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INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA NA NEONATOLOGIA E NA PEDIATRIA SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 3 2. MÉTODOS ............................................................................................................ 5 3. RESULTADOS ..................................................................................................... 7 4. DISCUSSÃO ......................................................................................................... 9 5. DESAFIOS PARA A HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA NEONATAL CIRÚRGICA ...................................................... 16 6. DEFINIÇÃO DO MÉTODO E SUJEITOS DE ESTUDO...................................... 18 6.1 O Campo de Estudo ..................................................................................... 19 6.2 Normas e Rotinas......................................................................................... 19 6.3 Contexto Ambiental da UTIN Cirúrgica: os Ruídos e a Iluminação .............. 20 6.4 Contexto Relacional ..................................................................................... 21 6.4.1 A Relação Profissional-Bebê ................................................................. 21 6.4.2 A Relação Mãe-Bebê ............................................................................. 22 6.4.3 A Relação Profissional-Responsável ..................................................... 23 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 26 8. INTERVENÇÃO PRECOCE E A CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA ..................... 27 9. DISCUSSÃO DO PROBLEMA E DIREÇÕES .................................................... 34 1. INTRODUÇÃO Avanços na tecnologia médica e hospitalar nos últimos 30 anos contribuíram para diminuição dos índices de mortalidade neonatal principalmente nos casos de recém-nascidos (RN) pré-termo e/ou sindrômicos. Essa população, entre outros problemas, pode apresentar dificuldades para se alimentar eficientemente por via oral. Sabe-se que fatores como a maturidade, peso ao nascimento e condições clínicas podem interferir no processo de alimentação do recém-nascido pré-termo (RNPT). A atuação fonoaudiológica no período neonatal está focada nos aspectos da alimentação, do desenvolvimento da audição e da linguagem, assim como da interação mãe-bebê. A assistência à alimentação visa a promoção de uma alimentação segura e eficiente, no que se refere a nutrição, ganho de peso, vínculo mãe-filho e também, na minimização de riscos de aspiração ou estresse excessivos. Essa atuação deve incluir avaliação, detecção precoce da incoordenação sucção-deglutição-respiração e da deficiência ou ausência de reflexos do Sistema Sensorio Motor Oral (SSMO), orientação à equipe nas questões de alimentação, estimulação ligada ao SSMO, acompanhamento ambulatorial, e proteção, promoção e incentivo ao aleitamento materno. Uma das ações da fonoaudiologia com a população acima descrita é a estimulação sensório-motora oral, que tem o objetivo de facilitar a transição da dieta e acelerar a alta hospitalar nos casos de intubação e uso prolongado de sonda, assim como, melhorar o aspecto nutricional, o funcionamento gastrintestinal e a maturação global do neonato. Dentre os critérios de encaminhamento para avaliação fonoaudiológica em unidades de neonatologia, destacam-se na literatura: ausência ou debilidade de reflexos orais; reflexo de vômito exacerbado; irritabilidade severa; sialorréia; incoordenação sucção, deglutição e respiração; dessaturação dos níveis de oxigenação; alterações das frequências respiratória e cardíaca durante a alimentação; refluxo nasal ou gastresofágico; recusa inexplicável ao alimento; desnutrição e desidratação; história de pneumonias; letargia durante a alimentação; entre outros. A efetividade da intervenção fonoaudiológica tem sido demonstrada por meio de estudos, com a associação entre menor tempo de internação hospitalar e realização do trabalho fonoaudiológico. Mesmo com pesquisas que mostram os benefícios desta intervenção, muitos serviços não dispõem dessa prática e, tampouco realizam encaminhamento dessa população de risco para acompanhamento fonoaudiológico precoce. Atualmente, RN e lactentes internados que apresentam alterações no processo de alimentação são encaminhados para avaliação fonoaudiológica clínica. De acordo com o comportamento motor oral do bebê, maturidade neurofisiológica e condição clínica, a conduta fonoaudiológica é sugerida, a qual se encontra em consonância com a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), que pratica os Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno, visando a proteção, apoio e incentivo ao aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida, conforme preconiza a Organização Mundial de Saúde. Após a alta hospitalar, sempre que necessário, as crianças até um ano de idade recebem atendimento no Ambulatório de Fonoaudiologia Neonatal. A atuação fonoaudiológica ocorre também junto ao Grupo de Pais e Familiares de Bebês Internados e no Grupo de Cuidados Paliativos da Neonatologia/CAISM. O objetivo desta pesquisa foi caracterizar a demanda e a intervenção fonoaudiológicas realizadas em recém-nascidos e lactentes que permaneceram internados em uma Unidade Neonatal e que apresentaram alterações no processo de alimentação por via oral na Maternidade de um hospital-escola público. 2. MÉTODOS Trata-se de um estudo retrospectivo, descritivo e de corte transversal realizado na Unidade de Neonatologia do Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti - Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM/UNICAMP). O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Pesquisa do Hospital da Mulher - DTG, sob número 024/2010 e também pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, com parecer número 666/2010. Houve dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, pois a coleta de dados foi realizada por meio de consulta aos prontuários. Foram estudados prontuários fonoaudiológicos de RN e lactentes que estiveram internados e receberam atendimento no período entre março de 2008 e fevereiro de 2010. Foram incluídos na pesquisa todos os RN e lactentes que receberam pelo menos uma avaliação/intervenção fonoaudiológicas na Unidade de Neonatologia (UTI, Semi-Intensivo, ACT e AC) no período citado e que possuíam todos os dados preenchidos no roteiro de avaliação fonoaudiológica. O prontuário de fonoaudiologia contém o roteiro de avaliação fonoaudiológica e registro de todos os atendimentos que foram realizados durante a internação hospitalar e o acompanhamento ambulatorial. O roteiro é composto de dados de identificação, condições do RN no dia da avaliação, avaliação e conduta fonoaudiológicas. As variáveis estudadas, baseiam-se nesse roteiro, sendo elas: 1) caracterização da população: sexo, idade gestacional ao nascimento, condição nutricional, peso ao nascimento, índice de Apgar, hipótese diagnóstica, idade materna; 2) condições do RN/lactente no dia da avaliação: via de alimentação, idade corrigida e peso. 3) avaliação fonoaudiológica: solicitante e motivo da avaliação, local de internação, reações orais, número de atendimentos realizados; e 4) conduta fonoaudiológica: conduta prescrita, alta fonoaudiológica e via de alimentação do neonato na alta hospitalar. Para o controle de qualidade dos dados, foi utilizada uma revisão por amostragem em 10% dos 205 prontuários. Foi utilizado o programa Epi Info 3.5.1 para elaboração do banco de dados e para análise dos dados. Os resultados foram analisados por meio de estatística descritivano processo maturacional (orgânico) do corpo. Ou melhor, está filiada à noção de desenvolvimento como uma linha de uma sucessão de momentos ou de conquistas progressivas, hierarquizadas cronologicamente como entidades positivas, gerais e, portanto, previsíveis e esperadas: trata-se de fases que devem ser atingidas por cada criança (e por todas). Se isso não ocorrer, o sentido dado por essa perspectiva é atraso, desvio, patologia ou, então, o desenvolvimento da criança estará em risco. Falar em estrutura, diferentemente, implica um raciocínio em que a expressão-mestra é sistema de relações. Nesse sistema, os elementos são entidades negativas, relativas, opositivas, ou seja, esses elementos pertencem ao conjunto, mas não são positivos: eles se definem (provisoriamente) por força das leis do sistema. O estruturalismo nasce, como se sabe, das elaborações de Ferdinand Saussure (1916/1974) sobre a linguagem, diz respeito à introdução do movimento simbólico como definidor do objeto da linguística: "forças, que estão em jogo, de modo permanente e universal em todas as línguas ... leis gerais às quais se possam referir todos os fenômenos [observados]" (1916/1974, p. 13). Elementos estão, desse modo, submetidos às forças em jogo, às leis gerais, ao movimento da língua. Se subordinados, os elementos não são positivos, ou melhor, não têm valor prévio (nem categorial, nem semântico, nem discursivo) – seu valor (categorial, semântico ou discursivo) aparece como efeito das operações do sistema. O principal empreendimento saussuriano foi dar à língua o estatuto de estrutura, a qual é regida por leis próprias e universais, dadas de antemão e que recortam a realidade pela sua incidência: "nada é distinto antes do aparecimento da língua" (Saussure, 1916/ 1974, p. 130); trata-se, como afirma Milner, de "propriedades definitórias, comuns a todos os elementos que merecem o nome de língua ..., que por abstração se configura a estas propriedades um ser autônomo". E é a partir desta que "obter-se-á o que se chama linguagem" e que, podemos dizer, "nada mais em si mesmo do que um ponto a partir do qual as línguas podem ser reunidas em um todo", pelo qual comparece como "um ponto ao qual se conferiu extensão ao se acrescentarem aí propriedades enunciáveis" (1987, p. 11). Nessa perspectiva, a rigor, tais propriedades enunciáveis, a saber, a linguagem, não se constituem como unidades parceláveis as quais estão disponíveis à mensuração, mas se apresenta enquanto alteridade radical. Formula-se, aí, outra concepção – a criança sujeitada ao efeito determinante da relação com a língua. E, portanto, retira a linguagem da condição simplista de que se limita à comunicação entre os falantes de uma língua específica,enquanto, somente, um sistema de significações ao qual a criança poderia apreendê-la, quer seja pela sua experiência no mundo, quer seja com a ajuda do adulto, mero provedor de input, a partir de conquistas progressivas e hierarquizadas cronologicamente. A esse respeito, De Lemos, através de seu texto Uma crítica (radical) à noção de desenvolvimento na Aquisição da Linguagem, destaca que "a relação entre linguagem e tempo foram também, para Saussure, fontes de paradoxo ..., seu ponto de partida é a evidência da mudança lingüística que ..., embora o sujeito falante possa reconhecer a variação, ele não tem consciência da mudança que pode decorrer dessa variação ..., seja uma palavra ou uma expressão, não envolve qualquer tipo de reconhecimento consciente" (2008, p. 24), ou seja, estamos face ao movimento simbólico e, portanto, submetidos às suas leis. Nesse contexto, língua/linguagem têm função de "captura" (De Lemos, 2002, p. 55) pela sua anterioridade lógica relativa ao sujeito. No entanto, foi o trabalho de Lacan que permitiu, a partir da retomada do texto freudiano em uma articulação com a Linguística e os preceitos nela introduzidos pela concepção estruturalista em Saussure, o estabelecimento sistemático do conceito de estrutura em Psicanálise, o qual, em última análise, traz consigo a noção de corpo pulsional. E que nos interessa neste trabalho, pois trata-se aqui do corpo que ganha existência pela incidência da linguagem, representada pelo Outro primordial, a saber, o agente materno. Segundo Lacan, o estatuto de sujeito é assegurado pela incidência do simbólico sobre o organismo (sendo o outro da criança a "instância do funcionamento linguístico discursivo", diz De Lemos, 1992, p. 134) que discursivamente incide sobre o corpo do bebê e marca seu devir como sujeito. Estamos nos referindo, aqui, a um outro que está sujeitado às leis da linguagem e que, portanto, não tem função de apresentar/prover a linguagem à criança a partir da interação com esta, mas de suportar, o vir-a-ser. Como assinala Vorcaro, "o campo simbólico que precede o neonato recorta sua condição de real e faz dele um semelhante ao torná-lo representável ao campo de alguém" (2001, p. 275), nesse momento inaugural, definida como tempo de alienação. Nessa perspectiva, as vicissitudes do corpo-linguagem estabelecem-se como singularidade e, portanto, em discrepância com a padronização cronológica. E diferentemente disso, pode-se dizer que é da suposição, por alguém, de que aquele ser é um ser desejante que um sujeito poderá estruturar-se. A psicanálise lacaniana, de que me aproximo, postula que a possibilidade de ser-sujeito implica um primeiro momento da estruturação subjetiva, ser-no- Outro, ou seja, momento de encarnar em seu corpo o desejo deste Outro. Entende- se, assim, o sentido de alienação como uma operação necessária à constituição do sujeito. O segundo tempo é o de outra operação – a de separação.É preciso, então, que o desejo materno seja interditado para que o sujeito advenha (não aprisionado ao desejo da mãe). A possibilidade de tornar-se sujeito e, portanto, falante, capaz de sustentar-se numa fala e sustentar certa consistência e coerência dessa fala depende do deslocamento (para fora) da posição de alienação. O movimento estrutural dado pela psicanálise lacaniana é definido por uma organização caracterizada por posições a ser ocupadas pelo sujeito; nesse sentido, a relação que se estabelece entre mãe-pai-filho não está reduzida à existência empírica, o qual envolve a interação entre eles, mas aos lugares que cada um desses personagens ocupa nessa relação. Vale ressaltar que esses lugares já estão configurados antes mesmo do nascimento do filho, estamos falando de lugar na economia psíquica, o qual é fundante da subjetividade, uma vez que aí se instala o campo da significância. A presença do bebê se reveste de significação e a suposição de um ser aí se realiza. Acompanhamos isso a partir de Freud quando, em seu texto Sobre o narcisismo: uma introdução, afirma que: "Se prestarmos atenção à atitude de pais afetuosos para com os filhos, temos de reconhecer que ela é uma revivescência e reprodução do seu próprio narcisismo ... eles se acham sob a compulsão de atribuir todas as perfeições ao filho ..., e de ocultar e esquecer todas as deficiências dele. Além disso, sentem-se inclinados a suspender, em favor da criança, o funcionamento de todas as aquisições culturais que seu próprio narcisismo foi forçado a respeitar .... A criança terá mais divertimento que seus pais, ela não ficará sujeita às necessidades que eles reconhecem como supremas da vida" (1914/1996, p. 97). E Freud afirma mais à frente: "O amor dos pais, tão comovedor ... nada mais é senão o narcisismo dos pais renascido ... o qual revela sua natureza anterior" (1914/1996, p. 98). O que está em jogo nessa formulação é a concepção de sujeito compatível à natureza simbólica da linguagem, na qual a noção do Eu é tida como uma instância de um desconhecimento. O que se introduz é um sujeito condenado à condição de tensão entre eu e outro, contrariando a ideia de que a criançacaminha para a maturidade em que não haverá confusão entre eu e outro. Ressalta-se a relevância da concepção: o outro como condição do eu, na medida em que é a transmissão simbólica constituída pelo desejo do Outro que sustenta a ex-sistência – um termo cunhado por Lacan para definir o advento do sujeito em que o eu se dá pela anterioridade do discurso do Outro. Em outras palavras, o que seopera éa existência sustentada pelo desejo dos pais, com a qual a criança se identifica imaginariamente para assim se constituir como eu. Há, portanto, um olhar que transcende a existência real da criança, um corpo desprovido de qualquer maturidade, substituindo-o por um objeto de valor presente no universo psíquico dos pais. Seguindo as palavras de Lacan, "a instância do eu como uma identificação ... a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem .... Esse assumir jubilatório de sua imagem especular ainda mergulhado na impotência motora ... nos parecerá manifestar, em uma situação exemplar, a matriz simbólica na qual o eu se precipita em uma forma primordial antes de se objetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua sua função de sujeito" (Lacan, 1949/ 1998, p. 97). Há nesta convocação de Lacan um momento mítico do sujeito, a criança pequena que reconhece sua imagem no espelho e fica fascinada. Uma imagem vista pelo olhar do Outro que permite a constituição de uma imagem unitária. Imagem essa que não advém do olhar do sujeito, mas que ele se vê, visto pelo Outro a partir de uma captação imaginária. Reconhece-se, nesse contexto, a linguagem enquanto operação estruturante de um sujeito, que não tem controle de si, e, portanto, não sabe que sabe. O sujeito da Psicanálise é aquele que não é causa de si mesmo, mas que depende do campo do Outro. Tanto o campo da Aquisição da Linguagem quanto a Psicanálise operam com a dimensão do simbólico. Poderia a clínica fonoaudiológica com linguagem e em especial aquela que envolve o atendimento de bebês tomar distância de questões referentes à linguagem e à constituição do sujeito pela linguagem? Essa é uma questão que deixo, em parte, respondida por mim. Quero dizer, com isso, que minha resposta já está dada e lançada para discussão. Adianto que ela norteia um outro trabalho. REFERÊNCIAS Xavier C. 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Com relação às condições do RN/lactente no dia da avaliação, observou-se que 65 (62,50%) recebiam alimentação por via oral e destes, 27 (25,96%) por via oral exclusiva, 39 (37,50%) faziam uso de sonda enteral, 37 (35,58%) de via oral com sonda enteral e em um caso, havia uso de nutrição parenteral com via oral (seio materno e copo). Entre os RN que recebiam VO exclusiva, 11 (10,58%) estavam em seio materno livre demanda no dia da avaliação. Quanto às condições dos RN e lactentes, a média da idade corrigida encontrada na data da avaliação foi de 36 semanas e cinco dias. Os RN foram avaliados com 29 dias de vida em média. No dia da avaliação os RN pesavam em média 2392,74 g. Com relação ao profissional solicitante da avaliação, foram encontrados os seguintes resultados: 20,19% foram solicitadas pelo médico, 59,62% pelo residente de pediatria, 18,27% pela enfermagem e 1,92% por outros profissionais. Tal separação entre médicos residentes, contratados e docentes foi realizada devido ao local de estudo ser um hospital-escola. Sendo assim, as condutas advindas dos residentes é resultado da orientação dos docentes, o que seria importante para avaliar o quanto a atuação do fonoaudiólogo é internalizada pelos profissionais em formação. Os motivos de encaminhamento para avaliação fonoaudiológica quanto ao local de internação, 98 (94,23%) estavam internados na Unidade de Cuidados Semi Intensivos, 5 (4,81%) na Unidade de Cuidados Intensivos e um (0,96%) no Alojamento Conjunto. Entre os itens que compunham a avaliação fonoaudiológica no roteiro de avaliação fonoaudiológica estavam: reflexos orais, avaliação da sucção não nutritiva e avaliação da sucção nutritiva As reações orais encontradas descritas na avaliação da sucção não nutritiva foi realizada em 78,85% dos casos e a sucção nutritiva em 55,77% dos RN, sendo que o método de avaliação da sucção nutritiva em 62,07% dos casos foi em peito materno. Quanto à avaliação do desempenho no copo, esta foi realizada em 32,69% dos casos. Quanto ao número de atendimentos recebidos por RN, 33,66% receberam um atendimento; 23,08% dois; 16,35% três; 9,62% quatro e 17,31% receberam cinco ou mais atendimentos. Observa-se que as principais condutas prescritas foram manter VO, iniciar SNN e manter o uso da sonda. Em 27,88% dos casos avaliados, houve indicação de reavaliação fonoaudiológica e em 28,85% foram indicadas manobras facilitadoras (apoio submandibular, apoio em bucinador, ordenhar leite materno antes das mamadas, translactação, relactação, realizar pausas ou controle de fluxo do leite. Os dados sobre a alta fonoaudiológica constam entre os sujeitos atendidos, 47,11% receberam alta hospitalar sem receber alta fonoaudiológica e 23,08% receberam alta fonoaudiológica concomitante à alta hospitalar. Na alta hospitalar houve predominância de alimentação por via oral, seguida de alimentação mista (via oral e sonda enteral). 4. DISCUSSÃO O aumento da população de RN que necessitam de internação em Unidades de Neonatologia devido à prematuridade e doenças traz como consequência o aumento da demanda para avaliação e intervenção fonoaudiológicas. Sabe-se que o levantamento de dados de um serviço de saúde é de suma importância para se estabelecer o perfil do atendimento, caracterizar a população atendida e as condutas terapêuticas, além de verificar a eficácia do atendimento. Quanto aos dados encontrados, foi verificada predominância de RN do sexo masculino. O mesmo dado foi encontrado em outro estudo sobre a avaliação de recém-nascidos pré-termo. A faixa de idade materna mais frequente foi a de 18 a 35 anos, compreendendo 75% dos casos, demonstrando uma população de mulheres dentro da média de idade da fecundidade da mulher brasileira na região sudeste que é de 26,6 anos, segundo último senso divulgado. Os dados relativos ao Apgar demonstraram uma parcela de 33,65% dos neonatos ou lactentes que receberam nota inferior ou igual a 5 no 1º minuto e 6,73% que receberam nota inferior ou igual a 5 no 5º minuto. A asfixia perinatal com Apgar entre 0-4 no primeiro minuto e/ou 0-6 no quinto minuto representa um fator de risco para os distúrbios alimentares em recém- nascidos. As informações obtidas durante a avaliação da função de deglutição podem ser bastante úteis para prever distúrbios neurológicos significativos no RN, assim como também o funcionamento do controle de ventilação durante a alimentação. Em relação à idade gestacional, a maioria dos neonatos apresentou menos de 37 semanas, o que os caracteriza como recém-nascidos pré-termo (RNPT). Estes RN são mais suscetíveis a apresentar patologias nas mais diversas esferas, as quais podem prejudicar o processo de alimentação. Estudos têm sugerido associação entre menor idade gestacional e maior risco de desenvolvimento com disfunções motoras orais, sendo importante a intervenção fonoaudiológica para prevenção e reabilitação de alterações correlatas e a manutenção do acompanhamento dessa população durante o processo de introdução das demais consistências alimentares. Na população estudada, as hipóteses diagnósticas mais frequentes foram as alterações respiratória, ictérica e cardiovascular. É importante ressaltar que alguns RN ainda não se encontravam com o quadro clínico totalmente estável no momento da primeira avaliação da alimentação. A alimentação oral segura e eficiente envolve o processo de coordenação sucção-deglutição-respiração, e demanda controle motor oral, esforço físico, cardiovascular, estresse e manutenção dos níveis de saturação no recém-nascido. Tal fato aponta para a importância de favorecer uma via de alimentação que não coloque em risco o quadro clínico dessa população e não represente risco de aspiração. Os resultados relativos à via de alimentação no dia da avaliação demonstram que a maioria dos RN (62,50%) iniciou a alimentação por via oral sem ter realizado uma avaliação fonoaudiológica prévia, o que pode representar riscos à estabilidade clínica dos bebês. No serviço hospitalar em questão, os encaminhamentos foram realizados em sua maioria por residentes de pediatria os quais respondem diretamente pelos cuidados aos recém-nascidos e lactentes internados e, consequentemente, podem identificar precocemente a necessidade de atendimento especializado. Os motivos mais frequentes de encaminhamento para avaliação fonoaudiológica dos médicos residentes foram: dificuldade no comportamento motor oral, avaliação da prontidão para alimentação por via oral, dificuldade no uso do copo e dificuldades no aleitamento materno. Quando comparados aos indicadores descritos na literatura, os resultados encontrados neste trabalho mostram uma ampliação dos critérios de encaminhamento para intervenção fonoaudiológica, como:avaliação de prontidão para VO, dificuldade no aleitamento materno, dificuldade no uso do copo, alteração no comportamento motor oral e dificuldade na mamadeira. Verificou-se, entretanto, a necessidade de um esclarecimento maior para os residentes de pediatria no que se refere ao encaminhamento de RN e lactentes internados para avaliação fonoaudiológica mesmo antes de se iniciar a alimentação por via oral. Por se tratar de um hospital-escola, a atuação fonoaudiológica pode contribuir, também, para a formação interdisciplinar dos pediatras com formação em neonatologia. Quanto ao local de internação dos neonatos ou lactentes, observa-se que apesar de a fonoaudióloga atender na UTI, UTSI, ACT e AC da Unidade Neonatal, a atuação fonoaudiológica ocorreu predominantemente na Unidade de Terapia Semi- Intensiva (94,23%). Esse fato encontra-se relacionado, possivelmente, à carga horária limitada do profissional contratado, com apenas 12 horas de atuação na Unidade Neonatal, o que implica em ações predominantemente de reabilitação, já perto da alta hospitalar. Isto reflete a necessidade de ampliar sua atuação para outras áreas da unidade, focando, inclusive, a prevenção de alterações relacionadas ao SSMO, pois acredita-se que o atendimento fonoaudiológico precoce ao RN internado, ainda na UTI, pode colaborar para a evolução do processo de alimentação e, consequentemente, para antecipar a alta hospitalar. Os resultados relativos às reações orais encontrados diferem dos verificados em um estudo sobre a prontidão de RNPT para início da alimentação via oral, que encontrou reflexo de sucção presente em todos os sujeitos avaliados, embora com sucção débil. Nesta pesquisa, 11,54% não tinham o reflexo de sucção, o que pode ser justificado pelo fato de o CAISM ser um hospital de referência no atendimento ao RN de risco, o que faz com que a população atendida apresente diagnósticos mais severos, que podem interferir no processo de alimentação. Quanto ao reflexo de busca, este estava ausente em 55% dos RN avaliados no estudo citado, divergindo significantemente dos resultados aqui encontrados, com ausência desse reflexo em 18,27%. Dentre as principais condutas prescritas pelo profissional da fonoaudiologia estão: manter uso da sonda e iniciar estimulação da sucção não nutritiva. A primeira aponta para a importância da avaliação fonoaudiológica antes que seja determinada a via de alimentação e, a segunda reforça a importância da estimulação da SNN para a diminuição do tempo de internação e demais benefícios que tal estimulação proporciona. Estudos mostram que a estimulação da sucção não nutritiva (ESNN) e a estimulação oral podem contribuir para antecipar o início da alimentação por via oral, auxiliando no desenvolvimento motor oral, maturação do RN e na melhoria das taxas de amamentação na alta. Sabe-se que o aleitamento materno proporciona diversas vantagens e por isso essa prática deve ser incentivada o mais precocemente possível, favorecendo a transição da via de alimentação, produção láctea materna e o binômio mãe/bebê. Em 29,76% dos casos avaliados nesta pesquisa, prescreveu-se reavaliação fonoaudiológica, pois, em alguns casos, apenas com uma avaliação pontual, não foi possível definir a conduta. Em alguns casos, foi necessária a utilização de outros utensílios tais como o copo, ou, que se avaliasse o neonato no momento em que estivesse mais alerta, ou ainda, mais estável, sem nenhuma intercorrência clínica. Em 24,39% dos casos foram indicadas manobras facilitadoras (apoio submandibular, apoio em bucinador, ordenhar leite materno antes das mamadas, translactação, relactação, realizar pausas ou controle do volume). Um estudo de revisãosugere que há influência favorável do uso do copo na transição para o aleitamento materno nos casos de recém-nascidos a termo, nascidos de parto cesárea e recém-nascidos no momento da alta. Nessa mesma pesquisa, nenhum dos três estudos comparados apontou diferença estatisticamente significante na duração do aleitamento materno pós-alta. O primeiro estudo analisou 471 RNT, filhos de mães que planejaram permanecer no hospital por cinco dias após o parto e amamentar ao menos três meses. Foram analisadas as frequências de amamentação nos primeiros cinco dias e aos dois, quatro e seis meses de vida, comparando a utilização de diferentes formas de complemento, copo/colher e mamadeira/chupeta, sendo que os resultados mostraram que não houve diferença entre os grupos na frequência de amamentação. O segundo trabalho analisou os efeitos do uso do bico artificial, copo e mamadeira em 686 RNT e RNPT, comparando o uso de copo e mamadeira como forma de suplementação e se havia hábito de sucção de chupeta precoce ou tardia associado, analisando a duração da amamentação exclusiva, mista e o tempo total de amamentação. O resultado dessa pesquisa mostrou que não houve diferença no que se refere ao uso do copo e da mamadeira. O terceiro estudo, com 303 RNPT com idade gestacional menor que 34 semanas, filhos de mães que desejavam amamentar, comparou o uso do copo e da mamadeira associado ou não à chupeta. A prevalência da amamentação aos três e seis meses e a proporção em amamentação exclusiva e mista. Como resultado, não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos, o uso do copo aumentou significantemente a prevalência da amamentação exclusiva no momento da alta, mas não teve efeito na duração da amamentação mista. Outro trabalho de revisãodemonstrou que bebês que utilizaram copinho apresentaram melhores resultados em relação à estabilidade fisiológica (frequência cardíaca e saturação de oxigênio) e ao impacto no aleitamento materno exclusivo na alta hospitalar. Mas as autoras também sugerem que mais estudos sejam realizados na área. Apesar dos dados controversos, o uso do copinho como via de transição da alimentação é uma prática no nosso serviço, seguindo as recomendações da IHAC, que desaconselha o uso de bicos artificiais. Os dados encontrados nesse trabalho, sobre a via de alimentação na alta, mostram os benefícios da atuação fonoaudiológica, pois houve um aumento de 10,58% para 40,38% nas taxas de aleitamento materno exclusivo. Porém, esse resultado ainda se mostra aquém do preconizado pela Organização Mundial da Saúde, a qual recomenda aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade. Os resultados mostram um índice de alimentação por via oral exclusiva no momento da alta hospitalar de 74,98%, sendo 40,38% em aleitamento materno exclusivo, 17,30% em aleitamento materno mais complementação (translactação, copo ou mamadeira), 15,38% em uso de mamadeira e 1,92% em uso de copo. Esses dados estão próximos aos encontrados em um estudo anterior, do Hospital Universitário de Ribeirão Preto, referência de nível terciário, onde 28,4% dos recém-nascidos pré-terno tiveram alta em aleitamento materno exclusivo, 48,3% em aleitamento materno misto e 23,2% em aleitamento artificial. Estavam em amamentação na alta complementada ou não por fórmula láctea 76,7% dos recém- nascidos pré termo. Czechowski e Fujinaga encontraram em prematuros com peso acima de 1500g, a prevalência de 58,3% no aleitamento materno exclusivo na alta hospitalar, taxa maior do que a verificada no presente estudo. Ao se buscar analisar os potenciais fatores que interferem no aleitamento materno exclusivo no berçário de alto risco, foi demonstrado que estes podem estar relacionados com os serviços de saúde (número de consultas pré-natais, IHAC), com as práticas hospitalares (dieta por sonda, translactação) e por questões biológicas, como o baixo peso por exemplo. Todos eles dificultam o sucesso da amamentação exclusiva dessas crianças. Tais práticas podem ajudar a compreender os índices encontrados na unidade neonatal do CAISM. Com relação à idade doneonato ou lactente na hora da avaliação, observou- se que a maioria dos RN (33,66%) recebeu apenas um atendimento fonoaudiológico. Esse atendimento ocorreu, em média, aos 28 dias de vida do neonato, com idade corrigida de 36 semanas e seis dias. É fundamental realizar reavaliações ao longo do período de internação para acompanhar o desenvolvimento da função motora oral. Um estudo anterior mostrou que os recém-nascidos pré-termo iniciaram a transição da via de alimentação em média com 36 semanas de idade corrigida, o que demonstra compatibilidade com o resultado encontrado nessa população. Além disso, para que a alta fonoaudiológica coincida com a alta hospitalar, o encaminhamento para avaliação deve ser feito o mais precocemente possível. Observou-se, entretanto, que as avaliações foram solicitadas tardiamente na unidade, pois a maioria dos RN (53,66%) não recebeu alta fonoaudiológica antes da alta hospitalar. Tal fato parece estar diretamente relacionado à carga horária restrita da fonoaudióloga, o que, consequentemente, limita o trabalho terapêutico precoce e a realização da avaliação fonoaudiológica antes do início da alimentação por via oral. Apesar de a atuação fonoaudiológica na Unidade ter crescido, ainda há possibilidades de ampliação, como, por exemplo, nos grupos de pré-natal. Sendo, portanto, fundamental que os hospitais disponham de profissionais da fonoaudiologia atuando na área de neonatologia, com carga horária compatível com as possibilidades de atuação. Considerando que médicos residentes e equipe de enfermagem aparecem como os profissionais que mais solicitam a avaliação fonoaudiológica, ações devem ser desenvolvidas no sentido de ampliar as informações sobre os objetivos da atuação fonoaudiológica em unidades neonatais e assim contribuir na formação desses profissionais, bem como de outros profissionais da equipe. A população atendida foi predominantemente do sexo masculino, recém- nascido pré-termo, com média de 36 semanas de idade gestacional, baixo peso ao nascimento, adequado para idade gestacional e com diagnóstico predominante de distúrbio respiratório. A maioria dos RN e lactentes iniciou alimentação por via oral sem avaliação fonoaudiológica prévia, o que pode representar riscos para uma alimentação segura e eficiente e, consequentemente, para a estabilidade clínica dos bebês. Verificou-se ampliação dos critérios de encaminhamento para avaliação fonoaudiológica, quando comparados aos critérios descritos na literatura, caracterizados por: avaliação de prontidão para via oral, dificuldade no aleitamento materno, dificuldade no uso do copo, alteração no comportamento motor oral e dificuldade no uso da mamadeira. Houve predominância da atuação fonoaudiológica na Unidade de Terapia Semi-Intensiva e as principais condutas fonoaudiológicas prescritas foram manter alimentação por via oral, iniciar sucção não nutritiva, e manter sonda orogástrica para a oferta da dieta. Este estudo mostrou, ainda, que a carga horária restrita de um fonoaudiólogo em uma Unidade Neonatal compromete sua atuação, principalmente no que se refere à realização de programa de ações preventivas. 5. DESAFIOS PARA A HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA NEONATAL CIRÚRGICA A hospitalização em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) introduz o bebê em um ambiente inóspito, onde a exposição intensa a estímulos nociceptivos como o estresse e a dor são frequentes (Moreira et al., 2003). Ruídos, luz intensa e contínua, bem como procedimentos clínicos invasivos são constantes nessa rotina. O tratamento altamente especializado, do qual depende a sobrevivência do bebê, instaura vários desafios à criança e a seus pais. Autores observam interferências nos sistemas de auto-regulação dos bebês, que podem até acarretar desequilíbrio nos mecanismos de homeostase e no desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem da criança (Whitfield&Grunau, 2000). Os vínculos familiares também são desafiados, pois os pais podem se sentir amedrontados e/ou "culpados" em ter gerado um bebê frágil, não se reconhecendo como capazes de oferecer cuidados parentais (Druon, 1999; Braga &Morsch, 2003). Em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal Cirúrgica (UTINC), campo do presente estudo, este quadro se agrava, porque a dor, deformidades físicas e cicatrizes são elementos geralmente presentes. Considerando-se tais desafios, torna-se fecundo repensar as ações em saúde neste âmbito, visando à humanização da assistência em UTIs neonatais. A humanização representa um conjunto de iniciativas que visa à produção de cuidados em saúde capaz de conciliar a melhor tecnologia disponível com promoção de acolhimento e respeito ético e cultural ao paciente, de espaços de trabalhos favoráveis ao bom exercício técnico e à satisfação dos profissionais de saúde e usuários (Deslandes, 2004; Puccini & Cecílio, 2004). Já a humanização do cuidado neonatal preconiza várias ações propostas pelo Ministério da Saúde, baseando-se nas adaptações brasileiras ao Método Canguru (Lamy, 2003) para recém-nascidos de baixo peso. Estas são voltadas para o respeito às individualidades, à garantia de tecnologia que permita a segurança do recém-nato e o acolhimento ao bebê e sua família, com ênfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo, buscando facilitar o vínculo mãe-bebê durante a sua permanência no hospital e após a alta (SBP, 2003). Este estudo visa analisar os cuidados ambientais e as relações de atendimento estabelecidas entre equipe de saúde, bebês hospitalizados e suas famílias em uma UTI neonatal cirúrgica, refletindo sobre as potencialidades e obstáculos para a promoção de um cuidado humanizado. 6. DEFINIÇÃO DO MÉTODO E SUJEITOS DE ESTUDO O estudo ancora-se na perspectiva qualitativa de pesquisa, tomando a observação participante (Becker, 1993) como seu principal método. As relações profissionais e usuários de uma UTINC constituíram a matéria-prima de observação. A pesquisa privilegiou as experiências cotidianas, nas quais os indivíduos adotam uma "atitude natural", isto é, não questionam as estruturas que condicionam suas ações e assim executam as atividades habituais, permitindo-lhes estocar conhecimentos, integrando simultaneamente a experiência individual e as orientações da cultura (Wagner, 1979). Foram criados três roteiros observacionais: a) da relação profissional-bebê (Druon, 1999), voltado para observação da abordagem das situações de estresse no bebê; das intervenções da equipe voltadas para o suporte do corpo do bebê e estabelecimento de vínculo; b) da relação profissional-mãe/responsável (Lamy et al., 1997; Mathelin, 1999), analisando quando os pais eram estimulados a tocar ou permanecer junto de seus bebês ou quando eram desencorajados a fazê-lo; c) da relação mãe-bebê (Brazelton, 1988; Klaus &Kennell, 1993; Winnicott, 1996), enfatizando-se a iniciativa e autonomia das mães em tocar e estabelecer comunicação com seus bebês. Também foram observados os cuidados ambientais relacionados aos ruídos e à iluminação na UTI Neonatal Cirúrgica. As observações estenderam-se por cinco meses e foram realizadas em horários e plantões diferentes, procurando-se perceber nuances de práticas. Foram realizadas anotações em diário de campo, compondo o acervo de análise. Os sujeitos da pesquisa foram bebês internados, seus acompanhantes e profissionais de saúde. Nesse período foram observadas as relações em torno da assistência de 28 bebês e seus respectivos familiares. A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa. Os nomes utilizados neste estudo são fictícios. Os dados foram analisados à luz do referencial teórico da PsicomotricidadeRelacional (Ajuriaguerra, s. d.; Aucouturier et al., 1986; Vaivret-Douret, 1997), das teorias do apego e do desenvolvimento emocional do bebê (Brazelton, 1988; Klaus &Kennell, 1993; Winnicott, 1996; Bowlby, 1988) e de estudos realizados em UTIs neonatais, enfocando aspectos como prematuridade e assistência aos pais (Stevens et al., 2000; Mathelin, 1999; Whitfield&Grunau, 2000; Moreira et al., 2003). Buscou-se confrontar as normas e rotinas estabelecidas e sua aplicação prática no cotidiano da assistência. 6.1 O Campo de Estudo O campo foi uma UTINC pública de uma unidade materno-infantil de nível terciário que atende a recém-nascidos com patologias que requerem intervenções cirúrgicas precoces. Tal serviço foi escolhido por dispor de bons recursos tecnológicos e de pessoal qualificado, condições necessárias à promoção de "cuidados humanizados". A clientela provém da instituição e de outras unidades do município e outros estados. O tempo médio de permanência dos bebês nesta UTI é de aproximadamente 17 dias. A UTINC localiza-se numa enfermaria de cirurgia pediátrica que dispõe de três salas de cirurgia. A equipe conta com sete cirurgiões pediátricos, cinco anestesistas, dois pediatras, um nutricionista, um assistente social, um psiquiatra, quatro residentes de cirurgia pediátrica, 11 enfermeiras, duas residentes de enfermagem e 26 técnicas de enfermagem. A capacidade máxima desta unidade é de sete leitos. 6.2 Normas e Rotinas Algumas normas e rotinas gerais afixadas na UTINC dispunham sobre promoção, apoio e manutenção da amamentação; direitos de informação e esclarecimentos dos pais acerca do estado de saúde de seus filhos e facilitação da relação mãe-bebê. Quanto ao aleitamento materno, as mães recebiam orientações na UTINC sobre postura e vantagens da amamentação e eram encaminhadas ao Banco de Leite Humano da instituição para realizarem a ordenha e serem orientadas sobre a manutenção da lactação. Não havia leitos ou alojamento para mães que obtinham alta da maternidade, mas que estavam amamentando. Procurava-se, quando possível, acomodá-las em uma cadeira de descanso na enfermaria de cirurgia. Enquanto a amamentação não era possível, o bebê recebia leite proveniente do Banco, que em geral não era o leite da própria mãe. Há restrições institucionais estabelecidas quanto ao uso de "chucas" e chupetas, porém, parte da equipe da UTINC mostrou-se favorável ao uso de chupetas nos bebês submetidos a cirurgias, pois estes ficam privados, nos períodos pré e pós- operatórios, do efeito tranqüilizador proporcionado pela sucção não-nutritiva em situações de dor e estresse. Não eram utilizadas chupetas convencionais, mas sim bicos improvisados com luvas esterilizadas, guarnecidas internamente com algodão. Sua administração ficava sob a decisão de cada profissional. Em geral, o pediatra ou a enfermeira de plantão recebia a família na UTINC, esclarecendo sobre a evolução clínica da criança. No decorrer da internação, orientações sobre cuidados de higiene, amamentação e outros, eram oferecidas, principalmente na preparação para a alta, quando os pais recebiam uma carga maior de instruções acerca dos cuidados gerais e específicos do bebê e quanto às consultas de acompanhamento. Não foi possível, entretanto, analisar como tais informações eram re-interpretadas pelos pais. 6.3 Contexto Ambiental da UTIN Cirúrgica: os Ruídos e a Iluminação Na UTINC estudada, observou-se a preocupação da equipe em minimizar os efeitos provocados pelo ruído na estabilidade fisiológica e comportamental dos bebês. Os profissionais procuravam falar baixo e manipular com cuidado as portas e painéis das incubadoras. Porém, também se observou que, freqüentemente, objetos eram apoiados sobre as incubadoras. Os ruídos produzidos pelos aparelhos de monitoração eram constantes. Um rádio ficava ligado na UTINC, atendendo às demandas de transformação do ambiente para torná-lo mais agradável aos profissionais, o que dificultava a identificação dos sinais sonoros (como o choro) emitidos pelo bebê, que poderiam ser indicativos de desconforto ou dor. Por vezes, os profissionais naturalizavam esses ruídos e mesmo os sinais de desorganização fisiológica e corporal dos bebês não eram percebidos. Janice está na incubadora e começa a chorar. Permanece chorando por aproximadamente 30 minutos, intercalando momentos de desorganização tônica e fisiológica, e momentos de cansaço, quando adormece por alguns instantes. Em seguida volta a chorar e a se desorganizar, fazendo disparar o alarme do saturímetro. Ninguém comentou sobre o seu estado, nem se aproximou para ver o que estava acontecendo. As luzes da UTINC permaneciam sempre acesas e a luminosidade artificial era intensa. A conduta da equipe para reduzir o efeito da luz era colocar um lençol sobre a incubadora, amenizando a interferência desta sobre os ciclos de sono e vigília. Contudo, nos casos em que o bebê apresentava maior instabilidade clínica, este procedimento era suspenso. Priorizava-se a total visibilidade do bebê para melhor vigiar suas respostas. 6.4 Contexto Relacional 6.4.1 A Relação Profissional-Bebê Observaram-se abordagens cuidadosas dirigidas à atenção das necessidades de cada bebê. Muitas vezes, contudo, o cuidado era mais automatizado, principalmente quando o profissional encontrava-se submetido a estresse, sobrecarga de trabalho ou urgência de bom desempenho nos procedimentos. Uma enfermeira diz que veio direto de outro plantão de 12h e que emendou dois plantões. Ao realizar os procedimentos com os bebês, fala com eles automaticamente, como se estivesse cumprindo um protocolo. Numa seqüência rápida, diz "oi" para o bebê, chama-o pelo nome, diz para ele o que vai fazer e o que está acontecendo. Em seguida completa: "Você não está entendendo nada disso, não é?" A disponibilidade e sensibilidade individual dos profissionais, certa acomodação à rotina e o desgaste provocado pelo trabalho em UTI mostraram intervir na relação com o bebê. Ainda, segundo os profissionais, o tipo de vínculo institucional e o tempo de serviço interferiam no comprometimento com o trabalho. A carga horária, controle de faltas e os arranjos informais da jornada de trabalho foram listados como decisivos para o andamento do serviço, interferindo na produção dos cuidados. Apesar de a equipe demonstrar conhecimento sobre as necessidades de suporte do corpo para a organização psíquica e fisiológica do bebê, foi mencionado haver resistência de alguns para mudar procedimentos. Aqui as pessoas são muito resistentes. Eu sempre coloco rolinhos para dar mais proteção ao bebê, mas as pessoas vão e tiram. Tem até estudo sobre isso, mas eu já desisti de falar. Observaram-se situações nas quais uma forte ligação foi estabelecida entre o profissional e o bebê, principalmente nos casos mais graves e na ausência materna. Esta vinculação apareceu como elemento fundamental para o bebê reorganizar-se emocional e fisiologicamente após a realização de intervenções clínicas. Em relação ao manuseio da dor após procedimentos cirúrgicos havia prescrição médica de analgésico. 6.4.2 A Relação Mãe-Bebê Observou-se constante preocupação da equipe com a acolhida da mãe, a facilitação de seu acesso e sua permanência no setor. A presença do pai também era incentivada. No primeiro contato pais-bebê, uma pediatra ou enfermeira os recebia e informava sobre o estado de saúde do bebê, aparelhos, terapêutica, a forma de pegar e posicionar para amamentação. Não havia um espaço para a recepção da família nem local próprio para amamentação. Eram oferecidas cadeiras às mães e, quando possível, os bebês eram colocados em seu colo. O pai de Leonardo chega logo após a sua alimentação. Ao chegar, o pai apenas observava seu filho no leito. A enfermeira lhe pergunta se desejasegurar o bebê e, prontamente, o coloca em seu colo. O bebê permanece tranqüilo no colo do pai, dormindo. Os pais tinham liberdade de acesso à UTINC. Entretanto, observou-se que a equipe incentivava as visitas à tarde, pois, pela manhã realizava-se a maioria dos procedimentos e rotinas. Não era permitida a entrada de avós nesta UTI, exceto quando os pais não podiam visitar o bebê, conduta justificada pela redução do número de pessoas na unidade e, conseqüentemente, do risco de infecção hospitalar. À medida que os pais se familiarizavam com a situação e que as relações com a equipe se solidificavam, a autonomia em participar dos cuidados do bebê aumentava. Enquanto realiza os procedimentos de cuidado em Mateus, Aurora (profissional) conversa com a mãe sobre o nascimento dos filhos, a diferença entre os partos. A mãe de Mateus comenta sobre a facilidade do parto normal, a ausência de dor no parto do filho mais velho e a cesárea de Mateus, a dor, o tempo de gestação, etc. Laura conversa animadamente com a enfermeira e, enquanto esta examina e mede a temperatura do bebê, a própria mãe troca sua fralda, incentivada pela enfermeira. 6.4.3 A Relação Profissional-Responsável Muitas vezes os pais eram estimulados a tocar e acalmar seus bebês, sendo sua presença valorizada para a formação do vínculo e inclusão nos cuidados. Todavia, momentos de agravamento do quadro clínico, urgência e necessidade de performance técnica, ou mesmo dificuldades na comunicação entre pais e profissionais, acarretavam interdição da presença dos pais, que eram desencorajados a tocar em seus bebês. Observou-se que situações de medo e insegurança diante da experiência da hospitalização podiam causar, nos pais, uma dificuldade em se comunicar com a equipe, agravando o temor de tocar no bebê. Bruno é um bebê de 8 dias, nascido em outro hospital, que está há 3 dias na UTINC. Pergunto aos pais se estão podendo segurá-lo no colo. Respondem que ainda não o pegaram, pois não sabem se podem. A mãe diz que já o tocou, mas não sabe se pode continuar a fazê-lo. Pergunto se eles já conversaram com alguém da equipe sobre o estado atual do bebê, e o pai responde que ainda não tiveram nem a curiosidade de perguntar, pois quando Bruno foi internado disseram para não mexer na criança, pois isto poderia "causar problemas". O pai diz que ficou com tanto medo, que não o tocou mais desde então. O entendimento de que um bebê não existe fora de um contexto familiar tem mudado as relações dentro da UTI. Tais relações se estabelecem antes do nascimento quando se detecta uma patologia, podendo alterar precocemente a interação ou vínculo das famílias com seus bebês. Por isso, a forma de recebê-lo na UTI é tão importante. Transformações têm sido realizadas, com ampliação dos cuidados para incluir as famílias e proporcionar maior consolo e o manejo da dor destes bebês (Saunders et al., 2003). Como já discutido, a exposição a numerosos e repetidos estímulos nocivos podem levar a desorganizações fisiológicas e comportamentais. O bebê passa, então, a usar suas reservas de energia para auto-regulação, "economizando" ao máximo tal gasto (Stevens et al., 2000; Braga &Morsch, 2003). Embora as intervenções para diminuir o estresse ambiental possam ser efetivas na promoção de estabilidade fisiológica (Stevens et al., 2000), a natureza nociva do ambiente das UTI não tem sido alterada substancialmente. Manifestações psicomotoras como as arritmias (Lézine&Stambak, 1959) são observáveis em bebês com histórico de internação precoce, decorrentes de perturbações dos ritmos exteriores, como ausência de noite-dia, das atividades de maternagem em horas fixas, de períodos de silêncio e ruído, da palavra e filtragem das aferências sensoriais pela incubadora, afetando, sobretudo, as funções posturais e motoras dos bebês. Na UTI estudada observou-se uma preocupação primária com o ambiente, embora como uma demanda relacionada à melhoria do ambiente de trabalho, como na questão do rádio ligado. Segundo Stevens et al. (2000) a diminuição da carga total de estímulos nocivos para os bebês pode ser executada pela redução geral dos níveis de luz e favorecimento das condições de alternar dia e noite, reduzindo níveis de cortisol e freqüência cardíaca, promovendo o aumento do sono, o ganho de peso e o desenvolvimento dos ritmos nos bebês. Estratégias para diminuição do ruído estavam implementadas na UTI estudada, embora nem sempre cumpridas, tendo sido observado o constante apoio de objetos sobre as incubadoras. Quanto ao ruído das falas, autores observam que este pode apresentar um caráter positivo ou negativo. Permite ao bebê a sua inserção no mundo da linguagem, principalmente quando o som é originário da voz materna, o que pode representar um amparo psíquico ao bebê (Braga &Morsch, 2003). Entretanto, quando havia muitas pessoas na unidade, esta conversa se transformava em um ruído intenso e incômodo, estressando bebês e equipe. Esta justificativa impedia a entrada de outros familiares incluindo os avós, mas não o acesso de profissionais de outros setores em visita aos colegas ali lotados. As estratégias relacionadas à intensidade de luz eram menos efetivas. A proteção das incubadoras era abandonada em favorecimento das condições de trabalho dos profissionais, neste caso, maior visibilidade do bebê, ainda que este se encontrasse monitorizado. Em relação ao consolo do bebê, observou-se na unidade a valorização do uso da chupeta. Embora o hospital siga os dez passos da política pública Hospital Amigo da Criança, que em seu nono passo preconiza o não uso da chupeta, ela era utilizada de forma artesanal. Revela-se a polêmica e as ambigüidades entre o que é preconizado nas campanhas de amamentação e a interpretação das demandas de cada bebê, especialmente daqueles internados numa UTINC. Alguns estudos sugerem que o uso da chupeta não influencia a amamentação (Collins et al., 2004), o que não é consensual. O Ministério da Saúde reconhece que a sucção não nutritiva em bebês de UTI pode ser viabilizada em alguns casos, principalmente quando a dor estiver envolvida (MS, 2000). Ela pode ser efetiva na redução da dor e do choro em bebês pré-termo durante procedimento de punção e colaborar na indução do sono, favorecendo a ativação dos mecanismos de homeostase (Stevens et al., 2000). O acesso das famílias é outro ponto importante na discussão dos cuidados humanizados ao recém-nascido (Agman et al., 1999; Druon, 1999; Braga &Morsch, 2003). Embora não houvesse um ambiente específico para sua permanência, o acesso dos pais era incentivado. A presença de outros familiares na UTINC ainda não foi incorporada, evidenciando a necessidade de um cuidado mais ampliado. De certa forma, o ambiente (físico e relacional) não era favorável, dificultando, algumas vezes, as possibilidades de relação família-bebê, propiciando o aparecimento de sinais de estresse e medo nesses pais. Alguns estudos revelam a necessidade de acolhimento e suporte psicológico aos pais, para que eles possam significar melhor os acontecimentos e sentimentos e ter condições emocionais para superar o trauma da hospitalização e relacionar-se com seus filhos na UTI-Neonatal (Agman et al., 1999; Druon, 1999; Moreira et al., 2003). Segundo Druon (1999), a escuta dos pais beneficia todos os envolvidos, pois ajuda a: evocar o traumático e a fazer a ligação entre o que é vivido realmente e as fantasias; identificar as demandas dos pais em relação aos seus bebês e ao serviço de neonatologia; reforçar os laços com o serviço e aumentar a perspectiva de um acompanhamento (Follow-up); produzir identificação mãe-bebê; trabalhar de forma interdisciplinar. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A UTINC estudada sugere avanços e ambigüidades que podem ser comuns a muitas outras do país. Em geral nota-se umadisposição favorável ao acolhimento das mães e o reconhecimento das necessidades dos bebês. Revelam-se ambigüidades entre adotar práticas mais flexíveis (uso de sucção não nutritiva, de lençóis sobre as incubadoras) e a retomada das regras vigentes quando o estado de saúde do bebê implicava maior intensidade de avaliação clínica. Em um campo de práticas onde as evidências científicas sustentam atitudes e procedimentos, ações ainda não comprovadas por estudos sistemáticos, vistas como "alternativas", tendem a ser suprimidas nos momentos de incerteza. Igualmente negociadas são as regras de cuidados ambientais como os ruídos e iluminação. Ainda que conscientes de seus efeitos nocivos, os profissionais também transformam o ambiente para suas próprias necessidades, em um exercício adaptativo das condições de trabalho. Indica-se o importante papel do profissional como mediador das relações de vínculo entre mães e bebês. Assim, jornadas extensas e desgastantes podem acarretar dificuldades na atenção das necessidades mais sutis do bebê e (inter) subjetivas de sua mãe. Entretanto, os profissionais também têm limites a serem negociados. Sentem- se desconfortáveis na presença das mães quando precisam fazer procedimentos mais invasivos ou em momentos críticos. Ofertar uma assistência que provenha a melhor tecnologia de saberes, procedimentos e equipamentos, conjugada ao acolhimento das necessidades intersubjetivas dos pacientes e dos profissionais e ao reconhecimento das lógicas culturais dos familiares (que permitem a interpretação da hospitalização), é um dos grandes desafios da atenção em saúde. 8. INTERVENÇÃO PRECOCE E A CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA O estatuto de criança e, portanto, de infância se modificou ao longo da história. Se, atualmente, a concepção de adulto constituído e de criança em constituição comporta sentidos específicos e claramente discerníveis, podemos dizer que o que se operou foi um desdobramento de sentido na e pela história. De acordo com Ariès (1981), no período medieval, a criança não tinha inscrição social devido à sua fragilidade, aos seus embaraços físicos e aos riscos de sobrevivência em que se encontrava. Cirino esclarece que: "O destino de cada homem estava praticamente traçado a partir de sua posição na hierarquia (vassalo ou senhor). Assim, cada criança vinda ao mundo ocupava lugar definido numa rede social bem articulada e estabelecida pela tradição" (2001, p. 21). Tal condição da criança apenas seria modificada a partir do momento em que ela se mostrava apta para partilhar trabalho e participar de jogos coletivos com os adultos. Nessa direção, deve-se admitir que a infância, no século XVI, não era uma figura jurídica e nem vista como uma etapa da vida que merecesse ser caracterizada de forma diferenciada daquela do adulto, uma vez que a criança passava a ter visibilidade social no momento em que, de certa maneira, como vimos, ela se equiparava aos adultos (no trabalho e nos jogos). No final do século XVII, emerge uma concepção de infância decorrente de um movimento da Igreja e do Estado. Tendo em vista a finalidade de garantir a ordem pública pelo viés da educação, escolas são instituídas e a criança é elevada ao estatuto de adulto em potencial, e, portanto, um estágio prévio à vida madura é antevisto. A infância passa a ser o período de preparação moral do homem e a finalidade clara era a de fazer da criança um cidadão melhor, responsável pela sustentação de uma nova ordem. Concomitantemente a esses novos rumos, a família, investida da função de transmissão de preceitos morais e espirituais, passa a ser vista como um núcleo potencial de afeição (entre os cônjuges e entre eles e seus filhos). Esse estado de coisas persiste com variações até o final do século XIX, quando surgem outras concepções de criança/infância. Estamos, agora, sob efeito da revolução industrial e científica. Vige, nesse período, o entendimento de que a criança, dadas suas características físicas, comportamentais e morais particulares, se diferencia do adulto. A infância começa, não sem razão, como se vê, a ser representada como uma etapa distinta e diversa da vida adulta. Cresce, nesse contexto e naquele século, o interesse dos pais pela educação e pela formação dos filhos. Crianças são vistas como o futuro de uma sociedade e devem, assim, receber cuidados e atenção especiais. Será, contudo, no início do século XX, que a oposição efetiva entre infância e maturidade adquire solidez e sentido sedimentado. Esse passo proporciona, diz Ariès (1981), o investimento de certas disciplinas nas investigações de peculiaridades desse tempo da vida, denominado infância, período marcado ou caracterizado, desde então, como de desenvolvimento geral da criança: como processo de constituição (anátomo- fisiológico, psicológico/social). Nascem, no século XX, assim, diferentes modalidades clínicas ocupadas exclusivamente com os problemas da infância. A criança, nesse contexto, é representada, de acordo com Vorcaro, pelo seu vir-a-ser e, portanto, "conhecê-la por todos os ângulos, cuidá-la para que se previnam todos os riscos, superar os efeitos danosos do meio familiar ao seu florescimento eficaz" (1997, 35) é aposta para garantir o futuro, o adulto ideal. Os interesses dos estudos, nesse período, dirigem-se a abordagens em que se privilegia o inato (determinações genéticas) em oposição ao adquirido (efeito da cultura e do social). O normal em oposição ao patológico é unidade de medida, que define previamente, por meio das manifestações das crianças, o que ela deveria atingir em um determinado tempo do seu processo de maturação. O que se estabelece são estágios de desenvolvimento como ordem de sucessão fixa, distinguida por etapas sucessivas, tendo como referente o tempo cronológico. A suposição é que instrumentos dessa natureza podem acompanhar a normalidade e o progresso da criança, no que tange a quantidade e a qualidade em seus diversos aspectos do desenvolvimento. De acordo com Cirino: "A emergência do 'sentimento da infância' é o que possibilita que a criança passe a ser pensada como o 'homem de amanhã', sendo destacada e recortada como objeto de teorização e de práticas educacionais, higiênicas e científicas. É nesta perspectiva que possibilitará o desenvolvimento, em momentos diferentes, da pedagogia da pediatria, da puericultura, da psicologia do desenvolvimento, e de uma série de 'especialistas', que legitimados por uma posição de autoridade pelo saber científico, falarão e, de fato, construirão a infância" (2001, p. 22). O breve preâmbulo que trouxemos acima teve como objetivo situar a questão da intervenção precoce – uma novidade recente e que pressiona o olhar do clínico para o período inicial da vida. Trata-se de uma especialidade clínica voltada para o bebê. Note-se que temos, portanto, uma diferenciação na infância, ou seja, uma distinção entre uma criança e um bebê, pois, ainda que o tempo de ser bebêseja parte da infância, as características desse período primeiro contêm, admitem especialistas, especificidades que merecem ser destacadas. Podemos dizer que a clínica de intervenção precoce pode ser abordada como demanda de um contexto sócio-histórico em que médicos e pais passam a ter acesso a diagnósticos precoces de patologias, em decorrência de avanços científicos e tecnológicos. O acesso ao diagnóstico precoce dá impulso ao surgimento de outras disciplinas voltadas ao desenvolvimento infantil e à intervenção específica – a meta é oferecer, ao bebê e à sua família, condições que minimizem e/ou sanem eventuais problemas hereditários ou aqueles provocados pela ocasião do nascimento. Essa modalidade clínica – Intervenção Precoce – marca um momento particular na abordagem da criança, que envolve uma outra ideia de família. Podemos dizer, com aPsicanálise, que essa clínica instaura (ou faz complemento, ou atende a) uma aposta narcísica dos pais. Dito de outra forma: há forte investimento no bebê, visto como lugar de realização dos pais. Como disse Vorcaro: "a modernidade atestou a criança à posição de extremo privilégio – lugar próprio para a aposta no futuro da civilização. É o que faz da criança uma valência futura – representação que resgata o que não foi possível realizar no passado, projetada para o futuro do futuro do adulto Ideal que, no narcisismo dos pais, encontra sua singularização" (1997, p. 34). A Fonoaudiologia foi uma das disciplinas fortemente influenciadas pelo ideal do trabalho preventivo, que dominou a década de 1980. Esse campo clínico inicia a atuação em UTI neonatal e em berçário patológico buscando, dentro de sua especialidade, propiciar qualidade de vida aos bebês, principalmente àqueles portadores de síndromes ou de patologias graves como Paralisia Cerebral. As ações profissionais centram-se, por exemplo, na intervenção nos problemas de alimentação apresentados por essas crianças e, também, no atendimento precoce com vistas a minimizar ou evitar problemas de desenvolvimento (como de linguagem, por exemplo). De acordo com Xavier, "é de extrema importância que programas preventivos, educativos e de intervenção não só na fase hospitalar assim como no seguimento destes bebês denominados de 'risco' se desenvolvam. Este período inicial é base para a qualidade da saúde e desenvolvimento em todas as outras fases da vida" (1997, p. 1020). Nesse mesmo período, a Fonoaudiologia passa a atuar em unidade hospitalar, também, com os neonatos pré-termo, uma população que, no período pós-natal, geralmente, apresenta problemas para alimentar-se oralmente. E concomitantemente, resultados de pesquisas médicas indicam que o aumento da sobrevida de recém-nascidos prematuros é acompanhado por uma elevação do índice de deficiências e procuram mostrar que elas atingem diversas áreas do desenvolvimento da criança. Ou seja, o que tais trabalhos deixam lançada é uma incerteza quanto à qualidade de vida futura do bebê nascido prematuramente, já que de acordo com Wjnsztejn, Vilanova e Vieira, "o índice de mortalidade dos recém- nascidos de risco (incluindo o bebê prematuro e baixo peso), vem progressivamente diminuindo devido aos avanços tecnológicos de terapia intensiva neonatal ... Nos recém-nascidos pré-termo e de baixo peso, alguns fatores agravantes, como imaturidade dos órgãos e sistemas, podem determinar o aparecimento de alterações no exame neurológico, possibilitando a instalação de sequelas" (1998, p. 239). O bebê prematuro é absorvido pela clínica fonoaudiológica, porque, como sugerido acima, há uma condição de risco para o desenvolvimento, incluindo o da linguagem. Nesse sentido, tem cabido à Fonoaudiologia realizar o acompanhamento do bebê prematuro, com o objetivo de detectar, além de eventuais problemas auditivos, também alterações de linguagem. A meta clínica é iniciar a intervenção terapêutica tão cedo quanto possível (se necessário) e, com isso, minimizar e/ou sanar problemas que possam perturbar o desenvolvimento da criança. Como afirma Xavier, "várias pesquisas mostram como sequelas destes bebês considerados de 'risco' as alterações globais de desenvolvimento, como atraso motor relevante, paralisia cerebral, deficiência auditiva; também mostram como sequelas menos evidentes as alterações de fala, linguagem, desenvolvimento cognitivo, dificuldades de aprendizagem, problemas comportamentais, entre outros (Andrada, 1989; Azevedo, 1993; Bassetto, 1994; Xavier &Cardinalli, 1995; Xavier, Taques & Alves, 1996)" (1997, p. 1020). Esclareço que no ano de 1994 o Hospital Regional de Assis (HRA) inaugurou a unidade de UTI neonatal, destinada ao atendimento da população de recém- nascidos da cidade e da região. Naquele mesmo ano, ali iniciei minhas atividades profissionais como fonoaudióloga e participei, juntamente com a equipe médica, do processo de implantação do serviço. Por concordar, naquela época, com a ideia de que os bebês nascidos prematuramente eram de risco, inaugurei o Ambulatório Fonoaudiológico de Estimulação Precoce, visando evitar dificuldades na aquisição de linguagem. Eu levava em conta, como se vê, aquilo que considerava ser a demanda potencial para a área fonoaudiológica. Quanto a essa proposta, eu estava ancorada na literatura dessa área, ou melhor, inspirei-me em perspectivas teóricas e clínicas de alguns autores que haviam se dedicado ao estudo do desenvolvimento de bebês nascidos prematuramente, dentre esses: Xavier &Cardinalli (1995), Hernandez (1996), Perissinoto (1996), Xavier (1996, 1998), Basseto, Azevedo &Chiari (1998). Procurei, também, autores da área psicológica, como: Brazelton (1987, 1988, 1992), Klaus &Kennell (1992), Spitz (1993). Segundo tais orientações, o acompanhamento fonoaudiológico se justificava pela suposição de que bebês nascidos prematuramente corriam sérios riscos de apresentarem problemas de desenvolvimento que comprometeriam a linguagem. Insisto em assinalar que tal prática institucional visava contornar possíveis riscos que a criança prematura poderia vir a apresentar (distúrbios de natureza sensorial, intelectual e motora) – riscos estes que, admite-se, afetariam o desenvolvimento da linguagem e, por isso, interfeririam negativamente na estruturação subjetiva. Nesse sentido, sustenta-se a necessidade de manter o acompanhamento após a alta hospitalar. No Hospital de Assis, propúnhamos avaliações trimestrais, tendo como instrumento diagnóstico uma escala assumida como de desenvolvimento normal. Tratava-se de um elenco de comportamentos organizados de acordo com áreas específicas, a saber: função expressiva, função receptiva, função interativa/comunicativa, função visual, função motora e cognitiva. A avaliação fonoaudiológica consistia em comparar as produções sonoras e interativas da criança com a escala de comportamento normal estabelecida. Ou seja, a partir do que se podia observar do desempenho da criança durante a consulta, comportamentos registrados eram comparados com aquele esperado para determinada faixa etária. A fonoaudióloga deveria, ao final, emitir uma apreciação sobre a qualidade do desenvolvimento da criança. Dito de outro modo, esperava-se determinar a margem de risco com base na defasagem (ou não) entre o comportamento efetivo da criança e o comportamento-meta para cada período. Parece-me oportuno sublinhar que essa prática clínica fonoaudiológica está relacionada ao momento histórico em que as orientações clínicas visam a garantir a vida, mas não só – elas são dirigidas pelo ideal de manutenção da demanda social da criança como promessa. A meta, de acordo com Vorcaro, é prevenir "todos os riscos e otimizar potencialidades que assegurem o controle das incertezas do futuro da civilização e também esperança de garantia da ordem social" (1997, p. 33). Em outras palavras, a criança, em nossos tempos, prevalece enquanto sustentação de expectativas parentais e sociais: "a criança situa-se como sinonímia de esperança de solução das mazelas da civilização e projeto de realização do que seus ancestrais não fizeram" (Vorcaro, 1997, p. 44). Talvez se possa dizer que, nessa perspectiva, a legitimidade da prática clínica fonoaudiológica apoia-se na ideia de universalidade e de regularidade, tendo como ideal a normatização cronológica do desenvolvimento da criança. Ou seja, orientam- se no rigor de uma ciência idealizada em que privilégio é dado à determinação da constância e da invariância da espécie humana de que resulta à busca de definições de parâmetros de normalidade (e, consequentemente, de patologia). Após essa breve digressão, volto outra vez o olhar para minha atuação fonoaudiológica. Saliento que, no cerne da questão, parece estar uma contradiçãoentre aquilo que se esperava e aquilo que emergiu da prática clínica – entre o almejado e o realizado. Digamos que o prognóstico era o de que crianças nascidas prematuramente apresentariam, necessariamente, problemas de desenvolvimento, especialmente de linguagem – o que, pôde-se atestar, não ocorria na prática clínica. Os resultados dessas avaliações, de fato, não confirmaram a hipótese negativa: apenas uma pequena parte das crianças acompanhadas vieram a apresentar patologia de linguagem, e esse resultado afastava a possibilidade de atribuir à prematuridade a causa do problema. Mesmo em casos patológicos, notou-se que muitos dos atrasos foram superados na evolução. Outra questão, não menos importante e igualmente surpreendente, veio à tona. A prática clínica mostrou a dificuldade em apreender regularidades na aplicação do instrumento de avaliação, ou seja, não havia estabilidade ou sistematicidade de resultados – entre o parâmetro esperado e as produções efetivas das crianças. A escala não traduziu, como suposto, a previsão da ordem gradual das aquisições indicadas no instrumento, dada a marcante heterogeneidade das evoluções assumidas como normais, nem quanto daquelas anotadas como em atraso. Enfim, a realidade (verdade) da criança desafiou insistentemente o ideal de parâmetro de desenvolvimento e frustrou a possibilidade de avaliar o risco com base no procedimento/instrumento adotado. 9. DISCUSSÃO DO PROBLEMA E DIREÇÕES Frente aos resultados dessa experiência e do pano de fundo teórico que a orientou, pretendo, neste artigo, problematizar a vertente teórico-metodológica que tem orientado, em larga medida, a atuação fonoaudiológica. Trata-se de uma direção que se sustenta, como disse acima, em um ideal da modernidade, que aposta na força da observação e na possibilidade de descrições voltadas ao estabelecimento de tipologias/nosografias. Como procurei mostrar, na base está uma certeza na universalidade – na noção de que todo corpo-organismo é um mesmo e que, portanto, explícita ou implicitamente, acredita-se que aquilo que vale para um, vale para todos da mesma espécie. A objetividade científica faz previsões, adianta-se à realidade, e reduz a realidade a apenas o que dela se ajusta ao previsto. Minha experiência clínica leva-me a questionar, precisamente, a certeza prévia de que crianças, nascidas prematuramente, seriam necessariamente mais propensas a apresentar problemas de desenvolvimento, especialmente em relação à linguagem. Os resultados, observados em minha prática, mencionados no item precedente, não me permitem, absolutamente, concordar com essa hipótese. Em outras palavras, o prognóstico de risco está em desacordo com o que testemunha a clínica: apenas uma parcela mínima das crianças acompanhadas apresentou atraso ou patologia de linguagem (o que nãodifere do que ocorre com crianças nascidas no tempo esperado). É com base em muitos anos de clínica, quase 15 anos, no Hospital Regional de Assis, que me afasto da hipótese da prematuridade como causa de problemas de desenvolvimento e tomo distância, também, da hipótese de risco de desenvolvimento porque a criança é prematura. A concepção de risco, implicada na prática clínica fonoaudiológica, decorre de forma direta do discurso médico de risco de morte devido à prematuridade. Dito de outro modo, se, de fato, possa haver risco de morte, essa noção deslizou sem questionamento para a de risco de desenvolvimento e, assim, tal hipótese do risco tem sustentado e dirigido a atuação fonoaudiológica. Ela, de fato, retira seu sentido da ideia de que sequelas neurológicas e/ou sensoriais devidas ao despreparo anatômico e fisiológico do bebê ocasionem patologias de linguagem. Em outras palavras, a linguagem fica ligada à ordem orgânica por uma relação causa-efeito em que a ordem orgânica tem peso de determinação das vicissitudes do processo de aquisição da linguagem. Saliento, apoiada, como disse, naquilo que testemunha a clínica, que diferentes são as determinações envolvidas no que se concebe como risco de vida e constituição do sujeito falante. Do ponto de vista das aplicações de instrumentos de avaliação, coloco em questão sua eficácia, pelas razões já apontadas acima – questiono o modelo diagnósticofonoaudiológico, como o adotado no Ambulatório de Estimulação Precoce, já que ele ignora a realidade (verdade) da criança na clínica e pode cegar ou afastar o clínico dessa realidade. Reitero: nenhuma linearidade das aquisições, nenhuma regularidade de evoluções de manifestações linguísticas entre crianças da mesma idade pôde ser sustentada. Em outras palavras, não se encontrou a homogeneidade prevista e esperada – o que inviabilizou classificações, ou seja, o estabelecimento de semblantes. Quanto a tal perspectiva, Clavreul (1993) afirma que a medicina faz previsão em razão de seu ideal de objetividade científica, previsão (ou prognóstico) tornada possível devido ao estabelecimento de um quadro nosográfico, definido a partir da determinação etiológica dos sinais e sintomas característicos de doenças. Etiologia, nosografia e prognóstico articulam-se e sustentam o saber médico (Arantes, 2001; Girardi, 2003). Na experiência clínica fonoaudiológica, diferentemente, não se atinge essa possibilidade – ela não opera com as variáveis relativamente estáveis do organismo, mas enfrenta, a cada passo, uma incontornável imprevisibilidade sobre o futuro desenvolvimento da criança, ou melhor, enfrenta singularidades. Podemos dizer que a prática clínica fonoaudiológica contraria o tripé sobre o qual se sustenta a clínica médica (etiologia, nosografia e prognóstico) –, não é possível prever o futuro de um destino subjetivo, sempre afetado por contingências, mesmo sendo a criança um bebê prematuro. Parece-me, portanto, reconhecer uma diferença radical entre essas duas clínicas, diferença caracterizada/caracterizável pela oposição entre a previsibilidade relativa à clínica médica e a imprevisibilidade relativa à clínica fonoaudiológica. O modelo médico, como diz Clavreul (1993), sujeita sua clínica a um saber totalizante; a uma "ordem" que permite que o médico, a partir do discurso da medicina, discorra previamente sobre o presente, o passado e o futuro de seus doentes. Não é esse o caso da Fonoaudiologia porque a linguagem tem uma ordem própria que resiste a esse discurso – a linguagem não pode ser abordada clinicamente desde a primazia da causalidade orgânica e nem tem ela um desenvolvimento linear, previsível, como os resultados da experiência atestam. A problematização que procuro iniciar neste trabalho envolve, além disso, afirmar que o pressuposto de causalidade entre prematuridade e risco de desenvolvimento não se sustenta e, também, que o instrumento-escala de desenvolvimento não é eficaz. Como afirma Lier-DeVitto (no prelo), há uma distância insuperável entre o ideal de homogeneidade (representado por escalas idealizadas de desenvolvimento normal) e a relação singular de cada criança com a linguagem. Acreditamos, de fato, por razões clínicas e teóricas, que seria fundamental ressignificar o investimento fonoaudiológico sobre a linguagem e seus fenômenos patológicos. Propomos a retirada de um padrão comum que privilegia a observação, o quantum de conhecimento da língua apresentado pela criança, a outro passo – a realidade da criança (De Lemos, 1992), que privilegia então – "a mudança de posição da criança em relação ao outro, à língua e a sua própria fala" (De Lemos, 2002, p. 55). Nesse ponto, uma consequência enquanto investigador/clínico se faz premente – a problematização da perspectiva estrutural em oposição à perspectiva de desenvolvimento. Podemos dizer que uma perspectiva de desenvolvimento, que não seja de natureza estrutural, se alinha à da ideia contida