu sofrerá o efeito processual da revelia. Mas o réu que contratou advogado, sendo que este está devidamente constituído nos autos, mas não apresentou defesa ou a fez extemporaneamente, não sofrerá os efeitos processuais da revelia. Contudo, mesmo nos casos em que os efeitos processuais da revelia forem sentidos, há situações que não podem deixar de se intimar o réu revel dada a especialidade do tema. É o que ocorre na intimação para comparecimento a audiência de instrução e julgamento para depoimento pessoal (art. 381, CPC) ou exibição de documento ou coisa (art. 398, CPC). A revelia gera outro efeito processual, que é a possibilidade de julgamento antecipado parcial do mérito (art. 355, II, CPC).15 Vamos imaginar outra situação. Um determinado réu é citado para apresentar defesa. Na defesa apresentada pelo réu, é alegado que o autor é parte ilegítima, e também é alegado que existe um defeito na representação. Neste caso, o juiz irá apreciar as preliminares alegadas pelo réu, afastando, ou acolhendo a alegação de ilegitimidade. Se o juiz acolher as preliminares, o processo pode ser extinto sem resolução de mérito. Contudo, pode ocorrer o contrário. Pode juiz entender que o caso não é de ilegitimidade, irá o juiz afastar a primeira preliminar, e irá avaliar a segunda preliminar alegada, que seria o defeito na representação. Intima o autor para regularizar a situação, e após haverá o prosseguimento normal do processo. No caso, o juiz olhará para a totalidade dos pedidos, e fixará todos os pontos controvertidos do caso. Como que funciona esta fase? A fixação dos pontos controvertidos é uma atividade judicial, em que o juiz delimita qual é a parte do processo que será julgada. Seria como uma atividade de organização do juiz. Elpídio Donizetti em relação a organização do processo, nos esclarece o seguinte: Na fase do saneamento propriamente dita, se houve necessidade de providências preliminares, já foram elas adotadas. Assim, se o réu alegou fato impeditivo, modificativo, extintivo ou preliminares, sobre eles foi ouvido o autor. Igualmente, já houve determinação para sanar eventual irregularidade, como a incapacidade das partes e o defeito de representação. Lembre-se que, como a audiência de conciliação atualmente ocorre antes da apresentação da defesa pelo réu, a fase saneadora somente ocorrerá se não for obtida composição ou se a audiência não se realizar. Continuando. Tomadas as providências preliminares, se for o caso, e não ocorrendo extinção ou julgamento antecipado do mérito,21 o juiz vai sanear o feito, ou seja, expungido de alguma circunstância que inviabilize o processo, a fim de não se perder tempo com a produção de provas em um feito que, desde logo, pode ser anulado ou extinto sem resolução do mérito. O saneamento e a organização do processo tomaram rumos distintos no Código de 2015. Anteriormente falava-se em audiência preliminar, 15 Sá, Renato Montans de. Manual de direito e processo civil. 5 ed. – São Paulo. Saraiva Educação. 2020. p. 733. na qual o juiz poderia sanear o processo após esgotar o juiz os meios suasórios para conciliar as partes. Como a audiência com vistas à conciliação não ocorre mais nesta fase, o juiz deverá, conforme o caso, adotar as seguintes providências (art. 357): I – resolver as questões processuais pendentes, se houver; II – delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; III – definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373; IV – delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; V – designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento. O inciso I determina que caberá ao juiz delimitar as questões processuais pendentes. Evidentemente, não se submeterá à preclusão a decisão saneadora que não tratar de vício processual insanável, de ordem pública.22 No entanto, deve-se entender que a decisão saneadora (denominada, atecnicamente, de “despacho saneador” no CPC/1973), ao determinar o prosseguimento da demanda, implica juízo positivo de admissibilidade da ação, bem como de regularidade da relação processual. Com efeito, verificado determinado vício que impeça o alcance de uma sentença de mérito, caberá ao juiz determinar a sua regularização na decisão saneadora, sob pena de extinção do processo. Superado o juízo de regularidade processual, caberá ao julgador delimitar quais questões serão objeto de produção probatória (inciso II), bem como os meios de prova cabíveis. Além disso, identificará as questões de direito relevantes para o julgamento do mérito. Tais providências são essenciais ao saneamento, uma vez que concretiza o exercício do contraditório por toda a fase instrutória, garantindo previsibilidade às partes sobre o que devem debater, visto que o conteúdo da discussão fundamentará a futura sentença. Intimadas as partes do despacho saneador, têm elas o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de cinco dias. Esse pedido não deve ser confundido com a interposição de embargos de declaração. A hipótese aqui aventada é mais ampla que a aludida modalidade recursal. Deve ser entendida, portanto, como simples petição que garante o amplo debate sobre a questão saneadora, evitando incongruências que possam, futuramente, impedir o efetivo exercício do contraditório. No mesmo prazo do pedido de esclarecimentos ou até antes do saneamento, as partes também podem apresentar ao juiz, para homologação, as questões de fato e de direito a que se referem os incisos II a IV (art. 357, § 2º). Ou seja, autor e réu podem definir quais provas serão produzidas e como o ônus será distribuído. Trata-se de inovação que integra a relação consensual entre as partes e o juiz, diminuindo o protagonismo deste último e, sobretudo, permitindo a participação das partes na condução do processo. Ao que tudo indica, o art. 357, § 2º, do CPC/2015 adota uma visão moderna que prima pela integração consensual. Abre-se a possibilidade de transportar, para o Brasil, avanços da legislação processual de outros países, como no caso da França, onde a ideia da contratualização do processo permite a celebração de ajustes entre as partes e o juiz, a respeito da forma de condução do processo e do momento para a prática de determinados atos processuais. Com isso, fica abandonado um esquema vertical e impositivo do relacionamento entre partes e juiz, em prol de uma postura horizontal e consensual entre os sujeitos processuais. Se a causa for complexa, o juiz poderá designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes. Nesse caso, se o processo demandar dilação probatória, as partes que ainda não indicaram as testemunhas deverão fazê-la nesta audiência. Por outro lado, se desnecessária a realização desta audiência, as partes indicarão suas testemunhas em prazo comum não superior a quinze dias, contado da intimação do despacho saneador. O encerramento da fase saneadora pode significar duas coisas: ou os pedidos estão prontos para serem julgados ou eles ainda precisam ser submetidos à instrução probatória. Explico. Se a matéria a ser julgada for unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, este já se encontrar comprovado por documento, não haverá necessidade de se produzir qualquer outra prova. Se, no entanto, houver necessidade de prova oral, perícia ou inspeção judicial, o juiz somente julgará os pedidos quando essas provas forem realizadas.16 Elpídio Donizetti ainda nos traz um quadro esquemático que nos faz entender como de fato ocorre a fase saneadora do processo, conforme podemos conferir a seguir no esquema17: 16 Donizetti, Elpídio. Curso Didáticode direito processual civil. 20 ed. São Paulo. Atlas, 2017. p. 639. 17 Donizetti, Elpídio. Curso Didático de direito processual civil. 20 ed. São Paulo. Atlas, 2017. p. 640. Marcus Vinicius Rios Gonçalves também nos traz alguns alertas sobre a organização do processo por parte do juiz. Vejamos as considerações: Não sendo caso de julgamento antecipado, total ou parcial do mérito, e tomadas as providências preliminares, o juiz proferirá decisão de saneamento e organização do processo. Como já houve a audiência de conciliação ou mediação, em regra não será designada nova audiência para conciliação e saneamento do processo. O saneamento e a organização do processo devem ser feitos por decisão interlocutória, na qual o juiz resolverá as questões processuais pendentes, se houver; delimitará as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; definirá a distribuição do ônus da prova, delimitará as questões de direito relevantes para a decisão de mérito e designará, se necessário, audiência de instrução e julgamento. Mas se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, o juiz deverá designar audiência para o saneamento do processo, em cooperação com as partes. Trata-se de mais uma aplicação do princípio da cooperação. A finalidade dela é permitir que o juiz, se for o caso, convide as partes a integrar ou esclarecer as suas alegações, trazendo-lhe maiores elementos para que possa promover o saneamento e a organização do processo, decidindo sobre as questões controvertidas e sobre as provas necessárias. A ideia é que haja uma cooperação e atuação conjunta dos sujeitos do processo e que sejam prestados os esclarecimentos necessários para que ele possa ter um desenvolvimento mais adequado. Proferida a decisão saneadora, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de cinco dias, findo o qual a decisão se torna estável. Em princípio, contra ela não cabe agravo de instrumento, salvo se decidir algumas das questões constantes do rol estabelecido no art. 1.015 do CPC (por exemplo, se o juiz promover a redistribuição do ônus da prova — art. 1.015, XI —, ou excluir um litisconsorte — art. 1.015, VII). Por isso, nos termos do art. 1.009, § 1º, ela não fica acobertada pela preclusão, e as questões por ela resolvidas poderão ser suscitadas como preliminar de apelação (salvo se o juiz, no saneamento, decidir algum dos temas elencados no art. 1.015, quando então o prejudicado deverá agravar, sob pena de preclusão). Dentro em cinco dias da intimação da decisão saneadora, as partes podem pedir ao juiz esclarecimentos ou solicitar ajustes, que ele estará autorizado a fazer. Depois do prazo, a decisão se torna estável, o que significa que, embora não preclusa, não poderá ser alterada pelo juiz, só podendo ser reexaminada pelo órgão ad quem, se suscitada como preliminar de apelação ou nas contrarrazões. Ocorre, na fase de saneamento e organização do processo, mais um exemplo do poder de influência das partes no procedimento. Estabelece o art. 357, § 2º, que “As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV (isto é, os fatos sobre os quais recairá atividade probatória ou as questões de direito relevantes para a decisão de mérito); se homologada, a delimitação vincula as partes e o juiz”. Amplia-se o poder de disposição das partes, mas sempre com a fiscalização e o controle judicial. Trata-se de mais uma aplicação do princípio da cooperação dos sujeitos do processo para que ele tenha um desenvolvimento mais eficiente. Ao promover o saneamento, o juiz deliberará sobre as provas necessárias para a instrução do processo. Se autorizar a prova testemunhal, já designará data para a audiência de instrução e julgamento, concedendo às partes o prazo não superior a 15 dias para arrolar testemunhas (se for designada a audiência para saneamento e organização do processo, na hipótese do art. 357, § 3º, o rol de testemunhas já deve ser levado pelas partes à audiência), no máximo 10, sendo três, no máximo, para a prova de cada fato. O juiz poderá, ainda, limitar o número de testemunhas, levando em conta a complexidade da causa e os fatos a serem demonstrados. Se determinar perícia, deverá observar o disposto no art. 465 e, se possível, fixar calendário para a sua realização.18 18 Gonçalves, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8 Ed. São Paulo. Saraiva, 2017. p. 591. Conforme pudemos conferir, a organização do processo pelo juiz será fundamental para que o caso seja apreciado da devida forma, evitando-se assim, prováveis inconsistências durante o julgamento do caso, e também ao final. Se não for o caso de extinção do processo, nem julgamento antecipado, o processo passa à etapa de saneamento e organização do processo, na qual o juiz exerce essa atividade de organização, com o fim de preparar o processo para a fase instrutória. As hipóteses estão contempladas no art. 357, do Código de Processo Civil, conforme podemos conferir a seguir: Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: I - resolver as questões processuais pendentes, se houver; II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373 ; IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento. § 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável. § 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz. § 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações. § 4º Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes apresentem rol de testemunhas. § 5º Na hipótese do § 3º, as partes devem levar, para a audiência prevista, o respectivo rol de testemunhas. § 6º O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez), sendo 3 (três), no máximo, para a prova de cada fato. § 7º O juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados. § 8º Caso tenha sido determinada a produção de prova pericial, o juiz deve observar o disposto no art. 465 e, se possível, estabelecer, desde logo, calendário para sua realização. § 9º As pautas deverão ser preparadas com intervalo mínimo de 1 (uma) hora entre as audiências. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#art373 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#art465 Vejamos um exemplo. A parte ajuíza uma ação contra uma cia área, contando que fora viajar par ao exterior, e o voo estava agendado para o dia x, contudo, o voo não saiu no dia marcado, por conta de um atraso de voo. Neste caso, a parte solicitou na ação todos os gastos que teve com o atraso. A cia área fez uma defesa de mérito indireta, dizendo que realmente o voo tinha atrasado, pelo motivo de que na região do aeroporto, um vulcão estava quase entrando em erupção, soltando uma grande quantidade de fumaça, e isso levou a impossibilidadede qualquer voo no aeroporto na data marcada. Há aqui uma excludente do dever de indenizar no presente caso. O juiz ao analisar o caso, perguntou ao autor, se o mesmo gostaria de produzir algum tipo de prova. Vamos pensar. No presente caso a cia área negou alguma alegação do autor? A princípio não, pois tudo que foi narrado realmente aconteceu, mas a cia alegou, na realidade, outra situação, um evento natural. O autor aqui deveria ter ficado quieto, pois a cia área não chegou a rebater todos os fatos do autor, contudo, não foi isso o que ocorreu. Em nosso exemplo, o autor informou ao juízo, que gostaria de produzir provas. No caso, não deveria o autor ter alegado o interesse na produção de prova, pois, considerando a regra de direito processual, a incumbência do ônus probatório é do réu. Se os documentos trazidos na inicial, e na contestação forem suficientes para a devida avaliação do juiz sobre o caso, poderá o mesmo julgar o caso, sem a necessidade de verificação de outras provas. As partes irão também manifestar o interesse em comprovar o que estão alegando. Elpídio Donizetti nos esclarece o seguinte, a respeito da necessidade de produção de prova: Se o processo chegou a essa fase é porque os elementos de prova, sobretudo documentos, apresentados na fase postulatória não foram suficientes para formar a convicção do juiz, a fim de que pudesse ele compor o litígio, com o acolhimento ou rejeição do pedido do autor. Sendo assim, urge conceder às partes oportunidade de provarem alegações, ou seja, o fato constitutivo do direito do autor, ou eventual fato impeditivo, modificativo ou extintivo, arguido pelo réu. “Toda prova há de ter um objeto, uma finalidade, um destinatário, e deverá ser obtida mediante meios e métodos determinados. A prova judiciária tem como objeto os fatos deduzidos pelas partes em juízo. Sua finalidade é a formação da convicção em torno dos mesmos fatos. O destinatário é o juiz, pois é ele que deverá se convencer da verdade dos fatos para dar solução jurídica ao litígio”. Cabe às partes indicar, na petição inicial e na contestação, os meios de prova de que se quer utilizar para demonstrar suas alegações (arts. 319, VI, e 336). A rigor, na petição inicial, o autor apenas manifesta a intenção de produzir provas, sem indicação precisa dos meios. Faz-se um pedido, um protesto genérico. Ocorre que, ao propor a ação, o autor não sabe de quais provas vai necessitar para demonstrar a verdade dos fatos por ele alegados; aliás, pode ser que sequer vá necessitar de provas, como, por exemplo, na hipótese de ocorrência de revelia ou de reconhecimento da procedência do pedido. Os meios probatórios somente são individualizados no saneamento (art. 357, II), após o juiz delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória. Pode ainda o juiz determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito (art. 370), sem, no entanto, quebrar o princípio da isonomia. Nesse caso, seu poder de determinar a produção de provas de ofício restringe-se à complementação de provas produzidas pelas partes, como, por exemplo, a audição de testemunha referida e o esclarecimento sobre determinados aspectos da perícia. Saliente-se que a prova tem por objetivo formar a convicção do juiz. E para tanto, em princípio, serve a perícia, o documento ou o testemunho. Não estabelece o Código qualquer critério valorativo da prova. O nosso sistema é o do livre convencimento fundamentado ou da persuasão racional (art. 371), de forma que o depoimento de uma testemunha pode infirmar um documento ou uma perícia.19 A seguir podemos trazer algumas decisões em que o Judiciário aplica a regra de organização do processo, para que a prestação jurisdicional seja prestada da devida forma. Vejamos algumas delas: APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REPARAÇÃO DE DANOS. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE DESPACHO SANEADOR COM INTIMAÇÃO PARA ESPECIFICAÇÃO DE PROVAS. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO POR INEXISTÊNCIA DE PROVA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. PRELIMINAR ACOLHIDA. 1. O art. 355 do Código de Processo Civil ( CPC) delimita as hipóteses de julgamento antecipado da lide: quando não houver necessidade de produção de outras provas ou quando ocorrer a 19 Donizetti, Elpídio. Curso Didático de direito processual civil. 20 ed. São Paulo. Atlas, 2017. p. 641. presunção de veracidade na revelia. 2. O juiz deverá, nos demais casos, em decisão de saneamento e de organização do processo: 1) resolver as questões processuais pendentes, se houver; 2) delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; 3) definir a distribuição do ônus da prova; 4) delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; e 5) designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento, conforme determina o art. 357 do Código de Processo Civil. 3. Na hipótese, a sentença de improcedência faz menção expressa à falta de comprovação dos fatos alegados na inicial, do que se depreende que o julgamento antecipado da lide não poderia ter ocorrido. 4. A ausência de despacho saneador gerou prejuízo à defesa da apelante, já que não lhe foi oportunizada a produção de outras provas que poderiam, em tese, demonstrar a veracidade de suas alegações. 5. Preliminar de cerceamento de defesa acolhida. Recurso conhecido e provido.20 PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMISSÃO DE POSSE. EMBARGOS DE TERCEIRO. PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO. SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO FEITO. CERCEAMENTO DE DEFESA. VIOLAÇÃO AO ART. 357, DO CPC E AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. 1. A partir do advento do CPC de 2015, a decisão de saneamento e de organização do processo é, na sua maior parte, irrecorrível por agravo de instrumento. O único tópico passível de recurso imediato por agravo de instrumento é aquele tópico da decisão de saneamento que se refere à distribuição do ônus da prova, tal como previsto no art. 357, inciso III, c/c o art. 1.015, inciso XI, ambos do CPC. 2. Proferida a decisão de saneamento, abre-se às partes a possibilidade de requererem esclarecimentos ou solicitar ajustes. Não o fazendo em 5 (cinco) dias, o § 1º do art. 357, do mesmo diploma legal, dispõe que a decisão de saneamento se torna estável, impedindo o juízo processante de modificar aquilo que foi ali decidido. Ou seja, não podem ser incluídas novas questões para além daquilo que foi definido na decisão de saneamento, bem como não podem ser excluídas provas cuja necessidade foi proclamada naquela decisão. O juízo se vincula àquilo, que é uma garantia não só para as partes como também para o julgador. 3. Tendo sido a respeitável sentença proferida em desarmonia com o que restou decidido por ocasião do saneamento e da organização do processo, culminou em violação não só ao § 1º do art. 357, do CPC, mas, mais ainda, em violação ao princípio do devido processo legal. 4. Recurso da Mundial Center 20 TJ-DF 07120398120218070001 DF 0712039-81.2021.8.07.0001, Relator: LEONARDO ROSCOE BESSA, Data de Julgamento: 23/02/2022, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 16/03/2022. Atacadista S/A provido. Sentença cassada. Demais recursos prejudicados.21 PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSATÓRIA POR DANO MORAL. ALEGAÇÃO DE NEGATIVAÇÃO INDEVIDA EM VIRTUDE DA NEGATIVA DE QUALQUER RELAÇÃO JURÍDICA COM O BANCO RÉU. PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELO DO BANCO RÉU SUSCITANDO NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. SUBSIDIARIAMENTE, PRETENDE A REFORMA INTEGRAL DO JULGADO OU, AO MENOS, A REDUÇÃO DA VERBA COMPENSATÓRIA. AUSÊNCIA DE PROLATAÇÃO DE DECISÃO SANEADORA COM A APRECIAÇÃO DO TEMPESTIVO PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL FORMULADO PELA PARTE RÉ. CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO PELO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. NULIDADE CUJA DECLARAÇÃO SE IMPÕE. PROVIMENTO.Na espécie, após requerer tempestivamente a produção de prova pericial grafotécnica, a parte ré foi surpreendida com a prolatação de sentença de parcial procedência dos pedidos autorais. Com efeito, nota-se que o pedido de produção de prova pericial sequer foi analisado, circunstância caracterizadora de error in procedendo, pois o correto seria proferir decisão de saneamento e de organização do processo, oportuno momento processual no qual o juízo resolveria as questões processuais pendentes, delimitaria as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos, definiria a distribuição do ônus da prova, observado o artigo 373 do NCPC, delimitaria as questões de direito relevantes para a decisão do mérito e designaria, se necessário, audiência de instrução e julgamento, tudo na forma expressamente prevista no artigo 357 e seus incisos do NCPC, sendo nítida a inaplicabilidade, in casu, da regra do julgamento antecipado do mérito, pois, embora revel, o banco réu requereu a produção de prova (artigo 355, II, in fine, do NCPC), conforme lhe é permitido pela regra prevista no artigo 349 do NCPC. A toda evidência, o desrespeito a tal regra configura notório prejuízo à parte ré que viu seu direito de defesa cerceado. Violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, constitucionalmente protegidos. Jurisprudências do E. STJ e desta E. Corte. Provimento do apelo para declarar a nulidade da sentença e determinar o prosseguimento do processo com o proferimento de decisão de 21 TJ-DF 00305295420158070018 DF 0030529-54.2015.8.07.0018, Relator: ARNOLDO CAMANHO, Data de Julgamento: 01/12/2021, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no PJe : 22/01/2022. saneamento e de organização do processo, com a análise do pedido da pare ré de produção de prova pericial grafotécnica.22 AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CÉDULA DE CRÉDITO RURAL PIGNORATÍCIA E HIPOTECÁRIA – SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO. 1. INSURGÊNCIA ATINENTE AO INDEFERIMENTO DA PROVA ORAL – MATÉRIA NÃO PREVISTA NO ROL DO ART. 1.015 DO CPC – URGÊNCIA NÃO IDENTIFICADA – TEMA REPETITIVO Nº 998 – RECURSO NÃO CONHECIDO NESSE PONTO. 2. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO – DECISÃO CITRA PETITA – NULIDADE PARCIAL – DECLARAÇÃO DE OFÍCIO – TEORIA DA CAUSA MADURA – POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ANALÓGICA – ART. 1.013, § 3º, III, DO CPC – ANÁLISE IMEDIATA DO REQUERIMENTO EXIBITÓRIO – EXAME DA FINALIDADE E UTILIDADE DA PROVA PRETENDIDA EM VISTA DOS LIMITES OBJETIVOS DA DEMANDA E DAS PECULIARIDADES DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO – IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO AMPLA DOS CONTRATOS FIRMADOS ENTRE AS PARTES E CONSEQUENTE EXIBIÇÃO DE TAIS INSTRUMENTOS E DEMAIS DOCUMENTOS CORRELATOS – AUTONOMIA DO TÍTULO EXECUTIVO – AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO COM QUALQUER OUTRO CONTRATO ENVOLVENDO AS PARTES – INUTILIDADE E IMPERTINÊNCIA DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS ALHEIOS AO TÍTULO – POSTULAÇÃO EXIBITÓRIA DEFERIDA EM PARTE. 3. POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO CDC E INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO – TOMADA DE CRÉDITO PARA FOMENTO DE ATIVIDADE AGROPECUÁRIA – RELAÇÃO DE INSUMO – PRODUTOR RURAL – CDC INAPLICÁVEL – PRECEDENTES DO STJ – NÃO IDENTIFICADA VULNERABILIDADE TÉCNICA, JURÍDICA OU ECONÔMICA (FINALISMO MITIGADO) – ADEMAIS, AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA E HIPOSSUFICIÊNCIA. Decisão anulada parcialmente e de ofício, com julgamento imediato com base no art. 1.013, § 3º, III, do CPC. No mais, recurso parcialmente conhecido e parcialmente provido. (TJPR - 14ª C.Cível - 0056702-13.2021.8.16.0000 - Cambé - Rel.: DESEMBARGADORA THEMIS DE ALMEIDA FURQUIM - J. 14.02.2022)23 AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR. FATO DO PRODUTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DECISÃO DE 22 TJ-RJ - APL: 01482042220168190001, Relator: Des(a). CLEBER GHELFENSTEIN, Data de Julgamento: 10/02/2022, DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/02/2022 23 TJ-PR - AI: 00567021320218160000 Cambé 0056702-13.2021.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Themis de Almeida Furquim, Data de Julgamento: 14/02/2022, 14ª Câmara Cível, Data de Publicação: 14/02/2022 SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO QUE NÃO DELIMITOU AS QUESTÕES DE FATO SOBRE AS QUAIS RECAIRÁ A ATIVIDADE PROBATÓRIA. NULIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Segundo o inciso XI do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, qualquer decisão que verse sobre redistribuição do ônus da prova é agravável. 2. Nos termos do artigo 357 do Código de Processo Civil, na decisão de saneamento e organização do processo, deverá o Juiz resolver as questões processuais pendentes, delimitar as questões de fato sobre as quais recairá atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos, definir a distribuição do ônus da prova, delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito e designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento. 3. Configura cerceamento de defesa e ofensa ao devido processo legal a ausência de efetivo saneamento do processo, sem a delimitação das questões de fato sobre as quais deveria recair a atividade probatória e a especificação dos meios de prova admitidos. 4. Agravo de instrumento conhecido e provido.24 APELAÇÃO CÍVEL. COMPRA E VENDA. VÍCIO REDIBITÓRIO. AUTOMÓVEL. DEFEITOS GRAVES. NECESSIDADE DE AVERIGUAR A PREEXISTÊNCIA E A CIÊNCIA DAS PARTES. PROTESTO PELA PRODUÇÃO DE PROVAS ORAIS NA PETIÇÃO INICIAL. REVELIA DA PARTE RÉ. JULGAMENTO ANTECIPADO. IMPROCEDÊNCIA POR FALTA DE PROVAS. AUSÊNCIA DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. SENTENÇA CASSADA. 1. É cediço que a compra de automóvel usado exige cautelas do adquirente quanto à verificação das suas condições, daí porque a necessidade de revisão e troca de itens sujeitos a desgaste pelo uso não seria, em princípio, fato extraordinário ou imprevisível. Entretanto, possuindo o automóvel defeitos graves que lhe comprometem o desempenho, segurança e valor, demandando retífica do motor e substituição da embreagem, mostra-se pertinente aprofundar a instrução probatória para permitir às partes demonstrarem a época de seu surgimento e ciência, ou não, de ambos os contratantes, quanto à sua existência. 2. Não há como se afirmar, peremptoriamente, que as provas orais requeridas na petição inicial seriam irrelevantes para a solução do litígio, haja vista que a configuração do vício redibitório não desconsidera a presença de elemento subjetivo, atinente à ciência das partes quanto à sua existência. Ademais, a própria sentença admitiu a necessidade de produção da prova pericial, sem, contudo, que tivesse sido regularmente oportunizada a sua produção, mediante expresso saneamento e organização do feito. 3. Não tendo sido realizado o saneamento e a organização do feito, com a delimitação das questões 24 TJ-DF 07244575420218070000 DF 0724457-54.2021.8.07.0000, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, Data de Julgamento: 07/12/2021, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 13/12/2021. controvertidas e distribuição do ônus da prova, configura cerceamento de defesa o julgamento de improcedência por falta de prova dos fatos constitutivos do direito do autor, mormente quando, sendo os réus revéis, havia legítima expectativa processual de que se aplicassem os efeitos da revelia quanto ao ônus probatório. 3. Apelo provido. Sentença cassada.25 AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO MONITÓRIA – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – DECISÃO DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO QUE DEFERIU OS PEDIDOS DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS, POR PARTE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AUTORA – IRRESIGNAÇÃO DO DEMANDANTE – PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO – REJEIÇÃO – CRÉDITO ADQUIRIDO POR PRODUTOR RURAL QUE NÃO SE DESTINA À AQUISIÇÃO DE INSUMOS AGRÍCOLAS – CONDIÇÃO DE CONSUMIDOR FINAL RECONHECIDA, O QUE AUTORIZA A INCIDÊNCIA DAS NORMAS DOCDC – PRECEDENTES – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE DO DIREITO AFIRMADO PELO RÉU/EMBARGANTE – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO FORMALIZADA PARA QUITAÇÃO DE ANTERIOR CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA ENCARGOS DO PERÍODO DE NORMALIDADE QUE OBSERVAM, EM PRINCÍPIO, O QUE ESTABELECE A LEGISLAÇÃO DO CRÉDITO RURAL – HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICO-PROBATÓRIA DO CONSUMIDOR QUE, MUITO EMBORA RECONHECIDA, NÃO AUTORIZA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA, NA CASUÍSTICA – APARENTE DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE OUTRAS PROVAS QUE NÃO A DOCUMENTAL JÁ COLIGIDA – DESNECESSIDADE E INUTILIDADE, POR CONSEGUINTE, DA DETERMINAÇÃO DE EXIBIÇÃO DE NOVOS DOCUMENTOS – MEDIDAS AFASTADAS – DECISÃO PARCIALMENTE MODIFICADA – RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJPR - 14ª C. Cível - 0063222-86.2021.8.16.0000 - Bandeirantes - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU ANTONIO DOMINGOS RAMINA JUNIOR - J. 09.05.2022)26 25 TJ-DF 07253982920208070003 DF 0725398-29.2020.8.07.0003, Relator: ARNOLDO CAMANHO, Data de Julgamento: 03/02/2022, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 16/02/2022. 26 TJ-PR - AI: 00632228620218160000 Bandeirantes 0063222-86.2021.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Antonio Domingos Ramina Junior, Data de Julgamento: 09/05/2022, 14ª Câmara Cível, Data de Publicação: 09/05/2022 Após verificarmos como o Judiciário lida com as questões relacionadas a organização do processo, podemos a seguir ver outras decisões, que analisam a questão da necessidade, ou não de produção de prova. Vejamos os julgados: APELAÇÃO. Ação declaratória de inexistência de título c.c. cancelamento de protesto e indenização por danos morais. Sentença de procedência. Inconformismo da ré. Juntada de documentos nas razões de apelação. Não conhecimento diante da preclusão. Documentos de fácil acesso, que poderiam ter sido juntados oportunamente. Apresentação extemporânea. Impossibilidade de conhecimento por não se tratar de documentos novos, a teor da disposição contida no art. 435 do CPC. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Provas documentais suficientes ao julgamento da lide. Desnecessidade da produção de prova testemunhal. Protesto indevido por dívida paga. Danos morais "in re ipsa" em razão do protesto irregular. Quantum indenizatório mantido em R$ 5.000,00, atendendo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. A autora permaneceu com o protesto indevido por 48 meses. Sentença mantida. Recurso desprovido.27 EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PRELIMINARES DE NULIDADE PARCIAL DO PROCESSO E DE CERCEAMENTO DE DEFESA - REJEIÇÃO - AÇÃO DE COBRANÇA - CONTRATO DE LOCAÇÃO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS FIADORES - RENÚNCIA AO BENEFÍCIO DE ORDEM. Não se há de falar em nulidade parcial do processo ou em cerceamento de defesa, ante a regular apresentação de contestação pela parte requerida/apelante e ante a desnecessidade de produção de provas outras para o deslinde da controvérsia. É solidária a responsabilidade do locatário e de seu fiador, notadamente quando este renuncia ao benefício de ordem previsto nos art. 827 e 828 do Código Civil. Buscando os autores/locadores o recebimento de valores inadimplidos, cuja obrigação de pagamento recai sobre o locatário e também, de forma solidária, sobre sua garantidora, competia aos devedores comprovar o cumprimento da obrigação por eles assumida, a teor do disposto no artigo 373, II, do CPC.28 27 TJ-SP - AC: 10029081320218260637 SP 1002908-13.2021.8.26.0637, Relator: Régis Rodrigues Bonvicino, Data de Julgamento: 27/01/2022, 21ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/01/2022. 28 TJ-MG - AC: 10313120007189002 Ipatinga, Relator: José de Carvalho Barbosa, Data de Julgamento: 03/02/2022, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2022. Apelação. Ação declaratória de resolução de promessa de compra e venda c./c. restituição de quantias pagas. Compromisso de compra e venda de bem imóvel. Atraso na entrega do imóvel. Rescisão contratual a pedido dos promitentes compradores. Sentença de parcial procedência, declarando a resolução do contrato e devolução dos valores desembolsados a título de preço. Recurso da ré que não merece prosperar. Argumentos preliminares que devem ser afastados. Cerceamento de defesa que não se verifica. Desnecessidade de produção de prova pericial e oral. Alegação de atraso por caso fortuito e força maior em razão da pandemia de Covid-19. Construção civil que não foi paralisada durante a pandemia, por ser classificada como serviço essencial. Prazo de tolerância fixado em 180 dias úteis para a conclusão das obras. Cláusula abusiva. Prazo de tolerância que não pode superar 180 dias corridos. Aplicação do tema 1 do IRDR nº 0023203-35.2016.8.26.0000. Atraso na entrega do imóvel verificado. Restituição que deveria ocorrer de forma integral (Súmula 543 do STJ), e não apenas em relação aos valores pagos a título de preço, mas não do valor indicado como pago a título de entrada. Ausência de recurso pelos compradores. Proibição da reformatio in pejus. Pretensão de aplicação de cláusula penal afastada. Restituição em parcela única (Súmula 2 deste Tribunal). Rescisão contratual por culpa exclusiva da ré. Juros de mora desde a citação (art. 405 do CC). Correção monetária desde cada desembolso. Precedentes. Sucumbência corretamente estabelecida. Sentença mantida. Honorários majorados. RECURSO DESPROVIDO.29 O art. 357 vai muito além do artigo 331 do Código de Processo Civil de 1973, que tratava apenas da audiência preliminar, que ficou praticamente esquecida. Não tínhamos saneadores, mas meros modelos. A ideia atual é: sanear e organizar. Por isso o juiz precisa especificar os fatos objeto de prova, o meio de prova e as questões de direito que se mostrem relevantes para o processo. Em sequência as partes podem pedir esclarecimentos no prazo comum de 5 dias (processo cooperativo). Depois, esta decisão se torna estável (preclusão). O parágrafo segundo do art. 357 traz interessante regra: “delimitação consensual das questões de fato e de direito”. 29 TJ-SP - AC: 10158442220218260071 SP 1015844-22.2021.8.26.0071, Relator: L. G. Costa Wagner, Data de Julgamento: 31/05/2022, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 31/05/2022. As partes podem acordar sobre a condução da fase instrutória, ajustando os fatos a provar, por exemplo. A proposta não obriga à homologação, mas, sendo homologada, obriga os sujeitos do processo (negócio jurídico processual). Em relação ao negócio jurídico processual, importante trazermos algumas contribuições de Pedro Henrique Nogueira, que nos explica o conceito de negócio jurídico processual: Fato jurídico voluntário em cujo suporte fático, descrito em norma processual, esteja conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentre os limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais. Como obervou Fredie Didier Jr., “no negócio jurídico, há escolha da categoria jurídica, do regramento jurídico para uma determinada situação”30 Dentro da conceituação do autor citado, verificamos que há a possibilidade de realizarmos negócios jurídicos processuais, o que confere as partes, a viabilidade de escolha de certas situações jurídicas processuais. É o que podemos constatar no Código de Processo Civil de 2015, mais especificamente em seu art. 190, no qual viabilizou a possibilidade da realização de negócios jurídicos processuais31. Há aqui um campo fértil para discutirmos os negócios jurídicos de âmbito de direito processual, o que acarreta, naturalmente, em alguns questionamentos sobre a 30 NOGUEIRA. Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 4 ed. Rev., ampl e atual. Salvador. Ed. JusPodivm, 2020, p. 175. 31 Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças