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Frente B Módulo 08 64 Coleção 6V Instrução: Leia o texto a seguir para responder as questões 02 e 03. Passaram-se semanas. Jerônimo tomava agora, todas as manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Ritinha, e tragava dois dedos de parati “pra cortar a friagem”. Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso, resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros. E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. [...] E o curioso é que, quanto mais ia ele caindo nos usos e costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam, posto que em detrimento das suas forças físicas. Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música, compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à viola os seus amores infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a esperança de tornar à terra, agora, como os olhos de um marujo, que se habituaram aos largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam com a turbulenta luz, selvagem e alegre, do Brasil, e abriam-se amplamente defronte dos maravilhosos despenhadeiros ilimitados e das cordilheiras sem fim, donde, de espaço a espaço, surge um monarca gigante, que o sol veste de ouro e ricas pedrarias refulgentes e as nuvens toucam de alvos turbantes de cambraia, num luxo oriental de arábicos príncipes voluptuosos. Azevedo, Aluísio. O cortiço. [Fragmento] 02. (FUVEST-SP) Considere as seguintes afirmações, relacionadas ao excerto de O cortiço: I. O sol, que, no texto, se associa fortemente ao Brasil e à “pátria”, é um símbolo que percorre o livro como manifestação da natureza tropical e, em certas passagens, representa o princípio masculino da fertilidade. II. A visão do Brasil expressa no texto manifesta a ambiguidade do intelectual brasileiro da época em que a obra foi escrita, o qual acatava e rejeitava a sua terra, dela se orgulhava e envergonhava, nela confiava e dela desesperava. III. O narrador aceita a visão exótico-romântica de uma natureza (brasileira) poderosa e transformadora, reinterpretando-a em chave naturalista. Aplica-se ao texto o que se afirma em A) I, somente. B) II, somente. C) II e III, somente. D) I e III, somente. E) I, II e III. 03. (FUVEST-SP) Um traço cultural que decorre da presença da escravidão no Brasil e que está implícito nas considerações do narrador do excerto é a A) desvalorização da mestiçagem brasileira. B) promoção da música a emblema da nação. C) desconsideração do valor do trabalho. D) crença na existência de um caráter nacional brasileiro. E) tendência ao antilusitanismo. 04. (Insper-SP–2016) I Adagio Cantabile Maria Regina acompanhou a avó até o quarto, despediu-se e recolheu-se ao seu. A mucama que a servia, apesar da familiaridade que existia entre elas, não pôde arrancar-lhe uma palavra, e saiu, meia hora depois, dizendo que Nhanhã estava muito séria. Logo que ficou só, Maria Regina sentou-se ao pé da cama, com as pernas estendidas, os pés cruzados, pensando. A verdade pede que diga que esta moça pensava amorosamente em dous homens ao mesmo tempo, um de vinte e sete anos, Maciel – outro de cinquenta, Miranda. Convenho que é abominável, mas não posso alterar a feição das cousas, não posso negar que se os dous homens estão namorados dela, ela não o está menos de ambos. Uma esquisita, em suma; ou, para falar como as suas amigas de colégio, uma desmiolada. Ninguém lhe nega coração excelente e claro espírito; mas a imaginação é que é o mal, uma imaginação adusta e cobiçosa, insaciável principalmente, avessa à realidade, sobrepondo às cousas da vida outras de si mesma; daí curiosidades irremediáveis. ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. II. O excerto anterior é a abertura do conto “Trio em lá menor”, no qual se podem identificar, através da descrição do perfil da protagonista, traços marcantes da obra machadiana, como o(a) A) ênfase na crítica corrosiva aos interesses fúteis da elite brasileira. B) tom confessional do narrador que explicita a ficcionalidade da trama. C) ruptura da linearidade narrativa com inserções de caráter reflexivo. D) visão materialista de mundo, a qual despreza dramas existenciais. E) presença de imagens plásticas que desnudam a hipocrisia das personagens. Realismo e Naturalismo LÍ N G U A P O R TU G U ES A 65Bernoulli Sistema de Ensino 05. (FGV-RJ–2015) Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco. Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Pode-se apontar, no texto, a contradição, que repercute na obra a que ele pertence, entre A) o discurso ostensivamente racional e as alegações incompatíveis com a esfera da razão. B) o tom elevado, solene, e o vocabulário de caráter oral-popular. C) a evidente filiação do narrador ao Espiritismo e sua referência ao Velho Testamento. D) o caráter clássico da erudição do narrador e o romantismo de sua demanda de originalidade. E) a frieza analítica da argumentação e a intensidade emocional do conteúdo nela veiculado. 06. (UEFS-BA–2016) Aqui, ali, por toda a parte, encontravam-se trabalhadores, uns ao Sol, outros debaixo de pequenas barracas feitas de lona ou de folhas de palmeira. De um lado, cunhavam pedra cantando; de outro a quebravam a picareta; de outro afeiçoavam lajedos a ponta de picão; mais adiante, faziam paralelepípedos a escopro e macete. E todo aquele retintim de ferramentas, e o martelar da forja, e o coro dos que lá em cima brocavam a rocha para lançar-lhe fogo, e a surda zoada ao longe, que vinha do cortiço, como de uma aldeia alarmada; tudo dava a ideia de uma atividade feroz, de uma luta de vingança e de ódio. Aqueles homens gotejantes de suor, bêbados de calor, desvairados de insolação, a quebrarem, a espicaçarem, a torturarem a pedra, pareciam um punhado de demônios revoltados na sua impotência contra o impassível gigante que os contemplava com desprezo, imperturbável a todos os golpes e a todos os tiros que lhe desfechavam no dorso, deixando sem um gemido que lhe abrissem as entranhas de granito. O membrudo cavouqueiro havia chegado à fralda do orgulhoso monstro de pedra; tinha-o cara a cara, mediu-o de alto a baixo, arrogante, num desafio surdo. U9I1 A pedreira mostrava nesse ponto de vista o seu lado mais imponente. Descomposta, com o escalavrado flanco exposto ao Sol, erguia-se altaneira e desassombrada, afrontando o céu, muito íngreme, lisa, escaldantee cheia de cordas que mesquinhamente lhe escorriam pela ciclópica nudez com um efeito de teias de aranha. Em certos lugares, muito alto do chão, lhe haviam espetado alfinetes de ferro, amparando, sobre um precipício, miseráveis tábuas que, vistas cá de baixo, pareciam palitos, mas em cima das quais uns atrevidos pigmeus de forma humana equilibravam-se, desfechando golpes de picareta contra o gigante. AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 44. De acordo com as ideias passadas pelo fragmento de O cortiço, de Aluísio Azevedo, os homens que trabalham na pedreira A) representam a escória humana, que desrespeita a natureza e não tem consciência da degradação ambiental que está gerando. B) simbolizam a força do proletariado do século XIX, a sua consciência coletiva e a sua luta por melhores condições de trabalho. C) metaforizam a imagem do próprio demônio na medida em que assumem posturas inconsequentes e ignorantes diante de seu próprio habitat. D) funcionam como produto do meio, referendando a tese de que se tornam tão poderosos e impassíveis à vida quanto a própria pedra que tentam destruir. E) integram os trabalhadores braçais que, em sua representação coletiva, são vistos como animais brutais, de ações repetitivas, tentando inutilmente vencer a imponente pedra. 07. (FUVEST-SP–2015) E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados. Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca. AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 25C7