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1 
 QUESTÕES DE NASALIDADE EM TEORIA FONOLÓGICA 
 
 
 
 
 
Por 
 
 
 
 
 
Rafael Saint-Clair Xavier Silveira Braga 
 Aluno do Curso de Mestrado em Lingüística 
 (Programa de Pós-graduação em Lingüística) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho apresentado à Professora 
Myrian Azevedo de Freitas no curso 
Introdução à Fonologia (LEF701) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 UFRJ – Departamento de Lingüística 
 2 Semestre de 2008 
 
 
 
 
 2 
 QUESTÕES DE NASALIDADE EM TEORIA FONOLÓGICA 
 
 
 
 
 
 
Por 
 
 
 
 
 Rafael Saint-Clair Xavier Silveira Braga 
 Aluno do Curso de Mestrado em Lingüística 
 (Programa de Pós-graduação em Lingüística) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho apresentado à Professora 
 Marília Facó Soares no curso 
 Tópicos Avançados em 
 Fonologia (LEF702) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 UFRJ – Departamento de Lingüística 
 2 Semestre de 2008 
 
 
 
 
 3 
1. Introdução 
 
 
Em D’Angelis (1998) o tratamento da nasalidade ganha uma nova 
interpretação. Ao retomar os estudos de Piggott (1992) que sugere Soft Palate(SP) 
como nó-articulador1 para alocar o traço [nasal], D’Angelis contribui ao propor um 
novo recurso para línguas em que há uma correlação opositiva entre obstruintes e 
soantes. O recurso adicional proposto consiste no “abaixamento do véu palatino, de 
forma que, …, a nasalidade é apenas conseqüência da implementação do traço 
Spontaneous Voicing (SV)”. D’Angelis (2002:4). 
 
À diferença de Piggot (1992), D’Angelis (1998,2002) concebe o traço nasal 
como um traço monovalorado2, similar a proposta de Steriad (1995) para o mesmo 
traço, que estará alocado apenas sob o nó-articulador Soft Palate enquanto traço 
opositivo. D’Angelis inova, porém, ao propor que para segmentos com voz soante 
(SV, Sonorant Voicing ou Spontaneous Voicing), a implementação do traço [nasal] 
será apenas consequência de um um processo puramente físico, fonético, de 
abaixamento do véu-palatino para a concretização do traço de soanticidade. 
 
Em suma, a proposta de D’Angelis (1998, 2002) sugere que a nasalidade dar-se-á de 
duas maneiras nas línguas3 naturais: 
 
a) Quando a nasalidade é fonológica, D’Angelis, concordando com Piggott 
(1992), aloca o traço nasal em um nó-articulador específico SP (Soft Palate – 
palato mole) dentro do esquema geométrico de traços; 
b) Quando a nasalidade é puramente fonética, a soante nasal, Spontaneous 
Voicing, o segmento será concretizado através do abaixamento do véu-
palatino, “ocorrendo a oclusão do trato oral”. (D’Angelis 2002:4) 
 
 
 
1 Piggott (1992), no entanto, entende que SP é um nó exclusivo para consoantes nasais enquanto que 
D’Angelis (1998, 2002) reconhece este nó articulador também aplicável às vogais. 
2 Também terminologizado como traço monovalente e privativo (cf. Steriad 1995), um traço 
monovalorado é aquele que apresenta somente um valor que justifica a sua presença. Neste caso, o 
traço não é binário, ou seja, não possui os valores [+] e [-]. 
3 Somente aquelas “onde é relevante uma correlação opositiva do tipo soante x obstruinte”. D’Angelis 
(2002:4). 
 4 
2. Uma nova configuração para traço nasal: o esquema de D’Angelis (2002) 
 
Esquematicamente, D’Angelis (1998, 2002), reformulando a proposta de Piggott 
(1992), reconfigura a organização interna4 para a alocação do traço nasal 
acrescentando o recurso fonético para as soantes nasais: 
 
 a. obstruintes nasais b. soantes nasais 
 R R 
 
 
 Laríngeo SP SV 
 
 
c.vocais c.vocais 
tensas frouxas [Nasal] 
 stiff slack 
 D’Angelis (2002:5)5 [abaixar VP] ← nível fonético 
Para propor esta configuração específica, D’Angelis (2002) exemplifica 
línguas onde há dois padrões de harmonia nasal (HN), a saber: 
(i) HN1 – Línguas, como Kaingang, Warao e Capanahua, onde o conjunto de 
consoantes bloqueiam o processo de HN. Estas consoantes são as 
obstruintes não-contínuas [ p, b, t, d, k, ɡ ]; 
(ii) HN2 – Todas as obstruintes são transparentes e todas as soantes são alvos. 
Por esemplo, línguas indígenas como o Guaraní (Poser, 1981: 41-42), 
permitem que a nasalidade se propague por mais de um segmento: 
Exemplo: {akã} ‘cabeça’ + {ɣwasú} ‘grande’ (‘cabeça grande’). 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 Entende-se por organização interna a como os traços serão reconfigirados/ alocados no interior do 
esquema da geometria de traços primeiramente proposto por Clements & Hume (1985, 1995). 
5 Este esquema também é proposto por Piggott(1992). D’Angelis (1998, 2002) acrescenta o fato de que 
a nasalidade também implementar-se-á através de um recurso fonético (abaixamento do véu-palatino). 
C.A. [Nasal] [Oral] 
 
 
 
 * 
R.S. aka ## ɣw a su 
 
 
S.F. [ãkã ɣ ̃w̃ãsú] 
 
 
[N] [O] 
 
 
 
 * 
 aka##gw a s u 
 
 
[ãkã g̃w̃ãsú] 
 Poser (1981) 
passagem de fricativa pré-
nasalizada a oclusiva (ɣ → ɡ) 
Onde 
 
SP = Soft Palate 
 
SV = Sonorant 
Voicing ou 
Spontaneous 
Voicing. 
Onde: 
 
C.A. – Camada 
Autossegmental. 
 
R.S. – 
Representação 
Subjacente. 
 
S.F. – Saída 
Fonética. 
 5 
 Se considerarmos o exemplo do Guaraní acima nos termos de Goldsmith 
(1976:50) a nasalidade é autosegmentalizada para o Guaraní. As vogais6 receberão a 
nasalidade e a primeira linha de associação já estará associada à vogal acentuada: 
 
“…se dissermos que a nasalidade é auto-segmentalizada em Guaraní, especificaremos as melodias de 
nasalidade (essencialmente Oral ou Nasal) como inicialmente associadas à vogais acentuadas.” 
Goldsmith (1976:50) 
 
 Em línguas de harmonia nasal do tipo (ii), diferentemente do padrão de HN1, 
como no exemplo acima do Guaraní (cf. Poser 1981:41-42), o traço [nasal] será 
espraiado para os demais segmentos, ultrapassando a juntura forte (##) – obedecendo 
aos Princípios de Boa Formação (WFC – Well Formedness Condition) delineados em 
Goldsmith (1976) – e atingindo os segmentos da próxima raiz {ɣwasú}, ocorrendo 
para o Guaraní a passagem de uma fricativa pré-nasalizada para uma oclusiva (ɣ → 
ɡ) na saída fonética (cf. Poser 1981:41-42). Assim, temos dois padrões de harmonia 
nasal para as línguas naturais onde a correlação fonológica entre obstruinte e soante 
se opere. O primeiro padrão aplicar-se-á ao primeiro esquema geométrico (a) de 
Piggott(1992) enquanto que o segundo padrão (HN2) será implementado no esquema 
(b), de D’Angelis (1998), em que as soantes nasais serão produzidas através do 
abaixamento do véu-palatino. Assim, o traço [Nasal] para o esquema (b) é dependente 
do nó-articulador SV e é o expraiamento deste traço, como no exemplo acima, que irá 
produzir o padrão de HN2, sendo as obstruintes transparentes por não possuírem SV 
(cf. D’Angelis 2002) como no caso do Guaraní. 
 
 Ao propor o esquema geométrico em (b), D’Angelis traz à tona uma questão 
muito importante e problemática com relação às soantes surdas, como no Krenák7 e 
no Islandês. Vejamos os exemplos do Krenák (Cristófaro Silva, 1986: 86), retomados 
por D’Angelis (1992): 
 
m ̥aᶄ ‘perna’ ɲ̥aˈɲ̥iᶄ ‘abraçar, cinto’ 
maᶄ ‘máquina’ ɲaˈɲiᶄ ‘mexer, incomodar’ 
 
 
6 É importante ressaltar que há também a nasalidade consonantal. Para efeitos expositivos, só 
exemplifiquei a nasalidade vocálica (exemplo extraído de Poser 1981). 
7 Língua do tronco Macro-Jê falada pelos indíos botocudos e que, infelizmente, está praticamenteextinta. 
 6 
n ̥aˈruᶄ ‘dormência no corpo’ 
 naˈruʔ ‘aldeia, cidade’ 
 
 A questão problemática é o fato de haver nasais surdas em línguas como o 
Krenák e o Islandês. Se as nasais são segmentos considerados sonorantes 
(possuidores de SV), por que então existem línguas que contrastam nasais surdas de 
nasais sonoras? Como pode uma nasal ser surda enquanto sonorante? Esta é a 
grande questão levantada em D’Angelis e muito controversa na literatura, pois há 
muitos foneticistas que desconfiam do estatudo destas nasais por acharem que elas 
não são surdas de fato. Veremos esta questão no subtópico o mistério das nasais 
surdas. 
 Como acima exemplificado, Thaïs Cristófaro Silva (1986) que estudou a 
fonologia Krenák dentro do quadro teórico da Fonologia Gerativa Padrão (FGP) nos 
moldes de Chomsky & Halle (1968), há no sistema fonológico da língua segmentos 
nasais surdos que contrastam com os sonoros. Por exemplo, teríamos o par mínimo 
/ m ̥ / : / m / em Krenák para distinguir ‘perna’ de ‘máquina’ ( [m ̥aᶄ] e [maᶄ], 
respectivamente). Se há o contraste entre esses segmentos no Krenák, assim como no 
Islandês, D’Angelis (2002:5) argumenta que se poderia propor que “… estas 
consoantes nasais estão todas subespecificadas8 subjacentemente para o traço nasal 
sob o nó SP”. O vozeamento e o ensurdecimento da nasal no Krenák e no Islandês se 
alocariam sob o nó Laríngeo, sendo as nasais surdas consequentes de cordas vocais 
tensas e as sonoras decorrentes de cordas vocais frouxas em que os traços [+voz] e 
[-voz] substituiriam os estados das cordas vocais: 
 Nasal Sonora Nasal Surda 
 R R 
 
 SP SP 
 Lar Lar 
 [Nasal] [Nasal] 
 c.vocais c.vocais 
 [+voz] ← frouxas tensas → [-voz] (cf. D’Angelis 1998:229-231) 
 slack stiff 
 
 
8 A questão da Subespecificação e Marcação é tratada, dentre muitos, por Steriad (1995). 
Resumidamente, um traço subespecificado na matrix de traços é aquele que é vazio de especificação, 
sem valor binário. Os traços que são vazios de especificação se constituem em verdadeiros traços 
privativos (ver nota 2). 
 7 
 
Se estes segmentos, a principio, são ensurdecidos, há um paradoxo que a 
teoria fonológica acabou adotando e que D’Angelis (2002:7) aponta: 
 
“Mas na falta de uma interpretação … , a teoria fonológica teve 
que aceitar e dizer coisas bastante paradoxais, como afirmar a 
existência de soantes sem sonoridade.” 
 
 
Logo, os manuais de fonologia deveriam rever o concenso com relação as 
definições dos segmentos soantes/sonorantes. Vejamos dois manuais clásssicos e suas 
definições para as soantes: 
 
Cristófaro Silva (2002) – Fonética e fonologia do português 
“Soante - um som é [+soante] quando é produzido com a configuração 
do aparelho fonador de maneira que seja possível o vozeamento espon- 
tâneo. Um som é [-soante] quando o vozeamento espontaneo não é pos- 
sível.” 
 
Leda Bisol (2005) – Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro 
 
“Soantes são os sons produzidos com uma configuração do trato vo- 
 cal na qual é possível a sonorização espontânea. Tem o traço 
[+Soante]: vogais, líquidas, glides, nasais.” 
 
 
 
 Em seu artigo, Wilmar D’Angelis discorre sobre o concenso existente nos 
manuais correntes de fonologia do português em que “através de abordagens 
tradicionais alocam as nasais surdas no grupo das soantes”. Mas por que D’Angelis 
discorda da existência dessas soantes surdas? Seriam elas surdas de fato? 
 
Concluindo, a suspeita de D’Angelis (2002:7) parece ser uma bela intuição no 
sentido de que questiona a existência de ‘soantes desvozeadas’9 e que está de certa 
forma paralela às intuições dos foneticistas que suspeitam que essas nasais não sejam 
de fato surdas, através de um estudo pormenorizado dos diferentes estados da glote, 
conforme os estudos de Ladefoged (1996) e Laver (2002). 
 
 
 
9 D’Angelis (2002: 7) argumenta que: “… não é preciso que aceitemos a proposição da existência de 
‘soantes desvozeadas’. Ao contrário, sugiro defender a universalidade da presença de vozeamento em 
soantes assumindo o nó-traço SV (Voz Sontes) como subjacente nelas.” 
 8 
3. A alocação da nasalidade no esquema geométrico de traços de Piggott – 
D’Angelis e sua contribuição para a análise fonológica do português do Brasil 
 
Até o momento, vimos a proposta ampliada, da de Piggott (1992), em que 
D’Angelis a partir do esquema geométrico de traços propõe que as soantes nasais se 
implementarão sub o nó SV (Spontaneous Voicing), como vimos em línguas como o 
Islandês e o Krenák. Com esta proposta pode ser estendida para a série [Nasal] do 
português do Brasil (PB)? 
Para tratar da análise das nasais do português, D’Angelis (2002:8) propõe-se a 
rever os estudos de Mattoso Câmara Jr ([1953] 1970, 2002). Por ter sido um dos mais 
inspiradores, coerentes e abrangentes na análise fonológica da língua portuguesa até 
os anos de 1980. Vejamos o quadro dos 19 fonemas consonantais em posição 
intervocálica proposto em Câmara Jr. (Estrutura da Língua Portuguesa – 2002)10 
 
 
 OBSTRUINTES SOANTES 
 
 descontínuas 
 
 p t k 
 b d g 
 
 m n ɲ 
 ɾ {r} 
 
 
 contínuas 
 
 
 f s ʃ { x ~ h } 
 v z ʒ 
 
 
 l ʎ 
 
 
 Quadro 1 – Quadro das Consoantes do PB, 
 inspirado em Mattoso Câmara Jr. 
 (Adaptado por D’Angelis 2002) 
 
 
A intenção de D’Angelis (2002:8) é comprovar que as intuições de Cãmara Jr 
(1953, 1970) sobre as nasais do PB estavam adequadas frente as propostas da 
fonologia pós- gerativa.11 Resumidamente D’Angelis quer saber se a língua 
portuguesa contrasta consoantes nasais de não-nasais , “... ou se a correlação 
opositiva relevante se dá entre soantes e obstruintes”. 
 
10 Esta versão é uma atualização de sua tese de doutorado, publicada em 1953 (Para o estudo da 
fonêmica portuguesa) 
11 Entende-se aqui como fonologia pós- gerativa as outras teorias fonológicas que surgiram dentro de 
uma proposta formal. Um termo mais adequado seria fonologias pós SPE. Para um visão mais 
pormenorizada e abrangente ver Facó Soares (1989). 
 9 
Concernente ao quadro 1 onde Câmara Jr (1953) organiza os 19 fonemas 
consonantais, o próprio D’Angelis destaca que o autor já intuía sobre a organização 
desses fonemas, i.e, Mattoso Câmara desconfiava de que alguns seguimentos 
consonantais poderiam estar organizados mais do ponto de vista fonético do que 
propriamente fonológico. D’Angelis (2002:9) cita Câmara Jr. ([1970] 1982: 49-50) 
“Já vimos, entretanto, que a divisão e conseqüente classificação das 
consoantes, embora usual, é por demais fonética, e, segundo a metáfora 
de Jakobson, traz para a fonologia a fonética ‘com peles e ossos’ por as- 
sim dizer!” 
 
A partir do quadro 1, D’Angelis (2002: 9-10) destaca que Câmara JR distingue 
uma corelação básica entre obstruintes e soantes, terminologizados pelo autor como 
consonânticos. Por exemplo, a vibrante múltipla /r/ em oposição à uma vibrante 
simples /ɾ/, ambas são consideradas hoje como fricativas (seguimentos que se 
caracterizam pela “fricção”, ou “ forte embaraço à corrente de ar” nos termos de 
Câmara Jr. ([1953], 1970), foneticamente representadas pelos símbolos [x] ou [h] e 
fonologizadas como / X / 12 
 [h] ma___ 
 
 /X/[x] ma __ 
 
 
Para D’Angelis (2002:11), o fato de Mattoso Câmara Jr. ( [1953], 1970, 2002) 
identificar que em PB há uma correlação entre obstruintes e soantes (consonânticos 
puros x sonânticos) é um indício forte de como sua análise foi, sem dúvida alguma, 
pioneira. Referente a transformação do “ erre forte” / r /13 ( r → x, cf. Callou, Moraes 
& Leite 1996:486 – 487), D’Angelis mostra que os traços não marcados [ - ] para 
 
 
12 D’Angelis (2002:11) lembra considerações de Cagliari (1997:34) em que “ no português brasileiro 
não existe mais a oposição entre uma vibrante múltipla e uma simples, mas entre uma fricativa velar e 
um tepe.” e de Callou, Moraes & Leite (1996:486-487): “a passagem r → x não pode ser considerada 
um enfraquecimento. É antes um fortalecimento, pois a líquida [r] está numa posição baixa na 
hierarquia [ de uma escala de soronidade – WRD], sendo mais fraca que a fricativa velar [ x ], que 
está mais acima na escala de força.” 
Escala de sonoridade de acordo com Dell & Elmedlaoui (1989): 
V baixa > V alta > Líquida > Nasal > Fricativa vozeada > Fricativa desvozeada > 
Oclusiva vozeada > Oclusiva desvozeada 
 
 
13 Em seu manual de fonética e fonologia do Português, Cristófaro Silva (2002:39) simboliza o “erre 
forte” (vibrante múltipla) com um diacrítico superrescrito (circunflexo invertido) 
 10 
estas obstruintes contínuas ( as fricativas x ~ h) explicam o porquê a pronúncia do 
“erre forte” variar até mesmo dentro do mesmo dialeto14, (vibrante múltipla ver a 
matrix de traços, as partes rachuradas, de D’Angelis 2002 (p.12) abaixo reproduzida. 
 
 
 
 
 Quadro 2 – Pontos de articulação das 
 obstruintes contínuas 
 (D’Angelis 2002) 
 
Mas quanto a aplicação da questão central do artigo de D’Angelis (2002) 
concernente a soanticidade e nasalidade do PB? Considerando a análise de Matoso 
Câmara através do quadro 1, D’Angelis levanta a hipótese de sua análise e a de Piggot 
corroborarem a de Câmara Jr (1953). Ao citar os exemplos clássicos da obra 
mattosiana em que a vogal nasal encontra-se em posição intervocálica, travada com 
uma consoante nasal, que se constituirá em Câmara Jr. nos famosos arquifonemas, 
D’Angelis defende a tese de que não pode haver uma oposição entre vogais orais e 
nasais por que a nasalidade já faz parte da sílaba, travada por consoante nasal, como 
exemplificado no quadro 3 (o ponto [.] marca fronteira de sílaba onde o arquifonema 
/N/ a trava, posição de coda silábica): 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Quadro 3 – Exemplos da assimilação 
 de ponto de articulação 
 nas nasais. 
 (D’Angelis 2002) 
 
 
14 O fato da pronúncia do “erre forte” variar dentro do mesmo dialeto é justificada de forma 
completamente distinta para a Sociolíngüística Variacionista e para o Modelo de Exemplares de 
Bybee(2001). 
 f v s z ʃ ʒ x ~ h 
 anterior + + - - 
 coronal - + + - 
 
 1. /kaN.po/ [ˈkɐ͂ m.pʊ] 
 2. /kaN.to/ [ˈkɐ͂n.tʊ] 
 3. /kaN.ga/ [ˈkɐ͂ŋ.gɐ] 
 4. /aN.fora/ [ˈɐ͂ɱ.foɾɐ] 
 5. /kaN.ʒa/ [ˈkɐ͂ɲ.ʒɐ] 
 
 
 6. /saN.pa/ [ˈsɐ͂m.pɐ] 
 7. /saN.ta/ [ˈsɐ͂n.tɐ] 
 8. /saN.ga/ [ˈsɐ͂ŋ.gɐ] 
 9. /niN.ʒa/ [ˈnĩɲ.ʒɐ] 
 11 
 Ao assumir que a correlação distintiva mias produtiva na língua portuguesa se 
dá dentre as soantes e obstruintes, D’Angelis (2002) sugere que as nasais em coda 
silábica são o resultado da neutralização desses grupos. Ademais, como as obstruintes 
não são marcadas por SV (Spontaneous Voicing), D’Angelis esquematiza os 
obstruintes em relação as soantes da seguinte maneira: 
 
 
 OBSTRUINTES ∅ SOANTES 
descontínuas – N – 
 ∅ – R – 
Contínuas S – L 
 Quadro 4 – Conjunto de Elementos que podem 
 Ocupar coda silábica no Português 
 (D’Angelis 2002) 
 
 Como podemos perceber no quadro 4, as obstruintes não são marcadas dentro 
do esquema em que se opera a correlação de soanticidade por isso “…serem a 
realização esperada na posição de neutralização. Entretanto, para D’Angelis essa 
neutralização não ocorre devido ao fato dessas consoantes serem entendidas pelo 
autor como “superficialmente nasais”. Mesmo assim D’Angelis (2002:19) tenta 
manter a noção de neutralização. Para isso ele irá sugerir que essas consoantes em 
coda silálica sejam subespecificadas, ao adotar a proposta autossegmental. Sendo 
assim, o autor defende para os arquifonemas exemplificados no quadro 3 a seguintes 
assunções: 
 
(i) a nasal em coda (ver quadro 3) não deve ter especificação de ponto, mas 
terá a especificação de nasalidade (abaixar véu-palatino – esquema (b) das 
soantes nasais); 
(ii) Diferentemente da séries das nasais / m, n, ɲ/, e das obstruintes /p, t, k/ e / 
b, d, g/, a nasal nasais em coda silábica assumirão “outras características 
de ponto de articulação, assimilados do ambiente ( dos fonemas em cuja 
proximidade a oposição é neutralizada”, D’Angelis (2002: 19). 
 
D’Angelis (2002), resumi os seguimentos consonantais do Português no 
quadro 5, que é uma atualização dos 19 fonemas consonânticos de Câmara Jr. 
(1953), sem as representações para a vibrante múltipla (“erre forte”) e os 
respectivos arquifonemas: 
 
 
 
 
 12 
 OBSTRUINTES ∅ SOANTES 
 
 descontínuas 
 
 p t k 
 b d g 
 
 N m n ɲ 
 ɾ 
 
 ∅ 
 R 
 
 
 
 
 contínuas 
 
 
 f s ʃ x 
 v z ʒ 
 S 
 
 
 l ʎ 
 L 
 Quadro 5 – Sistema fonológico consonantal do Português 
 
 
4. Conclusão: 
 
 Podemos concluir, através do quadro 5, que a oposição recorrente na língua 
portuguesa realmente dá-se na correlação entre obstruintes e soantes e que a proposta 
de D’Angelis de alocar o traço nasal dentro de um sistema geométrico de traços mais 
específico, partindo da proposta de Piggott (1992), e extendendo para um esquema em 
que o traço de soanticidade sera implementado por um recurso puramente fonético 
corrobora a hipótese de Mattoso Câmara que já intuia, dentro do quadro teórico da 
fonologia da escola de Praga e da norte-americana de Bloomfield, que a correlação 
básica entre o sistema consonantal do Português se daria na correlação obstruinte e 
soante, sendo a primeira alocada dentro do esquema (a) de Piggott (1992), e a 
segunda no esquema (b) de D’Angelis (1998,2002). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 13 
 
5. Referências bibliográficas: 
 
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