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Telegram: @clubederevistas https://t.me/clubederevistas Nunca antes Para apresentar esta edição de Grandes Líderes da História, em vez de dis- cursar sobre Lula, resolvi selecionar algumas frases contidas no genial livro de Marcelo Tas, Nunca Antes na História deste País (Panda Books). Acompanhe: “O mínimo deveria ser de 1.100 reais se levasse em conta o valor real de 1939. Os que recebem o mínimo deveriam receber pedidos de desculpas.” (outubro de 1998) “Você pode fazer seu discurso político na hora que quiser. Você pode ter suas de- finições ideológicas... Mas, na hora de governar, é pão, pão; queijo, queijo. Você nem sempre faz o que você quer.”(30/10/2003) “A democracia é um ambiente mais saudável para o crescimento. Pouco me inte- ressaria um aumento expressivo do PIB se isso implicasse, o mínimo que fosse, na redução das liberdades democráticas.” (22/01/2007) “Quando a gente fala de improviso, a gente pode cometer um erro e falar uma pa- lavra imprevista. Mas, em se tratando de bobagem, é melhor a gente falar do que a gente fazer.” (19/07/2005) “A política é como uma boa cachaça: você toma a primeira dose e não tem como parar mais. Só quando termina a garrafa.” (2008) “Meu sucessor vai ter um problema sério: terá de fazer mais que um metalúrgico. Não poderá passar à História como alguém que fez menos que um torneiro mecâ- nico.” (08/09/2008) Grande abraço, Notas A trajetória de Lula em pequenas passagens ....................................... 4 De Garanhuns para São Paulo Infância e juventude ....................... 8 O novo sindicalismo O envolvimento de Lula com o movimento sindical ........................ 13 Fundação do PT Nasce o Partido dos Trabalhadores 18 Início da carreira política Primeiros passos na vida pública ... 23 Sonho da presidência Longo caminho até o Palácio do Planalto ........................ 28 Primeiro mandato De 2003 a 2006 ............................. 34 Mensalão e outras crises Escândalos e polêmicas ocorridos durante o governo de Lula ............. 38 Segundo mandato De 2007 até hoje ............................ 42 Lula por ele mesmo Frases do líder político ................... 46 Filme Lula, o Filho do Brasil ................... 48 Sumário Presidente: Paulo Roberto Houch Vice-Presidente Editorial: Andrea Calmon redacao@editoraonline.com.br REDAÇÃO Jornalista Responsável: Andrea Calmon – MTB 47714 COLABORARAM NESTA EDIÇÂO: Thaise Rodrigues (edição e revisão) e Claudio Blanc (textos) PROGRAMAÇÃO VISUAL Coordenador: Rubens Martim diagramacao@editoraonline.com.br Programação Visual: Fernando Lima Cunha PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA Coordenadora: Elaine Simoni elainesimoni@editoraonline.com.br PUBLICIDADE Diretora Comercial: Arines Garbin Diretora de Publicidade: Patrícia Massini Executivos de Negócios: Daniel Giongo, José Mário Brito, Lea Naftal e Rodrigo Cortona agencia@editoraonline.com.br MARKETING Diretor de Marketing/ Assinaturas: Lúcio Flávio Baúte Supervisora de Marketing: Jane Pinheiro jane@editoraonline.com.br CANAIS ALTERNATIVOS Luiz Carlos Sarra DEP. 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Telegram: @clubederevistas mailto:assinatura@editoraonline.com.br A G Ê N C IA G LO B O / A N TÔ N IO C A R LO S P IC C IN O Lula em 06/08/1981 NOTAS 4 Telegram: @clubederevistas sim, careca. Foi ele quem deu a Lula primeiro exemplar de um livro sobre política, O que é Constituição? Marketing Depois da derrota para Fernando Collor em 1989 e ao longo de duas outras campanhas fracassadas pa- ra a Presidência da República, Lula começou a viajar. Nas Caravanas da Cidadania de 1993 e 1994, andou pelo Brasil. Pelo mundo, apareceu como interlocutor de personalidades internacionais como Fidel Castro, François Mitterrand e Nelson Mandela. Chef Lula gosta de cozinhar. Embora viva de dieta – com pouco sucesso, vale ressaltar –, sua rabada com polenta no fogão de lenha é famosa. O presidente não dispensa uma cachacinha nos momentos de folga e é fã de Chico Buarque e Caetano Veloso. Declínio A derrota de Lula para Collor nas eleições de 1989 marcou o declínio do ciclo de grandes mobilizações sociais, iniciado em 1978, e desencadeou a onda li- beral conservadora. Mais votado Com 652 mil votos, Luiz Inácio Lula da Silva chegou à Assembleia Nacional Constituinte como o deputado Molusco Quando o metalúrgico Luiz Inácio da Silva despon- tou como líder das históricas paralisações da década de 1970, o antigo apelido – Lula – tornou-se tão popular que acabou eclipsando o nome. Em 1982, quando con- correu ao governo de São Paulo, Lula incorporou ofi- cialmente o apelido aos documentos. Maior votação Luiz Inácio Lula da Silva chegou à Presidência da República com a maior votação recebida por um brasi- leiro. Retirante nordestino, operário metalúrgico, fun- dador da nova esquerda, sem diploma universitário, orador fluente que às vezes tropeça no idioma, ele tem a cara do Brasil. Picolé Luiz Inácio Lula da Silva tinha 10 anos quando to- mou um picolé pela primeira vez. Certa vez, quando o pai, Aristides Inácio da Silva, distribuía sorvetes en- tre os filhos do segundo casamento, Lula quase experi- mentou a delícia gelada. Mas, na vez de Lula, nascido do primeiro relacionamento, Aristides recusou e disse como desculpa: “você nem sabe chupar’’ . Frei leigo Lula foi iniciado na política pelo irmão comunista José Ferreira da Silva, o Frei Chico, que não é frade e, A TRAJETÓRIA DE LUIZ INÁCIO “LULA” DA SILVA G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 5 Telegram: @clubederevistas federal mais votado da História do Brasil. Assumiu em 1o de fevereiro de 1987, aos 41 anos. Mas, contrariando ex- pectativas, o deputado Lula teve um desempenho fraco. Apelido Quando deputado, Luiz Inácio apelidou o Congresso de ‘’vendilhão de ilusões’’. Recordista Nas eleições presidenciais de 2002, Lula alcançou a maior votação que um brasileiro já obteve e a segunda maior no mundo, depois do norte-americano Ronald Reagan, em 1984. Viajante O presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou 206.883 km a bordo do avião da presidência em 2005, distância equivalente a 5,16 voltas ao redor do planeta pela linha do Equador.Paulo Maluf. Depois de 20 anos com os militares no poder, o Brasil teria, fi- nalmente, um presidente civil. O PT acabou não indo ao Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo presi- dente da República, em 1985. Três de de ocasião, assumiu a presidência. Apesar estar longe de ser o candidato dos sonhos dos brasileiros, ao deixar o governo em 15 de março de 1990, Sarney tinha se tornado o presidente da redemocratização, aquele que deu ao País uma nova Constituição. A Constituinte A primeira vitória de Lula e do PT aconteceu nas eleições para a Constituinte. Em 1986, o líder sindi- cal foi eleito o deputado mais votado do país com 652 mil votos. Dos 572 municípios de São Paulo, Lula recebeu votos em 568, sobretudo nas regiões industriais. Dessa forma, Luiz Inácio Lula da Silva chegou à Assembleia Nacional Constituinte no primeiro dia de fevereiro de 1987, aos 41 anos. Além de incorporar terno e gravata ao novo visual, Lula estreava a chance de tornar realidade os anseios da classe trabalhadora. Mas, apesar das expecta- tivas em torno do deputado, ele teve um desempenho fraco. A culpa, segundo Lula, era da estrutura do Congresso, o qual apelidou de “vendilhão de ilusões”. “Milhares de pessoas votaram em mim e estou aqui brigando pela Constituinte mais avançada possível. Este é o aspec- to positivo. O negativo é que a estru- tura de funcionamento do Congresso é arcaica, é feita para não funcionar com a rapidez necessária”, declarou numa entrevista ao Jornal do Brasil, em 21 de fevereiro de 1987. Além da lentidão, Lula reclamava da superficialidade com que os pro- blemas eram tratados, da burocracia e da falta de comprometimento da maioria dos deputados e senadores. “Nunca imaginei que o nível fosse tão Primeiras expulsões do PT Na luta pelas Diretas Já, Lula, embora tenha sido o articulador da campanha e figura importante nos comícios que tomaram as ruas de várias capitais brasileiras, acabou sendo ofuscado por Ulysses Guimarães e pelo PMDB Depois da derrota da emenda Dante de Oliveira, em abril de 1984, o PT tentou retomar a campanha das Diretas, mas o movimento Tancredo Já tomava as ruas com maior vigor. A direção do partido orientou seus correligionários a não comparecer ao colégio eleitoral, classificando-o como um “arranjo” das elites e chamando a transição de “transação”. Contudo, três, dos oito deputados federais petistas, contrariaram a orientação partidária (Beth Mendes [SP], Airton Soares [SP] e José Eudes [MG]) e votaram em Tancredo. Por conta disso, foram expulsos do partido, inaugurando o primeiro expurgo da história do PT. a mudança, muitos políticos governis- tas mudaram de lado. “Queriam estar ao lado do candidato cujo logotipo de campanha era o mesmo dos comícios das Diretas”, conforme notou o histo- riador Jorge Caldeira. Tancredo de Almeida Neves era, nas palavras de Eduardo Bueno, “o típico político mineiro: calado sem- pre que possível, reticente quando necessário, corajoso em momento- chave, capaz de guinadas oportu- nas e eventualmente oportunistas”. Apoiado pela população, a campa- nha de Tancredo Neves deslanchou. Apesar de a escolha ser feita pelo Colégio Eleitoral, Tancredo fez sua campanha como se as eleições fos- sem diretas. Organizou comícios chamando o público, o que, por sua vez, atraiu políticos governistas que oito deputados federais do PT foram expulsos do partido porque decidi- ram votar na eleição indireta. Mas o sonho da sociedade civil seria frustrado. Em 13 de março, a apenas dois dias da posse, Tancredo passou por uma bateria de exames, e os médicos constataram a existên- cia de um processo infeccioso agudo no abdômen. Tancredo tentou adiar a internação para depois da primeira reunião ministerial do novo governo, marcada para o dia 17, às 17h. Mas a reunião não aconteceu. Na noite do dia 14, o quadro clínico indicava pos- sibilidade de parada cardíaca, para- da respiratória e morte, e Tancredo precisou ser internado imediatamen- te. O presidente eleito faleceu em 21 de abril daquele ano, e o vice-presi- dente José Sarney, um oposicionista 26 INÍCIO DA CARREIRA POLÍTICA Telegram: @clubederevistas baixo. Nunca imaginei que a incapa- cidade fosse tanta. Incapacidade de diálogo, de articulação. Incapacidade política. Nunca imaginei que fosse ta- manha a capacidade para negociatas e negócios sujos como os que a gen- te vê. Chega a dar nojo”, atacou Lula em dezembro daquele ano. Antes de assumir a cadeira, Luiz Inácio defendia reformas. Sua “Constituição avançada” previa au- tonomia sindical, direito irrestrito de greve, redução da jornada de traba- lho e reforma agrária. Propunha a formação de frentes parlamentares com deputados de outros partidos e se comprometia a ir às portas das fá- bricas e às estações de trem para con- tar aos trabalhadores o que se passa- va no Congresso. Ao mesmo tempo em que Lula se desiludia com o Congresso, as críti- cas à sua atuação se multiplicavam. “Apagado” era um dos termos usa- dos para definir seu trabalho. Luiz Inácio chegou a pensar em abando- nar a Constituinte. “Fui eleito para fazer valer alguns interesses dos que nunca tiveram nada neste país e esta Constituição que se quer fazer pare- ce não querer isso. Garanto que não vou assiná-la nem legitimá-la”, afir- mou Lula no fim de 1987. A frustração com a Constituinte foi tanta que, seis anos depois, Lula afirmou que a sociedade não deveria confiar nos políticos, porque have- ria “pelo menos 300 picaretas no Congresso”. O fato causou bastante polêmica na época. A frustrante experiência como de- putado – tanto para Lula como para seus eleitores – o fez desistir de se can- didatar novamente para esse cargo. Enterrou as pretensões legislativas e não mais se candidatou a deputado. No entanto, a vivência daquele perío- do foi crucial para o amadurecimen- to político e representou um degrau a mais na escalada à Presidência. Sete meses antes do término dos trabalhos na Assembleia Nacional Constituinte, Lula se lançou candidato às eleições presidenciais de 1989. H Lula comenta a Constituinte de 1988 Em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo em outubro de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou as “soluções mágicas” propostas pelo PT em 1988. “O PT chegou ao Congresso com uma proposta de Constituição pronta e acabada [com] que, se fosse aprovada, certamente seria muito mais difícil governar do que hoje”. Embora reconheça os avanços da Constituição de 1988, Lula e o PT votaram contra o texto final da Constituição. Hoje, o presidente explica a posição da seguinte forma: “o PT votou contra o texto final da Constituição porque não concordava com a regulamentação posterior de uma série de direitos sociais que estavam sendo garantidos. Tínhamos convicção de que o que ficasse para ser regulamentado depois teria muita dificuldade para ser implementado. Como de fato ocorreu. Mas, ao contrário do que alguns dizem por aí, nós assinamos a Constituição. Eu era o líder da bancada e lembrei que trabalhamos três anos, participamos dos debates, ganhamos algumas batalhas, perdemos outras. Tínhamos de deixar o nosso nome na história e assinar”. Lula candidato a governador de São Paulo nas eleições de 1982 (15/11/1982) A G Ê N C IA O G LO B O / O L ÍV IO L A M A S G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 27 Telegram: @clubederevistas Por Claudio Blanc A s eleições presidenciais de 1989 foram um mar- co na história recente do Brasil. Primeiro, por- que pela primeira vez em mais de um quarto de século, desde 1960 (portanto, antes do Golpe de 1964), os brasileiros voltariam a escolher seu presidente. Em se- gundo lugar, porque pela primeira vez na história do País um candidato que não pertencia às oligarquias, genuíno representante do proletariado, concorria ao cargo mais al- to da nação. Lula representava a face de um novo Brasil. O povo, por quem os tenentesse sublevaram em 1922; o povo, por quem alguns revolucionários marcharam na Coluna Prestes incitando a insurreição, tinha finalmente um representante legítimo. E não era alguém da elite que se pronunciava em favor dos excluídos, mas sim alguém vindo do chão da fábrica, alguém que viajara de pau-de- arara, alguém que poderia defender os interesses da classe trabalhadora. Esse homem era Luiz Inácio Lula da Silva. A eleição para presidente de 1989 também foi emblemá- tica por trazer novas configurações sociais e políticas. Isso fica claro ao se comparar o pleito à última eleição livre para presidente acontecida antes da instalação da ditadura mili- tar. O Brasil de 1989 e o de 1960 eram muito diferentes. Em 1960, apenas 30% da população vivia nas cidades; existiam poucas estradas nacionais; a precariedade dos transportes e das telecomunicações dificultava a interação entre cidades e regiões; os jornais, o rádio (com algumas exceções, como a Rádio Nacional do Rio de Janeiro) e a televisão funcio- navam como veículos eminentemente locais; as transmis- sões televisivas se restringiam a oito capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Fortaleza e Curitiba), com 18 emissoras e “cerca de 100 mil O SONHO DA PRES IDÊNCIA AS HISTÓRICAS E POLÊMICAS ELEIÇÕES DE 1989 Lula votando em São Paulo no segundo turno das eleições presidenciais de 1989 A G Ê N C IA O G LO B O 28 RUMO AO PALÁCIO DO PLANALTO Telegram: @clubederevistas (93%). O setor secundário da economia havia crescido 263% e o terciário, 167%, tornando o Brasil um país urbano, industrial e de ser- viços. Existiam 235 emisso- ras de televisão, 25 milhões de receptores, cinco redes nacionais e 94% da popu- lação estava potencialmente atingida pela televisão. O Brasil que se preparava para escolher seu novo pre- sidente era, portanto, um outro país. A disputa O fim da ditadura militar, em 1985, trouxe à cena diversos novos partidos políticos. No entanto, por serem relativamente novos, estavam pouco mobilizados. Mesmo assim, 22 candidaturas à presidência foram lançadas (veja box). Essa quantidade mantém o recorde mundial de eleição presidencial com mais candidatos. Em sua primeira disputa pela pre- sidência do Brasil, a principal carac- terística do candidato Lula era sua identificação com a luta dos opri- midos da América Latina. O can- didato do PT apresentou programa de governo que previa a realização de uma “revolução social”, buscan- do beneficiar as classes oprimidas do reforma agrária estava também na pauta. Além disso, o programa incor- porava igualmente propos- tas dos ecologistas ligados ao PT. Com relação à política externa, em 1989, o can- didato Lula se identificava com a luta dos excluídos la- tino-americanos. Ele prometia adotar uma "política externa independente e soberana, sem alinhamentos auto- máticos, pautada pelos princípios de autodeterminação dos povos, não-in- gerência nos assuntos internos de ou- tros países e pelo estabelecimento de relações com governos e nações em busca da cooperação à base de plena O SONHO DA PRES IDÊNCIA aparelhos no Rio e em São Paulo”. Os circuitos culturais erudito – altamen- te restrito – e popular eram, em ter- mos sociais, muito distanciados, com débeis pontos de interlocução. Vinte anos depois, em 1980, a po- pulação já se tornara majoritariamen- te urbana (67%) e a parcela economi- camente ativa tinha quase duplicado País. Para tanto, o candidato propu- nha a criação de uma “mercado in- terno de massas”, que permitiria a migração de grande parte das cama- das mais pobres da população, is- to é, das classes D e E, para a clas- se C. Tratava-se de projeto nacional de desenvolvimento que pusesse fim “à tragédia nacional brasileira”. A “O Brizola acha que trabalhador é importante quando bate palmas debaixo do seu palanque, mas não aceita um trabalhador como candidato” (Lula respondendo a críticas do candidato Leonel Brizola, na campanha de 1989) Lula em Campanha - Frases “Brizola, para ser presidente, é capaz de pisar no pescoço da própria mãe”. Sobre o candidato Leonel Brizola, em 1989 “Ele deveria abandonar sua candidatura e virar vendedor de discos da década de 30” Lula sobre o candidato Leonel Brizola, na campanha de 1989 “Um dia vamos fazer a reforma agrária neste país; um dia a classe trabalhadora vai controlar os meios de produção deste país e deixar de investir em armas”. Em entrevista ao Jornal da Tarde “Que a minha participação neste debate tenha servido para mostrar que o famoso caçador de marajás não passa de um caçador de maracujás.” Falando de Collor, no último debate do segundo turno das eleições presidenciais de 1989 A G Ê N C IA O G LO B O / S E R G IO M A R Q U E S G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 29 Lula durante campanha presidencial de 1989 Telegram: @clubederevistas igualdade de direitos e benefícios mú- tuos". A Frente Brasil Popular, a alian- ça partidária formada para apoiar a candidatura de Lula, propunha, se Luiz Inácio fosse eleito, adotar uma "política anti-imperialista, prestan- do solidariedade irrestrita às lutas em defesa da autodeterminação e da so- berania nacional, e a todos os movi- mentos em favor da luta dos trabalha- dores pela democracia, pelo progresso social e pelo socialismo". Para tanto, Lula chegou a propor a "decretação de uma moratória unilateral para ‘solu- cionar’ a questão da dívida externa". A oposição a Lula era gritante, prin- cipalmente por parte da classe empre- sarial. Mario Amato, então presiden- te da Fiesp, chegou a declarar que “se Lula vencer as eleições, 800 mil empre- sários irão deixar o País”. Luiz Inácio foi para a disputa, conforme o slogan da campanha, “sem medo de ser feliz”. O candidato da coligação encabeçada pelo PT sur- preendeu políticos há muito estabele- cidos que disputavam a eleição, co- mo Mário Covas e Leonel Brizola, e chegou ao segundo turno contra Fernando Collor, da coligação li- derada pelo hoje extinto Partido da Reconstrução Nacional (PRN). A avaliação do governo Sarney pe- lo eleitorado foi importante para de- finir os resultados do primeiro turno das eleições. Isso porque houve grande Os eleitores de Lula em 1989 A distribuição espacial dos votos para Lula revela que seus melhores desem- penhos eleitorais no primeiro turno de 1989 concentraram-se num bom número de capitais estaduais e em Brasília. Além dessas áreas, o candi- dato teve boas votações no Nordeste, numa faixa mais próxima do litoral, que engloba o norte do Maranhão, o cen- tro do Piauí, o Rio Grande do Norte, a Paraíba, Pernambuco e o centro-norte da Bahia. No Sudeste, Lula alcançou bons resultados no norte do Espírito Santo, leste de Minas Gerais, sul do Rio de Janeiro e leste de São Paulo. Na verdade, o bom resultado do candidato nessas áreas foi devido ao eleitorado das capitais estaduais e à existência de zo- nas industriais, a exemplo do Vale do Aço (MG), de Volta Redonda (RJ), e do ABCD, na região metropolitana de São Paulo. No segundo turno das eleições de 1989, houve forte alteração na geografia eleitoral do candidato, sobretudo em relação ao Rio de Janeiro, sudoeste do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Essa mudança ocorreu fundamentalmente decido à transferência de votos de Brizola, terceiro colocado no primeiro turno da eleição, que conseguiu grande número de votos nessas áreas, e decidiu apoiar Lula no segundo turno. No mesmo sentido, o apoio de Covas, quarto colocado no primeiro turno, alterou o padrão de votação de Lula em São Paulo, sobretudo no continuum urbano que vai de Santos a Ribeirão Preto. Quanto ao Ceará, o aumento das votações para Lula em Fortaleza resultou tanto do apoio de Brizola quanto do de Covas, que no primeiro turno receberam boas votações nessa capital. Fonte: Relatório As eleições presidenciais no Brasil pós-ditadura militar: continuidadee mudança na geografia eleitoral, de Cesar Romero Jacob,Dora Rodrigues Hees,Philippe Waniez e Violette Brustlein Comício de Lula na Cinelândia durante a campanha eleitoral para presidente em 1989 AGÊNCIA O GLOBO/ OTÁVIO MAGALHÃES 30 RUMO AO PALÁCIO DO PLANALTO Telegram: @clubederevistas Informações: † – candidatura impugnada. ª: eleitorado total = 82.074.718 / (abstenção = 7.793.809). Fonte: Dicionário do Voto – Walter Costa Porto, Universidade de Brasília Informações: abstenção = 11.814.017. Fonte: Dicionário do Voto – Walter Costa Porto, Universidade de Brasília Candidato Votos % Fernando Collor de Mello (PRN, PSC, PTR, PST) 22.611.011 28,52 Luiz Inácio Lula da Silva (PT, PSB, PC do B) 11.622.673 16,08 Leonel Brizola (PDT) 11.168.228 15,45 Mário Covas (PSDB) 7.790.392 10,78 Paulo Salim Maluf (PDS) 5.986.575 8,28 Guilherme Afif Domingos (PL, PDC) 3.272.462 4,53 Ulysses Guimarães (PMDB) 3.204.932 4,43 Roberto Freire (PCB) 769.123 1,06 Aureliano Chaves (PFL) 600.838 0,83 Ronaldo Caiado (PSD, PDN) 488.846 0,68 Affonso Camargo Neto (PTB) 379.286 0,52 Enéas Ferreira Carneiro (PRONA) 360.561 0,50 José Alcides Marronzinho de Oliveira (PSP) 238.425 0,33 Paulo Gontijo (PP) 198.719 0,27 Zamir José Teixeira (PCN) 187.155 0,26 Lívia Maria de Abreu (PN) 179.922 0,25 Eudes Oliveira Mattar (PLP) 162.350 0,22 Fernando Gabeira (PV) 125.842 0,17 Celso Brant (PMN) 109.909 0,15 Antônio dos Santos Pedreira (PPB) 86.114 0,12 Manoel de Oliveira Horta (PDC do B) 83.286 0,12 Armando Corrêa da Silva (PMB) 4.363 0,01 Silvio Santos (PMB) 0† 0,0† Votos brancos 1.176.413 1,6 Votos nulos 3.473.484 4,4 TOTAL 74.280.909ª 100 Candidato Votos % Fernando Collor de Mello (PRN, PSC, PTR, PST) 35.089.998 49,94 Luiz Inácio Lula da Silva (PT, PSB, PC do B) 31.076.364 44,23 Votos brancos 986.446 1,40 Votos nulos 3.107.893 4,42 TOTAL 70.260.701ª 100 Candidatos e resultados do primeiro turno Resultados do segundo turno no horário eleitoral do candidato. Os jornais comparavam Luiz Inácio a Abrahan Lincoln, buscando justificar a origem popular de Lula igualando-a à do presidente norte-americano. Mas a imagem de líder sindical ainda assus- tava os patrões. Lula prometia suspen- der o pagamento da dívida externa do País. Empresários prometiam deixar o Brasil se ele ganhasse. E havia também forte resistência da classe média con- servadora. “As pessoas me dizem que a classe média tem medo de mim. O que é ser classe média? Ir a um restauran- te uma vez por semana? Tomar uma cervejinha de vez em quando com os amigos? Ir à praia? Ora, isso é pra to- do mundo”, dizia o candidato do PT. Nos últimos dias de campanha, Lula cresceu e encostou em Collor, que li- derava todas as pesquisas. O famoso debate Durante o segundo turno, a Rede Globo de Televisão realizou um de- bate entre os candidatos. No entan- to, na edição do Jornal Nacional do dia seguinte, o debate foi editado de maneira a mostrar que Collor ti- nha tido melhor desempenho do que Lula. Isso foi entendido por muitos analistas como um ato de favoritis- mo político a Collor, que mantinha um relacionamento próximo com Roberto Marinho, dono da Globo. Chegou-se a afirmar que a vitória de Collor foi devida a esse debate. Mas o candidato do PRN fez uma joga- da inesperada para desmoralizar Lula. Ele passou a questionar a mo- ral do seu opositor. Revelou a exis- tência de uma filha que Luiz Inácio teve fora do casamento e convidou a ex-namorada de Lula, a enfermeira “A burguesia dá sopinha na escola e depois pergunta: por que pobre não vota em nós?” rejeição ao governo, o que pautou as ações dos candidatos e partidos que disputavam o pleito, fazendo que to- dos se apresentassem como oposição. A avaliação de atributos pessoais, co- mo experiência, competência, hones- tidade e sinceridade, dos candidatos também ocupou papel importante. Quanto ao posicionamento na escala direita–esquerda, esse foi um fator a in- fluenciar o voto da maioria dos eleito- res com nível superior de escolaridade, o que não aconteceu com o eleitorado de baixa escolaridade. No segundo turno, o entusias- mo correu o País. Artistas participa- ram ativamente da campanha de Lula, cantando o famoso jingle “Lula Lá”, G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 31 Telegram: @clubederevistas Mirian Cordeiro, a declarar que o candidato a havia forçado fazer um aborto e que lhe tinha admitido que odiava negros – mesmo tendo traços obviamente mestiços. Assim, a chance de vitória de Lula escapou no último debate. “O depu- tado do PT no dia 29 de dezembro de 1985 concedeu uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo que diz as- sim: Lula defende até a luta arma- da. Eu sou contra a luta armada, eu sou contra a violência”, disse Collor no debate, mostrando o jornal com a entrevista de Lula. Luiz Inácio per- deu, mas saiu da eleição com quase metade do total de votos e consagra- do como líder da oposição. Brizola e Covas Mea culpa No início da campanha presidencial de 1989, Leonel Brizola, candidato pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), buscou unidade com o PT. No entanto, em lugar de unir forças, os dois principais partidos de oposição seguiram caminhos separados. De fa- to, Brizola foi derrotado por Lula por uma diferença de 0,5% – cerca de 400 mil votos, de um eleitorado, à épo- ca, de 86 milhões. No segundo turno, Brizola apoiou Lula, transferindo seu potencial eleitoral ao candidato do PT, o que lhe garantiu vitória larga no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. O então senador Mario Covas, candida- to do PSDB, partido criado em 1988 a partir de um racha do PMDB, herdeiro do MDB dos tempos da ditadura, ficou em quarto lugar, atrás de Brizola. No segundo turno, o PSDB “afirmou des- de o primeiro momento o seu repúdio à candidatura Collor de Mello por se situ- ar no campo oposto ao que é próprio da social democracia”, conforme o site do partido, e recomendou aos seus elei- tores que votassem em Lula, “embo- ra ressaltando as diferenças substan- ciais entre o programa do PSDB e os da Frente Brasil”. A intervenção da mídia manifestou- se intensamente na eleição presidencial de 1989. A imprensa levantou temas que se tornaram centrais no pleito, como a desqualificação dos políticos, do Estado e dos servidores públicos, e os “marajás”(corruptos que “mamam” na máquina governamental). E, na trilha dos “marajás”, veio seu caçador, Collor, amplamente apoiado pela mídia – ele, que era dono de jornais e de rede de televisão. A parcialidade da imprensa ficou evidente em diversos acontecimentos na época. Um deles foi a flagrante manipulação do debate entre os candidatos por parte da Rede Globo. Por conta da sua influência no resultado das eleições presidenciais de 1989, a Rede Globo expõe sua história através de uma página denominada Memória Globo (acesse em http://memoriaglobo.globo.com/ Memoriaglobo/0,27723,5270 -p-21750,00.html). Aqui, a emissora busca justificar sua atuação. Ela defende a sua isenção, mas assume que houve falha na cobertura, como a edição do segundo debate no Jornal Nacional, favorável a Fernando Collor de Mello. A razão, segundo a emissora, estaria na adoção do critério de equiparar a disputa a uma partida de futebol, mostrando os melhores momentos de cada adversário. Se Collor teve um desempenho superior ao de Lula, conforme entendimento da emissora, então ele deveria ser enfatizado. A Globo, hoje, mudou a forma de expor os debates eleitorais. E, para evitar esse tipo de favoritismo, a legislação também mudou. Confira a seguir o texto que a emissora mantém no Memória Globo sobre o assunto: “Em 1989, os brasileiros foram às urnas para escolher o novo presidente da República. Era a primeira eleição presidencial pelo voto direto, depois de 29 anos. O pleito foi bastante disputado. Havia 23 candidatos, entre os quais estavam os líderes dos principais partidos políticos. Antes do primeiro turno das eleições,a TV Globo realizou, no programa Palanque Eletrônico, entrevistas com os dez principais candidatos à presidência. O programa tinha uma hora de duração e era gerado, ao vivo, do estúdio de São Paulo. O primeiro entrevistado foi Ulysses Guimarães (28/08/1989), seguido por Afif Domingos (29/08/1989), Roberto Freire (30/08/1989), Ronaldo Caiado (31/08/1989), Paulo Maluf (01/09/1989), Aureliano Chaves (04/09/1989), Luiz Inácio Lula da Silva (05/09/1989), Leonel Brizola (06/09/1989), Fernando Collor (07/09/1989) e Mário Covas (08/09/1989). No primeiro turno, Fernando Collor (PRN) saiu vitorioso, com 20,6 milhões de votos (o equivalente a 28% do total). Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu 11,6 milhões de votos (16,08% do total), conquistando a outra vaga do segundo turno numa disputa apertada com Leonel Brizola (PDT), que obteve 11,1 milhões de votos, apenas 454.445 a menos (cerca de 0,5% do total de votos). Entre o primeiro e o segundo turno da eleição, houve dois debates entre os candidatos Collor e Lula. O primeiro foi realizado nos estúdios da TV Manchete, no Rio de Janeiro, em 3 de dezembro. O segundo, no dia 14, foi nos estúdios da TV Bandeirantes, em São Paulo. Os dois debates foram transmitidos na íntegra das 21h30 às 24h, por um pool formado pelas quatro principais emissoras de televisão do país: Globo, Bandeirantes, Manchete e SBT. No dia seguinte à sua exibição ao vivo e na íntegra, a Rede Globo apresentou duas matérias com edições do último debate: uma no Jornal Hoje e outra 32 RUMO AO PALÁCIO DO PLANALTO Telegram: @clubederevistas De forma geral, a derrota de Lula para Collor em 1989 marcou o declí- nio do ciclo de grandes mobilizações sociais, iniciado em 1978, e desenca- deou a onda liberal conservadora. O liberalismo vê a liberdade individu- al como seu maior objetivo. As diver- sas formas de liberalismo diferem, po- rém, no entender dessa liberdade. Para o liberalismo clássico, a liberdade é a ausência de coerção e repressão nas relações entre os indivíduos de uma sociedade. Já o liberalismo social en- tende como liberdade a garantia de empregos, educação e saúde por par- te do governo. O liberalismo conser- vador, de tendência direitista, coloca ênfase na liberdade econômica. H no Jornal Nacional. As duas foram questionadas. A primeira por apresentar um equilíbrio que não houve, e a segunda por privilegiar o desempenho de Collor. Mas foi a segunda que provocou grande polêmica. A Globo foi acusada de ter favorecido o candidato do PRN tanto na seleção dos momentos como no tempo dado a cada candidato, já que Fernando Collor teve um minuto e meio a mais do que o adversário. O PT chegou a mover uma ação contra a emissora no Tribunal Superior Eleitoral. O partido queria que novos trechos do debate fossem apresentados no Jornal Nacional antes das eleições, como direito de resposta, mas o recurso foi negado. Em frente à sede da Rede Globo, no Rio de Janeiro, atores da própria emissora, junto com outros artistas e intelectuais, protestaram contra a edição. No entanto, a própria liderança do PT, apesar de não admitir a derrota, reconheceu que Lula não se saíra bem no confronto com Collor. Como noticiou o Jornal do Brasil, antes mesmo da edição do Jornal Nacional ser criticada, “um sentimento de frustração marcara as avaliações que o comando da campanha petista fazia sobre a participação de Lula no debate com o candidato do PRN” (JB , 16/12/1989). Seis anos depois, em entrevista à revista Imprensa, José Genoino afirmou que o desempenho de Lula tinha sido, realmente, ruim (Imprensa , 06/1995) . Os responsáveis pela edição do Jornal Nacional afirmaram, tempos depois, que usaram o mesmo critério de edição de uma partida de futebol, na qual são selecionados os melhores momentos de cada time. Segundo eles, o objetivo era que ficasse claro que Collor tinha sido o vencedor do debate, pois Lula realmente havia se saído mal. Além disso, segundo o Ibope, a audiência total do debate – somadas todas as emissoras que compunham o pool – foi de 66 pontos, maior do que a do Jornal Nacional do dia seguinte, que apresentou 61 pontos. Isso significa que o número de pessoas que assistiu ao debate na íntegra foi maior do que o daqueles que viram a sua edição no JN. Mas o episódio provocou um inequívoco dano à imagem da TV Globo. Por isso, hoje, a emissora adota como norma não editar debates políticos; eles devem ser vistos na íntegra e ao vivo. Concluiu-se que um debate não pode ser tratado como uma partida de futebol, pois, no confronto de idéias, não há elementos objetivos comparáveis àqueles que, num jogo, permitem apontar um vencedor. Ao condensá-los, necessariamente bons e maus momentos dos candidatos ficarão de fora, segundo a escolha de um editor ou um grupo de editores, e sempre haverá a possibilidade de um dos candidatos questionar a escolha dos trechos e se sentir prejudicado”. G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 33 A G Ê N C IA O G LO B O / M A R C E LO C A R N A VA L Comício de Lula na Calendária, Rio de Janeiro, em 13/12/1989 Telegram: @clubederevistas Por Claudio Blanc D epois da derrota para Collor em 1989, Lula embarcou numa caravana pelo País, a Caravana da Cidadania. A ideia era pavimentar sua nova candidatura à Presidência da República. Mas, en- quanto Luiz Inácio viajava pelo País, o Brasil passava por crises – e con- sequentes mudanças – inesperadas. Collor sofreu impeachment, o vice Itamar Franco assumiu e nomeou o sociólogo Fernando Henrique Cardoso seu ministro da Fazenda. FHC lançou o Plano Real, venceu o dragão da inflação, que, como nas lendas medievais, assolava a popula- ção desde o final da década de 1970, e se tornou candidato à Presidência. Lula, favorito no início da cam- panha presidencial de 1994, viu impotente a ascensão de Fernando Henrique, fortalecido pelo sucesso da nova moeda. O PT, então, passou a desprezar o plano. Acusou o Real de ser eleitoreiro e afirmou que não iria além das eleições. Paradoxalmente, o ministro da Fazenda de Lula, Antonio Palocci, pouco fez além de seguir a cartilha do Real – em time que está ganhando, não se mexe. Mas Fernando Henrique venceu em 1994 e deu início à Era FHC. Entre uma campanha e outra, Lula organizou o PT e tentou novamen- te em 1998, mas a derrota já era es- perada. O sucesso de FHC garantiu sua reeleição. Em resposta, Lula e o PT atenu- aram suas imagens. Para a campa- nha seguinte, a de 2002, os assesso- res de comunicação de Lula puseram um fim aos resquícios de rebelde – à Che Guevara – que ainda resis- tiam, e transformaram o candidato no “Lulinha paz e amor”. O PT, por sua vez, bradou ser um partido éti- co, o único com verdadeiras preocu- pações sociais. Para amenizar ainda mais, Lula escolheu um empresário como candidato a vice. Imagem é tudo. Os eleitores es- colhem aqueles candidatos com os quais se identificam. Por isso, o “vi- sual” do candidato Lula mudou sig- nificativamente. A pesquisadora Noelle Oliveira propõe que isso fi- ca claro no estudo das fotografias de Lula nas campanhas de 1989 e 2002. “O estudo das imagens de Lula de 1989 propõe a personificação de um personagem franzino, preocupado e com uma ligação popular presente”, ENFIM, PRESIDENTE DEPOIS DE DUAS DERROTAS PARA FHC, LULA CHEGA AO PLANALTO explica. No entanto, essa “caracteri- zação não condiz de maneira eficien- te com a de alguém que almeja ocu- par um cargo com a importância da Presidência da República de um país”. A análise de 29 fotografias da campa- nha de 1989 demonstrou que em ape- nas cerca de 41% o candidato aparece de terno. No restante das fotos, está apenas de camisa ou moletom. “Outro ponto de destaque é que Lula é retra- tado, na maioria das vezes, com a ca- misa aberta e para fora da calça, o que transmite a ideia de descompostura e de uma imagem pouco preparada”, observa Noelle. A expressãofacial de Luiz Inácio, nessa época, também ten- dia a repelir os eleitores. “Em quase 76% das fotos, a expressão de Lula é fechada e traduz preocupação”, infor- ma a pesquisadora. Isso transmitiria ao eleitorado “um ar de radicalismo e ativismo irado”. Em 2002, a transformação é radi- cal: da maneira de vestir ao sorriso no rosto, Lula se reinventa. A cor verme- lha – eterna evocação à esquerda – é pouco mostrada nas imagens. O can- didato também aparece ao lado de vá- rios políticos proeminentes, tanto bra- sileiros como estrangeiros, entre eles seus ex-adversários FHC e José Serra. 34 PRIMEIRO MANDATO Telegram: @clubederevistas Luiz Inácio liderou a campanha desde o início, recebeu adesões de empresários e prometeu fazer o País crescer, gerar dez milhões de novos empregos e efetivar a autonomia operacional para o presidente do Banco Central e regras claras para o mercado. Embora Lula não tenha vencido no primeiro turno, o PT conquistou a maior vitória da história do partido, elegendo a mais numerosa bancada de deputados federais (91) e dobran- do o número de senadores (10). Além disso, o partido ainda elegeu dois go- vernadores no primeiro turno. No segundo turno, como era de se esperar, a vitória foi de Lula. A rea- ção no País e no mundo foi explosiva. O historiador inglês Eric Hobsbawm definiu a vitória do ex-sindicalista co- mo "um dos poucos eventos do co- meço do século 21 que nos dá es- perança para o resto deste século". Em Londres, o sociólogo Anthony Giddens manifestou o otimismo que o presidente transformasse não ape- nas o Brasil, mas "o mundo". O pre- sidente do povo trazia esperança e prenunciava uma nova era de enten- dimento, na qual as massas teriam fi- nalmente sua vez. Enfim, presidente Lula, desde que assumiu o gover- no do País em 2003, tem tido sor- te – e talvez tenha trazido sorte ao Brasil. O presidente tem governado um país com céu de brigadeiro – sem qualquer nuvem ou turbulência mais séria – a não ser, claro, os escândalos relacionados à corrupção e a recente crise financeira internacional. A miséria no País caiu 27,7% no primeiro mandato do governo Lula (2006 em relação a 2002), segun- do pesquisa da Fundação Getúlio Vargas. Ao observar os números, o economista Marcelo Neri afir- mou que "Fernando Henrique (com Em 2002, a transformação é radical: da maneira de vestir ao sorriso no rosto, Lula se reinventa. A cor vermelha– eterna evocação à esquerda – é pouco mostrada nas imagens. O candidato também aparece ao lado de vários políticos proeminentes, tanto brasileiros como estrangeiros, entre eles seus ex-adversários FHC e José Serra Luiz Inácio liderou a campanha desde o início, recebeu adesões de empresários e prometeu fazer o País crescer DIVULGAÇÃO/ ABR/ RICARDO STUCKERT/ PR G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 35 Telegram: @clubederevistas o Plano Real, que reduziu em cerca de 24% a pobreza no Brasil, durante seu primeiro mandato) e Lula vão fi- car na história na redução da pobre- za e desigualdade no País". O primeiro mandato de Lula te- ve bons índices: baixa inflação, taxa de crescimento do PIB entre 2003 e 2006 em média de 2,6 %, redução do desemprego – que registrou sua maior queda em 13 anos, em 2007 – e constantes recordes da balança comercial. A indústria automobilís- tica bateu seu recorde de produção em 2005, e o salário mínimo teve seu maior crescimento real, o que resultou na recuperação do poder de compra do brasileiro. Durante a primeira gestão Lula, a liquidação do pagamento das dívi- das com o FMI foram antecipadas, o que garantiu ao Brasil maior atenção do mercado financeiro para investir no País. Muitos, porém, afirmam que as benesses do primeiro mandato se deveram não à competência do pre- sidente ou de seus assessores, mas à bonança financeira internacional e à grande demanda por produtos primá- rios brasileiros por países da Ásia. Apesar das críticas, seja pelos ven- tos favoráveis que sopraram no mun- do ao longo de seu governo ou pe- la verdadeira atenção aos problemas sociais, é inegável o desenvolvimento social durante o primeiro manda- to de Lula. Certamente, esta foi sua grande contribuição histórica. Com base no PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), a Fundação Getúlio Vargas divulgou estudo mostrando que a taxa de mi- séria de 2004 teria caído em 8% com relação à de 2003. Ainda segundo a PNAD, oito milhões de pessoas te- riam saído da pobreza (classes D e E) ao longo do governo Lula. Fome Zero Entre suas primeiras medidas, Lula anunciou um projeto social pa- ra suprir a necessidade de alimenta- ção das populações menos favore- cidas. O Programa Fome Zero foi a principal plataforma eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, quando o candidato prometia a ex- tinção da fome no Brasil. O programa começou como uma tentativa de mobilizar a sociedade ci- vil em favor dos pobres em estado de miséria – uma realidade infelizmen- te ainda muito presente no Brasil – e garantiu elogios do mundo todo a Lula, mas sofreu críticas internas. Em 2003, o representante do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe, David de Ferranti, criticou o programa, sustentando que, com o Fome Zero, o governo "não comba- tia a pobreza e a desigualdade social". Já a oposição considera o programa um fracasso, pois o governo não seria capaz de controlá-lo. O Fome Zero sofreu alterações ao longo dos quatro anos. Hoje, não existe mais, tendo se transforma- do no Bolsa Família. Esse progra- ma buscava transferir renda do go- verno para famílias pobres, aquelas cuja renda mensal por pessoa está entre R$60,01 e R$ 120, e em extre- ma miséria (até R$ 60). Na verdade, o Bolsa Família foi uma reformula- ção e ampliação do programa Bolsa- Escola, do governo FHC. Promessas quebradas Como acontece com qualquer po- lítico, algumas promessas do primei- ro mandato de Lula ficaram no papel. A reforma agrária “pacífica, organi- zada e planejada” foi um fracasso. Condenada pelos próprios aliados, enfrentou o vexame trazido pela pro- posta do líder do Movimento dos Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile, O primeiro mandato de Lula teve bons índices: baixa inflação, taxa de crescimento do PIB entre 2003 e 2006 em média de 2,6 %, redução do desemprego – que registrou sua maior queda em 13 anos, em 2007 – e constantes recordes da balança comercial Lula, acompanhado do vice José de Alencar, concede entrevista à imprensa no Palácio da Alvorada D IV U LG A Ç Ã O / A B R / JO S É C R U Z 36 PRIMEIRO MANDATO Telegram: @clubederevistas A primeira-dama Marisa Letícia da Silva, esposa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegou ao Palácio do Planalto com o desejo de imprimir um novo perfil ao posto de primeira-dama do Brasil. Em 2002, pela primeira vez nas campanhas de Lula, Marisa esteve ao lado do marido o tempo todo e em todas as ocasiões. Para tanto, na campanha de 2002, ela, que é descendente de italianos, passou por um remake. Sob a batuta do publicitário Duda Mendonça, renovou seu guarda- roupa, abarrotando-o com terninhos modernos, e fez um corte de cabelo que valoriza seu rosto. De acordo com o professor da disciplina Imprensa e as Eleições Presidenciais no Brasil, César Romero Jacob, do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, Lula teria, durante a campanha, ao lado de Marisa passado a imagem de uma família bem-constituída. “Provavelmente por esse motivo, por estratégia política, Dona Marisa saiu das sombras para se apresentar na vida pública ao lado do presidente Lula, nas campanhas de 2002”, afirma Romero. que exigiu o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário. A criação de 10 milhões de em- pregos também não se concretizou. A frase de efeito usada por Lula na campanha de 2002, “criar empre- gos será a minha obsessão”, não deu em nada. Dos 10 milhões de empre- gos prometidos, Lula não conseguiu cumprir nem a metade. O programaPrimeiro Emprego também não saiu do papel, só atendendo a 0,5% dos jovens que pretendia ajudar. Mesmo assim, de acordo com o Dieese, o desemprego caiu paula ti- namente a partir do segundo ano do primeiro governo Lula. Em São Paulo, a taxa de desemprego ficou em 19%, em 2002, e aumentou ain- da mais no ano seguinte, chegan- do a 19,9%, mas caiu para 18,7%, em 2004, e baixou para 16,9%, em 2005. O IBGE também apontou o aumento do trabalho infantil, em 2005, contrariando uma tendência de 13 anos em ritmo de redução. De 2004 para 2005, cerca de 202 mil crianças entre 5 a 14 anos passaram a trabalhar no Brasil, o que repre- sentou um aumento de 10,3%. Durante o primeiro mandato, Lula se comprometeu a fazer “as reformas que a sociedade brasilei- ra reclama” – as da Previdência, tri- butária, política e da legislação tra- balhista. As duas primeiras foram até iniciadas, mas acabaram parali- sadas pouco depois. Em 2003, o presidente prometeu segurança pública mais eficiente. A sociedade brasileira espera por isso até agora, assistindo impávida a ca- da vez mais atrocidades. A violên- cia urbana já se tornou um cancro nacional. Lula garantiu que seria “capaz de prevenir a violência, repri- mir a criminalidade e restabelecer a segurança dos cidadãos e cidadãs”, para que as pessoas pudessem “vol- tar a andar em paz pelas ruas e pra- ças”. Quem se lembra dos ataques do crime organizado em maio de 2006, em São Paulo, e também no Rio de Janeiro, sabe que esta promessa tam- bém não foi cumprida. O primeiro mandato assistiu igual mente à luta do presidente – o mesmo Lula que afirmara que “ser honesto é mais do que apenas não roubar e não deixar roubar” – pa- ra se manter distante dos escândalos surgidos com a revelação do esque- ma de corrupção do PT, comprando favores políticos com mesadas e sexo e superfaturando ambulâncias para as prefeituras do País. H Como o marido, Marisa vem do chão da fábrica. A primeira-dama começou a trabalhar aos 9 anos como babá. Aos 13, foi embalar bombons na fábrica Dulcora, em São Bernardo, onde permaneceu até os 21 anos. Apesar de, até 2002, ter mantido distância do circo da mídia e do burburinho político, Marisa sempre apoiou o marido em sua marcha – e dela participou ativamente. Foi ela quem confeccionou a primeira bandeira do PT – a tradicional estrela branca sobre fundo vermelho – em fevereiro de 1980. Quando Lula foi preso, em 1980, Marisa ajudou a organizar passeatas de mães e filhos de metalúrgicos. O sindicato havia sofrido intervenção, mas os membros das famílias operárias não hesitaram em desafiar o governo militar. Marisa Letícia chegou até mesmo a confeccionar camisetas para arrecadar dinheiro para o PT. Sua casa transformou-se na sede do partido. Ao se tornar primeira-dama do Brasil, em 2003, atuou na organização não governamental Ação Fome Zero, assumindo a postura tradicional das primeiras-damas, que usam de sua influência para apoiar projetos sociais. No entanto, acabou escorregando de volta às sombras. Seu desempenho como primeira-dama tem sido fraco. Mesmo sendo difícil substituir Ruth Cardoso, cujo trabalho à frente da organização da sociedade civil Comunidade Solidária, criada no primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso, hoje transformada na ONG Comunitas, resultou em mais de cinco milhões de pessoas alfabetizadas e outras centenas de milhares que se qualificaram profissionalmente, a atuação de Marisa está muito aquém do esperado, especialmente por causa de sua origem, das dificuldades que enfrentou. Em sua posição, ela poderia fazer mais por aqueles que enfrentam hoje os mesmos problemas que ela enfrentou. A mídia chama Marisa Letícia de “primeira-dama reservada e discreta”. Na verdade, suas ações limitam-se a pouco mais do que acompanhar o presidente em suas muitas viagens. D IV U LG A Ç Ã O / A B R / R IC A R D O S TU C K E R T/ P R G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 37 Telegram: @clubederevistas O MENSALÃO E OUTRAS CRISES LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA ENFRENTOU UMA SÉRIE DE ESCÂNDALOS POLÍTICOS EM SEU PRIMEIRO MANDATO D IV U LG A Ç Ã O / A B R / JO S É C R U Z 38 CRISES POLÍTICAS Telegram: @clubederevistas Por Claudio Blanc A primeira delas estourou em fevereiro de 2004, envolven- do ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz, flagrado em vídeo negociando propina com um empre- sário do ramo de jogos. Apesar do escândalo, manobras políticas por parte do governo no Congresso impediram a criação ime- diata de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as pos- síveis implicações do caso. Assim, a CPI dos Bingos só foi instalada no final de junho de 2005. As investigações da "CPI do Fim do Mundo", como foi apelidada, fo- ram aprofundadas e se estenderam a outras denúncias contra o gover- no, como a suposta ligação entre o assassinato do prefeito Celso Daniel (PT) e o esquema de financiamento de campanhas; as irregularidades na Prefeitura de Ribeirão Preto durante a gestão de Antonio Palocci; e a sus- peita de doação para a campanha de Lula pela máfia do bingo. De acordo com o caseiro Francenildo Costa, ouvido pela CPI em março de 2006, Palocci frequen- tava uma mansão em Brasília usada por lobistas para fechar negócios sus- peitos e promover festas com pros- titutas. A "República de Ribeirão Preto", como o lugar era conhecido, teria sido alugada por ex-assessores de Palocci. O ministro também foi acusado de, durante sua gestão co- mo prefeito de Ribeirão Preto, co- brar "mesadas" de até 50 mil reais mensais de empresas que prestavam serviços à prefeitura. Com esse di- nheiro, Palocci recheava os cofres do seu partido, o PT. O depoimento de Francenildo acabou detonando outra crise. Logo após ter sido ouvido pela CPI, o sigi- lo bancário do caseiro foi quebrado ilegalmente. A Polícia Federal sus- peitou que Palocci fosse o mandan- te da quebra do sigilo. É claro que, com tudo isso, o então ministro da Fazenda não poderia sair incólume. As revelações da CPI enlamearam a deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ). E, se a melhor defesa é o ataque, Jefferson decidiu atacar o governo. Para se garantir, ameaçou indireta e veladamente outros envolvidos, até então insuspeitos. O deputado co- meçou por denunciar um suposto esquema de pagamento de mesada a parlamentares da base aliada em troca de apoio político. As acusações de Jefferson derru- baram, entre outros, o ministro-che- fe da Casa Civil, José Dirceu, tido pela imprensa como o verdadeiro ho- mem forte da administração federal, credibilidade de Palocci, e o ministro acabou sendo demitido por Lula. Mensalão O caso Waldomiro Diniz foi o fio pelo qual se puxou a meada que revelou a corrupção envolvendo o PT, ministros e assessores de Lula. No centro do problema, estava o Mensalão. A crise estourou em maio de 2005, com a revelação de uma fita de vídeo mostrando o ex-funcionário dos Correios, Maurício Marinho, negociando propina com empresá- rios interessados em participar de uma licitação. No vídeo, o funcioná- rio da estatal dizia ter o respaldo do a quem caberiam efetivamente as principais decisões – uma espécie de superministro. Dirceu acabou sendo demitido por Lula. Mais uma vez, o governo mano- brou rapidamente, criando a CPI do Mensalão. Buscando “fazer fuma- ça” e embaraçar possíveis oposito- res, a CPI almejava, sim, investigar as denúncias sobre o esquema de pa- gamento de propina a parlamenta- res, mas também as acusações so- bre a gestão anterior, de Fernando Henrique Cardoso, sobre compra de votos para a aprovação da emen- da da reeleição. Convenientemente, em novembro de 2005, a comissão encerrou seus trabalhos sem aprovar um relatório final e sem aprofundar devidamente todas as investigações. Segundo o presidente da CPI, se- nador Amir Lando (PMDB-RO), o principal motivo para o encerramen- to dos trabalhos da comissão foi “a faltade vontade política”. Ainda se tentou estender a comissão. Foram protocoladas na Mesa do Congresso as assinaturas de 148 deputados em apoio à prorrogação dos trabalhos da CPI do Mensalão, mas o mínimo exigido era de 171. Paralelamente à CPI do Mensalão, funcionava a CPI dos Correios, O presidente do PTB e ex-deputado federal, Roberto Jefferson DIVULGAÇÃO/ ABR/ JOSÉ CRUZ G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 39 Telegram: @clubederevistas criada logo após o flagra em Maurício Marinho e cujo objetivo era investi- gar as denúncias de corrupção nas estatais, mais especificamente nos Correios. A CPI dos Correios reve- lou o esquema de distribuição de re- cursos a parlamentares para bancar despesas de campanhas eleitorais. O esquema de distribuição de pro- pina foi apelidado de "valeriodu- to", por conta do nome de seu ope- rador, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. Sanguessugas Em 2006, estourou outro esque- ma de corrupção descoberto pe- la Polícia Federal envolvendo fi- guras do Congresso Nacional e do Executivo: a máfia das ambulâncias. A CPI dos Sanguessugas, como foi apelidada, foi aberta após denún- cia que partiu do próprio governo. A Controladoria-Geral da União aler- tou, então, a Polícia Federal sobre as irregularidades. A PF iniciou as investigações em 2004 e, com o auxílio da Receita Federal, identificou 22 empresas- fantasmas montadas para dar verniz legal às concorrências para a venda das ambulâncias. A quadrilha desmontada pela PF, que fraudava a venda de ambulâncias para prefeituras em diversos Estados do País, era chefiada pela família Trevisan Vedoin, em Mato Grosso. A empresa da família era chefiada por Darci José Vedoin e Luiz Antonio Vedoin, pai e filho, e tinha infiltra- dos na Câmara dos Deputados, no Ministério da Saúde e na Associação de Municípios do Mato Grosso. A quadrilha entrava em conta- to com os prefeitos interessados através de José Wagner dos Santos, que propunha entregar uma ambu- lância completa antes de o prefeito consegui-la pelos trâmites normais. Com isso, o prefeito ficaria livre de toda a burocracia e não teria de fa- zer nenhum esforço. Se o prefei- to concordasse, a quadrilha acio- nava assessores de parlamentares que preparavam emendas que eram apresentadas por deputados e se- nadores. O texto era aprovado no Congresso Nacional e a assessora do Ministério da Saúde, Maria da Penha Lino, teria a incumbência de aprovar o convênio e facilitar a libe- ração do recurso. A empresa Planam, de propriedade da família Trevisan Vedoin, montava as ambulâncias e as entregava ao pre- feito, superfaturando em até 110% a operação. Além dessas irregularida- des, a Planam entregava um veículo sem os equipamentos necessários pa- ra atendimentos de emergência. No total, a quadrilha teria movimentado Antonio Palocci: credibilidade enlameada pela CPI O relator da CPI dos Sanguessugas, senador Amir Lando, apresenta o relatório final dos trabalhos O sócio-proprietário da empresa Planam, Luiz Antonio Vedoin, em depoimento no Conselho de Ética da Câmara D IV U LG A Ç Ã O / A B R / VA LT E R C A M P A N A TO D IV U LG A Ç Ã O / A B R / FÁ B IO R O D R IG U E S P O Z Z E B O M DIVULGAÇÃO/ ABR/ FÁBIO RODRIGUES POZZEBOM 40 CRISES POLÍTICAS Telegram: @clubederevistas de 2006, a Polícia Federal apreen- deu vídeo, DVD e fotos mostrando o candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra, na entrega de ambulâncias da máfia dos san- guessugas. O material contra Serra teria sido entregue pelo empresário Luiz Antônio Vedoin, líder do es- quema e um dos sócios da Planam, a Gedimar Pereira Passos, advogado e ex-policial federal, e a Valdebran Padilha da Silva, filiado ao PT do Mato Grosso. Gedimar e Valdebran foram presos, em São Paulo, com R$ 1,7 milhão, en- quanto esperavam por um emissário de Vedoin, que levaria o dossiê con- tra o tucano. O emissário seria o tio do empresário, Paulo Roberto Dalcol Trevisan. A pedido de Vedoin, o tio entregaria o documento a Valdebran e Gedimar. Os quatro envolvidos fo- ram presos pela PF. Em depoimento, Gedimar disse que foi "contratado pela Executiva Nacional do PT" para negociar a compra de um dossiê contra Serra. Gedimar informou ainda que o pa- cote também continha uma entre- vista acusando Serra de envolvimen- to na máfia. Ele acrescentou que seu contato no PT era alguém de nome "Froud ou Freud". O depoimento acabou atingindo o assessor especial da Presidência da República, Freud Godoy, que negou as acusações, mas acabou exonerado. O PT também ne- gou que o dinheiro fosse do partido. Após o episódio, outros nomes ligados ao PT começaram a ser re- lacionados ao dossiê. E cabeças ro- laram. A crise derrubou o coorde- nador da campanha à reeleição de Lula, Ricardo Berzoini, presiden- te do PT, que foi substituído por Marco Aurélio Garcia. Também caíram o ex-secretá- rio de Berzoini no Ministério do Trabalho, Oswaldo Bargas, coorde- nador de programa de governo da campanha, e Jorge Lorenzetti, ana- lista de mídia e risco do PT e chur- rasqueiro do presidente. Os dois te- riam procurado a revista Época para oferecer o dossiê. Valdebran disse ter recebido uma parcela do dinheiro de um "Expedito", que teria tomado parte na montagem e divulgação do docu- mento. Assim, o ex-diretor do Banco do Brasil Expedito Afonso Veloso, acusado de envolvimento com o dos- siê, foi afastado da instituição. Finalmente, em São Paulo, o candidato ao governo Aloizio Mercadante (PT) removeu o coorde- nador de comunicação da campanha Hamilton Lacerda, que teria articu- lado a publicação da reportagem da revista IstoÉ contra Serra. H R$ 110 milhões desde 2001 e entre- gue 1.000 veículos. Todos os inter- mediários recebiam propina. A CPI também descobriu que a quadrilha já começava a operar ou- tro esquema - dessa vez, em licita- ções de equipamentos para inclu- são digital. O delegado responsável, Tardeli Boaventura Cerqueira, ga- rantiu ter encontrado indícios de li- citações fraudulentas nessa área. O Dossiê Serra Quinze dias antes das eleições De acordo com as denúncias, o Mensalão era um esquema de corrupção no qual congressistas aliados ao PT recebiam uma mesada – o "Mensalão" – de R$ 30 mil do tesoureiro do partido de Lula, Delúbio Soares, em troca do apoio dos deputados nas votações de interesse do governo. O empresário Marcos Valério, dono de duas agências de publicidade, a SMP & B e a DNA Propaganda, recebia os depósitos destinados ao PT, ocultando doações irregulares. Para repassar ao partido as doações recebidas das empresas, Valério contraía empréstimos junto ao Banco do Brasil, BMG e Banco Como funcionava o Mensalão Rural, os quais quitava com o dinheiro recebido dos doadores. O esquema foi revelado pelo presidente do PDT, o deputado federal pelo Rio de Janeiro, Roberto Jefferson. Lula foi informado sobre o Mensalão pelo próprio Jefferson. Segundo este, quando soube, o presidente chorou. Há, porém, quem diga que Lula sabia de tudo. Apesar de ter sido instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito, o relatório final do caso não foi votado, e o escândalo acabou em pizza. No entanto, o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, o presidente do PT à época, José Genoíno, e Delúbio Soares perderam suas posições. O escândalo revelou uma face do PT que fez muitos – de eleitores a militante – se sentirem traídos. Conforme afirmou Frei Betto, amigo histórico de Lula, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 24/08/2005, “nem sob os anos da ditadura a direita conseguiu desmoralizar a esquerda como esse núcleo petista fez em tão pouco tempo. Na ditadura, apesar de todo o sofrimento, perseguições, prisões, assassinatos, saímos de cabeça erguida e certos de que tínhamos contribuído para a redemocratização do país. Agora, não. Esses dirigentes desmoralizaram o partido e respingaram lama por toda a esquerda brasileira.”Ricardo Berzoini: envolvimento com o Dossiê Serra D IV U LG A Ç Ã O / A B R / VA LT E R C A M P A N A TO G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 41 Telegram: @clubederevistas DEPOIS DE SER REELEITO, O PRESIDENTE ENCAROU A CRISE INTERNACIONAL E COMEMOROU A EXPLORAÇÃO DO PRÉ-SAL LULA LÁ PELA SEGUNDA VEZ Diante da ameaça da crise econômica mundial, Lula demonstrou confiança, garantindo que a economia brasileira “estava blindada” D IV U LG A Ç Ã O / A B R / JO S É C R U Z 42 SEGUNDO MANDATO Telegram: @clubederevistas Por Claudio Blanc A corrupção e os escândalos que envolveram o PT no primeiro mandato de Lula foram cen- trais nas eleições de 2006. Embora os escândalos não apontassem direta- mente o presidente, eram indicações óbvias de que seu governo estaria en- volvido em instâncias de corrupção. Dados de pesquisas do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb) revelavam que 30% dos eleitores brasileiros jul- gavam a corrupção e os escândalos o principal tema da campanha. Apenas 10% dos entrevistados achavam que as questões sobre a economia eram mais importantes. Apesar dos indicativos de que o eleitorado brasileiro estava conscien- te do possível envolvimento do presi- dente da República nos esquemas de corrupção bancados pelo PT, Lula se reelegeu no segundo turno, em 29 de outubro de 2006, com 60,83% dos vo- tos. No primeiro turno, o resultado foi igualmente muito bom. Lula conquis- tou 46.662.365 votos ou 48,61%. A "contabilidade democrática vertical”, isto é, a capacidade que o eleitor tem de punir os representan- tes que não correspondem às suas expectativas, não foi exercida. Mas por que eleitores conscientes reelege- riam um governo envolvido em tan- tos escândalos de corrupção? Lucio R. Rennó, professor da Universidade de Brasília, busca ex- plicar a questão: “tanto no primeiro quanto no segundo turno, o desempe- nho do governo Lula em outras áre- as e sentimentos quanto ao PT foram mais importantes e serviram de escu- dos para protegê-lo”. Assim, o povo brasileiro fechou os olhos e demons- trou aprovação pela performance so- cioeconômica que o País experimen- tou sob a administração Lula. No dia da posse, Lula desfilou em carro aberto e assumiu mais uma vez o posto. No entanto, dessa vez, as comemorações tiveram menos gla- mour. Não houve nem mesmo con- vidados estrangeiros, nem o tradi- cional jantar no Itamaraty. A aparente moderação resultava, na verdade, dos desgastes do primei- ro mandato. Lula reassumiu, aos 61 anos, já sem o entusiasmo que evo- cou quando chegou ao Planalto pe- la primeira vez. Apesar do enorme prestígio e aceitação popular, ele não deixou de sofrer arranhões por conta dos escândalos que derrubaram seus principais auxiliares diretos, entre ele os ex-ministros Antonio Palocci e José Dirceu e o presidente do PT, Ricardo Berzoini. Mas Lula voltou com fôlego no- vo, querendo deixar o passado para trás e mostrar a que viera. Começou o segundo mandato lançando, em 22 de janeiro de 2007 – poucos dias de- pois da posse, portanto – o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um pacote de medidas para acelerar países desenvolvidos até 2021. O pla- no prevê medidas a serem aplicadas até 2010. Entre elas, está a criação de um índice para medir a qualidade do ensino e de um piso salarial para os professores de escolas públicas. Na área da segurança, foi criado o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), que pre- vê “articular políticas de segurança com ações sociais”. Entre as medidas, o Pronasci promete, até 2012, valori- zar os policiais, reestruturar o siste- ma penitenciário e assistir os jovens entre 15 e 24 anos que estão à beira da criminalidade e os reservistas que, pelo seu conhecimento de armas, possam se ver tentados a integrar o crime organizado. O programa prevê investimentos de mais de 6,7 bilhões de reais até o final de 2012. Lula reassumiu, aos 61 anos, já sem o entusiasmo que evocou quando chegou ao Planalto pela primeira vez. Apesar do enorme prestígio e aceitação popular, ele não deixou de sofrer arranhões por conta dos escândalos que derrubaram seus principais auxiliares diretos o crescimento econômico do País. O programa previa investimentos de mais de 500 bilhões de reais para os quatro anos do segundo mandato e incluía uma série de mudanças admi- nistrativas e legislativas. Prometia um crescimento do PIB de 4,5% em 2007 e de 5% ao ano até 2010 – metas que, a julgar pelos resultados de 2007 e 2008, até agora ficaram na promessa. No início do segundo mandato, Lula também dirigiu sua atenção a duas áreas de responsabilidade do governo criticamente falhas: a educa- ção e a segurança. Lançou, em abril de 2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), cujo objetivo é investir em capital humano, nivelan- do a educação brasileira com a dos Mas, apesar das promessas, a reali- dade era outra. A tranquilidade econô- mica que garantiu tantas benesses ao governo Lula no primeiro turno dava sinais de que os ventos mudavam. No início de 2007, a taxa de desempre- go nas seis principais regiões metro- politanas do País passou de 9,3% em janeiro para 9,9% em fevereiro. De acordo com o IBGE, nesse período, houve aumento de 136 mil pessoas no contingente de desocupados. Mesmo assim, mais uma vez, a sorte sorriu para Lula. A descober- ta de jazidas petrolíferas no litoral de Santos trouxe a promessa da au- tossuficiência desta commodity vi- tal. Mais que isso. De acordo com o relatório Global Trends 2025: A G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 43 Telegram: @clubederevistas Transformed World, produzido pe- lo Conselho Nacional de Segurança dos Estados Unidos e lançado no fi- nal de novembro de 2008, “as des- cobertas de petróleo na Bacia de Santos – com potencial de conter uma reserva de dezenas de bilhões de barris – podem tornar o Brasil, depois de 2020, um grande exporta- dor de petróleo”. O documento vai além: “cenários otimistas, os quais ostentam uma estrutura legal e regu- latória atraente ao capital estrangei- ro, projetam a produção petrolífera em 15% do PIB por volta de 2025”. Sem dúvida, o santo de Lula é forte. Nuvens de tempestade Apesar de todos os desenvolvi- mentos positivos, de o Brasil des- pontar como potência emergente, de oferecer tecnologia em biocombus- tíveis, do bom resultado econômico da Era Lula, nuvens de tempestade se armaram no cenário internacio- nal. Desde 2008, os EUA enfrentam a mais grave crise financeira em 30 anos, mergulhando o país e outros – principalmente da Europa Ocidental – em recessão. Diante da ameaça, Lula demons- trou confiança. Bradava que a econo- mia brasileira “estava blindada”, que o sistema bancário nacional e as fi- nanças eram sólidos. Em outubro de 2008, o presidente brasileiro afirmou que a crise econômica não iria atrapa- lhar o Natal do País. E, de fato, ao me- nos o Natal, a crise não atrapalhou. Mas, na verdade, o Brasil não es- tava - e não está - tão imune ao pro- blema. A resposta de empresas de diversos setores – especialmente au- tomobilístico –, abaixando conside- ravelmente os preços de seus produ- tos para aquecer o consumo, é um indicativo da crise. O aumento da taxa de desemprego é outro – e mais crônico – reflexo. Lula foi à luta, fazendo o que faz de melhor: discursando e negocian- do. Desde que foi eleito, em 2002, ele não desceu do palanque. Seus dis- cursos ganham aliados “no verbo” e conquistam simpatias no Brasil e no mundo. E é dessa forma que tem ten- tado vencer a crise. Em fevereiro de 2009, em visita à Namíbia, onde foi pedir apoio àquele país para que o Brasil tenha um as- sento permanente no Conselho de Segurança da ONU e para incremen- tar parcerias com nações africanas, o presidente brasileiro criticou o prote- cionismo de alguns países, diante da crise financeira internacional. "Não podemos atuar sozinhos contra os efeitosde uma turbulência que golpeia sobretudo as mais fortes economias do planeta. O comércio é certamente par- te da solução. O protecionismo, em contrapartida, só servirá para agravar a crise econômica", sustentou Lula. Para nosso presidente, um acordo na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) poderia trazer sangue novo à economia global. Lula enfatiza que os países em desen- volvimento têm buscado novas dire- ções com o aumento do comércio. Da mesma forma, os investimentos entre países do Hemisfério Sul têm atenu- ado o "impacto perverso da recessão que se alastra mundialmente". Em um rasgo que lembra seu tempo de líder sindical, Lula afirmou na Namíbia que "não basta reformar as regras do comércio internacional. Precisamos buscar um sistema de governança glo- bal mais democrático. Os processos decisórios não podem continuar con- centrados nas mãos de poucos, igno- rando-se as aspirações dos países em desenvolvimento e das grandes econo- mias emergentes". O presidente reforçou essa retó- rica ao receber o primeiro-ministro Gordon Brown em Brasília, em mar- ço de 2009. “A crise [econômica inter- nacional] foi causada por comporta- mentos irracionais de gente branca de olhos azuis, que antes pareciam saber de tudo, e, agora, demonstram não A descoberta de jazidas petrolíferas no litoral de Santos trouxe a promessa da autossuficiência desta commodity vital. Mais que isso. O Brasil pode se tornar, depois de 2020, um grande exportador de petróleo O presidente do Senado, José Sarney, o presidente da Câmara, Michel Temer e Lula D IV U LG A Ç Ã O / A B R / W IL S O N D IA S 44 SEGUNDO MANDATO Telegram: @clubederevistas saber de nada”, afirmou o presidente na coletiva dada pelos dois chefes de Estado. Imediatamente, um jornalista britânico perguntou ao presidente se não havia um viés ideológico na afir- mação. “Não existe nenhum viés ide- ológico. Existe a constatação de um fato. Acompanhando os índices eco- nômicos e de desemprego, o que per- cebemos é que, mais uma vez, grande parte dos pobres do mundo, que ainda não estavam sequer participando do desenvolvimento causado pela globa- lização, são as primeiras vítimas. Vejo o preconceito que se estabelece contra imigrantes nos países mais desenvolvi- dos”, disparou Lula. Mas, em busca de desenvolver novos parceiros, Lula tem arrisca- do nadar contra a corrente. É o caso da proximidade com o Irã. Enquanto os principais líderes mundiais conde- nam o regime antidemocrático do país, o qual recentemente considerou o resultado de uma eleição suspeita de ter sido fraudada, Lula se aproxi- ma de Teerã. Na verdade, o presiden- te brasileiro se sente lisonjeado com o esforço de Mahmud Ahmadinejad de buscar no Brasil um “companhei- ro para sua empreitada de deslocar o eixo de poder das grandes potên- cias ocidentais”, conforme colocou a jornalista Isabel Fleck. Ao receber Ahmadinejad em Brasília no final de novembro de 2009, Lula pisou no ca- lo dos principais líderes mundiais ao afirmar, “nós defendemos que o Irã tenha o direito de desenvolver o enri- quecimento de urânio para produção de energia, portanto, para fins pací- ficos, da mesma forma que o Brasil está desenvolvendo". Mas se no caso do Irã o presidente brasileiro reconheceu a legitimidade da eleição, sua postura com relação ao gol- pe em Honduras é exatamente o opos- to. O Brasil – e Lula – tomou o golpe de Honduras como uma oportunida- de de se projetar como mediador regio- nal. O Itamaraty apoiou o presidente deposto, Manuel Zelaya, promovendo até mesmo sua volta a Honduras ao lhe garantir refúgio no consulado brasilei- ro. Os golpistas não aceitaram reem- possar Zelaya, mas concordaram em estabelecer novas eleições. Contudo, ao contrário do que fez no caso do Irã, Lula não reconheceu as eleições. Em Lisboa, no início de dezembro de 2009, o presidente brasileiro explicou que “Honduras desrespeitou o princípio mais elementar da volta à normalida- de democrática do seu país. O golpis- ta agiu cinicamente, deu um golpe no país e convocou uma eleição quan- do ele não tinha o direito de convo- car eleição. Eles poderiam ter feito as coisas com a maior normalidade, vol- tava o presidente, convocava eleições. A volta à normalidade a Honduras é tudo o que nós queremos. O resto é o seguinte: não dá para fazer concessão a golpista". Apesar das contradições, denún- cias e escândalos, Lula entra no úl- timo ano de seu governo com apro- vação da maioria da população. De acordo com o presidente norte-ame- ricano, Barack Obama, Lula é o “po- lítico mais popular da Terra”. Sem dúvida, ele governou o Brasil com céu de brigadeiro: em um dos períodos de maior prosperidade da história do País. Seu maior desafio agora será ele- ger seu sucessor. Mas, independente- mente de seu sucesso, a história se lembrará de que foi na era Lula que o Brasil se firmou na sua posição de lí- der regional, uma posição que Lula se esforçou por encarnar ao longo de to- do o seu governo e que, sem dúvida, o projetou internacionalmente. H G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 45 DIVULGAÇÃO/ ABR/ RICARDO STUCKERT Lula comemora o primeiro petróleo extraído da camada pré-sal Telegram: @clubederevistas Por Claudio Blanc LULA POR ELE MESMO Fui eleito para fazer valer alguns interesses dos que nunca tiveram nada neste país e esta Constituição que se quer fazer parece não querer isso. Garanto que não vou assiná-la nem legitimá-la” (final de 1987) Em 1993, Lula afirmou que a sociedade não deveria confiar nos políticos, porque haveria “pelo menos 300 picaretas no Congresso Nunca imaginei que o nível (do Congresso) fosse tão baixo. Nunca imaginei que a incapacidade fosse tanta. Incapacidade de diálogo, de articulação. Incapacidade política. Nunca imaginei que fosse tamanha a capacidade para negociatas e negócios sujos como os que a gente vê. Chega a dar nojo (dezembro de 1987) DIVULGAÇÃO/ ABR/ WILSON DIAS 46 NOTASFRASES Telegram: @clubederevistas Sobre a data de nascimento, conta Lula: “Até hoje, é a maior polêmica porque meu pai me registrou no dia 6 de outubro. Mas prefiro acreditar na memória de minha mãe, que diz que nasci no dia 27”. Coincidência feliz: 57 anos depois, os dois turnos da eleição que decidiria o futuro presidente do Brasil aconteceriam nestes mesmos dias 6 e 27 de outubro. A elite sabe que sou um vencedor. Uma criança nordestina que não morreu de fome até os 5 anos já venceu na vida. Um nordestino que desembarcou de um pau-de-arara, fugindo da seca, e não virou marginal é um vencedor. No meu governo, um filho de encanador vai disputar vaga na universidade com o filho de uma empresária de teatro, como a senhora Ruth Escobar. O ônus da cobiça desenfreada de alguns não pode recair impunemente sobre os ombros de todos. A economia é séria demais para ficar nas mãos dos especuladores. A ética deve valer também na economia. Uma crise de tais proporções não será superada com medidas paliativas. São necessários mecanismos de prevenção e controle, e total transparência das atividades financeiras. Discurso na Assembleia da ONU em setembro de 2008 O Muro de Berlim caiu. Sua queda foi entendida como a possibilidade de construir um mundo de paz, livre dos estigmas da Guerra Fria. Mas é triste constatar que outros muros foram se construindo, e com enorme velocidade. Muitos dos que pregam a livre circulação de mercadorias e capitais são os mesmos que impedem a livre circulação de homens e mulheres, com argumentos nacionalistas, e até fascistas, que nos fazem evocar, temerosos, tempos que pensávamos superados. Um suposto ‘nacionalismo populista’, que alguns pretendem identificar e criticar no Sul do mundo, é praticado sem constrangimento em países ricos. As crises financeira, alimentar, energética, ambiental e migratória, para não falar das ameaças à paz em tantas regiões, demonstram que o sistema multilateraldeve se adequar aos desafios do século 21. Aos poucos, vai sendo descartado o velho alinhamento conformista dos países do Sul aos centros tradicionais. Discurso na Assembleia da ONU em setembro de 2008 Quando se aposentarem, por favor, não fiquem em casa atrapalhando a família. Tem que procurar alguma coisa para fazer. Falar de doença mental não deve ser difícil para ninguém (...) sabemos que o problema não atinge apenas os que já foram identificados como pessoas com algum problema de deficiência, porque a dura realidade é que todos nós temos um pouco de louco dentro de nós. Todos nós. Quem não acreditar, é só fazer uma retrospectiva do seu comportamento pessoal nos últimos dez anos. Ao assinar o Estatuto do Idoso, no dia 1º de outubro de 2003 Estou vendo aqui companheiros portadores de deficiência física. Estou vendo o Arnaldo Godoy sentado, tentando me olhar, mas ele não pode me olhar porque ele é cego. Estou aqui à tua esquerda, viu, Arnaldo? Agora, você está olhando pra mim... Não é mérito, mas, pela primeira vez na história da República, a República tem um presidente e um vice-presidente que não têm diploma universitário. Possivelmente, se nós tivéssemos, poderíamos fazer muito mais. Cheguei à Presidência para fazer as coisas que precisavam ser feitas e que muitos presidentes antes de mim foram covardes e não tiveram coragem de fazer. Aprendi a contar até dez, apesar de só ter nove dedos, que é para não cometer erros. Um erro em qualquer outro governo é mais um erro. No nosso, não pode acontecer." Durante o lançamento do Plano Safra para a Agricultura Familiar G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 47 Telegram: @clubederevistas Quando a jornalista Denise Paraná fazia pesquisas pa- ra a biografia do presidente Lula que seria sua tese de doutorado em história pela USP, percebeu que a epo- peia era “um roteiro de filme mal escrito, porque tudo se en- caixa”. De fato, a vida de um predestinado como Lula sempre rendeu ótimo material para o cinema. E o carisma do presiden- te que começou a vida como retirante e engraxate, e que veio a liderar o Brasil em uma de suas melhores fases, não poderia deixar de ser explorado pela sétima arte. Sucesso garantido. O FILHO DO BRASIL Por Claudio Blanc DIVULGAÇÃO/ OTÁVIO DE SOUZA D IV U LG A Ç Ã O / O TÁ V IO D E S O U Z A D IV U LG A Ç Ã O / O TÁ V IO D E S O U Z A 48 FILME Telegram: @clubederevistas D IV U LG A Ç Ã O / O TÁ V IO D E S O U Z A D IV U LG A Ç Ã O / O TÁ V IO D E S O U Z A G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 49 Telegram: @clubederevistas Não é de estranhar que foi essa história que Luiz Carlos Barreto, o Barretão, patriarca do clã Barreto de cineastas, escolheu para fazer o úl- timo filme de sua carreira: Lula, o Filho do Brasil, baseado no livro ho- mônimo de Denise Paraná. Filmado em dois estados (Pernambuco e São Paulo), sete cidades e 70 locações, entre 20 de janeiro e 18 de março de 2009, o longa foi feito delibera- damente para emocionar e para que pessoas comuns possam se espelhar e sonhar. Lula, o Filho do Brasil vi- sita os pontos mais significativos da trajetória humana de Lula, do sertão de Pernambuco natal à periferia de Santos, onde cresceu, e por fábricas e sindicatos do ABC paulista, onde passou por transformações pessoais, como a perda da primeira mulher e do filho, até se tornar o líder sindi- cal que se destacou na histórica gre- ve de 1978. O roteiro é assinado por Denise sua vida. O elenco soma 130 atores e 3.000 figurantes. O filme, que custou cerca de R$ 18 milhões e não teve nenhum apoio de entidades públicas, já causa polêmica, uma vez que estreia em ano de eleições presidenciais. Sem dúvida, o governo tem interesse que Lula, o Filho do Brasil seja um sucesso. Articuladores do PT esperam cristalizar a imagem do presidente como “um brasileiro que su- perou todas as dificuldades para se tor- nar um vitorioso”. De acordo com um petista histórico, “é importante para o eleitor visualizar a importância históri- ca da chegada de Lula no poder e ma- nutenção de seu projeto”. Leia-se: “o filme serve par alavancar a candidatu- ra de Dilma Rousseff”. Por conta do viés eleitoreiro do fil- me, as partes polêmicas da biografia foram convenientemente colocadas de lado. A mais óbvia é o caso que Lula teve com Mirian Cordeiro, mãe de Lurian. De acordo com a produtora Paula Barreto, isso se deveu a “um pro- blema jurídico”. Segundo a produtora, "havia cenas no filme referentes ao relacionamento entre Lula e Mirian, mas, como a Mirian não nos deu au- torização, tivemos que cortar todas as referências a ela." Paula Barreto discorda de que Lula, o Filho do Brasil tenha espíri- to "eleitoreiro". Seu pai, o produtor Luiz Carlos Barreto faz coro. "Não fizemos um filme sobre um político ou o presidente da República, mas sobre um homem comum, sua famí- lia e a extraordinária capacidade de superar dificuldades," enfatiza o ide- alizador do projeto. H Paraná, Fernando Bonassi e Daniel Tendler. A direção ficou a cargo de Fábio Barreto, que leva em seu cur- rículo uma indicação ao Oscar por O Quatrilho. No elenco, estão no- mes como Glória Pires, no papel de Dona Lindu, a mãe de Lula; Juliana Baroni, que interpreta a primeira- dama, Dona Marisa; e Rui Ricardo Diaz, que encarna Lula. O presiden- te também é interpretado por ou- tros atores nas diferentes fases de Lula, O Filho do Brasil n ELENCO Rui Ricardo Diaz - Luiz Inácio Lula da Silva (adulto) Guilherme Tortólio - Luiz Inácio Lula da Silva (adolescente) Glória Pires - Eurídice Ferreira de Melo (Dona Lindu) Lucélia Santos - Professora de Lula Cléo Pires - Maria de Lurdes da Silva Juliana Baroni - Marisa Letícia Lula da Silva n Direção: Fabio Barreto n Fotografia de Gustavo Hadba, n Direção de arte de Clóvis Bueno n Figurinos de Cristina Camargo n Roteiro de Daniel Tendler, Denise Paraná e Fernando Bonassi n Música de Antônio Pinto e Jaques Morelenbaum Por conta do viés eleitoreiro do filme, as partes polêmicas da biografia foram convenientemente colocadas de lado. A mais óbvia é o caso que Lula teve com Mirian Cordeiro, mãe de Lurian D IV U LG A Ç Ã O / O TÁ V IO D E S O U Z A 50 FILME Telegram: @clubederevistas Telegram: @clubederevistas https://t.me/clubederevistasA estimativa é de reportagem publicada em janeiro de 2006 no jornal O Estado de S. Paulo. Em 2005, Lula visitou 25 países e presidiu du- as polêmicas reuniões de cúpula em Brasília. Segundo o Estadão, as viagens no chamado Aerolula trouxeram pouco ao Brasil: o País saiu derrotado em duas cam- panhas por altos postos em instituições internacio- nais e ficou sem o assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Marco histórico O historiador Eric Hobsbawn definiu a vitória do ex- sindicalista como “um dos poucos eventos do começo do século 21 que nos dá esperança para o resto deste sécu- lo”. Em Londres, em 14 de julho de 2003, o sociólogo Anthony Giddens manifestou o otimismo que o presiden- te transformasse não apenas o Brasil, mas “o mundo”. Má fama Surgiu na campanha de 1994, quando Lula dispu- tava a presidência com Fernando Henrique Cardoso, uma das comparações biográficas que mais enfurece- ram Lula. Em evento de que participava Ruth Cardoso, a empresária de teatro Ruth Escobar anunciou que os brasileiros teriam duas opções: “Votar em Sartre ou es- colher um encanador”. Querido pelo povo Lula dirige-se ao povo falando de temas ausentes nos discursos de José Sarney, Itamar Franco ou FHC. Tais temas surgem naturalmente e estabelecem com a popu- lação laços que as denúncias e as ameaças de impeach- ment não conseguiram quebrar até agora. Certa vez, por exemplo, durante a inauguração de uma linha turística de trem em Ouro Preto, Lula aproveitou a ocasião para revelar seus conhecimentos de cachaça mineira e citou as infidelidades conjugais de Dom Pedro I. H 1945 Luiz Inácio Lula da Silva nasceu em 27 de outubro de 1945 no então distrito de Caetés, município de Garanhuns, interior de Pernambuco. É o sétimo dos oito filhos de Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Mello, apelidada de “dona Lindu”. 1982 Lula disputou o governo paulista como candidato do PT e ficou em quarto lugar. 1983 Em agosto, fez parte do grupo fundador da CUT (Central Única dos Trabalhadores). 1994 Na campanha pela presidência em 1994, Lula era o favorito até o lançamento do Plano Real, em meados daquele ano. Em agosto, Fernando Henrique Cardoso já ultrapassava Lula nas pesquisas. O tucano venceu no primeiro turno. 1998 Lula voltou a se candidatar a presidente da República e foi derrotado novamente por Fernando Henrique Cardoso. CR ON OL OG IA D E LU LA 1969 Em 1969, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema fez eleição para escolher a nova diretoria e Lula foi eleito suplente. Na eleição seguinte, em 1972, tornou-se primeiro-secretário. Em 1975, foi eleito presidente do sindicato com 92% dos votos. NOTAS 6 Telegram: @clubederevistas 1957 -1963 Aos 12 anos, Lula conseguiu o primeiro emprego, em uma tinturaria. Depois, foi engraxate e office-boy. Com 14, começou a trabalhar nos Armazéns Gerais Columbia, onde teve a carteira de trabalho assinada pela primeira vez. Transferiu-se mais tarde para a Fábrica de Parafusos Marte e conseguiu vaga no curso de torneiro mecânico do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industral). Os estudos duraram três anos e Lula tornou-se metalúrgico. 1974 Lula se casou com Marisa Letícia, com quem tem cinco filhos. 1980 Em 10 de fevereiro, Lula fundou o Partido dos Trabalhadores (PT), juntamente com outros sindicalistas, intelectuais, políticos e representantes de movimentos sociais, como lideranças rurais e religiosas. Nesse mesmo ano, nova greve dos metalúrgicos provocou a intervenção do governo federal no Sindicato de São Bernardo e a prisão de Lula e de outros dirigentes sindicais com base na Lei de Segurança Nacional. Enquanto esteve preso, sua mãe faleceu. 1989 O PT lançou Lula para disputar a Presidência da República em 1989, após 29 anos sem eleições diretas para o cargo. Perdeu a disputa no segundo turno, por pequena diferença de votos. 2002 Na última semana de junho de 2002, a Convenção Nacional do PT aprovou a formação de ampla aliança política (PT, PL, PC do B, PCB e PMN). As alianças atraíram o voto dos empresários e dos evangélicos. Embalado por uma campanha eficiente na TV que explorava a imagem do “Lulinha paz e amor”, o petista manteve- se na dianteira nas pesquisas. Em 27 de outubro de 2002, aos 57 anos de, com quase 53 milhões de votos, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito Presidente do Brasil vencendo José Serra (PSDB) no segundo turno, por uma diferença superior a 19 milhões de votos. 2006 Explodiu o escândalo do Mensalão; Lula teve sua imagem arranhada, mas não foi envolvido diretamente. Foi reeleito em 2006, com fácil vitória sobre Geraldo Alckmin. 2007 Lula falou em estender o mandato do presidente da República; a revista americana Newsweek afirmou que Lula é a 18ª pessoa mais poderosa do mundo. 1952 Em dezembro de 1952, dona Lindu, juntamente com os filhos, migrou para o litoral paulista viajando 13 dias num caminhão “pau- de-arara”. Foram morar em Vicente de Carvalho, bairro pobre do Guarujá. Lula foi alfabetizado no Grupo Escolar Marcílio Dias e completou o ensino fundamental. 1956 Em 1956, a família de Lula mudou-se para São Paulo e foi morar em único cômodo, nos fundos de um bar, no bairro do Ipiranga. 1978 Foi reeleito presidente do sindicato (98% dos votos) e, após 10 anos sem greves operárias – em razão do regime opressivo em vigor –, ocorreram no País as primeiras paralisações. 1979 Em março, 170 mil metalúrgicos pararam o ABC paulista. O carismático dirigente liderou, então, assembleias no estádio de Vila Euclides. Os participantes não se intimidaram diante do aparato policial. 1964 A crise após o golpe militar de 1964 levou Luiz Inácio a mudar de emprego, passando por várias fábricas até ingressar nas Indústrias Villares, uma das principais metalúrgicas do País, localizada em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Trabalhando na Villares, ele começou a ter contato com o movimento sindical através de seu irmão José Ferreira da Silva, conhecido como “Frei Chico”. 1984 Participou, como uma das principais lideranças, da campanha das Diretas-Já, que reivindicava eleições imediatas para Presidente da República. 1986 Foi eleito o deputado federal mais votado do País para a Assembleia Nacional Constituinte, com 650.134 votos. 1992 A partir de 1992, Lula atuou como conselheiro do Instituto Cidadania, organização não governamental criada após a experiência do Governo Paralelo, voltada para estudos, pesquisas, debates, publicações, formulação de propostas de políticas públicas nacionais e promoção de campanhas de mobilização para conquista dos direitos de cidadania para todo o povo brasileiro. 2009 Luiz Inácio comemorou a conquista do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016. E começou a preparar a campanha de Dilma Roussef. Presidência do Brasil. G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 7 Telegram: @clubederevistas DE GARANHUNS PARA SÃO PAULO A INFÂNCIA E A JUVENTUDE DE LULA FORAM MARCADAS POR SOFRIMENTO, POBREZA E MUITAS MUDANÇAS Algumas semanas depois do nas- cimento do sétimo filho, Aristides migrou para o Estado de São Paulo em busca de melhores condições de vida. São Paulo – então como hoje – era o maior pólo de empregos do País, atraindo milhares de migrantes de to- do o Brasil, principalmente do agres- te nordestino, assolado desde sempre pela seca. Os migrantes nordestinos que buscavam escapar das duras con- dições do semiárido costumavam vir antes de suas famílias, para encontrar Por Claudio Blanc Luiz Inácio da Silva nasceu na pequena cidade de Garanhuns, interior de Pernambuco, em 27 de outubro de 1945. Era o sétimo dos oito filhos de Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Mello, apelidada de dona Lindu. Pobre, quase miserável, o casal alimentava as crianças com abóbora, farinha de mandiocae algum leite cedido pelo avô, dono de umas poucas vacas. 8 INFÂNCIA E JUVENTUDE Telegram: @clubederevistas trabalho e se estabelecer. Depois, tra- ziam suas mulheres e filhos. Foi o que Aristides Inácio da Silva fez. Em par- te. Ele não foi sozinho: trouxe uma prima de dona Lindu, Valdomira Ferreira de Góes, com quem acabaria constituindo família. O menino Luiz, apelidado de Lula, só veio a conhecer o pai em 1949, aos 4 anos de idade, quando Aristides foi visitar a família em Garanhuns para, em seguida, voltar a Santos, onde tra- balhava como estivador no porto. Em 1952, dona Lindu resolveu ir ao encontro do marido e, sem avisá- lo, migrou para São Paulo com os fi- lhos. A viagem foi feita em um pau- de-arara, uma forma irregular de transporte, ainda usada no Nordeste. Suas origens remontam aos tempos em que quase não havia ônibus e as estradas eram muito precárias. São caminhões adaptados para trans- portar passageiros. Sobre a carroce- ria do veículo, tábuas são colocadas para servirem de assento. Uma lona usada como cobertura ajuda a prote- ger da chuva e da poeira. Foi na car- roceria de um desses caminhões que dona Lindu e os filhos vieram para o Sul, numa viagem de 13 dias. Mas as dificuldades da viagem não foram amenizadas com a chegada. Em Santos, descobriram que Aristides ti- nha outra família. Ele e a prima de do- na Lindu haviam tido filhos. Provavelmente, Dona Lindu já es- tivesse desconfiada, mas a falta do apoio esperado apenas piorou a pre- cária situação da família. Ela e seus fi- lhos foram, então, morar em Vicente de Carvalho, bairro pobre do Guarujá, cidade vizinha a Santos, onde Aristides vivia e trabalhava. Durante esse tem- po, Lula manteve certo convívio com o pai. Uma vez, quando o garoto já tinha 10 anos, Aristides estava distribuin- do sorvetes entre os filhos do segun- do casamento, mas, quando chegou a vez de Lula, ele negou. “Você nem sabe chupar”, argumentou. Aquela teria si- do a primeira vez que o menino iria to- mar um picolé. De Vicente de Carvalho, dona Lindu e os filhos foram morar em Santos. Ainda aos 7 anos, Lula co- meçou a trabalhar. Primeiro como Cena de Lula, o Filho do Brasil D IV U LG A Ç Ã O / O TÁ V IO D E S O U Z A G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 9 Telegram: @clubederevistas vendedor de amendoim, laranja e ta- pioca nas ruas daquela cidade. Ao mesmo tempo, fazia a escola primá- ria no Grupo Escolar Marcílio Dias, onde foi alfabetizado. Em 1956, dona Lindu resolveu mu- dar-se para São Paulo com os oito fi- lhos. A partir de então, Lula pouco viu o pai, que veio a falecer em 1978. Na capital paulista, a família passou a mo- rar no bairro do Ipiranga, em um quar- tinho nos fundos de um bar. A pobreza em que viviam beirava a miséria. Dona Lindu, porém, orgulhava-se de nunca ter deixado sua prole passar fome. Como não podia deixar de ser, em São Paulo, Lula continuou a tra- balhar. Aos 12 anos, conseguiu seu primeiro emprego numa tinturaria. Também foi engraxate e office-boy. Aos 14, foi trabalhar nos Armazéns Gerais Columbia. Pela primeira vez, o rapaz teve a Carteira de Trabalho assinada. O início de sua trajetó- ria profissional o levou à Fábrica de Parafusos Marte. Ele, então, fez um curso de torneiro mecânico no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). O curso durou três anos, ao final do qual Lula obteve seu diploma técnico. Antes de ter recebi- do seus títulos honoris causa de al- gumas universidades prestigiosas, es- se era o único diploma conquistado por Lula. A instabilidade resultante da cri- se após o golpe militar de 1964 levou Luiz Inácio a mudar de emprego diver- sas vezes. Nesse período, o metalúrgi- co passou por várias fábricas. Em uma delas, a Aliança, sofreu um acidente quando trabalhava no turno noturno. Seu colega cochilou e fechou a pren- sa transversal sobre sua mão esquer- da. O descuido custou o dedo mínimo do futuro presidente. “Acho que per- di o dedo por descuido médico”, dis- se o presidente em entrevista ao repór- ter da Editora Abril, Josué Machado. Segundo Lula, “a prensa pegou a me- tade [do dedo], então, pelo menos um pedaço o médico poderia ter aprovei- tado. Mas achou mais fácil dar anes- tesia e cortar tudo”. Finalmente, Lula foi trabalhar nas Indústrias Villares, uma das principais metalúrgicas do País, em São Bernardo do Campo, no pólo Cena de Lula, o Filho do Brasil D IV U LG A Ç Ã O / O TÁ V IO D E S O U Z A O metalúrgico passou por várias fábricas. Em uma delas, a Aliança, sofreu um acidente quando trabalhava no turno noturno. Seu colega cochilou e fechou a prensa transversal sobre sua mão esquerda. O descuido custou o dedo mínimo do futuro presidente 10 INFÂNCIA E JUVENTUDE Telegram: @clubederevistas industrial do ABC paulista. Foi na Villares que começou a ter contato com o movimento sindical, levado pela mão de seu irmão mais velho, José Ferreira da Silva, o Frei Chico. Casamentos e filhos No curso de sedimentar sua vi- da, em 1969, Lula se casou com Maria de Lurdes, operária da indús- tria têxtil. Mas o casamento durou pouco. Grávida, Maria de Lurdes contraiu hepatite e veio a falecer. A criança também não pode ser sal- va. Viúvo, Lula foi buscar apoio em um breve romance com a enfermei- ra Mirian Cordeiro, do qual nasceu uma menina, Lurian Cordeiro da Silva. Mirian e Lula se conheceram em 1972, quando ele cuidava do de- partamento de INPS do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias tina, uma faca e uma lata de leite Mococa. Eram os móveis que a gente tinha. Nessa lata, ela guardava a broa para ele. Fico pensando na coragem da mi- nha mãe em deixá-lo, uma mulher analfabeta, com oito filhos para criar. Penso também em como a vida do povo piorou. Meu pai era estivador e sustentava duas famílias, pagava dois aluguéis. Trabalhava todo chique, de terno e gravata. Minha mãe largou tu- do e foi embora. Fomos morar num barraco. Um dia, fomos ao cinema e, quando voltamos, as paredes do bar- raco haviam caído. Mesmo isso não desanimava a minha mãe”. Os maus tratos que Aristides dedicava às suas mulheres e aos filhos fizeram, como não podia deixar de ser, que ele terminasse seus dias sozinho. Morreu em 1978 de complicações causadas pelo alcoolismo e foi enterrado como indigente. Nenhuma de suas mulheres (em Vicente de Carvalho corria o boato de que ele tinha sete) quis assumir a responsabilidade do corpo. Aristides, o pai Tanto Luiz Inácio como os irmãos conservam uma imagem negativa de Aristides. O irmão mais velho de Lula, José Ferreira da Silva, mais conheci- do pelo apelido “Frei Chico”, disse em entrevista: “Não diria que era uma fi- gura ruim. Era rude. Meu pai tinha um comportamento pouco recomendável. Muito bruto, não tinha carinho com os filhos. Não deixava os filhos fazerem praticamente nada. Quando estava chegando a hora de meu pai chegar em casa, era uma tortura para todos nós”. Lula relembra as dificuldades que a família tinha com o pai e a pobreza que enfrentaram quando vieram para São Paulo: “Lembro pouco da minha infância em Pernambuco. Lembro da minha vida depois de chegar a Santos, quando vivíamos num lugar mais civilizado. Um dia, a mãe descobriu que a outra mulher do meu pai ganhava mais coisas que ela. Tinha uma quitanda e o pai mandava entregar os alimentos. Aconteceu de entregarem errado. A mãe foi acumulando raiva. Meu pai era bruto, ignorante. Quando minha mãe o abandonou, só tínhamos uma Quando Lula já tinha seus 10 anos, Aristides estava distribuindo sorvetes entre os filhos do segundo casamento, mas, quando chegou a vez de Luiz Inácio, ele negou. ‘’Você nem sabe chupar’’, argumentou. Aquela teria sido a primeira vez que o menino iria tomar um picolé Metalúrgicas e de Material Elétrico de São Bernardo do Campo e Diadema. “Ele ainda era um peãozão, mas um neguinho bonito, um gati- nho”, declarou Mirian em uma entre- vista em 1989. Quandose conhece- ram, ela trabalhava como atendente de enfermagem da clínica modelo – uma das clínicas para onde o sindicato en- caminhava seus associados. De acor- do com uma reportagem publicada no Jornal do Brasil em 1989, “razões de trabalho e o então presidente do sindi- cato, Paulo Vidal, acabaram por apro- ximá-los”. O namoro ia bem – Mirian se lembra de muitas idas ao cinema e de várias festas no sindicato – até que a notícia da gravidez, que não esta- va nos planos de ambos, abalou Lula. O relacionamento continuou, “mas muito espaçado”, contou Mirian, até que a menina nasceu “com dois quilos e 600 gramas”, na clínica São Camilo. “Ele ficou superalegre”, de- clarou a enfermeira. Pagou todas as despesas, registrou a filha em seu no- me e passou a visitá-la com alguma frequência – “mas sem querer assu- mir um compromisso maior”, segun- do a mãe. Mirian, insatisfeita com a situação, chegou a proibir que o pai visitasse a criança, mas a avó, dona Beatriz, sempre dava um jeitinho. Esse antigo caso de Luiz Inácio foi apresentado ao grande público de forma deturpada em 1989 por Fernando Collor, que disputava a presidência com Lula. Na ocasião, Mirian declarou que Lula a tinha abandonado grávida. No entanto, de acordo com Luis Maklouf, em re- portagem no Jornal do Brasil de 26 de abril de 1989, “Lula nunca dei- xou de vê-la e [na época da campa- nha para presidente de 1989] até a aproximou de seus quatro filhos”. Mesmo assim, Luiz Inácio evitava mencionar Lurian. Maklouf con- ta que, certa vez, o ator Antônio G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 11 Telegram: @clubederevistas Fagundes “perguntou-lhe quantos filhos tinha e Lula, mesmo com a fi- lha do lado, não a mencionou”. Ele respondeu, “tenho quatro” e acres- centou “todos homens”. Dona Lindu, a mãe Em depoimento à revista Época, quando foi eleito presidente pela pri- meira vez, em 2002, Lula afirmou so- bre dona Lindu: "Minha mãe simboliza dignidade, comportamento ético. A idéia de que não basta ser pobre, mi- serável, para ser bandido. Ela sempre foi uma alentadora de esperanças, não desanimava nunca. Não lembro de tê-la visto de mau humor. Mesmo nas situações mais complicadas, ti- nha esperança. Isso foi o que sempre inspirou a minha vida. Acreditar que a gente sempre podia fazer mais, con- quistar um espaço maior. Para isso, só é necessário brigar”. Em 1974, Lula se casou nova- mente, com a também viúva Marisa Letícia da Silva. Em uma entrevista dada no início de sua carreira polí- tica, o atual presidente contou como conheceu Marisa: “eu saía da casa de uma namorada à meia-noite ou 1 da manhã e pegava um táxi na pra- cinha de São Bernardo. Era o táxi de um velho. Um dia, não sei por quê, contei a ele que era viúvo. Então, ele me contou que tinha uma nora muito bonita, e que o filho tinha si- do assassinado três meses depois do casamento. Ele continuava muito re- voltado com a morte do filho e me contou que a nora não ia mais se ca- sar. Como tinha contado minha his- tória para ele, de vez em quando [eu] pegava o táxi e ele desabafava, fala- va do filho. E, às vezes, também fala- va da nora (...) Nessa época, Marisa apareceu no sindicato. Ela foi buscar um atestado de dependência econô- mica para internar o irmão. Eu tinha dito ao Luisinho, que trabalhava co- migo no sindicato, que me avisasse sempre que aparecesse uma viuvinha bonitinha. Quando a Marisa apare- ceu, ele foi me chamar”. Naquela época, Lula era primeiro- secretário e diretor do Departamento de Previdência. Formal mente apre- sen tado, ele passou a telefonar para Marisa. Então, descobriu que a nora do taxista e a viúva eram a mesma pessoa. Seis meses depois, se casa- ram. Lula assumiu a paternidade do primeiro filho de Marisa, Marcos, e teve outros três com ela: Fábio Luiz, Sandro Luiz e Luiz Cláudio. O Lula daquela época gostava de futebol, era fã de bangue-bangue e mal lia os jornais. H Lula no velório de sua mãe, Dona Lindu, em 12/05/1980 AGÊNCIA GLOBO/ SILVIO CORRÊA 12 INFÂNCIA E JUVENTUDE Telegram: @clubederevistas A ATUAÇÃO DE LUIZ INÁCIO NO COMANDO DOS TRABALHADORES DO ABC PAULISTA Em 1969, Luiz Inácio recebeu um convite inesperado. Seu irmão, Frei Chico, que de religioso não tinha nada além do apelido, não pode participar da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico de São Bernardo do Campo e Diadema e in- dicou o irmão mais novo para o cargo. De início, Lula não quis aceitar, mas acabou cedendo a contragosto. Dessa forma, relu- tante e por acaso, Luiz Inácio entrou no mundo sindical. Mal sabia ele que a estrada o levaria à presidência do Brasil. O NOVO SINDICALISMO Por Claudio Blanc Lula na Assembleia dos Metalúrgicos de São Bernardo em 13/05/1979 A G Ê N C IA O G LO B O / A N TO N IO C A R LO S P IC C IN I G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 13 SINDICALISMO Telegram: @clubederevistas Com seu jeito franco e fala cati- vante, Lula se revelou um líder nato. Nas eleições sindicais de 1972, tor- nou-se primeiro-secretário. A partir de então, começou a mudar as con- cepções sobre as práticas sindicais. O novo primeiro-secretário assumiu o setor de previdência social da entida- de. Seu trabalho apontava uma lide- rança promissora e renovadora. Em 1975, foi eleito presidente do sindica- to com 92% dos votos. Lula passou a representar 100 mil trabalhadores e foi tido como “líder orgânico”, al- guém com imenso poder para articu- lar as bases, pois sua liderança é na- tural, espontânea e – principalmente – reconhecida pelos seus liderados. Em 1978, foi reeleito presidente. Estava no lugar certo na hora certa. Após mais de dez anos sem greves operárias, os trabalhadores come- çaram a se mobilizar contra os pro- blemas socioeconômicos resultantes dos desmandos da ditadura militar. Foram as primeiras paralisações a desafiar a ditadura. Com o golpe militar de 1964, os sindicatos e sindicalistas foram re- primidos. Entre outras medidas, a Lei de Greve foi limitada e a esta- bilidade no emprego foi substituída pelo Fundo de Garantia. Em 1968, em Osasco, São Paulo e Contagem, os trabalhadores se levantaram em uma grande greve. Mas eram os Anos de Chumbo, e os operários re- primidos se calaram. Uma greve daquela magnitude só voltou a acontecer durante a di- tadura na sexta-feira 12 de maio de 1978, na fábrica da Scania, em São Bernardo do Campo. Revoltados com mais um holerite sem reajuste, os operários colocaram em prática a palavra de ordem “braços cruzados, máquinas paradas”. Os trabalhadores sentiam-se in- justiçados. Na época, era o governo militar quem estipulava os aumen- tos, e os salários dos trabalhadores eram mantidos baixos. No entanto, o ganho das empresas era conside- rável. Os militares agiam assim pa- ra garantir o lucro dos empresários – especialmente dos grupos multina- cionais, de quem esperavam receber transferência tecnológica. Cientes dos lucros da Scania e sem aumento de salário, os líderes sindicais propuseram a greve. Às 7h da manhã, quando começou o turno do dia 12, o pessoal da ferramenta- ria, o coração da fábrica, manteve as máquinas desligadas. A repercussão política foi enorme. A greve da Scania representava a re- tomada do sindicalismo no Brasil, em plena vigência do Ato Institucional nº 5, que cassou direitos e liberdades, inclusive o de manifestação dos tra- balhadores. Os operários da Scania permaneceram parados durante dois dias, mas foi o bastante para abalar as estruturas estabelecidas entre o Estado e os industriais. O movimento encorajou uma sé- rie de greves, paralisando 280 mil trabalhadores de diversas catego- rias durante os dois meses seguin- tes. Laís Abramo, socióloga, dire- tora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil e auto- ra do livro O Resgate da Dignidade: Greve Metalúrgica e Subjetividade Operária, observou que os grevistas“foram homens e mulheres que tive- ram a coragem de inventar caminhos naquele momento tão difícil”. O esforço foi premiado. Quatro meses depois daquele 12 de maio, um milhão de pessoas já tinham recebido reajustes acima dos estipulados pelo governo. Mas o significado principal foi, segundo Lula, o resgate da dig- nidade. “Os trabalhadores queriam o direito de andar de cabeça erguida”, como dizia o então líder sindical. No comando Durante as paralisações, à fren- te do Sindicato dos Metalúrgicos de Frei Chico José Ferreira da Silva, o irmão mais velho de Lula, foi quem o levou a militar no sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano do Sul. Mais conhecido pelo apelido que recebeu de seus companheiros, Frei Chico – que também já foi apelidado de Zé Gordo, Zé Careca ou Ziza, conforme seus irmãos o chamavam – se tornou sindicalista ainda na década de 1960. Seus irmãos ainda lembram das pregações que ele fazia ao regime militar. “Eles me chamavam de comunista e diziam que eu podia ser preso”, recorda ele. De fato, Frei Chico se filiou ao clandestino Partido Comunista Brasileiro em 1971, nos Anos de Chumbo, período em que a ditadura militar endureceu desproporcionalmente a repressão. Em 1975, Frei Chico foi preso pelo governo militar e passou 48 dias na prisão, onde, conforme a prática dos militares, foi torturado. Depois de solto, passou a atuar com mais discrição política. Com a abertura, no final dos anos 1970, se tornou presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano do Sul. Working Class Hero: foi assim que a revista americana Newsweek chamou Luiz Inácio Lula da Silva, numa matéria publicada em 1979. Além de comandar as greves que desafiaram o regime, Lula foi um dos precursores do Novo Sindicalismo, o viés sindical independente que buscaria orientar o sindicalismo a partir de então 14 SINDICALISMO Telegram: @clubederevistas São Bernardo do Campo e Diadema, aquele nordestino barbudo, de 34 anos e com um apelido estranho, de- fendia um sindicalismo desatrelado do Estado, fora dos padrões sedi- mentados pelo peleguismo da épo- ca. Bradava orgulhoso que o movi- mento era dos trabalhadores. “Nem eu nem meus colegas de di- retoria tínhamos participado de uma greve antes. Então, a gente não sabia se pulava de alegria ou ficava com medo”, declarou Lula ao recordar o momento. Com medo ou não, o líder meteu-se em muitas greves naquele ano. Em entrevista à revista Playboy de julho de 1979, Luiz Inácio fez um balanço das lições aprendidas: “com essas duas greves que fizemos em 11 meses, a classe [trabalhadora] se uniu mais, surgiram novos líderes e os tra- balhadores passaram a se interessar mais pelo sindicato. Aprendemos que melhor que uma luta só duas lutas. Vencemos: os trabalhadores redesco- briram sua força. E, pela primeira vez em 15 anos, dirigentes cassados fo- ram chamados para negociar”. Lula se tornou o mais importan- te líder sindical no País desde 1964 e foi saudado pela imprensa, por as- sociações empresariais e até pelo go- verno. Em pouco tempo, tornou-se unanimidade nacional. “É um líder sindical sério, não tem nada de po- lítico, não vai querer faturar”, decla- rou o empresário Luis Eulálio Bueno Vidigal à época. “É uma das coisas mais importantes que têm acontecido neste país”, disse o então embaixador brasileiro em Paris, Delfim Neto. Surgia, assim, um novo líder po- lítico no Brasil. A voz de uma clas- se que teve força e coragem para se mobilizar. Alguém que talvez pu- desse ter sucesso onde outros, como Negociação entre metalúrgicos e patrões na Fiesp, em 15/03/1978 A G Ê N C IA O G LO B O / JO Ã O B IT TA R G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 15 Ainda que a sociedade civil, já no início da década de 1970, começasse a demonstrar preocupação com os limites à democracia impostos pelo regime, o movimento sindical, a Igreja Católica e a guerrilha armada foram os setores a opor maior resistência à ditadura militar. Embora os sindicatos tenham sido fechados e as lideranças sindicais perseguidas, os trabalhadores continuaram se reunindo em assembleias, ainda que supervisionadas pela Secretaria do Trabalho, a qual nomeou interventores para os diversos sindicatos. De acordo com Manoel dos Santos, ex-diretor do Sindicato dos Padeiros de São Paulo, “o período entre 1964 e 1968 foi de total estagnação política. Acabaram-se as greves e as deliberações. Embora as assembleias continuassem acontecendo, toda a articulação política havia sido subtraída desses encontros”. Dessa forma, as assembleias sindicais acabaram assumindo caráter estritamente informativo. Além disso, eram monitoradas pela Secretaria do Trabalho. Para tanto, arapongas buscavam se infiltrar entre os sindicalistas. Com o sindicato amordaçado, o governo determinava os aumentos salariais, respeitando a data do dissídio. No entanto, a tabela elaborada pelo sindicato – uma das primeiras conquistas da organização – foi abolida: um sinal do engessamento do movimento trabalhista, uma vez que apenas a classe patronal tinha voz, protegida pelo regime. Assim, os aumentos salariais eram invariavelmente insatisfatórios. No entanto, com a abertura política trazida pelo presidente João Figueiredo, a partir de 1979, e pressionados pela crise econômica e inflação galopante os trabalhadores desafiaram o regime, convocando greves e paralisações. Dessa forma, davam um basta aos militares. Oposição à ditadura militar Telegram: @clubederevistas Lamarca e Marighela, não tiveram e ajudar no esforço da sociedade civil para derrubar o ditadura. O Lula de 1978 desconfiava de políticos, proibia a entrada de estu- dantes em assembleias operárias, re- cusava alianças com a Igreja e prega- va que “a solução dos problemas do trabalhador não está nos partidos, mas em sua própria classe”. Novo Sindicalismo A atuação de Lula e de outros sindicalistas deu origem ao “Novo Sindicalismo”, uma abordagem sin- dical diferente da vigente, a qual se caracterizava, nas palavras de Tânia Regina Exposito Ferreira, autora do estudo O Processo Discursivo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Partir de Entrevistas a Alguns Jornalistas, “pelo clientelismo e pelo assistencialismo sindical que marca- ram, durante anos, a vida da classe trabalhadora brasileira, movida por um regime antidemocrático”. “Este sindicalismo seria uma rup- tura com as práticas estabelecidas no passado. Não um passado genérico, mas principalmente aquele demarca- do pelo período 1945/1964”, observa Marco Aurélio Santana, pesquisador trabalhadores, pessoas que não acei- tam esse tipo de exploração, que que- rem participar da vida política do País, que não viveram o populismo de Getúlio Vargas. São pessoas que começam a acreditar nelas mesmas”. E conclui, pontuando a independên- cia do movimento: “são quadros de dirigentes sindicais que não tiveram nenhum compromisso com o sindi- calismo de antes de 1964, pois surgi- ram mesmo a partir de 1969”. Muitos dos elementos do “Novo Sindicalismo” partiram do que al- guns estudiosos chamaram de “in- terpretação política”. O movimento operário e sindical tinha consciên- cia do seu papel de peso na oposição ao regime. O impacto da ação dos da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). “O novo sindicalismo agregava uma série de forças distintas entre si, mas que tinham em comum, entre outras coisas, o posicionamen- to contrário àqueles outros setores os quais classificavam como reformistas e/ou pelegos e que entravavam o de- senvolvimento da luta dos trabalhado- res em busca de suas reivindicações”, explica Santana. Outra característica do movi- men to é que ele era sustentado por uma classe trabalhadora jovem, li- vre das influências dos antigos ope- rários. Conforme o próprio Lula declarou em 1979, “o que está exis- tindo lá no ABC, principalmente em São Bernardo, é uma massa jovem de O Lula de 1978 desconfiava de políticos,proibia a entrada de estudantes em assembleias operárias, recusava alianças com a Igreja e pregava que “a solução dos problemas do trabalhador não está nos partidos, mas em sua própria classe” Lula distribuindo jornais na porta da Volkswagen em 05/04/1979 AGÊNCIA O GLOBO/ HUGO KOYAMA 16 SINDICALISMO Telegram: @clubederevistas A prisão de Lula No dia 1º de abril de 1980, cem mil encheram o estádio da Vila Euclides, desafiando o poder militar. Imediatamente, o Exército buscou intimidar a manifestação. No dia 17 de abril, os trabalhadores voltaram a se mobilizar, mas dessa vez os militares Lech Walesa Na época em que Lula comandava os trabalhadores nas greves que abalaram o regime militar, o bloco comunista do leste europeu começava a se desmantelar. Da mesma forma como aconteceu no Brasil, foram os operários que se ergueram contra os regimes totalitaristas. O movimento se iniciou na Polônia e se alastrou para os outros países da Cortina de Ferro. O polonês Lech Walesa entrou para a história universal do movimento operário em agosto de 1980 ao liderar a greve desencadeada no porto de Gdansk. Ativista sindical desde 1970, católico de não perder missa, Walesa comandou no segundo semestre de 1980 uma onda de greves que conquistou melhores salários e condições de vida para os trabalhadores da Polônia, derrubou ministros e – fato impensável num país comunista – organizou sindicatos livres da máquina do Estado. Walesa foi um dos fundadores do Solidariedade, a primeira central sindical independente do mundo comunista, que reuniu 10 milhões dos 13 milhões de operários poloneses. Em 1981, Walesa e Lula se reuniram na Itália. De acordo com Santana, passados 20 anos, “o ‘novo sindicalismo’ se tor- nou, através da CUT, o projeto mais duradouro da história do sindicalis- mo nacional, incorporando sua parce- la mais significativa”. Recentemente, Lula lembrou a importância histórica do movimento sindical, em especial da greve de 12 de maio de 1978, para mudar as relações de trabalho. “Sinto- me vitorioso porque vejo que as coi- sas estão acontecendo em nosso país”, declarou na ocasião o atual presidente da República. Projeção política Depois da vitória das greves, Lula começou a falar na necessidade de os trabalhadores criarem um partido próprio e estreou sua participação em campanhas políticas, apoiando o can- didato a senador pelo MDB, Fernando Henrique Cardoso. Curiosamente, Lula entrou na política pela mão do homem que o derrotaria duas vezes se- guidas em eleições presidenciais. Em 1979, Lula começou a tra- balhar pela criação de uma Central Única dos Trabalhadores (CUT). O governo militar reagiu cassando o mandato da diretoria do sindicato e, em maio, Lula foi preso e enqua- drado na Lei de Segurança Nacional por ''incitar à desobediência coletiva das leis e à luta de classes pela vio- lência''. Os metalúrgicos entraram, mais uma vez, em greve, a mais du- ra e difícil de todas. Lula passou 31 dias preso. Sobre a experiência, de- clarou: “Não tenho medo de ser pre- so, torturado ou mesmo de morrer. Meu único medo é o de falhar, por engano ou por falta de bom senso, com aqueles que confiam na gente.” foram mais rigorosos. Lula e mais 17 dirigentes sindicais foram presos no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), onde ficaram por 31 dias, enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Mesmo assim, a intervenção não arrefeceu os protestos, e a greve continuou por mais 41 dias. Lula foi julgado pela justiça militar em 1981 e condenado a três anos e seis meses de prisão. No entanto, a pena veio a ser revogada pelo Superior Tribunal Militar. A revogação foi resultado do forte apoio da sociedade civil aos operários do ABC, com a mobilização de representantes da Igreja Católica, advogados, jornalistas, estudantes e parlamentares da oposição. Mas enquanto estava preso, Lula perdeu sua mãe. Na verdade, dona Lindu morreu sem saber que o filho tinha sido preso. trabalhadores atingiu a arena políti- ca geral de forma a abalar o regime. Com reivindicações precisas e con- cretas, o “Novo Sindicalismo” apre- sentou posições políticas não tolera- das pela ditadura. O discurso do “Novo Sindicalismo” com relação a patrões, Estado e legis- lação se caracterizava pela radicaliza- ção que buscava combater a intransi- gência dos empresários e as agruras e os sofrimentos no “chão da fábri- ca”. Com relação à ditadura, o movi- mento mostrava a rejeição ao Estado autoritário que pouco, ou nada, fazia pelos trabalhadores. Os proponentes do movimen- to também lutavam por liberdade e autonomia sindical, desatrelando o sindicato do Estado. Lula pregava: “o movimento sindical tem esse cor- dão umbilical preso ao Ministério do Trabalho” e que é “preciso acabar com a contribuição sindical que atre- la o sindicato ao Estado. O sindicato ideal é aquele que surge espontanea- mente, que existe porque o trabalha- dor exige que ele exista”. Em entrevista à revista Cara a Cara, em 1978, Lula comentou as mudanças no sindicalismo brasilei- ro da época, especialmente sobre a busca, por parte de alguns dirigen- tes sindicais, de tornar o sindicalis- mo independente “de uma vez por todas”. Para ele, “isso não acontecia, por exemplo, antes de 1964, quando sabíamos que muitos movimentos eram feitos por interesses políticos, muitas vezes em benefício de quem estava no poder e mesmo de quem não estava, mas queria chegar lá”. Lula notava que neste novo mo- mento haveria “a consciência de que o trabalhador é trabalhador, desacre- ditando de um monte de coisas que o tinham enganado durante muito tem- po. Ele acreditava, por exemplo, que o governo podia fazer muitas coisas para a classe trabalhadora, porque estavam muito marcadas na mente do trabalhador as pseudobenevolên- cias de Getúlio Vargas”. No entanto, continua Lula, “hoje ele não acredita mais nisso. Hoje, ele está acreditando nas suas forças”. G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 17 Telegram: @clubederevistas O SUCESSO DO MOVIMENTO GREVISTA DO FINAL DOS ANOS 1970 LEVOU LUIZ INÁCIO A PENSAR NA CRIAÇÃO DE UM PARTIDO POLÍTICO PARA FAZER VALER A DEMANDA DOS TRABALHADORES FUNDAÇÃO DO Por Claudio Blanc Era uma busca pelo autêntico exercício da democracia. O próprio Lula conta que, du- rante as assembleias nos estádios de futebol, “eu ficava lá naquela trave lá, e a gente, na hora de colocar em votação, a gente gritava: Olha, os com- panheiros que são favoráveis à proposta da Fiesp, por favor, levantem a mão. Ninguém levantava a mão. E a gente falava: Os companheiros que são contra a proposta da Fiesp, levantem a mão. E aí todo mundo... Aqui foi onde a gente descobriu a necessidade de dar um passo adiante, aqui foi on- de a classe trabalhadora criou consciência política. Aliás, eu acho que aqui é que começou o verdadei- ro processo de democratização deste país, porque foi aqui que a classe trabalhadora deu o seu grito de guerra”. No período da ditadura militar, os parti- dos políticos haviam sido extintos, dando lugar a duas agremiações, que funcionavam como pó- los de apoio do governo militar, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e a Aliança para a Renovação Nacional (ARENA). Mas, depois das greves do final dos anos 1970, conscientes da sua força política, os trabalhadores começaram a ide- alizar a fundação de um partido que melhor os re- presentasse. Em uma entrevista da época em que Lula despontou como líder operário, ele descreveu como deveria ser um partido para representar bem os trabalhadores: “esse partido deveria ter com- promisso com as bases, ter trabalhadores. É o que a gente está tentando criar. Um partido para todos os que vivem de salário, não só operários, mas to- dos os que trabalham”. Na apresentação do livro Lula, o Filho do Brasil, de Denise Paraná, Antônio Candido observa a na- tureza do PT como fruto de uma convergência di- nâmica, em determinada conjuntura histórica, dainiciativa sindical, de aspirações difusas cujo alvo é a igualdade econômica e da liderança de Lula. Com a oportunidade histórica, a liderança do movimento operário se aliou a intelectuais, membros do setor progressista da Igreja, políti- cos da oposição e artistas, e fundou o seu parti- do. Com as brisas da Abertura soprando, em 10 18 PARTIDO DOS TRABALHADORES Telegram: @clubederevistas de fevereiro de 1980, no Colégio Sion, em São Paulo, foi criado o PT. De acordo com o escritor Eduardo Bueno, o PT surgia como “a ponta- de lança do movimento sindicalista na região do ABC”. Segundo Jorge Pinheiro, profes- sor da Universidade Metodista de São Paulo, “a ideia do PT surge en- tão de quatro fatores: a nova realida- de social; as mobilizações e lutas que geraram uma nova experiência, não somente sindical, mas democrática e política; a falta de alternativas pa- ra esta nova vanguarda, que neces- sitava se expressar politicamente; e a possibilidade de se expressar atra- vés das direções sindicais classistas e correntes da esquerda socialista”. Mas a criação do PT passou por grandes dificuldades. Conforme ex- plica Pinheiro, autor da tese de dou- torado O espectro do vermelho: uma leitura teológica do socialis- mo no Partido dos Trabalhadores, a partir de Paul Tillich e Enrique Dussel, “os dirigentes sindicais che- garam à questão do PT através do classismo, como mediação entre a questão sindical e política, o Partido dos Trabalhadores necessitou dos quadros políticos”. Estes quadros vieram da esquerda socialista e das O socialismo dos Trabalhadores Em discurso na Primeira Convenção Nacional do Partido dos Trabalhadores, que aconteceu em 27 de setembro de 1981 em Brasília, Lula anunciou o caráter socialista do partido. “O socialismo que nós queremos se definirá por todo o povo, como exigência concreta das lutas populares, como resposta política e econômica global a todas as aspirações concretas que o PT seja capaz de enfrentar. Seria muito fácil, aqui sentados comodamente, no recinto do Senado da República, nos decidirmos por uma definição ou por outra. Seria muito fácil e muito errado. O socialismo que nós queremos não nascerá de um decreto, nem nosso, nem de ninguém. O socialismo que nós queremos irá se definindo nas lutas do dia-a-dia, do mesmo modo que nós estamos construindo o PT. O socialismo que nós queremos terá que ser a emancipação dos trabalhadores. E a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. Antônio Candido observa a natureza do PT como fruto de uma convergência dinâmica, em determinada conjuntura histórica, da iniciativa sindical, de aspirações difusas cujo alvo é a igualdade econômica e da liderança de Lula AGÊNCIA O GLOBO/ JORGE MARINHO G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 19 Lula durante lançamento do PT no Rio de Janeiro em uma igreja de Nova Iguaçu (30/09/1979) Telegram: @clubederevistas comunidades eclesiásticas de base para viabilizar o projeto de constru- ção do Partido dos Trabalhadores. “Os dirigentes sindicais desejavam um partido, mas não sabiam como construí-lo, e as esquerdas socialis- tas e religiosas, na sua maioria in- telectuais e estudantes, sonhavam em encher suas pequenas organiza- ções com trabalhadores fabris. O Partido dos Trabalhadores possibi- litou, então, num primeiro momen- to, o encontro da necessidade com a utopia”, sustenta. E dessa maneira surgiu o PT. A orientação política do novo par- tido era socialista-democrática. O ideal por trás da fundação do partido era o da construção de uma socieda- de que expressasse a vontade de to- dos os trabalhadores explorados pelo capitalismo. Buscava também a cons- trução de uma nova democracia, com raízes nas bases da sociedade e sus- tentada pelas decisões das maiorias, isto é, das massas, e não pelos donos dos meios de produção. E eram os tra- balhadores que deveriam promover sua emancipação. Conforme declara- va sua Carta de Princípios, “a eman- cipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores, que sabem que a democracia é participação or- ganizada e consciente e que, como classe explorada, jamais deverá espe- rar da atuação das elites privilegiadas a solução de seus problemas”. Não ao comunismo Os modelos soviético e maoísta já eram decadentes no início da década de 1980. Cerca de 15 anos antes, o próprio Che Guevara já recusava o comunismo soviético e buscava se alinhar ao maoísmo. No entanto, depois da Revolução Cultural de Mao Tse Tung, que oprimiu duramente a população civil, o regime maoísta também passou a ser visto com desconfiança. Além disso, o PT não queria ser visto pelas classes médias brasileiras como um partido que buscava implantar o comunismo. A sociedade desejava, de fato, o fim do regime militar, mas ainda temia o comunismo. Quando Lula foi projetado a figura pública, a partir da greve da Scania, em 1978, os setores conservadores da sociedade o saudaram como líder de um movimento espontâneo de oposição ao regime. Contudo, nem a classe média nem a elite desejavam que um trabalhador de esquerda assumisse posições como legislador municipal, estadual e, muito menos, nacional. Embora de orientação de esquer- da, o PT surgiu recusando modelos que já estavam em decadência, como o marxismo soviético ou o maoísmo. Tanto que, quando a questão da filia- ção ideológica do PT foi levantada em debate por Fernando Collor durante a campanha presidencial de 1989, Lula respondeu que o PT "jamais de- clarou ser um partido marxista". O próprio Lula colocou essa po- sição em uma entrevista à escrito- ra Denise Paraná. “A verdade é que nós tínhamos duras críticas ao so- cialismo real existente. A nossa bri- ga dentro do PT – depois da queda O presidente confessou à escritora Denise Paraná que sua ascensão se deve às conquistas da classe: “eu digo sempre que eu sou o fiel resultado do crescimento da minha categoria. Nem mais nem menos. À medida que ela avançava, eu avançava” Lula discursa durante Congresso dos Trabalhadores na Indústria em 24/07/1978A G Ê N C IA O G LO B O / S E B A S TI Ã O M A R IN H O 20 PARTIDO DOS TRABALHADORES Telegram: @clubederevistas do muro de Berlim, isso mudou mui- to, e mudou também porque tem ou- tras correntes dentro do PT – era porque a gente nunca aceitou o mo- delo soviético como um modelo al- ternativo da sociedade, nós nunca aceitamos”, disse Lula. Ele recorda igualmente que “nós fazíamos críti- cas ao socialismo porque não admi- tíamos uma sociedade socialista sem liberdade de expressão, sem direito de greve, sem partidos políticos de oposição. Eu já tinha estas informa- ções todas. Não era possível você fa- lar em democracia com um partido só, com sindicatos sem poder fazer greve, sem as pessoas poderem cri- ticar o partido que estava no poder. Nessa época, a gente já fazia estas críticas. Por isso, eu me sinto à von- tade hoje. Hoje, é muito fácil criticar A Carta de princípios do PT é anterior ao Manifesto de Fundação do Partido dos Trabalhadores. Lançado na emblemática data de 1º de maio de 1979, o documento define, conforme o nome, os princípios pelo qual a legenda irá pautar sua atuação. A Carta de Princípios do PT explica a necessidade de se fundar um partido que responda aos anseios da classe trabalhadora. “O PT (...) surge exatamente para oferecer aos trabalhadores uma expressão política unitária e independente na sociedade. E é nessa medida que o PT se tornará, inevitavelmente, um instrumento decisivo para os trabalhadores na luta efetiva pela liberdade sindical”, propõe o documento. Confira abaixo trecho da carta: O PT proclama também que sua luta pela efetiva autonomia e independência sindical, reivindicação básica dos trabalhadores, é parte integrante da luta pela independência política desses mesmos trabalhadores. Afirma, outrossim, que buscará apoderar- se do poder político e implantar o governo dostrabalhadores, baseado nos órgãos de representação criados pelas próprias massas trabalhadoras com vista a uma primordial democracia direta. Ao anunciar que seu objetivo é organizar politicamente os trabalhadores urbanos e os trabalhadores rurais, o PT se declara aberto à participação de todas as camadas assalariadas, repudiando toda forma de manipulação política das massas exploradas, incluindo, sobretudo as manipulações próprias do regime pré-64, o PT recusa-se a aceitar em seu interior, representantes das classes exploradoras. Vale dizer, o Partido dos Trabalhadores é um partido sem patrões! (...) O PT não pretende criar um organismo político qualquer. O Partido dos Trabalhadores define-se, programaticamente, como um partido que tem como objetivo acabar com a relação de exploração do homem pelo homem. O PT define-se também como partido das massas populares, unindo-se ao lado dos operários, vanguarda de toda a população explorada, todos os outros trabalhadores – bancários, professores, funcionários públicos, comerciários, bóia- frias, profissionais liberais, estudantes etc. – que lutam por melhores condições de vida, por efetivas liberdades democráticas e por participação política. O PT afirma seu compromisso com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia nem democracia sem socialismo. Um partido que almeja uma sociedade socialista e democrática tem de ser, ele próprio, democrático nas relações que se estabelecem em seu interior. Assim, o PT se constituirá respeitando o direito das minorias de expressar seus pontos de vista. Respeitará o direito à fração e às tendências, ressalvando apenas que as inscrições serão individuais. (...) O PT declara-se comprometido e empenhado na tarefa de colocar os interesses populares na cena política e de superar a atomização e dispersão das correntes classistas e dos movimentos sociais. Para esse fim, o Partido dos Trabalhadores pretende implantar seus núcleos de militantes em todos os locais de trabalho, em sindicatos, bairros, municípios e O PT manifesta alto e bom som sua intensa solidariedade com todas as massas oprimidas A Comissão Nacional Provisória 1º de Maio de 1979 o socialismo real. Só que a gente cri- ticava já naquela época. Os setores de esquerda que liam as cartilhas de Moscou achavam que nós éramos da CIA. Hoje, eles fazem o discurso que nós fazíamos 20 anos atrás, mas não fazem autocrítica.” No plano internacional, a orien- tação do PT levou, desde o começo, o partido a se alinhar com outras li- deranças de esquerda da América Latina. O programa original do Partido dos Trabalhadores previa uma "política internacional de so- lidariedade entre os povos oprimi- dos e de respeito mútuo entre as na- ções que aprofunde a cooperação e sirva à paz mundial”. Dessa forma, observa Paulo Roberto de Almeida, do Instituto Rio Branco, “o PT apre- senta com clareza sua solidariedade aos movimentos de libertação nacio- nal". O "Plano de ação" para a polí- tica externa buscava "Independência Nacional: contra a dominação impe- rialista; política externa independen- te; combate à espoliação pelo capital internacional; respeito à autodeter- minação dos povos e solidariedade aos povos oprimidos". Conforme observa Almeida, “pela terminolo- gia e propostas de ação, nada, nes- se documento, permitiria desvincu- lar o PT dos conceitos e políticas de uma típica plataforma dos partidos esquerdistas da América Latina no período clássico da Guerra Fria, o que era, aliás, conforme a sua voca- ção afirmadamente socialista”. Desde o início, o partido se fez crítico aos social-democratas, con- forme atesta seu programa original: Carta de Princípios do PT G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 21 Telegram: @clubederevistas "as correntes social-democratas não apresentam, hoje, nenhuma perspec- tiva real de superação histórica do ca- pitalismo imperialista". Essa supera- ção é a busca dos trabalhadores de revogarem um modelo socioeconô- mico que implica não só na explora- ção do proletariado, mas na explora- ção das nações mais pobres pela mais ricas. O termo “capitalismo impe- rialista” refere-se especificamente à expansão norte-americana depois da Segunda Guerra Mundial, em lugar do neocolonialismo que perdurou até o início desse conflito internacional. No entanto, ao chegar ao poder, o PT adotava as orientações capitalistas defendidas por aqueles que criticava. Conforme observou um analista, “nú- cleo duro é composto por sindicalis- tas com uma preocupação, acima de tudo, com os interesses corporativos dos trabalhadores assalariados orga- nizados, o que explicaria a facilidade com que o partido, uma vez no poder, adaptou-se à lógica da economia capi- talista como um todo e à uma política econômica bastante ortodoxa”. De fa- to, já na década de 1990, prefeitos pe- tistas – entre eles o futuro Ministro da Fazenda, Antônio Palocci – adotavam políticas neoliberais, até mesmo pro- movendo privatizações. Luiz Inácio foi um dos principais articuladores da fundação do PT. Presidente do Partido, reeleito des- de sua fundação em 1980, Lula dei- xou o cargo em 1987, reforçando o princípio do rodízio na direção par- tidária. Desde então, tornou-se pre- sidente de honra do PT, levando o partido a conquistar – com ele – o cargo mais alto do País, o de presi- dente da República. H O que foi a Abertura? As eleições parlamentares de 1974 foram vencidas pelo MDB, o partido de oposição comandado por Ulysses Guimarães. Municiado com o apoio público, o MDB aproveitou para tecer duras críticas à política econômica. O presidente militar Ernesto Geisel reagiu com uma promessa de abertura. De fato, derrotada a guerrilha que se opunha ao regime, alguns setores das Forças Armadas reconheciam a necessidade de se voltar gradualmente a um regime civil. Foi o início de um processo lento e custoso. Aos poucos, a ditadura começou a se abrandar. A censura à imprensa foi gradualmente diminuindo, ao mesmo tempo em que as greves eclodiam. Conforme colocou o escritor Jorge Caldeira, “de um lado, os militares procuravam desmontar a máquina de repressão. De outro, cresciam os protestos estudantis”. Mesmo assim, a promessa de abertura não conseguiu evitar episódios como o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, nem da estilista Zuzu Angel, cujo filho também havia sido assassinado pela ditadura, em 1976. Presidente do Partido, reeleito desde sua fundação em 1980, Lula deixou o cargo em 1987, reforçando o princípio do rodízio na direção partidária. Desde então, tornou-se o presidente de honra do PT, levando o partido a conquistar, com ele, o cargo mais alto do País D IV U LG A Ç Ã O 22 PARTIDO DOS TRABALHADORES Telegram: @clubederevistas DEPOIS DE PARTICIPAR DAS ELEIÇÕES PARA O GOVERNO DE SÃO PAULO EM 1982, LULA LUTOU PELAS DIRETAS JÁ E ATUOU NA CONSTITUINTE DE 1988 PRIMEIROS ANOS DA CARREIRA POLÍTICA A Constituição de 1988 teve a participação de 559 congressistas DIVULGAÇÃO/ ACERVO ABR G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 23 INÍCIO DA CARREIRA POLÍTICA Telegram: @clubederevistas Por Claudio Blanc E m 1982, o PT participou de sua primeira eleição. O par- tido já congregava 400 mil mili tantes em todo o Brasil e lan- çou Lula candidato a governador do Estado de São Paulo, concor- rendo contra Franco Montoro, do PMDB. Era a primeira eleição de- pois da abertura política. No entan- to, a Lei Falcão, resquício do regime militar, não permitia o discurso dos candidatos na televisão e no rádio. Os partidos políticos apresentavam a foto de cada candidato, enquanto seu currículo e seu plano de governo era lido por um locutor. Na época, o número da sigla do PT era o 3, não o atual 13. Os slogans usados foram “Vote no 3 porque o resto é bur- guês” e “Trabalhador vota em tra- balhador”. Também foi durante essa campanha queo apelido “Lula” foi incorporado ao nome do futuro pre- sidente. Era mais fácil identificar o candidato pelo apelido. Lula e o PT eram, porém, es trean- tes. As chances de ser eleito eram sa- bidamente pequenas. Conforme Plínio de Arruda Sampaio, autor do estatuto do PT, colocou na ocasião “estamos vi- vendo um período de transição que dá lugar a um quadro eleitoral inteiramen- te novo e até certo ponto indefinido e, como é comum neste tipo de situação, tudo pode acontecer. Por isso, não se pode descartar a possibilidade de uma vitória do Lula nas eleições de 15 de novembro, mas as probabilidades des- te resultado são remotas”. Mesmo as- sim, o partido apostava em Lula. Ele era, segundo Plínio, “candidato pra valer”, isto é, “aquele que consegue ar- ticular em torno da sua proposta par- celas ponderáveis do eleitorado”. O esforço de Lula e do PT nessa ocasião buscava menos a vitória do que a projeção no quadro político na- cional. Plínio Sampaio justificou com propriedade os objetivos daquela campanha: “a candidatura para va- ler busca a vitória eleitoral, mas não considera que esta seja o único objeti- vo justificativo da campanha. A can- didatura pra valer, sem renunciar à vitoria, não é uma candidatura pa- ra ganhar a todo custo. No seu con- texto, a vitória pode vir a constituir, conforme o decurso da campanha, um resultado do esforço desprendi- do, mas não constitui o único motivo deste. A criação de uma força política nova; a ampliação do numero de filia- dos; a consolidação da estrutura par- tidária; a divulgação do programa e da plataforma; a constituição de ban- cadas parlamentares expressivas; a conquista de algumas prefeituras são resultados suficientes para justificar uma campanha para valer”. O PT apostava em sua estrela Ulysses Guimarães presidiu os trabalhos para a elaboração da nova Constituição DIVULGAÇÃO/ ACERVO ABR 24 INÍCIO DA CARREIRA POLÍTICA Telegram: @clubederevistas maior, acreditando que ele era o úni- co candidato capaz de mobilizar to- das as bases partidárias e de entusias- mar, ao mesmo tempo, contingentes expressivos do operariado, dos traba- lhadores rurais e das classes médias. Mas a postura do candidato as- sustava. A imagem do revolucioná- rio, do “tipo Che Guevara”, se sobre- punha à do homem simples. A raiva no tom da voz, a postura e as roupas usadas reforçavam a figura do revo- lucionário em detrimento da do tra- balhador. Com uma plataforma radi- cal, Lula procurava se diferenciar dos políticos tradicionais que disputavam a eleição. De camiseta, o candidato pedia: “companheiro trabalhador, vote no 3 que o resto é burguês”. Mas o eleitorado, que acabava de sair de um período de ditadura mili- tar, de luta contra o comunismo, te- ve medo – talvez fosse como pular da frigideira para cair no fogo. Mesmo assim, apesar da falta de recursos da campanha e dos preconceitos de classe do eleitorado, Lula obteve 1 milhão e 200 mil votos. Deputado Após a derrota nas urnas, Lula e o PT adiantaram-se na campanha pe- las Diretas Já, organizando um co- mício em novembro de 1983 e lan- çando um comitê suprapartidário que desencadeou a campanha no ano seguinte. Lula procurou políticos de vários partidos – entre eles, Leonel Brizola (PDT), Giocondo Dias (PCB) e Tancredo Neves – para tentar apro- var a proposta. E conseguiu. A cam- panha pelas Diretas foi a maior A Constituição de 1988 O PT apostava em sua estrela maior, acreditando que ele era o único candidato capaz de mobilizar todas as bases partidárias e de entusiasmar, ao mesmo tempo, contingentes expressivos do operariado, dos trabalhadores rurais e das classes médias Desde 1964, o Brasil estava sob o regime da ditadura militar e, desde 1967, sob uma constituição imposta pelo governo. A Carta em vigor havia sido reformulada várias vezes, e de forma autoritária, durante o regime militar e não expressava mais a nova ordem política do País . Assim, ao longo do processo de abertura política, emergiu a necessidade de uma nova Constituição mais de acordo com os valores democráticos. Assim, os meses iniciais do governo Sarney – o primeiro governo civil desde o Golpe de 1964 – foram pontuados por debates a respeito da convocação de uma Assembleia Constituinte. Havia, porém, divergências sobre a nova carta magna. Os setores mais progressistas defendiam a formação da Assembleia de representantes, eleitos pelos cidadãos, com a função única de elaborar a nova Constituição, pois acreditavam que uma Assembleia Constituinte exclusiva teria maior representatividade e soberania para elaborar a nova Carta. Mas acabou prevalecendo o Congresso Constituinte, isto é, os deputados federais e senadores eleitos em novembro de 1986 acumulariam as funções de congressistas e de constituintes. A Assembleia Nacional Constituinte, composta por 559 congressistas, foi instalada em 1º de fevereiro de 1987, sob presidência do deputado Ulysses Guimarães, do PMDB. Os trabalhos dos constituintes se estenderam por 18 meses. O grupo majoritário era o Centro Democrático, também conhecido como "Centrão", formado por uma parcela dos parlamentares do PMDB, pelo PFL, PDS e PTB, além de outros partidos menores. No início dos trabalhos do Congresso Constituinte, em busca de defender seus interesses, vários setores da sociedade também contribuíram, através de lobbies, com a Magna Carta. O Congresso também recebeu inúmeras propostas formuladas pelos cidadãos e apresentadas por meio de entidades associativas, subscritas por pelo menos 30 mil assinaturas. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a lei fundamental e suprema do Brasil, foi promulgada em 5 de outubro de 1988. É a sétima a reger o Brasil desde a sua Independência. A nova Constituição sedimentou a democracia brasileira. Entre outros avanços, a Carta de 1988 determina a eleição direta para Presidente da República, Governador de Estado (e do Distrito Federal), Prefeito, Deputado (Federal, Estadual e Distrital), Senador e Vereador. A nova Constituição também determina uma maior responsabilidade fiscal e ampliou os poderes do Congresso Nacional. mobilização popular na história do País. Lançada pelo PT, logo recebeu o apoio do PMDB – o partido modera- do de oposição, o qual deu origem ao atual PSDB – “faltando pouco para se apoderar de tal bandeira”, conforme observou o escritor Eduardo Bueno. Na verdade, os dividendos políticos favoreceram mais o PMDB do que o PT. A campanha acabou sendo lide- rada por Ulysses Guimarães, líder do PMDB, que por conta da sua atuação foi apelidado de “Sr. Diretas”. Lula, embora tenha sido o articulador da campanha e figura importante nos comícios que tomaram as ruas de vá- rias capitais brasileiras, acabou sen- do ofuscado por Ulysses Guimarães e pelo PMDB. Apesar do apoio de toda a popu- lação brasileira à campanha Diretas Já, para se eleger um novo presiden- te por voto popular era necessário G R A N D E S L Í D E R E S DA H I S TÓ R I A | LULA | 25 Telegram: @clubederevistas modificar a Constituição. E, para tanto, era preciso obter o voto de dois terços do Congresso, o qual, por sua vez, era liderado pelo PDS, o parti- do ligado ao governo. A questão foi resolvida com a proposta do deputa- do Dante de Oliveira, do PMDB de Mato Grosso, de uma emenda cons- titucional que introduzia as eleições diretas. Em 25 de abril de 1984, com o Congresso cercado por tropas da polícia militar, a emenda foi votada. Para decepção dos brasileiros, foi derrotada por apenas 22 votos. No entanto, o movimento pelas eleições diretas proporcionou avan- ços. Estava claro que a base de sus- tentação do governo militar estava fragmentada. O golpe de misericórdia veio com a candidatura do oposicio- nista Tancredo Neves, então gover- nador de Minas Gerais. Percebendo mudavam de lado. Em 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo, que venceu com tranqui- lidade o candidato governista,