Prévia do material em texto
Autor: Prof. Mauro Batista Colaboradores: Profa. Vanessa Santhiago Prof. Marcel da Rocha Chehuen Metodologia do Treinamento Físico Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Professor conteudista: Mauro Batista Doutor em Educação Física pela Universidade de São Paulo (2010), mestre em Educação Física pela mesma universidade (2005) e graduado em Licenciatura em Educação Física pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (1997). É professor titular da Universidade Paulista (UNIP) desde 2003 e coordenador auxiliar do curso de Educação Física, no campus Cidade Universitária, desde 2014. Líder da disciplina Metodologia do Treinamento Físico, leciona ainda Fisiologia Aplicada à Atividade Motora e Treinamento Personalizado e Musculação. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B333t Batista, Mauro. Metodologia do Treinamento Físico / Mauro Batista. – São Paulo: Editora Sol, 2018. 88 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIV, n. 2-104/18, ISSN 1517-9230. 1. Efeitos do treinamento. 2. Capacidades motoras. 3. Periodização. I. Título. CDU 796.091.2 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Kleber Nascimento Ana Fazzio Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Sumário Metodologia do Treinamento Físico APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 DEFINIÇÕES DE TERMOS E CONCEITOS RELACIONADOS AO TREINAMENTO .............................9 1.1 Componentes do treinamento ........................................................................................................ 13 1.2 Componente físico ............................................................................................................................... 13 1.3 Componente técnico .......................................................................................................................... 14 1.4 Componente tático .............................................................................................................................. 15 1.5 Componente psicológico ................................................................................................................... 16 1.6 Componente intelectual .................................................................................................................... 17 2 TEORIAS GERAIS DO PROCESSO DE ADAPTAÇÃO .............................................................................. 18 2.1 Teoria da Supercompensação (Teoria de Um Fator) ............................................................... 18 2.2 Teoria do Condicionamento-Fadiga (Teoria de Dois Fatores) ............................................. 24 3 EFEITOS DO TREINAMENTO ......................................................................................................................... 25 3.1 Efeito agudo ........................................................................................................................................... 26 3.2 Efeito imediato ...................................................................................................................................... 26 3.3 Efeito acumulativo .............................................................................................................................. 26 3.4 Efeito retardado .................................................................................................................................... 27 3.5 Efeito residual ........................................................................................................................................ 28 4 PRINCÍPIOS BIOLÓGICOS DO TREINAMENTO ....................................................................................... 29 4.1 Princípio da sobrecarga progressiva ............................................................................................. 29 4.2 Princípio da individualidade biológica ........................................................................................ 30 4.3 Princípio da especificidade ............................................................................................................... 30 4.4 Princípio da reversibilidade .............................................................................................................. 31 Unidade II 5 HABILIDADES MOTORAS .............................................................................................................................. 35 6 CAPACIDADES MOTORAS ............................................................................................................................. 36 6.1 Força motora .......................................................................................................................................... 37 6.1.1 Fatores fisiológicos que determinam a produção de força ................................................... 39 6.2 Velocidade motora ............................................................................................................................... 44 6.2.1 Manifestações da velocidade ............................................................................................................. 45 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 6.3 Flexibilidade motora ............................................................................................................................ 47 6.3.1 Manifestações da flexibilidade .......................................................................................................... 48 6.3.2 Fatores determinantes da flexibilidade .......................................................................................... 52 6.3.3 Importância do treinamento da flexibilidade ............................................................................. 55 6.3.4 Exercícios de alongamento para o treinamento da flexibilidade ........................................ 56 7 RESISTÊNCIA MOTORA .................................................................................................................................. 60 7.1 Métodos básicos de treinamento da resistência ..................................................................... 62 8 PERIODIZAÇÃO ................................................................................................................................................. 66 8.1conhecimento disso, devemos nos preocupar em adequar as exigências dos treinamentos aos diferentes indivíduos que fazem parte de um grupo/equipe que treinamos. Para isso, é preciso realizar uma constante monitoração dos efeitos do treinamento, o que é conseguido com a realização de avaliações de controle periódicas. 4.3 Princípio da especificidade Segundo o princípio da especificidade, as adaptações observadas no organismo são diretamente associadas ao volume, à intensidade e ao tipo de atividade realizada, ou seja, as adaptações irão variar em função da quantidade/duração dos exercícios, do grau de esforço durante a sua realização, bem como de acordo com a atividade realizada. Sabendo disso, é muito importante que o treinador planeje as atividades compostas de exercícios que estressem os sistemas orgânicos responsáveis pela sustentação das exigências motoras que o atleta/indivíduo deva cumprir em sua modalidade/atividade. A especificidade no treinamento pode ser garantida escolhendo práticas que envolvam os mesmos grupos musculares solicitados na atividade que se deseja melhorar o desempenho, o tipo de ação muscular, a velocidade de execução dos movimentos, o grau de esforço realizado e o sistema energético solicitado. Atletas envolvidos em provas de longa duração, como os maratonistas ou ciclistas de estrada, precisam realizar exercícios que promovam o desenvolvimento do sistema cardiovascular, já que o sucesso nesse tipo de prova depende em grande medida da eficiência desse sistema em fornecer, em taxa elevada, oxigênio e nutrientes para os músculos ativos. Por outro lado, um indivíduo idoso que tem dificuldade para de se levantar de uma cadeira e subir um lance de escadas não deveria ser orientado 31 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO a fazer caminhadas, mas a realizar exercícios com sobrecarga para os membros inferiores. E, entre eles, deveria priorizar os que simulam os atos de levantar da cadeira e o de subir escadas, por exemplo os agachamentos, em vez dos exercícios uniarticulares, como a cadeira extensora e a mesa flexora. Lembrete A literatura do treinamento trata de múltiplos princípios. Algumas vezes, o mesmo princípio recebe diferentes nomenclaturas. 4.4 Princípio da reversibilidade O princípio da reversibilidade nos alerta que a interrupção completa de um programa de treinamento fará com que as adaptações que ele provocou sejam completamente perdidas, um período após sua interrupção. Não quer dizer que você irá perder tudo que melhorou treinando meses ou anos, se de repente parar de treinar (lembre-se do efeito residual). O princípio da reversibilidade nos chama a atenção para a necessidade de dar continuidade ao treinamento para que se possa manter as adaptações que seu corpo sofreu ao longo do treinamento. Se você não dá continuidade ao treinamento, seu organismo gradualmente se adequa a seu novo estilo de vida, ou melhor, ele vai aos poucos readequando os órgãos e sistemas que o compõem para satisfazer as demandas atuais do seu dia a dia, que agora não incluem mais os exercícios que você realizava diariamente ou alguma vezes por semana. Note que essa perda é gradual e leva algum tempo para ser completada. Além disso, nenhuma redução acontece durante alguns dias após a última sessão de treinamento. Isso significa que podemos, estrategicamente, dar mais tempo, do que normalmente fazemos, entre duas sessões de treinamento, sem que tenhamos prejuízos significativos no desempenho. Isso pode ser feito para permitir um período maior de descanso e, assim, obter uma recuperação mais completa entre sessões. E também pode ser feito como um recurso para conseguirmos dedicar mais tempo a outros conteúdos de treinamento. Por exemplo, quando no processo de preparação de uma equipe esportiva se aproxima o período das competições, o treinador precisará dedicar mais tempo para a preparação técnica e tática. Assim, uma alternativa que se pode adotar é a diminuição do número de sessões de treinamento semanal dedicado ao aprimoramento da força, sem que haja prejuízo no desempenho dessa capacidade. Observação Os princípios do treinamento devem ser interpretados com cuidado. O aumento da sobrecarga não deve ser linear, mas gradual, e precisa acontecer de maneira intercalada com diminuições das exigências do treinamento que servem para permitir a recuperação do organismo das cargas precedentes. 32 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade I Resumo Na literatura específica relacionada ao treinamento esportivo, bem como nos ambientes de prática, é comum o uso de termos e conceitos próprios dessa área. Assim, os profissionais envolvidos com a referida disciplina precisam ser gradativamente familiarizados com tais significados. Portanto, antes de tratarmos dos conteúdos próprios do treinamento físico, logo no início deste livro-texto, fizemos um esclarecimento sobre a terminologia do treinamento. Entre os termos abordados, a compreensão dos significados das palavras: exercício, treinamento, habilidades, capacidades e adaptação são as que merecem nossa maior atenção. Como vimos, o termo treinamento se refere à repetição sistemática de exercícios com o propósito de promover melhoras do desempenho. O desempenho na prática de uma modalidade, particularmente, é influenciado por múltiplos fatores, sendo os componentes: físico, técnico, tático, psicológico e intelectual. De forma simplificada, é correto dizer que o treinamento consiste na repetição de exercícios com a finalidade de induzir o organismo a melhorar o nível de manifestação de uma capacidade específica. Os exercícios são os meios através dos quais submetemos nosso organismo a uma exigência a qual ele não está habituado. Para que essa situação deixe de representar um desafio que põe em risco sua integridade, o organismo coloca em andamento modificações em suas estruturas. Essas alterações chamamos adaptações, que afetam órgãos e sistemas e têm como objetivo melhorar a funcionalidade dessas estruturas. Consequentemente, tais modificações afetam positivamente o desempenho motor. Existem duas teorias que explicam como os exercícios afetam o organismo e levam à melhora no desempenho. A Teoria da Supercompensação defende que eles são responsáveis pela depleção de substâncias bioquímicas que serão restauradas nos momentos de repouso. Caso o tempo de recuperação seja adequado, acredita-se que as concentrações de substâncias bioquímicas se elevam acima das concentrações iniciais, configurando-se, assim, uma fase de supercompensação. Por sua vez, a teoria da Condicionamento-Fadiga relaciona a melhora no desempenho à inter-relação de dois fatores: a fadiga e o condicionamento. De acordo com a teoria, o desempenho melhora em razão do ganho em condicionamento, e piora em decorrência da fadiga. A evolução da 33 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO preparação em longo prazo depende de os efeitos em duração da fadiga serem menores que os efeitos dos ganhos do condicionamento. Na teoria do treinamento existem algumas normas que definem as condições para que ele seja bem-sucedido. Elas são referidas como princípios do treinamento, tratam-se de diversos, mas vimos apenas os quatro fundamentais: princípio da sobrecarga, da individualidade, da especificidade e da reversibilidade. O princípio da sobrecarga nos lembra que, para as adaptações continuarem a acontecer, é necessário que aumentemos a exigência dos exercícios progressivamente. O princípio da individualidade nos alerta para o fato de que dois indivíduos responderão de maneira diferente a um mesmo programa de treinamento. O princípio da especificidade destaca que só podemos obter melhoras naquilo que é exigido nos treinamentos. E, por último, o princípio da reversibilidadechama atenção para a circunstância de que a interrupção do treinamento pode levar à perda completa das melhoras conseguidas, se a ausência de treinos for muito prolongada. Exercícios Questão 1. (Enade 2016, adaptada) A arte da prescrição do exercício é a integração bem-sucedida da ciência do exercício com as técnicas comportamentais que resultam na adesão, a longo prazo, ao programa e na obtenção dos objetivos dos indivíduos. O amparo científico na prescrição do exercício permite que profissionais de educação física consigam otimizar a relação quantidade-qualidade na construção de uma sessão de treino. Para isso, é importante conhecer e entender os princípios do treinamento esportivo. American College Sport Medicine. Guidelines for exercise testing and prescription. 9. ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins, 2013 (adaptado). Considerando esse contexto, avalie as seguintes afirmativas e a relação proposta entre elas. I – De acordo com o princípio da individualidade biológica, cada indivíduo possui características únicas e específicas. PORQUE II – A prescrição de exercício individual deve levar em consideração aspectos, como idade, sexo, história de atividade física e nível de atividade física da pessoa. A respeito dessas afirmativas, assinale a opção correta. A) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. B) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. 34 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade I C) A afirmativa I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. D) A afirmativa I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. E) As afirmativas I e II são proposições falsas. Resposta correta: alternativa B. Análise das afirmativas A primeira afirmativa é verdadeira, pois cada indivíduo possui características genéticas únicas. Já a segunda é verdadeira, porque no momento da prescrição do exercício diversos aspectos devem ser levados em consideração. Entretanto, a segunda afirmativa não é uma justificativa da primeira, uma vez que não apresenta continuidade de resposta. Questão 2. A figura a seguir ilustra uma maneira de o organismo reagir ao estresse imposto pelo exercício físico num processo de treinamento. Analise-a e, na sequência, aponte a única alternativa correta a esse respeito. Catabolismo Anabolismo Figura 11 A) A figura ilustra que as sessões de exercícios foram realizadas em intervalos muito longos, impedindo a recuperação completa do organismo e com melhora no desempenho. B) A figura ilustra que as sessões de exercícios foram realizadas em intervalos muito curtos, impedindo a recuperação completa do organismo e sem melhora no desempenho. C) A figura ilustra que as sessões de exercícios foram realizadas em intensidade muito baixa, por essa razão não houve melhora no desempenho. D) A figura ilustra que as sessões de exercícios foram realizadas em intervalos muito curtos, impedindo a recuperação completa do organismo, mas com melhora no desempenho. E) A figura ilustra que o desempenho melhorou, pois já foram realizadas cinco sessões de exercícios. Resolução desta questão na plataforma. 35 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Unidade II 5 HABILIDADES MOTORAS Desafiamos você a tentar explicar o que é uma habilidade, usando, para esse fim seus conhecimentos atuais. Tome algum tempo refletindo sobre isso, antes de continuar a leitura a partir desse ponto. Se você se propôs a fazer o que foi pedido, é provável que, para explicar o que é uma habilidade, você recordou de situações em que viu uma pessoa resolvendo uma determinada tarefa demostrando uma facilidade incomum. Por exemplo, já deve ter assistido no programa Silvio Santos a um quadro em que um calouro faz contas de cabeça, propostas pelo apresentador e pela plateia, e acerta todos os desafios. Esse é um modelo de habilidade: a habilidade para cálculos matemáticos. Outro exemplo é o de um advogado sustentando uma defesa oral perante o juiz e o corpo de jurados. Ele notavelmente organiza bem sua fala, usa um vocabulário amplo e apresenta argumentos convincentes para defender seu cliente das acusações que alguém faz contra ele. Essa é outra habilidade: a da oratória. Repare que nessas duas situações, as pessoas apresentam uma facilidade para resolver um problema. O primeiro, para dar os resultados corretos das contas; o segundo, para organizar o pensamento e expor suas ideias, usando as palavras adequadas sem gaguejar e perder a lógica. São habilidades diferentes, mas que têm em comum o fato de dependerem da cognição. Elas não envolvem movimentos. No contexto do esporte e da educação física, as habilidades muitas vezes se manifestam na forma de movimentos. Por isso, nos referimos a elas como habilidades motoras. Magill (2004) define uma habilidade motora como uma aptidão que requer a coordenação de movimentos do corpo e/ou dos membros com o intuito de atingir um objetivo. Para compreender melhor essa definição, vamos pensar em exemplos de atletas que são considerados habilidosos. Certamente você se recorda de Lionel Messi, Michael Jordan ou Rafael Nadal, para citarmos exemplos de diferentes esportes. O que eles apresentam em comum entre si, e o que os diferencia de seus colegas de modalidade, é o fato de que são capazes de repetir determinados fundamentos com alta taxa de acerto, com velocidade elevada e empenhando baixo nível de esforço. Ou seja, você pode até ver um jogador de basquete dando um drible igual ao do Jordan, mas ele não vai repeti‑lo com tanta frequência, nem vai ser bem‑sucedido em um número elevado de tentativas. Entenda que estamos usando o exemplo de atletas que são as maiores expressões de suas modalidades como uma maneira de facilitar a sua compreensão a respeito do tema. Não estamos dizendo que uma habilidade motora representa o nível mais alto de eficiência na realização de uma atividade. Cumprir o objetivo de uma tarefa motora representa uma habilidade motora. Obviamente, as pessoas vão apresentar maior ou menor facilidade para fazê‑lo. Dito isso, voltemos aos nossos atletas. Será que Lionel Messi nasceu sabendo jogar futebol como sugerem alguns? Óbvio que não! Jogar futebol implica realizar uma série de movimentos específicos, como driblar, conduzir a bola, passá‑la a um companheiro e finalizar com o gol, que são ações que 36 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II precisamos aprender. E para efetuá‑las com eficiência é preciso repeti‑las muitas vezes, ou seja, não nascemos sendo capazes de executar uma habilidade motora específica, mas temos de aprendê‑la ou reaprendê‑la. Contudo, um fato é curioso sobre as pessoas que se sobressaem pelo nível de manifestação de uma habilidade: desde muito cedo elas apresentam uma facilidade acima da maioria dos indivíduos para realizá‑las. Comprove isso procurando por vídeos desses atletas quando crianças. Você vai achar vídeos do Messi driblando cinco, seis adversários sempre em direção ao gol, como o vê fazendo hoje. Obviamente, o padrão de realização dos seus dribles e fundamentos foram melhorando ao longo dos anos, o que foi conseguido com muitos treinos e jogos (repetições). Messi não nasceu sabendo jogar futebol, assim como ninguém nasce. Entretanto, nasceu com os atributos que o permitiram desenvolver essa habilidade num tempo menor, e num nível de eficiência superior à maioria dos cidadãos. Resumindo, uma habilidade motora reflete a eficiência para realizarmos uma tarefa motora. Uma habilidade precisa ser aprendida para ser executada, e sua melhora é conseguida pela repetição. Qualquer pessoa pode aprender uma habilidade motora e aperfeiçoá‑la, mas a taxa e o nível de melhora variam entre os homens. O que ocorre é que alguns não têm oportunidadede aprender ou de desenvolver certas habilidades. As habilidades motoras compreendem também as ações que realizamos no nosso cotidiano, fora do contexto do esporte, como andar, dirigir e dançar. Todas elas precisam ser aprendidas para serem executadas com eficiência, porém, algumas vezes, pode ser necessário reaprendê‑las. Por exemplo, uma pessoa que sofre um AVC pode ter um dano neurológico que comprometa sua marcha, e, para voltar a andar normalmente, vai precisar reaprender a andar. Agora, sim, podemos falar das capacidades motoras. Afinal, dissemos que é preciso saber diferenciar habilidades de capacidades. E a primeira parte já resolvemos. Saiba mais Para aprofundar seus conhecimentos sobre habilidades motoras, leia: MAGILL, R. A. Motor learning and control: concepts and applications. 7. ed. Boston: McGraw‑Hill, 2004. 6 CAPACIDADES MOTORAS Magill (2004), define capacidade motora como sendo um traço geral de um indivíduo, que sustenta a realização de uma variedade de habilidades motoras. As capacidades motoras podem ser classificadas, como: coordenativas e condicionais. As coordenativas são aquelas que dependem dos processos de organização, controle e regulação dos movimentos. São exemplos de seus componentes: o equilíbrio, a reação simples e complexa, o ritmo, a orientação espacial/temporal. Por sua vez, as condicionais são aquelas que dependem dos processos de produção e utilização de energia, como a força, a velocidade, a resistência e a flexibilidade (BARBANTI, 2010). 37 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Lembrete As capacidades condicionais são: força, velocidade, flexibilidade e resistência. 6.1 Força motora Na definição da física, força é o agente físico capaz de alterar o estado de repouso ou de movimento uniforme de um corpo material. Isso significa que se um objeto está parado e você quer colocá‑lo em movimento, ou ao contrário se está em movimento e você quer pará‑lo, precisará aplicar uma força nele. A mesma coisa deverá acontecer se o objeto estiver em movimento e você quiser que mude de direção, que se movimente em velocidade mais alta ou que pare de se movimentar. De forma geral, a relação do corpo humano com o ambiente e outros objetos se dá pela interação entre forças. Quando caminhamos, aplicamos força contra o solo empurrando‑o para trás. Como a massa da terra é maior que a nossa massa corporal, quem se desloca é o nosso corpo. A mesma coisa acontece quando saltamos. Todavia quando golpeamos uma bola, é ela que se desloca a uma longa distância em alta velocidade. Note que, independentemente de a alteração no estado de movimento acontecer em nosso corpo ou nos objetos com os quais interagimos, o que há em comum nesses exemplos é o fato de nosso corpo precisar produzir força. A força, como capacidade física, representa a tensão gerada por um músculo ou grupo de músculos. A força muscular é referida como força interna, enquanto a força dos objetos com os quais interagimos é denominada força externa (gravidade, atrito, força de resistência do ar, massa corporal de um adversário ou de um implemento de treinamento etc.). Dependendo de como acontece a interação entre nosso corpo e o mundo externo, os músculos são exigidos a gerar tensão de maneiras diferentes. Por exemplo, se a carga que precisamos levantar for muito grande, talvez nossos músculos sejam exigidos a gerar o nível mais alto de tensão possível. Quando isso ocorre, estamos manifestando nossa força máxima. Entretanto, quando golpeamos uma bola, como acontece num chute, no futebol, ou num ataque, no voleibol, temos de gerar força em um intervalo de tempo restrito. Nesse caso, os músculos necessitam criar tensão no tempo que há disponível para a ação acontecer, o que caracteriza a manifestação da força rápida. Há ainda situações, no esporte ou fora dele, em que somos exigidos a manter uma atividade muscular de baixa ou elevada intensidade por períodos prolongados que chegam a se estender por alguns segundos ou horas. Usando novamente o esporte como exemplo, podemos citar o caso do ginasta no exercício da argola, que deve sustentar sua massa corporal por três segundos na posição do cristo, ou do corredor de maratona, que precisa repetir milhares de ativações musculares para produzir suas passadas por mais de duas horas. Nessas situações, estamos falando da manifestação da força de resistência ou resistência de força. Dito de forma direta, a força pode apresentar‑se de três maneiras: força máxima, força rápida e força de resistência. Além disso, cada uma dessas manifestações pode acontecer em um regime especifico de ação muscular, ou seja, numa ação muscular concêntrica, excêntrica ou isométrica. Assim, é correto admitirmos que em determinadas situações podemos ser exigidos a produzir 38 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II força máxima concêntrica, força máxima excêntrica ou força máxima isométrica. O termo força dinâmica é usado para descrever a força produzida em ações musculares puramente concêntricas ou excêntricas, ou que combinem esses dois tipos de ações, como no caso das ações do ciclo alongamento‑encurtamento (CAE). Por outro lado, o termo força estática é utilizado para diferenciar a produção de força quando os músculos são ativados numa ação isométrica. Repare que os termos força dinâmica e força estática não se referem a manifestações da força, mas refletem o regime de ação muscular responsável por gerar tensão. Estudando diferentes autores, você vai se deparar com muitas nomenclaturas distintas. Não se desespere. Pense que as manifestações principais da força vão se enquadrar em uma dessas maneiras que descrevi, independentemente do nome que deem a elas. Porém, não acredite se alguém disser a você que existem ainda as formas de manifestações da força isocinética, isotônica e hipertrófica. É um equívoco usar esses termos para diferenciar as manifestações da força. O termo isocinético vem do nome de um aparelho que se usa para a reabilitação física ou para a avaliação da força muscular, chamado dinamômetro isocinético. Usando esse equipamento, podemos avaliar as manifestações da força máxima, rápida, ou de resistência, em diferentes tipos de ações musculares e velocidades de execução. O dinamômetro isocinético pode operar numa cadeira extensora, como aquela que você conhece das academias de musculação, mas com algumas diferenças importantes. No aparelho convencional da academia, você seleciona quantos tijolinhos vai usar como carga para realizar as extensões de joelho. A carga selecionada é a mesma durante todo o movimento, mas ao longo da extensão do joelho a tensão muscular varia em razão das variações dos braços de alavanca (e consequentemente nos toques) e do comprimento muscular. Assim, a velocidade que sua perna se movimenta durante a extensão do joelho não é a mesma. Além disso, nesse caso, os músculos são mais exigidos em determinadas angulações. No dinamômetro isocinético isso não acontece. Nele, em vez da carga, você seleciona a velocidade que deseja que o movimento aconteça, e o aparelho modifica a resistência ao longo do movimento para que a velocidade seja constante durante todo percurso articular. Por exemplo, se for selecionada a velocidade de 90º/s, terá de completar a extensão do joelho em 1 segundo, considerando que na posição inicial o joelho esteja flexionado a 90º. Esse será o tempo de duração da execução, independentemente da força que você aplicar e das variações de torque que ocorrem ao longo do percurso articular, pois o aparelho aumenta ou diminui a resistência oferecida em oposição para compensar as variações de torque e, assim, manter a velocidade constante. Ou seja, no dinamômetro isocinético as variações da carga mantêm a velocidade constante durante o percurso, o que faz com que a tensão muscular sofra menor variação. Portanto, o termoisocinético denota que o aparelho se movimenta em velocidade constante, mas a força produzida não é constante. Da mesma maneira, questione se alguém classificar a força como isotônica ou hipertrófica. O termo força isotônica é usado para diferenciar a produção de força em ações dinâmicas. O prefixo iso significa igual e tônus, tensão. Logo, tal uso sugere que numa ação dinâmica a tensão produzida seja constante, o que não reflete o que ocorre em uma situação real, já que a tensão muscular varia durante ações concêntricas e excêntricas, em função da variação do torque ao longo do percurso articular. 39 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO O termo força hipertrófica tem sido usado, indevidamente, para designar a força produzida nos exercícios voltados para o aumento da massa muscular, ou seja, durante a realização de um programa que objetive desenvolver hipertrofia. Mas, para obter hipertrofia, é preciso fazer os músculos repetirem uma certa quantidade de trabalho sob um determinado nível de tensão. E para conseguir isso, realizamos exercícios que ativam os músculos que queremos hipertrofiar, usando uma carga que permita repetir em torno de 3 a 4 séries, de 10 a 12 repetições. Portanto, se quisermos nos referir à força manifestada nesse tipo de exercício, o termo correto é resistência de força. Força hipertrófica não existe! Como chegamos a um acordo em relação a isso, vamos agora entender o que influencia nossa capacidade de produzir força. 6.1.1 Fatores fisiológicos que determinam a produção de força A produção da força muscular, em suas diferentes manifestações, é influenciada por diversos fatores. Todavia, a área de secção transversal dos músculos (ASTM) é o fator principal que determina o quanto de tensão um músculo é capaz de produzir. A ASTM se refere ao corte imaginário do músculo feito no sentido perpendicular ao seu eixo longitudinal. Ela representa o diâmetro do músculo, ou seja, quanto maior o diâmetro do músculo, maior é a capacidade desse músculo produzir tensão. Diâmetro muscular Músculo A Músculo B Diâmetro de Ade reserva de ativação. Quando somos destreinados, a reserva de ativação representa um maior percentual das UM totais que compõem um músculo. O treinamento gradualmente promove aumento na nossa capacidade de ativar UM. Consequentemente, a reserva de ativação de uma pessoa muito treinada é muito pequena. É isso mesmo! Um indivíduo treinado também não consegue ativar todas as UM que compõem um músculo. Isso ocorre particularmente com grandes grupos musculares. Juntando o que dissemos até agora, podemos resumir da seguinte forma: à medida que treinamos, aumentamos nossa eficiência de ativação, pois as UM passam a disparar PA em frequências mais altas e um número maior delas passa a ser ativado. Esses dois fenômenos são referidos, respectivamente, como aumento da taxa de codificação e aumento do recrutamento das unidades motoras. Eles acontecem em maior magnitude no início de um programa de treinamento de força, mas são adaptações que também podem ser observadas em indivíduos já treinados. Pr og re ss o Tempo Força muscular Adaptações neurais Hipertrofia Figura 16 – Dinâmica da hipertrofia e das adaptações neurais O treinamento de força pode ser feito com o propósito de induzir essas duas formas de adaptação neural sem que sejam induzidos ganhos de massa muscular. Isso pode representar uma vantagem interessante para atletas que precisam aumentar sua força, mas não podem ficar mais pesados, como os envolvidos em 43 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO esportes de combate, em que existe um limite de peso para a categoria, aqueles que precisam se deslocar em alta velocidade, como os velocistas, ou se sustentar e projetar seu corpo no ar, como os ginastas. Curva força‑tempo A chamada curva força‑tempo (f‑t) nada mais é que um gráfico que nos mostra que a magnitude da força que somos capazes de produzir depende do tempo disponível para os músculos se manterem ativados. A curva ilustrada a seguir reflete uma série de avaliações da força muscular isométrica, no exercício de extensão do joelho. Note que, ao comando do avaliador, o indivíduo realiza o maior esforço com intensão de produzir o maior valor possível de força, no entanto demora um certo tempo para ele atingir sua expressão máxima de força (tensão). Isso varia de exercício para exercício, mas nesse exemplo a força máxima isométrica foi atingida depois de 1‑2 segundos. Outra informação importante que essa curva nos dá é a respeito do percentual da força que conseguimos produzir quando há uma restrição de tempo para o movimento. Repare no exemplo ilustrado que, para tarefas com duração de 200 ms, o sujeito avaliado conseguiu produzir 60% da sua força máxima. Esses dados são muito úteis para a programação e a avaliação do treinamento, bem como para diferenciar os atletas. O treinamento para melhora do desempenho de ações que têm restrição de tempo para acontecer, como saltos, lançamentos, chutes, golpes e arremessos, deve promover o deslocamento para a esquerda da curva f‑t, o que significa que o sujeito passaria a produzir um nível mais alto de força no período disponível para a tarefa ser concluída. 100 90 60 30 0 0 200 400 600 800 1000 1200 Força % Tempo (ms) Figura 17 – Curva força‑tempo Curva força‑velocidade A avaliação da força muscular usando um dinamômetro isocinético nos permite conhecer a magnitude da força ocasionada em diferentes regimes de ação muscular e em velocidades distintas. A curva força‑velocidade, apresentada na figura a seguir, é o resultado da plotagem no gráfico dos valores de força medidos nesse aparelho. Esse gráfico nos mostra que a força gerada nas ações 44 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II excêntricas é maior que a oriunda em uma ação isométrica (velocidade zero) e nas ações concêntricas. Além disso, nos revela que a velocidade da ação muscular influencia na magnitude da força produzida. Veja que, quanto maior for a velocidade da ação muscular concêntrica, menor será força gerada (lado direto da figura, em azul). No entanto, nas ações musculares excêntrica o efeito é o contrário. Quanto maior a velocidade das ações excêntricas, maior a força oriunda (lado esquerdo da figura, em vermelho). A razão para produzirmos mais força nas ações excêntricas é que nelas a tensão formada é o resultado das tensões somadas dos componentes contráteis e elásticos. Enquanto nas ações concêntricas e isométricas é o resultado da tensão produzida apenas pelo componente contrátil. Fo rç a m ed id a na s a çõ es e xc ên tr ic as Fo rç a m ed id a na s a çõ es c on cê nt ric as Ações excêntricas Ações concêntricas Velocidade da ação Aumenta Aumenta0 Força medida na ação isométrica Figura 18 – Força produzida em diferentes velocidades e ações musculares Observação As proteínas actina e miosina que interagem para gerar tensão ativa são chamadas de componentes contráteis. São denominados componentes elásticos a proteína titina, os tecidos conectivos endomísio, perimísio e epimísio, bem como os tendões. 6.2 Velocidade motora A velocidade no contexto da física representa o tempo que se leva para cobrir uma determinada distância. Com base nisso, no ambiente dos esportes, costumamos pensar na velocidade motora como a capacidade de cobrir um percurso correndo, nadando ou pedalando no menor tempo possível. Embora essa maneira de compreender a velocidade esteja correta, é errado pensar que ela seja a única forma de manifestação dessa qualidade. Ao longo desse capítulo, vamos diferenciar as manifestações da velocidade e tentar compreender os fatores que as influenciam. 45 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO 6.2.1 Manifestações da velocidade Velocidade cíclica O termo cíclico significa: volta ao início e se repete novamente. Quando usado para diferenciar classes de movimentos, ele se refere a ações sequenciais realizadas com os braços, pernas ou tronco, de maneira rítmica e repetida. Nesse tipo de deslocamento, não conseguimos distinguir o início e o término do movimento. Exemplos de ações dessa natureza são os executados pelos membros inferiores durante a corrida e o ciclismo, e pelos membros inferiores e superiores durante os diferentes estilos de nado. Quando nos referimos à velocidade cíclica, portanto, estamos considerando a capacidade de o indivíduo repetir movimentos com membros superiores ou inferiores, no menor tempo possível, com o propósito de deslocar‑se por uma determinada distância. Bons exemplos da manifestação da velocidade cíclica são as exigências motoras impostas nas provas de 100 m e 200 m rasos no atletismo e de 25 m e 50 m na natação. Velocidade acíclica O termo acíclico significa: que não se repete. Chamamos de ações acíclicas os movimentos isolados, realizados com os braços ou as pernas, que não têm como propósito promover o deslocamento do corpo no espaço. Essas ações têm seu início e término bem definidos, diferentemente do que ocorre nas ações cíclicas. São exemplos de ações dessa natureza, os chutes, os lançamentos, os arremessos e as rebatidas. A expressão da velocidade nesse tipo de ação se verifica no tempo gasto entre o seu início e o término. Quanto mais rápido o golpe de um carateca, menor são as chances de seu adversário defender‑se. Da mesma maneira, quanto mais rápida a movimentação do braço do jogador de vôlei, maior será a potência transferida para a bola, e mais rápida ela viajará em direção à quadra adversária, dificultado as ações dos jogadores da outra equipe. Velocidade de reação A velocidade de reação reflete o tempo transcorrido entre a ocorrência de um estímulo (sinal) e o início de uma resposta motora. Pode ser também referido como tempo de reação. A figura a seguir ilustra essa manifestação da velocidade. Tempo de reação Duração do movimentoTempo (ms) Início da atividade muscular Fim da atividade muscular Sinal Figura 19 – Tempo de reação A velocidade de reação pode ser diferenciada em velocidade de reação simples e velocidade de reação complexa. Quando o estímulo já é conhecido pelo indivíduo e houver uma única opção 46 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II de resposta motora, denominamos velocidade de reação simples. Um exemplo dessa capacidade ocorre no momento da largada numa prova de 100 m do atletismo. O estímulo é o tiro que será dado pelo árbitro e a resposta que ele deverá apresentar ao ouvi‑lo é começar a correr em linha reta, realizando o maior esforço possível. Não existe a possibilidade de o árbitro dar outro tipo de sinal para que os atletas possam deixar o bloco de largada, nem de os atletas realizarem outro tipo de ação, senão correr. Por outro lado, na velocidade de reação complexa os estímulos podem variar, o que exige que o indivíduo selecione a reposta motora mais adequada ao sinal oferecido. Portanto, nesse caso o estímulo é variado e a resposta deve ser selecionada. O goleiro que se posiciona para tentar defender uma cobrança de pênalti sabe que o batedor vai chutar ao gol, mas não sabe a velocidade que a bola virá, nem o canto ao qual ela será direcionada. Quando o chutador golpear a bola, ele precisará tomar a decisão acertada para aumentar sua chance de defesa. Da mesma maneira, um lutador de MMA sabe que seu oponente tentará atingi‑lo, mas não se isso acontecerá com um direto, um cruzado ou mesmo com um chute. Ao sinal de uma investida de seu adversário, ele precisará determinar a ação que iniciará para se esquivar e conseguir contra‑atacar. Lembrete O termo cíclico quer dizer que volta ao início e se repete sucessivamente, já a palavra acíclica significa que não se repete. Velocidade de ação A velocidade de ação reflete o quão rápido um atleta toma uma decisão durante o jogo. Não se concretiza na ação em si, mas na rapidez que o esportista manifesta para encontrar uma solução técnico‑tática para uma situação específica no jogo. Um exemplo disso, pode ser a escolha de um jogador de defesa no futebol que deve optar por tentar desarmar o atacante adversário ou apenas acompanhá‑lo numa situação de contra‑ataque em que a defesa está desorganizada. Ou ainda do goleiro que deve decidir se sai da área para interceptar um cruzamento ou se espera o atacante finalizar para tentar a defesa. Resistência de velocidade máxima A resistência de velocidade máxima reflete a capacidade de um indivíduo sustentar a máxima velocidade atingida em ações cíclicas que produzem deslocamentos, ou seja, a manifestação dessa capacidade se dá apenas quando o sujeito atinge e tenta manter a maior velocidade de deslocamento. Uma maneira fácil de entendê‑la é através da análise da curva de velocidade típica de corredores especialistas em provas de 100 m do atletismo, como apresentada a seguir: 47 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Fase de aceleração Tempo (s) Manutenção da velocidade b c da 12 10 8 6 4 2 0 2 4 6 8 10 Fase de desaceleração Figura 20 – Resistência de velocidade máxima Repare que na primeira parte do percurso, que vai do ponto “a” ao “b”, os atletas estão aumentando sua velocidade de deslocamento, isto é , estão acelerando. No momento “b”, é atingida a maior velocidade de deslocamento, que é sustentada até o momento “c”. Esse intervalo entre os momentos “b” e “c” refletem a resistência de velocidade. Como a partir do ponto “c” a velocidade começa a diminuir, o término da corrida acontece em uma velocidade inferior à máxima atingida, ou seja, quando o atleta não suporta mais a velocidade máxima, inicia‑se a fase de desaceleração (ponto “c” ao ponto “d”). Cabe‑nos destacar que, embora a resistência de velocidade seja muito importante, o sucesso nas provas de velocidade de 100 m e 200 m depende também da magnitude da velocidade atingida, do tempo que o atleta leva para alcançá‑la, bem como da magnitude de redução da velocidade após o instante que o sujeito começa a desacelerar. 6.3 Flexibilidade motora A flexibilidade é considerada um dos pilares do condicionamento físico, sendo seu desenvolvimento muito importante tanto para atletas como para pessoas comuns. Lamentavelmente, os termos flexibilidade e alongamento têm sido usados como se fossem sinônimos, o que está errado e tem causado uma dificuldade extra para uma compreensão mais ampla desse tema. Flexibilidade é o termo adequado para descrever essa capacidade motora, que reflete o grau de amplitude alcançado numa articulação em um determinado movimento. Contudo, é comum ouvirmos pessoas se referindo a essa capacidade usando o termo alongamento. Por exemplo: “você precisa melhorar seu alongamento” ou “você está ruim de alongamento, hein?!”, são frases frequentemente ditas a uma pessoa que tem arco de amplitude articular limitado. Alongamento é o meio que usamos para aumentar a amplitude de um movimento, ou seja, é o exercício que fazemos para melhorar a capacidade de flexibilidade. 48 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II Os atletas precisam melhorar sua flexibilidade com o intuito de satisfazer as demandas particulares em termos de amplitude dos movimentos exigidos em suas modalidades. Enquanto os não atletas necessitam melhorar sua flexibilidade para conseguirem realizar os movimentos do dia a dia com menos esforço e atenuar as restrições de movimentos causadas pelo desuso e pelo processo natural de envelhecimento. Para isso, ambos os grupos devem realizar exercícios de alongamento. Existem diferentes tipos de exercícios de alongamento. A escolha por trabalhar com um determinado tipo depende da manifestação da flexibilidade que se quer aprimorar. Assim, antes de falarmos dos exercícios de alongamento, vamos conhecer as diferentes manifestações da flexibilidade. 6.3.1 Manifestações da flexibilidade O termo flexibilidade é frequentemente associado a outro vocábulo para diferenciar as condições em que exploramos a amplitude de um certo movimento. Portanto, não fique confuso se ouvir falar em flexibilidade estática ou dinâmica, ativa ou passiva, aguda ou crônica, geral ou específica. Vamos entender cada uma dessas manifestações e as suas relações. Flexibilidade estática versus flexibilidade dinâmica A flexibilidade é classificada como estática quando o limite de amplitude do arco de movimento é mantido após ser alcançado através de uma movimentação lenta do segmento. Dois exemplos que podem ser usados para a compreensão da manifestação estática da flexibilidade são: quando, a partir da posição em pé, nos inclinamos lentamente à frente para tocar o solo com a ponta dos dedos das mãos, sem que para isso flexionemos os joelhos; e a realização do exercício espacate, conforme as figuras a seguir. Movimento lento a b Movimento lento Figura 21 – Manifestações da flexibilidade estática Diferentemente do que ocorre na flexibilidade estática, nas manifestações da flexibilidade dinâmica a amplitude do movimento alcançada não é sustentada, ou seja, o segmento não fica parado na posição extrema. 49 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Aqui, a amplitude do movimento é explorada por meio de uma movimentação que ocorre em velocidade normal ou rápida. Alguns autores usam o termo flexibilidade balística para se referir à flexibilidade dinâmica manifestada em ações de alta velocidade. No cotidiano do indivíduo comum, são exemplos de manifestação da flexibilidade dinâmica a exploração da amplitude do movimento durante as passadas numa caminhada, ou quando se tenta alcançar um objeto numa prateleira. Dentro do esporte, um exemplo é a habilidade do bailarino em levantar, lentamente,uma das pernas até a posição de 60º aproximadamente. Por sua vez, a flexibilidade balística é muito exigida nas ações esportivas, como na passagem pela barreira no atletismo, no chute no futebol, nos chutes altos nas modalidades de combate, na ginástica e na dança. Também aparecem nos saques no voleibol e no tênis para ilustrar essa manifestação da flexibilidade em ações que envolvem os membros superiores. Movimento rápido a Movimento rápido b Figura 22 – Manifestações da flexibilidade balística Flexibilidade ativa versus flexibilidade passiva A flexibilidade é considerada ativa quando o sujeito usa a tensão muscular produzida por seus músculos agonistas e sinergistas para alongar os músculos antagonistas. Por exemplo, se você estiver em pé e ativar os músculos flexores do quadril de um dos segmentos, isso vai provocar a projeção do membro inferior à frente (flexão do quadril), com o consequente aumento do comprimento dos extensores do quadril (glúteo máximo e isquiotibiais) e da amplitude de movimento nessa articulação. Por outro lado, a flexibilidade é passiva quando a amplitude de movimento não é explorada pela ação de um músculo agonista ativo, mas, em vez disso, por agentes externos, como a força gravitacional, a inércia, a ação de uma máquina ou de um companheiro de treinamento, assim como pela tração feita pelo próprio indivíduo. 50 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II Ação muscular a Sentido do movimento Sentido do movimento Força gravitacional b Figura 23 – Manifestações da flexibilidade ativa (a) e da flexibilidade passiva (b) Flexibilidade aguda versus flexibilidade crônica A flexibilidade é classificada como aguda para se referir ao aumento da amplitude de movimento observado imediatamente após a realização de um exercício de alongamento. Ela é denominada crônica para distinguir o ganho na amplitude de movimento obtido como consequência da repetição de várias sessões de alongamentos. Ou seja, a flexibilidade aguda é o resultado imediato da realização do exercício, enquanto a flexibilidade crônica é o resultado de um processo de treinamento envolvendo a repetição sistemática de alongamentos. A primeira é transitória: o ganho em amplitude desaparece alguns minutos ou horas após a realização do exercício. A segunda é permanente: uma redução da amplitude de movimento acontecerá somente se o treinamento for interrompido por um período prolongado. Flexibilidade geral versus flexibilidade específica Algumas vezes se faz referência à flexibilidade geral para designar a amplitude de movimento observada em múltiplas articulações, enquanto a flexibilidade específica se refere à amplitude do movimento em uma dada articulação e verificada num movimento característico de uma modalidade. Por exemplo, o salto sobre barreira exige grande amplitude de movimento ao longo da coluna vertebral, ombros e quadril, isto é, sem uma grande mobilidade envolvendo múltiplas articulações, esse atleta provavelmente não teria sucesso em sua prova. Por outro lado, os esportistas participantes de corridas com barreiras precisam ter grande amplitude de movimento apenas nos quadris, o que caracteriza uma amplitude específica em uma articulação. Relação entre as manifestações da flexibilidade Você deve ter ficado com a impressão de que repetimos alguns exemplos para ilustrar as manifestações da flexibilidade. Não é que tenha me faltado criatividade, mas o fato é que pode 51 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO haver uma combinação delas. A figura na sequência ilustra essas combinações. Repare que as flexibilidades estática e dinâmica podem ser exploradas tanto de maneira ativa como passiva. Podemos dizer que a classificação estática ou dinâmica se diferencia apenas se a amplitude de movimento alcançada foi mantida ou não, respectivamente. Todavia, a movimentação do segmento (perna, braço, tronco), tanto numa manifestação estática como dinâmica, pode acontecer por ação de um músculo (ativa) ou por uma força externa (máquina, força gravitacional, companheiro de treino). Então, dependendo da condição que a amplitude aconteceu, teremos que usar as classificações passiva ou ativa. Por exemplo, imagine que você esteja sentado no chão, com os joelhos estendidos e as pernas paralelas. Nessa posição, é possível forçar a flexão do seu quadril à frente, através da ação dos flexores do quadril, em uma ação lenta. Ao atingir a maior amplitude de movimento, ela é mantida por alguns segundos. Nesse caso você estará manifestando a flexibilidade estática ativa, porque sustentou uma posição (estática) que foi alcançada pela ação de um grupo de músculos (ativa). Por outro lado, se esse mesmo movimento for realizado, mas com um colega forçando seu tronco à frente, você estará manifestando a flexibilidade estática passiva, uma vez que a posição foi mantida, mas alcançada pela ação de uma força externa. Flexibilidade DinâmicaEstática Ativa AtivaPassiva Passiva Figura 24 – Relações entre as manifestações da flexibilidade Da mesma maneira, podemos manifestar a flexibilidade dinâmica de maneira ativa ou passiva. O ato de chutar uma bola, é um exemplo da manifestação da flexibilidade dinâmica ativa, porque o movimento preparatório acontece em alta velocidade e em decorrência da ação muscular. Contudo, quando um atleta da ginástica salta e cai na posição do espacate, essa é uma manifestação da flexibilidade dinâmica passiva, já que o agente que provocou a rápida mudança na amplitude articular foi a força gravitacional, que força a abertura do quadril quando o ginasta aterrissa no solo com as pernas em afastamento. Para consolidar esse aprendizado, sugiro que você pense em outros exemplos no esporte, ou em situações do cotidiano. Isso também vai ajudá‑lo a mudar de ideia a respeito da capacidade criativa. 52 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II 6.3.2 Fatores determinantes da flexibilidade O grau de amplitude que atingimos em uma articulação pode ser influenciado por um número muito elevado de fatores. Uma maneira de simplificar a análise deles é classificando‑os em dois grupos: fatores internos (endógenos) e fatores externos (exógenos). Entre os fatores endógenos, a complacência da unidade musculotendínea (UMT), a tolerância ao alongamento e a sensibilidade dos reflexos neurais são considerados os três principais limitadores da flexibilidade. Além deles, a mobilidade articular é ainda afetada pelo histórico de prática de atividade física, pela idade, pelo gênero, pela temperatura, pelo tipo de articulação e pelo tipo de movimento realizado. Complacência da unidade musculotendínea A complacência da UMT diz respeito à resistência que os tecidos conjuntivos que compõem os músculos, as articulações, os tendões e os ligamentos oferecem ao serem tracionados. Dois de seus componentes comuns são o colágeno e a elastina. O colágeno é um tecido com pouca extensibilidade, contrário ao que caracteriza a elastina. Assim, seria natural esperar que pessoas com diferentes proporções de colágeno e elastina em seus tecidos conjuntivos apresentassem distintos graus de flexibilidade. Tolerância ao alongamento Uma vasta literatura mostra que um fator muito importante na determinação da amplitude de movimentos que podemos alcançar é nossa tolerância ao desconforto causado pelo alongamento. Um fato interessante nesses estudos é que os sujeitos submetidos a algumas semanas de treinamento da flexibilidade reportam a impressão de uma melhora na sua flexibilidade, que não é confirmada por medidas da amplitude articular. No entanto, acompanhado dessa percepção subjetiva, os indivíduos relatam uma menor incidência de dor comparada àquela que informaram antes do treinamento, para uma dada amplitude e carga aplicadas. Esse tipo de dado confirma que podemoslimitar a amplitude articular para evitar o desconforto em angulações mais amplas. Algumas evidências sugerem que as primeiras 4 ou 6 semanas de um programa de treinamento com alongamentos provocam diminuição do desconforto à dor, e que programas mais prolongados seriam necessários para induzir ganhos reais na amplitude muscular. Sensibilidade dos reflexos neurais Como você deve se lembrar, nosso sistema musculoesquelético é equipado com receptores sensoriais especiais que controlam o movimento, chamados proprioceptores. Os fusos musculares são receptores que estão dispostos paralelos às fibras musculares regulares e têm a função de monitorar tanto o comprimento como a taxa de modificação no comprimento das fibras musculares. O fuso desempenha sua função disparando potenciais de ação que resultam numa ativação involuntária do músculo que está sendo alongado, chamada de reflexo miotático, ou seja, trata‑se de uma resposta contrátil do próprio músculo que está sendo alongado. 53 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Por causa da limitação que esse reflexo impõe ao alongamento muscular, as pessoas cujos músculos têm fusos musculares muito sensíveis ao alongamento tendem a apresentar menor flexibilidade. A interferência desse reflexo na amplitude de um movimento é bastante evidente em indivíduos que sofreram danos cerebrais decorrentes de um acidente vascular encefálico (AVE). Cerca de 40% deles passam a apresentar uma rigidez muscular muito grande que impede a movimentação da articulação, denominada espasticidade. Essa rigidez tem como causa uma exacerbação do reflexo miotático produzida quando o músculo sofre pequenas alterações em seu comprimento. Essa resposta é tão ampliada que impede que o indivíduo estenda a articulação, permanecendo o tempo todo com o membro flexionado. Ela é decorrente de danos provocados em regiões do encéfalo que afetam as estruturas responsáveis pela inibição desse reflexo. Histórico de prática de atividade física e treinamento A genética é um componente importante da flexibilidade. Por outro lado, atletas de diferentes modalidades apresentam uma tendência a maior amplitude de movimento no membro preferencial (dominante), uma vez que o uso regular do arco articular pode aumentar a amplitude de movimento em uma articulação. Além disso, pessoas fisicamente ativas tendem a ter maiores amplitudes articulares, comparadas àquelas do mesmo gênero que são sedentárias. Idade Notou que as crianças são normalmente muito flexíveis, enquanto os idosos tendem a ter dificuldade em realizar movimentos amplos. Quem não se lembra de conseguir morder o dedão do pé quando criança? Todavia, se você tentou fazer isso recentemente, deve ter ficado desapontado por ter perdido essa habilidade. O período sensitivo para o desenvolvimento da flexibilidade se situa entre 7 e 11 anos. Por volta dos 15 anos de idade, nós atingimos nossa flexibilidade máxima, que tenderá a diminuir conforme envelhecemos. Isso não quer dizer que um adulto não possa melhorar sua flexibilidade, mas que, uma vez que deixemos de treinar essa capacidade antes da puberdade, teremos muita dificuldade em desenvolvê‑la em níveis ótimos na idade adulta. Essa dificuldade crescente pode estar relacionada com as alterações que ocorrem na composição dos músculos conforme envelhecemos. O processo natural de envelhecimento é associado a uma série de mudanças fisiológicas que acometem os tecidos corporais. Uma dessas alterações, que podem impactar significativamente na flexibilidade, é a diminuição da resiliência das fibras de elastina que compõem os tecidos conjuntivos, reduzindo a extensibilidade dos tecidos que envolvem as microestruturas musculares (endomísio, perimísio e epimísio). Outras alterações, igualmente importantes, são a modificação na estrutura do colágeno e o seu aumento na composição dos músculos. Ao longo do envelhecimento, o colágeno passa por mudanças físicas e bioquímicas que diminuem ainda mais a extensibilidade mínima desse tecido e o tornam ainda mais rígido. Paralelamente, o processo de envelhecimento também ativa a sarcopenia, que consiste num encurtamento da massa muscular em decorrência da redução do volume e do número de fibras 54 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II que compõem os músculos. Essa perda de fibras é compensada por um aumento na quantidade de tecidos gordurosos e de colágeno. Como o colágeno tem uma capacidade de extensibilidade muito baixa, essa substituição implica maior resistência do músculo ao alongamento. Além da importante participação na redução da flexibilidade decorrente do envelhecimento, esses fenômenos também estão associados ao aumento da suscetibilidade dos tecidos moles sofrerem traumas durante o exercício intenso. Por isso, precisamos ser cautelosos na determinação das cargas de treinamento para o desenvolvimento de qualquer capacidade motora em indivíduos idosos. Observação Resiliência diz respeito à propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica. Gênero Todos já percebemos que as mulheres tendem a ser mais flexíveis que os homens, não é verdade? Isso é bastante evidente quando comparamos a amplitude de movimento nas mesmas articulações de pessoas com idade similar. No entanto, as evidências científicas são particularmente consistentes em mostrar que as mulheres têm maior amplitude de movimento na região pélvica, em comparação aos homens. Isso se explica pelo fato de a maior parte delas terem quadris mais amplos e mais rasos do que os dos homens, o que lhes confere maior amplitude de movimento nessa região. Outra diferença na estrutura óssea, que torna as mulheres mais flexíveis que os homens, é observada na anatomia do cotovelo. Uma vez que elas têm uma curvatura superior mais curta no olécrano, é comum que sejam capazes de hiperestender os cotovelos, diferentemente dos homens. Por sua vez, no que diz respeito à resiliência dos tecidos conjuntivos, as mulheres possuem uma maior taxa de amortecimento para os tecidos moles em comparação aos homens, o que as capacita a absorver com eficiência o alongamento elástico, isto é, sob a ação de uma carga de igual magnitude, os tecidos conjuntivos das mulheres sofrem maior aumento de comprimento. Além da tendência em ser mais flexíveis que homens, elas têm um aumento da sua mobilidade articular durante a gravidez. Essa flexibilidade extra é decorrente do aumento da lassidão articular, que pode ser provocada tanto por fatores mecânicos, por exemplo a atuação do peso do útero sobre a borda pélvica ou por modificações no centro de massa, como também pelo aumento da circulação do hormônio relaxina nos períodos que precedem o parto. Esse hormônio tem a capacidade de diminuir a resistência dos ligamentos ao alongamento, permitindo uma maior mobilidade articular. Após o parto, a concentração da relaxina na circulação é reduzida, e os ligamentos se enrijecem novamente, fazendo com que as mulheres restaurem sua flexibilidade normal na região pélvica. 55 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Observação Olécrano é uma saliência óssea arredondada, que se situa na parte superior da ulna, formando a ponta do cotovelo. Temperatura O aumento da temperatura corporal produzido por meio de exercícios, massagem passiva ou ultrassom pode elevar a viscosidade dos tecidos conjuntivos e musculares, o que causaria um acréscimo temporário na amplitude de movimento. No entanto, no uso isolado ou combinado dessas formas de calor a temperatura permanece elevada por apenas 2 a 4 minutos após a aplicação. Portanto, qualquer uso desse fenômeno deveria ser aproveitado dentro desse tempo, o que não representa uma vantagem muito grande. Variações da flexibilidadeao longo do dia As pessoas costumam ter a sensação de que sua flexibilidade é diferente dependendo do horário do dia. De fato, pesquisas mostram uma tendência de apresentarmos uma menor flexibilidade nas primeiras horas da manhã, logo ao acordarmos. A amplitude dos movimentos tende a aumentar nas primeiras horas da manhã e da tarde, voltando a diminuir novamente ao anoitecer. Particularmente, quando essa modificação da flexibilidade diz respeito à flexão lombar, especula‑se que sua causa seja a expansão dos discos intervertebrais ao longo da noite, provocada pela reidratação que sofrem quando estão sob menor carga durante o repouso deitado (ALTER, 2010). 6.3.3 Importância do treinamento da flexibilidade Considerando os exemplos que foram usados neste livro‑texto para ilustrar as diferentes manifestações da flexibilidade, você pode ter sido induzido a pensar que o treinamento dessa capacidade seja importante, particularmente, para os atletas. No entanto, tal treinamento é da mesma forma importante para indivíduos comuns. Pessoas comuns podem necessitar dedicar tempo para melhorar essa capacidade quando passam a ter restrições na amplitude de movimento em decorrência de uma fratura, de uma lesão, do desuso crônico ou do processo natural de envelhecimento. Seja qual for o motivo da diminuição da amplitude do movimento, uma baixa flexibilidade pode afetar significativamente a funcionalidade do indivíduo não atleta e, consequentemente, sua qualidade de vida. Para essa população, treinar a flexibilidade é importante a fim de poder realizar com menos esforço as atividades do dia a dia, para a promoção das sensações de bem‑estar e conforto. Além disso, ele pode ainda ser indicado para promover a melhora da postura e a diminuição de dores nas costas, especialmente na região lombar, decorrentes do encurtamento natural de músculos posturais. Da mesma maneira, o atleta também se beneficia do treinamento da flexibilidade por múltiplas razões. Em modalidades, como a ginástica artística, a dança e a patinação artística, a flexibilidade é um fator que tem influência fundamental no resultado do esporte. Nesses esportes, os atletas devem realizar movimentos 56 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II de amplitudes máximas, caso contrário sofrem deduções importantes em suas notas. Por sua vez, esportistas de outras áreas, como a natação, o remo e as modalidades coletivas, não precisam atingir arcos articulares máximos e não são sequer avaliados pela sua amplitude de movimento. No entanto, a otimização da flexibilidade para eles pode aumentar a potência dos movimentos, melhorar a técnica e diminuir o risco de lesões musculares, o que também acaba afetando positivamente no sucesso em sua carreira. Pois bem, como vimos ao longo desse tópico, a amplitude do movimento pode ser explorada em diferentes condições, ou seja, a flexibilidade não se manifesta de uma única maneira. Do mesmo modo, existem diferentes exercícios para o seu treinamento. Vamos tratar deles a seguir. 6.3.4 Exercícios de alongamento para o treinamento da flexibilidade Normalmente, classificam‑se os exercícios de alongamento em três tipos: alongamento estático, alongamento dinâmico e método de facilitação neuromuscular proprioceptiva. No entanto, existe alguma confusão na literatura em relação aos tipos de exercícios disponíveis para o treinamento da flexibilidade. Alguns autores diferem o alongamento dinâmico do alongamento balístico. Para eles, ambas as formas consistem em realizar movimentos através da amplitude completa, o que permite o antagonista ser alongado sem ser mantida a posição alcançada. Contudo, o alongamento dinâmico é realizado em velocidade controlada, enquanto o alongamento balístico é feito em alta velocidade, com o propósito de gerar uma elevada quantidade de movimento (momento) do seguimento para forçar o limite da amplitude articular (OPPLERT; BABAULT, 2018). Esclarecida essa questão, vamos tratar das formas de exercícios de alongamento. Alongamento estático O alongamento estático é o mais popular entre os exercícios usados para o treinamento da flexibilidade. Ele consiste basicamente em usar a ação de forças externas ou internas para forçar o segmento corporal além do limite da amplitude articular normal. Uma vez alcançado esse limite, o segmento é mantido na posição por alguns segundos. O exercício é aplicado uma única vez, ou repetidas vezes, procurando, nesse caso, alcançar gradativamente uma amplitude maior a cada aplicação. Não existe consenso em relação à dosagem ideal dos exercícios de alongamento estático, no entanto, parece que realizar de três a quatro aplicações, com duração entre 15 e 60 segundos, pode ser suficiente para promover ganhos significativos na amplitude articular. Outra variável que pode ser modulada no treinamento da flexibilidade através do alongamento estático é a intensidade da força aplicada para ampliar o arco articular normal. No entanto, os estudos a esse respeito são controversos. Em um deles, realizado por Walter et al. (1996) apud Alter (2010), os exercícios executados na intensidade entre 85% e 100% da máxima produziram ganhos superiores aos conseguidos com o treinamento a 60% de intensidade. Apesar disso, Apostolopoulos (2001) apud Alter (2010), defende que o alongamento deve ser sempre feito em intensidade abaixo de 30% a 40% do esforço máximo. É importante destacar, no entanto, que nas situações práticas fora do ambiente de laboratório a dosagem dessa variável é baseada na percepção subjetiva, já que não existe uma maneira de medir 57 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO a força aplicada no alongamento realizado nessas condições. Em razão disso, sugere‑se que a tensão imposta seja dosada com base na resistência oferecida ao alongamento e em consideração ao relato de desconforto do sujeito. Se a pessoa disser que está doendo muito, seria aconselhável respeitar seu relato e não forçar a amplitude além desse ponto. Contudo, os indivíduos têm diferentes sensibilidades para a dor. Por isso, se você estiver usando esse método em alguém, sua decisão em aumentar ou não a força aplicada precisa considerar se o sujeito não está com medo de se lesionar. De qualquer forma, se o medo for o fator limitante para alcançar maior amplitude articular, o treinador deve ser paciente e gradativamente ganhar a confiança do aluno. Com o passar das sessões, o discente irá perdendo o medo e relaxará, o que o levará a alcançar uma amplitude articular maior. Uma observação importante em relação a isso é que durante a aplicação desse método percebe‑se que, mesmo não aumentando a força aplicada, após alguns segundos a amplitude de movimento cresce. Tal fato pode acontecer porque o sujeito relaxa e diminui a resistência em oposição ao alongamento. Todavia pode ser também decorrente da acomodação das fibras de colágeno que compõem os tecidos conjuntivos (efeito creep), ou da diminuição da atividade dos fusos musculares, reduzindo a tensão gerada no reflexo miotático. Portanto, tão importante quanto a magnitude da força aplicada no alongamento estático, parece ser o tempo de manutenção na posição limite alcançada (AVELA et al., 1999; KUBO et al., 2001). Com relação a isso, tem sido sugerido que durante a aplicação do alongamento estático, em indivíduos iniciantes no treinamento dessa capacidade, deve‑se priorizar o aumento gradual do tempo de aplicação do exercício, enquanto a aplicação de tensões mais altas tem de ser feita em pessoas mais experientes e que precisam atingir amplitudes máximas de movimento, como os ginastas e artistas performáticos (ALTER, 2010). Alongamento dinâmico O alongamento dinâmico se caracteriza pela repetição de movimentos até o limite da amplitude articular, sem manter a posição final alcançada. Nesse método, os movimentos devem ser realizados de maneira controlada,sem a realização de esforços abruptos. Alongamento balístico O alongamento balístico se caracteriza pela realização de movimentos até o limite da amplitude articular, porém sem manter a posição final alcançada. Nele, os movimentos devem ser realizados em velocidade e amplitude progressivamente maiores. Um aspecto particular do alongamento balístico que precisa ser mencionado é o risco aumentado de lesão muscular, em contraste ao uso do método estático e dinâmico. No uso do método estático, a aplicação da tensão é gradual, o que permite melhor controle da sobrecarga. No método dinâmico, a velocidade é baixa, então o estresse sobre os tecidos não é elevado. No entanto, durante o método balístico, a elevada velocidade de execução e o momento gerados tornam‑no muito agressivo para as estruturas musculotendíneas. Por isso, não é aconselhável a sua utilização em crianças e idosos. 58 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II Esse método é particularmente apropriado para atletas que precisam desenvolver a flexibilidade dinâmica em níveis máximos, como ginastas, bailarinas e caratecas. Facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNP) A FNP não é exatamente um exercício, mas um método, já que consiste em combinar exercícios de alongamento estático ou dinâmico com contrações musculares isométricas ou dinâmicas. Através das diferentes combinações possíveis, consegue‑se realizar múltiplas técnicas de FNP. Independentemente da técnica de FNP que se aplique, o princípio desse método consiste em induzir o reflexo miotático inverso (RMI) e/ou o reflexo de inibição recíproca (RIR) no músculo‑alvo (músculo que se quer alongar). Como você deve se lembrar, o RMI é desencadeado pelos OTG, e consiste na inibição dos motoneurônios alfa de um músculo que está submetido a uma elevada tensão. Por sua vez, o RIR é a resposta inibitória que se observa nos antagonistas de um músculo que é alongado. Aproveitando o efeito inibitório produzido por esses reflexos, pode‑se forçar o segmento além da amplitude normal, uma vez que o músculo alvo deverá oferecer menos resistência ao alongamento. Normalmente, as técnicas de FNP exigem o uso de um parceiro de treinamento para fornecer resistência durante uma ação isométrica e/ou para forçar o segmento passivamente até que atinja uma amplitude articular maior. Ele também pode ser executado sem a ajuda de um colega, mas a autoaplicação parece ser menos efetiva. As muitas técnicas de FNP incluem diferentes combinações de contrações e alongamentos, com o propósito de induzir os reflexos inibitórios. Aqui, vamos tratar de algumas das técnicas mais populares. Técnica sustentar‑relaxar Essa técnica é também chamada de contrair‑relaxar. A ideia desse procedimento é induzir o reflexo miotático inverso no músculo agonista (que está sob alongamento) para que nessa condição ofereça menor resistência ao alongamento. Para conseguir isso, devem‑se executar os seguintes passos: • realizar o alongamento estático passivo do músculo agonista, levando o segmento corporal até o limite da amplitude articular; • solicitar, na posição alcançada, que o sujeito realize uma contração isométrica desse músculo contra uma resistência (restrição feita por um parceiro, por exemplo). Essa contração deve durar entre 5 e 10 segundos e ser de intensidade máxima; • permitir o relaxamento da musculatura por 2‑3 segundos ao término da contração isométrica; • aplicar o alongamento estático passivo do músculo agonista, procurando levar o segmento a uma amplitude maior do que a conseguida inicialmente. A amplitude alcançada nesse alongamento passivo deve ser mantida por 30 a 40 segundos, antes de se repetir a técnica. 59 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Técnica sustentar‑relaxar‑contrair Essa técnica é também denominada contrair‑relaxar‑contrair‑antagonista (CRCA). Sua aplicação deve ser feita na seguinte sequência: • levar o segmento corporal até o limite da amplitude articular, através de um alongamento dinâmico ativo; • na posição alcançada, deve‑se realizar uma contração isométrica máxima, de 5 a 10 segundos de duração, do músculo antagonista; • terminada a contração, deve‑se alongar de maneira passiva o músculo agonista (alvo) por cerca de 30‑40 segundos; • em seguida, ainda mantendo a posição alcançada, deve‑se contrair os agonistas por cerca de 8‑10 segundos, de maneira isométrica; • terminada a contração do agonista, deve‑se permitir o relaxamento por 2‑3 segundos. Na sequência, realiza‑se o alongamento estático desse músculo. Técnica contrair‑relaxar‑balancear Essa técnica se assemelha a sustentar‑relaxar, no entanto, o alongamento passivo feito no final é substituído pelo alongamento balístico. Ela é usada por atletas que precisam desenvolver níveis máximos de flexibilidade dinâmica. Porém tem de ser usada com cuidado em indivíduos não atletas, devido ao risco de provocar lesão. Técnica alongamento‑estático‑alongamento‑dinâmico Não se deve usar essa técnica em pessoas que não precisam desenvolver níveis máximos de flexibilidade, especialmente crianças e idosos. Ela envolve a combinação dos alongamentos estático e dinâmico. O alongamento dinâmico de velocidade crescente no músculo antagonista é efetuado com o propósito de ativar a inibição recíproca, que nesse caso irá afetar o agonista. Uma vez inibido, o agonista oferecerá menor resistência ao alongamento. A aplicação da técnica é a seguinte: • realiza‑se o alongamento estático do músculo agonista até o limite da amplitude articular; • na sequência, executa‑se o alongamento dinâmico do seu antagonista, através de 10 a 15 movimentações repetidas, de amplitude e velocidades crescentes; • após o término do alongamento dinâmico, volta‑se a alongar o músculo agonista de forma estática passiva. 60 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II Frequência de treinamento da flexibilidade As pesquisas não são definitivas em apontar quantas vezes por semana é preciso realizar exercícios de alongamento para aumentar sua flexibilidade, mas são bem respaldadas as orientações que propõem um mínimo de dois treinos semanais para manter níveis satisfatórios dessa capacidade. Contudo, o desenvolvimento ótimo da flexibilidade pode exigir até dois treinos diários, executados todos os dias da semana. É importante mencionar, entretanto, que a frequência do treinamento deve ser proporcional à intensidade dos exercícios. Uma vez que exercícios mais intensos provocam maior trauma estrutural, um período maior entre as sessões de treinamento pode ser necessário para que a dor causada pelo alongamento desapareça e os danos nas estruturas sejam reparados. 7 RESISTÊNCIA MOTORA Na literatura encontramos uma série de definições sobre essa capacidade. Muitas delas têm o mesmo significado; outras, são específicas a um tipo de resistência, mas não refletem as demais manifestações. Porém, uma definição bem aceita para a resistência motora é a que a descreve como a capacidade de o indivíduo sustentar um determinado nível de produção de força. Inicialmente, essa explicação pode causar certa estranheza, porque relaciona a resistência à força. Todavia, como verá ao longo desse tópico, ela se aplica adequadamente a todas as expressões da capacidade. E como também já deve ter notado, as capacidades motoras se inter‑relacionam. Manifestações da resistência Se lhe for pedido para dar um exemplo de atividade motora que seja uma expressão da capacidade de resistência, aposto que vai pensar na maratona. Se esse fosse o seu exemplo, não estaria errado, porque trata‑se de uma prova de resistência aeróbia de longa duração. Contudo diz respeito a apenas uma das diferentes formas de manifestação dessa capacidade. A resistência recebe diversas classificações, conforme os critérios que se consideram, os quais incluem:Modelo clássico de periodização ................................................................................................... 66 8.2 Modelos de periodização alternativos – modelo da estrutura pendular ...................... 75 8.3 Modelo de periodização em blocos – Verkhoshansky, 1985 .............................................. 76 8.4 Modelo estrutural de treinamento de altos rendimentos – Tschiene, 1990 ................ 78 7 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 APRESENTAÇÃO Olá, aluno(a)! Esta disciplina tem como propósito capacitá-lo a organizar planos de treinamento para atletas de diferentes níveis e modalidades esportivas, bem como para pessoas comuns, interessadas apenas na melhora da qualidade de vida. Para atingirmos esse objetivo, inicialmente iremos nos familiarizar com a terminologia própria utilizada no contexto do treinamento e nos livros específicos sobre o tema. Isso facilitará a sua compreensão sobre assuntos que abordaremos ao longo do livro-texto e auxiliará a sua comunicação com os profissionais da área, no ambiente de prática. Estudaremos as teorias que explicam como o organismo humano se adapta às exigências impostas sobre ele para entendermos como dosar a demanda dos exercícios que prescreveremos. Em seguida, compreenderemos as diferentes exigências motoras e conhecer os métodos de treinamento capazes de desenvolvê-las. Por fim, conheceremos os diferentes modelos de periodização, o que nos permitirá organizar as cargas de treinamento de maneira mais eficiente a fim de obtermos os melhores resultados. Bom estudo! INTRODUÇÃO O treinamento físico, que é tema desta disciplina, engloba a realização de exercícios sistemáticos que têm como propósito promover a melhora das chamadas capacidades físicas: força, velocidade, resistência e flexibilidade. As capacidades físicas são componentes fundamentais na determinação do resultado no esporte, como veremos ao longo deste livro-texto. Isso não significa, no entanto, que a disciplina atende apenas ao interesse daqueles alunos que querem trabalhar no esporte de alto nível. Melhorar as capacidades motoras é importante para os indivíduos que praticam algum esporte apenas com finalidade recreativa, bem como para pessoas comuns, não praticantes de esporte, que pretendem somente realizar as atividades do cotidiano sem grande esforço e sofrimento. Entretanto, ao acompanhar o desenvolvimento dos conteúdos ao longo dos capítulos, você notará muitas menções e exemplos envolvendo alguma modalidade esportiva. Isso acontece porque os primeiros tratados sobre a teoria do treinamento foram escritos com base nas experiências de treinadores de atletas de alto nível. Você irá perceber ainda que a disciplina também abordará outros fatores determinantes do sucesso no esporte, como a preparação técnica, tática e psicológica, e a periodização do treinamento. Isso se faz necessário, uma vez que as capacidades físicas influenciam esses componentes, assim como são influenciadas por eles. Portanto, se for seu objetivo trabalhar com atletas de alto nível, atletas amadores ou com pessoas comuns que desejam apenas melhorar seu condicionamento, este livro-texto trará conhecimentos necessários para desempenhar essa função com competência e sucesso. 9 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Unidade I 1 DEFINIÇÕES DE TERMOS E CONCEITOS RELACIONADOS AO TREINAMENTO Assim como acontece em qualquer área do conhecimento humano ou campo de atuação profissional, treinadores e autores especialistas na área do treinamento usam termos que têm significados específicos nesse ambiente. Algumas dessas palavras são comuns em nosso idioma e você, certamente, conhece bem seus sentidos em outras situações, mas elas podem ter acepção diferente em nosso meio. Além disso, atuando no treinamento você vai encontrar termos que não existem nos dicionários da língua portuguesa, porque são palavras criadas (neologismos) para expressar uma ideia própria dessa área, ou que foram emprestadas de outro idioma para retratar um conceito de uma palavra única. Para facilitar sua comunicação com outros profissionais da área, assim como a compreensão dos assuntos que iremos tratar ao longo desse livro-texto, vamos nos familiarizar com alguns desses termos. Você não deve se preocupar em decorar essas palavras e seus significados, apenas em ser capaz de explicá-los com clareza e de maneira precisa, quando necessário. Observação A palavra treinabilidade não faz parte do vocabulário da língua portuguesa, mas ela é bastante usada no meio esportivo pelo técnico Tite, campeão mundial pelo Corinthians. Trata-se de uma tradução do termo trainability, do idioma inglês, e refere-se ao potencial de melhora, possível de obter com um programa de treinamento. Uma confusão comum que fazemos, e frequentemente somos questionados a respeito, é sobre o significado dos termos esporte, atividade física, exercício, treinamento e treino. Para começarmos a diferenciar uma coisa da outra, vamos considerar a seguinte situação: uma pessoa lhe pergunta: “você faz algum esporte?” E você responde: “sim!” Aí a pessoa continua: “o que você faz?” Você diz: “musculação”. Se essa fosse uma conversa real, será que sua resposta estaria correta? Deixe-me fazer alguns esclarecimentos antes de você responder. Para começar, vamos definir o que é esporte. Esporte é uma atividade que envolve esforço físico, competição e a observância de regras. Por aí você já pode concluir que seria errado responder que faz esporte porque pratica musculação, pois ninguém compete em musculação. O voleibol, o futebol e o rúgbi são alguns exemplos de esporte. Neles, estão contidos todos os elementos que definem o que é esporte. 10 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade I Agora você deve estar se perguntando: “e a musculação que eu pratico é o quê?” Ela é uma forma de exercício. Quando repetimos uma sequência de movimentos de maneira sistemática, com o objetivo de melhorar o desempenho, estamos fazendo um exercício. Quando digo que é sistemático, refiro-me à necessidade de repeti-los uma quantidade de vezes determinada, em um ritmo específico e em intervalos estipulados. A diferença entre exercício e atividade física é que às vezes fazemos uma sequência de movimentos, mas sem o intuito de melhorar o desempenho, e sem sistematizá-los. Por exemplo, quando você lava seu carro ou varre o quintal está fazendo uma sequência de movimentos, mas sem o propósito de melhorar o desempenho. Além disso, você não determina o número de movimentos que vai realizar ou os intervalos de repouso entre sequências de movimentos. Então, nesses casos, o correto é dizer que você está fazendo uma atividade física. Existem diferentes definições para o termo atividade física, contudo é de consenso que podemos classificá-la como toda atividade que envolve ativação voluntária dos músculos e implica gasto energético acima daquele que teríamos se permanecêssemos em repouso. Note que, com base nisso, pode-se dizer que todo exercício é uma forma de atividade física, pois implica atividade muscular voluntária e gasto energético acima do repouso. Por outro lado, nem toda atividade física é exercício, porque para ser classificado assim precisaria ser realizado com o propósito de aprimorar o desempenho e ser sistematizado. Nesse ponto acho que estamos prontos para discutir o significado da palavra treinamento. Em nosso meio, o vocábulo pode ser entendido como um processo que se constrói pela repetição de sessões de exercícios sistematizados. Ou, para simplificar ainda mais, a gente pode dizer que um processo de treinamento acontece quando realizamos várias sessões de exercícios por um período de algumas semanas, ou seja, o treinamento é composto de exercícios que se repetem regularmente. Se você continua confuso,o volume muscular envolvido na atividade; o grau de semelhança da atividade praticada em relação à modalidade do atleta ou ao gesto que se pretende aprimorar; o sistema energético predominante e a duração do esforço; e os requisitos motores. Vamos então verificar quais são as classificações da resistência, de acordo com esses critérios: • Classificação da resistência considerando o volume muscular envolvido no exercício Dependendo do volume muscular envolvido no exercício, distingue‑se a resistência em: geral ou localizada. A atividade será dita de resistência geral se envolver mais que 1/6 do volume muscular total. E será chamada de resistência localizada, se envolver menos que 1/6 da referida. É difícil saber o que é um 1/6 do volume muscular total, não? Como um parâmetro, Weineck (1999) nos sugere que a musculatura de uma perna representa cerca de 1/6 do volume muscular total. Faltou esclarecer se isso é válido para indivíduos sedentários ou apenas para atletas. Uma alternativa bem aceita a essa referência, é a que correlaciona como resistência geral aqueles exercícios sustentados que envolvem a movimentação simultânea de mais de uma articulação. Em contrapartida, os 61 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO exercícios monoarticulares são classificados como de resistência localizada. Obviamente, essa distinção também considera o volume muscular ativado no exercício, já que quanto maior o número de articulações em movimento, maior será a massa muscular ativa. Por exemplo, na realização de múltiplas repetições do exercício de agachamento movimenta‑se as articulações do quadril, joelhos e tornozelos, então ele seria classificado como de resistência geral. Por outro lado, o exercício de rosca direta com halter (flexão de cotovelos) seria um exemplo de prática de resistência localizada. • Classificação da resistência considerando a semelhança com modalidade esportiva De acordo com o grau de semelhança que a atividade desenvolvida tem com o gesto realizado numa modalidade, ou prova competitiva, a resistência pode ser classificada como geral (ou de resistência básica) ou específica. Nesse caso, quando o exercício não tiver relação com as características da modalidade, ele será correlacionado como de resistência geral. Por exemplo, se um jogador de voleibol realizar várias sessões de treinos de corridas de 10 km em ritmo constante, ele estará desenvolvendo sua resistência geral, porque não corre longas distâncias em velocidade constante, e numa única direção. Contudo, o mesmo treinamento de corrida promoveria o desenvolvimento da resistência específica para um corredor de provas de longa distância. • Classificação da resistência considerando o sistema energético que sustenta a atividade e a duração do esforço Se considerado o principal sistema energético que sustenta a realização da atividade, pode‑se classificar a resistência como aeróbia ou anaeróbia. A classificação segundo esse critério deve considerar, portanto, a duração da atividade e o grau de esforço empreendido nela. Conforme Kuel (1975) apud Weineck (1999), os esforços sustentados de duração entre 45 segundos e 2 minutos são mantidos predominantemente pelos sistemas anaeróbios, e deveriam ser classificados como manifestações de resistência de curta duração (RCD). Seriam classificados como resistência de média duração (RMD) aqueles com duração entre 2 e 8 minutos, que teriam uma fase de crescente mobilização aeróbia. Enquanto os esforços com duração superior a 8 minutos seriam classificados como de resistência de longa duração (RLD), nos quais haveria uma mobilização aeróbia de energia. Ou seja, segundo o autor, a RCD seria anaeróbia, a RMD mista (aeróbia/anaeróbia) e a RLD aeróbia. Em relação à RLD, o autor cita Harre (1976) para diferenciá‑la em resistência de longa duração em RLD I, RLD II e RLD III. A RLD I compreenderia os exercícios de até 30 minutos de duração, os quais teriam como principal fonte energética a glicose; a RLD II conteria os esforços com duração de 30 a 90 minutos, os quais seriam mantidos tanto pelo metabolismo da glicose como das gorduras; e a RLD III possuiria os esforços de mais de 90 minutos, nos quais predominariam o metabolismo das gorduras. Esse critério, embora bastante utilizado, pode ser fortemente contestado, já que há algum tempo sabe‑se que a participação e a predominância do sistema aeróbio ocorrem muito mais cedo do que sugerido nessa classificação. Conforme demonstrou Gastin (2001), o sistema aeróbio contribui com aproximadamente 50% da energia total necessária para a realização de um esforço máximo com duração entre 60 e 75 segundos. Trata‑se do sistema energético predominante num esforço de 90 segundos de duração, sendo responsável por 56% da energia total utilizada. Portanto, nos esforços que Weineck (1999) classificou como de RCD já haveria uma predominância aeróbia, e não dos sistemas anaeróbios. 62 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II • Classificação da resistência considerando os requisitos motores Essa classificação considera a relação intercambial da resistência com outros dois fatores do condicionamento físico: a força e a velocidade. De acordo com isso, a resistência pode ser classificada como resistência de força, resistência de força rápida e resistência de velocidade (WEINECK, 1999). A resistência de força reflete a capacidade de sustentar um determinado nível de força, por períodos curtos, médios ou longos. A duração da manutenção da força obviamente, está atrelada à magnitude do esforço realizado, ou seja, quanto maior o esforço exigido na atividade, menor será sua duração. Por exemplo, no movimento crucifixo na prova das argolas, na ginástica, o atleta precisa produzir um nível de força elevado e a manter por 3 segundos para se sustentar na posição e ter o exercício validado. Esse é um modelo de manifestação da resistência de força de curta duração. Por sua vez, o esquiador que participa de uma prova de descida montanha abaixo, deve se manter na posição agachado ao longo da descida que dura de 1,5 a 2,5 minutos, o que é uma expressão da resistência de força de média duração. Já os corredores de meio‑fundo e de fundo, precisam repetir a aplicação de força durante as milhares de passadas que dão para completar suas provas. Como a duração é longa, o nível de esforço é baixo, essa solicitação caracteriza a manifestação da resistência de força de longa duração. 7.1 Métodos básicos de treinamento da resistência Método contínuo ou de duração O método contínuo, também chamado de método de duração, se caracteriza pela utilização de exercícios cíclicos, como a corrida, a natação, o ciclismo, e o remo, para cobrir uma longa distância de forma ininterrupta. Ele é útil para o desenvolvimento da resistência aeróbia de longa duração (RLD), já que compreende cobrir distâncias de 3 km a 50 km; pode ser realizado em diferentes variantes. Vamos tratar de cada uma delas. Método contínuo de ritmo uniforme Nessa variante, o ritmo do exercício é mantido do início ao término do percurso planejado. Pode ser diferenciado em método contínuo de ritmo uniforme extensivo e método contínuo de ritmo uniforme intensivo. A melhor opção para prescrição do ritmo nessa variação é através do tempo médio que se leva para percorrer um quilômetro ou, no caso do ciclismo, determinar a velocidade média a ser mantida no velocímetro da bicicleta. Trata‑se da variante mais conhecida do método. A variante extensiva é bastante apropriada quando se deseja aumentar a distância já percorrida habitualmente por alguém que treina há pouco tempo. Contudo, também, é utilizada no desenvolvimento da RLD III, por exemplo para maratonistas e ciclistas de estrada. Esse método já foi muito popular entre os corredores de distância, mas tem sido menos empregado nos dias atuais. Já o método contínuo de ritmo uniformeintensivo, quando usado para atletas experientes, compreende cobrir distâncias de treinamento dentro do tempo de 45 a 60 minutos, e de 15 a 30 minutos para esportistas amadores. Em razão de a intensidade da atividade ser alta, as distâncias percorridas são mais curtas em comparação à variante extensiva. Pela mesma característica, aconselha‑se não repetir esse treinamento mais do que 2 ou 3 vezes por semana. 63 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Tempo/distância Tempo/distância In te ns id ad e In te ns id ad e Figura 25 – Variantes do método contínuo Método contínuo de ritmo variado crescente Nessa variante do método contínuo, são programados aumentos graduais no ritmo (velocidade) ao longo do percurso. Eles devem ser suaves. As distâncias percorridas e o número de rampas de velocidade são determinados livremente pelo treinador. É uma variante usada para elevar o ritmo médio da prova. Método contínuo de ritmo variado decrescente O método contínuo de ritmo variado decrescente prevê a diminuição gradativa da velocidade ao longo do percurso. É uma variante interessante para ser aplicada quando se deseja aumentar a distância habitualmente percorrida pelo atleta. Uma estratégia relevante para essa finalidade é percorrer o trecho inicial na velocidade média habitual que se pode manter num percurso coberto feito em ritmo uniforme. Tempo/distância Tempo/distância In te ns id ad e In te ns id ad e Figura 26 – Variantes do método contínuo variado 64 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II Método contínuo de ritmo variado combinado O método contínuo de ritmo variado combinado pode ser feito de duas maneiras: incrementando a velocidade ao longo da primeira parte do percurso e diminuindo na segunda parte, ou na ordem inversa. Além disso, é possível fazer mais de uma rampa de aumento e diminuição da velocidade. Essa variante é útil para simular as variações das condições em percursos acidentados. Tempo/distância Tempo/distância In te ns id ad e In te ns id ad e Figura 27 – Variantes do método contínuo variado combinado Método contínuo de ritmo variado aleatório Esse método é também chamado de Fartlek. Muito popular entre os atletas e treinadores, ele se caracteriza pela realização de corridas contínuas que incluem alternâncias de distâncias, de intensidades e do tipo de terreno, de acordo com a disposição do indivíduo e de maneira totalmente aleatorizada. Sua principal característica é a realização de um treino livre, sem controle. O que prevalece são a vontade e a disposição do corredor, que tem a liberdade de variar a velocidade sem planejamento prévio, regras ou sistematizações, além de alternar o tipo de terreno (asfalto, grama, areia, terra batida) e o tipo de plano, como aclives e declives. Tudo isso feito sem controle ou rotina, o que incorpora um caráter lúdico ao treinamento. Métodos intermitentes Os métodos intermitentes são caracterizados por haver a intercalação de períodos de esforços com outros de repouso. Os esforços aqui utilizados são cíclicos e produzem deslocamento de todo corpo ao longo de uma distância. Podem ser distinguidos em método intervalado extensivo, método intervalado intensivo e método de repetições. 65 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Tempo/distância Tempo/distância In te ns id ad e In te ns id ad e R R E E R R E E R R E E R E E E Figura 28 – Variantes dos métodos intervalados Método intervalado extensivo O método intervalado extensivo é caracterizado por um volume elevado, mas com intensidade baixa. Os percursos são feitos em distâncias entre 200 e 1.000 metros, com intervalos de repouso entre os esforços com duração de 30 a 300 segundos. A tabela a seguir é uma sugestão de configurações de treinos de corrida com essas características (SCHMOLINSKY, 1980 apud WEINECK,1999). Tabela 1 Percurso Total de corridas Séries Repetições Pausa entre repetições Pausa entre séries 200 m 20‑40 3 a 4 7 a 10 30‑90 s 3 a 10’ 400 m 20‑40 3 a 4 7 a 10 60‑90 s 3 a 10’ 800 m 10‑20 3 a 4 3 a 5 60‑120 s 3 a 10’ 1.000 m 8‑12 3 a 4 3 a 4 120‑300 s 3 a 10’ Fonte: Weineck (1999, p. 165). Método intervalado intensivo O método intervalado intensivo é caracterizado por um volume baixo, mas com intensidade alta. Os percursos são feitos em distâncias entre 600 e 2.000 metros, com intervalos de repouso entre os esforços com duração de 2 a 8 minutos, e de 5 a 10 minutos entre as séries. A tabela a seguir é uma sugestão de configurações de treinos com essas características (SCHMOLINSKY,1980 apud WEINECK, 1999). 66 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II Tabela 2 Percurso Total de corridas Séries Repetições Pausa entre repetições Pausa entre séries 600 m 4 a 6 2 2 a 3 2 a 5’ 5 a 10’ 800 m 4 a 8 2 2 a 4 2 a 5’ 5 a 10’ 1.000 m 4 a 10 2 2 a 5 3 a 5’ 5 a 10’ 1.600 m 4 a 8 2 2 a 4 3 a 5’ 5 a 10’ 2.000 m 3 a 6 2 3 4 a 8’ 5 a 10’ Fonte: Weineck (1999, p. 164). Método de repetições Como o próprio nome sugere, o método consiste em repetir um mesmo percurso, de duração curta, média ou longa, com velocidade cada vez mais alta, após um intervalo de repouso que possibilite a recuperação completa. Ele pode ser usado tanto com esforços cíclicos como com esforços acíclicos. Nesse caso, é muito útil para o desenvolvimento da resistência específica. Método de competição Esse método consiste em submeter o atleta a uma simulação da prática da modalidade, com o intuito de estressar seu organismo com as mesmas exigências psicofisiológicas que acontecerão na competição real. Ele, portanto, dá grande ênfase à especificidade do treinamento. Podemos citar como exemplos o chamado treino coletivo, aplicado nas modalidades esportivas coletivas, em que uma equipe titular joga contra a reserva, ou a luta feita entre o pugilista e seu sparring. Nessas duas situações, quase todos as exigências impostas na hora do jogo/ competição acontecerão no treino. Por envolver a prática da própria modalidade, é o método que mais agrada aos atletas. Seu uso é feito com mais frequência nos períodos do treinamento mais próximos à competição. 8 PERIODIZAÇÃO A periodização do treinamento pode ser entendida como um processo de organização e distribuição dos conteúdos do treinamento de maneira que o atleta possa atingir o nível mais elevado de desempenho no momento mais importante das competições. 8.1 Modelo clássico de periodização O primeiro modelo de periodização sistematizado foi proposto por volta de 1950, e aperfeiçoado ao longo da década seguinte, por Lev Pavilovitch Matveev. Em razão disso, ele é considerado o pai do modelo denominado como periodização clássica ou moderna. Matveev fundamentou seu modelo de periodização na teoria da Síndrome Geral de Adaptação (SAG), proposta por Hans Selye (GOMES, 2002). A SAG é uma explicação sobre como o organismo reage a um agente estressor que perturba a homeostase (MANSO, 1997). Matveev idealizou a periodização do treinamento apoiado em avaliações e estatísticas do comportamento de indivíduos de diversas modalidades esportivas da antiga União Soviética, nas décadas de 1960 e 1970. Essa periodização fundamentou‑se na premissa de que o atleta deve construir, manter e depois perder relativamente a forma desportiva ao longo dos grandes ciclos anuais de treinamento (DE LA ROSA, 2001). 67 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Essas três fases, aquisição, manutenção e perda temporal da forma esportiva, transformaram‑se nos três grandes períodos do treinamento esportivo, que são: o período preparatório, o período de competições e o período de transição (DE LA ROSA, 2001). Ou seja, cada etapacorresponde a uma fase da dinâmica da forma física. O período de preparação é o momento de aquisição da forma física, o de competição é o estágio de manutenção da forma, e o de transição é quando a forma física se perde. Matveev propôs inicialmente duas variantes de periodização. Numa delas, em um ciclo de treinamento anual, cada um desses períodos se repete uma vez. Essa variante ficou conhecida como periodização simples ou anual. Na outra, os períodos se repetem duas vezes, por isso a variante é chamada de periodização dupla ou semestral. Na periodização simples, o atleta encontra‑se apto a competir em uma única época do ano; na dupla, em duas épocas, já que ocorrem dois ciclos de competição nesse modelo. Quando se opta pela periodização dupla, a programação deve ser feita de maneira que as competições de maior grau de importância ocorram no segundo período competitivo. Assim, todos os estágios precedentes, inclusive as competições do primeiro ciclo, servirão como preparação para as competições principais. Saiba mais Para saber mais sobre a SAG, leia: MANSO, C. F. Stress. Acta Médica Portuguesa, Lisboa, v. 10, n. 4, p. 307‑310, 1997. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2018. A seguir, analise as figuras que mostram, respectivamente, os modelos de periodização simples e dupla. Repare que cada um dos períodos é mais longo na periodização simples. Note também que na periodização dupla o segundo período de preparação se funde com o primeiro período de transição. Isso acontece para evitar que o atleta tenha uma perda muito acentuada no desempenho durante o período de transição, já que em algumas semanas deverá estar pronto para competir em alto nível novamente (segundo período de competição). Dinâmica da forma/ desempenho Fase Período Aquisição 1 I Preparativo Manutenção 2 II Competitivo Perda 3 III Transitório Figura 29 – Modelo de periodização simples 68 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II Dinâmica da forma/ desempenho Fase Período Aquisição 1 I Preparativo Manutenção Manutenção 2 2 II II Competitivo Competitivo Perda Perda 3 3 III ‑ I III Transitório Transitório Figura 30 – Modelo de periodização dupla Período de preparação O período de preparação é o mais longo entre os três ciclos. No modelo de periodização simples, ele pode ter duração total de 20 a 28 semanas (5 a 7 meses). Na periodização dupla, sua extensão pode variar de 3,5 a 4 meses (12 a 20 semanas). Divide‑se nas fases de preparação geral e de preparação específica. Na periodização simples, a fase de preparação geral tem aproximadamente o dobro da fase de preparação específica. Na periodização dupla, pode‑se suprimir a fase de preparação geral no segundo ciclo em função da sua realização longa no primeiro ciclo. Uma característica importante do modelo de periodização clássica é a multilateralidade. Isso significa que esse modelo estabelece que todos os componentes da preparação têm de ser trabalhados, independentemente da modalidade praticada, ou seja, deve‑se dar atenção ao desenvolvimento de todas as capacidades condicionais, além de se preocupar com o aprimoramento dos componentes técnico, tático e psicológico. No entanto, durante a preparação o enfoque deve recair sobre o desenvolvimento das capacidades condicionais. Ao longo da fase de preparação geral, esse desenvolvimento deve ser feito predominantemente através de exercícios gerais, isto é, usando aqueles exercícios que estressam os principais sistemas corporais, mas que têm um grau muito baixo de semelhança mecânica com o gesto esportivo. A medida que a fase de preparação geral vai se estendendo, gradativamente deve‑se aumentar a proporção dos exercícios específicos na composição das rotinas de treino, ainda com o objetivo de continuar o desenvolvimento das capacidades condicionais. Nessa primeira etapa do período preparatório, a proporção da preparação geral para a específica tem de ser de 2:1 (66% geral, 33% específica) ou de 3:2 (60% geral, 40% específica). Um aspecto importante sobre esse modelo é a ideia de se dar importância especial ao desenvolvimento da resistência aeróbia do atleta, independentemente da modalidade que ele pratique. Matveev (1997) entendia que, ao aprimorar essa capacidade motora, estaria criando a base para o desenvolvimento ótimo das demais. O treinamento das capacidades condicionais deve continuar ao longo da fase de preparação específica, mas nela a proporção da preparação por meios específicos precisa predominar sobre os gerais. Nesse sentido, a razão dos exercícios gerais para os específicos deve passar a ser de 1:2 (33% geral, 66% específico) ou 2:3 (40% geral, 60% específico) (MATVEEV, 1997). 69 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Além disso, deve‑se aumentar a proporção de participação do treinamento da técnica e da tática, à medida que o período de preparação geral vai chegando ao seu fim e inicia‑se a fase de preparação específica. Durante a preparação específica, a ênfase maior deve ser colocada sobre os componentes técnicos e táticos. Outros aspectos do treinamento que devem ser modulados ao longo dos períodos são a quantidade (volume) e o grau de esforço (intensidade) empenhados nos exercícios. No início da fase de preparação geral, o volume e a intensidade do treinamento devem ser baixos, mas o treinador precisa aumentar progressivamente o volume, como forma de elevar a sobrecarga do treinamento (lembre‑se do princípio da sobrecarga). Com esse aumento progressivo, no final da fase de preparação geral, o volume deve chegar ao seu nível mais elevado. A partir daí, ele deve começar a diminuir e assim seguir ao longo da fase de preparação específica e início do período de competições. A intensidade, por outro lado, tem de permanecer baixa durante a fase de preparação geral, e apenas começar a sofrer acréscimos mais expressivos no início da fase de preparação específica. Ao final da fase de preparação específica, a intensidade do treino deve passar a predominar sobre o volume. Ou seja, na fase de preparação geral a sobrecarga é aplicada pelo aumento progressivo da quantidade de treinamento efetuado (volume), que se concretiza no acréscimo da quilometragem percorrida, do número de repetições, séries ou de exercícios realizados, bem como da quantidade total de horas dedicadas ao treinamento. Nessa fase não se pode aumentar o grau de esforço empenhado nos exercícios (intensidade), isto é, a velocidade de execução ou a carga externa utilizada nos exercícios. As elevações da intensidade começam no início da fase de preparação específica e assim seguem até o período de competições. Período de competições O período de competições tem duração aproximada de 16 a 20 semanas na periodização simples (anual) e de 6 a 8 semanas, na dupla (semestral). Ao entrar no período de competições, o atleta deve estar com as capacidades condicionais, a técnica e a tática desenvolvidas em níveis ótimos. Ao longo dessa etapa, assim como já vinha sendo feito na fase de preparação específica que o precedeu, o treinamento precisa ser altamente específico, e ter como objetivos a manutenção da forma adquirida e o refinamento da técnica e da tática, além da criação da sua aplicação nas condições da competição. Como meios de preparação, deve‑se usar prioritariamente os exercícios de competição. Além disso, é necessário estudar as características dos oponentes para a escolha da melhor estratégia a fim de neutralizar suas ações, o que pode ser realizado por meio de análises de vídeos e de anotações feitas sobre os desempenhos individuais e coletivos dos adversários (scouts). Complementarmente, uma vez que o sujeito precisa continuar aprimorando sua preparação, mas necessita estar em condições ótimas para competir, especial atençãodeve ser dada aos procedimentos que aceleram a recuperação após as sessões de treinos e jogos. No período de competição o volume de treinamento deve ser reduzido drasticamente, entretanto a sua intensidade chega ao seu nível máximo, ou seja, as sessões de treinamento são curtas, porém muito intensas. Essa redução pode ser bastante acentuada nas duas semanas iniciais do período competitivo, na chamada fase pré‑competitiva. Essa diminuição na carga alivia o estresse acumulado no período de competições, o que ocasiona um ligeiro aumento no desempenho. 70 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II Observação A redução da carga no período pré‑competitivo é conhecida como tapering. Período de transição O período de transição tem duração de 4 a 6 semanas na periodização simples (anual), e de 3 a 4 semanas, na dupla (semestral). A sua finalidade é promover a recuperação do organismo do atleta de todo estresse físico e psíquico, proporcionados pelo longo período que o indivíduo ficou treinando e competindo, para evitar o overtraining. O período de transição é programado com a intensão de permitir a queda temporária no desempenho esportivo, justamente como uma condição para que se possa continuar aumentando a exigência sobre o organismo e a melhorar o desempenho. Assim, Matveev (1997) destaca que o referido período deve servir como um elo entre dois ciclos de treinamento, de maneira a criar condições para que a carga de treinamento da próxima temporada seja superior à daquela que se encerra. O autor salienta que se deve entender a transição como um período de recuperação ativa, já que não há uma pausa no processo de treino, mas uma modificação da sua forma e conteúdo. Nesse período tem de ocorrer a redução acentuada nas cargas de treinamento e a volta da priorização das cargas gerais sobre as específicas. Os atletas necessitam ser orientados a participar de atividades novas, e a utilizar o método de treinamento contínuo, programando práticas de baixa intensidade e longa duração, como exercícios prioritários. Da mesma forma, também é bem adequado o uso de atividades com caráter recreativo que possam contribuir para a recuperação do estresse mental. Ao longo do período de transição o atleta pode ainda participar de todas as formas possíveis de atividades recuperativas como banhos, saunas, massagens e terapias, que auxiliem na regeneração muscular e psicológica. Tal época é também utilizada para oportunizar a recuperação completa de uma lesão que o esportista esteja tratando, ou para efetuar algum procedimento cirúrgico eletivo que eventualmente viesse adiando. Nas periodizações duplas, o primeiro período de transição é mais curto, e se caracteriza pela redução sensível da carga e pela mudança de orientação do treinamento. Essa característica tem como propósito permitir um alívio do estresse produzido pelo primeiro ciclo de treinamento sem possibilitar, no entanto, uma queda muito acentuada no desempenho. Por essa razão, o período de transição se funde com o início do segundo período de preparação, uma vez que se aproxima o segundo período competitivo no qual estão concentradas as principais competições do ano. Os ciclos de treinamento Além das particularidades mencionadas, o modelo de periodização clássico se caracteriza pela modificação cíclica das cargas de treinamento, ou seja, ao longo de períodos de diferentes durações, as cargas sofrem aumentos, são mantidas e depois reduzidas. Essas alternâncias acontecem durante ciclos curtos, médios e longos. 71 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Os microciclos Os chamados microciclos representam intervalos que podem compreender de 2 a 7 dias, ao longo dos quais a carga de treinamento (volume e intensidade) deve ser modulada. Essa modulação tem como propósito permitir a recuperação rápida do organismo após tê‑lo submetido a um estímulo que tenha perturbado a homeostase. A recuperação é obtida programando‑se unidades de treinamento (dias) de baixa exigência (baixo volume e intensidade) ou dias de folga, após a realização de sessões de treinamento de elevada exigência ou dia de competição. Pode‑se configurar um microciclo de diferentes maneiras, dependendo da fase ou do período anual da preparação que o atleta se encontra. Por exemplo, um microciclo na fase de preparação geral se caracterizará pelo elevado volume e baixa intensidade. Os exercícios realizados serão predominantemente de caráter geral, com enfoque na melhora das capacidades condicionais. Por sua vez, um microciclo do período de preparação específica será representado pelo volume reduzido e pela intensidade mais elevada. Além disso, os exercícios selecionados serão predominantemente específicos, e com ênfase no desenvolvimento da técnica. Na sequência constam alguns modelos. Os microciclos “A” e “B” são denominados microciclos de desenvolvimento. Eles são tipicamente usados no período preparatório. Repare que o microciclo “A” inclui um pico de estimulação e o microciclo “B” inclui dois picos. Carga de treinamento 90%‑100% Muito alta 80%‑90% Alta 70%‑80% Média 50%‑70% Baixa O macrociclo O macrociclo representa o grande ciclo do treinamento. Estruturalmente, ele é composto de um período de preparação, um período de competição e um período de transição. Portanto, na periodização simples temos um macrociclo, enquanto na periodização dupla temos dois. A figura na sequência ilustra um ciclo anual com dois macrociclos (I e II). Dedique alguns minutos para analisar as associações entre os macrociclos e os períodos que o compõem. Analise também a relação dos macrociclos com os mesociclos, e dos mesociclos com os microciclos. É correto dizer que o macrociclo é formado pelos vários mesociclos que compõem cada um dos três períodos. Dinâmica da forma/ desempenho Fase Geral Esp. Transição Competição TransiçãoComp.Pré‑ comp. Período Mesociclo Macrociclo Mês A b r A b r J u n J u n A g o A g o O u t O u t D e z F e v M a i M a i J u l J u l S e t S e t N o v N o v J a n M a r Aquisição I I 1 3 5 7 92 4 6 8 10 12 14 16 1811 13 15 17 19 20 II Preparativo Manutenção Manutenção II II Competitivo Competitivo Perda Perda III ‑ I III Transitório Transitório Figura 34 – Ilustração da temporada com dois macrociclos 74 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II A carga de treinamento deve variar ao longo do macrociclo, assim como acontece nos microciclos e nos mesociclos. Na figura a seguir, isso é ilustrado pelas linhas pontilhadas que se estendem durante os mesociclos. Repare que a carga aumenta do 1º para o 3º mesociclo, mas é reduzida no 4º mesociclo. M 1 M 5 M 9 M 13 M 2 M 6 M 10 M 14 M 3 M 7 M 11 M 15 M 4 M 8 M 12 M 16 Mesociclo 1 Mesociclo 2 Mesociclo 3 Mesociclo 4 Figura 35 – Variação das cargas ao longo dos mesociclos Essa dinâmica de alteração de carga entre mesociclos deve ser feita no decorrer dos diferentes períodos, conforme a característica do período. Durante o período de preparação, a carga sofre um aumento progressivo, que tem de atingir seu máximo e ser mantida durante o período de competições, para então diminuir no período de transição e finalmente ser permitido ao organismo recuperar‑se. 3632282420161284 3531272319151173 3430262218141062 332925211713951 1 5 I 2 Geral Específica Competitiva TransitóriaPré‑ comp. Preparação Competição Transição 63 74 8 9 Micro Meso Macro Fases Períodos Va ria çã o da c ar ga Figura 36 – Macrociclo e sua relação com os ciclos menores Repare que aquilo que acontece nos ciclos maiores é determinado pela dinâmica dos eventos nos ciclos menores, ou seja, para a carga ser aumentada ao longo do período de preparação (durante o macrociclo), a construção desse período deve ser feita combinando mesociclos com graus de exigência progressivamente maiores. Da mesma forma, para haver um aumento das cargas no decorrer do mesociclo, deve‑se combinar microciclos de graus de exigências crescentes. Por sua vez, a configuração de microciclos de maior carga é feita pela determinação das cargas nas sessões individuais que compõem cada microciclo. Críticas ao modelo clássico O modelo clássico, proposto por Matveev (1997), sofreu muitas críticas por parte de outros treinadores. A seguir apresentamos as principais delas dirigidas a esse modelo: 75 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO • Gradativamente, a preparação geral perde sua capacidade de promover melhoras no desempenho, então não faria sentido incorporar as fases de preparação geral na programação de atletas experientes (WEINECK, 1989 apud de LA ROSA, 2001). • O modelo pode ser adequado a atletas iniciantes, mas indivíduos de alto nível precisam aumentar o percentual de treinamento dedicado à preparação específica (GAMBETTA, 1990 apud DE LA ROSA, 2001). • Os calendários competitivos atuais exigem que o atleta esteja apto a competir um período maior ao longo do ano. Assim, não é possível dedicar tanto tempo à preparação geral (BOMPA, 1983 apud DE LA ROSA, 2001). • Esse modelo de periodização mantém os atletas treinando com intensidade muito baixa, por períodos muito longos. É um sistema muito rígido em relação à duração das fases. As diferentes modalidades exigiriam períodos de diferentes durações (TSCHIENE, 1990 apud DE LA ROSA, 2001); • Excesso de carga sobre o organismo em decorrência do elevado volume de treinamento de diferentes orientações funcionais (melhora da capacidade física, da técnica, da tática, em um mesmo período) (VERKHOSHANSKY; SIFF, 2009). Com base nessas críticas, surgiram novas propostas de periodização do treinamento. Algumas delas tiveram como propósito aperfeiçoar o modelo de Matveev, enquanto outras romperam completamente com esse modelo. Vamos conhecer alguma dessas propostas. 8.2 Modelos de periodização alternativos – modelo da estrutura pendular O modelo pendular foi proposto pelos russos Arosiev e Kalinin em 1971. Este modelo aproveita os conceitos desenvolvidos por Matveev, tentando aperfeiçoar seu modelo de periodização. Nele, assim como no modelo clássico, há o uso de cargas gerais e específicas, mas com finalidades distintas. Enquanto no modelo de Matveev as cargas gerais precediam as específicas com o objetivo de criar a base para que elas se desenvolvam, aqui as cargas gerais são sempre utilizadas após as específicas. A razão disso é que as cargas gerais são usadas por Arosiev e Kalinin para mudar a influência do treinamento e permitir que o organismo se recupere das cargas específicas. Outra diferença é que no modelo clássico as cargas gerais são usadas por um período bastante extenso, que é maior que o período de aplicação das cargas específicas. No modelo pendular, as cargas gerais nunca superam as cargas específicas e, à medida que o tempo de treinamento progride, cada vez menos são utilizadas cargas gerais, enquanto o uso de cargas específicas cresce de período para período, aumentando progressivamente a proporção das cargas específicas sobre as gerais. Em razão dessa supremacia e de seu uso ser feito desde o início da temporada, os atletas estão prontos para competir em períodos mais longos, o que é um ponto fraco no modelo clássico. 76 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II C C CP 100% 90% 80% 70% Ca rg a es pe ci al Ciclo pré‑ competitivo I Treinamento específico C = Competição Treinamento geral CP = Competição principal Ciclo pré‑ competitivo II Diferença entre cargas específicas e gerais (amplitude do pêndulo) Ciclo pré‑ competitivo III Ciclo competitivo Figura 37 8.3 Modelo de periodização em blocos – Verkhoshansky, 1985 Esse modelo de periodização começou a ser esboçado no final dos anos 1970 para fornecer um padrão inovador de treinamento a atletas de alto nível nas disciplinas esportivas de força e velocidade do atletismo. Tal ideia consistiu na concentração seletiva de cargas direcionadas para um objetivo único de treinamento. Isso deveria criar um estímulo de treinamento focado, capaz de influenciar cada um dos fatores que determinam a melhora do desempenho esportivo. Ou seja, em vez de objetivar a melhora simultânea de múltiplos componentes do treinamento (força, velocidade, resistência, flexibilidade, técnica e tática) em uma mesma etapa, como propõe o modelo de Matveev, no modelo de blocos o treinamento é focado apenas nos conteúdos que têm uma real influência na performance da modalidade. Além disso, nele o treinamento de cada conteúdo deve ser separado temporalmente, numa ordem sequencial, de maneira que os teores trabalhados primeiro devem criar condições favoráveis para o desenvolvimento ótimo dos conteúdos subsequentes. Por essa razão, esse modelo foi batizado pelo seu idealizador, Yuri Verkhoshansky, com o nome de Sistema das Cargas Conjugadas. No modelo incialmente proposto por Verkhoshansky, a temporada era dividida em duas etapas: uma preparatória e uma de competição. Naetapa preparatória, denominada bloco A, deve‑se concentrar a realização de meios de treinamento voltados para o desenvolvimento da força, com o intuito de induzir o efeito retardado de treinamento. A concentração das cargas de força gera um estresse elevado no organismo do atleta, que provoca a piora imediata na velocidade dos movimentos e na técnica do atleta. Na transição do bloco A para o bloco B, deve‑se reduzir expressivamente o volume do treinamento de força e começar a priorizar o treinamento da velocidade e da técnica dos movimentos. Como consequência da redução das cargas de força e da mudança da orientação da carga (treino da força dá lugar ao treino da velocidade e da técnica), o organismo começa a se recuperar, o que gradativamente se reflete na melhora dos desempenhos da velocidade das ações específicas da modalidade e da qualidade técnica. Para a concretização do aperfeiçoamento do desempenho a níveis ótimos, os exercícios de força e velocidade devem ser feitos com um pequeno volume no início do bloco B, e ter sua intensidade aumentada gradualmente (VERKHOSHANSKY; VERKHOSHANSKY, 2011). 77 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Para assegurar o uso completo do potencial de adaptação do atleta, o bloco de cargas concentradas de força (bloco A) deve durar entre 6 e 12 semanas. Durante essa fase, o atleta terá dificuldade de executar os movimentos próprios da modalidade com a técnica correta e com elevado nível de potência. Para conseguir induzir o mais alto nível de melhora no desempenho de esportistas de modalidades de força e potência, a etapa das cargas concentradas de força tem de ser seguida por um período de cargas concentradas de força rápida para, após isso, ser realizada uma etapa de trabalho objetivando a melhora da técnica do exercício competitivo, executado no mais alto nível de produção de potência. Assim, por meio do efeito retardado de treinamento em longo prazo (ERTLP), as melhoras no desempenho deverão acontecer no período das competições. A duração do ERTLP é proporcional à extensão da fase de cargas concentradas. Quanto maiores o volume e a duração da etapa de cargas concentradas, maior será a duração do ERTLP. Ou seja, esse modelo de periodização visa intencionalmente provocar um esgotamento do organismo, através do uso de cargas concentradas de força. Esse esgotamento leva a uma piora inicial do desempenho. No entanto, a modificação na orientação da carga (troca das cargas de força por cargas específicas) alivia o estresse imposto sobre o organismo e permite sua recuperação gradual. Essa recuperação se caracteriza por uma melhora tardia no desempenho específico (VERKHOSHANSKY e VERKHOSHANSKY, 2011). O uso desse modelo deve ser feito em atletas experientes, capazes de suportar maiores estresses de treinamento. Mesmo assim, os treinadores devem tomar muito cuidado para não exagerar na aplicação das cargas de força e ultrapassar a capacidade de recuperação do organismo do atleta. Quando isso ocorre, desenvolve‑se a síndrome do overtraining, que se caracteriza por uma incapacidade de recuperação do organismo do indivíduo, que pode comprometer sua carreira e colocar em risco sua vida. Etapa preparatória Etapa de competição Velocidade Técnica Tempo Overtraining BA Figura 38 78 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II 8.4 Modelo estrutural de treinamento de altos rendimentos – Tschiene, 1990 O modelo estrutural proposto por Peter Tschiene é uma concepção que visa possibilitar aos atletas competirem em alto nível durante um período mais longo do ano. Ele preserva algumas das ideias de Matveev, como a divisão do ciclo anual nos períodos preparatório, competitivo e transitório, assim como a ideia de modular a exigência do treinamento através das alternâncias entre volume e intensidade. No entanto, as semelhanças entre os dois modelos se encerram por aí. Para Tschiene, sua periodização propõe que as cargas de treinamento sejam sempre específicas, e que o volume e a intensidade do trabalho sejam altas o ano inteiro. Mesmo a alternância entre volume e intensidade, que é uma proposta comum com o modelo de Matveev, aqui se diferencia drasticamente, já que ocorre após ciclos curtos e frequentes, enquanto no modelo clássico se concretiza de maneira gradual ao longo de vários meses (mesociclos). Uma vez que manter longos períodos de treinamento específico torna‑se muito desgastante ao organismo, para que esse modelo funcionasse Tschiene planejou a realização de intervalos profiláticos nos períodos que precedem as competições (repare que essas etapas se assemelham à ideia do tapering). Juntamente à eliminação dos longos períodos de preparação com cargas gerais, essas ideias fazem com que os atletas estejam aptos a treinar o ano todo. A propósito, para o autor a existência de competições ao longo de toda a temporada é considerada como um fator fundamental para que os esportistas possam atingir um nível elevado de desempenho. 100% 80% M ag ni tu de d a ca rg a 60% 40% 20% 1º PP 1º PC 2º PP 2º PCIP IP PT Cargas específicas Intensidade Volume C C C C C C Figura 39 – Ilustração do modelo estrutural de altos rendimentos Não se preocupe se estiver confuso, nesse momento, com tantas ideias diferentes sobre como organizar as cargas de treinamento ao longo do tempo. Todavia não desanime. O truque para organizar isso tudo na sua cabeça é voltar a ler sobre o modelo clássico, proposto por Matveev. Analise calmante seus conceitos e anote as suas principais caraterísticas. Tente também se lembrar das críticas que o modelo clássico sofreu. Quando estiver bem familiarizado com isso, reveja os demais modelos. Siga essa leitura analisando os gráficos e compare o que cada modelo tem em comum e no que se diferencia do modelo clássico. Quando se der conta, vai estar sabendo muito sobre periodização. 79 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Resumo O termo habilidade motora é muitas vezes usado, de maneira equivocada, como sinônimo de capacidade motora. Uma habilidade motora reflete a eficiência para resolvermos uma tarefa motora, por exemplo, correr, lançar, saltar, driblar, lançar. Elas devem ser aprendidas e praticadas para serem executadas com elevado nível de maestria. Por sua vez, as capacidades motoras representam um traço geral do indivíduo. Ou seja, nascemos com o potencial para manifestá‑las, não necessitamos aprendê‑las. Contudo, com o processo de maturação e o treinamento, aumentamos seu nível de manifestação. O treinamento físico, que é o tema central dessa disciplina, se concretiza na realização de exercícios com o objetivo de melhorar o nível de manifestação das capacidades motoras: força, velocidade, flexibilidade e resistência. Cada uma delas pode se manifestar de diferentes maneiras, conforme a demanda de um tipo específico de solicitação motora. Por exemplo, podemos ser exigidos a manifestar nossa força máxima, rápida, ou de resistência; a expressar nossa flexibilidade estática, ou dinâmica; bem como nossa velocidade cíclica ou acíclica. Para finalidades didáticas, tais capacidades são inicialmente tratadas como se não tivessem relação umas com as outras, mas gradativamente percebe‑se que elas se inter‑relacionam. Além disso, a melhora de uma capacidade pode influenciar positivamente a manifestação da outra, como é o caso quando aumentamos nossa flexibilidade e isso afeta o desempenho da velocidade, ou quando ao melhorar a força nos tornamos mais rápidos. O treino das capacidades físicas pode ser mais efetivo quando se distribui adequadamente os diferentes conteúdos do treinamento ao longo do tempo. Se por um lado a combinação de duas capacidades em um mesmo período pode ser contraproducente e inibir o desenvolvimento de ambas, o efeito inversotalvez seja obtido se essas mesmas capacidades forem treinadas uma após a outra. A organização dos diferentes conteúdos do treinamento em etapas distintas é conhecida pelo termo periodização. Existem diversas maneiras de periodizar o treinamento. A teoria denominada modelo clássico foi proposta pelo russo Lev Pavilovitch Matveev. Nesse modelo, é previsto o treinamento simultâneo de vários componentes (técnico, tático, físico, psicológico, intelectual), com o propósito de promover o desenvolvimento multilateral do indivíduo. Essa ideia é bastante eficiente para ser aplicada no treinamento de atletas de modalidades de resistência, 80 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II bem como para atletas iniciantes. Também se adequa muito bem aos programas voltados à melhora da qualidade de vida. Além do modelo clássico, neste livro‑texto foram apresentados os modelos Pendular, proposto por Arosiev e Kalinin, o da Periodização em blocos, sugerido por Yuri Verkhoshansky, e o modelo Estrutural de Altos Rendimentos, apresentado por Peter Tschiene. Todos eles são alternativas ao modelo clássico e propostas que surgiram para atender aos esportistas de outras modalidades que não as de resistência aeróbia de longa duração, de atletas de alto nível e que participam de um número elevado de competições durante o ano. Apesar disso, muitos de seus conceitos podem ser perfeitamente adaptados ao treinamento de indivíduos comuns. Exercícios Questão 1. (Enade 2016, adaptada) Periodização é o planejamento do tempo disponível para o treinamento, de acordo com os objetivos intermediários estabelecidos, respeitando‑se os princípios científicos do treinamento desportivo. O modelo tradicional de periodização do treinamento foi proposto e estabelecido na década de 1950, com fundamento na teoria da síndrome da adaptação geral, e é referência entre os treinadores até os dias de hoje. Esse modelo, caracterizado pela variação ondulante das cargas de treinamento, divide‑se em períodos: de preparação, de competição e de transição. DANTAS, E. H. M. et al. Adequabilidade dos principais modelos de periodização do treinamento esportivo. Rev. Bras. Ciênc. Esporte, Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 483‑494, jun. 2011 (adaptado). Tendo o texto como referência e considerando a relação entre as etapas da preparação física e o desempenho competitivo, avalie as afirmativas a seguir e a relação proposta entre elas. I – A variação ondulante das cargas é importante para a adequação do volume e da intensidade do programa de treinamento, de acordo com o período de preparação do atleta. PORQUE II – Cada um dos períodos do modelo tradicional de periodização do treinamento requer um dimensionamento específico da carga de treinamento para que o atleta atinja o pico de performance no período de preparação. A respeito dessas afirmativas, assinale a opção correta. A) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. B) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. C) A afirmativa I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. 81 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO D) A afirmativa I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. E) As afirmativas I e II são proposições falsas. Resposta correta: alternativa C. Análise das afirmativas A primeira afirmativa é verdadeira, pois de acordo com o período do treinamento em que o atleta se encontra tem um maior ou menor volume ou intensidade. Já a segunda é falsa, porque o pico de performance do atleta deve ser atingido no período competitivo e não durante a preparação. Questão 2. A produção de força está relacionada com a velocidade de encurtamento do músculo. Na figura a seguir é demonstrado o comportamento da curva força‑velocidade nos diferentes tipos de contração muscular. Excêntrica Fo rç a Concêntrica O Velocidade de encurtamentoVelocidade de alongamento Máximo isométrico Figura 40 Baseando‑se no enunciado e na imagem anterior, é possível concluir que: A) Na ação muscular excêntrica, quanto maior a velocidade de alongamento maior será o grau de força produzido pelo músculo. B) A velocidade de alongamento na ação muscular excêntrica é inversamente proporcional à força produzida pelo músculo. C) O aumento da velocidade de encurtamento na ação muscular concêntrica aumenta o grau de força produzido pelo músculo. D) Na ação muscular isométrica, a velocidade é maior que nas ações musculares concêntricas e excêntricas. E) A ação muscular excêntrica produz maior velocidade de alongamento que as ações musculares isométricas e concêntricas. Resolução desta questão na plataforma. 82 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade II FIGURAS E ILUSTRAÇÕES Figura 13 POMPEU, F. A. M. S. et al. Áreas de secção transversa do braço: implicações técnicas e aplicações para avaliação da composição corporal e da força dinâmica máxima. Rev. Bras. Med. Esporte, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, 2004. Adaptado. Figura 14 MONSTER, A. W.; CHAN, H. Isometric force production by motor units of extensor digitorum communis muscle in man. J. Neurophysiol, Pennsylvania, v. 40, n. 6, p. 1432‑1443, 1977, p. 1.435. Figura 15 BADILLO, J. J. G.; AYESTARÁN, E. G. Fundamentos do treinamento de força: aplicação ao alto rendimento desportivo. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 77. Adaptado. Figura 17 HÄKKINEN, K.; ALÉN, M.; KOMI, P. V. Neuromuscular, anaerobic, and aerobic performance characteristics of elite power athletes. European Journal of Applied Physiology and Occupational Physiology, v. 53, n. 2, 1984. Adaptado. Figura 21 Grupo Objetivo‑UNIP. Figura 22 Grupo Objetivo‑UNIP. Figura 23 Grupo Objetivo‑UNIP. REFERÊNCIAS Textuais ALTER, M. J. Ciência da flexibilidade. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. AVELA, J.; KYRÖLÄINEN, H.; KOMI, P. V. Altered reflex sensitivity after repeated and prolonged passive muscle stretching. Journal of Applied Physiology, Jyväskylä, v. 80. n. 4, 1283‑1291, 1999. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2018. 83 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO BADILLO, J. J. G.; AYESTARÁN, E. G. Fundamentos do treinamento de força: aplicação ao alto rendimento desportivo. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2001. BARBANTI, V. J. Treinamento esportivo: as capacidades motoras dos esportistas. São Paulo: Manole, 2010. DE LA ROSA, A. F. Treinamento desportivo: carga, estrutura e planejamento. São Paulo: Phorte, 2001. GASTIN, P. B. Energy system interaction and relative contribution during maximal exercise. Sports Med, v. 31, n. 10, p. 725‑741, 2001. GOMES, A. C. Treinamento desportivo: estruturação e periodização. Porto Alegre: Artmed, 2002. ISSURIN, V. B. New horizons for the methodology and physiology of training periodization. Sports Med, Netanya, v. 40, n. 3, p. 189‑206, 2010. KUBO, K. et al. Influence of static stretching on viscoelastic properties of human tendon structures in vivo. J. Appl. Physiol., Tokyo, v. 90, n. 2, p. 520‑527, 2001. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2018. MAGILL, R. A. Motor learning and control: concepts and applications. 7. ed. Boston: McGraw‑Hill, 2004. MANSO, C. F. Stress. Acta Médica Portuguesa, Lisboa, v. 10, n. 4, p. 307‑310, 1997. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2018. MATVEEV, L. P. Treino desportivo: metodologia e planejamento. Guarulhos: Phorte, 1997. MONSTER, A. W.; CHAN, H. Isometric force production by motor units of extensor digitorum communis muscle in man. J. Neurophysiol, Pennsylvania,v. 40, n. 6, p. 1432‑1443, 1977. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2018. MOREIRA, A. et al. Percepção de esforço da sessão e a tolerância ao estresse em jovens atletas de voleibol e basquetebol. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum, São Paulo, v. 12, n. 5, p. 345‑351, 2010. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2018. OPPLERT, J.; BABAULT, N. Acute effects of dynamic stretching on muscle flexibility and performance: an analysis of the current literature. Sports Med, Dijon, v. 48, n. 2, p. 299‑325, 2018. PLATONOV, V. N. Tratado geral de treinamento desportivo. São Paulo: Phorte, 2007. PLISK, S. S.; STONE, M. H. Periodization strategies. Strength & Conditioning Journal, Connecticut, v. 25, n. 6, p. 19‑37, 2003. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2018. 84 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 POMPEU, F. A. M. S. et al. Áreas de secção transversa do braço: implicações técnicas e aplicações para avaliação da composição corporal e da força dinâmica máxima. Rev. Bras. Med. Esporte, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, 2004. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2018. SAMULSKI, D. Psicologia do esporte. Conceitos e novas perspectivas. 2. ed. Barueri: Manole, 2008. VERKHOSHANSKY, Y., SIFF, M. Supertraining. Rome: Verkhoshansky, 2009. VERKHOSHANSKY, Y., VERKHOSHANSKY, N. Special strength training: manual for coaches. Rome: Verkhoshansky, 2011. WEINECK, J. Treinamento ideal. São Paulo: Manole, 1999. ZAKHAROV, A. Ciência do treinamento desportivo. Rio de Janeiro: Grupo Palestra Sport, 1992. ZATSIORSKY, V. M. Ciência e prática do treinamento de força. São Paulo: Phorte, 1999. Exercícios Unidade I – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (Inep). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) 2016: Educação Física. Questão 9. Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2018. Unidade II – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (Inep). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) 2016: Educação Física. Questão 10. Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2018. 85 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 86 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 87 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 88 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Informações: www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000dê uma olhada na figura a seguir, que ilustra essa ideia. Ela exemplifica a execução de exercícios (E) em cinco dias da semana, repetidos ao longo de quatro semanas. Isoladamente, cada exercício não compreende o treinamento, mas é a somatória dos efeitos provocados por cada um deles no organismo que caracteriza o processo de treinamento. Essa explicação que acabamos de fazer é uma caracterização do treinamento em termos estruturais. Em termos fisiológicos, ele compreende um processo que explora a relação estímulo/resposta. Isso quer dizer que envolve um método de estimulação do organismo por meio de exercícios físicos, com o propósito de provocar respostas adaptativas nos órgão e sistemas. Essas adaptações servem para melhorar suas estruturas e funcionalidades, o que levará ao aumento da capacidade de trabalho do organismo em uma tarefa motora específica. Colocando de forma mais clara, no processo de treinamento escolhemos exercícios que imponham exigências sobre órgãos e sistemas (músculos, ossos, coração, sistema cardiorrespiratório, sistema hormonal, sistema energético etc.). Com o tempo, isso provoca modificações nas estruturas desses órgãos, o que afeta a maneira que eles trabalham. E essa melhora afeta o funcionamento do seu organismo durante a realização dos movimentos próprios de uma modalidade. Uma pergunta que você pode estar se fazendo é: “quantas vezes devo repetir os exercícios na semana e por quantas semanas devo repeti-los para caracterizar que estou treinando?” Não há uma reposta exata 11 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO para isso, mas podemos dizer que a frequência e o tempo mínimos para indicar um processo de treinamento são aqueles capazes de induzir modificações no organismo. Por exemplo, se você repetir um determinado exercício uma vez por semana, durante cinco semanas, e isso produzir alterações no seu organismo, então quer dizer que está treinando. Esse é um assunto complexo, e nós não vamos tratar dele aqui. Mais adiante, falaremos dos princípios biológicos do treinamento, e aí voltaremos a essa questão. E E E EE E E EE E E EE E E EE E E E Semana 4Semana 3 Treinamento Semana 2Semana 1 Figura 1 – Ilustração do conceito de processo de treinamento Para mantermos o foco, vamos voltar às nossas definições. Embora o termo treinamento seja bastante utilizado, é também muito comum usarmos e ouvirmos treino. Os portugueses usam essa palavra com significado idêntico ao de treinamento em nosso português. Entretanto, no Brasil, o vocábulo treino refere-se normalmente a uma sessão de treinamento. Sessão de treinamento compreende o conjunto de exercícios realizados em um período do dia. Por exemplo, num determinado dia, você poderia ir à academia no período da manhã para treinar os membros inferiores e voltar à noite para treinar os membros superiores. Assim poderíamos dizer que nessa ocasião você fez duas sessões de treino. Ou seja, os exercícios realizados no período da manhã compuseram a primeira sessão, e os praticados à noite, a segunda. Atletas do fisiculturismo e de muitas outras modalidades costumam realizar duas ou até três sessões de treinamento em determinados momentos da sua preparação. Essa é uma estratégia que pode ser útil para organizar melhor os conteúdos que precisam ser executados em um mesmo dia. A quantidade do que fazemos é uma variável muito importante no treinamento e normalmente nos referimos a ela pelo termo volume. Por exemplo, alguém que corre 4 km na segunda-feira, 5 km na quarta, e 6 km na sexta, acumula um volume de 15 km na semana. Sendo que o volume percorrido na sexta é maior que o dos dias anteriores. No exemplo da musculação, o volume pode ser calculado pelo número de exercícios que se realiza para cada grupo muscular ou pela quantidade de vezes que faz um movimento ou, ainda, pelo total de séries praticadas para cada grupo muscular. O volume pode ser modificado aumentando ou diminuindo o número de sessões realizadas na semana. Modular volume/quantidade do que se faz no treinamento é uma das alternativas que temos para aumentar a exigência sobre o nosso organismo. Quem realiza mais exige mais dele. Outra maneira que podemos fazê-lo é modulando o grau de esforço que empenhamos nos exercícios. Quando optamos por isso, dizemos que estamos mexendo na intensidade do exercício/treinamento. Por exemplo, o corredor citado anteriormente pode aumentar a intensidade do seu exercício se passar a correr na velocidade de 9 km/h, em vez de 8 km/h. E você poderia aumentar a intensidade na sua musculação se passasse a fazer o exercício supino com 5 kg a mais do que usou na última série. Repare que, modulando o volume e a intensidade, modificamos a exigência imposta sobre o organismo, ou seja, podemos aumentar ou diminuir o estresse que o exercício impõe sobre o organismo, 12 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade I modificando a quantidade (volume) e/ou o grau de esforço que empenhamos nos movimentos (intensidade). Conjuntamente, volume e intensidade compõem o que chamamos de carga externa, enquanto o termo carga interna é usado para referir-se ao estresse que a carga externa impõe sobre o corpo. Alternativamente, ainda podemos usar os termos carga fisiológica ou carga de treinamento no lugar de carga interna. Mais adiante será possível verificar que em alguns momentos do processo de treinamento é necessário aumentar o estresse sobre o organismo, mas em outros é preciso diminui-lo para permitir que ele se recupere. O processo de treinamento pode ter diferentes objetivos. De maneira geral, o treinamento de atletas tem como finalidade melhorar a qualidade da execução dos movimentos, aumentando sua capacidade de repeti-los de maneira mais rápida e por um número de vezes elevado, sem que isso afete a qualidade dos gestos em repetições sucessivas. Por outro lado, temos também os casos de fisiculturistas, e não atletas que treinam sem preocupação em melhorar a funcionalidade, mas se interessam apenas nas modificações na sua composição corporal. Em ambos os casos, para que isso se concretize, o organismo precisa passar por modificações. Mais especificamente, o processo de treinamento deve induzir alterações nas estruturas e no funcionamento dos órgãos e sistemas que o compõem. A essas modificações, chamamos de adaptações. Os exercícios que realizamos são os estímulos que provocam tais adaptações. Eles devem ser dosados corretamente (modulando-se volume e intensidade) para representarem um desafio ao organismo de forma que este seja impelido a pôr em curso os eventos intracelulares que farão órgãos e sistemas se modificarem e se tornarem mais eficientes. À medida que isso ocorre, atletas se tornam gradativamente mais aptos a executar as tarefas exigidas durante o jogo/ competição, assim como indivíduos comuns recuperam sua funcionalidade perdida em decorrência do processo de envelhecimento ou em consequência de uma cirurgia a que foram submetidos. Portanto, como aqueles que treinam por questões estéticas observam as modificações acontecendo em seus corpos, ou seja, não importa qual o objetivo, o processo de treinamento funciona sempre da mesma maneira. O que muda é a utilidade que fazemos das alterações que o treinamento produz em nosso organismo. Atletas as usam durante os jogos para se sobressaírem em relação aos seus adversários, enquanto indivíduos comuns as empregam para realizar tarefas do cotidiano. O processo de treinamento de atletas e não atletas tem em comum a utilização de exercícios físicos como o meio fundamental para provocar as adaptações no organismo. No contexto do esporte, os exercícios podem ser diferenciados em gerais, específicos e de jogo ou competição. Os chamados exercícios gerais apresentam pequena ou nenhuma semelhança com os gestos próprios de uma modalidade ou prova competitiva. Por exemplo, um nadador que realizacorrida como exercício de treinamento faz um exercício geral. Da mesma maneira, um jogador de voleibol fazendo o exercício supino na musculação também o executa, pois nos dois casos são muito pequenas as coincidências cinéticas e cinemáticas entre os movimentos realizados no treinamento e aqueles na prática da modalidade. Por outro lado, um exercício é chamado de específico quando tem um grau muito elevado de semelhança com os gestos da modalidade que o atleta pratica. Por exemplo, um maratonista que corre 10 km em uma sessão de treinamento está simulando de maneira muito parecida aquilo que fará em competição. 13 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Os exercícios de jogo ou competição são aqueles que simulam integralmente as tarefas da modalidade. Um exemplo disso são os chamados treinos coletivos efetuados em modalidades esportivas coletivas (futebol, voleibol, basquetebol, handebol, hóquei, rúgbi etc.). Esses exercícios implicam simulação do jogo em que duas equipes, formadas por titulares e reservas, atuam uma contra a outra. Outro exemplo que podemos dar é do lutador de boxe que faz luvas com seu sparring. É importante destacar que os exercícios de competição não são a competição em si, mas uma imitação dela, ainda que sejam realizados de forma integral. Por exemplo, um treino coletivo no futebol em que duas equipes, compostas de 11 jogadores cada, se enfrentam em dois tempos de 45 minutos, usando as dimensões totais do campo, não é uma competição propriamente dita, já que alguns elementos do jogo real não estão presentes, como o medo de errar, o ímpeto da disputa, e o desconhecimento das características do adversário. São muitos ainda os termos e conceitos que precisamos entender. Contudo, os conteúdos que discutimos até aqui serão suficientes para que se consiga compreender com mais facilidade os assuntos que trataremos nos próximos tópicos. 1.1 Componentes do treinamento Como componentes do treinamento, entendem-se todos os fatores que podem determinar o sucesso em uma modalidade esportiva. Dependendo da modalidade que se considera, o êxito pode ser definido pelos componentes físico, técnico, tático, psicológico e intelectual. Vamos entender cada um deles. 1.2 Componente físico O componente físico compreende o que atualmente tem sido referido como capacidades motoras condicionais, e que anteriormente denominava-se capacidades físicas. Fazem parte dele: a força, a velocidade, a resistência e a flexibilidade. O chamado treinamento físico refere-se às sessões de treinamento em que o objetivo é desenvolver os níveis de manifestações dessas capacidades. Embora seja possível aprimorar as capacidades condicionais através da prática da própria modalidade, essa opção não pode estressar de maneira máxima os diferentes sistemas funcionais que dão suporte ao desempenho. Para isso, uma melhor opção é usar exercícios físicos que envolvem movimentos com diferentes graus de semelhança em relação aos movimentos próprios do esporte/modalidade do atleta, e que têm maior potencial para estressar o organismo, em comparação à prática integral da própria atividade competitiva. Dizer que um atleta está bem fisicamente significa que ele está apto a manifestar elevados níveis de força, velocidade, resistência e flexibilidade nas atividades próprias da modalidade que pratica. Por exemplo, de uma maneira simplista e bastante óbvia, podemos citar que o corredor de 100 m no atletismo precisa ser veloz, o maratonista precisa ser resistente, o levantador de peso olímpico precisa ser forte, e o ginasta flexível. Contudo, o velocista precisa ser veloz e resistente, e o maratonista ter um nível elevado de resistência para cumprir os 42 km de prova, mas deve fazer em menor tempo que seus adversários, ou seja, tem de ser rápido. O ginasta deve ser flexível, entretanto ter muita força para sustentar seu corpo nos aparelhos e sair do chão durante a execução de saltos. Portanto, como existem várias modalidades esportivas e elas diferenciam-se muito entre si em termos de exigências 14 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade I motoras, em algumas modalidades é mais evidente a exigência de uma determinada capacidade condicional, mas é comum que nas diferentes modalidades seja necessária a manifestação combinada de mais de uma capacidade. Imagino que seja evidente para você, aluno, que não basta trabalhar o desenvolvimento das capacidades condicionais para garantir sucesso em uma modalidade, já que há outros elementos que o determinam. Por exemplo, um jogador de basquete pode ter níveis bem desenvolvidos das capacidades condicionais, mas isso não lhe garante um bom índice de acerto de arremessos livres. Isso pode se explicar pelo fato de esse atleta não dominar a maneira correta de realizar o arremesso ou por ele se sentir inseguro pelo medo das consequências de errar. Vamos então tratar dos demais componentes, para podermos entender de maneira mais completa como o desempenho é afetado. Saiba mais As capacidades motoras podem ser diferenciadas em dois tipos: motoras condicionais e motoras coordenativas. Para saber mais a respeito, leia: BARBANTI, V. J. Treinamento esportivo: as capacidades motoras dos esportistas. São Paulo: Manole, 2010. 1.3 Componente técnico De maneira objetiva, podemos dizer que a técnica é uma habilidade motora. A técnica no esporte compreende a maneira de realizar o conjunto de ações motoras específicas de uma modalidade. Quando você ouve que um atleta é muito técnico ou que tem boa técnica, a ideia que se pretende transmitir é a de que ele tem um nível elevado de precisão nos gestos da categoria, que é capaz de exibir um repertório amplo de ações motoras especificas daquele esporte, que as realiza gerando baixo nível de esforço e de maneira automatizada. Um esportista dito ruim tecnicamente, ao contrário, comete muitos erros, tem um repertório de ações limitado e as executa sempre com um nível elevado de atenção, para tentar minimizar a chance de falhas. O processo de ensino, aperfeiçoamento e consolidação da técnica acontece dentro dos chamados treinos técnicos. O que, normalmente, o treinador faz nessas sessões é aplicar exercícios nos quais os atletas repetem excessivamente os gestos próprios da modalidade, de maneira parcelada ou integral, tentando simular as circunstâncias que encontrará durante a competição. Qualquer atleta pode melhorar sua técnica, mas nem todos atingem o nível máximo de desempenho. Por exemplo, ele pode treinar arremessos livres por muitas horas, durante muitos anos, mas não vai conseguir atingir o nível de acerto que teve o brasileiro Oscar Schimdt ou o americano Michael Jordan. Por outro lado, você já deve ter presenciado situações em que, com pouco treino, uma pessoa fica muito 15 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO boa em realizar determinada ação motora. Faça uma experiência. Pegue três laranjas na fruteira da sua casa e tente fazer malabares com elas. Peça para as pessoas da sua família também tentarem. Você vai ver que alguém vai conseguir executar alguns movimentos, sem deixar as laranjas caírem, depois de algumas poucas tentativas. Essas pessoas com mais facilidade, provavelmente, apresentam melhores níveis de capacidades coordenativas (ritmo, diferenciação sensorial, reação motora etc.), que são a base do desenvolvimento das habilidades motoras. 1.4 Componente tático A tática esportiva pode ser entendida como as condutas individuais ou coletivas adotadas pelo atleta e/ou por sua equipe para alcançar os objetivos competitivos (ZAKHAROV, 1992). Ela se concretiza de diferentes maneiras e tem maior influência nos resultados, conforme a modalidade. Por exemplo, nos esportes que exigem alto nível de expressão artística, como a ginástica, a patinaçãono gelo e o nado sincronizado, a tática consiste em escolher adequadamente os elementos que irão compor a apresentação, usando para isso informações relativas ao nível técnico dos seus adversários e das rotinas que apresentarão. Ademais, esses atletas podem, ao longo da disputa, escolher se incluirão ou não os itens de elevado grau de dificuldade, com base nas pontuações atingidas pelos adversários. Em modalidades como as provas de salto, de arremessos, e no levantamento de pesos, as táticas se referem à escolha do esforço inicial, à distribuição das cargas ao longo das tentativas e à conduta entre tentativas. Por exemplo, no levantamento de pesos, o atleta que registrou menor massa corporal na pesagem pré-competição pode optar por repetir o peso levantado pelo adversário numa tentativa, já que em caso de empate o vitorioso será aquele que pesa menos. Nas provas cíclicas, como corridas do atletismo, ciclismo, natação e remo etc., os atletas podem optar por se empenhar ao máximo para vencer uma etapa e avançar para a próxima, ou apenas realizar o esforço suficiente para estar entre os classificados e assim poupar energia para as fases seguintes mais desafiadoras. Por sua vez, nas modalidades esportivas coletivas, como o futebol, o basquete e o vôlei e nos esportes de combate, a tática pode ser compreendida como os planos que são utilizados para neutralizar as ações do adversário (jogadas defensivas), a fim de colocar em prática as ações de ataque (práticas ofensivas) por parte de um atleta ou de sua equipe. Apesar de ter importância em todas as modalidades, a influência da tática no sucesso esportivo é maior em alguns esportes. Isso fica evidente quando se compara o peso da tática numa prova de 100 m rasos com a influência dela em um jogo de futebol ou basquetebol. Quem vence a prova de 100 m é seguramente aquele que tem maior velocidade de deslocamento. Contudo, o vencedor de uma partida de futebol, em muitas ocasiões, é uma equipe de menor nível técnico e que pode não estar no melhor do seu condicionamento físico, mas que tenha sido eficiente em neutralizar as ações do adversário e que aproveitou uma única oportunidade ofensiva para marcar o gol que lhe deu a vitória. 16 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade I 1.5 Componente psicológico O componente psicológico implica atributos mentais relacionados à capacidade do indivíduo de suportar as pressões referentes ou não à prática da modalidade esportiva e à participação em competições. Refletem sua capacidade de controlar as emoções, como o medo e a ansiedade, na sua qualidade de manter a atenção e a concentração. O componente psicológico pode afetar o resultado esportivo de maneira positiva ou negativa. Um atleta bem preparado psicologicamente suporta melhor e se recupera mais rápido das frustações de uma derrota de sua equipe ou de um erro individual que eventualmente possa tê-la determinado. Imagine, por exemplo, a pressão que recai sobre um atleta que perde um pênalti durante a partida numa decisão de campeonato. Ele se apresentará para ser um dos cobradores se a partida terminar empatada e a decisão for para cobranças de pênaltis? A pressão psíquica que acomete um atleta pode não estar relacionada ao esporte, mas ter como origem as intercorrências da vida social do atleta. Por exemplo, um esportista iniciante estuda, namora e muitas vezes ajuda nas despesas de casa. Sua atividade no esporte não é bem remunerada, porque está em início de carreira. Num determinado momento, a namorada começa a falar em casamento, suas notas na escola/universidade não estão boas e o pai fica desempregado. Nessa situação, podemos esperar que esse atleta encontra-se num ponto que seu desempenho esportivo comece a ser afetado, não é mesmo? De maneira inversa, quando está tudo bem na esfera da vida particular, há a tendência de o indivíduo conseguir se focar melhor nos treinos e nas competições, mostrar-se mais confiante e otimista, de apresentar um comportamento mais colaborativo com os colegas e maior disposição para atuar em equipe. Isso, certamente, favorece a obtenção de resultados positivos. A preparação psicológica deve proporcionar ao atleta a formação de uma estrutura mental capaz de permitir que ele não seja muito afetado quando estiver diante de circunstâncias negativas. Essa preparação é um processo de muitos anos que precisa iniciar-se ainda nas etapas de formação esportiva e prosseguir ao longo da sua carreira no alto nível. Um aspecto importante que tem de ser destacado é que a participação do psicólogo esportivo é fundamental nesse método, mas a preparação psicológica não depende apenas disso. Por exemplo, um psicólogo do esporte pode ajudar muito o treinador e demais membros da comissão técnica a identificar os diferentes perfis psicológicos dos atletas de uma equipe, bem como a orientar sobre a melhor maneira de lidar com cada um deles. Pode ser fundamental para identificar os esportistas mais confiantes numa determinada circunstância competitiva e, com essa informação, auxiliar o técnico a escalar a equipe. Por outro lado, são as experiências em situações próprias das competições e do treinamento que permitem o desenvolvimento de várias qualidades psíquicas. Nesse sentido, juntamente com o trabalho do psicólogo do esporte, é necessário que os atletas sejam submetidos ao maior número possível de competições, em graus de exigências progressivamente crescentes, como parte da sua preparação psicológica (Platonov, 2007). 17 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Saiba mais Para se aprofundar sobre a importância da psicologia no desempenho esportivo, leia: SAMULSKI, D. Psicologia do esporte: conceitos e novas perspectivas. 2. ed. Barueri: Manole, 2008. 1.6 Componente intelectual O componente intelectual é normalmente confundido com o psicológico. Embora ambos sejam propriedades mentais, o intelectual está relacionado à capacidade de absorção e processamento de informações. Esse componente se expressa na capacidade do atleta de entender as regras da modalidade, compreender os regulamentos das competições e saber como explorá-las, na rapidez de assimilar as táticas adotadas pelo adversário e escolher a melhor maneira de neutralizá-las, assim como identificar o papel tático a ele designado pelo seu técnico. Possibilita ainda compreender a importância dos demais componentes do treinamento para o sucesso em seu esporte, fazendo com que ele seja um esportista dedicado nas sessões de treinos. O componente intelectual é dependente de pressupostos inatos, mas pode ser influenciado pela experiência. Sua preparação é responsabilidade do clube formador do atleta. Assim, os clubes devem adotar políticas que exijam que os indivíduos cumpram os estudos regulares e tenham bom desempenho acadêmico, como condição para seu ingresso e permanência na agremiação. Deve incentivar o acesso ao ensino superior e, paralelamente, promover e estimular a participação em cursos relacionados ou não à modalidade, como meio de propiciar o desenvolvimento da cultura geral do atleta e complementar sua preparação para o esporte e para a vida. O atleta bem preparado intelectualmente costuma ter ascendência sobre seus colegas de equipe. Em geral, isso lhe capacita a posicionar-se como um líder e a influenciá-los de modo positivo nas decisões ligadas direta e indiretamente ao esporte. Aqueles que se destacam intelectualmente mantêm maior proximidade com os membros da comissão técnica e dirigentes e atuam como elementos de ligação desses com os demais esportistas. Além disso, esse indivíduo costuma enfrentar menores dificuldades de inserção profissional após o término de sua carreira, exercendo funções dentro ou fora do esporte. Como vimos, os cinco componentes do treinamento podem influenciar na obtenção de uma simples vitória, no sucesso em uma competiçãoe até em toda a carreira de um atleta. Obviamente que, dependendo da modalidade esportiva, tal componente poderá ter um grau de importância maior. Por exemplo, qual componente é mais importante para vencer uma corrida de 100 m, uma prova de levantamento de peso e uma partida de futebol? A maioria das pessoas responderia que, para a prova de 100 m e para o levantamento de peso, é o componente físico, embora alguns lembrarão da importância da correta técnica para a corrida e a realização do 18 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade I levantamento. Contudo, o que diriam em relação ao futebol? Quem tem maior probabilidade de vencer uma partida é a equipe com melhor preparo físico, técnico, tático, psicológico ou intelectual? A maioria vai argumentar a favor da preparação técnica, física e tática, sem que chegue a um consenso depois de longo tempo de discussão. E todos eles estarão corretos, porque em certas modalidades os componentes do treinamento podem ter pesos muito parecidos na determinação dos resultados. Um outro agente relacionado ao treinamento é que uma condição pode influenciar um ou mais fatores tanto de maneira positiva como negativa. Por exemplo, um atleta bem condicionado fisicamente tem melhores condições de manifestar sua técnica e se sente mais seguro para tentar lances ousados. Por outro lado, se estiver mal preparado fisicamente aumentará o índice de erros, já que a fadiga perturba a qualidade dos movimentos. À medida que erra, haverá a tendência da sua confiança diminuir. Da mesma maneira, um atleta bem preparado fisicamente está apto a cumprir o papel tático a ele designado ao longo de toda partida. Assim como aquele que tem boa preparação intelectual terá melhores condições de compreender o plano tático. Por sua vez, o esportista que tem boa técnica de execução de movimentos realiza menor esforço e consegue manter bom nível de manifestação das capacidades motoras por períodos mais longos. Portanto, embora em algumas modalidades o sucesso seja mais dependente de um dos componentes do desempenho, não se deve negligenciar o treinamento dos demais. 2 TEORIAS GERAIS DO PROCESSO DE ADAPTAÇÃO Se você já se submeteu a alguma forma de treinamento, percebeu que nas semanas iniciais ocorrem melhoras muito expressivas no desempenho, mas elas tornam-se gradativamente menores em pouco tempo. À essa etapa inicial, segue-se um período de alguns meses que o desempenho tende a se estabilizar e nenhum progresso no desempenho é notado. Isso deve acontecer, principalmente, se o treinamento não sofrer aumento de exigência no momento adequado e se for realizado sempre da mesma maneira, tornando-se monótono. Diante dessa condição, há a tendência de o indivíduo perder a motivação para treinar, o que compromete ainda mais as chances de novas adaptações voltarem a acontecer. O processo de adaptação ou de falha em promovê-la tem sido explicado por dois modelos teóricos: a teoria da supercompensação e a teoria do Condicionamento-Fadiga. 2.1 Teoria da Supercompensação (Teoria de Um Fator) No início deste livro-texto, discutimos o significado de alguns termos e conceitos, entre eles de treinamento. Naquela oportunidade, esclarecemos que o treinamento era composto de várias sessões consecutivas de exercícios. Essa explicação é útil para diferenciarmos e entendermos a relação entre esses dois conceitos (exercício e treinamento), mas não responde como a realização de exercícios leva à melhora do desempenho. Também falamos que isso estava associado às modificações que acontecem no organismo provocadas pelos exercícios. Essas alterações são as chamadas adaptações. Entretanto, como o exercício leva à ocorrência dessas adaptações? A resposta para essa pergunta vai te ajudá-lo a entender melhor os fundamentos do processo de treinamento e, consequentemente, a programar de modo adequado os exercícios para obter os resultados planejados para seus futuros atletas. 19 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO A fim de compreendermos como as adaptações ao treinamento acontecem, precisamos conhecer a lei de adaptação biológica, também chamada de lei de bioadaptação (DE LA ROSA, 2001; WEINECK, 1999). A capacidade de adaptação dos organismos às mudanças que ocorrem no ambiente é o que possibilita que nos mantenhamos vivos, ou seja, temos a qualidade de nos ajustarmos às condições dos lugares onde vivemos. Algumas dessas adaptações demoram muitos anos para acontecer e vão se manifestar de uma geração para a próxima, com o propósito de que os novos indivíduos da espécie tenham maiores chances de sobreviver e de se reproduzir. No entanto, existem adaptações que acontecem muito rápido e se manifestam ainda ao longo da vida do indivíduo. A biologia refere-se a esse fenômeno como adaptação fisiológica. Essa forma de adaptação permite que o organismo se adeque, em curto prazo, às mudanças ocorridas no ambiente e que possa viver com maior conforto. Por exemplo, se moramos em uma cidade ao nível do mar e nos mudarmos para uma cidade de alta altitude, nos primeiros dias encontraremos muita dificuldade em respirar, principalmente quando estivermos realizando um esforço físico. Após algumas semanas, no entanto, deixaremos de sentir esse desconforto. Nesse intervalo, para compensar a baixa pressão do ar atmosférico que dificulta a captação de oxigênio, nosso organismo coloca em andamento alterações no sangue e nas células para facilitar a absorção e o transporte de oxigênio aos pulmões. Em condições regulares, o organismo se apresenta em estado adaptado, e assim se manterá enquanto forem sustentadas as exigências que o levaram a essa condição. No caso do nosso exemplo, a mudança para a cidade de alta altitude estimularia o organismo a aumentar o número de hemácias sanguíneas e mitocôndrias musculares. Esse crescimento se manteria enquanto continuássemos morando lá. Contudo, tenderia a diminuir, se voltássemos a morar ao nível do mar. Quando o organismo está adaptado, ele atinge um estado de equilíbrio entre os processos de síntese e de degradação. Esse status é denominado homeostase. Se algum estímulo (agente) interrompe a homeostase – quebra o equilíbrio entre síntese e degradação – o organismo tentará novamente restabelecê-la. Voltando ao nosso exemplo, para adaptar-se à alta altitude, o organismo precisaria aumentar a síntese de proteínas para criar novas hemácias e mitocôndrias, o que provocaria um desequilíbrio na homeostase. Algum tempo depois, no entanto, esse equilíbrio voltaria a ser atingido e o organismo passaria a estar adaptado às condições encontradas na nova cidade. No processo de treinamento, os exercícios são os estímulos usados para alterar intencionalmente a homeostase. Eles são utilizados para tirar o organismo desse estado constante de equilíbrio entre os processos de síntese e degradação, e assim induzir as adaptações desejadas. Para que isso aconteça, o exercício precisa representar um nível de exigência superior ao que o organismo esteja habituado. Quando isso acontece, o organismo reage e tenta recuperar a homeostase, porém ele age não apenas recolocando-a no nível inicial, mas elevando-a a níveis superiores, preparando-se para demandas futuras. No treinamento, esse aumento da homeostase acima do nível inicial é chamado de supercompensação (DE LA ROSA, 2001; WEINECK, 1999). 20 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade I A Teoria da Supercompensação tem sido usada para explicar como, através da prática de exercícios repetidos, conseguimos modificar a estrutura e a funcionalidade do nosso organismo, e assim melhorar os resultados no esporte e nas atividades da vida diária. Segundo essa teoria, cada sessão de exercício provoca no organismo uma reação que acontece em três fases. 1 2 3 a b c d e Tempo Sessão de exercício1 Fadiga 2 Recuperação 3 Supercompensação Dinâmica do desempenho Nível de desempenho antes da sessão Figura 2 – Reações no organismo provocadas por uma sessão de exercícios A primeira fase se caracteriza pelo aprofundamento da fadiga que acontece à medida que o exercício transcorre (1), e que se reflete na diminuição da capacidade de trabalho do atleta (queda no desempenho). Repare que ao final do exercício (instante ‘b’, na linha do tempo), o organismo se encontra em condição inferior à condição inicial (instante ‘a’). Essa etapa se encerra quando a sessão de exercício é concluída (instante ‘b’). Ela é seguida pela segunda parte, que começa imediatamente quando o exercício termina. Trata-se da fase de recuperação (2). No início dela, o atleta encontra-se com sua capacidade funcional diminuída, mas ao seu final sua capacidade de trabalho volta aos níveis pré-exercício (instante ‘b’ até instante ‘c’). A fase de recuperação tem duração proporcional à exigência do exercício, ou seja, quanto maior for o estresse provocado no organismo, mais profunda será a fadiga e a diminuição da sua capacidade funcional e, da mesma forma, maior será o tempo para concluir sua recuperação. Segundo a teoria, uma vez que a recuperação seja completada (instante ‘c’), os processos intracelulares continuam ativos para colocar o organismo em um estado superior ao nível inicial. Trata-se da terceira fase, que se caracteriza por um período em que a capacidade funcional do organismo encontra-se aumentada. Esse estado é a supercompensação (3) (instante ‘c’ até instante ‘e’). De acordo com a teoria, devemos programar a realização da próxima sessão de exercícios enquanto o organismo estiver supercompensado (instante ‘c’ a ‘e’) (ISSURIN, 2010). Isso seria necessário para aproveitar o efeito da supercompensação, provocado pela etapa anterior. Dessa forma, os efeitos somados de sessões sucessivas levariam ao aumento do desempenho observado em longo prazo. 21 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO 1 1 2 2 3 3 3 Tempo a b c d e f 1ª Sessão de exercício 2ª Sessão de exercício 3ª Sessão de exercício 1 Fadiga 2 Recuperação 3 Supercompensação Dinâmica do desempenho Nível de desempenho antes da sessão Figura 3 – Efeito de sessões sucessivas sobre o desempenho Uma vez que você compreendeu a ideia do fenômeno da supercompensação, está na hora de alertá-lo de que tal estado é transitório. Isso significa que ele tende a desaparecer, caso um estímulo de igual natureza ao que o provocou não seja aplicado no organismo durante o tempo de sua duração, ou seja, se a próxima sessão de treinamento for realizada após a supercompensação ter sido dissipada, os efeitos da sessão anterior são perdidos. Repare no exemplo ilustrado a seguir em que a 2ª sessão de exercício foi realizada após o desaparecimento completo da supercompensação, induzida pela sessão anterior (período ‘c’ a ‘e’). Portanto, se demorarmos para voltar a repetir um treino, a sessão seguinte funcionará como se fosse a primeira. Teoricamente, é como se não tivéssemos treinado. 1 12 2 3 3 a b c d e f Tempo 1ª Sessão de exercício 2ª Sessão de exercício 1 Fadiga 2 Recuperação 3 Supercompensação Dinâmica do desempenho Nível de desempenho antes da sessão Figura 4 – Efeito da realização de uma nova sessão depois da perda de supercompensação 22 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade I Ainda segundo essa teoria, também pode ser um problema treinar em intervalos muito próximos. Veja a seguir a imagem que ilustra três sessões de treinamento consecutivas, sempre realizadas antes que a recuperação da sessão anterior tivesse sido concluída. Perceba que ao final da terceira etapa o nível de fadiga acumulado é bastante profundo, o que causa uma queda no desempenho abaixo daquele que o indivíduo apresentava antes da primeira sessão. Sendo assim, num primeiro momento, o que podemos concluir é que deveríamos evitar treinar nessas condições. Especialmente se houver um jogo ou uma competição programada para o dia seguinte à terceira sessão, já que o nível de condicionamento está baixo em razão da fadiga profunda. Lembrete Os exercícios são os estímulos usados para alterar intencionalmente a homeostase durante o processo de treinamento. 1 1 1 2 2 2 Tempo 1ª Sessão de exercício 2ª Sessão de exercício 3ª Sessão de exercício 1 Fadiga 2 Recuperação 3 Supercompensação Dinâmica do desempenho Nível de desempenho antes da sessão Figura 5 – Efeito da realização de sessões de treinamento com intervalos muito curtos Aposto que você deve estar pensando: “quanto tempo devo respeitar entre as sessões e quanto tempo dura a supercompensação”. Todos os treinadores do mundo gostariam muito de saber essa resposta, mas infelizmente não a temos. Como você pode imaginar, esse tempo depende de muitos fatores, por exemplo, do tipo de exercício realizado, da sua duração, da sua intensidade, se o indivíduo que realizou o exercício já é treinado há bastante tempo ou se é um iniciante. É preciso entender que o treinamento está intimamente relacionado às repostas biológicas, e elas são sempre diferentes entre indivíduos, mesmo que eles sejam da mesma espécie. Além disso, elas são dependentes de outros fatores, como alimentação, descanso e experiências prévias. E como fazem os treinadores, então? Por não terem essas respostas, aqueles que optam por programar seus treinos baseados na Teoria da Supercompensação adotam a estratégia de usar todo o tempo que 23 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO têm disponível para treinar, cientes de que isso pode provocar um acúmulo de fadiga, especialmente ao longo das primeiras sessões semanais, para num segundo momento diminuírem a exigência do treino ou deixarem de treinar completamente e assim permitirem que os atletas possam se recuperar e atingir o que é denominado efeito somatório de cargas. Na figura a seguir, o treinador realizou cinco sessões de treinamento na semana. Nas três primeiras delas, o atleta acumulou fadiga, porque o intervalo entre as sessões foi breve, considerando a elevada exigência (o tamanho e a largura das barras indicam intensidade e duração das sessões, respectivamente). A quarta e a quinta sessões foram realizadas respeitando o mesmo tempo de intervalo, porém foram menos exigentes. Repare que, apesar de terem treinado, o processo de recuperação não se aprofunda além daquele existente após a terceira sessão. Na verdade, o que se pode observar é que ao longo dessas duas últimas sessões o organismo continua se recuperando. Após a quinta sessão há um período sem treinos. Nesse instante, alcança-se uma supercompensação ampliada. O ideal é que a programação seja feita de maneira que esse momento coincida com os dias dos jogos e competições, o que possibilitaria ao atleta competir em estado supercompensado. Essa, portanto, é uma alternativa bastante interessante para explorar a supercompensação. 1 1 1 2 2 2 3 Tempo 1ª Sessão 2ª Sessão 3ª Sessão 4ª Sessão 5ª Sessão 1 Fadiga 2 Recuperação 3 Supercompensação Dinâmica do desempenho Nível de desempenho antes da sessão Figura 6 – Acúmulo estratégico de fadiga para induzir a supercompensação ampliada Essa opção parece mais realista que a proposta de se treinar apenas quando a supercompensação estiver se concretizando após cada sessão isolada. Vamos supor que a supercompensação demorasse 12 horas para se manifestar e que se dissipasse em 8 horas. Se fosse assim, o atleta deveria treinar novamente entre 12 (quando a supercompensação estaria começando) e 20 horas após a última sessão (quando ela estaria terminando). Como exemplo, se a sessão 24 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 UnidadeI ocorresse às 9 horas da manhã, a próxima deveria ser realizada no período entre 9 horas da noite do mesmo dia e 5 horas da manhã do dia seguinte. Isso seria impossível para a maioria dos atletas ou pessoas comuns. Da mesma maneira, seria um problema se a supercompensação se manifestasse mais rápido, porque ninguém pode ficar disponível para treinar a qualquer momento. Na prática, os clubes determinam os horários que suas estruturas e os profissionais estão disponíveis para o treinamento. Consequentemente, as pessoas comuns se programam para treinar em um determinado período do dia, já que todos têm outras tarefas para cumprir ao longo do dia, por exemplo, trabalhar, estudar, conviver com a família. Ou seja, no mundo real, os treinos ocorrem na hora que podemos treinar, não quando o organismo está supercompensado. Então, como conseguimos melhorar nosso desempenho, se normalmente treinamos respeitando intervalos de 24, 48, 72 horas entre sessões? Uma hipótese é de que a supercompensação já esteja acontecendo com 24 horas transcorridas após a última sessão, e que demore de dois a três dias para se dissipar. Outra possibilidade é que ela não seja a explicação correta para o que acontece no organismo em resposta a uma sessão de treinamento isolado. Quanto a isso, tem sido alertado que devemos interpretar a Teoria da Supercompensação com cautela. Ela refere-se a um fenômeno que explica de maneira geral como o organismo se adapta às exigências do treinamento. Portanto, não significa que todas as melhoras obtidas com a prática regular de exercícios possam ser esclarecidas por esse mecanismo. O postulado da teoria tenta elucidar que o efeito da supercompensação é decorrente do acúmulo de substâncias no organismo em consequência da sua depleção durante a realização dos exercícios. Em concordância com isso, estudos científicos sobre os efeitos do treinamento mostraram que os níveis de glicogênio muscular e hepático diminuem durante o esforço físico continuado, e que suas reservas são ampliadas após algumas sessões de treinamento, o que daria suporte para a teoria. No entanto, esse aumento acontece por um período de tempo limitado. Apesar disso, o desempenho continua a melhorar ao longo de muitos anos, ou seja, a ciência aponta uma fragilidade nessa teoria, e por isso ela tem perdido sua popularidade ao longo dos anos. Há uma segunda teoria que convence melhor os cientistas do esporte e treinadores, e que tem guiado os planejamentos do treinamento nos últimos anos. Falaremos dela a seguir. Observação Uma teoria é um conhecimento especulativo, metódico e organizado de caráter hipotético e sintético. 2.2 Teoria do Condicionamento‑Fadiga (Teoria de Dois Fatores) Essa teoria propõe a ideia de que o estímulo de treinamento provoca no organismo dois efeitos imediatos: um positivo, chamado de condicionamento; outro negativo, chamado de fadiga. O resultado da interação entre ambos determina o nível de desempenho do indivíduo. 25 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Fadiga e condicionamento se manifestam simultaneamente, mas desaparecem algum tempo após terminada a sessão de exercícios. Apesar de o condicionamento ser menor que a fadiga em magnitude, ele a supera em duração (ZATSIORSKY, 1999). Como consequência, nas primeiras horas após o término da sessão, haverá um predomínio da fadiga sobre o condicionamento em razão da sua maior magnitude. Durante esse período, o indivíduo apresentará uma piora no seu desempenho. Com o passar do tempo, a fadiga será dissipada completamente, enquanto o condicionamento ainda se manifestará, o que vai se refletir na melhora do nível de desempenho. Esse instante é ilustrado no item 4 da figura a seguir. 1 Condicionamento 2 Fadiga 3 Desempenho 4 Momento que o condicionamento predomina sobre a fadiga 2 3 1 4 Tempo Exercício Figura 7 – Teoria do Condicionamento-Fadiga Diferentemente da teoria da supercompensação, que é baseada na relação causa-efeito entre esses dois fatores, o modelo Condicionamento-Fadiga propõe que eles tenham efeitos opostos. Isso é importante na prescrição e aplicação dos programas de treinamento: a preparação precisa ser otimizada com estratégias que maximizam o efeito de condicionamento enquanto minimizam a fadiga. Uma vez que a fadiga é uma consequência do estresse do treinamento, e as adaptações são manifestadas nos períodos subsequentes sem carga, os treinadores devem dar igual atenção às estratégias de recuperação da fadiga a que dedicam à elaboração dos exercícios de treinamento (PLISK; STONE, 2003). 3 EFEITOS DO TREINAMENTO Anteriormente, falamos sobre as teorias que tentam explicar como as sessões de treinamento atuam em nosso organismo para produzir as melhoras observadas em longo prazo no desempenho. Como você deve ter notado, elas refletem ideias sobre o papel de cada sessão de treinamento no processo de treinamento integral, além de ilustrar o que acontece no organismo durante e após a realização dos exercícios, sem considerar as particularidades das atividades. No entanto, numa situação real, as repostas apresentadas pelo organismo não são sempre iguais. Elas se diferenciam em decorrência do tipo de exercício realizado (orientação da carga), da sua intensidade, do seu volume, da combinação entre diferentes exercícios e em razão das sessões serem distribuídas igualmente ao longo de um período (cargas distribuídas), ou agrupadas em uma determinada etapa do treinamento (cargas concentradas). Assim, podemos distinguir os chamados efeito agudo, efeito imediato, efeito acumulativo, efeito retardado e o efeito residual 26 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade I do treinamento. Esses diferentes efeitos da carga no organismo podem ser classificados em dois grupos. O primeiro inclui os denominados efeitos em curto prazo, em que se enquadram os efeitos agudo e imediato. O segundo, os efeitos em longo prazo que são compostos de efeitos acumulativo, retardado e residual. A seguir diferenciaremos cada um deles. 3.1 Efeito agudo Os efeitos agudos são as modificações que ocorrem no organismo ou estado corporal durante a realização do exercício. Por exemplo, o aumento da temperatura corporal, a diminuição das reservas energéticas, a subida da frequência cardíaca, o crescimento da concentração de lactato muscular e sanguíneo etc. Essas respostas podem ser monitoradas pelos treinadores para determinar o nível de exigência imposta pelo exercício sobre o organismo. 3.2 Efeito imediato Efeitos imediatos são alterações verificadas no organismo ou estado corporal do indivíduo após o término de um exercício ou conjunto de exercícios realizados em uma sessão de treinamento. Eles incluem o estado das reservas energéticas, a química sanguínea, a prontidão para novo esforço, a incapacidade temporária do músculo produzir força etc. Essas mudanças servem para monitorar o efeito imposto sobre o organismo pelo somatório das cargas de todos os exercícios executados na sessão. 3.3 Efeito acumulativo O efeito acumulativo é observado em decorrência da realização de múltiplas sessões de exercícios por várias semanas consecutivas. É a concretização das alterações fisiológicas pretendidas no treinamento, que são manifestadas após algumas semanas repetindo as sessões com uma frequência regular e com intervalos suficientes para permitir a recuperação do organismo. Esse efeito é obtido quando as cargas de treinamento são distribuídas de maneira equilibrada ao longo da temporada. Tempo (semanas) Desempenho Melhora no desempenho após algumas semanas Dinâmica do desempenho Sessões individuais de treino Nível inicial de desempenho antes da sessão Figura 8 – Efeito acumulativo de treinamento 27 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO 3.4 Efeitoretardado O efeito retardado de treinamento é uma melhora observada nas capacidades funcionais algum tempo depois de um período de treinamento com cargas concentradas. Ele recebe essa nomenclatura, porque se manifesta com um certo atraso em relação à carga de treinamento que o provocou. Para que ele aconteça, as cargas devem ser concentradas. Isso quer dizer que as sessões de treinamento têm de ser realizadas em intervalos próximos, com intervalos insuficientes para recuperação da fadiga causada pelas sessões anteriores, justamente com o intuito de produzir uma piora inicial no desempenho das capacidades funcionais. Estrategicamente, após algumas semanas, o tempo entre as sessões de treinamento precisa ser aumentado e o conteúdo do treinamento necessita mudar, para permitir a recuperação do organismo (instante 2, na figura a seguir). Essas mudanças levam à recuperação da fadiga acumulada e à elevação das capacidades funcionais acima do nível prévio de realização das cargas concentradas (instante 3, na figura a seguir). É importante você entender que, nessa estratégia de treinamento com cargas concentradas, é intenção do treinador provocar a piora no desempenho nas primeiras semanas de realização do programa. Isso pode parecer contrassenso num primeiro momento, pois, quando treinamos, o propósito é melhorar a performance. Todavia, para que isso aconteça, é necessário que o organismo passe por esse período inicial de piora. Assim, se a intenção do técnico for obter melhoras através dessa estratégia, é fundamental que ele realize periodicamente avaliações de controle do desempenho para saber se os efeitos esperados (piora na fase das cargas concentradas, melhora quando os treinos são espaçados) estão se concretizando. Ele precisa ser feito por testes práticos que podem ser realizados em poucos minutos, como avaliações na execução do salto vertical ou questionários de percepção subjetiva de esforço. Tempo (semanas) Desempenho (Efeito retardado) 1 2 3 CC Melhora no desempenho após redução de carga Sessões individuais de treino Dinâmica do desempenho CC = Cargas concentradas Nível inicial de desempenho antes da sessão Figura 9 – Efeito retardado do treinamento 28 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade I Saiba mais Para mais informações sobre o uso de escalas de percepção subjetiva do esforço para avaliar o nível de estresse no organismo, leia: MOREIRA, A. et al. Percepção de esforço da sessão e a tolerância ao estresse em jovens atletas de voleibol e basquetebol. Rev. Bras. Cineantropom Desempenho Hum, São Paulo, v. 12, n. 5, p. 345-351, 2010. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2018. 3.5 Efeito residual O efeito residual de treinamento se caracteriza pela retenção dos benefícios produzidos por um programa de treinamento algum tempo após a sua interrupção. Ou seja, se você treinar por pelo menos algumas semanas, obterá melhoras no seu desempenho, mas, se parar de treinar esse progresso, será perdido completamente após um certo período. Não se pode determinar quanto tempo se leva para a perda total dos benefícios de um programa, mas estima-se que haja uma proporcionalidade entre o tempo dedicado ao treinamento e aquele que as vantagens serão mantidas. Isso não quer dizer que se você treinar regularmente por 1 ano irá manter os seus efeitos por um ano após interrompê-lo. Entretanto, certamente, esses benefícios serão mantidos por um período ligeiramente maior que aqueles obtidos por um ínterim de treinamento de 4 meses. De maneira geral, temos ciência de que ao interrompemos o treinamento iremos ter prejuízos no desempenho, ou seja, entraremos em destreinamento. No entanto, como acabamos de ver, a performance é mantida por um período, mesmo quando não treinamos. Assim, se monitorarmos o desempenho, saberemos quanto tempo levamos para essa queda no condicionamento atingir uma magnitude que possa prejudicar nossa funcionalidade ou, no caso dos atletas, afetar a prática da atividade principal, e poderemos obter vantagem disso. Por exemplo, reduzindo o treino de uma capacidade para priorizar o treinamento de outra, ou permitindo que o atleta se afaste do treinamento por um período, sem que haja a preocupação de que isso afetará negativamente sua execução. Uma outra curiosidade sobre a interrupção do treinamento é ligeira melhora obtida no desempenho, observada na primeira ou segunda semana posterior a ela. Isso também tem sido verificado quando o treinamento sofre uma redução acentuada na carga, em vez de ser totalmente interrompido. A análise dessa estratégia leva alguns treinadores a programar uma redução drástica na carga de treinamento nas semanas que precedem o início do chamado período de competições, denominado período pré-competitivo (trataremos a respeito quando falarmos sobre periodização). 29 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 METODOLOGIA DO TREINAMENTO FÍSICO Sessões individuais de treino Dinâmica do desempenho Nível inicial de desempenho Tempo (semanas) Desempenho 1 2 3 Período de treinamento regular Período após interrupção total do treinamento Figura 10 – Efeito retardado do treinamento 4 PRINCÍPIOS BIOLÓGICOS DO TREINAMENTO Se você procurar o significado da palavra “princípio” nos dicionários da língua portuguesa, vai verificar que há diversos. No caso de seu uso na literatura do treinamento, diz respeito a um conjunto de normas ou regras que devemos seguir para que um programa de treinamento seja bem-sucedido. Isso acontece quando os objetivos almejados são atingidos na magnitude e no tempo esperados. A literatura do treinamento trata de múltiplos princípios. Algumas vezes, o mesmo princípio recebe diferentes nomenclaturas, o que pode ter como causa a imprecisão na tradução dos primeiros livros sobre o assunto que foram trazidos para nosso País. Assim, nessa seção vamos tratar dos princípios básicos do treinamento. Aqueles que devem ser observados no treinamento de qualquer indivíduo, seja ele um atleta de alto nível, iniciante, atleta recreativo, ou indivíduos comuns que treinam por motivos de saúde ou estética. Novamente, não se preocupe em decorar os enunciados dos princípios, mas em entender o que cada um deles propõe e como devemos aplicá-los na prática. 4.1 Princípio da sobrecarga progressiva De acordo com esse princípio, é necessário aumentar progressivamente a sobrecarga para que o organismo continue apresentando respostas adaptativas. Como sobrecarga, deve-se entender a exigência que os exercícios de treinamento impõem sobre a estrutura. A intenção é evitar a tendência do corpo de se acomodar. Por definição, a acomodação é um decréscimo da resposta de um ser vivo a um estímulo 30 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 3 0/ 04 /1 8 Unidade I constante. No contexto do treinamento, o exercício é um estímulo imposto sobre o organismo (ZATSIORSKY, 1999), ou seja, se no treinamento usarmos sempre os mesmos exercícios, com igual volume e intensidade, as melhoras no desempenho vão ser progressivamente menores e tenderão a desaparecer com o tempo. Observação A intensidade e o volume do treinamento são as duas principais variáveis que podemos manipular em um programa para torná-lo mais exigente ao organismo. 4.2 Princípio da individualidade biológica Esse princípio estabelece que, se dois indivíduos forem submetidos a um regime de treinamento idêntico, eles apresentarão respostas adaptativas em diferentes ritmos e magnitudes. Isso quer dizer que um terá melhoras mais rápido no desempenho que do outro indivíduo. Esse fenômeno está relacionado com as diferenças genéticas existentes entre as pessoas, suas experiências prévias, bem como seu perfil psicológico, porque pessoas com maior capacidade de tolerar o estresse suportam cargas maiores de treinamento. Tendo