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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais RONALD VIZZONI GARCIA ESCOLHAS INSTITUCIONAIS PARA A REDUÇÃO DE CUSTOS DE TRANSAÇÃO POLÍTICOS NA OFERTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM DIREITOS HUMANOS: GOVERNOS MUNICIPAIS BRASILEIROS, 2009-2012 RIO DE JANEIRO 2018 RONALD VIZZONI GARCIA Escolhas institucionais para a redução de Custos de Transação Políticos na oferta de políticas públicas em direitos humanos: governos municipais brasileiros, 2009-2012 Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, da Universidade Candido Mendes, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Ciência Política. Área de Concentração: Ciência Política Orientador: Prof. Dr. Antonio José Junqueira Botelho Coorientador: Prof. Dr. Glauco da Silva Aguiar RIO DE JANEIRO 2018 Catalogação na Publicação Biblioteca Central Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ Bibliotecário responsável: Paulo César do Prado – CRB-7 7131 G216e Garcia, Ronald Vizzoni. Escolhas institucionais pra a redução de Custos de Transação Políticos na oferta de políticas públicas em direitos humanos: governos municipais brasileiros, 2009- 2012 / Ronald Vizzoni Garcia. -- Rio de Janeiro, 2019. 198 f. : il. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 2019. Orientação de: Antônio José Junqueira Botelho 1. Desenho institucional 2. Políticas públicas 2. Direitos humanos 3. Ciência Política 4. Brasil I. Universidade Candido Mendes II. Título. CDU 378:352(043.2)”2009/2012” RONALD VIZZONI GARCIA Escolhas institucionais para a redução de Custos de Transação Políticos na oferta de políticas públicas em direitos humanos: governos municipais brasileiros, 2009-2012 Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, da Universidade Candido Mendes, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Ciência Política. __________________________________________________ Prof. Dr. Antonio José Junqueira Botelho (Orientador) Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/UCAM __________________________________________________ Prof. Dr. Glauco da Silva Aguiar (Coorientador) Fundação CESGRANRIO __________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Marcelo Jackson Ferreira da Silva Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) __________________________________________________ Profa. Dra. Celia Regina do Nascimento de Paula Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/UCAM __________________________________________________ Profa. Dra. Erica Simone Almeida Resende Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/UCAM Escola Superior de Guerra (ESG) RIO DE JANEIRO 2018 Aos meus pais, Ronaldo e Lourdes, à minha filha Jade e à minha esposa Patricia. AGRADECIMENTOS Reza a lenda, nos corredores dos cursos de mestrado e doutorado, que o trabalho de feitura da tese é um esforço exclusivo do autor. Em termos de escrita e responsabilidade pelo que ali está, o raciocínio é correto, mas nada é mais enganoso sobre o processo que leva do início ao fim da tese. Muitas são as pessoas que tornaram a concretização desse esforço em algo que pudesse passar do devaneio solitário a algo concreto, que pudesse dialogar com o mundo acadêmico. Minha adesão ao tema começa antes. A rápida passagem pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH), da UFRJ, foi decisiva para abraçar o tema dos direitos humanos. Devo agradecer ao professor Vantuil Pereira, pelos comentários à minha apresentação sobre secretarias estaduais de direitos humanos, em evento no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Aos professores Luiz Antônio Cunha e Celi Scalon, pelo exemplo de duas gerações diferentes de professores titulares que engrandecem o campo das ciências sociais. Ao professor Ricardo Rezende Figueira, que pude entrevistar e aprender a como estruturar, de forma consistente, um grupo de pesquisa com dados de violações de direitos humanos – como é o Grupo de Pesquisa sobre Trabalho Escravo Contemporâneo. Devo, ao professor Marcelo Coutinho, o estímulo a ingressar no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e o interesse por política internacional, bem como seus brilhantes comentários no seminário de tese. Aos professores Elídio A. B. Marques, Cristina Ayoub Riche, Joana Domingues Vargas, Alexander Zhebit, Eliane Amorim (CRMM e CRM) e Mariléia V. Profirio, agradeço o trato sempre respeitoso e a oportunidade de participar de diversos eventos e discussões que me permitiram crescer. No NEPP-DH, pude conhecer uma pessoa de quem ouvia falar desde meus 15 anos de idade, como exemplo de uma geração ímpar de ativistas políticos, Victória Grabois, fundadora e dirigente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ. Uma honra para mim. Na decania do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CFCH/UFRJ), devo agradecer ao professor Marcelo de Macedo Corrêa e Castro, pelo exemplo de abertura intelectual e compromisso com a universidade pública. A ele e à professora Rejane Almeida, agradeço a possibilidade de participar das discussões de seu grupo de pesquisa. Sempre tive a impressão de estar em débito com tudo o que aprendi naquelas conversas. À professora Lilia Guimarães Pougy, devo o grato estímulo intelectual, de uma mente sempre arguta à dinâmica institucional da universidade; devo também a compreensão por todos os transtornos que uma tese pode trazer na vida funcional de um servidor público. À professora Ludmila Fontenele Cavalcanti, com quem recentemente pude trabalhar mais de perto e aprender muito sobre serviço social e questões relativas à violência contra a mulher. À Larissa Gaspar Alves, sem a qual essa tese jamais existiria, pela ajuda com os trâmites burocráticos, que me permitiram terminar este trabalho. Eu sou muito grato pelo carinho e inúmeras conversas com: Hiran Roedel, Valdete Viana Tavares, Pedro Barreto, Fernanda Estevam, Meri Toledo, Inêz Facino, professor Paulo César Castro, Myrian Teixeira Gomes, Antônio Carlos Mendonça, Tibita, Marcelo e Daniel. Sou grato ao professor Antonio José Junqueira Botelho, pela recepção de meu trabalho e seu esforço, como orientador. Ao meu coorientador, professor Glauco Aguiar (CESGRANRIO), sou extremamente grato pela acolhida, compreensão e confiança. Agradeço às professoras Erica Almeida Resende e Celia Regina do Nascimento de Paula, que muito me honraram ao participarem da minha banca. Devo, ao professor Antônio Marcelo Jackson, muitas palavras de estímulo e a gratidão por aceitar o convite para participar da banca. O grupo de colegas vai deixar saudade: Ana Carolina Silva, Gislene Santos de Oliveira, Gylcilene Storino, Claudio, Claudio Alfradique, em especial meus camaradas de aventuras regressivas: Solange Makrakis e Marcos Tavares Pedro (o “Marcos Pedro”). São amizades pelas quais sou grato, imensamente, grato de ter. Na linha de frente do apoio institucional, agradeço à Nerilene Ribeiro da Costa Moreira, Graziela Pando, Selma Marinho,tipos subordinados e o peso da vinculação com a assistência social. 17 Também se utiliza a variável “Maduro”, como relativa ao tempo de existência do OGMDH, nos seis modelos. Essas são as variáveis explicativas da tese, sendo as demais hipóteses substantivas ou de controle, bem como outras variáveis, repetidas em todos os seis modelos deste trabalho. Resultados esperados O quadro 2 faz a síntese das hipóteses centrais, trazendo ideias relacionadas ao que se espera, como, por exemplo, que os municípios com OGMDH sejam em maior número do que aqueles que não têm. Assim, os que tiverem OGMDH serão os que possuem mais autonomia e vínculos com a assistência social, além de alocação de recursos maior com relação aos que não possuem. O tempo de existência descrito é o de 2009-2011 e IMV e IMU aparecem no quadro como políticas públicas universalistas e grupos vulneráveis. 18 Quadro 2: Hipóteses da tese Fonte: o autor. As conclusões obtidas, a partir dos resultados, oferecem uma qualificação da importância institucional dos OGMDH, inusitada, na definição analítica do alcance do seu efeito específico sobre a oferta de políticas públicas em direitos humanos. Para além da simples contabilidade de hipóteses aceitas ou rejeitadas, tem-se uma demarcação do grau da sua contribuição em conjunto com outros fatores importantes. A hipótese central sobre a importância dos OGMDH foi aceita integralmente para as políticas públicas universalistas e para grupos vulneráveis. No caso da alocação de recursos, tal efeito só foi identificado nos tipos específicos, modelos tipo 2, mas, nesse caso, é até surpreendente que tenha sido constatado. Em relação aos recursos orçamentários, há evidências das mais surpreendentes: os modelos AR foram os de mais baixa capacidade de predição dos modelos como um todo, capacidade oriunda, em boa medida, da ação das variáveis societais. É muito significativo que se encontre algum resultado de OGMDH em relação à AR; mais interessante ainda é que as três variáveis IMV RESULTADOS ESPERADOS Maior Autonomia/Vinculado à Assistência Social Não tem 2009 2011 Tem OGMDH Não tem IMU Com OGMDH = Maior Alocação de Recursos Sem OGMDH - Menor Alocação de Recursos MAIOR QUE Município Ter OGMDH Tipo de OGMDH Tempo de existência do OGMDH Pol. Públicas Universalistas / Grupos Vulneráveis Alocação de Recursos (DH/AS) 19 institucionais que restaram no ajuste do modelo tenham sido: “Subordinado vinculado à AS”, “Autonomia” e “Secretarias exclusivas de AS sem OGMDH”, sendo todas as demais de corte societal. Quanto à hipótese de que os OGMDH fossem mais eficientes para prover políticas públicas de grupos identitários em situação de vulnerabilidade do que políticas universalistas, tal oposição entre um tipo de política e outra se mostrou inconsistente. Na verdade, os OGMDH apresentam melhoria da oferta para ambos: nos modelos tipo 1, com uma única variável para todos os OGMDH, o efeito foi ligeiramente superior para as políticas de corte universalista; nos modelos tipo 2, o resultado se inverte, favorecendo os grupos vulneráveis, mas também de forma ligeiramente superior. Tais dados corroboram a ideia de que essa oposição não é, nas práticas da gestão pública local, algo incisivo e que seja levado em consideração como um jogo de soma zero. Ou seja, o maior aumento de políticas para grupos vulneráveis não resulta em um esmaecimento de políticas universalistas, ao contrário. A importância dos grupos vulneráveis e sua relação com o tempo de existência de um OGMDH, presente desde 2009, foi estabelecida, mas isso não foi identificado para o IMU. O ideal é que esse tempo de maturação tivesse um registro mais longo de anos ou décadas, mas, mesmo assim, nesse curto espaço, 2009-2011, já foi possível identificar um resultado positivo em relação às políticas voltadas para grupos vulneráveis. Quanto aos tipos de OGMDH, aqueles “subordinados vinculados à assistência social” se mostraram bastante exitosos, no caso de IMU e IMV, com resultados ligeiramente melhores do que os tipos com mais autonomia. A relação se inverte, em AR, o que ratifica a hipótese de que maior autonomia, mesmo que seja por meio de associação com outra área que possui afinidades, intensifica os efeitos dos OGMDH, uma autonomia feita de “empréstimo”. Efeito bom para as áreas de direitos humanos e assistência social, pois esta última, sem a presença dos OGMDH, não aponta para uma afirmação de uma agenda de políticas públicas em direitos humanos, com a mesma força e, no caso da alocação de recursos orçamentários, o efeito de ter um OGMDH é superior ao de uma secretaria exclusiva de assistência social sem OGMDH. Resumindo, os OGMDH têm efeito sobre a redução de CTP para a ampliação da oferta de políticas públicas em direitos humanos. Nesta tese, pode-se estabelecer o vínculo entre oferta de políticas públicas em direitos humanos e OGMDH, por meio da redução dos CTP, havendo uma clara adesão maior dos municípios que possuem OGMDH, aos compromissos com uma agenda de direitos humanos. 20 Estrutura da tese Esta tese está estruturada em quatro capítulos. No capítulo 1, é feito um panorama sucinto de polêmicas em torno da definição dos direitos humanos e as instituições para sua defesa e monitoramento, desde o surgimento da ONU. No pós-guerra, vários países recém- democráticos passaram a lidar com pressões internas e externas, em torno dos direitos humanos. Essa rápida localização reforça a importância de estudos no âmbito das instituições locais, principalmente pelos posicionamentos adotados nesta tese, nesse debate maior, que apontam para a valorização da política e das instituições. O capítulo 2 discute a possibilidade da ação racional dos municípios, ao optarem pelo uso de OGMDH em seu desenho institucional como redutor de CTP. No capítulo 3, apresentam-se as variáveis explicativas, de controle ou de hipóteses substantivas, e as variáveis explicadas: o IMV, o IMU e a variável Alocação de Recursos (AR). No capítulo 4 e último, são apresentados os modelos e suas regressões, seus resultados e a discussão das hipóteses mediante a interpretação dos dados gerados. Finalmente, a conclusão faz um apanhado das discussões levantadas e as consequências dos resultados obtidos para a relevância dos OGMDH e das políticas públicas em direitos humanos. Esta tese também apresenta um apêndice de gráficos sobre os resíduos dos seis modelos. 21 1 DIREITOS HUMANOS: CONCEPÇÃO E INSTITUIÇÕES O presente capítulo aborda a temática dos direitos humanos, em sua trajetória, pretensão de universalidade e fundamentação, evidenciando elementos que corroboram as ideias contidas na afirmação moderna dos direitos humanos, em diversos momentos, anteriores ao mundo moderno. A enunciação de uma “teoria dos direitos humanos” passaria, portanto, pela explicitação desse legado, mas esse debate amplia-se, quando se pensa a tradutibilidade, ou não, dos direitos humanos para outras culturas. Em tela, o repertório dessas culturas em torno de alguma noção de dignidade da pessoa ou de elementos que dificultam a incorporação de novos valores. Considerando que tal polêmica é melhor conduzida quando se abordam as várias possibilidades de defesa dos direitos humanos, utiliza-se, aqui, uma contribuição sintética de Luiz Eduardo Soares. Em seguida, localiza-se o debate sobre as experiências internacionais e a criação de mecanismos de monitoramento e expansão dos direitos humanos, partindo do cenário internacional até a definição do enquadramento do Brasil e suas instituições. Depois, discute- se o papel dos Estados Nacionais e suas instituições domésticas relacionadas aos sistemas internacional e regional de direitos humanos. Finalmente, aborda-se a especificidade docaso brasileiro, que se relaciona com a dinâmica federativa e o lugar destinado aos municípios nessa dinâmica. O objetivo deste capítulo é apontar para um duplo movimento; de um lado, os temas relativos aos direitos humanos ganham destaque cada vez maior na agenda política; por outro, a busca de mecanismos domésticos para dar efetividade aos direitos humanos. No caso do Brasil, isso se expressa na coordenação federativa e na busca de compromisso dos governos subnacionais. 1.1 A TRAJETÓRIA HETEROGÊNEA DO FENÕMIENO DOS DH Tornou-se lugar comum, na literatura de direitos humanos, a rápida filiação do surgimento do tema às contribuições que evocam a noção de Estado de Direito, fundamentada pelo liberalismo político. Essa é uma atuação estratégica na proteção do indivíduo frente às ameaças do arbítrio e da tirania, pois, tendo o pensamento liberal, como leitmotiv, o apelo à 22 defesa das garantias individuais, nada mais justo tal associação imediata entre direitos humanos e os mecanismos institucionais, que primam pela limitação do poder no Estado de Direito. Todavia, a “história dos direitos humanos é mais antiga e rica” (POOLE, Hilary et al., 2007). Existe um tipo de contribuição, na literatura de direitos humanos, que visa a dar conta dessa historicidade, em obras como: A afirmação histórica dos direitos humanos, de Fábio Konder Comparato (2003), que oferece uma visão do desenvolvimento das ideias filosóficas e jurídicas; História social dos direitos humanos, de José Damião de Lima Trindade (2002), com uma abordagem baseada em modos de produção marxista; A invenção dos direitos humanos, de Lynn Hunt (2009)6, que descreve a expansão da sensibilidade do indivíduo para com os abusos físicos e a criação de uma empatia. Em comum, esses autores identificam, na narrativa histórica, a construção de uma causalidade para a importância presente dos direitos humanos. Nessa visão, a trajetória de constituição do campo contemporâneo da instituição dos direitos humanos passa, pelo pensamento grego, na ideia de “cidadão” da pólis, chegando à República Romana, com os avanços do direito e da participação na res pública. Até então, a “noção” de cidadão é muito limitada, abrangendo um número pequeno de pessoas, com os diferentes povos inseridos na mesma categoria de “bárbaros” (POOLE, Hilary et al., 2007). Em um segundo momento, o cristianismo, com a ideia de um deus único, ao qual o gênero humano se filia, representa mais um avanço. Até então, permanecia, mesmo no monoteísmo, a ideia de que a divindade elege seu povo em detrimento dos demais, como a noção de “povo escolhido” no judaísmo. No pensamento medieval, as tentativas de conciliação entre o racionalismo greco-romano e a fé cristã, sobretudo a noção de uma lei natural que deveria reger as relações humanas, abrem margem para a ideia de direito natural e natureza humana, tão cara ao pensamento contratualista, de tempos depois. Entretanto, o mundo medieval era um mundo eivado de hierarquias: de gênero, nascimento e relações de vassalagem de todo tipo (POOLE, Hilary et al., 2007). Com o abandono da “idade das trevas” e o advento do iluminismo, abre-se a defesa da secularização do poder, da tolerância religiosa. A base intelectual é a ideia de que o indivíduo é tomado como base do contrato social e de toda a legitimidade política. No século XVII, com a Guerra Civil Inglesa, coroa-se esse processo. O segundo Tratado do Governo de J. Locke, 6 Deve-se destacar, também, o esforço de tradução para o português, empreendido pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV), da Universidade de São Paulo (USP), de obras de referência do Programa de Direitos Humanos da ONU. 23 embora escrito bem antes dos fatos revolucionários, é a base conceitual desse novo mundo constitucional, que surge com o Bill of Rights (1689), que é o início da derrocada do Antigo Regime. No continente, a derrocada institucional seria marcada pelas revoluções Americana e Francesa, com a participação das classes populares. Claro que esses projetos revolucionários ainda têm muitas limitações: escravidão (EUA), participação das mulheres e voto censitário (voto limitado por renda e propriedade). A própria expansão europeia se dá com as guerras de Napoleão, em prejuízo da república francesa. Os dois séculos seguintes são momentos de luta das classes populares contra os abusos e as limitações das noções burguesas de direitos e liberdades; são as “classes perigosas”. A despeito das diferenças que possam ser encontradas na literatura, todos parecem compartilhar o mesmo entusiasmo com o desenvolvimento histórico, como bem exemplifica a seguinte passagem da obra de Comparato (2003, p. 50): Pois bem, a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, no curso da História, tem sido, em grande parte, o fruto da dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pela torturas, pelas mutilações em massa, pelos massacres coletivos e pelas explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos. O autor fez correlação dessa expansão da sensibilidade humana com um movimento sincrônico das “descobertas científicas ou invenções técnicas”, e a razão disso seria de natureza biológica e evolutiva (COMPARATO, 2003, p. 50): Uma das explicações possíveis para isso parte da verificação de que o movimento constante e inelutável de unificação da humanidade atravessa toda a História e corresponde, até certo ponto, ao próprio sentido da evolução vital. [...] A elevação progressiva das espécies vivas ao nível do ser humano foi seguida de um processo de convergência da humanidade sobre si mesma; ou seja, à biosfera geral sucede a antroposfera. Hunt corrobora essa visão, tendo o mesmo otimismo frente à expansão dos direitos humanos (HUNT, 2009, p. 32): Meu argumento depende da noção de que ler relatos de tortura ou romances epistolares teve efeitos físicos que se traduziram em mudanças cerebrais e tornaram a sair do cérebro como novos conceitos sobre a organização da vida social e política. Os novos tipos de leitura (e de visão e audição) criaram novas experiências individuais (empatia), que por sua vez, tornaram possíveis novos conceitos sociais e políticos (os direitos humanos). 24 O que não parece tematizado pelos autores é que a simples descrição de uma narrativa histórica a partir de pressupostos evolutivos, ou não, acaba por não colocar, em destaque, aspectos problemáticos dessa trajetória (POPPER; GUTIERRE, 2000). Na presente tese, dá- se mais valor àquelas discussões que possam enfrentar a temática dos direitos humanos como uma construção histórica, problemática, inacabada e pluralista (TOSI, 2005, p. 7): A compreensão desta trajetória histórica é fundamental para poder enfrentar a discussão sobre o alcance universal dos direitos humanos, ou seja, acerca da possibilidade de sua “expansão” para outros povos e culturas que não passaram por esse mesmo processo histórico. No contexto desta reconstrução, nota-se também a existência de um pluralismo teórico e ideológico nas diferentes formas de abordar os Direitos Humanos: perspectivas diferentes, às vezes contrastantes, que fazem parte do debate crítico sobre a legitimação dos direitos humanos que ainda continua na contemporaneidade. Sem a pretensão de endossar uma visão simplista sobre a história e a construção de causalidades, busca-se, neste trabalho, descortinar as alteridades e diferenças em torno das concepções de direitos humanos que podem perpassar o debate. Não se trata de uma busca por uma explicação, superior ou final da dimensão dos direitos humanos, pois, da pluralidade e indeterminação do conceito, nasce o momento histórico,que será percorrido pela prática institucional. 1.2 DIFERENTES POSIÇÕES No próprio processo de expansão marítima e comercial e o posterior colonialismo e neocolonialismo, do novo mundo, por países europeus, fomentaram-se reflexões sobre a relação entre as culturas e o status que deve gozar o “outro”. O etnocentrismo e o evolucionismo são duas respostas iniciais e justificadoras desses empreendimentos coloniais, e a antropologia também surge a serviço da tradução e do controle dos povos conquistados. O experimento radical de alteridade e tradução de outras culturas leva a antropologia, nas suas correntes contemporâneas, a repudiar e desqualificar a suposição de superioridade cultural do “Ocidente”. É possível localizar elementos, em culturas não ocidentais, que remetam a similaridades com a noção de dignidade humana, que possibilitam falar em elementos afeitos 25 aos “direitos humanos”, em outras culturas (SEN, 2000; PANIKKAR, 2004). O exercício também pode ser realizado na direção inversa, ao enfatizar a singularidade de uma cultura e sua intraduzibilidade nos termos de outras culturas e contextos, como faz François Julien, para a cultura chinesa (2009). Para o presente trabalho, entretanto, ambas as perspectivas são perigosas. Há o risco provável do etnocentrismo em percorrer as diversas culturas, catalogando elementos que se correlacionam com a “teoria dos direitos humanos”, sem levar em consideração a dinâmica dos contextos singulares em que estão inseridos e dotados de significado. Nesse sentido, tal construção de argumento, muitas vezes, só vislumbra aspectos favoráveis, mas o inverso é, igualmente, perigoso, pois torna o conceito de cultura algo estático e fatalista, e cultura não é destino (DONNELLY, 1984). Independentemente de traços culturais e filosóficos anteriores, os direitos humanos se tornam um conjunto de compromissos mais destacados com o avanço do pensamento liberal e o surgimento do direito e estado modernos (ELIAS, 1993), em sociedades em que a noção de indivíduo claramente se separa do Estado e da religião. Assim como as relações econômicas podem ser expandidas para contextos fora do berço cultural do capitalismo, outros aspectos civilizatórios também podem. A expansão dos direitos humanos é o resultado de dinâmicas políticas institucionais e não de determinismos culturais, exclusivamente, favoráveis ou desfavoráveis. Estabelecida essa origem histórica e datada dos direitos humanos, as disputas em torno dos fundamentos da sua validade e universalidade tornam-se um problema, que exige posicionamento. Na academia, nos meios políticos, nos documentos de organismos internacionais, passando pelos debates públicos, múltiplas estratégias argumentativas vão sendo mobilizadas em argumentos favoráveis e críticos aos direitos humanos e sua normatização. De forma bastante sintética, Luiz Eduardo Soares apresenta sete respostas relacionadas com a justificativa de adesão aos direitos humanos (SOARES, 2006). No quadro a seguir, montado a partir da exposição do autor, expõem-se essas sete posições (“respostas”), suas consequências para os direitos humanos e limitações, que tornam problemática a posição adotada. A sétima corresponde à posição do autor, a partir da assimilação das críticas às respostas anteriores: 26 Quadro 3: Problemas relacionados aos direitos humanos, segundo argumento e posição Posição Argumento(s) Direitos Humanos Problema(s) Teológica “Somos todos filhos de um mesmo deus”. Devemos amar e respeitar o próximo. Prescinde da aceitação da religião. Não aberta à comprovação racional. Na história, existem conflitos por intolerância religiosa. Laica/ Biológica Todos têm a mesma natureza humana. “Somos animais de uma mesma espécie”. A espécie deve perpetuar sua existência. A igualdade biológica não se traduz em iguais normas e posições sociais. Não há consenso sobre essas questões. Razão O uso da razão fornece os recursos para se chegar a escolhas justas sobre o convívio em sociedade. Pelo uso da razão, estabeleceremos meios de convivência adequados. A razão é usada como “deus mundano” para prometer algo transcendente, um juízo universal. Acaba excludente como a religião. Evolução A sociedade evolui como a natureza, são processos análogos. A “seleção natural” favorece a sobrevivência dos arranjos sociais mais aptos. Os direitos humanos são um patrimônio da evolução histórica. Uma dinâmica entre acaso e necessidade que seleciona as experiências mais vantajosas para a espécie. Não há acordo sobre a adesão a um padrão de sociedade. Em nome de critérios evolutivos, pode-se desrespeitá-los. É problemática a redução da história humana a uma evolução biológica. Marxista/ Nietzschiana “Moralidade e poder são duas faces da mesma moeda”. A igualdade formal do Estado burguês mascara a dominação de classe. A ressalva é válida, dada a necessidade de falar a partir de contextos reais. Esquece que os direitos humanos servem para ampliar as condições dos indivíduos em democracias. Ignorar isso, em muitos casos, pode revelar cumplicidade com tiranias. 27 Antropológica Os direitos humanos são valores integrantes da cultura ocidental. Suas tentativas de universalização são etnocêntricas. Não há possibilidade de valores universais, o que existem são diferentes culturas. No lugar dos direitos humanos, deve-se respeito às diferenças. Não há como escapar ao etnocentrismo. Quando se defende o respeito às diferenças, também se faz em nome de valores ocidentais. O próprio relativismo pluralista é uma obra do Ocidente. Não essencialista Nossa cultura não é superior às demais. Não há substrato divino, racional, evolutivo, histórico ou racional que possa justificar essa pretensão de superioridade. Os direitos humanos são um produto provisório, precário e problemático da conflituosa história do Ocidente. Eles podem ser aceitos como parte dos diálogos entre culturas ou não. É a posição defendida pelo autor para sair de uma postura passiva e, ao mesmo tempo, acolhendo os impasses das posições anteriores. Fonte: quadro elaborado pelo autor, a partir de Soares (2006). A consolidação e a exposição dessas sete posições resumem o percurso mutável, diverso e tenso dos valores associados aos direitos humanos, ao longo dos séculos. Não se trata de um processo de superação, etapa por etapa, mas um repertório de posições críticas e favoráveis aos direitos humanos. Podem-se agrupar as quatro primeiras posições a partir de um ponto comum: tentam localizar algum elemento substancial que valide os direitos humanos. Apelar para religião, razão, unidade biológica da espécie e evolução da sociedade são recursos argumentativos, que procuram estabelecer uma base comum que valide os direitos humanos, conforme abordado mais à frente. A abordagem marxista/nietzschiana é, na verdade, uma crítica ao caráter abstrato e ideológico dos direitos humanos. Durante a Guerra Fria, o uso ideológico dos direitos humanos era corrente entre as superpotências, mas, após esse período, não há evidência que denote o fim de tal possibilidade de uso ideológico. Organizações Não Governamentais (ONGs), como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, são, regulamente, acusadas da mesma forma pelos governos que são alvos de suas denúncias. Soares, com propriedade, identifica que limitar os direitos humanos a seus abusos ideológicos faz parecer que tais mecanismos institucionais de defesa de grupos marginalizados e de indivíduos frente ao poder dos Estados e suas maiorias são pouco importantes. Sua crítica, implicitamente, aponta para as tentativas de desconsiderar a falta de liberdades nos países do socialismo real, por ideólogos marxistas ortodoxos (SOARES, 2006). As duas últimas abordagens, antropológica e não essencialista,seguem outra 28 perspectiva, tendo, em comum, a crítica ao colonialismo e às suas tentativas etnocêntricas de justificar relações de dominação. A perspectiva não essencialista absorve a contradição mais citada do relativismo antropológico, a incapacidade de relativizar a si mesmo, pois critica os valores ocidentais a partir de uma matriz de compromissos (e valores) também ocidentais. Esta última posição pode ser vista, portanto, como uma não posição: abre mão de todos os pressupostos que poderiam fundamentar sua superioridade no debate, para assumir seu ponto de vista ocidental, reconhecendo sua precariedade/historicidade, sem nenhuma pretensão de aceitação prévia por outras culturas. Nesse sentido, sai da busca de uma essência/substância filosófica para o terreno da ética e da política. A aceitação de uma agenda dos direitos humanos é a construção política de compromissos éticos com base em valores ocidentais; portanto precária, histórica e controversa. É importante perceber que as quatro primeiras argumentações associadas aos direitos humanos apontam para determinações últimas, que legitimam sua defesa. Já a última abordagem, defendida por Soares como não essencialista, abre mão desse imperativo de uma justificativa conceitual que encerre o debate. Sem dúvida, credora do neopragmatismo de Richard Rorty, essa posição gera ataques, como os de José Augusto Lindren Alves, que vê, na retórica “pós-moderna”, um sinal de enfraquecimento da defesa dos direitos humanos e que, nas mãos de tiranos, pode servir de álibi para atrocidades. A principal debilidade da argumentação de Rorty é basear os direitos humanos em uma abordagem mais “feminina” e em sentimentos individuais de empatia (solidariedade) com o outro e suas diferenças. Para Alves, esse tipo de abordagem pode ter seu valor em determinadas situações, mas tem, como principal problema, aniquilar a noção de direito (ALVES, 1999, p. 13). Na mesma linha, o jurista Fábio Konder Comparato critica o positivismo jurídico de Norberto Bobbio (2004) e sua recusa em fundamentar os direitos humanos em qualquer pressuposto transcendente, concluindo assim: [...] na ausência de uma razão justificativa exterior e superior ao sistema jurídico, um regime de terror, imposto por autoridades estatais investidas segundo as regras constitucionais vigentes, e que exercem seus poderes dentro da esfera formal de sua competência, não encontra outra razão justificativa ética, senão a sua própria subsistência. Ora, é justamente aí que se põe, de forma aguda, a questão do fundamento dos direitos humanos, pois a sua validade deve assentar-se em algo mais profundo e permanente que a ordenação estatal, ainda que esta se baseie numa Constituição formalmente promulgada. A importância dos direitos humanos é tanto maior, quanto mais louco ou celerado o Estado (COMPARATO, 1998. p. 6). A crítica dos dois autores coincide em um ponto: sem legitimidade conceitual, os 29 direitos humanos correm risco político de serem atacados nas práticas institucionais. Sua segurança jurídica, sua normatividade frente a tiranos e sua abrangência internacional estão ameaçados. Outros conceitos como “democracia” e “mercado” carecem da mesma exatidão ou consenso; todavia, não se alega, com a mesma veemência, ameaças a sua existência empírica. Norberto Bobbio, no livro citado por Comparato, critica duramente a busca pelo “fundamento absoluto” dos direitos humanos, que, como a “demonstração de um teorema”, faça cessar o debate e estabeleça o consenso. Bobbio considera que tal desiderato é desmentido pela experiência histórica, elencando três teses: a primeira, nos momentos em que havia mais consenso entre eruditos sobre os fundamentos dos direitos do homem, não há prova de que tenham sido mais respeitados; a segunda, no momento de crise desses fundamentos, muitos governos puderam se reunir em torno da criação da ONU e da Declaração Universal dos Direitos Humanos; a terceira, a construção desse consenso político-internacional fez com que “a fundamentação” dos direitos humanos perdesse “grande parte do seu interesse” (BOBBIO, 2004, p. 42-43). Para o autor, essa busca de fundamento é uma postura conservadora que retorna ao debate para demonstrar a incompatibilidade entre os direitos civis e políticos e a incorporação de novos direitos, notadamente, os sociais. A argumentação é simples: os direitos civis e políticos estabelecem restrições ao poder Estatal (liberdade negativa) e são centrados no indivíduo; já os direitos sociais e outros mais recentes requerem a atuação ativa do Estado (liberdade positiva) e nem sempre são balizados no indivíduo. Podem ser atribuídos a grupos sociais ou mesmo de interesse mais difuso, como proteção do meio ambiente, por exemplo. Para os conservadores, essas contradições apontam para a necessidade de voltar à essência do que constitui os direitos humanos. Para autores como Soares, Rorty e Bobbio, as contradições permanecem como elementos para a construção de um artefato humano e histórico; um produto da dinâmica da política e do direito. No presente trabalho, é reconhecido que a extensão desse debate extrapola o escopo da pesquisa, portanto, para fins operacionais da construção do objeto desta tese, são privilegiadas as abordagens não essencialistas, que permitem vislumbrar a construção de políticas públicas em direitos humanos como um problema não atrelado a qualquer determinação última fora das instituições políticas. Nesse sentido, a definição de políticas públicas segue a mesma plasticidade da definição do que sejam os direitos humanos. Com uma diferença essencial: via de regra, são ações do Estado para corrigir violações e dar efetividade a direitos já positivados em leis 30 nacionais, que recepcionam a ratificação de tratados internacionais. Um deslocamento do debate de teoria nos campos ético, político e jurídico para o contexto das instituições e prática de Estado. Essa institucionalização, por meio do direito internacional, visa a gerar garantias contra maiorias eventuais e comportamentos oportunistas (COUTO, 2005). No final do capítulo 2, serão abordados dois estudos, um deles desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), que mostra como não há clareza na ponta de atuação das instituições locais sobre o que sejam os direitos humanos, sendo a polissemia dos termos parte dos problemas e das disputas. O que não se acredita, nesta tese, é que as soluções para tal variação de entendimentos advenham de uma solução conceitual com pretensões de universalismo, que, em última instância, só oferece mais uma abordagem criticável. Ao contrário, as deliberações internacionais nasceram em momentos de desacordos teóricos, mas de tarefas históricas e institucionais desafiadoras. 1.3 ESTADOS E DIREITOS HUMANOS Até o advento do fim da Segunda Grande Guerra, conceitos como “cidadania” e “direitos humanos” eram, em termos práticos, sinônimos, resultantes da comunidade política de um país em torno de seu Estado de Direito. O Holocausto e a experiência da ascensão do Nazismo mudaram esse quadro de referências. Em Origens do totalitarismo, Arendt (2013) procura demonstrar o surgimento de um novo patamar no pensamento sobre direitos humanos, partindo de um inventário da condição dos apátridas e das minorias étnicas no período entre guerras. Para a autora, esses grupos são um problema para o Estado-nação, os chamados “povos sem Estado”. Assim, os instrumentos que procuravam dar conta das questões desses grupos, como o Tratado das Minorias, a Declaração dos Direitos do Homem e a Liga das Nações, não foram capazes de garantir os direitos desses cidadãos, pois seriam respeitados, desde que fossem cidadãos de algum Estado. A ideia de respeito aos direitos humanos não era negada em si, mas condicionada à soberania de algum Estado garantidor. Como, nesses gruposespecíficos, a condição em relação a pertencimento a um Estado era, via de regra, irregular, nada podia ser feito (ARENDT, 2013). Os próprios Estados da época encontraram, nessa lacuna, um instrumento político 31 poderoso, como negar a nacionalidade às minorias. Na Alemanha, por exemplo, uma legislação estabelecia que, no caso dos judeus que emigrassem para outros países, esses perdiam, automaticamente, a nacionalidade alemã. Outro instrumento era a “repatriação”, ou seja, a possibilidade de expulsar estrangeiros não desejados e/ou em situação irregular, para seus países de origem. Em muitos casos, isso era um dos piores castigos, uma sentença de provável morte. Para além de uma “lacuna”, um “esquecimento” constitucional, tratava-se de uma forma de lidar com elementos nocivos. O exemplo da Guerra Civil Espanhola povoava o imaginário de todos os governos, demonstrando como estrangeiros poderiam ter participação significativa em contextos domésticos (ARENDT, 2013). Resumindo, até a Segunda Guerra, os direitos humanos eram vinculados à noção de soberania do Estado contemporâneo e a ideia de “humanidade” era reguladora, mas sem muita concretude no universo cotidiano dos Estados. Com o advento dos governos totalitários, as suas lógicas de apontar para o conjunto da nação, em detrimento dos interesses dos indivíduos particulares, põem a nu esse problema. A atitude partia da negação da soberania aos indesejados, depois, a separação física do resto da sociedade e, por fim, o aniquilamento daqueles que não foram reclamados como parte de um Estado. A busca da homogeneidade em torno de um Estado, seja como construção de um sentimento nacional ou como engenharia de instituições, torna os direitos humanos no “o direito a ter direito”, algo subversivo: A razão pela qual comunidades políticas altamente desenvolvidas, como as antigas cidades-Estado ou os modernos Estado-nações, tão frequentemente insistem na homogeneidade étnica é que esperam eliminar, tanto quanto possível, essas distinções e diferenciações naturais e onipresentes que, por si mesmas, despertem silencioso ódio, desconfiança e discriminação, porque mostram com impertinente clareza aquelas esferas onde o homem não pode atuar e mudar à vontade, isto é, os limites do artifício humano. O ‘estranho’ é um símbolo assustador pelo fato da diferença em si, da individualidade em si, e evoca essa esfera onde o homem não pode atuar nem mudar e na qual tem, portanto, uma definida tendência a destruir. Se um negro numa comunidade branca é considerado nada mais do que um negro, perde, justamente com o seu direito a igualdade, aquela liberdade de ação especificamente humana: todas as ações são agora explicadas como consequências ‘necessárias’ de certas qualidades do ‘negro’; ele passa a ser determinado exemplar de uma espécie animal, chamada homem. Coisa muito semelhante sucede aos que perderam todas as suas qualidades políticas distintas e se tornaram seres humanos e nada mais. Sem dúvida, onde quer que uma civilização consiga eliminar ou reduzir ao mínimo o escuro pano de fundo das diferenças, o seu fim será a completa petrificação; será punida, por assim dizer, por haver esquecido que o homem é apenas o senhor, e não o criador do mundo (ARENDT, 2013, p. 335). A autora estabelece o vínculo entre a defesa dos direitos humanos em escala internacional e o perigo que representam Estados homogeneizantes, que buscam anular suas clivagens sociais e políticas internas. Tal deslocamento dos direitos humanos só é possível 32 com um esmaecimento da noção de soberania nacional. Na arena internacional, surge a possibilidade de pactos e acordos internacionais e sistemas de controle dos mesmos. O processo de construção de garantias e criação de mecanismos institucionais que afirmem os direitos humanos, entre os Estados, ganha relevo após Segunda Guerra Mundial7. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU (1948), e os subsequentes pactos: Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos criados em 19668, são a tradução da criação de instrumentos formais. A esses se seguiram diversos tratados internacionais, detalhando e especificando a larga abrangência dos direitos humanos, bem como a criação do Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos e versões regionais, como o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, com suas respectivas cortes, que podem acolher e julgar denúncias de violações de direitos humanos. O sintomático desse processo é o grau de ratificação dos dez principais tratados de direitos humanos, conforme se pode visualizar no quadro a seguir. Quadro 4: Distribuição dos países, segundo adesão aos 10 principais tratados internacionais de direitos humanos, 2006 Tratados internacionais de direitos humanos N % Convenção sobre os Direitos da Criança 191 100,0 Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de: Discriminação contra as Mulheres 183 95,8 Discriminação Racial 170 89,0 Pacto Internacional sobre: Direitos Civis e Políticos 156 81,7 Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 153 80,1 Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis e Degradantes 141 73,8 Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre: O envolvimento de crianças em conflitos armados 107 56,0 Prostituição infantil e pornografia infantil 107 56,0 Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 105 55,0 Visando a abolição da pena de morte 57 29,8 Protocolo Facultativo à Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres 79 41,4 Fonte: Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights, 2006. 7 O período não é um acaso, reflete uma percepção de que, depois da experiência do Holocausto e o tratamento dos Estados Nacionais aos apátridas, as garantias aos direitos fundamentais não deveriam ficar só a cargo dos respectivos Estados. Organismos multilaterais deveriam ter instrumentos para frear essas violações (ARENDT, 2013). 8 Ambos passam a vigorar em 1976. No Brasil, são incorporados, no arcabouço jurídico, somente a partir de 1991 e 1992, respectivamente. 33 Encontra-se uma expressiva participação dos estados em celebrar instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos. Tal constatação não deve ensejar otimismo, conforme será visto na próxima seção. Um último ponto, antes de se passar à próxima seção, é relativo à classificação dos direitos humanos em gerações de direitos. Criada por Karel Vasak (1963), que, em 1979, estabeleceu uma classificação dos direitos humanos em gerações. Os direitos humanos de primeira geração seriam os direitos de liberdade, compreendendo os direitos civis e políticos. Os direitos humanos de segunda geração constituiriam os direitos econômicos, sociais e culturais. De terceira geração, são os relativos ao meio ambiente, uma saudável qualidade de vida, progresso, paz, autodeterminação dos povos e outros direitos difusos. Posteriormente, estabeleceu-se a quarta geração de direitos, referida aos direitos tecnológicos, tais como o direito de informação e o biodireito. As possibilidades de classificação são importantes para finalidades analíticas. Em termos jurídicos e políticos, esses direitos são considerados universais, indivisíveis, interacionados e interdependentes (PIOVESAN, 2004). Evidentemente, tanto a classificação em gerações e “indivisibilidade”, por exemplo, são normatividades e simplificações, que sempre podem ser confrontadas com a diversidade das experiências de implementação de políticas públicas. 1.4 INSTITUIÇÕES DOMÉSTICAS É importante ressaltar que, ao ratificarem instrumentos internacionais de direitos humanos, os países podem incorporar esses dispositivos às suas legislações internas, ou, pelo menos,comprometer-se a respeitar os compromissos assumidos internacionalmente. Evidentemente, ter um direito acolhido no ordenamento jurídico nacional não é suficiente para torná-lo realidade, caso não haja estabelecimento de todas as competências legais e instituições necessárias para a sua efetiva concretude. A grande adesão aos acordos internacionais relaciona-se com os custos baixos e os retornos em legitimidade dessa opção, tanto em países com grande adesão aos direitos humanos, como para grandes transgressores. Afinal, representava uma sinalização inicial, que remetia à apresentação de resultados mais concretos para tempos futuros (COLE; RAMIREZ, 2013). Na literatura sobre os resultados da ratificação de tratados de direitos humanos, o 34 efeito dessa medida é, frequentemente, nulo ou quase nulo. Fala-se em “dissociação” (decoupling) entre as normas e as práticas, como uma característica inerente a esses tratados. Para autores mais pessimistas, essa medida é totalmente dissociada das boas práticas, pois investe de legitimidade e simbolismo governos criticados por suas condutas, sem grandes custos iniciais de implementação, como o chamado “paradoxo das promessas vazias” (HAFNER-BURTON; TSUTSUI, 2005). Esses tratados são mais efetivos quando existe monitoramento externo e interno, com a divulgação de abusos, mas os resultados podem variar conforme o direito em questão. Como exemplos, destaca-se o estudo de Ramirez e Cole (2013), que identificaram melhores resultados para indicadores relacionados com a “integridade física” do que com os “direitos civis e políticos”, quando existem instituições domésticas de direitos humanos, como a National Human Rights Institutions (NHRI), independentemente do tipo adotado. Em relação ao surgimento dessas importantes instituições, deve-se ressaltar que, nos organismos multilaterais, como a ONU, sempre esteve presente a preocupação com as instituições domésticas, que devem dar efetividade e monitoramento aos direitos humanos. Em 1978, a Comissão dos Direitos do Homem promoveu o Seminário sobre Instituições Nacionais e Locais para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos, em Genebra, com o objetivo de orientar e estimular o processo, que se encontrava em curso, de criação de instituições nacionais ao longo da década de 1980. O processo culmina, em 1991, com o Workshop Internacional de Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos, resultando nos “Princípios de Paris”, depois transformados em resolução da Assembleia Geral da ONU (Res. 48/134, de 20/12/1993). Além de afirmarem, nos “princípios”, a importância estratégica de instituições nacionais, também são estabelecidas as responsabilidades desejadas: Apresentar recomendações, propostas e relatórios sobre qualquer matéria relativa aos direitos humanos (incluindo disposições legislativas e administrativas e qualquer situação de violação dos direitos humanos) ao Governo, parlamento ou qualquer outro organismo competente; Promover a conformidade das leis e práticas adotadas a nível nacional com as normas internacionais de direitos humanos; Estimular a ratificação e aplicação das normas internacionais; Contribuir para os processos de apresentação de relatórios ao abrigo dos instrumentos internacionais; Auxiliar na formulação e execução dos programas de ensino e investigação no domínio dos direitos humanos e promover a sensibilização do público para as questões de direitos humanos através da informação e da educação; Cooperar com as Nações Unidas, instituições regionais e instituições nacionais de outros países (ACNUDH, 1995). 35 Muito se avançou em torno de normas gerais relativas ao trabalho e à função das instituições nacionais de direitos humanos (NHRI), mas tais avanços são suficientemente flexíveis para abarcar uma diversidade empírica expressiva, não acarretando, com isso, um consenso conceitual em torno de sua definição. Algumas características podem ser percebidas em relação a essas instituições: são organismos citados em constituições ou em leis especiais; são criadas com funções específicas de direitos humanos, o que exclui as mais genéricas e sem amparo legal; são, via de regra, de caráter administrativo, excluindo-se instituições específicas do Legislativo e do Judiciário. Em termos muito gerais e empíricos, podem ser classificadas em dois tipos: ombudsman (“ouvidorias”) e comissões de direitos humanos (ACNUDH, 1995). Via de regra, a literatura sobre NHRI classifica em três tipos as instituições domésticas de direitos humanos: 1) ombudsman clássico, sem poder de investigação, originário dos países escandinavos; 2) ombudsman de direitos humanos, com poder de investigação, presente no Sul da Europa, na América Latina (Defensor del Pueblo) e em ex-membros do bloco socialista do Leste Europeu; 3) comissões de direitos humanos, presentes em Estado da Commonwealth, democráticos ou não (PEGRAM, 2010). De imediato, podem-se afirmar duas grandes tendências presentes: as democracias possuem o ombudsman clássico e as democracias mais recentes optam por comissões de direitos humanos. Em sua análise, Thomas Pegram chama a atenção para o fato de que, na literatura de “transição à democracia”, essa opção institucional é explicada, primeiramente, por processos políticos domésticos. Entretanto, o fenômeno é mais denso e complexo, atravessando diversas regiões do globo. No gráfico 1, percebe-se o volume de crescimento de NHRI e sua dimensão global. 36 Gráfico 1: Proliferação regional de NHRI, 1960-2008 Fonte: PEGRAM, 2010, p. 752. É de se perceber a possibilidade de existência de NHRI em países não democráticos, com eleições livres e demais características de uma poliarquia. Pode-se falar em duas ondas internacionais, com proximidade no tempo, de caráter global e com a difusão de modelos institucionais nacionais. O gráfico 2 expõe essas duas expansões: dos países com NHRI e com regimes eleitorais. Gráfico 2: Crescimento global dos NHRI e regimes eleitorais, 1960-2005 Fonte: PEGRAM, 2010, p. 752. 37 A consolidação de diversos NHRI pelo mundo propiciou a produção de estudos sobre seu impacto nas políticas públicas, inclusive na América Latina. Russell Shekha (2012) aponta a relação entre ratificação, combinada com a existência de democracia e sociedade civis fortes como impactantes sobre o gasto e a ampliação de políticas públicas de direitos humanos, principalmente, para grupos vulneráveis. Embora os estudos que examinam os DESCs mostrem uma relação contraditória com a ratificação do tratado, a evidência é amplamente positiva ao colocar que os tratados, especialmente os aliados a regimes democráticos e às sociedades civis fortes, promovem a extensão de direitos para as populações em situação de risco, tais como as crianças. As melhorias nas condições de trabalho e saúde, e a redução da desigualdade de acesso, associada à ratificação do tratado, sugerem níveis mais elevados de gastos sociais e uma potencial redução na desigualdade de renda. Portanto, supõe-se que as ratificações do tratado influenciem positivamente o aumento dos níveis de gastos com a saúde e a educação, mas não têm qualquer efeito sobre os níveis de bem-estar e seguridade social. As ratificações do tratado não terão efeito algum na seguridade social e no bem-estar devido à resiliência histórica com relação às políticas de curto prazo e a mudanças e choques econômicos, uma vez que são associadas às reduções na desigualdade de renda nacional (SHEKHA, 2012, p. 43, tradução nossa9). Em relação à América Latina, o mesmo autor descreve a expansão nas demandas de NHRI de direitos civis e políticos, para englobar cada vez mais direitos econômicos sociais e culturais, evidenciando, assim, como os Estados implementam suas políticas públicas. O caso brasileiro oferece uma posiçãobastante singular, devido à forma como os pesquisadores classificam a existência de uma possível instituição nacional de defesa dos direitos humanos, ou seja, pelo desenho dessa instituição, como pode ser conferido na próxima seção. 1.5 A COORDENAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL A posição ocupada pelo Brasil, nos estudos sobre o impacto de NHRI, é controversa, para não dizer inexata. Shekha (2012) considera que a Secretaria de Direitos Humanos (SDH), da Presidência da República, como sendo nossa NHRI, desde 1998, mas, de fato, só em dezembro de 2013, tornou-se ouvidoria nacional de DH. A Secretaria de Direitos Humanos abriga a Comissão da Verdade e é responsável pela articulação interministerial e intersetorial de DH, além de ter trabalhado em conjunto com as Secretarias de Política Para Mulheres (SPM), a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e outros ministérios, como o 9 Todas as traduções são livres e do autor desta tese, a partir da passagem citada. 38 da Justiça, muito relacionados com a temática, até 2016 (ano em que essas secretarias passaram a compor um único Ministério dos Direitos Humanos, após breve subordinação, como secretaria, ao Ministério da Justiça). Todavia, a SDH da Presidência da República não possui a autonomia de mandato e orçamento, esperada de uma NHRI. Enquanto as NHRI se concentram na produção de relatórios, investigações (quando têm esse poder) e na educação em direitos humanos, as funções da SDH se assemelham mais a de um órgão executor e articulador de políticas públicas, não as de um órgão que deveria, com a ajuda da sociedade, controlar e cobrar do Estado o cumprimento de dispositivos legais nacionais, em consonância com deliberações internacionais. Em outro posicionamento sobre a classificação do Brasil, há o de Pegram (2010), para o qual o Chile, o Brasil e os EUA são casos negativos, em que não existem NHRI. Muitas respostas são especuladas pelo autor, mas, no caso dos dois últimos países, a tese aventada é a de que possuem grande extensão geográfica e são federalistas, onde podem ter-se criado condições para a existência de ouvidorias dos estados, mas não em nível nacional. (PEGRAM, 2010, p. 759). A análise de Pegram faz muito sentido para os EUA, com o grau de autonomia que os estados têm para definir, por exemplo, a legislação penal. No caso brasileiro, essa definição de papéis não é tão precisa, ainda mais com a inclusão de um terceiro elemento: o município. São, portanto, três os entes federativos, com um jogo de indefinição de papéis em diversas políticas públicas (cf. capítulo 2). Há, também, outro elemento que pode ser relacionado: o surgimento do protagonismo de diversas cidades, como players internacionais em direitos humanos. Tal questão remete a um problema central desse tipo: Qual a importância das instituições de direitos humanos nas subunidades nacionais (Subnational Human Rights Institutions – SHRI), sobretudo, em países com federalismo? Andrew Wolman destaca o papel que os governos subnacionais vêm tendo, tanto na ONU (WOLMAN, 2014), quanto entre países federalistas (WOLMAN, 2013). Neste último trabalho citado, o Brasil, em um conjunto de 27 países federalistas, figura entre os países que possuem instituições de direitos humanos subnacionais, mas sem serem membros do organismo da ONU para essas instituições (nacionais, mas com a presença de alguns subnacionais)10. Sobre o Brasil, são citadas comissões dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Minas, que funcionam como SHRI ou ouvidorias específicas de grupos vulneráveis. O autor cita a existência de uma ouvidoria nacional para receber denúncias de violação de direitos de grupos vulneráveis (WOLMAN, 2014, p. 448). 10 International Coordinating Committee of National Institutions for Promotion and Protection of Human Rights (ICC). 39 Em resumo, os trabalhos de Shekha, Pegram e Wolman são completamente díspares em termos de precisão sobre como classificar o Brasil. Mais do que uma simples escolha por maior precisão, tal dado oferece um indicador do quanto é singular a realidade do Estado brasileiro para tratar de políticas públicas em direitos humanos. O que se pode inferir desse quadro mais geral é que, enquanto no plano internacional, desde o surgimento da ONU, no pós-guerra, foi sendo montada uma arquitetura de monitoramento de defesa dos direitos humanos e as questões mais filosóficas sobre a abrangência e o conteúdo do tema deram espaço para deliberações e debates sobre a efetividade de tratados e instituições de direitos humanos. Com essa constatação histórica, não se nega que componentes de disputas entre países e grupos estejam presentes nos embates e deliberações internacionais em torno de interesses diversos. O interessante é reconhecer que, a despeito de todas as dificuldades que as relações internacionais oferecem, foi possível a criação de tais sistemas. Os sistemas internacionais e regionais de direitos humanos têm seu papel, sua imparcialidade e sua efetividade questionados com frequência, mas, apesar das resistências, tais sistemas conseguem oferecer constrangimentos às violações e ajudam a difundir bandeiras relacionadas à expansão de direitos. Para fins desta tese, o que se quer denotar é que diversos países, entre eles o Brasil, passam a ter que lidar com pressões relativas aos direitos humanos que combinam esforços domésticos e internacionais. Para o Brasil, que emerge com a redemocratização, o cenário que se apresenta é de cobranças internas, da capilaridade da sociedade organizada e externa. Tal qual outros países, em situação semelhante, como demonstra Pegram, o Estado brasileiro teve que lidar muito rapidamente com essas pressões, além de ter uma condição continental e federalista que não ajudou muito. A Constituição de 1988, ao mesmo tempo em que atualiza para a ordem constitucional doméstica o conjunto de contribuições dos direitos humanos, não deixa muito claro como serão atingidos objetivos democráticos e sociais, especialmente a delimitação da atuação de cada ente federativo. Wolman mostra que, já em escala internacional, cidades começam a atuar como players importantes de direitos humanos. No caso brasileiro, não chegamos a esse protagonismo internacional, ainda, mas, cotidianamente, prefeitos organizam sua gestão e precisam decidir como lidar com essa temática. Possíveis apelos retóricos à parte, não há mecanismo institucional capaz de fazer com que os diferentes órgãos da União e as subunidades nacionais convirjam nas suas políticas públicas nos direitos humanos como um conjunto definido. Em se pensando por áreas de atuação, diversas políticas públicas, como as das áreas da saúde, educação e assistência social, 40 possuem restrições e incentivos para que diferentes esferas de governo colaborem. Tal trajetória atípica resultou em uma situação singular, na XI Conferência Nacional de Direitos Humanos, em 2004. O texto base da mesma apresentava, como tema único, a criação de um “sistema nacional de direitos humanos”. A proposta foi duramente criticada por Hélio Bicudo, Paulo de Mesquita Neto e Guilherme A. de Almeida, em artigo na Folha de S. Paulo (2004). O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e, depois, a Secretaria Especial de Direitos Humanos foram iniciativas importantes. Mas esses órgãos têm sua ação limitada pelos interesses do Estado, tanto no campo administrativo, como, e, sobretudo, no campo político. Já é tempo de criarmos um órgão com autonomia diante do poder estatal (mandato certo aos seus responsáveis), provendo-o de estrutura e de meios orçamentários adequados à sua atividade. Já é hora de construirmos uma instituição nacional de direitos humanos, dotada de mandato amplo, com previsão orçamentária e, um requisito fundamental, com independência e autonomia em relação ao poder público. As instituições nacionaistêm caráter consultivo, não integram o Poder Judiciário nem o Poder Legislativo. Podem ter uma ligação com o Executivo, mas são independentes dele. A estrutura e o funcionamento das instituições nacionais de direitos humanos são reguladas pelos "Princípios de Paris" [...]. A crítica dos autores contrapõe a proposta de um “sistema” de direitos humanos à criação de um NHRI no Brasil, seguindo os padrões internacionais. A experiência internacional aponta para um órgão de monitoramento e ação jurídica, enquanto a trajetória institucional recorrente aponta para a noção de “sistema”. Há um processo de constitucionalização das políticas públicas que, ao mesmo tempo, diminui as preocupações eleitorais de curto prazo, desse ou daquele governo, em favor de um federalismo cooperativo (ABRUCIO; FRANZESE, 2007). A ideia de criar um sistema de direitos humanos não reaparecerá nos anos seguintes, com a mesma franqueza de formulação, mas o problema a ser enfrentado permanece. O problema de como instituir capacidades de coordenação entre a União e as subunidades reaparece nos textos dos planos nacionais de direitos humanos. Na primeira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH I), é explícita a preocupação com a necessidade de compromisso de diversas arenas institucionais, incluídos os governos subnacionais; ao mesmo tempo, reconhecendo a incapacidade destes de “diminuir o desrespeito diário aos direitos humanos no Brasil”, ao ponto de necessitarmos de uma “mutação cultural” das “práticas dos governos” e “da própria sociedade” (BRASIL, PNDH 3, anexo 2, p. 188). Segundo Paulo Sérgio Pinheiro e Paulo de Mesquita Neto, “o governo federal passou a cobrar dos governos estaduais e municipais, do Congresso Nacional, do Judiciário e da sociedade, a devida participação na sua implementação” (PINHEIRO; 41 MESQUITA NETO, 1998, p. 118). O PNDH II, no final do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, ampliou o escopo de grupos sociais vulneráveis, identificados nas políticas públicas, bem como incorporou direitos culturais econômicos, sociais e coletivos. No PNDH 3, do final do segundo governo Lula (2010), suas linhas de continuidade são claras em definir qual a relação do governo federal com as subunidades nacionais: O Poder Executivo tem papel protagonista de coordenação e implementação do PNDH, mas faz-se necessária a definição de responsabilidades compartilhadas entre a União, estados, municípios e Distrito Federal na execução de políticas públicas, tanto quanto a criação de espaços de participação e controle social nos Poderes Judiciário e Legislativo, no Ministério Público e nas Defensorias, em ambiente de respeito, proteção e efetivação dos Direitos Humanos. O conjunto dos órgãos do Estado – não apenas o Executivo Federal – deve estar comprometido com a implementação e monitoramento do PNDH 3. O autoconstituído “protagonismo de coordenação” do Executivo federal é diretamente vinculado à sua dependência da construção de uma rede de “responsabilidades compartilhadas” com as subunidades nacionais, com os poderes da República e com a sociedade. Colocado o problema dessa forma, abre-se margem para que, em diversas temáticas, os diagnósticos sobre os motivos de uma determinada política pública não atinjam êxito e ela seja identificada com a detecção das falhas de coordenação na busca do “comprometimento com a implementação”, por parte do “conjunto dos órgãos do Estado”. O cômputo geral dessa equação é nítido: o Brasil nem tem uma NHRI clássica, nem um “sistema” semelhante a outras políticas públicas mais constitucionalizadas, como saúde, educação e assistência social. A agenda de direitos humanos, pela sua própria definição, atravessa essas áreas e abrange outras políticas menos constitucionalizadas, e os estados e municípios precisam lidar com essas demandas. Um caminho escolhido por muitos é a adoção de algum órgão gestor de direitos humanos como desenho institucional propício para interagir com demandas e fluxos. Ao organizar suas gestões, os prefeitos precisam dar conta dessas questões e, no caso dos municípios, os OGMDH são os elementos institucionais, no âmbito do Executivo local, que vão lidar com o peso dessas contradições e incertezas. Neste capítulo, demonstrou-se como a definição de direitos humanos é polêmica e fonte de disputas. Optou-se por uma definição não essencialista dos direitos humanos como um artefato humano em disputa. O importante dessa definição é que ela não ancora a defesa dos direitos humanos em uma realidade ou argumento que se estabeleça antes ou fora da política e das instituições. No terreno das instituições e tratados internacionais, percebe-se que a simples adesão 42 formal aos acordos internacionais não garante sua efetividade. Entram em cena as opções domésticas de instituições para monitorar e acompanhar o avanço (ou não) dos direitos humanos, em cada país. Por fim, na variedade de instituições domésticas, países federalistas são um elemento controverso nas classificações de NHRI. A posição do Brasil não é clara, nas classificações sobre o tema, e, em geral, países continentais e federalistas apresentam dificuldades de nacionalizar o NHRI. Uma solução alternativa é oferecida pelo exemplo de áreas como: saúde, educação e assistência social, mas é uma solução criticada. As três versões do PNDH tentaram estabelecer algum marco normativo que orientasse os entes federativos; em especial, o PNDH 3 tenta estabelecer um papel de coordenação das iniciativas para o governo federal. Só que essa iniciativa não tem poder de constranger os outros entes a participarem colaborativamente, criarem programas próprios que replicam programas federais ou mesmo, singelamente, se omitirem nas políticas públicas que lhes forem mais convenientes, abrindo margem para uma série de iniciativas nem sempre bem sucedidas. No caso dos municípios, há especial relevância para que atuem em políticas públicas, em diversos campos; inclusive naqueles em que não estão, explicitamente, obrigados, por lei, a agir. Já, no caso das grandes cidades, existem até exemplos internacionais de destaque para a temática dos direitos humanos. Tal cenário abre margem para um campo de escolhas e experiências institucionais diversificado nas gestões locais. A fundamentação teórica da possibilidade dos OGMDH tem um efeito positivo sobre a oferta de políticas públicas e é tema do próximo capítulo. A NEI e os CTP são a explicação encontrada, neste trabalho, para entender a possibilidade de os OGMDH impactarem a maior oferta de políticas públicas em direitos humanos na gestão local. 43 2 CTP COMO EXPLICAÇÃO DOS EFEITOS DOS OGMDH Este capítulo apresenta como a escolha de ter um OGMDH tem consequências para a oferta de políticas públicas, destacando as explicações e as causas que fundamentam os efeitos dos OGMDH, como parte do desenho institucional da gestão local. Tais efeitos são explicados pela redução de Custos de Transação Políticos (CTP), na oferta de políticas públicas de sua temática, em oposição às teses simplistas que qualificam essas iniciativas apenas como crescimento do Estado, por meio do autointeresse de burocratas e políticos. Para tanto, abordam-se as vertentes institucionalistas, tanto do neoinstitucionalismo, quanto outras abordagens próximas, como a Nova Economia Institucional (NEI) e a Teoria da Escolha Pública (TEP), enfatizando o conceito de racionalidade, para entender os pontos centrais da contribuição da NEI. No caso específico da provisão de políticas públicas, os conceitos de racionalidade limitada e comportamento oportunista ajudam a apontar para os contextos de incerteza, em que os custos de transação se tornam relevantes como fator explicativo e em que a presença dos OGMDH pode reduzir os CTP. No repertório oferecido pela NEI, existe a noção de “custos de transação”, que fundamentaa Economia dos Custos de Transação (ECT). Esse conceito, apropriado para instituições políticas, com a definição de suas especificidades, dá origem aos Custos de Transação Políticos (CABALLERO; ARIAS, 2013), cuja contribuição é um elemento-chave para compreender como os OGMDH podem fazer a diferença na gestão local. Os custos de transação, na economia e na política, estão associados à ineficiência da racionalidade limitada e ao comportamento oportunista. O que as instituições oferecem, por esse meio, é uma forma de lidar com esses dois elementos, mas, no caso da política, tais custos são bem mais difíceis de serem contornados, conforme será visto. Particular atenção merece a ideia de hierarquia; as considerações sobre sua importância fundamentam a hipótese de que os OGMDH, com mais autonomia, favorecem melhores efeitos sobre a oferta de políticas públicas, ou seja, quanto mais autonomia mais efetividade para reduzir custos de transação. No mesmo veio de argumentação em favor da posição hierárquica no desenho institucional da gestão, abre-se a possibilidade do uso da “autonomia emprestada” de outra área de governo com afinidades de ações; no caso, a assistência social. Um OGMDH de menor poder hierárquico (setor subordinado a outra secretaria) pode ter bons resultados se associado a uma secretaria com mais recursos, que 44 possua interesse estratégico nessas políticas públicas. Outra variável importante é o tempo de existência de um determinado desenho institucional, possibilitando sucessivas interações, que permitem, aos atores, estabelecer compromissos. Essa governança, ao longo do tempo, permite a formação de efeitos de coordenação maiores, pois as instituições e seu desenho institucional desempenham um papel importante nos resultados. Esperam-se resultados maiores, também, para a provisão de recursos orçamentários, já que a existência de um OGMDH, seu grau de autonomia e seu tempo de existência favorecem a maior alocação de recursos. O ponto principal desta tese é mostrar que a simples existência de OGMDH propicia o aumento da oferta de políticas públicas em direitos humanos e maior alocação de recursos. Além de explicar os CTP e sua relação com as hipóteses da tese, neste capítulo, são apresentados alguns backgrounds teóricos, que informam hipóteses com elementos institucionais alternativos à importância do OGMDH, testadas na parte empírica: a importância do Executivo federal e sua coalizão para a provisão de políticas públicas, a participação local e seu impacto nas políticas públicas e a capacidade administrativa. Não se trata exatamente de abordá-las como teses rivais, com potencial explicativo, mas como outros elementos institucionais que devem ser mesurados e controlados em uma explicação multicausal do desenho institucional. Outro aspecto diz respeito ao perfil de políticas públicas: espera-se maior provisão para aquelas com públicos identitários específicos, do que para as que possuem perfil universalista. Tal hipótese tem elementos comuns com a TEP, com grupos de interesse bem organizados, conseguindo agilizar suas agendas, em relação a grupos maiores e mais dispersos. No caso especifico desta tese, trata-se de uma agenda de direitos que prescinde de efetividade. A terceira parte do capítulo faz um breve apanhado das contribuições da TEP, tendo-a como veio de argumentação teórica que embasa boa parte dos comentários críticos, na vida política, à existência de estruturas como os OGMDH. Os entusiastas da “escolha pública” entenderão esses resultados como uma confirmação da expansão do poder de burocracias e políticos sobre a liberdade do cidadão comum. Nesta tese, considera-se que não há elementos para tantas conclusões; o que se pode afirmar é a conclusão mais pessimista de que OGMDH representariam estruturas parasitárias, sem alcance nas políticas públicas, e que, portanto, poderiam ser feitas “mais com menos”, o que não se sustenta com base neste estudo. 45 A hipótese de os OGMDH não terem efeito positivo sobre a atuação do Estado advém da aplicação dos pressupostos neoclássicos às instituições políticas, a Teoria da Escolha Pública. No debate acadêmico, os argumentos mais contundentes sobre políticas públicas em direitos humanos (e políticas sociais, em geral) são de que, por mais desejáveis que possam ser, elas representam um ônus orçamentário para a sociedade como um todo, o que, em algum momento, vai comprometer as contas públicas, empurrando a sociedade e o Estado para crises, que, por suas vezes, afetam os públicos diretos das políticas públicas. Os OGMDH seriam um efeito direto das pressões de interesses próprio de grupos políticos e de burocratas, interessados em controlar fatias maiores do orçamento. Sem desmerecer a importância da análise do autointeresse de segmentos políticos e burocráticos, a NEI evita tomar esses pontos como um preceito dogmático, que induz a ideia de que um Estado menor é sempre melhor. Como alternativa, vem à luz a análise dos CTP nas relações Estado e sociedade. Pelos próprios pressupostos da NEI, é difícil argumentar que a dinâmica dos CTP seja de igual peso e impacto em todas as situações de implementação de políticas públicas, que permitam diagnósticos e posicionamentos unilaterais, como tende a fazer a Teoria da Escolha Pública (TEP). Ao invés de pensar a intervenção do Estado, trata-se de pensar a qualidade e feitos das relações Estado/sociedade (DIXIT, 2003). Na quarta e última parte do capítulo, são apresentados dois estudos antecessores com OGMDH, que, em muito, ajudaram a reflexão desta tese. 2.1 INSTITUCIONALISMOS, RACIONALIDADE E CTP 2.1.1 Institucionalismos e NEI Esta tese privilegia o estudo das instituições e como sua dinâmica pode afetar o comportamento dos atores políticos. As abordagens que se destacam, na ciência política e em outros campos, para o estudo de instituições, são os chamados neoinstitucionalismos: histórico, sociológico e da escolha racional – uma classificação, quase canônica, popularizada 46 pelo artigo de Hall e Taylor (2003)11. Cabe ressaltar, ainda, que Hall e Taylor falam de uma quarta vertente, o “institucionalismo econômico”, centrado na “teoria da firma” e “custos de transação”, que, claro, corresponde aos trabalhos da NEI. Por compartilhar os mesmos princípios de um comportamento utilitarista, presentes no neoinstitucionalismo da escolha racional, os autores – e, neste trabalho, concorda-se com essa escolha – optam por manter a tripla classificação, filiando essa vertente aos demais institucionalismos da escolha racional. Essa abordagem, a NEI, será tratada mais à frente. Essas vertentes do neoinstitucionalismo se desenvolveram na segunda metade do século XX, em oposição ao estrutural-funcionalismo e sua ênfase nas relações entre comportamento individual e a estrutura social. A diferenciação entre o “antigo” e o “novo” institucionalismo visa, justamente, a diferenciar as abordagens behavioristas (antigas) das novas (IMMERGUT, 1998; PERES, 2008). Qual dessas três abordagens poderia explicar como os municípios, com e sem OGMDH, ofertam políticas públicas em direitos humanos? O neoinstitucionalismo histórico destaca a ênfase explicativa nas trajetórias das instituições no tempo. Sua origem são os trabalhos de Brian Arthur (1990) e Paul A. David (1985, 1994), na história econômica, que contrariam as premissas de eficiência da teoria econômica neoclássica. Os neoclássicos afirmam que a atividade econômica, baseada em recursos, tende a rendimentos decrescentes de escala, o que leva o mercado a atingir um ponto de equilíbrio nos preços entre diferentes produtores. Os autores argumentam que esse raciocínio não é válido para segmentos intensivos em conhecimento, pois o mesmo parte de um momento inicial, em que várias alternativas produtivas são possíveis, sem a previsão de qual prevalecerá.Após a escolha inicial, que pode ser motivada até por um evento contingente, a continuidade no tempo opera com a produção de feedbacks positivos ou autorreforço, conduzindo a uma situação de lock-in, ou seja, de irreversibilidade. Um dos pontos de afirmação metodológica dessa abordagem é perceber que uma mesma escolha institucional pode ter resultados distintos, em diferentes contextos locais, dada a força dos constrangimentos estruturais herdados; a mudança viria por conjunturas críticas (critical conjuctures), em que alternativas/escolhas se abrem como possibilidades 11A classificação de Hall e Taylor (2003) é, possivelmente, a mais citada, mas não a única. Guy Peters (2011) apresenta uma classificação mais extensa nas ciências sociais: “Normative Institutionalism”, “Rational Choice Institutionalism”, “Historical Institutionalism”, “Empirical Institutionalism”, “New Institutional Economics”, “Sociological Institutionalism”, “Interest Representation Institutionalism” e “International Institutionalism”. A classificação de Peters se referencia em mapear as abordagens que vão se formando em torno de determinados objetos de estudo, oferecendo uma ótima percepção de como o institucionalismo ampliou seu raio de influência e agendas de pesquisas, nas três últimas décadas. Todavia, para os objetivos deste trabalho, não acrescenta muito à classificação canônica de Hall e Taylor. 47 (BERNARDI, 2012). O institucionalismo histórico é mais limitado em estabelecer a relação entre instituição e comportamento dos atores, por uma razão simples: seus principais postulados sobre o quanto “as instituições importam” as colocam como fatores explicativos de muitas decisões e comportamentos. Ou seja, elas não poderiam, ao mesmo tempo, figurar como explicadas pelos comportamentos dos atores, pois seriam, simultaneamente, resultado e causa (DIERMEIER; KREHBIEL, 2003). Mais do que isso, não existe unidade teórica sobre a ontologia do comportamento dos atores; pode-se recorrer tanto a uma abordagem maximizadora, quanto à culturalista para a explicação de trajetórias históricas (HALL; TAYLOR, 2003). Pelas características do objeto de estudo desta tese, não faz sentido uma abordagem estrutural e histórica, pois se trata de dinâmicas recentes e fluídas de governos, mudanças e experimentações que não possuem uma longa dinâmica no federalismo brasileiro, nem de outros países. Assim, não faz sentido perceber essas diferenças de preferências dos municípios como resultado de uma longa trajetória institucional de acúmulos, que reforçam tal trajetória, argumento forte dos estudos de path dependence, característicos do neoinstitucionalismo histórico (SALES, 2006; BERNARDI, 2012). Outra forma possível de inserir o institucionalismo histórico seria entender as opções por ter OGMDH e fazer uma provisão maior de políticas públicas, como elementos de um conjunto resultado de determinações maiores e de longo prazo, referentes às trajetórias das instituições. Tal visão só faz sentido em uma abordagem que combine institucionalismo histórico e ator racional, como, por exemplo, em North e Pierson (BERNARDI, 2012), o que explicaria que, em todos os diferentes contextos locais, os atores agissem com a mesma tendência. Não se pretende ignorar que fatores macroestruturais, como urbanização, tamanho de população e diferenças regionais, tradições associativistas e processos de constituição de uma burocracia local (com eficiência pelo menos mínima), podem interagir com o modelo, pois essas e outras variáveis são nele controladas (capítulo 3). O que se investiga é como um aspecto microinstitucional pode ou não ter um efeito específico sobre provisão de políticas públicas. O institucionalismo histórico não prevê elementos analíticos capazes de captar tais determinações como relevantes; sua ênfase é na força dos componentes estruturais específicos de cada contexto sobre as trajetórias institucionais (IMMERGUT, 1998; SKOCPOL, 2008). Por sua vez, o neoinstitucionalismo sociológico parte das diferenças de valores e 48 crenças dos atores, para entender suas preferências, enfatizando o entendimento de como o compartilhamento de códigos, valores e percepções, por parte dos atores, gera cenários em que os mesmos atribuem significados às suas escolhas, a partir de um repertório cultural (HALL; TAYLOR, 2003). Diferentemente do cálculo utilitarista (escolha racional), em que as preferências são exógenas, nessa abordagem, as preferências são endógenas: as instituições, mais do que conformar um ambiente de disposição de incentivos e punições, impactam, diretamente, na formação de suas preferências e identidades; são elaboradas como algo mais abrangente, que envolvem símbolos, mapas cognitivos, modelos morais etc. Ou seja, as noções de “instituição” e “cultura” se interpenetram (HALL; TAYLOR, 2003). Um segundo contraponto diz respeito à noção de “legitimidade” como elemento norteador da origem e mudança de instituições. Os atores não estariam presos às regras de eficiência do utilitarismo; estariam mais convictos a performar seus papéis sociais e a busca de escolhas institucionais que se relacionariam com esse processo, o qual pretende ampliar sua legitimidade social (HALL; TAYLOR, 2003). Esse tipo de abordagem estabeleceria o nexo causal entre crenças, por um lado, e resultados da oferta de políticas públicas em direitos humanos, por outro, por meio do registro dos valores e interpretação das crenças que utilizam para dar sentido às suas ações. Pode-se alcançar oferta maior de políticas públicas mesmo quando esse não é um objeto declarado nas crenças dos atores? Ou, nos termos da “escolha racional”, pode a provisão de políticas públicas ser uma consequência, não antecipada, das interações dos atores? Mesmo quando esse efeito não é pretendido, explicitamente, em suas crenças? Em que situações o estudo das crenças dos atores é um componente importante e em quais, não é? Em contextos de incerteza, saber as crenças que orientam comportamentos ajuda a compreender como as preferências foram estabelecidas (CAMPOS; BORSANI; AZEVEDO, 2016). Naqueles em que a incerteza dá lugar ao conflito distributivo, o debate sobre o compartilhamento de valores e ideias torna-se problemático, como afirma Marcus Melo (2004, p. 172): Onde a incerteza sobre causalidade é importante, crenças causais são cruciais. Sem dúvida, crenças e preferências conduzem à ação. Contudo, em questões altamente distributivas nas quais os resultados das decisões estão claros para muitos atores, o papel das ideias é muito mais problemático. O argumento sobre a validade das crenças e seu compartilhamento como fator causal é sempre bem-vindo em situações de incerteza. Racionalidade limitada, comportamentos oportunistas e custos de transação são, também, elementos característicos de tais situações. A 49 própria NEI vai lançar mão de conceitos como “mapas mentais” (NORTH, 1998), para criticar abordagens só baseadas na escolha racional, sem abrir mão inteiramente da mesma. Tradicionalmente, essas variáveis endógenas seriam mais bem percebidas em um estudo qualitativo. Um melhor estudo qualitativo sobre os gestores locais de direitos humanos aponta na direção inversa de uma hipótese substantiva que pudesse ser investigada. Nos estudos conduzidos pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), percebe-se que não há muito consenso sobre a atuação em direitos humanos, por parte dos gestores municipais; quanto mais o compartilhamento de crenças e/ou valores comuns que pudessem gerar uma hipótese substantiva a ser estudada. O institucionalismo da escolha racional, na ciência política, nasce dos estudos Legislativos americanos no final dos anos 1970. Dado o ambiente de barganha e incerteza das votações, seria intuitivo um ambiente de alta volatilidade das preferências e imprevisibilidade disseminada,Fátima Fernandes e Jéssica Leite Soares, pessoas sem as quais o trabalho acadêmico, no IUPERJ, não teria êxito algum. Pessoas que enfrentam situações difíceis e dão o seu melhor em profissionalismo e dedicação. Colaboraram com a organização dos dados e deram sugestões de melhoria do texto desta tese: Marina Vivas, Paulo Moreira, Luciane Chiadreti, Luiz André Zardo, Antonio Etevaldo e Leandro Marino. Os suportes familiar/técnico de Hugo Dantas, Iara Regina, Rosana Santos e Angélica foram ajudas incalculáveis. André Veras, coordenador que tão bem me recebeu e acolheu nos cursos de MBA, em que lecionamos; todos merecem meus agradecimentos. Os debates acalorados do “povo de humanas”, do nono andar da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), reunidos, virtual e presencialmente, no “U9”, me ajudaram a compreender questões políticas e conceituais e a manter um pouco de sanidade em tempos de escassez. Não vou citar nomes, pois correria o risco de cometer alguma injustiça. Ainda, do “povo da UERJ”, não posso esquecer meu amigo de longa data e profunda admiração. Ao mestre Hamilton e a todos os meus amigos da Sociedade Taoista do Brasil, meus agradecimentos pela compreensão em me afastar e demorar mais tempo do que imaginava para regressar. De minha família, vou precisar de muitas vidas para agradecer ao meu pai, Ronaldo Garcia, e à minha mãe, Maria de Lourdes Vizzoni Garcia (in memoriam), por tudo o que fizeram para que meu doutorado chegasse ao fim. Eles acreditaram em mim, quando nem eu mesmo era capaz disso. À pequena Jade, milagre de minha vida, que sempre me emociona. A gratidão por umas letras digitadas no teclado para me fazer lhe dar atenção. Isso quando não roubava o teclado ou o celular e saía correndo, sabendo que eu iria em seu encalço. Minha esposa, Patricia Regina Santos Garcia, é, provavelmente, a pessoa que mais foi penalizada por esta tese. Obrigado por ser a companheira de valor que é. Parceira em uma aventura em busca de uma vida simples e feliz. A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la. Fernando Pessoa O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto. Fernando Pessoa RESUMO Estudo quantitativo sobre o efeito da existência, tempo de maturação e grau de autonomia do OGMDH para a provisão de políticas públicas municipais. O que foi chamado de “Órgão Gestor Municipal de Direitos Humanos” (OGMDH) compreende: secretarias exclusivas de direitos humanos, secretarias em conjunto com outras áreas, setor subordinado a outra secretaria, órgãos ligados ao gabinete do prefeito ou órgãos da administração indireta para a gestão de sua atuação no campo dos direitos humanos nos executivos municipais. O problema central da tese é investigar o efeito do OGMDH sobre a oferta de políticas públicas em direitos humanos. Atribui-se aos OGMDH a capacidade de reduzir os custos de transação políticos (CTP) para a provisão dessas políticas públicas. Os OGMDH têm sua ação dimensionada em cinco elementos: 1) existência em relação aos municípios que não possuem; 2) tempo de maturação; 3) grau de autonomia administrativa; 4) maior provisão de políticas públicas voltadas para grupos em situação de vulnerabilidade social (em especial: idosos, crianças e adolescente, deficientes, público LGBT, negros e mulheres), em comparação com políticas universalistas; 5) maior alocação de recursos em funções relacionadas com “direitos da cidadania” e “assistência social”. A presença de um OGMDH, em um município, particularmente os mais antigos e autônomos (ou vinculados à assistência social), propiciaria maior facilidade política e institucional do executivo local em incorporar políticas públicas em direitos humanos. O estudo quantitativo foi realizado com o universo dos municípios brasileiros, com os dados relativos aos anos da gestão municipal de 2009-2012, a partir da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do IBGE. Os resultados confirmam a existência de efeitos relevantes dos OGMDH. Palavras-chave: direitos humanos, municípios, políticas públicas, institucionalismo, escolha racional, custos de transação políticos. ABSTRACT Quantitative study about the effect of existence, maturation time and degree of autonomy of the MMBHR for the provision of municipal public policies. What was called "Municipal Management Body of Human Rights" (MMBHR) comprises: exclusive secretariats of human rights, secretariats in conjunction with other areas, subordinate sector to another secretariat, bodies linked to the mayor's office or indirect administration bodies to the management of their performance on human rights field in municipal executives. The central problem of the thesis is to investigate the effect of the MMBHR about the offer of public policies on human rights. It's attributed to the MMBHR the ability to reduce the political transaction costs (PTC) for the provision of these public policies. The MMBHR have their action dimensioned in five elements: 1) existence in relation to the municipalities that do not have it; 2) maturation time; 3) degree of administrative autonomy; 4) greater provision of public policies focused on groups in social vulnerability situation (in particular: elderly, children and adolescents, the disabled, LGBT public, black people and women) in comparison with universalist policies; 5) greater allocation of resources in functions related to "citizenship rights" and “social assistance”. The presence of an MMBHR, in a municipality, particularly the oldest and autonomous ones (or linked to social assistance), would provide a greater political and institutional facility of the local executive in incorporate public policies on human rights. The quantitative study was carried out with the universe of Brazilian municipalities, with the data related to the years of municipal management of 2009-2012, based on the Survey of Basic Municipal Information, from IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics). The results confirm the existence of relevant effects of the MMBHR. Keywords: human rights, municipalities, public policies, institutionalism, rational choice, political transaction costs. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1: Problemas e variáveis da tese...................................................................... 11 Quadro 2: Hipóteses da tese.......................................................................................... 18 Quadro 3: Problemas relacionados aos direitos humanos, segundo argumento e posição............................................................................................................................... 26 Quadro 4: Distribuição dos países, segundo adesão aos 10 principais tratados internacionais de direitos humanos, 2006........................................................................ 32 Quadro 5: Distribuição dos municípios, por ano, segundo alterações na condição de OGMDH, Brasil, 2009, 2011 e 2014............................................................................... 90 Quadro 6: Componente do IMV – Crianças e Adolescentes........................................... 98 Quadro 7: Componente do IMV – Deficientes.............................................................. 99 Quadro 8: Componente do IMV – Idosos...................................................................... 99 Quadro 9: Componente do IMVconforme atestado pelos pressupostos da teoria da escolha pública e da escolha social (BUCHANAN; TULLOCK, 1962; ARROW, 1963; BORSANI, 2004), que são referências angulares na aproximação entre a escolha racional e o estudo das instituições políticas. Empiricamente, não é o que esses estudos constatam; deveria ser problemático manter maiorias estáveis nas votações, mas estas ocorrem com impressionante estabilidade (SHEPSLE, 2006). No institucionalismo da escolha racional, parte-se do entendimento de que as instituições funcionam como regras, formais e informais, para os atores, que podem ser indivíduos ou organizações com comportamento unitário e adotam comportamento guiado pela racionalidade instrumental de maximizar seus interesses. A instituição fornece, a esses atores, a possibilidade de interagirem com certa estabilidade e duração intertemporal, permitindo, ao longo do tempo, que mudem suas estratégias a partir da interação com os demais, tal como em um jogo, conforme definição de Shepsle (2006. p. 24): Uma instituição é como um roteiro que nomeia os atores, seus respectivos repertórios comportamentais (ou estratégias), a sequência em escolhem entre eles, a informação que possuem quando fazem suas seleções e o resultado originado pela combinação de escolhas do ator. Uma vez que adicionamos as avaliações de resultados feitas pelos atores a essa mistura – preferências de ator –, transformamos um modelo do jogo em um jogo propriamente dito. Ao colocarem os atores racionais, como parte das instituições, e as regras e os constrangimentos, para suas estratégias, tem-se uma superposição com boa parte das abordagens da NEI. Como já se verificou, o problema desse comportamento racional são as 50 situações de incerteza em que o conflito distributivo não está claro. Esse é o ponto de separação dos trabalhos da NEI, que operam com custos de transação em cenários mais incertos, e os trabalhos do institucionalismo da escolha racional, operando com cenários institucionais onde as estratégias dos atores podem ser mais facilmente percebidas, pelo suporte das regras institucionais. Nos termos da NEI, segundo as palavras de North (1990, p. 69): A minha teoria das instituições é construída a partir da teoria do comportamento humano combinada com a teoria de custos de transação. E quando as combinamos, entendemos por que as instituições existem e qual papel elas desempenham no funcionamento das sociedades. A NEI dá ampla aplicação ao conceito de custos de transação para explicar as dinâmicas institucionais; ao mesmo tempo, aceitando as premissas da escolha racional como uma possibilidade de explicação de parte do comportamento humano. A maior promoção de políticas públicas pelos municípios, com determinados tipos de OGMDH, pode não ser o objetivo estratégico inicial dos prefeitos, mas sua escolha gera consequências para a oferta de políticas públicas. Boa parcela da criação de ministérios e cargos para acomodar coalizão é criticada, por parte dos analistas, e senso comum, como parte da expansão do gasto público e ineficiência estatal. Esta tese não alcança a questão da eficiência (resultados com impacto positivo) das políticas públicas, mas a coloca na expansão da oferta de tais políticas, como uma externalidade positiva desse processo político-partidário. Como os municípios fazem esse efeito, antecipado ou não antecipado, de incremento dessas políticas públicas específicas? Um componente explicativo institucional valioso são os OGMDH, por reduzirem os níveis de incerteza (CTP) entre atores estatais e sociais, para que as políticas públicas possam existir. Como é possível medir isso? Mapeando todas as principais causas e separando o efeito específico dos OGMDH. Nesse momento, cabe um exemplo hipotético, que torne o raciocínio menos abstrato: um prefeito pode criar uma secretaria de direitos humanos ou direitos humanos e assistência social, para acomodar interesses de um membro da coligação que o elegeu, sem que haja grandes expectativas do Executivo municipal quanto à maior oferta de políticas públicas; mas a existência desse elemento institucional, no desenho da gestão, gera efeitos de coordenação e sinalização para atores dentro e fora da gestão, que podem se mobilizar em torno desse novo espaço institucional, incluindo as pretensões do secretário e do staff burocrático e político. As instituições oferecem estruturas que condicionam os atores racionais e reduzem incertezas. 51 Argumentando na direção oposta, também é bem aceitável, em uma abordagem da escolha racional, que um membro da coalização seja acomodado em um cargo e que essa ampliação da máquina pública (mais uma secretaria) não resulte em mais políticas públicas para a população em geral, apenas em um crescimento do tamanho do governo (OSBORNE, 1993) e no uso predatório dos recursos públicos (BUCHANAN; TULLOCK, 1962; OLSON, 2009). São visões de que o tamanho do Estado e da atuação política na gestão pública aponta para resultados deletérios, que fornecem subsídios para a rejeição das hipóteses investigadas nesta tese. Em verdade, essa é a hipótese “nula” da pesquisa empírica, produzida neste trabalho: o desenho institucional, relativo aos OGMDH, é correspondente a injunções de outra natureza, sem impacto para a provisão de políticas públicas em direitos humanos. Na seção seguinte, são explicitados os conceitos em torno da noção de racionalidade, elemento central, tanto para a NEI como para outras abordagens que problematizam a escolha racional. 2.1.2 Racionalidade Três pontos são pertinentes sobre o conceito de racionalidade aqui empregado: 1) os limites do reducionismo da racionalidade instrumental; 2) os pressupostos para o uso de tal abordagem; 3) a diferença entre racionalidade substantiva e limitada. Por racionalidade instrumental se entende a adequação entre meios e fins. Tal relação parece simplória, mas não é, pois existem teorias e explicações, nas ciências sociais, que abdicam da noção de ator, como, por exemplo, o funcionalismo e as teorias da modernização. Por outro lado, também são possíveis teorias que abdicam ou põem sob suspeita a noção de racionalidade, como, por exemplo, a psicanalítica, além de conceitos, como “instinto de imitação” (Gabriel Tarde), “falsa consciência” (Friederich Engles), “pulsões inconscientes” (Sigmund Freud), “habitus” (Pierre Bourdieu), “cultura nacional” (Gabriel Almond e Sidney Verba), e forças, como “resistência à mudança” ou “inércia” (TSEBELIS, 1998. p. 34-38). Uma abordagem racional envolve a aceitação de dois tipos de premissas: coerência interna entre preferências e crenças (racionalidade fraca) e exigência de validação externa (racionalidade forte). A primeira implica a aceitação de: “1) a impossibilidade de crenças ou preferências contraditórias; 2) a impossibilidade de crenças intransitivas e 3) obediência aos 52 axiomas do cálculo de probabilidades” (TSEBELIS, 1998, p. 38). A segunda implica os seguintes fatores: 1. As estratégias são, mutuamente, ótimas em equilíbrio ou, em equilíbrio os jogadores obedecem às prescrições da teoria dos jogos. 2. Em equilíbrio, as probabilidades aproximam-se das frequências objetivas. 3. Em equilíbrio, as crenças aproximam-se da realidade objetiva. Percebe-se que a necessidade de se estar “em equilíbrio” é constante, o que se deve a dois motivos: o primeiro é que a “escolha racional não pode descrever atos dinâmicos”; o segundo é que a noção de equilíbrio se traduz na situação em que nenhum ator tem incentivos para se desviar da sua estratégia, existindo a possibilidade, dependendo do jogo, de haver mais de um equilíbrio (TSEBELIS, 1998, p. 41-42). O conceito de racionalidade instrumental permite aos estudos dessa vertente explicar por que indivíduos, imersos em mesmos sistemas de valores e contexto social, podem optar por estratégiasdiferentes. Muitas das abordagens da escolha racional advogam permitir o acesso aos microfundamentos da ação coletiva. Percebe-se que todo o fundamento da operação está no processo de agregação de preferências individuais a partir da ideia de racionalidade instrumental. Os partidários da teoria da escolha racional consideram tal simplificação do comportamento humano uma qualidade de seus estudos, pois evitariam a existência de “caixas-pretas” indecifráveis, permitindo que tais estudos atendam ao princípio lógico da “navalha de Occam”: a parcimônia, que implica utilizar as premissas estritamente necessárias para explicar um fenômeno. Evidente que a aceitação normativa não se impõe sobre a comunidade científica e duas possibilidades se abrem. A primeira é considerar a racionalidade instrumental um tratamento heurístico, pesquisando-se “como se” o comportamento humano fosse assim. Tal redução permitiria uma aproximação do mundo real, logicamente estruturada, mesmo que errada em alguns de seus pontos. Tsebelis (1998, p. 44) considera essa opção equivocada, pois, ao admitir pressupostos irrealistas, também se tornam imprecisas as conclusões. A segunda possibilidade, adotada neste trabalho, é entender a racionalidade instrumental como um “subconjunto” do comportamento humano e especificar em que tipo de situações é válido o seu uso. Sendo assim, não se descartam outras abordagens, mas a escolha racional seria mais indicada para: [...] situações em que a identidade e os objetivos dos atores são estabelecidos, e as regras da interação são precisas e conhecidas pelos atores em interação. À medida que os objetivos dos atores tornam-se confusos, ou à medida que as regras da 53 interação tornam-se mais fluídas e imprecisas, as explicações da escolha racional irão tornar-se menos aplicáveis (TSEBELIS, 1998, p. 45). Tsebelis (1998. p. 45-50) oferece cinco argumentos para que a teoria da escolha racional seja considerada: 1) relevância das questões de informação (atores buscam mais informação, proporcional ao grau de disputa entre eles); 2) aprendizado (atores adéquam suas estratégias por tentativa e erro); 3) heterogeneidade de indivíduos (há tendência de equilíbrio entre tipos de indivíduos mais e menos sofisticados – “efeito de saturação”); 4) seleção natural (descartadas outras hipóteses, pode-se adotar um enfoque evolucionista adaptativo); 5) estatística (a escolha racional pode errar no comportamento de indivíduos específicos, mas acerta no comportamento médio). Para o autor, nenhum desses argumentos é plenamente satisfatório, mas a combinação de todos fortalece a aceitação dos pressupostos da escolha racional. Aqueles que escolhem estratégias irrealistas, por lógica, são penalizados nas interações com outros atores, mesmo que isso ocorra em um processo de aprendizado ao longo do tempo. Essa situação oferece incentivos para adequarem suas estratégias ao mundo real, ou permanecem sendo penalizados, fazendo com que tal contingente vá se tornando, estatisticamente, residual, se mantido o arcabouço institucional. Na nota 29 de Jogos ocultos, Tsebelis enfatiza o uso da palavra “sistemática”, ao defender que a teoria da escolha racional é a melhor (e única) abordagem com “componentes sistemáticos de tomada de decisão” (1998, p. 49). O autor considera que o estudo da racionalidade de processos de tomada de decisão tomou dois caminhos. O primeiro representado pela contribuição de Tversky e Kahneman (KAHNEMAN, 2012), que, a partir das contribuições das neurociências, aponta falhas no comportamento dos indivíduos como maximizadores. Esses autores deram as bases para o que hoje é conhecido como economia comportamental (LISBOA, 2015). O segundo caminho são os trabalhos desenvolvidos a partir da obra de H. Simon (2010), sobre a noção de racionalidade limitada, em que os indivíduos não fazem a opção que lhes pareça a melhor, mas aquela que seja “suficientemente boa”. Para Tsebelis, as duas vertentes não representam alternativas à teoria da escolha racional, mas apresentam situações e limites aos seus pressupostos. Levando em conta a combinação dos cinco argumentos em seu favor, em contextos de tomada de decisões sistemáticas, a teoria não tem, para o autor, rival equivalente. Por razões muito semelhantes, o institucionalismo da escolha racional e a NEI vão, em boa medida, para seus autores, manter os pressupostos do indivíduo maximizador; ao mesmo tempo em que evidenciam os limites dessa abordagem e o 54 papel das instituições na diminuição de incertezas e dos “dilemas da ação coletiva” (BORSANI, 2004). Uma crítica frequente aos adeptos da escolha racional é a de que os mesmos acabam explicando a origem das instituições pelos resultados que apresentam em solucionar problemas de ação coletiva. Paradoxalmente, adeptos dos “microfundamentos” e de teorias da ação produzem um argumento de corte “funcionalista”, como bem sintetizam Hall e Taylor (2003, p. 215): [...] trata-se de abordagem não raro retrospectiva: a origem de uma instituição dada é explicada em larga medida pelos efeitos da sua existência. Ainda que seja possível que esses efeitos contribuam para a permanência da instituição, não se deve confundir a explicação dessa permanência com a explicação da origem da instituição. Tendo em vista que o mundo social oferece numerosos exemplos de consequências não intencionais, remontar das consequências às origens é um caminho perigoso. Depois, é uma abordagem demasiado “funcionalista”. Com frequência ela postula que as instituições existentes são as mais eficientes, considerando-se as condições iniciais que poderiam ser mobilizadas em termos realistas para cumprir a tarefa visada. Em certos casos, os numerosos exemplos de ineficiência apresentados por tantas instituições permanecem sem explicação. Pode-se, também, citar Baert (1997, p. 9): De forma similar à tendência do funcionalismo em seu período inicial de legitimar as práticas existentes, a teoria da escolha racional é invocada frequentemente como deus ex machina, sugerindo que as pessoas vivem no “melhor de todos os mundos possíveis” de Leibniz ou Voltaire (ou, ao menos, no mais racional). Esclarecidas as reduções implícitas e os limites do uso de uma abordagem da escolha racional, destaca-se que não é condição que os atores conheçam todas as consequências de suas escolhas, nem dos demais, levando ao terceiro ponto pertinente a essa escolha teórica: a diferença entre racionalidade substantiva e limitada. A racionalidade substantiva corresponde a uma situação em que os atores têm domínio das informações suficientes para preverem, antecipadamente, as consequências de suas ações. H. Simon (2010) explica que os atores, mesmo sendo racionais, lidam com limitações no controle de informações, seja por questões neurofisiológicas, que limitam a capacidade de acúmulo e decodificação, seja pelos constrangimentos do uso da linguagem. A racionalidade limitada não seria um problema relevante em contextos de interações simples e previsíveis, como, por exemplo, em leilões ou no mercado financeiro; mas, naqueles ambientes complexos que geram incertezas, evidenciando o conceito de racionalidade limitada (FIANI, 2002), será uma clara relação entre existência de tal racionalidade e comportamento oportunista por parte dos atores. Assim, esses dois elementos são centrais para a teoria dos 55 custos de transação (FIANI, 2002, 2003). Após essa exposição do conceito de racionalidade limitada, a seguir destacam-se os custos de transação e a NEI. 2.1.3 A NEI e os Custos de Transação Até 1937, as abordagens econômicas não consideravam relevantes outros custos que não os custos de produção; foi Ronald Coase (1937) quem destacou a importância dos custos de transação para a economia, considerando-os como todos os custos que um agente tem que arcar para levar um bem ou serviçoao mercado, excluindo-se os custos de produção. Ele os divide em: “custos de busca e de informação” (existência do produto, seu menor preço e sua funcionalidade); “custos de barganha” (negociação com o comprador) e “custos de policiamento” (garantias de que o comprador não romperá com a transação e mecanismos de punição). Tais custos justificam que existam empresas e que elas internalizem partes inteiras do processo produtivo (FIANI, 2002), facilitando, assim, a cooperação que indivíduos, por si, não conseguiriam realizar no mercado. A Nova Economia Institucional (NEI), nos trabalhos de Douglas North e O. Williamson, chama a atenção para os custos de transação, como sentido para a existência de instituições e da impossibilidade de pensar os atores sem os constrangimentos que os incentivos e as sanções institucionais oferecem. Para North, as instituições representam regras e limitações à conduta dos indivíduos e das organizações. Com base em seus “mapas mentais” (ideologia), os atores percebem a “estrutura de incentivos” construída nesse cenário institucional (NORTH, 1990); ponto em que North reconhece que apenas a visão de indivíduos autointeressados dos neoclássicos não é suficiente para explicar a ação humana. Nesta tese, considera-se que sua abordagem coincide com a de Tsebelis, no sentido de entender a ação racional como um subconjunto da ação humana. North não rejeita, como um todo, o comportamento maximizador, mas aponta limitações, procura circunscrever os limites de seu uso, tal como Tsebelis. North chama a atenção para o quanto são “esperanças ingênuas e normativas” de poder criar instituições “eficazes”, sem entender o que realmente elas são (1998, p. 30). No campo político, a relação entre políticos eleitos e funcionários da burocracia não é apenas de colaboração. A burocracia tende a criar maior especialização e domínio das informações, tal 56 qual o modelo weberiano, enquanto políticos tendem a aumentar os mecanismos de controle sobre as mesmas (NORTH, 1998, p. 22): Consequentemente, em geral os órgãos públicos não possuem as características de eficiência que existiriam em uma estrutura de custo de transação zero. Estão atados não só pelas restrições impostas pela necessidade de evitar que diversos grupos de interesse sejam ‘traídos’, mas também pelas sérias limitações de sua liberdade de adotar políticas eficazes, que elevariam os custos de fiscalização. Muitas vezes, criando estruturas sobrepostas, com funcionários de maior confiança para exercer as mesmas atividades de órgãos públicos já existentes, os grupos políticos e demais organizações investem na aquisição de “habilidades” e “conhecimentos”; bem como atuam direcionando “investimentos públicos” em áreas de “suas perspectivas de sobrevivência” (NORTH, 1998). O autor faz uma distinção entre instituições e organizações: instituições são aquelas indispensáveis para entender a forma de operacionalização do Estado, pois estruturam as relações sociais; organizações são agrupamentos de indivíduos que compartilham os mesmos objetivos e são criados com o propósito de atuar no interior das instituições, tentando influir no seu comportamento, atuando como firmas no mercado e partidos nos sistemas eleitorais (NORTH, 1990). Oliver Williamson (1975, 1985, 1989, 1991) é, em boa medida, quem mais valoriza essa atuação, sendo citado, pelos autores da NEI, inclusive propagando terminologias como NEI e Economia dos Custos de Transação (ECT). A sua relação com outras vertentes do pensamento econômico e das ciências sociais oscila com o tempo, bem como a narrativa sobre o “panteão” de referências que influenciaram sua obra (FERNÁNDEZ; PESSALI, 2003). A assimetria de informação entre os atores torna o comportamento oportunista, ou seja, quando os atores utilizam a ausência de uma racionalidade limitada em seu proveito, um risco presente. Assim, uma das partes de uma negociação pode usar a falta de informação alheia em benefício próprio. A simples existência de contratos formais ou informais não garante que todas as situações estejam especificadas ou que as partes cumpram até o fim o que está designado. Todo o esforço de coordenar a ação das partes envolvidas gera custos relativos à transação e a ECT trata da compreensão microeconômica desses custos, partindo da ideia de que a economia não é um ambiente de competição perfeito (equilíbrio geral Arrow-Debreu), em todas as suas transações, em que consumidores e firmas ajustem suas expectativas e maximizem bem-estar. A ECT ganha relevância ao estudar as transações e melhores formas de redução de custos naquelas situações de mercado em que a racionalidade é limitada (WILLIAMSON, 1985). 57 2.1.4 Governança, hierarquia e desenho institucional Willianson denomina “estrutura de governança” os mecanismos para lidar com os custos de transação, pois ela enseja um esforço de coordenação dos atores econômicos. O autor considera que não exista um tipo de estrutura de governança superior aos demais; a utilidade advém da adequação do tipo de governança às características da transação em questão (WILLIAMSON, 1991). São considerados três tipos de estrutura de governança: mercado, hierárquica e híbrida: a de mercado ocorre por meio de ajustes entre preços e remuneração; a hierárquica é quando se internalizam as atividades para dentro da organização; a híbrida é uma combinação das duas anteriores (WILLIAMSON, 1985). Curiosamente, reduzir custos de transação pode ter um trade-off com outros custos, ou seja, pode elevar os outros (WILLIAMSON, 1975). Dentro dessa abordagem institucional, as instituições determinam as regras do jogo e condicionam os comportamentos individuais. Para ficar nos dois tipos extremos de governança: a de mercado favorece a maximização de interesses e a livre barganha entre os atores; a hierárquica favorece relações repetidas ao longo do tempo. Para Gary Miller, a hierarquia é a autoridade de um ator de forma incompleta e assimétrica para dirigir as atividades de outros. Por exemplo, os direitos de empregados, de forma geral, são vagos e, ainda mais, suas atividades. Por meio do vínculo salarial, eles dão ao empregador o direito de definir tarefas, padrões de desempenho, condições de trabalho e ditar códigos de condutas. Diferentemente das condições de mercado, chefes e subordinados podem passar anos desenvolvendo habilidades de relacionamento, que vão muito além das condições de mercado dos salários e produtividade, no que Miller coincide com North. Ambos não negam a existência de interesses, mas percebem outros fatores permeando as relações sociais, como crenças e valores. Para Miller, a hierarquia é sinônimo de eficiência, quando permite explorar a potencialidade da liderança política, ideológica e de definição de objetivos, no lugar da simples manipulação gerencial e/ou incentivos econômicos (MILLER, 1993). Conforme foi destacado, a simples eleição de um determinado tipo de governança não garante a solução de custos de transação específicos (WILLIAMSON, 1975, 1991). No caso 58 do desenho institucional de uma gestão pública local, maior status na hierarquia formal é um fator de poder político; na incerteza e opacidade política, mais poder na hierarquia formal é algo concreto. A indicação de que a hierarquia possui relação com os custos de transação é um argumento muito preciso ao se referir a um grupo menor de OGMDH (428); porém com mais autonomia, na sua forma. Como se assevera no próximo capítulo, há uma excepcionalidade em relação a direitos humanos, no período estudado: a forte presença de setores subordinados a outra secretaria; nesse quadro, a majoritária vinculação com as secretarias de assistência social. Cabe ressaltar que essa é uma situação diferenciada em relação ao que ocorre em outras áreas de políticas públicas e seus tipos de órgãos gestores. Uma hipótesea ser testada é se a vinculação com a assistência social ajuda a compensar o baixo poder hierárquico desses OGMDH. Para além dessa possibilidade, testa-se uma hipótese substantiva alternativa de que os resultados dos OGMDH não são um epifenômeno da atuação da assistência social. Os setores subordinados são estudados, separadamente, em relação ao seu vínculo com a assistência social, além de serem verificados os desempenhos das secretarias exclusivas de assistência social, que não possuem OGMDH em seu município. Havendo bom desempenho para a assistência social sem os OGMDH, os resultados podem ser explicados como independentes da presença destes. Considera-se que tanto o desempenho dos OGMDH mais autônomos, quantos os vinculados à assistência social remetem ao mesmo fator explicativo conceitual, à hierarquia no desenho institucional. Em ambos, o acesso aos recursos advindos do maior poder hierárquico explica os resultados, seja pelo tipo de OGMDH ou pela associação com a assistência social. A situação de maior autonomia ou não, com maior poder dentro da hierarquia, relaciona-se à ideia de desenho institucional. O termo “desenho institucional” é largamente utilizado em textos institucionalistas; muitas vezes, sem descrições conceituais precisas (MEYER, 2012, p. 65): Apesar do aumento no interesse pelo “desenho institucional”, ainda há uma ambiguidade considerável no que diz respeito ao significado deste termo. Frequentemente, ele é usado de forma tão ampla que é difícil distingui-lo de conceitos estabelecidos como mudança social, reforma ou formulação de políticas. [...] A dependência/domínio do desenho nas ciências sociais corresponde ao prevalecimento de um raciocínio ad hoc e de um senso fraco de conhecimento genuíno nesse aspecto. Esse termo pode ser usado para descrever as regras e os modos de existência de: 59 sistemas de governo, sistemas eleitorais e partidários, relações Executivo-Legislativo e formato de atuação de agências estatais, como, por exemplo, o Banco Central e outras agências reguladoras (SILVA, 2011; BONIS, 2016). Em geral, se referem a uma série de escolhas sobre a forma como essas instituições existem e sua dinâmica de transações com outras instituições e atores. Ao resenhar o debate sobre desenho institucional, E. R. Alexander observa três níveis, macro, meso e micro, como uma distinção analítica que, em termos empíricos, são um contínuo. O nível macro são aquelas abordagens das instituições e, no plano dos “escritos constitucionais”, as nacionais e supranacionais. Em nível meso, tem-se o desenho institucional de redes de instituições relativas ao planejamento e implementação de estruturas e processos; são as instituições que, por leis e regulações, desenvolvem e implementam políticas públicas, programas, projetos e planos. Em nível micro, estão as relações intra-organizacionais, subunidades, pequenas unidades formais ou semiformais, processos e interações, comitês, equipes, forças-tarefas, grupos e afins (ALEXANDER, 2005, p. 217). É, neste nível, que se pode localizar a atuação dos OGMDH, como uma parte menor de uma unidade, que é a gestão do Executivo municipal. Neste trabalho, não interessa abordar os aspectos do desenho institucional predeterminados por amparo legal e comuns aos municípios; todos possuem Executivo e Legislativo, mas não têm um Judiciário específico. Nesse sentido, prefeitos podem construir vários padrões de relação com o Legislativo, mas nenhum pode decretar o seu fim, ou, ainda, criar uma “Justiça Municipal”. Tais aspectos comuns ao desenho institucional de todos os municípios não são significativos para o debate em torno dos OGMDH. Por desenho institucional da gestão municipal, refere-se, neste trabalho, às opções de hierarquia e definição de tipos de formato do órgão gestor, ao se estabelecer a estrutura administrativa (e, consequentemente, política) de governo local. Diz respeito à parte do ordenamento da estrutura administrativa que não está predeterminado em lei. Em termos mais empíricos, para esta tese, “desenho institucional” são as escolhas do nível hierárquico, tipo de órgão gestor e relação funcional com outras áreas de governo. Razoável ter em mente que as escolhas de OGMDH não são os únicos fatores que norteiam a maior ou a menor provisão de políticas públicas em direitos humanos; no modelo construído nesta tese, essa escolha de desenho institucional interage com outros fatores explicativos, quer de ordem societária e de ordem institucional (partidária ou não). 60 2.1.5 Custos de Transação Políticos Murray J. Horn, em The political economy of public administration: institutional choice in the public sector (1995), esmiúça uma série de fatores que podem ser considerados em relação aos custos de transação no setor público, para criação, execução, monitoramento e avaliação de políticas públicas. Sua obra é uma referência da literatura de custos de transação para o setor público, com foco principal na importância desses custos para escolhas institucionais, principalmente aquelas que envolvem o Legislativo, as agências reguladoras e a criação de taxas, bem como legisladores, administradores públicos e eleitores (HORN, 1995, p. 8). Uma primeira preocupação são as incertezas e os conflitos nas relações Executivo- Legislativo, somando-se a isso a manutenção dos compromissos e benefícios de uma política pública ao longo do tempo. O controle da burocracia, seja pelos gestores e políticos, seja pelos beneficiários de políticas públicas, constitui outro custo de transação. Um último custo de transação diz respeito ao alcance dos custos de uma política pública para a sociedade e a apropriação privada de seus benefícios (HORN, 1995). O autor argumenta que determinada escolha institucional reflete os compromissos da coalizão de governo sobre a concepção do setor público, pois é feita com critérios de custos de transação. A maneira de lidar esses custos de transação traduz as condições em que podem resolver questões de compromisso no interior da coalizão. Isso é, o projeto institucional do setor público é objeto de negociação, porque tanto funcionários públicos (políticos e burocratas) quanto grupos de interesse estão conscientes de que um desenho institucional influencia o conteúdo e a implementação de políticas (GALLEGO-CALDERÓN, 1999, p. 6). Gallego-Calderón (1999) aponta limitações na abordagem de Horn. Em primeiro lugar, uma gama expressiva de variáveis atua na definição de custos de transação no setor público, um conjunto mais estrutural (regras eleitorais, relação institucional do Executivo-Legislativo, sistema de governo, organização territorial do Estado etc.); outro conjunto é mais contingente, como a distribuição de recursos políticos, pelo resultado das eleições, por exemplo. Soma-se a isso o fato de que Horn foca muito no processo de deliberação sobre políticas públicas, não dando destaque aos custos de transação presentes em seu processo de implementação. O cálculo político dos atores, mesmo no parlamento, vai bem além dessa instituição, considerando outras instituições e domínios políticos, que incidem sobre suas preferências e incertezas. As preferências, também, podem ser influenciadas pela ideologia dos atores e por 61 seus recursos, como reputação, informação e autoridade legítima, que, de formas condicionais e/ou incondicionais, alteram as estruturas de incentivo de outros atores (GALLEGO- CALDERÓN, 1999, p. 13). Neste trabalho, se reconhece a validade da crítica feita a Horn, passando, em seguida, à distinção de Dixit sobre o setor público. Avinash Dixit (2012) identifica as diferenças do setor público em três elementos principais. O primeiro é a “multiplicidade de principais”, nas estruturas principal-agente (EISENHARDT, 2015), em que as estruturas da máquina pública são permeadas pela presença de diferentes grupos deinteresse capazes de influenciar as políticas públicas, tendo resultados, em muitas situações não cooperativas, e resultados subótimos, como o mais comum da atuação pública. O segundo aspecto, que se liga ao primeiro, é a “multiplicidade de tarefas”, em que a administração pública conduz a uma série de ações e funções com metas e objetivos nem sempre de fácil mensuração ou de coexistência harmônica. O terceiro fator, citado pelo autor, é a "falta de competitividade". Boa parte das atividades do setor público não tem uma situação de mercado, mesmo que fossem concedidas à iniciativa privada, por meio de privatizações; isso não afastaria o risco de comportamento oportunista por parte das firmas, dado, por exemplo, a existência de monopólios naturais. Por último, destaca-se a “motivação dos agentes”, um ponto já mencionado sobre a NEI e que, na análise do setor público, ganha especial significado. Entretanto, não só motivações materiais são relevantes em uma estrutura de governo local, questões de crenças ideológicas, status e legitimidade também são elementos a serem considerados nos processos de decisão, planejamento e implementação de políticas públicas. Deve-se ressaltar que, apoiado em estudos econométricos, Dixit rejeita a oposição mercado versus Estado; polaridade que, via de regra, endossa a receita de que quanto menos Estado, melhor. O autor prefere a qualidade da ação do Estado, no lugar de tal oposição, pois, havendo eficiência, a sociedade tolera um Estado maior (DIXIT, 2003, p. 115-116). Esse ponto traz mais destaque para as formas de melhor se decidir e organizar as políticas públicas, sendo a composição dos CTP um tema central nessa perspectiva. Caballero e Arias dão seis motivos para os CTP serem mais elevados do que na economia. Primeiro, os direitos de propriedade são muito mais claros e seguros, na economia, pois os agentes já os possuem de maneira ilimitada e, na política, a competição inclui a luta pela autoridade, que pode ser mudada. Em segundo lugar, as partes contratantes são muitas (múltiplos principais) e nem sempre podem ser identificadas com clareza; muitos contratos políticos não são nem formais, nem explícitos, partindo de acordos verbais e/ou tácitos. Em 62 terceiro, a informação, no mundo político, é mais opaca, pouco clara e difícil de observar e medir, sendo a assimetria uma parte relevante nessas transações, bem como a subjetividade dos atores. Em quarto, a questão da ação coletiva, que, muitas vezes, tem uma vasta gama de inter-relações de transações. Enquanto mercados econômicos possuem mecanismos para alongar os prazos (como os mercados de capitais); no político, decisões eleitorais de curto prazo têm implicações que só serão percebidas em longo prazo. O quinto motivo é o fato de que as forças de seleção e de aprendizagem são mais lentas na política, pois as instituições tendem ao status quo sempre que se apresentam retornos crescentes, dificultando mudanças e correções, mesmo quando novas situações as fazem necessárias. A autoridade tem papel relevante para evitar esses processos de mudança e as estruturas de incentivos institucionais, francamente, podem contribuir para a mudança. Finalmente, em sexto, a maioria dos contratos e transações na política não possui mecanismos para cobrança do cumprimento de promessas. As políticas públicas são afetadas, pois exigem medidas tomadas ao longo do tempo, com base em acordos firmados (CABALLERO; ARIAS, 2013, p. 17). Em suma, as diferenças de custos de transação na política apontam para dificuldades maiores para o setor público que tem de medir resultados e definir objetivos dentro de uma estrutura de governança muito mais complexa (PERES, 2007, p. 58). A noção de custos de transação é um conceito estratégico para a NEI, fornecendo uma explicação de como as instituições afetam a economia. Não foi difícil perceber que o setor público tem especificidades e que o conceito seria apropriado também para o “mercado político”12, (CABALLERO; ARIAS, 2013, p. 4). A presente tese se relaciona, mais especificamente, com os custos de transação políticos e sua relação com as políticas públicas, conforme destacado a seguir. Em relação às políticas públicas, Caballero e Arias (2013) fazem um inventário das posições e contribuições dos CTP em um conjunto de seis pontos principais: 1) a abordagem considera as interações políticas como um conjunto de relações contratuais (explícitas ou implícitas), as políticas públicas são transações entre atores da política; 2) as instituições são as regras do jogo político, com efeitos para os resultados das políticas públicas, como estruturas de incentivos para os atores; 3) as estruturas de governança são fundamentais para se entender a relação entre instituições e resultado; 4) os CTP são mais elevados no mundo político e a eficiência das instituições políticas é algo mais complexo do que na economia; 5) em tempos recentes, há uma visão de progresso das políticas públicas, pensadas como uma 12 Programa de pesquisa que tem origem na abordagem da Teoria da Escolha Pública. 63 série de transações políticas intertemporais; 6) torna-se central o papel do credible commitment (compromisso crível) e do reputational capital (capital de reputação) (CABALLERO; ARIAS, 2013, p. 5). A síntese do programa oferecido por Caballero e Arias é bastante extensa, com várias zonas compartilhadas com a TER, outras vertentes do institucionalismo e a NEI, sendo a discussão de CTP alimentada por todas essas áreas. Esses seis pontos, portanto, não serão sempre encontrados, ou aceitos, em todos os trabalhos de CTP, havendo, por exemplo, estudos sobre Executivo e políticas públicas que não mencionam explicitamente os CTP. Para fins desta tese, tais pontos oferecem um bom repertório para o enquadramento da problemática dos efeitos de OGMDH sobre a oferta de políticas públicas em direitos humanos. Os dois primeiros itens são pilares da escolha racional; o terceiro é o cerne da NEI e ECT; o quarto trata das especificidades dos CTP; o quinto e o sexto itens podem ser vistos como a introdução do tempo (como no institucionalismo histórico) e/ou de jogos repetidos (como na teoria dos jogos). Sobre os três últimos itens, Spiller e Tommasi (2007) oferecem um ponto de apoio reconhecido por Caballlero e Arias. Sobre os elementos que podem compor os CTP, os autores dão um mapeamento complementar ao que já foi mencionado: - O número e a coesão dos atores políticos envolvidos; - O grau de irreversibilidade dos ativos envolvidos na política; - O padrão intertemporal de recompensas para os atores; - A duração dos intercâmbios políticos envolvidos; - A facilidade com que o desempenho pode ser medido; - A urgência com que a política precisa ser implementada; - O grau em que os benefícios desta política beneficiam interesses amplos ou estreitos. As contribuições não se excluem; em ambas, aparece a preocupação em como os atores políticos diminuem suas incertezas quanto à racionalidade limitada e a eventuais comportamentos oportunistas, dando maior complexidade às transações políticas. Nesta parte, foi possível verificar que os autores variam nas definições dos elementos relacionados com os CTP. Pode existir uma abordagem mais estrutural, como a de Horn, até abordagens mais recentes que localizem as dificuldades dos CTP na implementação (e não só na deliberação) de políticas públicas ao longo do tempo. Via de regra, todos os autores citados 64 tentam traçar uma delimitação de diferenças entre mercado/sociedade e setor público com seus condicionamentos no mundo político (DIXIT, 2012). Não é objetivo deste trabalho traçar uma tipologia para cada município e política especifica, com a caracterização dos CTP envolvidos. O que se oferece é uma qualificação dos determinantes da estrutura de governança em que os OGMDH se inscrevem para ampliara provisão de políticas públicas. 2.1.6 Maturação das transações e compromissos A intertemporalidade, citada por Caballero e Arias, não é coincidência, pois os autores se valem da contribuição de Spiller e Tommasi. E esse é um ponto particularmente importante para este trabalho. A hipótese de que OGMDH já existentes em 2009 (não necessariamente criados nesse ano) têm mais efeitos do que os verificados só a partir de 2011 se vale, justamente, da possibilidade de os atores estruturarem relações de confiança, a partir de transações que se mantêm no tempo (PUTNAM, 2010). O argumento é o mesmo de jogos repetidos, com sucessivas rodadas, em teoria dos jogos. A limitação é que não emerge dessa discussão uma teoria que dê conta das estratégias dos atores relacionadas com os custos subjacentes à transação envolvida em uma determinada estrutura institucional, como argumenta North (1990, p. 83): Embora a teoria dos jogos demonstre os ganhos de cooperação e as deserções em inúmeros contextos, ela não nos fornece uma teoria dos custos subjacentes de transação, e de que maneira esses custos são alterados por diferentes estruturas institucionais. A qualidade das políticas públicas depende da capacidade de realizar transações, ao longo do tempo, necessárias para desenvolver e se manter. O processo de elaboração de políticas, nas democracias modernas, pode ser entendido como um processo de barganhas e trocas entre vários atores políticos. Algumas dessas trocas são consumadas, enquanto que, em muitos outros casos, ações ou recursos são transacionados por promessas futuras dos mesmos. Questões de credibilidade e capacidade de fazer cumprir os acordos políticos são cruciais para se envolver nessas transações intertemporais (SCARTASCINI; STEIN; TOMMASI, 2013). O grande problema do tipo e situação analisada e seus custos de transação é o fato de ser mais comum os atores políticos atuarem a partir de seus interesses de curto prazo. Pierson (2000) destaca que uma parte dos analistas da escolha racional vincula a permanência das 65 instituições no tempo a sua capacidade funcional de resolver problemas de ação coletiva e alcançar melhores resultados, sem ressaltar que tal linha de argumentação pode ser usada, conforme o caso, mas que deve ser completada. Nem sempre os resultados são visíveis em longo prazo, e os decisionmakers também erram ao definir desenhos institucionais (PIERSON, 2000, p. 480). Abre-se, assim, a possibilidade de contingência, aprendizagem e trajetórias evolucionárias. A simples funcionalidade racional do desenho da instituição parece limitada até para que os acordos de longo prazo existam. Em muitos casos, pode parecer racional fazer acordos de longo prazo; pode-se também quebrá-los, o que os torna inexequíveis já de início (PIERSON, 2000, p. 480). O ponto crucial aqui é o que os economistas chamam de “inconsistência de tempo”. Pode ser racional para um ator fechar um acordo, mas igualmente racional rompê-lo, posteriormente. Entretanto, como os outros reconhecerão o risco, esse acordo inicial não será possível. No caso específico dos OGMDH, esse veio de argumentação favorece a compreensão lógica da hipótese de que aqueles identificados em 2009 possam ter uma provisão maior de políticas em direitos humanos. Repare-se que não se está falando de OGMDH criados em 2009 versus outros criados em 2011; esses são apenas os anos em que a MUNIC fez o levantamento da existência dos mesmos e nada impede que parte dos que foram constatados em 2009 já existisse há mais tempo. Em uma situação limite, um OGMDH contado em 2011 pode ter sido criado no dia seguinte ao envio das informações da MUNIC ao IBGE, em 2009. O fator da existência de uma instituição que reduz CTP, no tempo, favorece a superação de empecilhos à oferta de políticas públicas. Isso é resultado da expansão da interação dos atores no tempo, bem como sucessivas interações, solução de dúvidas sobre compromissos, aperfeiçoamento de contratos e transações podem resultar em acúmulo de expertise e compromissos entre as partes. 2.1.7 Gasto público e municípios Gasto público é um debate que, recorrentemente, remete à eficiência das instituições. O núcleo comum das teorias aqui empregadas tem explicações relevantes para a ineficiência das instituições e a teoria da escolha racional foca na solução de problemas de ação coletiva, que podem gerar instituições ineficientes. Muitas vezes, como já dito, confundem-se os 66 motivos da criação com a justificativa da permanência das instituições: resolver dilemas de ação coletiva (HALL; TAYLOR, 2003). A NEI, partindo de premissas muito próximas da TER, tem seu foco na explicação dos subótimos recorrentes do mundo real, pela superação dos custos de transação. North (1998), por exemplo, abre mão da ideia de eficiência paretiana13, em favor de um realismo histórico. É interessante notar que, no debate econômico, as variáveis ligadas à política têm ampla (para não dizer consagrada) participação na constituição de explicações sobre a expansão do gasto público. Em evidência, o argumento de que o arranjo político pode representar um gasto a mais, seja qual for a sua característica. Rezende faz uma seleção das teorias nesse campo (2006, p. 276): A política e as instituições políticas desempenham papel decisivo para compreender o diversificado conjunto de mecanismos que produzem a expansão da interferência governamental via políticas públicas. Nos modelos contemporâneos, fatores tais como regimes políticos, sistemas eleitorais, federalismo, accountability, tamanho do legislativo, desenho institucional das regras fiscais e orçamentárias, estrutura do legislativo, poder de veto do executivo, tipos de sufrágio, configuração dos distritos eleitorais, e poder de iniciar legislação passaram a adquirir considerável status na explicação das teorias da economia política contemporânea. Foge ao escopo desta tese detalhar todas as teorias resenhadas por Flávio Rezende, mas, via de regra, partem da premissa de que atores políticos tendem a aumentar os gastos, em benefício de seus interesses, conforme não encontrem, ou possam contornar, barreiras institucionais. Longe de pôr em dúvida que as instituições políticas importam para a expansão do gasto público, o que se quer, neste trabalho, é investigar se a hipótese mais modesta de que a existência de um OGMDH favorece a maior alocação de recursos para políticas públicas em direitos humanos. Dentre os elementos destacados por Rezende, para enfatizar a importância da política e das instituições, o arranjo federalista é um ponto crucial para o contexto de atuação dos municípios brasileiros. A Constituição Federal de 1988 ampliou o leque de direitos a serem perseguidos na ordem institucional e reestruturou o pacto federativo. Os municípios ganharam status de ente federativo, com Executivo e Legislativo próprios, e à União coube a maior parte das competências exclusivas (defesa interna e externa, política de meios de comunicação, políticas macroeconômicas, energia e demais setores estratégicos). No caso de políticas públicas como saúde, educação e assistência social, optou-se por compartilhamento de responsabilidades entre os entes federativos (MACHADO, 2014). Nesse cenário, cooperar 13 Situação na qual é impossível alocar um recurso para melhorar a situação de um agente, sem piorar a de outro. 67 com a União, em suas políticas, é uma opção, tanto quanto atuar como veto player, com políticas públicas próprias divergentes ou inconsistentes em relação às propostas pela União. O período entre 1988 e meados dos anos 1990 é caracterizado, por Abrucio, pela adoção de comportamentos predatórios de um federalismo “compartimentalizado ou autárquico” (ABRUCIO; FRANZESE, 2007). O período seguinte foi marcado por uma série de medidas que recompuseram os recursos da União,limitaram os gastos de estados e municípios e estabeleceram o fortalecimento do papel de coordenação da União na condução de diversas políticas públicas nacionais com a responsabilidade compartilhada com as subunidades. O instrumento de aporte de recursos privilegiados para a indução desse efeito de coordenação nacional são as “transferências intergovernamentais discricionárias”, compreendendo convênios, contratos de repasse e os “incentivos financeiros federais”. Esse instrumento é diverso das “transferências intergovernamentais livres”, que não possuem condicionalidades de execução para serem repassadas e permitem às unidades subnacionais a livre alocação desses recursos (MACHADO, 2014). Analisando os dados da Secretaria de Orçamento Federal, para os “incentivos financeiros federais” em saúde educação e assistência social, entre 2005 e 2008, João A. Machado ratifica o quanto as transferências discricionárias se tornaram estratégicas (2014, p. 339): Em um primeiro plano, tais dados mostram que o volume de recursos transferidos nessa modalidade, para que estados e municípios executem políticas públicas sociais, cresceu 15 vezes em termos nominais, entre 1995 e 2008, saltando de 2% para 6% das receitas totais da União. Já as transferências federais obrigatórias, no mesmo período, cresceram apenas sete vezes, passando de 16,2% para 19,2% [...]. Enquanto proporção das receitas totais da União, o incremento das transferências obrigatórias para governos subnacionais foi da ordem de 18,5%, enquanto o das discricionárias no setor social correspondeu a 160,9%. Segundo o mesmo estudo, a capacidade de execução direta da União cai e os repasses a entidades, sociedades civis e autarquias governamentais permanecem estáveis (MACHADO, 2014, p. 339): Em um segundo plano, os dados da SOF permitem constatar que as transferências discricionárias para estados e municípios passaram a constituir a principal modalidade de execução das despesas da União com políticas sociais, no período entre 1995 e 2008, quando passaram de 18,3% para 57,7% dos gastos com as mesmas. A execução direta pelo governo federal caiu de 79,2% para 40,0% e a execução por meio de entidades privadas e outras governamentais manteve-se estabilizada entre 2,5% e 2,4. 68 Do que foi dito em relação aos repasses e às relações da União e municípios decorrem duas preocupações neste trabalho: sobre os recursos destinados às funções orçamentárias de direitos humanos (e assistência social, como se verá no capítulo 4), e sobre o quanto a esfera de influência político-partidária do governo federal pode favorecer à adoção de políticas públicas em direitos humanos. Não tem muito rendimento analítico discutir se com recursos próprios ou da União, salvo que se esse recurso funcione como um indutor discricionário de uma maior adesão às políticas públicas em direitos humanos, dadas as redes de relações político-partidárias na destinação de recursos discricionários. O que oferece duas importantes variáveis de controle relativos aos vínculos partidários (cf. capítulo 3). O importante é enfatizar como a pauta de direitos humanos, vasta por definição, ganha destaque, ao mesmo tempo em que municípios são cada vez mais convocados a desempenhar papel estratégico na execução de políticas públicas. A existência de um OGMDH favorece a maior alocação de recursos em rubricas de direitos humanos e assistência social. Espera-se um maior volume pelo efeito da existência do OGMDH, do seu tempo de existência e da sua maior autonomia, sobretudo, nas políticas voltadas para grupos vulneráveis. 2.1.8 Grupos vulneráveis e CTP Conforme destacado no capítulo 1, a pauta de reivindicações em torno dos direitos humanos é histórica, muito ampla e fonte de disputas. Nas últimas décadas, vem se destacando por conjuntos de reivindicações de grupos identitários, que, neste trabalho, são chamados de “grupos vulneráveis”; deixando claro que “vulnerabilidade” é um conceito introduzido da epidemiologia que não se refere a indivíduos vulneráveis em si, mas em situações de vulnerabilidade. Seu emprego vem denotar diferenças que não se resumem a maior ou menor renda, tendo, no debate das políticas públicas, muito a ver com a estruturação da assistência social e o uso de termos como risco, perigo e vulnerabilidade social, sem muitas especificações conceituais (KAZTMAN, 2000; JANCZURA, 2012; MONTEIRO, 2012)14. É razoável supor que a gestão pública tenha dificuldades de compreender as especificidades e dar concretude às políticas demandadas por grupos tão heterogêneos (por exemplo, crianças e 14 Cf. capítulo 3. 69 adolescentes, mulheres, negros, indígenas, ciganos, população LGBT, deficientes e assim por diante). Uma forma de tentar equacionar essa multidimensionalidade e os públicos diversos das políticas públicas em direitos humanos é apostar no caráter transversal, no interior da gestão pública. Em sendo um conjunto de políticas públicas pulverizadas por toda a gestão, métodos administrativos e planejamento deveriam garantir a perseguição desses objetivos (NATALINO, 2009b). O problema é enfrentado nos documentos oficiais e acadêmicos de direitos humanos, com apelos e constatações da necessidade da “intersetorialidade”, “transversalidade” ou “matricialidade” tais direitos (NATALINO, 2009b). Adeptos da teoria da escolha racional, da TEP e da NEI veem, nesse tipo de normatividade do interesse coletivo, a condição ideal para o free rider (OLSON, 2009). É do interesse de todos os segmentos da gestão; pelo mesmo motivo, cada segmento espera que os demais tomem suas inciativas. A existência de um OGMDH serve para lidar com os CTP em geral, mas pode ter particular importância para os grupos vulneráveis. As mesmas abordagens, em especial a TEP, veem na existência do OGMDH a possibilidade de uma arena para a atuação de grupos de interesses. Nunca é demais realçar que não são apenas interesses e demandas, mas direitos garantidos em leis, que, pela questão do free rider, correm o risco de não serem perseguidos com efetividade pela administração pública. Não só a condição de vulnerabilidade é importante, mas também sua percepção como grupo com uma identidade de demandas próprias e organizadas. Ou seja, para que atuem como grupo de interesse de suas demandas, é necessário que se constituam como ator social. Há um debate sobre universalização e focalização de políticas sociais, como atitudes opostas, que não devem ser confundidas com a extensão de direitos a grupos vulneráveis e identitários. Para Celia Kerstenetzky (2006), os dois procedimentos não são excludentes: explicitada se a política social adota uma noção mais distributiva (“espessa”) de justiça, voltada para uma condição de maior igualdade de condições entre os indivíduos, ou mais de mercado (“fina”), voltada para atenuar, residualmente, os efeitos das “falhas de mercado”, ambos os tipos podem ser combinados. O fato de, nesta tese, se apontar uma hipótese sobre a validade dos OGMDH para o benefício de grupos vulneráveis não é a aposta em um esvaziamento de políticas universalistas. Tal oposição não se justifica, pois, como bem coloca a autora, a combinação das mesmas depende do tipo de sociedade em questão: Em uma sociedade onde o déficit de universalidade dos direitos legalmente garantidos seja baixo, onde oportunidades de realização sejam razoavelmente equânimes, a necessidade de focalização nesse segundo sentido será menos 70 importante. Em contraste, em uma sociedade muito desigual, as políticas sociais terão necessariamente um componente de “focalização”, se quiserem aproximar o ideal de direitos universais a algum nível decente de realização. Portanto, nesse segundo sentido de focalização, esta emerge do interior de uma concepção republicana de direitos de cidadania. A focalização seria um requisito da universalização de direitosefetivos, compatível com o princípio da retificação ou da reparação e, portanto, também com a concepção de justiça social rawlsiana, em que liberdades formais para se converterem em liberdades reais requerem distribuição reparatória de oportunidades (KERSTENETZKY, 2006, p. 571). Neste trabalho, atribui-se que a simples iniciativa de criar um OGMDH é um forte indicador de que o município pode ter, como consequência, a possibilidade de viabilizar políticas públicas em direitos humanos, para além daquelas que a administração pública fragmentada tradicional poderia fazê-las. Os OGMDH podem, também, oferecer sensibilização e sinalização da agenda de políticas públicas locais, para que demais setores da gestão venham a incorporar tais políticas, dificultando ou constrangendo a adoção de estratégias de free rider. O estabelecimento de um OGMDH representaria um esforço de coordenação específico em direitos humanos para grupos vulneráveis. Ponto que, inclusive, coincide não só com os pressupostos da NEI, como também com a ideia de grupos de interesse mobilizados por suas agendas, tema tão caro à TEP, com a importante diferença de que se trata de uma agenda de políticas públicas que traduzem direitos. 2.2 ELEMENTOS INSTITUCIONAIS ADICIONAIS 2.2.1 Executivos e provisão de políticas públicas A preocupação com os OGMDH coloca, em questão, a estrutura do Executivo e a relação entre o chefe e seu secretariado. O foco, neste trabalho, é perceber que, uma vez criados, os OGMDH têm impacto sobre a provisão e resultados de políticas públicas. Para tanto, pode-se usar a literatura sobre a organização de Executivos nacionais como recurso para pensar os locais. Um primeiro ponto a ser destacado sobre a coalização de governo e a estrutura do Executivo é que qualquer coalizão de governo cria ou mantém estruturas com expectativas de que possam ser úteis aos seus interesses. Moe e Caldwell (1994) chamam a 71 atenção para a distinção entre a burocracia existente (“engrenagens herdadas”) e a que os governos Executivos têm livre escolha para instituir (“engrenagens criadas”) (MOE; CALDWELL, 1994; FIGUEIREDO, 2004). Os OGMDH são, portanto, um exemplo de “estrutura criada”. Os estudos sobre presidência americana denotam a criação de um emaranhado de agências federais, nas complexas relações entre burocracia política e pública (FIGUEIREDO, 2004). Em um estudo com 141 agências da administração federal, criadas entre 1879 e 1988, Wood e Bohte (2004) demonstraram que o design administrativo e as questões relativas aos custos de transação em torno de cada agência possuem relação direta com as expectativas das coalizões, que lhes deram origem. Enfim, mesmo as burocracias públicas são resultantes, em alguma medida, de expectativas políticas, que condicionam seus custos de transação e desenho institucional. Tomam-se, neste trabalho, as conclusões de Wood e Boehte como indicadoras da relação direta entre formação de governos (e suas coalizões) e a tradução destas em “engrenagens criadas” na burocracia para a gestão de políticas públicas. O argumento dos autores reforça a ideia de que as “engrenagens criadas”, nesse caso, os OGMDH, têm relação com coalizões, que possuem expectativas de retornos futuros. Todavia, esse é um quadro de racionalidade limitada, incerteza, podendo ou não ter maiores impactos sobre a provisão de políticas públicas em direitos humanos. O motivo é, conforme já explicado, a diferença entre os custos de transação para criar o OGMDH e os de adesão à agenda de direitos humanos. O governo federal no período é, particularmente, importante. O raciocínio encontra abrigo na literatura de ciência política (MELO; SOUZA; DE SOUSA BONFIM, 2015, p. 680): A literatura apresenta evidências ainda de que o alinhamento partidário com o presidente da República ou com o governador tende a afetar positivamente as chances dos prefeitos manterem-se no poder. Uma das explicações seria que os investimentos e gastos dos governos estadual e federal favoreceriam a gestão do prefeito, por beneficiar a população do município. No ciclo dos dois governos Lula, anteriores, e no primeiro governo Dilma, ampliou-se o número de ministérios (ou secretarias de governo) que se relacionam com grupos vulneráveis e direitos humanos. Além disso, os prefeitos que tomaram posse em 2009, assistiram, em 2010, a uma eleição presidencial marcada por discussões do PNDH 3 (ADORNO, 2010). O tema dos direitos humanos tornou-se, no debate nacional, um divisor de águas ideológico, sendo possível que administrações locais petistas tenham replicado essa 72 marca do governo federal e suas políticas públicas. Até certo limite, é possível fazer comparações sobre a formação de Executivos municipais, com a literatura mais robusta sobre presidencialismo e suas coalizões de sustentação e o impacto sobre a agenda de políticas públicas. Estudos sobre formação de “gabinetes presidenciais” apontam na mesma direção, no debate em torno do “presidencialismo de coalizão”. As regras proporcionais dificultam um Executivo cujo partido tenha maioria; o que leva a um esforço de construção de uma coalizão. Esse elemento é importante para entender a sua relação com prefeitos em busca de recursos federais. A organização do Executivo tem relação direta com a coalizão que o elegeu e/ou lhe dá sustentação política (ABRANCHES, 1988; FIGUEIREDO; LIMONGI, 1998; NETO, 2006; SANTOS, 2006). As diferenças, nessa literatura, ficam na caracterização de tais governos como coalizões ou cooptações, como, por exemplo, que a cooptação seria o oposto da coalizão (NETO, 2000). Pode-se mencionar, ainda, os custos políticos para se manter a disciplina partidária encontrada nos estudos em relação a Legislativos brasileiros sobre votações (FIGUEIREDO; LIMONGI, 1998; SANTOS, 2006). A alta fragmentação partidária propiciada pelo sistema eleitoral brasileiro e o aumento de partidos efetivos no Congresso Nacional, tendo, como resultado, a incapacidade da eleição de uma bancada majoritária do partido do presidente, apontam para a necessidade de coalizões de governo (FIGUEIREDO; LIMONGI, 1999). A partir desse cenário, autores, como Amorim Neto (2000), relacionam a proporcionalidade da presença dos partidos da coalizão de governo, no ministério, e acesso a recursos do poder Executivo, ao apoio prestado, no Legislativo, em defesa das matérias de interesse do Executivo. Conclui-se que coalizão de governo, organização do Executivo e acesso a recursos para políticas públicas são elementos, intrinsecamente, articulados no plano federal (NETO; BORSANI, 2004). Mas e a seleção das políticas públicas? Freitas (2013) sustenta que não existe uma agenda de políticas, exclusiva, do partido e do presidente, mas sim uma agenda de políticas do Executivo, construída por meio de cooperação. Os partidos da coalizão, e não apenas o partido do presidente, têm um papel importante na coordenação da atuação no Legislativo. Em outro trabalho, Tsebelis, Freitas e Araújo (2016, p. 8) são enfáticos na relação entre base de apoio da coalizão e agenda de políticas e recursos para políticas públicas: Estas evidências sugerem que o pacto que sustenta o acordo político entre os partidos que aceitam integrar o governo – assumindo todos os riscos embutidos nessa escolha – é baseado na expectativa desses autores de formular e implementar 73 políticas o mais próximo possível do seu ponto ideal de policy. Isso não significa assumir que todos os partidos que ocupam o gabinete tenham uma agenda de políticas bem definida, nem que as consequências dessas políticas sejam sempre positivas, mas que o acordo de cooperação política envolve transferência de recursos para a execução de políticas públicas. Note-se aí uma cadeia de relações relacionadas à oferta de políticas públicas desde o plano federal, passando pela composição de ministérios,até as bases locais dos membros da coalizão. Mariana Batista encontrou evidências empíricas, entre 2004-2010, de que o partido do ministro ser o mesmo partido do parlamentar colabora para maior liberação de recursos de emendas parlamentares; e, em menor grau, para os demais partidos da coalizão (BATISTA, 2015). Tais evidências corroboram a combinação de mecanismos de coordenação política e vínculos partidários. Essas preocupações são incorporadas, neste trabalho, na parte empírica, com a operacionalização de variáveis de controle, relacionadas ao Executivo local, ser do mesmo partido do Executivo nacional (Partido dos Trabalhadores) ou da coligação que o elegeu. São os prefeitos eleitos pelo PT, ou os partidos da coligação que elegeu Dilma, melhores ofertantes de políticas públicas em direitos humanos? Uma explicação alternativa à importância dos OGMDH? Controlando esses efeitos, espera-se que o efeito líquido da opção pelo OGMDH possa ser melhor mensurado. Esse ponto é muito interessante, pois pode diferenciar se a escolha institucional (OGMDH) tem consequências em si ou se é apenas um efeito relativo a algo maior, a formação de cadeias de apoio político-partidário entre os níveis de governo. As estruturas criadas do OGMDH serviriam para operacionalizar essas relações partidárias 2.2.2 Participação local Criadas na Era Vargas, Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, inicialmente, para mapear as demandas locais de saúde, as Conferências Públicas são locais de participação e decisão de políticas públicas, com tema definido e participantes do governo e da sociedade. Na norma legal citada, ficou especificado que seriam convocadas pelo Presidente da República e contariam com a participação de representantes de governo dos três níveis da Federação e de representantes dos grupos sociais afins aos temas abordados. Ao longo do tempo, as conferências são convocadas por decreto presidencial e realizadas pelos ministérios ou 74 secretarias da área, com apoio do conselho pertinente. Elas oferecem “as principais instâncias de proposição de novas diretrizes de políticas públicas para compor o Plano Plurianual de Ação (PPA) do governo e de monitoramento e avaliação das ações governamentais nas três esferas da Federação” (PETINELLI, 2011, p. 231). São essas políticas locais que podem oferecer um forte indício da sociedade organizada nos municípios. A ênfase na relação entre conferências nacionais e políticas públicas federais tem eclipsado, na literatura, sua importância local. Como exemplo, em um trabalho sobre essas conferências e os grupos minoritários, Tamy Pogrebinschi afirma um ponto que pode ser estendido às conferências locais (até porque estão associadas). Ao permitir que mulheres vocalizem as demandas de mulheres, que índios expressem as preferências de índios, ou que negros defendam os interesses de negros, as conferências nacionais propiciam que uma representação mais justa seja obtida por meio de uma presença que muitas vezes parece não caber nos partidos políticos ou em cotas nos parlamentos. Ao facultar que mulheres índias deliberem sobre políticas de saúde na condição de mulheres e de índias, ou que negros jovens deliberem sobre políticas de educação na condição de negros e de jovens, as conferências nacionais propiciam que a inclusão não seja objeto de barganha, não tenha valor de moeda, nem tenha o custo da cooptação. Ao permitir que mulheres, índios ou negros afirmem a sua identidade como grupos, por meio do compartilhamento de experiências, perspectivas e valores que transcendem divisões de classe ou cisões ideológicas, as conferências nacionais redefinem o sentido e a prática da igualdade política (POGREBINSCHI, 2012, p. 9). Ao comentar a literatura sobre democracia participativa e associá-la à experiência das conferências de políticas públicas, Enild Silva (2009, p. 9-10) resume a reflexão sobre esse impacto para a democracia: Assim, alguns países da América do Sul passaram a criar ou a fortalecer arranjos institucionais de participação social na gestão pública, visando diminuir a distância entre o Estado e a sociedade. A aposta de fundo dessa estratégia repousa na crença de que os arranjos participativos, ao congregarem representantes da sociedade civil e dos governos para discutir as políticas públicas, ampliariam o controle social sobre as instituições estatais, ao mesmo tempo em que aumentariam a influência da sociedade na definição das prioridades governamentais. Outro fator que merece destaque é a centralidade das políticas públicas de direitos humanos na produção de propostas das conferências. Uma parte delas chega ao Legislativo federal, com a possibilidade de ser positivada em leis. O importante trabalho de Pogrebinschi e Santos (2011) relaciona a produção legislativa do Congresso Nacional com a recepção das diretrizes aprovadas em “conferências nacionais de políticas públicas”, no período de 1988 a 2009. Os autores fizeram um levantamento dessa produção, a partir das diretrizes oriundas das conferências, com o resultado submetido a um filtro qualitativo, para determinar se sua 75 orientação coincidia com a diretriz equivalente. Em seu levantamento, Pogrebinschi e Santos obtiveram um impressionante resultado da participação do tema “direitos humanos” no conjunto da base de dados (em torno de 80% da produção legal no Brasil), tanto em projetos de lei e propostas de emendas constitucionais, quanto em leis e emendas constitucionalizadas aprovadas e sancionadas. Para os autores, tal resultado deve-se mais à “transversalidade” dos temas, em direitos humanos, do que a “legisladores 'inspirados'”; mas, mesmo assim, “estaremos diante de algo verdadeiramente avassalador, pois estamos falando de 51 leis aprovadas a partir de processos participativos e deliberativos” (POGREBINSCHI; SANTOS, 2011, p. 285-286). Vale destacar que as conferências nacionais, por eles estudadas, quase sempre, são precedidas de outras conferências em subunidades nacionais, que encaminham delegados e propostas à nacional. Essa participação institucional é relevante, também, para a realidade local, sendo uma forma de a capilaridade social influenciar a oferta de políticas públicas. Para operacionalizar esse elemento explicativo referente à participação da sociedade organizada em conferências, foi incluída, no modelo, uma variável sobre conferências de políticas públicas locais. A participação institucional, em conferências locais, é um bom preditor da oferta de políticas públicas em direitos humanos? Essa variável é muito importante, pois oferece uma dimensão do peso da sociedade organizada local e a possível separação do seu efeito líquido da contribuição dada pelos OGMDH. A capilaridade da sociedade local, quando existe, se mobiliza em torno de oportunidades de influir nas agendas de políticas públicas, como as que são representadas pelas conferências de políticas públicas. Esse elemento institucional permite dimensionar a presença da organização social e relacioná-la com a oferta de políticas públicas em direitos humanos na gestão municipal. 2.2.3 Capacidade administrativa O poder da burocracia de tomar decisões em interesse próprio é uma discussão que abrange da obra de Weber até as considerações da TEP, que será discutida em uma sessão específica. O que esta seção enfoca é outro elemento institucional: a capacidade operacional, administrativa, de cada município. Nesse sentido, dois municípios podem ter a mesma agenda 76 de políticas públicas, mas diferentes meios para colocá-la em prática, já que a capacidade administrativa da gestão municipal é algo de difícil mensuração empírica. Entendendo capacidade administrativa como “a busca de instrumentos voltados para aumentar o desempenho dos organismos públicos com vista à obtenção de resultados e à satisfação do cidadão que utiliza os serviçospúblicos” (SOUZA; CARVALHO, 1999, p. 188), é razoável supor que, de município para município, de área de gestão para outra área, devem existir variações diversas desse tipo de capacidade. Conceitualmente, é necessário buscar um pressuposto que oriente uma escolha de indicadores empíricos válida para todos os tipos de municípios. Na teoria política, o “estado mínimo”, como o “Estado Guarda Noturno” proposto por Nozick, é aquele que recolhe impostos e tem o monopólio legítimo da violência. Monopólio da violência não cabe apenas aos municípios, mas existem impostos que são específicos, como IPTU e ISS. Repare-se que não se está buscando medir os recursos próprios dos municípios; é de conhecimento geral que muitos municípios obtêm seus recursos, basicamente, do Fundo de Participação dos Municípios e de transferências governamentais, enquanto outros, de Produto Interno Bruto mais elevado, têm receitas próprias expressivas. Essas diferenças não interessam neste trabalho, pois não tem como objetivo demonstrar se a ação dos municípios ocorre com essa ou aquela fonte de recursos. Em questão, tem-se a capacidade de organização administrativa para arrecadação de cada município como uma referência conceitual boa para se referir à capacidade administrativa. Se o município tem boa capacidade para criar e atualizar instrumentos administrativos de arrecadação de impostos, supõe-se que também o possa fazer para diferentes políticas públicas. O município pode até optar por dar isenção de impostos, mas, mesmo assim, os instrumentos para definição do que está sendo isentado podem ser mais robustos ou não. Com esse elemento institucional, abre-se a possibilidade de análise da importância dos meios de operacionalização das políticas públicas. É certo que o caminho escolhido foi de um indicador que não infere diretamente nos recursos de cada política pública; todavia, recorrer aos instrumentos arrecadatórios do município é um pressuposto bastante razoável, na ausência de possibilidade da minúcia de cada política pública ou área de governo na sua atuação em questões de direitos humanos. 77 2.3 CRÍTICA DA TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA As hipóteses desta tese dialogam criticamente com a Teoria da Escolha Pública (TEP). A escolha pública se notabilizou por produzir uma crítica ferrenha à atuação política de segmentos burocráticos e políticos, proclamada em nome de “interesses coletivos” e/ou do “bem comum”, mas que só traduzia interesses próprios. O charme do instrumental analítico da public choice é aplicar as categorias analíticas da economia neoclássica às instituições políticas. Ponto que, em boa medida, é uma característica comum com a NEI, só que com conclusões muito distintas. A escolha pública analisa objetos típicos da ciência política, como: decisões do Legislativo, regras eleitorais, grupos de interesse, partidos políticos e segmentos burocráticos, buscando entender como o comportamento autointeressado dos indivíduos, atuando nesses grupos, corrobora a produção de bens e decisões coletivas. Uma vez gerada a decisão, o esforço da TEP é demonstrar o quanto ela representa não um “interesse maior”, mas consequências deletérias para outros grupos sociais. Esses grupos maximizam seus interesses no uso das regras institucionais para produzir decisões convenientes. Uma parte da TEP se dedica à “economia constitucional”, estudando impacto de regras institucionais sobre a vida econômica. A TEP nasce em oposição à hegemonia da contribuição de Keynes. A partir do fim da Segunda Guerra, o Estado é identificado como capaz de impulsionar a economia e proporcionar políticas de bem-estar, pois sua presença traria equilíbrio, diante das falhas do mercado. Nessa perspectiva, não há contradição entre processo democrático, políticas públicas e atores sociais e estatais. A presunção do controle público e democrático da atuação de uma elite tecnocrática seria um dos pilares do Estado de Bem Estar (BORSANI, 2004, p. 104). Ao longo dos anos 1960 e 1970, uma série de críticos do keynesianismo e do Estado de Bem Estar elaboram suas teses, sendo a escolha pública uma dessas contribuições outrora minoritárias. A obra fundadora da TEP é Calculus of consent, de James Buchanan e Gordon Tullock (1962), mas outros trabalhos e autores também merecem destaque, como: An economic theory of democracy, de Anthony Downs (1957), The logic os colletive action, de Mancur Olson (1965), e The theory of political coalitions, de William Riker (1962). A produção e os temas da escola são bem diversificados, não sendo necessário fazer um inventário de tal 78 contribuição, nesta seção. Um ponto nevrálgico deve ser destacado em relação aos temas debatidos nesta tese: a relação entre gasto público, grupos de interesse e políticas públicas. em que a sociedade organizada, os políticos em cargos públicos e os burocratas se encontram. A TEP vai ser marcante em mostrar o quanto essa atuação desfavorece a liberdade individual e produz um Estado cada vez mais oneroso: A primeira e principal preocupação de análise da TEP neste tema [teoria da burocracia] tem sido o aumento da burocracia e do orçamento público. Na medida em que o orçamento público [...] constitui um nexo entre recursos financeiro do Estado e o logro de determinadas políticas públicas, ele ocupa um lugar central no processo político (BORSANI, 2004, p. 119). Em relação ao tema específico da burocracia, na visão de Niskanen, por exemplo, os burocratas tendem a aumentar os custos de dar efetividade às decisões políticas, pois os políticos não têm como saber seus reais custos e monitorar o cumprimento de suas decisões. A burocracia usa seu poder de agenda para, em tese, dar cumprimento a decisões de Estado, favorecer seus próprios interesses. Os burocratas procuram maximizar as vantagens de seus cargos, em nome, em última instância, do interesse do cidadão comum; o interessante é que esse aumento de gasto recai sobre o contribuinte e cidadão. No âmbito da sociedade organizada, as considerações da TEP não são mais otimistas do que em relação à política. Mancur Olson desenvolveu seu argumento em relação à atuação de grupos organizados, de interesse ou de pressão, como sendo coletividades com uma agenda de interesses compartilhados, que atuam para pressionar governos na obtenção de leis e decisões favoráveis as suas demandas. Classicamente, os lobbys mais estudados de grupos de interesse são os empresariais e os sindicais, mas essa classificação também pode incluir, por exemplo: [...] as associações de profissionais (advogados, médicos, arquitetos etc.), de funcionários públicos e de consumidores, os grupos em defesa dos animais e do meio ambiente, dos direitos da mulher, das minorias étnicas, dos homossexuais, os grupos a favor ou contra a proibição de venda de armas etc. (BORSANI, 2004, p. 114). Olson identifica que o interesse generalizado, em uma ação coletiva, não é o suficiente para que ela ocorra. Há a oportunidade de não se comprometer com os custos e se beneficiar dos resultados, agindo como free rider, “carona”. Para que a ação coletiva ocorra, é preciso que existam mecanismos de coerção e/ou o oferecimento de incentivos seletivos a indivíduos ou grupos, para que não desertem da participação. O argumento de Olson, se, por um lado, explica por que demandas de ampla aceitação, muitas vezes, não geram ação coletiva em seu favor; por outro lado, seu argumento, também, favorece a explicação de que grupos menores, 79 mas com bons incentivos, conseguem se mobilizar e capturar agendas e decisões da máquina pública. Grupos que se colocam próximos aos tomadores de decisão exercem pressões sobre os mesmos, gerando benefícios, para os grupos, sem uma geração de riqueza ou valor, apenas se valem da sua capacidade de atuação como grupos de pressão, também chamados de rent seeking (OLSON, 2009).– Mulheres (gênero)................................................... 100 Quadro 10: Componente do IMV – Racial................................................................... 100 Quadro 11: Componente do IMV – LGBT..................................................................... 101 Quadro 12: Componente do IMU – Político e/ou Informação....................................... 103 Quadro 13: Componente do IMU – Civil........................................................................ 103 Quadro 14: Componente do IMU – Ambiental............................................................. 104 Quadro 15: Componente do IMU – Social, Educação e Cultura.................................... 104 Quadro 16: Componente do IMU – Econômico............................................................. 105 Quadro 17: Componente do IMU – Saúde..................................................................... 105 Quadro 18: Distribuição de tipos de órgãos gestores por áreas de políticas públicas.... 119 Quadro 19: Variáveis de controles ou hipóteses substantivas dos modelos................... 128 Quadro 20: Variáveis explicadas nos modelos............................................................... 130 Quadro 21: Variáveis de OGMDH e referencial teórico............................................... 132 Quadro 22: Distribuição de variáveis pelos modelos...................................................... 134 Quadro 23: Modelo IMV................................................................................................. 138 Quadro 24: Modelo IMV-1 Ajustado............................................................................... 139 Quadro 25: Modelo IMV-2.............................................................................................. 140 Quadro 26: Modelo IMV-2 Ajustado............................................................................... 141 Quadro 27: Modelo IMU-1............................................................................................. 143 Quadro 28: Modelo IMU-1 Ajustado.............................................................................. 143 Quadro 29: Modelo IMU-2............................................................................................. 143 Quadro 30: Modelo IMU-2 Ajustado.............................................................................. 144 Quadro 31: Modelo AR-1................................................................................................ 146 Quadro 32: Modelo AR-1 Ajustado................................................................................. 147 Quadro 33: Modelo AR-2................................................................................................ 148 Quadro 34: Modelo AR-2 Ajustado................................................................................. 149 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Proliferação regional de NHRI, 1960-2008................................................. 36 Gráfico 2: Crescimento global dos NHRI e regimes eleitorais, 1960-2005................. 36 Gráfico 3: Número de municípios com orçamento próprio e políticas específicas para a população em situação de vulnerabilidade, segundo tipo de política, Brasil, 2008........ 88 Gráfico 4: Distribuição de públicos dos OGMDH, 2011................................................ 89 Gráfico 5: Distribuição dos municípios, por ano, segundo condição de OGMDH, Brasil, 2009, 2011 e 2014................................................................................................. 91 Gráfico 6: Distribuição dos municípios, segundo área à qual o setor está subordinado, Brasil, 2011...................................................................................................................... 92 Gráfico 7: Histograma de IMV........................................................................................ 106 Gráfico 8: Histograma de IMU........................................................................................ 107 Gráfico 9: Grau de cobertura FINBRA, de 2009 a 2012.................................................. 109 Gráfico 10: Histograma de AR........................................................................................ 111 Gráfico 11: Distribuição dos municípios, segundo porte populacional, Brasil, 2012..... 112 Gráfico 12: Histograma da taxa de urbanização............................................................ 114 Gráfico 13: Distribuição dos municípios por regiões geográficas................................... 115 Gráfico 14: Distribuição das respostas de capacidade administrativa............................. 118 Gráfico 15: Distribuição das conferências de políticas públicas – respostas múltiplas.... 122 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Distribuição dos municípios, segundo condição do OGMDH, Brasil, 2012... 95 Tabela 2: Divisão da população por porte....................................................................... 113 Tabela 3: Estatística descritiva das variáveis contínuas.................................................. 135 Tabela 4: Frequência das variáveis qualitativas............................................................... 136 LISTA DE SIGLAS ACNUDH – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos AR – Alocação de Recursos CNM – Confederação Nacional dos Municípios CTP – Custos de Transação Políticos DCP – Direitos Civis e Políticos DESC – Direitos Econômicos Sociais e Culturais DH – Direitos Humanos ECT – Economia dos Custos de Transação FPM – Fundo de Participação dos Municípios IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal ICC – International Coordinating Committee of National Institutions for Promotion and Protection of Human Rights IMU – Índice de Meios em Políticas Públicas Universais IMV – Índice de Meios para Políticas Públicas para Grupos Vulneráveis IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano ISS – Imposto Sobre Serviços LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais MUNIC – Pesquisa de Informações Básicas Municipais NEI – Nova Economia Institucional NHRI – National Human Rights Institutions OGMDH – Órgão Gestor Municipal em Direitos Humanos ONU – Organização das Nações Unidas PC do B – Partido Comunista do Brasil PDT – Partido Democrático Trabalhista PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PNDH – Programa Nacional de Direitos Humanos PNV – Planta Genérica de Valores PPA – Plano Plurianual de Ação PR – Partido da República PRB – Partido Republicano Brasileiro PSB – Partido Socialista Brasileiro PSC – Partido Social Cristão PT – Partido dos Trabalhadores PTC – Partido Trabalhista Cristão PTN – Partido Trabalhista Nacional SEPPIR – Secretaria de Promoção da Igualdade Racial SDH – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República SHRI – Subnational Human Rights Institutions SPM – Secretarias de Política Para Mulheres SUAS – Sistema Único de Assistência Social SUS – Sistema Único de Saúde TEP – Teoria da Escolha Pública TER – Teoria da Escolha Racional SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................ 01 Municípios e as polêmicas em torno de direitos humanos................................................ 04 Hipóteses........................................................................................................................... 09 Variáveis explicadas e sua construção............................................................................... 11 Outros fatores intervenientes............................................................................................. 13 Metodologia....................................................................................................................... 16 Resultados esperados.........................................................................................................No seio da escolha pública, tem-se a contribuição de Buchanan, que retoma a tradição contratualista, particularmente a visão de Hobbes, do conflito de todos contra todos, esperando maximizar suas possibilidades. Com essa perspectiva, o contrato viria após os indivíduos alcançarem um equilíbrio natural, em que os custos para manter sua posição ou melhorá-la são menores do que o seu retorno; nesse momento, então, os homens aceitam o contrato social. A política em sociedade se estabelece por trocas semelhantes ao mercado e as leis para viabilizá-las são de duas naturezas: constitucionais, que estabelecem as regras decisórias, que deveriam ser decididas por consenso ou mecanismos que se aproximem disso, e as regras cotidianas, mais próximas dos interesses imediatos dos indivíduos (BUCHANAN; TULLOCK, 1962). A TEP também vai se notabilizar pela crítica ao parlamento em fazer leis que atendam aos interesses da sociedade. A TEP compartilha com a Escolha social, de Kenneth Arrow, as discussões sobre o “paradoxo do voto” e o “poder de agenda”. Resgatando comentários do Marques de Condorcet, tais escolas de pensamento consideram que a ordem e a forma como são encaminhadas as votações alteram sensivelmente os resultados e isso é produzido pela alteração da composição de maiorias, segundo suas preferências. O “poder de agenda” é justamente a discricionariedade que certos atores têm para estabelecer essas dinâmicas. No parlamento, uma forma de lidar com as incertezas do voto é a prática do chamado logrolling, que corresponde à negociação entre grupos de parlamentares com interesse na aprovação de diferentes leis. Ou seja, um grupo cede apoio em leis de interesse de outro grupo, em favor de receber apoio em votações de seus interesses. Como sempre pode surgir uma situação de melhor barganha, a lei da maioria, que, por si só, já concentra uma opressão sobre setores minoritários, corre o risco de ser uma artificialidade instável (BORSANI, 2004). Assim como o comportamento maximizador não é a única possibilidade de comportamento humano, mas um subconjunto deste, as possibilidades de comportamento de burocratas e políticos pela TEP precisam ser analisadas em que contextos favorecem ou não sua presença, sobretudo, pelo condicionamento de variáveis institucionais. As “patologias” identificadas na vida pública pela TEP são possibilidades a serem verificadas. 80 O institucionalismo fortalece a perspectiva das instituições, como resposta aos determinismos presentes nas abordagens estritamente estruturais e sociológicas. Sem incorrer em novos determinismos, essa é uma estratégia teórica correta. A política, sendo capaz de mudar a sociedade e as instituições, faz uma grande diferença: “Existe, portanto, uma relativa autonomia da política, de um lado, em relação às estruturas econômicas e sociais, de outro, em relação aos grupos de interesse que buscam influenciar as decisões políticas” (BRESSER- PEREIRA, 2010, p. 19). E, assim, continua Bresser, em sua crítica à TEP, com base na noção de “autonomia da política”, procurando precisar os limites e constrangimentos da mesma: A ideia da autonomia relativa é importante porque ela permite que compreendamos melhor a política – a arte de argumentar e fazer acordos para governar, o processo através do qual cidadãos e oficiais públicos empreendem a construção política da sociedade civil, da nação e principalmente do Estado. O conceito de autonomia relativa da política e a ideia da construção política do Estado não implicam voluntarismo político. De um lado, a palavra autonomia não significa que os oficiais públicos ou o governo possam impor sua vontade à sociedade, significa apenas que gozam de certa liberdade de decidir; de outro lado, a palavra relativa assinala que a autonomia é incompleta, que a política enfrenta restrições (constraints) estruturais que são sociais (o poder das classes e grupos sociais) e econômicas (as regras do funcionamento das economias capitalistas). Os oficiais públicos competentes e os cidadãos capazes que atuam na sociedade civil e na nação conhecem essas restrições e as levam em consideração na sua ação, mas não se submetem a elas (BRESSER- PEREIRA, 2010, p. 137). Em sendo consequente às premissas da escolha pública, deveria haver uma enorme presença de apoio partidário, ou burocrático e/ou movimentação de grupos de interesse, com consequente aumento de gasto público. Este trabalho tem a hipótese de controle partidário e de participação local; o OGMDH não é um órgão da burocracia mais permanente e estável de carreira, pertence às “engrenagens criadas”, embora, para atuar, precise da capacidade administrativa e burocrática. Diferentemente da TEP, a NEI dá ênfase às instituições e aos CTP para reduzir incertezas e comportamentos oportunistas. Para a TEP, a autonomia do estado é sempre em autointeresse de grupos, com riscos para a liberdade individual; para a NEI, tais possibilidades existem, mas não são únicas. Nesse sentido, a NEI incorpora a contribuição da escolha racional e as críticas da TEP, sem se limitar ao seu reducionismo. A defesa da autonomia da política no lugar da unilateralidade das patologias advogadas pela TEP oferece um quadro conceitual próximo, com flexibilidade investigativa, para perceber potencialidades na institucionalidade criada e não apenas sua crítica em favor de mecanismos de mercado ou a simples redução do tamanho e da atuação do Estado. A seguir, dois estudos empíricos importantes sobre municípios e gestão de políticas públicas em direitos humanos. 81 2.4 ESTUDOS ANTECEDENTES 2.4.1 Estudo do IBAM sobre prefeituras e direitos humanos Em 2002, O Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), por meio de seu Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania, realizou, em conjunto com a Fundação Ford, o Programa Gestão Municipal em Direitos Humanos (GERSHON et al., 2005). Em linhas gerais, o projeto tinha dois objetivos: capacitar a gestão municipal, por meio de oficinas, e criar as condições para um selo de “melhores práticas” em direitos humanos no município. Como resultado desses esforços, foi produzido um amplo diagnóstico sobre gestão e políticas públicas de direitos humanos. Examinando os PNDH I e II e os sete planos estaduais de direitos humanos, encontraram um quadro comum: Imprecisão e superposição de papéis entre Estado e sociedade; Fragmentação das políticas e ações por públicos prioritários; Dificuldade de conceituar direitos humanos, com noções que possam se “traduzir” em “planejamento e política”. Parte do esforço de análise passou por trabalhos de campo e entrevistas em profundidade, com gestores nas cidades com perfis avançados e distintos de institucionalização de direitos humanos de Campinas (SP), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ) e São José de Tapera (AL). Sobre a concepção de políticas públicas em direitos humanos, de acordo com a pesquisa, há as seguintes visões presentes entre os gestores: Uma parte acredita que a defesa e a promoção dos direitos humanos são responsabilidade de qualquer política pública. Todas as secretarias devem desenvolver essas políticas públicas, inclusive com ações transversais. Incapazes de separar política de direitos de qualquer outra política social. Outra parcela resolvia a questão conceitual pela adoção de um arranjo 82 institucional específico. A divergência interna ficava pela opção proposta: coordenadoria vinculada ao gabinete do prefeito ou secretaria autônoma e paralela às existentes. Um terceiro grupo, não desconsiderando a transversalidade do tema, via a necessidade de política específica, “identificada e reconhecida, em geral por meio de orientação das ações para benefício de alguns públicos específicos, já definidos em pactos e programas de direitos”. Os demais consideram o “discurso dos direitos humanos muito abstrato”,difícil de incorporar, em termos práticos, à gestão, ou acreditam que o tema deveria ser destinado apenas às agendas do governo federal e dos estaduais; especificamente, no tema da segurança pública. A equipe do programa reconhece que trabalha com a ideia “de não existir uma única política de direitos humanos, mas várias”, recusando o “maniqueísmo” de ter que se escolher entre, exclusivamente, direitos humanos como “política social” ou, “exclusivamente, uma política específica”. A conclusão da equipe foi substituir a ideia de um selo por mais oficinas e capacitações em uma rede intermunicipal, que pudessem fomentar o debate e ter efeito pedagógico. Criar o selo seria assumir, implicitamente, a equivalência de que qualquer política social constituiria uma política em direitos humanos. O que seria um equívoco, pois nem toda política social é eficiente em reduzir a “marginalidade”, garante a “socialização de bens e serviços públicos e a concretização da inter-relação entre direitos e autonomia” (GERSHON et al., 2005). As dificuldades e disputas conceituais em torno da definição dos direitos humanos estão presentes neste trabalho. Desenvolver as políticas públicas em direitos humanos é um desafio que não encontra respostas unívocas nas administrações locais. 2.4.2 Estudo quantitativo com órgãos gestores municipais do CE Deve-se registrar, em 2015, a publicação do primeiro artigo que analisa os resultados da MUINC de 2011, na parte relativa aos direitos humanos, intitulado “Mecanismos de gestão municipal e promoção dos direitos humanos”, de Magda Cristina Souza, Patricia Verônica P. 83 S. Lima e Ahmad Saeed Khan, na Revista de Administração Pública. Os autores dissecam os dados para os 184 municípios do estado do Ceará, constituindo um índice por agregação, “Índice Gestão Municipal dos Direitos Humanos”, com 53 variáveis (indicadores) da MUNIC, divididos em cinco dimensões: órgão gestor; programas e ações; direitos humanos e legislação municipal; conselhos municipais de direitos humanos. Os resultados permitiram aos autores dividir os municípios em três clusters, criando, ao final, um quadro de correlação entre os três clusters e nove indicadores sociais e vitais15. Duas críticas metodológicas devem ser feitas. A primeira é que a simples agregação de variáveis não garante consistência estatística na formulação de um indicador (motivo pelo qual se utiliza o Alpha de Cronbach nesta tese). A segunda é que a correlação, como os autores reconhecem, não aponta relação de causalidade, sendo medida em pares de variáveis, não permitindo medir, com exatidão, o efeito causal de cada variável na interação com as demais (motivo pelo qual se utiliza a análise de regressão nesta tese). A despeito de questões metodológicas, os autores chegam a conclusões explícitas: Esse resultado não é suficiente para estabelecer uma relação significativa entre variáveis ou uma relação de causalidade entre a adoção de instrumentos de gestão municipal dos direitos humanos e indicadores socioeconômicos, mas reforça a necessidade de um posicionamento mais contundente das prefeituras quanto à inclusão da gestão dos direitos humanos na agenda municipal no Ceará (SOUSA; KHAN; LIMA, 2015, p. 1005). Deve-se ressaltar, a despeito das críticas, a importância do trabalho realizado e suas diferenças em relação à maioria dos estudos da área. Via de regra, centrados no Executivo federal e, quando o fazem, em relação aos municípios, o fazem por meio de estudos qualitativos de políticas públicas específicas, relacionadas aos direitos humanos. O estudo citado permite uma visão mais analítica, macroscópica e comparativa da gestão de políticas públicas, em direitos humanos, nos municípios do Ceará, contribuindo, assim, para uma cultura de avaliação de resultados (evidências) nas políticas públicas em direitos humanos. Os estudos aqui relatados ainda são um tema incipiente de pesquisa. Oferecem, em um primeiro momento, uma comparação de importância do assunto; simultaneamente, apresentam resultados que apontam para a necessidade de estudos de mais envergadura conceitual e empírica. No presente capítulo, deu-se ênfase ao aporte teórico para a compreensão da atuação 15 Mortalidade até 5 anos de idade (por mil crianças nascidas vivas); índice de Gini; porcentagem de vulneráveis à pobreza; de crianças vulneráveis à pobreza; grau de formalização dos ocupados – 18 anos ou mais (%); IDH – M; IDHM – Educação; IDHM – Longevidade; IDHM – Renda. 84 dos municípios como atores políticos na provisão de políticas públicas em direitos humanos. Após exposição das três principais vertentes do neoinstitucionalismo, deu-se privilégio, como opção conceitual ao neoinstitucionalismo, à noção de racionalidade, à NEI e aos CTP. A ideia central, desta tese, é de que os OGMDH são capazes de reduzir CTP. Na economia, os custos de transação estão diretamente ligados à racionalidade limitada e ao comportamento oportunista; na política e no setor público, também, porém tal relação ganha contornos mais dramáticos. Os direitos de propriedade não são bem demarcados como no setor privado (CABALLERO; ARIAS, 2013); o setor público encontra-se sob a interação de múltiplos “principais” e tarefas diversas, sem competidores, na maioria delas (DIXIT, 2012). As questões relativas à informação e ao interesse dos atores são mais opacas, pois grande parte das dificuldades encontra-se em manter as transações acertadas ao longo do tempo (SPILLER; TOMMASI, 2007; CABALLERO; ARIAS, 2013). A hipótese central, deste trabalho, é que existe uma diferença significativa na provisão de políticas públicas por municípios que têm OGMDH e, ao contrário do esperado, o resultado é significativo e favorável para os municípios com OGMDH. Esse resultado tende a ser mais intenso com OGMDH com mais autonomia e/ou tempo de existência, que denotam mais poder dentro do desenho institucional da gestão municipal; os que existem há mais tempo tiveram condições de aprendizado e repetidas transações com diferentes atores. Tal efeito é mais sentido no campo das políticas públicas em direitos humanos, voltadas para grupos vulneráveis e alocação de recursos orçamentários em despesas afins. As políticas, para grupos específicos, encontram um lugar institucional no desenho da gestão para transacionar suas demandas. Conforme argumentos anteriores, é esperado que haja mobilização maior da gestão para as políticas públicas em direitos humanos. Enfim, mesmo que adotados por motivos não relacionados com eficiência das políticas públicas, a existência de OGMDH é um bom indicador de adesão a uma agenda de políticas públicas em direitos humanos. 85 3 VARIÁVEIS DOS MODELOS Este capítulo se dedica à operacionalização das variáveis explicadas (IMU, IMV e AR) e explicativas (OGMDH, controle e hipóteses substantivas). As duas principais variáveis explicadas são índices: um relativo às políticas públicas para grupos vulneráveis (“IMV – Índice de Meios de Políticas Públicas para Grupos Vulneráveis”) e outro para políticas públicas universalistas (“IMU – Índice de Meios em Políticas Públicas Universais”). Realizados a partir do levantamento de políticas públicas elencadas nas MUNIC 2011 e 2012, esses índices ajudam a dimensionar a oferta de políticas em direitos humanos. Não se trata de medir os resultados e o impacto da existência dessas políticas públicas, mas saber se os OGMDH são responsáveis pelo incremento das mesmas. Além desses dois índices, foi criada uma variável relativa a recursos orçamentários. A partir do somatório da alocação de tais recursos, empenhados em duas funções selecionadas – “assistência social” e “direitos humanos” –, tal variável é chamada, neste trabalho, de “Alocação de Recursos” (AR). A ideia é dimensionar se os OGMDH são capazes de aumentar os recursos orçamentários relacionados à temáticados direitos humanos. Depois de expor as variáveis explicadas, o presente capítulo tem, por objetivo, descrever as questões que cercam a definição das variáveis de controle, hipóteses substantivas e os OGMDH. Em um primeiro momento, tem-se que os municípios são muito diversos entre si e a provisão de políticas públicas pode ser influenciada por diversos fatores, que podem ser pensados como causas explicativas. O foco desta tese é a escolha de desenho institucional de ter ou não ter OGMDH e suas consequências para a provisão de políticas públicas universalistas e para grupos vulneráveis; bem como a alocação de recursos orçamentários. Algumas variáveis do modelo (as sociodemográficas), para efeito de distinção conceitual, serão chamadas de “variáveis de controle”. Ou seja, elas não têm interesse específico para a teoria em análise, mas aumentam a homogeneidade entre os segmentos das variáveis explicativas, que interessam, conceitualmente, para o problema e as hipóteses desta tese. As variáveis de controle retiram efeitos “espúrios” que outras variáveis possam ter sobre a análise em questão. Nessas variáveis, estão incluídos o tamanho da população, sua taxa de urbanização e a região geográfica a que pertence o município. As dinâmicas de ocupação e organização do território têm efeitos sobre a dinâmica dos municípios e consequente oferta de políticas públicas em direitos humanos. 86 Além dessas variáveis de controle, no sentido rigoroso do tema, há outras variáveis que não correspondem às hipóteses deste trabalho, mas são explicações institucionais e políticas para a maior provisão de políticas públicas. Não partem do desenho institucional dos OGMDH, mas oferecem outros elementos a serem controlados e comparados. Neste sentido, são chamadas de hipóteses substantivas ou alternativas, sendo resultado de imputações teórico-conceituais mais caras à análise institucional. No campo das condições institucionais em que se dá a provisão de políticas públicas, destacam-se, neste trabalho, duas variáveis institucionais: “capacidade administrativa”, construída por meio de três perfis de cadastro e informatização de IPTU, ISS e Planta Genérica de Valores, e “participação local”, baseada na realização de conferências de políticas públicas locais, como forma de operacionalizar a relação da sociedade organizada local com a municipalidade. Considerando a ação das secretarias de assistência social como hipótese substantiva, alternativa, para a provisão de políticas públicas em direitos humanos, os resultados dos OGMDH seriam um epifenômeno dessa atuação. Para controlar essa hipótese substantiva, cria-se uma variável das secretarias exclusivas de assistência social, que não possuem OGMDH. E, finalmente, opta-se pelas conferências municipais como um elemento que confere relevância à participação da sociedade organizada nas políticas públicas locais. Esses elementos serão explicados, em pormenores, neste trabalho. Além disso, há outras variáveis que não correspondem às hipóteses deste trabalho, mas são explicações políticas para a maior provisão de políticas públicas, não pelo desenho institucional dos OGMDH, mas pelas vinculações e relações político-partidárias entre os municípios e o Executivo federal: “pertencimento ao partido do Executivo federal” e “proximidade partidária com o Executivo federal”. Tais hipóteses apontam para a importância político-partidária do governo federal na promoção de políticas públicas, em torno dos direitos humanos, expressa no pertencimento do prefeito ao Partido dos Trabalhadores ou à coligação que elegeu a ex-presidente Dilma Rousseff (eleição de 2010). Controlados e “filtrados” os efeitos de outros fatores intervenientes, percebem-se o impacto da presença e o desenho dos OGMDH. Na discussão sobre seus diferentes tipos, empiricamente pesquisados, pode-se destacar a importância do vínculo com a assistência social, como mencionado, para o tipo de maior número entre os OGMDH: “setor subordinado a outra secretaria” e os motivos dessa proximidade. Em tela, o conceito de “vulnerabilidade” e os esforços desenvolvidos pela assistência social na formulação de políticas públicas. 87 3.1 FONTE DOS DADOS A fonte principal dos dados sobre OGMDH e provisão de políticas públicas são as edições da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), que tem sua origem em 1999. Trata-se de um levantamento detalhado de informações sobre as instituições municipais, em sua estrutura, composição e funcionamento; em particular, da prefeitura. É uma rica fonte de informação sobre diferentes setores, políticas e serviços da municipalidade (IBGE, 2016), que, em tese, ocorre anualmente, com edições registradas em 1999, 2001 a 2002, 2004 a 2006, 2008 a 2009 e 2011 a 2015. O instrumento de coleta de dados é flexível para a introdução de novos temas ou suplementos, que possam contribuir para que entidades estatais e privadas tenham subsídios para a tomada de decisão, ressaltando que sua abrangência é nacional e engloba todos os municípios brasileiros. Além desses, a MUNIC engloba o Distrito Federal (Brasília) e o Distrito Estadual de Fernando de Noronha, PE, que, por não se tratarem de municípios e representarem uma situação muito específica, foram excluídos das bases de dados deste trabalho. A unidade de análise é o município e o principal respondente (informante) é a prefeitura e seus diversos setores, por meio de entrevistas com os gestores (IBGE, 2016). Como fruto do esforço permanente de atualização da pesquisa, inclusive com relação ao amplo escopo dos temas por ela tratados, desde a sua primeira edição, em 1999, os dados estatísticos e cadastrais que ora compõem sua base de informações constituem um conjunto relevante de indicadores de avaliação e monitoramento do quadro institucional e administrativo das cidades brasileiras. Tais indicadores expressam, de forma clara e objetiva, não só a oferta e a qualidade dos serviços públicos locais, como também referências consistentes sobre a capacidade dos gestores municipais em atender às populações. 3.2 OGMDH NAS MUNIC Na edição dos seus dez anos de existência, a MUNIC de 2009 incorporou três temas inéditos: saúde, direitos humanos e política de gênero, “sendo os dois últimos resultantes de 88 convênio institucional firmado entre o IBGE, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a Secretaria de Políticas para as Mulheres” (MUNICIPAIS, 2009, p. 25). O tema dos direitos humanos aparece nos anos de 2011 e 2014, mas, em 2009, encontra-se a primeira definição de OGMDH, como: “órgãos gestores de direitos humanos são estruturas administrativas instituídas para coordenação ou execução de políticas orientadas à realização de direitos de toda a população”. Note-se que, nessa primeira definição, é aberta a possibilidade de apenas existir a “coordenação” de políticas públicas. Isso se traduz nas possibilidades empíricas do instrumento de coleta: secretarias exclusivas de direitos humanos, secretarias em conjunto com outras áreas, subsecretarias, órgãos ligados ao gabinete do prefeito ou órgãos da administração indireta. O primeiro levantamento forneceu informações relevantes sobre a presença nos estados e regiões, se há ou não orçamento próprio e “políticas específicas para a população em situação de vulnerabilidade sob responsabilidade de órgão gestor” (MUNICIPAIS, 2009, p. 148), conforme o gráfico a seguir, extraído do relatório da MUNIC: Gráfico 3: Número de municípios com orçamento próprio e políticas específicas para a população em situação de vulnerabilidade, segundo tipo de política, Brasil, 2008 Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2009). A única opção do instrumento de coleta de dados que não faz referência a um grupo específico é a de “Educação em direitos humanos”, que pode se referir ainiciativas dentro e fora da rede de ensino, bem como a públicos das mais variadas idades e características (presidiários, por exemplo). Pode-se perceber uma vocação para a focalização de ações em 89 grupos vulneráveis, com destaque para dois grupos geracionais, “Idosos” e “Crianças e adolescentes”, que ultrapassam o número de mil municípios, seguidos de “Pessoas com deficiência” e “Mulheres”, e, com menor presença, “Promoção da igualdade racial”, “LGBTs” (128 municípios) e “Ciganos” (48 municípios), lembrando que um mesmo município poderia responder a mais de uma opção. Os demais temas são respondidos por municípios que possuem ou não um OGMDH; conforme ressaltado, ter um OGMDH não é condição obrigatória para promoção de políticas públicas em direitos humanos. Em momento algum, o texto de análise das MUNIC, independentemente do ano da pesquisa, faz o cruzamento dos dados de municípios que têm ou não OGMDH. Na MUNIC de 2011, o tema dos direitos humanos reaparece e, com ele, uma nova contagem dos OGMDH; configura-se o período de maior expansão. Houve mudança, também, no instrumento de coleta de dados, inclusive na parte sobre os públicos diretos dos OGMDH, conforme o gráfico a seguir: Gráfico 4: Distribuição de públicos dos OGMDH, 2011 Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2011). Passou a ser incluída a “População em situação de rua”, desapareceu a opção “Educação em direitos humanos”, que foi deslocada para outra pergunta, e se deu a opção de “Nenhum dos itens”. “Crianças e adolescentes”, “Idosos” e “Pessoas com deficiência” são as três respostas com maior volume de presença, todas ultrapassam os dois mil municípios. Em 90 201416, já em um novo mandato de prefeitos e vereadores, o número de OGMDH cai no seu total (em relação a 2011, mas não em relação a 2009), mas aumentam as secretarias exclusivas e em conjunto (em relação a 2009 e 2011), o decréscimo vem pela diminuição do tipo, mas com menos autonomia (“setor subordinado a outra secretaria”). O quadro a seguir permite captar como cada forma/possibilidade institucional oscilou nas três edições citadas da MUNIC. Na primeira coluna, tem-se a distribuição de escolhas feitas no ano de 2009. A coluna “ano”, ao lado, apresenta duas linhas de anos (2011 e 2014), que podem ser seguidas, horizontalmente, para saber quais as modificações de uma determinada opção feita em 2009. A diagonal do quadro (cor preta de fundo) oferece a informação dos municípios que não mudaram de forma ao longo do tempo. O que se percebe, com muita facilidade, é que a mudança de forma impera, em detrimento da permanência. Quadro 5: Distribuição dos municípios, por ano, segundo alterações na condição de OGMDH, Brasil, 2009, 2011 e 2014 Ano Não possui estrutura Setor subordinado à outra secretaria Setor subordinado diretamente à chefia do executivo Secretaria municipal em conjunto com outras políticas Secretaria municipal exclusiva Órgão da administração indireta 2011 2352 1563 96 118 23 4 2014 2455 1223 87 289 99 3 2011 237 851 27 63 16 0 2014 568 463 15 104 43 0 2011 31 61 38 7 2 0 2014 67 46 7 14 5 0 2011 2 31 2 20 4 0 2014 16 20 0 17 6 0 2011 0 4 0 3 8 0 2014 3 3 0 5 4 0 2011 1 0 0 0 0 0 2014 0 1 0 0 0 0 Situação em 2009 Não possui estrutura Órgão da administração indireta Secretaria municipal em conjunto com outras políticas Secretaria municipal exclusiva Setor subordinado à outra secretaria Setor subordinado diretamente à chefia do executivo 4157 1 59 15 1194 139 Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2009, 2011 e 2014). Denota-se grande plasticidade institucional no tempo, o que faz, dessas variáveis explicativas, as variáveis que, de forma mais rápida, podem ser alteradas. Para a criação de um OGMDH, basta uma decisão de governo sobre a formação do seu secretariado e órgão de gestão; para alterá-lo, formalmente, é necessário apenas outro ato de governo. Em relação às variáveis de controle, essas são as que estão mais diretamente ligadas à decisão política e de rápida implementação e revisão, sendo um fator importante para a análise dos resultados encontrados. Como demonstrado, no período estudado (2009-2012), os “setores subordinados a outra secretaria” são, em 2011, 2.510 municípios. A MUNIC de 2014 mostra que, na gestão 16 Essa edição foi publicada em conjunto com a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (ESTADIC), do mesmo ano. 91 seguinte ao período estudado nesta tese, o número de municípios sem OGMDH aumentou (passou de 2.623, em 2011, para 3.109 municípios. em 2014), ao mesmo tempo em que aumentaram o número de secretarias exclusivas (53, em 2011, para 157 municípios, em 2014) e de secretarias conjuntas (211, em 2011, para 429 municípios, em 2014). A queda mais expressiva foi, justamente, da mais presente “Setor subordinado a outra secretaria (2.510, em 2011, para 1.756 municípios, em 2014), conforme gráfico a seguir, denotando o momento ímpar do período estudado (maior expansão de OGMDH) e das hipóteses levantadas sobre o tempo e a importância de opções de OGMDH mais autônomas. As outras duas formas com mais autonomia caem, mas não na mesma proporção: “Setor subordinado diretamente à chefia do Executivo” (163 municípios, em 2011, para 109, em 2014) e “Órgão da administração indireta” (4 municípios, em 2011, para 3, em 2014). Gráfico 5: Distribuição dos municípios, por ano, segundo condição de OGMDH, Brasil, 2009, 2011 e 2014 Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2009, 2011 e 2014). Deve-se destacar que muitos desses setores subordinados podem ter relações com duas ou mais áreas englobadas pela secretaria a que se encontram vinculados, como, por exemplo, ser uma “subsecretaria de direitos humanos” de uma “secretaria municipal de saúde, educação e assistência social”. Por esse motivo, o questionário da MUNIC permitiu múltiplas respostas, com esmagadora prevalência da assistência social, nesse universo, conforme o gráfico 6: 92 Gráfico 6: Distribuição dos municípios, segundo área à qual o setor está subordinado, Brasil, 2011 Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2011). Essa forte vinculação entre assistência social e direitos humanos não se dá por acaso, tem forte relação com a própria forma como se organiza a assistência social e sua relação com grupos vulneráveis e em situação de risco, conforme observado a seguir. 3.3 ASSISTÊNCIA SOCIAL NOS SETORES SUBORDINADOS E OS GRUPOS VULNERÁVEIS Não é difícil entender a aproximação dos direitos humanos da área da assistência social; a Lei nº 12.435, de 6 de julho de 201117, que dispõe sobre a organização da assistência social, conceitua a sua atenção básica como: [...] proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade e risco social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários; A “proteção social especial”, por sua vez, se encarrega do enfrentamento das situações de violação de direitos. Ou seja, no campo dos DESC, os direitos humanos e a assistência social têm os mesmos objetivos. Em nível municipal, isso fica mais evidente, pois os municípios não administram a segurança pública nem o sistema carcerário, que englobam 17 Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. 93 políticas públicas muito associadas aos DCP. O próprio relatório da MUNIC de 2011, aventa essa hipótese: Cumpre observar, preliminarmente, que a conceituação de direitos humanos e das ações desenvolvidas e serviços prestados pelo Estado é entendida pela sociedade de uma forma mais ampla e difusa do que o rigor técnico e formal recomendaria. Assim, a análise dos resultados deve considerar queos responsáveis pelas administrações municipais podem ter respondido aos questionamentos sobre as estruturas administrativas de direitos humanos a partir de tal compreensão ampliada desses direitos, referindo-se em parte a estruturas de serviços de amparo e proteção que não tenham sido explicitamente desenhados, tendo como base os princípios de não discriminação, universalidade, interdependência, inter-relação e indivisibilidade característicos de uma política de direitos humanos (IBGE, 2012, p. 84). Como previsível, além dos tipos de direitos, existe superposição também nos públicos específicos de muitas das políticas públicas, definidos em torno da noção de que estejam em contextos de “risco” e/ou “vulnerabilidade social”. O problema é que a política nacional de assistência social emprega esses conceitos sem defini-los: A necessidade de esclarecimento conceitual evidencia-se no uso que os órgãos governamentais fazem destes conceitos, como, por exemplo, o que se constata na Política Nacional de Assistência Social. Essa política, apesar de evoluir em muitos sentidos, não traz uma conceituação de vulnerabilidade social, nem mesmo de risco social, de maneira clara. Até apresenta, muitas vezes, os dois conceitos como sinônimos, gerando confusão no seu emprego [...] (JANCZURA, 2012, p. 302). Ambos os conceitos têm um uso polissêmico em diversas áreas das ciências naturais e humanas (MONTEIRO, 2012); o “risco” se relaciona com situações de perigo, emergências. Para Giddens, o risco pressupõe o perigo, mas o que vai diferenciá-lo é o fato de não permitir total consciência da sua existência (1990, p. 42). A emergência de uma “sociedade de risco”, para os autores da “modernidade reflexiva”, corresponde ao avanço desse risco de difícil controle (BECK; NASCIMENTO, 2011). Entretanto, não é objetivo do presente trabalho refletir sobre essa calculabilidade para o mundo contemporâneo. Já a vulnerabilidade diz respeito aos recursos materiais e imateriais que os indivíduos dispõem para lidar com essas situações, independentemente delas ocorrerem ou não, como bem define Kaufman: A vulnerabilidade é entendida como o desajuste entre ativos e a estrutura de oportunidades, provenientes da capacidade dos atores sociais de aproveitar oportunidades em outros âmbitos socioeconômicos e melhor sua situação, impedindo a deterioração em três principais campos: os recursos pessoais, os recursos de direitos e os recursos em relações sociais (apud MONTEIRO, 2012, p. 33). 94 Quando se fala, neste trabalho, em “grupo vulnerável”, não se identificam os indivíduos do grupo como “portadores” da vulnerabilidade, mas sim os grupos que construíram uma identidade coletiva, reivindicam direitos e políticas públicas e que vivem em contextos de vulnerabilidade social. O conceito de “vulnerabilidade social” foi apropriado da epistemologia, nos anos 1990, para exprimir análises sobre a pobreza que não focassem apenas na dimensão econômica do fenômeno, mas como resultado desta e de uma teia de causalidades, multidimensional e contextual, por definição. É nesse sentido que se opera com a noção de “grupos vulneráveis”, nesta tese (MONTEIRO, 2012). A definição de segmentos que poderiam ser postos entre os grupos vulneráveis é bem extensa. Optou-se, então, por aqueles segmentos que estão mais presentes em dados disponíveis para todos os municípios, ou parte significativa. Por exemplo, evitaram-se dados que se relacionassem à “questão indígena”; não que o tema seja de importância menor, mas porque é geograficamente concentrado: o escopo de decisão de suas principais reivindicações foge ao alcance de ação dos municípios, em geral, e, em muitos casos, os dados estão em conjunto com os outros grupos étnicos raciais; particularmente, o movimento negro. Outro tema que não foi abordado é o das políticas de “verdade” e/ou “reparação”, em relação aos mortos e desaparecidos na ditadura civil militar de 1964. Mais uma vez, o escopo foge muito ao município (embora algumas capitais tenham constituído comissões da verdade) e o tema da memória do período é presente nos dados relativos à “Educação em direitos humanos”. Pode- se citar, também, o exemplo de: ciganos, população de rua e egressos do sistema prisional, como grupos com dados mais escassos e de abrangência nacional relativa. Os dados sobre juventude, com essa terminologia, são escassos, podendo ter sobreposição com os dados sobre “Crianças e adolescentes”. Enfim, os grupos pesquisados são: crianças e adolescentes, racial ou étnico, população LGBT, idosos, pessoas com deficiência e mulheres (políticas de gênero). Para rodar os modelos de regressão, as variáveis de tipos de OGMDH são colocadas todas agrupadas em uma única variável, “OGMDH”, mais a variável “Maduro”, relativa aos OGMDH já existentes em 2009. A variável “Maduro” está presente nos seis modelos de regressão e a variável “OGMDH”, apenas nos três primeiros (tipo 1), que depois é substituída por três outras variáveis de OGMDH. Uma variável relativa a todos os tipos de OGMDH, exceto “Setor subordinado a outra secretaria”, que têm, em comum, maior poder hierárquico e consequente autonomia no desenho institucional da gestão municipal, sendo nomeada como “Autonomia”. As duas variáveis correspondentes aos “Setores subordinados a outra 95 secretaria” são nomeadas de “Subordinado”, com a distinção entre as duas se possui ou não vínculo com a assistência social. O uso da variável “OGMDH” permite testar a validade do desenho institucional dos OGMDH e a importância da existência ou não destes, independentemente do tipo. Em um segundo momento, são rodados os mesmos três modelos, com a substituição da variável “OGMDH” por “Autonomia” (todos os tipos menos os Subordinados), “Setor subordinado vinculado à AS” e “Setor subordinado não vinculado à AS”. A divisão dos subordinados em relação à assistência social permite avaliar sua importância na provisão de políticas públicas em direitos humanos pelos mesmos, além de precisar o impacto da assistência social e das formas mais autônomas de OGMDH. A tabela a seguir apresenta a frequência por município das variáveis de OGMDH: Tabela 1: Distribuição dos municípios, segundo condição do OGMDH, Brasil, 2012 Variável N % OGMDH 2947 53,0 Maduro 1413 25,4 Autonomia 431 7,7 Subordinado vinculado à AS 2445 43,9 Subordinado não vinculado à AS 65 1,2 Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2012). Conforme apresentado, a variável “Subordinado” é a mais expressiva, com superlativa presença dos tipos vinculados à assistência social. A variável “Maduro” é a que possui a maior presença depois de “Subordinado”, valendo apena lembrar que ele contém OGMDH de todos os tipos. Os mais autônomos e subordinados não vinculados à assistência social comparecem com os segmentos menos representados. 3.4 MUNICÍPIO E COMPLEXIDADE DA GESTÃO A forma como se organiza o governo tem forte relação com as atividades que deve desempenhar (FIGUEIREDO, 2004). Em sendo uma federação composta pela União, estados 96 e municípios, é de se esperar que a Constituição Federal delimitasse as competências específicas de cada ente federativo, de forma que não houvesse atribuições difusas de responsabilidades entre os membros da federação (ARRETCHE, 2002); mas foi exatamente o inverso que se deu. O artigo 23, da Constituição Federal de 1988, dispõe sobre as responsabilidades comuns e solidárias dos entes federativos; seu parágrafo único determina que legislação complementar deve fixar as atribuições de cada ente federativo e as formas de custeio. Várias normatizações legais sobre áreas sociais (saúde, educação, assistência social, dentre outros) vêm introduzindo mecanismos de coordenação e definição de fontes de custeio dessas responsabilidades, diminuindo as zonas de indefinição (ABRUCIO; FRANZESE, 2007). Todavia, no casodos direitos humanos, a imprecisão dos papéis dos entes federativos permanece em muitas políticas públicas específicas. Em sendo o ordenamento legal impreciso quanto à competência de cada ente federativo para políticas públicas em direitos humanos, outros critérios se somam para determinar a complexidade da gestão local. É parcimonioso que o grau de complexidade e o tamanho da máquina pública devam guardar alguma correlação com o tamanho da população do município e a complexidade de seus serviços (se predomínio de área rural ou urbana, por exemplo). Um exemplo desse raciocínio é que a Confederação Nacional de Municípios, em uma cartilha direcionada a prefeitos, faz a sugestão de que, em municípios com até 50 mil habitantes, pode-se fazer um bom trabalho com o gabinete do prefeito e mais quatro secretarias: de governo, infraestrutura, educação e cidadania. Esta última seria responsável por: “saúde, desenvolvimento social, meio ambiente, proteção às minorias, atendimento à criança, adolescente e idoso”. Em municípios com até 10 mil habitantes, a sugestão é de que as quatro seriam reduzidas para uma secretaria “de governo”, com as justificativas de reduzir os gastos com pessoal e evitar risco de atividades legalmente deletérias à gestão desses municípios menores. Curioso é que, logo a seguir, cita-se a identificação de uma das causas da proliferação de secretarias e a solução para o problema: O governo federal é useiro e vezeiro em exigir que os Municípios tenham “secretarias” para poder receber recursos. O prefeito pode até criá-las para atender à exigência, mas não precisa provê-las com cargos, carros, telefone, secretários e tudo o mais que a instalação de uma secretaria exige. Não há impedimento legal para que um “SUPER SECRETÁRIO” responda por várias secretarias e, assim, atende-se à exigência sem gastar (CNM, 2012, p. 51-52). 97 A explicação para a elevação do número de secretarias não contempla a realidade endógena e eventuais demandas por um secretariado maior. A explicação da demanda exógena, advinda do governo federal, é verossímil, mas não suficiente para explicar o fenômeno, não cabendo, na abordagem desta tese, responder a tal questão. O importante do relato é a percepção sobre o grau de liberdade na definição do tamanho dos secretariados locais. Em síntese, não há restrições significativas sobre a forma como os governos locais devem se organizar para governar e executar políticas públicas, principalmente, no que tange à formação de seus secretariados e demais órgãos. A seguir, apresentam-se as variáveis de controle, que servem como hipóteses alternativas e complementares ao efeito dos OGMDH, ressaltando que a decisão sobre uma parte muito específica do desenho institucional da gestão municipal, relativa aos direitos humanos, é o componente explicativo mais fácil de ser alterado e modificado em seus efeitos. Nesse sentido, para que sua influência se torne identificável, outros fatores precisam ser cotejados pelo modelo de explicação. 3.5 IMV – ÍNDICE DE MEIOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA GRUPOS VULNERÁVEIS A partir de um levantamento dos dados disponíveis nas MUNIC de 2011 foram levantadas aquelas variáveis que poderiam ser indicadores de políticas públicas para direitos humanos. Prioritariamente, se operou com variáveis de seção “direitos humanos” (MUNIC – 2011), mas, subsidiariamente, utilizaram-se duas perguntas relativas ao tema da parte de educação e habitação. Algumas variáveis não são originalmente dummy (binário: sim/não), mas comportam alguma resposta a mais, como, por exemplo, “não aplicável”. Analisou-se, caso a caso, se a transformação em dummy afetaria os resultados e, via de regra, não se encontrou caso em que se pudesse operar uma mudança de resultado significativa na transformação da variável em dummy. Por fim, chegou-se a um índice com 38 itens, com Alpha de Cronbach de 0,852, onde a exclusão de nenhum item melhoraria o indicador. Os grupos vulneráveis são divididos em: criança e adolescente; idosos, pessoas com deficiência; mulheres (gênero); racial e LGBT. A estratégia de trabalhar com um índice 98 sintético, agregando todos os grupos vulneráveis, advém da desigual disponibilidade de dados sobre cada um deles. Um pressuposto, que está implícito na construção do índice de agregação de diferentes grupos vulneráveis, mas que não pode ser verificado nesta pesquisa, é que a maior oferta de políticas públicas, para um grupo de vulneráveis, pode significar, em alguma escala de tempo, sensibilização e estímulo para a ampliação de demandas e a promoção de políticas para outros grupos. A seguir, o exame dos componentes de cada grupo do indicador. Quadro 6: Componente do IMV – Crianças e Adolescentes Ano Bloco na Munic Variável Descrição Dummy na munic? Medidas de: A493 Enfrentamento à Violência Letal contra Crianças e Adolescentes Não A496 Enfrentamento ao Trabalho Infantil Não A497 Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes Não A498 Enfrentamento ao Turismo Sexual com Crianças e Adolescentes Não A494 Lazer para Crianças e Adolescentes Não A495 Amparo a Crianças e Adolescentes Desabrigados Não A499 Atendimento às Crianças e Adolescentes com Deficiência Não A500 Atendimento às Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte Não A508 Plano Municipal de Atendimento Socio-educativo Sim 2011 Direitos Humanos Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012). É o segundo grupo mais expressivo dentro do indicador com nove itens; deve-se grifar a presença de temas relativos aos direitos civis de crianças e adolescentes, seja daquele que cumpre medidas socioeducativas, quanto do que é vítima de algum tipo de violência. 99 Quadro 7: Componente do IMV – Deficientes Ano Bloco na Munic Variável Descrição Dummy na munic? A511 Medidas de garantia/melhoria da Acessibilidade a Espaços Públicos de Esporte e Lazer para Portadores de Deficiência Não A512 Medidas de Garantia/melhoria da Acessibilidade ao Transporte Público para Portadores de Deficiência Não A513 Medidas de Distribuição de Órteses e Próteses para Portadores de Deficiência Não A514 Medidas de Geração de Trabalho e Renda ou Inserção no Mercado de Trabalho para Portadores de Deficiência Não A525 Adaptação de Espaços Culturais, Artísticos e Desportivos para Facilitar o Ingresso, Locomoção e Acomodação de Pessoas com Deficiência ou Mobilidade Reduzida Sim A528 Lei Municipal que Assegura o Ingresso de Cães-guia para Pessoas com Deficiência Visual em Espaços Culturais, Artísticos e Desportivos Sim A527 Lei Municipal de Cotas para Pessoas com Deficiência no Mercado de trabalho Sim Habitação A255 Levantamento de demanda habitacional com identificação de pessoas com deficiência Não A187 Legislação sobre Escolas Aptas a Receber Pessoas com Deficiência na Rede Municipal - existência Sim A165 Medidas para aumentar número de itens de acessibilidade nas escolas Sim A167 Existência da formação continuada de professores na educação especial Sim 2011 Direitos Humanos Educação Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012). É o maior grupo dentro do indicador com 11 itens, deve-se grifar a presença de temas relativos aos direitos, acessibilidade e adaptação de espaços. Quadro 8: Componente do IMV – Idosos Ano Bloco na Munic Variável Descrição Dummy na munic? A517 Medidas de Enfrentamento à Violência contra o Idoso Não A518 Medidas de Promoção de Saúde do Idoso Não A520 Garantia/melhoria de acessibilidade de transporte público para idoso. Não A519 Medidas de Garantia/melhoria de Acessibilidade a Espaços Públicos de Esporte e Lazer ao Idoso Não A526 Lei Municipal de Concessão de Meia-entrada para Maiores de 65 Anos nos Espetáculos Culturais, Artísticos e Eventos Desportivos Promovidos ou Subsidiados pela administração direta e/ouindireta Não A521 Medidas para Capacitar Cuidadores de Idosos Não Habitação A252 Levantamento de demanda habitacional com Identificação de Idosos Não Direitos Humanos2011 Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012). É o quarto maior grupo do índice, mas, levando em consideração que, no grupo LGBT, três perguntas se referem à existência de leis, esse quarto lugar pode ser relativizado. Embora seja pequeno o número de perguntas, elas remetem tanto à DCP, quanto à DESC. 100 Quadro 9: Componente do IMV – Mulheres (gênero) Ano Bloco na Munic Variável Descrição Dummy na munic? Habitação A254 Levantamento de demanda habitacional com Identificação de Mulheres Chefes de Família Não Educação A190 Existência na rede municipal de ensino de capacitação de professores sobre Gênero Sim 2011 Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012). Uma hipótese que se pode aventar é que a menor porção de perguntas presentes nessa MUNIC, relativas a esse grupo, se deve ao caso de não se repetir a secção relativa à política para mulheres, presente na MUNIC de 2009. Esses dados de 2009 não foram usados, pois não permitiriam o confronto estatístico com dados de OGMDH só registrados em 2009. Resumindo, não foram utilizados esses dados, pois o efeito teria antecedência a uma das possíveis causas. Quadro 10: Componente do IMV – Racial Ano Bloco na Munic Variável Descrição Dummy na munic? Direitos Humanos A 490 Programas ou ações de Promoção da Igualdade Racial Sim Educação A191 Existência na rede municipal de ensino de capacitação de professores sobre Raça e Etnia Sim Habitação A253 Levantamento de demanda habitacional com Identificação de Pessoas por Raça/etnia Negra o Indígena Não 2011 Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012). Conforme mencionado no capítulo anterior, existem perguntas que fazem menção à questão indígena e outras questões, entendendo-se por bem agrupá-las para que compusessem um mesmo grupo. A primeira pergunta é de uma abrangência suprema, enquanto as outras duas, advindas de partes diferentes da MUNIC, particularizam-se em dois temas específicos. 101 Quadro 11: Componente do IMV – LGBT Ano Bloco na Munic Variável Descrição Dummy na munic? A192 Programas ou ações para Enfrentar Violência contra LGBT Sim A529 Lei Municipal que Combate a Discriminação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais Sim A530 Lei Municipal de Reconhecimento de Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais Sim A531 Lei Municipal de Reconhecimento de Nome Social Adotado por Travestis e Transexuais Sim A191 Existência na rede municipal de ensino de capacitação de professores sobre Educação Sexual. Sim A170 Medidas para manutenção de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais nas escolas Sim 2011 Direitos Humanos Educação Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012). Grupo com uma presença expressiva de perguntas relacionadas a se evitar que haja violação da integridade física e que tenha a garantia de reconhecimento social, por meio da existência de leis e medidas locais. A inclusão da pergunta sobre a “existência na rede municipal de ensino de capacitação de professores sobre “Educação Sexual” é um tanto o quanto arbitrária. Levou-se em consideração que o grupo de mulheres já possui uma pergunta sobre educação de gênero e que essa seria a melhor pergunta relacionada ao tema da orientação sexual. 3.6 ÍNDICES PARA GRUPOS VULNERÁVEIS DESCARTADOS Foi estudada a possibilidade de um índice específico para assistência social. Apenas no caso da seção “assistência social” (MUNIC 2012) não se incluíram essas variáveis, pois envolviam uma classificação própria do SUAS, Sistema Único de Assistência Social, em baixa (proteção básica), média complexidade (proteção especial) e alta complexidade; onde a opção que informa a não aplicabilidade está relacionada a essa classificação. Estudou-se a possibilidade de um índice só com a atenção básica da assistência social; mesmo nesse caso. existem municípios, para os quais a variável é “não aplicável”. Nesse caso, rejeitou-se a transformação em variável dummy e desistiu-se da criação do índice. 102 Outro índice específico, que poderia ter sido criado, é o de acessibilidade do prédio da prefeitura. Com treze itens, o índice alcançou um espetacular coeficiente Alpha de Cronbach de 0,997. Todavia, o indicador foi recusado por uma questão anterior a sua consistência estatística. As condições de acessibilidade do prédio da prefeitura não, necessariamente, se relacionam com uma política pública deliberada do governo, que possui ou não um OGMDH. Ela pode ter sido “herdada” de outra gestão, que tenha reformado o prédio. Não sendo, portanto, uma escolha de governo. Não parece factível que algum governo mande retirar as condições de acessibilidade do prédio da prefeitura, por se tratar de uma administração anterior. Mas que isso pode mesmo ser um resultado contingente da escolha de um prédio alugado que, por acaso, tenha ou não essas condições de acessibilidade. 3.7 IMU – ÍNDICE DE MEIOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS UNIVERSAIS A dinâmica seguida para constituição do IMU foi a mesma que a do IMV. As diferenças ficam pelo uso de um número maior de variáveis da MUNIC 2012. Inicialmente, foram selecionadas trinta e duas variáveis e um coeficiente Alpha de Cronbach de 0,695. Com a exclusão dos itens que poderiam melhorar o índice, chegou-se a vinte e oito itens com coeficiente de 0,713. Procurou-se classificar esses itens pela divisão clássica entre: DCP e DESC, especificando a que tipo de direito específico o item se refere. Questões ambientais foram classificadas como parte dos DESC, embora, como vistos, são tidos como direitos de terceira geração. Não há nada inesperado na maior presença de direitos civis do que políticos nos DCP. Menos surpresa ainda para a prevalência de DESC sobre DCP. Direitos relacionados à liberdade de organização e expressão estão resguardados na Constituição Federal e nas garantias jurídicas, restando margens estreitas para políticas públicas locais. Em relação aos DESC, é nas políticas sociais e de assistência social que o município vem se destacando como ente federativo mais próximo ao cidadão. Além disso, o repertório de variáveis é afetado pela possibilidade de disponibilidade dos dados a partir da inclusão ou não de um tema nas diversas edições da MUNIC. Algo expresso, no exemplo, de perguntas sobre políticas para mulheres, nas MUNIC de 2009 e 2011. Lembrando que o IMU só é utilizado como resultado agregado de seus itens. A seguir, o quadro das variáveis escolhidas. 103 Quadro 12: Componente do IMU – Político e/ou Informação Ano Bloco na Munic Variável Direito Variável Dummy na munic? 2011 Direitos Humanos A489 DCP - Político e Informação. Existência na rede municipal de ensino de capacitação de professores sobre Educação em direitos humanos Sim A116 DCP - Político e Informação. A página da prefeitura, na internet, tem disponibilizado acesso à ouvidoria e serviços de atendimento ao cidadão. Não A110 A página na internet da prefeitura (situação) Não A127 A prefeitura desenvolve política ou plano de inclusão digital Sim A127 A prefeitura desenvolve política ou plano de inclusão digital Não A140 A prefeitura garante no município acesso através de conexão via Wi-Fi (internet sem fio) Sim 2012 Informática DCP – Informação Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2013). A existência de ouvidorias e a capacitação de professores foram consideradas como informativos, pois podem propiciar demandas relativas a direitos. As demais perguntas se relacionam com o tema da inclusão digital e da disponibilidade de acesso a informações na Internet; medidas básicas para que se caminhe, por exemplo, para mais experiências de “e- gov”, com maiortransparência e participação por meio de possibilidades virtuais. Quadro 13: Componente do IMU – Civil Ano Bloco na Munic Variável Direito Descrição A488 Programa ou ações de proteção de pessoas ameaçadas de morte A483 Programa e ações de combate ao trabalho forçado A484 Programa ou ações de combate ao sub-registro civil de nascimento A168 Medidas de combate à discriminação nas escolas A169 Medidas de combate à violência nas escolas 2011 Direitos Humanos Educação DCP Civil DCP Civil Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012). As ações voltadas para o combate ao sub-registros de nascidos vivos são pedra angular para que o cidadão exerça seus direitos e possa, por exemplo, ser alvo de “buscas ativas” de programas sociais. As quatro demais perguntas giram em torno da integridade física, combate à discriminação e trabalho forçado, temas clássicos dos direitos civis. 104 Quadro 14: Componente do IMU – Ambiental Ano Direito Bloco na Munic Variável Descrição Dummy na munic? Habitação A335 Plano Municipal de Redução de Riscos (lei 11445/2007 – diretrizes para saneamento básico) Sim A460 Legislação que trate de coleta seletiva de lixo Sim A355 Plano municipal de saneamento básico Sim 2012 Meio Ambiente A494 Plano de Contingência ou Emergência para casos de desastres ambientais Sim 2011 Saneamento DESC -Ambiental Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012). Na parte de ambiental, incluíram-se as questões relativas a saneamento e coleta de lixo. Há algo de arbitrário nessa escolha, pois poderiam estar na parte relativa à saúde, mas tal opção diz respeito ao fato de que suas externalidades vão além da saúde de uma população específica, com alcances mais difusos. Deve-se destacar a presença de uma pergunta sobre desastres ambientais, tema que, com relativa frequência, ocupa o noticiário e está diretamente associado à administração de cidades. Quadro 15: Componente do IMU – Social, Educação e Cultura Ano Direito Parte da Munic Variável Descrição Dummy na munic? 2011 A257 Levantamento de demanda habitacional de dependentes por família Não 2011 A256 Levantamento de demanda habitacional por renda per capita Não 2011 Direitos Humanos A487 Programa de Reinserção de Egressos do Sistema Prisional Sim 2012 DESC – Cultura Cultura A171 Legislação municipal de proteção ao patrimônio cultural Sim 2012 DESC – Social Transportes A153 Existência de plano municipal de transportes Sim DESC – Social Habitação Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012 e 2013). Nessa parte, optou-se por colocar as perguntas sobre políticas públicas relativas a planos municipais identificadas com direitos sociais, bem como a questão mais universalista sobre cadastro habitacional, além de uma pergunta sobre patrimônio cultural. A pergunta sobre egressos do sistema prisional pode gerar dúvidas se não pertenceria à parte de grupos vulneráveis. Parece evidente que a condição de egresso do sistema prisional comporta vulnerabilidades, mas não há uma identidade coletiva, expressa em movimentos sociais, em torno da questão; inclusive porque, para pertencer a ela, basta ter passado pelo sistema penitenciário, ou seja, qualquer adulto pode se enquadrar, satisfeita a condição. Para a classificação no IMU, foi considerado que grupos vulneráveis têm discussões sobre população carcerária e a vulnerabilidade de seus grupos, especialmente movimentos de gênero e de 105 igualdade racial. Ou seja, para fins dessa classificação, entendeu-se que egresso do sistema prisional era uma classificação (mais) universalista (qualquer egresso) e que poderiam existir outras perguntas sobre grupos vulneráveis e sua condição de egresso do sistema prisional (por exemplo: idosos, pessoas com deficiência, LGBT, gênero e/ou racial). Quadro 16: Componente do IMU – Econômico Ano Direito Parte da Munic Variável Descrição Dummy na munic? A334 Ações voltadas para associativismo e microcrédito Não A332 Ações voltadas para qualificação profissional e intermediação de mão de obra Não A333 Ações voltadas para empreendimentos Não 2012 DESC – Econômico A. Social Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2013). Nessa parte, foram incluídas três perguntas diretamente ligadas à geração de renda e ao microcrédito. Quadro 17: Componente do IMU – Saúde Ano Direito Bloco na Munic Variável Descrição Dummy na munic? 2011 Saúde A211 Plano Municipal de saúde Sim A346 Lei municipal de segurança alimentar e nutricional Não A357 Câmara ou instância governamental intersetorial de segurança alimentar e nutricional (decreto 7.272/2010) Sim A370 Plano de segurança alimentar e nutricional Sim 2012 DESC – Saúde Seg. Alimentar Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012 e 2013). Optou-se por agregar duas perguntas gerais sobre saúde com segurança alimentar, dada a relação intrínseca entre as duas áreas. 3.8 HARMONIZAÇÃO DE PESOS INTERNOS DO IMV E IMU Não é difícil perceber que há uma desproporção na composição das partes componentes, tanto do IMV, quanto do IMU, algumas comparecem com apenas duas 106 respostas das políticas públicas e outras, com muito mais elementos. Para dar conta dessa desproporção, foi obtida uma média dentro de cada parte do indicador e, depois, uma média geral, que se torna o índice. Dessa forma, se uma parte do índice tinha duas perguntas e outra, oito perguntas, caso fosse feita a simples agregação de unidades, esta seria quatro vezes maior do que a que comparece com duas perguntas. A partir dessa composição de médias, ambas têm o mesmo peso no indicador. A seguir, os histogramas de IMV e IMU. Gráfico7: Histograma de IMV Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012). 107 Gráfico 8: Histograma de IMU Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012 e 2013). Os dois indicadores se aproximam de uma curva normal, apenas com algumas assimetrias bastante razoáveis. Optou-se por não realizar mais transformações buscando padrões simétricos, o que dificultaria o caráter intuitivo do indicador. A seguir, a terceira variável resposta. 3.9 ALOCAÇÃO DE RECURSOS EM SUBFUNÇÕES SELECIONADAS Um indicador de processos em políticas públicas é o de “Alocação de recursos (AR)”. Evidentemente que não há relação imediata do tamanho do gasto com a qualidade das políticas públicas, mas, para o objetivo deste trabalho, era importante separar a parte do orçamento dos municípios que se relacionam mais diretamente com os direitos humanos (independentemente da origem das receitas). Na contabilidade pública, os três níveis de governo adotam a classificação em funções e subfunções, para especificar em que área alguma ação de um governo vai ser realizada e seu recurso específico. A classificação em vigor, para os três níveis de governo, é a normatizada 108 pela Portaria no 42, de 14 de abril de 1999, do antigo Ministério do Orçamento e Gestão (MOG). A subfunção trata-se de um nível de agregação imediatamente inferior à função, que, diferente desta, não está relacionada à competência institucional do órgão, mas sim à finalidade da ação governamental em si. Considera-se, neste trabalho, que as duas funções mais relacionadas com as políticas públicas de direitos humanos são “Assistência Social” e “Direitos da Cidadania”. A função “Assistência Social” é composta pelas subfunções: “Assistência ao Idoso”; “Assistência ao Portador de Deficiência”; “Assistência à Criança e ao Adolescente”; “Assistência Comunitária”. A função “Direitos da Cidadania” se divide em: “Custódia e Reintegração Social”; “Direitos Individuais, Coletivos e Difusos”; “Assistência aos Povos Indígenas”. Nos dados do FINBRA (Finanças do Brasil), constam as subfunções: “Outras despesas na função Assistência Social” e “Outras despesas na função Direitos da Cidadania”.Para fins deste trabalho, excluíram-se os valores relativos à subfunção “Outras despesas na função Assistência Social” e manteve-se a mesma subfunção em relação a Direitos da Cidadania, por se tratar da função por excelência dos direitos humanos. A escolha da Assistência Social deu-se pela quantidade de OGMDH que são setores subordinados a ela e a exclusão da subfunção “Outras despesas”, no caso da Assistência Social, ocorre pelo risco de corresponder a gastos que, em nada, dizem respeito a direitos humanos. Na função “Direitos da Cidadania”, tal possibilidade é menor, por isso, foram mantidos os valores dessa subfunção. Pela “Lei de Responsabilidade Fiscal”, a União deve promover, até o dia 30 de junho de cada ano, a consolidação das contas das unidades federativas do exercício anterior e divulgá-las; os municípios devem enviar suas contas até 30 de abril. A Secretaria do Tesouro Nacional concentra esses dados sobre estados, municípios e Distrito Federal e, em termos práticos, parte significativa dos municípios envia seus dados depois do prazo previsto em lei. Esse fluxo de dados gera sucessivas atualizações e, mesmo assim, ocorreram casos de municípios que não enviam os dados relativos aos quatro anos de exercício do mandato. O gráfico a seguir mostra o grau de cobertura dos quatro anos estudados, com atualização em 14/01/2014. 109 Gráfico 9: Grau de cobertura FINBRA, de 2009 a 2012 Fonte: o autor, com base em dados do FINBRA. Para lidar com essa característica da apresentação dos dados, optou-se por somar os valores apresentados, por cada município, no intervalo de 2009 a 2012, nas funções selecionadas, e dividir pelo número de anos em que apresentou suas contas. Por exemplo, se o município só tem dados disponíveis para dois anos, somaram-se esses valores e dividiu-se por dois. 25 municípios não apresentaram prestação de contas em nenhum dos anos do período; 29, em apenas um ano; 95, em dois anos; 302, em três anos, e os demais 5.112 apresentaram nos quatro anos. Dessa forma, acredita-se que a média dos anos com dados válidos apresenta perda de informação pouco relevante. Nos dados até 2012, os relatórios do FINBRA possuíam uma metodologia de exposição; a partir de 2013, ela foi modificada para permitir um acompanhamento mais minucioso do que foi efetivamente gasto e em que funções. Nos relatórios até 2012, só é possível ver os registros, por funções e subfunções do orçamento empenhado, sem a certeza de que o gasto foi efetivo. Em consulta ao “fale conosco”, em 11/08/2016, foi feita a consulta sobre a veracidade desse raciocínio, que foi prontamente respondida, em 30/08/2016, eentre outros esclarecimentos, nos seguintes termos: 110 Conforme os informes gerais sobre a pesquisa dos dados acima, para esse período de 2009 a 2012, não é possível saber com exatidão quais os montantes efetivamente pagos para cada função ou subfunção. O valor mais próximo disponível no Siconfi é da despesa liquidada. Sugerimos a pesquisa nas páginas dos tribunais de contas competentes na Internet, que podem ter disponíveis os valores efetivamente pagos para cada função e subfunção. A perspectiva de visitar os sites de todos os tribunais de conta estaduais e as múltiplas possibilidades de diferentes resultados serem encontrados tornou essa possibilidade algo descartado no trabalho de investigação. Considerou-se que apenas o empenho do gasto é um indicador satisfatório (não o melhor) para os fins deste trabalho; ou seja, verificar o impacto da existência de OGMDH na provisão de políticas públicas. Evidente que outras funções colaboram com o gasto mais geral em políticas públicas, que podem ser relacionadas com direitos humanos e que o melhor indicador seria o gasto efetivo. Parcimoniosamente, fica-se com o que é possível e mais viável. A ideia inicial era viabilizar regressões distintas para cada função e subfunção. Infelizmente, 4.788 municípios apresentam empenho de gastos em “Direitos da Cidadania” igual a zero, o que, por si só, já denuncia o quanto as políticas públicas em direitos humanos são atrofiadas e dependentes de outras pastas para se viabilizar. Em termos estatísticos, a função “Direitos da Cidadania” é um evento relativamente raro demais para ser a variável resposta de uma regressão linear. A solução para equacionar essa questão foi somar todos os valores de “Assistência Social” e “Direitos da Cidadania”, convencionando-se o nome de “Alocação de Recursos” (AR) para essa variável. Tomou-se a decisão de trabalhar com os municípios que possuem algum orçamento alocado nas funções citadas. Ocorre que, mesmo com a soma de valores advindos da assistência social e direitos da cidadania, ainda existiam 24 municípios no total. Destes, 11 não possuem OGMDH, 12 são setor subordinado e uma secretaria municipal em conjunto com outra. Tal decisão corrigiu, sensivelmente, o papel dos OGMDH em relação à alocação de recursos, como se verá nos resultados. Por fim, para não perder o caráter intuitivo e, ao mesmo tempo, amenizar as distorções de distribuições dos valores da variável, optou-se por trabalhar com o valor per capita de AR. A seguir, histogramas da distribuição de AR (per capita). 111 Gráfico 10: Histograma de AR Fonte: o autor, com base em dados do FINBRA. O resultado ainda guarda assimetria, porém optou-se por mantê-lo, tendo em vista a maior intuitividade da leitura dos resultados. Os testes feitos com o uso de logaritmo, nessa variável, melhoram os resultados dos modelos da mesma, mas não alteraram os resultados substantivos para as hipóteses desta tese. Nesse sentido, preferiu-se um modelo de mais fácil percepção. 3.10 VARIÁVEIS DE CONTROLE Varáveis de controle são aquelas não relacionadas com as hipóteses de interesse, mas que apresentam efeito sobre as variáveis explicativas e resposta de um modelo. Elas representam importantes fatores intervenientes nos efeitos das variáveis deste estudo e precisam ser “filtradas”, para que se tenha o efeito líquido, preciso, das variáveis. Em uma equação de regressão, elas desempenham esse papel (CHATTERJEE; HADI, 2015). Na ausência de uma literatura de regressões de políticas públicas em direitos humanos, que dê conta das especificidades do arranjo institucional brasileiro, subsidiariamente, 112 recorreu-se à literatura mais geral de políticas públicas e/ou indicadores sociais. As variáveis selecionadas foram: tamanho da população, taxa de urbanização e regiões do Brasil, examinadas a seguir, na ordem mencionada. 3.10.1 Tamanho da população Há grandes diferenças de tamanho de população nos mais de cinco mil municípios brasileiros, sendo uma referência importante para o estabelecimento do grau de disparidade da gestão pública local. Conforme o gráfico a seguir, tem-se um número de 3.895 municípios, com até vinte mil habitantes; 287 cidades, com mais de cem mil habitantes; e, na condição intermediária, 1.054 municípios. Ou seja, realidades muito diversas. Gráfico 11: Distribuição dos municípios, segundo porte populacional, Brasil, 2012 Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2013). A dinâmica demográfica brasileira tem suas origens na ocupação do litoral e posterior interiorização. Os diversos estímulos e dinâmicas da economia favoreceram a formação de adensamentos populacionais e as possibilidades de exercício da cidadania (DE CASTRO, 2003, p. 9): O espaço brasileiro é marcado por fortes disparidades: de povoamento, de atividades produtivas, de distribuição de renda, de educação, de equipamentos sociais etc., além de ser recortado em unidades federativas – estados e municípios – de tamanhos muito variados. Esta diferenciação existe também em relação à disponibilidade de equipamentos sociais à disposição da sociedade e em relação às características dos espaçospolíticos que reúnem as condições essenciais para que a cidadania seja exercida. 113 Entre a primeira metade do século XX e os anos 1960, o país passou pela mais rápida urbanização conhecida até então. A rápida elevação da população brasileira, entre 1940 e 2005, só é contrastada com a recente queda da taxa de fecundidade e seu impacto sobre a pirâmide etária, com redução dos jovens e maior expectativa de vida (BRITO, 2008). Todos esses aspectos têm impacto na dinâmica local de políticas públicas (PAIVA; WAJNMAN, 2005) e são relevantes na composição de orçamento e estrutura de programas. As diferenças de tamanho da população são um resultado elementar dessas dinâmicas, mas não o único fator. Para lidar com a desproporção de tamanho populacional entre municípios, testou-se, em um primeiro momento, a possibilidade do uso de logaritmo, mas, depois, utilizaram-se variáveis dummies (quatro ao total), para diferentes portes de municípios, conforme quadro abaixo: Tabela 2: Divisão da população por porte Municípios População Porte 1 3.914 Até 20.000 Porte 2 1.043 20.001 - 50.000 Porte 3 35 50.001 -100.000 Porte 4 283 Mais que 100.000 Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012). Tal opção permite um olhar mais diferenciado para os municípios agrupados pela realidade do seu tamanho populacional, com resultados de inferência mais intuitiva do que se fosse usada a transformação por logaritmo. 3.10.2 Taxa de urbanização Outro fator que deve ser considerado é a taxa de urbanização, que corresponde à porcentagem da população urbana sobre a total. Conforme o gráfico seguinte, o que se tem é uma distribuição bem próxima de uma normal, excetuando os 350 municípios com taxa zero, ou seja, ausência de população urbana. 114 Gráfico 12: Histograma da taxa de urbanização Fonte: o autor. Dois municípios podem ter o mesmo número de habitantes e taxas muito divergentes de urbanização, o que se reflete nas suas atividades econômicas, perfil da população e demandas por serviços públicos. Um ambiente mais urbano tem uma dinâmica política mais ligada a aspectos da modernidade; embora a expansão e a modernização das atividades econômicas do campo favoreçam a uma relativização das diferenças campo-cidade, a diferenciação ainda é muito expressiva para a população rural brasileira. Os conflitos em torno da propriedade rural e as denúncias constantes de trabalho escravo e/ou infantil são mais agudos no campo. A literatura de ciência política, classicamente, entende a existência de patrimonialismo e clientelismo, no meio rural e oligárquico, e a maior demanda por bens públicos, relacionada aos contextos de modernização e urbanização (LEAL, 2012). Estudos mais contemporâneos complexificam as combinações de cenários em que se pode dar a política oligárquica e clientelista (LEAL, 2012); todavia, a urbanização e o desenvolvimento econômico ainda são uma variável das mais relevantes, combinada a outros fatores, como a competição eleitoral (BORGES, 2010). “Nas localidades que, ao contrário, ostentam níveis mais elevados de renda e urbanização, o eleitorado demanda bens e serviços públicos de melhor qualidade.” (MELO; SOUZA; DE SOUSA BONFIM, 2015, p. 678) 115 3.10.3 Regiões do Brasil As regiões do Brasil revelam profundas diferenças sociais e econômicas. Um grupo de munícipios que participa de um contexto de proximidade, com vantagens e desvantagens para seu desenvolvimento econômico, social e político, deve ser levado em consideração. Essa distinção pode ser feita em muitos níveis (mesorregiões e estados, por exemplo), mas optou- se por regiões, por oferecerem um panorama mais macroscópico e terem possibilidade de investigação sistemática de seus dados. Indicadores de renda, escolaridade e atividade econômica, dentre outros, denotam disparidades regionais marcantes no Brasil (NETO, 2009). Além das referências sociodemográficas, outros fatores relacionados à máquina pública local podem se relacionar à provisão de políticas públicas, como se vê a seguir. No gráfico abaixo, verifica-se que as regiões com mais municípios são Nordeste e Sudeste, devendo tal fato, em parte, às respectivas dinâmicas, com populações numerosas, fazendo com que houvesse divisões de municípios. Já na região Norte (que possui a menor quantidade de municípios), os municípios têm uma extensão territorial bem grande e consequente espalhamento populacional. Gráfico 13: Distribuição dos municípios por regiões geográficas Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012). 116 3.11 HIPÓTESES SUBSTANTIVAS (ELEMENTOS INSTITUCIONAIS ADICIONAIS) Corresponde àquelas variáveis que devem ser controladas para melhor aferição dos efeitos dos OGMDH sobre políticas públicas em direitos humanos, que se originam de contribuições teóricas mais substantivas da ciência política e áreas afins. Nesta tese, elas podem ser subdivididas em dois tipos: as institucionais e as político-partidárias. 3.11.1. Capacidade administrativa Uma primeira tentativa pensada foi usar um indicador de gestão existente: o IDG – Índice de Descentralização da Gestão, utilizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social para o Programa Bolsa Família, pela sua abrangência nacional, atualização de dados e crescente importância no campo das políticas públicas. Demoveu-se a ideia de uso desse indicador por ele favorecer municípios com populações menores, em detrimento aos de maior população. Sua função é bem específica: a de monitorar a capacidade dos municípios de atualizar os dados de cadastro e condicionalidades do programa Bolsa Família (ESTRELLA; RIBEIRO, 2008). Um efeito disso é que um município como São Paulo tem resultados muito inferiores (0,7), por exemplo, em relação a municípios pequenos do Vale do Jequitinhonha, MG, esse indicador oscila em torno de 0,9, dependendo do período e do município em questão. Resumindo, o indicador é mais alto em um município muito pobre, mas pequeno e organizado o suficiente para pontuar alto nas condicionalidades do programa Bolsa Família; já um município como São Paulo tem mais dificuldade de pontuar. A lógica é válida para o programa citado, mas não enfoca o que se pretende para o controle das condições mínimas de atuação da burocracia local. O tamanho do funcionalismo local poderia ser outro indicador, mas esse número pode ser mal dimensionado entre setores de políticas públicas diferentes. Além disso, maior número de funcionários não se traduz, automaticamente, em maior capacidade operacional, provavelmente, reflete o contrário. No que tange a recursos humanos, entre os três níveis da federação, o funcionalismo municipal é o que possui piores resultados em termos de: qualificação, tempo no emprego, salários “e ainda são os principais encarregados em executar 117 as políticas descentralizadas” (PIZZOLATO, 2014, p. 36); sem mencionar que os resultados da ação do município nem sempre correspondem à atuação de seu funcionalismo. Têm-se, em mente, processos de terceirização de funções, uso de consultores externos, bem como a contratação de entidades privadas, nas chamadas parcerias-público-privadas. Um indicador que lidasse com essa dimensão de terceirizações e parcerias também não seria garantia de aumento da “capacidade administrativa” (BRITO, 2005; ALVARENGA, 2005; KISSLER; HEIDEMANN, 2006). As possibilidades de diferenças de capacidades operacionais de diversos setores para execução de políticas públicas orientaram a decisão, neste trabalho, para a busca de um indicador mínimo da capacidade do município; não relativo, obrigatoriamente, ao seu gestor no período, mas característico das capacidades administrativas. Nesse sentido, deve denotar desenvolvimento de recursos administrativos, independentemente do apoio de entidades privadas, ou não, atender a17 Estrutura da tese................................................................................................................. 20 1 DIREITOS HUMANOS: CONCEPÇÃO E INSTITUIÇÕES ............. 21 1.1 A TRAJETÓRIA HETEROGÊNEA DO FENÕMIENO DOS DH............................ 21 1.2 DIFERENTES POSIÇÕES....................................................................................... 24 1.3 ESTADOS E DIREITOS HUMANOS...................................................................... 30 1.4 INSTITUIÇÕES DOMÉSTICAS.............................................................................. 33 1.5 A COORDENAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL.............................. 37 2 CTP COMO EXPLICAÇÃO DOS EFEITOS DOS OGMDH.............. 42 2.1 INSTITUCIONALISMOS, RACIONALIDADE E CTP......................................... 45 2.1.1 Institucionalismos e NEI.......................................................................................... 45 2.1.2 Racionalidade........................................................................................................... 51 2.1.3 A NEI e os Custos de Transação............................................................................. 55 2.1.4 Governança, hierarquia e desenho institucional..................................................... 57 2.1.5 Custos de Transação Políticos..................................................................... 60 2.1.6 Maturação das transações e compromissos........................................................... 64 2.1.7 Gasto público e municípios...................................................................................... 65 2.1.8 Grupos vulneráveis e CTP...................................................................................... 68 2.2 ELEMENTOS INSTITUCIONAIS ADICIONAIS.................................................. 70 2.2.1 Executivos e provisão de políticas públicas............................................................ 70 2.2.2 Participação local...................................................................................................... 73 2.2.3 Capacidade administrativa..................................................................................... 75 2.3 CRÍTICA DA TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA................................................. 77 2.4 ESTUDOS ANTECEDENTES................................................................................... 81 2.4.1 Estudo do IBAM sobre prefeituras e direitos humanos........................................... 81 2.4.2 Estudo quantitativo com órgãos gestores municipais do CE................................... 82 3 VARIÁVEIS DOS MODELO.................................................................. 85 3.1 FONTE DOS DADOS................................................................................................. 87 3.2 OGMDH NAS MUNIC.............................................................................................. 87 3.3 ASSISTÊNCIA SOCIAL NOS SETORES SUBORDINADOS E OS GRUPOS VULNERÁVEIS............................................................................................................... 92 3.4 MUNICÍPIO E COMPLEXIDADE DA GESTÃO................................................... 95 3.5 IMV – ÍNDICE DE MEIOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA GRUPOS VULNERÁVEIS............................................................................................................... 97 3.6 ÍNDICES PARA GRUPOS VULNERÁVEIS DESCARTADOS............................... 101 ronal Destacar 3.7 IMU – ÍNDICE DE MEIOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS UNIVERSAIS................ 102 3.8 HARMONIZAÇÃO DE PESOS INTERNOS DO IMV E IMU............................... 105 3.9 ALOCAÇÃO DE RECURSOS EM SUBFUNÇÕES SELECIONADAS.................. 107 3.10 VARIÁVEIS DE CONTROLE................................................................................ 111 3.10.1 Tamanho da população......................................................................................... 112 3.10.2 Taxa de urbanização............................................................................................. 113 3.10.3 Regiões do Brasil.................................................................................................... 115 3.11 HIPÓTESES SUBSTANTIVAS (ELEMENTOS INSTITUCIONAIS ADICIONAIS)................................................................................................................... 116 3.11.1. Capacidade administrativa.................................................................................. 116 3.11.2 Secretarias exclusivas de assistência social sem a presença de OGMDH.............. 119 3.11.3 Participação local.................................................................................................. 120 3.11.4 Pertencimento ao partido do Executivo federal................................................... 123 3.11.5 Proximidade partidária com o Executivo federal................................................... 123 4 CARACTERIZAÇÃO DOS MODELOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS........................................................................................ 125 4.1 VARIÁVEIS E MODELOS....................................................................................... 126 4.2 ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS............................................................................. 134 4.3 RESULTADOS DOS MODELOS............................................................................. 137 4.3.1 Modelos IMV............................................................................................................ 138 4.3.2 Modelos IMU............................................................................................................ 142 4.3.3. Modelos AR............................................................................................................. 147 4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 152 CONCLUSÃO.............................................................................................. 156 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................... 164 APÊNDICE: APRESENTAÇÃO GRÁFICA DOS MODELOS................................................................................................... 175 1 INTRODUÇÃO Esta tese põe em evidência as escolhas institucionais dos governos municipais e sua relação com a maior ou menor oferta de políticas públicas em direitos humanos. Essas escolhas de governo se dão em torno da possibilidade de adotar, ou não, órgãos gestores de políticas públicas relacionadas aos direitos humanos, no desenho da sua estrutura de governo local. Em que medida, então, a existência e de um órgão gestor existente no governo local impacta a quantidade de políticas públicas em direitos humanos no mesmo município? Que outros fatores têm relevância nessa oferta e em que grau? Antes de prosseguir com essas questões, é necessário esclarecer o que são esses órgãos gestores e os diferentes tipos aqui tratados, como: “secretarias exclusivas de direitos humanos”, “secretarias em conjunto com outras áreas”, “setor subordinado a outra secretaria”, “órgãos ligados ao gabinete do prefeito” ou “órgãos da administração indireta”. Uma secretaria de direitos humanos, sem mencionar outra área de atuação de governo, é uma “secretaria exclusiva”, já uma secretaria de direitos humanos e assistência social ou uma secretaria de direitos humanos, saúde e educação são exemplos de “secretarias em conjunto com outras áreas”. No desenho do organograma da estrutura de governo, pode haver órgãos que não estejam na estrutura de secretariado, sendo diretamente “ligados ao gabinete do prefeito” ou pertencendo à “administração indireta” e, assim, são estratégias quase opostas de desenho institucional. No primeiro caso, a escolha é trazer o órgão gestorinteresses municipais mais prementes. Esse indicador não se deve localizar em uma política pública específica, tem que ter centralidade na administração local. Quanto à operacionalidade do indicador, o questionário da MUNIC oferece subsídios, utilizando-se, assim, os dados da edição de 2012. Na parte de “Recursos para Gestão Pública”, há um item de “cadastro de IPTU e ISS”, em que se encontra um bloco de seis perguntas: “A prefeitura possui cadastro imobiliário? É informatizado? A prefeitura possui Planta Genérica de Valores?18 É informatizada? A prefeitura dispõe de cadastro para cobrança do ISS? É informatizado?”. Essas seis perguntas originam seis variáveis binárias, que foram analisadas em termos de perfis de gestão municipais. O próprio relatório da MUNIC corrobora a ideia de que as máquinas administrativas municipais vêm se modernizando, sobretudo, em seus instrumentos arrecadatórios e que isso se relaciona com as crescentes funções em que o município é chamado a atuar: O aumento das atribuições municipais, por outro lado, vem forçando estes entes federados a implementarem uma série de processos de modernização e racionalização de suas máquinas administrativas, com vistas a garantir o aumento de sua capacidade arrecadatória, assim como o cumprimento das suas crescentes funções (IBGE, 2013, p. 44). Cada resposta “sim” vale um ponto no indicador. Na seção metodológica, as características estatísticas dessa forma de agregação aditiva de variáveis são esclarecidas detalhadamente. 18 Texto do questionário da MUNIC 2012: “A Planta Genérica de Valores permite fixar previamente os valores básicos unitários dos terrenos e das edificações, expressos por metro quadrado de área, o que, por sua vez, possibilita obter uma melhor justiça fiscal na medida em que padroniza e uniformiza os critérios de apuração do valor venal dos imóveis, base para a cobrança do IPTU e das transações imobiliárias” (IBGE, 2013, p. 252). 118 O gráfico a seguir mostra a divisão dos municípios pelos resultados possíveis. Deve-se atentar para o fato de que a mediana é “seis”; ou seja, 3.215 municípios têm nota máxima no conjunto das seis perguntas da variável. Após essa maioria, há uma graduação de resultados; ou seja, a larga maioria tem todos os recursos, mas existe também uma variação apreciável nos demais municípios. Gráfico 14: Distribuição das respostas de capacidade administrativa Fonte: MUNIC 2011 (IBGE, 2012). Com esses resultados, foi possível identificar três perfis bem distintos de municípios, destacados abaixo: • Possui os 3 cadastros informatizados; • Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado; • Não possui pelo menos um dos 3 cadastros. Esses três perfis passam a compor um pull de variáveis dummies para controlar a capacidade administrativa, permitindo controlar seus efeitos sobre a existência dos OGMDH na promoção de políticas públicas em direitos humanos. 119 3.11.2 Secretarias exclusivas de assistência social sem a presença de OGMDH Nos dados já apresentados sobre a distribuição dos OGMDH, sobressai muito a presença dos “setores subordinados a outra secretaria”, que, em tese, conforme explicado no capítulo 2, são formas de organização com menos poder dentro do desenho institucional. Um pressuposto investigado, neste trabalho, é a de que os municípios vinculam esses setores, geralmente, à assistência social, dada a afinidade de públicos e políticas públicas e ao estágio mais institucionalizado de tais políticas, se comparadas ao grau incipiente dos direitos humanos. A fraqueza hierárquica do OGMDH “setor subordinado” seria compensada pela vinculação com uma área com mais recursos institucionais e materiais, que possui interesses afeitos às políticas e aos públicos almejados em direitos humanos. Essa estratégia ganha indícios, por exemplo, na comparação com a presença de setores subordinados em outras áreas de gestão de políticas públicas. O quadro a seguir compara cultura, assistência social, segurança pública, meio ambiente, educação, saúde e direitos humanos; só em direitos humanos, os setores subordinados a outra secretaria chegam a mais de 45%, ficando em segundo lugar o meio ambiente, com apenas 13,1%. Quadro 18: Distribuição de tipos de órgãos gestores por áreas de políticas públicas CULTURA 2012 ASSISTÊNCIA SOCIAL 2012 SEGURANÇA PÚBLICA 2012 MEIO AMBIENTE 2012 EDUCAÇÃO 2011 SAÚDE 2011 DIREITOS HUMANOS 2011 % % % % % % % Não possui estrutura 3,5 ,1 77,1 11,5 ,1 ,1 47,1 Órgão da administração indireta 2,1 ,1 ,4 ,9 ,0 ,3 ,1 Secretaria municipal em conjunto com outras política 63,9 21,1 2,8 45,2 45,3 11,2 3,8 Secretaria municipal exclusiva 13,5 72,5 3,5 24,8 52,0 85,8 1,0 Setor subordinado à chefia do executivo 4,3 3,6 8,5 4,5 2,4 2,5 2,9 Setor subordinado a outra secretaria 12,7 2,6 7,6 13,1 ,2 ,2 45,1 Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2012 e 2013). O quadro também ajuda a perceber o grau de institucionalização das secretarias de assistência social, em que a forma “exclusiva” chega aos impressionantes 72,5 de presença entre os tipos existentes, uma realidade de institucionalização quase que avessa da encontrada 120 em direitos humanos. A assistência social só perde, na presença desse tipo de secretaria exclusiva, para a saúde (85,8%), sem sombra de dúvidas, uma área de complexidade de recursos e grau de institucionalização superior a todas as outras. O Sistema Único de Saúde (SUS) acaba servindo de referência, por exemplo, para o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Essa estratégia de valorização do “setor subordinado” não se apresenta em uma área menos presente nas gestões municipais que é a segurança pública. Simplesmente, 77,1% não possuem qualquer órgão de gestão; todavia, o “setor subordinado” comparece com apenas 7,6%, sendo o segundo tipo mais presente. Tamanha importância e afinidade da área de assistência social oferece uma hipótese substantiva que precisa ser controlada, de que a área seria, por si mesma, o fator interveniente definitivo nas políticas públicas em direitos humanos. Caso o raciocínio seja correto, a presença ou não de OGMDH deveria ser irrelevante. Nesse sentido, foi criada uma variável composta das secretarias exclusivas de assistência social, em municípios que não possuem OGMDH, como forma de testar essa hipótese substantiva rival, correspondendo a variável ao total de 1.931 municípios. 3.11.3 Participação local Um grupo de trabalhos de pesquisa vem realçando a relação entre dispositivos de participação direta e sua interação com os canais legislativos e de formulação de políticas públicas. Em destaque, nessa literatura, têm-se as Conferências Nacionais de Políticas Públicas, que, em muitos casos, são precedidas por conferências estaduais e municipais, inclusive como processo de eleição de delegados e/ou formulação de propostas para a conferência nacional. Via de regra, as conferências nacionais são convocadas por ministérios e secretarias do governo federal, mais diretamente ligados ao setor especifico do assunto abordado. As conferências, além de espaços de negociação e troca com segmentos organizados da sociedade, conferem legitimidade às resoluções tomadas, diante de outras possibilidades de veto (SILVA, 2009; PETINELLI, 2011; PETINELLI et al., 2011; POGREBINSCHI; SAMUELS, 2012; POGREBINSCHI; SANTOS, 2011). No caso 121 específico das Conferências Nacionais de Direitos Humanos, de 1996 a 2008, foram realizadas 11, no total. Na operacionalização de uma variável sobre as conferências municipais, utilizam-se os dados disponíveis, somente na MUNIC de 2014; a partir de uma pergunta que remetia às conferências realizadas pelo governo municipal, nos últimos quatro anos. Tem-se aí uma possibilidade de viés para a presente pesquisa, quese ocupa do período de 2009-2012, mas o questionário remete ao período de 2011-2014; dois anos dentro do período pesquisado e dois anos já sob outra administração municipal. Cabe ressaltar que, embora haja protagonismo do governo municipal, as conferências locais são, em muitos casos, induzidas pelo governo federal. E que, não sendo apenas um fórum administrativo, para serem realizadas, necessitam de um tecido social associativo preexistente. Enfim, mesmo com um recorte temporal, metade posterior ao período estudado, ainda assim, a variável corresponde a um bom indicador da interação entre o tecido associativo e o poder local. A variável que se utiliza neste trabalho corresponde a um índice obtido pelo soma de 20 variáveis binárias a respeito da existência de conferências municipais. São elas: Conferência(s) Municipal(is): de Direitos Humanos; de Direitos ou políticas para a Criança e o Adolescente; de Direitos ou políticas para o Idoso; de Direitos ou políticas para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais; de Direitos ou políticas para as Mulheres; de Direitos ou políticas para Pessoas com Deficiência; de Direitos ou políticas para a Igualdade Racial; de Direitos ou políticas para a População em Situação de Rua; de Direitos ou políticas para Povos e Comunidades Tradicionais; de Direitos ou políticas para a Juventude; de Assistência Social; de Cidades; de Ciência, Tecnologia e Inovação; municipal(is) de Cultura; de Educação; de Esporte; de Meio Ambiente; de Saúde; de Segurança Alimentar e Nutricional; de Segurança Pública. O gráfico a seguir apresenta a frequência das conferências municipais de políticas públicas. 122 Gráfico 15: Distribuição das conferências de políticas públicas – respostas múltiplas Fonte: o autor, com base em dados do IBGE (2015). O grande destaque vem da “Assistência Social”, com 5.038 municípios, seguida de “Saúde” e “Crianças e Adolescentes”. Há uma clara relação entre maior institucionalização do tema e maior número de políticas públicas locais. O número de conferências em direitos humanos (435) é relativamente pequeno, visto que já existiram 11 nacionais (todas fora do período estudado). Todavia, esse número deve ser relativizado, com a lembrança de que o tema esteve presente em quase todas as conferências, principalmente, de grupos vulneráveis específicos. No total, são 27.276 conferências de políticas públicas municipais em quatro anos. Outras possibilidades para medir a participação da sociedade foram tentadas com conselhos e comitês. As informações são também da MUNIC de 2014, com a diferença de que continham o ano de criação do conselho ou comitê e número de reuniões. Foram considerados apenas os que tinham sido criados até 2012 e com, pelo menos, uma reunião nos últimos 12 meses. Também se tentou fazer variáveis de contagem, separando conselhos e comitês universalistas e de grupos vulneráveis, mas, em nenhuma das tentativas, o coeficiente Alpha de Cronbach chegou sequer à marca de 0,6. No total, foram utilizados 23 itens, com diferentes combinações. Os conselhos são: Política Urbana; Transportes; Cultura; Patrimônio 123 Cultural; Assistência Social; Segurança Nutricional e Alimentar; Segurança Pública; Meio Ambiente; de Direitos Humanos, da Criança e Adolescente; Igualdade Racial; Idosos, Deficientes; LGBT; Juventude; Tutelar. Os comitês são: Fórum da Agenda 21 (local); de Liberdade Religiosa; Orçamento Participativo; Sub-Registro Civil de Nascidos Vivos; Trabalho Rural. 3.11.4 Pertencimento ao partido do Executivo federal Uma hipótese que não se pode perder de vista é o quanto as estruturas partidárias são disseminadoras de políticas públicas. De 2004 para a eleição de 2008, o PT cresceu 36%, elegendo o Executivo municipal de 564 municípios. A variável utilizada foi “Partido que o prefeito se elegeu” (variável A6 da parte de informações sobre o prefeito, MUNIC, 2009), sendo transformada em uma binária, com 1, para o PT, e zero, para os demais partidos. Registra-se uma pequena alteração na variável “Partido atual”, de menos quatro prefeituras. Todavia, considerou-se infinitesimal o impacto dessa diferença, bem como a necessidade de investigar caso a caso. São, no total, 564 municípios, com prefeitos eleitos pelo Partido dos Trabalhadores, no período estudado. 3.11.5 Proximidade partidária com o Executivo federal Seguindo a lógica da variável de “Pertencimento ao partido do Executivo federal”, acrescentou-se uma variável de controle para dar conta de um efeito mais amplo dos partidos que se alinharam com o governo federal petista, desde o primeiro turno das eleições presidenciais. A variável utilizada foi a mesma, transformada em uma binária, com valor 1, para os partidos da coligação (menos o PT), e zero, para os demais partidos (PT, inclusive). Foram contados todos os prefeitos de partidos da coligação eleita, menos os já citados do PT, totalizando 2.099 prefeitos. A coligação “Para o Brasil seguir Mudando”, além do PT, tem como integrantes os seguintes partidos: Partido Republicano Brasileiro (PRB); Partido Democrático Trabalhista 124 (PDT); Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB); Partido Trabalhista Nacional (PTN); Partido Social Cristão (PSC); Partido da República (PR); Partido Trabalhista Cristão (PTC); Partido Socialista Brasileiro (PSB); Partido Comunista do Brasil (PC do B)19. O presente capítulo oferece embasamento para as opções feitas em torno da operacionalização de variáveis explicativas, de controle e hipóteses substantivas. Estabelecem-se as variáveis que devem ser controladas para que as hipóteses em torno da existência de OGMDH, seu tempo de maturação (existência em 2009) e maior grau de autonomia e vínculo com a assistência social possam ser mais bem dimensionadas em seus efeitos. A saber, em torno da provisão de políticas públicas em direitos humanos universalistas e para grupos vulneráveis. O próximo capítulo faz a explanação em relação às escolhas operacionais e conceituais em torno desses dois índices: IMU e IMV e AR. 19 Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2016. 125 4 CARACTERIZAÇÃO DOS MODELOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS O presente capítulo tem, por objetivo, apresentar os modelos de regressão utilizados para testar as hipóteses desta tese e apresentar seus resultados. Verifica-se a significância dos efeitos das variáveis relativas aos OGMDH sobre as variáveis explicadas: “IMV”, “IMU” e “AR”, controlados por variáveis de controle ou de hipóteses alternativas. Os seis modelos trabalhados são regressões lineares múltiplas, estimadas pelo método de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO). Essa abordagem estatística é utilizada para saber se as hipóteses colocadas sobre o desenho institucional dos OGMDH têm impacto sobre a oferta de políticas públicas e/ou alocação de recursos em direitos humanos. Para além do rigor com o tratamento técnico dos elementos da regressão, é importante não perder os nexos de causalidade construídos na elaboração das hipóteses. Não é difícil entender que existe um elo entre reflexão teórica e empírica. O avanço de uma literatura especializada produz a inclusão de novas variáveis e o afastamento de outras por serem, conceitualmente e empiricamente, rejeitadas. Por sua vez, as disponibilidades de modelagem dos dados constrangem limites à operacionalização de variáveis conceituais; limites que, com o tempo, podem ser expandidos com a melhoria das fontes estatísticas. Por sua vez, no debate metodológico, também são oferecidos tratamentos para cada elemento que possa gerar viés em um modelo de regressão, a partir dos diagnósticos do modelo. Os problemas investigados, nesta tese, orientam a construção desses modelos, que podem ser traduzidos nas cinco perguntas a seguir: 1) A existênciade OGMDH aumenta a oferta de políticas públicas em direitos humanos? 2) Os tipos de OGMDH que possuem mais autonomia, ou subordinados, vinculados à Assistência Social, têm um efeito maior para a oferta de políticas públicas em direitos humanos? 3) Os OGMDH mais consolidados, identificados em 2009, têm maior efeito sobre as políticas públicas em direitos humanos do que os registrados apenas em 2011? 4) Essas três variáveis (existência, autonomia/assistência social e maturidade do OGMDH) têm maior efeito sobre políticas públicas em direitos humanos voltadas para grupos vulneráveis (IMV) do que as de perfil universalista (IMU)? 126 5) Essas três variáveis (existência, autonomia/assistência social e maturidade do OGMDH) têm efeito de incremento para a maior alocação de recursos orçamentários dos municípios em recursos alocados nas funções selecionadas? Inicialmente, tem-se a descrição das variáveis relacionadas com sua arquitetura teórica e as hipóteses aos problemas estudados nos modelos. Na parte subsequente, expõem-se as estatísticas descritivas das variáveis, passando à apresentação dos modelos, diagnósticos e interpretação de seus resultados. 4.1 VARIÁVEIS E MODELOS Nesta seção, são descritas as variáveis empregadas nos modelos de investigação, bem como sua fundamentação teórica. O método de análise dos dados empíricos é o da “Regressão Linear Múltipla” para inferir as relações entre fenômenos estudados: IMV, IMU e AR e os demais fatores explicativos (variáveis sobre OGMDH) e de controle. Tal relação pode ser traduzida, matematicamente, na equação, ou modelo, que relaciona a variável resposta ou variável dependente a uma ou mais variáveis explicativas ou preditoras, conforme se verifica na equação abaixo: Yi = 0 + 1.X1i + 2.X2i +i onde é a variável resposta ou explicada. ..., , , ..., são os coeficientes das respectivas variáveis auxiliares , , ..., são as variáveis auxiliares. Variável explicada, resposta ou dependentei = 0 + 1.Variável Explicativa1i + 2.Variável Explicativa2i +Erro. O subscrito “i” refere-se à unidade de análise; no caso da presente tese, são os 5.554 municípios brasileiros. “Erro” se refere a elementos não determinados pelo modelo e pode ser mais bem entendido como “desvios” do comportamento médio predito pela equação. Um bom 127 modelo é aquele em que esse erro não tem um comportamento sistemático, que indique algum tipo de determinação não captada pelo modelo, demonstrando a diferença entre os valores observados e os valores preditos de Y, chamados de resíduos do modelo (FIGUEIREDO FILHO et al., 2011, p. 49). “0”, ou beta, se refere ao “intercepto” ou ‘constante”, em que o eixo da variável explicada é perpassado pela reta de regressão linear; em outros termos: valor de Y quando X1 e X2 tem o valor de zero. Ele pode ser também representado por um “”, ou alpha, sendo o valor mínimo que a variável resposta parte antes do efeito das variáveis explicativas sobre o resultado. O coeficiente de regressão “” “representa a mudança observada em Y associada ao aumento de uma unidade em X” (FIGUEIREDO FILHO et al., 2011, p. 49). Cada variável independente, portanto, tem um beta. A regressão estatística oferece a possiblidade de examinar se a oferta de políticas públicas em direitos humanos universalistas (IMU), para grupos vulneráveis (IMV) e a Alocação de Recursos do orçamento (AR) são aumentadas pelos OGMDH (pela sua existência, seu nível de autonomia/assistência social e sua maturidade). Para entender os condicionantes, que também podem agir como fatores explicativos da maior oferta de políticas públicas em direitos humanos (IMV, IMU e AR), estabeleceram-se as seguintes variáveis de controle e hipóteses substantivas alternativas (conforme descritas no capítulo 3): De características societárias (controle): “Tamanho da população”, “Nível de urbanização” e “Regiões do Brasil”. De características institucionais (hipóteses substantivas): “Capacidade administrativa”, “Participação local” e “Secretarias exclusivas de assistência social sem OGMDH”. De características partidárias (hipóteses substantivas): “Pertencimento ao partido do Executivo federal” e “Proximidade partidária com o Executivo federal”. Apresenta-se, a seguir, quadro com as variáveis explicativas, presentes nos modelos. Têm-se quadros específicos para as variáveis resposta (dependentes) e preditivas (independentes), lembrando que as variáveis de controle e as hipóteses substantivas são, em termos estatísticos, variáveis preditivas ou independentes. A denominação “de controle” ou “hipótese substantiva” advém da construção teórica do modelo. As variáveis de controle se referem àquelas que não têm uma explicação causal direta sobre o fenômeno em questão, mas que aumentam a homogeneidade da amostra incluída na equação, permitindo uma medição mais precisa do efeito das variáveis explicativas de interesse. As hipóteses substantivas se referem àquelas possíveis explicações alternativas, às hipóteses construídas neste trabalho. 128 Sua inclusão, no modelo, permite testar tal relevância, bem como controlar o efeito líquido dos OGMDH; no caso desta tese, as três variáveis relativas aos OGMDH. Quadro 19: Variáveis de controles ou hipóteses substantivas dos modelos Variável de controle ou Hipótese substantiva Operacionalização Importância Tamanho da população Divisão da população em quatro tipos de portes de municípios por número de habitantes: Até 20.000; 20.001 - 50.000; 50.001 -100.000 e mais de 100.000. Tal transformação em variáveis qualitativas permitiu corrigir a distribuição desigual da variável contínua, ao mesmo tempo propiciar uma leitura mais direcionada aos municípios por seu tamanho populacional. O tamanho da população é uma variável chave na definição de políticas públicas e de organização da gestão local. Quanto maior a população, maior é o adensamento de demandas e sua diversidade. É esperado que municípios maiores provejam um número maior de políticas públicas em direitos humanos. Nível de urbanização Taxa de urbanização Quanto maior a urbanização maior a diversidade societal e estilos de vida. A dinâmica urbana favorece uma sociedade mais organizada, que vocalize mais suas demandas. Regiões de Brasil Vetor de binárias “Nordeste”, “Sudeste”, “Sul”, “Centro-Oeste”. A região “Norte” corresponde ao valor do beta referente. Adota-se tal procedimento, ao se decompor uma variável categórica (como as cinco regiões do Brasil, por exemplo), em um conjunto de variáveis binárias (dummies), para evitar o fenômeno conhecido na literatura como “dummy trap”20. O Brasil é formado por diferentes ritmos de desenvolvimento de atividades econômicas e estruturação da vida social. É esperado que existam diferenças de recursos e oportunidades entre as regiões do Brasil. Essas diferenças influenciam a demanda e oferta de políticas públicas em direitos humanos. Capacidade administrativa Cadastro e informatização de IPTU, ISS e Planta Genérica de Valores (“A prefeitura possui cadastro imobiliário? É Definiu-se um patamar mínimo de burocracia que pudesse ser comum a todos os municípios: a capacidade de constituir 20 Enfim, evitar que as cinco variáveis binárias das categorias da variável original, por construção, gerem uma correlação perfeita entre elas. Caso as cinco fossem colocadas no modelo, haveria uma dummy a mais. 129 informatizado? A prefeitura possui Planta Genérica de Valores? É informatizada? A prefeitura dispõe de cadastro para cobrança do ISS? É informatizado?”). Como somatório dessas dummies, foi utilizado o Alpha de Cronbach21. O que atesta consistência interna dos elementos. Valor obtido foi de 0,80. A ideia inicial de usar essa variável como somatório esbarrou na distribuição irregular da variável.Optou-se por identificar três perfis (variáveis categóricas) bem distintos de municípios. Destacam-se três tipos: - Possui os 3 cadastros informatizados (3.161 casos); - Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado (983 casos); - Não possui pelo menos um dos 3 cadastros (1.426 casos). instrumentos para cobrar impostos. Foi constituído um índice com seis dummies, referentes a instrumentos de atualização de cadastros de arrecadação de IPTU e ISS. Secretarias exclusivas de assistência social sem OGMDH Foram selecionadas aquelas secretarias que não possuem nenhum OGMDH em seu município. No total, são 1.931 municípios. Uma forma de medir se os resultados dos OGMDH não seriam apenas um reflexo da atuação mais institucionalizada da assistência social. As secretarias de assistência social exclusivas são o tipo de órgão gestor mais presente, com mais de 70% delas. Participação local Conferências locais de políticas públicas. Foi formado um índice com 20 conferências locais, a partir da agregação de dummies. Alpha de Cronbach desse índice é de 0,78. Os municípios que possuem uma capilaridade de organizações na sociedade podem ter forte influência na oferta de políticas públicas em direitos humanos. Uma consistente literatura vem estudando o impacto dessa mobilização da sociedade sobre instituições políticas (POGREBINSCHI; SANTOS, 2011; AVRITZER, 2012). 21 Conforme explicado no capítulo 3, o Alpha de Cronbach analisa as consistências internas dos elementos que compõem o indicador. Sua variação é de 0-1; quanto mais perto do 1, mais consistente é o indicador. 130 Pertencimento ao partido do Executivo federal Prefeitos eleitos pelo Partido dos Trabalhadores (PT) No período, houve, no Executivo federal, a instituição de secretarias com status de ministério, relacionados aos direitos humanos e a terceira versão do PNDH. O programa institui o governo Executivo federal como responsável pela coordenação das metas do PNDH 3. Inclusive, em muitas das suas metas, os municípios são instados a cooperar. Supõe- se que a relação do Partido dos Trabalhadores com seus prefeitos possa ter impulsionado a oferta de políticas públicas em direitos humanos, seguindo as diretrizes e metas do PNDH 3 (BATISTA, 2015; FREITAS; ARAÚJO, 2016). Proximidade partidária com o Executivo federal Prefeitos de partidos da coligação de Dilma Rousseff (2010), com a exceção dos prefeitos eleitos pelo PT. O mesmo raciocínio hipotético dos prefeitos do Partido dos Trabalhadores estendido aos demais partidos que participaram da coligação que elegeu Dilma Rousseff para o Executivo federal (BATISTA, 2015; FREITAS; ARAÚJO, 2016). Fonte: o autor. A seguir, quadro explicativo com as variáveis resposta, comuns aos modelos de regressão. Quadro 20: Variáveis explicadas nos modelos Variável resposta (explicada ou dependente) Operacionalização IMV (Índice de Meios para Políticas Públicas para Grupos Vulneráveis) Agregação de políticas públicas em direitos humanos, voltadas para públicos identitários em situações de vulnerabilidade. Espera-se que os OGMDH tenham maior efeito sobre a oferta de políticas públicas em direitos humanos, pois permitem que esses grupos tenham um espaço institucional para direcionar suas demandas. Sem a presença de algum espaço institucional semelhante ao OGMDH, suas demandas encontram- se dispersas por toda a gestão. O que abre margem para que cada 131 segmento se comporte como um free rider, valorizando seus interesses e agendas próprias, deixando, em segundo plano, a demanda desses grupos. O IMV é composto de 38 variáveis referentes às políticas públicas em direitos humanos, voltadas para públicos específicos, sendo 11 para deficientes, 9 para crianças e adolescentes, 6 para população LGBT, 7 para idosos, 3 para questão racial e 2 para questões de gênero. O Alpha de Cronbach do IMV é de 0,85, sendo importante para o entendimento da consistência interna dos elementos que compõem o indicador por agregação. Para equilibrar os diferentes pesos de cada público, foi feita uma média, público a público, para cada município e, finalmente, uma média entre essas médias. IMU (Índice de Meios em Políticas Públicas Universais) Políticas públicas em direitos humanos, agregadas sem um público-alvo mais restrito. Espera-se que municípios com OGMDH tenham maior oferta dessas políticas do que os que não possuem. O índice é composto de 28 variáveis referentes às políticas públicas em direitos humanos. Sendo 6 em direitos “políticos e/ou informação”, 5 em direitos civis, 4 em direitos ambientais, 5 em direitos sociais, 1 em cultura (patrimônio), 3 em direitos econômicos e 4 em direito à saúde. O Alpha de Cronbach do IMU é de 0,71. Para equilibrar os diferentes pesos de cada segmento, foi feita uma média, segmento a segmento, para cada município e, finalmente, uma média entre essas médias. AR (Alocação de Recursos) Junção de recursos alocados em funções de “Direitos da Cidadania” e “Assistência Social”, divididos em duas categorias. Esse valor é uma média dos anos em que o município apresentou contas ao Tesouro Nacional (FINBRA) nas funções selecionadas. Por exemplo, se um município só apresentou contas em 2009 e 2010, os valores selecionados de “Assistência Social” e “Direitos da Cidadania” (das prestações de contas) são somados e divididos por dois. Caso o município tenha apresentado contas para os quatro anos, divide-se por quatro. Considera-se, neste trabalho, que as duas funções mais relacionadas com as políticas públicas de direitos humanos são “Assistência Social” e “Direitos da Cidadania”. A inciativa de usar também dados da assistência social advém do fato de 4.788 municípios apresentarem empenho de gastos em “Direitos da Cidadania” igual a zero. Foram excluídos os municípios que, mesmo depois da agregação das duas funções, mantiveram valor igual a zero. Como forma adicional de tentar minimizar as grandes distorções de distribuição da variável, ela foi operacionalizada com AR per capita dos municípios que alocaram de fato recursos. Fonte: o autor. A seguir, quadro com as variáveis relativas aos OGMDH utilizadas nos modelos de regressão. 132 Quadro 21: Variáveis de OGMDH e referencial teórico Variável explicativa (independente ou preditiva) Referencial Teórico OGMDH Possuir um OGMDH reduz custos de transação políticos (CTP). Esses custos podem ser: Conflitos nas relações Executivo-Legislativo (HORN, 1995). A manutenção dos compromissos e benefícios de uma política pública de longo do tempo (HORN, 1995; SPILLER; TOMMASI, 2007). O controle da burocracia, seja pelos gestores e políticos, seja dos beneficiários de políticas pública (HORN, 1995). Alcance dos custos de uma política pública para a sociedade e a apropriação privada de seus benefícios (HORN, 1995; SPILLER; TOMMASI, 2007). A multiplicidade de principais e tarefas dificultando a mensuração de resultados (DIXIT, 2012; CABALLERO; ARIAS, 2013; SPILLER; TOMMASI, 2007). A falta de competidor para a maioria das suas atividades, como nos mercados (DIXIT, 2012). Mecanismos de motivação dos atores para ação coletiva (DIXIT, 2012; CABALLERO; ARIAS, 2013; SPILLER; TOMMASI, 2007). Os direitos de propriedade são muito mais claros e seguros na economia. A maioria dos contratos e transações na política não possui mecanismos para cobrança do cumprimento de promessas (CABALLERO; ARIAS, 2013). A informação, no mundo político, é mais opaca, pouco clara e difícil observar e medir (CABALLERO; ARIAS, 2013). As forças de seleção e de aprendizagem são mais lentas na política (CABALLERO; ARIAS, 2013). Progresso das políticas públicas pode ser pensado como uma série de transações políticas intertemporais (CABALLERO; ARIAS, 2013; SPILLER; TOMMASI, 2007). Torna-se centralo papel de credible commitment (compromissos com credibilidade) e do reputational capital (capital de reputação) (CABALLERO; ARIAS, 2013; SPILLER; TOMMASI, 2007). O grau de irreversibilidade dos ativos envolvidos na política (SPILLER; TOMMASI, 2007). A urgência com que a política precisa ser implementada (SPILLER; TOMMASI, 2007; PIERSON, 2000). Ao se colocar, no desenho institucional, um dos cinco tipos de OGMDH, a gestão municipal cria um lócus onde podem ser transacionados esses custos entre os atores políticos, dentro e fora da mesma. 133 SUBORDINADO COM E SEM VÍNCULOS COM A ASSISTÊNCIA SOCIAL Duas variáveis criadas para permitir comparar o efeito de OGMDH do tipo subordinado a outra secretaria, com os resultados dos demais tipos agrupados na variável Autonomia. A partir da divisão em duas variáveis de ter ou não vínculo com a Assistência Social, pode-se medir o peso desta para o sucesso do desempenho destes (SPOSATI, 2007; MONTEIRO, 2012). MADURO A existência temporal permite que se criem compromissos entre os atores envolvidos. A inteiração recorrente entre os atores pode diminuir CTP (SPILLER; TOMMASI, 2007; CABALLERO; ARIAS, 2013; SCARTASCINI; STEIN; TOMMASI, 2013; PIERSON, 2000). AUTONOMIA Uma posição hierarquicamente superior, no desenho institucional, denota mais recursos de governança para lidar com CTP (WILLIAMSON, 1991; MILLER, 1993; MOE; CALDWELL, 1994). Fonte: o autor. O quadro a seguir retrata o pertencimento dessas diferentes variáveis de OGMDH nos modelos. Apresenta os seis modelos, dois para cada variável resposta resultantes da combinação das três variáveis explicadas: IMV, IMU e AR, combinadas com as quatro variáveis de desenho institucional dos OGMDH (Autonomia e Subordinado com e sem vínculo com a Assistência Social), acrescentou-se o algarismo “2” ao nome desses modelos (IMV-2, IMU-2 e AR-2). Estas três variáveis são substituídas nos modelos “1” pela variável OGMDH (IMV-1, IMU-1 e AR-1) com a finalidade explicada de se ter a dimensão total do impacto dos OGMDH. A variável “Maduro” é utilizada tantos nos modelos “1” e “2”, pois ela se refere ao tempo de maturação e não ao tipo de OGMDH. 134 Quadro 22: Distribuição de variáveis pelos modelos Função da Variável Modelo IMV1 IMV2 IMU1 IMU2 AR1 AR2 VAR EXPLICATIVAS DE OGMDH OGMDH X X X Maduro X X X X X X Autonomia X X X Subordinado vinculado à AS X X X Subordinado não vinculado à AS X X X CONTROLE (societais) Tamanho da população X X X X X X X X X X X X Nível de urbanização X X X X X X Regiões de Brasil X X X X X X X X X X X X HIPÓTESES SUBSTANTIVAS (institucionais) Grau de capacidade administrativa X X X X X X X X X X X X X X X X X X Participação local X X X X X X Secretarias exclusivas de assistência social sem OGMDH X X X X X X HIPÓTESES SUBSTANTIVAS (partidárias) Pertencimento ao partido do Executivo federal X X X X X X Proximidade partidária com o Executivo federal X X X X X X Fonte: o autor. Com essa estratégia, pode-se separar o efeito dos OGMDH como um todo e, ao mesmo tempo, com os modelos de tipo 2, introduzir especificações sobre os tipos de OGMDH. A seguir, a seção destinada às estatísticas descritivas. 4.2 ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS Nos capítulos 3 e 4, são especificadas as variáveis explicativas de controle e hipóteses substantivas (capítulo 3) e variáveis explicadas (capítulo 4). A partir da orientação de Chatterjee (2006), a primeira fase do estudo consistiu na análise descritiva das variáveis 135 selecionadas, objetivando calcular a Média, Mediana e Desvio-Padrão, a construção dos respectivos histogramas. Evidentemente, tal procedimento refere-se às variáveis contínuas, que permitem esse tipo de transformação. Variáveis dummy (binárias) e, em maior ou menor medida, as variáveis contínuas, que foram obtidas por meio de agregação de dummies, ou seja, de contagem, não permitem esse tipo de manipulação (as dummy) ou podem ser mais pobres, estatisticamente, para o rigor desses processos. A seguir, a tabela 3 apresenta a estatística descritiva para as variáveis contínuas. Tabela 3: Estatística descritiva das variáveis contínuas Variáveis Média Mediana Desvio-Padrão IMV 12,8 12,0 6,3 IMU 9,7 9,0 3,7 AR 65,4 49,7 57,5 Nível de urbanização 48,5 48,2 26,8 Participação local 4,9 4,0 3,1 Fonte: o autor. O objetivo do conhecimento desses valores da estatística descritiva de tais variáveis é permitir a identificação de assimetrias que possam comprometer a qualidade dos resultados. A variável “AR” é a de maior assimetria e, em estudos preliminares, foi transformada para log, mas tal transformação pouco alterou a qualidade dos modelos; por fim, optou-se por mantê-la por ser de mais fácil interpretação. A variável “Participação local” apresenta distribuição ligeiramente mais simétrica que “Nível de urbanização”, sendo uma variável quantitativa construída por contagem e agregação de dummies (20, no total). Optou-se por não a transformar, pelas mesmas razões, decisão ainda mais robusta, dada a sua distribuição mais simétrica. A preocupação maior, nesta tese, recai sobre a variável-resposta: “como regra geral, o pesquisador deve começar transformando a sua variável dependente e, se julgar necessário, deve transformar as variáveis independentes” (FIGUEIREDO FILHO et al., 2011). As assimetrias nas distribuições das demais variáveis não parecem tão graves e mudá-las poderia impactar na sua interpretação mais intuitiva. O “Tamanho populacional” e a “Capacidade administrativa” eram duas variáveis contínuas (população) ou de contagem (capacidade administrativa), que, por apresentarem 136 assimetrias notórias, foram transformadas em variáveis qualitativas. No caso da população, permitindo separar o impacto dos municípios de realidades absolutamente distintas. Algo semelhante, em menor grau, ocorre com os três perfis criados em capacidade administrativa. A tabela 4 apresenta as frequências das variáveis qualitativas, que apresentam uma variedade de artifícios estatísticos muito mais limitada do que as variáveis contínuas. Tabela 4: Frequência das variáveis qualitativas Variáveis Frequência OGMDH 2.935 Maduro 1.403 Autonomia 431 Setor subordinado vinculado à AS 2.510 Setor subordinado não vinculado à AS 65 Secretarias exclusivas de assistência social sem OGMDH 1.931 Tamanho da população Até 20.000 3.914 20.001 - 50.000 1.043 50.001 -100.000 325 Mais que 100.000 283 Regiões do Brasil Norte 449 Nordeste 1.791 Sudeste 1.665 Sul 1.184 Centro-Oeste 465 Capacidade administrativa Possui os 3 cadastros informatizados 3.161 Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 983 Não possui pelo menos 1 dos 3 cadastros 1.426 Pertencimento ao partido do Executivo federal 564 Proximidade partidária com o Executivo federal 2.975 Fonte: o autor. Nesta seção, apresentou-se a estatística descritiva de como se comportam as variáveis componentes do modelo e as transformações que algumas delas sofreram. Na próxima seção, são apresentados os resultados dos modelos. No apêndice, encontram-se os gráficos utilizados para mostrar que os resíduos dos modelos possuem uma distribuição, que não aponta para uma distribuição aleatória, validando os pressupostos da regressão linear e seus resultados. 137 4.3 RESULTADOS DOS MODELOS Nesta seção, são apresentados os modelos escolhidos e os modelos ajustados dos mesmos; o ajuste é feito observando aspectos teóricos, combinados com os resultados estatísticos e quais variáveis fazem sentido remover ou não. A retirada de variáveis não relevantes pode acarretar aumento do poder de explicação do modelo e do significado de seus betas (estimativas)por variável. Para tornar mais intuitivo, dividiu-se a análise dos resultados pelos modelos divididos por variáveis explicadas. Na primeira coluna, tem-se o valor relativo aos betas; na segunda coluna, o desvio padrão da variável; nas terceira e quarta colunas, a estatística F e p-valor, medidas utilizadas para verificar a significância da variável, no modelo. Os valores dos betas indicam o impacto da variável (explicativa, controle ou hipótese substantiva) na variável resposta; o quanto sua presença é capaz de aumentar a variável resposta na sua escala de medida. Cada modelo possui significância de ANOVA (0,000) e seus respectivos R2 e R2ajustado, que levam em consideração o número de variáveis do modelo. A validade do modelo é dada pelo poder de explicação como um todo da variação de resultados, analisados a seguir. 138 4.3.1 Modelos IMV Quadro 23: Modelo IMV-1 Variáveis explicativas Coeficiente Erro- padrão Estatistica do Teste p-valor significância Intercepto 13,13 1,05 12,50 0,000 *** OGMDH 3,47 0,60 5,82 0,000 *** Maduro 1,40 0,45 3,06 0,002 ** Sec. Exc de AS sem OGMDH -0,24 0,62 -0,39 0,694 Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.) De 20.001 a 50.000 hab. 7,41 0,51 14,66 0,000 *** De 50.001 a 100.000 hab. 13,58 0,84 16,14 0,000 *** Mais de 100.000 hab. 21,54 0,96 22,40 0,000 *** Nível de urbanização 0,08 0,01 7,62 0,000 *** Região (Ref: Norte) Nordeste 4,59 0,73 6,31 0,000 *** Sudeste -0,77 0,77 -0,98 0,328 Sul 3,70 0,79 4,70 0,000 *** Centro-oeste 8,69 0,94 9,31 0,000 *** Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros) Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 3,25 0,58 5,59 0,000 *** Possui os 3 cadastros informatizados 4,23 0,50 8,56 0,000 *** Participação Local 0,66 0,06 10,26 0,000 *** Proximidade partidária com o executivo federal 0,23 0,39 0,60 0,546 Pertencimento ao partido do executivo federal 1,27 0,65 1,98 0,048 * (Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3104, R2 ajustado: 0.3084 No modelo completo de IMV-1, duas variáveis são estatisticamente não significativas: “Secretaria exclusiva de assistência social sem OGMDH” e “Proximidade partidária com o Executivo federal”. A primeira tem, por estratégia, verificar se a assistência social não seria responsável pelos resultados em direitos humanos; independentemente da existência de OGMDH. A segunda verifica se fazer parte da base que compôs a candidatura vitoriosa, em 2010, para o Executivo federal, incrementava a oferta de políticas públicas. Em termos conceituais, faz todo sentido que tais variáveis sejam excluídas do modelo ajustado. Destaca-se que as duas principais variáveis de OGMDH são bem validadas para compor o modelo ajustado, onde serão mais bem analisadas. O modelo completo tem R2 de 0,31, algo bastante razoável para regressões em ciências sociais, significando que suas variáveis podem ser preditivas de mais de um terço do comportamento da variável explicada, o IMV. 139 Quadro 24: Modelo IMV-1 Ajustado Variáveis explicativas Coeficiente Erro- padrão Estatistica do Teste p-valor significância Intercepto 13,07 0,91 14,36 0,000 *** OGMDH 3,65 0,39 9,32 0,000 *** Maduro 1,40 0,45 3,08 0,002 ** Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.) De 20.001 a 50.000 hab. 7,40 0,51 14,65 0,000 *** De 50.001 a 100.000 hab. 13,59 0,84 16,15 0,000 *** Mais de 100.000 hab. 21,55 0,96 22,41 0,000 *** Nível de urbanização 0,08 0,01 7,60 0,000 *** Região (Ref: Norte) Nordeste 4,59 0,73 6,30 0,000 *** Sudeste -0,80 0,77 -1,03 0,302 Sul 3,72 0,79 4,73 0,000 *** Centro-oeste 8,67 0,93 9,28 0,000 *** Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros) Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 3,25 0,58 5,59 0,000 *** Possui os 3 cadastros informatizados 4,24 0,49 8,58 0,000 *** Participação Local 0,66 0,06 10,28 0,000 *** Pertencimento ao partido do executivo federal 1,39 0,61 2,28 0,023 * (Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3104, R2 ajustado: 0.3086 Os modelos 1 têm a finalidade principal de testar a hipótese da importância da existência dos OGMDH, que foi plenamente confirmado para IMV. O beta de 3,65 atingido pela variável OGMDH só é superado por variáveis societais e o perfil mais completo de capacidade administrativa. No caso das variáveis societais, elas traduzem um cenário de assimetrias, dado que muda lentamente. O modelo aponta que o incremento dos processos de urbanização (beta de 0,07) tem um poder muito baixo para a ampliação da oferta de políticas públicas em direitos humanos. Das variáveis institucionais, só aqueles municípios que possuem todos os cadastros informatizados (4,24) têm um efeito superior para a ampliação da oferta. A participação em conferências de políticas públicas, que visa medir o impacto da capilaridade social, comparece com um incremento de 0.66 do IMV, muito abaixo do otimismo da literatura de conferências (MILLER, 1993; POGREBINSCHI; SANTOS, 2011; AVRITZER, 2012; POGREBINSCHI, 2012). A variável institucional de cunho partidário (“Pertencimento ao partido do Executivo federal”), um tema tão estudado nos processos de transferências de recursos, tem efeito líquido, para esse indicador, de 1,39. É possível que esse tipo de política pública não seja o canal mais eleito para tal tipo de relação (BATISTA, 2004), lembrando que a outra variável partidária nem foi, estatisticamente, significativa. 140 A variável de OGMDH “Maduro” também oferece um valor considerável de beta 1,39, significando que a simples existência do OGMDH, entre 2009 e 2011, já oferece um incremento de mais de uma unidade no IMV (SCARTASCINI; STEIN; TOMMASI, 2013). Os bons desempenhos das variáveis de OGMDH (OGMDH e Maduro) e “capacidade administrativa” já oferecem fortes indícios sobre a importância das escolhas institucionais e sua relação direta com a redução de CTP (CABALLERO; ARIAS, 2013; DIXIT, 1998; WILLIAMSON; MASTEN, 1999; SPILLER; TOMMASI, 2007). Os modelos 2 têm, por objetivo central, testar as diferenças entre tipos de OGMDH e assistência social. Quadro 25: Modelo IMV-2 Variáveis explicativas Coeficiente Erro- padrão Estatistica do Teste p-valor significância Intercepto 13,09 1,05 12,48 0,000 *** Subordinado vinculado à AS 3,54 0,61 5,80 0,000 *** Maduro 1,38 0,45 3,05 0,000 ** Autonomia 3,43 0,86 3,97 0,000 *** Sec. Exc de AS sem OGMDH -0,22 0,61 -0,36 0,720 Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.) De 20.001 a 50.000 hab. 7,41 0,51 14,65 0,000 *** De 50.001 a 100.000 hab. 13,59 0,84 16,13 0,000 *** Mais de 100.000 hab. 21,56 0,97 22,33 0,000 *** Nível de urbanização 0,08 0,01 7,61 0,000 *** Subordinado não vinculado à AS 2,32 1,78 1,30 0,190 Região (Ref: Norte) Nordeste 4,60 0,73 6,29 0,000 *** Sudeste -0,76 0,77 -0,98 0,330 Sul 3,71 0,79 4,69 0,000 *** Centro-oeste 8,70 0,93 9,30 0,000 *** Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros) Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 3,25 0,58 5,59 0,000 *** Possui os 3 cadastros informatizados 4,23 0,49 8,56 0,000 *** Participação Local 0,66 0,06 10,27 0,000 *** Proximidade partidária com o executivo federal 0,24 0,39 0,61 0,540 Pertencimento ao partido do executivo federal 1,28 0,64 1,98 0,050 * (Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) R2: 0.3106, R2 ajustado: 0.3083 Também no modelo completo de IMV-2 as duas variáveis que não são estatisticamente significativas são: “Secretaria exclusiva de assistência social sem OGMDH” e “Proximidade partidária com o Executivo federal”, com a mesma consideração de ajuste do modelo anterior e exclusão de duas variáveis. A novidade desse modelo tipo 2 sãos as variáveis de OGMDH subordinados e vinculados ou não à assistência social; enquanto os vinculados à assistência têm beta ligeiramente superior até ao dos modelos de maior autonomia, os não vinculados não foram consideradosde resultado significativo e optou-se 141 por excluí-los do modelo. Algo que, somado ao que também ocorreu com as secretarias de assistência social exclusivas, mas sem OGMDH, aponta na direção de, por um lado, reforçar a importância da inteiração institucional entre direitos humanos e assistência social; por outro, permitir recusar a hipótese substantiva, pelo menos em relação ao IMV, de que os resultados de direitos humanos sejam um epifenômeno causado pela atuação institucional da assistência social. Quadro 26: Modelo IMV-2 Ajustado Variáveis explicativas Coeficiente Erro- padrão Estatistica do Teste p-valor significância Intercepto 13,06 0,91 14,34 0,000 *** Subordinado vinculado à AS 3,63 0,40 8,99 0,000 *** Maduro 1,42 0,45 3,12 0,000 ** Autonomia 3,52 0,73 4,79 0,000 *** Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.) De 20.001 a 50.000 hab. 7,41 0,51 14,66 0,000 *** De 50.001 a 100.000 hab. 13,61 0,84 16,17 0,000 *** Mais de 100.000 hab. 21,60 0,97 22,39 0,000 *** Nível de urbanização 0,08 0,01 7,62 0,000 *** Região (Ref: Norte) Nordeste 4,63 0,73 6,34 0,000 *** Sudeste -0,77 0,77 -1,00 0,320 Sul 3,77 0,79 4,79 0,000 *** Centro-oeste 8,69 0,93 9,30 0,000 *** Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros) Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 3,25 0,58 5,59 0,000 *** Possui os 3 cadastros informatizados 4,25 0,49 8,59 0,000 *** Participação Local 0,66 0,06 10,29 0,000 *** Pertencimento ao partido do executivo federal 1,42 0,61 2,32 0,020 * (Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3102, R2 ajustado: 0.3084 Os resultados apontam na direção da importância da assistência social para os tipos subordinados terem um resultado ainda melhor do que os tipos mais autônomos (3,6 e 3,5, respectivamente). Validando a hipótese de que mais autonomia, seja pelo tipo de OGMDH, seja pela vinculação com uma secretaria mais institucionalizada com políticas e públicas, como ocorre com a assistência social, nos municípios, é um elemento de forte impulso na oferta de políticas públicas em direitos humanos (WILLIAMSON, 1975; MILLER, 1993; DIXIT, 1998). Novamente, sobressai a importância de variáveis societais, com as quais se opera muito lentamente. Nível de urbanização possui uma capacidade extremamente limitada, no modelo (0,08). Em relação às variáveis institucionais “Participação local” e “Pertencimento ao partido do Executivo federal”, ficam muito aquém das contribuições de efeito das escolhas de desenho institucional e de capacidade administrativa. O menor 142 desempenho, entre essas, fica para a variável “Maduro” (1,42), melhorando, em mais de um ponto, o fato de o OGMDH já existir em 2009. Em resumo, em relação aos modelos IMV 1 e 2, a importância da existência dos OGMDH foi constatada, particularmente, nos seus tipos mais autônomos ou vinculados à assistência social. Variáveis de controle, de corte societal, evidenciaram seu peso na assimetria entre os municípios, sendo correto controlá-las. Os processos de urbanização têm fraco impacto positivo sobre a oferta de políticas públicas. As variáveis de hipóteses substantivas, em sua grande maioria (exceção para “Proximidade partidária com o Executivo federal”), evidenciaram sua importância. No caso de capacidade administrativa, de até maior relevância do que as variáveis de OGMDH, em seu perfil mais completo. Os resultados menos expressivos ficam por conta da “Participação local” a variável ”Pertencimento ao partido do Executivo federal”. 4.3.2. Modelos IMU Os modelos IMU são relativos ao índice desta tese que trata das políticas de corte mais universalistas em seu público-alvo; nas hipóteses, espera-se que os OGMDH tenham um bom desempenho, mas não na mesma proporção que apresentaram em IMV. 143 Quadro 27: Modelo IMU-1 Variáveis explicativas Coeficiente Erro- padrão Estatistica do Teste p-valor significância Intercepto 17,45 0,79 22,01 0,000 *** OGMDH 3,07 0,45 6,78 0,000 *** Maduro 0,64 0,34 1,86 0,060 Sec. Exc de AS sem OGMDH -0,33 0,46 -0,71 0,480 Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.) De 20.001 a 50.000 hab. 6,30 0,38 16,48 0,000 *** De 50.001 a 100.000 hab. 12,32 0,64 19,36 0,000 *** Mais de 100.000 hab. 18,82 0,73 25,87 0,000 *** Nível de urbanização 0,06 0,01 7,43 0,000 *** Região (Ref: Norte) Nordeste 2,12 0,55 3,84 0,000 *** Sudeste 2,26 0,58 3,87 0,000 *** Sul 3,18 0,60 5,32 0,000 *** Centro-oeste 7,16 0,71 10,13 0,000 *** Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros) Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 2,48 0,44 5,63 0,000 *** Possui os 3 cadastros informatizados 3,66 0,37 9,80 0,000 *** Participação Local 0,53 0,05 10,88 0,000 *** Proximidade partidária com o executivo federal 0,42 0,30 1,41 0,160 Pertencimento ao partido do executivo federal 1,68 0,49 3,45 0,000 *** (Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3573, R2 ajustado: 0.3555 Nesse modelo, a variável “Maduro” não se revela significativa e está na mesma situação, repetindo o desempenho dos modelos IMV; a variável de proximidade partidária e as secretarias exclusivas de assistência social, sem OGMDH, também não apresentam resultados significativos. Quadro 28: Modelo IMU-1 Ajustado Variáveis explicativas Coeficiente Erro- padrão Estatistica do Teste p-valor significância Intercepto 17,43 0,69 25,31 0,000 *** OGMDH 3,48 0,28 12,30 0,000 *** Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.) De 20.001 a 50.000 hab. 6,30 0,38 16,49 0,000 *** De 50.001 a 100.000 hab. 12,41 0,64 19,52 0,000 *** Mais de 100.000 hab. 18,99 0,72 26,27 0,000 *** Nível de urbanização 0,06 0,01 7,38 0,000 *** Região (Ref: Norte) Nordeste 2,19 0,55 3,98 0,000 *** Sudeste 2,27 0,58 3,90 0,000 *** Sul 3,23 0,59 5,43 0,000 *** Centro-oeste 7,13 0,71 10,09 0,000 *** Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros) Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 2,48 0,44 5,63 0,000 *** Possui os 3 cadastros informatizados 3,67 0,37 9,81 0,000 *** Participação Local 0,54 0,05 11,01 0,000 *** Pertencimento ao partido do executivo federal 1,91 0,46 4,13 0,000 *** (Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3566, R2 ajustado: 0.3551 144 Hipótese confirmada em parte; por um lado, o beta de OGMDH é significativo e ligeiramente inferior ao registrado em IMV1(3,48 contra 3,65), indicando que os OGMDH também possuem relevância para políticas públicas de corte universalista, mas diferindo da hipótese específica da tese, que esperava resultado inferior ao atingido em políticas para grupos vulneráveis, um beta 0,17 superior. Por outro lado, a variável “Maduro” não só tem um beta baixo, como também não significativo; o maior tempo de existência não tem impacto sobre políticas universalistas, que se pudesse comprovar. Aponta melhor resultado para políticas com grupos em situação de vulnerabilidade, mas a diferença não é tão expressiva. As demais variáveis repetem o desempenho do modelo anterior, com ligeiro fortalecimento da variável partidária. As variáveis societais e institucionais repetem o desempenho dos IMV, também, nesse modelo. 145 Quadro 29: Modelo IMU-2 Variáveis explicativas Coeficiente Erro- padrão Estatistica do Teste p-valor significância Intercepto 17,77 0,80 22,16 0,000 *** Subordinado vinculado à AS 3,20 0,46 6,92 0,000 *** Maduro 0,56 0,34 1,63 0,100 Autonomia 2,82 0,65 4,31 0,000 *** Sec. Exc de AS sem OGMDH -0,24 0,47 -0,51 0,610 Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.) De 20.001 a 50.000 hab. 6,38 0,39 16,55 0,000 *** De 50.001 a 100.000 hab. 12,36 0,64 19,37 0,000 *** Mais de 100.000 hab. 18,87 0,73 25,76 0,000 *** Nível de urbanização 0,06 0,01 7,27 0,000 *** Subordinado não vinculado à AS 2,62 1,35 1,94 0,050 . Região (Ref: Norte) Nordeste 1,87 0,56 3,34 0,000 *** Sudeste 2,04 0,59 3,440,000 *** Sul 2,93 0,60 4,85 0,000 *** Centro-oeste 6,94 0,71 9,71 0,000 *** Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros) Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 2,39 0,44 5,38 0,000 *** Possui os 3 cadastros informatizados 3,60 0,38 9,55 0,000 *** Participação Local 0,52 0,05 10,68 0,000 *** Proximidade partidária com o executivo federal 0,43 0,30 1,43 0,150 Pertencimento ao partido do executivo federal 1,70 0,49 3,46 0,000 *** (Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3557, R2 ajustado: 0.3536 Mais uma vez, a exclusão da variável “Maduro” repete-se, não significativa, estatisticamente, do modelo IMV-2, com as variáveis: “Secretarias exclusivas sem OGMDH”, ”Subordinado” e “Proximidade partidária”. A variável de OGMDH “Sem vínculo com a assistência social” encontrou nível de significância menor (0,1), mas, devido à sua importância nas hipóteses testadas, optou-se por mantê-la no modelo ajustado. 146 Quadro 30: Modelo IMU-2 Ajustado Variáveis explicativas Coeficiente Erro- padrão Estatistica do Teste p-valor significância Intercepto 17,41 0,69 25,26 0,000 *** Subordinado vinculado à AS 3,56 0,30 12,04 0,000 *** Autonomia 3,25 0,55 5,93 0,000 *** Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.) De 20.001 a 50.000 hab. 6,30 0,38 16,48 0,000 *** De 50.001 a 100.000 hab. 12,41 0,64 19,52 0,000 *** Mais de 100.000 hab. 19,02 0,73 26,21 0,000 *** Nível de urbanização 0,06 0,01 7,41 0,000 *** Subordinado não vinculado à AS 2,70 1,30 2,08 0,040 * Região (Ref: Norte) Nordeste 2,18 0,55 3,95 0,000 *** Sudeste 2,27 0,58 3,90 0,000 *** Sul 3,23 0,59 5,43 0,000 *** Centro-oeste 7,12 0,71 10,08 0,000 *** Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros) Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado 2,48 0,44 5,63 0,000 *** Possui os 3 cadastros informatizados 3,67 0,37 9,82 0,000 *** Participação Local 0,54 0,05 11,02 0,000 *** Pertencimento ao partido do executivo federal 1,92 0,46 4,14 0,000 *** (Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.3568, R2 ajustado: 0.3551 Nesse modelo, a superioridade dos tipos subordinados aos autônomos é um pouco mais acentuada (3,56 e 3,25, respectivamente), o que ressalta a importância de ambos e dos argumentos em favor de mais autonomia e institucionalização. Os resultados, ainda assim, não são ligeiramente melhores do que o desempenho no modelo IMV-2, apontando para a confirmação da hipótese sobre maior oferta de políticas vulneráveis, nesse tipo de modelo, com a ressalva de que o incremento não é tão maior. Resumindo, considerando os modelos “1” de IMV e IMU, há um ligeiro desempenho melhor para políticas universalistas. No caso dos modelos “2”, quando estão em análise tipos específicos de OGMDH, o desempenho para grupos vulneráveis é ligeiramente maior, inclusive com a validade da variável de “Subordinados não vinculados à assistência social”, em grau menor de confiança (0,5). Em síntese, quando não se consideram os OGMDH na mesma variável, os resultados para grupos vulneráveis são melhores; à exceção dos tipos “Subordinados não vinculados à assistência social”, que só apresentam resultados válidos para políticas universalistas. Pelo que foi explicitado, é possível recusar a hipótese de que os OGMDH tenham um impacto expressivo para grupos vulneráveis, hipótese inicial da tese. Ao mesmo tempo, é possível perceber que há um efeito ligeiramente superior para esses grupos, nos tipos com mais autonomia ou vinculados à assistência social; o que é um resultado interessante, quando se pensa na importância de escolhas institucionais. 147 O tempo de existência não se mostrou uma variável preditora boa para esse modelo, não confirmando a hipótese sobre a importância da maturação dos processos institucionais (SCARTASCINI; STEIN; TOMMASI, 2013). Mais uma vez, as variáveis de OGMDH e capacidade administrativa mostram um desempenho apreciável, que, muitas vezes, não recebe a devida atenção no debate. Os custos de transação políticos podem ser mais bem enfocados, quando pensados em conjunto com as escolhas e os desenhos institucionais que a gestão pública precisa lidar. 4.3.3. Modelos AR Os modelos AR foram de mais difícil operacionalização. A ideia inicial era de trabalhar com o orçamento alocado pelos municípios em direitos humanos, mas a intenção esbarrou na realidade de pouco mais de 80 municípios, em um universo de mais de 5.500, alocarem algum recurso na função “Direitos da cidadania”; o que, por si só, já é um dado. Enfatize-se que alocação não significa que o recurso vá ser empregado e, mais longe ainda, vá ser bem gasto. Testaram-se várias formas de lidar com a variável explicada como qualitativa (emprego de uma regressão logit), bem como seu valor bruto ou na forma de log. Por mais que algumas escolhas aumentem a capacidade do modelo como um todo, tal diferença de resultados não teve grandes apelos para as hipóteses da tese e, principalmente, para o comportamento das variáveis de OGMDH; o que, por si só, é mais um dado conclusivo. O problema não se encontra na maior ou menor sofisticação do tratamento das variáveis, mas na própria realidade do momento de institucionalização de políticas públicas em direitos humanos. O poder de predição desses modelos se posiciona acima dos 12%, algo relativamente modesto. 148 Quadro 31: Modelo AR-1 Variáveis explicativas Coeficiente Erro- padrão Estatistica do Teste p-valor significância Intercepto 45,50 4,18 10,88 0,000 *** OGMDH 5,23 2,38 2,20 0,028 * Maduro 1,71 1,80 0,95 0,341 Sec. Exc de AS sem OGMDH 4,43 2,43 1,82 0,068 . Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.) De 20.001 a 50.000 hab. -30,23 2,01 -15,05 0,000 *** De 50.001 a 100.000 hab. -40,75 3,33 -12,25 0,000 *** Mais de 100.000 hab. -48,72 3,81 -12,80 0,000 *** Nível de urbanização 0,25 0,04 6,23 0,000 *** Subordinado não vinculado à AS -6,51 6,81 -0,96 0,339 Região (Ref: Norte) Nordeste -0,37 2,92 -0,13 0,898 Sudeste 19,18 3,08 6,22 0,000 *** Sul 19,79 3,15 6,29 0,000 *** Centro-oeste 35,68 3,73 9,57 0,000 *** Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros) Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado -4,47 2,31 -1,93 0,053 . Possui os 3 cadastros informatizados -3,84 1,97 -1,95 0,051 . Participação Local 0,26 0,26 1,02 0,310 Proximidade partidária com o executivo federal -1,94 1,55 -1,25 0,211 Pertencimento ao partido do executivo federal -2,00 2,55 -0,78 0,434 (Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.127, R2 ajustado: 0.1243 No modelo 1, a variável OGMDH demonstra seu efeito líquido significativo. A variável “Maduro” não apresentou resultados consistentes e foi retirada do modelo ajustado; a relativa aos tipos “Subordinados não vinculados à assistência social” também não foi significativa. Nas variáveis institucionais, a “Participação local” foi retirada do modelo; as de “Capacidade administrativa” foram mantidas, mas com significância de 0,1, descendo a 90% para ser inserida. O mesmo para as secretarias de assistência social exclusivas, sem a presença de um OGMDH. As duas variáveis partidárias também não foram significativas. 149 Quadro 32: Modelo AR-1 Ajustado Variáveis explicativas Coeficiente Erro- padrão Estatistica do Teste p-valor significância Intercepto 49,48 3,42 14,46 0,000 *** Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.) De 20.001 a 50.000 hab. -29,69 1,99 -14,94 0,000 *** De 50.001 a 100.000 hab. -40,01 3,27 -12,23 0,000 *** Mais de 100.000 hab. -47,10 3,60 -13,07 0,000 *** Nível de urbanização 0,26 0,04 6,38 0,000 *** Região (Ref: Norte) Nordeste 0,52 2,89 0,18 0,860 Sudeste 19,23 3,03 6,34 0,000 *** Sul 19,66 3,12 6,30 0,000 *** Centro-oeste 36,10 3,72 9,70 0,000 *** Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros) Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles nãoé informatizado -4,56 2,31 -1,97 0,050 * Possui os 3 cadastros informatizados -4,11 1,96 -2,09 0,040 * (Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.1251, R2 ajustado: 0.1235 Com o modelo ajustado, percebe-se a perda de significância das variáveis “OGMDH” e das “Secretarias exclusivas de assistência social, sem OGMDH”. O modelo passa a ser composto pelas variáveis societais, com forte peso para as regiões e resultados negativos para o porte da população e capacidade administrativa, além de urbanização ter efeito reduzido positivo (0,26). Com base nesses resultados, é possível inferir que variáveis institucionais têm baixo poder explicativo para a alocação desse tipo de recurso. No modelo AR-2, tem-se a importância dos OGMDH, nesse contexto em que variáveis institucionais explicam pouco de um modelo, que, por si só, é de baixíssima capacidade preditiva. 150 Quadro 33: Modelo AR-2 Variáveis explicativas Coeficiente Erro- padrão Estatistica do Teste p-valor significância Intercepto 45,53 4,18 10,88 0,000 *** Subordinado vinculado à AS 5,09 2,41 2,11 0,030 * Maduro 1,69 1,80 0,94 0,350 Autonomia 6,30 3,42 1,84 0,070 . Sec. Exc de AS sem OGMDH 4,45 2,43 1,83 0,070 . Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.) De 20.001 a 50.000 hab. -30,22 2,01 -15,04 0,000 *** De 50.001 a 100.000 hab. -40,78 3,33 -12,25 0,000 *** Mais de 100.000 hab. -48,86 3,82 -12,79 0,000 *** Nível de urbanização 0,25 0,04 6,21 0,000 *** Região (Ref: Norte) Nordeste -0,30 2,92 -0,10 0,920 Sudeste 19,19 3,08 6,22 0,000 *** Sul 19,83 3,15 6,30 0,000 *** Centro-oeste 35,72 3,73 9,58 0,000 *** Capacidade administrativa (Ref: Não possui os 3 cadastros) Possui os 3 cadastros, mas pelo menos 1 deles não é informatizado -4,48 2,31 -1,94 0,050 . Possui os 3 cadastros informatizados -3,85 1,97 -1,96 0,050 . Participação Local 0,26 0,26 1,01 0,310 Proximidade partidária com o executivo federal -1,94 1,55 -1,25 0,210 Pertencimento ao partido do executivo federal -2,01 2,55 -0,79 0,430 Subordinado não vinculado à AS -1,24 7,05 -0,18 0,860 (Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.08157, R2 ajustado: 0.07873 A substituição da variável “OGMDH”, no modelo 2, pelas outras variáveis de tipos de OGMDH, introduziu algumas mudanças pontuais nos resultados. A variável de secretarias exclusivas sem OGMDH tornou-se significativa (0,1); por fim, a variável “Maduro”, as duas variáveis partidárias e subordinado não vinculado à assistência social não foram significativos, também, para esse modelo. 151 Quadro 34: Modelo AR-2 Ajustado Variáveis explicativas Coeficiente Erro- padrão Estatistica do Teste p-valor significância Intercepto 43,09 3,81 11,31 0,000 *** Subordinado vinculado à AS 6,00 2,28 2,63 0,010 ** Autonomia 7,14 3,31 2,16 0,030 * Sec. Exc de AS sem OGMDH 4,89 2,35 2,08 0,040 * Porte populacional (Ref: até 20 mil hab.) De 20.001 a 50.000 hab. -30,58 1,97 -15,53 0,000 *** De 50.001 a 100.000 hab. -40,98 3,25 -12,60 0,000 *** Mais de 100.000 hab. -48,52 3,62 -13,41 0,000 *** Nível de urbanização 0,24 0,04 6,08 0,000 *** Região (Ref: Norte) Nordeste 0,49 2,90 0,17 0,870 Sudeste 18,57 3,00 6,18 0,000 *** Sul 18,85 3,07 6,14 0,000 *** Centro-oeste 34,83 3,68 9,46 0,000 *** (Significância = ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05) - R2: 0.1255, R2 ajustado: 0.1237 As duas variáveis de OGMDH mantêm sua participação no modelo: autonomia (beta de 7,1 com significância de 0,1) e subordinado vinculado à assistência social (6,0 com significância de 0,01), sendo valores superiores aos das secretarias de assistência social exclusivas, sem OGMDH (4,8 com significância de 489); o que é interessante, visto que a maior parte da composição desses orçamentos é oriunda da assistência social. As demais variáveis do modelo são as de corte societal, um dado surpreendente, se for levado em consideração todo caráter ainda incipiente da institucionalização dos OGMDH frente ao nível em que já se encontra a assistência social, principalmente, nos municípios. A presença de OGMDH é mais impactante para o aumento da alocação de recursos orçamentários nas funções selecionadas de assistência social do que qualquer outra variável institucional. É aceita a hipótese de que os OGMDH incrementam a alocação de recursos, com a ressalva de que tal resultado só foi verificado com a separação em diferentes tipos de OGMDH. Não foi encontrada prova para a hipótese do tempo de maturação dos OGMDH ter efeitos para a alocação de recursos. 152 4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O problema central desta tese é identificar se os OGMDH têm efeitos sobre a provisão de políticas públicas em direitos humanos. Nos modelos utilizados, há uma resposta afirmativa, lembrando que as hipóteses testadas nascem de uma condição em que os municípios têm muita autonomia para implementar políticas públicas em direitos humanos, podendo fazê-lo com o desenho institucional de gestão que lhes for conveniente ou, inclusive, não estabelecer órgão gestor para tanto. Existia uma ausência de conhecimento em relação aos efeitos de escolhas institucionais sobre políticas públicas. A literatura de direitos humanos, por sua vez, se concentra em relações internacionais e atuação do Executivo federal brasileiro; salvo dois trabalhos apresentados ao final do capítulo 2, esse objeto não é estudado de forma abrangente e analítica, predominando estudos de caso, como parte de uma realidade fragmentada, de políticas públicas específicas. O que se faz, nesta tese, é, a partir do levantamento das formas empíricas de órgão gestor identificadas pelo IBGE, a elaboração de modelos que busquem identificar o efeito específico dos órgãos gestores locais na oferta dessas políticas públicas. A hipótese principal é a de que eles produzem, sim, impactos nessa oferta, recusando uma leitura pessimista e redutora da Teoria da Escolha Pública, em favor de uma apropriação dos Custos de Transação Políticos para interpretar os resultados. As demais questões e hipóteses, deste trabalho, esmiúçam outros aspectos do problema central, como: os diferentes tipos de OGMDH (mais autonomia e vínculo com a assistência social) e seu tempo de maturação (existentes em 2009 e presentes em 2011), além de arguir sobre a possiblidade de um trade off entre políticas de caráter mais universalistas e aquelas voltadas para grupos específicos. Por fim, se indagou sobre a possiblidade de os OGMDH aumentarem o incremento de alocação de recursos orçamentários. Os OGMDH elevam a oferta de políticas públicas e seus tipos com mais autonomia ou vinculados à assistência social, aumentam, mais ainda, essa oferta. Os OGMDH favorecem políticas para grupos específicos, um impacto verificado, também, na alocação de recursos orçamentários. O efeito dos OGMDH foi identificado em todos os modelos, com única ressalva para os modelos AR, onde só se encontraram resultados nos de tipo “2”, reforçando o entendimento de que a existência de OGMDH é uma opção institucional que, no período 153 estudado, favoreceu a redução de CTP. Tal hipótese não havia sido validada por nenhum estudo anterior. Cada vez que um prefeito escolhe um desenho institucional com a presença de um OGMDH, dá passos concretos para a ampliação da oferta de políticas públicas em direitos humanos. Mais relevante, entretanto, é o fato de ser uma decisão de custos muito baixos, capaz de ser tomada com muita velocidade pelas administrações locais. Ao incluir, na sua gestão, um OGMDH, aumenta o beta de IMV, para 3,65, e IMU, para 3,48, a única variável institucional que poderia render um resultado superior é a que diz respeito à capacidade administrativa. Aprimorar instrumentos administrativos de arrecadação é uma medida que prefeitos podem tomar, independentemente do seu impacto sobre políticas públicas, e quesão bem mais delicadas de execução do que o uso do desenho institucional da gestão, com a criação de OGMDH. Ao instituir o OGMDH, o prefeito sinaliza para seu staff um compromisso com aquela agenda; ao mesmo tempo em que cria um espaço de elaboração e articulação de políticas públicas no interior da gestão. Para os atores sociais, abre-se um canal de interlocução em torno da agenda de políticas públicas em questão. Em relação ao orçamento (Modelo AR2), os tipos com autonomia chegam ao beta de 7,14 (0,05 de significância) e, com vínculo à assistência social, um resultado de 6,00 (0,01 de significância). Tal resultado supera o das secretarias de assistência social sem a presença de um OGMDH, porém não se deve esquecer que a quase totalidade dos recursos dessa variável explicada provém da assistência social. O que se pode concluir disso? Que os tipos com mais liberdade hierárquica de OGMDH favorecem a ampliação de recursos na assistência social, se comparados com aquelas secretarias que não os possuem. Quanto aos tipos de OGMDH, o fato de um tipo ser subordinado com vínculos com a assistência social é tão ou mais importante do que ter mais autonomia. Na verdade, é um “empréstimo de recursos e autonomia” de uma área mais consolidada e com afinidade, no caso, a assistência social. Nesse sentido, apenas na alocação de recursos os resultados dos tipos autônomos superam os subordinados com vínculo com a assistência social. Um modo de pensar tal questão é entendê-la como uma forma de tirar vantagens de caminhos institucionais já percorridos, de “queimar etapas”, em um processo de institucionalização. O mais interessante é que, se a assistência social abrevia caminhos institucionais para os OGMDH, os mesmos favorecem a provisão de políticas públicas de interesse mútuo e, na alocação de recursos, são mais influentes do que secretarias exclusivas sem OGMDH, conforme já mencionado; são horizontes que se fortalecem em termos de institucionalização de tais políticas. 154 A noção de tempo de maturação do OGMDH só pode ser verificada para políticas públicas voltadas para grupos vulneráveis. Em parte, a pretensão teórica esbarra no parco registro, apenas a partir de 2009. Para que a ideia de maturação seja estudada com mais consistência, seria ideal que fosse delimitada por um período maior de anos, passando por diferentes gestores. A hipótese de maior efeito dos OGMDH sobre políticas para grupos vulneráveis se mostrou coerente, quando se pensa os diferentes tipos de OGMDH (modelos tipo “2”); porém a dimensão dessa diferença não é muito expressiva. A presença dos OGMDH, na verdade, favorece políticas universalistas e para vulneráveis, não parece retratar um quadro de oposição em que ou se pratica políticas com foco ou mais universalistas. Na oferta de políticas públicas em direitos humanos, os atores envolvidos não fazem, pelo menos no período estudado, uma distinção rígida entre diferentes públicos-alvo de políticas públicas. Na “criatividade” da escassez de recursos, não cabe veto ou lista de prioridades de políticas públicas. Pode-se conjecturar que, na expectativa de maior institucionalização e legitimidade, todas as políticas públicas que forem possíveis serão perseguidas. A ideia que norteia a hipótese deste trabalho, em favor de uma maior presença de políticas para grupos vulneráveis, parte de um raciocínio sobre grupos de interesse (OLSON, 1965). Para a maioria dos municípios brasileiros e seus OGMDH esse não é um cenário factível. A alocação de recursos é a hipótese que, desde sua concepção, parecia a mais difícil de ser validada. Recursos em direitos humanos parece uma etapa de institucionalização para o futuro e, de fato, o é. O interessante é que, mesmo com fraca dotação orçamentária direta, os OGMDH conseguem ter efeito sobre a alocação de recursos em áreas afins; no caso estudado, a assistência social. A variável de capacidade administrativa, depois dos OGMDH, foi a variável institucional com maior efeito sobre a provisão de políticas públicas, o que leva a pensar sobre a necessidade de governos investirem em seus instrumentos de gestão. Governos, minimamente, capacitados para a gestão de arrecadação de impostos tendem a ter mais capacidades administrativas para o incremento da sua provisão em políticas públicas. As variáveis relacionadas com vínculos partidários e participação social são relativamente decepcionantes em seus resultados, em face do muito que acentuam sua importância. A variável partidária de proximidade do Executivo federal mostrou-se inócua e a de pertencimento como mais efetiva para políticas públicas universalistas, sendo ambas não significativas para a alocação de recursos. Nesse universo de discussões institucionalistas, os 155 OGMDH comparecem como fator importante para a redução dos custos políticos de transação. Neste capítulo, foram apresentadas as estatísticas descritivas das variáveis dos modelos, os modelos em si e seus resultados. Os resultados confirmam a importância dos OGMDH para a maior oferta de políticas públicas em direitos humanos. Sua interpretação colabora para a importância de questões sobre o desenho institucional da gestão e fatores relacionados aos custos de transação políticos. Não se encontraram evidências que dessem substância a argumentos que interpretam a criação de OGMDH como aumento de custos, sem maiores consequências. Todos os resultados vão na direção inversa: desenho institucional e CTP são elementos importantes, com efeitos sobre a atuação de governos na oferta de políticas públicas. No caso dos OGMDH, estes representam fator importante e de fácil efetivação com resultados para o gestor local. 156 CONCLUSÃO Esta tese realizou um estudo quantitativo que relaciona o impacto de escolhas institucionais com a oferta de um conjunto de políticas públicas em direitos humanos: a escolha, por parte de prefeitos, de ter um órgão gestor de políticas públicas em direitos humanos. A revisão da literatura sobre o tema, até a presente data, não havia atingido resultados que dessem conta de um leque tão amplo dessas políticas, tendo como universo o conjunto dos municípios brasileiros. A seguir, pode-se observar a conclusão sobre a exposição dos resultados apresentados no capítulo 4 e sua relação com os problemas e as hipóteses da tese. O problema central levantado é relacionado à efetividade dos OGMDH para a ampliação da oferta de políticas públicas em direitos humanos. Ao criar um OGMDH, o governo local aponta um espaço institucional e uma escolha de agenda, surgindo, desse ponto de partida, iniciativas que não seriam incrementadas sem essa escolha de desenho institucional da gestão. Em termos conceituais, opera para a redução dos custos de transações para a promoção de uma agenda de políticas públicas em direitos humanos. Os modelos de tipo 1, usando uma variável única para todos os OGMDH, apresentaram os betas de IMV, para 3,65, e IMU, para 3,48. O índice de políticas para grupos vulneráveis aumenta 3,65 de sua unidade, quando existe algum tipo de OGMDH no município. No caso das políticas universalistas, o valor é um pouco menor, 3,48, mas produz um efeito muito próximo. No caso da alocação de recursos, AR, a variável do modelo 1 não foi significativa, mas sim os tipos de maior autonomia, do modelo 2: um beta de 6,00, para “setores subordinados com vínculo com a assistência social”, e de 7,00, para secretaria exclusiva de direitos humanos. Por esses resultados, mesmo não sendo os únicos, já se verifica a importância de um OGMDH. Mas as questões investigadas ainda vão além: compara-se o tipo mais presente entre os OGMDH, no período, que são os subordinados a outra secretaria, com aqueles que possuem mais autonomia, como, por exemplo, uma subsecretaria de direitos humanos, em uma secretaria de educação. Testou-se, também, a importância estratégicapara o centro da gestão, no gabinete do prefeito; na administração indireta, o privilégio cabe à descentralização em relação ao governo. Em relação aos órgãos gestores estudados, via de regra, os órgãos da administração indireta são autarquias. Nesse sentido, um “conselho de direitos humanos”, com status de autarquia, seria um exemplo de “órgão da administração indireta”. A forma mais presente de órgão gestor de direitos humanos, no período estudado, é um tipo mais baixo, hierarquicamente, nos organogramas de governo: o “setor subordinado a outra secretaria”. Uma subsecretaria de direitos humanos que pertence a uma secretaria de assistência social é um exemplo desse tipo de órgão gestor. Ao longo desta tese, denominam- se essas opções institucionais como OGMDH, Órgão Gestores Municipais em Direitos Humanos1. Ao colocar esse desenho de estruturas institucionais em análise, se quer verificar 1 Deve-se grifar que essa sigla não existe em nenhum outro trabalho. Sua criação se tornou necessária para a operacionalidade desta tese. A classificação pertence ao IBGE e à sua Pesquisa de Informações Básicas 2 se tais escolhas propiciam um aumento na oferta de políticas públicas relacionadas com os direitos humanos. A omissão e a ação deletéria do Estado em efetivar direitos são pontos centrais do debate sobre direitos humanos, em países como o Brasil, reconhecidos, inclusive, pelo Estado brasileiro, em diferentes momentos. Dentre os principais problemas, estão questões que prescindem da cooperação e atuação dos governos subnacionais, estados e municípios. Enquanto o governo federal sofre pressões externas, os governos subnacionais podem adiar ações efetivas, livrando-se dos seus custos orçamentários e dependendo da temática dos custos políticos. No caso específico dos municípios, o quadro é particularmente mais complexo. Por um lado, cada vez mais o município é visto como lócus de governo com maior capacidade para implementação de políticas públicas, mesmo que sejam gestadas pelo governo federal e/ou estadual. Por outro lado, a definição de sua atuação específica varia muito no campo dos direitos humanos, de políticas mais constitucionalizadas a políticas públicas de livre implementação (GERSHON et al., 2005; SOUSA et al., 2015). A ideia de que os Órgãos Gestores Municipais em Direitos Humanos (OGMDH) possam incrementar a oferta de políticas públicas em direitos humanos não é autoevidente; precisa ser verificada com dados empíricos dos municípios, pois não há qualquer obrigação legal de uma prefeitura instituir tal estrutura de governo. Trata-se de uma livre escolha dos gestores municipais, já que os municípios, sem os OGMDH, poderiam ter maior provisão de políticas públicas, em direitos humanos, independentemente da existência destes. Nesse sentido, seriam governos com estruturas menores, capazes de ofertar mais políticas públicas e, assim, se ter um estado menor, potencialmente, com mais resultados na efetivação de direitos. O raciocínio sobre essas estruturas de governo pode ser pensado, também, na direção inversa. Os OGMDH não representam apenas maiores estruturas e gastos, eles reduzem Custos de Transação Políticos (CTP) e propiciam a maior oferta de políticas públicas para a efetivação de direitos humanos. O capítulo 2 trata da base conceitual relativa aos Custos de Transação Políticos. Em termos conceituais, o presente trabalho parte de premissas da Nova Economia Institucional (NEI), que valorizam o papel das instituições. Particularmente, o conceito de “custos de transação” e seu emprego para instituições de governo geram os Custos de Municipais (MUNIC). A expressão utilizada na publicação da MUNIC de 2011 foi: “órgão gestor da política de direitos humanos”, sem o uso de qualquer sigla (IBGE, 2012, p. 84). A sigla OGMDH foi uma adaptação a partir desse uso de termos pelo IBGE. 3 Transação Políticos, que, na economia, são aqueles não relativos à produção de um produto ou serviço, mas que existem e influenciam na sua produção. Os custos de fazer cumprir um contrato de fornecedores, por exemplo, não são considerados custos de produção, mas interferem diretamente nos seus resultados. No caso da política, as relações de confiança e interação entre os atores sociais e as entidades de governo são bons exemplos de CTP. Seguindo essa linha de raciocínio, os Órgãos Gestores Municipais em Direitos Humanos são entendidos como meios adotados pelos governos locais para reduzirem Custos de Transação Políticos. Ao criar Órgãos Gestores Municipais em Direitos Humanos, não só aumentam o tamanho do governo, mas também sinalizam uma agenda e seus compromissos, abrindo-se, então, um espaço institucional de interlocução entre atores estatais e não estatais interessados nesse tipo de política pública. No caso brasileiro, os municípios são a unidade de governo mais próxima da população, que, pelo desenho de responsabilidades do pacto federativo, atuam em praticamente todas as áreas de políticas públicas em direitos humanos. Não que o façam por meio apenas de políticas públicas de sua exclusiva elaboração, financiamento e execução; ao contrário, o pacto federativo brasileiro tem caminhado para esforços coordenativos a fim de que as políticas públicas federais e estaduais tenham, na sua ponta de execução, o compromisso do governo local (ABRUCIO, 2005; ARRETCHE, 2004; MACHADO, 2010). Entretanto, há pouca discussão, no campo da ciência política, sobre a descentralização para a esfera local dessa provisão de serviços públicos, como aponta Ricardo Ceneviva (2012, p. 7): Em suma, a produção acadêmica na área de ciência política que procura investigar as causas, as características e os efeitos da descentralização tende a destacar o protagonismo do sistema eleitoral, dos partidos políticos e do sistema partidário, mas parecem negligenciar as consequências – e os resultados – da política de descentralização. E, mais importante, esses trabalhos sobre a descentralização explicam quase exclusivamente o nível de descentralização fiscal – medido como parcela dos gastos executados e receitas coletadas pelos governos subnacionais –, não há de fato muitos trabalhos devotados à análise da descentralização dos serviços públicos, tais como saúde, educação, assistência social de uma perspectiva da ciência política, apesar do peso dessas áreas na composição dos gastos públicos. Na literatura de ciência política relativa às políticas públicas, o escasso estudo da descentralização de serviços públicos, recorrentemente, atribui resultados subótimos à falta de qualidade gerencial dos municípios (CENEVIVA, 2012; ARRETCHE, 2004). Sem descartar a importância desse fator, procura-se, nesta tese, uma abordagem que entenda o comportamento dos municípios como atores dotados de autonomia e racionalidade. Nesse lugar comum citado, o comportamento dos municípios parece sempre irracional, diante das 4 inúmeras vantagens que teriam em aperfeiçoar sua gestão. Paradoxalmente, os mesmos municípios que são atrasados e irracionais, em algumas, não o são para outras políticas públicas. Nesse sentido, verificar como o desenho e as escolhas institucionais afetam esses resultados é uma das contribuições da NEI que ajuda a entender a situação dos governos locais. No caso específico da seleção de uma literatura acadêmica sobre o tema dos direitos humanos, a situação mais frequente é o uso da expressão “direitos humanos” para fazer parte do título do artigo e das considerações iniciais, mas as reflexões não vão além da constatação de que aquela política pública, a que se refere o artigo acadêmico, é, também, um “direito humano”2. O aumento ou a diminuição da presença de trabalhos que partem de um uso tão largo do termo em relação aos municípios não permitem medir, ao longo do tempo, se as prefeituras estão mais receptivas à temática dos direitos humanos ou não. O quede muitos setores subordinados, então, se vincularem à assistência social, por sua afinidade de públicos e portfólio de políticas públicas. 157 As leituras dos resultados dos modelos apontam que tanto os tipos com mais autonomia, quanto a presente escolha por vínculo de setor subordinado com a assistência social, aumentam significativamente a oferta de políticas públicas. Nos modelos tipo 2, os “setores subordinados OGMDH à assistência social” tiveram beta de 3,63, IMV, e 3,56, IMU; já, nos mesmos modelos, os OGMDH de maior “autonomia” tiveram beta de 3,52, IMV, e 3,25, IMU. Nota-se que os OGMDH importam e, mais do que isso, a escolha do seu tipo impacta o tamanho da ampliação da ação em direitos humanos. Foi investigado, também, se as maturações de processos institucionais favorecem melhores resultados da provisão de políticas públicas em direitos humanos, com bases em dados disponíveis sobre a existência de OGMDH, em 2009 e 2011, um período extremamente breve. O desejável seria um período maior, que pudesse passar por diferentes gestões locais. Ainda assim, foi identificado efeito no que diz respeito às políticas públicas para grupos vulneráveis: no modelo tipo 1, seu beta foi de 1,40 e, para o tipo 2, de 1,42. Uma possibilidade é que os elementos empíricos disponíveis para medir tal noção teórica não se fizeram presentes na sua melhor qualidade, ficando, então, para investigações futuras. Outra questão abordada foi se o incremento de políticas públicas em direitos humanos ocorre da mesma forma ou não, tanto para grupos identitários, em situação de vulnerabilidade, como em políticas universalistas. Testou-se, ainda, se a formação de um OGMDH favorecia um incremento maior de políticas públicas para grupos vulneráveis. A hipótese inicial era de que existiria um trade off, motivado por grupos de interesse por políticas identitárias em torno dos OGMDH criados, mas que não foi confirmada. Uma especulação que pode ser feita é de que boa parte dos municípios está muito distante de um cenário de institucionalização de grupos de interesse em torno de políticas públicas identitárias. Em um cenário de escassez de recursos de toda a natureza, os OGMDH apostam nas políticas públicas que são viáveis, independentemente de uma hierarquização de preferências. Em verdade, não se trata de ver uma oposição entre políticas focais e universalistas, mas o avanço de ambas as agendas em direitos humanos, na tentativa de não deixar uma lacuna no aspecto orçamentário das políticas públicas. No que tange à alocação de recursos, foi identificado o mesmo diagnóstico, modelos AR2, inclusive com resultados mais expressivos para os tipos dotados de mais autonomia. A ordem de construção do texto seguiu um itinerário ao mesmo tempo amplo, como o tema dos direitos humanos suscita, e demarcado ao que a construção de uma investigação empírica sobre a realidade local dos municípios brasileiros demanda. 158 No capítulo 1, abordaram-se as concepções, os debates, as experiências internacionais e a criação de mecanismos de monitoramento e expansão dos direitos humanos. No que diz respeito às concepções e à necessidade ou não de um elemento conceitual que fundamente a existência dos direitos humanos, optou-se por uma abordagem “não essencialista”, que permite sair do impasse se os “direitos humanos” são “universalmente” aplicáveis ou não. Nesse sentido, remete-se o debate para o campo da política e da construção de instituições, perspectiva alinhada aos objetivos desta tese, de discutir o resultado de um desenho institucional específico. Nas relações internacionais, os avanços foram grandes, desde 1945, na produção de compromissos, tratados internacionais e sistemas de proteção e promoção dos direitos humanos, embora haja muitas críticas sobre a efetividade de diferentes países em cumprir tais acordos. Das frustrações, ou otimismo comedido, com os tratados internacionais, seguiu-se em direção às investigações sobre as instituições domésticas, NHRI. Cabe ressaltar que países de grandes dimensões e federalistas têm uma dificuldade a mais em se localizarem nesse debate; somando-se a isso o fato de que muitas metrópoles estão se tornando players internacionais. No Brasil, as subunidades nacionais vivem um quadro de dilemas institucionais em torno de suas obrigações e os meios de realizá-las. Por uma via, são apontadas como omissas e/ou diretamente ligadas à perpetuação de violações dos direitos humanos; o que, em muitas situações, é a mais pura exatidão. Por outra, é na melhora de suas políticas públicas e na atuação da máquina administrativa que se encontram os caminhos institucionais e políticos para uma melhor efetividade dos direitos do cidadão. Enquanto o governo federal é o foco das pressões internacionais e nacionais em relação aos direitos humanos, boa parte das soluções requer o esforço das subunidades. Tal especificidade relaciona-se com a dinâmica federativa e o lugar destinado aos municípios nessa dinâmica, em podem ser constatadas duas direções: de um lado, os temas relativos aos direitos humanos ganham destaque cada vez maior na agenda política; por outro lado, há a urgência de mecanismos domésticos para dar efetividade aos direitos humanos. Sua composição vai de políticas públicas mais constitucionalizadas e organizadas em torno da ideia de sistema, como a assistência social, saúde e educação, até políticas públicas que sejam de livre escolha e, assim, implementações por parte dos municípios, inclusive com a hipótese de superposição de diferentes programas, em diversos níveis federativos. Resta um problema teórico: em que sentido órgãos gestores locais podem ajudar a enfrentar os problemas da gestão local de políticas públicas em direitos humanos? 159 No capítulo 2, buscou-se atender a uma lacuna sobre a reflexão teórica e em como os custos de transação políticos (CTP) podem ser o elemento que explique essa maior contribuição dos OGMDH (WILLIAMSON, 1975; NORTH, 1998; FIANI, 2002; SPILLER; TOMMASI, 2007; CABALLERO; ARIAS, 2013). Após exposição das três principais vertentes do institucionalismo, tornou-se coerente, com o objeto de pesquisa, a opção conceitual pelo institucionalismo da escolha racional conjugada ao conceito de Custos de Transação Políticos (CTP), da NEI. Nesse sentido, foram tecidas considerações sobre os CTP e como a transação política envolve custos mais elevados e difíceis de serem contornados. Tal abordagem possibilitou entender o impacto dos OGMDH pela sua existência, a importância de seus tipos com mais autonomia, mais livres na hierarquia do desenho institucional, ou da presença de vínculo com a assistência social, apropriação da institucionalização já existente em uma área próxima, que oferece, aos OGMDH, uma possibilidade de acesso a mais recursos e poder institucional. Ou seja, nada mais é do que a ascensão hierárquica, a autonomia, emprestada de uma área com grande afinidade de políticas públicas. Enquanto que, para a assistência social, a aproximação de direitos humanos favorece unidade legítima como sistema de proteção social, para a efetivação de direitos, afastando-se, portanto, da marca do passado assistencialista e filantrópico (SPOSATI, 2007). Essa vantagem, para a provisão de políticas públicas, se faz presente inclusive no incremento da alocação de recursos. O nexo de causalidade entre a presença dos tipos de OGMDH e as políticas públicas e alocação de recursos reside no papel desempenhado pelos OGMDH para a redução dos CTP. O argumento é que o desenho institucional das “engrenagens burocráticas criadas”, no caso, os OGMDH, favorece a diminuição de custos de informação, de negociação, de ação coletiva, de monitoramento, ou seja, custos de transação, sinalizando, na estrutura de governo, um “lócus” para “tratar do assunto” de direitos humanos. Pela investigação aqui presente, é corretase demonstra nos resultados desta tese é a diminuição dos Custos de Transação Políticos (CTP) e se verifica uma crescente adesão a uma agenda de políticas públicas em direitos humanos por parte dos municípios brasileiros no período estudado. Municípios e as polêmicas em torno de direitos humanos Ao ingressar no campo de estudos sobre os direitos humanos, o pesquisador depara-se com uma série de polêmicas em torno do tema. Assim, mesmo que seu interesse seja na construção de uma pesquisa sobre realidades locais, municípios e com inferências quantitativas, oferta de políticas públicas, o pesquisador vai se deparar com questões que vão de debates filosóficos às relações internacionais. Nesse sentido, investir na construção do objeto desta tese passou, também, por delimitar posições necessárias frente a tais debates. Uma primeira questão diz respeito à proposição de que o desenvolvimento histórico dos direitos humanos é universal e extensível a todas as culturas. Parte considerável do debate filosófico, em torno dos direitos humanos, diz respeito à sua origem no Ocidente e à possibilidade de “tradução” para países e culturas não ocidentais. No debate contemporâneo, como se apresenta no capítulo 1, há uma disputa entre posições que advogam a necessidade 2 Tal comentário não é feito para desmerecer a importância dessas contribuições, mas visa à constatação, de que a literatura acadêmica sobre direitos humanos é bem mais reduzida, do que o uso corrente do termo possa fazer parecer em uma primeira busca do termo. 5 de um “fundamento último”, razão, espécie, evolução, Deus e as críticas a essa posição. A opção desta tese é colocar um alinhamento com a posição mais crítica à necessidade de um sustentáculo, para a existência e expansão dos direitos humanos. Vertente “não essencialista”, para Luiz Eduardo Soares (2006), os direitos humanos são uma construção histórica e problemática das sociedades ocidentais, mas que podem ser um recurso, pragmaticamente válido, para a vida política atual. A posição escolhida permite contornar os impasses presentes nas outras formas de defesa dos direitos humanos, como prescindir de um fundamento último. Não se resume à denúncia do poder ou à necessidade de respeito às diferenças, ao mesmo tempo em que reconhece a precariedade e a origem histórica dos direitos humanos no Ocidente. Enfim, a afirmação dos direitos humanos resulta de conquistas políticas e institucionais e não apenas da construção de um consenso no debate filosófico-conceitual. Corrobora essa defesa a lembrança de Norberto Bobbio (2004) de não haver prova de que, em momentos de maior consenso nos valores liberais, não se tenham produzidos contextos de maior respeito aos direitos do indivíduo. Ao contrário, conforme o autor, a orquestração dos acordos internacionais veio em um momento histórico de crise de paradigmas filosóficos. Tal posicionamento é significativo no interior desta tese, pois qualifica a importância das instituições e da ação política para a produção desse artefato histórico e cultural, que é a efetivação de direitos humanos, não remetendo sua legitimidade ou subsistência a outros campos do saber e da ação humana. Outra polêmica que circunda o tema é a passagem da defesa de direitos do indivíduo para um conjunto de direitos mais amplos, que dizem respeito a grupos e coletividades. A origem dos direitos civis e políticos remonta ao liberalismo político e sua defesa do indivíduo frente ao poder do Estado e da tirania de maiorias. Esse legado histórico do Ocidente produz a ideia de Estado de Direito, que assegura uma série de liberdades fundamentais ao indivíduo. As origens dos direitos humanos confundem-se com o pensamento liberal e ocidental nas restrições do uso do poder para oprimir e perseguir indivíduos e grupos minoritários. Inicialmente, concentradas em diferenças políticas e religiosas, até chegar, nos últimos dois séculos3, em torno do reconhecimento de diferenças identitárias. A passagem das garantias individuais à proteção de identidades de grupos sociais não é algo inconteste e imediato (DONNELLY, 2013). As lutas dos movimentos feministas, negros, quilombolas, LGBTs, de pessoas com deficiência, idosos, ciganos, comunidades 3 Séculos XX e XXI (em curso). 6 indígenas, de crianças e adolescentes, de juventude, dentre outros, são exemplos dessa dinâmica de ampliação de direitos. Dentro das abordagens que dão ênfase aos direitos humanos, há autores que defendem uma visão mais restrita do leque que compõe os direitos humanos (DONNELLY, 2013). Boaventura de Souza Santos considera essa escolha de “direitos humanos de baixa intensidade”, como correlata à "democracia de baixa intensidade” (SANTOS, 2001, p. 254). O mesmo autor defende uma visão intercultural e emancipatória dos direitos humanos. Nesta tese, são investigadas, tanto a oferta de políticas públicas mais universalistas, que não têm como foco um grupo identitário específico, quanto os grupos específicos em situações de maior vulnerabilidade social, relacionada com aspecto de desvantagem social frente à sua identidade coletiva. Nos problemas e hipóteses colocados, está presente uma questão sobre a predominância, ou não, de um tipo de política pública sobre o outro na atuação dos Órgãos Gestores Municipais em Direitos Humanos (OGMDH). Na discussão dos resultados da tese, recusando uma das hipóteses testadas, conclui-se que essa oposição de tipos de políticas públicas não é consistente; os OGMDH aumentam a oferta dos dois tipos, universalista e para grupos com uma identidade específica, com valores muito próximos. Uma dimensão adicional para perceber a ampliação do perímetro dos direitos humanos é constatar que a sua agenda se expandiu dos direitos civis e políticos (DCP) para um conjunto maior de direitos relacionados com as bases materiais e socioculturais (DESC), tema este polêmico com a formação de dois comitês específicos, um para cada conjunto de direitos, no âmbito das Organizações das Nações Unidas (ONU). Nos indicadores de políticas públicas desta tese, são utilizadas políticas públicas relacionadas a DCP e a DESC. Tal debate é importante neste estudo, pois se opta por uma definição mais abrangente do que possa ser “política pública em direitos humanos”, abrangendo a efetividade de direitos a indivíduos e coletividades. Nesse sentido, renuncia-se a uma abordagem mais conservadora, que traduz os direitos humanos só como os direitos individuais ligados às liberdades civis e políticas, como a origem do liberalismo político. Outra seara complexa que circunda o tema dos direitos humanos é a dos tratados internacionais e sua efetividade. É muito interessante que, no pós-segunda guerra, tenham surgido tratados e instituições de monitoramento e promoção dos direitos humanos jamais vistos. Grande parte da força da temática dos direitos humanos advém de um cenário internacional de cobrança, entre países, da efetividade dos compromissos assumidos internacionalmente. Países de grande extensão e federalistas, como o Brasil, têm uma situação 7 particular nesse cenário, pois grande parte da cobrança recai sobre o governo central, que precisa da colaboração das subunidades nacionais. Democracias federalistas e de grande extensão, como Brasil e Estados Unidos, representam um problema específico nessa discussão (PEGRAM, 2010). Parte do debate brasileiro sobre a efetividade dos direitos humanos é uma discussão sobre as iniciativas do governo federal e a importância da adesão de governos subnacionais (ALMEIDA, 2011). Nesse sentido, a coordenação entre diferentes governos é sempre um ponto a ser levantado. No federalismo brasileiro, que inclui os municípios como ente federativo e agente local de muitas políticas sociais, essa combinação/superposição de níveis de governos abre mais possibilidades de protagonismo para as administraçõeslocais. Soma-se a isso o fato de que alguns municípios brasileiros são grandes capitais com governos complexos e destaques internacionais como “players” de um mundo globalizado (WOLMAN, 2014). Esse debate é particularmente crucial, pois enseja a possibilidade de inclusão de uma série de elementos a serem investigados, que geram assimetrias de resultados entre os municípios brasileiros. Há tanto fatores societais, como: tamanho populacional, desenvolvimento regional e urbanização, quanto aspectos institucionais, como: capacidade administrativa, sociedade civil organizada e relações político-partidárias entre o poder federal e os municípios. Os direitos humanos estão formalmente na agenda do Executivo federal, desde a volta da democracia. Já em 1985, em discurso de abertura dos trabalhos da Organização das Nações Unidas, o então presidente, José Sarney, declarava (COMPARATO, 2005): Os direitos humanos adquirem uma dimensão fundamental, estreitamente ligada à própria prática da convivência e do pluralismo. (…) Com orgulho e confiança, trago a esta Assembleia a decisão de aderir aos Pactos Internacionais das Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos, à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Com essas decisões, o povo brasileiro dá um passo na afirmação democrática do seu Estado e reitera, perante si mesmo e perante a Comunidade Internacional, o compromisso solene com os princípios da Carta da ONU e com a promoção da dignidade humana. Como se constata em nosso processo de redemocratização, a opção pela adesão a mecanismos internacionais de promoção e proteção aos direitos humanos foi parte do processo de construção de um novo Estado, pelo menos, no aspecto normativo e discursivo. Tal qual em outros países, os discursos chegam anos, ou décadas, antes de ocorrer o acolhimento jurídico concreto. 8 O maior amparo legal e a efetividade das leis relativas aos direitos humanos tornam-se mais consistentes quando o Estado estabelece uma agenda para os gestores de políticas públicas. Tal processo possui ganhos efetivos, a partir de 1993, com a participação brasileira na Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Viena, no governo Itamar Franco, quando começa a ganhar força a ideia de que deveria existir um programa nacional de direitos humanos (ALVES, 2009). Com o governo Fernando Henrique Cardoso, em 1996, é criado o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos e, em 1999, é criada a Secretaria de Direitos Humanos, ambos no Ministério da Justiça. O primeiro secretário do programa foi José Gregório, que permaneceu até o ano seguinte, sendo substituído pelo sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro. Em 2002, é produzido o segundo Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH II4), ainda no último ano do segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (PINHEIRO; MESQUITA NETO, 1997, 1998). No primeiro ministério do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a Secretaria de Direitos Humanos ganha status de secretaria especial, vinculada à Presidência da República, equivalente a um ministério; algo que só existe no Brasil e foi mantido até o governo da presidenta Dilma Rousseff, apenas com retirada do termo “especial”5. Deve-se destacar que, em 2003, surge o Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos, criado a partir de um comitê específico e consultas regionais, visando a dar desdobramento à promoção dos valores associados aos direitos humanos, nos diferentes âmbitos em que possa ser entendida a educação formal e informal. Em 2010, surge o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), que ganha densidade de propostas, mais abrangentes e estruturadas, especificação de órgãos federais responsáveis por cada elemento e parcerias institucionais necessárias, refletindo a própria mudança de governo. No Brasil, sucessivos governos federais, desde a abertura democrática, têm caminhado, com maior ou menor grau de empenho, na tentativa de dar efetividade a esses compromissos internacionais. Sempre presente, também, é a preocupação em estabelecer uma cooperação entre os entes federativos, em suas ações. A solução para a inexistência de uma instituição doméstica responsável por monitorar e promover os direitos humanos na federação foi a criação de um “quase” ministério ou uma secretaria, com “status” de ministério, que 4 A numeração das siglas dos três PNDH utilizada nesta tese segue o padrão adotado nos documentos oficiais (PNDH I e II e PNDH 3). 5 No governo Temer (2016-2018), os direitos humanos são devolvidos à estrutura do Ministério da Justiça; meses depois, novamente retomados, com status e terminologia de ministério. 9 pudesse induzir e coordenar iniciativas pelo cumprimento das diretrizes do programa. Tal inciativa esbarra nos custos de conseguir apoio e capacidade de implementação na sociedade e demais atores da federação. Os municípios, por sua vez, vêm ganhando protagonismo cada vez maior na execução de políticas públicas. Nesta tese, investiga-se não apenas uma política pública específica, mas dezenas; não se parte da perspectiva da arena internacional ou dos programas federais, mas da oferta dessas pelos mais de cinco mil municípios brasileiros. Assim, tem-se a possibilidade de mensurar a adesão dos municípios a esse conjunto de políticas públicas em direitos humanos e, mais do que isso, de estabelecer o nexo de causalidade entre o desenho institucional das escolhas do governo municipal e a maior oferta e adesão aos direitos humanos. Hipóteses A pergunta que se busca responder nesta tese é: importam os OGMDH para a melhor provisão de políticas públicas em direitos humanos? A hipótese geral é a de que municípios com OGMDH têm melhor oferta de políticas públicas em direitos humanos do que os que não possuem. Entre os tipos de OGMDH existentes, aqueles com mais autonomia – “secretarias exclusivas de direitos humanos”, “secretarias em conjunto com outras áreas”, “órgãos ligados ao gabinete do prefeito” ou “órgãos da administração indireta”, menos os submetidos hierarquicamente no organograma da gestão municipal – têm melhores resultados de oferta de políticas do que os OGMDH que são um “setor subordinado a outra secretaria” isoladamente? A ideia de isoladamente (ou não) advém de uma estratégia comum de se vincular à assistência social, muito verificada, considerando os casos em que tal vínculo ocorre. Nos casos em que há menos autonomia, como setores subordinados a outra secretaria, mas que se encontram vinculados à assistência social, também têm melhores resultados de oferta de políticas? Nessas duas situações, tem-se maior autonomia administrativa, seja pelo tipo de OGMDH, ou da autonomia e recursos já existentes na assistência social. Enfim, maior autonomia pelo tipo de OGMDH ou pelo vínculo com a assistência social favorece a uma maior oferta de políticas públicas em direitos humanos? A hipótese aponta para as vantagens tanto do tipo mais autônomo, quanto da vinculação com a assistência social. 10 Outro problema específico estudado diz respeito ao tempo de existência de um OGMDH, conforme registros em dados do período para 2009 e 2011. Os OGMDH que já existiam em 2009 e continuaram a existir em 2011 têm resultados melhores do que os só encontrados em 2011? A hipótese é de que há mais oferta com maior tempo de existência do OGMDH. Sobre políticas para grupos vulneráveis e universalistas, o OGMDH apresentará maior efeito em políticas focalizadas para grupos vulneráveis do que em políticas universais? A expectativa, hipótese, é de que sim. Também há uma investigação sobre a capacidade de relacionar a presença de um OGMDH com a alocação de recursos orçamentários, com a hipótese de que tal efeito existe. Dessa forma, entende-se como problema principal deste trabalho identificara existência de OGMDH e estabelecer se o mesmo aumenta a oferta de políticas públicas em direitos humanos ou não, pois a hipótese geral é afirmativa. Outro problema específico a ser resolvido com relação aos tipos de OGMDH que possuem mais autonomia é saber se eles ou os subordinados vinculados à assistência social possuem um efeito maior quando o assunto é a oferta de políticas públicas em direitos humanos. A hipótese em relação a essa questão diz que mais autonomia aumenta a oferta. Se os OGMDH mais consolidados, identificados em 2009, têm maior efeito sobre as políticas públicas em direitos humanos do que os registrados apenas em 2011, é mais um dos questionamentos realizados, com a hipótese de que o maior tempo traz um resultado maior quando o assunto são variáveis dependentes. As três variáveis (existência, autonomia/assistência social e maturidade do OGMDH) têm maior efeito sobre políticas públicas em direitos humanos, voltadas para grupos vulneráveis do que as de perfil universalista? Problema específico trazido com a hipótese de que se espera maior oferta de políticas públicas para grupos vulneráveis com a presença de tais variáveis de OGMDH. Por fim, temos o seguinte problema específico sobre alocação de recursos: essas três variáveis (existência, autonomia/assistência social e maturidade do OGMDH) têm efeito de incremento para maior alocação de recursos orçamentários dos municípios nas funções selecionadas? Como hipótese, existe a ideia de que se espera maior incremento orçamentário com a presença das variáveis de OGMDH citadas. Esse conjunto de questionamentos investigativos é o roteiro de pesquisa dos problemas desta tese (quadro 1). As hipóteses respondem afirmativamente a todas às 11 perguntas; ou seja, os OGMDH fazem a diferença e importam, seja pela existência, tipo de maior autonomia/vínculo a uma área mais institucionalizada ou tempo. Quadro 1: Problemas e variáveis da tese Fonte: o autor. Pode-se, agora, expor a construção das variáveis explicadas, que aparecem no quadro 1: o “Índice de Meios em Políticas Públicas Universais” (IMU), o “Índice de Meios para Políticas Públicas para Grupos Vulneráveis” (IMV) e “Alocação de Recursos” (AR), a seguir. Variáveis explicadas e sua construção De forma sintética, denominam-se políticas públicas em direitos humanos todas aquelas voltadas para a efetivação de tais direitos. Essa definição torna quase toda política pública uma política pública em direitos humanos, salvo as que não tratam de direitos ou de seres humanos, o que faria o objeto desta tese inapreensível em termos empíricos. A solução encontrada foi analisar, por meio do escrutínio dos dados municipais disponíveis, nas PROBLEMAS OGMDH IMPORTAM? Tempo Tipo Não Sim Em 2009 Em 2011 - Setor subordinado sem assistência social - OGMDH com maior autonomia VAR. EXPLICATIVA VAR. EXPLICADA IMU IMV AR Existência - Setor subordinado com assistência social 12 Pesquisas de Informações Básicas Municipais (MUNIC), do IBGE, e nas edições realizadas nos anos de 2011 e 2012, os capítulos relativos aos direitos humanos e às outras áreas de governo. O levantamento procurou dividir o conjunto encontrado em políticas de corte mais universalista e políticas voltadas para grupos específicos, constituindo, assim, dois índices: um, para políticas universalistas – Índice de Meios em Políticas Públicas Universais (IMU) –, e outro, para grupos de políticas públicas especificas – Índice de Meios para Políticas Públicas para Grupos Vulneráveis (IMV). O Índice de Meios em Políticas Públicas Universais (IMU) é composto de 26 políticas públicas, assim distribuídas: “política e/ou informação” (5 itens), “civil” (5 itens), ambiental (4 itens), “social, educação e cultura” (5 itens), “econômico” (3 itens) e “saúde” (4 itens). O Índice de Meios para Políticas Públicas para Grupos Vulneráveis (IMV) é composto de 38 políticas públicas relacionadas com grupos identitários: “criança e adolescente” (9 itens), “deficientes” (11 itens), “idosos” (7 itens), “LGBT (6 itens), “racial” (3 itens) e “mulheres” (2 itens). A distinção entre políticas de tom mais universalista para as de grupos específicos não é rígida; por exemplo, “crianças”, “adolescentes” e “idosos” foram considerados grupos identitários, mas são, também, fases do desenvolvimento de todos os seres humanos. Existem, em relação aos temas “crianças e adolescentes” e “idosos”, todo um acúmulo de movimentos, instituições da sociedade organizada e pautas de reinvindicações, que permitem que se apresentem de forma identitária e não apenas como fase biológica da vida. A valorização da demarcação de grupos na composição do IMV pelo aspecto identitário não é por acaso, busca verificar se a existência de OGMDH favorece a redução de CTP para esse tipo de política pública, que mobiliza grupos organizados específicos. Um elemento que deve ser considerado é a desproporção com que contribui cada parte que compõe os dois índices, como resultado dos dados empiricamente disponíveis. Só para ilustrar, o baixo número de perguntas relativas às políticas públicas para mulheres, gênero, em boa medida, se deve ao fato de a MUNIC, de 2009, ter uma seção específica sobre o tema. Infelizmente, esses dados não puderam ser incluídos, uma vez que fariam o registro da variável explicada, antes da principal variável explicativa, os OGMDH, de 2011. Para reduzir tais distorções do tamanho com que cada parte do índice participa do mesmo, cada parte do índice foi transformada em uma média para cada município e, dessas médias, de cada 13 parte do índice para aquele município foi extraída uma média geral, que corresponde ao IMV ou IMU para aquele município. Adicionalmente aos dois índices criados, foi construída a variável Alocação de Recursos (AR), para o orçamento per capita por funções específicas relacionadas com direitos humanos e/ou assistência social. Optou-se por uma média dos quatro anos de governo estudados, a partir da seleção de duas funções dos orçamentos de todos os municípios: “assistência social” e “direitos da cidadania”, com o somatório dividido pelos habitantes do município. Lembrando que, embora a legislação imponha a necessidade da prestação de contas, nem sempre os municípios a fazem e, quando fazem, nem sempre é dentro do prazo legal. Caso o município tenha apresentado só dois anos, foram extraídos e somados os valores pesquisados para esses dois anos, divididos pelo número de anos apresentados no período, dois anos e, finalmente, pelo número de habitantes. Não foram utilizados apenas valores de “direitos da cidadania”, direitos humanos, pois 4.788 municípios apresentam empenho de gastos em “direitos da cidadania” igual a zero, o que, por si só, já é um dado bastante contundente. Subsidiariamente, recorreu-se a rubricas da assistência social em afinidade com os direitos humanos, sendo tais valores a maior base sobre a qual se cria a variável AR. Aqueles municípios que, depois de todos esses procedimentos, possuíam valor igual a zero foram retirados. A ideia de incluir a alocação de recursos orçamentários é verificar se a existência dos OGMDH favorece à redução dos CTP, também em termos de recursos orçamentários. Outros fatores intervenientes É contraintuitivo supor que a existência do OGMDH explique, sozinha, o então volume de provisão de políticas públicas; evidentemente, outros fatores precisam ser pensados nas suas relações de causalidade com a provisão de políticas públicas em direitos humanos. No capítulo 3, são apresentadas e discutidas essas variáveis e as de OGMDH, que têm poder explicativo sobre a provisão de políticas públicas. Na ausência de uma literatura específica robusta, que ofereça hipóteses a serem investigadas, este trabalho se valeude literaturas conexas para destacar elementos que podem ser mais relevantes. Foram pensados fatores societais, institucionais e partidários. 14 No caso de variáveis societais, estão, em tela, o tamanho da população, as regiões do Brasil e o nível de urbanização, comumente mencionadas ao se pensar uma política pública de escala com diversos municípios, nacionalmente. Tais variáveis têm, em comum, o fato de serem elementos dados socialmente e com características que, dificilmente, serão alteradas em alguns anos. A rigor, a definição dos estados que compõem uma região brasileira carrega um componente aleatório; sem desprezar o fato de terem sido considerados o passado histórico, a geografia, o clima e os componentes sociais, ao se definir, normativamente, os estados que compõem cada região. Tendo esse ponto em mente, não é difícil aceitar a ideia de que, dificilmente, nos próximos anos, não haverá alteração significativa da composição dessas regiões e do grau de unidade de cada uma. Deve-se indicar, também, que, diferentemente de estados e municípios, elas não possuem grau administrativo, procuram denotar apenas sensibilidade às diferenças internas que aproximam os estados. No caso do tamanho populacional de um município e sua população urbana e rural, ambos os fatores são sensíveis a grandes variações nas atividades econômicas, seja por políticas públicas de estímulo, seja pela depressão de atividades. A criação de novos estados e municípios, desmembrados de um anterior, é uma alteração bem mais drástica e rápida dessas variáveis, que ocorre com relativa frequência, principalmente em municípios, mas em um quantitativo pouco expressivo para sua magnitude total. Essas variáveis societais, pela sua natureza pouco volátil, são as variáveis “de controle”, por excelência, dos modelos desta tese. Já os demais fatores podem ser um componente explicativo adicional, pois têm uma característica composta, mas de hipóteses alternativas, substantivas, que precisam ser controladas, para que a dimensão dos efeitos dos OGMDH transpareça, permitindo comparações sobre em que medida um ou outro aspecto é eficaz para a promoção de um número maior de políticas públicas em direitos humanos. Os elementos elencados são: capacidade administrativa do governo local, participação local, da sociedade organizada, e relações com a assistência social. Quando dois municípios têm capacidades burocráticas muito distintas, traduzidas nos seus recursos administrativos, é esperado que possam eleger e implementar políticas públicas muito distintas. Mais interessante é que essas capacidades podem variar, consideravelmente, de uma área de política pública para outra. A estratégia adotada para lidar com essas possíveis assimetrias foi recorrer à capacidade de constituir cadastros e informatizá-los em uma área central para qualquer município: impostos. para tanto, foram levados em consideração 15 cadastros e informatização destes para: ISS, Imposto Sobre Serviços, IPTU, Imposto Predial e Territorial Urbano, e Planta Genérica de Valores, onde estão estabelecidos os valores unitários de metro quadrado de terreno e de construção do município. Vale notar que não se dirigiu o foco para o quanto se arrecada com esses impostos, o município pode até insertar seus cidadãos, mas o que se mirou foi a capacidade de construir esses instrumentos em uma questão das mais sensíveis administrativamente, a capacidade de ter instrumentos para arrecadar impostos. O esforço resultou na constituição de três perfis bem demarcados dos municípios que têm todos os cadastros e informatizados; até os que possuem apenas um cadastro. Tal análise origina três perfis bem distintos de municípios, pela combinação da possibilidade de ter o cadastro, de um a três elementos situados, e da combinação da informatização dos mesmos, conforme será abordado no capítulo 3 desta tese. Um elemento muito celebrado na literatura internacional de associativismo e cultura cívica é a capilaridade com que a sociedade se organiza, localmente, para se relacionar com instituições de governo (PUTNAM, 2015). No Brasil, o debate ganhou relevo nos estudos em torno das conferências de políticas públicas, suas potencialidades e consequências (AVRITZER, 2012; POGREBINSCHI, 2012; POGREBINSCHI; SANTOS, 2011); ressaltando toda uma expectativa em relação ao quanto a sociedade pode ser decisiva, na combinação de mecanismos de participação direta, com mecanismos de democracia representativa. Foram incluídos 20 diferentes tipos de conferência de políticas públicas locais de 2010-2014, sendo que dois anos estão dentro do período estudado e dois anos, em seguida. Uma contingência dos dados disponíveis, que não resulta em maiores consequências, pois o que se quer medir não é a capacidade de “fazer” conferências, mas a capilaridade social preexistente para que aconteçam. Além dessas, foi testado se a assistência social, exclusivamente, não seria capaz de explicar a maior oferta de políticas públicas em direitos humanos. A escolha da assistência social não é aleatória, pois salta aos olhos a forte presença do uso do tipo de OGMDH “setor subordinado a outra secretaria”, na sua expressiva maioria, vinculados a ela. Tal fato parece denotar uma estratégia dos municípios de se valerem de uma área mais institucionalizada e, com políticas públicas muito afeitas, para implementar uma área de políticas públicas menos institucionalizadas, como a de direitos humanos. A assistência social, por sua vez, em seu processo de institucionalização, introduz uma crítica muito forte ao “assistencialismo” e, em seu lugar, passa a discutir efetivação de “direitos”; mais ainda, ao introduzir noções como 16 “situação de risco” e “vulnerabilidade”, aponta para públicos e políticas públicas que coincidem com os de direitos humanos. Como hipótese de controle da possibilidade dos resultados dos OGMDH serem só um epifenômeno da atuação dos órgãos gestores de assistência social, foram introduzidas mais três variáveis: uma, para “secretarias exclusivas de assistência social, que não possuem OGMDH”, e outras duas, para “setores subordinados vinculados com a assistência social” e “setores subordinados sem vínculo com a assistência social”. Por fim, temos as variáveis relativas às relações partidárias em torno do Executivo federal e a oferta de políticas públicas em direitos humanos pelos prefeitos eleitos pelos mesmos partidos. A inclusão das variáveis partidárias de pertencimento do prefeito eleito ao partido do Executivo federal, Partido dos Trabalhadores, e da proximidade da sua base pela participação na coligação de partidos formada para sua eleição, foi a forma empírica encontrada para verificar se tal influência é decisória relativa aos vínculos partidários. Metodologia A metodologia utilizada são seis modelos de regressão linear clássica, Quadrados Mínimos Ordinários (MQO) ou OLS (do inglês Ordinary Least Squares), para o IMU, o IMV e o AR. Trata-se de um tipo de regressão linear que procura encontrar o melhor ajuste para um conjunto de dados, tentando minimizar a soma dos quadrados das diferenças entre o valor estimado e os dados observados, resíduos. São, no total, seis modelos, dois para cada variável resposta; nos três primeiros modelos, um para cada variável resposta, opera-se com a variável OGMDH, que corresponde à existência ou não de um OGMDH no município. Nos três modelos seguintes, essas duas variáveis são substituídas por: “Autonomia”, que corresponde a todos os tipos de OGMDH, menos os setores subordinados a outra secretaria; “Setor subordinado vinculado à assistência social” e “Setor subordinado não vinculado à assistência social”. A substituição de variável ocorre para, em um primeiro momento, testar a validade da existência de uma OGMDH e, nos três modelos seguintes, os demais tipos mais autônomos, “Autonomia”,