Prévia do material em texto
UNIDERP MATRIZ CAMPO GRANDE/MS Professora: Juliana Cintra A influência da comunidade na constituição da infância e da adolescência Você sabia que a infância é um processo histórico criado pelas sociedades ao longo dos séculos? Philippe Ariès estudou a origem das imagens produzidas em obras de arte para compreender se elas retratavam o “sentimento da infância” ou a ausência dele. Para Ariès (1973/1981, p. 50), esse sentimento encontrava-se ausente até o final do século XVII e, por esta razão, estaria ausente também à compreensão de uma “consciência da particularidade infantil”. Segundo ele, os sinais do desenvolvimento da infância se tornaram significativos somente no final do século XVI e durante o século XVII – sendo este último particularmente considerado por ele como um período importante na evolução dos temas da primeira infância, momento no qual as crianças passaram a ser retratadas sozinhas (o que, até então, não acontecia). A adolescência, tal como a infância, também é uma construção histórica e que, segundo Saito e Queiroz (2008, p. 50), foi resultante de reflexões derivadas de múltiplas áreas do conhecimento. As autoras descrevem que, para a Sociologia a adolescência seria “produto singular de cada cultura”. A Antropologia associa adolescência passagem. Já o direito a relaciona com “questões aos ritos de iniciação e de menoridade e maioridade” (2008, p. 3-4). Por fim, a medicina compreende a adolescência como grandes transformações biopsicossociais. tendência para o amadurecimento, como se fôssemos Winnicott afirma que todo ser humano possui uma uma semente, com potencial para sermos árvore, por exemplo, mas esse potencial somente será desenvolvido se o ambiente externo puder ofertar condições para seu crescimento. Então, se ninguém plantar a semente e cuidar dela, por mais potencial que ela tenha para ser árvore, ela sempre será semente. Nesse processo natural, portanto, está envolvido um ambiente que se encarregue de ajudar o adolescente a tornar-se adulto. A definição atual de adolescência, para Saito e Queiroz (2008, p. 3-4), faz parte de uma visão ocidental que surgiu inicialmente na Europa, a partir da segunda metade do século XIX, e está relacionada às mudanças econômicas, políticas e culturais “geradas pelo processo de industrialização e pelo estabelecimento do sistema escolar países obrigatório exigido pelo desenvolvimento industrial dos europeus”. Para esses autores, a adolescência é compreendida como uma fase transicional entre a infância e a vida adulta, na qual o adolescente experimenta infindáveis modificações tanto nas questões biológicas (que constituem a puberdade), como social e psicológica, sendo estas mudanças fundamentais para que a pessoa possa assumir seu papel de adulto, posteriormente. Então, como você pode perceber, a comunidade é uma influência importante na constituição da infância e da adolescência e que a compreensão dessa influência não pode ser negligenciada por quem atende essa população. Kohler Gonzales e De Fatima Guareschi (2009) explicam que a palavra ‘protagonismo’ é composta, em sua forma grega, pelos termos proto, que significa ‘primeiro’ ou ‘principal’, e agon, que significa ‘luta’. Para as autoras, o conceito de protagonismo tem se associado, portanto, à participação social, ou seja, um jovem ator que participa de espaços de conversação política ou que desencadeie uma demanda com foco na transformação social. Esse protagonismo é reconhecido legalmente no documento denominado Plano Nacional da Juventude, Não podemos nos esquecer de que: por um lado temos a polis, marcada pela ordem política, e por outro temos a urbs que, segundo Delgado (1999) apud Pais (2005), é “o pulsar da cidade (...) marcada por uma resistência a esse controle”. Assim, para o autor, esse movimento da urbs possui potência para contestar o que é imposto pela ordem. Essa contestação se dá através de movimentos, como as manifestações sociais, ou micromovimentos que vão anunciar, a seu modo, outras possibilidades de vida. Por fim, é importante que você entenda que “não é possível analisar a questão do protagonismo (ou participação) infantil sem considerar as relações de poder em que adultos e crianças estão envolvidos (...)” (ARIÈS, 1973/1978; KRAMER, 2003; KRAMER; LEITE, 1996 apud PIRES; BRANCO, 2008, p. 419). A cidadania pode ser definida simplesmente como o gozo de direitos civis e o cumprimento de deveres de acordo com as leis de determinada sociedade. A cidadania consiste, dentre outros aspectos, no respeito, na liberdade, na solidariedade e na democracia, em suma, visa proteger os direitos garantidos no Estado de Direito, mas, sobretudo, em cumprir para com seus deveres constitucionais a fim de contribuir em prol de uma sociedade mais livre, mais justa e mais solidária, tal como preconiza o inciso I do art. 3º da Constituição Federal ao enfatizar os objetivos da República Federativa brasileira. A teoria histórico-cultural do desenvolvimento psicológico foi proposta inicialmente por volta de 1930 por Vigotsky (1984) e seus colaboradores: Luria (1987) e Leontiev (1978, 1984). Enquanto a pesquisa do grupo de Vigotsky concentrou- se no desenvolvimento da mente como formação social, Paulo Freire estava interessado em pesquisar a ação para a formação do cidadão, com ideias para a libertação do sujeito histórico, através da estimulação da consciência. De certa forma, ambos também se complementam. Vigotsky pesquisa a construção social do sujeito no contexto histórico-cultural, concentrando-se nas origens do pensamento, da consciência, da comunicação em geral e, essencialmente da linguagem (fala). Freire concentra-se na educação social e política para a cidadania. Esta pedagogia da libertação supõe o surgimento do sujeito epistêmico, conhecedor consciente dos processos sociais de sua cultura a fim de superar uma consciência ingênua. Para Freire, como para Vigotsky, a consciência não está separada do contexto da vida e da ação transformadora do homem. A reflexão está ligada à atividade humano. Para Vigotsky (1991) e Luria (1979), a consciência está relacionada à vida. No caso dos seres humanos, ela pode ser mediada pela fala, e isto implica em codificação, usualmente generalização e até abstração. No homem, ela envolve pensamento, memória e percepção mediada e mesmo, raciocínio verbal. A consciência pode ser organizada em uma hierarquia de conceitos. Por exemplo, falar em consciência ecológica pressupõe que o sujeito tenha um esquema de conceitos ligados à ecologia. Freire (1980), interessado em uma educação libertária e humanista para a cidadania, propõe a distinção entre outros níveis de consciência. Principalmente a consciência ingênua e não crítica, imersa no contexto e de caráter mágico, isto é, uma consciência que não vai além das aparências. Não procura entender as relações de causa e efeito, que apela para as explicações mágicas. Neste sentido, as ideias de Freire lembram a descrição do pensamento de Piaget em determinado percurso de sua obra. Entretanto, Freire enfatiza o lado da alienação social e política. Neste nível de conscientização, o sujeito ainda não é sujeito do conhecimento, que procura revelar a realidade para transformá-la. A consciência crítica vai além das relações aparentes e pode ser facilitada pelo diálogo, no processo de alfabetização. A educação pode incentivar o sujeito, através do diálogo, fazer escolhas sobre o rumo de suas ações no espaço e tempo do contexto cultural. É importante tornar-se consciente das suas tradições e rotinas inconscientes. A reflexão não é um processo somente destinado à adaptação do ser humano ao seu meio, mas principalmente à transformação deste último, que por sua vez modificará o ser humano no bojo deum movimento histórico. Freire (1980) alerta que a consciência ingênua não significa que ela seja fechada a transformações sociais. O problema surge à medida que o indivíduo de consciência ingênua fica frente à ruptura visível do tecido social, tornando- se irracional e desenvolvendo uma consciência fanática e massificada. Indivíduos, devido ao não uso da reflexão crítica, podem limitar-se a ver a realidade como estática, não aceitando contradições e ambiguidades. Por outro lado, a consciência crítica supõe teste de hipóteses no mundo real, conclusões provisórias e revisões constantes. Procura aprofundar-se além das aparências, busca o diálogo e a investigação; aceita responsabilidades. Segundo Freire, “Face ao novo não repele o velho por ser velho, nem o novo por ser novo, mas aceita-os na medida em que são válidos” (Freire, 1997:41). image3.png image4.jpg image1.jpg image2.jpg